A Montanha Dos Mackenzie – Wolf Mackenzie e Mary Elizabeth Potter – (Mackenzie’s Mountain) Linda Howard Série Mackenzie 1
Resumo: (Livro também conhecido como “Lições Privadas”) O pequeno povoado Ruth Wyoming, está a ponto de receber uma lição das mãos de uma professora recém chegada disposta a ganhar o coração de um homem que acreditava não ter já nada que oferecer. Mary Elizabeth Potter é uma solteirona por escolha que não se faz ilusões respeito ao amor. Mas é também uma boa professora... e quer que o filho do Wolf Mackenzie volte para colégio. Para consegui-lo, enfrentará-se ao pai do menino e a partir desse instante pai e filho entrarão em sua vida, trocando-a para sempre. Sobre o Wolf Mackenzie pesa ainda o estigma de um crime que não cometeu, mas para a pudica Mary Elizabeth Potter não é esse selvagem meio índio ao que todo mundo olha com receio. Para ela, ele é um homem bom e decente. Um homem capaz de amar. Wolf, entretanto, não esta seguro de que o povo ou ele mesmo estejam preparados para aceitálo. :::::::::::::::: Ruth, uma cidade pequena do Wyoming, está prestes a aprender algumas lições com a nova professora local. Para começar, Mary Elizabeth Porter está decidida a convencer o jovem Joe Mackenzie a voltar para a escola. Mas Joe e seu pai, Wolf Mackenzie, sofrem o preconceito dos habitantes de Ruth por serem metade índios e metade brancos. Além de todos os obstáculos morais, Mary enfrenta também a natureza inóspita da montanha dos Mackenzie e, em meio a uma forte nevasca, segue para a fazenda deles. No meio do caminho, encontra Wolf. Agora, Mary sabe que também terá de amaciar o coração amargurado de Wolf e ensiná-lo a maior de todas as lições da vida: a capacidade de amar e de se deixar ser amado.
Capítulo 1 Necessitava de uma mulher. Urgentemente. Wolf Mackenzie não podia dormir. A lua, cheia e brilhante, lançava sua luz chapeada sobre o travesseiro vazio, junto a ele. Seu corpo palpitava dolorosamente de desejo, o desejo sexual de um homem na flor da vida, e o passo das horas só intensificava sua frustração. Por fim se levantou e se aproximou nu à janela; seu corpo, forte e poderoso, movia-se com fluidez. Notava o chão de madeira gelado sob os pés descalços, mas agradecia aquela leve moléstia, que esfriava seu sangue avivado por um anseia sem leito. A luz incolor da lua lavrava as linhas e ângulos de sua cara, testemunho vivo de seu legado ancestral. Sua cara, mais ainda que a densa cabeleira negra que tocava seus ombros ou que os olhos negros de pesadas pálpebras, delatava sua origem indígena, visível em seus maçãs do rosto altos e salientes e em sua testa limpa, em seus lábios finos e em seu nariz aquilino. Menos evidente mas igual de intensa era a herança celta que tinha recebido de seu pai, ao que tão somente uma geração separava das Terras Altas da Escócia. O legado paterno tinha suavizado os traços de índios herdados de sua mãe, dotando ao Wolf de um rosto afiado como uma espada, tão depurado e cortante como robusto. Por suas veias corria o sangue de dois dos povos mais belicosos da história: os comanches e os celtas. Era um guerreiro nato, e no exército se deram conta disso nada mais ao alistar-se. Mas era também um homem sensual. Conhecia bem sua natureza e apesar de que a dominava, havia vezes em que necessitava de uma mulher. Quando isso acontecia, estava acostumado a fazer uma visita a Julie Oakes. Julie era uma divorciada, vários anos mais velha que ele, que vivia em um povoado a trinta quilômetros dali. Suas relações duravam já cinco anos; nenhum dos dois queria casar-se, mas tinham necessidades, e se gostavam. Wolf procurava espaçar suas visitas a Julie, e tomava cuidado de que ninguém o visse entrar em sua casa. Aceitava o fato de que os vizinhos se escandalizariam se descobrissem que Julie se deitava com um índio. E não com um índio qualquer. Uma condenação por violação marcava a um homem de por toda sua vida. O dia seguinte era sábado. Esperavam-no suas tarefas cotidianas, e tinha que ir recolher um carregamento de tábuas para o cercado de Ruth, o povoado situado ao pé de sua montanha. Mas as noites dos sábados tinham sido sempre para desmamar-se. Ele não se desmamaria, mas iria fazer uma visita a Julie e se desafogaria em sua cama. A noite se ia fazendo cada vez mais fria, e umas nuvens densas e baixas se aproximavam. Wolf ficou as olhando até que tamparam a lua. Sabia que anunciavam outra nevada. Não queria retornar a sua cama vazia. Seu rosto permanecia impassível, mas seu sexo palpitava dolorosamente. Necessitava de uma mulher. *-*-* Mary Elizabeth Potter tinha uma infinidade de pequenas tarefas das que ocupar-se aquela manhã de sábado, mas sua consciência não lhe permitiria descansar até que falasse com o Joe Mackenzie. O menino tinha deixado a escola fazia dois meses, um antes de que ela chegasse a ocupar o posto de uma professora que se partiu inesperadamente. Ninguém lhe tinha falado do menino, mas Mary se tropeçou com sua fixa e a tinha lido por curiosidade. No povoado da Ruth Wyoming, não havia muitos alunos, e Mary acreditava conhecê-los todos. Havia, na realidade, menos de sessenta estudantes, mas o índice dos que chegavam a graduar-se era quase de cem por cem, de modo que qualquer deserção resultava estranha. Ao ler a fixa de Joe Mackenzie, ficou-se de pedra. Aquele menino era o melhor de sua classe. Tirava altas notas em todas as matérias. Os alunos que foram mal se desanimavam e deixavam os estudos, mas a vocação docente de Mary se rebelava ante a idéia de que um aluno tão excepcional abandonasse o colégio de qualquer jeito. Tinha que falar com ele, lhe fazer compreender quão importante era para seu futuro que seguisse estudando. Dezesseis anos eram muito poucos para cometer um erro que o perseguiria por toda vida. Ela não poderia pegar o olho até que tivesse feito quanto estivesse em sua mão para convencer aquele menino de que voltasse para a escola. De noite havia tornado a nevar e fazia um
frio que cortava. O gato miava lastimosamente enquanto farejava ao redor dos tornozelos de Mary, como se também ele se queixasse do tempo. – Sei, Woodrow – consolou ao animal. – Eu estou acostumado e tem que estar frio em suas patinhas. Não lhe custava trabalho ficar no lugar do gato. Parecia-lhe que não tinha tido os pés quentes desde que tinha chegado a Wyoming. Prometeu-se que, antes de que chegasse o inverno seguinte, compraria um par de botas fortes e quentes, forradas de pele e resistentes à água, e andaria pela neve como se levasse fazendo-o todo a vida, como uma aldeã. As botas lhe faziam falta já, na realidade, mas os gastos da mudança tinham esgotado suas magras economias, e os ensinos que lhe tinha inculcado sua tia Ardith lhe impediam de comprar a crédito. Woodrow miou outra vez quando calçou os sapatos mais quentes e judiciosos que tinha, os que ela chamava seus «sapatos de professora solteirona». Se deteve para acariciar ao Woodrow atrás das orelhas, e o gato se arqueou, extasiado. Mary tinha herdado ao Woodrow junto com a casa que lhe tinha proporcionado a junta educativa. O gato, igual à casa, não era grande coisa. Mary ignorava quantos anos tinha, mas tanto ele como a casa pareciam um pouco avantajados. Ela sempre se resistiu a comprar um gato (aquilo lhe parecia o cúmulo da vida de uma solteirona), mas finalmente a não ser lhe tinha passado fatura. Era uma solteirona. Agora tinha um gato. E usava sérios sapatos de solteirona. O quadro estava completo. – A água procura só seu nível – disse-lhe ao gato, que a contemplava com sua impávida olhada – para ti que mais te dá? Não te importa que meu nível pareça deter-se em gatos e sapatos sérios. Suspirou ao olhar-se no espelho para assegurar-se de que estava bem penteada. Seu estilo eram os sapatos sérios e os gatos, e o ser pálida, magro e insignificante. «Ratonil» era um bom termo para descrevê-la. Mary Elizabeth Potter tinha nascido para ser solteirona. Ia tudo quão abrigada podia ir, a não ser que vestisse meias três-quartos com aqueles sapatos tão sérios, mas até aí não chegava. Usar umas lindas meias três-quartos brancas dos que chegavam justo por cima dos tornozelos com uma saia longa de vôo era uma coisa, e ficar meias três-quartos até o joelho com um vestido de ponto, era outra bem distinta. Estava disposta a prescindir da elegância com tal de ir abrigada; mas não estava disposta a ir feita um despropósito. Enfim, não tinha sentido dispô-lo; de todos os modos, o tempo não melhoraria até a primavera. Preparou-se para agüentar a investida do ar frio contra seu corpo, ainda acostumado ao calor da Savannah. Tinha deixado seu limpo apartamento da Georgia pelo desafio de uma limpa escola em Wyoming, pela ilusão de uma forma distinta de vida; Inclusive reconhecia em si mesmo uma leve anseia de aventura, um anseia que, naturalmente, jamais permitia que aflorasse. Mas, por alguma razão, não tinha tido em conta a questão do clima. Tinha dado por suposta a neve, mas não as ásperas temperaturas. Não era de surpreender que houvesse tão poucos alunos, pensou ao abrir a porta, e deixou escapar um gemido quando o vento lhe lançou uma chicotada. Fazia tão frio que os adultos não podiam despir-se para fazer bebês. Lhe colocou neve nos judiciosos sapatos quando se aproximou do carro, um judicioso Chevrolet médio de duas portas ao que, muito judiciosamente, tinha posto pneus anti-neve ao mudar-se a Wyoming. Segundo a parte meteorológico que tinham dado pela rádio essa manhã, a temperatura máxima não superaria os sete graus abaixo de zero. Suspirou de novo pelo tempo que tinha deixado no Savannah; era março, a primavera estaria ali em todo seu esplendor e as flores brotariam em um tumulto de cores. Mas Wyoming possuía uma beleza selvagem e majestosa. As altas montanhas diminuíam as débeis moradas dos homens, e lhe haviam dito que na primavera os prados se cobriam de flores silvestres e os arroios cristalinos começavam a cantar sua peculiar toada. Wyoming era completamente distinto ao Savannah, e ela era só uma magnólia recém transplantada a que lhe estava custando aclimar-se. Tinham-lhe dado indicações de como chegar a casa dos Mackenzie, embora as tinham dado a contra gosto. Se surpreendia que ninguém parecesse interessar-se pelo menino, porque as pessoas do povoado eram amáveis e serviçal com ela. O comentário mais
direto que tinha recebido procedia do senhor Hearst, o dono do supermercado, que tinha resmungado entre dentes que os Mackenzie não se mereciam que se preocupasse com eles. Mas Mary considerava que qualquer menino merecia suas insônias. Era professora, e tinha intenção de exercer seu ofício. Ao montar-se em seu judicioso carro viu a montanha que chamavam Mackenzie e a estreita estrada que serpenteava por sua ladeira como uma cinta, e se acovardou. Face aos pneus novos, não se sentia segura conduzindo naquele entorno desconhecido. A neve era... enfim, alheia a ela, embora não pensava permitir que lhe impedisse de fazer o que se proposto. Estava já tiritando tão violentamente que mal pôde colocar a chave no contato. Que frio fazia! Doíam-lhe o nariz e os pulmões quando aspirava. Talvez devesse esperar a que melhorasse o tempo antes de atrever-se a conduzir. Olhou a montanha outra vez. Possivelmente em junho se derretia toda a neve..., mas fazia já dois meses que Joe Mackenzie tinha deixado o instituto. Talvez em junho a brecha lhe parecesse insuperável e não queria fazer o esforço. Possivelmente fora já muito tarde. Ela tinha que tentá-lo, e não se atrevia a deixar que acontecesse uma semana mais. Tinha costume de dar-se ânimos em voz alta quando empreendia alguma tarefa dificultosa, e ficou a resmungar em voz baixa assim que o carro arrancou. – A estrada não me parecerá tão alta quando chegar ali. Todas as estradas acima parecem verticais de longe. É uma estrada perfeitamente transitável. Se não, os Mackenzie não poderiam subir e descer, e se eles podem, eu também posso. Enfim, talvez pudesse. Conduzir sobre neve era uma habilidade adquirida que ainda tinha que dominar. A determinação a impulsionou a seguir adiante. Quando por fim chegou à montanha e a estrada começou a levantar-se, agarrou com força o volante e procurou não olhar além da sarjeta, da que o fundo do vale se via cada vez mais longínquo. Não lhe faria nenhum bem pensar na queda desde aquela altura se se precipitava pela borda da sarjeta. A seu modo de ver, aquilo pertencia à categoria dos saberes inúteis, e de esses já tinha mais da conta. – Não vou patinar – resmungava. – Não vou tão rápido que possa perder o controle. Isto é como a roda gigante. Estava segura de que ia cair, mas não caí – montou-se uma vez na roda gigante quando tinha nove anos, e ninguém tinha sido capaz de convencer a de que voltasse tentá-lo. Lhe foram mais os carrosséis. – Aos Mackenzie não importará que fale com o Joe – dissese em um intento de esquecer-se da estrada. – Pode que tenha tido problemas com uma namorada e por isso não queira ir a classe. A sua idade, certamente já lhe terá esquecido. A estrada não resultou ser tão malote como temia, e começou a respirar um pouco mais tranqüila. O pendente era mais gradual do que parecia de longe, e além não acreditava que faltasse muito caminho. A montanha não era tão grande como se via do vale. Estava tão concentrada na condução que não viu a luz vermelha que apareceu no painel. Não se deu conta de que o carro se reaqueceu até que de repente começou a sair do capô uma fumaça que o ar congelava imediatamente sobre o pára-brisa. Pisou instintivamente o freio e proferiu um discreto impropério quando as rodas começaram a patinar. Levantou rapidamente o pé do pedal do freio, e as rodas começaram a girar outra vez, mas ela não via nada. Fechou os olhos, rezou por seguir indo na direção correta e deixou que o carro se freasse por seu próprio peso até deter-se. O motor vaiava e rugia como um dragão. Assustada, girou a chave de contato e saiu do carro; o vento a golpeou como um látego de gelo, e deixou escapar um gemido. O mecanismo de abertura do capô estava embotado pelo frio, mas cedeu ao cabo de um momento, e ela levantou o capô pensando que estaria bem saber o que lhe passava ao carro embora não pudesse arrumá-lo. Não fazia falta ser mecânico para localizar a avaria: um dos mangueiras se soltou, e do freio saía um espasmódico jorro de água quente. Imediatamente compreendeu a gravidade de sua situação. Não podia ficar no carro porque não podia pôr o motor em marcha para manter-se quente. Aquela era uma estrada privada, e talvez os Mackenzie não saíssem do rancho em todo o dia, ou em todo o fim de semana. Estava muito longe e fazia muito frio para voltar andando a sua casa. Sua única alternativa era ir
andando até o rancho dos Mackenzie e rezar por que não estivesse muito longe. Já começava a notar os pés intumescidos. Não quis parar-se a pensar em que talvez não conseguisse chegar ao rancho dos Mackenzie e começou a subir pela estrada a ritmo regular, procurando fazer caso omisso da neve que lhe metia nos sapatos a cada passo. Dobrou uma curva e perdeu de vista o carro, mas ao olhar para frente não viu a casa; nem sequer um estábulo. Sentia-se sozinha, como se tivesse cansado na metade do deserto. Estavam só a montanha e a neve, o vasto céu e ela. O silêncio era absoluto. Fazia dano falar, e logo descobriu que ia arrastando os pés, em vez de levantá-los. Tinha avançado menos de duzentos metros. Tremeram-lhe os lábios e se rodeou com os braços em um intento de reter seu calor corporal. Por penoso que fora, tinha que seguir andando. Então ouviu o rugido amortecido de um motor e se deteve. Sentia um alívio tão intenso e doloroso que notou o início do pranto nos olhos. Horrorizava-lhe chorar em público e procurou conter as lágrimas. Era absurdo chorar; levava menos de quinze minutos andando e na realidade não tinha deslocado nenhum perigo. Tudo se devia a sua imaginação hiper ativa, como de costume. Arrastou os pés pela neve até a sarjeta para tirar-se de no meio e esperou a que chegasse o veículo. Uma caminhonete negra com enormes roda apareceu à vista. Mary notou os olhos do condutor cravados nela e apesar de si mesmo agachou a cabeça, envergonhada. As professoras solteironas não estavam acostumadas a ser o centro de atenção e, além disso, sentia-se tola de arremate. Certamente dava a impressão de ter saído a dar um passeio pela neve. A caminhonete diminuiu a velocidade e se deteve diante dela. Um instante depois, apeou-se um homem. Era grande, e a isso Mary desagradava de maneira instintiva. Incomodava-a o modo em que os homens altos baixavam o olhar para ela, e lhe chateava ver-se obrigada por uma simples questão de estatura a levantar a vista para eles. Mas, enfim, grande ou não, era seu salvador. Entrelaçou os dedos enluvados e se perguntou o que devia dizer. Como pedia que a resgatassem? Nunca tinha feito autoestop; não parecia próprio de uma professora séria e respeitável. *-*-* Wolf ficou olhando à mulher, atônito porque teria saído com aquele frio e com um traje tão absurdo, além disso. Que demônios estava fazendo em sua montanha, de todos os modos? Como tinha chegado até ali? De repente compreendeu quem era. No supermercado tinha ouvido falar da nova professora vinda do sul. Nunca tinha visto ninguém que tivesse mais pinta de professora que aquela mulher, e saltava à vista que ia mal provida para um inverno em Wyoming. Levava um vestido azul e um casaco marrom tão antiquados que quase parecia um clichê; por debaixo do cachecol apareciam umas mechas de cabelo castanho claro, e uns grandes óculos de massa lhe diminuíam a cara. Não usava maquiagem; nem sequer brilho para protegê-los lábios. E tampouco usava botas. A neve endurecida lhe chegava quase aos joelhos. Wolf a examinou de cima a baixo em dois segundos e não esperou para ouvir suas explicações a respeito de por que estava em sua montanha, se é que ela pensava lhe dar alguma. De momento não havia dito nenhuma palavra; seguia olhando-o com fixidez, com uma expressão levemente escandalizada. Wolf se perguntou se falar com um índio lhe pareceria humilhante, embora fosse para pedir ajuda, e se encolheu de ombros mentalmente. Que demônios, não podia deixar a à intempérie. Dado que ela não dizia nada, ele tampouco abriu a boca. Limitou-se a inclinar-se, passou-lhe um braço por detrás dos joelhos e as outras pelas costas e a levantou como se fosse uma menina, fazendo caso omisso de seu gemido de surpresa. Enquanto a levava a caminhonete, pensou que na realidade não pesava muito mais que uma menina, e notou o brilho de surpresa de uns olhos azuis atrás dos óculos; logo, lhe passou o braço ao redor do pescoço e se agarrou a ele com todas suas forças, como se temesse que a deixasse cair.
Wolf a trocou de braço para abrir a porta da caminhonete e a depositou no assento. Depois lhe sacudiu energicamente a neve dos pés e das pernas. Ouviu que ela gemia outra vez, mas não levantou o olhar. Quando teve acabado, sacudiu-se a neve das luvas e se deu a volta para sentarse depois do volante. – Quanto tempo levava caminhando? – resmungou a contra gosto. Mary deu um pulo. Não esperava que sua voz fosse tão profunda que quase reverberasse. A calefação da caminhonete lhe tinha embaçado os cristais dos óculos e, ao tirar-lhe notou que lhe ardiam as bochechas geladas ao afluir a sangue. – Eu... não muito – balbuciou. – Uns quinze minutos. Me soltou uma das mangueiras da água. Bom, a meu carro, quero dizer. Wolf a olhou a tempo de ver que se apressava a baixar os olhos e notou que se pôs rubra. Bem, isso significava que começava a entrar em calor. Além disso, estava sobressaltada; Wolf o notava no modo em que se retorcia os dedos. Acreditava acaso que ia equilibrar se sobre ela e a violá-la no assento do carro? Afinal de contas, ele era um índio ressentido, capaz de algo. Claro que, pela pinta que tinha ela, certamente aquilo era o mais emocionante que lhe tinha acontecido. Não estavam longe da casa do rancho e chegaram ao cabo de um par de minutos. Wolf estacionou junto à porta da cozinha e saiu; rodeou a caminhonete e chegou à porta do acompanhante justo quando ela a abria e se dispunha a descer. – Esqueça-o – disse, e a tomou de novo nos braços. Ao deslizar-se ela do assento, a saia lhe subiu até a metade das coxas. Ela se apressou a baixarlhe mas não sem que antes os olhos negros de Wolf examinassem suas pernas fracas, e imediatamente ficou ainda mais ruborizada. O calor da casa a envolveu, e respirou fundo, aliviada, sem notar apenas que ele afastava uma cadeira de madeira da mesa e a depositava sobre ela. Sem dizer uma palavra, Wolf abriu o grifo e deixou correr a água quente. Logo ficou a encher uma bacia. De vez em quando provava a água para ir regulando a temperatura. Enfim, Mary tinha alcançado seu destino, e embora não tinha conseguido chegar como esperava, bem podia abordar o objeto de sua visita. – Sou Mary Potter, a professora nova. – Eu sei – disse ele secamente. Os olhos de Mary se aumentaram enquanto olhava suas costas largas. – Sabe? – Não há muitos forasteiros por aqui. Mary se deu conta de que ele não se apresentou e de repente vacilou. Estava no lugar adequado? – É... é você o senhor Mackenzie? Ele a olhou por cima do ombro, e Mary notou que seus olhos eram tão negros como a noite. – Sou Wolf Mackenzie. Ela se distraiu imediatamente. – Suponho que saberá que seu nome é muito pouco freqüente. É inglês antigo... – Não – disse ele, dando-a volta com a bacia na mão, e o pôs no chão, junto aos pés de Mary. – É índio. Ela piscou. – Índio? – sentia-se incrivelmente estúpida. Deveria havê-lo adivinhado pela negrume de seu cabelo e de seus olhos e pela cor bronzeada de sua pele, mas não se deu conta. A maioria dos homens da Ruth tinham a pele curtida pela intempérie, e ela tinha pensado simplesmente que era mais moreno que outros. Logo o olhou com o cenho franzido e disse com firmeza: – Mackenzie não é um sobrenome índio. Ele também franziu o cenho. – É escocês. – Ah. É você um mestiço?
Fez a pergunta com a mesma naturalidade que se tivesse pedido indicações para chegar a algum lugar, e suas sobrancelhas suaves se arquearam inquisitivamente sobre seus olhos azuis. Wolf chiou os dentes. – Sim – resmungou. Havia algo tão irritante na expressão afetada daquela mulher que lhe dava vontade de lhe tirar a breguice de um bom susto. Logo notou que estava tremendo e deixou a um lado sua irritação, ao menos até que a fizesse entrar em calor. Sabia pela estupidez com que ela andava quando a tinha encontrado que estava sofrendo os primeiros sintomas de hipotermia. Tirou-se seu pesado casaco e o atirou a um lado; logo ficou a preparar café. Mary guardou silêncio enquanto ele fazia o café. Não parecia muito falador, embora isso não a ia desanimar. Tinha muitíssimo frio; esperaria até haver-se tomado uma xícara daquele café, e logo começaria outra vez. Levantou o olhar quando ele se deu a volta, mas Wolf tinha uma expressão ilegível. Sem dizer uma palavra, tirou-lhe o cachecol da cabeça e começou a lhe desabotoar o casaco. Surpreendida, ela disse: – Já o faço eu. Mas tinha os dedos tão frios que lhe doíam ao movê-los. Ele retrocedeu e deixou que o tentasse um momento; logo lhe afastou as mãos e acabou de lhe desabotoar o casaco. – Por que me tira o casaco, pelo frio que tenho? – perguntou Mary, desconcertada, enquanto lhe baixava as mangas. – Para poder lhe esfregar os braços e as pernas. Então procedeu a lhe tirar os sapatos. A Mary, aquela idéia lhe resultava tão alheia como a neve. Não estava acostumada a que a tocassem, e não pensava acostumar-se. Dispunha-se a dizer-lhe ao Wolf Mackenzie, mas as palavras se dissiparam sem chegar a sair de seus lábios quando de repente lhe colocou as mãos debaixo da saia, até a cintura. Mary deu um gritinho de surpresa e ao tornar-se para trás esteve a ponto de cair da cadeira. Ele ficou olhando-a, os olhos como gelo negro. – Não tem por que preocupar-se – espetou-lhe. – Hoje é sábado. Eu só violo as terças-feiras e as quintas-feiras – lhe passou pela cabeça arrojá-la de novo à neve, mas não podia permitir que uma mulher morresse congelada; nem sequer uma mulher branca que parecia acreditar que ia poluir se a tocasse. Os olhos de Mary se fizeram tão grandes que eclipsaram o resto de sua cara. – O que têm de mau os sábados? – balbuciou, e então se deu conta de que virtualmente lhe tinha feito uma proposta, por todos os Santos! levou-se as mãos enluvadas à cara, notando que uma quebra de onda de rubor subia às bochechas. Devia haver lhe gelado o cérebro; era a única explicação. Wolf levantou a cabeça bruscamente. Não podia acreditar que ela houvesse dito aquilo. Uns olhos azuis, grandes e horrorizados, olhavam-no fixamente por cima das luvas de couro negros, que cobriam o resto de sua cara mas não podiam ocultar seu intenso rubor. Fazia tanto tempo que não via ruborizar-se a ninguém que demorou um momento em dar-se conta de que ela estava envergonhada. Pequena dissimulada! Era o último clichê que faltava a sua imagem de professora solteirona e antiquada. O regozijo suavizou a irritação de Wolf. Aquilo era provavelmente o não vai mais da vida daquela mulher. – Vou tirar lhe as meias para que meta os pés na água – explicou-lhe com voz resmungona. – Ah – a voz de Mary soou sufocada porque seguia tampando-a boca com as mãos. Ele seguia com os braços colocados sob sua saia e com as mãos lhe agarrava os quadris. Quase involuntariamente notou sua estreiteza e sua suavidade. Antiquada ou não, a professora seguia tendo a suavidade de uma mulher, o doce aroma de uma mulher, e o coração de Wolf começou a pulsar mais às pressas à medida que seu corpo se desesperava. Maldição, ele fazia falta uma mulher mais do que acreditava, se aquela solteirona o excitava. Mary ficou muito quieta quando um forte braço a rodeou e a levantou para que Wolf pudesse lhe descer as meias. Naquela postura, a cabeça dele ficava junto a seus peitos e seu ventre. Mary olhou seu cabelo negro, denso e lustroso. Ele só tinha que voltar a cabeça para roçar com a boca
seus peitos. Mary tinha lido em alguns livros que os homens se metiam os mamilos das mulheres na boca e os chupavam como lactantes, e sempre se perguntou por que. De repente, ao pensá-lo, sentiu que ficava sem fôlego e que lhe faziam cócegas os mamilos. As mãos ásperas e curtidas do Mackenzie lhe roçavam as pernas. Como seria se lhe tocasse os peitos? Começava a sentir-se estranhamente sufocada e um pouco aturdida. Wolf atirou ao chão as muito finas meias sem olhá-la. Apoiou-se os pés de Mary sobre a coxa, colocou a bacia e lhe inundou lentamente os pés. Assegurou-se de que a água estivesse morna, mas sabia que, inclusive assim, tendo os pés tão frios, lhe resultaria doloroso. Mary conteve o fôlego mas não se queixou, apesar de que Wolf advertiu o brilho das lágrimas em seus olhos quando levantou o olhar. – Não lhe doerá muito tempo – murmurou para tranqüilizá-la, e se colocou de tal modo que suas pernas ficaram a ambos os lados das dela, as segurando brandamente. Então lhe tirou as luvas com cuidado e se surpreendeu ao ver a delicadeza de suas mãos frias e brancas. Sustentouas entre as suas um momento e, tendo tomado uma decisão, aproximou-se mais a ela e começou a desabotoar a camisa. – Isto as esquentará – disse, e meteu as mãos da Mary sob as axilas. Mary estava muda de assombro. Não podia acreditar que suas mãos tivessem aninhado como pássaros nas axilas do Mackenzie. O calor de seu corpo lhe esquentava os dedos frios. Na realidade, não estava tocando sua pele; ele levava posta uma camiseta. Nunca antes, entretanto, tinha compartilhado um momento de maior intimidade com outra pessoa. Axilas... Sim, todo mundo tinha axilas, mas ela, pelo menos, não estava acostumada a tocar as de outros. Nunca antes se havia sentido agasalhada por outra pessoa, e muito menos por um homem. As robustas pernas do Wolf atendiam as suas. Estava um pouco inclinada para frente, com as mãos colocadas sob os braços de Wolf, e de repente ele ficou a lhe esfregar energicamente os braços e os ombros, e logo as coxas. Mary deixou escapar um leve gemido de surpresa. Logo que podia acreditar que aquilo estivesse lhe passando a ela, a Mary Elizabeth Potter, uma professora solteirona corrente e moedor. Wolf estava enfrascado em sua tarefa, mas levantou o olhar ao ouvir seu gemido e viu seus grandes olhos azuis. Eram de um azul estranho, pensou. Seu tom tinha um reflexo cinza. Azul piçarra, isso era. Notou vagamente que lhe tinha desfeito o enfraquecido coque em que se recolheu o cabelo e que sua cara aparecia emoldurada em sedosas mechas de cor castanha clara. Sua cara estava muito perto, a uns poucos centímetros da dele. Tinha a pele mais delicada que Wolf tinha visto nunca, fina como a de um recém-nascido, tão clara e translúcida que se via os delicados traços das veias azuis de suas têmporas. Só os muito jovens deviam ter uma pele assim. Enquanto a observava, o rubor começou de novo a tingir os maçãs do rosto de Mary, e Wolf sentiu que ia ficando involuntariamente hipnotizado ante aquela visão. Perguntava-se se sua pele seria tão macia e delicada em todas partes: nos peitos, na barriga, nas coxas, entre as pernas... Aquela idéia lhe produziu uma sacudida elétrica que lhe arrepiou os nervos. Que bem cheirava! Mas certamente se levantaria de um salto se lhe subisse a saia, como desejava, e afundava a cara entre suas macias coxas. Mary passou a língua nos lábios, alheia ao modo em que os olhos de Wolf seguiam o movimento de sua língua. Tinha que dizer algo, mas não sabia o que. A proximidade de Wolf parecia lhe haver paralisado o pensamento. Céu santo, que perto estava! Tinha que recordar a que tinha ido ali, em vez de comportar-se como uma boba só porque um homem bonito e viril, embora um tanto tosco, aproximasse-se dela. Lambeu-se os lábios outra vez, pigarreou e disse: – Eu... é... vim a falar com o Joe, se for possível. A expressão de Wolf mudou muito pouco, mas Mary teve a impressão de que se distanciava dela de repente. – Joe não está aqui. Está fazendo outras coisas. – Entendo. E quando voltará? – Dentro de uma hora. Pode ser duas. Ela o olhou com certa incredulidade.
– Você é seu pai? – Sim. – Sua mãe está...? – Morta. Aquela palavra crua e desolada desconcertou a Mary, quem ao mesmo tempo sentiu uma leve e surpreendente sensação de alívio. Desviou o olhar outra vez. – O que lhe parece que Joe tenha deixado o colégio? – Foi decisão dele. – Mas só tem dezesseis anos! É um pirralho e... – É índio – interrompeu-a Wolf. – É um homem. Mary sentiu um arrebatamento de raiva e de indignação. Afastou as mãos das axilas de Wolf e pôs os braços em jarras. – O que tem que ver isso? Seu filho tem dezesseis anos e deve seguir estudando. – Sabe ler, escrever e fazer contas. E também sabe tudo o que terá que saber para treinar um cavalo e levar um rancho. Foi ele quem decidiu deixar o colégio e ficar a trabalhar. Este é meu rancho, e minha montanha. Algum dia será dele. Foi ele quem decidiu a que queria dedicar-se. E é a treinar cavalos. Ao Wolf o incomodava dar explicações sobre seus assuntos e os de seu filho, mas aquela professora respondona e desarrumada tinha algo que o impulsionava a responder. Ela não parecia dar-se conta de que eram índios; sabia em um sentido intelectual, certamente, mas estava claro que ignorava o que supunha ser índio, e ser Wolf Mackenzie em particular, e que todo mundo o olhasse com desprezo. – De todos os modos, eu gostaria de falar com ele – disse Mary com obstinação. – Isso quem decide é ele. Pode que não queira falar com você. – Não vai tentar influenciar em sua opinião? – Não. – Por que não? Pelo menos deveria ter tentado que seguisse no colégio! Wolf se aproximou dela até que seus narizes quase se tocaram. Mary olhou pasmada seus olhos negros. – Meu filho é índio, senhora. Pode ser que você não saiba o que isso significa. E o que vai ou seja você. Você é branca. Os índios não são bem recebidos em nenhuma parte. A educação que tem meu filho a procurou ele sozinho, sem a ajuda de nenhuma professora branca. Nunca faziam conta, e quando o faziam era para insultá-lo. Por que ia querer voltar? Mary tragou saliva, alarmada por aquele estalo de cólera. Não estava acostumada a que os homens lhe gritassem impropérios à cara. Para falar a verdade, não estava acostumada aos homens absolutamente. Desde cedo, os meninos não a tinham feito caso por estudar e por não ser bonita, e ao fazer-se maior as coisas não tinham mudado muito. Empalideceu um pouco, mas estava tão convencida dos benefícios de uma boa educação que não se deixou intimidar. As pessoas grandes estavam acostumados a esmagar às pequenas, certamente sem dar-se conta, mas não ia dar-se por vencida só porque aquele homem era maior que ela. – Era o melhor de sua classe – disse com energia. – Se o conseguiu sozinho, imagine o que poderia fazer com um pouco de ajuda. Wolf se ergueu em toda sua estatura, abatendo-se sobre ela. – Já lhe hei dito que isso tem que decidir ele. O café estava preparado fazia momento. Wolf se voltou para servir uma xícara e a deu. O silêncio se fez outra vez entre eles. Ele se apoiou nos armários e a observou beber delicadamente, como um gato. Delicada, sim, isso era. Não era diminuta; média talvez um metro e sessenta, mas era de compleição miúda. Wolf baixou os olhos para seus peitos, que se adivinhavam sob o antiquado vestido azul. Não eram grandes, mas pareciam bonitos e redondos. Perguntou-se se seus mamilos seriam de um tenro rosa claro ou de um bege rosado, se seria capaz de acolhê-lo amplamente no interior de seu corpo, se estaria tão tensa que se voltaria louco...
Wolf atalhou bruscamente aqueles pensamentos. Maldição, deveria ter gravada a fogo na alma aquela lição. As brancas podiam paquerar com ele e revoar a seu redor, mas, na hora da verdade, poucas queriam atar-se com um índio. Aquela brega nem sequer estava paquerando, assim por que se estava excitando tanto? Possivelmente porque era uma brega. Não parava de imaginar-se como seria seu corpo sob aquele horrendo vestido, nu e estendido sobre os lençóis. Mary deixou a um lado a xícara. – Já entrei em calor. Obrigado, o café me sentou muito bem – o café, e o modo em que lhe tinha esfregado todo o corpo, mas isso não pensava dizer-lhe. Levantou o olhar para ele e vacilou, indecisa, ao ver a expressão de seus olhos negros. Ignorava o que era, mas havia nele algo que fazia que lhe acelerasse o pulso e que se turvasse levemente. Estava-lhe olhando os peitos? – Acredito que ficará bem a roupa velha do Joe – disse ele com voz e semblante inexpressivos. – Não necessito de roupa. Quero dizer que a que levo é perfeitamente... – Ridícula – interrompeu-a ele. – Isto é Wyoming, senhora, não Nova Orleans, ou de em qualquer lugar que você venha. – De Savannah – disse ela. Ele começou a resmungar, o qual parecia ser um de sua meios de comunicação essenciais, e tirou uma toalha de uma gaveta. Ajoelhou-se, tirou-lhe os pés da água e os envolveu na toalha, esfregando-lhe com uma delicadeza tão acusada que contrastava vivamente com a hostilidade apenas velada de sua atitude. Logo ficou em pé e disse: – Venha comigo. – Aonde? – Ao dormitório – Mary ficou parada, piscando, e um azedo sorriso torceu a boca do Wolf. – Não se preocupe – disse com aspereza. – Tentarei controlar meus selvagens apetites, e assim que PAREI se troque de roupa poderá largar-se de minha montanha.
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Capítulo 2 Mary ficou de pé e levantou o queixo. Sua boca tinha uma careta afetada. – Não é necessário que zombe de mim, senhor Mackenzie – disse com calma, apesar de que lhe custou um árduo esforço modular a voz. Sabia que não era muito atraente; não necessitava que ninguém o recordasse com sarcasmo. Pelo geral, sua própria insignificância não a inquietava. Tinha-a assumido como um fato inalterável, como que o sol saísse pelo este. O senhor Mackenzie, entretanto, a fazia sentir-se estranhamente indefesa, e lhe resultava surpreendentemente doloroso que lhe houvesse dito tão às claras o pouco atraente que era. As sobrancelhas do Wolf, retas e negras, juntaram-se sobre seu nariz aquilino. – Não estava zombando de você – replicou. – Falava muito a sério, senhora. Quero que saia de minha montanha. – Então partirei, é obvio – respondeu ela com firmeza. – Mas insisto em que não era necessário que zombasse de mim. Ele pôs os braços em jarras. – Zombar de você? Como? O rubor cobriu a tez deliciosa de Mary, mas seus olhos azuis cinzento não vacilaram. – Sei que não sou uma mulher atraente, dessas que despertam os... né... apetites selvagens dos homens. Estava falando a sério. Dez minutos antes, Wolf teria estado de acordo com ela em que era anódina, e bem sabia Deus que não vestia muito na moda, mas não deixava de assombrá-lo que não parecesse dar-se conta do que significava que ele fosse índio, nem do que tinha querido dizer com seu sarcasmo, nem sequer de que sua aproximação lhe tinha produzido uma forte excitação. O palpite de seu sexo, ainda perceptível, recordou-lhe que aquela excitação não se dissipou ainda. Deixou escapar uma áspera gargalhada carente de humor. Por que não lhe dar um pouco mais de
cor à vida daquela mulher? Quando ouvisse a verdade pura e dura, largaria-se a tudo correr de sua montanha. – Não estava brincando, nem me burlando de você – disse, e seus olhos negros brilharam. – Tocá-la assim, estar tão perto de você que podia cheirar sua doçura, fez que me excitasse. Ela o olhou com perplexidade. – Que se excitasse? – perguntou, pasma. – Sim – ela seguiu olhando-o como se falasse outro idioma, e Wolf acrescentou com impaciência: – Ou que me há posto brincalhão, como quero dizê-lo. Ela se afastou uma mecha de cabelo suave que tinha escapado de seu coque. – Está zombando outra vez de mim – reprovou-lhe. Aquilo era impossível. Ela nunca tinha posto... Nunca tinha excitado a um homem. Wolf estava molesto, além de excitado. Tinha aprendido a dominar-se ferreamente quando tratava com brancos, mas aquela mulherzinha tão afetada tinha algo que lhe colocava sob a pele. Sentia-se tão cheio de frustração que acreditava estar a ponto de estourar. Não pretendia tocá-la, mas de repente descobriu suas mãos sobre a cintura dela, atraindo-a para si. – Pode ser que necessite de uma demonstração – disse com voz baixa e áspera, e se inclinou para beijá-la. Mary começou a tremer, aturdida pela impressão. Seus olhos se aumentaram até fazer-se enormes enquanto os lábios de Wolf se moviam sobre os seus. Ele tinha os olhos fechados. Mary via cada uma de suas pestanas, e por um instante lhe maravilhou quão densas eram. Logo ele, que seguia agarrando-a pela cintura, apertou-a contra seu corpo robusto e Mary deixou escapar um gemido de surpresa. Wolf aproveitou que tinha aberto a boca para lhe introduzir a língua. Ela se estremeceu outra vez e fechou os olhos devagar, ao mesmo tempo que um estranho calor começava a estender-se por seu corpo. Aquela sensação prazenteira resultava estranha, e era tão intensa que a assustava. Um mundo de sensações novas a assaltavam e a aturdiam. Estava a firmeza dos lábios de Wolf, seu sabor embriagador, a perturbadora intimidade de sua língua, que roçava a sua como se a convidasse a jogar. Notava o calor de seu corpo; sentia o aroma quente e almiscarado de sua pele. Tinha os suaves peitos apertados contra o torso plano e musculoso do Wolf, e os mamilos voltavam a lhe fazer cócegas daquela maneira tão estranha e embaraçosa. De repente, Wolf levantou a cabeça e Mary abriu os olhos, desiludida. O olhar negro do Wolf parecia queimá-la. – Me beije – resmungou ele. – Não sei como – balbuciou Mary, ainda incapaz de acreditar que aquilo estivesse acontecendo. A voz do Wolf soava quase gutural. – Assim – apoderou-se outra vez de sua boca, e desta vez ela abriu os lábios imediatamente, ansiosa por lhe franquear a entrada a sua língua e sentir de novo aquele prazer estranho e ondulante. Ele rodeou seus lábios com feroz prazer ao mesmo tempo que lhe ensinava como devia lhe devolver a pressão. Sua língua tocou de novo a dela, e desta vez Mary respondeu timidamente, saindo ao passado do assalto do Wolf com leves carícias próprias. Era muito inexperiente para compreender o que significava sua rendição, mas a respiração do Wolf se fez mais rápida e superficial, e seu beijo mais ávido e mais urgente. Uma excitação aterradora, que ia mais à frente do simples prazer, estendeu-se pelo corpo de Mary, convertendo-se em ânsia. Já não tinha frio. Ardia por dentro e seu coração pulsava tão forte que sentia como lhe golpeava as costelas. Assim aquilo se referia ele quando dizia que o havia posto brincalhão. Ela também estava brincalhona, e a assombrava pensar que ele pudesse sentir aquele mesmo desejo ansioso, aquele prodigioso desejo. Proferiu um som débil e involuntário e se aproximou mais a ele, não sabendo como dominar as sensações que os destros beijos do Wolf agitavam nela. Wolf lhe apertou a cintura e um ruído áspero e baixo ressonou em sua garganta. Logo a levantou nos braços, apertou-a contra si e pegou os quadris da Mary às suas para lhe mostrar no que estado se achava.
Mary não sabia que aquilo podia ser assim. Ignorava que o desejo pudesse produzir aquele ardor, pudesse lhe fazer esquecer as advertências de tia Ardith a respeito dos homens e das porcarias que gostavam de fazer às mulheres. Mary tinha chegado por sua conta a muito judiciosa conclusão de que aquelas coisas não podiam ser porcarias, ou as mulheres não as consentiriam, mas em que pese a tudo nunca tinha paquerado ou tentado procurar noivo. Os homens que tinha conhecido na universidade e no trabalho lhe tinham parecido pessoas normais, não avessos sátiros; sentia-se a gosto com eles, e a alguns inclusive os considerava seus amigos. O que acontecia era, simplesmente, que ela não era sexy. Nenhum homem tinha jogado a porta abaixo para sair com ela; nem sequer se tinha incomodado em marcar seu número de telefone, de modo que sua relação com o sexo masculino não a tinha preparado para a fortaleza dos braços de Wolf Mackenzie, para o anseia de seus beijos ou para a dureza de seu membro, que ele apertava contra seu púbis. E tampouco tinha suspeitado nunca que ela pudesse desejar algo mais. Fechou inconscientemente os braços ao redor do pescoço do Wolf e começou a esfregar-se contra ele, presa de uma frustração crescente. Sentia o corpo em chamas, vazio, tirante e ansioso ao mesmo tempo, e carecia da experiência necessária para dominar-se. Aquelas sensações, estranhas para ela, eram como uma onda que afogava sua mente e paralisava seus neurônios. Wolf jogou a cabeça para trás e apertou os dentes enquanto tentava dominar-se. Baixou o olhar para ela e um fogo negro iluminou seus olhos. Seus beijos tinham deixado os suaves lábios da Mary vermelhos e inchados, e um rosa delicado coloria sua pele de porcelana translúcida. Ela abriu as pálpebras pesadamente e o olhou devagar. O cabelo castanho claro lhe tinha solto por completo do coque, e caía, sedoso, ao redor de sua cara e de seus ombros. Seu semblante transluzia desejo; estava despenteada e sufocada, como se Wolf fizesse algo mais que beijá-la, e assim era, em efeito, em sua imaginação. Notava-a ligeira e delicada entre seus braços, apesar de que Mary se esfregava contra ele com um ânsia semelhante a sua. Poderia levar-lhe à cama nesse mesmo instante. Sabia que estava muito excitada. Mas, quando o fizesse, seria porque ela teria tomado a decisão conscientemente, não porque estivesse tão turvada que nem sequer sabia o que fazia. Sua falta de experiência resultava evidente. Até tinha tido que lhe ensinar a beijar... Seu pensamento se deteve tão bruscamente como se tivesse se chocado contra uma parede, e de repente compreendeu o que significava a inexperiência da Mary. Deus santo, era virgem! Aquela idéia lhe deu vertigem. Mary o estava olhando com aqueles olhos azul cinzento, a um tempo inocentes e inquisitivos, lânguidos e cheios de desejo, como se esperasse que desse o seguinte passo. Não sabia o que fazer. Tinha os braços fechados em torno de seu pescoço, seu corpo se apertava com força contra o dele, e suas pernas se separaram um pouco para permitir que Wolf encontrasse lugar entre elas, e ela aguardava porque ignorava como proceder. Nunca a tinham beijado. Nenhum homem havia acariciados aqueles seios suaves, nem tinham metido seus mamilos na boca. Nenhum homem a tinha amado. Com os olhos ainda fixos nela, Wolf se tragou o nó que ameaçava asfixiando-o. – Deus Todo-Poderoso, senhora, isto quase vai das mãos. Ela piscou. – Sim? – seu tom era afetado; suas palavras, claras; mas seus olhos seguiam tendo aquele olhar brumoso. Wolf deixou que o corpo de Mary se deslizasse pelo seu lentamente, porque não queria soltála, e com delicadeza, porque sabia que tinha que fazê-lo, até que a deixou outra vez no chão. Ela desconhecia as conseqüências que podia ter aquilo, mas ele não. Ele era Wolf Mackenzie, o mestiço, e ela era a professora. Os bons cidadãos da Ruth não quereriam que tratasse com ele; estava a cargo de seus filhos adolescentes, sobre cuja moral, ainda hesitante, exercia uma influência desmedida. Nenhum pai quereria que sua filha, adolescente e impressionável, recebesse ensinos de uma mulher que estava atada com um índio que tinha estado na prisão. Céu santo, mas se até podia seduzir a seus filhos! Os antecedentes penais de Wolf podiam passar-se por alto, mas sua origem racial jamais.
De modo que tinha que afastar-se dela, por mais que desejasse levar-lhe a seu quarto e lhe ensinar o que acontecia um homem e uma mulher. Ela seguia pendurada de seu pescoço, com os dedos escondidos entre o cabelo de sua nuca. Parecia incapaz de mover-se. Wolf a agarrou e lhe afastou as mãos. – Será melhor que volte depois. Uma voz desconhecida se introduziu no sonho de Mary, povoado por sensações recém descobertas. Afastou-se, sufocada, e se girou para olhar ao recém-chegado. Junto à porta da cozinha havia um menino alto e moreno, com o chapéu na mão. – Perdoa, papai. Não queria interromper. Wolf se separou dela. – Fique. De todos os modos, veio aqui para ver a ti. O menino a olhou surpreso. – Qualquer um o diria. Wolf se limitou a encolher-se de ombros. – É a senhorita Mary Potter, a professora nova. Senhorita Potter, meu filho Joe. Apesar de que estava sobressaltada, a Mary surpreendeu que a chamasse «senhorita Potter» depois dos instantes de intimidade que acabavam de compartilhar. Mas ele parecia tão tranqüilo e comedido como se aquilo não o tivesse afetado absolutamente. Ela, em troca, ainda sentia a vibração discordante de cada um de seus nervos. Queria lançar-se em seus braços e render-se a aquele fogo que todo o rodeava. Ficou, entretanto, ali parada, com os braços rígidos junto aos flancos e a cara rubra, e se obrigou a olhar ao Joe Mackenzie. Tinha ido ver o menino; não podia esquecê-lo. Enquanto sua confusão se dissipava, foi dando conta de que Joe se parecia muito a seu pai. Tinha só dezesseis anos, mas media já um metro oitenta e a largura de seus ombros, ainda imaturos, augurava que algum dia chegaria a igualar ao Wolf em estatura e fortaleza. Sua cara de poderosa estrutura óssea e expressão altiva, e seus traços cinzelados com precisão, pareciam uma versão rejuvenescida do rosto do Wolf. Era tranqüilo e comedido, muito possivelmente para um guri de dezesseis anos, e seus olhos eram de um estranho azul claro e brilhante. Aqueles olhos pareciam conter algo indomável, e também uma espécie de amarga resignação e um conhecimento que o faziam parecer maior. Era sem dúvida o filho de seu pai. Mary não pensava dar-se por vencida com ele. Estendeu-lhe a mão. – Eu gostaria de falar contigo, Joe. O menino manteve sua expressão distante, mas cruzou a cozinha para lhe estreitar a mão. – Não sei por que. – Deixaste o colégio – aquela afirmação não requeria constatação, mas Joe assentiu com a cabeça. Mary respirou fundo. – Posso perguntar por que? – Não me tinha perdido nada ali. A Mary a incomodou aquela asseveração Lisa e serena. Não percebia naquele estranho moço incerteza alguma. Tal e como Wolf havia dito, Joe tinha tomado uma decisão e não pensava trocar de idéia. Tentou pensar em outro modo de abordar a questão, mas a voz profunda e calma do Wolf se interpôs em seu caminho. – Senhorita Potter, podem seguir falando quando tiver trocado de roupa. Joe, não tem por aí alguma calça velha que possa lhe servir? Mary viu, assombrada, que o menino a olhava de cima abaixo com olho perito. – Acredito que sim. Possivelmente os que me punha quando tinha dez anos – seus olhos azuis e diamantinos brilharam um instante, zombadores, e Mary esticou a boca. Por que se empenhavam os Mackenzie em fazer notar sua falta de atrativo? – Meias três-quartos, camisa, botas e jaqueta – acrescentou Wolf à lista. – As botas ficarão grandes, mas com dois pares de meias não lhe sairão. – Senhor Mackenzie, asseguro-lhe que não preciso trocar de roupa. Com o que tenho posto me bastará até que chegue a casa.
– Não, nada disso. Hoje a temperatura máxima será de uns dez graus abaixo de zero. Não vai sair você desta casa com as pernas nuas e esses estúpidos sapatos. Aqueles sapatos tão judiciosos eram de repente estúpidos? Mary sentiu o impulso de sair em defesa de seus sapatos, mas recordou imediatamente que a neve lhe tinha metido dentro e lhe tinha gelado os pés. O que no Savannah era sensato no inverno resultava desatinado em Wyoming. – Muito bem – disse, mas só porque, afinal de contas, era o mais judicioso. Mesmo assim, incomodava-a aceitar a roupa do Joe, embora fosse por pouco tempo. Nunca se tinha posto a roupa de outra pessoa; nem sequer sendo adolescente tinha trocado blusas com seus amigas. À tia Ardith aquelas confianças pareciam de má educação. – Eu irei jogar uma olhada a seu carro enquanto se troca – Wolf vestiu a jaqueta e o chapéu sem incomodar-se em olhá-la e saiu. – Por aqui – disse Joe, lhe indicando que o seguisse. Mary pôs-se a andar atrás dele, e Joe girou a cabeça. – O que passou a seu carro? – Soltou um mangueira da água. – Onde está? Ela se deteve. – Na estrada. Não o viu ao subir? – de repente lhe ocorreu uma idéia espantosa. Teria se despenhado seu carro montanha abaixo? – Subi pela frente da montanha. – Não é tão alta – de novo parecia zombador. – Seriamente tentou subir pela estrada de trás em um carro, você que não está acostumada a conduzir com neve? – Não sabia que essa era a estrada de trás. Pensava que era a única que havia. É que não teria podido subir? Levo pneus anti-neve. – Talvez. Mary notou que não parecia muito seguro de suas habilidades, mas não disse nada porque ela tampouco se sentia muito segura de si mesmo. Joe a conduziu através de uma sala de estar rústica mas cômodo e por um curto corredor, até chegar a uma porta aberta. – Minha roupa velha está guardada no baú, mas não demorarei para tirá-la. Pode trocar-se aqui. É meu quarto. – Obrigada – murmurou ela ao entrar na habitação. O dormitório de Joe era tão rústico como a sala de estar, com suas vigas ao ar e suas grosas paredes de madeira. Não havia nada naquela habitação que indicasse que pertencia a um adolescente: nem equipamentos esportivos de nenhuma classe, nem roupa pelo chão. Em um canto havia uma cadeira de respaldo reto. Junto à cama, as estantes se estendiam do chão ao teto. Saltava à vista que as estropia estavam feitas à mão, mas entretanto não eram toscas. Tinham sido polidas, lixadas e envernizadas. Estavam lotadas de livros, e a curiosidade empurrou a Mary a examinar os títulos. Demorou um momento em dar-se conta de que todos eles estavam relacionados de um modo ou outro com a aviação, dos experimentos aeronáuticos de Dá Vinci ao Kitty Hawk, passando pela exploração do espaço. Havia livros sobre bombardeiros, caças, helicópteros, aviões-radar, reatores e aviões cisterna; livros sobre combates aéreos de todas as guerras desde que os pilotos se dispararam pela primeira vez com pistolas na Primeira guerra mundial; livros sobre aeronaves experimentais, sobre táticas de combate, sobre desenho de asas e motores. – Aqui está a roupa. – Joe entrou sem fazer ruído e deixou a roupa sobre a cama. Mary o olhou, mas o menino não se alterou. – Você gosta dos aviões – disse, e se envergonhou de sua própria banalidade. – Sim, eu gosto – admitiu ele sem inflexão na voz. – Pensaste em dar aulas de vôo? – Sim – entretanto, não acrescentou nada mais a aquela seca resposta. Limitou-se a sair da habitação fechando a porta atrás dele.
