MULTIDISPLINARIDADE NA PESQUISA GEOGRÁFICA CONTEMPORÂNEA
ORG. Márcio Mendes Rocha Estevão Grabim
VII SIMPGEO - MARINGÁ ABERTURA
Existe uma insistência, por parte daqueles que habitam as academias, de pautarem suas reflexões em um pensamento simplificador e normativo. Muitos travestem-se de libertários em seus discursos, mas não deparam seus pensamentos com a realidade. Se tornam espectadores do mundo. São normativos porque buscam legitimar seus discursos a partir de ritos acadêmicos fragmentados, hierarquizados e legitimadores das hegemonias que oprimem a sociedade. Para romper esta barreira há que se construir uma nova epistemologia, trata-se de apreender o real na sua unidade e multiplicidade ou, como diz Morin, na sua «unitas multiplex» em lugar de insistir em retalhá-lo em partes. Trata-se de saber pensar o imprevisível, o circular, o recursivo, ou seja, o que escapa às concepções tradicionais de determinação causal e de tempo linear. Se quisermos um conhecimento pertinente precisamos reunir, contextualizar, globalizar nossas informações e nossos saberes, buscar, portanto, um conhecimento complexo. Trata-se de quebrar definitivamente as barreiras disciplina- res e de construir uma ciência pluridimensional e transdisciplinar.
Prof. Dr. Márcio Mendes Rocha Coord. PGE/UEM
Márcio Mendes Rocha Estevão Grabim (coordenação)
Multidisciplinaridades na pesquisa geográfica contemporânea Capa: Felipe Bonifácio Diagramação: Eduardo Lisboa Revisão: Maria Dolores Machado Foto de capa: Galpões abandonados no centro da cidade de Maringá
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) (Biblioteca Central - UEM, Maringá – PR., Brasil)
M961
Multidisciplinaridades na pesquisa geográfica contemporânea / Márcio Mendes Rocha, Estevão Garbin (coordenação). -- Maringá : UEM-PGE, 2015. 186 p. : il. col. Trabalhos apresentados no VII SIMPGEO. ISBN 978-85-87884-34-3 1. Geografia. 2. Gografia - Pesquisa - Brasil. I. Rocha, Márcio Mendes, coor. II. Garbin, Estevão, org. CDD 22.ed. 910
PGE Editora Produzido pela Universidade Estadual de Maringá/ Programa de Pós Graduação em Geografia, financiado pelo CNPq ANO 2015
VII SIMPGEO
SUMÁRIO Capítulo 1 Multidisciplinaridades na pesquisa geográfica contemporânea....................07 Capítulo 2 Participação e planejamento urbano: avanços, retrocessos e a necessidade da democratização dos meios de comunicação..................................................23 Capítulo 3 Tendências da geografia brasileira hoje: gênero, patrimônio, saúde, religião e outras temáticas...........................................................................................45 Capítulo 4 Contribuição da geografia para o planejamento e gestão urba- na com ênfase na redução de desastres naturais..................................................................................61 Capítulo 5 Temáticas da geografia brasileira: da medicina geográfica à geografia médica e desta à geografia da saúde.............................................................83 Capítulo 6 Relações entre espaço, gênero e sexualidades enquanto possibilidades para a geografia brasileira....................................................................................105 Capítulo 7 Contribuições para o planejamento e gestão urbana: leituras geográficas. A produção do espaço urbano e periurbano nas cidades de umuarama e de cianorte........................................................................................................125
Grupos de Trabalhos (GT) GT 1 Por outra geografia do poder: conflitos e consensos no(s) território(s)......153 GT 2 Dinâmica populacional, mobilidade e mobilização.....................................155 GT 3 Educação geográfica, metodologias e formação de prof. de geografia......159 GT 4 Projetos urbanos, planejamento e gestão das cidades em várias escalas de análise (Metrópole, média e pequena).........................................................163 GT 5 Epistemologia da geografia........................................................................165 GT 6 Dinâmicas da paisagem e as abordagens da geografia física......................169 GT 7 Bacias hidrográficas em escalas de análise diferenciadas em áreas urbanas e rurais............................................................................................173 GT 8 Áreas verdes: legislação, gestão, degradação, diagnóstico e análise ..........175 GT 9 Análise geomorfológica em diferentes períodos do tempo geológico........179 GT 10 Dinâmicas atmosféricas pretéritas e presentes e suas consequências na paisagem.................................................................................................181 GT 11 Geotecnologias aplicadas à pesquisa geográfica.........................................181 GT 12 Geografia, território e questão agrária.........................................................185 GT 13 Geografia da Saúde.....................................................................................189 GT 14 Geografia e Turismo....................................................................................193
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Capítulo 1 MULTIDISCIPLINARIDADES NA PESQUISA GEOGRÁFICA CONTEMPORÂNEA1 Maria Adélia Aparecida de Souza Professora Titular de Geografia Humana da USP Campinas, outubro de 2014 De início é preciso reconhecer que ao propor este tema da Multidisciplinaridade neste VII SIMPGEO, o Programa de PósGraduação em Geografia da UEM – Universidade Estadual do Paraná se dispõe a estimular uma discussão urgente e necessária no âmbito da nossa disciplina. Essa discussão sobre as MULTIDISCIPLINARIDADES NA PESQUISA GEOGRÁFICA, necessariamente faz um percurso sobre uma série de questões que os geógrafos professores e pesquisadores do mundo todo tentam, mas não são bem-sucedidos. Mas este não é um problema apenas da Geografia! Aliás, a Geografia parece ainda não ter chegado a isso! Daí a importância deste Seminário e desta iniciativa. Depois da metade do século passado, no final dos anos 60, especialmente em 68 na França essa discussão é feita com enorme frequência e intensidade. Ela pautava as agendas de construção de uma universidade moderna e democrática2. A questão da multidisciplinaridade estava nas pautas dos ministérios, o que os franceses então denominavam de multidisciplinaridade institucional, alias, escrito da maneira como foi encontrada em um relatório do ministro da Educação Nacional Edgar Faure, onde se encontra o sentido da “mpluridisciplinaridade” 3. Não há dúvidas sobre o papel e a influência que o movimento de maio de 1968 teve não apenas para as universidades e sociedades francesas, como para o mundo todo. Com esta abertura estou propondo que esta discussão sobre multidisciplinaridade (ou no plural como preferem os organizadores deste 1 Texto elaborado para a conferência de abertura do VII SIMPGEO, realizado na UEM – Universidade Estadual de Maringá, promovido pelo programa de pós graduação em Geografia, de 30 de outubro a 1 de novembro de 2014, em Maringá. 2 Touraine, Alain. Le mouvement de Mai ou le communisme utopique. Paris. Le Seuil. Coll. Politique, 1972:p. 78 ³FERRI, Laurent. La “mluridisciplinarité” institucionnelle em France aprés 1968. Publicado na Revista Eletrônica Labyrinthe, 27|2007(2), postado em 25 de março de 2011. Consultado em http://labyrinthe.revues.org/2004, em 16 de outubro de 2014.
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_________________________VII SIMPGEO________________________ seminário), passa por um caminho complexo de discussão que vai desde o projeto de universidade que se pretende e nesse contexto, qual a Geografia que deve ou será ensinada. Dito isto entramos em outro complexo campo de discussão que é aquele no qual nos furtamos ainda a entrar sobre o que é a Geografia hoje, seus métodos, suas metodologias e, sobretudo, com ela vem sendo praticada entre nós. Temos vivido um processo onde sempre é dito “que na Geografia cabe tudo”!!!! Trata-se de uma área do conhecimento ou de uma “feira livre”? Embora não haja tempo para abordar ou subsidiar discussões para todos estes temas é preciso afirmar a importância desses percursos para que sejam evitadas, ainda, reuniões onde seja indagada “para que serve a Geografia” ou será que “a Geografia perdeu sua razão de ser”? Estes tempos de globalização que tanto aproximam os povos, quanto produzem um processo de fragmentação exacerbado, fazendo surgir no mundo a diferença, o desigual, que intriga a sociedade e deveria indignar os cientistas! Mas, ao mesmo tempo, cabe a pergunta por que a Geografia desapareceria em um momento onde o espaço geográfico é totalmente monitorado, vigiado, a movimentação de pessoas, mercadorias, ideologias é intensa, no entanto, o mundo se torna cada vez mais opaco e complicado? 4 Além desses caminhos todos é fundamental que se aprimore o conhecimento sobre epistemologia, teoria do conhecimento, filosofia da ciência e muitas coisas mais, raridades nas rotinas de estudo da grande maioria dos geógrafos do mundo. Para discutir multidisciplinaridade(s), interdisciplinaridades, transdisciplinaridade são necessários conhecimentos que independem da formação específica de cada um de nós, mas da sua busca individual de um saber mais amplo, reflexivo que inspire e ali- mente o pensar abstrato, as concepções de mundo e as “disciplinas” necessárias para dar cabo dessa imensa e complexa tarefa. Assim, uma concepção clara de Geografia e seu método, da clareza de seu objeto, fundamentados em uma concepção de mundo que possibilite a constituição de métodos de trabalho e pesquisa, aliados a um consistente edifício epistemológico, eis os ingredientes para propiciar este tipo de discussão. Não importa a concepção de mundo, de Geografia ou de método! O que importa é trazê-lo para a discussão com competência, zelo e profundidade.
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MUKAKAYUMBA, Édith e LAMARRE, Jules (organizadores). 2012. La Géographie em Question”. Armand Colin/Recherches. Paris. Livro produzido a partir de um colóquio internacional intitulado “O que é feito da Geografia?
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_________________________VII SIMPGEO________________________ Paul Claval, na segunda edição francesa de seu livro intitulado Épistemologie de la Géographie, (Armand Colin,2007), aumentada com cerca de quatro novos capítulos em relação a primeira edição (Nathan, 2001), nos introduz num debate a partir de suas escolhas bibliográficas sobre a epistemologia, especialmente nos novos capítulos juntados a edição de 2007. Fala-nos esse renomado autor do que a geografia e os geógrafos devem fazer, mas passa ao largo da discussão epistemológica sobre a geografia do presente. E, embora o professor Claval seja um assíduo frequentador do Brasil, não faz referência a obra epistemológica de Milton Santos e seu esforço para compreender essa Geografia do presente. No Brasil, independentemente da metodologia geográfica que apliquemos exageramos na preocupação de produção de pesquisas para resolver problemas de toda ordem e, praticamente, deixamos de lado a busca ou a consistência de uma metodologia geográfica rigorosa. A mesmice descritiva dos nossos trabalhos sobre infinitos temas se opõe ao rigor de um método requerido por uma geografia que seja feita e aceita no século XXI. Os livros de Paul Claval acima referidos tem o mérito enorme de juntar pensamentos, reflexões, conceitos até mesmo inusitados sobre sugestões de métodos para a Geografia. No entanto, não nos oferece um avanço para a constituição de uma nova epistemologia geográfica, que dê conta das dinâmicas do presente e suas geografias, como teve coragem de fazê-lo Milton Santos, Este, lamentavelmente, não é lido, discutido, criticado e nem citado nas obras epistemológicas dos colegas do Norte do mundo, em suas obras sobre esta temática. Toda vez que fazemos essa discussão epistemológica da geografia, resenhamos tudo novamente, mas não tomamos partido para o avanço da nossa disciplina. Esta reflexão parte de alguns princípios para discutir a questão da multidisciplinaridade nas pesquisas geográficas. Antecipo, desde logo, que a multi ou a pluridisciplinaridade faz parte do nosso trabalho geográfico como, aliás, de todas as disciplinas. E, o que dela já está presente em nossos currículos, reflete a nossa concepção de Geografia. É sobre isto que precisamos discutir! Mas, de qual- quer modo esta não é uma discussão nem simples, nem fácil, pois envolve desde concepção de mundo, epistemologia, filosofia, história, teoria do conhecimento. Enfim a teoria da vida é que está em jogo como propõe Bergson e, tudo o que envolve a concepção e produção de saberes com vistas a compreensão e manutenção da vida.
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_________________________VII SIMPGEO________________________ Vamos aos princípios: 1. Toda disciplina5, para que seja criada necessita de um e apenas um objeto6 e não o contrário. Em assim sendo, não existe nesta perspectiva a compreensão de uma interdisciplinaridade vinculada ao sujeito ou a disciplina7. A interdisciplinaridade é um atributo da realidade concreta, uma complexidade dinâmica inatingível, pois sempre acionada pelo tempo, essa incomensurável categoria de análise filosófica, que se impõe a tudo e a todos, hoje indelevelmente, mais do que nunca vinculada a outra categoria kantiana da filosofia que é o espaço. O espaço geográfico é a possibilidade histórica e concreta de manifestação desse hibridismo espaço/tempo, materialmente expresso nas paisagens pelo uso do território, mediado pela técnica, elemento subjacente a existência das paisagens. Assim, nesta perspectiva de trabalho, a Geografia tem como objeto de pesquisa e reflexão o ESPAÇO GEOGRÁFICO, sinônimo de totalidade em movimento, definido como sendo um processo histórico e contraditório de constituição indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações, como nos propôs Milton Santos. A dinâmica desses sistemas gera uma tecnoesfera8 e uma psicoesfera9, redutíveis uma a outra. A disciplinaridade pressupõe a existência de um edifício metodológico que permita a constituição de um método, aqui entendido como um sistema coerente de ideias, que dê conta da compreensão do objeto, de modo a possibilitar uma maior aproximação do conhecimento sobre a realidade mutante. Sem uma profunda disciplinaridade, impossível haver uma multi ou pluridisciplinaridade, como será visto mais adiante neste texto. Curiosamente, as reflexões sobre multi ou pluridisciplinaridade pressupõem a dimensão geográfica como veremos mais abaixo. Há uma intensa discussão sobre esta questão, mas também há muita ambiguidade, como aquela exposta pelos trabalhos inspirados na obra 5
Para Edgar Morin (2002:p. 37) disciplina é uma categoria que organiza o co- nhecimento científico e que institui nesse conhecimento a divisão e a especialização do trabalho respondendo à diversidade de domínios que as ciências recobrem. Apesar de estar englobada num conjunto científico mais vasto, uma disciplina tende naturalmen- te à autonomia pela delimitação de suas fronteiras, pela linguagem que instaura, pelas técnicas que é levada a elaborar ou a utilizar e, eventualmente, pelas teorias que lhe são próprias. 6 Objeto é aquilo que é destacado pelo sujeito, da realidade concreta, visto como uma categoria capaz de elucidar o conhecimento da realidade, com epistemologias espe- cíficas criadas disciplinarmente, para alimentar o processo de conhecimento. A fundação de uma disciplina exige sempre a existência de seu objeto de pesquisa e, não o contrário. 7 A este respeito julgamos importante também consultar as obras de Gusdorf (2006), o artigo de Bicalho e Oliveira (2011), entre outros citados nos textos lidos 8 A tecnoesfera “se adapta aos mandamentos da produção e do intercâmbio e desse modo, frequentemente traduz interesses distantes desde, porém, que se instala, substituindo o meio natural e o meio técnico que a precedeu, consttui um dado local, aderindo ao lugar como uma prótese”. (SANTOS, 1996: p. 204) 9 A psicoesfera reino das ideias, crenças, paixões e lugar da produção de um sen- tido, também faz parte desse meio ambiente, desse entorno da vida, fornecendo regras à racionalidade ou estimulando o imaginário.
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_________________________VII SIMPGEO________________________ de Roland Barthes. Para Barthes, o texto literário é o produto mais bem-acabado da interdisciplinaridade. No entanto, os processos que conduzem a produção do texto literário, calcados muito nas fontes de inspiração do autor, logo na subjetividade, são completamente diferentes daquele processo perseguido pelo cientista, onde, dependendo de sua escolha de método, é a objetividade expressa como no caso da dialética, de tanger algo (a realidade) em permanente movimento. Dai ser dificílimo falar em objeto quando se trata da dialética, que lida com processos complexos. No entanto, ao mesmo empo que propõe a interdisciplinaridade como a criação de um novo objeto interdisciplinar – não é ela, mas a história quem cria novos objetos – os adeptos de Barthes falam também em permutas interdisciplinares10, o que pressupõe a disciplinaridade. A construção do texto interdisciplinar pressupõe o profundo trabalho disciplinar, como possibilidade de conhecimento, como causa ‘ao cabo a interdisciplinaridade é uma questão de liberdade da disciplina a fim de melhor saborear o saber”. (Mucci, s/d: p. 8). 2. No contexto desta reflexão o espaço geográfico é assumido como uma instância social, logo um conceito abstrato – tal como a cultura, a economia e a política. Nesta perspectiva o espaço não é produzido, mas historicamente constituído. Isso significa que ele se impõe a tudo e a todos e que a decisão da localização dos homens e das coisas não deve ser compreendida como uma mera geometria, mas como a resultante de um histórico processo de relações sócio espaciais. Assim, espaço geográfico e sociedade, nesta perspectiva são sinônimos. Por isso aqui a Geografia é entendida como uma disciplina das Ciências Humanas e Sociais, pois para compreender a presença humana no planeta, ela necessariamente precisa considerar a história dos homens e sua dominação da natureza. Só assim a sobrevivência do ser humano no planeta tornou-se uma “realidade”, mutante é bem verdade, mas uma realidade. 3. O espaço geográfico, essa totalidade em movimento, nos tempos atuais (neste período histórico caracterizado pela dinâmica da ciência, da 10 A Editora Carioca “Tempo Brasileiro” organizou 3 volumes para discutir essa questão. E, em seu terceiro volume, dedicado a interdisciplinaridade, conforme relatado por Mucci, s/d: p. 7, esse volume “se esforça igualmente por construir novos espaços de convivência, de diálogo, de permutas, de divergência até...” revelando, contraditoriamen- te às afirmações de Barthes, seu inspirador, o substrato da disciplinaridade ai presente. Mas fala também em “permutas interdisciplinares” (?), como exigência do saber atual... ”à partir do momento em que nos vimos sitiados pela complexidade da vida cotidiana e pelas desconcertantes peripécias de uma história incerta”. Reparem que por detrás essa colocação há uma dada visão de mundo, a qual de fato, preside a postura do cientista e do pesquisador. A isso denomino os princípios necessários de serem expostos para fun- damentar esta complexa e importante discussão.
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_________________________VII SIMPGEO________________________ técnica e da informação, transitando para o período popular da Historia) se constitui também numa complexidade dinâmica, caracterizada pela simultaneidade (sobreposição espaço-tempo), pela instantaneidade e pela aceleração. Isso significa que espaço-tempo nesta perspectiva e nesta atualidade são indissociáveis. 4. O Sendo o espaço geográfico, um objeto disciplinar, uma totalidade em movimento, uma instância social, portanto, um conceito abstrato que define uma disciplina que diz respeito à História, às relações sociais e à existência da humanidade no planeta, sua expressão material é dada pelo uso que a sociedade faz do espaço. No entanto, esse uso se dá em circunstâncias histórias e em espaços regidos por normas e leis historicamente instituídas. Assim pelo uso, o espaço geográfico, esse espaço banal torna-se território usado, espaço da ação concreta, espaço de poder. Território usado, território abrigo, território como recurso são as resultantes do processo histórico do uso social do espaço geográfico historicizado que, para não ferir a constituição de um rigoroso edifício metodológico, passa a ter outro conceito, aquele de território usado. É nessa perspectiva que o território existe, quando usado e praticado socialmente, sendo assim uma categoria de análise social. Daí surge o conceito de desigualdades socioespaciais, decorrente do uso diferenciado do território pelas distintas classes sociais. Eis a diferença entre espaço geográfico e território usado (ou território normado, o território abrigo de um povo nação, o território nacional, regido por uma constituição) e território como recurso (o território como norma, o território das empresas, uma categoria de análise da relação custo/benefício). 5. A Geografia é uma ciência do presente e por lidar com esse profundo processo de permanente dominação da natureza pela humanidade, tanto a dominação pelo conhecimento, como pela ação resultando nas paisagens11 – porta de entrada do conhecimento geográfico – ela (a Geografia) pode ser entendida como uma Filosofia das técnicas. As paisagens são aqui consideradas como sendo aquelas produzidas por “atos técnicos” (propostos por ORTEGA Y GAS- SET, em sua Meditação sobre a Técnica) realizados pelo trabalho humano e pelas tecnologias conhecidas e controladas por objetos técnicos que produzem o conhecimento e empiricização de todo o planeta (resultantes 11 Paisagem, entendida hoje como um território produzido pelo uso, resultante do trabalho humano ou com uso potencial, em função das possibilidades hoje existentes sobre o trabalho humano, visível a olho nú ou, nesta contemporaneidade, conhecido e controlado por objetos técnicos. Este novo e necessário conceito dado a paisagem, distin- guindo-a, então da primeira natureza e transformando-a no produto revelado da segunda natureza, efetivamente usado, ocupado ou não. Porém conhecida.
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_________________________VII SIMPGEO________________________ do uso da informática e da telemática). Dai a importância do conhecimento dos geógrafos sobre a filosofia da técnica, para que possam compreender os antagonismos na constituição do espaço geográfico, nestes tempos ditos globalizados. 6. Neste sentido, como lida com o mundo das possibilidades, a Geografia no mundo contemporâneo torna-se uma ciência social, capaz de, a partir do presente, conjecturar sobre o futuro elucubrando sobre projetos de uso do território. Saímos assim, por absoluta necessidade epistemológica e filosofia, do campo da fenomenologia eminentemente descritiva, para a assunção efetiva do processo como um fundamento do nosso método de trabalho, buscando a compreensão do movimento, que se dá na relação espaço/tempo, expressa pelas paisagens. A Geografia é a ciência do movimento, como já nos ensinaram nossos velhos mestres tanto sobre as contradições quanto sobre a dialética. Assim superamos a sempre retomada e velha discussão sobre o que seja a Geografia e para que serve!12 7. Em sendo assim o espaço geográfico é condição da existência da vida sobre o planeta. E, prioritariamente, da humanidade dada a sua possibilidade de racionalidade, criatividade, sobretudo do desejo insuperável de sobrevivência... mas, também, de propiciar a morte, com essa mesma racionalidade. Como explicar a guerra sobre a superfície do planeta sem o conhecimento geográfico e não apenas com a economia, a geopolítica (tão envelhecida), a cultura e tudo o mais! Temos nos omitido e deixado cumprir um dever ético, travestindo-nos de outros personagens para não enfrentar o nosso próprio ofício e aquilo que a divisão acadêmica e científica do trabalho nos impõe. Julguei importante explicitar alguns dos princípios que fundamentam a minha reflexão sobre “as multidisciplinaridades” solicitadas pelos organizadores do Seminário. É diante destes princípios e muitos outros que poderiam e deveriam ser aprofundados aqui que duas discussões se nos impõem e que vem tomando espaço nas mentes científicas, desde o século XIX, agrava-
12 Aqui está uma proposta concreta para nosso debate e oxalá ele de fato possa acontecer! Não temos tido coragem de enfrentá-lo em nossas reuniões científicas exces- sivamente militantes, do meu ponto de vista e, muito pouco preocupadas com a urgente e necessária atualização epistemológica e metodológica que precisamos fazer, não para sermos mais importantes do que as outras disciplinas, mas por que temos o dever ético de atualizar e aprofundar a contribuição que a geografia deve e precisa dar ao conheci- mento da sociedade contemporânea e suas “localizações” ou “espacialidades” termos com os quais não concordo mas não há tempo para abordá-los aqui com a profundidade que exigem.
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_________________________VII SIMPGEO________________________ das depois dos acontecimentos de maio de 68 na França: a questão da interdisciplinaridade e a questão da multi ou pluridisciplinaridade. Então vamos a elas. Apesar de ser uma discussão ausente da nossa comunidade dos geógrafos, ela é motivo de discussão e preocupação ainda em muitos meios acadêmicos e científicos. Estejam certos de que mergulharemos em um terreno de enorme complexidade e combatividade. Essa discussão envolve muitos temas, visões de mundo, concepção de ciência e trabalho científico, visão institucional sobre as universidades que a praticam ou não. De qualquer modo há um viés institucional acentuado quando se discute, especialmente, a interdisciplinaridade. Mas na maioria dos textos tudo isso aparece de maneira bastante misturada. É preciso, desde logo, apontar os equívocos nas discussões e escritos sobre a questão da interdisciplinaridade, sempre proposta como podendo ser um atributo do sujeito em vez de admitir que ela é um atributo do objeto, da coisa, da realidade mutante. Muitos textos sugerem esta propositura, mas sempre o seu desenvolvimento está ligado a produção de um “saber complexo”! Impossível um sujeito ser interdisciplinar. Isso depõe contra todas as regras do processo científico que exige uma profunda disciplinaridade, aprofundamento do conhecimento sobre a realidade. A interdisciplinaridade, sendo um atributo da realidade, ela só pode ser obtida pelas práticas multi ou pluridisciplinares. Esta é a hipótese que trago para este seminário13. A interdisciplinaridade é um atributo da realidade e somente é alcançada pelas práticas multidisciplinares. Eis onde começa a ação do conceito proposto por este seminário. Então, nas universidades, no processo de conhecimento que ai é gestado, a interdisciplinaridade somente se dá com a práxis temática – ou seja, o conhecimento da realidade a partir de recortes julgados importantes e imprescindíveis para tanto. E essa práxis só pode ser um processo realizado multidisciplinarmente, pois este é o requerimento da realidade interdisciplinar, expressão da totalidade, como sempre ela é definida. E, mesmo assim, 13 Recentemente participei da criação da UNILA, como sua pró-reitora de Gradua- ção, encarregada de criar e implantar as grades curriculares dos 16 primeiros cursos da universidade. Essa universidade no seu projeto de criação ela se define como uma univer- sidade interdisciplinar, multicultural e bilíngue, com vistas a integração latino-americana. Minhas reflexões para constituir os cursos com todos esses atributos foi um árduo traba- lho de um ano e meio! Mas lamentavelmente não pude implantar a interdisciplinaridade como uma práxis do conhecimento do continente, objetivo central e precípuo da UNILA. Mas não há tempo aqui para discorrer sobre esse projeto. O que pude ver, preparando-me para essa tarefa é que, equivocadamente, esse atributo sempre tratado institucional- mente tem sido, ainda, objeto de muita discussão, especialmente na França – pós maio 68 – e nos Estados Unidos, pai desse conceito e dessa ideia ainda no século XIX.
