Pesca - no limite

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Pesca

No limite da irresponsabilidade

O

som compassado do inspirar e expirar constantes é tudo que se escuta. Ao redor, um novo universo se

apresenta. As estrelas não estão mais acima de nossas cabeças e, sim, espalhadas pelo chão em meio a um jardim de flores com formatos até então desconhecidos. Nesse novo universo, não caminhamos pelo jardim; flutuamos sobre ele em companhia de pequenos e grandes peixes. Ali, as tartarugas não são animais lentos e desajeitados, são ágeis campeãs de natação. Estamos a menos de 20 metros de profundidade, submersos nas águas claras do litoral sul do Rio de Janeiro, uma área bem pequena dos mais de 8,5 mil quilômetros que formam a costa brasileira. Ainda assim, mergulhando por ali é possível se sentir parte de uma imensidão oceânica que o homem só começou a mensurar quando saiu da órbita da Terra; mais especificamente em 1961, quando o cosmonauta russo Yuri Gagarin proferiu sua célebre frase: “A Terra é azul”. Há quem acredite que até hoje os oceanos sejam mais desconhecidos do que o espaço. “Nós temos mapas muito melhores da Lua, de Marte e de Júpiter do que dos mares”, diz Sylvia Earle, uma das mais renomadas bió­logas marinhas do mundo. De acordo com a pesquisadora, apenas 5% dos oceanos do mundo já foram devidamente mapeados (leia entrevista na página 24). E as dificuldades para ampliar esses conhecimentos talvez sejam tão grandes quanto para explorar outros planetas do sistema solar. Há menos de um século, submergir em águas oceânicas era uma atividade que oferecia altíssimo risco, realizada com o auxílio

Em Fernando de Noronha uma

forneciam o ar necessário – indumentária

barracuda faz a festa diante de

conhecida como escafandro. A outra opção

um cardume de sardinhas: com

era embarcar em um submarino, alternati-

Texto | Natália Martino

essas ameaçadas, os predadores

va que só estava realmente disponível para

tendem a desaparecer também

militares e alguns poucos pesquisadores.

18

Horizonte Geográfico

e ligadas a compressores de superfície que

Horizonte Geográfico

Ricardo Azoury/ Olhar Imagem

de roupas pesadas, difíceis de serem vestidas

A pesca excessiva está colocando em risco não apenas o equilíbrio da fauna marinha, mas o bem-estar do planeta inteiro

19


Esse cenário só mudaria em 1943, quan-

para mudar isso, daqui a outros 50 anos

do Jacques Cousteau criou, em parceria com

não existirá vida nos oceanos”, completa.

o engenheiro Emile Gagnan, a válvula regu-

A maior causa dessa redução de vida ma-

ladora que permitiu o mergulho autônomo.

rinha é a pesca em larga escala, que hoje

Com ele, podemos passear livremente pelos

extrai cerca de 100 milhões de toneladas de

jardins de estrelas-do-mar, desvendando al-

pescados por ano dos oceanos. E, assim, vai

guns dos segredos da porção azul que domi-

tirando a vida do grande pulmão terrestre.

na três quartos da superfície da Terra.

No balanço do mar

Já temos algumas informações essen-

Pescadores artesanais, como Márcio dos Santos (abaixo) afetam pouco o estoque marinho. O problema é a pesca

Gabriela. É ela que leva Márcio dos Santos

é a de que a maior parte do oxigênio que

para mais um dia de trabalho. Sobre essa

respiramos é produzido por algas oceânicas.