Mary esteve pensando enquanto se tirava lentamente o vestido e vestia a roupa que lhe tinha levado Joe. Aqueles livros não indicavam mero interesse pela aviação, a não ser uma autêntica obsessão. As obsessões eram coisas curiosas; as insanas podiam lhe destroçar a um a vida; outras, em troca, impulsionavam a algumas pessoas a alcançar estratos mais elevados da existência, faziam-nas brilhar com luz mais forte, arder com um fogo mais intenso, e em caso de que não fossem alimentadas, faziam que se fossem murchando e que suas vidas se consumissem por inanição do espírito. Se estava no certo, acabava de encontrar um modo de chegar até o Joe e fazêlo voltar para colégio. Os jeans ficavam bem. Irritada ao comprovar de novo que tinha a figura de um menino de dez anos, vestiu a camisa de flanela, que ficava grande, e a grampeou. Logo a arregaçou por cima das mãos. Tal e como Wolf havia dito, as botas, muito gastas, ficavam grandes, mas os dois pares de meias lhe acolchoavam o suficiente os pés como para que não lhe saíssem pelos pés. Davam um calorzinho delicioso, e Mary resolveu arranhar dinheiro daqui e de lá até que pudesse comprar um bom par de botas. Joe estava jogando lenha ao fogo da enorme chaminé de pedra quando entrou, e um leve sorriso esticou sua boca ao vê-la. – Asseguro-lhe que não se parece você nada à senhorita Langdale, nem a nenhuma outra professora que tenha conhecido. Ela juntou as mãos. – A aparência não tem nada que ver com a capacidade. Sou muito boa professora..., embora pareça um menino de dez anos. – De doze. Eu me punha essas calças quando tinha doze anos. – Grande consolo – ele se pôs-se a rir e Mary se sentiu satisfeita porque tinha a sensação de que nem Joe nem seu pai riam muito. – Por que deixou o colégio? Tinha aprendido que, se repetiam uma e outra vez as mesmas perguntas, freqüentemente se obtinham respostas distintas e ao final se terminavam as evasivas e acabava aflorando a verdade. Joe, entretanto, ficou olhando-a com fixidez e voltou a lhe dar a mesma resposta. – Não tinha perdido nada ali. – Não tinha nada mais que aprender? – Sou índio, senhorita Potter. Um mestiço. O que aprendi o aprendi sozinho. Mary ficou calada um momento. – A senhora Langdale não...? – deteve-se, não sabendo como formular a pergunta seguinte. – Eu era invisível – a voz juvenil do Joe soou asperamente. – Desde que comecei a ir ao colégio. Ninguém se incomodava em me explicar nada, em me fazer perguntas, nem em contar comigo para nada. Até me surpreendiam que me corrigissem os trabalhos. – Mas foi o primeiro de sua classe. Ele se encolheu de ombros. – Eu gosto dos livros. – Não sente falta do colégio? Aprender? – Posso ler sem ir ao colégio, e se fico aqui todo o dia posso ajudar a meu pai. Sei muito de cavalos, senhora, talvez mais que qualquer um por aqui, exceto meu pai, e isso não o aprendi na escola. Este rancho será meu algum dia. Minha vida está aqui. Para que ia perder o tempo indo ao colégio? Mary respirou fundo e tirou o ás que tinha na manga. – Para aprender a voar. Joe não pôde impedir que em seus olhos aparecesse um brilho ávido que, entretanto, extinguiu-se imediatamente. – Na escola da Ruth não posso aprender a voar. Pode que algum dia dê aulas. – Não me referia a aulas de vôo. Referia-me à Academia das Forças Aéreas. A tez bronzeada do Joe empalideceu de repente. Esta vez, Mary não distinguiu um brilho de avidez, a não ser um desejo profundo e angustiado cuja força a impressionou como se Joe acabasse de vislumbrar um espiono do céu. Ele girou a cabeça e de repente pareceu maior.
– Não tente me enganar. Isso é impossível. – Por que? Vi sua fixa. Sua nota média é bastante alta. – Mas deixei o colégio. – Pode voltar. – Com o tempo que perdi? Teria que repetir o curso, e não penso ficar sentado de braços cruzados enquanto esses casulos me chamam índio estúpido. – Não perdeste tanto tempo. Eu poderia te dar aulas, te pôr em dia. Assim poderia começar o último curso em outono. Sou professora titulada, Joe, e para que saiba tenho excelentes créditos. Posso te dar todas as aulas particulares que queira. Joe agarrou um atiçador e cravou sua ponta em um lenho de que saiu voando uma chuva de faíscas. – E do que serviria? – resmungou. – A Academia não é uma universidade em que alguém faz um exame de ingresso, pagando a matrícula e entra. – Não. O normal é que te recomende um congressista de seu estado. – Sim, já, mas não acredito que nenhum congressista vá recomendar a um índio. Os índios estão nos últimos postos da lista de gente a que está de moda ajudar. Ou no último, melhor dizendo. – Parece-me que dá muita importância a sua origem – disse Mary com calma. – Pode lhe jogar a culpa de tudo ao fato de ser índio ou pode seguir adiante com sua vida. Não pode fazer nada para impedir que outros reajam como o fazem, mas sim que pode mudar o modo em que reage você. Não tem nem idéia do que fará um congressista, assim por que jogas a toalha sem sequer tentar? Acaso é um perdedor? Ele se ergueu; seus olhos claros tinham uma expressão feroz. – Acredito que não. – Então, já vai sendo hora de averiguá-lo, não acha? Desejas voar o bastante para lutar por esse privilégio? Ou quer morrer sem saber sequer o que é sentar-se na cabine de um avião? – Não se anda você com pequenas, senhora – murmurou Joe. – Às vezes faz falta lhe dar um pau na cabeça das pessoas para que reaja. Tem guelra para tentá-lo? – Mas e você? Às pessoas da Ruth não lhe fará nenhuma graça que me dedique tanto tempo. Teria o muito cru se estivesse sozinho, mas estando meu pai, tenho o dobro de cru. – Se a alguém o molesta que te dê classes particulares, porei-lhe as coisas claras – disse ela com firmeza. – Entrar na Academia é uma honra, e essa é nossa meta. Se deixar que te dê aulas, poreime a escrever aos congressistas de Wyoming imediatamente. Acredito que já vai sendo hora de que sua origem racial jogue a seu favor. Resultava assombroso quão altivo podia parecer aquele rosto tão jovem. – Não quero essa honra se só me derem isso porque sou índio. – Não seja ridículo – repreendeu-o ela. – Não vão aceitar te na Academia só porque seja meio índio. Mas se o fato de que o seja atrai o interesse dos políticos, para mim é estupendo. Assim terão mais presente seu nome. Mas o superar as provas de admissão só dependerá de ti. Joe se passou a mão pelo cabelo negro; logo se aproximou da janela, inquieto, e ficou olhando a branca paisagem. – Seriamente acredita que é possível? – Claro que é possível. Não é certo, mas é possível. Poderá voltar a te olhar ao espelho se não tentar? Se não o tentarmos? Mary ignorava o que terei que fazer para que um congressista se interessasse por um aluno e recomendasse seu ingresso na Academia, mas estava disposta a escrever uma vez por semana a quantos senadores e representantes por Wyoming houvesse no Congresso até que o averiguasse. – Se aceitasse, teria que ser de noite. Aqui tenho muito trabalho. – De noite me vem bem. Até a meia-noite pareceria bem, com tal de que volte para colégio. Lhe lançou um olhar inquisitivo. – Fala a sério, não é verdade? Seriamente se importa que tenha deixado a escola.
– Claro que me importa. – Aqui não há claro que valha. Já o hei dito, a nenhum professor importava que aparecesse na classe. Certamente se alegravam de que não fosse. – Bom – disse ela com sua voz mais enérgica, – pois sim me importa. Me dedico ao ensino, e se não poder ensinar e sentir ao mesmo tempo que estou fazendo algo que vale a pena, perco parte do que sou. Não é isso o que sente você respeito a voar? Que tem que fazê-lo ou morrerá? – Desejo-o tanto que me faz sofrer – reconheceu ele com voz áspera. – Tenho lido em alguma parte que voar é como lançar sua alma ao céu e correr para alcançá-la enquanto cai. – Não acredito que a minha caísse – murmurou Joe enquanto olhava o céu claro e frio. Olhava-o absorto, como se o paraíso lhe fizesse gestos do alto, como se pudesse contemplá-lo eternamente. Possivelmente estivesse imaginando-se lá encima, livre e selvagem, com uma máquina poderosa rugindo sob ele, subindo cada vez mais alto. Logo se estremeceu, sacudindo-se visivelmente aquele sonho, e se voltou para ela. – Está bem, professora, quando começamos? – Esta noite. Já perdeste bastante tempo. – Quanto demorarei para me pôr ao dia? Lhe lançou um olhar mordaz. – Te pôr ao dia? Os vais deixar atrás. O tempo que demore depende do que te esforce. – Sim, senhora – disse ele, e sorriu um pouco. Mary pensou que de repente parecia outra vez mais jovem, mais menino. Era, em todos os sentidos, muito mais amadurecido que os guris de sua idade que foram às classes da Mary, mas parecia que acabavam de lhe tirar um grande peso de cima. Se voar significava tanto para ele, o que tinha sentido ao condenar-se a um futuro que lhe negava seu maior desejo? – Pode estar em minha casa às seis? Ou prefere que eu venha aqui? – Mary pensou naquela estrada de noite e com neve e se perguntou se seria capaz de chegar se Joe preferia que fora ela ao rancho. – Como não está acostumada a conduzir com tanta neve, irei eu a sua casa. Onde vive? – Desce pela estrada de trás e excursão à esquerda. É a primeira casa à esquerda – ficou pensando um momento. – Bom, acredito que na realidade é a única que há. – Sim. Não há mais casa em oito quilômetros à redonda. É a velha casa dos Witcher. – Isso me hão dito. A junta escolar foi muito amável por me proporcionar um lugar onde viver. Joe parecia pouco convencido. – Será que não tinham outro modo de conseguir uma professora a metade de curso. – Bom, em qualquer caso o agradeço – disse ela com firmeza, e olhou pela janela. – Não deveria ter retornado já seu pai? – Depende do que se encontrou. Se puder, arrumará o carro ali mesmo. Olhe, aí vem. A caminhonete negra se deteve rugindo diante da casa e Wolf se desceu dela. Subiu ao alpendre, deu uns pancadas para tirá-la neve das botas e abriu a porta. Seu olhar frio e negro brilhou um instante sobre seu filho e logo sobre a Mary. Seus olhos se aumentaram levemente enquanto examinava as esbeltas curvas que deixavam ao descoberto os velhos jeans do Joe, mas não fez nenhum comentário a respeito. – Recolha suas coisas – disse a Mary. – Tenho uma mangueira de sobra que serve para seu carro. O poremos e a levarei para casa. – Posso ir em meu carro – respondeu ela. – Mas obrigada por tomar-se tantas moléstias. Quanto é a mangueira? Quero pagar-lhe – Considere-o uma amostra de amabilidade vicinal por volta de uma recém chegada. Mesmo assim, levaremo-la a casa. Prefiro que aprenda a conduzir com neve em outro lugar, não em minha montanha. Seu rosto bronzeado parecia inexpressivo, como sempre, mas Mary teve a sensação de que tinha tomado uma decisão e não pensava dar seu braço a torcer. Foi procurar seu vestido à habitação do Joe e o resto de suas coisas à cozinha. Quando retornou à sala de estar, Wolf lhe deu
um grosso casaco para que a pusesse. Mary a pôs. O casaco lhe chegava quase até os joelhos, e as mangas lhe tampavam totalmente as mãos, de modo que tinha que ser dele. Joe havia tornado a vestir a jaqueta e o chapéu. – Preparados. Wolf olhou a seu filho. – Já falastes? O menino assentiu com a cabeça. – Sim – olhou a seu pai aos olhos com fixidez. – Vai me dar aulas particulares. – Vou tentar entrar na Academia das Forças Aéreas. – Você decide. – Mas te assegure de que sabe no que te está colocando. – Tenho que tentar. Wolf assentiu com a cabeça uma vez, e a discussão ficou resolvida. Abandonaram o calor da casa e Mary, que ia emparedada entre eles, sentiu de novo com assombro aquele frio áspero e desumano. encarapitou-se de boa vontade à caminhonete, que tinha o motor aceso, e a rajada de ar quente que despediam os ralos da calefação lhe pareceu deliciosa. Wolf se montou atrás do volante e Joe se sentou a seu lado, de modo que ela ficou apanhada entre seus corpos. Sentou-se afetadamente, com as mãos juntas, e colocou os pés um ao lado do outro enquanto começavam a descer para um enorme celeiro de cujos flancos saíam, como largos braços, sendo estábulos. Wolf se baixou e entrou no celeiro. Meio minuto depois, retornou com uma parte de grossa mangueira negra. Quando chegaram ao carro, pai e filho desceram e colocaram a cabeça sob o capô levantado, mas Wolf disse a Mary com aquele tom que não admitia protestos, e que ela já tinha aprendido a reconhecer, que ficasse na caminhonete. Wolf Mackenzie era muito autoritário, disso não cabia dúvida, mas a Mary gostava de sua relação com o Joe. Havia entre eles um sólido respeito. Mary se perguntava se seriamente as pessoas do povoado eram tão hostis com os Mackenzie pela simples razão de que eram meio índios. Recordou algo que havia dito Joe, algo a respeito de que já o teria bastante cru se estivesse ele sozinho, mas mais ainda por causa do Wolf. O que acontecia a Wolf? Aquele homem a tinha resgatado de uma situação desagradável, inclusive perigosa, esforçou-se por reconfortá-la, e ainda por cima lhe estava reparando o carro. Além disso, tinha-a beijado até deixá-la aturdida. Sentiu que lhe ardiam as bochechas ao lembrar-se daqueles beijos ansiosos. Mas não, aqueles beijos e sua lembrança geravam em realidade um aquecimento de outra classe. pôs-se tinta porque sua própria conduta lhe parecia tão espantosa que apenas se atrevia a pensar nela. Nunca, nunca! tinha sido tão atrevida com um homem. Aquilo era totalmente impróprio de seu caráter. À tia Ardith teria dado um síncope de ter sabido que sua sobrinha, aquela jovem tão formal, tinha deixado que um desconhecido lhe colocasse a língua na boca. Aquilo tinha que ser muito pouco higiênico, embora para falar a verdade também produzia uma exaltação intensa e elementar. Ainda lhe ardia a cara quando Wolf voltou para a caminhonete, mas ele nem sequer a olhou. – Já está arrumado. Joe vai atrás de nós. – Mas não necessita o carro mais água e anticongelante? Ele a olhou com estranheza. – Usava uma lata de anticongelante na parte de trás da caminhonete. É que não me viu tirá-la? Mary se ruborizou de novo. Não tinha prestado atenção; estava absorta revivendo seus beijos. O coração lhe palpitava com força e o sangue lhe corria a toda pressa. Não sabia como enfrentar-se a aquela confusão tão estranha para ela. O mais sensato seria fazer como se não existisse, mas era possível ignorar algo assim? Wolf trocou de marcha e sua perna robusta roçou a de Mary. De repente, ela se deu conta de que seguia sentada no meio do assento. – Vou tirar me do meio – apressou-se a dizer, e se deslizou até a porta. Ao Wolf gostava de senti-la sentada a seu lado, tão perto que seus braços e suas pernas se tocavam cada vez que trocava de marcha, mas não o disse. Na casa tinham estado a ponto de
perder o controle, e não queria que aquilo voltasse a ocorrer. Aquele assunto com o Joe o preocupava, e Joe era mais importante para ele que o estreitar a uma mulher cálida e suave entre seus braços. – Não quero que Joe passe mal por culpa de suas boas intenções – disse com uma voz baixa e tensa que fez dar um coice a Mary, e imediatamente compreendeu a advertência que ocultavam suas palavras. – A Academia das Forças Aéreas! Isso é escalar muito alto para um guri índio, e há muita gente esperando para lhe pisar os dedos. Se pretendia intimidá-la, fracassou. Mary se voltou para ele com a cabeça bem alta. Seus olhos jogavam faíscas. – Senhor Mackenzie, não prometi ao Joe que vá entrar na Academia. Ele sabe. Suas notas são bastante boas como para que obtenha a recomendação, mas deixou o instituto. Não tem nenhuma oportunidade a menos que volte para classe e consiga as qualificações que necessita. Isso é o que lhe ofereci: uma oportunidade. – E se não o consegue? – Quer tentá-lo. E, embora não seja aceito, pelo menos saberá que o tentou, e terá um título. – Para fazer o que poderia fazer sem necessidade de um título. – Talvez. Mas na segunda-feira começarei a me informar sobre o procedimento e as qualificações que se necessitam, e me porei a mandar cartas. Há muita competência para entrar na Academia. – Às pessoas do povoado não gostará que dê aulas ao Joe. – Isso me há dito – sua cara adquiriu de novo aquela expressão obstinada. – Mas o que se atrever a se queixar vai ouvir. Você deixe que eu me encarregue deles, senhor Mackenzie. Seguiram descendo pela montanha que lhe havia feito tanto subir. Wolf guardou silêncio o resto do caminho, e Mary também. Mas, ao deter-se diante da velha casa onde ela vivia, Wolf apoiou as mãos enluvadas sobre o volante e disse: – Não se trata só do Joe. Para seu próprio bem, não vá dizendo por aí que vai lhe dar aulas. É melhor para você que ninguém saiba sequer que falou comigo. – E isso é por que? Wolf esboçou um sorriso glacial. – Sou um ex sentenciado. Estive no cárcere por violação.
Capítulo 3 Mais tarde, Mary se envergonhou de haver-se descido da caminhonete sem responder a aquela crua asseveração, mas se tinha ficado tão atônita que tinha sido incapaz de reagir. Violação! Aquele era um delito repugnante. Resultava incrível. Tinha beijado aquele homem! Ficou-se tão assombrada que não tinha podido mais que inclinar a cabeça a modo de despedida e lhe dizer ao Joe que se veriam nessa noite. Logo tinha entrado na casa sem lhes dar sequer um obrigado por sua ajuda e pelas moléstias que se tomaram. Pouco a pouco tinha começado a cobrar consciência do acontecido. Parada a sós na antiquada cozinha, observava ao Woodrow lambendo com avidez o leite de seu pires e pensava no Wolf Mackenzie e no que lhe havia dito. De repente deixou escapar um gemido. – Bobagens! Se esse homem for um violador, cozerei-te para jantar, Woodrow. Woodrow parecia bastante despreocupado, o qual, a julgamento da Mary, indicava que o gato estava de acordo com sua opinião, e ela tinha em muito alta estima a capacidade do Woodrow para discernir o que mais lhe convinha. Afinal de contas, Wolf não havia dito que tinha cometido uma violação. Havia dito que tinha estado no cárcere por violação. Quando pensava em como pai e filho aceitavam de maneira automática, embora com amargura, que os rechaçasse por causa de seu sangue índio, Mary se perguntava se talvez o fato de que Wolf fora meio índio teria influenciado em sua condenação. Mas ele não tinha violado a ninguém. Estava tão segura disso como do aspecto de sua própria
cara. O homem que a tinha ajudado a sair de um atoleiro, que lhe tinha esquentado as mãos com seu próprio corpo e a tinha beijado com um ardor ávido e viril, não era de esses capazes de agredir a uma mulher. Tinha sido ele quem se deteve antes de que aqueles beijos fossem muito longe; ela quem se tornou maleável entre suas mãos. Aquilo não tinha sentido. Era impossível que Wolf Mackenzie fosse um violador. Talvez não lhe havia feito muito esforço deixar de beijá-la; ao fim e ao cabo, ela era muito pouco atrativa e carecia de experiência. E, além disso, nunca seria voluptuosa, mas mesmo assim... Seus pensamentos se foram apagando ao aflorar a lembrança do que havia sentido. Era inexperiente, sim, mas não estúpida. Wolf estava... enfim, excitado. Ela o tinha notado com toda claridade. Possivelmente ultimamente não tivesse podido dar rédea solta a seus apetites físicos, e a tinha à mão, mas mesmo assim não se ultrapassou. Não a tinha tratado com a atitude do marinheiro ao que, em tempo de tormenta, qualquer porto lhe valia. Como era esse horrível termo que o tinha ouvido dizer a algum de seus alunos? Ah, sim: «saído». Podia aceitar que Wolf Mackenzie se achasse nesse estado e que ela, acidentalmente, tivesse despertado sua fogosidade de um modo que ainda lhe parecia um mistério, mas o caso era que não se aproveitou da situação. E se o tivesse feito? Seu coração começou a pulsar com violência, e um formigamento ardente se difundiu devagar por seu corpo ao tempo que uma sensação enervante e perturbadora se ia hospedando em seu interior. Seus peitos se esticaram e começaram a palpitar, e automaticamente os cobriu com as mãos abertas. Ao dar-se conta, baixou as mãos. Mas e se os houvesse meio doido Wolf? E se os tivesse beijado? Sentia que se derretia por dentro com apenas pensar nele. Fantasiar com ele. Juntou as coxas, tentando aliviar a côncava palpitação que sentia entre eles, e um gemido escapou de seus lábios. Era um gemido leve, mas retumbou estranhamente no silêncio da casa, e o gato levantou o olhar de seu pires, proferiu um miado inquisitivo e logo voltou para seu leite. Teria sido ela capaz de deter o Wolf? O teria tentado sequer? Ou a essas alturas estaria recordando como tinham feito amor, em lugar de tentar imaginar-lhe. Seu corpo se estremecia, mais por causa de instintos e desejos logo que despertados que por verdadeiro conhecimento. Nunca antes tinha conhecido a paixão, exceto a de conhecer e ensinar. Descobrir que seu corpo era capaz de experimentar sensações tão intensas lhe infundia temor, em que pese a que acreditava conhecer-se bem. Sua própria carne lhe resultava de repente alheia, e seus raciocínios e emoções pareciam escapar a seu controle. sentia-se quase traída. Céu santo, aquilo era pura luxúria! Ela, Mary Elizabeth Potter, desejava a um homem! E não a um homem qualquer, a não ser ao Wolf Mackenzie. Aquilo era ao mesmo tempo prodigioso e humilhante. *-*-* Joe demonstrou ser um aluno acordado e capaz, tal e como Mary imaginava. Chegou pontual, bem a tempo, e por sorte sozinho. Depois de passá-la tarde lhe dando voltas ao ocorrido, Mary não se sentia com ânimos de enfrentar-se outra vez ao Wolf Mackenzie. O que pensaria dela? A seu modo de ver, virtualmente o tinha assaltado. Mas Joe chegou sozinho e, durante as três horas que seguiram, Mary se foi dando conta que aquele guri lhe caía cada vez melhor. Estava sedento de conhecimentos e absorvia tudo como uma esponja. Enquanto ele fazia os exercícios que lhe tinha posto, ela se dedicou a preparar umas pranchas para controlar o tempo que investiam em cada disciplina, os temas que davam e as notas que Joe tirava os controles. A meta que se puseram era muito mais difícil de alcançar que um simples título de bacharelado. Embora Mary não tinha prometido nada, sabia que só se daria por satisfeita quando Joe ingressasse na Academia das Forças Aéreas. Havia algo nos olhos do moço que lhe dizia que nunca se sentiria realizado a menos que pudesse voar; Joe era como uma águia turma de trabalhadores em terra: seu espírito ansiava o céu. Às nove em ponto, Mary pôs fim à aula e anotou o tempo em uma de suas pranchas. Joe bocejou enquanto se balançava na cadeira apoiada sobre as patas traseiras. – Quantos dias vamos ter aula?
– Todos, se puder – respondeu ela. – Pelo menos até que ponha ao nível de sua classe. Os olhos claros e diamantinos do menino brilharam enquanto a olhava, e a Mary a surpreendeu de novo quão amadurecidos pareciam. – O curso que vem terei que ir ao colégio? – Conviria que fosse. Assim faria muitas mais coisas, e ao mesmo tempo poderíamos seguir dando aula aqui. – Já pensarei isso. Não quero deixar sozinho a meu pai. Estamos expandindo o negócio e há muito mais trabalho. Temos mais cavalos que nunca. – Criam cavalos? – Bons cavalos de rancho, treinados para o pastoreio. Mas não nos dedicamos só à cria. As pessoas levam seus cavalos ao rancho para que meu pai os treine. Meu pai não é só bom; é o melhor. Tratando-se de treinar cavalos, às pessoas lhe importa um nada que seja índio. A amargura havia tornado a fazer ato de presença na voz do Joe. Mary apoiou os cotovelos na mesa e descansou o queixo sobre as mãos unidas. – E você? – Eu também sou índio, senhorita Potter. Meio índio, e à maioria das pessoas lhe basta e lhe sobra com isso. Quando era pequeno não se notava muito porque um pirralho índio não supõe uma ameaça para ninguém. É quando esse pirralho cresce e começa a olhar às filhas dos brancos quando as coisas se torcem. De modo que as garotas tinham algo que ver com o fato de que Joe tivesse deixado o colégio. Mary o olhou elevando as sobrancelhas. – Suponho que as filhas dos brancos também te olham – disse com suavidade. – É muito bonito. Ele quase lhe sorriu. – Sim. Mas no final, para o que me servia... – Então, olhavam-lhe? – E flertam comigo. Uma fazia como se de verdade gostasse. Mas quando a convidei a sair lhe faltou tempo para me dar com a porta no nariz. Suponho que flertar comigo está bem, é como agitar de longe um trapo vermelho diante de um touro, mas nem em sonhos lhes ocorre sair com um índio. – Sinto muito – sem parar-se a pensar no que fazia, Mary alargou o braço e cobriu com a sua a mão jovem e forte do Joe. – Por isso deixou o colégio? – Parecia-me que não tinha sentido seguir ali. Não achava que ia a sério com essa garota nem nada parecido. Não era para tanto. Só eu gostava. Mas o que passou me deixou bem claro que nunca ia integrar me, que nenhuma daquelas garotas sairia jamais comigo. – E o que pensava fazer? Trabalhar no rancho toda sua vida e não sair alguma vez, nem te casar? – Me casar nem me passa pela cabeça – disse ele com firmeza. – Quanto ao resto, há povoados maiores. O rancho vai bastante bem, e temos um pouco de dinheiro extra. Não acrescentou que tinha perdido a virgindade dois anos antes, em uma viagem a um daqueles povoados maiores. Não queria escandalizar a Mary, e estava seguro de que ficaria de uma peça se o contava. A nova professora não era só uma pacata; era também uma ingênua. Isso o fazia sentir-se estranhamente responsável por ela. Isso, e o fato de que era diferente às demais professoras que tinha conhecido. Quando Mary o olhava, via-o ele, Joe Mackenzie, não via a pele bronzeada e o cabelo negro de um mestiço. Ela o tinha cuidadoso aos olhos e tinha visto seu sonho, sua obsessão pelo vôo e os aviões. Quando Joe partiu, Mary fechou a casa e se preparou para ir-se à cama. Tinha tido um dia exaustivo, mas mesmo assim demorou comprido momento em dormir e à manhã seguinte lhe pegaram os lençóis. Esse dia procurou manter-se ocupada para não ficar a sonhar com o Wolf Mackenzie nem a fantasiar com coisas que não tinham ocorrido. Esfregou e encerou a velha casa até deixá-la brilhante, e logo tirou as caixas de livros que havia trazido do Savannah. Uma casa com livros dava sempre a impressão de ser um lugar habitado. Entretanto, comprovou com
desalento que não tinha lugar onde pô-los. Necessitava uma dessas estantes de módulos; se para as montar só fazia falta um chave de fenda, certamente poderia arrumar-lhe ela sozinha. Com sua resolução habitual, planejou passar-se pelo supermercado a tarde seguinte. Se não tinham o que necessitava, compraria uns tábuas e pagaria a alguém para que lhe fizesse umas prateleiras. Na segunda-feira a meio-dia chamou a secretaria de educação do estado para inteirar-se do que terei que fazer para convalidar os estudos de Joe a fim de que obtivera seu diploma. Sabia que tinha os requisitos necessários, mas havia também um montão de papelada que resolver para que Joe conseguisse os créditos necessários mediante aulas particulares. Fez a chamada do telefone público da sala de descanso de professores, que nunca se usava porque só havia três professoras, cada uma das quais dava quatro cursos, e nunca havia tempo para tomar um descanso. A sala tinha, não obstante, três cadeiras e uma mesa, uma geladeira lascada, uma cafeteira elétrica e um telefone de pagamento. Era tão estranho que se usasse a sala que Mary se surpreendeu quando a porta se abriu e Sharon Wycliffe, que dava aulas de primeiro a quarto, apareceu a cabeça. – Mary, encontra-te mau? – Não, estou bem – Mary se levantou e se sacudiu as mãos. O telefone tinha uma densa capa de pó que evidenciava o pouco que se usava. – Estava fazendo uma chamada. – Ah. É que estava surpresa. Leva aqui tanto tempo que pensei que ao melhor encontrava mau. A quem chamava? A pergunta foi formulada sem vacilar. Sharon tinha nascido na Ruth, tinha ido ali à escola e se casou com um menino do povoado. Os cento e oitenta habitantes da Ruth se conheciam todos entre si; Todos estavam à corrente dos assuntos do próximo, e não viam nada estranho nisso. Os povos pequenos eram como famílias extensas. A Mary, que já tinha tido experiências parecidas, não a surpreendeu a franco curiosidade da Sharon. – A secretaria do estado. Necessitava informação sobre as credenciais necessárias para dar aulas. Sharon pareceu de repente alarmada. – É que não tem os certificados como deve ser? Se houver algum problema, a junta escolar se vai a suicidar em massa. Não sabe quão difícil é encontrar um professor qualificado que esteja disposto a vir a um povo tão pequeno como Ruth. Estavam quase a beira do colapso quando encontraram a ti. Os meninos foram ter que ir a uma escola a quase cem quilômetros daqui. – Não, não é isso. Pensei que podia começar a dar aulas particulares, se por acaso algum dos meninos o necessita – não mencionou ao Joe Mackenzie porque não conseguia esquecer as advertências que pai e filho lhe tinham feito a respeito. – Bom, menos mal – exclamou Sharon. – Será melhor que volte com os meninos antes de que armem alguma confusão – agitou a mão, sorriu e retirou a cabeça, dando por satisfeita sua curiosidade. Mary esperava que não dissesse nada ao Dottie Lancaster, a professora que dava aulas de quinta a oitava, mas sabia que era uma esperança vã. Na Ruth todo acabava sabendo-se. Sharon era afetuosa e alegre com seus jovens tutelados, e suas classes, ao igual às da Mary, eram muito distendidas; Dottie, em troca, era estrita e brusca com seus alunos. Mary se sentia incômoda com ela porque tinha a impressão de que para o Dottie o ensino não era mais que um modo de ganhála vida; algo necessário, mas penoso. Inclusive tinha ouvido dizer que Dottie, que tinha cinqüenta e cinco anos, estava pensando em pedir a aposentadoria antecipada. Apesar de suas limitações, seu retiro causaria grande mal-estar na junta escolar porque, tal e como Sharon havia dito, era quase impossível encontrar um professor que queria transladar-se a Ruth. O povo era muito pequeno e estava muito afastado de todas partes. Enquanto dava a última aula do dia, Mary tirou o chapéu observando às garotas e perguntando-se qual delas tinha estado flertando com o Joe Mackenzie e lhe tinha dado cabaças quando ele finalmente se decidiu a lhe pedir sair. Algumas eram muito bonitas e presumidas, e embora mostravam a superficialidade própria dos adolescentes, todas pareciam boas garotas. Mas qual delas teria atraído a atenção de Joe, que não era um menino superficial e cujo olhar era muito mais amadurecido do que correspondia a seus dezesseis anos? Natalie Ulrich, que era alta e
agraciada? Chapéu de palha Hearst, que era tão loira que parecia recém saída de uma praia californiana? Ou Jackie Baugh, com seus olhos negros e sedutores? Parecia-lhe que podia ser qualquer das oito garotas que havia em sua classe. Todas estavam acostumadas a que fossem atrás. Tinham tido a imensa sorte de que os meninos, que eram nove, superassem-nas em número. Todas eram coquetes e vaidosas. Assim qual seria? Mary se perguntava por que lhe importava tanto, mas assim era. Uma daquelas garotas lhe tinha atirado ao Joe um golpe que, embora não lhe tinha quebrado o coração, tinha podido lhe destroçar a vida. Para o Joe, aquilo tinha sido a prova definitiva de que nunca encontraria seu lugar no mundo dos brancos; por isso se tinha retirado. Talvez nunca voltasse para a escola, mas ao menos tinha aceito que lhe desse aulas particulares. Oxalá não perdesse a esperança. Ao acabar as aulas, Mary recolheu rapidamente o material que necessitava para essa noite e os exercícios que tinha que corrigir e saiu correndo a seu carro. O trajeto até o supermercado dos Hearst era curto. Quando lhe perguntou ao senhor Hearst, este lhe indicou amavelmente as caixas das estantes desmontáveis que havia em um canto. Uns minutos depois, a porta se abriu e entrou outro cliente. Mary viu o Wolf assim que entrou na loja. Estava olhando as estantes, mas sua pele pareceu detectar como um radar a aproximação do Wolf. Sentiu um formigamento nervoso, o cabelo de sua nuca se arrepiou, levantou o olhar e ali estava ele. Imediatamente se estremeceu, e seus mamilos se endureceram. A confusão que lhe causou aquela reação que não podia dominar fez que o sangue lhe afluíra à cara. Pela extremidade do olho viu que o senhor Hearst se enrijecia e pela primeira vez acreditou nas coisas que Wolf lhe havia dito a respeito de como o olhava as pessoas do povoado. Wolf ainda não tinha feito nada, não havia dito nenhuma palavra e, entretanto, resultava evidente que ao senhor Hearst o incomodava que estivesse em sua loja. Mary se voltou rapidamente para as estantes. Não se atrevia a olhar ao Wolf à cara. Ficou ainda mais rubra ao pensar em como se comportou, em como se lançou a seus braços como uma solteirona sedenta de sexo. A certeza de que isso era precisamente o que ele pensava não contribuía a que se sentisse melhor; o de solteirona não podia negá-lo, mas ao sexo nunca lhe tinha prestado muita atenção até que Wolf a tinha tomado em seus braços. Quando pensava nas coisas que tinha feito... Tinha a cara em chamas. E o corpo também. Não podia falar com ele. O que pensaria dela? ficou a ler teimosamente as instruções da caixa da estante e fingiu que não tinha visto entrar o Wolf. Tinha lido três vezes as instruções quando reparou em que se estava comportando igual a essas pessoas da que ele falava: muito altiva para lhe dirigir a palavra, e tão desdenhosa que até recusava admitir que o conhecia. Mary era pelo geral muito comedida, mas de repente se sentiu cheia de ira contra si mesmo. Que classe de pessoa era? Agarrou por um puxão a caixa da estante, mas esta pesava mais do que acreditava e esteve a ponto de perder o equilíbrio. Quando se deu a volta, Wolf estava pondo uma caixa de pregos no mostrador e tirando-a carteira do bolso. O senhor Hearst o olhou um instante; logo seus olhos se posaram em Mary, que estava lutando a braço partido com a caixa. – Espere, senhorita Potter, deixe que a ajude com isso – disse, e se apressou a sair de atrás do mostrador para agarrar a caixa. Ao levantá-la começou a soprar. – Não deve carregar tanto peso. Poderia fazer-se dano. Mary se perguntou como pensava o senhor Hearst que ia levar a caixa do carro a sua casa se não podia arrumar-lhe ela sozinha, mas se mordeu a língua e não disse nada. Seguiu ao senhor Hearst até o mostrador, enquadrou os ombros, respirou fundo, elevou o olhar para o Wolf e disse com claridade: – Olá, senhor Mackenzie, como vai? Os olhos negros do Wolf brilharam, possivelmente com um brilho de advertência. – Senhorita Potter – disse secamente, e se tocou com os dedos a asa do chapéu, mas evitou responder à educada pergunta de Mary.
O senhor Hearst lançou a Mary um olhar cortante. – Conhece-o, senhorita Potter? – Em efeito. No sábado me avariou o carro e fiquei presa na neve, e o senhor Mackenzie me resgatou – respondeu ela com voz forte e clara. O senhor Hearst olhou com receio ao Wolf. – Hmm – resmungou, e colocou a caixa da estante no mostrador para cobrá-la. – Desculpe – disse Mary. – O senhor Mackenzie chegou primeiro. Ouviu que Wolf resmungava um impropério em voz baixa, ou ao menos lhe pareceu que era um impropério. O senhor Hearst ficou avermelhado. – Não me importa esperar – disse Wolf com voz crispada. – Não queria penetrar – Mary enlaçou as mãos sobre sua cintura e franziu os lábios. – Não sou tão mal educada. – Primeiro as damas – disse o senhor Hearst, tentando compor um sorriso. Mary lhe lançou um olhar severo. – As damas não deveriam aproveitar-se de seu gênero, senhor Hearst. Vivemos em uma época de justiça e igualdade. O senhor Mackenzie estava antes de mim, e tem direito a que o atenda primeiro. Wolf meneou a cabeça e lhe dirigiu um olhar incrédulo. – É você uma dessas feministas? O senhor Hearst o olhou com desprezo. – Você, é índio, não lhe fale assim. – Espere um momento – Mary procurou dominar sua ira e sacudiu o dedo para o senhor Hearst. – Isso foi uma grosseria e estava completamente desconjurada. Sua mãe se envergonharia de você, senhor Hearst. Acaso não lhe ensinou melhores maneiras? O senhor Hearst ficou ainda mais avermelhado. – Minha mãe me ensinou muito bem – resmungou entre dentes enquanto olhava o dedo de Mary. O dedo de uma professora tinha algo especial; possuía um assombroso poder místico. Fazia que os homens adultos se acovardassem. Mary, que tinha reparado nisso muitas vezes, tinha chegado à conclusão de que o dedo de uma professora era uma extensão do dedo materno, e possuía, portanto, um poder oculto. As mulheres, ao crescer, liberavam-se do sentimento de culpabilidade e deslavamento que produzia aquele dedo acusador, possivelmente porque a maioria delas se convertiam a sua vez em mães e desenvolviam seu próprio dedo do poder; os homens, em troca, nunca se livravam de seu influxo. O senhor Hearst, que não era uma exceção, dava a impressão de querer esconder-se debaixo do mostrador. – Então, estou segura de que quererá que se sinta orgulhosa de você – disse com severidade. – Depois do senhor, senhor Mackenzie. Wolf proferiu um som que parecia quase um grunhido, mas Mary seguiu olhando-o com fixidez até que tirou o dinheiro de sua carteira e o deixou sobre o mostrador. Sem dizer uma palavra, o senhor Hearst cobrou os pregos e lhe deu a mudança. Wolf agarrou a caixa, deu meia volta e saiu da loja sem dizer nada. – Obrigada – disse Mary, mais tranqüila, e lhe dedicou ao senhor Hearst um sorriso amigável. – Sabia que entenderia quão importante é para mim que me trate com igualdade. Não quero me aproveitar de minha posição como professora – suas palavras davam a entender que ser professora era pelo menos tão importante como ser rainha, mas o senhor Hearst, que se sentia muito aliviado para insistir no tema, limitou-se a assentir com a cabeça, tomou o dinheiro de Mary, conduziu cuidadosamente a caixa até o carro e a meteu no porta-malas. – Obrigada – disse Mary outra vez. – Por certo, Pam... é sua filha, não? O senhor Hearst pareceu de repente alarmado. – Sim, assim é – Pam era sua filha menor, a menina de seus olhos. – É uma garota encantadora, e muito aplicada. Só queria que soubesse que vai muito bem no colégio. Quando Mary se afastou em seu carro, um sorriso adornava a cara do senhor Hearst.
Wolf parou na esquina e ficou olhando pelo retrovisor, aguardando a que Mary saísse da loja. Estava tão zangado que tinha vontades de sacudi-la até que lhe rangessem os dentes, e isso o punha ainda mais furioso porque sabia que não podia fazê-lo. Condenada mulher! A tinha advertido, mas não lhe tinha feito conta. Não só tinha deixado bem claro que se conheciam; também tinha esboçado as circunstâncias de seu encontro e até tinha saído em sua defesa de um modo que não passaria desapercebido. É que não o tinha entendido quando lhe havia dito que tinha estado preso e por que? Acaso pensava que estava de brincadeira? Wolf apertou com força o volante. Mary levava outra vez com o cabelo recolhido em um coque e aqueles enormes óculos que ocultavam a suave cor azul piçarra de seus olhos. Ele, em troca, recordava-a com o cabelo solto e os velhos jeans do Joe, que rodeavam às pernas e aos finos quadris. Recordava como tinha turvado seus olhos a paixão ao beijá-la. Recordava a suavidade de seus lábios, apertados entretanto em um ridículo e melindrosa careta. Se era um pouco sensato, partiria. Se mantinha-se completamente afastado dela, as pessoas não teria nada do que falar, como não fora das aulas que dava ao Joe, e isso não podia lhes parecer tão mal. Mas como ia tirar Mary essa caixa do carro e a colocá-la em sua casa quando chegasse? Certamente a caixa pesava mais que ela. Limitaria-se a ajudá-la e, de passagem, jogaria uma boa bronca por não ter feito conta. Demônios, a quem tentava enganar? Tinha provado uma vez seu sabor, e queria mais. Mary era uma solteirona antiquada e brega, mas tinha a pele clara e translúcida como um bebê, e um corpo esbelto e macio que se curvaria brandamente sob suas mãos. Desejava tocá-la. Depois de beijá-la, de tê-la entre seus braços, não tinha ido ver a Julie Oakes porque a lembrança da senhorita Potter não ia do pensamento, nem do corpo. O desejo ainda o fazia sofrer. Aquela insatisfação física resultava penosa e só podia piorar porque, se de algo estava seguro, era de que a senhorita Potter se achava fora de seu alcance. O carro de Mary arrancou e passou a seu lado. Wolf sufocou outra maldição, pôs a caminhonete em marcha e a seguiu lentamente. Ela seguiu devagar a estrada de duplo sentido que saía do povoado; logo torceu pela estreita estrada secundária que levava a sua casa. Tinha que ver a caminhonete atrás dela, mas não mostrava indício algum de saber que Wolf a estava seguindo. Conduziu direita a sua casa, girou cuidadosamente pelo caminho de entrada, talher de neve, e deteve o carro ao outro lado da casa, como estava acostumado. Wolf sacudiu a cabeça ao estacionar atrás dela e sair da caminhonete. Ela já desceu do carro e lhe sorria enquanto procurava as chaves em sua bolsa. Acaso não se lembrava do que lhe havia dito? Wolf não podia acreditar que soubesse que tinha estado no cárcere por violação e que mesmo assim o saudasse com a mesma tranqüilidade que se fosse um pároco, apesar de que eram as duas únicas pessoas que havia em vários quilômetros à redonda. – Maldita seja, senhora! – bramou, e se aproximou dela com grande rapidez de suas longas pernas. – É que não ouviu nada do que lhe disse na sábado? – Sim, claro que o ouvi. Mas isso não significa que tenha que lhe fazer caso – Mary abriu o porta-malas e lhe sorriu. – Já que está aqui, seria tão amável de levar esta caixa? Eu agradeceria muito. – Por isso vim – replicou ele secamente. – Sabia que não podia com ela. Seu mau humor não pareceu amedrontar a Mary, que se limitou a lhe sorrir enquanto ele jogava a caixa ao ombro. Logo pôs-se a andar para a porta traseira e a abriu. Wolf notou em seguida que a casa despedia um aroma fresco e doce, e não o aroma de mofo de uma casa velha que levava comprido tempo fechada. Elevou a cabeça e, a seu pesar, inalou aquele leve aroma. – O que é esse aroma? Ela se deteve e farejou delicadamente. – Que aroma? – Esse aroma doce. Como a flores.
– A flores? Ah, devem ser os sachês de ambientador de lilás que pus nas gavetas para ventilálos. Esses ambientadores revistam ser insuportáveis, mas os de lilás estão bem, não lhe parece? Ele não sabia nada de sachês de ambientador, fossem o que fossem, mas se ela os punha em todas as gavetas, sua roupa interior também devia cheirar a lilás. Seus lençóis cheirariam a lilás e ao quente perfume de seu corpo. Ao pensá-lo, Wolf sentiu que seu corpo se esticava e, resmungando uma maldição, deixou a caixa no chão com um golpe seco. Embora fazia muito frio na casa, notou que começava a lhe suar a testa. – Vou acender a calefação – disse ela, fazendo caso omisso de seus impropérios. – A caldeira é velha e faz ruído, mas não tenho lenha para a chaminé, assim terá que agüentar-se – enquanto falava saiu da cozinha e se afastou pelo corredor, e sua voz se foi fazendo cada vez mais débil. Logo retornou e voltou a lhe sorrir. – Isto se esquentará em seguida. Gostaria de uma xícara de chá? – lançou-lhe de novo um olhar inquisitivo e acrescentou: – Que seja café. Não parece você aficionado ao chá. Wolf já estava quente. Estava ardendo. Tirou-se as luvas e os atirou sobre a mesa da cozinha. – Não sabe que já deve ser a fofoca de todo o povoado? Senhorita, eu sou índio, e expresidiário... – Mary – interrompeu-o ela com energia. – O que? – Me chamo Mary, não senhora. Bom, Mary Elizabeth – mencionou seu segundo nome por costume, porque a tia Ardith sempre a chamava por seu nome completo. – Seguro que não quer um café? Eu necessito algo que me esquente por dentro. Wolf atirou o chapéu junto às luvas e se passou impaciente-mente a mão pelo cabelo. – Está bem. Café. Mary se deu a volta para pôr a água e medir o café, e aproveitou a ocasião para dissimular o repentino rubor que lhe cobria a cara. O cabelo do Wolf. Sentia-se estúpida, mas até esse momento não se fixou em seu cabelo. Talvez tinha estado muito molesta, e logo muito desconcertada, ou talvez fora simplesmente que só se fixou em seus olhos negros como a noite e não tinha reparado no comprido que tinha o cabelo. A juba lhe caía negra, densa e reluzente até os largos ombros, lhe dando um imponente aspecto pagão. Mary imaginou imediatamente com as pernas e o robusto peito nus, talher só com um tanga, e de repente lhe acelerou o pulso. Wolf não se sentou, mas se apoiou contra a mesa, a seu lado. Mary manteve a cabeça agachada, confiando em que lhe passasse o rubor. O que tinha aquele homem que só vendo-o se disparavam suas fantasias eróticas? Ela nunca tinha tido fantasias, nem eróticas nem de nenhuma outra classe. Nunca antes ao olhar a um homem se perguntou que aspecto teria nu, mas ao pensar no Wolf sem roupa sentia uma intensa confusão e as mãos começavam a lhe fazer cócegas, ansiosas por tocá-lo. – Por que demônios me deixa entrar em sua casa e até me convida a um café? – perguntou ele com voz baixa e áspera. Ela o olhou piscando, surpreendida. – E por que não ia fazer? Wolf acreditou que ia estourar de irritação. – Senhorita... – Mary. Wolf fechou suas grandes mãos. – Mary. É que não sabe que não convém deixar entrar em casa a um ex-presidiário? – Ah, isso – ela agitou a mão com gesto de indiferença. – Seguiria seu conselho se de verdade fosse um criminoso, mas dado que você não o fez, não acredito que convenha aplicá-lo neste caso. Além disso, se fosse um autêntico criminoso, não me daria essa aula de conselhos. Wolf logo que podia acreditar que desse por suposta sua inocência com tanta facilidade. – Como sabe que não o fiz? – Porque não o fez.
– E tem algum motivo para chegar a essa conclusão, Sherlock, ou se apóia só em sua intuição feminina? Ela se girou bruscamente e o olhou com irritação. – Não acredito que um violador seja capaz de tratar a uma mulher com a ternura com a que... você me tratou – disse em um sussurro, e voltou a ficar rubra. Envergonhada pela ridícula maneira em que se ruborizava uma e outra vez, levou-se as mãos à cara para dissimular seu rubor. Wolf apertou os dentes, em parte porque ela era branca e, portanto, inacessível para ele, em parte porque era uma ingênua e em parte porque desejava tanto tocá-la que lhe palpitava todo o corpo. – Não se faça ilusões porque a beijei no outro dia – disse com aspereza. – Levo muito tempo sem uma mulher e estou... – Saído? – perguntou ela. Ao Wolf chocou a incongruência daquela palavra posta nos melindrosos lábios de Mary Potter. – O que? – Saído – repetiu ela. – O ouvi dizer a meus alunos. Significa... – Já sei o que significa! – Ah. Bom, é assim como estava? Ou como está ainda, acredito. Wolf sentiu umas vontades quase incontroláveis de rir, mas conseguiu converter em tosse sua gargalhada. – Sim, ainda o estou. Ela pôs cara de pena. – Tenho entendido que pode ser muito doloroso. – Para um tio é difícil, sim. Passou um instante; logo, Mary pôs uns olhos como pratos e sem dar-se conta do que fazia deslizou o olhar pelo corpo do Wolf. Imediatamente voltou a levantar a cabeça. – Ah. Já vejo. Quero dizer que... entendo-o. O desejo de tocá-la era de repente tão intenso que Wolf se sentiu incapaz de resisti-lo. Tinha que tocá-la embora fosse do modo mais leve. Pôs as mãos sobre seus ombros e se deleitou em sua fragilidade, na delicadeza de suas articulações. – Não. – Acredito que não entende. Não pode você relacionar-se comigo e seguir trabalhando neste povoado. Tratarão-a como a uma leprosa, ou como a uma rameira. Certamente até perderá seu trabalho. Ela apertou os lábios e um brilho belicoso aflorou a seus olhos. – Eu gostaria de ver alguém tentar me despedir por me relacionar com um cidadão que respeita as leis e paga seus impostos. Nego-me a fingir que não o conheço. – Há formas e formas de conhecer-se. Já seria uma imprudência que fôssemos amigos. Mas, se nos deitássemos, fariam-lhe a vida impossível. Wolf notou que Mary se esticava sob suas mãos. – Não acredito lhe haver pedido que se deite comigo – disse ela, e voltou a ruborizar-se. Não havia dito nada a respeito, certamente, mas Wolf sabia que tinha imaginado como seria fazer o amor com ele. – Sim, pediu-me isso, mas é tão ingênua que não se inteira do que faz – resmungou. – Poderia me equilibrar sobre você agora mesmo, querida, e o faria se tivesse a mais remota idéia do que me está pedindo. Mas não tenho vontades de que uma branca melindrosa vá por aí gritando que a violei. Me creia, a um índio não dão o benefício da dúvida. – Eu nunca faria isso! Ele esboçou um azedo sorriso. – Sim, já me disseram isso antes. Certamente sou o único homem que a beijou e creio ter vontades de mais, não? Mas o sexo não é bonito e romântico, é ardente e faz suar, e certamente não gostará da primeira vez. Assim me faça o favor de buscar-se outro coelhinho de índias. Já tenho suficientes problemas sem acrescentar a você à lista.
Mary se separou dele, apertou com força os lábios e piscou tão rapidamente como pôde para conter as lágrimas. Não pensava ficar a chorar por nada do mundo. – Lamento lhe haver dado essa impressão – disse com voz crispada, mas firme. – É verdade que nunca tinham me beijado, mas estou segura de que isso não o surpreende. Está claro que não sou miss América. Se minha... reação esteve desconjurada, peço-lhe desculpas. Não voltará a ocorrer – voltou-se bruscamente para o armário. – O café está pronto. Como o quer? Wolf recolheu seu chapéu sentindo que um músculo vibrava em sua mandíbula. – Esqueça do café – resmungou enquanto ficava o chapéu e recolhia suas luvas. Ela não o olhou. – Muito bem. Adeus, senhor Mackenzie. Wolf saiu dando uma portada e Mary ficou ali parada, com a xícara de café vazia na mão. Se seriamente aquilo era um adeus, não sabia como ia ser capaz de suportá-lo. Capítulo 4 Mary era forte e não se deixou vencer pelo desânimo que se apoderava dela cada vez que pensava naquela horrível cena com o Wolf. De dia, procurava cativar a seus alunos para incitar neles o anseia de aprender; de noite, observava ao Joe devorar os dados que desdobrava ante ele. O menino demonstrava um ânsia de conhecimento insaciável, e não só alcançou a seus companheiros de classe, mas também logo os deixou atrás. Mary escreveu aos representantes de Wyoming no Congresso e também a uma amiga a que lhe pediu toda a informação que pudesse reunir sobre a Academia das Forças Aéreas. Quando recebeu o envelope, o deu ao Joe e observou como adquiriam os olhos do menino aquela expressão ferozmente intensa e concentrada que lhe punha cada vez que pensava em voar. Trabalhar com o Joe era um prazer para ela; o único problema era o muito que o menino recordava a seu pai. Na realidade, não sentia falta do Wolf. Como ia sentir falta da alguém a quem tinha visto duas vezes em sua vida? Wolf não formava parte de sua vida cotidiana até o ponto de que sua existência parecesse vazia sem ele. Mas, mesmo assim, as vezes que tinha estado com ele se havia sentido mais viva que nunca. Com o Wolf não era Mary Potter, a solteirona, a não ser Mary Potter, a mulher. A intensa masculinidade daquele homem tinha alcançado partes de seu ser cuja existência desconhecia e tinha despertado à vida emocione e desejos adormecidos. Mary tentava convencer-se de que o que sentia não ia além de simples luxúria, mas isso não aplacava o doloroso desejo que experimentava cada vez que pensava nele, e o fato de que sua inexperiência resultasse tão óbvia só afundava seu sentimento de vergonha, agora que sabia que Wolf a considerava uma solteirona sedenta de sexo. Chegou abril e ocorreu o inevitável: estendeu-se a notícia de que Joe Mackenzie passava muito tempo em casa da nova professora. Ao princípio, Mary não se deu conta de que o rumor corria de boca em boca por todo o povoado, apesar de que seus alunos tinham começado a olhá-la de forma estranha e a cochichar entre si. Sharon Wycliffe e Dottie Lancaster, as outras duas professoras, olhavam-na também com receio e falavam em voz baixa entre elas. Mary não demorou para chegar à conclusão de que o segredo já não era tal, mas seguiu ocupando-se de seus que fazeres cotidianos com um sorriso sereno. Tinha recebido uma carta de um senador que se interessava pelo Joe, e em que pese a que se dizia que não devia jogar os sinos ao vôo, tinha grandes esperança. A reunião ordinária da junta escolar do povoado estava prevista para a terceira semana de abril. A tarde da reunião, Sharon lhe perguntou com deliberada desenvoltura se pensava assistir. Mary a olhou com surpresa. – Claro. Pensava que era costume que assistíssemos todos. – Bom, sim. É só que... pensava...