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_________________________VII SIMPGEO________________________ “a práxis não afirma mesmo dogmaticamente a racionalidade absoluta do real, se entendemos que a realidade obedeceria a um sistema definido de princípios e de leis a priori, ou em outras palavras, que ela se conformaria a certo tipo de razão constituída; o pesquisador, o que quer que ele busque, onde quer que ele vá, coloca em sua atividade que a realidade se manifesta- rá sempre de maneira que se possa constituir por ela e através dela, uma espécie de racionalidade provisória e sempre em movimento. (SARTRE, 1985:p. 139). Todos os textos propostos sobre esta questão ignoram, exceto os sartreanos, o que seja atingir a totalidade, que é uma característica da realidade cada vez mais mutante do mundo em que vivemos. E, reparem que acima, concordei com autores que propõem a ideia da totalidade para a compreensão do mundo. Basta para isso voltar a Marx, a Sartre, ou mesmo Milton Santos, com sua Geografia Nova, que adoto em minhas reflexões e pesquisas. “A História opera, a cada instante, de totalizações das totalizações” (SARTRE, 1985), ou seja, opera a cada instante sobre o movimento da totalidade, a interação de todas as totalizações. Como então realizar, para ser redundante, essa práxis no processo de conhecimento, pois falamos de inter-disciplinaridade? Pelo visto a interdisciplinaridade é objeto de múltiplas visões, logo de falta de consenso sobre de fato o que ela é. BICALHO e OLIVEIRA, por exemplo, falam em “experiências interdisciplinares”, as quais, segundo Domingues (2005) apresentam três características básicas: a. A aproximação de campos disciplinares diferentes para a solução de problemas específicos, o que no âmbito deste texto se configura como a multidisciplinaridade. b. O compartilhamento de metodologias; c. A geração de novas disciplinas após cooperação e fusão entre campos. Neste texto não acatamos esta propositura pelos princípios explicitados, mas, sobretudo, por afirmar, baseada em muitos epistemólogos que não é a combinação de saberes que geram novas disciplinas. Estas nascem de objetos ou processos de estudos extraídos da ___________________________________________________________ 15
_________________________VII SIMPGEO________________________ realidade, essa totalidade mutante segundo SARTRE. Colocamos este exemplo, vindo das ciências da informação, para explicitar como fica difícil discutir o tema da interdisciplinaridade ou o da multidisciplinaridade, sem confrontar om uma concepção de mundo e com o método adotado. Interessante notar que a grande maioria dos textos consultados, especialmente de autores brasileiros, o método subjacente para a compreensão do que seja a inter ou a multidisciplinaridade é aquele vincula- do a escola analítica, ou seja, valendo-se sempre do método descritivo ou o método indutivo. A perspectiva sartreana de trazer a dialética para esse processo do método não é aqui considerada. Dai sempre a necessidade de buscar, nesses textos que aqui criticamos tipologias e classificações, que explicitam uma visão bastante específica da realidade e do método adotado. Hoje a descrição ou mesmo a indução não dão mais conta de compreender e, menos ainda, de explicar uma realidade mutante, aceleradamente. Estas são as características deste período histórico! Nesta altura da reflexão, retomemos o começo: Foi mencionado, anteriormente, sob a inspiração de Edgar Morin, sobre o que é uma disciplina e qual sua importância no desenvolvimento do conhecimento14. Não há possibilidade aqui, por absoluta falta de espaço no âmbito de um texto resultante de uma palestra, para elucidar as distintas proposições que fundamentam essa discussão, realizadas por colegas ilustres, desde há muito. Alguns deles, que de alguma maneira inspiraram esta reflexão, mas não estão citados. No entanto, certamente, ao longo do tempo de meus estudos e leituras eles foram personagens para muito estimulo ou inspiração. Há aqui uma proposta sobre o que é a Geografia. Buscou-se também deixar claro que o conhecimento geográfico é um excelente ponto de partida para estas discussões, mas que curiosamente jamais foram citados nos textos e obras consultadas, lidas, estudadas, há anos! A Filosofia, a Historia (mães dessa problemática para alguns autores), mas também a psicologia, a psiquiatria, a biologia, a saúde, a linguística, a pedagogia, para citar apenas algumas, são sempre exercitadas nas discussões sobre aquilo que nos propomos fazer aqui. Mas nessas discussões e polêmicas a Geografia está sempre ausente, embora o 14 Aqui já caberia uma discussão sobre o que nos propõe Michel Foucault em “Les Mots et les Choses une archéologie des sciences humaines”, quando nos convida a se- guinte reflexão, de enorme interesse da geografia: primeiro pela fundamentação da se- paração das ciências da natureza e das ciências sociais e, segundo, pela necessidade de manejo da “síntese” num dado momento da historia das ciências.
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_________________________VII SIMPGEO________________________ espaço seja o elemento central da preocupação! Certamente pelo fato de que a Geografia se difundiu sempre numa perspectiva positivista de conhecimento do mundo, em- bora muitos concordem que o componente “território” é um elemento central da inter, multi, pluri ou transdisciplinaridade. 15 Logo, procede esta nossa discussão, sobretudo no âmbito da produção do conhecimento na pós-graduação. Resta, finalmente, destacar a multidisciplinaridade indispensável à constituição da compreensão da realidade interdisciplinar. É aqui advogada a tese de que todas as ciências nesta contemporaneidade necessitam da abordagem multidisciplinar, sobretudo, a Geografia. Multidisciplinaridade e pluridisciplinaridade são procedimentos, práticas de trabalho, classicamente utilizadas nos temas considerados multidisciplinares, como próximo a nós é o planejamento urbano e regional. De que se trata essa multi ou pluridisciplinaridade? Trata-se efetivamente de uma prática pretensamente coletiva (de várias disciplinas) estudando e alimentando o conhecimento e saberes de um mesmo tema. No entanto, esse processo se dá com metodologias e procedimentos específicos de cada uma delas, nem sempre convergindo para um texto orgânico, mas justaposto, o que acaba por deformar o processo de conheci- mento ou de proposição, como por exemplo, no caso do planejamento. Proponho que a multidisciplinaridade não seja uma panaceia de múltiplos caminhos, mas que se volte esse procedimento de produção de conheci- mento ou de propostas para um objetivo comum, porém minimamente composto de saberes articulados. Aqui reside uma questão de MÉTODO importante, que deve ser colocada, à priori: 1. Tratando-se de multidisciplinaridade, para que ela surja de forma explicita e competente, impõe-se uma profunda disciplinaridade. Esta deve ser voltada para o objeto de estudo de modo que seja capaz de gerar objetivos comuns a serem constituídos pelas diferentes abordagens disciplinares. Este processo precisa ser 15 A transdisciplinaridade é proposta como uma possibilidade de promover a inte- gração dos saberes. Ela diz respeito a unidade do conhecimento. O prefixo “trans” signifi- ca aquilo que existe ao mesmo tempo em todas as disciplinas, que as atravessam. Do meu ponto de vista ela é produto de um processo de trabalho, mas como atributo mesmo da realidade, destacando aquilo que pode ser comum a todas as disciplinas no processo de produção do conhecimento, de novos saberes. Se aqui se busca na pratica interdisciplinar, o comum entre as disciplinas, acredito que esse esforço seja o epicentro da resultante do pensamento critico. A compreensão das descobertas das desigualdades socioespaciais exigem conhecimentos transdisciplinares buscado nas essência da constituição de uma infinidade de disciplinas das ciências sociais. Já a interdisciplinaridade é um requerimento objetivo do conhecimento, pois se constitui em um atributo da realidade concreta.
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_________________________VII SIMPGEO________________________ realizado de forma profunda e contundente, de modo a constituir o diálogo e a troca multidisciplinar que é o requerimento e atributo da realidade interdisciplinar, objeto do processo de conhecimento ou intervenção. 2. No caso do planejamento, como também no caso da Geografia, torna-se necessário a constituição de um método de trabalho com vistas ao conhecimento de seus respectivos objetos: no planejamento o “projetamento” da realidade para o futuro e no caso da Geografia o conhecimento aprofundado da realidade, no presente, com vistas a compreensão do futuro. Em ambos os casos, o sucesso da multidisciplinaridade dependerá das competências disciplinares, do refinamento do conhecimento do objeto ou processo em questão e da capacidade de convergir para a interdisciplinaridade, ou seja, da construção de um saber novo sobre a realidade que é sinônimo de totalidade em movimento, portanto intangível. Assim é o espaço geográfico. 3. Aqui, no entanto, é fundamental trazer para a discussão o tema da contribuição disciplinar, ou das “especializações”. A Geografia é um campo fértil dessa discussão, pois em nossa identidade, inclusive, ela fica evidente: até hoje decidimos não enfrentar, com profundidade e em função da compreensão do que seja nosso objeto de estudo, qual é afinal a nossa disciplina. Este é um problema que do ponto de vista dos fundamentos epistemológicos que trago aqui, complica e mesmo atrasa do ponto de vista epistemológico, o necessário revigoramento da disciplina geográfica. E, enquanto não enfrentamos essa discussão, civilizadamente, produzimos uma imensidão de conhecimento bastante questionáveis do ponto de vista metodológico e epistemológico e, claro, da sua eficácia como possibilidade de conhecimento geográfico da realidade de hoje. Quando, por exemplo, examinamos um programa de um evento geográfico ele exibe um enciclopedismo superficial para nós mesmos. Imagine se, com isso, precisássemos para valer, participar de um diálogo multidisciplinar sobre a imensidão de te- mas que afetam a Geografia nos dias de hoje? É inadmissível, como sempre foi, aliás, que o geógrafo seja um “especialista”. Não é sem razão, que entre nós mesmos, nos intitulamos, lamentavelmente, de “especialistas em conhecimentos gerais”. Desnecessário comentar aqui o lamentável e inaceitável sentido dessa assertiva! ___________________________________________________________ 18
_________________________VII SIMPGEO________________________ 4. O diálogo multidisciplinar é sempre crítico, pois sem isso o conhecimento disciplinar ou interdisciplinar não avança! Para a nossa disciplina, no entanto, isso é fundamental, inclusive na vida acadêmica, para sabermos sobre a pertinência ou não da geografia que ensinamos e suas ênfases. Mas o fundamental é sabermos que a ênfase pode não significar um trabalho geográfico a não ser nominalmente. Epistemológica ou metodologicamente hoje em dia nossa ciência não se sustenta. Ou ela é destruída pela fragilidade metodológica (dissolução do objeto em dezenas de recortes temáticos sempre descritos) ou pelas tecnologias da informação. A fotografia, o cinema, o vídeo, o celular impõem a geografia uma nova prática científica. Caso contrário ela não se sustenta! Este é, sem dúvida, o pano de fundo da fragilidade e inconsistência de boa parte dos estudos geográficos hoje produzidos: superficiais, sem método, enciclopédicos, restritivos, desatualizados pela própria dinâmica do mundo, vale dizer, pelas dinâmicas das paisagens. A multidisciplinaridade requer uma justaposição de conhecimentos a partir dos quais um novo método necessita surgir para o conhecimento da realidade. Na Geografia praticamos isso cotidianamente. No entanto, nesse percurso multidisciplinar que praticamos individualmente e não coletivamente em nossos estudos, sempre nos esquecemos do es- paço e nos tornamos travestis disciplinares. Na Geografia Urbana, que domino melhor, isso é um fato passível de comprovação. Um estudo de verticalização, por exemplo, para permanecer na minha ceara, sempre se descamba para sofisticados estudos de renda da terra ou de projetos de financiamento para apartamentos, para citar algumas deformações. Ou mesmo, estudos sobre o Estado, que está longe de ser um elemento do estudo geográfico, abundantemente tratado por teses de doutorado e disciplinas nos cursos de Geografia! Como não discutimos o método, pois não discutimos a nossa disciplina, vivemos em uma terra do “vale tudo” ou da “feira livre”, como foi sugerido, anteriormente. É nesta perspectiva que penso na enorme contribuição trazida por Milton Santos e sua Geografia Nova. Ela é constituída de um perfeito arcabouço teórico metodológico, com conceitos e definições a partir dos quais a geografia que tem o dever de estudar o presente, através de seu objeto que é o espaço geográfico e o faz com competência, coerência e profunda disciplinaridade, com enormes possibilidades de diálogos multidisciplinares. Meus estudos sobre segurança pública, saúde, sistema ___________________________________________________________ 19
_________________________VII SIMPGEO________________________ de justiça, desigualdades socioespaciais demonstram isso. Exemplifico me- lhor: como um geógrafo deve estudar a complexidade do semiárido ou do arenito que arrebata o oeste do Paraná? Da mesma maneira daquele que estuda a metrópole de São Paulo? Evidentemente que não! Mas o objeto é o mesmo: o espaço geográfico, as paisagens, o uso do território, a constituição dos lugares. O que vai diferenciar um do outro são as ênfases: em um o avanço tecnológico, no outro a composição do solo, a geologia e a geomorfologia, por exemplo, mas todos tendo como objetivo compreender a presença do ser humano na superfície do planeta, no presente. Essas ênfases são que constituem o diálogo multidisciplinar e que deveriam constituir as diferentes constituições dos cursos de Geografia espalhados pelo Brasil e de seus programas de pós-graduação. Não debatemos em nossas reuniões epistemologias e métodos, mas enunciados e temas! Disciplina, multidisciplinaridade são praticas inerentes do dia a dia do geógrafo. O que ele não pode jamais é se esquecer do espaço e destinar seu trabalho a desvendar as relações sociais, em seus múltiplos temas e se esquecer do espaço. Fazendo praticamente geografias sem espaço geografias especializadas, setoriais onde o espaço geográfico desaparece, bem como o território usado. Geografias sem territórios, pois sem diálogos multidisciplinares. E não deve haver espanto, pois as geografias dessa contemporaneidade revelam a complexidade da vida humana sobre o planeta, objetivo da criação de saberes novos feitos pela nossa disciplina, desde sempre. Provavelmente a Geografia possa dar uma contribuição importante, diante da necessidade de aprimoramento de seu método científico, processo que sempre enfrentado pelos geógrafos. Sabemos bem que essa tipologia ligada ao conhecimento, referente a multi, pluri, inter ou transdisciplinaridade reflete um momento do processo de geração de saberes, numa dada visão de mundo. Pois, numa perspectiva dialética, de adoção e compreensão de processos, para os geógrafos a interligação es- paço/tempo expressa pelo uso do território na produção das paisagens, revelam toda essa dinâmica, ao mesmo tempo. Eu os convido a refletir sobre tudo isso, em nossos programas de pós-graduação. As linhas de pesquisa não deveriam refletir a vontade individual de cada pesquisador ou liderança de pesquisa, mas os recortes indispensáveis surgiriam de debates multidisciplinares nas Faculdades, Institutos ___________________________________________________________ 20
_________________________VII SIMPGEO________________________ ou Programas de Pós-Graduação, com interesses comuns e que dizem respeito aos grandes problemas da realidade. O que a Geografia tem a dizer sobre o processo de grande encarceramento dos dias de hoje? Sobre o processo de empobrecimento e violência nas metrópoles? Sobre as imensas massas de migrantes que se mobilizam em todo planeta? Sobre a expansão do ebola no planeta? Sobre a constituição do Estado Islâmico no Oriente Médio, exatamente em territórios sírios e iraquianos? Sobre a escassez de água em uma metrópole com mais de 20 milhões de habitantes, como é o caso atual da Região Metropolitana de São Paulo? Para citar apenas alguns! Continua- remos a ser travestis de historiadores, economistas, filósofos, sociólogos, antropólogos, climatólogos, pedólogos, geólogos? Somos superdotados, enciclopédias vivas, motivo de muitas críticas pejorativas, fazemos tudo superficialmente, pois não dominamos a fundo cada um dos conhecimentos com os quais lidamos? Afinal, o que é a Geografia para muitos, ainda? O que faz o geógrafo, sem travestir-se? Como estudamos essas e outras questões fundamentais para a compreensão do futuro do mundo a partir do papel e significado do nosso objeto de estudo na constituição e compreensão da sociedade contemporânea? Ou permaneceremos no século XIX, com os mesmos dilemas, só que agora auxiliados pelos computadores, pelo Google e pelo “corta e cola”? Como deveremos nos apresentar como cientistas e como sujeitos de uma prática interdisciplinar? O conhecimento descritivo, superficial, temático não se sustenta mais nestes tempos, dado o rigor requerido para o conhecimento de uma realidade complexa, dinâmica e mutante. O que se requer nesta atualidade é o conhecimento da totalidade em movimento. Eis a grande questão e o enorme desafio da pesquisa e da produção do conhecimento geográfico nos dias de hoje. Eu os convido a meditar sobre isto com seriedade científica, não militante!
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERGSON, Henri. A Evolução Criadora. 2005. Martins Fontes. São Paulo. BICALHO, Lucinéia Maria e OLIVEIRA, Marlene. Aspectos conceituais da multi-disciplinaridade e da interdisciplinaridade e a pesquisa em Ciências da Informação. 2011. Encontros Bibli: Revista eletrônica de Biblioteconomia e Ciências da Informação, v. 16, nº 32, p: 1 – 26. Florianópolis. CLAVAL, Paul. 2001. Épistemologie de la géographie. Éditions Nathan/VUEF. Paris. GUSDORF, Georges. O gato que anda sozinho. (2006), in POMBO, Olga; GUIMARÃES, Henrique; LEVY, Teresa. INTERDISCIPLINARIDADE: antologia. Porto/ PT. Campo das Letras. MOREIRA, Ruy. 1988. O que é a Geografia? Editora Brasiliense. Coleção Primeiros Passos. (9ª edição). São Paulo. MUKAKAYUMBA, Édith e LAMARRE, Jules (organizadores). 2012. La Géographie em Question. Armand Colin/Recherches. Paris. SANTOS, Milton. A NATUREZA DO ESPAÇO técnica e tempo – razão e emoção. 1996. HUCUTEC, São Paulo. SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. Do pensamento único à consciên- cia universal. 2000. Editora Record. Rio de Janeiro, São Paulo. SARTRE, J-P. Critique de la Raison dialectique. 1985. Nrf. Editions Gallimard. Paris.