pequena embarcação com nome de mulher,

Sim, o verdadeiro pulmão do mundo é azul,

o pescador parte da praia do Perequê, no

não verde. A segunda é que os oceanos guar-

Guarujá, litoral paulista, à procura de ca-

dam 97% da água do planeta, o que significa

marões sete barbas. Se o balanço do mar

que grande parte da água doce que bebe-

pode ser incômodo para alguns, para ele não

mos originou-se na água salgada e chegou

é mais do que o ritmo que tem embalado

até nós por meio dos ciclos de evaporação e

toda a sua vida. Criado nessa pequena vila

de chuva. A terceira informação que temos

de pescadores, Márcio aprendeu com o pai o

sobre os oceanos, menos animadora, é que

ofício. Teve a oportunidade, também, ao con-

o excesso de pesca está gerando instabili-

trário da maioria dos que navegam ao seu

dades nos ecossistemas de tal ordem que

lado em seus barcos coloridos, de concluir

podem levar ao desaparecimento, por exem-

os estudos. Virou professor de geografia. Mas

plo, das algas que produzem nosso oxigênio.

nem assim abandonou Gabriela.

“Algumas espécies de grandes peixes, como

Ele é um dos 43,5 milhões de pessoas no

tubarões e atuns, tiveram suas populações

mundo que se dedicam diretamente à produ-

reduzidas em 90% nos últimos 50 anos”,

ção primária de peixes, de acordo com dados

alerta Sylvia Earle. “Se não fizermos nada

da FAO (órgão das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação). No caso de Márcio, ele natália martino/horizonte

industrial

ciais. A primeira, e talvez a mais importante,

realiza tudo quase da mesma forma que fazia seu pai. Afasta-se da costa pilotando Gabriela por cerca de 30 minutos, desliga o motor, ajeita suas duas redes, lançando-as ao mar. Essas redes se abrem até tocar o solo arenoso e são arrastadas por cerca de 30 minutos pelo barco. Levam tudo o que cruza seu caminho durante o percurso. No primeiro arrasto daquela manhã ensolarada, além dos camarões sete barbas, as rede trouxeram arraias, peixes espadas, enguias e siris. “Às vezes pegamos até tartarugas”, conta o pescador com ar de lamentação. Segundo ele, em algumas situações ainda é possível devolvê-las vivas ao mar, mas nem sempre. “A pesca de arrasto é bem predatória”, admite. Na maioria das vezes, a fauna acompanhante volta para a água em forma de

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Horizonte Geográfico


comida para aves como o atobá e a fragata, que rondam a pequena Gabriela aguardando o repasto. Ainda assim, é uma pesca artesanal, que só se diferencia daquela feita por gerações passadas pelo acesso às previsões de clima e vento disponíveis na internet. Hoje, mais de 600 mil brasileiros sustentam suas famílias com pescarias artesanais como essa ou no beneficiamento e comercialização de pescados provenientes desse tipo de extração. O trabalho dessas pessoas resulta na produção de 500 mil toneladas de peixe por ano, o equivalente a quase 60% da produção Pescador

com uma pequena quantia.

do delta do

Márcio, por exemplo, volta para casa com cerca de 300 quilos de camarões sete barbas em um bom dia de pesca – muito pouco se comparado com as toneladas de peixes retiradas dos oceanos diariamente por pescadores industriais. Em um dia co-

Aureliano Müller/Folhapress

nacional de pescados. Cada um contribui

Parnaíba (PI) joga sua tarrafa ao mar: 600 mil pessoas estão ligadas à pesca artesanal no país

Horizonte Geográfico

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Noé da Silva

mum no Terminal Pesqueiro Público de San-

chegam a ficar quase dois meses navegando

tos (SP), por exemplo, uma dupla de barcos

sem aportar em terra firme. Levam a bor-

pesqueiros ligados por uma rede, estrutu-

do equipamentos de navegação modernos,

ra conhecida como parelha, descarrega os

como o GPS. Algumas taineiras, que pescam

pescados da sua última empreitada no mar.