– Pensava que não ia assistir à reunião agora que todo mundo sabe que lhe estou dando aulas ao Joe Mackenzie? – perguntou Mary sem rodeios. Sharon ficou boquiaberta. – O que? – sua voz soou débil. – Não sabia? Pois não é nenhum segredo – encolheu-se de ombros. – Joe pensava que às pessoas se incomodaria que lhe desse classes particulares, por isso não hei dito nada. Mas, por como atua todo mundo, suponho que já se descoberto o bolo. – Pois me parece que se confundiram de bolo – reconheceu Sharon timidamente. – Viram sua caminhonete em sua casa pelas noites e as pessoas... né... tem feito-se uma idéia equivocada. Mary ficou pasma. – Que idéia equivocada? – Bom, como Joe é tão alto para sua idade e tudo isso... Mary seguiu sem compreender até que viu que Sharon ficava muito rubra. Então uma suspeita estalou em seu cérebro como uma chama, e o espanto se apoderou dela, seguido de perto pela ira. – Pensam que estou de caso com um menino de dezesseis anos? – sua voz se foi elevando com cada palavra. – Viram sua caminhonete em sua casa às tantas da noite – acrescentou Sharon, compungida. – Joe se vai de minha casa às nove em ponto. As pessoas tem uma idéia do que são as tantas da noite que não coincide com a minha. Mary se levantou e começou a colocar papéis em sua maleta. Tinha as narinas inchados e as bochechas pálidas. O pior de tudo era que teria que estar jogando fumaça até as sete da tarde, e suspeitava que a espera não esfriaria sua cólera. Em todo caso, faria-a aumentar. Sentia-se raivosa, não só porque sua reputação estivesse em interdição, mas sim porque aquele rumor afetava também ao Joe. Aquele menino só tentava tornar realidade seus sonhos, e as pessoas se empenhava em lhe pôr a rasteira. Ela não era uma galinha poedeira que saísse cacarejando em defesa de seu pintinho; era uma tigresa com um cachorrinho, e esse cachorrinho corria perigo. Não importava que o cachorrinho fosse vinte centímetros mais alto que ela e pesasse quase quarenta quilos mais. Apesar de sua estranha maturidade, Joe seguia sendo muito jovem e vulnerável. Seu pai desdenhava o amparo que ela podia lhe oferecer, mas nem ele nem ninguém ia impedir de lhe defender ao menino. Estava claro que tinha deslocado o rumor, porque a reunião da junta escolar esteve particularmente concorrida aquela noite. Havia seis membros da junta: o senhor Hearst, o dono do supermercado; Francie Beecham, uma antiga professora de oitenta e um anos; Walton Isby, o diretor do banco; Harlon Keschel, o proprietário da drogaria – hamburguesería; Eli Baugh, uma ranchera do povoado cuja filha, Jackie, ia à classe da Mary; e Cicely Karr, a proprietária do posto de gasolina. Todos eles eram personagens proeminentes da pequena comunidade da Ruth; todos eram proprietários, e todos, salvo Francie Beecham, tinham caras largas. A reunião se celebrava na sala de aula do Dottie, e terá que levar carteiras da classe de Mary para que houvesse assentos para todos, o qual era claro sinal de que muita gente se havia sentido impelida a assistir. Mary estava segura de que iria ao menos um dos pais de cada um de seus alunos. Quando entrou na habitação, todos os olhos se voltaram para ela. As mulheres pareciam indignadas e os homens hostis e receosos, e isso fez que Mary se zangasse ainda mais. Que direito tinham aquelas pessoas a menosprezá-la por seus supostos pecados, quando ao mesmo tempo morriam de vontades por conhecê-los com cabelos e sinais? Apoiado na parede havia um homem alto, embelezado com o uniforme caqui de ajudante do xerife, que a observava com os olhos entreabertos, e Mary se perguntou se pretendiam prendê-la por abuso sexual. Aquilo era ridículo! Se não tivesse pinta de ser o que era, uma solteirona mirrada e feia, as suspeitas daquela gente teriam tido ao menos algum sentido. Meteu-se no coque uma mecha de cabelo que lhe tinha solto, sentou-se e cruzou os braços com intenção de deixar que fossem eles quem desse o primeiro passo. Walton Isby pigarreou e pediu silêncio aos assistentes, consciente sem dúvida da importância de sua posição, havendo ali tanta gente que vigiava o procedimento. Mary ficou a tamborilar com
os dedos sobre seu braço. A junta começou a repassar os assuntos rotineiros da ordem do dia e, de repente, Mary decidiu que não queria esperar. A melhor defesa, tinha lido, era um bom ataque. Quando se deram por resolvidos os assuntos rotineiros, o senhor Isby pigarreou de novo, e Mary interpretou aquilo como um sinal de que estavam a ponto de abordar o verdadeiro motivo da reunião. Então ficou em pé e disse com claridade: – Senhor Isby, antes de que continuemos, queria dizer algo. O senhor Isby pareceu surpreso, e sua cara rosada adquiriu um tom avermelhado. – Isto é... é... bom, um tanto irregular, senhorita Potter. – Também é importante – Mary manteve o tom de voz que usava quando dava classes e se voltou para a sala. O ajudante do xerife se retirou da parede e se ergueu, e os olhares de todos voaram para ela como ímãs atraídos por uma barra de aço. – Estou oficialmente qualificada para dar aulas particulares, e os créditos que meus alunos consigam com essas classes valem tanto como os conseguidos em um colégio público. Durante o mês passado, estive dando aulas noturnas ao Joe Mackenzie em minha casa... – Isso não faz falta que o jure – resmungou alguém, e os olhos da Mary cintilaram. – Quem há dito isso? – perguntou, crispada. – Foi incrivelmente vulgar – a sala ficou em silêncio. – Quando vi a fixa de Joe Mackenzie, me surpreendi que um aluno tão brilhante tivesse deixado o colégio. Pode ser que nenhum de vocês saiba, mas era o primeiro de sua classe. Pus-me em contato com ele e o convenci para que estudasse por sua conta e ficasse ao mesmo nível que seus companheiros de classe, e em um mês não só se pôs a seu nível: superou-os com acréscimo. Também me pus em contato com o senador Allard, que me expressou seu interesse pelo Joe. As excelentes qualificações de Joe o convertem em um candidato idôneo para ingressar na Academia das Forças Aéreas. É toda uma honra para o povoado, e sei que todos vocês prestarão seu apoio ao Joe. Mary se sentou com a pose fria e distante que lhe tinha inculcado a tia Ardith, e observou com satisfação a cara de pasmo dos assistentes. Só as pessoas sem educação dava gritos, estava acostumado a dizer a tia Ardith; uma dama tinha outros modos mais sutis de fazer-se ouvir. Um murmúrio se levantou na sala; as pessoas se formou redemoinhos e começou a cochichar, e o senhor Isby ficou a revirar as três folhas que tinha diante como se estivesse procurando algo que dizer. Os outros membros da junta juntaram também as cabeças. Mary passeou o olhar pela sala de aula, e de repente, além da porta aberta, no corredor, uma sombra chamou sua atenção. Era um movimento sutil; de não ter cuidadoso nesse preciso instante, não o teria visto. Um instante depois distinguiu a longa silhueta de um homem, e a pele lhe arrepiou. Wolf. Estava no corredor, escutando. Era a primeira vez que Mary o via desde dia que foi a sua casa, e apesar de que só alcançava a distinguir uma forma mais escura entre as sombras, o coração começou a lhe pulsar com violência. O senhor Isby pigarreou, e os murmúrios da sala se foram apagando. – Isso é uma boa notícia, senhorita Potter – começou a dizer. – Entretanto, não acreditam que tenha dado você o melhor exemplo a nossos jovens... – Fala por ti, Walton – disse Francie Beecham secamente com sua rachada voz de anciã. Mary se levantou de novo. – Em que sentido exatamente não lhes dei o melhor exemplo? – Não está bem que tenha a esse menino em sua casa toda a noite! – saltou o senhor Hearst. – Joe vai de minha casa às nove em ponto, depois de dar três horas de aula. O que entende você por toda a noite? Entretanto, se a junta não aprovar que Joe vá a minha casa, suponho que todos estarão de acordo em que utilize as instalações do colégio para lhe dar aulas a última hora da tarde. Eu não tenho objeção em mudar as classes aqui. O senhor Isby, que era no fundo um bom homem, parecia angustiado. Os membros da junta se formaram redemoinhos de novo. Depois de um minuto de acalorada discussão, levantaram a vista de novo. Harlon Keschel se limpou o suor da cara com um lenço, e Francie Beecham parecia ofendida. Esta vez, foi Cicely Karr quem tomou a palavra.
– Senhorita Potter, esta é uma situação difícil para nós. Como você mesma reconhecerá, as probabilidades de que Joe Mackenzie seja aceito na Academia das Forças Aéreas são muito escassas, e a verdade é que não nos agrada que passe tanto tempo a sós com ele. Mary levantou o queixo. – E por que? – Leva você na Ruth pouco tempo, e estou segura de que não entende como funcionam as coisas por aqui. Os Mackenzie têm má fama, e tememos por sua segurança se continua relacionando-se com esse menino. – Senhora Karr, isso são bobagens – respondeu Mary com cândida franqueza. A tia Ardith haveria posto má cara. Mary se imaginou ao Wolf ali fora, no corredor, escutando as calúnias que aquela gente jogava sobre ele e sobre seu filho, e quase pôde sentir o calor de sua ira. Wolf sem dúvida não permitiria que aquilo o afetasse, mas lhe doía saber que o estava ouvindo tudo. – Wolf Mackenzie me ajudou a sair de uma situação perigosa quando me avariou o carro e fiquei apanhada na neve. Foi amável e considerado comigo, e se negou a aceitar que lhe pagasse por me reparar o carro. Joe Mackenzie é um aluno avantajado que trabalha muito em seu rancho, não bebe nem vai por aí armando confusão – confiava em que aquilo fora certo, – e sempre foi respeitoso comigo. Considero-os ambos meus amigos. Entre as sombras do corredor, Wolf fechou os punhos com força. Condenada idiota, acaso não sabia que aquilo ia custar lhe o emprego? Ele era consciente de que, se entrasse na classe, aquela gente afastaria sua atenção da Mary e dirigiria toda sua hostilidade para ele, e tinha começado a ficar em marcha quando ouviu de novo a voz de Mary. É que aquela mulher não sabia quando fechar o bico? – Preocuparia-me igualmente se fosse algum de seus filhos o que deixasse o colégio. Não posso suportar que um jovem renuncie a seu futuro. Damas e cavalheiros, me contrataram para ensinar. E penso fazê-lo o melhor que sei. Todos vocês são boas pessoas. Algum quereria que me desse por vencida se se tratasse de seu filho? Várias pessoas afastaram o olhar e pigarrearam. Cicely Karr se limitou a levantar o queixo. – Está você mudando a questão, senhorita Potter. Não se trata de um de nossos filhos. Trata-se de Joe Mackenzie. Ele é... é... – Meio índio? – perguntou Mary, elevando uma sobrancelha inquisitivamente. – Pois sim. Mas não é só isso. Está, por outro lado, a questão de seu pai... – O que acontece seu pai? Wolf sufocou uma imprecação e de novo fez gesto de entrar na classe, mas nesse momento Mary perguntou com desdém: – É que os preocupa que tenha estado no cárcere? – Me parece razão suficiente! – Ah, sim? E por que? – Cicely, sente-se e fecha a boca – soltou Francie Beecham. – A garota tem razão, e estou de acordo com ela. Se começar a pensar na sua idade, pode que te dê um sufoco. A sala ficou por um instante sumida em um assombrado silêncio; logo, de repente, estalou um tumulto de risadas. Os rústicos rancheiros e suas trabalhadoras mulheres se partiam de risada e jogavam as mãos à barriga enquanto as lágrimas corriam por sua cara. O senhor Isby ficou tão avermelhado que sua cara parecia quase púrpura; logo rompeu a rir com uma gargalhada tão colossal que parecia uma grou histérica pondo ovos, ou isso lhe disse Cicely Karr, que estava também vermelha, mas de ira. O grandalhão do Eli Baugh caiu da cadeira de tanto rir. Cicely lhe tirou o chapéu de detrás da cadeira e começou a lhe dar golpes na cabeça com ele. Eli seguiu bramando de risada enquanto tentava cobri-la cabeça com os braços. – A partir de agora já pode ir comprar azeite para o carro a outra parte! – gritava-lhe Cicely enquanto seguia propiciando-lhe braçadas. – E a gasolina! Não quero que nem você nem nenhum de seus homens voltem a pisar em minha propriedade!
– Vamos, Cicely – balbuciou entre risadas Eli ao mesmo tempo que tentava recuperar seu chapéu. – Um pouco de ordem, amigos! – suplicou Harlon Keschel, apesar de que parecia estar desfrutando do lindo do espetáculo que oferecia Cicely golpeando ao Eli com seu próprio chapéu. Todos outros, por sua parte, pareciam estar acontecendo-lhe em grande. Ou, melhor dizendo, quase todos, pensou Mary ao ver a cara crispada do Dottie Lancaster. De repente se deu conta de que a aquela mulher teria gostado que a despedissem, e se perguntou por que. Sempre tinha tentado ser amável com o Dottie, apesar de que ela rechaçava qualquer aproximação por sua parte. Tinha sido ela a que tinha visto a caminhonete do Joe em sua casa e tinha difundido o rumor? dedicava-se acaso a rondar por aí de noite? Na estrada onde Mary vivia não havia outras casas, de modo que ninguém passava por ali para ir visitar um vizinho. O tumulto se foi apagando, mas ainda se ouvia alguma risada dispersa pela sala. A senhora Karr seguiu olhando com cara de más pulgas ao Eli Baugh, ao que por alguma razão tinha convertido em branco de sua fúria, apesar de que era Francie Beecham quem tinha desencadeado todo aquele alvoroço. Inclusive o senhor Isby seguia sorrindo quando tomou de novo a palavra. – Vamos ver se podemos retomar o debate, amigos. Francie Beecham voltou a saltar. – Parece-me que já falamos bastante por hoje. A senhorita Potter está dando aulas particulares ao Joe Mackenzie para que possa ir à Academia das Forças Aéreas, e já está. Eu faria o mesmo se seguisse ensinando. O senhor Hearst disse: – Me segue parecendo mal que... – Pois então que use uma sala de aula. Todo mundo está de acordo? Francie olhou a outros membros da junta com expressão triunfante, e logo fez uma piscada a Mary. – Por mim, tudo bem – disse Eli Baugh, que estava tentando endireitar seu chapéu. – A Academia das Forças Aéreas ...Vá, isso sim que é importante. Parece-me que ninguém deste condado foi nunca a uma academia do exército. O senhor Hearst e a senhora Karr seguiam opondo-se, mas o senhor Isby e Harlon Keschel ficaram do lado do Francie e do Eli. Mary olhava fixamente o corredor em penumbra, mas já não via nada. Teria ido ele? O ajudante do xerife voltou a cabeça para ver o que estava olhando, mas tampouco viu nada e, depois de encolher-se ligeiramente de ombros, voltou-se para a Mary e também lhe piscou os olhos um olho. Mary estava atônita. Aquela noite lhe tinham piscado os olhos os olhos mais vezes que em toda sua vida. Como devia tomar-se aquelas piscadas? Devia ignorá-los? esperava-se acaso que os devolvesse? As lições de boas maneiras da tia Ardith não incluíam o assunto das piscadas. A reunião se dissolveu entre brincadeiras e risadas, e alguns pais ficaram um momento para estreitar a mão de Mary e lhe dizer que estava fazendo um bom trabalho. Passou meia hora antes de que Mary pudesse recolher seu casaco e chegar à porta e, quando por fim saiu, o ajudante do xerife a estava esperando – Acompanho-a a seu carro – disse ele com naturalidade. – Sou Clay Armstrong, o ajudante do xerife. – Como vai? Mary Potter – respondeu ela, lhe estendendo a mão. Ele a estreitou, e a mão de Mary desapareceu em sua enorme. Clay Armstrong levava o chapéu impregnado sobre o cabelo castanho escuro e encaracolado, mas apesar da sombra da asa, seus olhos azuis brilhavam. A Mary caiu bem a primeira vista. Era um desses homens fortes e tranqüilos, firmes como uma rocha mas providos de bom humor. O alvoroço da reunião o tinha feito rir a gargalhadas. – Todo mundo no povoado a conhece. Aqui não devem viver muitos forasteiros, e menos uma jovem solteira do sul. O dia que chegou, todo o condado ouviu falar de seu acento. Não notou que as garotas da escola tentam imitar seu acento? – Seriamente? – perguntou Mary com surpresa.
– Claro – Clay Armstrong diminuiu o ritmo para ficar a seu passo enquanto caminhavam para o carro. O ar frio se tornava sobre a Mary e lhe gelava as pernas, mas, em compensação, a noite era diáfana e cristalina, e mil estrelas titilavam no céu. Chegaram ao carro. – Importaria-lhe me esclarecer uma coisa, senhor Armstrong? – O que queira. E me chame Clay. – Por que se zangou tanto a senhora Karr com o senhor Baugh, e não com a senhora Beecham? Foi a senhora Beecham quem começou tudo. – Cicely e Eli são primos irmãos. Os pais do Cicely morreram quando ela era pequena, e os pais do Eli a acolheram em sua casa. Cicely e Eli são da mesma idade, assim cresceram juntos e brigavam todo o tempo como gatos selvagens. Ainda brigam, suponho, mas algumas famílias são assim. Apesar de tudo, estão muito unidos. Aquela classe de família causava perplexidade na Mary, mas parecia cômodo e agradável poder brigar com alguém e saber que mesmo assim te queria. – Então, bateu-lhe por rir dela? – E porque com ele podia zangar-se. Com a senhorita Beecham ninguém se zanga. Foi professora de todos os adultos deste condado, e todos seguimos lhe tendo muito respeito. – Isso soa muito bonito – disse Mary sorrindo. – Espero estar ainda aqui quando tiver sua idade. – Também pensa seguir armando confusões na junta escolar? – Isso espero – repetiu ela. Ele se inclinou para lhe abrir a porta do carro. – Eu também o espero. Tome cuidado ao voltar para casa. Quando Mary entrou no carro, Clay fechou a porta, tocou-se com os dedos a asa do chapéu e se afastou. Era um homem agradável. A maioria dos vizinhos da Ruth eram agradáveis. Equivocavam-se com o Wolf Mackenzie, mas no fundo não eram má gente. Wolf... Onde se teria metido? Mary confiava em que Joe não decidisse deixar de ir as aulas por culpa daquilo. Embora sabia que era absurdo fazer-se ilusões, estava cada vez mais convencida de que seria aceito na Academia e se sentia extraordinariamente orgulhosa de que fora em parte graças a ela. A tia Ardith haveria dito que quanto mais alto sobe, mais dura é a queda, mas Mary pensava freqüentemente que um nunca caía se primeiro não tentava levantar-se. Em mais de uma ocasião tinha replicado a aquele refrão da tia Ardith com um de sua própria colheita: de nada, nada se faz. À tia Ardith a tirava de suas casinhas que sua arma favorita se voltasse contra ela. Mary suspirou. Jogava muitíssimo de menos a sua sarcástica tia. Sua provisão de ditos e refrões acabaria embolorando-se por falta de uso agora que não podia medir seu engenho com o dela. Quando entrou no caminho de sua casa, estava cansada, faminta e nervosa, e temia que, em um alarde de nobreza, Joe queria deixar as aulas para não lhe causar mais problemas. – Vou seguir lhe dando aulas – resmungou em voz alta enquanto saía do carro, – embora tenha que persegui-lo a cavalo. – A quem vais perseguir a cavalo? – perguntou Wolf com aspereza, e Mary deu tal coice que se golpeou o joelho com a porta do carro. – De onde saiu? – perguntou com idêntica exasperação. – Maldito seja, assustaste-me. – Acredito que não o bastante. Estacionei no celeiro, onde não se vê o carro. Mary observou absorta seu rosto cinzelado e impenetrável. A luz incolor das estrelas velava seus rasgos angulosos, mas lhe bastava com isso. Até esse momento não se deu conta das vontades que tinha de voltar a vê-lo, de sentir sua assustadora presença. O sangue corria tão às pressas por suas veias que já nem sequer notava o frio. Aquilo era possivelmente o que significava «arder de desejo». Resultava emocionante e em certo modo pavoroso, mas Mary chegou à conclusão de que gostava.
– Vamos para dentro – disse ele ao ver que ela não se movia, e Mary pôs-se a andar em silencio para a porta traseira. Tinha-a deixado aberta para não ter que andar a lojas com a chave na escuridão, e Wolf franziu o cenho quando girou o trinco e abriu. Entraram e Mary fechou e acendeu a luz. Wolf ficou olhando o sedoso cabelo castanho que lhe tinha escapado do coque, e teve que fechar os punhos para não tocá-la. – Não volte a deixar a porta aberta – advertiu-lhe. – Não acredito que vão roubar-me – replicou ela, e logo acrescentou com sinceridade: – Não tenho nada que um ladrão que se aprecie queira roubar. Wolf se tinha jurado não tocá-la. Sabia o difícil que ia resultar lhe cumprir sua promessa, mas não até que ponto. Desejava sacudi-la até que entrasse em razão, mas sabia que se a tocava não poderia dominar-se. O doce aroma de Mary excitava seus sentidos, atraindo-o para ela; cheirava a uma fragrância cálida e delicada, tão feminina que fazia que todo seu corpo se esticasse de desejo. Finalmente, entretanto, conseguiu afastar-se dela, consciente de que a ambos convinha guardar as distâncias. – Não me referia a um ladrão. – Não? – Mary sopesou sua pergunta e então se deu conta do que ele tinha querido dizer e do que ela tinha respondido. Esclareceu-se garganta e se aproximou do fogão, confiando em que Wolf não se desse conta de que se pôs vermelha. – Se fizer café, tomará uma xícara ou irá feito uma fúria assim que pareça, como o outro dia? Seu ácido tom de recriminação fez graça ao Wolf, que se perguntou como tinha podido pensar alguma vez que Mary era uma dissimulada. Sua roupa podia estar acontecida de moda, mas seu caráter distava muito de ser tímido. Mary dizia exatamente o que pensava e não vacilava em repreender a quem fosse. Apenas uma hora antes tinha dado a cara por ele diante de todo o condado. Aquela lembrança o fez serenar-se. – Tomarei o café se insistir em fazê-lo, mas preferiria que se sentasse e me escutasse. Mary se deu a volta, deslizou-se em uma cadeira e juntou as mãos afetadamente sobre a mesa. – Escuto-te. Wolf separou da mesa outra cadeira e a pôs de lado, frente a ela, antes de sentar-se. Mary posou nele um olhar sério. – Vi você no corredor. Ele pareceu contrariado. – Maldita seja. Viu-me alguém mais? Se surpreendia que ela o tivesse visto porque tinha sido muito cauteloso, e lhe dava bem esconder-se quando não queria que o vissem. – Acredito que não – Mary fez uma pausa. – Lamento que hajam dito essas coisas. – Não me preocupa o que a boa gente da Ruth pense de mim – disse ele com dureza. – Posso com eles, e Joe também. Nosso sustento não depende dessa gente, mas o teu sim. Não volte a dar a cara por nós, a menos que você não goste muito de seu trabalho e esteja tentando perdê-lo, porque isso é o que vais conseguir se seguir assim. – Não vou perder meu trabalho por dar aulas ao Joe. – Pode ser que não. Pode que se mostrem tolerantes com o Joe agora que lhes jogaste em cara o da Academia, mas comigo é diferente. – Tampouco vou perder meu trabalho por ser amável contigo. Tenho um contrato – explicou ela com serenidade. – Um contrato blindado. Não é fácil conseguir um professor em um lugar tão pequeno e isolado como Ruth, sobretudo em pleno inverno. Poderia perder meu emprego se me considerassem incompetente, ou se infringisse a lei, e desafio a qualquer a que demonstre que não faço bem meu trabalho. Wolf se perguntou se isso significava que não descartava infringir a lei, mas não o perguntou. A luz da cozinha caía diretamente sobre a cabeça de Mary, envolvendo seu cabelo em um nimbo prateado cujo brilho o distraía a cada instante. Sabia que seu cabelo era castanho, mas era tão claro e cinzento que não tinha reflexos avermelhados, e quando a luz lhe dava totalmente suas mechas pareciam quase chapeados. Era como um anjo, com seus suaves olhos azuis, sua pele translúcida e
seu sedoso cabelo, que se deslizava do escuro coque para encrespar-se ao redor de sua cara. Wolf sentiu um doloroso nó nas vísceras. Desejava tocá-la. Desejava senti-la nua sob ele. Desejava achar-se dentro dela, cavalgá-la brandamente até que estivesse úmida e tersa e lhe cravasse as unhas nas costas... Mary alongou o braço e pôs sua fina mão sobre a dele, muito maior, e até aquela leve carícia avivou o desejo de Wolf. – Me conte o que aconteceu – pediu-lhe Mary com suavidade. – Por que te mandaram ao cárcere? Sei que não fez nada. Wolf era um homem duro tanto por caráter como por necessidade, mas a singela e cândida fé de Mary o comoveu profundamente. Ele sempre tinha estado sozinho, isolado dos brancos por seu sangue índia e dos índios por seu sangue branco. Nem sequer se havia sentido próximo a seus pais, apesar do carinho que se professaram. Seus pais, na realidade, nunca o tinham conhecido; nunca tinham penetrado em seus pensamentos íntimos. Tampouco se havia sentido unido a sua esposa, a mãe de Joe. Deitava-se com ela e lhe tinha afeto, mas também a tinha mantido a distância. Só com o Joe se rachou sua reserva, e era Joe quem melhor o conhecia no mundo. Ele e seu filho, a quem queria com ferocidade, formavam parte um do outro. Tão somente a lembrança de Joe o tinha mantido vivo durante seus anos na prisão. Causava-lhe um profundo desassossego que aquela mulherzinha branca tivesse o dom de tocar fibras sensíveis que acreditava completamente isoladas. Não queria que se aproximasse dele em nenhum sentido que pudesse perturbar suas emoções. Queria deitar-se com ela, não que lhe importasse, e se enfurecia quando se dava conta de que já lhe importava. Aquilo não gostava de nada. Ficou olhando a mão frágil de Mary, cujo tato era leve e delicado. Ela não fugia ao tocá-lo como se fosse algo sujo; mas tampouco o manuseava como faziam outras mulheres, vorazmente, desejosas de utilizá-lo, de averiguar se o selvagem poderia satisfazer seus ávidos e banais apetites. Ela só tinha alargado a mão para tocá-lo porque se preocupava com ele. Observou como sua mão girava lentamente e envolvia a de Mary, rodeando seus pálidos e finos dedos entre a palma curtida como se quisesse protegê-los. – Foi faz nove anos – sua voz soou baixa e áspera, e Mary teve que inclinar-se para diante para escutá-lo. – Não, quase dez. Fará dez anos em junho. Joe e eu acabávamos de nos mudar aqui. Eu estava trabalhando no rancho Meia Lua. Uma garota do condado do lado foi violada e assassinada. Encontraram seu corpo na mata mais afastada do Meia Lua. Foram me buscar para me interrogar, mas a verdade é que me esperava isso do momento em que me inteirei do acontecido da garota. Era novo aqui, e além disso índio. Mas não havia provas contra mim, assim tiveram que me soltar. Três semanas depois, violaram a outra garota. Esta era do rancho Rocking L, justo ao oeste do povoado. Apunhalaram-na, como à outra, mas sobreviveu. Tinha visto o violador – deteve-se um momento e a expressão de seus olhos negros pareceu fechar-se ao recordar aqueles anos já longínquos. – Disse que parecia índio. Era moreno, com o cabelo negro, e alto. Não há muitos índios altos por aqui. Voltaram a me deter antes sequer de que me inteirasse de que tinham violado a outra garota. Puseram-me em uma fila com seis brancos com o cabelo negro. A garota me identificou, e me acusaram. Joe e eu vivíamos no Meia Lua, mas por alguma razão ninguém recordava me haver visto em casa a noite que violaram à garota, exceto Joe, e a palavra de um pirralho índio de seis anos não valia nada. A Mary lhe encolheu o coração ao pensar no que aquilo tinha que ter suposto para ele e para o Joe, que então era só um menino. Quanto teria sofrido Wolf pensando no que podia lhe ocorrer a seu filho! Ela não sabia o que podia dizer para aliviar uma indignação que durava já dez anos, e preferiu não dizer nada; limitou-se a lhe apertar a mão para que soubesse que não estava sozinho. – Julgaram-me e me declararam culpado. Tive sorte porque não puderam me relacionar com a primeira violação, a da garota a que mataram, ou me teriam linchado. Mas na realidade todo mundo pensava que o tinha feito eu. – Foi a prisão – a Mary custava acreditá-lo, embora sabia que era certo. – O que aconteceu ao Joe?
– O estado se fez cargo dele. Eu sobrevivi ao cárcere. Não foi fácil. Ali, aos violadores os considera caça legal. Tive que me converter no maior filho de puta do mundo só para sobreviver de noite em noite. Mary tinha ouvido histórias a respeito do que acontecia nos cárceres, e sua angústia se fez mais intensa. Wolf tinha sido encerrado, afastado das montanhas e do sol, do ar fresco e limpo, e ela sabia que aquilo tinha tido que ser como enjaular a um animal selvagem. Wolf era inocente, mas em que pese a todo lhe tinham arrebatado a liberdade e a seu filho, e o tinham arrojado na prisão entre a escória da humanidade. Teria dormido bem uma só vez em todo o tempo que tinha passado no cárcere, ou só se adormecia, com os sentidos sempre alerta, preparado para atacar? Mary tinha a garganta seca e tirante. Só conseguiu murmurar: – Quanto tempo esteve na prisão? – Dois anos – o rosto do Wolf tinha uma expressão dura; seus olhos pareciam cheios de ameaças, mas Mary sabia que aquelas ameaças foram dirigidas para dentro, para suas amargas lembranças, não para ela. – Logo conseguiram relacionar uma série de violações e assassinatos entre o Casper e Cheyenne e apanharam ao culpado. O tipo confessou, e até parecia orgulhoso de suas façanhas, embora estava também um pouco molesto porque não lhe tivessem concedido a ele todo o mérito. Confessou as duas violações nesta zona, e deu detalhes que só o violador podia conhecer. – Era índio? Wolf esboçou um sorriso cruel. – Italiano. Moreno de pele, com o cabelo encaracolado. – Então, soltaram-lhe? – Sim. Meu nome ficou limpo. Disseram-me que o sentiam e me deixaram livre. Tinha perdido a meu filho, meu trabalho, tudo o que possuía. Averigüei onde tinham levado ao Joe e fui buscálo. Logo passei uma temporada trabalhando em rodeios para ganhar algum dinheiro, e tive sorte. Foi bastante bem. Ganhei o suficiente para voltar aqui com algo no bolso. O dono do Meia Lua tinha morrido sem herdeiros e as terras foram sair a leilão para pagar os impostos. Fiquei sem um centavo, mas comprei as terras. Joe e eu nos estabelecemos aqui, e comecei a adestrar cavalos e a levantar o rancho. – Por que voltou? – Mary não conseguia entendê-lo. Por que retornar a um lugar onde o tinham tratado tão cruelmente? – Porque estava cansado de dar tombos, sem ter nunca um lugar que pudesse chamar meu; cansado de que me olhassem como a um índio vago e sujo; cansado de que meu filho não tivesse um lar. E porque não ia deixar me vencer por esses bastardos. A dor de Mary se intensificou. Desejava poder aliviar a ira e a amargura do Wolf, atrever-se a tomá-lo em seus braços para lhe oferecer consolo; desejava que pudesse formar parte da sociedade em lugar de ser um espinho cravado em seu peito. – Bom, não todos são filhos ilegítimos – disse, e lhe pareceu que a boca de Wolf se torcia de repente como se fora a sorrir, – do mesmo modo que não todos os índios são vagos e sujos. As pessoas é são só gente, boa e má. – Você necessita alguém que te proteja – respondeu ele. – Com essa atitude de melhor te vais meter em uma confusão. Dá aulas ao Joe, faz o que puder por ele, mas, para seu próprio bem, se mantenha afastada de mim. Essa gente não mudou de opinião sobre mim só porque me soltassem. – Você não tentou fazê-los mudar de opinião. Limitaste-te a lhes esfregar sua culpa pelos narizes – assinalou ela em tom ácido. – E o que quer? Que esqueça o que me fizeram? – perguntou ele com a mesma atitude. – Que esqueça que sua justiça consistiu em me pôr em uma fila com seis brancos e lhe dizer à garota que assinalasse ao índio? Passei dois anos no inferno. Ainda não sei o que aconteceu com Joe, mas quando por fim o recuperei passou três meses sem pronunciar uma palavra. Esquecer isso? Nem em sonhos! – Assim que eles não mudam de idéia, você não muda de idéia, e eu tampouco. Acredito que estamos todos empatados.
Wolf a olhou com raiva e de repente pareceu dar-se conta de que seguia lhe dando a mão. Soltou-a bruscamente e se levantou. – Olhe, não pode ser minha amiga. Não podemos ser amigos. Mary se sentiu gelada e necessitada, com a mão vazia. Elevou o olhar para ele e juntou as mãos sobre o colo. – Por que? Naturalmente, se você não gostar... – sua voz se apagou, e abaixou a cabeça para examiná-las mãos como se nunca antes as tivesse visto. Não lhe gostava? Wolf não podia dormir, tinha os nervos a flor de pele, excitava-se com apenas recordá-la e pensava nela a todas as horas. Sentia-se fisicamente tão frustrado que tinha a sensação de que ia voltar se louco, mas nem sequer podia desafogar-se com a Julie Oakes ou com qualquer outra mulher porque não conseguia tirar-se da cabeça aquele cabelo castanho, fino como o de um bebê, aqueles olhos azul piçarra e aquela pele translúcida como pétalas de rosa. Lutava a braço partido por manter-se afastado dela, e só a certeza de que a boa gente da Ruth se voltaria contra ela se a convertia em sua mulher lhe impedia de estreitá-la entre seus braços. Apesar de seus teimosos princípios, Mary não estava preparada para confrontar a dor e as dificuldades que encontraria a seu passo se isso chegava a ocorrer. Sua frustração se transbordou de repente, e se sentiu cheio de ira por ter que afastar-se da única mulher a que desejava com loucura. Sem dar-se conta do que fazia, alargou os braços, agarrou a Mary pelas mãos e a fez levantar-se de um puxão. – Maldita seja, inteira-se de uma vez, não podemos ser amigos! Quer saber por que? Porque não posso estar a seu lado sem pensar em te arrancar a roupa e te fazer minha, ali onde estejamos. Demônios, nem sequer sei se pararia para te despir! Quero tocar seus seios, colocar seus mamilos na boca. Quero que me rodeie a cintura com as pernas, que ponha os tornozelos sobre meus ombros, ou que ponha como quer com tal de poder estar dentro de ti – apertava-a com tanta força que seu quente fôlego roçava as bochechas de Mary enquanto debulhava sobre ela em voz baixa aquelas ásperas palavras. – Por isso, querida, é impossível que sejamos amigos. Mary sentiu que as palavras do Wolf começavam a despertar seus sentidos e se estremeceu. Apesar de que estavam cheias de ira, aquelas palavras deixavam claro que Wolf sentia o mesmo que ela, e ao mesmo tempo descreviam atos que ela só pela metade podia imaginar. Era muito inexperiente e espontânea para lhe ocul-tar suas emoções, de modo que nem sequer o tentou. Seus olhos estavam cheios de um doloroso desejo. – Wolf. Bastou com que dissesse seu nome daquele modo, com uma leve inflexão de desejo, para que lhe apertasse as mãos com mais força. – Não! – Eu... desejo-te. Aquela confissão, formulada em um trêmulo sussurro, deixava a Mary completamente a sua mercê, e Wolf sabia. De repente começou a amaldiçoar para si mesmo. Acaso não tinha aquela mulher nenhum pingo de sentido comum? Não sabia o que supunha para um homem que a mulher a que desejava lhe oferecesse daquele modo, sem condições nem reticências? Wolf sentia que sua prudência pendia de um fio, mas se agarrou a ela com determinação, consciente de que Mary não sabia o que dizia. Ela era virgem. Tinha recebido uma educação estrita e antiquada, e tinha unicamente uma vaga idéia do que lhe estava propondo. – Não diga isso – murmurou finalmente. – Já te disse que... – Eu sei – interrompeu-o ela. – Sou muito inexperiente para resultar interessante, e você... você não quer que lhe usem como coelhinho de índias. Não o esqueci – Mary raramente chorava, mas nesse instante sentia a umidade salubre das lágrimas lhe queimando os olhos. Wolf se abrandou ao ver sua expressão angustiada. – Menti-te. Deus, como te menti! De repente perdeu as rédeas. Tinha que abraçá-la, senti-la em seus braços embora fosse só um momento, saborear de novo sua boca. Elevou-lhe os braços e lhe fez lhe rodear o pescoço com as mãos; logo inclinou a cabeça e a estreitou entre seus braços, apertando-a contra si. Beijou sua boca,
e a avidez com que respondeu Mary inflamou ainda mais seu desejo. Ela já sabia o que devia fazer; abriu os lábios e começou a acariciá-la com a língua brandamente, com doçura, a língua do Wolf. Isso o tinha ensinado ele, o mesmo que lhe tinha ensinado a derreter-se contra seu corpo, e aquela certeza voltava para o Wolf quase tão louco como o suave contato dos peitos da Mary contra seu torso. Ela se inundou no êxtase puro de achar-se de novo entre seus braços, e as lágrimas que tinha estado contendo se deslizaram por suas pestanas. Aquilo era muito doloroso, muito belo para ser simples luxúria. Se era amor, não sabia se poderia suportá-lo. A boca de Wolf, ávida e dura, arrebatava-lhe longos e profundos beijos que a faziam agarrarse a ele, aturdida e cega. A mão do Wolf se moveu com firmeza por seu flanco e se fechou sobre um de seus peitos, e Mary só conseguiu deixar escapar um gemido de prazer, baixo e gutural. Os mamilos lhe palpitavam, ardentes, e as carícias de Wolf, que aplacavam sua ânsia e ao mesmo tempo a avivavam, faziam que quisesse mais e mais. Desejava que tudo fosse como ele o havia descrito, ansiava sentir sua boca nos peitos e se retorcia febrilmente contra ele. Sentia-se vazia e necessitava que ele a enchesse. Necessitava que a fizesse dela. Ele levantou a cabeça bruscamente e lhe apertou a cara contra seu ombro. – Tenho que parar. Agora mesmo – disse com voz rouca. Estava tão excitado como um adolescente no assento traseiro do carro do pai, e tremia. Mary sopesou um momento as advertências da tia Ardith e, ao pôr no outro pires da balança o que sentia, chegou à conclusão de que estava apaixonada pelo Wolf; aquela mescla de gozo e tortura não podia ser outra coisa. – Eu não quero parar – disse com voz trêmula. – Quero que me ame. – Não. Sou índio, Mary. Você é branca. As pessoas do povoado te fará a vida impossível. O desta noite não foi mais que uma amostra do que teria que suportar. – Estou disposta a me arriscar! – gritou ela com desespero. – Eu não. Eu posso agüentá-lo, mas você... você depende de seus princípios, querida. E não posso te oferecer nada em troca. Se tivesse acreditado que havia alguma possibilidade de viver ali em paz, Wolf teria assumido o risco, mas sabia que, tal e como estavam as coisas, aquilo era impossível. Além do Joe, Mary era a única pessoa no mundo a que desejava proteger, e afastar-se dela lhe parecia o mais duro que tinha tido que fazer em toda sua vida. Mary afastou a cabeça de seu ombro, deixando ao descoberto suas bochechas molhadas. – Só quero a ti. – Mas eu sou o único que não pode ter. Eles lhe fariam pedaços. – Wolf baixou brandamente os braços e se voltou para partir. Mary tentou conter as lágrimas, e sua voz soou baixa e crispada. – Arriscarei-me. Wolf se deteve com a mão no pomo da porta. – Eu não. Mary o viu partir novamente, e esta vez lhe resultou muito mais duro que a primeira.
Capítulo 5 Joe estava estranhamente distraído; era, no geral, um aluno muito atento, que se aplicava à matéria que estivesse estudando com concentração quase extraordinária, mas nessa noite parecia ter outras coisas na cabeça. Tinha aceito sem dizer uma palavra a mudança das classes à escola e nem sequer mostrava indícios de haver-se informado do assunto que se tratou na reunião da junta escolar e que tinha dado lugar a aquela mudança. Como estavam a princípios de maio e o dia tinha sido desacostumadamente quente, Mary atribuiu pela metade seu desassossego à febre primaveril. O inverno tinha sido muito longo, e ela também se sentia inquieta. Por fim fechou o livro que tinha diante dela.
– Por que não vamos logo para casa? – sugeriu. – Não estamos avançando grande coisa. Joe fechou seu livro e se passou os dedos pelo denso cabelo negro, tão parecido ao de seu pai. Mary teve que afastar o olhar. – Sinto muito – disse ele depois de uma longa exalação. Era próprio dele não dar explicações. Estranha vez sentia a necessidade de justificar-se. Durante as semanas que levavam dando aulas, entretanto, Mary e ele tinham mantido entre lição e lição longas conversações íntimas, e ela nunca vacilava quando tinha a impressão de que algum de seus alunos se achava em dificuldades. Se o que lhe causava aquele desassossego era a febre primaveril, queria que Joe o dissesse. – Te preocupa algo? Ele lhe lançou um sorriso irônico; um sorriso muito adulto para um menino de dezesseis anos. – Poderia dizer-se assim. – Ah. Mary acreditou adivinhar por seu sorriso a causa da inquietação do Joe, e se sentiu mais tranqüila. Era, em efeito, mais ou menos, febre primaveril. Como estava acostumado a lhe dizer a tia Ardith: «Quando a um jovenzinho sobe a quentura, as garotas devem andar-se com cuidado. Meu Deus, parecem voltar-se loucos». Estava claro que ao Joe estava subindo a quentura. Mary se perguntava se as mulheres também tinham quentura. Joe recolheu sua caneta, esteve jogando um momento com ele e logo o deixou a um lado como se de repente tivesse decidido acrescentar algo mais. – Pam Hearst me pediu que a leve ao cinema. – Pam? – aquilo era toda uma surpresa, e também uma possível fonte de problemas. Ralph Hearst era um dos vizinhos do povo que com maior veemência se opunham aos Mackenzie. Joe entreabriu seus olhos azul gelou e a olhou. – Pam é a garota da que te falei. Então era Pam Hearst. Pam era bonita e brilhante, e seu corpo jovem e esbelto tinha umas curvas capazes de alterar os hormônios de qualquer moço. Mary se perguntava se seu pai sabia que estava paquerando com o Joe e se essa seria uma das razões de sua hostilidade. – Vais aceitar? – Não – disse ele com firmeza, e Mary se surpreendeu. – Por que? – Na Ruth não há cinema. – E? – Porque esse é precisamente o problema. Teríamos que ir a outro povoado. Não acredito que nos visse ninguém que conheçamos. Ela quer que a leve depois da aula, quando for de noite – recostou-se na cadeira e enlaçou as mãos atrás da cabeça. – Dava-lhe vergonha que fôssemos dançar, mas não lhe importa escapar comigo, a ver o que acontece. Pode inclusive que pense que, embora nos vissem, como é possível que eu vá à Academia, talvez não se meta em muitas confusões. Às pessoas parece impressioná-la muito o da Academia – disse com ironia. – Suponho que as coisa mudam quando um índio usa uniforme. Mary pensou de repente que o anúncio que tinha feito impulsivamente na junta escolar talvez não fora, tão boa idéia. – Preferiria que não houvesse dito nada? – Tinha que dizê-lo, tal e como estavam as coisas – respondeu ele, e Mary compreendeu que estava à corrente do que se tratou na reunião. – Agora tenho mais pressão para entrar na Academia, porque, se não entrar, todos dirão que o índio a enganou, mas isso não está mau. Se me obrigar a me esforçar mais, estarei muito mais perto de consegui-lo. Mary não acreditava que Joe necessitasse mais estímulos; desejava tanto entrar na Academia que levava aquele desejo gravado a fogo na alma. Desviou de novo a conversação para o Pam. – Você molesta que só lhe tenha pedido isso agora? – Põe-me furioso. E me pôs ainda mais furioso ter que lhe dizer que não, porque te asseguro que eu adoraria lhe pôr as mãos em cima – deteve-se bruscamente e lançou a Mary uma daquelas
olhadas muito amadurecidas ao mesmo tempo que um leve sorriso esticava seus lábios. – Sinto muito. Não queria entrar em detalhes. Digamos que me sinto atraído fisicamente por ela, mas nada mais, e agora não posso me permitir tontear com essas coisas. Pam é uma boa garota, mas não figura em meus planos. Mary entendia o que queria dizer. Nenhuma mulher figurava nos planos de Joe a longo prazo, ou possivelmente nunca, exceto para lhe procurar desafogo físico. Joe era um menino solitário, igual a Wolf, e estava, além disso, tão possuído pela obsessão de voar que uma parte dele tinha desaparecido já. Pam Hearst se casaria com algum menino do povoado, estabeleceria-se na Ruth ou nos arredores, e criaria a sua família no mesmo sereno cenário no que ela tinha crescido. A fugaz atenção que Joe Mackenzie podia lhe conceder antes de partir não estava feita para ela. – Sabe de quem partiu o rumor? – perguntou Joe com olhar duro. Não gostava da idéia de que fizessem mal a aquela mulher. – Não, nem me incomodei em averiguá-lo. Pôde ser qualquer um que passasse por minha casa e visse sua caminhonete. Mas, de todos os modos, as pessoas parecem havê-lo esquecido já, exceto... – deteve-se com expressão preocupada. – Exceto quem? – insistiu Joe. – Não pretendo dizer que fora ela quem difundiu o rumor – apressou-se a dizer Mary. – É só que não me sinto a gosto com ela. Não lhe caio bem e não sei por que. Talvez seja assim com todo mundo. Dottie Lancaster é... – Dottie Lancaster. Joe soltou uma risada áspera. – Sim, não é má idéia. Pôde ser ela quem difundiu o rumor. Teve uma vida dura, e em certo modo me dá pena, mas quando ia a sua classe me fez acontecer moradas isso. – Uma vida dura? por que? – Seu marido era caminhoneiro e se matou faz muitos anos, quando seu filho era só um bebê. Estava fazendo uma rota por Avermelhado, e por culpa de um condutor bêbado se saiu da estrada e caiu por um escarpado. O condutor era um índio. Ela nunca o superou e suponho que culpa a todos os índios pelo que aconteceu. – Mas isso é irracional. Joe se encolheu de ombros como se queria dizer que havia muitas coisas que eram irracionais. – O caso é que ficou sozinha com o menino e o passou muito mal. Não tinha muito dinheiro. Começou a dar aulas, mas tinha que pagar a alguém para que cuidasse de seu filho, e, quando teve idade para ir ao colégio, o menino necessitou educação especial, o qual exigia ainda mais dinheiro. – Não sabia que Dottie tivesse filhos – disse Mary surpreendida. – Só Robert... Bom, Bobby. Tem uns vinte e três ou vinte e quatro anos, acredito. Vive ainda com a senhora Lancaster, mas não sai muito. – O que lhe passa? Tem síndrome do Down, ou alguma dificuldade de aprendizagem? – Não é atrasado. É só diferente. Gosta das pessoas, mas não em grupo. Quando há muita gente fica nervoso, assim está quase sempre sozinho. Lê muito e escuta música. Mas um verão lhe deram trabalho no armazém de materiais de construção, e o senhor Watkins lhe disse que enchesse um carrinho de mão de areia. Em vez de levar o carrinho de mão ao montão de areia e jogar a areia com uma pá, Bobby enchia a pá de areia e a levava até o carrinho de mão. Faz coisas assim. Tinha problemas para vestir-se porque primeiro botava os sapatos e logo não podia vestir as calças. Mary tinha visto pessoas como Bobby, às que lhes custava solucionar problemas cotidianos. Era uma dificuldade de aprendizagem, e fazia falta muita paciência e formação específica para enfrentar-se a isso. De repente sentia pena por ele, e pelo Dottie, que não tinha podido ter uma vida feliz. Joe afastou a cadeira e se levantou, estirando seus músculos duros. – Você monta a cavalo? – perguntou de improviso. – Não, nenhuma vez me subi em um cavalo – Mary se pôs-se a rir. – Crie que me expulsarão de Wyoming por isso?
Joe ficou sério. – Poderia ser. Por que não sobe à montanha algum sábado e te dou umas aulas? No instituto darão logo as férias do verão, e terá muito tempo para praticar. Joe não podia saber o tentadora que resultava a Mary aquela idéia, não só por aprender a montar a cavalo, mas também por voltar a ver o Wolf. O problema era que lhe faria tanto dano vêlo como não vê-lo, porque ele seguia estando fora de seu alcance. – Pensarei nisso – prometeu, embora duvidava de que alguma vez tomasse a palavra. Joe não insistiu, mas não pensava deixá-lo assim. De um modo ou outro tinha que conseguir que Mary subisse à montanha. Tinha a impressão de que seu pai estava a ponto de perder os estribos. Passear com Mary diante de seu nariz seria como pôr uma égua no cio diante de um garanhão. Sua linda e sarcástica professora teria sorte se seu pai não se equilibrasse sobre ela antes sequer de que dissesse «olá». Joe teve que dissimular um sorriso. Nunca tinha visto o Wolf tão impressionado por uma mulher como pela Mary Elizabeth Potter. Estava tão coado por ela que era mais perigoso que um puma ferido. Joe ficou a cantarolar para seus adentros uns compases de casamenteiro. Na sexta-feira seguinte pela tarde, quando Mary chegou a casa, havia na rolha uma carta do senador Allard, e ao lhe abri-la tremeram os dedos. Se eram más notícias para o Joe, se o senador Allard declinava recomendar seu ingresso na Academia, não sabia o que ia fazer. O senador Allard não era seu único recurso, mas parecia o mais receptivo, e seu rechaço resultaria extremamente desalentador. A carta do senador era breve; lhe parabenizava por seus esforços e a informava que havia resolvido recomendar o ingresso do Joe na Academia para o curso seguinte à graduação do moço no instituto. A partir daí, só dependeria de Joe superar as rigorosas provas físicas e acadêmicas. Dentro do envelope havia também uma carta de felicitação dirigida ao Joe. Mary se levou as cartas ao peito e sentiu que lhe saltavam as lágrimas. Tinham conseguido, e não tinha sido tão difícil! Mentalizou-se para escrever a todos os congressistas uma vez por semana até que dessem ao Joe uma oportunidade, mas não tinha feito falta. Tinha bastado com as notas de Joe. Uma notícia tão excelente não podia esperar, de modo que voltou a montar-se no carro e enfiou a estrada da montanha Mackenzie. Naquela época do ano, o trajeto era muito diferente; a neve se fundiu, e junto à estrada brotavam as flores silvestres. Depois do cru frio invernal, o sol da primavera era como uma bênção sobre sua pele, apesar de que não fazia nem muito menos tanto calor como no Savannah. Estava tão emocionada que nem sequer reparou no desnível que bordeava a sinuosa estrada. Fixou-se, em troca, na selvagem magnificência das montanhas, que se elevavam, majestosas, para o céu azul profundo. Respirou fundo e pensou que a primavera compensava os rigores do inverno. Era como um lar, um novo lar, um lugar amado e familiar. As rodas levantaram uma nuvem de cascalho quando se deteve junto à porta da cozinha da casa de um só piso, e antes de que o carro deixasse de oscilar sobre seus amortecedores, subiu de um salto os degraus e ficou a esmurrar a porta. – Wolf! Joe! – sabia que estava gritando como uma louca, mas se sentia tão feliz que não lhe importava. Em algumas situações, terei que gritar. – Mary! Girou-se ao ouvir a voz do Wolf atrás dela. Ele tinha saído do celeiro correndo. Seu corpo poderoso avançava com fluidez. Mary deixou escapar um grito de júbilo, desceu os degraus de um salto e pôs-se a correr pelo caminho de cascalho com a saia levantada. – Conseguiu-o! – gritava, agitando as cartas. – Conseguiu-o! Wolf se parou em seco e observou como avançava Mary dando saltos para ele, com a saia voando sobre as coxas. Logo que tinha tido tempo de compreender que não passava nada mau, que Mary estava rindo, quando, a três passos de distância dele, ela se lançou ao ar. Wolf a agarrou ao vôo, rodeou-a com seus fortes braços e a sujeitou contra seu peito. – Conseguiu-o! – gritou ela de novo, e jogou os braços ao pescoço.
Wolf, que só podia pensar em uma coisa, notou que a boca ficava seca. – Conseguiu-o? Mary agitou as cartas ante sua cara. – Conseguiu-o! O senador Allard... a carta estava em minha caixa... não podia esperar... Onde está Joe? – sabia que falava quase com incoerência e fez um esforço por recuperar a compostura, mas não podia parar de rir. – Está no povoado. Foi recolher umas tábuas para o cercado. Maldita seja, está segura de que isso é o que diz? Ainda falta um ano de escola... – Menos, ao passo que vai. Mas de todos os modos tem que ter dezessete anos cumpridos. O senador o recomendou para o curso que começa depois de sua graduação. Dentro de menos de um ano e meio! Uma fera expressão de orgulho, herdada de seus antepassados comanches e celtas, alagou o rosto de Wolf. Em seus olhos brilhava um fogo escuro. Exultante, agarrou a Mary por debaixo dos braços, levantou-a e começou a dar voltas com ela. Mary jogou a cabeça para trás, rindo as gargalhadas, e de repente Wolf sentiu que todo seu corpo se esticava de desejo. Era um desejo poderoso como um golpe nas tripas; um desejo que lhe cortava a respiração. A risada de Mary era fresca como a primavera. Wolf, que sentia seu corpo quente e suave entre os braços, desejou de repente lhe tirar o recatado vestido que tinha posto. Seu rosto foi adquirindo paulatinamente uma expressão mais dura e mais selvagem. Baixou a Mary devagar, enquanto ela seguia rindo, agarrada a seus ombros, e se deteve quando teve seus peitos à altura da cara. Atraiu-a para si e afundou a cara entre seus seios, e a risada se apagou na garganta de Mary. Então lhe rodeou com um braço as nádegas e com o outro lhe enlaçou as costas, e sua boca ardente procurou o mamilo de um de seus peitos. Ao encontrá-lo, fechou a boca sobre ele através do tecido do vestido e o sutiã. Aquela carícia despertou em Mary um prazer tão delicioso que deixou escapar um gemido e arqueou as costas, comprimindo-se contra ele. Aquilo não lhe bastava. Colocou os dedos entre o cabelo do Wolf e lhe apertou a cabeça contra seus peitos. Mas seguia sem ser suficiente. Desejava ao Wolf com repentina e feroz desespero. As capas de roupa que separavam seus corpos a tiravam de gonzo, e começou a esfregar-se contra ele ao tempo que leves gemidos escapavam de sua garganta. – Por favor – suplicou. – Wolf... Ele levantou a cabeça com um selvagem olhar de desejo. Respirava trabalhosamente e o sangue lhe palpitava nas veias. – Quer mais? – perguntou guturalmente, incapaz de manter um tom normal. Ela se esfregou de novo contra ele, lhe cravando as unhas com desespero. – Sim. Wolf deixou que se deslizasse devagar por seu corpo, esfregando-a deliberadamente contra o duro abotoamento de seu jeans, e os dois se estremeceram. Já não recordava as razões que se deu a si mesmo para não deitar-se com ela; não pensava já em nada, salvo no desejo de fazê-la sua. E ao diabo com o que pensassem os outros! Olhou a seu redor, calculando a que distância estavam da casa e do celeiro. O celeiro estava mais perto. Agarrou-a pela cintura com uma mão e pôs-se a andar com passo firme para as grandes leva que deixavam entrever o interior em penumbra. Mary o seguiu a rastros, quase sem fôlego. Estava aturdida pela repentina interrupção do prazer, e confusa pelo comportamento do Wolf. Queria lhe perguntar o que ia fazer, mas não tinha suficiente oxigênio nos pulmões para formular a pergunta. Então chegaram ao celeiro, e ao entrar se sentiu alagada pela percepção da luz tênue, do calor animal e do terrestre aroma de terra, a cavalos, a couro e a feno. Ouviu suaves relinchos e o tamborilar amortecido dos cascos sobre a palha. Wolf a conduziu a uma cavalariça vazia e atirou dela para o feno fresco. Mary se estendeu de costas, e Wolf se tombou sobre ela, afundando-a mais entre na palha. – Me beije – murmurou ela, e alargou as mãos para afundar os dedos entre o cabelo comprido do Wolf.