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Capítulo 2 PARTICIPAÇÃO E PLANEJAMENTO URBANO: AVANÇOS, RE- TROCESSOS E A NECESSIDADE DA DEMOCRATIZAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Prof. Dr. Fábio César Alves da Cunha1 INTRODUÇÃO A participação social no planejamento urbano é uma condição necessária para um planejamento democrático e autônomo. O próprio planejamento participativo se tornou exemplo a ser seguido no mundo. Por outro lado, incentivar a participação demanda uma dupla força: dos incentivos para a participação, que têm que ser direcionados a partir do Estado, e da própria vontade da população em querer participar de um processo que a envolve direta ou indiretamente. Na atualidade, essas duas forças vêm sendo minadas tanto por um Estado “Modesto”, que pouco procura fazer para garantir essa participação, quanto pela própria vontade de uma população imbuída num sistema consumista que valoriza o individualismo e as conquistas pessoais em detrimento de causas coletivas num ambiente considerado por alguns autores de pós-democrático e pós político. O presente artigo procura resgatar a inserção da participação no planejamento territorial e nas leis brasileiras, como a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Cidade de 2001. Aborda, na sequência, o que deve ser entendido por participação popular, participação social e a política nacional de participação social que tramita no congresso nacional. Fazem-se algumas considerações sobre uma possível condição urbana pós-política e pós-democrática que substitui o debate e o dissenso por técnicas governamentais que visam consensos, acordos e uma gestão tecnocrática que alija os conflitos políticos e interfere diretamente num processo de desconstrução de direitos adquiridos. Esse processo é 1 Professor Associado do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina – UEL. e-mail: fabioalvescunha@gmail.com
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_________________________VII SIMPGEO________________________ ilustrado por três casos recentes relacionados ao planejamento urbano na cidade de Londrina PR. O artigo é finalizado enaltecendo a necessidade de uma comunicação mais efetiva como condição para restabelecer a participação social almejada e, neste caso, o marco regulatório da comunicação no Brasil, presente na Constituição Federal, que vem sendo chamado “Ley de Medios”, é de essencial importância para a democratização dos meios de comunicação e o restabelecimento de um ambiente democrático, político e com participação. 1. Planejamento Urbano e Participação A teoria e os métodos de planejamento urbano e regional evoluíram significativamente ao longo do século XX de um planejamento urbano centralizado, verticalizado e assimétrico para um planejamento que visa descentralização, horizontalização, equidade e participação social, buscando um caminho que tenta se aproximar de um planejamento autônomo (SOUZA, 2013). A questão da participação social é de crucial importância no desenvolvimento desta autonomia. A Carta de Atenas se constituiu num documento histórico significativo que traz inovações para o planejamento territorial e já assinalava um início de uma participação nesse processo. No ano de 1928, os arquitetos modernistas se reuniram na cidade de Atenas, Grécia, no Congresso Internacional de Arquitetura Moderna e urbanismo – CIAM. Mais do que ordenar, embelezar e sanear a cidade – esta última como decorrência das próprias condições insalubres que atingiam os principais centros no fim do século XIX e início do XX – as influências da escola de Chicago vão se cristalizar neste documento com novas diretrizes para o urbanismo, sendo elas: habitar, trabalhar, recrear e circular. A cidade como parte do conjunto econômico-social e político da região, que deve assegurar a liberdade individual e o benefício da ação coletiva. A verticalização também é objeto de discussão e sua tri-dimensão contribuiria para resolver os problemas de circulação e falta de espaço. A cidade deve ser estudada com sua região de influência e cada cidade deve estabelecer seu plano de desenvolvimento também foram pontos cruciais debatidos e evidenciados. O ponto crucial de que “O interesse privado se subordinará ao interesse coletivo” foi um avanço histórico que mudaria ___________________________________________________________ 24
_________________________VII SIMPGEO________________________ profundamente o entendimento do planejamento urbano a partir daquele momento. Em 1952, a Carta de La Tourette, pequeno distrito de Lion na França, irá aprimorar ainda mais a teoria do planejamento territorial. É nesta carta que surge a expressão “Amenagement du territoire”, que significa povoar e organizar um determinado território de acordo com suas riquezas naturais, além de criar condições ótimas de valorização da terra e do desenvolvimento humano. Isso deve ocorrer pela organização racional do espaço e a implantação de equipamentos apropriados. Equipar o território passa a ser um lema a ser seguido. Quanto à participação da população no planejamento territorial, o documento afirma que a população deve exprimir suas aspirações e sugestões (BIRKHOLZ, 1983, p. 12). Seis anos depois ocorreu, na cidade de Bogotá, Colômbia, um Seminário de Técnicos e Funcionários em Planejamento Urbano. No final do Seminário, organizado pelo Centro Interamericano em Vivenda e Planejamento – CINVA, foi elaborada a Carta dos Andes, que definiu Planejamento como um processo de ordenamento e previsão para conseguir, mediante a fixação de objetivos e por meio de uma ação racional, a utilização ótima dos recursos de uma sociedade em uma época determinada. O Planejamento, portanto, é um processo do pensamento, um método de trabalho e um meio para propiciar o melhor uso da inteligência e das capacidades potenciais do homem para benefício próprio e comum. O que diferencia a Carta do Andes é sua aplicação voltada para países subdesenvolvidos, pois naquele momento já se vislumbrava os graves problemas urbanos que tomavam as cidades latinas, como o crescimento urbano descontrolado, falta de saneamento e serviços, necessidade de administração e manutenção dos serviços sociais e urbanos, grande carência de habitação e, nas áreas metropolitanas, um agravamento dos problemas com os congestionamentos, deterioração de espaços, desemprego e a considerada “patologia social” com o fenômeno favela. A carta afirma a necessidade desses problemas serem tratados em articulação com fatores de ordem regional e nacional. A carta ainda aponta a especulação imobiliária como um problema que deve ser encarado com medidas como rever a política de fixação dos valores imobiliários urbanos, distribuir em justa proporção o custo das obras realizadas entre os beneficiários proprietários, estabelecer e melhorar cadastros, reservar terrenos para programas de interesse social, conceder estímulos as novas construções regulamentadas e impor tributos aos lotes sem uso. ___________________________________________________________ 25
_________________________VII SIMPGEO________________________ O problema da carência de serviços públicos como água e energia deve ser resolvido com a criação de empresas públicas e o zoneamento usado como instrumento básico da organização territorial e, neste caso, zonear de acordo com os estudos demográficos, sociológicos, econômicos e físicos. A carta destaca o trabalho em equipe e a participação da comunidade de forma indireta na elaboração dos planos, sua aceitação posterior e a continuidade do planejamento: “Para que o planejamento tenha poder, este deve emanar da coletividade, através de seus representantes no poder legislativo” (BIRKHOLZ, 1983, p. 20). Esses são os primeiros fragmentos de participação que podem ser citados na evolução da teoria do planejamento territorial. Com o passar dos anos, o próprio processo de urbanização mundial vai se intensificar e trazer novos elementos para esta teoria, incluindo uma participação, que aos poucos vai se tornar mais efetiva e avançar em determinados momentos como também retroceder em outros. No Brasil, a questão da participação no planejamento territorial vai acontecer apenas com o processo de redemocratização, que passa ocorrer a partir de meados da década de 1980 com o fim dos vinte anos da ditadura militar iniciada em 1964. O debate ambiental desde os anos de 1960 e seus conceitos decorrentes, como Desenvolvimento Sustentável e Ecodesenvolvimento, difundidos pela escola francesa no início da década de 1970, já traziam, mesmo que de forma muito tímida, estimular a participação popular além da observação das potencialidades e fragilidades dos sistemas que compunham o meio (SANTOS, 2004, p. 19). A constituição de 1988 foi um marco que abriu caminho para que a participação popular pudesse aos poucos ser efetivada no país. Em seu capítulo II, Da Política Urbana, o Artigo 182 diz: “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes.” Em seu parágrafo primeiro consta que o plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, é obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes e é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. No parágrafo segundo traz que “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”. Esses avanços na política de desenvolvimento urbano, expressados na CF de 1988, foram importantes, pois abriram caminho ___________________________________________________________ 26
_________________________VII SIMPGEO________________________ para a necessária discussão sobre a política urbana no país que culminou na aprovação da Lei 10.257 de 2001, o Estatuto da Cidade, que veio regulamentar tal política treze anos depois. O Artigo 2º do Estatuto da Cidade traz que a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante diretrizes gerais das quais destacamos o inciso 2º: II- Gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano. Na parte sobre os instrumentos em geral, merece destaque o parágrafo 3º do inciso 3º: III – planejamento municipal, em especial: § 3º Os instrumentos previstos neste artigo que demandam dispêndio de recursos por parte do Poder Público municipal devem ser objeto de controle social, garantida a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil. Fica nítido que o Estatuto da Cidade passou a ser um divisor de águas ao que se refere à possibilidade de uma participação mais efetiva nas determinações da política urbana nos municípios brasileiros. A partir deste documento, os municípios aos poucos vão começar a direcionar recursos para a elaboração e aprovação de seus planos diretores já obedecendo as diretrizes estabelecidas pelo Estatuto da Cidade. Em que pese a crítica de que tal fato gerou uma indústria de elaboração de planos diretores em todo o Brasil e de que a participação da população nesse processo é pouco expressiva, é inegável sua contribuição para a mudança na participação. 2. Planejamento Urbano e Participação Gadotti (2014) procura diferenciar a Participação Social da Participação Popular, sendo a primeira aquela que se dá nos espaços e mecanismos do controle social, como nas conferências, conselhos, ouvidorias etc. Nos espaços e formas de organização e atuação da Participação Social: ___________________________________________________________ 27
_________________________VII SIMPGEO________________________ É assim que ela é entendida como categoria e como conceito metodológico e político pelos gestores públicos que a promovem. Essa forma de atuação da sociedade civil organizada é fundamental para o controle, a fiscalização, o acompanhamento e a implementação das políticas públicas, bem como para o exercício do diálogo e de uma relação mais rotineira e orgânica entre os governos e a sociedade civil (GADOTTI, 2014, p. 2 e 3). A participação social na formulação, implementação, monitoramento e avaliação de políticas públicas vem sendo fortalecida, como prevista e reconhecida pela Constituição Federal de 1988. Num país com uma estrutura social injusta e tantas desigualdades, ela é absolutamente necessária, pois, além de ser um instrumento de gestão, ela aprimora a democracia e qualifica as políticas públicas. Já a Participação popular corresponde às formas mais independentes e autônomas de organização e de atuação política dos grupos das classes populares e trabalhadoras, que se constituem e movimentos sociais, associações de moradores, lutas sindicais etc. A Participação Popular corresponde às formas de luta mais direta por meio de ocupações, marchas, lutas comunitárias etc. Embora dialogando e negociando pontualmente com os governos, em determinados momentos, essas formas de organização e mobilização não atuam dentro de programas públicos e nem se subordinam às suas regras e regulamentos. A participação não só define a qualidade da democracia como “a” forma de viver a democracia” (GADOTTI, 2014, p. 3). Para Gadotti, o grande desafio é relacionar e fazer dialogar, no interesse das políticas públicas emancipatórias e dos seus temas e pautas de luta, a Participação Social e a Participação Popular, respeitando e garantindo a autonomia e a independência das formas de organização popular, superando os riscos de cooptação, subordinação, fragmentação e dissolução das lutas populares. ___________________________________________________________ 28
_________________________VII SIMPGEO________________________ É importante lembrar que está em discussão no Congresso Nacional a Lei que pode regulamentar o Decreto Nº 8.243, de 23 de maio de 2014, que institui a Política Nacional de Participação Social – PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social – SNPS, um novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil que deve se constituir num novo arcabouço jurídico e administrativo das relações entre o Estado e essas organizações. O Sistema Nacional de Participação Social, com base no acúmulo alcançado até agora no campo da participação, deverá estabelecer princípios que orientem e facilitem a participação social na formulação, implementação, monitoramento e avaliação de políticas públicas. Um sistema não hierarquizado, aberto e flexível, com uma estrutura em rede que garanta a autonomia das organizações da sociedade civil. A Política Nacional de Participação Social estabelece o papel do Estado como promotor e garantidor do direito humano à participação. O Sistema Nacional de Participação Social deverá articular as políticas de participação social, integrando conselhos, conferências, fóruns, ouvidorias, audiências e consultas públicas e órgãos colegiados, facilitando a participação de organizações e movimento sociais. No fim do mês de outubro de 2014, a Câmara dos Deputados derrubou o Decreto Presidencial Nº 8.243, que ainda precisa de aprovação do Senado para que perca a validade. A oposição acusa o governo de tentar, com o decreto, aparelhar politicamente entidades da administração pública, além de diminuir o papel do Legislativo. Para os deputados da base aliada do governo, em nenhum momento o decreto fere as prerrogativas do Congresso Nacional. 3. Uma condição urbana pós-política e pós-democrática Rancière (1996) considera que a democracia que foi sendo desenhada e consagrada no fim do século XX e início do século XXI é, na verdade, uma pós-democracia na medida que tenta abolir os litígios políticos que a caracterizam e são parte inerente da própria democracia. Uma submissão do mundo social aos regimes do Direito privado e das relações mercantis gera um Estado Moderno pós-democrático, impotente diante dos “mercados”, um Estado “Modesto”. Assim a pós-democracia estaria intimamente vinculada à fase neoliberal que se instala no último quartel do século passado. ___________________________________________________________ 29
_________________________VII SIMPGEO________________________ No ambiente pós-democrático, o Estado modesto torna a política ausente, por isso é também um ambiente pós-político. O Estado modesto é um Estado que torna a política ausente, que renuncia em suma àquilo que não lhe cabe. – o litígio do povo – para aumentar a sua propriedade, para desenvolver os processos de sua própria legitimação. O Estado se legitima hoje ao declarar impossível a política. E essa demonstração de impossibilidade passa pela demonstração de sua própria impotência. A pósdemocracia, ao tornar o demos ausente, deve tornar a política ausente, nos tenazes da necessidade econômica e da regra jurídica, até o ponto de unir uma e outra na definição de uma cidadania nova na qual a potência e a impotência de cada um e de todos venham se igualar [...]. O tema da vontade comum é substituído pelo da ausência da vontade própria (RAN- CIÈRE, 1996, p. 112-114). O Estado Modesto renuncia à política democrática inclusive através de “dispositivos policiais” como a juridicização dos direitos do mercado e as práticas de perícia generalizada, sem renunciar ao poder de regular monopolicamente o pouco que lhe sobra. Nesta regulação, seus peritos tecnocráticos são chamados a manipular as informações que fazem a administração da abundância tornar-se idêntica à administração da crise. Assim, para Rancière, a despolitização significa a reestatização e não o reino da vontade livre. Uma reestatização de um Estado Modesto que garanta um caminho seguro para o livre mercado. “[...] essa pretensa submissão do estatal ao jurídico é antes uma submissão do político ao estatal pelo viés do jurídico, o exercício de uma capacidade de desapossar a política de sua iniciativa, pela qual o Estado se faz preceder e se legitimar” (RANCIÈRE, 1996, p. 110). Em resumo, temos em andamento um processo de despolitização da política na chamada pós-democracia consensual. O ambiente pósdemocrático renunciaria ao litígio e ao conflito, elementos característicos da democracia, e colocaria em seu lugar um estado tecnocrático com ___________________________________________________________ 30
_________________________VII SIMPGEO________________________ práticas terapêuticas proto-científicas que buscam reconduzir os litígios às formas de consenso social ou de “entendimento” pasteurizado num cenário neoliberal e competitivo que marca a contemporaneidade. Swyngedouw (1999) evoca uma condição urbana pós-política e pós-democrática que substitui o debate, a discordância e o dissenso por técnicas governamentais que giram em torno de consensos, acordos e gestão tecnocrática. É evidenciada uma visão consensual de um ambiente urbano que denota um claro e presente perigo por anular o momento propriamente político, inerente a este ambiente, e contribui para o surgimento e a consolidação de uma condição pós-política e pós-democrática. Com base em Rancière, Swyngedouw considera que a noção de política é caracterizada em termos de divisão, conflito e polêmica; assim, a democracia sempre trabalha contra a pacificação da ruptura social, contra a gestão do consenso e de estabilidade. A atual política de sustentabilidade urbana e ambiental na sua forma pós-política e populista é a antítese da democracia e contribui para o esvaziamento de um horizonte democrático marcado pelo heterogêneo e pelo conflito. A política consensual neoliberal não é política. Assim, o consenso não é uma outra forma de exercer a democracia, ele é a negação da base democrática. O ambiente necessário inerente à institucionalização da democracia é repudiado e deslocado para um terreno sócio-técnico jurídico. O que sobra são resistências dispersas e práticas alternativas que pouco podem fazer e o espaço da política é, assim, reduzido à aparente politização desses grupos ou entidades que têm suas expressões de pro- testo enquadradas totalmente dentro de uma ordem existente de polícia e pós-democrática. O arranjo pós-político atual instituído através de formas participativas público-privadas de governança ou sucumbe à “tirania da participação” ou é radicalmente marginalizado e enquadrado como “radical” ou “fundamentalista” e, desse modo, relegado a um domínio fora do acordo pós-democrático consensual (SWYNGEDOUW, 1999, p. 116). A questão que se coloca é: estaríamos vivenciando, inclusive num país como o Brasil, um ambiente urbano pós-político e pós-democrático, como apontam Rancière e Swyngedouw? Muitos avanços na legislação urbana e ambiental foram conseguidos às custas de muito esforço e tempo, como foi exposto no início deste ___________________________________________________________ 31
_________________________VII SIMPGEO________________________ texto, a respeito da inserção da participação na teoria do planejamento territorial e nas principais leis urbanas brasileiras. Por outro lado, a participação da sociedade em questões de seu interesse, relacionadas, sobretudo, ao desenvolvimento urbano, vem há muito tempo deixando a desejar. É comum uma participação esparsa, pontual, quase sempre relacionada a aumento de custos, como em discussões para se decidir a nova planta de IPTU da cidade, algo que pesa diretamente no bolso do contribuinte que, por isso, se vê motivado a participar um pouco. Junto com isso uma população que se vê cada vez mais arredia a questões políticas por decorrência de fatores como um discurso midiático que faz questão de desvalorizar a classe política e, consequentemente, tudo mais que ali estiver relacionado e uma população que, cada vez mais consumista e individualista, se interessa pouco por questões relacionadas à luta por direitos coletivos e à cidadania. Bauman, lembrando Pierre Bourdieu, assinala que a manufatura de novos desejos desempenha hoje o papel que coube outrora à regulação normativa, de forma que a publicidade e os anúncios comerciais podem assumir o lugar antes ocupado pela polícia (BAUMAN, 2000, p. 82). A vida contemporânea cada vez mais caótica e frenética é também usada para justificar a ausência de participação pela falta de tempo. Para alguns analistas, há uma crise da democracia representativa, expressa, entre outros aspectos, na crise dos partidos políticos e no declínio da participação eleitoral. Isso também colabora com uma pouca participação social em questões de interesses da comunidade. Diante de um cenário de pouca motivação e participação efetiva nas questões comunitárias, é aberto um caminho para a desconstrução de conquistas já asseguradas. Acselrad e Bezerra (1999) recorrem ao conceito de backlash, ou seja, o esforço permanente dos grandes interesses econômicos em fazer reverter direitos já conquistados. Nessa dinâmica, as regulações em geral tornam-se uma tapeçaria de Penélope: tudo o que se faz de dia se desfaz de noite. Um exemplo emblemático é o retrocesso do Código Florestal Brasileiro que, depois de muita discussão, acabou por favorecer os grupos econômicos ligados ao agronegócio, comprometendo a proteção ambiental que existia. Com base no que até aqui foi exposto, isto é, em um processo de despolitização da política na chamada pós-democracia consensual (RANCIÈRE,1996), e uma condição urbana pós-política e pósdemocrática (SWYNGEDOUW, 1999), com o conceito de backlash que ___________________________________________________________ 32
_________________________VII SIMPGEO________________________ diz sobre a reversão dos direitos conquistados por grandes interesses econômicos (ACSELRAD, BEZERRA, 1999), é que passamos a analisar, sucintamente, três casos recentes relacionados ao planejamento urbano na cidade de Londrina e a participação da população nesses casos: O Conflito instaura- do entre Conselho Municipal da Cidade CMC e o CONCIDADE, o Projeto de Lei que altera a Lei do EIV na cidade de Londrina e a Subestação da Copel (Jardim Presidente) com suas respectivas Linhas de Transmissão de 138.000 volts.
3.1- O caso Conselho Municipal da Cidade – CMC e o CONCIDADE em Londrina. O Conselho Municipal da Cidade de Londrina – CMC foi criado em 2008 pela Lei que estabeleceu as diretrizes do Plano Diretor Municipal. Em junho de 2012, foi realizada a 2ª Conferência Municipal de Planejamento Urbano e 1ª Extraordinária Municipal da Cidade com o tema “Londrina Participativa: fortalecendo as políticas de desenvolvimento local”. Nesta Conferência foram eleitos os novos Conselheiros Municipais do CMC com mandato transitório até a criação do CONCIDADE, uma exigência do Ministério das Cidades, que visa uma adequação à estrutura determinada por este ministério através de normas legais, de suas resoluções, regi- mentos, entre outros instrumentos. Um outro ponto relevante é que o CMC não tem instituído as determinações dos Artigos 60 a 68 da Lei Municipal 10.637/2008, especialmente no tocante à constituição do Comitê Municipal de Planejamento Urbano e de regulamentação das atividades internas. Sobre a Conferência de 2012 é possível afirmar que a participação da comunidade deixou muito a desejar por vários motivos, dos quais destacamos: uma pré-conferência pouco divulgada, porém prérequisito para a participação da conferência principal, a falta de Regimento In- terno regulamentado e legítimo sobre quem estaria apto a candidato a conselheiro, uma efetiva e bem organizada ação de agentes do mercado imobiliário com mapeamentos de delegados, que contaram com ajuda de transporte e alimentação, já pré-definidos para cada região da cidade, o que pode ser caracterizada como uma participação instrumentalizada (Souza, 2001) a ponto de que o próprio coordenador geral dessas ações acabou se tornando o Presidente do CMC. No mês de junho de 2013, o atual Prefeito, de perfil liberal e que se elegeu no ano anterior dizendo fazer uma “Gestão Técnica”, convoca a ___________________________________________________________ 33
_________________________VII SIMPGEO________________________ realização de uma nova Conferência da Cidade denominada de 5ª Conferência Municipal da Cidade, com a finalidade de se constituir o CONCI- DADE. Nesta Conferência foram legitimamente eleitos os membros para comporem o CONCIDADE-Londrina, na forma que determina a estruturação mínima para constituição do Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano, que disciplina o Conselho Nacional das Cidades, vinculado ao Ministério das Cidades. Os conselheiros eleitos, inclusive, participaram como delegados ativos na 5ª Conferência Estadual das Cidades, realizada em Foz do Iguaçu no mês de agosto de 2013. Ficou faltando apenas o encaminhamento de Lei Municipal instituindo oficialmente o CONCIDADE e extinguindo o CMC. Em meados de 2014, o atual Prefeito ainda não havia encaminhado a formação do CONCIDADE e, contrariando seus membros legitimamente eleitos, convocou uma nova Conferência denominada de 3ª Conferência de Planejamento Urbano, com a finalidade de prorrogar o mandato do CMC. Uma convocação com várias irregularidades em seu Regimento Interno, como a limitação do número de participantes, sem fornecer outro mecanismo de participação e manifestação, tais como a realização de pré-conferências e inexistência de informações sobre quem estaria apto a candidato a conselheiro. Os integrantes do CONCIDADE reagiram e solicitaram o cancelamento da 3ª Conferência de Planejamento Urbano e o envio imediato da Lei que institui o CONCIDADE para a Câmara Municipal. O Prefeito cedeu em termos, pois enviou à Câmara o projeto de Lei com a Criação do CONCIDADE, mas manteve a Conferência que prorrogou o mandato dos conselheiros do CMC, que continuam à frente deste conselho num momento crucial para a cidade de Londrina, pautado pelas discussões de Leis essenciais do Plano Diretor da cidade, como as Leis de uso e ocupação do solo, Lei do zoneamento urbano, Lei do sistema viário e a Lei do perímetro urbano, que estão sendo discutidas no segundo semestre de 2014 e que passam pela avaliação do CMC. Para finalizar, torna-se emblemática a manchete do Jornal de Londrina de 24 de outubro de 2014 que diz: “Comissão (da Câmara) sugere suspensão de projeto que cria CONCIDADE”.
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3.2- O caso das alterações na Lei do Estudo de Impacto de Vizinhança - EIV Em meados de 2014, a Prefeitura do Município de Londrina surpreendeu a todos com o decreto 833/14, que alterou drasticamente a Lei de EIV existente na cidade, com o objetivo de facilitar a liberação de empreendimentos e atividades que dependem deste documento. O decreto foi acompanhado de uma minuta de Projeto de Lei que foi discutido em audiência pública realizada em 30 de julho de 2014, na Associação Comercial e Industrial de Londrina – ACIL, local que foi muito criticado por não ser neutro e sim de uma entidade interessada nas pretensas mudanças. Entre as várias mudanças propostas pelo Projeto de Lei que altera o EIV na cidade de Londrina merecem destaque alguns pontos como: - No artigo 3º, Inciso II, que cria o Comitê de Análise de Estudos de Impacto de Vizinhança – CAEIV, um comitê intersecretarias formado por representantes do Poder Executivo, com atribuição de análise e orientação técnica das condicionantes para a aprovação do EIV; - O termo Consulta Prévia Única é substituído por Relatório Prévio Único, documento que deverá ser emitido pelo CAEIV. Ao eliminar a palavra consulta, o documento afasta por definitivo a possibilidade de uma maior participação por parte da comunidade envolvida. Esta mudança é reafirmada ao longo de todo o documento. - O termo licenciamento urbanístico é também substituído em todo o documento por aprovação do empreendimento. -No Capítulo II, da aplicação do EIV, Artigo 4º, dos nove incisos que existiam, são suprimidos quatro por completo e outros dois sofrem alterações, assim como dois dos três parágrafos deste artigo. - A Seção II, Da Caracterização do empreendimento, é toda suprimida. - A Seção III, Do Comitê de Análise de Estudos de Impacto de Vizinhança – CAEIV – é excluído da participação os servidores efetivos do executivo, demonstrando uma clara ___________________________________________________________ 35
_________________________VII SIMPGEO________________________ opção pelos servidores comissionados. - A Seção VI, Da Análise do Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança, em seu Artigo 31, sobre a documentação necessária, são suprimi- dos sete incisos. - No Capítulo IV, Das Medidas de Adequação Projeto, Prevenção, Correção, Mitigação e Compensação em seu Art. 39, e que tais medidas serão definidas com fundamento nos seguintes princípios, são suprimidos princípios como: direito à cidade sustentável para as presentes e futuras gerações, qualidade do ambiente urbano por meio da preservação dos recursos naturais e proteção do patrimônio cultural e representação democrática dos vários segmentos sociais. - É também suprimido na íntegra o Anexo I (Tabelas de atividades e Empreendimentos Sujeitos a EIV) e o Anexo II (Conteúdo mínimo do Memorial descritivo de Atividades e Serviços): As mudanças pretendidas na nova Lei do EIV pelo executivo municipal da cidade de Londrina estabelecem um corte significativo aos empreendimentos que antes necessitavam deste documento, uma liberação quase que geral, visando os objetivos do empreendedorismo, da construção civil e do capital imobiliário na cidade de Londrina. Não é exagero considerar o fim deste documento para a cidade de Londrina, o EIV, que foi uma grande conquista estabelecida pelo Estatuto da Cidade, aprovado em 2001 depois de muita discussão. O projeto de Lei que altera o EIV na cidade de Londrina foi muito criticado na audiência pública realizada, fato que abriu a possibilidade de algumas alterações no mesmo que, no momento, está tramitando no Conselho Municipal da Cidade de Londrina – CMC, elemento central do primeiro caso aqui relatado.
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3.3- O Caso Subestação da Copel (Jardim Presidente) e Linhas de Trans- missão de 138.000 volts. A cidade de Londrina se caracteriza por ter um processo de verticalização bastante expressivo, que se acentuou ainda mais a partir da década de 1990, sobretudo, em parte da zona sul da cidade, área conhecida como Gleba Palhano, impulsionado pela construção do Shopping Catuaí naquela região. A Gleba Palhano já se caracterizava por particularidades geográficas muito interessantes para o mercado imobiliário londrinense, das quais podemos destacar: uma área muito próxima do centro da cidade, uma área localizada entre o Centro e o Shopping Catuaí, com parte localizada às margens do Lago Igapó, cartão-postal da cidade, uma área que sempre teve como principal acesso a Av. Higienópolis, avenida central da cidade, e - a característica mais importante - a Gleba Palhano era constituída por sítios e chácaras, com baixíssima densidade populacional, que, desde o fim da década de 1980, passaram a ser adquiridos pelo setor imobiliário londrinense (CUNHA, 1991). Esses fatores contribuíram para fazer da Gleba Palhano, na atualidade, o lócus mais verticalizado da cidade, com torres habitacionais acima de 20 andares em média, três delas com mais de 35 andares. O intenso adensamento populacional decorrente desse processo passa a exigir cada vez mais equipamentos urbanos, como duplicação de avenidas, novas vias, viadutos, além da infraestrutura básica, como água potável e energia elétrica. Para manter o fornecimento de energia condizente com a demanda crescente da zona sul, principalmente da Gleba Palhano, a Companhia Paranaense de Energia – COPEL, projetou em 2010 a construção de uma nova Subestação de Energia, que se localizaria próxima à Gleba Palhano e que se conectaria à duas outras: a Subestação Jardim Bandeirantes, loca- lizada na Zona Oeste da cidade, e a Subestação Igapó, na zona sul. A nova Subestação, denominada de Jardim Canadá, mas localizada no Jardim Presidente, com suas linhas de transmissão de 138.000 volts, começou a ser construída em 2012 e de lá pra cá despertou a revolta de moradores impactados que alegam várias irregularidades na obra, das quais destacamos:
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_________________________VII SIMPGEO________________________ - Localização da Subestação Jardim Canadá em Área de Preservação Permanente – APP e em área de Laser (o Aterro do Lago Igapó). A subestação fica a menos de 30 metros do fundo de vale que forma o Lago Igapó 3. A subestação também se localiza muito próximo a residências, bares, casa de show e uma faculdade. Não se sabe o porquê desta localização, já que o ideal seria que tal obra se localizasse às margens da Rodovia PR 445, Rodovia Celso Garcia Cid, nas proximidades da Gleba Palhano. - Linhas de transmissão com 138.000 volts, em ruas simples e bairros densamente ocupados (casas, escolas e até um orfanato) e não em rodovias ou avenidas com canteiros centrais, como recomendado, além de não respeitar a faixa de servidão necessária, como a própria COPEL exige em alguns de seus folders. - Comprometimento da acessibilidade nas calçadas. Os chamados superpostes chegam a 22 metros de altura e 0,70 metro de diâmetro na base, o que inviabilizou a acessibilidade em várias calçadas dos bairros impactados. - Não foi realizada audiência pública com a população envolvida, apenas uma reunião com parte dos moradores, que depois foi de- nominada de “audiência”. - Nenhuma informação foi passada sobre os problemas de saúde decorrentes dos campos eletromagnéticos em redes de alta-tensão elétrica. Os estudos sobre este assunto ainda não são conclusivos: “não se pode afirmar com certeza científica que os campos eletro- magnéticos causem danos à saúde; nem, tampouco, que eles sejam inofensivos. O principal risco revelado pelas pesquisas científicas mais recentes é o de leucemia infantil” (BOITEUX, 2008, p. 58). Muitos países da Europa têm adotado o princípio da precaução, buscando proteger suas populações desses possíveis efeitos. Apesar de todas essas irregularidades, o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina – IPPUL, a Secretaria do Meio Ambiente do município de Londrina – SEMA e o Instituto Ambiental do Paraná– IAP, órgão estadual, concederam alvarás e licenças para que as obras da Subestação e as Linhas de Transmissão fossem iniciadas. ___________________________________________________________ 38
_________________________VII SIMPGEO________________________ Um documento da SEMA chegou a afirmar que “havia óbices” o projeto, porém, tal documento foi substituído poucas semanas depois por um outro, da mesma secretaria, que afirmava “não haver óbices” sem qualquer alteração do projeto para a obra. No ano de 2013, parte dos moradores impactados próximos a subestação reagiu ao tentar impedir a instalação dos superpostes, mas foram coibidos por decisão judicial que favoreceu a COPEL e estabeleceu multa diária de mil reais para quem voltasse a impedir os trabalhos de instalação. Por outro lado, os moradores da Gleba Palhano, considera- do bairro nobre, conseguiram, com pouco esforço, retirar do projeto as linhas de transmissão que passariam pelo bairro, o que não aconteceu com os demais bairros envolvidos, como Jardim Presidente, Universitário, Versalhes, Pinheiros, Jamaica e Bandeirantes. A promotoria do Meio Ambiente foi acionada e destacou que se houvesse comprovações técnicas que demonstrassem outras opções de locação para o projeto, a mesma tomaria atitudes contundentes e contrárias à efetivação do mesmo. Desta forma, em julho de 2014 foi protocolado junto a esta promotoria a cópia do parecer técnico emitido por engenheiros eletricistas do Clube de Engenharia e Arquitetura de Londrina – CEAL, que expressa a inexistência de razões técnicas plausíveis para a implantação do projeto no local definido, destacando os prejuízos à paisagem urbana e à acessibilidade. A Promotora do Meio Ambiente nunca se manifestou sobre esse documento. Os moradores impactados conseguiram sensibilizar alguns vereadores do município, que convocaram pela Câmara Municipal uma Audiência Pública, que ocorreu em agosto de 2014. Nesta audiência, que contou com pouca participação da população envolvida, foi tirado um grupo de trabalho para analisar o caso que ainda tramita na prefeitura. Os morado- res impactados não querem que seja concedido o alvará de funcionamento da subestação e a empresa COPEL ameaça pela mídia a possibilidade de faltar energia se as licenças não forem liberadas.