sardinhas e tainhas, possuem sonares que

Enquanto cestos carregados de peixes des-

identificam da superfície a localização e o

lizam sobre a ponte improvisada que liga o

tamanho dos cardumes. Todo esse aparato

barco ao porto, Noé da Silva, pescador que

lançado ao mar nos últimos 50 anos elevou

conduz um dos barcos da parelha, diz que

consideravelmente a quantidade de pesca-

a pescaria daquela vez não havia sido das

dos que o homem consegue capturar. Para se

melhores graças aos ventos fortes. “Umas 20

ter uma ideia, no período entre 1950 e 2004,

toneladas de peixe, no máximo”, calcula o

a produção mundial de pescados saltou de

resultado, considerado ruim. A parelha fica

20 milhões para 140 milhões de toneladas.

em alto-mar durante um período que varia

O problema é que o tempo de reprodução

entre dez e 15 dias. Na volta, os dois barcos

dos peixes não diminuiu, nem o número de

podem trazer até 40 toneladas de peixes de

filhotes por ninhada foi ampliado. Ou seja,

mais de 30 espécies.

a pesca vem aumentando muito acima da capacidade de restituição das espécies, que-

Tecnologias ao mar

brando a regra básica da sustentabilidade,

(abaixo, à

Embarcações como essas, com maior ca-

esquerda)

pacidade de carga, motores mais potentes

ajuda no

e mais resistentes a tempestades, avançam

Um amplo estudo que contou com cen-

desembarque

para alto-mar e pescam onde as gerações

tenas de pesquisadores trabalhando durante

de 20

passadas não ousavam. Utilizam técnicas

dez anos em toda a costa brasileira, batiza-

toneladas

mais eficientes, permanecem dias no oceano

do de Programa de Avaliação do Potencial

de peixe no

e são capazes de manter os peixes frescos

Sustentável de Recursos Vivos na Zona Eco-

Terminal

nesse período. Algumas embarcações, cha-

nômica Exclusiva (Revizee), levantou dados

Público

madas, não por acaso, de barcos frigoríficos,

que sinalizam o colapso de várias espécies.

que diz que só podemos tirar da natureza aquilo que ela for capaz de repor.

Camarões, sardinhas-verdadeiras, cações,

Santos (SP)

arraias e corvinas são alguns dos animais natália martino/horizonte

Pesqueiro de

considerados em situação dramática por serem explorados acima dos limites possíveis. A situação é crítica não só no Brasil. De acordo com a FAO (órgão das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), 52% dos recursos pesqueiros marinhos do mundo estão sob exploração máxima. Quase 10% das espécies marinhas são consideradas extintas pela instituição (veja tabela à pag. 26). A diminuição dos recursos pesqueiros ora é percebida, ora não, pelos pescadores. “Quanto mais o tempo passa, menos camarão tem no mar”, acredita José Moreira da Silva, mestre de um barco camaroeiro há 14 anos. “Não tem solução: daqui a no máximo três anos vou ter de abandonar isso aqui e voltar para o Maranhão”, diz, prevendo o

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Horizonte Geográfico


Os modernos barcos pesqueiros de alto-mar tĂŞm equipamentos para localizar, pescar e conservar o

istockphoto

pescado por meses

Horizonte GeogrĂĄfico

23


“Sem azul, não há verde” A oceanógrafa Sylvia Earle defende o fim da pesca industrial e é radical ao dizer que, se não cuidarmos dos oceanos, o futuro da humanidade estará comprometido Brasil para participar do evento Fronteiras do Pensamento, em Porto Alegre (RS), onde concedeu a HG esta entrevista exclusiva. Você desceu às profundezas do oceano muitas vezes. Alguma delas a tocou mais do que as outras? A ocasião em que eu vesti uma roupa chamada Jim, parecida com a dos astronautas, e desci a 400 metros de profundidade, me marcou muito. Até então nós não conhecíamos nada dessa camada do oceano. O máximo que tínhamos feito era recolher grandes tesouros vivos das profundezas, jogar no deck do barco e analisar. Mas não ClLÉber PassUs/fronteiras do pensamento/divulgação

tínhamos a menor noção de como eles fun-

24

cionavam juntos. Eu fiquei lá por 2h30. Para

N

mim, claro, foi viciante. ão quiseram emprestar um submarino para as suas pesquisas, então ela foi lá

e construiu o seu próprio equipamento para

Foi por isso que resolveu começar a construir submarinos?