– Vou te beijar por toda parte antes de que isto acabe – resmungou ele, e abaixou a cabeça. A boca de Mary se abriu sob a pressão da sua, e sua língua penetrou nela profundamente. Mary reconheceu de maneira instintiva o ritmo de suas carícias e respondeu com avidez. Wolf pesava muito, mas lhe parecia tão natural suportar seu peso que inclusive desfrutava com a pressão de seu corpo. Rodeou com os braços seus ombros musculosos e o apertou com força; queria estar tão perto dele como fosse possível, e começou a mover os quadris levemente, com um movimento ondulante, ajustando-se à pressão do sexo de Wolf. Aquele lento balanço provocou no Wolf uma repentina aceleração sangüínea. Pensando que ia estourar lhe a cabeça, deixou escapar um som baixo e procurou logo o zíper do vestido de Mary. Tinha a sensação de que morreria se não sentisse o tato de sua pele tersa, se não afundasse dentro dela sua carne palpitante. Um delicado rubor cobriu as bochechas de Mary. Tudo aquilo era assustadoramente novo para ela, mas era também tão delicioso que nem sequer lhe ocorreu proferir uma queixa. Não queria protestar. Desejava ao Wolf. Com ele se sentia mulher, cálida e sexual, e era intensamente consciente de que estava se oferecendo ao homem que amava. Queria estar nua para ele, e o ajudou a despi-la tirando os braços das mangas enquanto Wolf lhe tirava dos ombros do vestido e o baixava até a cintura. Em um arrebatamento de atrevimento, comprou-se um sutiã que se grampeava na frente com um só colchete, e quando Wolf baixou o olhar para seus peitos, apenas talheres pelo fino tecido de cor suave, alegrou-se de havê-lo feito. Wolf desabotoou habilmente o colchete com uma mão, um truque que ela ainda não tinha aprendido, e observou como se soltava as bordas do sutiã até deter-se justo antes de que se vissem os mamilos. As suaves curva dos peitos de Mary ficaram ao descoberto. Wolf proferiu de novo aquele som áspero, quase um grunhido, e se inclinou para afastar com a cara o prendedor. Sua boca, cálida e úmida, deslizou-se sobre um dos peitos de Mary e se fechou sobre o escuro botão do mamilo. Ela deu um pulo, e todo seu corpo se esticou, presa de um prazer tão intenso que bordeava a dor, enquanto Wolf lhe chupava com mais força o mamilo. Fechou os olhos e gemeu. Não podia suportá-lo; era muito delicioso. Um rio ardente de impulsos a um tempo prazenteiros e dilaceradores fluía desde seu peito até seu sexo, cujo palpite, doloroso e vazio, o fazia esticar as pernas e arquear-se sob ele, lhe suplicando em silêncio a descarga que nunca tinha experimentado mas que seu corpo conhecia intuitivamente, fruto de uma antiga sabedoria. Wolf a sentiu mover-se sob ele outra vez, e o último farrapo de controle que conservava se desvaneceu. Subiu-lhe bruscamente a saia até a cintura, separou-lhe as coxas e se colocou entre o delicado v que formavam suas pernas. Mary abriu os olhos, um pouco assombrada pelo que sentia, mas ansiosa por seguir aprendendo. – Tire a roupa – sussurrou freneticamente, e começou a abrir os botões da camisa de Wolf. Ele se ajoelhou e, tornando-se para trás, abriu-se a camisa de um puxão e a tirou. Sua pele nua reluzia com uma fina pátina de suor e, à luz tênue do estábulo, repleta de flutuantes partículas de pó, a capa lisa e morena que revestia seus robustos músculos lhe dava o aspecto de uma escultura viva, esculpida pela mão de um professor. O olhar de Mary se movia ansiosamente, enfebrecida, sobre ele. Era perfeito, forte e viril, e seu corpo tinha um aroma quente e levemente almiscarado. Mary deslizou as mãos sobre seu amplo peito, cujo pêlo suave se estendia em forma de diamante entre seus mamilos, e tocou aqueles brotos pequenos e duros. Wolf sentiu que um brutal estremecimento de prazer percorria seus músculos, deixando-o paralisado. Deixou escapar um grunhido e se levou as mãos ao cinto. Desatou a larga banda de couro, desabotoou-se os jeans e, ao baixar-se de um puxão o zíper, o vaio de seus dentes metálicos se mesclou com sua áspera respiração. Com um último e desesperado fragmento de prudência, evitou baixar as calças. Apesar de sua urgência, não podia esquecer que Mary era virgem. Tinha que dominar-se, ou lhe faria mal e ela se assustaria, e preferia morrer antes que converter sua primeira experiência em um pesadelo. Os finos dedos de Mary se afundaram entre o pêlo de seu peito e atiraram dele brandamente. – Wolf – disse.
Só seu nome, essa única palavra, mas sua voz cálida, lenta e embriagadora excitou ao Wolf mais poderosamente que algo que tivesse conhecido. – Sim – respondeu ele. – Já vou – inclinou-se para frente para tombar-se de novo sobre ela, mas de repente ouviu um som distante e ficou paralisado. Lançou uma maldição em voz baixa e se sentou em cócoras, tentando desesperadamente dominar seu corpo e sua frustração. – Wolf? – perguntou Mary em tom vacilante, como se de repente se sentisse angustiada e insegura. Aquela inflexão de sua voz tirou o Wolf de suas casinhas porque, um instante antes, Mary não se mostrou insegura, a não ser cálida e amorosa, disposta a entregar-se a ele sem reservas. – Joe estará aqui dentro de um momento – disse com firmeza. – Ouço sua caminhonete subindo pela montanha. Mary estava tão aturdida que ao princípio não o entendeu. – Joe? – Sim, Joe. Lembra-te dele? Meu filho, a razão pela que vieste. Mary ficou de repente ruborizada e se incorporou bruscamente até onde pôde, pois tinha ainda as coxas apanhadas sob ele. – Oh, meu Deus – disse. – Oh, meu Deus. Estou nua. Você está nu. Oh, meu Deus. – Não estamos nus – resmungou Wolf, enxugando o suor da cara. – Maldita seja! – Quase! – Não o bastante. Mary tinha até os peitos ruborizados pela vergonha. Wolf os olhou com desejo, recordando seu doce sabor e o modo em que seus mamilos aveludados floresciam dentro de sua boca. Mas o ruído da caminhonete soava já muito mais perto. Wolf balbuciou um impropério sobre o sentido da oportunidade de seu filho, ficou em pé e levantou a Mary sem esforço. Ela se deu a volta com a visão rabiscada pelas lágrimas e ficou a lutar com o ditoso fechamento ultramoderno de seu sutiã. Por que demônios se comprou semelhante invento? A tia Ardith se teria escandalizado. A tia Ardith se teria cansado redonda ao chão de um ataque se tivesse sabido que sua sobrinha se derrubava nua pelo feno com um homem. E nem sequer tinha podido acabar de derrubar-se! – Espera, eu o faço – disse Wolf em um tom suave que Mary nunca lhe tinha ouvido, e, fazendo que se girasse, grampeou habilmente o endiabrado fechamento. Incapaz de olhá-lo nos olhos, Mary manteve a cabeça agachada, mas o contraste das mãos morenas de Wolf e de seus pálidos seios a excitou novamente. Tragou saliva e olhou a fivela do cinto de Wolf. Ele se tinha subido o zíper e se grampeou o cinto, mas o volume evidente de seu sexo a convenceu de que aquela interrupção não o tinha deixado indiferente. Aquilo a fez sentir-se melhor, e piscou para dissipar as lágrimas enquanto ele a ajudava a vestir o vestido e lhe dava a volta para subir o zíper. – Tem feno no cabelo – disse Wolf alegremente, e, depois de lhe tirar uma palhinha da cabeça, sacudiu-lhe o vestido. Mary levantou as mãos para aparar o cabelo e descobriu que lhe tinha solto por completo. – Deixe-lhe isso assim – disse Wolf. – Eu gosto mais solto. Parece de seda. Ela se penteou com os dedos nervosamente e o observou quando ele se abaixou para recolher sua camisa do chão. – O que vai pensar o Joe? – balbuciou quando a caminhonete se deteve fora do estábulo. – Que tem sorte de ser meu filho ou o mataria – resmungou Wolf com chateio, e Mary não entendeu se brincava ou não. Ele vestiu a camisa, mas saiu à porta sem incomodar-se em grampear-lhe. Mary respirou fundo, procurou armar-se de valor para superar sua vergonha e saiu atrás dele. Joe acabava de sair da caminhonete e estava junto à porta. Seus olhos azuis se moviam sem cessar entre os dois, notando-se na expressão pétrea e a camisa aberta de seu pai e no cabelo revolto de Mary. – Maldito seja! – exclamou, e fechou a porta da caminhonete de repente. – Se tivesse demorado quinze minutos mais...
– Isso mesmo penso eu – resmungou Wolf. – Ouça, que vou agora mesmo e... Wolf deixou escapar um suspiro. – Não. De todos os modos, veio para ver a ti. – Isso foi o que me disse da primeira vez – Joe pôs um enorme sorriso. – E acabo de dizê-lo outra vez – voltou-se por volta da Mary e de repente retornou a seus olhos parte da alegria que lhe tinha causado a assombrosa notícia. – Diga-lhe. Ela estava em branco. – Lhe dizer? – Sim mulher. Diga-lhe O cérebro embotado da Mary processou lentamente o que Wolf lhe estava dizendo, e ao cabo de um momento olhou suas mãos vazias com desconcerto. O que tinha acontecido com as cartas? Tinham-nas perdido entre o feno? Que espantoso seria ter que as buscar entre a palha! Não sabendo o que fazer, estendeu as mãos e disse com simplicidade: – Aceitaram-lhe. – Recebi a carta hoje. Joe, que a estava olhando com fixidez, empalideceu de repente. Logo estendeu um braço e apoiou a mão na caminhonete como se necessitasse apoio. – Aceitaram-me? Na Academia? Aceitaram-me na Academia? – perguntou com voz rouca. – Conseguiste a recomendação. Agora depende de ti passar nas provas. Joe jogou a cabeça para trás e lançou um grito exultante e assustador, como o de uma pantera em plena caça. Logo, lançou-se para o Wolf. Os dois se golpearam as costas mutuamente, rindo e gritando de júbilo, e finalmente se abraçaram como dois homens mais fracos não teriam podido abraçar-se. Mary juntou as mãos e ficou olhando-os com um sorriso. Sentia-se tão feliz que quase lhe doía o coração. Logo um braço a agarrou e atirou dela, e de repente se encontrou embutida entre os dois Mackenzie, cujos saltos de alegria quase a esmagavam. – Estão-me asfixiando! – protestou, ofegante, ao tempo que apoiava as mãos em seus amplos peitos e empurrava. Um daqueles peitos estava nu, exposto por uma camisa sem abotoar, e o contato de sua cálida pele fez que lhe fraquejassem as pernas. Joe e Wolf puseram-se a rir, mas imediatamente afrouxaram o abraço. Mary se afastou o cabelo da cara e se alisou o vestido. – As cartas têm que estar em alguma parte. Me devem ter caído. Wolf lhe lançou um olhar travesso. – Certamente. Seu tom zombador fez que Mary se sentisse feliz. Lançou-lhe um sorriso amplamente íntimo, a classe de sorriso que uma mulher lhe dedica ao homem que ama depois de ter estado em seus braços, e Wolf se sentiu bem. Para dissimular sua confusão, deu-se a volta e ficou a procurar as cartas. Descobriu uma no caminho. A outra caída junto à porta do estábulo. Recolheu-as e deu ao Joe a que ia dirigida a ele. Ao menino lhe tremiam as mãos quando a abriu, apesar de que já sabia o que continha. Quase não dava crédito. Tinha acontecido tudo tão depressa... Um sonho feito realidade tinha que ser mais difícil de conseguir; teria que ter suado sangue para obtê-lo. Oh, ainda não estava pilotando uma daquelas preciosidades de vinte milhões de dólares, mas logo o faria! Tinha que fazê-lo porque, sem asas, só pela metade se sentia vivo. Mary, que o estava olhando com orgulhosa indulgência, sentiu que Wolf se enrijecia a seu lado e o olhou inquisitivamente. Ele tinha elevado a cabeça como se cheirasse o perigo, e seu rosto se tornou de repente impassível como uma rocha. Um instante depois, Mary ouviu o ruído de um motor, e ao girar-se viu que o carro do ajudante do xerife se detinha atrás da caminhonete. Joe se deu a volta, e seu semblante adquiriu a mesma expressão pétrea que o de Wolf quando Clay Armstrong saiu do carro patrulha. – Senhorita – disse Clay a Mary, tocando a asa do chapéu. – Ajudante Armstrong.
A voz de Mary continha duzentos anos de estrita educação e bons maneiras. A tia Ardith se haveria sentido orgulhosa dela. Mas Mary sentiu de repente que uma ameaça pendia sobre o Wolf, e lhe custou um árduo esforço não interpor-se entre o ajudante e ele. Só a certeza de que ao Wolf não agradaria que interviesse a manteve quieta a seu lado. Os olhos azuis de Clay já não pareciam amistosos. – A que veio, senhorita Potter? – Por que pergunta? – replicou ela, pondo os braços em jarras. – Vá ao grão, Armstrong – saltou Wolf. – Está bem – replicou Clay. – Temos que te interrogar. Pode vir comigo voluntariamente, ou posso trazer uma ordem de prisão. Joe permanecia paralisado, com os olhos cheios de raiva e rancor. Aquilo tinha ocorrido antes, e tinha perdido a seu pai durante dois longos e horríveis anos. Mas desta vez lhe parecia ainda mais atroz, porque um momento antes tinham estado de celebração, e ele se sentiu no topo do mundo. Wolf começou a grampeá-la camisa. Com uma voz áspera como cascalho perguntou: – O que aconteceu desta vez? – Falaremos disso no escritório do xerife – Falaremos agora. Uns olhos negros se encontraram com uns azuis, e Clay compreendeu de repente que aquele homem não daria nem um passo a menos que obtivera alguma resposta. – Esta manhã violaram a uma garota. Uma ira sulfúrea ardeu naqueles olhos negros como a noite. – E, naturalmente, pensastes no índio – cuspiu as palavras como balas por entre os dentes. Deus, aquilo não podia estar ocorrendo outra vez. Duas vezes em uma só vida, não. A primeira vez quase tinha acabado com ele. Sabia que não podia voltar para aquele buraco infernal, fosse o que fosse o que tivesse que fazer para impedi-lo. – Só estamos interrogando a algumas pessoas. Se tiver álibi, não haverá nenhum problema. Será livre de ir. – E suponho que fostes a procurar a todos os rancheiros daqui, não? Estão interrogando ao Eli Baugh no escritório do xerife? O semblante de Clay se obscureceu, cheio de ira. – Não. – Só ao índio, né? – Você tem antecedentes – replicou Clay, incômodo. – Não tenho... nem... uma... só... condenação... anterior – bramou Wolf. – Fui absolvido. – Maldito seja, isso já sei! – gritou de repente Clay. – Me hão dito que venha a te buscar. Só estou cumprindo com meu trabalho! – Ah, bom, devia ter dito antes. Não queria impedir que um homem cumpra com seu trabalho – respondeu Wolf com sarcasmo, e pôs-se a andar para sua caminhonete. – Irei atrás de ti. – Pode vir em meu carro. Eu te trarei logo. – Não, obrigado. Prefiro ter meu próprio meio de transporte, no caso do xerife decide que me virá bem um passeio. Clay se deu a volta amaldiçoando em voz baixa e se montou no carro. Seus pneus levantaram uma nuvem de pó e cascalho quando enfiou de novo a estrada da montanha, com o Wolf atrás dele, levantando ainda mais pó e mais sobrecarrega. Mary começou a tremer. Ao princípio só se estremecia brandamente, mas logo seus tremores se converteram em intensos calafrios que sacudiam todo seu corpo. Joe permanecia imóvel, como petrificado, com os punhos fechados. De repente se voltou e deu um murro no capô da caminhonete. – Não podem voltar a lhe fazer isto, meu Deus – murmurou. – Outra vez não.
– Não, claro que não – Mary seguia tremendo, mas ergueu os ombros. – Se tiver que recorrer a todos os juizes e os tribunais deste país, farei-o. Chamarei os jornais, às cadeias de televisão, chamarei a... Oh, eles não têm nem idéia da quanta gente posso chamar. Ainda contava com a rede de contatos que tinha deixado no Savannah. Podia pedir mais favores dos que seria capaz de contar o xerife daquele condado. Ia deixar o em panos menores! – Por que não vai para casa? – sugeriu Joe com inapetência. – Quero ficar. Joe esperava que se aproximasse serenamente a seu carro, e ao ouvir sua resposta a olhou pela primeira vez. No fundo, tinha acreditado que a Mary faltaria tempo para partir, que Wolf e ele ficariam de novo sozinhos, como sempre tinham estado. Estavam acostumados a estar sozinhos. Mas Mary não se movia. Tinha os olhos azul piçarra cheios de fogo e o delicado queixo levantado, com aquela expressão que Joe tinha aprendido a reconhecer e que parecia desafiar ao mundo inteiro, como se não tivesse intenção de mover-se da montanha. Joe, ao que as circunstâncias tinham obrigado a crescer a marchas forçadas, abraçou-a de repente, absorvendo com avidez sua fortaleza, consciente de que a ia necessitar. E Mary lhe devolveu o abraço. Era o filho de Wolf, e estava disposta a protegê-lo com todas suas forças. Capítulo 6 Eram mais das nove quando ouviram a caminhonete do Wolf, e uma mescla de crispação e alívio os deixou paralisados; crispação porque temiam saber o que tinha ocorrido, e alívio porque Wolf estava em casa, e não trancado na prisão. Mary não conseguia imaginar-se ao Wolf preso, apesar de que sabia que tinha passado dois anos no cárcere. Era muito selvagem, como um lobo impossível de domar. Prendê-lo tinha sido um ato tão cruel como obsceno. Wolf entrou pela porta de trás e ficou parado, olhando-a. Sua cara morena permanecia inexpressiva. Joe e ela estavam sentados à mesa da cozinha, tomando uma xícara de café. – O que faz aqui ainda? Vá para casa. Mary ignorou a lisura de sua voz. Estava tão zangado que ela quase podia sentir o ardor de sua ira do outro lado da habitação, embora sabia que não ia dirigida contra ela. Levantou-se, atirou seu café morno à pia, tirou outra xícara do armário e serviu café recém feito nas duas xícaras. – Sente-se, beba o café e nos conte o que se passou – disse com seu melhor tom de professora. Wolf aceitou o café, mas não se sentou. Estava muito zangado para sentar-se. A ira que bulia dentro dele despojava a seus movimentos de sua habitual fluidez. Aquilo havia tornado a começar, e ele não pensava ir de novo a prisão por algo que não tinha feito. Lutaria com unhas e dentes, com todas as armas a seu alcance, mas preferia morrer antes que voltar para o cárcere. – Soltaram-lhe – disse Joe. – Não lhes ficou mais remédio. À garota a violaram ao meio-dia. A essa hora eu estava entregando dois cavalos no Barra W R. Wally Arranho o verificou, e ao xerife não lhe ocorreu nenhum modo de demonstrar que podia estar de uma vez em dois lugares separados por quase cem quilômetros de distância, assim teve que me soltar. – Onde foi? Wolf se esfregou a testa e logo franziu o nariz entre os olhos como se lhe doesse a cabeça; ou talvez estivesse só cansado. – A garota tinha o carro estacionado no caminho de entrada a sua casa. Agarraram-na por trás quando se montou no carro. O tipo a obrigou a conduzir quase uma hora e logo lhe disse que se afastasse à sarjeta. Não lhe viu a cara em nenhum momento porque levava um capuz. Mas viu que era alto, e ao xerife lhe bastou isso. – A sarjeta? – balbuciou Mary. – Que estranho. Não tem sentido. Já sei que por aqui não há muito tráfego, mas mesmo assim poderia ter passado qualquer um. – Sim. E, além disso, estava-a esperando à entrada de sua casa. É tudo muito estranho.
Joe ficou a tamborilar com os dedos sobre a mesa. – Talvez tenha sido algum forasteiro que passava por aqui. – Quanta gente passa pela Ruth? – perguntou Wolf acidamente. – E como ia ou seja um forasteiro qual era o carro dessa garota, e quando ia sair ela de casa? E se o carro tivesse sido de um homem? Era muito risco, sobretudo tendo em conta que a violação parece ser o único móvel, porque não a roubou, embora ela levava dinheiro em cima. – Estão mantendo em segredo a identidade da garota? – perguntou Mary. Wolf a olhou. – Não seguirá sendo um segredo por muito tempo, porque seu pai se apresentou no escritório do xerife com um rifle e ameaçou me arrebentando as tripas. Armou-se muita animação, e as pessoas falam. Seu rosto seguia sendo inexpressivo, mas Mary sentia a amarga raiva que o embargava. O feroz orgulho do Wolf tinha sido miserável pelo pó outra vez. Como tinha suportado permanecer sentado no escritório do xerife, escutando insultos e ameaças? Porque Mary sabia que o tinham insultado vilmente pelo só feito de que era um mestiço e o tinham levado a interrogar. Wolf o guardava para si, procurava dominar-se, mas sua ira resultava evidente. – O que aconteceu? – Armstrong acalmou os ânimos. Logo chegou Wally Arranho e o esclareceu tudo, e o xerife me deixou partir com uma cordial advertência. – Uma advertência? – Mary se levantou de um salto, com os olhos brilhantes. – Que advertência? Wolf lhe beliscou o queixo e lhe lançou um sorriso frio e cruel. – Advertiu-me que me mantivesse afastado das mulheres brancas, tesouro. E isso é o que penso fazer. Assim vá para casa agora mesmo e fique ali. Não te quero ver mais em minha montanha. – Não era isso o que dizia no estábulo – replicou ela, e logo olhou ao Joe e se ruborizou. O menino se limitou a arquear uma sobrancelha e pareceu estranhamente satisfeito de si mesmo. Mary preferiu não dar-se por inteirada e se voltou para o Wolf. – Não posso acreditar que vás permitir que esse idiota do xerife te diga com quem pode te relacionar. Ele a olhou entreabrindo os olhos. – Pode ser que ainda não te tenha dado conta, mas isto começou outra vez. Não importa que Wally Arranho verificasse meu álibi. Todo mundo vai lembrar se do que passou faz dez anos, e do que sentiram então. – Mas disso também lhe desculparam, ou é que isso não conta? – Para alguns sim – reconheceu ele finalmente. – Mas não para a maioria. Já me tinham medo. Não gostam de mim, e não se confiam em mim. Certamente não poderei comprar nada no povoado, nem comida, nem gasolina, nem para os cavalos até que apanhem a esse bode. E qualquer mulher branca que tenha algo que ver comigo corre o perigo de que a emplumem. Então era isso. Seguia tentando protegê-la. Mary o olhou com exasperação. – Wolf, nego-me a viver de acordo com os prejuízos de outros. Agradeço-te que tente me proteger, mas... Ele apertou os dentes, e Mary sentiu seu estalo. – Ah, sim? Agradece-me isso? – disse ele com sarcasmo. – Então vá para casa e fique ali, que eu ficarei aqui. – Por quanto tempo? Em lugar de responder a sua pergunta, Wolf respondeu com uma evasiva. – Sempre serei um mestiço. – E eu sempre serei o que sou. Não te pedi que mude – replicou ela, e a dor que sentia se fez presente em sua voz. Olhou ao Wolf com desejo, como nenhuma outra mulher o tinha feito jamais, e ele sentiu que sua raiva se intensificava porque não podia tomá-la em seus braços e proclamar aos quatro ventos que era dela. A advertência do xerife não admitia dúvidas, e Wolf sabia muito bem que a
hostilidade por volta dele cresceria logo até alcançar proporções explosivas. Possivelmente estourasse sobre a Mary, e já não o preocupava unicamente que pudesse perder seu trabalho. Um emprego não era nada comparado com o dano físico que podia sofrer. As pessoas do povoado podia aterrorizá-la, podia saquear sua casa, insultá-la e lhe cuspir; podia agredi-la fisicamente. Mary era frágil e delicada, apesar de sua determinação, e se encontraria impotente ante qualquer um que queria lhe fazer dano. – Eu sei – disse Wolf finalmente, e apesar de si mesmo alongou a mão para lhe tocar o cabelo. – Vá para casa, Mary. Quando isto acabar... – deteve-se porque não queria fazer promessas que talvez não pudesse cumprir, mas o que disse bastou para acender um brilho nos olhos de Mary. – Está bem – murmurou ela, apoiando sua mão sobre a dele. – Por certo, quero que corte o cabelo. Ele pareceu surpreso. – O cabelo? – Sim. Você quer que leve o cabelo solto, e eu quero que lhe corte isso. – Por que? Lhe lançou um olhar incisivo. – Não o leva comprido porque seja índio. Leva-o comprido para incomodar às pessoas, para que nunca esqueçam seu sangue de índio. Assim lhe corta isso. – Não serei menos índio por usar o cabelo curto. – Nem o é mais por usá-lo comprido. Mary parecia disposta a ficar ali parada até que lhe prometesse que ia cortar o cabelo. Wolf cedeu bruscamente, resmungando: – Está bem, cortarei o cabelo. – Bem – lhe sorriu e ficou nas pontas dos pés para beijá-lo na boca. – Boa noite. Boa noite, Joe. – Boa noite, Mary. Quando ela se foi, Wolf se passou cansativamente a mão pelo cabelo e franziu o cenho ao darse conta de que acabava de prometer que ia cortar o cabelo. Ao levantar a vista, descobriu que Joe estava observando-o fixamente. – O que vamos fazer? – perguntou o menino. – O que for preciso – respondeu Wolf com expressão implacável. *-*-* À manhã seguinte, quando foi fazer a compra, Mary descobriu que todas as pessoas que havia na loja estavam formadas redemoinhos em pequenos grupos, falando em voz baixa sobre a violação. Logo averiguou a identidade da garota. Era Cathy Teele, cuja irmã pequena, Christa, ia a sua classe. Enquanto recolhia as coisas que necessitava, Mary ouviu dizer que a família Teele estava destroçada. Junto à prateleira da farinha se encontrou ao Dottie Lancaster, que ia acompanhada por um jovem que Mary supôs era seu filho. – Olá, Dottie – saudou-a amavelmente, apesar de que acreditava possível que fora ela quem tinha difundido o rumor a respeito de sua relação com o Joe. – Olá – Dottie tinha uma expressão preocupada, em lugar de amarga, como era habitual nela. – Inteiraste-te da pobre menina dos Teele? – Não ouvi falar de outra coisa desde que entrei na loja. – Prenderam a esse índio, mas o xerife teve que soltá-lo. Espero que a partir de agora tenha mais cuidado com as companhias que freqüenta. – Ao Wolf não o prenderam – Mary conseguiu manter uma voz serena. – Interrogaram-no, mas estava no rancho do Wally Arranho quando ocorreu a agressão, e o senhor Arranho confirmou seu álibi. Wolf Mackenzie não é um violador. – Um tribunal de justiça disse que o era e o sentenciou a prisão. – Mas o absolveram quando o verdadeiro violador foi apanhado e confessou o crime pelo que Wolf tinha sido condenado.
Dottie se tornou para trás com o rosto lívido. – Isso é o que diz esse índio, mas, que nós saibamos, só saiu em liberdade condicional. Salta à vista de que lado está. Claro que estiveste te acotovelando com esses índios desde o dia que chegou a Ruth. Enfim, senhorita, há um velho refrão que diz que quem dorme com cães com pulgas se levanta. Os Mackenzie são uns sujos índios e.. – Não diga nenhuma palavra mais – interrompeu-a Mary, sufocada, e deu um passo para ela. Estava furiosa; tinha tantas vontades de esbofetear o rosto desdenhoso daquela mulher que lhe fazia cócegas a mão. A tia Ardith estava acostumado a dizer que uma dama nunca montava uma cena, mas nesse momento Mary estava disposta a renunciar para sempre a qualquer pretensão que tivesse de ser uma dama. – Wolf é um homem decente e trabalhador, e não vou permitir que nem você nem ninguém diga o contrário. Dottie tinha a cara cheia de manchas vermelhas, mas algo nos olhos da Mary lhe fez mordê-la língua. Ao fim se inclinou para ela e vaiou: – Será melhor que te ande com cuidado, iludida, ou te vais meter em uma boa confusão. Mary apertou a mandíbula e também se inclinou para ela. – Está-me ameaçando? – perguntou com ferocidade. – Mamãe, por favor – murmurou com nervosismo o jovem que permanecia atrás de Dottie, e atirou do braço de sua mãe. Dottie se voltou para olhá-lo e de repente mudou de semblante. Retrocedeu e disse a Mary com desprezo: – Te lembre do que te disse – e se afastou. Bobby, seu filho, correu atrás dela retorcendo-as mãos com nervosismo. Mary lamentou em seguida haver-se encetado naquela horrível cena; por isso Joe lhe havia dito, Bobby já o passava bastante mal tentando resolver seus problemas cotidianos para acrescentar outros mais a sua lista. Mary respirou fundo várias vezes para tentar recuperar a compostura, mas quase voltou a perdê-la quando, ao voltar-se, descobriu a várias pessoas paradas no corredor, olhando-a. Estava claro que todos tinham ouvido até a última palavra de sua conversa com o Dottie, e pareciam com o mesmo tempo ávidos e escandalizados. Mary não duvidava de que a notícia se estenderia por todo o povoado em menos de uma hora: duas das professoras discutindo pelo Wolf Mackenzie! ficou a resmungar consigo mesmo enquanto recolhia um pacote de farinha. Outro escândalo era justo o que necessitava Wolf. No seguinte corredor se encontrou com o Cicely Karr e, ao recordar os comentários que tinha feito na reunião da junta escolar, não pôde refrear-se e lhe disse: – Recebi uma carta do senador Allard, senhora Karr. Vai recomendar ao Joe Mackenzie para que ingresse na Academia – sua voz soava desafiante até a seus próprios ouvidos. Mas, para sua surpresa, a senhora Karr pareceu gratamente surpreendida. – Seriamente? Vá, nunca o teria acreditado. Até que Eli me explicou isso, não sabia que é uma verdadeira honra – logo, de repente, ficou séria. – Mas agora aconteceu esta coisa horrível... É espantoso. – Eu... não pude evitar ouvi-la falar com o Dottie Lancaster. Senhorita Potter, não sabe você o que foi isto faz dez anos. As pessoas estavam assustada e furiosa, e agora tornou a começar o mesmo pesadelo. – Para Wolf Mackenzie também é um pesadelo – disse Mary com veemência. – O mandaram a prisão por uma violação que não cometeu. Seu nome ficou limpo, mas mesmo assim foi a primeira pessoa a que o xerife interrogou. Como acredita que se sente? Ninguém vai devolver lhe os dois anos que passou na prisão, e agora parece que todo mundo está empenhado em mandá-lo de novo ali. A senhora Karr parecia preocupada. – Todos nos equivocamos então. O sistema judicial também. Mas, embora Mackenzie demonstrasse que não violou ao Cathy Teele, não se dá você conta de por que queria interrogá-lo o xerife? – Não, não me dou conta. – Porque Mackenzie tem razões para vingar-se.
Mary ficou boquiaberta. – Você acredita que seria capaz de vingar-se agredindo a uma garota que só era uma menina quando o mandaram ao cárcere? Que classe de homem acredita que é? – produzia-lhe horror tanto aquela idéia como a impressão de que todo mundo na Ruth estava de acordo com a senhora Karr. – Acredito que é um homem cheio de ódio – respondeu com firmeza a senhora Karr. Sim, aquela mulher acreditava no Wolf capaz de uma vingança tão horrível e obscena; lhe notava nos olhos. Mary sentiu asco e começou a mover a cabeça de um lado a outro. – Não – disse. – Não. Wolf está ressentido pelo modo em que o trataram, mas não sente ódio. E nunca faria mal a uma mulher. Se algo sabia Mary, era isso. Tinha sentido ânsia nas carícias do Wolf, mas não brutalidade. A senhora Karr também começou a sacudir a cabeça. – Não me diga que não sente ódio! Lhe nota nesses olhos negros como o inferno cada vez que nos olhe, a qualquer um de nós. O xerife averiguou que esteve no Vietnã, em não sei que grupo especial de assassinos, ou algo pelo estilo. Só Deus sabe como o corrompeu essa experiência. Pode ser que não violasse ao Cathy Teele, mas esta seria uma oportunidade magnífica para que se vingasse e lhe jogasse as culpas a quem quer que tenha violado ao Cathy. – Se Wolf quisesse vingar-se, não o faria às escondidas – disse Mary com desdém. – Você não tem nem idéia da classe de homem que é, não é verdade? Leva anos vivendo aqui, mas nenhum de vocês o conhece. – E suponho que você sim – a senhora Karr começava a ficar vermelha de raiva. – Pode ser que estejamos falando de um tipo distinto de conhecimento. Talvez isso que diziam de que estava atada com o Joe Mackenzie fosse meio certo, depois de tudo. Com quem está atada é com o Wolf Mackenzie, não é verdade? Seu tom de desprezo fez perder os estribos a Mary. – Pois sim! – gritou, e sua sinceridade a impulsionou a acrescentar: – Mas não tanto como eu gostaria. Um coro de exclamações de surpresa a fez olhar a seu redor, e se encontrou com as caras dos vizinhos do povoado que se pararam no corredor para escutar. Enfim, já parecia; Wolf queria que se distanciasse dele, e em lugar de lhe fazer caso ela ficava a gritar aos quatro ventos que era sua amante. Entretanto, não se envergonhava absolutamente. Na realidade, sentia-se orgulhosa. Com o Wolf Mackenzie era de verdade uma mulher, não só uma insignificante professora solteirona que até tinha um gato, pelo amor de Deus! Quando estava com o Wolf não se sentia insignificante; sentia-se feliz e desejada. Se algo lamentava era que Joe não houvesse retornado um quarto de hora, ou cinco minutos, mais tarde no dia anterior, porque desejava mais que nada no mundo que Wolf a fizesse sua em todos os sentidos, jazer sob as investidas de seu corpo, aceitar avaramente a força de sua paixão e lhe entregar a sua. Se por isso, por querer ao Wolf, via-se condenada ao ostracismo, daria por bem perdida a companhia dos outros. A senhora Karr disse em tom glacial: – Acredito que terá que convocar outra reunião da junta escolar. – Pois, quando o fizerem, tenham em conta que disponho de um contrato blindado – replicou Mary, e deu meia volta. Ainda não tinha acabado de fazer a compra, mas estava tão furiosa que não podia seguir ali nem um segundo mais. Ao deixar sobre o mostrador as coisas que levava, a balconista pareceu por um instante disposta a não passar-lhe por caixa, mas mudou de parecer sob seu olhar feroz. Mary retornou a casa feita uma fúria, mas se alegrou ao comprovar que o tempo parecia lhe dar a razão, se os nuvens que se formavam redemoinhos no céu podiam considerar um indício. Depois de guardar a compra, foi jogar lhe uma olhada ao gato, que ultimamente se comportava de forma estranha. De repente lhe ocorreu uma idéia espantosa: não se atreveriam a envenenar ao gato? Mas Woodrow estava tomando o sol placidamente no tapete, de modo que descartou aquela idéia com alívio. «Quando isto acabar...»
O eco daquela frase do Wolf, que ressonava em sua memória, respirava suas esperanças e ao mesmo tempo despertava nela um profundo desejo. Desejava tanto ao Wolf que se sentia incompleta. Estava apaixonada e, apesar de que entendia por que queria ele que guardassem as distâncias, não podia compartilhar sua opinião. Depois do ocorrido essa manhã com o Dottie Lancaster e Cicely Karr, aquele distanciamento carecia de sentido. Era como se se plantou em metade da rua e tivesse gritado aos quatro ventos que estava louca pelo Wolf Mackenzie. Estava disposta a dar ao Wolf o que quisesse dela. A tia Ardith a tinha educado na crença de que as relações íntimas só eram lícitas no seio do matrimônio, sempre e quando uma mulher acreditasse por alguma razão, embora ela não acertava a adivinhar qual podia ser essa razão que não podia passar sem um homem. Mary sabia que, obviamente, homens e mulheres mantinham relações íntimas fora do matrimônio, mas até conhecer o Wolf nunca havia sentido essa tentação. Se ele a queria só para passar um momento, isso lhe parecia melhor que nada. Na realidade, embora só pudesse passar um dia com ele, entesouraria sua deslumbrante lembrança como um tesouro que lhe daria calor e a reconfortaria durante os compridos e sombrios longos anos que teria que passar Wolf. Sonhava vivendo com ele para sempre, mas procurava não fazer-se ilusões. Wolf estava muito ressentido, muito castigado; era pouco provável que permitisse que uma mulher branca se aproximasse dele. Lhe entregaria seu corpo, talvez inclusive seu afeto, mas não podia lhe oferecer nem seu coração, nem sua lealdade. Porque o amava, Mary sabia que não lhe pediria nada mais. Não queria que entre eles houvesse recriminações, nem receios. Enquanto pudesse, só ansiava fazer feliz ao Wolf do modo que fosse. Lhe tinha pedido que levasse o cabelo solto, e sua sedosa juba descansava sobre seus ombros. Essa manhã, ao olhar-se ao espelho, tinha-a surpreso como suavizava seus traços aquele penteado, e seus olhos tinham brilhado porque deixar o cabelo solto era algo que podia fazer pelo Wolf. Assim parecia mais feminina, como ele a fazia sentir-se. Depois das discussões em que se colocou, já não tinha sentido aparentar indiferença. Quando dissesse ao Wolf o que tinha passado, ele compreenderia a inutilidade daquela farsa. Inclusive se sentia aliviada, porque a incomodava formar parte de um engano. Tinha começado a vestir um de seus largos vestidos de estar em casa quando vislumbrou sua imagem no espelho e se deteve. Recordou então o dia que conheceu o Wolf, quando, ao vê-la vestida com os velhos jeans do Joe, os olhos dele se aumentaram um instante e adquiriram uma expressão tão ardente e viril que ainda se estremecia ao rememorá-la. Queria que Wolf a olhasse assim outra vez, mas não era provável que o fizesse enquanto seguisse usando aqueles... aqueles sacos de batatas. De improviso se sentiu insatisfeita com toda sua roupa. Seus vestidos eram, sem exceção, resistentes e modestos, mas também muito cinzas e amorfos. A sua figura sentariam melhor os delicados tecidos de algodão e as cores alegres e ligeiras, ou inclusive os jeans que se colavam ao quadril. Deu meia volta e se olhou o traseiro no espelho; era pequeno e curvo. Não via razão para envergonhar-se dele. Era um traseiro muito bonito, tendo em conta como estavam acostumados a ser os traseiros. Resmungando para si mesmo, voltou a embutir-se em seu vestido «bom» e agarrou a bolsa. Na Ruth não havia muito onde escolher em questão de moda, mas sem dúvida poderia comprar uns jeans e umas camisetas algo mais atrevidas, e também alguma saia e alguma blusa bonita que, sobretudo, não ficasse grande. Não queria voltar a ver um sapato «sério» em toda sua vida. As nuvens cumpriram sua promessa, e quando ia de caminho ao povoado começou a chover. Era uma chuva persistente, das que gostavam aos boiadeiros e aos granjeiros de todas partes, e não um toró dos que desaguavam sem chegar a empapar a terra. A tia Ardith não teria posto um pé fora de casa durante um aguaceiro, mas Mary não fez caso da chuva. Deteve-se primeiro na única loja da Ruth que vendia exclusivamente roupa de mulher, apesar de que, por força, a roupa não parecia precisamente recém saída de um desfile de moda de Paris. Comprou três calças jeans, duas blusas finas de algodão e uma camisa de cambraia azul que a fazia sentir-se como uma
pioneira. Encontrou uma saia vaqueira muito bonita, a jogo com uma blusa vermelho rubi, e se viu tão bonita que ficou a dar voltas diante do espelho, entusiasmada como uma menina. Escolheu também uma saia marrom que ficava tão bem que não se decidiu a deixá-la apesar da cor, e uma blusa de algodão rosa para vestir com ela. Por último, escolheu uma saia de algodão de pálida cor violeta e uma camiseta a jogo, com um delicado pescoço de encaixe. Possuída ainda por um arrebatamento de entusiasmo e ousadia, escolheu um par de sandálias brancas de vestir e umas sapatilhas de correr. Quando a balconista passou tudo por caixa e mencionou o preço total, ela nem sequer piscou. Tinha que ter feito aquilo fazia muito tempo. Mas ainda não tinha acabado. Guardou as bolsas no carro e correu entre a chuva para o supermercado dos Hearst, onde todo mundo comprava as botas. Dado que pensava passar muito tempo na montanha do Wolf, supunha que necessitava um par de botas. O senhor Hearst se mostrou quase grosseiro com ela, mas Mary o olhou com fixidez e considerou por um instante sacudir seu dedo de professora diante dele. Ao final descartou a idéia porque o dedo perdia seu poder se o usasse muito freqüentemente, e talvez o necessitasse dentro de pouco. Assim fez caso omisso do senhor Hearst e começou a provar-se botas até que por fim encontrou um par que ficava bem. Estava desejando chegar a casa e vesti os jeans e a camisa de cambraia. Inclusive podia calçar as botas pela casa para que fossem cedendo, pensou. Woodrow não ia conhecê-la. Recordou aquele olhar do Wolf e começou a estremecer-se. Tinha o carro estacionado algo mais acima da rua, a uma maçã de distância, e chovia tanto que ao sair proferiu um gemido de chateio dirigido contra si mesmo por não ter levado o carro da loja de roupas ao supermercado dos Hearst. Na Ruth não havia calçadas, e o meio-fio estava já poças de atoleiros. Enfim, levava postos seus sapatos sérios; a ver se serviam para algo! Agachou a cabeça e, segurando no alto a caixa das botas para evitar no possível a chuva, separou-se da calçada e pôs-se a correr, mas em seguida pisou em um atoleiro e se molhou até os tornozelos. Ia ainda resmungando em voz baixa quando passou junto ao pequeno beco que havia entre o supermercado e o seguinte edifício, o qual tinha sido em tempos uma barbearia e estava agora vazio. Não ouviu nada, nem viu indício algum de movimento; nada a advertiu. De repente, uma mão grande e molhada lhe tampou a boca, e um braço a rodeou pela frente e lhe baixou os braços, ao mesmo tempo que começava a arrastá-la pelo beco, afastando a da rua. Mary começou a debaterse de maneira instintiva; retorcia-se, esperneava e proferia sons que a mão de seu atacante sufocava. Aquela mão lhe apertava tanto a cara que os dedos lhe afundavam na bochecha, lhe fazendo dano. As más ervas do beco, altas e molhadas, cravavam-lhe as pernas, e a chuva, que caía com força, aguilhoava-lhe os olhos. Aterrorizada, começou a lutar com mais ímpeto. Aquilo não podia estar acontecendo! Aquele indivíduo não podia levar-lhe a plena luz do dia! Mas sim podia; tinha-o feito com o Cathy Teele. Conseguiu largar um braço e o dobrou para trás, procurando a cara do homem. Seus dedos se desesperados encontraram só lã molhada. Ele resmungou uma maldição com voz baixa e áspera e lhe deu um murro na cabeça. Mary cabeceou, aturdida pela dor, e seus esforços se foram fazendo mais e mais débeis. Logo notou vagamente que chegavam ao final do beco e que ele a arrastava para trás do edifício abandonado. Sentiu no ouvido a respiração áspera e agitada daquele homem quando a empurrou de cara contra o barro e o cascalho. Conseguiu soltar de novo um braço e apoiou a mão no chão para amortecer a queda; o cascalho lhe arranhou a mão, mas apenas o notou. Ele seguia lhe tampando a boca, asfixiando-a; esmagou-lhe a cara contra a terra molhada e a segurou tombando-se sobre suas costas. Com a outra mão, procurou logo a barra de sua saia e a subiu. Lhe cravou furiosamente as unhas na mão, tentando gritar, e ele a golpeou de novo. Estava aterrorizada e seguiu arranhandoo. Ele começou a amaldiçoar, obrigou-a a separar as pernas e começou a esfregar-se contra ela.
Mary notou a pressão de seu sexo através das calças e de sua própria roupa íntima, e sentiu náuseas. Deus, não! Ouviu como rasgava sua roupa, e a repulsão que se apoderou e lhe deu forças. Mordeu grosseiramente aquela mão e jogou o braço para trás, procurando os olhos daquele homem com intenção de lhe cravar as unhas. Sentia um zumbido nos ouvidos, mas alcançou para ouvir um grito. O homem convexo sobre ela ficou rígido um momento; logo pôs a mão no chão, junto à cabeça da Mary, e se apoiou nela para levantar-se de um salto. Com a visão rabiscada pela chuva e o barro, Mary conseguiu ver uma manga azul e uma mão pálida e sardenta antes de que ele desaparecesse. Desde atrás e de acima lhe chegou um estampido muito forte, e se perguntou vagamente se ia alcançar a um raio. Não, os raios vinham antes que os trovões. Uns passos apressados ressonaram no chão e passaram a seu lado. Mary ficou imóvel, com o corpo inerme e os olhos fechados. Ouviu que alguém amaldiçoava em voz baixa e que os passos retornavam. – Mary – disse uma voz firme, – encontra-te bem? Ela abriu os olhos com esforço e olhou ao Clay Armstrong. Estava empapado e seus olhos azuis pareciam furiosos, mas a ajudou a voltar-se brandamente e a levantou em braços. – Está bem? – sua voz soava agora mais afiada. A chuva aguilhoava a cara da Mary. – Sim – conseguiu dizer, e voltou a cabeça para o ombro do Clay. – O apanharei – prometeu ele. – Juro-lhe isso, apanharei a esse bode. No povoado não havia médico, mas Clay levou a Mary a casa do Bessie Pylant, que era enfermeira titulada. Bessie chamou o médico privado para o que trabalhava e conseguiu que se deslocasse do povoado do lado. Enquanto isso, limpou cuidadosamente os arranhões da Mary, pôs-lhe gelo nos machucados e a obrigou a beber um chá quente e muito doce. Clay tinha desaparecido, e a casa do Bessie se encheu de repente de mulheres. Sharon Wycliffe se apresentou em seguida e assegurou a Mary que Dottie e ela podiam ocupar-se de tudo se na segunda-feira não se sentia com ânimos de ir trabalhar; Francie Beecham, por sua parte, ficou a contar histórias de quando era professora. Seu propósito resultava óbvio, e as demais mulheres lhe seguiram a corrente. Mary permanecia sentada em silêncio, e agarrava com tanta força a manta em que a tinha envolto Bessie que tinha os nódulos brancos. Sabia que aquelas mulheres tentavam distraí-la, e o agradecia; fazendo um severo esforço de vontade, concentrou-se em seu falatório banal. Inclusive Cicely Karr apareceu e lhe deu uns tapinhas na mão, em que pese a que tinham discutido apenas umas horas antes. Logo chegou o médico, e Bessie a levou a um dormitório para que dispusera de um pouco de intimidade enquanto a examinava o doutor. Mary respondeu a suas perguntas com voz apagada, mas deu um pulo quando o médico pressionou a parte da cabeça em que tinha recebido o murro. O médico comprovou seus reflexos oculares, tomou a tensão e finalmente lhe deu um sedativo suave. – Ficará bem – disse por fim, lhe dando uns tapinhas no joelho. – Não há comoção cerebral, assim que a dor de cabeça passará logo. Uma boa noite de sono lhe sentará melhor que algo que possa lhe receitar. – Obrigado por vir até aqui – disse Mary educadamente. Começava a sentir desespero. Todos se comportavam de maravilha com ela, mas mesmo assim sentia em seu interior um fino arame que se ia esticando cada vez mais. sentia-se suja e exposta. Precisava estar sozinha e dar uma ducha, e, mais que qualquer outra coisa, precisava ver o Wolf. Ao sair do dormitório, viu que Clay havia tornado. Ele se aproximou em seguida e a tirou da mão. – Que tal te encontra? – Estou bem – se tinha que dizer uma só vez mais que estava bem, ficaria a gritar. – Necessito que faça uma declaração, se sentir com forças. – Sim, de acordo.
O sedativo começava a fazer efeito; uma sensação de indiferença se ia dando procuração dela à medida que o medicamento embotava suas emoções. Deixou que Clay a levasse a uma poltrona e a envolvesse de novo na manta. Estava gelada. – Não deve ter medo – disse Clay em tom tranqüilizador. – Já o apanhamos. Está sob custódia. Aquilo avivou o interesse da Mary, que o olhou fixamente. – Apanhaste-o? Sabem quem é? – Eu mesmo o vi – a voz de Clay voltava a parecer de ferro. – Mas usava um capuz. – Isso o recordava, recordava haver sentido a lã sob os dedos. – Sim, mas o cabelo lhe pendurava pelas costas, debaixo capuz. Mary levantou o olhar para ele, e seu atordoamento se converteu em uma espécie de horror. Tinha o cabelo tão longo que lhe pendurava por debaixo capuz? Sem dúvida Clay não acreditaria que... Não, não podia ser! de repente se sentiu doente. – Wolf? – murmurou. – Não se preocupe. Já te disse que está sob custódia. Ela fechou os punhos com tanta força que se cravou as unhas nas palmas. – Então o soltem. Clay pareceu assombrado, e logo zangado. – Soltá-lo! Maldita seja, Mary, é que não entende que tentou te violar? Ela sacudiu devagar a cabeça; estava muito pálida. – Não, não foi ele. – Eu o vi – disse Clay, espaçando cada palavra. – Era alto e tinha o cabelo negro e longo. Maldita seja, Mary, quem ia ser se não? – Não sei quem é, mas não era Wolf. As mulheres permaneciam em silêncio, paralisadas, escutando a conversa. Cicely Karr tomou a palavra. – Tentamos te advertir, Mary. – Pois me advertiram mau! – ardiam-lhe os olhos. Passeou o olhar a seu redor e logo voltou a fixá-la no Clay. – Eu vi suas mãos! É um homem branco, um anglo-saxão. Tinha as mãos cheias de sardas. Não era Wolf Mackenzie! Clay franziu o cenho. – Está segura disso? – Muito segura. – Pôs a mão sobre o chão justo diante de meus olhos – alargou o braço e agarrou ao Clay da manga. – Soltem ao Wolf imediatamente. Agora mesmo!, ouve-me? E será melhor que não tenha nem um arranhão! Clay se levantou e se aproximou do telefone, e uma vez mais Mary olhou às mulheres que havia na habitação. Estavam pálidas e horrorizadas. Mary imaginava por que. Enquanto tinham suspeitado do Wolf, tinham tido um branco seguro contra o que dirigir seu medo e sua ira. Agora tinham que voltar-se para si mesmos, procurar o culpado entre os seus. Naquela região muitos homens tinham as mãos sardentas, mas Wolf não. Suas mãos eram fibrosas e morenas, torradas pelo sol e curtidas pelo manejo dos cavalos e os largos anos de duro trabalho manual. Ela as tinha sentido sobre sua pele nua. Desejava gritar que Wolf não tinha razão para atacá-la, porque podia fazê-la sua quando quisesse, mas não o fez. O atordoamento estava voltando. Só queria esperar ao Wolf, se é que ia procurá-la. Uma hora depois, Wolf entrou na casa de Bessie sem bater, como se fosse o amo. Uma exclamação de surpresa se elevou entre as mulheres quando apareceu na porta, cujo vão ocupava quase por completo. Nem sequer olhou às demais pessoas que havia na habitação. Fixou os olhos em Mary, que seguia envolta em sua manta, com o rosto incolor, e suas botas ressonaram no chão quando se aproximou dela e se abaixou. Seus olhos negros a percorreram da cabeça aos pés; logo lhe tocou o queixo, girou-lhe a cabeça para a luz para ver o arranhão que tinha na bochecha e as marcas que tinha deixado a robusta mão de seu agressor sobre sua pele suave. Levantou-lhe as mãos e lhe examinou as palmas arranhadas. Sua mandíbula parecia de granito.
Mary sentia vontades de chorar, mas conseguiu esboçar um sorriso trêmulo. – Cortaste o cabelo – disse com suavidade, e enlaçou os dedos para não tocar as mechas densas e sedosas que repousavam em perfeita ordem sobre sua bem formada cabeça. – Esta mesma manhã – murmurou. – Você está bem? – Sim. Não conseguiu... já sabe. – Eu sei – Wolf se levantou. – Voltarei logo. Vou apanhá-lo. Prometo-lhe isso, pegarei-o. Clay disse com aspereza: – Isso é coisa da lei. Os olhos do Wolf eram como fogo frio e negro. – A lei não está fazendo bem seu trabalho. Wolf saiu sem dizer nada mais, e Mary se sentiu gelada outra vez. Enquanto ele tinha estado ali, a vida tinha começado a formigar em seu corpo intumescido, e de repente tinha desaparecido de novo. Wolf havia dito que ia voltar, mas Mary queria ir para casa. Todo mundo era muito amável; muito amável. Lhe dava vontade de ficar a gritar. Não podia suportar mais.
Capítulo 7 Embora a mudança de aparência do Wolf o tinha deixado pasmado, Clay demorou só um momento em sair atrás dele. Como suspeitava, Wolf deteve sua caminhonete junto ao beco no que Mary tinha sido atacada. Quando Clay estacionou o carro patrulha e entrou no beco, Wolf estava agachado sobre um joelho, examinando o local enlameado. Nem sequer levantou o olhar quando Clay se aproximou. Seguiu examinando com atenção cada arbusto de más ervas e cada fragmento de cascalho, cada raspão e cada fenda do chão. Clay disse: – Quando cortaste o cabelo? – Esta manhã. Na barbearia do Harpston. – Por que? – Porque Mary me pediu isso – disse Wolf logo e sinceramente, e voltou a fixar sua atenção no chão. Logo percorreu lentamente o beco, chegou à parte traseira dos edifícios e se deteve no lugar em que o agressor da Mary a tinha atirado ao chão. Continuou avançando, seguindo exatamente o mesmo caminho que tinha tomado o agressor, e no seguinte beco proferiu um grunhido de satisfação e se ajoelhou junto a um rastro de pé meio apagado. Clay tinha pisado por ali, quão mesmo muita outra gente. E assim o disse ao Wolf. – Esse rastro poderia ser de qualquer um. – Não. É de um sapato de sola branda, não de uma bota – depois de examinar o rastro um momento mais, acrescentou: – Apóia pouco os dedos quando caminha. Acredito que pesa uns setenta e oito ou oitenta quilos. Não está em muito boa forma. Já estava cansado quando chegou aqui. Clay se sentiu de repente intranqüilo. Algumas pessoas lhe teriam tirado importância a aquela habilidade para rastrear, atribuindo-a à origem indígena de Wolf, mas se teriam equivocado. Havia excelentes rastreadores de animais selvagens que podiam seguir os rastros de um homem pelo monte tão facilmente como se levasse as reveste das botas impregnadas de pintura, mas os indícios que tinha distinto Wolf só estavam ao alcance de alguém que tivesse sido treinado para caçar homens. Não duvidava do que Wolf lhe havia dito, porque tinha visto alguns homens capazes de seguir um rastro daquele modo. – Esteve no Vietnã – já sabia, mas de repente lhe pareceu que aquilo cobrava maior significado. Wolf seguiu examinando o rastro. – Sim. E você? – No Vinte e um de Infantaria. Você em que regimento estava? Wolf levantou o olhar, e um sorriso muito leve e desumano curvou seus lábios. – Era um LRRP
O desassossego de Clay se converteu em calafrio. Os LRRP, chamados lurps, formavam parte das patrulhas de reconhecimento de longo alcance. A diferença dos soldados rasos, os LRRP passavam semanas inteiras na selva e nas zonas montanhosas, vivendo do que tiravam da terra, caçando e sendo caçados. Sobreviviam só graças a sua astúcia e a sua habilidade para combater, ou para desaparecer entre as sombras, o que requeresse a ocasião. Clay os tinha visto sair da maleza, fibrosos e sujos, despedindo um aroma semelhante ao dos animais selvagens que no fundo eram, com a morte nos olhos e os nervos tão a flor de pele que era perigoso tocá-los inesperadamente ou aproximar-se deles pelas costas. Às vezes não eram capazes de suportar o contato com outros seres humanos até que seus nervos se aplacavam. Se as pessoas eram preparados, passava nas pontas dos pés junto a um LRRP recém saído da selva. Wolf tinha nesse instante um olhar tão frio e letal, tão colérica, que Clay só alcançava a adivinhar a intensidade de sua ira, embora entendesse seus motivos. Wolf sorriu de novo, e no tom mais sereno imaginável, quase suave, disse: – Ele cometeu um grave erro. – Qual? – Atacou a minha mulher. – Não corresponde a ti apanhá-lo. Isso é coisa da lei. – Então será melhor que a lei me vigie de perto – disse Wolf, e se afastou. Clay ficou olhando-o fixamente; nem sequer o tinha surpreendido a franqueza com que havia dito que Mary era sua mulher. Sentiu que outro calafrio lhe percorria as costas e se estremeceu. O povo de Ruth tinha cometido um engano ao julgar a aquele homem, mas o violador tinha cometido um ainda maior. Um erro que podia resultar fatal. *-*-* Mary ignorou estoicamente todos os protestos e os rogos quando anunciou sua intenção de ir para casa em seu próprio carro. Agradecia a preocupação e as boas intenções daquela gente, mas não podia ficar ali nem um momento mais. Não estava ferida, e o médico havia dito que a dor de cabeça lhe passaria em um par de horas. Simplesmente, tinha que ir para casa. Assim, foi sozinha no carro, conduzindo com movimentos automáticos em meio da chuva brumosa. Mais adiante não recordaria nem um só instante do trajeto. Só se deu conta de que, ao entrar na velha casa, que rangia sem cessar, experimentava uma intensa sensação de alívio que a assustou tanto que tentou a afastar de si. Não podia relaxar-se. Talvez mais tarde. De momento, tinha que conservar-se de uma peça. Woodrow deu várias voltas ao redor de seus tornozelos, miando. Mary tentou se desaturdir para lhe dar de comer, embora estava muito gordo, e aquele esforço a deixou exausta. Sentou-se à mesa e enlaçou as mãos sobre o colo, mantendo-se imóvel. Assim foi como a encontrou Wolf meia hora depois, quando a luz cinza do dia começava a dissipar-se. – Por que não me esperaste? – perguntou na porta com voz baixa e suave. – Queria voltar para casa – explicou Mary. – Eu teria te trazido. – Eu sei. Wolf se sentou à mesa, junto a ela, e tomou suas mãos frias e apertadas. Ela o olhou com fixidez, e o coração de Wolf se encolheu como um punho. Teria dado algo por não ver nunca aquele olhar em seus olhos. Mary tinha sido sempre indomável, com aquele seu espírito do corno com todo». Seu corpo era miúdo e delicado, mas ela se acreditava invencível. Como a idéia mesma da derrota lhe resultava alheia, passeou-se pela vida alegremente, atuando conforme a seu capricho e aceitando como coisa natural que os lojistas se acovardassem ante seu dedo acusador. Essa atitude irritava às vezes ao Wolf, mas com maior freqüência o fascinava. A gatinha se acreditava um tigre e, como se comportava como um tigre, outros lhe seguiam a corrente.