4. Participação e Comunicação Estes três casos recentes envolvendo o planejamento urbano na cidade de Londrina demonstram como forças contrárias a um planejamento democrático conseguem se impor na atualidade, trazendo retrocessos de direitos e conquistas, desconstruindo leis, normas e o ___________________________________________________________ 39
_________________________VII SIMPGEO________________________ próprio ordenamento territorial da cidade. Neste ponto, o conceito de backlash de Acselrad e Bezerra (1996) se mostra atual. Entretanto, é preciso repensar novas formas de participação social e popular que possam impedir ações desta natureza. Faz-se necessário refletir sobre como resistir a essa desconstrução da cidade que estamos vivenciando e como pensar novos mecanismos de participação. O que se mostra com muita clareza é que não é possível falar em participação social, sem falar em comunicação e das deficiências da comunicação em nosso país e, entre delas, a que mais pesa é ainda o monopólio da comunicação. Raffestin (1980) já afirmava da “necessidade da concorrência entre redes de comunicação públicas e privadas para uma comunicação democrática”. No Brasil, oito famílias detêm o monopólio da comunicação de massa, o que lhes confere um poder econômico e político sem paralelo. As organizações Globo, da família Marinho, controla 69 veículos de comunicação vinculados às redes Globo de televisão, Globo de rádio e CBN de rádio. Também possui o Jornal Globo, portal na internet e editora. O Sistema Bandeirantes de comunicação, da família Saad, controla 47 veículos nas seguintes redes: Band de TV, Band News FM, Band FM, Play TV e Band Sat. A Igreja Universal do Reino de Deus, comandada pelo bispo Edir Macedo, controla 27 veículos em quatro redes: Record TV, REcNews TV, Família TV e Aleluia FM. O Sistema Brasileiro de Televisão – SBT, do Silvio Santos, família Abravanel, controla 19 veículos de comunicação. Outros dois grandes jornais impressos do país são controlados pelas famílias Frias (Folha de São Paulo) e Mesquita (O Estado de São Paulo). Estes veículos de comunicação, muito deles fruto de concessões do regime militar, assumem posições parciais e muitas vezes partidárias; com frequência cerceiam informações e evidenciam o que lhes interessam. Além da questão do monopólio, o conteúdo, obrigação de conteúdo educativo e de conteúdo nacional, não obedece normas claras. Tudo isso inviabiliza a possibilidade de democratizar os meios de comunicação e, consequentemente, de participação social. Neste caso, faz-se necessário um marco Regulatório da Comunicação no país, o que vem sendo chama- do de “Ley de Médios” e que pode mudar este cenário.
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_________________________VII SIMPGEO________________________ No Brasil, a Constituição Federal de 1988 estabelece em seus artigos 220, 221, 222, 223 e 224 a possibilidade desta regulação, apesar de o Congresso Nacional não fazer questão de tratar desse assunto. Países como a Estados Unidos, Reino Unido, França, Portugal, Venezuela e Argentina já contam com a regulamentação da mídia que de- fende o conteúdo nacional e local, assim como o cultural e o educativo, o limite de inserção de propagandas e o não monopólio dos meios de comunicação, com a regularização das concessões. Defender a regulamentação da mídia é um passo importante para a democratização dos meios de comunicação, condição necessária para abrir possibilidades de uma melhor comunicação e participação comunitária com a expansão dos meios de comunicação comunitários. A comunicação comunitária pode encontrar novos mecanismos de incentivo à participação social nos problemas locais, incluindo os de planejamento urbano, e procurar mudar a condição urbana pós-política e pós-democrática aqui relatada para, desta forma, impedir a desconstrução da cidade que vem se apresentando na atualidade, como mostram os casos de Londrina citados.
Conclusões A participação social no planejamento urbano é uma condição necessária para que este seja democrático e justo. Tal participação, na atualidade, se mostra parca, esporádica, quando não inexistente, o que abre brechas para que forças econômicas imponham seus interesses em um ambiente consensual tecnocrático pós-político, pós-democrático, o que vai aos poucos desconstruindo direitos e conquistas. Os três casos relacionados ao planejamento urbano na cidade de Londrina ilustram esta desconstrução e nos mostra a necessidade de pensarmos novos mecanismos de participação social. O marco regulatório da comunicação, a Ley de Medios, é um caminho que pode democratizar os meios de comunicação, condição primordial para que esses mecanismos sejam encontrados.
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_________________________VII SIMPGEO________________________ RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. S. Paulo: Ed. Ática, 1993. RANCIÈRE, J. O Desentendimento. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1996. SANTOS, R. F. Planejamento Ambiental Teoria e Prática. São Paulo: Oficina de Textos, 2004. SOUZA, M. L. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013. SWYNGEDOUW, E. The antinomies of the post political city: in search of a democratic politics of environmental production. Oxford OX4 2DQ, UK and 350 Main St, Malden, MA 02148, USA: International Journal of Ur- ban and Regional Research, Volume 33.3, 2009.
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Capítulo 3 TENDÊNCIAS DA GEOGRAFIA BRASILEIRA HOJE: GÊNERO, PATRIMÔNIO, SAÚDE, RELIGIÃO E OUTRAS TEMÁTICAS Maria das Graças de Lima RESUMO Temáticas como Geografia e Gênero, Geografia e Patrimônio, Geografia da Saúde, Geografia da Religião, dentre outros assuntos que também seguem sendo estudados: segmentos sociais rurais e urbanos, não são inéditas na Geografia brasileira. Já estudados pelos clássicos, retornaram a produção acadêmica brasileira nos últimos 20 anos, em razão da aprovação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), em 1997 e da retomada de uma Geografia que fundamentou teoricamente tal proposta, a Geografia Cultural. A aprovação de Reformas Educacionais em diversos países a partir de 1991, era a ação imposta em prática pelas Políticas Sociais definidas pelas mudanças que ocorreram a partir de 1973 (Crise do Petróleo), 1980 (Mudanças Políticas) e 1990 (Mudanças Econômicas) e que atingiriam tanto o mundo Capitalista quanto o Socialista. A leitura que faremos da Geografia Cultural tem como referência o Ensino da Geografia, a Geografia Agrária, a Antropologia Social, a Etnografia. Nosso diálogo foi inicialmente com a Etnografia por causa do trabalho de campo realizado em pesquisa desenvolvida na Geografia Agrária, e posteriormente subsidiou a pesquisa desenvolvida no Ensino de Geografia. Palavras-chave: Geografia Agrária, Etnografia, Ensino de Geografia, Geografia Cultural. Introdução As reflexões que apresentamos neste texto foram resultados de diálogos desenvolvidos em momentos de pesquisa, quando tínhamos que definir procedimentos de campo, referenciais bibliográficos que fundamentassem a pesquisa que desenvolvíamos. Como pesquisas refletem sempre momentos coletivos, poderíamos afirmar que alguns pesquisadores preocupavam-se com a ausência de procedimentos nos
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________________________VII SIMPGEO________________________ trabalhos de campo da Geografia Brasileira, sentidas principalmente a partir da década de 1990. A Mesa Redonda “Tendências da Geografia Brasileira hoje: Gênero, Patrimônio, saúde e Religião” proposta para o VII Simpósio Paranaense de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia reflete em parte o avanço das pesquisas desenvolvidas na Geografia Cultural, de grande produção na comunidade externa brasileira (Estados Unidos e Europa), que vem ganhando espaço na Geografia Brasileira, desde a década de 1990. A Geografia Cultural no Brasil tem se concentrado entre a produção de Karl Sauer, fundamentando principalmente a pesquisa daqueles que adotam o trabalho de campo em seus procedimentos metodológicos; seja estudando aspectos da zona rural ou urbana; e Paul Claval, que entendemos como um desdobramento das pesquisas de Sauer, à medida que sua produção teórica se volta para questões mais atuais da Geografia Cultural: patrimônio imaterial, ou para questões que se desdobram das clássicas Geografia Agrária e Urbana: Turismo, Educação Ambiental, Diversos Territórios entendendo como diversas expressões sociais no es- paço urbano e agrário. A área da pesquisa e o objetivo a ser alcançado definem os procedimentos a serem adotados para o levantamento/coleta de campo. A área que mais se ressentiu com a ausência de instrumentais em seus procedimentos de campo foi a Geografia Agrária, por causa de suas preocupações com as relações sociais envolvidas nas relações de produção, em destaque a partir das décadas de 1960/1970. A oposição à Geografia Rural, uma abordagem que retratava com maior ênfase a vida econômica no campo, a produtividade, a produção, em destaque por causa do processo de modernização pela qual passava a agricultura brasileira, com ênfase na agricultura paranaense, não explicava o que ocorria com a questão agrária naquela conjuntura. Denominada de Moderna Agricultura, concentrou terras, privilegiou a produção em grande escala e destinada a exportação. Usurpou anos de escolaridade da população que em idade escolar migrou da área rural para a área urbana e não teve sua escolaridade garantida. Interpretação propalada pela Geografia Quantitativa, e delegada a toda produção anterior a década de 1970, a Geografia Rural recebeu críticas daqueles que não faziam a mesma leitura Sobre o significado do progresso da agricultura brasileira. ___________________________________________________________ 46
________________________VII SIMPGEO________________________ A difusão de uma leitura social apregoada pela Geografia Crítica, de tendência marxista, levou aqueles que pesquisavam a questão agrária do país a buscar metodologias que levantassem informações da realidade agrária brasileira, que naquela conjuntura expressava situações de conflito em torno da posse e da propriedade da terra reflexos de duas décadas, para resumir, de questões suscitadas pela aprovação do Estatuto da Terra e do Trabalhador Rural, somando-se às tentativas de Reforma Agrária. Sobre os conflitos das décadas de 1980, 1990 pesquisados pela Geografia Agrária e Urbana há extensa bibliografia disponível impressa e digital, produzidas em Universidades e publicadas por editoras universitárias e comerciais (LIMA, 2011). A pesquisa que desenvolvemos em Geografia Agrária, sobre as transformações agrárias que ocorriam no Estado do Paraná, durante as décadas de 1970 e 1980 (LIMA, 1993), na Região Noroeste do Paraná, nos aproximou da produção etnográfica, produzida pela Antropologia Social, com diversos autores ligados a Etnografia Norte americana e brasileira, aprofundadas as leituras de Benedict (1988), Sahlins (1990), Geertz (1978), Queiróz (1978, 1991). Identificamos na contribuição de Donald Pierson (1977) essa relação entre a antropologia Social Brasileira e Norte Americana, estabelecida na década de 1950, quando a Geografia Cultural já também estabelecia seu arcabouço teórico na produção Norte Americana, com destaque para o trabalho de campo. A utilização de entrevistas que levantavam oralmente a estória de vida do entrevistado, e distinta da entrevista estruturada, uma opção na coleta de dados, e o trabalho de campo registrando espacialmente as informações levantadas, em paisagem passada e presente, permitia o cotejamento do processo pesquisado, entre a revisão bibliográfica e as informações levantadas em campo, que envolvia o convívio com o segmento social estudado. Foi a partir dessa necessidade que na conjuntura da década de 1990, já representando um “novo” advento da Geografia Cultural no Brasil, autores como Gertz (1978, Ruth Benedict, da Etnografia Norte americana, e autores da Etnografia brasileira como Maria Isaura Pereira de Queiróz, Carlos Rodrigues Brandão, auxiliaram nos procedimentos de campo, principalmente na Geografia Agrária. No auge dos debates influenciados pela leitura marxista nas práticas e leituras geográficas, buscando apontar direções e explicações para a produção e ação geográficas, o trabalho de campo recebia críticas em razão de seus procedimentos adotarem instrumentais “descritivos”. Essa ___________________________________________________________ 47
________________________VII SIMPGEO________________________ crítica, sem muita clareza, dirigia-se às pesquisas desenvolvidas pela Geografia Física, mais ligada ao funcionamento de aspectos da natureza. Essa leitura da paisagem destoava da leitura ambientalista que passou a influenciar a produção que estudava a dinâmica da natureza a partir da década de 1970,e que privilegiou os aspectos naturais muito degradados pela ação humana. Contrariando a conjuntura vivida na década de 1980 algumas pesquisas estimulavam o uso do trabalho de campo nos procedimentos metodológicos: ASARI (1992), STIER (1981), e CARVALHO (2007a, 2007b) com pesquisas na Geografia Agrária, evidenciavam a importância desse procedimento na pesquisa geográfica do Norte do Paraná. Com dificuldades para localizar a produção geográfica que apresentava os instrumentais utilizados em trabalho de campo, no sentido de indicar como proceder para obter uma entrevista, realizar questionário, registrar observações sobre o espaço geográfico pesquisado, deflagramos diálogo com a Antropologia Social, mais especificamente com a produção Etnográfica, buscando procedimentos que permitissem o desenvolvimento do trabalho de campo que utilizaríamos na pesquisa que desenvolvíamos sobre as transformações agrárias no Paraná. A partir da história de vida para caracterizar a colonização que ocupou o Noroeste do Paraná, e estabelecer a rede de entrevistados, que ultrapassavam o critério da classe social, pois entrevistados se auto indicavam independente da classe que acabaram ocupando no município em que passaram a residir na mesma época de ocupação, reconstituímos a ocupação do local procurando informações sobre as relações sociais e econômicas que resultaram daquele processo. Quando a pesquisa em Geografia não pretendia fazer uma leitura econômica, ou teórica influenciada pela leitura marxista encontrava problemas para realizar o trabalho de campo, o que justificou a adoção de autores da Etnografia norte americana, que produziram muitos relatos sobre outras culturas encontradas em diversas regiões do mundo. Embora pretendesse fazer uma leitura social do processo pelo qual passava a questão agrária no Brasil ao longo das décadas de 1980 e 1990, a leitura geográfica desse processo acabava influenciada pela leitura da Geografia Rural, mais preocupada com as questões econômicas. Na mesma conjuntura, além dos autores da Antropologia Social, tomamos conhecimento da produção historiográfica realizada em uma de suas tendências, na História das Mentalidades, com destaque para a Escola dos Anais, desenvolvida na França no início do século XX. O ___________________________________________________________ 48
________________________VII SIMPGEO________________________ interesse pelos espaços agrários do Mediterrâneo norteou a produção desta tendência, resultando em textos sustentados pelos trabalhos de campo realizados registrando modo de produção, costumes rurais, hábitos, cultura e organização social e espacial do Mediterrâneo. O aprofundamento dessa produção teórica subsidiou a utilização da “História Oral” como instrumento de coleta de informações sobre o segmento social estudado (LE GOFF (0000), THOMPSON (1989a, 1989b, 1980), GOODY (1976). A escola francesa, mais estruturalista, deflagrou o diálogo com as pesquisas desenvolvidas pelos historiadores ingleses indicando maior profundidade teórica definindo o segmento social a ser estudado e um período de tempo mais curto, permitindo o aprofundamento das reflexões. Edward Thompson (1989) norteou teoricamente essa abordagem. Observávamos que estas pesquisas desenvolvidas pela Etnografia e pela História das Mentalidades estimulavam a História Oral como meio para reconstituir a formação territorial, social e econômica de determinada região, principalmente daquelas que tinham pouco ou nenhum registro da história vivida. Considerada tanto quanto um documento oficial, a história de vida, contada oralmente ao pesquisador não só reconstituía a vida comunitária do grupo, como expressava também sua concepção acerca de sua relação com a natureza, com as questões culturais, com seu grupo. Esse percurso na busca pelos procedimentos de campo em outras áreas do conhecimento, nos aproximou da Geografia Cultural, fato que só verificamos posteriormente. O que até então parecia natural para a Geografia, que era o Trabalho de Campo, a partir da década de 1980 passou a ser um problema; parecia agravar-se ainda mais quando nos procedimentos metodológicos de levantamento de dados e informações propunha-se entrevistas e questionários. O diálogo com a Antropologia Social, a leitura de autores da Etnografia, alguns já mencionados neste texto, a leitura de autores da História Social (também mencionados no texto), fundamentando a utilização de técnicas da História Oral, para auxiliar a pesquisa desenvolvida na Geografia Agrária e em uma área de colonização recente – o Noroeste do Paraná, a leitura de LUZ (2000), e CANCIAN (1977) auxiliou a elaboração do trabalho de campo. O grande motivo para o trabalho de campo na pesquisa era o fato de que eram regiões recentes de colonização e além de estudos oficiais, nada existia sobre a formação social e econômica dessas regiões. ___________________________________________________________ 49
________________________VII SIMPGEO________________________ A implementação dos Parâmetros Curriculares Nacional de Geografia (PCN), em 1997, colocou na pauta, novamente, as propostas curriculares sugeridas pelos Conselhos de Geografia dos Estados Unidos, na década de 1940: temas e questões da Geografia Cultural voltaram a pauta. Temáticas tratadas em pesquisas atuais como Gênero, Religião, Patrimônio, comuns na Geografia Cultural não são inéditas; além de outras temáticas que estão emergindo conforme mais estudos aprofundam o conhecimento encontrado nos espaços geográficos e nas diferentes paisagens encontradas nos diversos espaços, em diversas escalas.
As Escolas Geográficas e suas lacunas na pesquisa brasileira A leitura de autores da Etnografia norte-americana, da Historiografia francesa e inglesa favoreceu a utilização de instrumentais para levantamento de informações no trabalho de campo, e favoreceu a compreensão das metodologias da Geografia Cultural, pouco estudada no Brasil, desde a década de 1960, por questões políticas, e por equívocos teóricos. As metodologias de pesquisa sugeridas para levantamento de dados sociais, verificamos posteriormente, por autores da Etnografia, da Antropologia Social, das Ciências Sociais, dialogavam com a Geografia Cultural, eram contemporâneos à conjuntura da Nova Geografia, ou ainda Geografia Pragmática justamente por que se propunha a realização de trabalhos práticos, com procedimentos de campo. Como nosso contato com a Geografia Cultural passou antes pelos autores da Antropologia Social, o que de certa forma contribuiu para que superássemos a leitura até então feita sobre a Geografia Quantitativa. Introduzida no Brasil na conjuntura política da ditadura militar (década de 1960), esteve muito ligada ao contexto dos planejamentos territoriais implementados pelos Governos Militares. A utilização de da- dos estatísticos e modelos matemáticos em procedimentos de pesquisa eram propostas pela Geografia Quantitativa. No Ensino de Geografia essa tendência foi classificada de “tradicional” por causa dos modelos matemáticos utilizados como recursos didáticos em sala de aula. Sua leitura científica foi proposta pelos Conselhos de Geografia Norte americanos e influenciou as Propostas Curriculares sugeridas pela UNESCO em 1950, estendendo-se aos dias atuais tal influência. ___________________________________________________________ 50
________________________VII SIMPGEO________________________ Para não fazer uma leitura maniqueísta da produção geográfica, e de certa forma evidenciar os diversos instrumentos que podem ser utilizados nos procedimentos metodológicos adotados nas pesquisas foi que sistematizamos as informações aqui organizadas. Quando o diálogo se estabelece entre diversas áreas do conhecimento científico, tendo como referência a História da Ciência, a possibilidade dos procedimentos metodológicos responderem aos problemas levantados é maior. A Geografia Cultural, que atualmente tem influenciado sobremaneira as pesquisas brasileiras, foi uma leitura que se fortaleceu na oposição extremamente científica sugerida pela Nova Geografia, ou Geografia Quantitativa, ou ainda Geografia Teorética adotadas na pesquisa e nos trabalhos técnicos da década de 1950, também no Brasil. Era um movi- mento que influenciou a produção geográfica mundial, retomado no Brasil, novamente, a partir da década de 1990. Derivada da implantação das propostas curriculares que aconteceu na década de 1990, a Geografia da Percepção também retoma seu es- paço na produção geográfica destinada ao Ensino de Geografia. É possível interpretá-la como uma oposição também à abordagem extremamente cientificista da Geografia Escolar sugerida pela Nova Geografia, baliza- da por modelos estatísticos e matemáticos. Sugerida neste contexto, a Cartografia Escolar opunha-se a proposta dos Conselhos de Geografia e, como produto mais imediato, por meio de confecção de mapas e representação gráfica propunha-se a promover a leitura do espaço geográfico para trabalhar noções espaciais. Atualmente essas Geografias permeiam a produção geográfica brasileira, com destaque para a Geografia Cultural, na pesquisa, e a Geografia da Percepção, no ensino. Superando uma leitura ideologizada da pesquisa, presente na crítica que a Geografia Renovada fazia sobre a Geografia Quantitativa e que refletia na Geografia Cultural e da Percepção, dirigida a procedimentos metodológicos da Geografia Quantitativa, mas imputados também a Geografia Cultural, procedimentos de pesquisa e campo continuam utilizando dados estatísticos para tratar a realidade estudada; e a História Oral como instrumento de pesquisa para levantamento de informações em regiões com poucos registros de sua história, e de recente colonização. A reconstituição dos períodos históricos de determinada região podem ser levantados por meio de entrevistas; e os dados estatísticos ___________________________________________________________ 51
________________________VII SIMPGEO________________________ podem ser utilizados para caracterizar o fenômeno que está sendo estudado. Órgãos como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Instituto Paranaense de Desenvolvimento (IPARDES) e órgãos de planeja- mento agrícolas nacionais e estaduais continuam contribuindo para caracterizar a organização da pequena propriedade e seus aspectos econômicos e sociais. Ao final do processo mais intenso da modernização da agricultura paranaense, pós 1980, diversos quadros da realidade agrária permaneceram, dentre eles a pequena propriedade, com muitas mudanças, mas presente na estrutura fundiária paranaense. O trabalho de campo era necessário e poderia contribuir para subsidiar as novas políticas agrícolas destinadas à pequena produção, denominado nos programas federais de Unidade Agrícola Familiar. Caracterizar como se organizavam seria fundamental para direcionar as políticas agrícolas destinadas à produção da pequena propriedade, aos assentamentos resultado de reforma agrária, dentre outros segmentos sociais presentes ou que emergiram na nova realidade agrária brasileira e paranaense. Como parte da produção que analisava as mudanças que ocorriam no quadro agrário paranaense naquele momento vaticinava, com base na Teoria da Diferenciação Social, o fim da pequena propriedade, e isso não ocorreu na proporção em que foi expressado, o desdobramento disso, foi o aprofundamento do conhecimento que se tinha da organização da pequena produção. A permanência desse segmento social, com destaque em algumas regiões no estado do Paraná – parte do Sudoeste, parte do Noroeste, e podendo se dizer representante em todas as Mesorregiões Geográficas estimulou vários estudos no sentido de aprofundar o conhecimento que se tinha sobre a organização social da população agrária que estudávamos, seus costumes, cultura, concepções: festas, romarias, rituais cotidianos. Embora a leitura do texto privilegie aspectos da Geografia Agrária, é um fato que tais questões estendiam-se também a Geografia Urbana e suas muitas conotações de modos de vida, hábitos, aspectos demográficos, de mobilidade urbana, dentre outros exemplos, que não dizem respeito diretamente às “atividades econômicas” urbanas, mas à qualidade de vida urbana, com aspectos de moradia, transporte, acesso a serviços públicos – saúde e educação – bem mais restritos à população rural. ___________________________________________________________ 52
________________________VII SIMPGEO________________________ Aqueles que haviam permanecido em suas pequenas propriedades haviam resistido a uma política de reforma agrária que estimulava a migração para as regiões Centro-Oeste e Norte, comercializando grandes áreas a preços baixos, mas sem infraestrutura alguma; resistiu a uma política agrícola que subsidiava a produção agrícola em grande escala para exportação e nem se quer definia o preço da produção da pequena propriedade; e resistiu a uma falta de política agrícola destinada a sua produção, especificamente. O estudo sobre o significado da herança para grupos sociais agrários (GOODY, 1976) levou à compreensão, superando a leitura apenas econômica, do fenômeno que foi a permanência de parte dessa população que migrou para outras regiões atendendo o “chamado” de políticas públicas que muito mais, que resolver seus problemas, pretendiam, isto sim, apresentar uma válvula de escape para aquela situação social que vinha sendo gerada pelas mudanças econômicas nas regiões Sul do Brasil, com destaque para o estado do Paraná. Outras culturas foram introduzidas e o fortalecimento da organização por meio de cooperativas ou de associações ou ainda de grupos não governamentais passaram a ser observados na paisagem, o que atraiu interesses das pesquisas desenvolvidas em Geografia Agrária. As mudanças econômicas e políticas que ocorreram a partir de 1973, passando por 1980 e 1990, e que representavam adequações da economia capitalista, embora atingissem também a economia socialista, refletiram-se nas políticas sociais de vários países. Avaliando a conjuntura das décadas de 1980 e 1990, ao menos na pesquisa presente na Geografia Agrária, poucos instrumentos para levantamento de dados da realidade estavam disponíveis. Aqueles pesquisadores que trabalhavam diretamente com grupos sociais adotavam procedimentos de campo, que não estavam presentes na produção geográfica, mas sim, na produção sociológica. A Geografia Cultural no Brasil, ainda muito restrita à produção realizada por grupos de pesquisa, avaliamos que isso seja resultado da resistência enfrentada por essa tendência para influenciar os procedimentos metodológicos das pesquisas brasileiras, emerge novamente na Geografia brasileira, com maior força, na década de 1990, por época da implementação das propostas curriculares nacionais de Geografia (PCNs). Parte expressiva dos professores e pesquisadores da Geografia acadêmica continuavam fazendo suas interpretações à luz da teoria marxista, enquanto que uma nova geração, presente nas ___________________________________________________________ 53
________________________VII SIMPGEO________________________ universidades a partir da década de 1990, acrescenta em suas pesquisas teóricos da Geografia Cultural. Seu arcabouço teórico, e sua influência nas “Geografias” do mundo inteiro, fez a Geografia Cultural retornar por meio dos PCNs na Geografia brasileira. Seus procedimentos metodológicos expressaram sua importância na medida em que na Geografia resgatou-se a importância do Trabalho de Campo, e reconheceu-se a necessidade, frente a uma realidade com poucos registros de sua história, da adoção de instrumentos que favoreçam essa investigação. Outro aspecto para a adoção da Geografia Cultural nas pesquisas geográficas deriva das inúmeras realidades encontradas na paisagem urbana, rural, indo para além, a partir do imaginário, do simbólico, do que pode fornecer informações sobre um segmento social. Grafites, segmentos sociais que passaram a se reunir em espaços urbanos, como os punks, prédios abandonados, populações que foram se formando em áreas de economia falida, como antigos bairros industriais que emergiram a partir da década de 1980, resultaram em novos objetos de estudos. As tribos urbanas têm se constituído em temáticas de pesquisa para a Geografia Cultural; como resultado de uma reorganização dos espaços urbanos, de suas funções. Acreditamos com base na produção norte-americana, que as diversas realidades que surgiram no espaço urbano suscitaram a curiosidade para questões que iam para além do que era visto na paisagem. Além de se organizarem a partir do espaço geográfico, alguns grupos reuniram-se em torno de uma religião, de uma língua, de um patrimônio, o que fez a pesquisa em torno desses estudos avançarem. Estudos mais recentes têm abordado aspectos da música e da comida: patrimônio material e imaterial, evidenciando que embora no Brasil sua pesquisa tenha sofrido períodos de interrupção ou de pesquisa muito tênue, em outros países continuou suas investigações proporcionando atualmente o conhecimento de autores que fundamentam aspectos da pesquisa brasileira, na investigação de sua realidade. É neste contexto que exemplificamos a produção de Paul Claval, autor francês que vem tomando contato com as pesquisas brasileiras que adotam em seus procedimentos de campo diretrizes da Geografia Cultural, mais dedicado a pesquisar temas relacionados ao patrimônio imaterial. A supremacia da leitura marxista nas pesquisas geográficas dificultou a adoção desta tendência teórica nas pesquisas brasileiras, até ___________________________________________________________ 54
________________________VII SIMPGEO________________________ aproximadamente 1990, quando, na produção referente ao Ensino de Geografia, a Geografia Crítica passou a trabalhar com a Geografia da Percepção, que se opôs a leitura quantitativa e teorética da Nova Geografia. A princípio pode ser compreendido como contraditório, mas não é a medida que a opção por uma tendência teórica na Geografia não exclui a opção por uma tendência filosófica. Neste sentido temos no Brasil ao menos três evidências de ação das Geografias produzidas nos Estados Unidos sobre a Geografia brasileira. Pode-se observar que a Geografia Cultural está presente nas pesquisas desenvolvidas em torno da Religião, Patrimônio, Costumes, e outros aspectos que envolvem a expressão de grupos sociais e suas relações seja com a sociedade, seja com a natureza; está presente na utilização de metodologias (questionários, entrevistas, trabalho de campo), adotados na pesquisa de diversas áreas da Geografia; e está presente no Ensino de Geografia, com a aprovação dos PCN, em 1997, quando influenciou a prática didática presente no currículo escolar. Sobre a pesquisa geográfica brasileira é possível afirmar que é influenciada pelas reformas educacionais e os autores que fundamentam essas propostas curriculares. Vejamos, na implementação das Reformas Educacionais no Brasil, entendemos que o processo deflagrado na organização do sistema de ensino pode explicar a abordagem de “novos” temas na Geografia atual, as mesmas, isto é, as reformas educacionais, são constituídas de propostas pedagógicas e didáticas que favorecem a compreensão e explicação das conjunturas em que são implementadas. Neste sentido é que observamos que no Brasil a Geografia Acadêmica se alimenta das Reformas Educacionais. Entendemos esse processo também nas mudanças políticas e econômicas ocorridas a partir da década de 1990, quando o Brasil absorve as novas regras do mercado econômico externo, que centrava-se na abertura do mercado interno. Esse fato irá refletir-se nas várias esferas da vida institucional brasileira e dentre elas a Educacional. As temáticas sugeridas pela tendência que influencia as reformas educacionais acompanham a história da Geografia brasileira, assim como ocorre com outras áreas também. Se escritas ao longo de séculos sobre mundos diferentes, costumes e hábitos distintos, e cuja paisagem ainda deveria ser conhecida, atualmente são retratados a partir das leituras e necessidades do mundo atual, de explicações das expressões sociais inerentes aos diversos grupos que vem emergindo em realidades rurais e urbanas. ___________________________________________________________ 55
________________________VII SIMPGEO________________________ Se destacamos em conjunturas anteriores uma leitura da paisagem expressa pela observação, pelo registro consciente do mundo físico natural, pelas representações possíveis e, por fim, pela leitura e análise, decorrência de um mundo transformado pelo trabalho de máquinas, era de se esperar que a Geografia tivesse que fazer a leitura dessa paisagem transformada, e mais que isso, estudar as relações que resultaram dessa transformação e que por certo refletiu-se no espaço geográfico. O estudo de Gênero a partir do século XX que na Geografia sempre se interessou pelo mundo do trabalho; a Geografia da Saúde, que pode responder às questões sociais, e produzir conhecimento a partir da realidade que contribua para a qualidade de vida da população; assim como a Geografia da Saúde, a Religião tem sido estudada na perspectiva da dinâmica espacial e populacional. Além dessa preocupação, o surgimento de inúmeros templos religiosos na paisagem urbana, muitas vezes derivados da mesma crença; e o interesse das políticas públicas, neste caso, da saúde pelas doenças da população, como forma de controle, também impulsionou os estudos na Geografia da Religião; resistindo às mudanças sempre impressas num espaço colonial, imperial e republica- no, o que resistiu vem sendo estudado como Patrimônio Cultural numa perspectiva preservacionista e conservacionista.,
Considerações finais Buscamos caracterizar um pouco do percurso da Geografia cultural no Brasil, desde seu surgimento mais expressivo nos Estados Unidos. Essas preocupações, de fundo social, ganham destaque na Geografia Norte americana a partir da década de 1930, e acompanhando um processo social, político e econômico de transformação de uma sociedade, neste caso, a norte-americana, influenciam as propostas curriculares de Geografia sugeridas pelos Conselhos de Geografia Norte americanos para os sistemas de ensino do mundo inteiro, inclusive o Brasil. As mudanças apregoadas pelas políticas propaladas pelo “New Deal” envolvia uma proposta curricular de Geografia bastante científica, sustentada por modelos estatísticos e matemáticos; e representando um paradoxo, a proposta de trabalho de campo como recurso didático. É nesse contexto que se concentra o surgimento da Geografia da Percepção.