descer até as profundezas marítimas. Sylvia

Para usar um submarino, era preciso en-

Earle é determinada, e foi essa característica

trar em uma fila de cientistas e dizer o que

que a transformou em uma das mais reno-

iria encontrar. Mas eu não acho que deveria

madas oceanógrafas da atualidade. Dou-

ser necessário antecipar os resultados de

tora pela Duke University (EUA), começou

pesquisas em lugares que nós nunca esti-

a mergulhar na adolescência e direcionou

vemos antes. Então eu abri três empresas,

seus estudos ao desenvolvimento de novas

trabalhei com engenheiros para desenhar,

tecnologias para o acesso e a proteção de

desenvolver e produzir equipamentos para

ambientes marítimos remotos. Ela também

explorar os oceanos. Um deles, o Deep Ro-

liderou o Google Ocean Advisory Council, grupo

ver, chega a mil metros de profundidade e

de cientistas marinhos que forneceu conte-

eu tive o prazer de levá-lo até lá. Fiquei 11

údo e visão científica para o Ocean in Google

horas embaixo d’água na costa do México.

Earth e agora está à frente da Mission Blue

As criaturas eram atraídas pela luz e se

Foundation, que cria e administra áreas de

aproximavam. Depois eu desliguei as luzes

proteção marinha ao redor do mundo. Aos 76

e experimentei a luminescência das próprias

anos de idade, Sylvia continua mergulhando,

criaturas. Todo mundo deveria pelo menos

pesquisando e espalhando suas ideias pelo

colocar uma máscara e dar uma olhada para

mundo. Em setembro de 2011, esteve no

a parte azul do nosso planeta.

Horizonte Geográfico


Desde que mergulhou pela primeira vez até agora, você observou muitas mudanças nos ecossistemas marinhos? Sim, muitas. Noventa por cento dos peixes de algumas espécies grandes, como tubarões e atuns, desapareceram. Fizemos um excelente trabalho em sua transformação em commodities. Eu posso entender e perdoar aqueles que, no passado, começaram essa matança. Eles não sabiam qual era a importância da fauna marinha. Nós não sabíamos que 70% do oxigênio vêm dos micro-organismos que vivem nos oceanos. Agora sabemos há tempo para salvar o planeta, mas não há

mais cara ela fica. É por

tempo a perder. Nosso desafio é estabilizar

isso que comemos ani-

as perdas, recuperar o que pudermos. Não

mais vegetarianos, como

porque amamos as baleias e os golfinhos,

vacas, e não carnívoros,

mas porque isso é importante para a nossa

como leões. Só que atuns

economia, nossa segurança, nossa saúde.

e tubarões, por exem-

fotos: arquivo pessoal

e o problema é que descobrimos tarde. Ainda

plo, estão muito acima É possível recuperar as perdas?

dos leões na cadeia dos

Não podemos voltar atrás, mas podemos

oceanos. Leões comem

fazer melhor do que estamos fazendo. Ainda

animais vegetarianos,

temos 10% dos tubarões, metade dos corais

atuns e tubarões comem

ainda está saudável. Precisamos proteger o

outros carnívoros. Esta-

que restou.

mos atacando o topo da cadeia marinha.

Qual é a maior ameaça para os oceanos? Sobrepesca. Ela reduz a resistência dos

O fato de os ecossiste-

oceanos desmembrando as partes vitais que

mas marinhos estarem

o fazem funcionar. É como pegar uma cidade

tão distantes dificulta a

e tirar supermercados ou algumas ruas. Em

conscientização da sociedade sobre a sua

pouco tempo, essa cidade não vai funcionar

importância?

como antes. Você tira os camarões, as tartarugas, os tubarões e acontece o mesmo.