Mas já não era indomável. Seus olhos mostravam uma espantosa debilidade, e Wolf sabia que nunca esqueceria aqueles instantes em que se havia sentido indefesa. Aquele porco a tinha machucado, tinha-a humilhado, a tinha jogado literalmente ao barro. – Sabe o que é o que mais me horroriza? – perguntou ela depois de um longo silencio. – O que? – Que queria que a primeira vez fosse contigo, e esse homem ia... – deteve-se bruscamente, incapaz de acabar. – Mas não o fez. – Não. Subiu-me a saia e começou a esfregar-se contra mim, e me estava rasgando a roupa quando Clay... Acredito que foi Clay quem gritou. Pode ser que disparasse. Lembro que ouvi um ruído muito forte, mas pensei que era um trovão. Wolf compreendeu por seu tom monocórdio e plano que seguia em estado de choque. – Não permitirei que volte a aproximar-se de ti. Dou-te minha palavra – ela assentiu com a cabeça; logo fechou os olhos. – Agora vai te dar uma ducha – disse Wolf, urgindo-a a levantar-se. – Uma ducha longa e quente, e enquanto lhe dá isso, eu vou preparar te algo de comer. O que gosta? Ela tentou pensar em algo, mas a só idéia de comer lhe repugnava. – Só chá. Wolf subiu com ela ao piso de cima. Mary estava tranqüila, mas sua calma parecia muito frágil, como se estivesse mantendo com muita dificuldade o domínio de si mesmo. Wolf desejava que pudesse chorar, ou gritar; algo que quebrasse sua tensão. – Vou pôr minha camisola. Não te importa que me ponha a camisola, não é verdade? – parecia ansiosa, como se temesse lhe causar muitas moléstias. – Não. Wolf alongou o braço para acariciá-la, para enlaçar sua cintura, mas baixou a mão antes de tocá-la. Talvez ela não quisesse que a tocasse. Um intenso mal-estar se apoderou dele ao dar-se conta de que, a partir desse dia, talvez seu contato, ou o de qualquer outro homem, resultasse-lhe insuportável. Mary foi por sua camisola e ficou docilmente de pé no antiquado quarto de banho enquanto Wolf ajustava a temperatura da água. – Estarei lá embaixo – disse ele quando se incorporou e retrocedeu. – Deixa a porta aberta. – Por que? – seus olhos eram grandes e solenes. – Se por acaso te desmaie ou me necessita. – Não vou desmaiar. Ele sorriu um pouco. Não, a senhorita Mary Elizabeth Potter não desmaiava; não se permitia semelhante debilidade. Talvez não fora a tensão o que a mantinha tão direita; talvez fosse o ferro de sua coluna vertebral. Wolf sabia que não podia obrigá-la a comer, mas de todas as formas esquentou uma sopa de lata. Calculou o tempo à perfeição; a sopa acabava de romper a ferver e o chá de repousar quando Mary entrou na cozinha. A Mary não lhe tinha ocorrido vestir uma bata; usava só a camisola branca de algodão. Wolf sentiu que começava a suar, porque, em que pese a que a camisola era extremamente recatada, via a sombra de seus mamilos através do tecido. Amaldiçoou para si mesmo enquanto Mary se sentava à mesa como uma menina obediente. Aquele não era momento para o desejo. Isso, entretanto, não apaziguava sua luxúria; desejava a Mary em qualquer circunstância. Ela comeu a sopa mecanicamente, sem protestar, e bebeu o chá; logo lhe deu um obrigado por havê-lo preparado tudo. Wolf recolheu a mesa e esfregou os escassos pratos; quando se deu a volta, Mary seguia sentada à mesa, com as mãos unidas e o olhar perdido. Ficou imóvel um instante e resmungou uma maldição. Não podia suportá-lo nem um minuto mais. De repente levantou Mary da cadeira, tomou assento e a sentou sobre seus joelhos. Ela ficou enrijecida em seus braços um momento; logo um suspiro se filtrou entre seus lábios, e ao fim se apoiou, relaxada, contra o peito de Wolf.
– Estava tão assustada... – murmurou. – Eu sei, querida. – Como pode ser ? Você é um homem – sua voz soava levemente agressiva. – Sim, mas estive no cárcere, recorda? – perguntou-se se ela sabia o que queria dizer, e viu que franzia o cenho, pensativa. Logo Mary disse: – Ah – começou a pôr má cara. – Se alguém te fez mal... – disse. – Não, nada disso. Não me atacaram. Me dá bem lutar, e todo mundo sabia – não lhe contou como se ganhou aquela reputação. – Mas acontecia com outros detentos, e eu sabia que podia acontecer a mim, assim sempre estava em guarda – dormia só quando podia dar uma ligeira cabeçada, com uma faca feita com uma colher afiada na mão; sua cela escondia diversas armas que os carcereiros viam sem dar-se conta do que eram. Faria falta outro LRRP para descobrir algumas das coisas que tinha feito e das armas que tinha levado. Sim, sempre estava em guarda. – Me alegro – disse ela, e de repente inclinou a cabeça sobre o pescoço do Wolf e começou a chorar. Wolf a segurou com força, colocou os dedos entre seu cabelo e a abraçou. Seu corpo suave e esbelto se sacudia entre soluços quando jogou os braços no seu pescoço. Nenhum dos dois falou, mas não faziam falta as palavras. Wolf a embalou até que, por fim, Mary sorveu pelo nariz e disse, aturdida: – Preciso me assoar o nariz. Ele alargou o braço para agarrar um guardanapo de papel e a pôs nas mãos. Mary se assoou o nariz com delicadeza e logo ficou muito quieta, procurando em seu interior o melhor modo de confrontar o acontecido. Tinha sido horrível, mas era consciente de que podia ter sido muito pior. Só lhe ocorria uma idéia: não queria ficar só essa noite. Não tinha podido agüentar às mulheres que revoavam a seu redor, envenenando-a, mas se Wolf ficava com ela, ficaria bem: Elevou o olhar para ele. – Ficará comigo esta noite? Wolf sentiu que todos seus músculos se esticavam, mas não podia lhe dizer que não. – Sabe que sim. Dormirei no... – Não. Quero dizer que... se pudesse dormir comigo esta noite e me abraçar para que não esteja sozinha, só por esta noite, acredito que amanhã me encontraria melhor. Wolf confiava em que fosse assim de fácil, embora o duvidava. A lembrança do ocorrido permaneceria em sua memória, surgiria de escuros cantos para equilibrar-se sobre ela quando menos o esperasse. Até o dia que morresse não poderia esquecê-lo por completo, e por esse motivo Wolf queria apanhar a seu assaltante e lhe romper o pescoço. Literalmente. – Vou chamar ao Joe para lhe dizer onde estou – disse, e a levantou de seus joelhos. Ainda era cedo, mas a Mary pesavam as pálpebras, e depois de chamar a seu filho, Wolf decidiu que não tinha sentido esperar. Mary precisava ir-se à cama. Apagou as luzes e a rodeou com o braço quando subiram juntos pela estreita escada. Sua pele era cálida e flexível sob o fino tecido de algodão, e seu tato fez que o coração do Wolf começasse a pulsar com violência. Apertou a mandíbula ao sentir que o sangue palpitava através de seu corpo e se concentrava em seu sexo. Esperava-o uma noite cruel, e sabia. O dormitório de Mary era tão antiquado que parecia de princípios do século XX, mas Wolf não esperava outra coisa. O delicado aroma de lilás que associava com a Mary era ali mais intenso, e o palpite doloroso de seu sexo se intensificou. – Espero que a cama seja o bastante grande para ti – disse ela, preocupada, enquanto olhava a cama de casal. – Servirá. Não era o bastante grande, mas serviria. Teria que passar a noite encolhido junto à Mary. Suas nádegas o roçariam, e se voltaria louco em silêncio. De repente duvidou que poderia fazê-lo, de que poderia passar toda a noite deitado com ela sem lhe fazer amor. Dissesse o que dissesse sua
razão, seu corpo sabia exatamente o que queria; estava já tão excitado que lhe custava um enorme esforço não ficar a uivar. – Que lado prefere? O que importava isso? A tortura era tortura, de um lado ou do outro. – O esquerdo. Mary assentiu com a cabeça e retirou a colcha. Wolf quis afastar o olhar quando ela se meteu na cama, mas os olhos não o obedeceram. Viu a curva de suas nádegas quando a camisola se esticou um instante. Viu suas pernas brancas e magras, e em seguida imaginou enlaçadas ao redor de sua cintura. Viu a silhueta de seus bonitos peitos, com seus mamilos rosados, e recordou seu tato ao tocá-los, seu sabor e seu aroma ao chupá-los. De repente se inclinou e a cobriu com o lençol. – Tenho que me dar uma ducha. Viu nos olhos de Mary um fugaz dardo de medo ante a idéia de ficar sozinha, mas ela pareceu dominar-se e disse: – As toalhas estão no armário, junto à porta do banheiro. Wolf se meteu no banheiro e se tirou a roupa enquanto por dentro amaldiçoava sem cessar. Uma ducha fria não lhe serviria de nada; deu-se muitas ultimamente, e seu efeito era cada vez mais efêmero. Necessitava de Mary, nua, sob ele, envolvendo sua carne torcida e palpitante. Estaria tão tensa que ele não agüentaria nem um só minuto... Demônios. Essa noite não podia deixá-la sozinha. Por mais que lhe custasse. Palpitava-lhe todo o corpo quando se colocou sob o jorro de água morna. Não podia meter-se na cama com ela naquele estado. Quão último necessitava Mary era o ter toda a noite excitado a seu lado. Ela necessitava descanso, não luxúria. Mas não era só isso o que o preocupava; não estava de todo seguro de poder dominar-se. Fazia muito tempo que não estava com uma mulher, muito tempo que desejava a Mary. Não podia partir, mas não podia aproximar-se dela estando assim. Sabia o que tinha que fazer, e deslizou a mão cheia de sabão por seu corpo. Pelo menos aquilo lhe procuraria um pouco de calma, porque preferia cortá-la garganta a ver de novo aquela debilidade e aquele medo nos olhos de Mary. Mary estava deitada, muito quieta, quando Wolf se reuniu com ela, e não se moveu quando ele apagou a luz. Até que o peso do Wolf afundou o colchão, não mudou de postura para ficar de lado. Wolf também se tombou de flanco e, rodeando-a pela cintura, segurou-a com firmeza no oco que formava seu corpo. Ela suspirou, e Wolf sentiu que sua tensão refluía lentamente à medida que ia relaxando-se. – Que bom – murmurou Mary. – Não tem medo? – De ti? Não. De ti, não – sua voz gotejava ternura. Elevou uma mão, jogou-a para trás e tocou com a palma a mandíbula do Wolf. – Amanhã estarei bem, já o verá. Só estou muito cansada para confrontar agora o que passou.Me abraçará toda a noite? – Se quiser. – Por favor. Wolf lhe afastou o cabelo a um lado e, ao depositar um beijo em sua nuca, sentiu o delicado estremecimento que atravessava seu corpo. – Será um prazer – disse com suavidade. – Boa noite, querida. *-*-* A tormenta despertou Mary. Logo que tinha amanhecido e a luz era ainda tênue, mas as nuvens negras contribuíam já a grisura do dia. O feroz vendaval lhe recordava as violentas tormentas elétricas do sul. Os relâmpagos fendiam o céu negro, e o estalo dos trovões fazia vibrar o ar. Contou com indolência os segundos que aconteciam o brilho do raio e o retumbar do trovão
para ver o longe que estava a tormenta: doze quilômetros. Entretanto, estava já chovendo muito; a chuva repicava com força sobre o velho telhado de lata. Era maravilhoso. Sentia-se ao mesmo intensamente viva e em calma, como se estivesse esperando algo. O ontem pertencia, por própria definição, ao passado. Já não podia lhe fazer dano. O hoje era o presente, e o presente era Wolf. Ele não estava na cama, mas Mary sabia que tinha passado ali toda a noite. Até adormecida o tinha sentido a seu lado, rodeando-a com seus fortes braços. Dormir com ele era um gozo tão intenso que Mary não conseguia lhe dar expressão, como se fosse um pouco destinado a ocorrer. E possivelmente o fosse. Não podia evitar ter esperanças. Onde estava ele? Pareceu-lhe que cheirava a café e saiu da cama. Entrou no banheiro, escovouse o cabelo e os dentes e retornou ao dormitório para vestir-se. De repente se sentiu estranhamente constrangida pelo prendedor que acabava de ficar e voltou a tirar-lhe uma sensação sutil e palpitante envolveu todo seu corpo, e a impressão de estar esperando algo se fez mais intensa. Inclusive as calcinhas lhe estorvavam. Vestiu só um vestido de estar em casa solto, de algodão, sobre o corpo nu, e desceu descalça. Wolf não estava na sala nem na cozinha, embora a cafeteira vazia e a xícara que havia na pia explicavam o aroma que ficava no ar. A porta da cozinha estava aberta; a mosquiteira deixava entrar o ar úmido e frio, e o aroma fresco da chuva se mesclava com o do café. A caminhonete do Wolf seguia estacionada junto aos degraus do alpendre traseiro. Mary demorou só uns minutos em ferver água e pôr em uma saquinho de chá. Bebeu-se a infusão sentada à mesa da cozinha, olhando a cortina de água que caía pela janela. Fazia tanto frio que poderia haver ficado gelada, coberta só com o fino vestido, mas o frio não a incomodava, apesar de que podia sentir como lhe endureciam os mamilos. Antes, aquilo a envergonhava. Agora só pensava no Wolf. Estava a meio caminho entre a mesa e a pia, com a xícara vazia na mão, quando de repente Wolf apareceu ao outro lado da porta mosquiteira e ficou olhando-a através da malha de arame. Tinha a roupa pega à pele e a chuva lhe corria pela cara. Mary ficou de uma peça, com a cabeça girada para olhá-lo. Parecia um selvagem, com os olhos esgotados e brilhantes e os pés separados. Mary via como se inchava seu peito cada vez que respirava; via o pulso que pulsava na base de sua garganta. Embora estava muito quieto, ela podia sentir que todo seu corpo vibrava de tensão. Nesse momento compreendeu que ia fazer lhe amor, e soube que isso era o que tinha estado esperando. – Sempre serei um mestiço – disse ele com voz baixa e áspera, apenas audível por cima do tamborilo da chuva. – Sempre haverá gente que me olhe com desprezo. Pensa bem antes de decidir se quer ser minha, porque não há volta atrás. Ela disse brandamente, com claridade: – Não quero voltar atrás. Wolf abriu a porta mosquiteira e entrou na cozinha com movimentos lentos e deliberados. A Mary tremia a mão quando a alargou para deixar a xícara sobre o armário; logo se deu a volta para olhá-lo. Wolf lhe pôs a mão na cintura e brandamente a apertou contra si; tinha a roupa molhada, e imediatamente a parte dianteira do vestido da Mary absorveu sua umidade e o tecido empapado lhe rodeou ao corpo. Mary deslizou as mãos para cima, até seus ombros, juntou-as atrás de sua nuca e aproximou sua boca do Wolf. Ele a beijou lenta e profundamente, fazendo-a estremecer-se, ao mesmo tempo que um desejo ardente começava a atravessá-la a toda velocidade. Mary já sabia beijar, e recebeu a língua do Wolf com as leves e incitadoras carícias da sua. Uma profunda e áspera baforada de ar inchou o peito do Wolf, e a abraçou fortemente. De repente, o beijo se fez ansioso e urgente, e a pressão da boca do Wolf resultou quase dolorosa. Mary sentiu que lhe agarrava a saia para subir a logo, a palma curtida do Wolf se deslizou sobre sua coxa. Ao chegar a seu quadril, Wolf se deteve e se estremeceu com violência ao dar-se conta de que estava nua sob o vestido; logo sua mão se moveu para as nádegas nuas de Mary e começou às acariciar. Aquilo era surpreendentemente prazeroso, e Mary começou a esfregar-se
contra sua mão. Wolf tinha aberto para ela um mundo inteiramente novo, o mundo do prazer sensual, cujos limites se estendiam constantemente. Wolf não podia esperar muito mais, e a levantou em braços. Seu rosto tinha uma expressão dura e intensa quando baixou o olhar para ela. – A não ser que a casa se incendeie, desta vez não penso parar – disse com calma. – Não me importa se soa o telefone, se vier algum carro, ou se esmurrarem a porta da habitação. Esta vez, vamos acabar. Ela não respondeu, mas lhe lançou um sorriso doce e lento que o fez arder em desejos de tomá-la ali mesmo. Abraçou-a com mais força enquanto a subia pela estreita e quejumbrosa escada, até seu dormitório, onde a depositou brandamente sobre a cama. Ficou olhando-a um momento; logo se aproximou da janela e a subiu. – Deixemos entrar a tormenta – disse, e um instante depois a tormenta estava com eles, enchendo a habitação meio em sombras de sons e vibrações. O ar gelado pela chuva banhou a Mary, limpo e fresco sobre sua pele ardente. Ela suspirou, e o estrépito dos trovões e da chuva sufocou seu suspiro. Junto à janela, a luz cinza e tênue delineava os músculos poderosos, tersos e avultados, do Wolf enquanto se tirava a roupa empapada. Mary permaneceu imóvel na cama, com a cabeça girada para ele. Primeiro tirou a camisa e deixou ao descoberto seus ombros lisos e pesados e seu ventre plano. Ela sabia, porque o havia meio doido, que seu corpo era incrivelmente duro; que não cedia sob a pele tersa. Wolf se inclinou para tirar as botas e os meias; logo se ergueu e desabotoou o cinto. O estrondo da tormenta convertia seus gestos em uma pantomima, mas Mary se imaginou o pequeno pop do botão de seu jeans e o vaio do zíper ao separar os dentes metálicos. Wolf se baixou as calças e a cueca sem vacilar e os tirou. Estava nu. O coração da Mary se contraiu dolorosamente quando o olhou; pela primeira vez se sentia realmente pequena e indefesa a seu lado. Era grande, forte e viril... Ela não podia afastar os olhos de seu membro duro. Ia o receber dentro de si, ia aceitar seu peso quando seus corpos se unissem, e estava um pouco assustada. Ele o notou em seus olhos e se tombou a seu lado. – Não tenha medo – murmurou, e lhe afastou o cabelo da cara. Logo introduziu as mãos sob ela e lhe baixou brandamente o zíper do vestido. – Sei o que vai ocorrer – murmurou Mary, voltando a cara para seu ombro. – O mecanismo, pelo menos. Mas não entendo como é possível. – É possível – O farei devagar e com calma. – Está bem – murmurou ela, e deixou que a levantasse para lhe tirar as alças do vestido. Seus seios ficaram nus, e Mary os notou tensos e pesados. Wolf se inclinou para lhe beijar os mamilos; umedeceu-os com a língua, e, embargada pelo desejo, Mary arqueou as costas. Wolf lhe baixou rapidamente o vestido e deixou ao descoberto seus quadris e suas pernas; o desejo de senti-la nua sob suas mãos era tão urgente que já não podia seguir ignorando-o. Mary tremeu e logo ficou quieta. Era a primeira vez desde a infância que alguém a via completamente nua; ficou rubra e fechou os olhos enquanto lutava por sufocar a sensação de vergonha e o penoso deslavamento que experimentava. Wolf lhe tocou os peitos, espremendo-os brandamente; logo sua palma áspera se deslizou pela barriga de Mary até que seus dedos tocaram o triângulo de sedosos cachos de seu púbis. Mary deixou escapar um leve gemido, e ao abrir os olhos bruscamente viu que Wolf a estava olhando com uma expressão tão fera e ardente que imediatamente esqueceu sua vergonha. De repente se sentia orgulhosa de que ele a desejasse tão intensamente, de que seu corpo o excitasse até aquele ponto. Relaxou as pernas, e Wolf afundou um dedo entre as dobras suaves de seu sexo, acariciando com delicadeza sua carne ultra-sensível. Mary se esticou por completo outra vez e deixou escapar um gemido. Ignorava que fosse possível tanto prazer, mas ao mesmo tempo intuía que havia ainda muito mais, e não sabia se poderia suportá-lo. O gozo era tão intenso; que resultava quase insuportável. – Você gosta? – murmurou Wolf.
Ela proferiu um gemido de surpresa, e seu corpo começou a retorcer-se lentamente sobre os lençóis, com um ritmo tão antigo como o tempo. Wolf lhe separou um pouco mais as pernas com a mão e logo retomou suas doces carícias ao mesmo tempo que se inclinava para lhe beijar avidamente a boca. Mary sentia que lhe dava voltas a cabeça; cravava-lhe as unhas nos ombros e se agarrava a ele. Logo que podia acreditar que Wolf a estivesse tocando, que ela fosse capaz de experimentar aquelas sensações, mas não queria que aquilo parasse nunca. Wolf provocava em seu interior um frenesi que se ia estendendo e fazendo-se cada vez mais intenso, até que ela perdia a noção de tudo, salvo de seu próprio corpo e o dele. Wolf a elevava para o delírio com suas carícias, e ao mesmo tempo sufocava com a boca seus fracos gemidos. Mary afastou a boca da dele. – Wolf, por favor... – suplicou, possuída por um frenético desejo. – Um momento mais, querida. Me olhe. Me deixe que te veja a cara quando... Ahh... Ela deixou escapar um gemido. Wolf começou a tocá-la ainda mais intimamente, e a encontrou úmida e esponjosa. Seu negro olhar permanecia fixa no dela enquanto deslizava devagar um dedo em seu interior, e os dois se estremeceram violentamente. Wolf sabia que não podia esperar mais. Todo seu corpo palpitava. Mary estava suave e úmida e incrivelmente tensa, e se retorcia a beira do êxtase. Sua pele pálida e translúcida o embriagava, fascinava-o; só tocando-a se voltava louco. O tato de seu corpo o excitava mais que qualquer outra coisa que tivesse conhecido. Tudo nela era suave e macio. Seu cabelo era fino como o de um bebê; sua pele, fina e acetinada; até os cachos de seu púbis eram suaves, em lugar de crespos. Desejava-a mais do que desejava seguir respirando. Colocou-se entre as pernas de Mary, as separando para fazer-se presente, e se acomodou sobre ela. Mary aspirou bruscamente ao sentir seu membro duro e ardente. Seus olhos se encontraram de novo enquanto Wolf alargava a mão entre seus corpos e se colocava em posição; logo começou a penetrá-la. A tormenta estava já sobre eles. Um raio rasgou o céu e quase simultaneamente retumbou um trovão que sacudiu a velha casa. O vento, que soprava em rajadas violentas, agitava as cortinas e as empurrava para o interior da habitação, e a chuva molhava o chão diante da janela aberta, exalando um leve aroma sobre seus corpos. Mary começou a chorar, e suas lágrimas se mesclaram com aquele aroma sobre seu rosto enquanto aceitava a lenta penetração do Wolf. Wolf se sustentava em cima dela apoiado nos antebraços, com a cara a uns poucos centímetros da dela. Lambeu-lhe as lágrimas e logo lhe beijou a boca, que tinha sabor de sal. Mary sentiu uma dor ardente quando seu corpo se distendeu para lhe deixar passar, e logo notou uma enorme pressão. Mais lágrimas surgiram das comissuras de seus olhos. Ele a beijou com maior ânsia ao mesmo tempo que suas nádegas se flexionavam para exercer mais pressão, e de repente a barreira do corpo de Mary cedeu: Wolf a penetrou de tudo, afundando-se até o fundo nela com um gemido profundo, quase atormentado, de prazer. Havia dor, mas havia também muito mais. Wolf havia dito a Mary que fazer amor era febril e fazia suar, e que certamente a primeira vez não gostaria, e tinha razão em parte, e em parte se equivocava. Era, em efeito, febril e fatigante, e também brusco e primitivo. Era tão assustador que seu ritmo a arrastava. Mas, apesar da dor, sentia-se exultante. Notava a tensão e a selvagem excitação do corpo de Wolf enquanto o embalava entre suas pernas e seus braços, enchendo suas suaves entranhas dele. Queria ao Wolf, e ele a desejava. Até esse momento, ao entregar-se ao homem ao que amava, não se tinha sentido viva. Não podia calar-lhe embora tampouco importava. Ele já tinha que sabê-lo. Mary nunca mascarava seus sentimentos. Suas mãos se moveram sobre os ombros lisos e úmidos do Wolf e se introduziram entre sua densa cabeleira. – Amo-te – disse com voz tão suave que apenas se ouviu por cima dos estampidos dos trovões. Se ele respondeu, Mary não o ouviu. Wolf introduziu de novo a mão entre seus corpos unidos, mas desta vez a posou sobre seu sexo, e começou a mover-se. O prazer atravessou de novo a Mary, fazendo que o mal-estar se dissipasse; ela se arqueou, levantando os quadris em um esforço para que a penetrasse ainda mais, e lhe disse outra vez que o amava. O suor umedecia o rosto
crispado de Wolf, que tentava controlar suas investidas, mas a tormenta estava na habitação, em seus corpos. Os quadris de Mary se balançavam, ondulavam, voltavam-no louco. Esticaram-se juntos, compassados seus movimentos pelo trovão, pelo tamborilar seco da cabeceira da cama contra a parede, pelo chiado das molas da cama sob eles. Grunhidos em voz baixa e suaves gritos; carne úmida e músculos trêmulos; mãos que se agarravam freneticamente; respiração áspera e veloz e urgentes investidas: Mary conhecia tudo isso, percebia-o, ouvia-o, e se sentia consumida pela febre. – Wolf? – seu gemido soou agudo, frenético. Suas unhas se afundaram nos músculos tensos das costas de Wolf. – Não resista, neném. Deixe ir – respondeu ele com voz rouca, e ao sentir que o clímax de Mary se aproximava, já não pôde conter-se. Afastou a mão de entre seus corpos e agarrou os quadris de Mary, as elevando; encaixou-se mais firmemente nela e começou a oscilar sobre seu corpo. Mary sentiu que a tensão e a febre se incrementavam até níveis insuportáveis, e um instante depois seus sentidos estouraram. Deixou escapar um grito, e seu corpo se convulsionou e se encolheu por inteiro. Era a mais doce loucura imaginável, um prazer que não admitia descrição e que se prolongou até que Mary acreditou morrer. Wolf a segurou até que se acalmou, e logo começou a dar investidas fortes e rápidas. Seus gemidos guturais se mesclaram com o trovão quando a esmagou contra o colchão, e seu corpo se convulsionou quando a poderosa efusão de seu orgasmo o esvaziou por completo. Depois ficaram em silêncio, como se as palavras fossem entre eles uma intrusão. Seu encontro tinha sido tão ansioso e premente que se esqueceram de tudo. Inclusive a violenta tormenta tinha sido só um acompanhamento. Mary se sentiu voltar para a realidade lentamente, com inapetência, e se contentou ficando tombada junto ao Wolf e não fazer nada mais que lhe acariciar o cabelo. A respiração de ambos se aquietou e a tormenta tinha passado quando Wolf desenredou seus corpos e se afastou a um lado. Esteve abraçando-a um momento, mas agora que sua pele se esfriou, a cama úmida resultava incômoda. Quando Mary começou a tremer, Wolf saiu da cama e se aproximou da janela para fechá-la. Mary observou como se esticavam e se relaxavam seus músculos com cada movimento de seu corpo nu. Logo ele se deu a volta, e ela ficou irremediavelmente fascinada. Desejava ter coragem para deslizar as mãos por todo seu corpo, sobretudo por seu sexo. Ansiava examiná-lo, como se empreendesse uma viagem de descobrimento por território sem cartografar. – Você gosta do que vê? – a voz do Wolf soou baixa e alegre. As coisas tinham chegado muito longe entre eles como para que Mary se sentisse envergonhada. Levantou o olhar para ele e sorriu. – Muito. – Uma vez o imaginei com tanga, mas isto é muito melhor. Wolf alongou os braços e a levantou da cama tão facilmente como se fora uma pluma. – Será melhor que nos vistamos antes de que pegue um resfriado, e antes de que eu esqueça minhas boas intenções. – Que boas intenções? – Não seguir te fazendo amor até que esteja tão dolorida que não possa andar. Ela o olhou com expressão grave. – Foi maravilhoso. Obrigada. – Para mim também foi maravilhoso – Wolf esboçou um sorriso e deslizou as mãos entre o cabelo castanho e prateado da Mary. – Não tiveste maus momentos? Ela compreendeu em seguida o que queria dizer e apoiou a cabeça contra seu peito. – Não. Isso foi completamente diferente. Mas tampouco o tinha esquecido, e Wolf sabia. Estava ainda trêmula e débil, embora mantivera a cabeça muito alta. Ele pensava fazer pagar ao culpado pelo dano que lhe tinha feito a seu espírito indomável. Levava anos vivendo pacificamente nos margens, mantendo uma trégua armada com os cidadãos da Ruth, mas isso se acabou.
Encontraria ao bode que tinha atacado a Mary, e se às pessoas do povoado não gostava, pior para eles.
Capítulo 8 Mary colocou a roupa molhada de Wolf na secadora e logo preparou um café da manhã tardio. Nenhum dos dois falou muito. Apesar de sua determinação de superar a comoção do ocorrido no dia anterior, Mary não conseguia esquecer aqueles espantosos instantes nos que se havia sentido indefesa em mãos de um louco, pois sem dúvida era isso: um louco. A qualquer momento, enquanto fazia ou pensava algo, uma chama semelhante a um relâmpago a regressava ao momento da agressão, até que conseguia dominar-se e sufocar as lembranças. Wolf, que a observava sem cessar, era consciente do que estava experimentando pelo modo em que seu corpo ligeiro se crispava e logo se relaxava lentamente. Ele havia sentido muitas vezes aqueles súbitos ataques das más lembranças, do Vietnã, do cárcere, e sabia como funcionavam, e a fatura que passavam. Desejava levar a Mary outra vez à cama, manter as sombras a raia por ela, mas sabia pela cautela com que por momentos se movia que para a Mary o amor era uma experiência muito recente, e que outra aposta resultaria abusivo. Quando se acostumasse a ele... Um sorriso muito leve curvou seus lábios ao pensar nas horas de prazer e nos modos distintos de tomá-la que tinha. Mas primeiro tinha que encontrar ao homem que a tinha atacado. Quando sua roupa esteve seca, vestiu-se e levou a Mary ao alpendre de trás. A chuva tinha amainado até converter-se em uma fina garoa, de modo que pensou que apenas se molhariam. – Me acompanhe ao celeiro – disse, tomando a da mão. – Por que? – Quero te mostrar uma coisa. – Já estive no celeiro. Não há nada interessante. – Hoje sim. Já verá como você gosta. – Está bem – correram entre a garoa até o velho celeiro, que era escuro e úmido, e ao que lhe faltavam os densos e quentes aromas animais do estábulo do Wolf. Mary sentiu que o pó o fazia cócegas no nariz. – Está tão escuro que não se vê nada. – Há luz suficiente. Venha. Sem lhe soltar a mão, Wolf a conduziu ao interior de uma cavalariça a que lhe faltavam várias pranchas da parede. Por entre as frestas da madeira se filtrava uma luz melancólica. Depois de cruzar a escuridão do interior do celeiro, Mary logo que via nada. – O que quer me mostrar? – Olhe debaixo do estábulo. Ela se inclinou e olhou. Enroscado em um poeirento ninho de palha, sobre uma velha toalha que Mary reconheceu, estava Woodrow. Formados redemoinhos contra sua barriga havia quatro coisinhas com aspecto de rato. Mary se incorporou bruscamente. – Woodrow é pai! – Não. Woodrow é mãe. – Mãe! – ficou observando ao gato, que a olhou um momento enigmaticamente e logo ficou a lamber a seus gatinhos. – Mas se me haviam dito que era macho. – Pois é fêmea. É que não olhou? Mary lhe lançou um olhar severo. – Não tenho costume de olhar aos animais suas partes íntimas. – Só a mim, né? Ela se ruborizou, mas não lhe ocorreu o que replicar. – Exato.
Wolf deslizou os braços ao redor de sua cintura e a atraiu para si para lhe dar um beijo lento e quente. Mary suspirou e se relaxou entre seus braços; logo o agarrou pela nuca e suas bocas se encontraram. A fortaleza do enorme corpo do Wolf a reconfortava, a fazia sentir-se segura. Quando seus duros braços a rodeavam, nada podia machucá-la. – Tenho que ir para casa – murmurou ele quando suas bocas se separaram. – Joe fará o que possa, mas fazem falta duas pessoas para levar adiante o trabalho. Mary tinha pensado que poderia suportar que se fora, mas o pânico se apoderou dela ao pensar que ia ficar sozinha. Dominou-se rapidamente e afastou os braços do pescoço de Wolf. – Está bem – ia perguntar lhe se se veriam logo, mas não disse nada. Por mais estranho que parecesse, agora que sua relação era tão íntima, sentia-se muito menos segura de si mesmo que antes. Permitir que Wolf lhe aproximasse tanto, permitir que entrasse em seu corpo, tinha deixado ao descoberto uma vulnerabilidade cuja existência Mary desconhecia até então. Aquela intimidade dava um pouco de medo. – Busca lhe um casaco – disse ele quando saíram do celeiro. – Já tenho casaco. – Quero dizer que vá vesti-lo. Você vem comigo. Lhe lançou um rápido olhar e, ao ver sua expressão compreensiva, desviou os olhos. – Tenho que ficar só em algum momento – disse em voz baixa. – Mas não hoje. Vamos, vá vestir o casaco. Mary recolheu seu casaco e montou na caminhonete do Wolf sentindo-se como se acabassem de salvá-la do cadafalso. Talvez quando chegasse a noite teria conseguido dominar seus medos. *-*-* Joe saiu do estábulo ao ouvi-los chegar e se aproximou do lado do acompanhante da caminhonete. Quando Mary abriu a porta, estendeu os braços, levantou-a e a abraçou com força. – Está bem? – sua voz juvenil soava turva. Mary lhe devolveu o abraço. – Não me fez nada. Só estava assustada. Por cima da cabeça da Mary, Joe olhou a seu pai e viu a fria raiva controlada dos olhos negros do Wolf, posados sobre a mulher miúda a que abraçava seu filho. Alguém se tinha atrevido a lhe fazer dano, e fosse quem fosse pagaria. Joe sentiu uma ira profunda e elementar, e compreendeu que era só uma fração do que sentia seu pai. Os olhos de ambos se encontraram, e Wolf sacudiu ligeiramente a cabeça, lhe indicando que não queria que falassem daquele assunto. Mary estava ali para tranqüilizar-se, não para reviver a agressão. Wolf se aproximou e passou o braço pelos ombros de Mary ao mesmo tempo que a fez voltarse para o estábulo. – Gostaria de nos ajudar? Os olhos dela se iluminaram. – Claro. Sempre quis ver como funciona um rancho. Wolf diminuiu automaticamente suas largas pernadas para ficar ao passo da Mary enquanto se dirigiam os três para o estábulo. – Isto não é exatamente um rancho. Tenho um pequeno rebanho de vacas, mas mais para o treinamento e para ter nossa própria carne que por outra razão. – Que treinamento? – Dos cavalos para pastorear as cabeças de gado. A isso é ao que me dedico. Domo e treino cavalos. Cavalos bravos em sua maioria, para os ranchos, mas às vezes também trabalho com cavalos de exibição, ou com puro-sangue, ou inclusive com monturos de prazer que resistem a seus donos. – Os donos de puros-sangues não têm seus próprios treinadores? Ele se encolheu de ombros.
– Alguns cavalos são mais difíceis de treinar que outros. Um cavalo caro não vale um tostão se não deixar que ninguém se aproxime dele – não explicou mais, mas Mary compreendeu que lhe levavam os cavalos que ninguém mais era capaz de domar. O longo estábulo saía do lado direito do celeiro. Quando entraram, Mary aspirou o denso aroma de cavalos, a couro, o esterco, a grão e a feno. Longos pescoços acetinados apareciam às portas das cavalariças, e inquisitivos relinchos enchiam o ar. Mary nunca tinha passado muito tempo entre cavalos, mas não lhes tinha medo. Avançou pela linha das cavalariças, acariciando aos animais e lhes fazendo bajulações. – Todos são cavalos bravos? – Não. – O da quadra seguinte é um cavalo de pastoreio canadense. É um tipo, não uma raça. Pertence a um rancheiro do condado do lado. Mais à frente, na última quadra, há um cavalo de cadeira americano, para a mulher de um grande rancheiro de Montana. Seu marido o vai dar de presente por seu aniversário, em julho. O resto sim são cavalos bravos. Todos eram cavalos jovens, brincalhões como meninos. Wolf os tratava como tais, falava-lhes em voz baixa e lhe ronronem, e os apaziguava como a meninos enormes. Mary passou toda a tarde nos estábulos, observando ao Wolf e Joe a atender suas intermináveis tarefas, limpando, dando de comer, revisando as ferraduras e escovando aos cavalos. A garoa cessou por fim ao entardecer, e Wolf esteve trabalhando com um par de potros no curral de trás do estábulo para que se fossem acostumando pouco a pouco, brandamente, ao freio e à cadeira. Não lhes colocava pressa, nem perdia a paciência quando um dos animais se separava dele cada vez que tentava lhe pôr a sela. Limitava-se a acalmar ao potro antes de tentá-lo outra vez. Antes de que acabasse a tarde, o potro dava lentamente voltas pelo curral como se levasse a sela desde fazia anos. Mary estava fascinada, em parte pela voz baixa e aveludada do Wolf, em parte pelo modo em que suas mãos fortes se moviam sobre os animais, adestrando-os e acalmando-os a um tempo. Isso tinha feito com ela, mas suas mãos também a tinham excitado. Estremeceu-se ao sentir que as lembranças a embargavam, e seus peitos se esticaram. – Nunca vi a ninguém como ele – disse Joe a seu lado em voz baixa. – Eu sou bom, mas nem tanto. Nunca vi um cavalo que não pudesse domar. Faz um par de anos nos trouxeram um potro. Tinham-no afastado para procriação, mas era tão rebelde que os preparadores não conseguiam fazer-se com ele. Meu pai o pôs em uma quadra e o deixou sozinho, mas de vez em quando lhe deixava torrões de açúcar, maçãs e cenouras sobre a porta da quadra e ficava ali até que o potro lhe jogava uma boa olhada. Logo se afastava, e o cavalo comia o que lhe tivesse levado. O potro começou a buscá-lo e a bufar se meu pai demorava para lhe levar a comida. Logo papai deixou de afastar-se, e o potro, Ringer, teve que aproximar-se da porta enquanto meu pai seguia ali parado. As primeiras vezes, tentou derrubar a quadra, mas finalmente teve que render-se e foi pela comida. Depois, teve que comer da mão de meu pai se queria sua guloseima. A partir desse momento, meu pai lhe levava só cenouras para não ficar sem dedos. Por fim, Ringer começou a tirar a cabeça por cima da porta da quadra, e farejava a camisa de papai como um menino procurando caramelos. Meu pai o acariciava e o escovava – ao Ringer adorava que o escovassem, – e pouco a pouco conseguiu que se acostumasse à sela e começou a montá-lo. Eu também trabalhei com ele depois de que meu pai o domasse. Suponho que ao final se deu conta de que não valia a pena resistir tanto. Tínhamos uma égua em zelo, e meu pai chamou o dono do Ringer para lhe perguntar se queria que provássemos ao Ringer com nossa égua. O tipo disse que sim, Ringer se comportou como um autêntico cavalheiro, e todo mundo ficou contente. O dono ficou com seu muito caro garanhão já civilizado, e ficamos com um bom beliscão e com um potro fantástico da égua a que cobriu Ringer. Mary piscou enquanto ouvia toda aquela conversa a respeito de éguas em zelo cobertas por lhes semeie, e ao final se esclareceu garganta. – É maravilhoso – disse, e pigarreou outra vez. Tinha a pele quente e sensitiva. Não podia afastar os olhos do Wolf, de seu corpo alto, fibroso e de larguras ombros, de seu cabelo negro que o sol débil fazia brilhar.
– Esta noite, quando acabarmos aqui, poderíamos dar umas poucas lições. Como perdi a aula de sexta-feira de noite... – disse Joe, tirando a de seu pensamento. A Mary não agradava pensar na razão pela que Joe tinha perdido sua aula da sexta-feira, nas longas horas passadas esperando saber se Wolf tinha sido detido. Essa tarde, com sua aparência de normalidade, tinha sido um pequeno oásis de calma, mas passaria muito tempo antes de que as coisas voltassem para seu leito no condado. Uma jovenzinha tinha sido violada, e Mary tinha sido agredida no dia seguinte. As pessoas estariam enfurecida e assustada, e olharia a seus vizinhos com receio. Deus tivesse piedade de qualquer forasteiro que passasse por ali, ao menos até que apanhassem ao culpado. De repente soou o rangido do cascalho esmagado por uns pneus, e Joe deixou seu posto para ver quem se aventurou a subir à montanha Mackenzie. Retornou ao cabo de um momento com o Clay Armstrong atrás dele. Aquilo parecia uma repetição da tarde da sexta-feira, e a Mary deu um tombo o coração; não iria Clay a prender o Wolf? – Mary – Clay a saudou inclinando a cabeça e se tocou a asa do chapéu. – Está bem? – Sim – disse ela com firmeza. – Imaginava que estaria aqui. Se importaria que repassássemos outra vez o que aconteceu? Wolf se aproximou tirando as luvas. Seus olhos tinham uma expressão dura como o pederneira. – Já lhe contou isso ontem. – Às vezes se recordam pequenos detalhes quando passam o susto. Mary teve a impressão de que Wolf estava a ponto de jogar ao Clay de suas terras e se voltou para ele, lhe pondo uma mão no braço. – Não importa. Estou bem. Estava mentindo, e Wolf sabia, mas a boca de Mary tinha outra vez esse rictos obstinado que significava que não pensava dar seu braço a torcer. Wolf sentiu de repente uma pontada de regozijo; sua gatinha começava a recuperar a confiança, depois de tudo. Mas não ia permitir que Clay a interrogasse a sós. Olhou ao Joe. – Termina com os cavalos. Eu vou com a Mary. – Não é necessário – disse Clay. – É para mim. Mary se sentiu diminuída entre aqueles dois homens enquanto caminhavam para a casa, e pensou que aquele afã de protegê-la logo acabaria lhe resultando sufocante. Um sorriso tocou seus lábios. Clay certamente pensava que tinha que protegê-la do Wolf, assim como de outro ataque, enquanto que Wolf estava empenhado em protegê-la, e ponto. Perguntava-se o que pensaria Clay se soubesse que não queria que a protegesse do Wolf. A tia Ardith diria que Wolf se aproveitou dela, e Mary esperava com ansiedade que voltasse a fazê-lo. E logo. Wolf advertiu uma de suas olhados de esguelha e, ao sentir seu interesse e seu afeto, ficou tenso. Maldição, acaso não sabia ela como reagia, e o embaraçoso que podia ser? Já podia sentir a tensão em sua virilha. Mas não, ela não sabia. Apesar de que tinham feito amor essa manhã, seguia sendo muito inocente a respeito ao sexo em geral, e a respeito ao efeito que sortia sobre ele em particular, de modo que o mais provável era que não soubesse que reação provocava nele aquele olhar. Wolf apertou o passo. Precisava sentar-se. Quando entraram na cozinha, Mary ficou a fazer café com a mesma naturalidade que se estivesse em sua casa, deixando claro ao Clay que Wolf e ela eram um casal. As pessoas do condado ia ter que ir fazendo-se à idéia. – Comecemos desde o começo – disse Clay. Mary se deteve um momento; logo retomou seus gestos firmes e regulares enquanto media o café e o punha na cafeteira. – Acabava de comprar umas botas na loja do Hearst e voltava para meu carro... Minhas botas! Me caíram! Não as viu? Recolheu-as alguém? – As vi, mas não sei o que aconteceu elas. Perguntarei-o.
– Esse homem devia estar pego à lateral da loja, porque, se tivesse estado do outro lado do beco, o teria visto. Agarrou-me e me tampou a boca com a mão. Fez-me jogar a cabeça para trás para que não pudesse me mover, e começou a me arrastar pelo beco. Consegui soltar uma mão e a joguei para trás, tentando lhe arranhar a cara, mas tinha posto capuz. Deu-me um murro na cabeça e eu... depois disso não recordo grande coisa, até que me atirou ao chão. Segui arranhandoo, e acredito que lhe fiz mal na mão, porque me bateu outra vez. Logo lhe mordi a mão, mas não sei se lhe fiz sangue. Alguém gritou, e ele se levantou e pôs-se a correr. Ao levantar apoiou a mão no chão, justo diante de minha cara. Sua manga era azul, e tinha sardas na mão. Um montão de sardas. Logo... chegou você. Mary guardou silêncio e se aproximou para olhar pela janela da cozinha, lhes dando as costas aos homens sentados à mesa, de modo que não viu o olhar vingativo do Wolf, nem o modo em que se fechavam seus punhos, mas Clay sim, e aquilo o inquietou. – Fui eu quem gritou. Vi a caixa das botas no chão e me aproximei para ver o que era, e então ouvi ruídos atrás do edifício. Quando vi o que acontecia, gritei e tirei a arma, e disparei para cima de sua cabeça para tentar detê-lo. Wolf tinha um olhar selvagem. – Deveria lhe haver dado um tiro a esse filho da mãe. Assim se teria parado. Quando jogava a vista atrás, Clay também desejava ter disparado a aquele indivíduo. Pelo menos assim não se estariam espremendo o cérebro tentando identificá-lo, e as pessoas do povoado não estaria tão desenquadrada. As mulheres iam armadas até os dentes lá aonde iam, embora fossem a estender a roupa. Tal e como estavam os ânimos, era perigoso para qualquer forasteiro deter-se no condado. Isso era o que o preocupava, e assim o disse. – Acredito que qualquer um se fixou em um forasteiro. Ruth é um povoado pequeno, e aqui se conhece todo mundo. Um forasteiro teria chamado a atenção em seguida, sobretudo se tinha o cabelo comprido e negro. Wolf lhe lançou um sorriso gélido. – Todo mundo teria pensado que era eu. Mary se esticou junto à janela. Tinha estado tentando não escutar, afastar as lembranças que tinha evocado seu relato do ocorrido. Não se deu a volta, mas de repente concentrou toda sua atenção na conversação que se desenvolvia atrás dela. O que Wolf havia dito era certo. Ao ver o cabelo comprido e negro de seu agressor, Clay prendeu o Wolf imediatamente. Mas aquele cabelo negro e comprido, tão característico, não encaixava com as sardas avermelhadas que ela tinha visto na mão daquele homem. E sua pele era pálida. A gente corada estava acostumada ter sardas. O cabelo negro não encaixava por nenhuma parte. A não ser que fosse um disfarce. A não ser que seu propósito fosse culpar ao Wolf. Notou um formigamento nas costas e sentiu ao mesmo tempo calor e frio. Que o tinha feito, fosse quem fosse, não sabia que Wolf se cortou o cabelo. Mas a escolha da vítima resultava surpreendente; não tinha sentido. Por que atacar a ela? Sem dúvida ninguém acreditaria que Wolf ia agredir à única pessoa do povoado que o defendia, e ela tinha deixado bem claro o que pensava. Era ilógico, a menos que o violador a tivesse eleito por azar. Afinal de contas, entre o Cathy Teele e ela não havia vínculo algum, nada em comum. Podia dever-se tudo a uma casualidade. Sem dar a volta, perguntou: – Wolf, você conhece o Cathy Teele? falaste com ela alguma vez? – Conheço-a de vista. Mas eu não falo com jovenzinhas brancas – seu tom era irônico. – A seus pais não gostaria. – Nisso tem razão – disse Clay cansativamente. – Faz uns meses, Cathy disse a sua mãe que era o homem mais bonito por aqui, e que não lhe importaria sair com o Joe se não fosse mais novo que ela. Inteirou-se todo o povo. À senhora Teele quase deu um ataque.