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________________________VII SIMPGEO________________________ A Geografia Cultural norte-americana estuda situações que resultam de determinada paisagem. Por exemplo, a zona urbana das cidades norte-americanas que apresentam novas paisagens a partir de transformações e crises políticas e econômicas, principalmente a partir da década de 1970. Centros efervescentes econômicos e políticos passam a representar enormes vazios, mas a receber segmentos sociais que passam a ocupar essas áreas “decadentes”. Assim, é possível explicar o retorno dessa Geografia a partir de vários aspectos. O primeiro e principal deles é o fato de que seu arcabouço teórico ainda fundamenta o desenvolvimento de muitas pesquisas que buscam explicar expressões presentes na sociedade nos tempos atuais. O segundo aspecto refere-se ao fato de terem influenciado a sugestão de propostas curriculares que influenciam, ainda hoje, o ensino de Geografia em vários países, inclusive no Oriente. E por último, conscientes da política econômica implementada no mundo capitalista e socialista a partir de 1980, e que resultaria em intensa exclusão social dada sua organização, as políticas educacionais foram preparadas para tratar uma realidade permeada por conflitos tendo, portanto, a necessidade em utilizar instrumentais em seus procedimentos metodológicos de pesquisa que favoreçam o conhecimento sobre o comportamento social de grupos populacionais que passam a se formar nas cidades: migrantes, excluídos sociais (jovens, mendigos), grupos religiosos, dentre outras formas de expressão. A paisagem que foi se caracterizando na área urbana e rural nas últimas décadas, nos dias atuais, solicitou de certa forma explicações que podem ser fornecidas pela Geografia Cultural, o que evidencia sua importância na explicação de aspectos e questões geográficas. Lançando mão de afirmações contidas em inúmeras produções bibliográficas, a de que o mundo experimentou grandes modificações nos últimos tempos, afirmamos que, sem dúvida, tanto a paisagem rural, quanto a paisagem urbana apresentam modificações que não passam apenas por explicações econômicas, como também é possível, mas não suficiente nos tempos atuais. Retomada no diálogo com a História, com a Antropologia social, com a Etnografia, ainda deverá traçar um longo percurso até se fortalecer com as Geografias clássicas.
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Capítulo 4 CONTRIBUIÇÃO DA GEOGRAFIA PARA O PLANEJAMENTO E GESTÃO URBANA COM ÊNFASE NA REDUÇÃO DE DESASTRES NATURAIS
Leandro RedinVestena Universidade Estadual do Centro-Oeste Unicentro O aumento da ocorrência de desastres naturais vem despertando na comunidade científica internacional e brasileira a busca de estratégias de prevenção e mitigação. Neste contexto, a aplicação de conceitos geográficos é fundamental no gerenciamento e planejamento territorial das cidades. A expansão das áreas urbanas das cidades brasileiras vem demandando novas áreas para a ocupação urbana. No Brasil, nas últimas décadas, principalmente, a expansão urbana impulsionou a ocupação de áreas potencialmente suscetíveis a desastres naturais. A ocupação de planícies e de encosta declivosa, onde a população fica susceptível à ocorrência de desastres relacionados a inundações e a movimentos de massa durante eventos hidroclimáticos extremos. Os desastres naturais estão diretamente associados às características físicas do meio ambiente e aos condicionantes antrópicos, principalmente ao modo de uso e ocupação do solo. O desastre natural é definido por Alcántara-Ayala (2002) como eventos naturais extremos capazes de produzir danos físicos e socioeconômicos, no momento da ocorrência ou, posteriormente, em virtude de suas consequências. Apesar de serem esperados, a maioria dos eventos ocorrem de maneira súbita e violenta. A incidência de desastres naturais no mundo e no Brasil vem aumentando nas últimas décadas e consequentemente as perdas e casualidades pelos desastres naturais (figura 1). Em decorrência das perdas sociais e econômicas, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) propôs a década de 1990 como a Década Internacional para a Redução dos Desastres ___________________________________________________________ 61
_________________________VII SIMPGEO________________________ Naturais (DIRDN), tendo como objetivo “difundir a informação técnica existente e a que se obtenha no futuro, sobre medidas para avaliar, prevenir e mitigar os efeitos dos desastres naturais” (ONU/DIRDN, 1989).
Figura 1 – Desastres naturais registrados e prejuízos econômicos acumulados/ ano. Dados: EM-DAT(2014) Quando se verifica a distribuição da população afetada por desastres naturais no mundo, o Brasil se destaca entre os países que mais possuem população afetada por desastres naturais no mundo, sendo que as secas e as inundações são os principais causadores dos desastres naturais (EM-DAT, 2011a) (figura 2). De acordo com dados, a UNISDR (2014), no Brasil, entre 1980 a 2010, ocorreram 4.948 mortes associadas a desastre natural (média de 160 mortes/ano); 47.984.677 pessoas foram afetadas (média anual 1.547.893afetados/ano); e 9.226.170 (US$ X 1,000) foram os prejuízos econômicos decorrente de desastres naturais (média anual de 297.618 (US$ X 1,000). Diante dos dados, desmitifica-se o mito de que no Brasil o número e impacto dos desastres naturais são pequenos. No Brasil, as ocorrências de desastres naturais estão associadas principalmente aos eventos hidroclimáticos (VESTENA, 2008).
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Figura 2 – Distribuição da população afetada por desastres naturais (1975- 2001). Fonte: Vestena (2008) Os principais desastres naturais ocorrentes no Brasil são inundação, alagamentos, estiagens, enchentes, escorregamentos de solos e/ou rochas e tempestades, associados a eventos pluviométricos intensos e prolongados (MARCELINO, 2008; TOMINAGA et al.,2009). Os desastres naturais no Brasil decorrentes de inundações e escorregamentos têm causado muitos danos socioambientais nas últimas décadas, mas especialmente nas regiões Sul e Sudeste. Citamos como exemplo o evento ocorrido em novembro de 2008, no vale do Itajaí, na região Sul do Brasil, associado à precipitação extrema de chuvas, atingiu 1,5 milhão de pessoas, acarretando 135 mortos e cerca de 80.000 desabrigados e desalojados (JACOBI et al. 2013). Um dos dez maiores desastres naturais registrados no Brasil entre 1900 e 2011, foi a inundação, de 22 de abril de 2009, afetando aproximadamente 1.150.900 pessoas e ocasionou prejuízos de cerca de 550 milhões de dólares (EM-DAT, 2011b). Vale ressaltar que desastre é o resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem, sobre um ecossistema (vulnerável), causando danos humanos, materiais e/ou ambientais e consequentemente prejuízos econômicos e sociais (CASTRO, 1996). A intensidade de um ___________________________________________________________ 63
_________________________VII SIMPGEO________________________ desastre vai depender da interação entre a magnitude do evento adverso e o grau de vulnerabilidade do sistema receptor afetado, ou seja, vulnerabilidade é “condição intrínseca ao corpo ou sistema receptor que, em interação com a magnitude do evento ou acidente, caracteriza os efeitos adversos, medidos em termos de intensidade dos danos prováveis” (CASTRO, 1996, p. 169). É importante também destacar que muitos dos desastres naturais podem ser ocasionados ou induzidos pela ação humana, como é o caso das inundações e dos deslizamentos que não seriam danosos se nas cidades parte de seus habitantes não fosse induzida a formas de urbanização espontânea e precária em sítios perigosos, salienta Monteiro (1991). Neste contexto, para exemplificar destacam-se os resultados de estudo de Silveira et al. (2009) que, estudando os registros históricos de inundações, demografia, área urbana, e precipitação anual no município de Joinville, maior município do Estado de Santa Catarina (SC) durante o período de 1851 (fundação do município) até 2008, verificaram que as ocorrências das inundações na cidade possuem mais relação com a urbanização do que com a pluviosidade. Em outras palavras, as ocorrências dos desastres são associadas mais ao fator humano do que ao ambiental (ou fenômeno físico). Uma vez que se constatou uma leve tendência na diminuição da precipitação anual no município, mas aumento no número de inundações e de áreas urbanizadas (figura 3). Os desastres naturais estão associados à presença humana. As inundações e os escorregamentos são fenômenos puramente naturais. Porém, quando tais fenômenos geram danos à sociedade, são denominados de desastres (figura 4). O aumento das ocorrências de desastres está associado à presença humana e as suas ações, como destacou Kobiyama et al.(2006): crescimento populacional; exclusão social; expansão urbana e ocupação desordenada de determinadas áreas; processo de urbanização mais intenso, aumento de áreas impermeáveis; ocupação de encostas muito inclinadas; aumento do número de pessoas em áreas de risco, entre outros.
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Figura 3 – Relação da frequência das inundações no município de Joinville no período 1851 – 2008: (a) com área urbanizada; e (b) com a precipitação anual. Fonte: Silveira et al., 2009
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Figura 4 – Desastre natural é resultado da interação entre fenômenos naturais e população Os fatores econômicos, sociais, políticos, ideológicos, culturais, educacionais acabam influenciando na vulnerabilidade da população em risco. Risco é entendido como a probabilidade (mensurável) de um perigo (situações que podem causar danos) transformar-se num desastre (CASTRO, 2000; MARCELINO, 2008). A vulnerabilidade humana é entendida como as condições de fatores ou processos físicos, sociais, econômicos e ambientais que aumentam a suscetibilidade e exposição de uma comunidade ao impacto de ameaças (PNUD, 2004, p. 136). A habilidade de evitar os perigos, de se recuperar de desastre natural minimiza a vulnerabilidade da população. Mas o desconhecimento por parte da população dos riscos a desastres naturais faz com que a vulnerabilidade aumente, ou seja, quanto menor o conhecimento que uma população tem sobre os desastres naturais, maior será o impacto e maior o dano ocasionado por eles à população afetada (AMARAL e GUTJAHR, 2011). Alexander (1995) afirma que nas últimas décadas houve incremento no número e na intensidade dos desastres naturais, em função do aumento populacional, do processo de segregação sócio espacial e da acumulação de capital fixo em zonas perigosas, e esta situação poderá agravar-se nos próximos anos. O autor estima que a população mundial atinja 12,5 bilhões em 2050, aumentando consideravelmente a demanda por terras em função do processo de ocupação e produção de alimentos. As classes menos favorecidas e marginalizadas serão pressionadas a ocupar áreas instáveis ou mais propícias a recorrências de eventos naturais extremos. É importante considerar a participação do homem nas análises de risco, na medida em que suas ações venham a contribuir com o aumento ___________________________________________________________ 66
_________________________VII SIMPGEO________________________ da frequência ou dos impactos causados pelos desastres naturais (LAVELL, 1996). O crescimento populacional e a expansão das áreas urbanas têm sido maximizados nas últimas décadas. Essa concentração populacional cada vez mais densa intensificou as transformações do uso dos recursos naturais. As consequências dessa mudança no modo de viver têm provocado desequilíbrios na dinâmica dos processos naturais, pois o ambiente urbano se desenvolve sobre um substrato físico que apresenta uma complexa distribuição espacial de suas propriedades, dependentes da escala tempo-espacial. Dessa maneira, a urbanização contribui na manifestação de marcas permanentes que se traduzem nas respostas dos processos naturais (DREW, 1994). Entre os variados impactos da urbanização, cabe salientar os desequilíbrios nos sistemas fluviais. Estes se caracterizam por serem dotados de dinâmica tempo espacial complexa que é influenciada por vários fatores como condições climáticas (precipitação, evapotranspiração, radiação solar etc.), geomorfologia, geologia, litologia, cobertura vegetal, uso do solo e ações antrópicas. Os impactos da urbanização potencializam desequilíbrios nesses processos, que favorecem a ocorrência de enchentes/inundações, o desequilíbrio da carga de sedimentos fluviais, o incremento de resíduos sólidos/líquidos nos rios e a consequente contaminação dos recursos hídricos, o rebaixamento das reservas subterrâneas, a canalização em massa dos rios urbanos e também o incremento de doenças de veiculações hídricas (TUCCI, 2003). Enfim, o avanço da urbanização e a consequente modificação na dinâmica dos processos hidrológicos produzem uma série de impactos negativos, potencializando os desastres naturais. Tucci (2000) afirmou que, na maioria dos casos, a expansão dos núcleos urbanos ocorre no sentido de jusante para montante, pelas características do relevo. Quando os órgãos públicos de planejamento não controlam essa urbanização, a combinação dos impactos dos diferentes loteamentos aumenta a ocorrência de enchentes e alagamentos a jusante. As consequências da carência de planejamento e regulamentação são sentidas em, praticamente, todas as cidades de médio e grande porte do Brasil. A cidade passou por uma expansão física territorial urbana expressiva a partir da década de 1970, favorecidos por um intenso fluxo migratório campo cidade, quando surge grande número de loteamentos (MARICATO, 2001). A população citadina cresceu ___________________________________________________________ 67
_________________________VII SIMPGEO________________________ significativamente (IBGE, 2011). No entanto, apesar do crescimento da cidade, esta apresentou desenvolvimento insuficiente com relação à infraestrutura urbana, sem a devida atenção quanto às normas de uso e ocupação do solo. A ocupação de áreas impróprias, principalmente as planícies de inundações acabam intensificação a ocorrência de alagamentos, ocasionando impactos significativos à população que reside nestas áreas, que geralmente é de baixa renda. Os impactos nos canais fluviais, devido aos processos de urbanização, também refletem no surgimento de áreas de alagamentos comuns em períodos de chuvas concentradas. Além de que os estudos sobre desastres naturais, ou melhor, as áreas suscetíveis a inundações e movimentos de massa não são inseridas devidamente nos zoneamentos ambientais. Na maioria das vezes também não é considerado o impacto da urbanização, na dinâmica dos processos hidrológicos, como potencializadora de aumento das áreas inundáveis. Estes estudos são de notável importância por analisar de forma integrada os elementos que compõem a paisagem, em um sistema dinâmico e complexo que está em constante evolução, principalmente nos dias atuais, quando existe clara e urgente preocupação com o sistema ambiental. De acordo com Uitto (1998) e Mitchell (1999), a ocorrência e a extensão de um desastre dependem de três variáveis: 1) perigo (fenômeno natural como terremoto, inundação, tufão ou erupção vulcânica); 2) exposição (estrutura, edifícios, seres humanos e outras entidades expostas aos ris- cos); e 3) vulnerabilidade (propensão a sofrer perdas). Vestena (2008, p. 159-160) destaca que “não existe forma ou maneira de se evitar totalmente os desastres naturais” [...] “compete à sociedade compreendê-los e estar preparada para tais eventos.” Neste contexto, a geografia contribui significativamente para o conhecimento da distribuição espacial e temporal dos desastres naturais, suas causas e consequências, fundamental ao gerenciamento e ao planejamento urbano com ênfase na prevenção, mitigação e redução de desastres naturais.
Parâmetros políticos e legais Em nível internacional, a ONU estabeleceu uma agenda e uma campanha global para construir a resiliência de comunidades e nações, denominado Marco de Ação de Hyogo 2005-2015, instrumento importante para a implementação da redução de riscos de desastres que adotaram os ___________________________________________________________ 68
_________________________VII SIMPGEO________________________ Estados Membros das Nações Unidas, incluindo o Brasil por ser signatário. Tal campanha tem por objetivo central reduzir substancialmente as perdas em termos de vidas e de bens sociais, econômicos e ambientais das comunidades e países. As cinco prioridades dessa campanha é: “1. Construção da capacidade institucional; 2. Conhecer os próprios riscos; 3. Construir conhecimento e sensibilização; 4. Reduzir riscos; e estar preparado e pronto para agir”. (ONU/EIRD, 2014) Uma cidade resiliente a desastres naturais compreende os aspetos: • É um local onde os desastres são minimizados
por- que sua população vive em residências e comunidades com serviços e infraestrutura organizados e que obedecem a padrões de segurança e códigos de construção; sem ocupações irregulares construídas em planícies de inundação ou em encostas íngremes por falta de outras terras disponíveis. • Possui um governo local competente, inclusivo e transparente que se preocupa com uma urbanização sustentável e investe os recursos necessários ao desenvolvimento de capacidades para gestão e organiza- ção municipal antes, durante e após um evento adverso ou ameaça natural. • É onde as autoridades locais e a população compre- endem os riscos que enfrentam e desenvolvem processos de informação local e compartilhada com base nos danos por desastres, ameaças e riscos, inclusive sobre quem está exposto e quem é vulnerável. • É onde existe o empoderamento dos cidadãos para participação, decisão e planejamento de sua cidade em conjunto com as autoridades locais; e onde existe a valorização do conhecimento local e indígena, suas capacidades e recursos. • Preocupa-se em antecipar e mitigar os impactos dos desastres, incorporando tecnologias de monitoramento, alerta e alarme para a proteção da infraestrutura, dos bens ___________________________________________________________ 69
_________________________VII SIMPGEO________________________ comunitários e individuais – incluindo suas residências e bens materiais –, do patrimônio cultural e ambiental, e do capital econômico. Está também apta a minimizar danos físicos e sociais decorrentes de eventos climáticos extremos, terremotos e outras ameaças naturais ou induzidas pela ação humana. • É capaz de responder, implantar estratégias imediatas de reconstrução e reestabelecer rapidamente os serviços básicos para retomar suas atividades sociais, institucionais e econômicas após um evento adverso. • Compreende que grande parte dos itens anteriores são também pontos centrais para a construção da resiliência às mudanças ambientais, incluindo as mu- danças climáticas, além de reduzir as emissões dos gases que provocam o efeito estufa [grifo nosso]. (ONU 2012, p. 11) Uma das Estratégias Internacional para Redução de Desastres das Nações Unidas (UNISDR) é aumentar o grau de consciência e compromisso em torno das práticas de desenvolvimento sustentável, como forma de reduzir o risco de desastres e incrementar o bem-estar e a segurança dos cidadãos. Entendendo-se como Redução de Riscos de Desastres a possibilidade de minimizar vulnerabilidades e riscos de desastres, para evitar (prevenir) ou limitar (mitigar e preparar) os impactos adversos dos riscos, dentro do amplo contexto do desenvolvimento sustentável. As cidades resilientes reduzem a pobreza, incrementam a geração de empregos, a equidade social e as oportunidades comerciais; tornam os ecossistemas mais equilibrados e favorecem melhores políticas de saúde e educação. Porém, para tal é necessário que a população tenha conhecimento, percepção concreta das causas dos desastres naturais. Em nível nacional, a preocupação com o aumento da ocorrência de desastres naturais levou o poder executivo do Brasil a sancionar a Medida Provisória nº 547, de 11 de outubro de 2011, que alterou o Estatuto das Cidades, a Lei de Parcelamento do Solo e a Lei do Sistema Nacional de Defesa Civil – Sindec, obrigando os municípios a elaborarem mapeamento contendo as áreas propícias à ocorrência de ___________________________________________________________ 70
_________________________VII SIMPGEO________________________ escorregamentos de grande impacto ou processos geológicos correlatos; bem como para criar cartas geotécnicas de aptidão à urbanização, estabelecendo diretrizes urbanísticas voltadas para a segurança dos novos parcelamentos do solo urbano (BRASIL, 2011). E os municípios, que possuem áreas de expansão urbana, passam ainda a ser obrigados a elaborar o Plano de Expansão Urbana onde constarão as delimitações das áreas de expansão urbana; restrição das urbanizações e definição das formas de expansão das infraestruturas urbanas. A atitude levou a aprovação no poder legislativo da Lei Federal nº 12.608, de 10 de abril de 2012, que converteu a Medida Provisória n° 547, de 11 de outubro de 2011, e institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil - PNPDEC; dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil - SINPDEC e o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil - CONP- DEC; e autoriza a criação de sistema de informações e monitoramento de desastres. A PNPDEC é um marco no avanço de um planejamento urbano mais eficiente, uma vez que incorpora item e aspectos obrigatórios a se- rem considerados na gestão das cidades visando a redução de desastres naturais, tendo como diretrizes: - atuação articulada entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios para redução de desastres e apoio às comunidades atingidas; II - abordagem sistêmica das ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação; III - a prioridade às ações preventivas relacionadas à minimização de desastres; IV - adoção da bacia hidrográfica como unidade de análise das ações de prevenção de desastres relacionados a corpos d’água; V - planejamento com base em pesquisas e estudos sobre áreas de risco e incidência de desastres no território nacional; VI - participação da sociedade civil. [Grifo nosso] (BRA- SIL, 2012) Nas diretrizes da PNPDEC, verificam-se conceitos e fundamentos incorporados a estudos geográficos, com a abordagem sistêmica, a adoção da bacia hidrográfica como unidade espacial de análise, e I
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_________________________VII SIMPGEO________________________ mapeamento de áreas de risco a desastres naturais para o planejamento, principalmente das cidades. Na elaboração e aprovação do Plano Diretor do município e na elaboração de projeto específico para a expansão urbana. No que se refere ao planejamento urbano, salienta-se que de acordo com a legislação os municípios com áreas suscetíveis a ocorrência de desastres naturais deverão adequar e/ou elaborar o plano diretor, num prazo máximo de cinco anos, ou quando de sua renovação. Porém, todos os municípios devem se preocupar com seu planeamento urbano. A lacuna é significativa quando se observam 209 municípios com mais de 20 mil habitantes ainda não dispõem de plano diretor e 3.031 municípios com menos de 20 mil habitantes, distribuídos por todas as regiões brasileira (figura 5).