Sylvia a bordo do Deep Rover (no alto) e a

Às vezes as pessoas me perguntam por

vestimenta de

que deveriam se importar se as baleias mor-

mergulho profundo

rerem. Já ouvi até pessoas dizerem que se É possível alcançar uma pesca sustentável?

Jim (acima):

os oceanos secarem, isso não fará diferença

A merluza negra, um peixe típico da

desvendando

para elas. É um profundo desconhecimento

um mundo ainda

Patagônia, leva 30 anos para amadurecer

de que a nossa vida depende, em primeiro

desconhecido

e gerar filhotes. Não é possível extraí-lo de

lugar, da água – não apenas do material fí-

e já ameaçado

forma sustentável, independentemente do

sico, mas da água combinada com a vida

quanto calcularmos. Atuns levam de dez

que gera oxigênio. Eu digo sempre que sem

a 14 anos para atingir a maturidade, tuba-

água não há vida, sem azul, não há verde.

rões levam 20 anos. Quanto mais no topo

O meio científico já sabe, agora precisamos

da cadeia alimentar está a nossa comida,

garantir que todos saibam.

Horizonte Geográfico

25


istockphoto

Mercado de

fim do seu trabalho na costa de São Paulo

quando ainda era criança. E no meu barco

atuns em

quando os camarões já não estiverem por

nunca faltou peixe”, diz, com a experiência

Tóquio: no

lá. No barco ancorado ao lado do camaroeiro

de seus 50 anos de idade. Os altos e baixos

topo da cadeia

de José, outro pescador, Airton dos Santos,

da produção, ele atribui ao “velhinho lá de

alimentar e

mais conhecido como Magal, mostra-se mais

cima”: “Às vezes o vento e as marés não aju-

ameaçados

otimista. “Escuto essa história de que o pei-

dam, mas não significa que os peixes aca-

de extinção

xe vai acabar desde que comecei a pescar,

baram, só estão em outro lugar”.

Abundância falsa

No limite da irresponsabilidade

Não é o que dizem os pesquisadores. “É

Situação dos estques pesqueiros do mundo 19% 8%

Sobre-explorados Esgotados

52%

Exploração máxima

mes. A diminuição dos estoques de pesca Graça Lopes, pesquisador do Instituto de Pesca de São Paulo, órgão ligado ao governo

18%

do estado que visa estudar a dinâmica dos

Exploração moderada

ecossistemas aquáticos. “Muitos pescadores continuam acreditando que o recurso é Fonte: FAO, 2009

Horizonte Geográfico

riência suficiente para localizar os cardude forma geral é inegável”, afirma Roberto

1% Em recuperação 2% Subexplorados

26

claro que as condições do mar influenciam na pesca, mas as embarcações já têm expe-

inesgotável. Mas não é”, completa. O extenso litoral brasileiro ajuda a dar essa sensação


Lalo de Almeida/SambaPhoto

de abundância infinita de recursos pesquei-

ção de áreas proibidas para barcos maiores.

ros, mas a verdade é que as características

Apesar do esforço, a fiscalização é deficiente

tropicais e subtropicais da nossa costa criam

e os barcos ilegais se proliferam. “Chega a

um cenário para a proliferação de diferentes

ser ridículo. A Polícia Ambiental, que deveria

espécies marinhas, mas a maioria em quan-

fiscalizar a costa da Baixada Santista, não

tidades bem modestas. Hoje conhecemos

tem nem barco!”, lamenta Roberto Graça

às regiões

1.300 espécies de peixes na costa brasileira.