Mary sentiu de novo que um calafrio lhe percorria as costas. assim, havia um vínculo: Wolf. Aquilo não podia ser uma simples coincidência, embora havia algo que não acabava de encaixar naquele assunto. Retorceu-se as mãos e se voltou para eles. – E se alguém estivesse tentando culpar ao Wolf deliberadamente? O semblante de Wolf se tornou duro e inexpressivo, mas Clay pareceu surpreso. – Demônios, Mary – resmungou, – por que diz isso? – O cabelo comprido. Poderia ser uma peruca. Esse homem tinha sardas nas mãos, muitas sardas, e sua pele era clara. Wolf se levantou, e embora Mary sabia que não tinha nada que temer dele, deu um passo atrás ao ver a expressão de seus olhos. Ele não disse nada; não fazia falta. Mary o tinha visto zangado antes, mas aquilo era diferente. Estava raivoso, mas com uma raiva gélida, e parecia em perfeito domínio de si mesmo. Talvez era isso o que a alarmava. Clay disse: – Perdoa, mas não me parece muito convincente. Afinal de contas, não tem sentido que Wolf te ataque precisamente a ti. Você deste a cara por ele desde o começo, quando o resto das pessoas do povo... – Não se incomodaria nem em me cuspir embora estivesse ardendo – concluiu Wolf. – Exato. O café tinha acabado de ferver, e Mary serviu três xícaras. Ficaram calados e pensativos enquanto bebiam, tentando fazer que encaixassem as peças do quebra-cabeças. O certo era que, por mais que lhe davam voltas, sempre faltava algo, a menos que dessem crédito à idéia de que um criminoso tinha eleito a Mary e ao Cathy ao azar, e tinha utilizado possivelmente uma peruca negra e larga para disfarçar-se por pura coincidência. Mary rechaçava por completo a hipótese da coincidência. De modo que isso significava que alguém estava tentando implicar ao Wolf. Mas por que a tinha eleito a ela como vítima? Para castigar ao Wolf fazendo mal à única pessoa que o tinha defendido? Eram todo hipóteses carentes de fundamento. Wolf levava anos vivendo ali e nada parecido tinha ocorrido antes, apesar de que sua presença era como sal na ferida da consciência do povo. A aquela gente não gostava de Wolf, e ele não permitia que o esquecessem. Entretanto, todos eles tinham estado convivendo sob uma trégua silenciosa. De modo que, qual tinha sido o detonante da violência? Mary se esfregou as têmporas ao sentir uma súbita pontada de dor que ameaçava convertendo-se em uma enxaqueca a grande escala. Como estranha vez lhe doía a cabeça, supôs que a tensão se estava dando procuração dela, e decidiu não permiti-lo. Ela nunca tinha sido uma histérica, e não pensava começar a sê-lo agora. Clay suspirou e deixou sua xícara vazia sobre a mesa. – Obrigado pelo café. Amanhã acabarei o relatório. Te levarei os papéis à escola para que os assine... né... Vai trabalhar, ou vais ficar em casa? – Vou trabalhar, claro. – Claro – resmungou Wolf, e a olhou com o cenho franzido. Mary levantou o queixo. Não entendia por que de repente tinha que converter-se em uma inválida. Clay se foi pouco depois, e Joe chegou do estábulo para ajudá-los a preparar o jantar. Sentiamse a gosto os três juntos, e faziam as coisas com a mesma naturalidade que se levassem anos vivendo juntos. Joe piscou os olhos e olhou a Mary uma vez, e ela se ruborizou, porque era fácil interpretar a expressão de seus olhos jovens e velhos a um tempo. Em seu olhar havia regozijo, compreensão e aprovação. Estava dando por sentado simplesmente que Wolf e ela se feito amantes porque Wolf tinha passado a noite em sua casa, o qual era natural, ou adivinhava algo mais nela? E se todo o povoado se dava conta com apenas olhá-la? Wolf lhe rodeou a cintura com o braço. Ela levava vários minutos imóvel, com a frigideira esquecida na mão, e franziu o cenho e se ruborizou. Wolf compreendeu por seu rubor o que estava pensando, e a tensão que estava acostumado a apoderar-se de seu corpo lhe crispou os
dedos até que se cravaram nas costelas da Mary. Ela elevou com surpresa seus grandes olhos azul piçarra; então pareceu compreender, e suas pálpebras caíram para velar pela metade o desejo que não podia dissimular. Joe lhe tirou a frigideira das mãos trêmulas. – Acredito que vou por aí ver um filme – anunciou. Mary girou a cabeça bruscamente, sacudindo o feitiço sensual em que Wolf a envolvia com tanta facilidade. – Não, temos que dar aula, recorda? – Não acontece nada por perder outra noite. – Claro que passa – insistiu ela. – Não pode dar por sentado que vais ingressar na Academia só porque o senador Allard vá recomendar-te. Não pode te descuidar nem um minuto. Wolf a soltou. – Tem razão, filho. Suas notas não podem piorar – ele podia esperar. Com muita dificuldade. Pouco depois das nove, Mary fechou os livros que Joe e ela tinham estado usando e estirou os braços por cima da cabeça. – Pode me levar para casa já? – perguntou ao Wolf, sufocando apenas um bocejo. Tinha sido um dia muito ocupado. O rosto dele permaneceu impassível. – Por que não fica aqui? – era mais uma ordem que uma sugestão. – Não posso! – Por que não? – Não estaria bem. – Eu fiquei em sua casa ontem à noite. – Isso foi diferente. – Por que? – Porque me encontrava mau. – Sua cama é muito pequena. A minha é maior. – Eu vou daqui – disse Joe, e imediatamente pôs em prática suas palavras. Mary se zangou. – Tinha que dizer isso diante dele? – De todos os modos já sabia. Recorda o que te disse de que não havia volta atrás? Ela ficou calada um momento e logo disse: – Sim – aquele olhar cálida aflorou a seus olhos outra vez. – Não quero voltar atrás. Mas não posso ficar aqui esta noite. Amanhã tenho que ir trabalhar. – Ninguém aceitará isso se não for. – Eu sim – tinha de novo aquele olhar, a expressão teimosa e obstinada de uma férrea vontade. Wolf ficou em pé. – Está bem. Te levarei a casa – entrou em seu dormitório e vários minutos depois apareceu com uma pequena nécessaire de barbear na mão e uma muda de roupa pendurada do ombro. Tocou um momento à porta de Joe ao passar junto a ela. – Voltarei pela manhã. A porta se abriu. Joe, que se dispunha a dar uma ducha, estava descalço e descamisado. – Vale. Leva-a você ao colégio ou quer que eu vá? – Não necessito que ninguém me leve a trabalho – disse Mary. – Pior para ti – Wolf se voltou para seu filho. – Baugh traz um par de cavalos amanhã pela manhã, assim tenho que estar aqui. Leva-a você ao colégio, e eu a recolherei pela tarde. – Vou em meu carro e não me vais impedir isso. – Está bem. Mas levará escolta – Wolf se aproximou dela e a agarrou por braço. – Pronta? Mary se deu conta de que Wolf tinha tomado uma decisão e de que ela não podia fazer nada a respeito, e saiu com ele para a caminhonete. Começava a refrescar, mas o corpo enorme do Wolf irradiava calor, e Mary se aproximou a ele. Assim que estiveram na caminhonete, Wolf a tomou nos braços e se inclinou para ela. Mary abriu a boca e afundou os dedos entre seu cabelo denso. O quente sabor de sua boca a embargou; a pressão de seus braços ao redor das costelas, de seu peito
duro e musculoso sobre os seios, aturdiu-a mais que qualquer sedativo. Se Wolf a tivesse convexo sobre o assento e a tivesse tomado ali mesmo, não se teria resistido. Quando Wolf se afastou por fim dela, todo o corpo de Mary palpitava. Guardou silêncio durante o trajeto pela montanha, pensando em como tinham feito o amor essa manhã, e ansiando que aquilo se repetisse. Em sua cabeça ressonava uma idéia: assim, aquilo era o que significava sentir-se mulher. Woodrow estava esperando pacientemente na soleira da porta de trás. Mary lhe deu de comer enquanto Wolf tomava banho e se barbeava. Não era muito peludo, mas fazia dois dias que não se barbeava e sua mandíbula começava a ter uma sombra de barba, e a Mary picava a cara um pouco quando se beijavam. Mary notou de novo aquela profunda, quase dolorosa sensação de estar esperando algo quando subiu as escadas para sua habitação. Ele entrou em silêncio e ficou olhando-a um momento antes de que Mary sentisse sua presença e se desse a volta. – A ducha é toda tua. Estava nu e ligeiramente molhado pelo vapor do quarto do banheiro. Seu cabelo negro reluzia sob a luz, e algumas gotas de água brilhavam entre os cachos negros do suave pêlo de seu peito. Já estava excitado. A palpitação do corpo da Mary se fez mais intensa. Mary tomou banho e logo, pela primeira vez em sua vida, ficou perfume nos pontos do pulso. Nunca se tinha comprado um perfume, mas por sorte uma de suas alunas do Savannah lhe tinha dado um frasco no Natal. Seu aroma era docemente exótico. Abriu a porta do banheiro e, de repente, deixou escapar um gemido de surpresa e retrocedeu. Wolf a estava esperando na porta e a olhava ferozmente, com os olhos entreabertos. Em um gesto de ousadia, Mary não se pôs a camisola, e sob o olhar do Wolf o intenso batimento do coração de seu corpo se intensificou. Ele tomou nas mãos seus peitos e os elevou ligeiramente para que se esmagassem sobre sua palmas. Os mamilos de Mary se esticaram antes inclusive de que começasse a esfregá-los com os polegares. Mary ficou muito quieta; respirava rapidamente, inalando apenas, e tinha os olhos meio entreabertos enquanto tentava dominar o prazer que lhe produziam as mãos do Wolf. Os olhos deste eram estreitas ranhuras negras. – Quis fazer isto desde o dia que te encontrei na estrada –murmurou. – Um corpo tão bonito debaixo de um vestido tão feio. lhe quis tirar isso e ver-te nua. O ardor de sua voz, de seus olhos, a fez estremecer-se e cambalear-se para ele. Wolf a separou da porta e a conduziu ao corredor em sombras; logo a agarrou pela cintura e a levantou. Mary recordou que tinha feito aquilo mesmo outra vez, e gemeu antes de que a boca do Wolf se fechasse sobre um de seus mamilos. Wolf lhe lambeu o mamilo com tanta veemência que Mary arqueou as costas e deixou escapar um grito ao mesmo tempo que suas pernas se abriam e se enlaçavam ao redor dos quadris do Wolf, procurando o equilíbrio. Ele grunhiu, incapaz de esperar um minuto mais. Tinha que penetrá-la ou se voltaria louco. Trocou-a de postura, guiou seu membro com a mão e a penetrou. Mary se estremeceu e logo ficou muito quieta enquanto Wolf se introduzia lentamente nela. Aquilo era inclusive melhor que da vez anterior. Seus músculos interiores se esticavam brandamente e se relaxavam para acomodar o membro do Wolf, e levantavam quebras de onda de prazer que irradiavam através de seu corpo. Agarrou-se a ele, gemendo. O desejo obrava sua magia, esticando alguns músculos e distendendo outros, de tal modo que sentia o corpo ao mesmo tempo rígido e flexível enquanto se elevava e se afundava sobre o Wolf. O efeito daquele leve movimento os fazia ofegar a ambos, e Wolf trocou de postura para apoiar as costas contra a parede. Mary seguiu subindo e baixando sobre ele uma e outra vez. Irradiava calor; sentia sua própria pele tensa e suave, e tão extraordinariamente sensibilizada que notava cada um dos dedos do Wolf sobre as nádegas, o roçar do pêlo de seu peito sobre os seios, os botões diminutos de seus mamilos, o muro musculoso de seu ventre, o cabelo áspero de seu púbis. Sentia-o profundamente dentro dela.
Arqueou as costas e se convulsionou. Wolf se refreou; não queria que aquilo acabasse tão cedo, e a esteve abraçando até que ela se acalmou. Logo a levou a dormitório, com suas pernas ainda rodeando-o, e a tombou sobre a cama. Mary tragou saliva e afrouxou seu abraço. – Não te há...? – Ainda não – murmurou ele, e começou a mover-se com força dentro dela. Mary não queria que aquilo acabasse. Aceitou as investidas do Wolf e o embalou entre seus braços quando um áspero gemido escapou de sua garganta e as poderosas convulsões do orgasmo sacudiram seu corpo, e depois seguiu abraçando-o enquanto descansava sobre ela. Não queria que se separasse, que a deixasse vazia. Tinha vivido toda sua vida em uma espécie de gentil limbo, até conhecer o Wolf, e então tinha começado a viver. Em só um par de meses Wolf se converteu até tal ponto no centro de sua vida que os anos anteriores lhe pareciam envoltos em bruma. Ele se recompôs e tentou afastar-se dela. Mary esticou as pernas a seu redor e grunhiu. – Deixa que me levante, querida. Peso muito para ti. – Não, – murmurou ela, e lhe beijou a garganta. – Peso o dobro que você. A que não pesa nem quarenta e cinco quilos? – Sim – disse ela, indignada. Pesava quarenta e sete e meio. – Não pode pesar muito mais. Eu peso noventa, e sou meio metro mais alto que você. Se fico dormindo em cima de ti, te asfixiará. Parecia sonolento. Mary passou a mão pelas proeminências musculosas de seu peito. – Quero ficar assim. Wolf se esfregou ligeiramente contra ela. – Assim? – Sim – ofegou Mary. Wolf se acomodou sobre ela, mas moveu parte de seu peso para um lado. – Assim está bem? Era maravilhoso. Mary podia respirar, mas Wolf seguia pego a ela, dentro dela. Ele ficou dormindo em seguida, tão contente como ela com aquela postura, e Mary sorriu na escuridão enquanto o abraçava. Entretanto, os negros pensamentos foram retornando lentamente. Alguém tinha tentado culpar ao Wolf, voltar a enviá-lo ao cárcere. A idéia de que Wolf pudesse ser despojado de sua liberdade lhe resultava obscena e espantosa, porque o conhecia o bastante para saber que por nada do mundo voltaria para a prisão. Ela queria mantê-lo a salvo, lhe servir de escudo com seus braços, interpor seu corpo entre o perigo e ele. Céu santo, como tinha começado aquilo? Tudo parecia tão tranqüilo...! Qual tinha sido o detonante? Então, de repente, compreendeu-o, e o espanto quase lhe parou o coração. O detonante tinha sido ela. Enquanto Joe e Wolf tinham permanecido excluídos, marginalizados por sua origem e pelo passado do Wolf, tudo tinha estado em calma. Logo ela, uma branca, tinha chegado ao povoado, e em lugar de ficar do lado da maioria, tinha dado a cara pelos Mackenzie. Com sua ajuda, Joe tinha conseguido uma honra reservada só a uns poucos. Algumas pessoas tinham começado a dizer publicamente que era uma sorte que o menino fosse à Academia. Cathy Teele havia dito que Wolf era o homem mais bonito do condado. Os limites entre o povo e os Mackenzie tinham começado a desvanecer-se. E alguém a quem nutria uma larva de ódio não tinha podido suportá-lo. Ela tinha sido a causa de tudo. Se algo ocorria ao Wolf, seria culpa dela. Capítulo 9 Mary não sabia o que fazer. A idéia de que ela era a causador do ocorrido a atormentava e lhe impedia de dormir. Moveu-se, inquieta, e despertou ao Wolf, e ele sentiu seu desassossego, mas o
atribuiu ao motivo equivocado. Tranqüilizou-a com murmúrios e a apertou contra si. Mary sentiu que seu sexo se endurecia dentro dela. Esta vez, Wolf lhe fez o amor brandamente, e quando tudo acabou ela ficou adormecida sem esforço, como uma menina, até que Wolf despertou de novo no meio de uma escuridão total, antes do amanhecer. Ela se voltou para ele sem perguntar. O carro do Joe apareceu quando estavam preparando o café da manhã, e sem dizer uma palavra Wolf rompeu mais ovos em uma bacia para batê-los. Mary sorriu, embora ela também estava pondo mais bacon na frigideira. – Como sabe que tem fome? – Está acordado, não? Meu menino come como um cavalo. Joe entrou pela porta de trás e se foi direto a pelo café, que já tinha acabado de ferver. – Bom dia. – Bom dia. O café da manhã estará preparado dentro de dez minutos. Joe sorriu a Mary, e lhe devolveu o sorriso. Wolf a olhou com atenção. Essa manhã parecia frágil; sua pele parecia mais pálida e translúcida que de costume, e tinha umas leves sombras de cor malva sob os olhos. Mary se apressou a lhe sorrir, mas Wolf se perguntou por que parecia tão débil. Estaria cansada de fazer amor, ou acaso a atormentava a lembrança da agressão? Pensou que devia ser esse último, porque tinha respondido com avidez cada vez que se aproximou dela. Saber que seguia assustada reforçou sua determinação de encontrar a quem a tinha atacado. Depois de que Eli Baugh lhe levasse os cavalos e partisse, pensava ficar a rastrear. Joe seguiu a Mary em seu carro de caminho à escola, e não partiu em seguida, como ela esperava. Era ainda cedo, e os alunos não tinham começado a chegar, de modo que Joe entrou com ela no edifício vazio e até inspecionou as salas de aula. Logo se apoiou contra a ombreira da porta e aguardou. Mary deixou escapar um suspiro. – Aqui estou perfeitamente a salvo. – Vou esperar até que venha alguém. – Há-lhe dito isso Wolf? – Não. Sabia que não fazia falta. Como se comunicavam? Por telepatia? Os dois pareciam saber o que pensava o outro. Era desconcertante. Mary confiava ao menos em que não pudessem lhe ler o pensamento, porque desde fazia algum tempo lhe ocorriam umas idéias extremamente eróticas. O que pensariam os outros quando vissem o Joe? Estava claro que era seu cão guardião. Mary se perguntou se aquilo dispararia outro ato de violência, e se sentiu doente, porque sabia que era possível. Sua intuição, afiada por seu feroz afã de proteger aos Mackenzie, dizia-lhe que sua teoria era acertada. A só possibilidade de que Wolf e Joe pudessem ser aceitos tinha tirado alguém de suas casinhas. Aquilo revelava tanto ódio que Mary se estremeceu. Sharon e Dottie entraram no edifício e, ao cruzar a porta aberta, detiveram-se um instante quando Joe voltou a cabeça e as olhou. – Senhora Wycliffe. Senhora Lancaster – disse ele tocando a asa do chapéu com a ponta dos dedos em uma breve saudação. – Joe – murmurou Sharon. – Que tal está? Dottie lhe lançou um olhar breve, quase assustada, e se apressou a entrar em sua classe. Joe se encolheu de ombros. – Estive estudando um pouco – disse. – Só um pouco? – perguntou Sharon com ironia. Passou a seu lado para saudar a Mary e logo disse: – Se não gosta de trabalhar hoje, Dottie e eu podemos dar suas aulas. De todos os modos, pensava que não viria. – Só estava assustada – disse Mary com firmeza. – Clay impediu que passasse algo pior. Cathy é a que necessita compaixão, não eu. – Todo o povoado está alvoroçado. Estão fazendo o terceiro grau a todos os que têm sardas nas mãos. Mary não queria falar disso. A imagem de uma mão sardenta lhe dava náuseas, e tragou saliva compulsivamente. Joe franziu o cenho e se aproximou. Mary levantou a mão para evitar que
jogasse a Sharon da classe, mas nesse momento entraram vários alunos, e seu bate-papo distraiu a todo mundo. Os meninos disseram: – Olá, Joe, tudo bem? – e se formaram redemoinhos a seu redor. Todos queriam inteirar-se de seus planos em relação à Academia e de como lhe tinha dado por isso. Sharon se foi a sua sala de aula, e Mary ficou observando ao Joe com os outros meninos. Joe só tinha dezesseis anos, mas parecia maior inclusive que os alunos do último curso. Era jovem, mas não um pirralho, e essa era a diferença. Mary notou que Pam Hearst estava entre o grupo. Não dizia grande coisa, mas não tirava olho de Joe, e parecia olhá-lo ao mesmo tempo com desejo e angústia, embora tentava ocultá-lo. Joe lançou à moça várias vezes um longo olhar que a fez remover-se, inquieta. Logo olhou seu relógio e se separou de seus antigos companheiros de classe para lhe dizer a Mary: – Meu pai virá a te recolher para te acompanhar a casa. Não vá sozinha. Mary fez ameaça de protestar, mas pensou no indivíduo que, ali fora, odiava-os até o extremo de fazer o que tinha feito. Ela não era quão única estava em perigo. Alongou a mão e agarrou ao Joe do braço. – Tomem cuidado seu pai e você. Poderiam ser os próximos. Joe franziu o cenho como se aquela idéia fosse nova para ele. O agressor era um violador, assim que os homens não se consideravam em perigo. Ela tampouco teria cansado na conta, de não estar convencida de que todo aquilo respondia a um desejo de castigar aos Mackenzie. E que pior castigo terei que matá-los? Talvez, em algum momento, aquele demente decidisse agarrar um rifle e fazer justiça a sua maneira, retorcidamente. Clay apareceu à hora do almoço para que lesse e assinasse os papéis da declaração. Consciente de que os meninos a observavam com interesse, Mary se afastou com ele para o carro. – Estou preocupada – admitiu. Clay apoiou o braço sobre a porta aberta do carro. – Seria tonta se não o estivesse. – Não é por mim. Acredito que os verdadeiros objetivos desse homem são Wolf e Joe. Ele lhe lançou um olhar rápido e agudo. – Por que diz isso? Animada ao ver que Clay não descartava imediatamente a idéia, mas sim a olhava com expressão preocupada, Mary lhe contou sua teoria. – Acredito que Cathy e eu fomos escolhidas de propósito para castigar ao Wolf. É que não vê a relação? Cathy disse que Wolf lhe parecia bonito, e que gostaria de sair com o Joe. Todo mundo sabe que eu sou amiga dos Mackenzie desde o começo. Por isso nos escolheram. – E acha que voltará a atuar? – Estou segura de que sim, mas temo que desta vez vá a por um deles. Duvido que tente brigar corpo a corpo, mas que oportunidade teriam Wolf e Joe contra uma bala? E quantos homens do condado têm um rifle? – Todo filho de vizinho – respondeu Clay com chateio. – Mas o que moveu a atuar a esse tipo? Ela ficou calada um momento, com expressão compungida. – Eu. – O que? – Eu o movi a atuar. Antes de que chegasse aqui, Wolf era um marginalizado. E a todo mundo parecia bem. Logo me fiz amiga dele e comecei a dar aulas ao Joe para que entrasse na Academia. Muita gente se sentiu um pouco orgulhosa por isso e começou a mostrar-se mais amável com os Mackenzie. Foi uma greta no muro, e o que está fazendo isto não pôde suportá-lo. – Isso supõe muito ódio, e me custa acreditá-lo. As pessoas daqui não traga ao Wolf, mas é mais por medo que por ódio. Por medo e por má consciência. A gente deste condado o mandou ao cárcere por algo que não tinha feito, e sua presença o recorda constantemente. Wolf não é uma pessoa muito dada a perdoar, não é verdade? – Uma coisa como essa resulta um pouco difícil de esquecer – assinalou Mary. Clay teve que lhe dar a razão e suspirou cansativamente.
– Mesmo assim, não me ocorre ninguém que possa odiá-lo até o ponto de agredir a duas mulheres só porque se mostraram amáveis com ele. Que demônios, Cathy nem sequer se mostrou amável com ele. Só fez um comentário de passada. – Então, está de acordo comigo? Acha que tudo isto é pelo Wolf? – Eu não gosto da idéia, mas suponho que tem razão. O resto não tem sentido, porque nesta vida há muito poucas coincidências, mas no crime não há nenhuma. Tudo tem um motivo. – Então, o que podemos fazer? – Você, nada – disse ele com firmeza. – Eu o comentarei ao xerife mas a verdade é que não podemos prender a ninguém sem provas, e o único que temos é uma hipótese. Nem sequer temos um suspeito. Mary apertou com força a mandíbula. – Então vais deixar passar uma oportunidade magnífica. Ele a olhou com receio. – Uma oportunidade do que? – De lhe estender uma armadilha, é obvio. – Isto eu não gosto. Não sei no que está pensando, mas eu não gosto. – É de sentido comum. Esse tipo fracassou em seu... né... objetivo comigo. Possivelmente eu possa... – Não. E antes de que fique feita uma fera, pensa no que diria Wolf se lhe contasse que quer te oferecer de isca. Ao melhor só te deixaria sair de sua casa no Natal. Isso era certo, mas Mary via um modo de evitá-lo. – Então, não o direi. – Não há modo de que não se inteire, a menos que o plano não funcione. Se funcionasse... a mim, certamente, eu não gostaria de estar por aqui quando se inteirasse, e algo assim não pode manter-se em segredo. Mary considerou as possíveis reações de Wolf e nenhuma delas gostou. Por outro lado, aterrorizava-a que pudesse lhe acontecer algo. – Me arriscarei – disse resolutamente. – Pois comigo não conte. Ela levantou o queixo. – Então, o farei sem sua ajuda. – Se atrapalhar a investigação, te meterei na cadeia tão rápido que te dará voltas a cabeça – advertiu-lhe Clay. Ao ver que ela não se alterava, começou a amaldiçoar em voz baixa. – Demônios, o direi ao Wolf e deixarei que te jogue em cima às cabeças de gado. Mary franziu o cenho e pensou em sacudir diante dele seu dedo de professora. – Me escute, Clay Armstrong. Sou a melhor oportunidade que tem de fazer sair de seu esconderijo a esse tipo. Agora não tem nenhum suspeito. O que vais fazer, esperar a que ataque a outra mulher e talvez a mate? Prefere fazê-lo assim? – Não, claro que não! Quero que você e todas as demais mulheres estejam atentas e não vão a nenhuma parte sozinhas. Não quero que nem você nem ninguém corra perigo. Te ocorreu pensar que às vezes as armadilhas não funcionam, que o animal remói a armadilha e escapa? Seriamente quer correr esse risco? A Mary, aquela idéia lhe revolveu o estômago, e tragou saliva para controlar um súbito acesso de náuseas. – Não, mas o faria de todos os modos – disse com firmeza. – Pela última vez, não. Sei que quer ajudar, mas eu não gosto da idéia. Esse tipo é muito instável. Atacou ao Cathy à entrada de sua casa, e te agarrou na rua principal do povoado. Faz loucuras, e o mais provável é que esteja louco. Mary suspirou e pensou que Clay era muito precavido para aceitar a utilizar de isca a uma mulher; aquilo ia totalmente contra sua natureza. Isso não significava, entretanto, que ela necessitasse de sua aprovação. O único que o fazia falta era alguém que pudesse atuar como seu guardião. Ainda não tinha ideado nenhum plano, mas estava claro que tinha que haver ao menos
duas pessoas para que a armadilha funcionasse; a isca, e a pessoa que evitava que a isca saísse maltratado. Clay se meteu no carro e fechou a porta; logo apareceu na janela aberta. – Não quero voltar a ouvir falar disto – advertiu-lhe. – Claro – prometeu ela. Não falar com o Clay de seu plano não significava que não fora a pô-lo em prática. Lhe lançou um olhar receoso, mas pôs o carro em marcha e se afastou. Mary retornou a classe lhe dando voltas a sua idéia ao mesmo tempo que tentava idealizar um plano sólido para atrair ao violador com um mínimo de perigo para ela. Wolf chegou à escola dez minutos antes de que acabassem as aulas. Apoiou-se na parede, junto à porta da sala de aula, e esteve escutando a voz clara de Mary, que estava explicando a seus alunos como a geografia e a história se combinaram para dar lugar à situação política atual do Oriente Médio. Estava seguro de que aquilo não figurava em seus livros de texto, mas Mary tinha o dom de oferecer a seus alunos um modo de relacionar com o presente os temas que estudavam. Dessa maneira, as disciplinas resultavam ao mesmo tempo mais interessantes e mais compreensíveis. Wolf a tinha ouvido fazer o mesmo com o Joe, embora seu filho não necessitava estímulos para ficar a ler. Os alunos se sentiam a gosto com a Mary; em uma classe tão pequena, havia poucas formalidades. Chamavam-na «senhorita Potter», mas não lhes dava vergonha fazer perguntas, responder e inclusive brincar com ela. Ao fim, Mary olhou seu relógio e os deixou sair, ao mesmo tempo que as portas das outras duas salas de aula se abriam. Wolf se separou da parede e ao entrar na classe se deu conta de que os meninos, que estavam conversando, calavam-se bruscamente. Mary levantou a vista e esboçou um sorriso cúmplice dedicado só a ele, e o fato de que expressasse tão abertamente o que sentia fez que o pulso de Wolf se acelerasse. Wolf se tirou o chapéu e se passou os dedos pelo cabelo. – Seu serviço de escolta chegou, senhorita – disse. Uma das garotas soltou uma risada nervosa, e Wolf girou a cabeça para olhar ao grupo de adolescentes, que permaneciam imóveis. – Garotas, voltam para casa de dois em dois? por que não lhes acompanha algum menino para nos assegurar de que chegam bem? Christa Teele, a irmã pequena do Cathy, disse em voz baixa que Pam Hearst e ela voltavam juntas a casa. As outras quatro garotas não disseram nada. Wolf olhou aos sete meninos. – Vão com elas – era uma ordem, e os meninos obedeceram imediatamente. Saíram da classe e se separaram de maneira automática para que cada garota levasse a menos um acompanhante. Mary assentiu com a cabeça. – Muito bem feito. – Terá notado que nenhuma há dito que não de necessitava escolta. Ela o olhou com o cenho franzido, sentindo que não era necessário que fizesse aquele comentário. – Wolf, de verdade, não corro nenhum perigo de minha casa aqui. Como ia passar me algo se não me parar? – E se tivesse um pneu furado? E se voltasse a soltar o mangueira do radiador? Era evidente que não havia modo de que Mary pudesse estender sua armadilha se Wolf e Joe a seguiam a todas as partes. Era também evidente pelo modo em que Wolf a olhava com os olhos entreabertos que não tinha intenção de mudar de idéia. Não é que importasse nesse momento, já que Mary não tinha idealizado ainda nenhum plano. Mas, quando o tivesse idealizado, teria que pensar também em como se esquivar a seus guardiães. Wolf lhe pôs o casaco sobre os ombros, recolheu sua bolsa e suas chaves e a conduziu fora da sala de aula. Dottie, que estava fechando sua classe, levantou o olhar e ficou atônita ao ver que Wolf fechava a porta da Mary e sacudia o trinco para assegurar-se de que estava bem fechada, feito o qual passou o braço pela cintura de Mary. Ao ver o Dottie, tocou-se a asa do chapéu. – Senhora Lancaster...
Dottie baixou a cabeça e fingiu que tinha problemas com a chave. Estava muito vermelha. Era a primeira vez que Wolf Mackenzie lhe dirigia a palavra, e lhe tremeram as mãos ao guardar a chave na bolsa. Um temor quase incontrolável a fez começar a suar. Não sabia o que fazer. Wolf acompanhou a Mary até seu carro, segurando-a com força pela cintura. O peso de seu braço acelerava o coração da Mary. Bastava com que Wolf a tocasse para que seu corpo começasse a esponjar-se, para que um delicioso estremecimento se agitasse dentro dela e se fosse difundindo através de seu corpo como um cálido tremor. Wolf sentiu sua súbita tensão quando abriu a porta do carro. Mary tinha começado a respirar mais às pressas. Wolf baixou o olhar para ela e todo seu corpo se crispou ao ver seus suaves olhos azul piçarra cheios de desejo. Tinha as bochechas sufocadas e os lábios entreabertos. Wolf deu um passo atrás. – Vou atrás de ti – disse com voz gutural. Mary conduziu devagar até sua casa, apesar de que o sangue corria a toda velocidade por suas veias e lhe troava os ouvidos. Nunca lhe tinha gostado mais aquela casa velha, isolada e desmantelada. Woodrow estava tomando o sol nos degraus, e Mary passou por cima dela para abrir a porta de trás. Quando a abriu, Wolf já se desceu da caminhonete e estava atrás dela, tal e como tinha prometido. Sem dizer uma palavra, Mary se tirou a jaqueta, deixou a bolsa sobre uma cadeira e começou a subir a escada, atenta aos pesados passos das botas do Wolf, que ressonavam atrás dela. Entraram em seu dormitório. Wolf a despiu antes de que Mary se desse conta do que fazia, mas não lhe teria ocorrido queixar-se embora lhe tivesse dado tempo. Wolf a tombou na cama e se estendeu sobre ela, embalando-a entre seus braços fortes. O pêlo de seu peito raspava a pele sensível dos mamilos da Mary, que se endureceram até ficar em ponta, e com um leve gemido de excitação, ela esfregou os peitos contra ele para aguçar aquela sensação. Wolf lhe separou as coxas e se colocou entre suas pernas. Sua voz soava baixa e rouca quando lhe sussurrou ao ouvido a explicação exata do que lhe ia fazer. Mary se afastou um pouco, os olhos azuis um tanto surpreendidos, sentindo-se ligeiramente excitada, e também ligeiramente envergonhada por sua excitação. Como era possível que se sentisse ao mesmo tempo escandalizada e excitada? – Wolf Mackenzie! – exclamou, e seus olhos se agradaram ainda mais. – Há dito... essa palavra! O rosto pétreo do Wolf parecia com o mesmo tempo tenro e divertido. – Pois sim. Ela tragou saliva. – Nunca a tinha ouvido dizer a ninguém. Na vida real, pelo menos. Nos filmes... Mas, claro, isso não é a vida real, e nos filmes quase nunca significa o que de verdade significa. Utilizam-na como adjetivo, em vez de como verbo – parecia perplexa por aquele inexplicável descuido gramatical. Ele sorriu ao penetrá-la, e seus olhos negros brilhavam. – Isto. – disse – é o verbo. Adorava a cara que punha quando o fazia amor: seus olhos lânguidos, suas bochechas ruborizadas. Mary conteve o fôlego e se moveu sob ele, envolvendo-o por completo em seu doce calor. Suas mãos se deslizaram pelas costas de Wolf, até seu pescoço. – Sim – disse, muito séria. – Isto é o verbo. Nas primeiras vezes, faziam amor com ferocidade, mas depois Wolf lhe tinha ensinado quão doce era quando o prazer se dilatava, quando as carícias e os beijos se prolongavam e a tensão ia crescendo lentamente no interior de ambos, até que era tão ardente e poderosa que estourava fora de controle. O desejo que sentia por ela era tão forte que tentava pospor seu clímax todo o possível, e se atrasava dentro dela para alimentar aquele ânsia. Não era só um ânsia de sexo, embora tinha um forte componente sexual. Não queria simplesmente fazer amor; queria, necessitava – fazer amor a ela em concreto, a Mary Elizabeth Potter. Tinha que sentir sua pele frágil e sedosa sob as mãos, seu corpo suave lhe rodeando o sexo; sentir seu aroma de mulher,
forjar antigos vínculos com cada lenta investida e cada acoplamento de seus corpos. Era um mestiço; seu espírito era forte e elementar; seus instintos, próximos aos de seus ancestrais de ambas as raças. Com outras mulheres praticava o sexo; com a Mary, fazia amor. Rodeou-a com os braços e se tombou de costas. Surpreendida, Mary se sentou, assumindo por acidente a postura que ele procurava. Ela deixou escapar um gemido de surpresa ao sentir que, com a mudança de postura, Wolf a penetrava ainda mais profundamente. – O que faz? – Nada – murmurou ele, e subiu os braços para lhe tocar os peitos. – Deixo-te atuar. Observou sua cara enquanto ela considerava a situação e advertiu o instante preciso em que sua excitação e seu desejo superavam o desconcerto que lhe produzia aquela postura, tão pouco familiar para ela. Mary baixou as pálpebras e se mordeu o lábio inferior enquanto começava a mover-se brandamente sobre ele. – Assim? Wolf esteve a ponto de soltar um uivo. Aquele lento balanço era uma tortura deliciosa, e Mary pegou rapidamente o ritmo. Wolf pretendia prolongar seu encontro com a mudança de postura, mas de repente temia haver-se bancado esperto. Mary podia estar chapada à antiga, mas era também surpreendentemente sensual. Ao cabo de uns minutos, Wolf rodou de novo e ficou sobre ela. Mary lhe rodeou o pescoço com os braços. – Me estava passando isso bem. – Eu também – lhe deu um rápido beijo, e logo outro, e seus lábios ficaram unidos um momento. – Muito bem. Ela esboçou aquele sorrisinho feminino e secreto que usava só com ele, e ao vê-la Wolf se sentiu arder. Esqueceu-se de seu auto-controle, esqueceu-se de tudo salvo do prazer que os aguardava ambos. Depois, saciados e exaustos, ficaram adormecidos. Wolf se levantou da cama alarmado para ouvir o ruído de um carro. Mary se removeu, sonolenta. – O que acontece? – Tem companhia. – Companhia? – ela se sentou e se afastou o cabelo da cara. – Que horas são? – Quase as seis. Devemos ter adormecidos. – As seis! É a hora da aula de Joe! Wolf resmungou uma maldição e começou a vestir a roupa a toda pressa. – Isto nos está indo das mãos. Maldita seja, cada vez que fazemos amor, interrompe-nos meu filho. Com uma vez valia, mas é que o está tomando por costume. Mary, que se estava vestindo a tropeções, lamentava que as circunstâncias fossem tão embaraçosas. Resultava duro olhar à cara ao Joe quando era evidente que seu pai e ela acabavam de estar na cama juntos. A tia Ardith a teria deserdado por esquecer seus ensinos e seu sentido do decoro até aquele ponto. Logo olhou ao Wolf, que se estava pondo as botas a toda velocidade, e sentiu que o coração lhe expandia até lhe encher por completo o peito. Amava ao Wolf, e não havia nada mais correto que o amor. E quanto ao decoro... Mary se encolheu de ombros, mandando o decoro a fritar aspargos. Não se podia ter tudo. Joe tinha deixado seus livros sobre a mesa e estava preparando café quando entraram na cozinha. Levantou a cabeça e franziu o cenho. – Olhe, papai, isto te está indo das mãos. Está interrompendo minhas horas de aulas – só o brilho divertido de seus olhos azul gelo evitou que Wolf se zangasse; ao cabo de um momento, revolveu – o cabelo ao Joe. – Filho, já lhe disse isso antes, mas tem um sentido de oportunidade espantoso. A aula de Joe durou ainda menos porque se pararam a comer algo. Estavam os três mortos de fome e decidiram preparar rapidamente uns sanduíches. Acabavam de comer-lhe quando apareceu outro carro. – Meu Deus, esta casa está se fazendo popular – resmungou Mary, e se levantou para abrir a porta.
Clay se tirou o chapéu ao entrar. Deteve-se um momento e farejou o ar. – Isso é café recém feito? – Sim – Wolf se estirou para alcançar a cafeteira enquanto Mary tirava uma xícara do armário. O ajudante do xerife se ajeitou em uma cadeira e deixou escapar um suspiro lento, que se converteu em um suspiro de deleite quando aspirou o aroma do café que lhe estava servindo Wolf. – Obrigado. Imaginava que estariam os dois aqui. – Passou algo? – perguntou Wolf a contra gosto. – Nada, salvo que houve umas quantas queixa. Puseste um pouco nervosas a algumas pessoas. – Por que? – perguntou Mary. – Por jogar uma olhada por aí – disse Wolf com um tom desenvolto que não enganou absolutamente a Mary, nem ao Clay. – Deixa-o já, Wolf. Não é um comitê de vigilância. Advirto-lhe isso por última vez. – Acredito que não tenho feito nada ilegal, só andar por aí e olhar. Não obstruir o trabalho das forças de polícia, não interroguei ninguém, não destruí nem oculto nenhuma prova. Quão único tenho feito foi olhar – seus olhos brilharam. – Se for preparado, te aproveitará de mim. Sou o melhor rastreador que vais encontrar. – E se você for preparado, te dedicará a vigiar o que é teu. – Isso é o que estou fazendo. – Talvez não tão bem como pensa. Mary me falou de um plano que tem para oferecer-se como isca e fazer sair a esse tipo de seu esconderijo. Wolf girou a cabeça bruscamente. Suas sobrancelhas desceram sobre seus olhos negros, entreabertos, e atravessou a Mary com um olhar tão furioso que lhe custou um árduo esforço não afastar os olhos. – Maldita seja! – disse em voz baixa, e suas palavras pareciam mais uma expressão de determinação que de surpresa. – Sim, isso eu disse também. – Ouvi que Joe e você estão acompanhando-a ao colégio, mas o que passa com o resto do dia? E, além disso, as aulas acabam dentro de um par de semanas. O que passará então? Mary elevou seus finos ombros. – Não vou permitir que falem de mim como se fosse invisível. Esta é minha casa, e me permitam que lhes recorde que sou maior de idade. Irei aonde me deseje muito, e quando me desejar muito. Aí ficava isso! Ela não tinha vivido com a tia Ardith para nada; a tia Ardith se teria morrido, só por uma questão de princípios, antes que permitir que um homem lhe dissesse o que tinha que fazer. Os olhos do Wolf não se afastaram dela. – Você fará o que lhe digam, maldita seja. – Se eu fosse você – sugeriu Clay, – me levaria isso a montanha e a manteria ali. Como estava dizendo, a escola acaba dentro de um par de semanas, e esta velha casa está muito afastada. Ninguém tem que saber onde está Mary. Assim será mais seguro. Mary estendeu o braço, irada, tirou-lhe a xícara de café do Clay e jogou seu conteúdo à pia. – Não vais beber te meu café, fofoqueiro! Ele ficou atônito. – Só tento te proteger! – E eu só tento proteger a ele! – gritou ela. – Proteger a quem? – perguntou Wolf secamente. – A ti! – E por que ia necessitar eu que me proteja? – Porque o tipo que está fazendo isto tenta te fazer dano! atacou as pessoas que não te odeiam tanto como ele e há tentando te culpar das agressões.
Wolf ficou de uma peça. A noite anterior, quando Mary tinha esboçado sua teoria, Clay e não lhe tinham feito caso porque não tinha sentido que alguém que queria culpá-lo tentasse ao mesmo tempo fazer acreditar que tinha atacado a Mary. Mas, ao expressá-lo Mary como acabava de fazêlo, explicando os ataques como uma espécie de retorcido castigo, aquilo começou a cobrar um horrível sentido. Um violador era um indivíduo perverso, de modo que sua lógica era também perversa. Mary tinha sido atacada por culpa dele. Porque se sentia tão atraído por ela que não tinha podido controlar-se, e um maníaco a tinha assaltado, aterrorizado e humilhado, e a tinha tentado violar. Sua luxúria tinha atraído a atenção sobre ela. Seu semblante era frio e inexpressivo quando olhou ao Clay, que se encolheu de ombros. – Tenho que lhe dar a razão – disse Clay. – É o único que tem um pouco de sentido. Quando Mary se fez amiga tua e colocou ao Joe no da Academia, as pessoas começaram a lhes olhar de forma diferente. E alguém não pôde suportá-lo. Mary se retorcia as mãos. – Dado que é minha culpa, o menos que posso fazer é... – Não! – bramou Wolf, e, ao ficar em pé bruscamente, atirou a cadeira com estrépito. Logo baixou a voz com visível esforço. – Vá recolher sua roupa. Você vem conosco. Joe deu uma palmada na mesa. – Já era hora! – levantou-se e começou a recolher a mesa. – Eu recolho isto enquanto você faz a mala, Mary. Ela franziu os lábios. Sentia-se dividida entre seu desejo de achar-se livre para pôr em prática seu plano – quando tivesse um, – e a poderosa tentação de ir-se viver com o Wolf. Aquilo não era adequado. Era um exemplo terrível para seus alunos. As pessoas do povoado se escandalizaria. E Wolf a vigiaria como um falcão. Mas, por outro lado, ela o queria com loucura e não se envergonhava absolutamente de sua relação. Às vezes se turvava porque não estava acostumada a aquelas intimidades e não sabia como atuar, mas nunca se envergonhava. Além disso, se se empenhasse em ficar ali, Wolf ficaria com ela, e ali eram muito mais visíveis e, portanto, era mais fácil que ferissem a suscetibilidade dos habitantes do povoado. Isso foi o que a fez decidir-se, porque não queria que por sua culpa as pessoas odiasse mais ainda ao Wolf. Era o único que fazia falta para incitar ao violador a atacá-lo diretamente, ou a ir pelo Joe. Wolf lhe pôs as mãos sobre os ombros e lhe deu um pequeno empurrão. – Anda, vá – disse com suavidade, e Mary se foi. Quando esteve no piso de cima e não podia ouvi-los, Clay olhou ao Wolf com expressão preocupada. – Mary acredita que Joe e você estão em perigo, que esse maníaco poderia atar-se a tiros. E acredito que tem razão, maldita seja. – Que tente – disse Wolf, com voz e semblante inexpressivos. – Quando Mary corre mais perigo, é quando vai e vem da escola, e não acredito que esse tipo tenha paciência para esperar. Atacou dois dias seguidos, mas se assustou quando esteve a ponto de apanhá-lo. Lhe custará algum tempo tranqüilizar-se, e logo tentará dar outro golpe. Enquanto isso, eu estarei buscando-o. Clay não queria perguntar, mas a pergunta lhe ardia na língua. – Encontraste algo hoje? – Risquei algumas pessoas de minha lista. – E a algumas também as assustaste. Wolf se encolheu de ombros. – Será melhor que as pessoas se acostumem a ver-me por aí. Se não gostarem, pior para eles. – Também me hão dito que fez que os meninos acompanhassem às garotas do colégio. Os pais das garotas se alegraram, e se sentiram muito agradecidos. – Deveriam haver-se ocupado eles mesmos. – Isto é um povoado tranqüilo. As pessoas não estão acostumada a essas coisas. – Isso não é desculpa para fazer estupidez. E tinha sido uma estupidez descuidar a segurança de suas filhas. Se ele não se andou com olho no Vietnã, a essas horas estaria morto.
Clay deixou escapar um grunhido. – Mesmo assim, quero que uma coisa fique clara. Estou de acordo com a Mary em que Joe e você são os principais objetivos desse tipo. Pode ser que seja bom, mas ninguém é melhor que uma bala, e o mesmo serve para o Joe. Não têm que cuidar só da Mary, também têm que lhes andar com cuidado vocês. Eu gostaria que tentassem convencê-la de que não acabe o curso e que fiquem os três na montanha até que agarremos a esse tipo. Wolf não estava acostumado a esconder-se de ninguém, e o olhar que lançou ao Clay o deixava bem claro. Tinha sido adestrado para caçar, e a caça estava em sua natureza, nos gens herdados dos guerreiros comanches e escoceses que se mesclaram em seu corpo, na formação de seu caráter. – Manteremos a Mary a salvo – foi quanto disse, e Clay compreendeu que não tinha conseguido convencê-lo de que se mantivera à margem. Joe estava apoiado contra os armários, escutando. – As pessoas do povoado ficarão raivosa se averiguar que Mary está em nossa casa – disse. – Sim, assim é – Clay se levantou e botou o chapéu. – Que fiquem como querem – a voz de Wolf soou plaina. Tinha-lhe dado a Mary a oportunidade de fazer as coisas bem, mas ela a tinha desdenhado. Agora era dele. Que as pessoas grasnassem, se queriam. Clay se aproximou da porta devagar. – Se alguém me perguntar, direi que procurei para Mary um lugar mais seguro onde viver até que isto passe. Não acredito que a ninguém importe onde é esse lugar, não lhes parece? Embora, naturalmente, conhecendo a Mary, certamente o dirá a todo mundo, como fez no sábado na loja do Hearst. Wolf deixou escapar um grunhido. – Demônios! O que fez? Não me inteirei. – Não me surpreende, com tudo o que passou essa tarde. Conforme parece, discutiu com o Dottie Lancaster e com a senhora Karr, e disse às claras que estava contigo – um lento sorriso se formou na boca de Clay. – Pelo que ouvi, deu-lhes uma boa lição. Quando Clay se partiu, Wolf e Joe se olharam. – Isto poderia ficar interessante. – Sim – disse Joe. – Abra o olho, filho. Se Mary e Armstrong estão certo, esse bode anda atrás de nós. Se mantenha alerta. Joe assentiu com a cabeça. Ao Wolf não o preocupava a luta corpo a corpo, nem sequer se seu oponente ia armado com uma faca, porque tinha ensinado ao Joe a lutar como lhe tinham ensinado no exército. Não caratê, nem kung fu, nem taekwondo; nem sequer judô, a não ser uma mescla de muitas artes marciais, incluindo as brigas guias de ruas de toda a vida. O propósito de uma briga não era a justiça, a não ser a vitória, de qualquer modo que fosse possível, com qualquer arma ao alcance da mão. Isso era o que o tinha mantido com vida e relativamente ileso no cárcere. Mas um rifle era outra história. Teriam que estar duplamente alertas. Mary retornou e deixou duas pesadas malas no chão. – Também tenho que me levar os livros – anunciou. – E alguém tem que ir procurar ao Woodrow e aos gatinhos.
Capítulo 10 Mary tentava convencer-se de que não podia dormir porque sentia saudades da cama, porque estava muito nervosa, porque estava preocupada, porque... ficou sem desculpas e não lhe ocorria nada mais. Embora estava deliciosamente cansada depois de fazer amor com Wolf, sentia-se tão inquieta que não podia pegar olho, e finalmente compreendeu o porquê. Girou-se em braços do
Wolf e lhe apoiou a mão na mandíbula; adorava sentir sua estrutura facial e a leve aspereza de sua barba sob os dedos. – Está acordado? – murmurou. – Não estava – balbuciou ele. – Mas agora sim – Mary se desculpou e ficou muito quieta. Ao cabo de um momento, Wolf a estreitou em seus braços e lhe afastou o cabelo da cara. – Não pode dormir? – Não. É que me sinto... estranha, acredito. – Em que sentido? – Sua mulher... a mãe do Joe... Estava pensando nela nesta cama. Os braços do Wolf se esticaram. – Ela nunca esteve nesta cama. – Sei, mas Joe está na habitação do lado, e estava pensando que assim devia ser quando ele era pequeno, antes de que ela morrera. – Pelo geral, não. Passávamos muito tempo separados, e ela morreu quando Joe tinha dois anos. Isso foi quando deixei o exército. – Me fale disso – sugeriu Mary, ainda sussurrando. Precisava saber mais sobre o homem ao que amava. – Devia ser muito jovem. – Tinha dezessete anos quando me alistei. Embora sabia que certamente teria que me dar uma volta pelo Vietnã, era minha única saída. Meus pais tinham morrido, e meu avô, o pai de minha mãe, nunca me aceitou porque era meio branco. Quão único sabia era que tinha que sair da reserva. Era quase tão horrível como estar na prisão. Em certo sentido, era como uma prisão. Não havia nada que fazer, nada que esperar. Conheci a Billie quando tinha dezoito anos. Era meio índia corvo, e suponho que se casou comigo porque sabia que nunca voltaria para a reserva. Ela aspirava a mais. Queria luzes brilhantes, a vida da cidade. Suponho que pensou que um soldado o passava bem, indo em base, e de festa em festa quando não estava de serviço. Mas pelo menos não me olhava por cima do ombro porque era mestiço, e decidimos nos casar. Um mês depois, eu estava no Vietnã. Consegui-lhe um bilhete para o Hawai quando estive ali de manobras, e voltou grávida. Eu tinha dezenove anos quando nasceu Joe, mas estava em casa de licença atrás de minha primeira viagem, e o vi nascer. Deus, que emocionado estava. Ele chorava a voz em grito. Logo me puseram isso nas mãos, e foi como se me dessem um murro no coração. Quis o tanto que teria dado minha vida por ele – ficou calado um momento, pensando; logo soltou uma risada baixa. Assim ali estava eu, com um filho recém-nascido e uma esposa que acreditava que não tinha feito tão bom negócio como pensava, e meu contrato com o exército quase tinha acabado. Não tinha esperanças de encontrar trabalho, nem modo de manter a meu filho. Assim voltei a me arrolar, e as coisas começaram a ir tão mal com Billie que me ofereci voluntário para ir a outra vez ao Vietnã. Ela morreu justo antes de que acabasse minha terceira viagem. Eu renunciei e voltei para casa para me ocupar do Joe. – O que fez então? – Trabalhar em ranchos. E em rodeios. Era o único que sabia fazer. Salvo o tempo que passei no exército, acredito que só trabalhei com cavalos. Desde pequeno me voltavam louco, e suponho que nisso não mudei. Joe e eu estivemos dando tombos por aí até que teve idade de ir ao colégio, e então aterrissamos na Ruth. O resto já sabe. Mary permanecia quieta em seus braços, pensando em sua vida. Não tinha tido fácil. Mas a vida que tinha levado tinha conformado seu caráter, convertendo-o em um homem forte e de férrea determinação. Tinha suportado a guerra e o inferno, e tinha saído fortalecido. A idéia de que alguém queria lhe fazer dano a punha tão furiosa que logo que podia dominar-se. Tinha que encontrar um modo de proteger ao Wolf. À manhã seguinte, ele a acompanhou ao colégio, e Mary advertiu de novo como o olhava todo mundo. Mas não era medo, nem ódio o que via nos olhos dos meninos; era, mas bem, uma intensa curiosidade tinta de admiração. Depois de anos de contos e fofocas, Wolf se tinha convertido em uma figura legendária para eles, alguém a quem só fugazmente tinham vislumbrado. Seus pais
tratavam com ele, os meninos o viam trabalhar, e sua destreza com os cavalos multiplicava as histórias que circulavam sobre ele. As pessoas diziam que Wolf podia «sussurrar» aos cavalos, que inclusive os mais selvagens respondiam ao ronrono de sua voz. Agora andava depois da pista do violador. Todo o condado sabia. Dottie nem sequer dirigiu a palavra a Mary esse dia; separava-se da Mary cada vez que esta tentava aproximar-se dela, e até comeu sozinha. Sharon suspirou e se encolheu de ombros. – Não faça conta. Sempre a teve tomada com os Mackenzie. Mary também se encolheu de ombros. Não parecia haver forma de que se aproximasse do Dottie. Essa tarde, Joe baixou ao povoado para acompanhá-la a casa. Enquanto se aproximavam de seus respectivos carros, Mary lhe disse: – Tenho que passar pela loja do Hearst a comprar umas coisas. – Vou atrás de ti. Joe ia atrás dela quando Mary entrou na loja, e todos se voltaram a olhá-los. O menino lhes lançou um sorriso que parecia proceder diretamente de seu pai, e várias pessoas se apressaram a desviar o olhar. Mary suspirou e conduziu a seu guardião de mais de um metro oitenta pelo corredor. Joe se deteve um momento quando seu olhar se topou com o de Pam Hearst. Ela parecia cravada no chão e o olhava fixamente. Joe se tocou o chapéu e seguiu a Mary. Um momento depois, sentiu que alguém lhe tocava levemente o braço e ao voltar-se viu o Pam atrás dele. – Posso falar contigo? – perguntou ela em voz baixa. – É... importante. Por favor... Mary tinha seguido adiante. Joe mudou de postura para não a perder de vista e disse: – E bem? Pam exalou um profundo suspiro. – Pensei que... talvez... queria vir comigo ao baile do povoado no sábado de noite – concluiu apressadamente. Joe girou a cabeça com brutalidade. – O que disse? – Disse se... quer ir ao baile comigo? Ele se jogou o chapéu para trás com o polegar e deixou escapar um suave assobio. – Sabe que te vais meter em uma confusão, não é verdade? Pode que seu pai te tranque no porão um ano inteiro. – Não temos porão – lhe lançou um leve sorriso que surtiu um efeito imediato sobre os hormônios dos dezesseis anos do Joe. – E, além disso, não me importa. Meu pai se equivoca sobre ti e sobre seu pai. Sinto-me fatal por como me levei contigo. Eu... eu gosto de você, Joe, e quero sair contigo. Ele disse com cinismo: – Sim, já. A muita gente comecei a lhe gostar desde quando se inteiraram de que talvez entrasse na Academia. É curioso, né? Pam ficou vermelha. – Não lhe estou pedindo isso por isso. – Está segura? Porque parece que antes não queria que nos vissem juntos. Não queria que as pessoas dissesse que Pam Hearst estava saindo com um mestiço. Claro que a coisa muda se disserem que está saindo com um candidato a entrar na Academia das Forças Aéreas. – Isso não é verdade! – Pam levantou a voz, zangada. Algumas pessoas se voltaram para olhálos. – Me parece que sim. – Pois te equivoca! Está tão equivocado como meu pai! O senhor Hearst, alertado pelos gritos de sua filha, apareceu no corredor e se dirigiu a eles. – O que está acontecendo aqui? Pam, está-te incomodando este mes... este menino? Joe notou o rapidamente que trocava «mestiço» por «menino» e elevou as sobrancelhas olhando ao Pam. Ela ficou ainda mais vermelha e girou a cara para seu pai.
– Não, não me está incomodando! – Espera. Sim, está-me incomodando. Está-me incomodando porque acabo de lhe pedir que saia comigo e me disse que não. Todo mundo na loja a ouviu. Joe deu um suspiro. Ia se montar uma boa confusão. Ralph Hearst ficou vermelho de ira e se deteve tão bruscamente como se tivesse se chocado contra uma parede. – O que há dito? – perguntou, atônito. Pam se manteve firme, apesar de que seu pai parecia a beira da apoplexia. – Hei dito que não quer sair comigo! Acabo de lhe pedir que vá comigo ao baile do sábado de noite. Ao senhor Hearst foram sair se o os olhos das órbitas. – Te coloque em casa. Logo falaremos disto! – Não quero falar logo, quero falar agora! – Hei dito que te meta em casa! – bramou Hearst, e voltou seu olhar furioso para o Joe. – E você se mantenha afastado de minha filha se não querer que...! – Já se mantém afastado de mim! – chiou Pam. – É ao contrário! Sou eu quem não quer manterse afastada dele! Não é a primeira vez que lhe peço para sair. Você e toda as pessoas do povoado cometem um engano ao tratar assim aos Mackenzie, e estou farta. A senhorita Potter é a única que teve guelra para defender o que acha justo! – Tudo isto é culpa dela, dessa professora de... – Quieto aí! – Joe tomou a palavra pela primeira vez, mas havia algo em sua voz fria, em seus pálidos olhos azuis, que deteve o Hearst. Só tinha dezesseis anos, mas era alto e forte, e de repente tinha adotado uma aptidão de alerta que amedrontou ao pai do Pam. Ela saltou outra vez. Era pronto e alegre, mas tão cabeça-dura como seu pai. – Não te coloque com a senhorita Potter – advertiu-lhe. – É a melhor professora que tivemos na Ruth, e se tentam lhes liberar dela, juro-te que saio do colégio. – Você não fará tal coisa! – Juro-te que sim! Amo-te, papai, mas está equivocado. Hoje estivemos falando todos no colégio. Vimos às professoras tratar ao Joe a patadas durante anos, e a todos parecia mal porque estava claro que era o mais preparado de todos nós. E também falamos que foi Wolf Mackenzie quem se assegurou de que todas as garotas chegavam a casa sãs e salvas ontem. A ninguém mais lhe ocorreu! Ou é que não te importa o que me passe? – Claro que se importa – disse Mary em tom apaziguador, que se tinha aproximado sem que ninguém, salvo Joe, notasse-o. – É só que Wolf, devido a sua experiência militar, sabia o que fazer – o acabava de inventar, mas soava bem. Pôs sua mão sobre o braço do senhor Hearst. – Por que não atende você a seus clientes e deixa que o discutam sozinhos? Já sabe como são os adolescentes. Ralph Hearst se encontrou de novo à entrada da loja sem dar-se conta sequer do que fazia. De repente se deteve e baixou o olhar para a Mary. – Não quero que minha filha saia com um mestiço! – disse com veemência. – Estará mais segura com esse mestiço que com qualquer outro menino de por aqui – respondeu Mary. – Para começar, Joe é firme como uma rocha. Não bebe, nem conduz depressa, e, além disso, não tem intenção de tornar-se noivo por aqui. – Não quero que minha filha saia com um índio! – Insinua que o caráter não conta? Que prefere que Pam saia com um branco bêbado que talvez a mate em um acidente de carro a que saia com um índio sóbrio, que a protegeria com sua vida? Ele pareceu desconcertado e começou a arranhar a testa. – Não, maldita seja, não é isso o que quero dizer – resmungou. Mary suspirou. – Minha tia Ardith recordava ditos muito antigos, e um dos que mencionava mais freqüentemente dizia: «O que bem está, bem parece». Você julga às pessoas por seus atos, não é
verdade, senhor Hearst? Quando há eleições e vai votar, tem em conta o que têm feito os candidatos no passado, não é certo? – Sim, claro – Hearst parecia incômodo. – E? – insistiu ela. – Está bem, está bem! É só que... algumas coisas são difíceis de esquecer, sabe? Não coisas que tenha feito Joe, mas sim... coisas. E seu pai é... – Seu pai é tão orgulhoso como você – interrompeu-o ela. – Quão único queria era um lugar onde criar a seu filho, que se tinha ficado sem mãe – estava dramatizando tanto que esperava ouvir violinos de fundo a qualquer momento, mas já era hora de que aquela gente soubesse algumas coisas sobre o Wolf. Talvez Wolf, mais que civilizado, estivesse só controlado, mas seu autodomínio era excelente, e eles não notariam a diferença. Decidindo que era hora de dar uma pausa ao Hearst, disse: – por que não o fala você com sua mulher? Ele pareceu aliviado. – O farei. Joe se aproximou pelo corredor. Pam, que se tinha dado a volta, estava atarefada ordenando uma estante cheia de baldes de dissolvente, em um esforço evidente por parecer natural. Mary pagou o que tinha comprado, e Joe agarrou a bolsa. Saíram juntos sem dizer nada. – E então? – perguntou Mary assim que estiveram fora. – E então o que? – Vais levá-la ao baile? – Isso parece. Não aceita um «não» por resposta, como outra que eu me sei. Mary lhe lançou um olhar afetado e não respondeu a sua insinuação. Logo, quando Joe lhe abriu a porta, lhe ocorreu uma idéia e o olhou com espanto. – Oh, não – disse brandamente. – Joe, esse homem está atacando a mulheres que se mostraram amáveis com o Wolf e contigo. Joe ficou tenso de repente, e sua boca se crispou. – Maldito seja – resmungou. Ficou pensando um momento e logo sacudiu a cabeça. – Amanhã lhe direi que não posso ir. – Isso não servirá de nada. Quanta gente a ouviu? Amanhã saberá todo o condado, embora não a leve a baile. Joe não respondeu; limitou-se a fechar a porta depois de que Mary se montasse no carro. Tinha uma expressão séria, muito séria para um menino de sua idade. Uma idéia começava a cobrar forma em sua cabeça. Vigiaria ao Pam e lhe advertiria que estivesse em guarda, mas talvez aquilo fizesse sair ao violador à luz. Utilizaria o plano de Mary, mas com uma isca diferente: ele mesmo. Se asseguraria de que Pam estava a salvo, mas procuraria expor-se quando estivesse a sós. Talvez, quando aquele tipo se desse conta de que não podia atacar ao Pam, se sentiria tão frustrado que iria atrás de um de seus verdadeiros objetivos. Joe sabia o risco que estava assumindo, mas a menos que Wolf desse com a pista que estava procurando, não via outra alternativa. Quando chegaram a casa, Mary olhou a seu redor procurando o Wolf, mas não o encontrou. Vestiu uns jeans e saiu fora. Encontrou ao Joe no estábulo, escovando um cavalo. – Wolf está por aqui? Joe moveu a cabeça de um lado a outro e seguiu escovando as lustrosas ancas do cavalo. – Seu cavalo não está. Certamente terá ido revisar o cercado –«ou a seguir certo rastro», mas isso não o disse a Mary. Lhe pediu que lhe ensinasse a escovar ao cavalo e ocupou seu lugar até que começou a lhe doer o braço. O cavalo bufou quando se deteve, de modo que seguiu escovando-o. – Custa mais do que parece – disse Mary, ofegante. Joe lhe sorriu por cima da garupa do cavalo. – Lhe vão sair músculos. Mas já está bem escovado, assim não o mime muito. Ficará aí todo o dia se segue escovando-o. Ela se deteve e retrocedeu. – Por que não o há dito antes?