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Figura 5–Municípios com mais (a) e com menos (b) de 20 mil habitantes com ou sem plano diretor. Fonte: Thery e Mello-Théry (2014) A legislação brasileira também obriga que todo município que pretenda ampliar o seu perímetro urbano deverá elaborar projeto específico, prevendo a área a ser ocupada e sua relação com risco a desastre nacional.
Contribuições da geografia: algumas considerações Os desastres naturais por integrarem fatores humanos e ambientais, eles são por definição fenômenos essencialmente geográficos, objeto de estudo da geografia (Hewitt, 1997). A geografia dispõe de ___________________________________________________________ 73
_________________________VII SIMPGEO________________________ embasamento teórico e metodológico para auxiliar no gerenciamento e planejamento urbano com ênfase à redução de desastres naturais. A geografia também pode contribuir nas diferentes fases do gerenciamento de um desastre natural, ou seja, antes (pré-evento), durante e depois (pós-evento) do evento. Contudo, acredita-se que a maior colaboração da geografia dar-se na fase pré-evento, subsidiando ações de planejamento do espaço urbano, de ordenamento e de zoneamento ambiental (figura 6). A importância das ações em nível de pré-evento é fundamental, principalmente de zoneamento do uso da terra, a fim de evitar a ocupação de áreas mais susceptíveis à ocorrência de desastres naturais.
Ciclo de gerenciamento de um desastre. Fonte: TOBIN e MONTZ (1997) As contribuições da geografia para a gestão e o planejamento urbano, com ênfase na redução de desastres naturais, de modo geral, são: 1. identificação, análise e avaliação da distribuição espacial e temporal dos desastres naturais, das ameaças, suscetibilidades e vulnerabilidades a desastres (conhecer: onde, quantos, frequência, intensidade, quando ocorrem...); 2. Mapeamento de perigo, vulnerabilidade e risco a desastre natural (figura 7); ___________________________________________________________ 74
_________________________VII SIMPGEO________________________ 3. Implementação de sistemas de alerta a comunidades - produção de alertas antecipados sobre a possibilidade de ocorrência de desastres naturais; 4. Registro e monitoramento de dados dos eventos meteorológicos, hidrológicos, geológicos, socioambientais; 5. Estudos científicos que venham subsidiar medidas estruturais e não estruturais. A adoção de medidas estruturais como desassoreamento de canais fluviais, ampliação de seções fluviais canalizadas, edificações de construções mais resistentes, evitar taxas de impermeabilização do solo, tipos de canalização e não estruturais; 6. simulação de cenários (modelagem) – área mais suscetíveis a deslizamentos, áreas inundáveis, áreas hidrologicamente sensíveis, dentre outros; 7. (re)ordenamento da ocupação do solo urbano - na estimulação do ordenamento da ocupação do solo urbano e rural; no combate à ocupação de áreas ambientalmente vulneráveis e de risco e na promoção e realocação da população residente em áreas de risco; na destinação de moradia em local seguro; no zoneamento disciplinamento do uso e ocupação do solo – evitar(não) a ocupação de áreas de riscos; 8. educação ambiental, percepção dos riscos, conhecimento das causas e consequências dos desastres naturais (sensibilização – conscientização da população) – importância e conhecimentos de procedimentos básicos frente a situações de risco; 9. Elaboração e revisão do plano diretor municipal, integrando os diversos conhecimentos holisticamente; 10. Elaboração de projetos específicos para adensamento e/ou expansão urbana.
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Figura 7 – Principais parâmetros que envolvem uma análise de risco a desastre natural. Fonte: MARCELINO (2008) As formas de tomada de decisão e atuação darse-ão pautada na interação das informações geradas nas pesquisas. A integração delas servirá de base à gestão e ao planeamento urbano. As áreas de risco a desastre natural “devem ser consideradas como elementos historicamente construídos no espaço urbano das cidades ao longo dos seus processos de ocupação, sendo resultado da relação entre os elementos naturais e as relações espaciais, permeadas pela desigualdade, as quais se materializam no espaço” (ROBAINA e OLIVEIRA, 2013, p. 25) A UNISDR (2007) aponta que o gerenciamento de desastres naturais deve dar-se em três níveis: comunitário, nacional e internacional. Todavia, ressalta a importância das comunidades, do local, na redução de desastres naturais. De modo geral, verifica-se que a população que reside em áreas de risco a desastres naturais desconhecem as causas, a dinâmica dos processos físicos geradores e potencializadores dos danos, e suas relações com as atividades humanas. Além de acreditarem que a adoção de medidas estruturais seria inevitável, e por si só resolveriam os danos decorrentes de desastres naturais (VESTENA et al., 2014). O conhecimento que cada cidadão possui sobre as causas e as consequências de eventos extremos potenciais a desastre natural é essencial para se ter uma comunidade resiliente. O conhecimento das causas e consequências está diretamente associado à vulnerabilidade do ___________________________________________________________ 76
_________________________VII SIMPGEO________________________ indivíduo e da comunidade, frente a uma situação de risco, uma vez que a adoção de ações e procedimentos no sentido de prevenir e mitigar desastres naturais passaram pelo grau de conhecimento que os mesmos possuem sobre os fenômenos naturais (VESTENA et al., 2014). E o conhecimento condiciona a forma e o modo com que os indivíduos e a sociedade planejam e gerem o ambiente. Faz-se necessária a compreensão dos fatores condicionantes dos desastres naturais na paisagem e dos impactos das atividades antrópicas, para que se possa elaborar prognósticos e estabelecer diretrizes do uso e ocupação racional, já que os elementos que compõem a paisagem se apresentam de formas dinâmicas e inter-relacionadas. Segundo Kobiyama et al. (2006), a prevenção de desastres naturais é dividida em dois aspectos: (1) compreensão dos mecanismos dos fenômenos naturais que geram os desastres; e (2) aumento do potencial de resistência da sociedade contra esses fenômenos. O primeiro item é a execução da ciência, e o segundo necessita do apoio da ciência. Os conceitos geográficos permeiam ambos os aspectos de prevenção de desastres naturais, de modo que a contribuição da geografia para o planejamento e gestão urbana está principalmente associada à análise e à avaliação de risco a desastre natural e a ação que vem diminuir os riscos a desastres naturais.
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Capítulo 4 TEMÁTICAS DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: DA MEDICINA GEOGRÁFICA À GEOGRAFIA MÉDICA E DESTA À GEOGRAFIA DA SAÚDE Maria Eugênia Moreira Costa Ferreira
Introdução A distribuição das doenças ao redor do mundo e as relações entre a ocorrência das enfermidades e os fatores geográficos, tanto os fatores demográficos como aqueles do meio, sempre foram objetos de preocupação da humanidade. Mesmo as civilizações mais antigas, ocidentais e orientais, estabeleceram relações entre as doenças e as condições climáticas, os modos de vida das populações, as características etnográficas dos povos ou as dificuldades de adaptação do homem aos meios diferentes do seu ambiente de origem. Na Antiguidade Clássica o assunto foi tratado principalmente por aqueles que se dedicavam às ciências médicas. Era, então, uma Medicina Geográfica. A partir do século XIX a Geografia se firma como ciência e, então, os aspectos de saúde da população passam a ser objeto de estudo, principalmente com relação às influências do clima sobre a saúde, em um primeiro momento com conceitos bem deterministas. Mas mesmo com a evolução dos métodos geográficos, as questões geográficas da saúde ainda eram abordadas principalmente pelos médicos, especialmente os médicos sanitaristas, constituindo o que podemos chamar de uma Geografia Médica. No Brasil, esta tendência vem desde o período higienista, do final do século XIX e das primeiras décadas do século XX, com Carlos Chagas, até a década de 70 do século XX, com a ocupação da Amazônia. Porém, na década de 80 desse século, os problemas de saúde coletiva adquirem maior importância na agenda dos serviços públicos, culminando com a universalização do atendimento à saúde prevista na Constituição de 1988 e efetivada pela Lei 8.080 de 1990, da Reforma Sanitária e implantação do Sistema Único de Saúde-SUS nos moldes atuais. A ___________________________________________________________ 83
________________________VII SIMPGEO________________________ Geografia, que vinha adensando a sua retórica em torno das questões ambientais e das questões sociais, principalmente no meio urbano, passa a oferecer um amplo instrumental de análise para as questões de saúde das coletividades e de saúde pública, configurando-se, então a Geografia da Saúde. Esta apresenta uma gama de abordagens ora mais ligadas à Geografia Física e aos estudos do meio, ora mais associa- da à Geografia Humana e aos estudos populacionais, culturais, sociais, e socioeconômicos; os estudos de cunho socioambientais procuram anular essa dicotomia.
A Geografia e as questões de saúde através dos tempos A Geografia sempre esteve presente, mesmo nos estudos médicos mais antigos, ao se procurar entender as causas das enfermidades que assolavam as populações. Um exemplo são os tratados sobre as doenças elaborados na Antiguidade Clássica, principalmente pelos gregos, que procuravam entender a distribuição das doenças bem como as relações entre o ambiente e a ocorrência das enfermidades. Hipócrates, em sua obra Dos ares, das águas e dos lugares, correlacionava as doenças endêmicas, principalmente, às condições do ambiente, citando fatores geográficos como causadores das enfermidades. O Império Romano teve como um ponto crucial conhecer as doenças presentes nos territórios conquistados, segundo as suas implicações geográficas, principalmente com relação aos climas. Mas mesmo antes disso, as civilizações do Oriente Médio e os egípcios já tinham algum conhecimento sobre as doenças e a sua distribuição geográfica. Como eram os médicos que discorriam sobre os fatores geográficos intervenientes nos quadros nosológicos, pode-se dizer que se tratava de uma Medicina Geográfica. Na Idade Média, particularmente na civilização ocidental, os estudos que relacionavam a ocorrência de enfermidades e o meio geográfico não evoluíram muito, pois predominava a crença de que as doenças eram fruto de castigo divino. Mas já nessa época era popular a teoria miasmática, atribuindo às emanações pútridas dos pântanos a causa de doenças transmissíveis, como a malária. Na verdade, não se conheciam os ciclos das doenças metaxênicas, transmitidas por vetores, e as áreas pantanosas ou com águas poluídas bem como as áreas de descarte de resíduos sólidos (lixo), quando existiam, pareciam ser, em si, a causa das enfermidades. As grandes epidemias que grassavam na ___________________________________________________________ 84
________________________VII SIMPGEO________________________ Europa devido à insalubridade das cidades fortificadas, com as edificações apinhadas, coleta de esgotos incipiente e consequentemente fontes de abastecimento de água contaminadas, levaram ao entendimento de que as doenças transmissíveis tinham causas relacionadas ao meio. No Renascimento, com as grandes navegações e as expedições europeias às terras tropicais, passou a ter muito valor o conhecimento das doenças que grassavam nos trópicos. Os viajantes naturalistas muitas vezes procuravam relacionar as doenças infecciosas que eram para eles desconhecidas, com os fatores geográficos, principalmente as condições climáticas. Mas conheciam pouco sobre os ciclos das doenças e, mesmo tendo elaborado muitos estudos fitogeográficos e zoogeográficos, não conseguiam entender, por exemplo, as doenças metaxênicas, isto é, zoonoses e antroponoses, as primeiras envolvendo reservatórios animais, mas tendo por base um ciclo envolvendo vetores transmissores de doenças, como é o caso da malária, da febre amarela ou da leishmaniose. A partir do final do século XVIII e no século XIX, os estudos científicos se tornam mais sistemáticos, principalmente no campo das ciências biológicas, no âmbito das ciências da natureza. A medicina também evolui. As doenças passam a ser mais bem compreendidas, quanto às suas causas, e a distribuição delas ao redor do mundo é um importante foco de atenção das nações europeias que tinham colônias, seja na África, seja no Oriente ou nas Américas. Na França, Louis Pasteur (1822-1895) avança no conhecimento sobre a prevenção de doenças infecciosas, introduzindo as vacinas, como instrumento de combate às doenças. Porém, o sucesso da imunização por meio da vacinação não aparece como algo positivo na história evolutiva da Geografia Médica tradicional, ou da Medicina Geográfica, pois se acreditava que as vacinas seriam capazes de controlar a maior parte das doenças infecciosas, remetendo a segundo plano os estudos que visavam o controle de doenças por meio do conhecimento dos fatores geográficos e das condições do meio. Mas foi no início do século XX que as ciências médicas evoluíram substancialmente no conhecimento da etiologia das doenças, especialmente das doenças transmissíveis e que, tradicionalmente, eram muito representativas no quadro das principais causas de mortalidade e de morbidade das populações. Muitos estudos elaborados por médicos abordavam as causas geográficas das doenças. Portanto, eram estudos feitos por médicos e não por geógrafos, mas muito ricos em interpretações geográficas da ocorrência das enfermidades. A ___________________________________________________________ 85
________________________VII SIMPGEO________________________ Geografia adensava-se nas questões metodológicas no quadro do Positivismo lógico, por vezes com interpretações deterministas, que atribuíam ao meio geográfico natural as mazelas de saúde da população. O homem aparecia como dependente das condições do meio ou sujeito ao meio. Embora essa interpretação seja imprópria, serviu para enfatizar as relações entre os fatores geográficos e a saúde dos povos. Por volta de 1920, a crença de que as vacinas erradicariam as doenças infecciosas já estava em parte abalada, seja porque isso dependeria da criação mesma da vacina específica para cada enfermidade, seja porque algumas doenças apresentavam agentes etiológicos, isto é, parasitas que não respondiam ao efeito esperado das vacinas e da desejada ação dos anticorpos. Mas foi ainda no início do século XX que Maxmilien Sorre (18801962) introduz a ideia do complexo patogênico, que associava a ocorrência das doenças, principalmente das doenças transmissíveis, aos inúmeros fatores geográficos, com destaque para o clima. Sorre trabalhou bem com os ciclos da natureza e principalmente com os ciclos das doenças, já razoavelmente conhecidos nas primeiras décadas do século XX. No Brasil, os primeiros estudos que relacionaram a ocorrência das doenças ao ambiente de maneira sistemática foram desenvolvidos, principalmente, por médicos higienistas, sanitaristas e epidemiologistas. Essa abordagem era mais o que se denomina de Medicina Geográfica do que, propriamente, de Geografia Médica. Isso porque tratava, principalmente, de indicar as áreas de distribuição de patologias transmitidas por vetores como a malária, a esquistossomose, a doença de Chagas, a filariose, a leishmaniose, bem como outras doenças transmissíveis, como a hanseníase, as parasitoses intestinais, além de diversas viroses, procurando avaliar os fatores ambientais envolvidos. A preocupação com o clima era evidente, pois muitas dessas doenças estão relacionadas aos trópicos quentes e úmidos ou, eventualmente, ao trópico semiúmido ou semiárido. Em 1884, o médico higienista Joseph François Xavier Sigaud (17961844) publica, na França, o livro Du Climat et des Maladies Du Brésil – ou statistique médicale de cet empire, apresentando um rico quadro das doenças que assolavam a população brasileira, particularmente dos grupos étnicos que viviam na cidade do Rio de Janeiro, onde atuou. Nesse trabalho (Sigaud, 2009) ele ressalta, além da influência do clima sobre as doenças, aspectos dos hábitos alimentares e étnicos (da saúde dos ___________________________________________________________ 86
________________________VII SIMPGEO________________________ negros, dos índios) e aspectos ocupacionais (da saúde dos operários das minas de ouro e de diamante, dos curandeiros), dentre outros temas. Trata-se de uma obra que envolveu muito conhecimento geográfico e do ambiente. No início do século XX dois médicos sanitaristas, higienistas e cientistas, Oswaldo Cruz (1872-1917) e Carlos Chagas (1879-1934) aprofundam-se no conhecimento das chamadas doenças tropicais, como a febre amarela, a malária e a tripanossomíase. Oswaldo Cruz empreende acirra- da campanha visando a “erradicação” da febre amarela no rio de Janeiro. Carlos Chagas contribuiu para o controle da malária e ampliou os conhecimentos sobre a tripanossomíase, dentre outras pesquisas ligadas às doenças transmissíveis. Embora o trabalho desses dois cientistas, adeptos da medicina preventiva de Pasteur tenham abordado alguns aspectos da Geografia, principalmente quanto às questões do meio, foi essencialmente na área médica da saúde coletiva que mais se destacaram. Ambos enfatizaram a ideia da prevenção das doenças, como fundamental para o bem-estar da população. Por volta de 1950, muitas doenças transmissíveis já vinham sendo razoavelmente controladas ou, pelo menos, conhecia-se mais sobre elas, tornando os tratamentos mais eficazes. A Geografia Médica perdeu destaque, pois se achava que as vacinas e o progresso da ciência, em geral, iriam erradicar as chamadas “doenças tropicais” (Ferreira, 1995, 2003; Ferreira e Lombardo, 2000). O conceito de “doenças tropicais” envolve a discussão das relações entre o clima e a saúde. Uma das formas mais tradicionais de abordar a questão é quanto às denominadas “doenças tropicais”. Este termo é controverso, pois diferentes critérios vêm sendo utilizados para definir o que são as doenças tropicais. Levanta-se a questão climática, valorizando os aspectos do ambiente como temperatura e umidade, e a questão socioeconômica, como sendo o que decorre das condições de subdesenvolvimento das populações miseráveis vivendo nos trópicos. Uma terceira posição procura reunir os dois critérios, valorizando os aspectos geográficos regionais, como sendo o que ocorre em países que ocupam a faixa intertropical da Terra, abrangendo tanto as doenças cuja ocorrência depende de certas condições climáticas, quanto aquelas ligadas à pobreza e à deficiência da infraestrutura de saneamento e de atendimento à saúde. Originalmente, o termo “doenças tropicais” foi utilizado para se referir a doenças dos trópicos úmidos, enfatizando os aspectos climáticos, ___________________________________________________________ 87
________________________VII SIMPGEO________________________ mas também criando muitos preconceitos contra a zona tropical. Colonizadores europeus procuravam passar o verão nas “serras” da América tropical, nas montanhas do norte da Índia ou nas terras mais elevadas dos planaltos da África tropical, para fugir do calor e das doenças. No Brasil, o imperador Pedro II instalava-se em Petrópolis, durante o verão, e mesmo em boa parte do ano, para fugir ao calor e à insalubridade da cidade do Rio de Janeiro. Quando o Brasil incentivou a vinda de imigrantes europeus no final do século XIX e início do século XX, Godinho, em 1910, elaborou um estudo no qual negava a relação entre o clima e a prevalência de doenças endêmicas e epidêmicas, com a finalidade de atender a interesses político-econômicos: o autor pretendia, na verdade, provar aos imigrantes estrangeiros que chegavam a São Paulo, que não havia correlação entre o clima tropical e uma suposta insalubridade causadora de “doenças tropicais”. Em muitos outros trabalhos a atenção voltou-se para as chamadas “doenças tropicais”, de que se ocuparam desde naturalistas do século XIX, até pesquisadores da primeira metade do século XX - entre eles Carlos Chagas- ressaltando a influência do clima na ocorrência das enfermidades. Na década de 50, o interesse geopolítico na interiorização e na integração do território brasileiro reativou os estudos de Geografia Médica: desenvolveram-se pesquisas sobre as doenças tropicais endêmicas presentes nas áreas em vias de ocupação da Amazônia brasileira (regiões Norte e Centro-Oeste); os estudos atendiam aos interesses do governo militar, que implantava projetos de produção de energia, agropecuários e de mineração no interior do país. É com este objetivo que, em 1959, cria-se o Instituto de Medicina Tropical de São Paulo. As pesquisas elaboradas nessa fase e nas décadas seguintes são essencialmente de Medicina Ambiental e não de Geografia Médica, uma vez que os trabalhos foram produzidos por médicos sanitaristas e não por geógrafos. A medicina ambiental trata da relação entre a ocorrência de doenças e as características do ambiente, mas não faz uma análise propriamente espacial, conforme a metodologia geográfica. De qualquer forma, os médicos sanitaristas referiam-se aos seus trabalhos como de Geografia Médica. É, ainda, dentro desse contexto geopolítico e atendendo às necessidades da expansão capitalista nas regiões Norte e Centro-Oeste, empreendida pelos governos militares que, em 1972, Lacaz et al. (1972) publicam a obra Introdução à geografia médica do Brasil, que ___________________________________________________________ 88
________________________VII SIMPGEO________________________ estabeleceu uma ponte entre a epidemiologia e a geografia e enfatizou a importância dos estudos geográficos para a compreensão das patologias infecciosas em geral e particularmente as parasitárias, com destaque para as doenças que possuem um reservatório na natureza e um vetor biológico que hospeda temporariamente o agente infectante em ambientes tropicais. Estes trabalhos estavam, de certa forma, a serviço da ocupação da Amazônia empreendida pelo regime militar no Brasil, no contexto do Projeto RADAM, que valorizou sobremaneira os estudos de cunho geográfico como instrumento geopolítico de ocupação do território. O trabalho de Lacaz aborda uma Geografia por tópicos – o meio físico e o meio humano– avaliando a ação dos climas, dos solos, do relevo, da hidrografia, da vegetação, das ocupações agrícola e pecuária, das habitações e dos modos de vida, da cultura das populações, para explicar as causas da ocorrência das doenças infecciosas. No estudo das relações entre o clima e a saúde, a corrente ambientalista natural arrola como associadas à tropicalidade climática, as doenças parasitárias transmitidas por vetores como a malária, a febre amarela, a leishmaniose tegumentar americana, a esquistossomose, a filariose, as arboviroses, as febres hemorrágicas incluindo, mais recentemente, a dengue. Também algumas doenças bacterianas como as salmoneloses e a shigueloses, aparecem associadas à deterioração de alimentos devida ao calor, embora envolvam aspectos sanitários. Já, o critério que associa as “doenças tropicais” a problemas decorrentes da pobreza, do atraso social, das deficiências no atendimento à saúde de outras condições ambientais que não o clima, isto é, enfatizando principalmente os aspectos do saneamento ambiental e de assistência social, amplia o escopo das doenças ditas “tropicais”. É assim que passaram a ser associadas aos trópicos, doenças parasitárias como a amebíase, as helmintíases, as protozooses intestinais, a cólera, todas elas decorrentes da falta de saneamento básico, além de outras relacionadas à precariedade das habitações e à rusticidade do modo de vida, envolvendo as más condições do espaço habitado e a exposição aos agentes etiológicos, devido à pobreza. Assim, somam-se às doenças acima que, diga-se de passagem, não são exclusivas dos trópicos, a tripanossomíase, a toxoplasmose, a hanseníase, a tuberculose, a peste, as rickettsioses, a leptospirose, as anemias nutricionais, as micoses, dentre outros males associados às más condições de vida e às situações de risco ambiental e social. Até a AIDS, na sua origem, foi atribuída ao ambiente intertropical florestal africano. Nem é preciso dizer que a maior parte dessas doenças ___________________________________________________________ 89
________________________VII SIMPGEO________________________ não está associada exclusivamente às qualidades dos meios climáticos tropicais, apenas grassando nos países tropicais devido às condições de subdesenvolvimento. Este é o caso da tuberculose, da AIDS, das infecções intestinais, da desnutrição infantil, dentre outras. A geografia médica latino-americana de base “terceiro-mundista”, que explora os fatores de risco, de Briceño-León (1993), Vera-Vassalo (1985), López-Antuaño (1992) e Castillo-Salgado (1992), só para citar alguns trabalhos clássicos, procura associar os fatores ambientais naturais e criados pelo homem aos fatores culturais, sociais e econômicos. Assim, a questão das “doenças tropicais” aparece como um conjunto de condições climáticas e biogeográficas que, associadas aos fatores culturais, sociais e econômicos, são responsáveis pela permanência e pelo agravamento de enfermidades que já foram há muitas décadas controladas nos países desenvolvidos de clima temperado ou frio. Iñiguez Rojas (1998) questiona a análise dos fato- res de risco, enfatizando as ações sobre o meio natural e social e o gerencia- mento adequado dos problemas de saúde. A Organização Pan-Americana de Saúde - Opas (2002) enfatiza os aspectos sociais e econômicos responsáveis pelo quadro de saúde da população na América tropical. Depreende-se que a tropicalidade aparece como sinônimo de lugar quente e úmido, bem como remete à permanência de populações miseráveis. As duas condições aparecem como favoráveis à proliferação de vetores, agravando o quadro sanitário nos trópicos. Nos anos 80 do século XX, com o recrudescimento de doenças como a malária, a cólera, a dengue, a leishmaniose, a tuberculose, dentre outras, readquire importância a Geografia Médica, isto é, os estudos de cunho geográfico, voltados para os problemas da saúde da coletividade. Somam-se às doenças tradicionais, as novas patologias ligadas, principalmente, às grandes aglomerações humanas nas cidades: a tuberculose, que reaparece associada a AIDS, a dengue, a leishmaniose, bem como as chamadas ocorrências ligadas à violência urbana, como os homicídios e acidentes de trânsito. A leishmaniose, por exemplo, viu o seu ciclo de transmissão evoluir de um ambiente florestal para o ambiente periurbano (e peridomiciliar), ao qual o inseto vetor se adaptou, proliferando nos solos úmidos dos pomares e dos locais de descarte de lixo doméstico e nas proximidades de currais e galinheiros. É neste momento que os geógrafos tomam a frente dos estudos que correlacionam meio geográfico e saúde, surgindo o que então se pode chamar de Geografia Médica, que procura avaliar, principalmente, os ___________________________________________________________ 90
________________________VII SIMPGEO________________________ fatores ambientais de risco, através de uma análise espacial dos problemas de saúde. Segundo Sobral (1988), a elaboração de estudos de Geografia Médica desvinculados dos interesses geopolíticos de Estado ou da classe dominante só se evidenciou a partir do Encontro de Trabalho sobre Geografia da Saúde, da U.G.I., em 1982. Os geógrafos se envolveram na análise dos fatores ambientais e sociais de risco de ocorrência de agravos à saúde, procurando correlacionar fatores geográficos e ocorrência de doenças. A preocupação ainda era muito voltada para os agravos à saúde, isto é, priorizando a ocorrência de enfermidades e os problemas médicos propriamente ditos. Mas é neste contexto que se firma o termo Geografia da Saúde, enfatizando mais os aspectos de prevenção à saúde do que os aspectos da cura das doenças. Na década de 80 do século XX, os problemas de saúde coletiva adquirem maior importância na agenda dos serviços públicos, culminando com a universalização do atendimento à saúde prevista na Constituição de 1988 e efetivada pela Lei 8.080 de 1990, da Reforma Sanitária e implantação do Sistema Único de Saúde-SUS nos moldes atuais. Com base nessa lei e em outras acessórias a essa, o governo federal municipaliza os serviços de saúde, isto é, responsabiliza a administração municipal quanto à gestão da saúde em cada município. O governo federal passa a ser responsável, então, pela captação e pelo repasse das verbas para o sistema de saúde, sendo este gerido em parte pelas secretariais estaduais, mas principalmente pelas administrações municipais. Criam-se, portanto, os territórios de gerenciamento e aí a Geografia tem um amplo instrumental de aplicação. Na última década do século XX, portanto, com a reforma do SUS, o interesse dos geógrafos voltou-se também para os aspectos preventivos, para a avaliação das ações epidemiológicas, da gestão dos serviços de saúde, do alcance espacial dessas ações de controle, destinadas mais à preservação da saúde, em detrimento dos estudos tradicionais preocupados com a ocorrência das doenças. Essa Geografia da Saúde, além da análise dos fatores ambientais e espaciais de risco, contribui com um farto material voltado para o gerenciamento dos serviços de saúde, o monitoramento dos eventos e a definição de estratégias de prevenção e controle de doenças. O suporte dado pelos Sistemas de Informação Geográfica (SIGs) é a principal ferramenta dessa nova abordagem, agora mais voltada à promoção da saúde do que à assistência à doença.