Lopes. “Não fiscalizar acaba estimulando a

próximas da

Destas, 19 estão ameaçadas de extinção e 32

contravenção”, completa. Jorge Luis dos San-

costa, já que

apresentam declínio acentuado. Apesar de

tos, pescador e biólogo, professor de biologia

os barcos não

conhecermos todo esse cenário já há algum

pesqueira na Universidade Santa Cecília, em

contam com

tempo – o estudo do Revizee, por exemplo,

Santos (SP), destaca uma tentativa de re-

tecnologia

foi concluído em 2005 – pouco tem sido feito

cadastramento das embarcações pesquei-

suficiente para

para reverter o quadro.

ras do Brasil iniciada em 2005. “Tentou-se

avançar em

Uma das mais comemoradas leis que

organizar estatisticamente a pesca, mas a

alto-mar

tentam proteger as espécies marinhas foi a

estrutura de funcionários e aportes financei-

que criou o chamado seguro-defeso. Trata-se

ros eram tão precários que o esforço acabou

de uma quantia equivalente a um salário-

não funcionando.”

mínimo paga pelo governo aos pescadores

Ainda assim, as limitações incomodam

profissionais que ficam impedidos de pes-

muitos pescadores. Magal chega a se exal-

car durante os períodos de reprodução das

tar quando começa a falar sobre a burocra-

espécies. Outras regras dizem respeito ao

cia, a dificuldade de obtenção de licenças

licenciamento de embarcações e à defini-

e as regras que considera absurdas. “Não

Rede ao mar diante do Recife: a pesca artesanal se limita

Horizonte Geográfico

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De volta ao paraíso Por Rafael Ribeiro, da Costa dos Corais, Alagoas

divulgação/toyota

A APA (Área de Proteção Ambiental) Costa dos Corais, que existe desde 1997, é uma região de mangue e recifes de corais, marcada por uma incrível biodiversidade que inclui 185 espécies registradas, entre elas algumas ameaçadas de extinção, como o peixe-boi marinho, o mero e tartarugas marinhas. Cerca de 75% das espécies marinhas dessa área interagem de alguma forma com os corais, o que os torna essenciais para a manutenção desse ecossistema. Porém, o geólogo e membro do conselho consultivo da APA Danilo Marx, lembra que sua preservação é muito complexa por serem os corais altamente suscetíveis às alterações do ambiente. Para garantir a manutenção desse berçário de espécies intocado, o Ministério do Meio Ambiente, em parceria com o Ibama e a Universidade Federal de Pernambuco, delimitou uma área de exclusão total em Tamandaré, de aproximadamente 400 hectares, na qual estão proibidas a pesca e o turismo. Essa foi a primeira área de exclusão total em um ambiente marinho criada no país. A bióloga Larissa Vilanova explica, de dentro

APA de Tamandaré, na Costa dos Corais: isolamento tornou a área refúgio e berçário de espécies

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Horizonte Geográfico

das águas rasas dos corais próximos à reserva, que ao remover a interação artificial as espécies se tornaram maiores e seus padrões de comportamento se modificaram, tornando-se menos arredias se comparadas com as mesmas encontradas nos arredores. Essas alterações ocorrem por causa da função de local de reprodução e de berçário que a área ganhou. “Como não há pesca, os animais não desenvolvem o medo dos homens e chegam até a fase adulta sem grandes dificuldades”, acrescenta. De acordo com o chefe em exercício da APA, Pedro Lins, além de a exclusão fornecer maior segurança para a biota marinha, também auxilia diretamente os pescadores na quantidade e qualidade das pescas no entorno da área. “Como a área não possui barreiras para impedir a travessia dos animais, muitos deles migram para fora dela quando a região excede sua capacidade e, assim, podem ser pescados normalmente”, explica Lins, enquanto o barco navega pelos limites de Tamandaré. Para evitar atritos e não gerar o antagonismo da população local pela preservação do ambiente, foi criado um conselho consultivo com representantes das comunidades e de instituições locais. Dessa forma, todas as decisões têm a aprovação popular, o que facilita o trabalho dos fiscais responsáveis pela APA, que podem contar com a ajuda dos moradores para afastar pescadores e turistas que não estão cientes da área de exclusão. Com o sucesso da iniciativa de Tamandaré, que conta com recursos da Fundação Toyota, o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade, assim como os gestores da APA, já planejam montar um mosaico de áreas de exclusão e áreas de visitação contíguas que estimularão o turismo em razão da maior quantidade e diversidade da vida marinha local.