Joe colocou ao cavalo em sua quadra e Mary retornou à casa. Quase tinha chegado ao alpendre quando ouviu o tamborilar rítmico dos cascos de um cavalo e, ao voltar-se, viu subir ao Wolf pelo caminho. De repente ficou sem fôlego. Apesar de que não sabia nada de cavalos, não ignorava que poucas pessoas apresentavam um aspecto tão majestoso como Wolf a lombos de um cavalo. Wolf não saltitava, nem se cambaleava de um lado a outro; permanecia sentado na sela com naturalidade, e se movia com tanta fluidez, seguindo o ritmo do animal, que parecia estar imóvel. Estava acostumado a dizer-se que os comanches tinham sido os melhores cavaleiros do mundo, melhores inclusive que os bereberes e os beduínos, e Wolf tinha aprendido bem os ensinos do povo de sua mãe. Controlava com as robustas pernas ao enorme baio que montava, e levava as rédeas frouxas, de tal modo que a tenra boca do cavalo não sofria nenhum dano. Diminuiu o passo até reduzi-lo a um suave trote ao aproximar-se dela. – Algum problema hoje? Ela decidiu não lhe contar de Pam Hearst. Isso era assunto do Joe, se ele queria contar-lhe Sabia que o menino o contaria, mas ao seu devido tempo. – Não. Não vimos ninguém suspeito, e ninguém nos seguiu. Wolf freou e se inclinou para apoiar o antebraço sobre o pomo da sela. Seus olhos negros se passearam pela esbelta figura da Mary. – Sabe montar? – Não. Nunca montei a cavalo. – Pois isso terá que remediá-lo – tirou o pé do estribo e lhe estendeu a mão. – Ponha o pé esquerdo no estribo e te impulsione ao tempo que tiro de ti. Mary tento a sorte. Mas o cavalo era muito alto, e ela não chegava ao estribo com o pé. Estava olhando ao cavalo com irritação quando Wolf rompeu a rir e se tornou para trás na sela. – Espera, eu te subo. Inclinou-se sobre a cadeira e a agarrou por debaixo dos braços. Mary proferiu um gemido de surpresa e se agarrou aos bíceps do Wolf ao sentir que seus pés deixavam o chão; logo Wolf se incorporou e a colocou firmemente sobre a sela, diante dele. Mary se agarrou ao pomo, Wolf levantou as rédeas e o cavalo ficou em marcha. – Que alto está isto – disse ela, expulsando tão forte sobre a sela que lhe tocavam castanholas os dentes. Wolf se pôs-se a rir e a rodeou com o braço esquerdo, apertando-a contra si. – Relaxe e te deixe levar pelo ritmo do cavalo. Sente como me movo e te mova comigo. Ela fez o que lhe dizia e, assim que se relaxou, começou a sentir o ritmo dos arreios. Seu corpo pareceu afundar-se automaticamente na sela e começou a mover-se ao mesmo tempo que Wolf. Deixou de expulsar. Por desgraça, em seguida chegaram ao estábulo e sua primeira viagem a cavalo terminou. Wolf a desceu em velo e desmontou. – Gostei – anunciou ela. – Sim? Estupendo. Amanhã começaremos a lhe dar aulas. A voz do Joe lhes chegou de uma cavalariça que havia ao fundo. – Hoje comecei a lhe dar lições de escovado. – Logo se sentirá tão a gosto com os cavalos como se levasse com eles toda a vida – disse Wolf, e se inclinou para beijá-la. Mary ficou nas pontas dos pés e abriu os lábios. Passou um momento antes de que Wolf levantasse a cabeça e, quando o fez, sua respiração se acelerou. Tinha os olhos entreabertos e pesados. Mary o excitava tanto que, quando estava com ela, parecia um adolescente. Quando Mary voltou para a casa, Joe saiu da quadra e olhou a seu pai. – Encontraste algo? Wolf ficou a tirar a sela do cavalo. – Não. inspecionei os ranchos, mas nenhum rastro concorda. Tem que ser alguém do povoado. Joe franziu o cenho. – É lógico. Os dois ataques foram no povoado. Mas não me ocorre quem pode ser. Suponho que nunca me fixei em quem tem sardas nas mãos.
– Eu não estou procurando sardas, estou procurando esse rastro. Sei como anda esse tipo, um pouco nas pontas dos pés, apoiando o peso na parte exterior do pé. – E se o encontra? Acha que o xerife o deterá só porque tenha sardas nas mãos e ande de certa maneira? Wolf sorriu sem humor. Seus olhos tinham uma expressão fria. – Quando o encontrar – disse com suavidade, – se for preparado, confessará. Darei uma oportunidade à lei, mas de maneira nenhuma sairá livre. Estará muito mais seguro no cárcere que na rua, e me assegurarei de que saiba. Passou uma hora antes de que acabassem suas tarefas no estábulo. Joe ficou para revisar seus arreios, e Wolf voltou sozinho à casa. Mary, que estava absorta cozinhando e cantarolava enquanto removia uma grande caçarola de guisado de vitela, não o ouviu entrar pela porta de atrás. Wolf se aproximou dela e lhe pôs a mão sobre o ombro. Mary sentiu de repente uma quebra de onda de terror cego que a atravessou por completo. Deu um grito e se tornou para um lado, apoiando as costas contra a parede. Empunhava a colher lhe jorrem como se fosse uma faca. Sua cara estava completamente pálida enquanto o olhava. Wolf tinha uma expressão dura. Olharam-se em silêncio e o tempo pareceu dilatar-se entre eles. Logo Mary atirou a colher ao chão com estrépito. – Oh, Deus, sinto muito – disse com voz débil, e se tampou a cara com as mãos. Wolf a atraiu para si, pôs-lhe a mão sobre o cabelo e lhe apoiou a cabeça contra seu peito. – Acreditava que era esse tipo outra vez, não é verdade? Mary se agarrou a ele, tentando sufocar o medo que sentia. Aquele medo tinha saído de um nada, tomando-a por surpresa, e tinha feito pedacinhos o escasso domínio que tinha sobre suas lembranças e suas emoções. Quando Wolf lhe havia apertado o ombro, por um instante breve e aterrador, tinha-lhe parecido que tudo voltava a acontecer outra vez. Tinha frio; queria inundar-se no calor do corpo do Wolf, deixar que a realidade de suas carícias apagasse a horrível lembrança de outras mãos. – Não tenha medo – murmurou Wolf junto a seu cabelo. – Aqui está a salvo – mas sabia que a lembrança seguia ali, que uma carícia pelas costas supunha um pesadelo para ela. De algum modo tinha que liberar a daquele medo para sempre. Mary conseguiu dominar-se e se separou do Wolf, e ele a soltou porque sabia que era importante para ela. Durante o jantar e a lição do Joe, ela pareceu comportar-se de maneira quase normal; o único sinal de tensão que mostrava era a expressão atormentada que cruzava de vez em quando seus olhos, como se não tivesse conseguido por completo afastar aquela lembrança. Mas quando se foram à cama e Wolf tocou seu corpo tenso, Mary se voltou por volta dele com a mesma avidez de sempre. O amor do Wolf não lhe deixava lugar para nada mais, nem para lembranças supressivos, nem para vestígios de terror. Ele ocupava por completo seu corpo e sua mente. Depois, Mary se encolheu a seu lado e dormiu rapidamente, ao menos até que amanheceu um dia cinzento e Wolf despertou e se tombou sobre ela outra vez. Mary era plenamente consciente da fragilidade tanto de sua relação com o Wolf como de sua presença naquela casa. Lhe dizia freqüentemente o muito que a desejava, mas em termos de luxúria, não de amor. Nunca falava de sentimentos, nem sequer quando faziam amor e ela era incapaz de refrear-se e lhe dizia uma e outra vez que o amava. Quando a febre do desejo passasse, Wolf a separaria de sua vida limpamente, e ela tentava preparar-se para essa possibilidade ao mesmo tempo que tentava extrair o máximo prazer daquela situação. Sabia que vivia com ele porque era mais seguro para ela, mas que aquilo era temporário. Sabia também que, em um povo pequeno, era todo um escândalo que uma professora se deitasse com a ovelha negra local, e isso seria exatamente o que pensaria as pessoas daquela situação, se chegava ou seja se. Era consciente de que seu trabalho corria perigo, e tinha decidido que os dias e as noites que passasse com o Wolf bem valiam esse risco. Se perdesse seu emprego, poderia encontrar outros, mas sabia que para ela não haveria mais amores. Tinha vinte e nove anos e nunca havia sentido nenhuma pontada de interesse ou ilusão por outro homem. Algumas pessoas amavam só uma vez em sua vida, e Mary parecia ser uma delas.
O único momento em que se permitia preocupar-se com o futuro era durante os trajetos de ida e volta ao colégio, quando estava a sós no carro. Quando estava com o Wolf não queria perder nem um segundo em arrependimentos. Com ele, sentia-se totalmente viva, totalmente feminina. Também se preocupava com o Wolf e pelo Joe. Sabia que Wolf estava procurando o homem que a tinha atacado, e a aterrorizava que pudesse resultar ferido. Nem sequer se atrevia a pensar que pudesse morrer. E Joe estava tramando algo; sabia. O menino se parecia tanto ao Wolf que ela advertia claramente os indícios de sua conduta. Estava preocupado, e muito sério, como se estivesse preparando-se para tomar uma decisão e nenhuma das alternativas que lhe ofereciam fora muito atrativa. Mas Mary não obtinha que se abrisse a ela, e isso a assustava, porque Joe tinha falado muito com ela desde o começo. Joe tinha os nervos a flor de pele. Havia dito a Pam que tivesse mais cuidado que o habitual, e procurava assegurar-se de que nunca ia para casa sozinha, mas sempre cabia a possibilidade de que cometesse um descuido. Também procurava deixar-se ver sozinho e distraído, mas nunca ocorria nada. O povoado estava em calma, apesar de que se mascava a tensão, e ele se via obrigado a assumir o que Wolf já sabia: que, com tão poucas pistas, quão único podiam fazer era manter-se alerta e esperar a que aquele indivíduo desse um passo em falso. Quando Joe disse a seu pai que ia ao baile com o Pam, Wolf lhe lançou um olhar penetrante. – Sabe o que vais fazer? – Isso espero. – Te cubra as costas. Aquele desanimado conselho fez esboçar um sorriso ao Joe. Sabia que podia cometer um grave erro indo àquele baile, que as coisas podiam ficar muito feias, mas havia dito a Pam que a levaria e não pensava desdizer-se. Teria que manter-se duplamente alerta, mas que demônios, queria abraçar a Pam enquanto arrastavam os pés lentamente pelo chão de areia. Embora sabia que ia partir e que entre eles não podia haver nada sério, sentia-se fortemente atraído por ela. Não podia explicar e sabia que aquilo não duraria, mas nesse momento o sentia, e era no presente quando tinha que confrontá-lo. Pam também estava nervosa quando foi buscá-la. Tentou dissimulá-lo ficando a tagarelar a toda pressa, alegremente, até que Joe lhe tampou a boca com a mão. – Já sei – resmungou. – Eu também estou preocupado. Ela afastou a cabeça para desentupi-la boca. – Eu não estou preocupada. Não passará nada, já o verá. Já lhe disse isso, estivemos falando todos. – Então, por que está tão nervosa? Pam afastou o olhar e pigarreou. – Bom, é a primeira vez que saio contigo. É que estou... não sei... nervosa e assustada, e também iludida. Ele ficou pensando um momento, e o silêncio se estendeu pela cabine da caminhonete. Logo disse: – Suponho que posso entender que esteja iludida e nervosa, mas assustada por que? Pam guardou silêncio e se ruborizou um pouco quando disse ao fim: – Porque você não é como outros. Aquela expressão séria se hospedou ao redor da boca do Joe. – Sim, já sei. Sou um mestiço. – Não é isso – replicou ela. – É que... não sei, é como se fosse mais maior que os outros. Sei que temos a mesma idade, mas você é mais amadurecido. Nós somos gente comum. Ficaremos aqui e faremos os mesmos nossos pais. Casaremos com gente como nós e ficaremos no condado, ou mudaremos a outro condado igual a este, e teremos filhos e estaremos contentes. Mas você não é assim. Você vai à Academia, e não voltará, pelo menos para ficar. Pode ser que venha de visita, mas nada mais.
Ao Joe o surpreendeu que o deixasse tão claro. Sentia-se maior em seu foro interno, sempre se havia sentido maior, sobre tudo comparado com outros meninos de sua idade. E sabia que não voltaria para o rancho. Seu lugar estava no céu, fazendo piruetas, marcando seu lugar no universo com a esteira de fumaça de um reator. Permaneceram em silencio durante o resto do trajeto até o baile. Quando Joe estacionou a caminhonete entre outros carros, tentou armar-se de valor para o que podia acontecer. Ia preparado para quase tudo, mas não para o que finalmente ocorreu. Quando Pam e ele entraram no desmantelado e velho edifício que se usava para os bailes, produziu-se um estranho silêncio; logo, um instante depois, o ruído voltou a elevar-se e todos retomaram suas conversas. Pam o agarrou pela mão e a apertou. Uns minutos depois, a banda começou a tocar e algumas casais se situaram sobre as pranchas de madeira cobertas de pó que formavam a pista de baile. Pam o conduziu ao centro da pista e lhe sorriu. Joe lhe devolveu o sorriso e para si mesmo pensou que tinha muito valor. Logo a tomou em seus braços e começou a mover-se ao ritmo lento da música. Não falaram. Joe levava tanto tempo desejando tocar em Pam que se contentava abraçando-a, balançando-se brandamente. Cheirava seu perfume, sentia a suavidade de seu cabelo, o brando volume de seus peitos, o movimento de suas pernas contra as dele. Balançavam-se juntos, sumidos em seu mundo privado, como faziam os jovens desde o começo dos tempos, e a realidade parecia suspensa a seu redor. Mas a realidade apareceu sua cara quando alguém resmungou a seu lado com desprezo «sujo índio», e Joe se esticou automaticamente e olhou a ao redor, procurando a quem tinha falado. Pam disse: – Por favor... – e o urgiu a seguir dançando. Quando a canção acabou, um menino subiu a uma cadeira e gritou: – Joe! Pam! venham aqui! Eles olharam na direção da que procedia aquela voz, e Joe não pôde evitar sorrir. Os alunos das três classes da Mary estavam agrupados em torno de uma mesa, com duas cadeiras vazias reservadas para eles. Todos os saudaram com a mão e lhes fizeram gestos de que se aproximassem. Os meninos salvaram a noite. Agasalharam ao Pam e ao Joe em um círculo de risadas e dança. Joe dançou com todas as garotas do grupo; os meninos falaram de cavalos, de gado, de ranchos e rodeios, e entre todos se asseguraram de que nenhuma das garotas estivesse sentada muito tempo. Falaram também com outros assistentes ao baile, e logo todo mundo soube que o mestiço ia à Academia das Forças Aéreas. Os rancheiros eram, no geral, pessoas conservadoras, trabalhadoras e com um forte sentimento patriótico, e passado um momento a qualquer que lhe ocorria dizer uma palavra em contra do mestiço se o fazia calar e lhe recordavam suas boas maneiras. Joe e Pam se foram antes de que acabasse o baile, porque Joe não queria que ela chegasse muito tarde a casa. Enquanto caminhavam para a caminhonete, Joe moveu a cabeça de um lado a outro. – Jamais o teria acreditado – disse com suavidade. – Você sabia que iriam vir todos? Pam lhe disse que não com a cabeça. – Mas sabiam que lhe tinha pedido isso. Suponho que todo o povo sabia. Foi divertido, não é verdade? – Sim – respondeu Joe. – Mas a coisa poderia haver ficado feia, sabe, não é verdade? Se não tivesse sido pelos meninos... – E pelas garotas! – interrompeu-o Pam. – Sim, também. Se não tivesse sido por eles, me teriam jogado a patadas. – Mas não aconteceu nada. E a próxima vez será ainda melhor. – É que vai haver uma próxima vez? Ela pareceu de repente insegura.
– Bom, você pode... pode seguir vindo ao baile, embora não queira vir comigo. Joe se pôs-se a rir enquanto abria a porta da caminhonete. Logo se deu a volta, agarrou-a pela cintura e a subiu ao assento. – Eu gosto de estar contigo. Quando estavam a meio caminho da Ruth, Pam lhe pôs a mão sobre o braço. – Joe... – Sim? – Quer que...? Né... quero dizer que se souber algum lugar onde possamos parar – balbuciou. Joe sabia que devia resistir à tentação, mas não podia. Tomou o seguinte desvio que encontraram e logo deixou a estrada secundária e cruzou, dando botes, um prado de uns duzentos e cinqüenta metros e estacionou sob umas árvores. A morna noite de maio os envolveu. A luz da lua não conseguia transpassar o dossel das árvores, e a cabine da caminhonete era uma cova cálida e segura. Pam era uma pálida e indistinta figura quando Joe estendeu os braços para ela. Dócil e maleável a suas mãos, apertou-se contra ele e procurou avidamente seus beijos. Seu corpo jovem e firme fazia que Joe se sentisse a ponto de estourar. Apenas consciente do que fazia, moveu-se e se retorceu até que se acharam tombados no assento e Pam ficou pela metade estendida sob ele. Logo seus seios ficaram nus, e Joe ouviu um gemido estrangulado quando se meteu um de seus mamilos na boca. Logo Pam lhe cravou as unhas nos ombros e arqueou os quadris. Joe começou a perder o controle. Entre os dois se abriram a roupa e a afastaram. Suas peles nuas se tocaram. Pam conseguiu tirar as calças de algum modo. Mas quando Joe deslizou as mãos sob suas calcinhas, murmurou: – Nunca o tenho feito. Me vai doer? Joe proferiu um grunhido e se obrigou a ficar quieto. Custou-lhe um árduo esforço dominarse, mas conseguiu deter suas mãos. Com muita dificuldade conseguiu controlar seu corpo, que palpitava dolorosamente. Ao cabo de um momento, incorporou-se e sentou ao Pam escarranchado sobre ele. – Joe... Ele apoiou a testa contra a dela. – Não podemos fazê-lo – murmurou com pesar. – Mas por que? – Pam começou a esfregar-se contra ele; seu corpo palpitava com um desejo que não entendia. – Porque seria sua primeira vez. – Mas eu te desejo! – E eu a ti – Joe conseguiu esboçar um sorriso irônico. – Suponho que se nota. Mas sua primeira vez... Neném, deveria fazê-lo com alguém a quem ama. E não me ama. – Poderia te amar – murmurou ela. – Oh, Joe, digo-o de verdade. Joe se sentia tão frustrado que logo que podia modular sua voz, mas ao fim conseguiu dizer: – Espero que não. Vou partir me. Espera-me uma grande oportunidade, e preferiria morrer antes que renunciar a ela. – E nenhuma garota vai te fazer mudar de idéia? Joe sabia o que pensava, e sabia que ao Pam não ia sentar lhe bem, mas tinha que ser sincero com ela. – Nenhuma garota poderia me fazer mudar de idéia. Desejo tanto ir à Academia que nada pode me reter aqui. Pam tomou suas mãos e as levou timidamente aos peitos. – Mas, mesmo assim, podemos fazê-lo, sabe? Ninguém saberia. – Você sim. E quando te apaixonar de algum tipo, te arrependerá de havê-lo feito comigo pela primeira vez. Deus, Pam, não me ponha isso mais difícil. Me dê uma bofetada ou algo assim – o modo em que seus peitos firmes e jovens lhe enchiam as mãos o fazia perguntar-se se não estaria louco por deixar passar aquela oportunidade.
Pam se inclinou e descansou a cabeça sobre seu ombro. Joe sentiu que começava a chorar e a abraçou. – Você sempre foi especial para mim – disse ela entre soluços. – Por que tem que ser tão escrupuloso? – Quer te arriscar a ficar grávida aos dezesseis anos? Pam deixou de chorar de repente e se incorporou. – Oh. Pensava que tinha... Não os levam todos os meninos? – Suponho que não. E, embora tivesse algum, não importaria. Não quero ter uma relação, ao menos assim, nem contigo nem com ninguém, porque, aconteça o que acontecer, vou à Academia. Além disso, é muito jovem. Ela não pôde evitar tornar-se a rir. – Tenho a mesma idade que você. – Então nós dois somos muito jovens. – Você não – Pam ficou séria e tomou a cara do Joe entre as mãos. – Você não é jovem, e suponho que por isso paraste. Qualquer outro menino se teria tirado os jeans tão rápido que se teria queimado as pernas. Mas façamos um trato, de acordo? – Que classe de trato? – Vamos seguir sendo amigos, não é verdade? – Sabe que sim. – Então, sairemos por aí juntos sem tomar a sério. Não voltaremos a nos enrolar, porque é muito duro quando pára. Você vá a Avermelhado, como tem pensado, e eu tomarei as coisas como vêm. Pode ser que me case. Mas, se não me casar e voltar algum verão, seremos já os dois o bastante maiores. Será então meu primeiro amante? – Isso não me reterá na Ruth – disse ele com firmeza. – Não é isso o que espero. Mas trato feito? Joe sabia que as coisas mudavam com o passar dos anos, e sabia que o mais provável era que Pam se casasse logo. Se não era assim... talvez. – Se então ainda quiser, sim, trato feito. Pam lhe estendeu a mão e a estreitou solenemente para selar seu pacto. Logo ela o beijou e começou a vestir a roupa. Mary estava esperando ao Joe quando chegou a casa. Tinha uma expressão ansiosa no olhar. Levantou-se e se ateu o cinturão da bata. – Está bem? – perguntou. – Passou algo? – Estou bem. Tudo foi uma maravilha. Então notou que seu olhar ansioso era na realidade de medo. Lhe tocou o braço. – Não viu a ninguém que...? – deteve-se e logo começou outra vez. – Ninguém disparou à caminhonete, nem tentou lhes jogar da estrada? – Não, não aconteceu nada. Olharam-se um momento, e Joe se deu conta de que Mary tinha temido o mesmo que ele. Mas em seu olhar havia além outra coisa: ela sabia que tinha decidido arriscar-se para fazer sair ao violador de seu esconderijo. Joe se esclareceu garganta. – Papai está na cama? – Não – disse Wolf brandamente da porta. Levava só uns jeans, e o olhar de seus olhos negros era dura. – Queria me assegurar de que estava bem. Isto foi como ver o Daniel entrar na cova do leão. – Bom, Daniel saiu bem parado, não? Pois eu também. Até foi divertido. Estavam todos os de classe. Mary sorriu, e sentiu que o medo começava a dissipar-se. Imaginava o que tinha passado. Sabendo que as coisas podiam ficar feias se Joe ia ao baile sem reforços, os meninos tinham assumido a tarefa de integrá-lo em seu grupo para que todo mundo no baile se desse conta de que era aceito.
Wolf lhe estendeu a mão e Mary foi para ele. Já podia ir-se dormir. Estavam a salvo uma noite mais, aqueles dois homens aos que amava.
Capítulo 11 As aulas tinham acabado. Mary se sentia extremamente orgulhosa de seus alunos. Todos os do último curso se graduaram, e os dos cursos inferiores tinham aprovado sem exceção. Todos eles pensavam acabar o instituto, e dois inclusive queriam ir à universidade. Uns resultados assim enchiam de satisfação a qualquer professora. Joe não teve férias. Mary decidiu que precisava dar aulas de matemática mais avançadas que as que ela podia lhe ensinar, e começou a procurar um professor qualificado. Encontrou um em um povoado a mais de cem quilômetros de distância, e três vezes por semana Joe fazia a viagem até ali para dar duas horas de aula. Ela, enquanto isso, seguia lhe dando aula pelas noites. Os dias passavam em uma neblina de felicidade para a Mary. Estranha vez deixava a montanha; estranha vez via outras pessoas, salvo ao Wolf e ao Joe. Inclusive quando eles se foram se sentia a gosto. Só tinham passado duas semanas do ataque, mas tinha a sensação de que fazia mais tempo. Cada vez que o farrapo de uma lembrança aflorava para agitar suas emoções, repreendia-se por permitir que aquilo a perturbasse. Se alguém precisava cuidado e consideração, era Cathy Teele. De modo que Mary afastava aquelas lembranças e se concentrava no presente. E o presente, indevidamente, era Wolf. Ele dominava sua vida quando estava acordada e quando dormia. Tinha começado a lhe ensinar a montar e a ajudá-lo com os cavalos, e Mary suspeitava que utilizava com ela o mesmo método que com os potros que lhe levavam. Era firme e exigente, mas perfeitamente claro em suas instruções e no que queria tanto dela como dos cavalos. Quando obedeciam, recompensavaos com carinho e aprovação. Na realidade, pensava Mary, era mais brando com os cavalos que com ela. Quando os cavalos desobedeciam, Wolf se mostrava sempre paciente. Em troca, quando ela não fazia exatamente o que lhe pedia, se o fazia saber em termos que não admitiam engano. Mas sempre era carinhoso. Ou «fogoso», melhor dizendo, pensava Mary, Wolf fazia amor cada noite, freqüentemente duas vezes. Eles faziam amor na quadra vazia onde Joe os tinha interrompido uma vez. E também na ducha. Mary sabia que ela não era nem muito menos voluptuosa, mas em que pese a todo Wolf parecia fascinado com seu corpo. Pelas noites, quando se metiam na cama, ele acendia o abajur e, apoiado sobre um cotovelo, contemplava-a enquanto deslizava a mão desde seus ombros a seus joelhos, aparentemente extasiado pela diferença entre a pele pálida e delicada de Mary e sua própria mão, morena, forte e curtida pelo trabalho. O verão em Wyoming era pelo geral fresco e seco, pelo menos comparado com o da Savannah, mas logo que tinham começado as férias do verão do colégio quando uma onda de calor disparou as temperaturas até os vinte e tantos graus e, às vezes, até além dos trinta. Pela primeira vez em sua vida, Mary desejava ter umas calças curtas que vestir, mas a tia Ardith nunca o tinha permitido. Descobriu, entretanto, que suas insípidas saias de algodão eram mais frescas que os jeans novos dos que se sentia tão orgulhosa, pois permitiam que o ar circulasse entre suas pernas. A tia Ardith não teria aprovado tampouco aquele traje, pois Mary se negava a vestir meias ou combinação sob a saia. Sua tia se havia posto ambas as coisas todos os dias de sua vida, e considerava a qualquer mulher que se atrevesse a sair à rua sem combinação uma perfeita perdida. Uma manhã, justo depois de que Joe se fosse a suas aulas, Mary saiu em direção ao estábulo meditando sobre sua condição de perdida. Tendo-o tudo em conta, sentia-se bastante satisfeita. Ser uma perdida tinha suas vantagens. Ouviu uns cavalos relinchar e dar coices no pequeno curral que havia depois do estábulo, embora Wolf estava acostumado a usar para os treinamentos um maior que havia ao outro lado. O ruído, entretanto, convenceu-a de que encontraria ali ao Wolf, e isso era o único que lhe interessava.
Mas quando dobrou a esquina do estábulo, deteve-se em, seco. O enorme garanhão baio de Wolf estava montando à égua em que ela tinha cavalgado durante suas aulas de equitação. A égua tinha os cascos dianteiros travados, e umas botas protetoras lhe cobriam os de atrás. O garanhão soprava e grunhia, e a égua emitiu um agudo relincho quando a penetrou. Wolf se aproximou de sua cabeça para acalmá-la, e a égua ficou imóvel. – Já está, querida – sussurrava-lhe Wolf. – Pode com este velho grandalhão, não é assim? A égua se estremecia sob as investidas do garanhão, mas permaneceu imóvel e tudo acabou em um par de minutos. O cavalo bufou e, afastando-se dela, baixou a cabeça e ficou a arranhar o chão. Wolf seguiu falando com a égua com voz pausada e suave enquanto se agachava para lhe tirar a maneja que lhe segurava as patas dianteiras. Quando começou a lhe tirar as botas protetoras, Mary se aproximou e chamou sua atenção. – Amarraste-a! – exclamou em tom de recriminação. Ele sorriu e acabou de desabotoar as botas protetoras. A senhorita Mary Elizabeth Potter ficou diante dele com as costas rígida como um pau e o queixo levantado. – Não a amarrei – disse Wolf, divertido e paciente. – Hei-a maneado. – Para que não escapasse dele! – Não queria escapar. – Como sabe? – Porque teria dado um coice ao cavalo se não tivesse querido que a cobrisse – explicou ele enquanto levava a égua ao estábulo. Mary o seguiu, ainda indignada. – Desde pouco teria servido que lhe desse um coice. Puseste-lhe essas botas para que não lhe faça mal! – Bom, não queria que meu garanhão resultasse ferido. Além disso, se ela se resistiu, a teria tirado do curral. Quando uma égua resiste, significa que não calculei bem o momento, ou que lhe acontece algo. Mas o tem feito muito bem, não é verdade, bonita? – concluiu enquanto lhe dava uns tapinhas no pescoço à égua. Mary ficou olhando-o, zangada, ele asseava à égua. Seguia sem lhe gostar da idéia de que a égua não pudesse fugir do garanhão, embora o certo era que aquela égua em particular parecia tão tranqüila como se não tivesse passado nada apenas uns minutos antes. A Mary a desconcertava que o animal não respondesse a sua lógica, e se sentia inquieta. Wolf levou a égua a sua quadra, deu-lhe de comer e lhe pôs água fresca. Logo se agachou diante do grifo para lavar as mãos e os braços. Quando levantou o olhar, Mary seguia ali parada, com uma expressão preocupada, quase assustada, no olhar. Ele se incorporou. – O que ocorre? Ela tentou desesperadamente sacudir-se aquele desassossego, mas não lhe serve de nada. Lhe notava na cara e na voz. – Parecia... parecia... – sua voz se desvaneceu, mas Wolf compreendeu de repente. Aproximou-se devagar a ela e não se surpreendeu quando Mary deu um passo atrás. – Os cavalos não são pessoas – disse com suavidade. – São animais grandes, e sopram e chiam. Parece violento, mas assim é como se reproduzem. Seria ainda mais violento se os deixasse livres, porque se dariam patadas e dentadas. Mary olhou à égua. – Sei. É só que... – deteve-se porque não se sentia com forças para dizer em voz alta o que a inquietava. Wolf estendeu os braços para ela e, agarrando-a pela cintura, abraçou-a brandamente para que não se alarmasse e não pensasse que não podia largar-se dele. – É só que te recordou o ataque, não é verdade? – concluiu por ela. Mary lhe lançou um olhar rápido e angustiado; logo desviou rapidamente os olhos. – Sei que a lembrança segue aí, neném – Wolf a apertou brandamente, atraindo-a para si. Ao cabo de um momento, Mary começou a relaxar-se e apoiou a cabeça sobre seu peito. Só então a rodeou ele com os braços, porque não queria que se sentisse curvada.
– Quero te beijar – murmurou. Ela levantou a cabeça e lhe sorriu. – Por isso vim: para te tentar e que me dê um beijo. Converti-me em uma perdida. Já não tenho vergonha. A tia Ardith me teria repudiado. – A tia Ardith parece uma autêntica muito chato... – Era maravilhosa – disse Mary com firmeza. – É só que estava chapada à antiga e tinha umas idéias muito restritas a respeito do que estava bem e o que não. Por exemplo, para ela só uma perdida vestiria a saia sem por debaixo uma combinação como é devido – subiu um pouco a saia para lhe fazer uma demonstração. – Então, bem pelas perdidas – Wolf inclinou a cabeça e a beijou, e sentiu que uma ardente excitação começava a agitar seu corpo. Entretanto, controlou bruscamente aquela sensação, consciente de que nesse momento era essencial dominar-se. Tinha que demonstrar algo a Mary, e não podia fazê-lo se sua libido se sobrepunha a seu sentido comum. Tinha que fazer algo para fazer desaparecer o temor, sempre presente, que habitava ao fundo da mente de Mary. Levantou a cabeça e a abraçou um momento; logo baixou os braços. Agarrou suas mãos e as apertou, e a expressão de seu semblante fez que o sorriso dos olhos da Mary se dissipasse. Wolf disse lentamente: – Está disposta a provar uma coisa que pode te ajudar a superar seus medos? Ela parecia receosa. – O que? – Poderíamos representar algumas parte do ataque. Mary ficou olhando-o com fixidez. Sentia curiosidade, mas receava. Não queria fazer nada que pudesse lhe recordar a agressão, mas ao mesmo tempo não queria seguir assustada. Ao fim disse: – Que partes? – Eu poderia correr atrás de ti. – Ele não correu atrás de mim. Agarrou-me por trás. – Pois farei isso quando te apanhar. Ela ficou pensando. – Não funcionará. Saberei que é você. – Poderíamos tentar. Mary o olhou fixamente um momento; logo, ao ocorrer-se o uma idéia, crispou-se. – Ele me atirou ao chão de barriga para baixo – murmurou. – Me pôs em cima e começou a esfregar-se contra mim. O semblante do Wolf se esticou. – Quer que faça isso também? Ela se estremeceu. – E você? Não, não quero. Mas acredito que vais ter que fazê-lo. Não quero seguir tendo medo. Me faça amor assim... por favor. – E se te assusta de verdade? – Não... – tragou saliva. – Não pares. Wolf ficou olhando-a um momento, como se estivesse calibrando a solidez de sua decisão; logo sua boca começou a curvar-se para cima de um lado. – Está bem. Vamos, põe-se a correr. Ela não se moveu. Estava olhando-o fixamente. – O que? – Corre. Não posso te apanhar se não correr. Mary se sentiu de repente estúpida ante a idéia de ficar a correr pela esplanada como uma menina. – Assim, sem mais? – Sim, assim, sem mais. Pensa o desta maneira: quando te pegar, vou tirar te a roupa e a te fazer amor. Assim a que esperas?
Wolf se tirou o chapéu e o pendurou de um poste. Mary deu um passo atrás e logo, apesar de sua dignidade, deu meia volta e pôs-se a correr. Ouviu o tamborilar das botas quando Wolf saiu atrás dela, e se pôs-se a rir de emoção apesar de si mesmo. Sabia que não tinha possibilidade alguma de chegar à casa – as pernas de Wolf eram muito mais largas que as suas, – mas confiava em sua agilidade e o esquivou rodeando a caminhonete e refugiando-se logo atrás de uma árvore. – Vou apanhar-te – bramou Wolf, e sua mão se fechou um momento sobre o ombro da Mary, mas ela jogou de novo a correr e se afastou dele. Procurou outra vez refugio atrás da caminhonete; Wolf se situou ao lado. Moviam-se para um lado e outro, mas nenhum dos dois cobrava vantagem. Mary o provocava entre ofegos, com a cara iluminada pela emoção. – Não me pega, não me pega! Um sorriso lento e cruel tocou a boca do Wolf ao olhá-la. Mary estava radiante; seu cabelo castanho e sedoso se agitava ao redor de sua cara, e Wolf a desejava tanto que sentia dor. Ansiava tomá-la em seus braços e lhe fazer amor, e amaldiçoava para si mesmo porque, de momento, não podia fazê-lo. Primeiro tinha que jogar aquele jogo e, face às corajosas palavras da Mary, não estava seguro de que ela pudesse suportá-lo. Tinham estado olhando o um ao outro, e de repente Mary se deu conta, impressionada, do selvagem que parecia Wolf. Estava excitado. Ela, que conhecia aquela expressão sua tão bem como se conhecia si mesmo, ficou sem fôlego. Wolf não estava jogando; ia muito a sério. Pela primeira vez, o medo começou a agitar-se dentro dela. Tentou sufocá-lo porque sabia que Wolf nunca lhe faria mal. Era só que havia algo naquela situação que lhe recordava ao ataque, por mais que tentava sacudir-se aquela idéia. Suas vontades de jogar se dissiparam, e um pânico irracional se apoderou dela. – Wolf...vamos parar. O peito do Wolf se inchava e se desinchava cada vez que respirava. Seus olhos tinham adquirido um olhar sombrio e sua voz soava gutural. – Não. Vou apanhar te. Ela pôs-se a correr às cegas, afastando da duvidosa proteção da caminhonete. O estrondo dos passos precipitados do Wolf atrás dela sufocava qualquer outro som, inclusive o da áspera respiração de Mary. Era como estar de novo naquele beco, apesar de que uma parte dela se agarrava à certeza de que aquele era Wolf, e ela queria que a perseguisse. Seu agressor não a tinha açoitado correndo, mas lhe tinha aproximado por trás. Ela tinha ouvido sua respiração quão mesmo ouvia agora a do Wolf. Deixou escapar um grito aterrorizado justo antes de que Wolf a agarrasse e a atirasse ao chão, de barriga para baixo, cobrindo-a com seu peso. Wolf se apoiou nos braços para não esmagá-la e lhe roçou a orelha com o nariz. – Já, já te tenho – obrigou-se a falar com desenvoltura, mas sentia uma opressão dolorosa no peito pelo que Mary estava passando. Notava o terror que a atendia e procurou tranqüilizá-la lhe falando com ternura, lhe recordando os prazeres ardentes e sensuais que tinham compartilhado. Lhe saltavam as lágrimas para ouvir os ruídos que fazia Mary, como um animal apanhado e aterrorizado. Deus, não sabia se poderia fazê-lo. Seu desejo se apagou ao primeiro grito. Ao princípio, ela se debateu como uma selvagem, esperneando e retorcendo-se, tentando soltar os braços que Wolf lhe segurava com força. Estava enlouquecida pelo medo, até tal ponto que, apesar da diferença de tamanhos e força, poderia lhe haver feito mal de não ser porque Wolf estava treinado. Na realidade, ele só podia sujeitá-la e tentar limpar a negra bruma de medo que a envolvia. – Te acalme, querida, te acalme. Sabe que eu não te faria mal, e não vou permitir que ninguém o faça. Sabe quem sou – repetia uma e outra vez, até que a extenuação se apoderou da Mary, e seus esforços se fizeram débeis e sem propósito. Só então começou a escutar ao Wolf, só então puderam penetrar as cálidas palavras do Wolf a barreira de seu medo. De repente, Mary se derrubou sobre o chão, enterrou a cara na erva quente e doce e começou a chorar. Wolf seguiu convexo em cima dela, segurando-a com força enquanto tentava acalmá-la e ela chorava. Acariciava-a e lhe beijava o cabelo, os ombros, a nuca delicada, até que ao fim ela ficou
inerme sobre a erva, sem lágrimas e sem forças. Quando por fim se acalmou, os beijos começaram a fazer efeito no Wolf, que sentiu retornar o desejo que nunca se afastava muito dele desde que a conhecia. Esfregou de novo o nariz contra seu pescoço. – Ainda está assustada? – murmurou. Ela tinha os olhos fechados e as pálpebras inchadas. – Não – murmurou. – Sinto te haver feito passar por isso. Amo-te. – Eu sei, querida. Te agarre a essa idéia – então ficou de joelhos e lhe levantou a saia até a cintura. Mary abriu os olhos bruscamente ao sentir que lhe baixava a calcinhas, e sua voz soou aguda. – Wolf! Não! Wolf lhe baixou a calcinha pelas pernas, e Mary começou a tremer. Aquilo se parecia muito ao ocorrido no beco. Estava tombada de barriga para baixo no chão, com um homem sobre ela, e não podia suportá-lo. Tentou arrastar-se para frente, mas Wolf a rodeou a cintura com um braço e a segurou enquanto com a outra mão se desabotoava as calças. Separou-lhe as coxas com os joelhos e se colocou sobre ela; logo voltou a apoiar seu peso sobre ela. – Isto te recorda o que aconteceu, não? – perguntou com voz baixa e suave. – Estar no chão, de barriga para baixo, comigo em cima. Mas sabe que não vou fazer te dano, que não tem que ter medo, não é verdade? – Não me importa. Eu não gosto! me solte! Quero me levantar! – Eu sei, neném. Anda, te relaxe. Pensa em quantas vezes te tenho feito amor e no muito que desfrutaste. Confia em mim. Mary sentia o aroma da terra reaquecida. – Não quero que me faça amor agora – conseguiu dizer com voz quebrada. – Assim não. – Então não o farei. Não tenha medo, querida. Não seguirei adiante a menos que você queira. Te relaxe. Vamos sentir nos um ao outro. Não quero que tenha medo quando me aproximar de ti por detrás. Reconheço que seu coração se põe a cem. Eu gosto de olhá-la e tocá-la, e quando me aproxima isso na cama me volto louco. Suponho que o terá notado, não? Aturdida, Mary tentou refazer-se. Wolf nunca lhe tinha feito mal, e agora que a neblina do medo começava a dissipar-se, sabia que jamais o faria. Aquele era Wolf, o homem que amava, não seu agressor. Ela estava em seus fortes braços, onde se achava a salvo. Relaxou-se, e seus músculos cansados se afrouxaram. Sim, Wolf estava excitado. Ela podia sentir seu membro agasalhado entre suas pernas separadas, mas, fiel a sua palavra, ele não fazia tento de penetrá-la, mas sim lhe acariciava os seios e lhe beijava o pescoço. – Está bem já? Ela deixou escapar um leve suspiro de alívio, quase inaudível. – Sim – murmurou. Wolf ficou de joelhos outra vez e se tornou para trás. Antes de que Mary pudesse adivinhar o que tramava, suas mãos de aço a levantaram e a jogaram para trás, de modo que ficou sentada escarranchado sobre as coxas do Wolf, de costas a ele. Seus sexos nus se apertavam o um contra o outro, mas Wolf não a penetrou ainda. A primeira pontada de excitação percorreu os nervos de Mary. A situação era duplamente excitante porque estavam ao ar livre, tombados na erva, e o sol quente e luminoso caía sobre eles. Se alguém passava em um carro, os veria. A súbita sensação de perigo aumentou bruscamente a excitação de Mary. A verdade era que por diante estavam talheres, porque sua saia caía sobre as coxas do Wolf. Mas Wolf afastou a saia e a subiu para cima e para um lado. Segurou a Mary apoiando uma mão sobre sua barriga e deslizou a outra entre suas pernas. Aquele contato íntimo fez aflorar um gritinho agudo aos lábios da Mary. – Você gosta disto? – sussurrou-lhe ele ao ouvido, e lhe mordeu ligeiramente o lóbulo da orelha.
Mary proferiu uma resposta incoerente. As ásperas gemas dos dedos do Wolf roçavam sua carne mais sensível, produzindo um prazer tão intenso que logo que podia falar. Ele sabia exatamente como tocá-la, como esponjá-la e conduzi-la ao êxtase. Ela se arqueou, cega, contra ele; aquele movimento fez que o sexo do Wolf se apertasse contra ela, e Mary deixou escapar um áspero gemido. – Wolf... por favor...! Ele também gemeu entre dentes. – Vou te dar agradar como você quiser, neném. Só tem que me dizer isso. A excitação que sentia Mary apenas lhe permitia articular palavra. – Desejo-te. – Agora? – Sim. – Assim? Mary se esfregou contra ele, e desta vez teve que sufocar um grito. – Sim! Wolf a empurrou para frente até que esteve de novo tombada de barriga para baixo, e então se estendeu sobre ela. Sua entrada foi lenta e suave, e o frenesi se apoderou da Mary. Acolhia avidamente o impacto das investidas do Wolf, e sentia que seu corpo ardia e que todos seus pensamentos ficavam em suspense ante aquele desejo que todo o consumia. Aquilo não era um pesadelo; era uma parte mais das delícias sensuais que Wolf lhe estava ensinando. Retorcia-se contra ele e sentia que o fio do prazer se esticava insuportavelmente em seu interior. Então o fio se rompeu e ela se convulsionou nos braços do Wolf. Ele a agarrou pelos quadris e deu rédea solta a suas ânsias, afundando-se nela com força, rapidamente, até que um clímax palpitante se apoderou dele, liberando-o. Ficaram tombados sobre a erva um longo momento, meio adormecidos, muito exaustos para mover-se. Só quando Mary começou a sentir que as pernas lhe picavam de tanto sol, encontrou forças para baixar a saia. Wolf murmurou um protesto e deslizou a mão sobre sua coxa. Ela abriu os olhos. O céu era de um azul luminoso, sem nuvens, e o doce aroma da erva fresca lhe enchia os pulmões. Sentia a terra quente debaixo dela; o homem ao que amava dormia a seu lado, e seu corpo retinha ainda os vestígios do prazer de seu encontro, cuja lembrança, fresco e poderoso, começou a agitar de novo seu desejo. De repente se deu conta de que o plano do Wolf tinha funcionado. Ele tinha recreado a situação que tanto a tinha aterrorizado, mas se tinha posto no lugar de seu atacante. Em lugar de temor, dor e humilhação, tinha-lhe dado desejo e, ao final, um êxtase tão capitalista que a tinha posto fora de si. Wolf tinha substituído uma lembrança terrível por outra maravilhosa. A mão do Wolf repousava sobre seu ventre agora, e a simples intimidade daquela carícia a surpreendeu de repente. Podia estar grávida dele. Era consciente do que podia supor fazer amor sem tomar precauções, mas era o que queria, e ele não havia dito nada de usar anticoncepcionais. Embora sua relação não durasse, Mary queria ter um filho dele, um filho com sua fortaleza e sua paixão. Se podia ser uma cópia do Wolf, nada a faria mais feliz. Removeu-se, e a pressão da mão do Wolf sobre seu ventre se incrementou. – Faz muito sol – murmurou ela. – Vou me queimar. Ele grunhiu, mas se grampeou as calças e se incorporou. Logo recolheu a calcinha de Mary, as guardou no bolso e, ao mesmo tempo que ficava em pé, levantou-a nos braços. – Posso ir andando – informou-o ela, mas jogou os braços ao pescoço. – Eu sei – Wolf lhe sorriu. – Mas é mais romântico que te leve a casa nos braços para te fazer amor. – Mas se acabarmos de fazê-lo. Os olhos negros do Wolf ardiam. – E o que?
Wolf se dispunha a entrar no armazém quando sentiu que a nuca lhe arrepiava como tocada por uma rajada de ar fresco. Não se deteve, o qual teria posto sobre aviso a qualquer que estivesse observando-o, mas jogou uma rápida olhada ao redor utilizando sua visão periférica. A sensação de perigo era como um roçar. Alguém o estava observando. Wolf possuía um sexto sentido aguçado pelo poderoso misticismo de sua herança racial e desenvolvido até o extremo pelo treinamento e os anos no exército. Não era só que o estivessem vigiando; podia sentir o ódio dirigido contra ele. Entrou pausadamente no armazém e imediatamente se fez a um lado, pegando-se à parede, e olhou pela porta. Na loja cessaram as conversações como se as palavras tivessem se chocado contra um muro de pedra, mas Wolf ignorou o denso silêncio. A adrenalina alagava seu corpo; nem sequer notou que deslizava automaticamente pelo peito a mão enluvada para agarrar a faca que dezesseis anos antes, em um pequeno e quente país de arrebatadora beleza que gotejava sangue e morte, tinha levado preso ao cinto. Só quando sua mão não encontrou nada mais que a camisa, deu-se conta de que seus velhos hábitos haviam tornado a aflorar. De repente compreendeu que o homem ao que estava procurando estava ali fora, em alguma parte, olhando-o com ódio, e a raiva se agitou dentro dele. Não necessitava uma faca. Sem dizer uma palavra, tirou-se o chapéu e as botas; o chapéu, porque aumentava sua resistência ao ar, e as botas porque faziam muito ruído. Com os pés talheres só pelos meias, passou junto aos homens que tinham estado conversando e que permaneciam agora em assombrado silêncio. Só um deles se aventurou a dizer em tom vacilante: – O que acontece? Wolf não se parou a responder e saiu pela porta de trás do armazém. Seus movimentos eram sigilosos, deliberados. Aproveitava todas as curvas disponíveis para ocultar-se enquanto se movia de edifício em edifício, dando um rodeio para sair atrás de onde calculava tinha que estar escondido aquele homem. Resultava difícil assinalar sua posição exata, mas Wolf tinha avaliado velozmente os melhores esconderijos que oferecia a rua. Se seguia procurando, encontraria alguma pista; aquele tipo se descuidaria, e Wolf poderia apanhá-lo. Deslizou-se por detrás da drogaria, sentindo nas costas o calor das pranchas reaquecidas pelo sol. Avançava com mais cautela que antes; não queria que sua camisa raspasse a madeira e fizesse ruído. Ali também havia cascalho, e apoiava os pés com cuidado para evitar que os rangidos das pedrinhas delatassem sua presença. De repente ouviu o tamborilar de uns passos, como se alguém tivesse saído correndo, presa do pânico. Rodeou a toda velocidade a parte dianteira do edifício e se ajoelhou um instante para inspecionar um leve rastro na terra; era um rastro incompleto, mas o sangue do Wolf começou a bulir. Pôs-se a correr como o grande lobo ao que devia seu nome?. Já não lhe importava o ruído. Corria rua acima olhando a esquerda e a direita, procurando a alguém. Mas não viu nada. Não viu ninguém. A rua estava vazia. Deteve-se a escutar. Ouviu pássaros, o rumor de uma brisa espasmódica entre as árvores, o ruído distante de um motor que subia pela levantada estrada do norte do povo. Nada mais. Nenhuma respiração ofegante, nem passos que corriam. Resmungou uma maldição. Aquele tipo era pior que um aficionado; era torpe e fazia coisas estúpidas. E, além disso, estava em baixa forma. Se tivesse estado mais perto, Wolf teria podido ouvir sua respiração trabalhosa. Maldição, a presa havia tornado a escapar. Olhou as aprazíveis casa cobertas sob as árvores. Na Ruth não havia zonas residenciais e bairros comerciais separados; o povo era muito pequeno. O resultado era que as casas e os escassos estabelecimentos se mesclavam sem ordem nem concerto. Aquele tipo podia ter entrado em qualquer casa; a celeridade com que tinha desaparecido não deixava outra possibilidade. Aquilo reforçou a convicção do Wolf de que o violador vivia na Ruth; afinal de contas, os dois ataques tinham acontecido em pleno povoado. Fixou-se em quem vivia naquelas casas e tentou recordar se algum de seus habitantes encaixava na descrição da Mary de um homem muito sardento. Não lhe ocorreu ninguém. Mas já
lhe ocorreria. Por Deus, prometeu, que lhe ocorreria. Pouco a pouco iria tachando nomes de sua lista. Até que, ao final, só ficasse um. No interior da casa, uma cortina se moveu levemente. O som áspero de sua própria respiração ao entrar o ar em seus fatigados pulmões lhe troava os ouvidos. Através da pequena fresta que tinha aberto na cortina, podia ver o índio ainda parado na metade da rua, olhando as casas. O olhar negro e ameaçador do Wolf cruzou a janela, e ele retrocedeu automaticamente para que não o visse. Seu medo o punha doente e o enfurecia. Não queria ter medo do índio, mas o tinha. – Asqueroso índio! – resmungou em voz baixa, e logo repetiu aquelas palavras para si mesmo. Gostava de fazer aquilo, dizer coisas em voz alta pela primeira vez, e logo as repetir para sua desfrute privado. O índio era um assassino. Diziam que conhecia mais maneiras de matar das que as pessoas normal podia imaginar-se. Ele acreditava, porque sabia de boa tinta do que eram capazes os índios. Gostaria de matar ao índio, e a esse seu filho de olhos pálidos e estranhos que pareciam ver através dele. Mas tinha medo porque não sabia matar, e era consciente de que podia acabar sendo ele o morto. Assustava-o aproximar-se do índio sequer para tentá-lo. Tinha pensado muito, mas não lhe ocorria nenhum plano. Lhe teria gostado de lhe pegar um tiro ao índio, porque assim não teria que aproximar-se, mas não tinha pistola, e não queria chamar a atenção comprando uma. Mesmo assim, gostava do que tinha feito para lhe dar seu castigo ao índio. Produzia-lhe uma satisfação selvagem saber que estavam castigando ao índio ao fazer mal a aquelas estúpidas mulheres que tinham dado a cara por ele. Por que não se davam conta de era um sujo e repugnante assassino? Aquela idiota do Cathy havia dito que o índio era bonito! Até havia dito que gostaria de sair com o filho, e ele sabia que isso significava que deixaria que o menino a tocasse e a beijasse. Estava disposta a permitir que os sujos Mackenzie a manuseassem, mas tinha lutado, chiado e vomitado quando ele a havia violado. Aquilo não tinha sentido, mas não lhe importava. Tinha querido castigá-la e castigar ao índio por... por estar aí, por deixar que a imbecil da Cathy o olhasse e pensasse que era bonito. E a professora... a odiava quase tanto como odiava aos Mackenzie, ou possivelmente mais. Era uma bruxa; fazia que as pessoas acreditasse que o menino era especial, tentava convencer às pessoas de que fosse amável com os mestiços. E até ficava a pregar no supermercado! Tinham-lhe dado vontade de lhe cuspir. Tinha desejado lhe fazer dano, destroçá-la. Estava tão excitado que quase não tinha podido suportá-lo quando a tinha arrastado pelo beco e a havia sentido retorcer-se debaixo dele. Se aquele imbecil do ajudante do xerife não tivesse aparecido, lhe teria feito o mesmo que tinha feito a Cathy, e sabia que teria gostado muito mais. Gostava de lhe dar murros enquanto se o fazia. Assim castigaria. Assim nunca mais voltaria a dar a cara pelos mestiços. Ainda queria apanhá-la e lhe dar uma lição, mas as aulas tinham acabado, e tinha ouvido dizer por aí que o ajudante do xerife se levou a professora a um lugar seguro e que ninguém sabia onde estava. Chateava-lhe ter que esperar a que começasse o curso outra vez, mas lhe parecia que não ficava mais remédio. E aquela estúpida da Pam Hearst... A essa também fazia falta um castigo. Inteirou-se de que tinha ido ao baile com o filho do mestiço. Sabia o que significava isso. O mestiço a teria manuseado, e ela certamente tinha deixado que a beijasse e até muito mais, porque todo mundo sabia como eram os Mackenzie. No que a ele concernia, isso convertia ao Pam em uma vadia. Merecia-se uma lição, igual a Cathy; igual à professora. Olhou para fora outra vez. O índio se foi. Imediatamente se sentiu a salvo, e começou a idealizar um plano. Quando Wolf voltou a entrar no armazém, o mesmo grupo de homens seguia ali reunido.