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________________________VII SIMPGEO________________________ Um fato relevante é que algumas doenças transmitidas por insetos vetores, dentre elas a malária, têm apresentado um recrudescimento no continente americano a partir da década de 80. A dengue vem se tornando uma ameaça às populações urbanas, principalmente pela gravidade do quadro na sua forma hemorrágica. Mello Jorge et al. (2001) mostram que a dengue apresentou, em 1990, 40.642 casos notificados, no Brasil, com taxa de incidência de 28,2 por 100 mil habitantes; em 1998, foram 570.148 casos notificados, com taxa de incidência de 352,4 por 100 mil habitantes; a febre amarela apresentou, em 1980, 25 casos notificados; em 1990 foram apenas dois casos e em 1998, 34 notificações. A distribuição pretérita e atual da malária no mundo demonstra que a enfermidade, embora predominantemente tropical, grassou em muitas áreas da zona temperada. No presente, ocorre em proporção muito maior nos países chamados “tropicais”, mas que, coincidentemente, correspondem àqueles de economia dependente ou classificados como subdesenvolvidos ou “em desenvolvimento”, o que às vezes pode ser um eufemismo. A malária é, hoje, no Brasil, uma doença associada à ocupação de zonas pioneiras tropicais, onde o atendimento à saúde é deficiente. No entanto, a enfermidade também vem ocorrendo em alguns países europeus, sobretudo naqueles que recebem grandes levas de migrantes africanos ou asiáticos. Na África, a malária segue o exemplo evolutivo das doenças transmissíveis, urbanizando-se. A Organização Mundial da Saúde - OMS indica que a malária permanece como uma doença essencialmente tropical e subtropical, com prevalência nas regiões e países inseridos dentro dos trópicos úmidos. No passado, a doença teve caráter endêmico no sul da Europa, em Roma e na Grécia, no período histórico, e também na Sardenha, no século XIX (Berlinguer, 1993); nos Estados Unidos, a malária grassou nas terras do sul (Agudelo, 1985) e no vale do rio Tenessee (Najera, 1989). É fato que o optimum ecológico para o vetor da enfermidade corresponde aos ambientes quentes e úmidos da zona intertropical; contudo, não se pode explicar a atual distribuição da doença e principalmente o seu ressurgimento apenas como um problema de ordem natural ou física. O adensamento das populações urbanas, os problemas de infraestrutura urbana, de contaminação do ar, das águas e dos solos, as desigualdades sociais e econômicas, explicam os quadros de saúde da população, sob a análise geográfica. No início do século XXI, ainda não ficou perfeitamente caracterizada, no Brasil, a transição epidemiológica, que corresponde à ___________________________________________________________ 92
________________________VII SIMPGEO________________________ passagem de um quadro de agravos relacionados às chamadas “doenças da pobreza, do atraso ou de base rural” (doenças infecciosas em geral e, particularmente, aquelas transmitidas por vetores, ou que envolvem parasitas veiculados pela água), para um quadro no qual predominam doenças predominantes nas sociedades desenvolvidas e urbanas (doenças cardiovasculares e respiratórias, neoplasias, agravos relacionados a acidentes e atos de violência). Isso porque, a par de uma redução na ocorrência de doenças infecciosas prevê níveis com vacinação – como a varíola, o sarampo, a poliomielite, a febre amarela – ou através de melhorias na infraestrutura sanitária, certas doenças, antes próprias dos ambientes florestais ou rurais, voltam a crescer em número de ocorrências. E, dentre os agravos típicos das sociedades “desenvolvidas”, reaparecem doenças originalmente associadas às populações rurais atrasadas ou pobres, como é o caso da leishmaniose e da malária. Outras, como a dengue, a tuberculose e a síndrome da AIDS, driblam as barreiras do progresso e se aninham nos aglomerados urbanos. Temos, então, um quadro de mortalidade no qual parece evidente a baixa representatividade das doenças transmissíveis como causa de morte, com maior representatividade das doenças cardíacas e neoplasias como causas da mortalidade, o que indica que a “transição epidemiológica” já ocorreu e já foi atingido o patamar do quadro de mortalidade próprio de sociedades modernas; contudo, se observarmos os quadros de morbidade, o Brasil ainda apresenta grande ocorrência de doenças endêmicas, como a malária na região Norte, a esquistossomose no Nordeste e no Sudeste, além de doenças que aparecem por surtos ou epidemias, como é o caso da dengue, nos aglomerados metropolitanos.
A investigação em Geografia da Saúde Apresentamos, a seguir, alguns desdobramentos da pesquisa atual em Geografia da Saúde. A Geografia Médica tradicional e a moderna Geografia da Saúde apresentam linhas de investigação com objetivos específicos. As linhas abaixo descritas voltam-se ora para a Geografia Física, ora para a Geografia Humana, mas vêm sendo reunidas em estudos mais abrangentes, que utilizam como principal ferramenta os sistemas de Informação Geográfica, aplicados à área da Saúde. Há que se considerar a importância dos estudos em Geografia da Saúde que tomam o território como base de análise e intervenção (Barcellos, 2008). Algumas linhas de pesquisa são: ___________________________________________________________ 93
________________________VII SIMPGEO________________________ (a) Identificação e avaliação dos fatores de risco à saúde Tem por objetivo identificar os estratos populacionais (grupos de pessoas) de risco para determinada doença ou agravo, isto é os grupos mais vulneráveis à doença ou agravo, por apresentarem maior exposição aos fatores causadores do problema. Esses fatores podem ser de diferentes ordens. Os fatores geoecológicos ou “ambientais” e socioambientais, envolvem os estudos que tomam o clima como interveniente, principalmente quanto aos aspectos da poluição do ar, da degradação das condições da qualidade do ar no meio urbano e nas cidades industriais, e até mesmo os aspectos destruição da camada de ozônio, que pode influir na intensificação da radiação solar, aumentando a incidência do câncer de pele. A poluição do ar é fator agravante para doenças do trato respiratório e também por alguns tipos de neoplasias. A degradação da cobertura vegetal, o aumento das áreas ocupadas pelos agro ecossistemas, com intensa aplicação de biocidas, os desertos urbanos, podem exercer efeitos deletérios ao bem-estar físico e psicológico das pessoas. Os desequilíbrios das populações animais, a proliferação de uma fauna urbana de animais sinantrópicos e o desaparecimento de predadores naturais podem fazer com que algumas espécies de animais acabem por constituir ameaças à saúde da população, no seu papel de transmissão de zoonoses, por exemplo. Os estudos de renaturalização dos espaços urbanos procuram criar espaços citadinos mais próximos dos espaços naturais, o que contribuirá para que os ecossistemas urbanos possam ser, se não autônomos e com equilíbrio dinâmico próprio, pelo menos mais agradáveis como espaços habitáveis, visando uma melhor qualidade de vida e de saúde para a população. A poluição das coleções hídricas e também a contaminação dos solos e do lençol freático podem constituir riscos à saúde da população. A maior preocupação é quanto à manutenção de fontes de água para abastecimento das cidades, regiões metropolitanas e megalópoles, bem como com relação ao tratamento e à disposição final dos efluentes líquidos, dos esgotos urbanos e industriais. A contaminação do solo e das águas subterrâneas pela disposição imprópria dos resíduos sólidos é causa de muitas doenças do meio urbano, contribuindo para o aumento ___________________________________________________________ 94
________________________VII SIMPGEO________________________ de vetores transmissores de doenças, como as moscas, as baratas e os roedores, agravando condições locais de insalubridade. Uma temática importante é aquela que trata das áreas de riscos “naturais”, sendo estes riscos aqueles devido ao transbordamento de coleções hídricas e às enchentes, outros associados à permanência de habitações em áreas de risco de desmoronamentos, de exposição a tornados, furacões, tsunamis, erupções vulcânicas ou terremotos. Se os últimos exemplos envolvem possíveis causas externas de mortalidade, por acidentes mais ou menos imprevisíveis ou incontroláveis, os casos de ocupação de áreas de riscos de desabamentos ou de enchentes estão bem ligados à gestão do espaço habitado. Os fatores populacionais, culturais, socioeconômicos de ocorrência de agravos à saúde procuram avaliar como os fatores demográficos, culturais, sociais e econômicos podem condicionar certos agravos à saúde da população. São particularmente interessantes as pesquisas em torno dos indicadores sociais. Com relação aos aspectos demográficos, importam para a Geografia da Saúde as condições de densidade demográfica, que podem ser cruciais nas epidemias, além dos estudos que procuram correlacionar a ocorrência de agravos à saúde segundo as faixas etárias (neonatos, crianças, adolescentes, adultos em situação ativa, idosos), o sexo (saúde da mulher, saúde do homem), os fatores ocupacionais (saúde do trabalhador), os grupos de étnicos ou de migrantes, isto é, doenças introduzidas por grupos de migrantes ou doenças próprias de certos grupos étnicos, como a anemia falciforme dos negros e o câncer de pele, que atinge mais as pessoas de pele muito clara. Os fatores migratórios e de mobilidade, estes últimos que se intensificaram sobremaneira nas sociedades modernas e no mundo globalizado, podem expor as populações a novas patogenias desconhecidas para esses grupos, até ocorrer o contato com as mesmas. Esse é o caso dos agravos a que estão sujeitas as populações de áreas de ocupação pioneira. Em outros casos, a globalização colocou em contato populações que até então pouco se relacionavam ou que viviam de modo isolado. As epidemias de gripes do tipo H1N1, gripe aviária ou de ebola, estão neste caso. A AIDS, igualmente, pode ser de maior risco em alguns lugares e de menor risco em outros lugares. Outra tendência de pesquisas em Geografia da Saúde é aquela que aborda os aspectos da Geografia Cultural, eventualmente aspectos étnicos, na ocorrência de agravos à saúde. Os hábitos alimentares estão no foco ___________________________________________________________ 95
________________________VII SIMPGEO________________________ destes estudos, particularmente com relação às dietas hipercalóricas da vida urbana moderna, das fast-food, mas também com relação a dietas tradicionalmente muito pobres em proteínas, ou muito ricas em carboidratos e/ou gorduras, em conservantes ou produtos alergênicos, de alguma for ma desequilibradas. Mas outros aspectos culturais são aqueles ligados à discriminação de gênero, geralmente sendo a mulher a vítima de violência ou más condições de bem-estar, e, ainda, os aspectos ligados à religião. Também há os aspectos de higiene, importantes na prevenção de doenças, e que muitas vezes encontram barreiras culturais para sua implantação.
A retomada da Geografia Cultural na compreensão dos problemas de saúde da população. (b)
De fato, a Geografia da Saúde está intima mente ligada à Geografia Cultural. Fazendo uma retrospectiva de abordagens geográficas relacionadas à Geografia Cultural (Ferreira e Lima, 2014), a Geografia Humana tradicional positivista, possibilista, regional (“regionalista”), principalmente aquela da escola francesa, trabalhou bem as questões dos gêneros de vida e a influência dos recursos do meio nas formas de habitação, materiais utilizados, nos produtos de coleta, de caça e de pesca obtidos, na escolha dos produtos de cultivo e dos animais domesticados. Vidal de Blache (1954), em sua obra Princípios de Geografia Humana, de 1921, foi um expoente desse período da Geografia, que se estendeu do final do século XIX até meados do século XX. Nessa fase, a preocupação maior é com os artefatos técnicos desenvolvidos pela cultura de cada grupo, e não há uma interpretação mais subjetiva ou pessoal das realidades descritas, que enfatizavam as diferenciações regionais. Embora os geógrafos elaborassem longas descrições e avaliações da qualidade da alimentação, da salubridade ou insalubridade das habitações e dos gêneros de vida, poucos se preocuparam com as questões de saúde desses grupamentos humanos. Lebon (1966) foi um dos últimos discípulos dessa fase, que analisava os modos de vida de diferentes grupamentos de população, em face daquilo que o meio oferecia como recursos e condicionado às téc- nicas disponíveis para sua exploração, tendo apresentado em sua obra Introdução à Geografia Humana um capítulo sobre as doenças das popu- lações dos trópicos, da Europa, da América do Norte, da Ásia, da África, com destaque para as ___________________________________________________________ 96
________________________VII SIMPGEO________________________ doenças transmissíveis, bem como discorre, em outro capítulo, sobre as influências do clima sobre as populações e seu bem-estar. Já anteriormente citado neste capítulo, na Geografia da Saúde, Ferreira (1991), cita o geógrafo humano Maximilien Sorre, no contexto de uma Geografia Cultural, com o conceito de “complexo patogênico”, ressaltando os aspectos do meio – natural/cultural – responsáveis pela ocorrência das doenças, mas com uma abordagem eminentemente ecológica. Sauer aparece desde os anos 20 com uma interpretação cultural que foge aos estudos do regionalismo cultural centrado nas técnicas, nos aspectos materiais das culturas, abrindo campo para um estudo da morfologia da paisagem cultural (Sauer, 1925 e Leighly, 1983) vista como um organismo funcional, numa abordagem ambiental mas cujo foco da transformação está centrado na ação humana e na sua historicidade, e não prioritariamente no meio. Da fenomenologia, o autor demonstra preocupação quanto às formas como a industrialização e a modernização estavam transformando não apenas a paisagem, mas as atitudes dos homens perante a mesma e a própria compreensão da paisagem e de sua morfologia, numa linha de base humanista, rompendo com o positivismo que dominava a escola de La Blache, centrada nos gêneros de vida. Sem a intenção de refazer um levantamento cronológico sobre a Geografia da Saúde ou da Geografia Cultural, pode-se dizer que, entre 1960 e 1970 a nova Geografia ou escola pragmática procurou sistematizar as manifestações culturais numa abordagem impessoal, não subjetiva, com a finalidade nomotética. Para as interpretações dentro da Geografia Cultural, essa escola apresentou limitações, havendo críticas ou desinteresse pela sistematização metodológica da Nova Geografia, como bem explicita Claval (2002). Contudo, há um trabalho interessante de Haggett (1992), sobre a origem e a dispersão das doenças, no qual o autor toma por empréstimo a metodologia de análise corológica e historicista da obra de Sauer sobre a origem e dispersão da agricultura e dos produtos de cultivo. Haggett aborda as doenças transmissíveis e principalmente as epidemias recentes, como da AIDS e do vírus Ebola. A partir dos anos 80 do século XX, a Geografia Cultural aprofunda-se nos aspectos simbólicos, das representações, das imagens mentais, da identidade dos grupos, como ressaltado por Claval (2002, 2011), que ressalta a importância crescente da Geografia Cultural dentro da ciência Geografia, adquirindo a mesma um status equivalente ao da ___________________________________________________________ 97
________________________VII SIMPGEO________________________ Geografia Econômica e da Geografia Política, deixando de ser apenas um subdomínio da Geografia Humana. No Brasil, as obras que tratam de aspectos geográficos das doenças e associados a aspectos culturais nem sempre foram de autoria de geógrafos. Temos, desde o século XVI, os tratados descritivos elaborados pelos viajantes europeus, nos quais são descritas, às vezes com minúcias, algumas doenças tropicais então desconhecidas pelos povos da Europa. Assim, o naturalista baiano, formado na Europa, Alexandre Rodrigues Ferreira, discorre sobre febres sezões, disenterias, sarna e a temível “corrupção”, doença associada a algum tipo de diarreia [10], todas elas doenças atribuídas ao meio geográfico dos trópicos úmidos. Alexandre expõe a gravidade com que essas doenças eram encaradas, a dificuldade de tratamento, citando os tratamentos locais com gengibre, enxofre e outros elementos da farmacopeia local. Toda a obra dos naturalistas europeus é muito rica ao desvendar como eram encaradas as doenças nos trópicos e quais os recursos locais aventados para a sua cura, seja por parte das populações indígenas, seja por parte da população de origem portuguesa, cabocla ou de origem africana. Em 1844, como já citado anteriormente nesta capítulo, Sigaud (edição de 2009) publica a sua obra sobre o clima e as doenças do Brasil, Du Climat et des Maladies du Brésil – ou statistique médicale de cet empire , muito rico na descrição dos aspectos culturais de grupos, particularmente quando trata da alimentação e das doenças dos índios, dos negros, dos operários das minas de ouro e diamante, do trabalho dos curandeiros, bem como das estatísticas das doenças das po pulações segundo as diferentes raças e das medidas de higiene urbana e do sepultamento dos corpos, dentre muitos outros aspectos da vida brasileira no século XIX.
Estudos relacionados à utilização dos Sistemas de Informação Geográfica (c)
Utiliza instrumentos de análise como: estudos por área de conhecimento, com destaque para os aspectos ambientais; bancos de dados SIS e SIG; mapeamentos digitais e criação de cenários futuros possíveis. Uma das linhas é aquela que trata do planejamento dos serviços de saúde. Esta linha elabora diagnósticos mais ligados aos parâmetros culturais, de acesso aos serviços de saúde, dos equipamentos de saúde (rede de postos de atendimento, unidades básicas de saúde, hospitais ___________________________________________________________ 98
________________________VII SIMPGEO________________________ públicos, equipamentos particulares). Envolve o planejamento regional e ambienal, que subsidiam as atividades de gestão da saúde. Há trabalhos interessantes sobre a acessibilidade aos equipamentos de saúde, entendendo os equipamentos como as Unidades Básicas de Saúde, que representamos equipamentos de nível um, de pronto atendimento e atendimento básico, os hospitais municipais, universitários ou metropolitanos, que podem oferecer serviços mais específicos, de nível dois e, por fim, os equipamentos de nível três, que oferecemos serviços mais especializados. Toda esta rede de atendimento constitui-se de modo hierárquico, estando intimaente ligados às características das redes urbanas. Assim, os serviços de primeiro nível podem estar presentes em todos os municípios, mesmo naqueles de menor porte e influência apenas local; os serviços hospitalares mais complexos, de segundo nível, podem estar ligados aos centros regionais, sedes metropolitanas; e os serviços de terceiro nível, mais sofisticados, são próprios das capitais regionais, dos maiores centros urbanos e/ou metropolitanos, embora possam aparecer também em centros regionais ou cidades de médio porte. Em todos os estudos que envolvem a oferta dos serviços, o seu planejamento e atividades operacionais, o conceito de território de abrangência é fundamental. Desde os territórios estritamente localizados, como aqueles definidos pelas equipes locais dos programas de saúde da família (PSF e similares), até aqueles de abrangência nacional ou até internacional. Importante ressaltar que estes estudos podem envolver tanto a rede de serviços públicos como a rede dos serviços privados de saúde e dos planos de saúde privados. (d) Estudos relacionados à utilização dos Sistemas de Informação Geo gráfica A outra linha é a dos estudos integrados em Sistemas de Informação Geográfica (SIGs) aplicados à área da Saúde. Estes estudos, com destaque para os trabalhos de Barcellos (1996), visam a criação de uma completa infraestrutura de banco de dados. Os dados são captados de forma contínua, junto à rede de atendimento à Saúde e acoplados a sistemas de análise, por meio dos quais é possível gerenciar e planejar as ações em saúde. Trata-se de um processo dinâmico de diagnóstico>ação>avaliação das ações>adequação e readequação dessas ações. ___________________________________________________________ 99
________________________VII SIMPGEO________________________ Os sistemas de informação geográfica são capazes de fazer análises de todo tipo, desde os aspectos ligados aos elementos do meio físico e as correlações com a saúde, até os aspectos ligados ao meio humano e social, fornecendo análises estatísticas de tendências, de correlação, estudos prospectivos ou de cenários futuros. São importantes na elaboração de material cartográfico digital, de mapeamentos de dados, mas exigem que os bancos de dados sejam bem completos, para realmente serem úteis. O Brasil apresenta uma boa base de dados digitais disponíveis, tanto estatísticos (Censos Demográficos e outros indicadores e dados do IBGE, disponíveis em rede) como geográficos (mapeamentos, levantamentos sistemáticos, também fornecidos pelo IBGE e por outros órgãos municipais, estaduais ou federais) e, principalmente, dados dessaúde da população (DATASUS), disponíveis em rede. O site do Ministério da Saúde abre a possibilidade de se trabalhar com esses dados através de sistemas próprios de informação, sendo exemplos o Tabwin e Tabnet. Há ainda ambientes mais poderosos, como do Epi Info, programa de epidemiologia livre, que atende bem aos estudos geográficos.
Conclusões Observa-se que, embora os estudos tradicionais da Geografia Médica, aqueles envolvendo o entendimento e o controle das doenças transmissíveis ainda estejam na ordem do dia, visto que as doenças antes associadas ao meio rural tenderam a se urbanizar e a ocupar nichos no meio urbano, a Geografia da Saúde vem contribuindo principalmente para o entendimento das relações entre a saúde das populações e os aspectos demográficos, sociais, culturais, econômicos e socioambientais. A linha que trata do planejamento da oferta dos serviços de saúde e da gestão dessas atividades muito se beneficia dos estudos geográficos ligados à territorialidade. E os Sistemas de Informação Geográfica são indispensáveis quando se trata de manipular uma gama muito ampla de informações em saúde permitindo, ainda, a elaboração de cenários prospectivos, necessários ao planejamento geográfico e ao planejamento mais geral da administração municipal, estadual e nacional. A Geografia da Saúde aparece, portanto, neste século XXI, como uma importante tendência da Geografia brasileira, dentro do princípio das multidisciplinaridades na Pesquisa Geográfica Contemporânea. ___________________________________________________________ 100
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Capítulo 6 RELAÇÕES ENTRE ESPAÇO, GÊNERO E SEXUALIDADES ENQUANTO POSSIBILIDADES PARA A GEOGRAFIA BRASILEIRA Marcio Jose Ornat1
Considerações Iniciais Este texto tem por objetivo construir uma reflexão sobre as temáticas de gênero e sexualidades na Geografia, a partir das denominadas Geografias Feministas e Queer2. Os encaminhamentos originais para a construção desta discussão nascem da relação entre espaço, gênero e sexualidades, relações estas que se colocam enquanto uma das possibilidades para a construção de uma Geografia brasileira viva, dinâmica, aberta e plural (GOMES, 2009). Da mesma forma, a argumentação sobre a existência destas relações fundamenta-se nas discussões realizadas em três importantes publicações, propostas por Oberhauser (et al., 2003), McDowell (2003) e Binnie e Valentine (1999). Estes trabalhos foram realizados a partir de um esforço de sistematização, buscando estabelecer quais eram as principais orientações tanto da produção geográfica inglesa quanto norte-americana nos últimos anos de pesquisa sobre a relação entre geografia, gênero e sexualidades. Partindo da afirmação de que a 'Geografia está em toda parte'3, as discussões sobre gênero, sexualidades e espacialidades podem ser um interessante caminho para que levantemos nossos olhos de nosso pequeno mundo, para este grande, rico e complexo mundo. Estes caminhos têm sido trilhados desde o ano de 2003 pelas pesquisadoras e pesquisadores do Grupo de Estudos Territoriais / GETE, a partir de trocas empíricas e teóricas. Um de nossos primeiros caminhos de reflexão tinha como 1
Professor Adjunto, Departamento de Geociências - Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Estadual de Ponta Grossa; Pesquisador do Grupo de Estudos Territoriais - GETE / UEPG (geogenero@gmail.com). 2 Parte desta discussão fora publicada no ano de 2008 na Revista Terr@Plural sob o título ‘Sobre Espaço e Gênero, Sexualidade e Geografia Feminista’. 3 Cosgrove (2004).