Costa pouco protegida Apesar de numerosas, as áreas litorâneas protegidas pela União não chegam a cobrir 1% do mar territorial brasileiro

AP

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

PA

MA

CE

PI

TO MT

BA

ICO

DF

16 17 18 19 20 RN 21 22 PB 23 PE 24 25 AL 26 SE 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 C 38 O 39 40 41 42 43 44 45 APA = Área de Preservação Ambiental 46 Arie = Área de Relevante Interesse Ecológico 47 Esec = Estação Ecológica 48 MN = Monumento Natural 49 Parna = Parque Nacional 50 51 Rebio = Reserva Biológica 52 Reserva Marinha 53 Resex = Reserva Extrativista 54 Revis = Refúgio de Vida Silvestre 55 56 57 58 LÂ

NT

GO

ES

SP

RJ

PR

SC RS

ESCALA: 0 200 Fonte: ICMBio, 2011

400

600km

EA

MS

N

O

AT

MG

APA Costa das Algas APA de Baleia Branca APA da Barra do Mamanguape APA da Costa dos Corais APA de Anhatomirim Apa de Cairuçu APA de Cananéia-Iguape-Peruíbe APA de Fernando de Noronha APA de Guapamirim APA de Guaraqueçaba APA de Paçabuçú APA Delta do Parnaíba Arie Ilha do Ameixal Arie Ilhas Queimada Grande e Queimada Pequena Arie Manguesais da Foz do Rio Mamanguape Esec da Guanabara Esec de Carijós Esec de Guaraqueçaba Esec de Maracá-Jipioca Esec de Tamoios Esec de Tupinambás Esec de Tupiniquins Esec do Taim MN Arq. das Ilhas Cagarras Parna da Lagoa do Peixe Parna da Restinga de Jurubatiba Parna de Jericoacoara Parna do Cabo Orange Parna do Superagui Parna de Lençóis Maranhenses Parna Marinho de Fernando de Noronha Parna Marinho dos Abrolhos Rebio Atol das Rocas Rebio dos Comboios Rebio de Santa Isabel Rebio Marinha do Arvoredo Reserva Marinha Caeté-Taperaçu Resex de São João da Ponta Resex Mãe Grande de Curuçá Resex Acaú-Goiana Resex Araí Peroba Resex Arraial do Cabo Resex Batoque Resex Cassurubá Resex Chocoaré-Mato Grosso Resex Corumbau Resex de Canavieiras Resex de Curupuru Resex Delta do Parnaíba Resex Gurupi-Piriá Resex Lagoa do Jequiá Resex Maracanã Resex Marinha deTracuateua Resex Pirajubaé Resex Prainha do Canto Verde Resex Soure Revis de Santa Cruz Revis Ilha dos Lobos


Sob proteção

Carlos Secchin/Opção Brasil Imagens

Uma das soluções que mais têm funcionado na recuperação de espécies marinhas é a criação de reservas naturais. Mergulhar com tranquilidade entre tartarugas e corais na região de Angra dos Reis e assistir, de um ponto de vista privilegiado, à exuberância da fauna marinha da região foi possível graças à transformação da área na Reserva Biológica da Ilha Grande. A trajetória de preservação do mundo submerso brasileiro, porém, ainda é muito

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Horizonte Geográfico

recente. A primeira unidade de conservação federal em um bioma marinho só foi criada em 1979, entre o Rio Grande do Norte e Pernambuco. A Reserva Biológica Atol das Rocas (abaixo, em cena submarina) completa em 2011 seus 32 anos de existência. Outras 57 áreas protegidas pelo governo federal foram criadas depois do Atol das Rocas, mas, ainda assim, menos de 1% do mar brasileiro conta com proteção governamental.