– Nós não gostamos que vá por aí perseguindo às pessoas como se fossem criminais – espetoulhe um deles. Wolf resmungou algo e se sentou para calçar as botas. Importava-lhe um nada que gostassem ou não. – Não ouviste o que te hei dito? Ele levantou o olhar. – Sim, ouvi. – E? – E nada. – Nos olhe, maldito! – Já estou olhando. Os homens se removeram, inquietos, sob o frio olhar negro do Wolf. Outro tomou a palavra. – Está pondo nervosas às mulheres. – Melhor. Assim estarão em guarda e ninguém as violará. – Isso o fez algum porco que estava de passagem que como veio se foi! O mais seguro é que o xerife nunca encontre ao culpado. – É um porco, sim, mas segue aqui. Acabo de encontrar seu rastro. Os homens guardaram silêncio e se olharam entre eles. Stu Kilgore, o capataz do imóvel do Eli Baugh, esclareceu-se garganta. – Pretende nos convencer de que sabe que é do mesmo homem? – Eu sei – Wolf lhe dedicou um sorriso que parecia uma careta ameaçadora. – O Tio Sam se assegurou de que recebesse o melhor treinamento possível. É o mesmo homem. Vive aqui. Colocou-se em uma das casas desta rua. – Isso custa acreditá-lo. Levamos vivendo neste povoado toda a vida. A única forasteira que há por aqui é a professora. Por que ia começar alguém a atacar às mulheres de qualquer jeito? – Pois alguém o tem feito. Isso é o único que importa; isso, e apanhar ao culpado. Wolf deixou aos homens murmurando entre eles e foi se carregar seu carro. Pam estava aborrecida. Dos ataques, nem sequer podia sair sozinha de casa; ao princípio se assustou muito, mas os dias tinham ido acontecendo sem que se produziram novas agressões, e o susto lhe tinha ido passando. As mulheres estavam começando a sair sozinhas outra vez. Ia outra vez ao baile com o Joe, e queria comprar um vestido novo. Sabia que Joe ia partir, que não podia retê-lo, mas havia algo nele que lhe acelerava o coração. Não queria apaixonar-se por ele, mas sabia que a qualquer outro namorado que tivesse lhe resultaria difícil substituir ao Joe. Difícil, mas não impossível. Quando ele se fosse, não pensava deprimir-se; seguiria com sua vida como sempre. Mas Joe estava ainda ali, e ela desfrutava de cada instante que passava com ele. Morria de vontades de comprar um vestido, mas tinha prometido ao Joe não ir a nenhuma parte sozinha, e não pensava faltar a sua palavra. Quando sua mãe voltasse de fazer a compra com uma a vizinha, lhe pediria que a acompanhasse a comprar um vestido novo. Mas não na Ruth, claro; queria ir a uma cidade de verdade, com uma loja de roupas de verdade. Por fim agarrou um livro e saiu ao alpendre de trás, a resguardo do sol. As casas de ambos os lados estavam habitadas, e ali se sentia a salvo. Esteve lendo um momento; logo começou a lhe entrar o sono e se tombou no balancim do alpendre, acomodando as longas pernas sobre o respaldo. Ficou adormecida imediatamente. A brusca sacudida do balancim despertou algum tempo depois. Abriu os olhos e ficou olhando um capuz, por cujas frestas se viam uns olhos entreabertos e cheios de ódio. Ele já estava sobre ela quando gritou. Golpeou-a com o punho, mas ela jogou a cabeça para trás e o golpe se encaixou em seu ombro. Pam gritou de novo ao mesmo tempo que tentava lhe dar uma patada, e as sacudidas do balancim os jogaram no chão. Lhe deu outra patada que o alcançou no estômago, e ele grunhiu, um pouco surpreso. Pam tentou afastar-se dele enquanto gritava. Nunca tinha estado tão aterrorizada e, entretanto, sentia-se também estranha-mente cindida, como se observasse a cena desde certa distância. As
tábuas do alpendre lhe arranhavam as mãos e os braços, mas seguiu movendo para trás. Ele se equilibrou de repente para ela, e Pam lhe atirou outra patada, mas ele conseguiu agarrá-la pelo tornozelo. Ela não se deteve. Seguiu esperneando com ambas as pernas, tentando lhe dar na cabeça ou na virilha, e gritou. Alguém na porta do lado deu um grito. O homem levantou a cabeça e lhe soltou o tornozelo. Pelo capuz de cores saía sangue; Pam tinha conseguido lhe dar uma patada na boca. Ele disse «asquerosa puta de índios» com voz pastosa e cheia de ódio, e desceu do alpendre de um salto, correndo já. Pam ficou estendida no alpendre, soluçando com gemidos secos e dolorosos. A vizinha chiou outra vez, e de algum modo ela conseguiu reunir forças para gritar: – Me ajudem! – antes de que o terror a fizesse encolher-se sobre si mesmo e ficar a choramingar como uma menina. Capítulo 12 Wolf não se surpreendeu quando o carro do ajudante do xerife se deteve ante sua porta e Clay se desceu dele. Desde que tinha encontrado aquele rastro no povoado, sentia uma estranha tensão na barriga. O rosto fatigado do Clay falava por si só. Ao ver quem era, Mary ficou a preparar café; Clay sempre queria café. Ele se tirou o chapéu e se sentou, deixando escapar um profundo suspiro. – Quem foi desta vez? – perguntou Wolf, e sua voz profunda soou tão áspera que pareceu quase um grunhido. – Pam Hearst – Joe elevou a cabeça e de repente ficou muito pálido. Levantou-se antes de que Clay seguisse falando. – Defendeu-se e conseguiu afugentá-lo. Não está ferida, mas sim assustada. Por todos os Santos, assaltou-a no alpendre traseiro de sua casa. A senhora Winston a ouviu gritar, e o tipo saiu correndo. Pam diz que lhe deu uma patada na boca. Viu sangue no capuz que usava. – Esse tipo vive no povoado – disse Wolf. – Encontrei outro rastro, mas é difícil seguir o rastro no povoado, com todo mundo andando por aí e destruindo as poucas pistas que há. Acredito que se meteu em uma das casas do Bay Road, mas pode ser que não viva ali. – Bay Road – Clay franziu o cenho enquanto repassava mentalmente os nomes das pessoas que viviam no Bay Road. A maioria das pessoas do povoado viviam naquela rua, em maçãs pequenas e apertadas. Havia além outro grupo de casas no Broad Street, onde viviam os Hearst. – Pode ser que desta vez o apanhemos. Qualquer homem que tenha o lábio inchado terá que ter uma cartada a prova de bombas. – Se Pam só lhe partiu o lábio, não lhe notará. O inchaço será mínimo. Teria que lhe haver feito muito dano para que lhe notasse mais de um dia ou dois – ao Wolf haviam partido muitas vezes a boca, e ele também a tinha partido para outros. Os lábios curavam muito em breve. Agora bem, se Pam lhe tinha arrancado algum dente, isso seria diferente. – Havia sangre no alpendre? – Não. – Então não lhe fez nada – teria havido sangue por todo o alpendre se lhe tivesse feito saltar os dentes. Clay se passou as mãos pelo cabelo. – Não quero nem pensar no alvoroço que vai se armar, mas vou falar com o xerife para fazer uma batida casa por casa no Bay Road. Maldita seja, não me ocorre quem pode ser. Joe partiu bruscamente da habitação, e Wolf ficou com o olhar perdido quando seu filho desapareceu. Sabia que Joe queria ir ver o Pam, e sabia que não podia. Tinham derrubado algumas barreiras, mas a maioria seguiam intactas. Clay suspirou de novo ao ver que Joe partia.
– Esse bode chamou o Pam «asquerosa puta de índios». – seu olhar se posou na Mary, que permanecia em silêncio. – Tinha razão. Ela não respondeu, porque sabia desde o começo que estava certa. Punha-a doente ouvir o que aquele indivíduo tinha chamado ao Pam, porque revelava com toda claridade o ódio que se escondia atrás daquelas agressões. – Suponho que tudo os rastros da casa do Pam estarão destruídas – disse Wolf em tom afirmativo. – Temo que sim – Clay o lamentava, mas antes de que ele chegasse a casa dos Hearst já tinha passado por ali quase todo o povo, e as pessoas tinham perambulado pelo alpendre e pisoteado a zona ao redor. Wolf resmungou um impropério sobre aqueles malditos idiotas. – Crie que o xerife permitirá uma batida casa por casa? – Depende. Já sabe que alguns armarão animação, seja qual seja a razão. Tomarão como algo pessoal. E este ano há eleições – disse, e todos entenderam o que queria dizer. Mary os escutava falar, mas não dizia nada. Pam tinha sido atacada; quem seria o próximo? Reuniria aquele tipo valor para atacar ao Wolf ou ao Joe? Esse era seu verdadeiro temor, porque não sabia se poderia suportá-lo. Queria-os com toda a força de sua alma. De boa vontade se interporia entre eles e o perigo. E isso era exatamente o que teria que fazer. Dava-lhe náuseas pensar sequer que aquele homem pudesse voltar a lhe pôr as mãos em cima, mas sabia que ia lhe dar outra oportunidade de fazê-lo. De algum jeito tinha que lhe fazer sair de seu esconderijo. Já não podia permitir o luxo de seguir escondida na montanha Mackenzie. Começaria por ir sozinha ao povoado em carro. O único problema era despistar ao Wolf; sabia que ele não estaria de acordo se se inteirava do que pretendia. Não só isso: era capaz de lhe impedir de sair de casa, ou de lhe inutilizar o carro, ou inclusive de trancá-la em sua habitação. Mary não subestimava o que ele era capaz de fazer. Desde que a tinha levado a montanha com ele, Wolf tinha estado recolhendo e entregando os cavalos pessoalmente, em vez de deixar que seus donos subissem ao rancho, onde podiam vê-la. Seu paradeiro era um segredo bem guardado, do que só estavam à corrente Wolf, Joe e Clay. Mas isso significava que ficava sozinha várias vezes por semana, quando Joe e Wolf foram fazer recados ou a entregar cavalos. Joe se ia também a suas aulas de matemática alguns dias, e além dele e seu pai tinham que ocupar-se das cercas e de atender ao pequeno rebanho de cabeças de gado, como faziam todos os rancheiros. Na realidade, Mary tinha muitas oportunidades de escapulir-se, ao menos uma vez. Depois seria imensamente mais difícil, porque Wolf a vigiaria de perto. Desculpou-se discretamente e se foi em busca do Joe. Apareceu a seu quarto, mas não estava ali, de modo que saiu ao alpendre dianteiro. Joe estava apoiado em um dos postes, com os polegares enganchados nos bolsos da calça. – Não é tua culpa. Ele não se moveu. – Sabia que podia ocorrer. – Você não é responsável pelo ódio de outros. – Não, mas sou responsável pela Pam. Sabia que podia ocorrer, e deveria me haver mantido afastado dela. Mary proferiu uma maldição pouco feminina. – Acredito recordar que foi ao reverso. Pam decidiu o que queria fazer quando montou aquela cena na loja de seu pai. – Quão único queria era ir ao baile. Não pediu isto. – Claro que não, mas segue sem ser tua culpa, do mesmo modo que não teria sido tua culpa se tivesse tido um acidente de transito. Poderia dizer que podia havê-la entretido para que chegasse um minuto mais tarde a aquele lance da estrada, ou lhe haver metido pressa para que chegasse antes, mas isso seria ridículo, e você sabe.
Joe não posso evitar esboçar um sorriso ao notar a severidade de seu tom de voz. Mary deveria estar no Congresso, fustigando os senadores e representantes para que cumprissem com suas obrigações. Mas tinha infiltrado na Ruth, Wyoming, e nada havia tornado a ser igual desde que ela tinha posto o pé no povoado. – Está bem, assim estou exagerando minhas culpas – disse Joe finalmente. – Mas sabia desde o começo que não era sensato sair com a Pam. Isto não é justo. Irei daqui quando acabar o instituto, e não voltarei. Pam deveria sair com alguém que vá estar aqui quando o necessitar. – Segue te culpando. Deixa que Pam dita o que quer fazer e com quem quer sair. É que pensa te isolar das mulheres para sempre? – Não, não chegaria até esse ponto – disse ele lentamente, e nesse momento se parecia tanto a seu pai que Mary se sobressaltou. – Mas não penso me complicar a vida com ninguém. – As coisas nem sempre saem como a gente quer. Você já tinha um assunto pendente com a Pam antes de que eu chegasse. Isso era verdade. Joe suspirou e apoiou a cabeça no poste. – Eu não a amo. – Claro que não. Já sei. – Eu gosto dela; tenho-lhe carinho. Mas não é suficiente para ficar, para que renuncie à Academia – ficou olhando a noite de Wyoming, a quase dolorosa claridade do céu, as estrelas que titilavam, brilhantes, e pensou em sobrevoar aquelas montanhas com um F-15, com a terra escura debaixo e o fulgor das estrelas em cima. Não, não podia renunciar a isso. – O disse a ela? – Sim. – Então, foi decisão dela. Guardaram silêncio enquanto contemplavam as estrelas. Uns minutos depois, Clay partiu, e a nenhum dos dois surpreendeu que não se despedisse. Wolf saiu ao alpendre e deslizou automaticamente o braço ao redor da cintura de Mary, apertando-a contra seu peito ao mesmo tempo que apoiava a mão sobre o ombro de seu filho. – Está bem? – Sim, bastante bem, suponho – mas agora entendia a raiva feroz que tinha visto nos olhos de seu pai quando Mary foi atacada, a mesma raiva que ainda ardia, controlada com mão de ferro, dentro Wolf. Que Deus tivesse piedade daquele homem se Wolf Mackenzie lhe jogava a luva alguma vez. Wolf compreendeu que era melhor deixar sozinho ao Joe e, apertando com mais força a Mary, conduziu-a ao interior da casa. Seu filho era forte. As arrumaria. À manhã seguinte, Mary ouviu o Wolf e ao Joe falar sobre o que pensavam fazer esse dia. Não havia cavalos que recolher nem que entregar, mas Joe tinha aula de matemática essa tarde, e pensavam passar a manhã vacinando às cabeças de gado. Mary ignorava quanto demorariam para cravar a todo o rebanho, mas imaginava que estariam toda a manhã atados. Além disso, foram levar se um par de cavalos jovens para lhes ensinar a separar o gado. Joe tinha mudado da noite para o dia. Sua mudança era sutil, mas produzia na Mary um intenso pesar. Em estado de repouso, o jovem rosto do Joe tinha uma expressão séria que a entristecia, como se os últimos e leves vestígios da infância tivessem desaparecido de sua alma. Sempre tinha parecido maior do que era, mas de repente, apesar da ternura de sua pele, já nem sequer parecia jovem. Ela era uma mulher adulta, tinha quase trinta anos, e a agressão lhe tinha deixado cicatrizes que não era capaz de confrontar sozinha. Cathy e Pam eram apenas umas meninas, e Cathy tinha que as ver com um pesadelo que era muito pior que o que lhes tinha passado ao Pam e ela. Joe tinha perdido sua juventude. Terei que deter aquele homem a toda custo, antes de que fizesse mal a alguém mais. Wolf e Joe partiram por fim, e Mary esperou a que se afastassem o suficiente da casa como para que não ouvissem arrancar seu carro. Logo saiu a toda pressa. Não sabia o que ia fazer, além
de passear-se pela Ruth com a esperança de que sua presença desencadeasse outro ataque. E logo o que? Não sabia. Mas tinha que estar preparada; tinha que conseguir que alguém vigiasse para que apanhassem aquele homem. Devia ser fácil apanhá-lo; tinha sido muito descuidado, atacava ao ar livre e a plena luz do dia, dava passos absurdos, como se atacasse por impulso e sem planejamento. Nem sequer tinha tomado as precauções mínimas para que não o apanhassem. Tudo era muito estranho. Não tinha sentido. Tremiam-lhe as mãos enquanto ia de caminho ao povoado em seu carro. Tinha muito presente que aquela era a primeira vez que saía sozinha desde o ataque, e se sentia exposta, como se lhe tivessem arrancado a roupa. Tinha que conseguir que alguém a vigiasse, alguém em quem confiasse. Mas quem? Sharon? A jovem professora era amiga dela, mas não era uma pessoa atrevida, e lhe parecia que a situação requeria certo atrevimento. Francie Beecham era muito maior; Cicely Karr se mostraria muito cautelosa. Aos homens os descartava porque ficariam paternalistas e se negariam a ajudá-la. Os homens eram vítimas de seus hormônios. O machismo tinha matado a muita mais gente que o síndrome pré-menstrual. De repente se lembrou do Pam Hearst. Pam estaria extremamente interessada em apanhar aquele homem, e tinha sido o bastante agressiva para lhe dar uma patada na boca e lutar até afugentá-lo. Era jovem, mas tinha coragem. Tinha tido a coragem de lhe plantar cara a seu pai para sair com um mestiço. A conversa cessou quando Mary entrou na loja dos Hearst; era a primeira vez que se deixava ver desde que tinha acabado a escola. Ignorou o denso silêncio, já que acreditava ter uma idéia muito precisa do tema das conversações que tinha interrompido, e se aproximou do mostrador da caixa, junto ao qual permanecia apostado o senhor Hearst. – Pam está em casa? – perguntou em voz baixa, não querendo que a ouvisse toda a loja. O senhor Hearst parecia ter envelhecido dez anos da noite para o dia, mas não havia animosidade em seu semblante. Assentiu com a cabeça. À senhorita Potter tinha passado quão mesmo a sua filha, pensava. Se pudesse falar com a Pam, talvez conseguisse que a menina de seus olhos deixasse de ter aquela expressão atormentada. A senhorita Potter tinha muita força, para ser tão pouquinho coisa; talvez ele não estivesse sempre de acordo com ela, mas tinha aprendido a respeitá-la. E Pam a admirava muito. – Lhe agradeceria que falasse com ela – disse. Mary tinha uma estranha expressão, quase belicosa, em seus suaves olhos azulados. – O farei – prometeu, e ao voltar-se para partir esteve a ponto de dar-se uma trombada com Dottie, e deixou escapar um gemido de sobressalto; Dottie estava justo detrás dela. – Bom dia – disse afetuosamente. A tia Ardith lhe tinha inculcado o respeito aos bons maneiras. Por alguma estranha razão, Dottie também parecia ter envelhecido de repente e estava macilenta. – Que tal está, Mary? Mary vacilou, mas não conseguiu perceber a hostilidade a que Dottie a tinha acostumada. Tinha mudado todo o povo da noite para o dia? Os teria feito entrar em razão aquele pesadelo? – Estou bem. E você? Está desfrutando das férias? Dottie sorriu, mas seu sorriso foi só uma crispação de seus músculos faciais, não uma amostra de regozijo. – São um alívio. Entretanto, não parecia muito aliviada; parecia feita pó. Embora, é obvio, todo mundo estava preocupado pelo ocorrido. – Como está seu filho? – Mary não se lembrava do nome do menino, e se sobressaltou um pouco. Não estava acostumado a esquecer os nomes das pessoas. Para sua surpresa, Dottie empalideceu de repente. Inclusive seus lábios ficaram brancos. – Por que pergunta? – gaguejou. – A última vez que o vi parecia preocupado – respondeu Mary. Não podia lhe dizer que só o tinha perguntado por educação. Os sulistas sempre perguntavam pela família.
– Ah. Está... está bem. Sai muito pouco de casa. Não gosta de sair – Dottie olhou a seu redor e logo balbuciou: – Desculpa – e saiu da loja antes de que Mary pudesse dizer nada mais. Mary olhou o senhor Hearst e se encolheu de ombros. Também lhe tinha parecido estranho o comportamento do Dottie. – Vou ver a Pam – disse Mary. Pensou em ir andando a casa dos Hearst, mas ao lembrar-se do que tinha passado a última vez que se passeou pelo povoado, sentiu um calafrio e voltou para seu carro. Antes de abrir a porta, olhou embaixo e o assento de trás. Quando se dispunha a arrancar, viu o Dottie caminhando a toda pressa pela calçada, com a cabeça baixa, como se não quisesse que ninguém lhe falasse. De repente se deu conta de que Dottie não tinha comprado nada. Para que tinha entrado na loja do Hearst, se não para comprar? Não podia estar jogando uma olhada, porque no povoado todo mundo sabia o que havia em cada loja. Por que se tinha ido tão de repente? Dottie girou à esquerda e tomou a ruela em que vivia, e de repente Mary se perguntou que fazia andando sozinha por aí. Todas as mulheres do povo evitavam sair sozinhas. Sem dúvida Dottie era o bastante sensata para tomar precauções. Mary avançou lentamente com o carro. Girou o pescoço quando chegou à travessa que tinha tomado Dottie e a viu subir a toda pressa os degraus de sua casa. Seus olhos recaíram sobre o sinal descolorido: Bay Road. Bay Road era a rua em que, segundo Wolf, o violador tinha desaparecido em uma casa. O mais lógico era que não tivesse entrado em uma casa que não fosse a sua, a menos que fosse um bom amigo que entrava e saía como um membro mais da família. Isso era possível, mas inclusive um bom amigo dava uma voz antes de entrar na casa de outra pessoa, e, de ter sido assim, Wolf o teria ouvido. Dottie atuava, certamente, de forma estranha. Comportou-se como se a tivesse picado uma abelha quando lhe tinha perguntado por seu filho... Bobby, assim se chamava. Mary se alegrou de haver-se lembrado. Bobby. Bobby não estava «bem». Fazia coisas estranhas. Era incapaz de aplicar a lógica às tarefas mais simples, incapaz de planejar um modo de ação prático. Mary começou a suar e deteve o carro. Só tinha visto o menino uma vez, mas o recordava bem: grandalhão, com o cabelo claro e a tez corada. Corada e sardenta. Era Bobby? A única pessoa do povoado que não era totalmente responsável por si mesmo? A única pessoa da que ninguém suspeitava? Salvo sua mãe. Tinha que dizer ao Wolf. Mas assim que lhe ocorreu aquela idéia, descartou-a. Não podia dizer ao Wolf ainda porque não queria jogar aquela carrega sobre seus ombros. Wolf se sentiria impelido por seu instinto a sair atrás o Bobby, mas, ao mesmo tempo, sua consciência lhe diria que Bobby não era uma pessoa responsável. Mary conhecia o suficiente ao Wolf para saber que, fosse qual fosse a decisão que tomasse, sempre se arrependeria. Preferia que a responsabilidade recaísse sobre ela em vez de pôr ao Wolf naquele apuro. O diria ao Clay. Afinal de contas, era seu trabalho. Ele seria mais capaz de dirigir a situação. Transcorreram só uns segundos enquanto aqueles pensamentos cruzavam sua cabeça. Seguia ali parada, olhando a casa do Dottie, quando Bobby saiu ao alpendre. Bobby demorou um momento em detectar sua presença, mas de repente se fixou no carro e a olhou diretamente. Apenas setenta metros os separavam. Mary estava muito longe para interpretar sua expressão, mas não precisou aproximar-se para que o pânico se apoderasse dela. Pisou fundo no acelerador e o carro saiu disparado para frente, levantando o cascalho enquanto os pneus chiavam. O trajeto até casa dos Hearst era curto. Mary correu à porta dianteira e a esmurrou. Tinha a sensação de que ia estourar lhe o coração. Aquele instante fugaz em que se achou cara a cara com o Bobby tinha sido quase insuportável. Deus, tinha que chamar o Clay. A senhora Hearst entreabriu a porta, olhou a Mary e, ao reconhecê-la, abriu a porta de par em par.
– Senhorita Potter! Ocorre algo? Mary se deu conta de que devia parecer enlouquecida. – Posso usar seu telefone? É uma emergência. – É obvio... – a senhora Hearst retrocedeu para deixá-la entrar. Pam apareceu no corredor. – Senhorita Potter... – parecia muito jovem e assustada. – O telefone está na cozinha. Mary seguiu à senhora Hearst e agarrou o telefone. – Qual é o número do escritório do xerife? Pam tirou uma agenda de uma gaveta e começou a passar as páginas. Muito alterada para esperar, Mary marcou o número de informação. – O escritório do xerife, por favor. – De que localidade? – perguntou uma voz descarnada. Mary ficou em branco. De repente não se lembrava do nome do povo. – Aqui está – disse Pam. Mary pendurou e marcou enquanto Pam lhe recitava o número. Os diversos assobios eletrônicos que precederam à conexão lhe fizeram eternos. – Escritório do xerife. – O ajudante Armstrong, por favor. Clay Armstrong. – Um momento. Foi algo mais que um momento. Pam e sua mãe estavam em suspense; não sabiam o que estava passando, mas notavam a ansiedade da Mary. As duas tinham olheiras. Tinha sido uma má noite para os Hearst. – Escritório do xerife– disse uma voz distinta. – Clay? – Pergunta pelo Armstrong? – Sim. É uma emergência! – insistiu. – Pois agora mesmo não sei onde está. Se quer me contar a mim o que acontece... Armstrong! Uma senhora pergunta por ti com muita urgência – a Mary disse: – Agora fica. Uns segundos depois, a voz do Clay respondeu: – Armstrong. – Sou Mary. Estou no povoado. – Que demônios faz aí? A ela tinham começado a lhe tocar castanholas os dentes. – É Bobby! Bobby Lancaster! Eu o vi... – Desliga o telefone! Ao ouvir aquele grito, Mary deu um salto e deixou cair o telefone, que ficou pendurando do cabo. Pegou-se à parede porque Bobby estava ali dentro com uma enorme faca de cozinha na mão. Tinha o rosto contraído em uma expressão de ódio e temor. – Você o disse! – parecia um menino birrento. – Disse... o que? – O há dito a ele! Ouvi-te! A senhora Hearst se pegou aos armários e tinha a mão na garganta. Pam permanecia cravada no meio da cozinha, muito pálida, com os olhos fixos naquele jovem ao que conheciam de toda a vida. Podia ver o leve inchaço de seu lábio inferior. Bobby mudou o peso de um pé a outro, como se não soubesse como proceder. Estava muito avermelhado e parecia quase a beira das lágrimas. Mary lutou por dominar sua voz. – Tem razão, eu o disse. Ele já vem para cá. Será melhor que fuja – talvez aquela não fosse uma excelente idéia, mas Mary queria mais que nada no mundo que Bobby saísse de casa dos Hearst antes de que lhe fizesse mal a alguém. Desejava desesperadamente que fugisse.
– Tudo é tua culpa! – Bobby parecia atormentado, como se não soubesse o que fazer, salvo acusá-la. – Você... você vieste e mudaram as coisas. Minha mãe diz que é a amante desse sujo índio. – Desculpa, mas eu gosto de gente limpa. Ele piscou, confuso. Logo meneou a cabeça e disse outra vez: – É tua culpa. – Clay estará aqui dentro de um momento. Será melhor que vá. A mão de Bobby se crispou sobre a faca. De repente agarrou a Mary pelo braço. Era um jovem grande e pesado, mas também mais rápido do que parecia. Mary soltou um grito quando lhe torceu o braço para trás e esteve a ponto de lhe deslocar a articulação do ombro. – Será minha refém, como na televisão – disse ele, e a empurrou para a porta. A senhora Hearst estava imóvel, paralisada pela impressão. Pam saltou para o telefone, ouviu o zumbido que indicava que se interrompeu a comunicação e apertou o botão para marcar outra vez. Quando ouviu tom de chamada, marcou o número dos Mackenzie. O telefone soou interminavelmente, e Pam resmungou uma maldição, usando palavras que sua mãe ignorava que sabia. Enquanto isso, inclinava-se para um lado, tentando ver aonde se levava Bobby a Mary. Estava a ponto de pendurar quando alguém desprendeu o telefone e uma voz profunda e furiosa bramou: – Mary? Pam se levou tal susto que esteve a ponto de deixar cair o telefone. – Não – balbuciou. – Sou Pam. – Ele tem a Mary. É Bobby Lancaster. Acaba de tirá-la a força de minha casa... – Vou agora mesmo. Pam se estremeceu ao sentir a intensidade letal da voz do Wolf Mackenzie. Mary tropeçou e caiu sobre uma rocha escondida entre os altos arvores, e a súbita e intensa dor da queda fez que uma náusea lhe retorcesse o estômago. – Te levante! – gritou Bobby atirando dela. – Torci o tornozelo! – era mentira, mas necessitava uma desculpa para atrasar seu avanço. Bobby a tinha levado a rastros através do pequeno prado que havia atrás da casa dos Hearst, e logo através de uma densa fileira de árvores e de um arroio. Nesse momento estavam subindo por uma pequena colina. Pelo menos, parecia pequena de longe, mas Mary começava a dar-se conta de que era enganosamente grande. Tratava-se de uma zona ampla e limpa. Não era precisamente o lugar mais sensato para que Bobby se dirigisse a ele, mas Bobby não atuava de maneira lógica. Isso era o que tinha avoado a todo mundo desde o começo, o que sempre parecia desconjurado. Não havia lógica em suas ações; Bobby reagia a impulsos imediatos, em lugar de proceder conforme a um plano. Não sabia o que fazer respeito a um tornozelo torcido, de modo que não se preocupou com isso; limitou-se a seguir empurrando a Mary à mesma velocidade. Ela tropeçou de novo, mas conseguiu manter o equilíbrio. Não poderia suportar cair de barriga para baixo e que ele se tornasse sobre ela outra vez. – Por que tiveste que dizer-lhe balbuciava ele. – Fez– mal a Cathy. – Ela merecia! – Por que? Por que o merecia? – Porque gostava... do índio. A Mary faltava o ar. Calculava que tinham percorrido algo mais de um quilômetro e meio. Não era muita distância, mas a ascensão pelo pendente gradual da colina a estava deixando sem forças. Tinha, além disso, o braço retorcido para trás e para cima, entre os omoplatas. Quanto tempo tinha passado? Quando chegaria Clay? Tinham passado ao menos vinte minutos. Wolf desceu da montanha em tempo recorde. Seus olhos eram como pederneira quando saiu de um salto da caminhonete, antes de que esta se parasse de tudo. Joe e ele levavam seus rifles. O
do Wolf era um rifle de franco-atirador, um Remington de longo alcance. Nunca tinha tido ocasião de disparar com ele a um branco situado a mil metros, mas em distâncias mais curtas nunca errava o tiro. As pessoas se formou redemoinhos ao redor da parte traseira da casa dos Hearst. Joe e ele se abriram caso a empurrões entre a multidão. – Todo mundo quieto, ou destruirão mais pistas! – bramou Wolf, e todo mundo ficou imóvel. Pam saiu correndo para eles. Tinha a cara manchada de lágrimas. – A levou entre as árvores. Por ali – disse, assinalando com o dedo. Uma sirene anunciou a chegada do Clay, mas Wolf não esperou a que chegasse o carro patrulha. Através do prado o rastro era tão claro como um sinal de néon, e Wolf partiu correndo, com o Joe atrás dele. Dottie Lancaster estava aterrorizada e quase fora de si. Bobby era seu único filho, e o queria desesperadamente, fosse o que tivesse feito. Havia-se posto doente ao dar-se conta de que era ele quem tinha atacado ao Cathy Teele e a Mary; tinha estado a ponto de morrer de angústia enquanto lutava a braço partido com sua consciência, sabendo que perderia a seu filho se o denunciava. Mas isso não era nada comparado com o horror que tinha sentido ao descobrir que Bobby se escapou da casa. Tinha seguido o bulício que reinava na rua, e tinha descoberto que tudo seus pesadelos tinham se feito realidade: Bobby se tinha levado a Mary e tinha uma faca. Agora os Mackenzie foram atrás dele, e ela sabia que o matariam. Agarrou ao Clay do braço quando passou a seu lado. – Detenha-os – soluçou. – Não deixe que matem a meu menino. Clay apenas a olhou. Largou-se de um puxão e pôs-se a correr atrás de Wolf e Joe. Enlouquecida, Dottie também pôs-se a correr. Para então, alguns outros homens tinham ido procurar seus rifles, dispostos a unir-se à caçada. Sempre lhes tinha dado lástima Bobby Lancaster, mas tinha atacado a suas mulheres, e para isso não havia desculpa. Wolf sentiu que o batimento de seu coração se aquietava, e afastou o pânico de si. Seus sentidos se aguçaram, como sempre quando estava de caça. Seus ouvidos magnificavam qualquer som, fazendo-o reconhecível imediatamente. Via cada fibra de erva, cada ramo rota, cada pedra solta. Notava todos os aromas deixados pela natureza, e o leve e acre sabor do medo. Seu corpo era uma máquina que se movia brandamente, em silêncio. Era capaz de interpretar qualquer indício. Sentiu que seus músculos se esticavam ao descobrir que Mary tinha caído. Devia estar aterrorizada. Se aquele menino a fizesse mal... Era tão frágil comparada com a força de um homem... Aquele bode tinha uma faca. Wolf pensou em uma folha de aço tocando a pele delicada e translúcida de Mary, e a raiva se apoderou dele, mas conseguiu sufocá-la. Não podia permitir que a ofuscação lhe fizesse cometer um erro. Saiu da fileira de árvores e de repente viu o Bobby e a Mary no alto da colina. Bobby ia arrastando a Mary pelo braço, mas ao menos ela estava viva. Wolf examinou o terreno. Não tinha um bom ângulo. Moveu-se para o oeste, em paralelo à base da colina. – Quietos! – a voz do Bobby se ouviu levemente, ao longe. deteve-se e estava sujeitando a Mary diante dele. – Quietos ou a Mato! Wolf se agachou lentamente sobre um joelho e fincou o rifle sobre o ombro. Olhou pela lente telescópica, não para disparar, a não ser para ver o que ocorria. A lente mostrava claramente o desespero do rosto do Bobby e a faca na garganta da Mary. – Bobbyyyy! – gritou Dottie, que tinha chegado junto a eles. – Mamãe?. – Bobby, solta-a! – Não posso! Ela o disse! Os homens se reuniram ao redor do Wolf e do Joe. Vários mediram a distância a olho e sacudiram a cabeça. Não podiam disparar de tão longe. Podiam acertar tanto a Mary como ao Bobby, se é que acertavam. Clay olhou ao Wolf.
– Pode disparar? Wolf sorriu, e Clay sentiu que um calafrio lhe subia pelas costas. Os olhos do Wolf tinham um olhar frio e feroz. – Sim. – Não! – soluçou Dottie. – Bobby! – gritou. – Baixa, por favor! – Não posso! Tenho que matá-la! Gosta desse sujo índio! E ele matou o meu pai! Dottie deixou escapar um gemido e se tampou a boca com as mãos. – Não – gemeu, e voltou a gritar. – Não! Não foi ele! – em seus olhos se agitava o inferno. – Sim foi ele! Você o disse...! Um índio...! – Bobby se interrompeu e começou a retroceder atirando da Mary. – Dispara – disse Clay em voz baixa. Wolf apoiou o canhão do rifle em um ramo de uma árvore jovem. A árvore era pequena, mas o bastante robusto para lhe servir de apoio. Sem dizer uma palavra, olhou pelo visor. – Espere – gemeu Dottie, angustiada. Wolf a olhou. – Por favor – murmurou. – Não o mate. É o único que tenho. Os olhos negros do Wolf não transluziam emoção alguma. – Tentarei. Wolf se concentrou no disparo, apagando de sua mente todo o resto, como sempre fazia. Havia talvez trezentos metros de distância, mas o ar estava em calma. A lente distorcia as perspectivas, e a imagem que mostrava parecia grande, nítida e plaina. O rosto de Mary se via com toda claridade. Parecia zangada, e segurava no braço com o que Bobby a agarrava pelos ombros ao mesmo tempo que sujeitava a faca junto a sua garganta. Deus, quando voltasse a tê-la sã e salva a seu lado, ia estrangulá-la. Bobby parecia maior do que o normal ao lado do corpinho miúdo da Mary. O instinto dizia ao Wolf que disparasse à cabeça e matasse ao Bobby, mas lhe tinha dado sua palavra à mãe do menino. Ia ser um disparo difícil. Bobby e Mary se estavam movendo, e ele tinha limitado sua margem de manobra ao prometer que não mataria ao menino. O quadrante da lente se enfocou, e suas mãos ficaram petrificadas. Tomou ar, exalou pela metade e apertou brandamente o gatilho. Ouviu um estampido e, quase simultaneamente, viu que uma mancha vermelha aparecia no ombro do Bobby e que a faca caía de repente de sua mão inerte. O impacto impulsionou ao Bobby para trás, e Mary se cambaleou para um lado e caiu ao chão, mas conseguiu levantar-se em seguida. Dottie caiu de joelhos, soluçando, e se tampou a cara com as mãos. Os homens puseram-se a correr colina acima. Mary desceu correndo e se encontrou com o Wolf a metade de caminho. Ele levava ainda o rifle na mão, mas a tomou entre seus braços e a apertou com todas suas forças, fechando os olhos, enquanto tentava fazer-se à idéia de que, embora parecesse um milagre, ela estava ali, a seu lado, cálida e viva, e suas mãos suaves lhe tocavam a cara e seu doce aroma lhe enchia os pulmões. Não lhe importava quem os visse nem o que pensasse a gente. Mary era dele, e ele acabava de passar a pior meia hora de sua vida sabendo que podia morrer a qualquer momento. Agora que tudo tinha acabado, Mary se pôs-se a chorar. Tinha sido arrastada colina acima, e de repente Wolf a arrastava colina abaixo. Ele seguiu resmungando impropérios em voz baixa, fazendo caso omisso de seus queixa, até que Mary tropeçou. Então a jogou ao ombro como se fosse um saco e seguiu descendo a colina. As pessoas os olhavam pasmos, mas ninguém fez gesto de detê-los. Depois do acontecido nesse dia, todos olhavam ao Wolf Mackenzie com outros olhos. Wolf fez caso omisso do carro da Mary e a meteu em sua caminhonete. Mary se afastou o cabelo da cara e decidiu não lhe falar do carro; já o recolheriam mais tarde. Wolf estava furioso; tinha uma expressão crispada e dura. Quase tinham chegado à estrada que subia serpenteando pela montanha quando ele voltou a falar.
– Que demônios estava fazendo no povo? Seu tom não enganou a Mary. O lobo estava furioso. Talvez ela não fosse muito prudente, mas o certo era que não tinha medo do homem a quem amava. Respeitava sua cólera, mas não a temia. Assim disse com calma: – Pensei que, se me deixava ver, talvez o violador fizesse alguma estupidez, e que possivelmente assim pudéssemos identificá-lo. – E tem feito uma estupidez, é claro que sim. Mas o que tem feito não foi tão estúpido como o que tem feito você. O que fez, te passear acima e abaixo pela rua até que te apanhou? Ela não se deu por ofendida. – Não fez falta. Pensava falar primeiro com a Pam. Passei-me pela loja para lhe perguntar ao senhor Hearst se estava em casa e me encontrei com Dottie. Comportou-se de maneira estranha. Parecia tão preocupada que me fez suspeitar. Quase saiu correndo da loja. Logo, quando a vi passar pelo Bay Road, lembrei-me do Bobby, da pinta que tinha. Ele saiu ao alpendre e me olhou, e então me dava conta de que era ele. – E o foste prender ? – perguntou ele com sarcasmo. Mary se zangou. – Não. Não sou tão tola, e será melhor que não volte a fazer outro comentário sarcástico, Wolf Mackenzie. Fiz o que me pareceu melhor. Sinto que você não goste, mas é o que há. Já estava farta. Não podia me arriscar a que alguém mais resultasse ferido, ou a que esse menino se atasse a tiros com o Joe ou contigo. Fui de carro a casa do Pam e chamei o Clay. Não tinha intenção de me enfrentar ao Bobby, mas as coisas não saíram como eu esperava. Ele me seguiu a casa dos Hearst e me ouviu falar por telefone. Assim que me agarrou e me levou com ele. O resto, já sabe. Mary falava com tanta naturalidade que Wolf crispou as mãos sobre o volante para não sacudi-la. Desde não ser porque a tinha visto chorar uns minutos antes, teria perdido o tênue domínio que conservava sobre sua cólera. – Sabe o que poderia ter acontecido se não tivesse voltado para o estábulo a procurar uma coisa e não me tivesse dado conta de que faltava seu carro? Foi pura casualidade que estivesse em casa quando chamou Pam para me dizer que Bobby te tinha levado. – Sim – disse ela com paciência. – Sei o que poderia ter passado. – É que não se preocupa que esse menino tenha estado perto de te cortar o pescoço? – Perto não conta, salvo se trata de ferraduras e de amadurecidas de mão. Ele pisou no freio; estava tão raivoso que logo que via o que fazia. Não se deu conta de que apagava o motor, mas sim de que agarrava a Mary pelos ombros. Tinha tantas vontades de sentála sobre seus joelhos e lhe dar uma palmadas que tremia, mas ela não parecia dar-se conta de que devia estar assustada. Com um leve gemido, lançou-se a seus braços, e se agarrou a ele com surpreendente força. Wolf a abraçou e a sentiu tremer. A neblina vermelha da ira limpou sua visão, e de repente compreendeu que Mary sim estava assustada, mas não dele. Com sua habitual ousadia, fazia o que lhe tinha parecido correto, e certamente estava tentando aparentar calma para que ele não se alarmasse. Como se algo pudesse alarmá-lo mais que ver um violador desequilibrado segurando uma faca contra sua garganta... Wolf arrancou freneticamente a caminhonete. Não faltava muito para chegar à casa, mas não sabia se poderia esperar. Tinha que lhe fazer amor imediatamente, embora fora em metade da estrada. Só então, quando a sentisse sob ele uma vez mais e ela o acolhesse em seu delicado corpo, começaria a desvanecer o medo a perdê-la. Mary meditava melancolicamente. Tinham passado quatro dias desde que Wolf disparasse no Bobby; os dois primeiros tinham transcorrido entre declarações, procedimentos policiais e entrevistas a diversos jornais. Uma cadeia de televisão até lhe tinha pedido uma entrevista ao Wolf, mas ele a tinha rechaçado. O xerife, que não era tolo, tinha aclamado ao Wolf como a um herói e tinha gabado sua pontaria. O expediente militar do Wolf tinha sido desenterrado, e tinham
deslocado rios de tinta sobre o «condecorado veterano do Vietnã» que tinha salvado a uma professora e apanhado a um violador. Bobby se estava recuperando em um hospital do Casper; a bala lhe tinha perfurado o pulmão direito, mas, dadas as circunstâncias, tinha sorte de estar vivo. Não acabava de entender o que ocorria e seguia pedindo ir-se para casa. Dottie já se resignou. Toda sua vida levaria sobre sua consciência a certeza de que era seu ódio, enraizado na mente de seu filho, que tinha causado toda aquela desgraça. Sabia que a afastariam do Bobby ao menos por um tempo, e que, embora ele saísse em liberdade alguma vez, nunca poderiam voltar a viver na Ruth. Entretanto, pensava seguir ao Bobby lá onde o enviassem. Tal e como havia dito ao Wolf, era o único que tinha. Tudo tinha acabado, e Mary estava segura de que Wolf jamais voltaria a ser um marginalizado. O perigo tinha passado, e no povoado as coisas tinham voltado para seu leito. O mero feito de saber que o culpado tinha sido apanhado tinha suposto uma enorme melhoria para o Cathy Teele, apesar de que sua vida ficaria marcada para sempre. De modo que não havia razão para que Mary não pudesse retornar a sua casa. Por isso estava refletindo melancolicamente. Nesses quatro dias, Wolf não lhe havia dito nenhuma palavra de afeto, nem sequer quando fizeram amor grosseiramente depois de que a salvasse. Wolf não lhe havia dito nada absolutamente a respeito de sua situação pessoal. Tinha chegado o momento de ir para casa. Não podia ficar com ele para sempre, agora que já não tinha nada que temer. Sabia que certamente seguiriam atados, ao menos um tempo, mas mesmo assim a idéia de abandonar sua casa a deprimia. Tinha-lhe encantado cada minuto que tinha passado na montanha Mackenzie, e adorava compartilhar as pequenas coisas cotidianas com o Wolf. Afinal de contas, a vida se compunha de pequenas coisas e de algumas chamas dispersas de intensidade. Fez tranqüilamente a mala e procurou não chorar. Tentaria dominar-se para não fazer uma cena. Colocou as malas no carro e logo esperou que Wolf retornasse a casa. Não pensava escapulir-se às escondidas; parecia-lhe infantil. Diria ao Wolf que ia retornar a sua casa, lhe agradeceria e partiria. Seria tudo extremamente civilizado. Tinha começado a entardecer quando Wolf retornou por fim. Estava suado e coberto de pó e coxeava um pouco porque uma vaca o tinha pisado. Não parecia de muito bom humor. Mary lhe sorriu. – Decidi te deixar em paz, agora que não corro perigo estando sozinha. Já tenho feito a mala e coloquei tudo no carro, mas queria ficar até que voltasse para te agradecer por tudo o que tem feito por mim. Wolf, que se dispunha a beber um gole de água fresca, deteve-se de repente. Joe ficou paralisado na soleira; não queria que o vissem. Não podia acreditar que seu pai fosse deixá-la partir. Wolf girou lentamente a cabeça para ela. Seus olhos tinham uma expressão selvagem, mas Mary estava tão concentrada tentando dominar-se que não se deu conta. Lançou-lhe outro sorriso, mas mais dura esta vez, porque ele não havia dito nenhuma palavra; nem sequer «já te chamarei». – Bom – disse ela alegremente, – já nos veremos por aí. Diga ao Joe que não se esqueça de suas aulas. Aproximou-se da porta dianteira com passo decidido e desceu os degraus. Estava a meio caminho do carro quando uma mão robusta a agarrou por ombro e a fez girar-se. – Nem sonhe que vai sair de minha montanha – disse Wolf com voz áspera, e se abateu sobre ela. Pela primeira vez Mary pensou que era uma desvantagem que só chegasse aos ombros. Wolf estava tão perto que teve que jogar a cabeça para trás para falar com ele. O calor de seu corpo a envolvia como vapor. – Não posso ficar aqui para sempre – respondeu rapidamente, mas ao ver seu olhar se estremeceu. – Sou uma professora do povoado. Não posso conviver contigo como... – Te cale – disse ele. – Ouça, cuidado com o...
– Eu disse que te cale. Você não vai a nenhuma parte, e vais conviver comigo o resto de sua vida. Hoje é já muito tarde, mas amanhã a primeira hora iremos ao povoado a nos fazer as análise de sangue e a pedir a licença. Dentro de uma semana estaremos casados, assim coloca de uma vez o traseiro na casa e fique ali. Eu vou guardar suas malas. Sua expressão teria feito retroceder a mais de um homem, mas Mary se cruzou de braços. – Não vou casar me com alguém que não me ama. – Maldita seja! – rugiu Wolf, e levantou a cara da Mary para ele. – Como não te amo? Mary, faz o que quer comigo desde a primeira vez que te vi! Por ti teria matado ao Bobby Lancaster sem pensar isso duas vezes, assim não volte a dizer que não te amo! Como declaração de amor e pedido de casamento não era muito romântica, mas sim emocionante. Mary sorriu e ficou nas pontas dos pés para lhe rodear o pescoço com os braços. – Eu também te amo. Wolf a olhou com irritação, mas notou quão bonita estava com sua camiseta rosa claro, que ressaltava o delicado rubor de suas bochechas, e viu que seus olhos azul piçarra brilhavam e que uma brisa paquerava com seu cabelo sedoso, castanho e prateado. de repente enterrou a cara entre as mechas de sua frente, finos como os de um bebê. – Deus, amo-te – murmurou. Nunca tinha acreditado que pudesse amar a uma mulher, e menos ainda a uma branca, mas isso era antes de que aquela ligeira e delicada criatura se abrisse passo em sua vida e a mudasse por completo. Não podia seguir vivendo sem ela, do mesmo modo que não podia viver sem ar. – Quero ter filhos – afirmou Mary com determinação. Ele sorriu contra sua testa. – Estou-o desejando. Ela ficou pensando um momento. – Acredito que quatro. Wolf franziu um pouco a testa enquanto a abraçava. – Já veremos. Mary era muito miúda e delicada para ter tantos filhos; com dois haveria suficiente. Wolf a elevou nos braços e pôs-se a andar para a casa, que agora era também o lar de Mary. Joe, que os estava olhando da janela, afastou-se sorrindo quando seu pai a apertou contra seu peito.
Academia das Forças Aéreas, Avermelhado Springs, Avermelhado. Joe abriu a carta de Mary e sorriu nada mais começar a lê-la. Seu companheiro de habitação o olhou com interesse. – Boas notícias de casa? – Sim – disse Joe sem levantar a vista. – Minha madrasta está grávida outra vez. – Pensava que acabava de ter um menino. – Faz dois anos. Este é o terceiro. Bill Stolsky, seu companheiro de habitação, observou ao Joe enquanto este acabava de ler a carta. No fundo, aquele mestiço tranqüilo e distante lhe dava um pouco de medo. Inclusive no princípio, quando eram cadetes de primeiro curso e os considerava simples escória, os dos cursos superiores tinham evitado fazer trotes ao Joe Mackenzie. Joe era o primeiro de sua classe desde o começo, e já se sabia que ia começar o treinamento de vôo depois de graduar-se. Mackenzie ia direito ao mais alto, e até seus instrutores sabiam. – Quantos anos tem sua madrasta? – perguntou Stolsky com curiosidade. Sabia que Mackenzie tinha vinte e um, um menos que ele, embora os dois estavam no último curso da Academia. Joe se encolheu de ombros e procurou uma foto que guardava em sua bilheteria. – É bastante jovem. – Meu pai também. Era só um pirralho quando eu nasci.
Stolsky tomou a fotografia e olhou às quatro pessoas que apareciam nela. Não era uma fotografia de estúdio, o qual a fazia mais íntima. Três adultos estavam brincando com um bebê. A mulher era pequena e delicada; tinha um bebê no colo e levantava a vista para sorrir a um homem muito forte, moreno e de traços aquilinos. O homem tinha pinta de ser um tipo duro. Stolsky não teria querido encontrar-lhe em um beco, nem às escuras nem de nenhuma outra forma. Olhou rapidamente ao Joe e notou que se parecia muito a ele. O bebê, entretanto, agarrava o dedo daquele grandalhão com sua mãozinha com covinhas e ria enquanto Joe o fazia cócegas no pescoço. Aquilo era um muito revelador e desconcertante da vida privada do Mackenzie, da escura urdidura de sua família. Stolsky se esclareceu garganta. – Este é o mais novo? – Não, essa foto é de quando eu estava no último curso do instituto. Esse é Michael. Agora tem quatro anos, e Joshua tem dois. Joe não pôde evitar sorrir e ao mesmo tempo sentir-se preocupado quando pensou na carta de Mary. Seus dois irmãozinhos tinham nascido por cesárea, porque Mary era simplesmente muito miúda para parir. Depois do nascimento do Joshua, Wolf havia dito que não teriam mais filhos, porque Mary o tinha passado muito mal ao ter ao Josh. Mas ao final Mary se saiu com a sua, como sempre. Ele ia ter que pedir permissão quando nascesse o novo bebê. – Sua madrasta não é... né...? – Índia? Não. – Cai-te bem? Joe sorriu. – Amo-a. Não estaria aqui se não fosse por ela. Levantou-se e se aproximou da janela. Tinham transcorrido seis anos de árduo esforço, mas estava a ponto de conseguir aquilo para o que vivia: pilotar um caça. Primeiro estava o treinamento de vôo, e logo a Escola de Treinamento de Caças. Esperavam-no mais anos de duro esforço, mas estava ansioso por que chegassem. Só uma pequena percentagem dos alunos da Academia chegava a pilotar um caça, mas ele ia ser um deles. Os cadetes de sua classe que foram ao treinamento de vôo já tinham estado pensando em motes para quando pilotassem caças, e tinham eleito os seus embora sabiam que alguns não passariam no treinamento, e que um número ainda maior jamais chegaria a pilotar um caça. Mas nunca pensavam que lhes tocaria ; eram sempre outros os que a cagavam, os que não tinham o que terei que ter. O tinham passado em grande pensando motes, mas Joe tinha permanecido sentado em silêncio, um pouco à parte, como sempre. Então Richards o tinha apontado com o dedo e havia dito: – Você será o Chefe. Joe tinha levantado o olhar com expressão acalmada e remota. – Eu não sou chefe – havia dito com tranqüilidade, mas Richards havia sentido um calafrio. – Está bem – havia dito. – Como quer que lhe chamemos? Joe se tinha encolhido de ombros. – Me chamem Mestiço. É o que sou. Embora ainda não se graduaram, as pessoas já começava a chamá-lo Mestiço. Aquele nome iria pintado em seu casco, e logo muita gente esqueceria seu verdadeiro nome. Mary lhe tinha dado aquilo. Empenhou-se com todas suas forças, tinha lutado por ele, esforçou-se por lhe ensinar. Tinha-lhe dado sua vida, lá no céu azul. Mary se girou nos braços do Wolf. Estava nua, e a mão do Wolf lhe acariciava o pálido corpo como se procurasse sinais de sua ainda invisível gravidez. Sabia que estava preocupado, mas se sentia de maravilha e tentava tranqüilizá-lo. – Nunca hei me sentido melhor. Reconhece-o, a gravidez me fica bem.
Ele se pôs a rir e lhe acariciou os seios, elevando primeiro um e logo outro em sua palma. Eram agora mais cheios, e mais sensíveis. Quase podia pô-la a beira do clímax com apenas lhe chupar os mamilos. – Mas este é o último – disse. – E se for outro menino? Você não gostaria de provar uma vez mais, se por acaso é uma menina? Ele grunhiu, porque esse era o argumento que Mary tinha utilizado para o convencer de que a deixasse grávida outra vez. Estava empenhada em ter quatro filhos. – Façamos um trato. Se for menina, não teremos mais. Se for menino, teremos um mais, mas será o último, seja qual for seu sexo. – Trato feito – disse ela, e fez uma pausa. – Te ocorreu pensar que poderia ter centenas de filhos e que fossem todos meninos? Pode que não tenha nem um só espermatozóide capaz de engendrar uma menina. Olhe seus antecedentes: três meninos seguidos... Lhe tampou a boca com a mão. – Nenhum mais. Quatro é o limite. Ela se pôs-se a rir e arqueou seu esbelto corpo contra Wolf Ele se excitou imediatamente, apesar de que levavam já cinco anos casados. Mais tarde, quando ele ficou adormecido, Mary sorriu na escuridão e lhe acariciou as robustas costas. Aquele bebê também era um menino; sentia-o. Mas o seguinte... Ah, o seguinte seria a menina que tanto ansiava Wolf. Estava segura disso. ***Fim***