podemos ancorar em ilhas. Certo, mas aí vem a tempestade e o que devemos fazer? Ficar em alto-mar rezando para o barco não virar?”, questiona. De acordo com ele, o barco chega ao terminal de pesca e logo aparecem várias pessoas questionando sobre documentações, medindo os peixes, verificando as espécies. Ele encerra a conversa dizendo que “o pescador é muito judiado” e sai rumo a seu barco ainda resmungando. A fiscalização, insuficiente do ponto de vista pescadores. Jorge dos Santos, que, como bió­ logo e pescador, conhece bem os dois lados dessa história, pondera que o setor enfrenta mesmo muitas dificuldades e que, por isso, é

istockPhoto

ambiental, é considerada excessiva pelos

difícil levar adiante medidas para diminuir a

Os dois principais programas atuais de

pesca excessiva. “E ficamos com esse dilema.

estímulo à indústria pesqueira são o Progra-

da pesca:

A pesca é o ganha-pão de muita gente, então

ma Nacional de Financiamento e Moderni-

os recursos

não podemos proibir, mas, se não acharmos

zação da Frota Pesqueira Nacional (Profrota

pesqueiros

um jeito de controlar a atividade, esse ga-

Pesqueira), que facilita o acesso ao crédito

diminuem, as

nha-pão vai acabar”, resume. Talvez por isso

para financiar a aquisição, a construção e

tecnologias

nenhum país tenha até hoje conseguido, na

a compra de equipamentos para as em-

para pescá-los

avaliação do engenheiro de pesca e analista

barcações; e o Programa de Subvenção ao

aumentam

ambiental do Ibama José Dias Neto, um bom

Óleo Diesel, que subsidia a compra desse

e, assim,

resultado na gestão da pescaria sustentável.

combustível. De acordo com Roberto Graça

levam a uma

“Essa é a razão pela qual se enfrenta hoje

Lopes, as pesquisas mostram que o ponto

diminuição

uma crise planetária na pesca”, diz.

máximo da curva de “produção sustentá-

ainda maior

vel” é, em geral, mais alto do que a de “lucro

dos estoques

máximo possível”. Na prática, isso signifi-

pesqueiros.

Menos peixe e mais pesca Enquanto se decide o que fazer para tor-

ca que cruzando os gastos e os ganhos das

nar a produção pesqueira sustentável, as

empreitadas pesqueiras, o volume da pesca

estatísticas apontam para o segmento como

que seria efetivamente lucrativo seria tam-

um dos que mais têm crescido no Brasil. De

bém ambientalmente sustentável. “Mas os

acordo com o IBGE, a produção de pescados,

subsídios governamentais diminuem de tal

entre 2007 e 2009, foi ampliada em mais de

forma os custos da pescaria que a curva de

15%. O crescimento do setor acontece anco-

lucros acaba ultrapassando a de produção

rado em um perigoso ciclo vicioso: enquanto

sustentável e os pescadores passam a retirar

os recursos pesqueiros diminuem, aumenta-

do mar mais pescados do que deveriam”, ex-

se a tecnologia para que seja possível cap-

plica. O engenheiro de José Dias Neto diz que

turar os poucos pescados ainda disponíveis.

esses incentivos deveriam ser utilizados de

Quanto menos peixe no mar, mais tecnolo-

forma associada a regras de uso sustentável

gia será necessária para que a pesca conti-

dos recursos pesqueiros, mas não são – o que

nue lucrativa. Quanto mais intensamente

os torna mais prejudiciais do que benéficos.

a tecnologia for utilizada, maior o impacto

O resultado disso pode ser desastroso. Não

sobre os recursos existentes. E esse ciclo é

só para os peixes, mas também para nós,

alimentado por incentivos governamentais.

seus ávidos consumidores.

Ciclo vicioso

Horizonte Geográfico

31


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