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________________________VII SIMPGEO________________________ objetivo compreender a relação entre os deslocamentos cotidianos intraurbanos e a reprodução das relações de pobreza de dois grupos com as mesmas características socioeconômicas, mas com localizações distintas em relação ao centro da cidade de Ponta Grossa – Paraná (ORNAT e SILVA, 2007). Nossos recortes grupais eram os moradores de dois fragmentos do espaço urbano, mais especificamente homens e mulheres chefes de família. Questionários foram aplicados tanto a homens como mulheres, buscando levantar as características de deslocamento destas pessoas, como destino, intensidade e motivo, e suas potencialidades de acessibilidade ao espaço urbano. Após levantamento realizado, verificamos que os fragmentos possuíam as mesmas intensidades de deslocamento. Entretanto, quando as informações foram separadas em relação a homens e mulheres, o que os resultados de campo evidenciaram diz respeito ao fato de que os homens se deslocavam a maiores distâncias, com maior intensidade, e as mulheres deslocavam-se a menores distâncias com uma intensidade menor. Neste momento, o campo evidenciou que a produção de inteligibilidade dos fenômenos geográficos não pode se restringir a um único quadro explicativo, como neste caso à discussão econômica. Por outro lado, os resultados de campo chamaram a nossa atenção para a importância da categoria 'gênero' enquanto um modo primeiro de significar relações de poder entre homens e mulheres (SCOTT, 1995), relacionada a um conjunto de comportamentos que são esperados dos sujeitos, diferenciados temporal e espacialmente. No retorno ao campo, pudemos verificar, a partir de entrevistas em profundidade, que seus discursos apontavam para papéis sociais distintos entre homens e mulheres. Estas tinham por papel o cuidado com a casa e com os filhos, enquanto aos homens eram reservadas as obrigações da manutenção econômica do lar. As mulheres ficavam responsáveis por fazer compras, pagar contas, levar filhos à escola e ao médico, enquanto os homens tinham por atividade principal o trabalho. Este caminho nos abriu uma perspectiva relacionada ao fato de que, como analisado por Butler (2003), o ocidente é estruturado a partir de dois polos, masculino e feminino, colocando-se estes como termos universais. Todavia, alguns grupos desestabilizam as representações de masculinidade e feminilidade, como, por exemplo, grupos de gays, lésbicas, travestis e transexuais. As específicas espacialidades destes ___________________________________________________________ 106
________________________VII SIMPGEO________________________ sujeitos tencionam a heterossexualidade inscrita no espaço, até então invisível (VA- LENTINE, 1993). Estas reflexões têm se colocado dentro de um corpo de discussão em que as principais influências estão localizadas nos trabalhos de Simone de Beauvoir, Michel Foucault, Teresa de Lauretis, Judith Butler, Donna Haraway, e mais especificamente na Geografia, nos trabalhos rea- lizados por geógrafas/os como Davis Bell, John Binnie, Gill Valentine, Nancy Duncan, Richard Phillips, Peter Jackson, Linda McDowell, Gillian Rose, Doreen Massey, entre outros. Dentre as várias perspectivas lançadas pelos autores, uma das proposições que têm nos chamado atenção está relacionada à discussão feita por Butler (2003), referente a seu conceito de gênero, enquanto um mecanismo que regula as práticas humanas e cria ficções de feminilidades e masculinidades enquanto naturais. Segundo a autora, o gênero vai além de um conjunto de ideias que uma cultura específica constrói em relação ao que é ser homem ou mulher, mas funciona enquanto um mecanismo que é alimentado por discursos médicos, jurídicos, biológicos e teológicos monoteístas. Pensando que este mecanismo dialoga com a relação entre sexo, gênero, prática sexual e desejo, e que coloca o sexo enquanto pré discursivo, como dado, anterior a cultura, a partir da heterossexualidade compulsória se propõe que o gênero descende do sexo, e a prática sexual e o desejo descendem tanto do sexo quanto do gênero. Não podemos pensar em gênero antes de problematizar a identidade de gênero. O funcionamento deste mecanismo produz tanto identidades de gênero inteligíveis – onde existe uma correspondência linear entre sexo, gênero, prática sexual e desejo, quanto identidades de gênero ininteligíveis, onde esta correspondência é inexistente, produzindo aquilo que Butler (2008) tem chamado de abjeto, ou seja, relacionado a existência de corpos que ocupam posições invisíveis e inabitáveis da vida social. É este mecanismo que constitui a vivência de interdição espacial de grupos LGBT, como de suas táticas de sobrevivência (SILVA, 2013). Neste ponto, o sexo vai muito além de um fato, um dado (MCDOWELL, 2003). Ele é significado e elaborado socialmente/culturalmente, e por isso mutável, variável e aberto a mudanças. É com regulações institucionais, práticas culturais e interações cotidianas que o sexo se transforma em gênero, a partir de elaborações espaço–temporais específicas. A empiria colabora com estas afirmações, na medida em que na terceira maior ilha da Indonésia, na Ilha de Sulawesi, reside um grupo étnico denominado de Bugis. Este grupo é constituído não apenas por ___________________________________________________________ 107
________________________VII SIMPGEO________________________ dois gêneros, mas por cinco gêneros, sendo que nenhum deles é desviante a alguma norma, como nos casos de exclusão e segregação facil- mente encontráveis no ocidente em relação a grupos homossexuais. Os cinco grupos seriam: Oroane, Makunmi, Calalai, Calabai, Bissu (DAVIES, 2010). Generalizações podem ser problemáticas, devido à distinção das organizações sociais entre ocidente e grupos 'nãoocidentais'. Entretanto, a guisa de ilustração, cada grupo seria, a partir da nossa visão ocidental, comparável aos seguintes grupos, na mesma ordem: homem, mulher, lésbicas, gays, paragênero masculino/feminino. Estes grupos desafiam nossas noções de compreensão da humanidade de forma bipolar, e que é a anatomia que determina os mesmos (BLACKWOOD, 2005). Tanto em relação ao mecanismo de gênero e a linearidade entre sexo, gênero e desejo, o espaço é um elemento primordial enquanto reflexo, meio e condição das normas culturais de gênero e sexualidades. Entretanto, da mesma forma que existem distintas espacialidades, relacionadas a distintas práticas sociais, a produção geográfica não é homogênea, havendo uma grande variedade entre as temáticas valorizadas na própria reflexão das espacialidades dos grupos sociais. Este será o caminho a ser percorrido no próximo momento desta discussão.
Reflexões sobre a Produção Geográfica em Gênero e Sexualidades Desde o nascimento em 2003 do Grupo de Estudos Territoriais, temos vivenciado um considerável crescimento do interesse de geógrafas e geógrafos em problematizar as múltiplas relações entre espaço, gênero e sexualidades. Assim como proposto por Bell (2011), penso que já podemos contar uma pequena história sobre nós, sobre o desenvolvimento das reflexões que problematizam a relação entre espaço, gênero e sexualidades e suas existências enquanto possíveis manifestações das Geografias Feministas e Queer. A partir da imaginação propiciada pela discussão do autor, teremos a possibilidade de contar uma história honesta da Geografia se levarmos em consideração as interrupções e as repressões que estas discussões vivenciaram na Geografia brasileira. Esta história é a materialização de um conjunto de trajetórias pessoais que estão relacionadas a um grupo de pessoas que tem insistido sobre a relevância destas discussões para a Geografia brasileira. A evidência ___________________________________________________________ 108
________________________VII SIMPGEO________________________ deste crescimento é que se em um passado não muito distante as discussões geográficas que tratavam da relação entre espaço, gênero e sexualidades colocavam-se no Brasil em pequeno número, hoje podemos afirmar que este caminho de pesquisa tem chamado a atenção de muitas pesquisadoras e pesquisadores lotados em várias universidades no Brasil4. Como tratado por Silva (et al, 2013), a produção da Geografia brasileira permaneceu durante bom tempo centralizada no que é conhecido enquanto eixo Rio - São Paulo. Como salientado nesta discussão, não é se de espantar que as discussões eleitas como verdadeiramente geográficas estivessem relacionadas quase que exclusivamente as lutas de classe, a partir de perspectivas marxistas. Da mesma forma, como tratado por Gomes (2009), fora evidenciado a partir de meados do Séc XX uma grande competição entre correntes e contra correntes, uma competição por supremacia que também tinha por possibilidade a intenção de anular outras tendências em concorrência. É na transição entre o século passado e este que geógrafas e geógrafos perdem a pretensão de que uma corrente deveria ter a primazia sobre as demais. Como salientado pelo autor, de fato, perdemos a pretensão de que existiria uma corrente que seria a verdadeira porta-voz da 'boa Geografia'. Assim, é apenas no início do Século XXI que ocorre um impulso da produção de trabalhos científicos geográficos relacionados as categorias gênero e sexualidades (SILVA, et al, 2013). Como tratado nesta mesma publicação, a partir de uma busca sistemática realizada pelos autores no Geocapes5, entre o período de 1991 e 2011 foram defendido nos programas de pósgraduação em Geografia brasileiros 6.703 trabalhos científicos, sendo destes 59,5% dissertações de mestrado e 40,5% teses de doutorado. Mesmo frente a estas quase 7.000 dissertações e teses, a partir de uma busca realizada no Banco de Teses da Capes e do IBICT, evidencia-se que apenas 40 trabalhos que e nvolviam os temas gênero e sexualidades foram defendidos em programas de Pós-Graduação em Geografia6, 4
Esta afirmação parte da análise dos Anais do II Seminário Latino-Americano de Geografia, Gênero e Sexualidades, ocorrido entre os dias 8 a 12 de outubro de 2014, na Universidade Federal de Rondônia. Neste evento foram apresentados discussões de pesquisadores de 32 Universidades (Federais e Estaduais), mais de 2 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. 5 Disponível em http://geocapes.capes.gov.br/geocapesds/# 6 Destacamos que o banco de dissertações e teses da Capes disponibiliza da- dos apenas
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________________________VII SIMPGEO________________________ representando apenas 0,87 % das dissertações e 0,18 % das teses defendidas. Entretanto, mesmo que em pequeno número, este levantamento demonstra o crescimento do interesse em relação a estas discussões na Geografia brasileira, pois em relação a 1996-2000, o período 2001-2005 demonstra um cresci- mento de 400%. Da mesma forma, 2006-2010 mostra um crescimento de 262,5% se comparado com o período anterior. Como salientado por Silva (et al, 2013), quando comparamos o período de 1996-2000 e o de 2006-2010, constata-se um crescimento de 1050% de produção de dissertações e teses da área da Geografia que problematizam a relação entre espaço, gênero e sexualidades (SILVA, et al, 2013). 7 Tem se evidenciado no Brasil um considerável desenvolvimento das Geografias Feministas e Queer. Esta nova configuração não é obra do acaso, mas sim resultado de um esforço coletivo orientado ao fortalecimento destas discussões, na luta pela produção de um 'es- paço' próprio e de respeitabilidade frente ao que durante certo tempo fora consagrado na Geografia. Apontamos como elementos deste avanço a criação em 2006 da Rede de Estudos de Geografia e Gênero da América Latina (REGGAL), transformada no ano de 2014 em Rede de Estudos de Geografia, Gênero e Sexualidade Ibero Latino-Americana REGGSILA. A este se soma a criação da Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, no final do ano de 2009 (periódico este que já conta com 11 volumes lançados, com um total de 184 artigos) e a criação de disciplinas específicas em cursos de Pós-Graduação e Graduação de Geografia que discutem as temáticas relacionadas a gênero e sexualidades, como um exemplo a Universidade Estadual de Ponta Grossa. 8 Relacionados ao gênero e a sexualidades surgiram na segunda metade do Século XIX. O nascimento desta curiosidade tinha por origem a partir de 1987. 7 O período compreendido entre 1991-1995 e 1996-2000 apresentam cada um dois trabalhos de pós-graduação. Queremos também registrar que o primeiro trabalho a ser defendido no Brasil é de autoria de Sônia Alves Calió, em nível de dou- torado, na Universidade de São Paulo, sob o título ‘Relações de Gênero na Cidade: uma contribuição do pensamento feminista a geografia urbana. 8 Destaca-se ainda a realização em 2011 do I Seminário Latino-Americano de Geografia e Gênero: Espaço, Gênero e Poder / Pré-encontro da Conferência Regional da União Geográfica Internacional: Conectando fronteiras e em 2014 a realização do II Seminário Latino-Americano de Geografia, Gênero e Sexualidades: Interseccionali- dade, Gênero e Sexualidades na Análise Espacial.
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________________________VII SIMPGEO________________________ a modificação de uma série de práticas discursivas, como dos sistemas hegemônicos do direito, da medicina e da religião (FOUCAULT, 1988), mas também de outros discursos, como da arte, da pornografia, da antropologia, e da literatura de viagem. Estas literaturas de viagem são muito interessantes, pois cartografaram territórios imaginários nos quais novas representações de sexualidade homo e hétero – foram construídas e contestadas. Como afirmado por Phillips (1999), poucos autores tiveram um papel tão importante de cartografar e discutir a sexualidade, como a partir da proposta de Richard Burton. Mais especificamente, Burton cartografou em sua obra The Thousand Nights and a Night9 (volume 10. London, 1886) uma Sotadic10 Zone. Esta era uma área onde a pederastia era comum, desafiando com suas afirmações as construções hegemônicas de sexualidade, dando inteligibilidade para um novo sujeito da sexualidade, o homossexual. Esta era uma área localizada entre as Latitudes 30° e 43° Norte, compreendendo o Sul da Europa e o Norte da África. No Oriente Médio esta faixa se estreitava, voltando a se alargar na China, Japão e Turquestão. Como nas palavras de Burton (1886), nos mares do Sul e no Novo Mundo, o amor Sotádico era uma instituição bem estabelecida. Burton havia escrito diretamente e abertamente sobre sexo, defendendo um estilo combativo e queixando-se de censura. Burton afirmou que sua abordagem poderia prejudicar sua carreira e seu emprego. E de fato, Burton tornou-se persona non grata, tanto nos corredores da Foreing Office, como na Royal Geographical Society. Mas, o mais importante na sua obra foi à importância dada pelo geógrafo ao espaço no sexo e nas sexualidades, ou melhor, em saber como as relações sociais eram espacialmente constituídas e contestadas. (PHILLIPS, 1999) A tradição da discussão envolvendo a relação entre espaço, gênero e sexualidades, enquanto um corpo de reflexão remonta apenas à década de 1970. Tanto nos Estados Unidos como na Inglaterra, desde esta década, um sub-campo da Geografia tem se afirmado, denominado 'Geografia Feminista'. Desde suas primeiras proposições, este sub-campo têm se alimentado do movimento feminista e, ao mesmo tempo, o tem alimentado (OBERHAUSER et al, 2003). 9
<http://www.wollamshram.ca/1001/Vol_10/vol10.htm.>, [10 de janeiro de 2009]. Burton tomou este termo de Sotades, um poeta de Alexandria do séc. III a.C., que escreveu versos aparentemente inofensíveis que se tornavam obscenos se lidos de traz pra frente. (DYNES, 1985.)
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________________________VII SIMPGEO________________________ A Geografia Feminista nasce no contexto da 'segunda onda' do movimento feminista. Como dissertado por Narvaz e Koller (2006), este pode ser periodizado a partir de três ondas: a primeira onda representa o surgimento do movimento feminista, entre o final do séc. XIX e início do XX, nascendo como um movimento de luta das mulheres por igualdades de direitos civis. Este foi estruturado na Inglaterra, França, Estados Unidos e Espanha; a segunda onda ressurge nas décadas de 1960/70, em espe- cial nos Estados Unidos e na França. E enquanto as feministas americanas enfatizavam a denúncia da opressão masculina e a busca da igualdade (fe- minismo de igualdade), as francesas postulavam a necessidade de serem valorizadas as diferenças entre homens e mulheres, dando visibilidade, principalmente, à especificidade da experiência feminina, geralmente ne- gligenciada (feminismo de diferença); a terceira onda, forjada anos 1980, introduz o paradigma da incerteza no campo do conhecimento, tendo por influência as proposições feitas por Michel Foucault e Jacques Derrida. É nesta terceira fase que se observa uma intensa justaposição entre movi- mento político e academia. Desde o surgimento da Geografia Feminista, durante a segunda onda do movimento feminista, são vistos cursos oferecidos nos programas de Geografia11, de universidades de vários países, como nos Estados Unidos, Inglaterra, Índia, Canadá, Jamaica, Suíça, Índia, Nova Zelândia, e um conjunto de publicações bem conhecidas das geógrafas e geógrafos humanos. Entretanto, a aceitação deste sub-campo vem sendo realiza- da com muita discussão e tensão, pois como denunciado em Geography in America, no capítulo escrito pela Geographic Perspective 11
Florida Atlantic University at Boca Raton, Department of Geography (Florida-EUA); Clark University, Department of Geography (Massachusetts-EUA); University of Nebraska at Omaha, Department of Geography-Geology (Nebraska-EUA); Syracu- se University, Department of Geography (New York-EUA); University of South Carolina, Department of Geography (South Carolina-EUA);West Virginia University, Department of Geology and Geography (West Virginia-EUA); University of Cambridge, Department of Geography (United Kingdom); The Pennsylvania State University (PennsylvaniaEUA); Kurukshetra University, Department of Geography (India); Queen Mary, University of Lon- don, Department of Geography (London-United Kindom); University of Central Missouri, Department of Geography (Missouri-EUA); University of California, Berkeley, Department of Geography (Berkeley-EUA); York University, Department of Geography (Toronto-Cana- dá); State of University of New York, Department of Geography (New York-EUA), Uni- versity of Exeter (United Kingdom); University of West Indies, Department of Geography (Jamaica); University of Zurich, Department of Geography (Zurich-Suíça); University of Otago, Deparment of Geography (New Zeland); Programa de Pós-Graduação em Geogra- fia, Universidade Estadual de Ponta Grossa (Brasil), entre outras.
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________________________VII SIMPGEO________________________ on Women (GPOW), a Geografia tem sido escrita como se os homens fossem os úni- cos representantes da espécie (GRUNTFEST, 1989). Assim, muitas abor- dagens têm reconhecido o papel do gênero no comportamento humano espacial. Em linhas gerais, os tópicos analisadas por este sub-campo são a 'Análise Feminista da Metodologia', 'Gênero e Trabalho', 'Desenvolvimento do Terceiro Mundo', 'Espaço Público e Privado', 'Geografia Cultural', 'Gênero-Identidade-Espaço', 'Geografia das Sexualidades', e 'Pedagogia Feminista' (OBERHAUSER et al, 2003; MCDOWELL, 2003; BINNIE & VA- LENTINE, 1999). Estas discussões têm sido particularmente influentes desde a década de 1970. Como visto pelas/os autoras/es, essa produção não é apenas norte americana ou inglesa. E devido à dificuldade de delimitação de fronteiras da produção geográfica, têm-se visto a ocorrência de uma fertilização cruzada de ideias e experiências e um crescente número de conferências, publicações, intercâmbios institucionais e empreendimentos de investigação, relacionados a pesquisadores de vários campos do conhecimento e nacionalidades. Outro encaminhamento pode ser visto nas respostas ao questionário aplicado por Oberhauser (et al, 2003) às participantes da Geographic Perspective on Women (GPOW), na Association of American Geographers (AAG), em 1999. Os temas abordados neste inquérito eram como as pessoas haviam se envolvido com o gênero na Geografia, quais eram as teorias/conceitos/métodos que têm influenciado este sub-campo, quais os livros e artigos importantes, qual o papel da pedagogia feminista e dos profissionais ativistas na Geografia, e as futuras direções deste subcampo. Dois temas surgiram destas respostas, o envolvimento pessoal do pesquisador na Geografia feminista e a relevância das pesquisas feministas para os tópicos de pesquisa geográficos relacionados à migração, identidades políticas, reestruturação econômica, pósestruturalismo, e Geografia da população. Assim, vejamos o Quadro 1 a seguir:
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Quadro 1 - Tradições no Âmbito Geográfico da Investigação Feminista Tradições
Aproximações Teóricas
Metodologia
Tópicos de Pesquisa
Mulheres na Geografia
_ ‘Quantificando’ as mulheres _A Geografia das Mulheres _Feminismo e Empiricismo
_ Mapeamento de padrões espaciais das atividades das mulheres e status _Desafio da Pesquisa Positivista
_Mulheres na Cidade _Mulheres e Emprego _Mulheres e Desenvolvimento
Feminismo Socialista
_Feminismo Socia- lista _Marxismo _Gênero e Desenvolvimento
_Materialismo His- tórico _Combinações entre Teoria e Práxis
_Relações entre Capi- talismo e Patriarcado _Estrutura Espacial e Social do Trabalho Doméstico _Papéis de Gênero no
Feminismo do Terceiro Mundo/ política da diferença
_PósEstruturalis- mo _Pós- Colonialismo _Teoria Racial
_Análise do Discurso _Pesquisa Participativa _Histórias de Vida _ A política de traba- lho de campo
_ Desafio Essencialista e Formas Eurocêntricas de conhecimento _Planejamento de Gênero e Desenvolvi- mento _Diferenças através do
Feminismo e ‘Nova’ Geogra- fia Cultural
_Estudos Queer _Pós-Modernismo _Teoria Psicanalí- tica _Representação Cultural
_Posicionalidade e reflexibilidade _Análise Textual _Narrativas _Etnografia
_Conhecimento Situado _Sexualidade e Espaço _O Corpo e Identida- des Políticas _Imaginário e E Si bóli
Fonte: JONES, NAST; ROBERTS 1997; WGSG, 1997. Apud OBERHAUSER et all,(2003) 12.
12 As tradições geográficas da investigação feminista já foram motivo de reflexão de Silva (2007) em ‘Amor, Paixão e Honra como Elementos da Produção do Espaço Coti- diano Feminino’, evidenciando as intersecções entre corpo, emoção, afetos e honras nas relações entre gênero e espaço urbano.
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________________________VII SIMPGEO________________________ De forma geral, as pesquisas feministas se colocam em quatro claras tradições. Não representam distintas fases, mas mudanças gerais das ideias feministas na perspectiva geográfica feminista. Dentre as temáticas e os principais caminhos levantados por Oberhauser (et al, 2003), as que mais vêm influenciando e fomentando nossa imaginação geográfica, refere-se às discussões metodológicas na sua interface com cultura, identidade, espaço e sexualidades. As reflexões e proposições metodológicas têm sido uma das mais importantes contribuições para a Geografia como um todo. Essas pesquisas geográficas têm se mostrado sensíveis às relações de poder, tanto entre os sujeitos investigados, como em relação ao próprio contexto da pro dução do conhecimento (MCDOWELL, 1992; ROSE, 1997). Tais discussões têm se estruturado a partir do tripé relacional sujeito/objeto, métodos/ técnicas empregadas, e a política da investigação. Como nas afirmações de Oberhauser (et al, 2003), a metodologia feminista tem-se estruturado na crítica a objetividade e ao privilégio à certas formas de produção de conhecimento, naturais ao positivismo. Mas também fazendo uma crítica aos preconceitos sexistas e androcêntricos na investigação geográfica. Em contrapartida, o pressuposto da aproximação feminista destaca a subjetividade e a parcialidade que são inerentes dos processos de pesquisa (MCDOWELL, 1992; STAEHELI & LAWSON, 1995). As relações entre poder e epistemologia são centrais nas discussões epistemológicas, pois o simples fato da percepção distinta que homens e mulheres tem da organização espacial já tem criado distintas aproximações ou possibilidades de produção de conhecimento (NAST, 1994). A principal proposição deste aspecto é de que não existe uma clara distinção entre sujeito pesquisador e sujeito pesquisado. Sob esta perspectiva, o que se obtém do processo de investigação é o resultado de condicionamentos recíprocos entre os vários elementos que produzem o próprio conhecimento. Isto quer dizer que os sujeitos, em uma relação de produção de conhecimento, se expressam posicionados a partir de distintos pontos de vista. Portanto, a construção de uma versão sobre a realidade é parcial, desviando-se da construção de metanarrativas (MIGNOLO, 2004). O par da posicionalidade é a reflexibilidade, pois continuamente à percepção das pessoas investigadas moldam a estrutura e a interpretação das narrativas produzidas através do trabalho de campo. Isto diferencia claramente, para Oberhauser (et al, 2003), a pesquisa masculinista, que ___________________________________________________________ 115
________________________VII SIMPGEO________________________ define quais serão os sujeitos investigados e as questões a serem colocadas, das pesquisas feministas, de caráter aberto e reflexivo da investigação, culminando na própria participação ativa dos sujeitos investigados na orientação de interrogatórios e dos termos da própria pesquisa. A autora aponta que esta perspectiva é aberta a múltiplas técnicas e métodos, apropriados aos contextos sociais e aos objetivos de investigação, como métodos quantitativos e qualitativos, etnografia, histórias de vida, entre- vistas em profundidades e artes visuais. Compreendendo que o gênero se intersecciona com outras categorias identitárias, como classe, etnia, idade e sexualidade, e que estas se colocam como estruturas dominantes das relações de poder (RODÓ-DE-ZÁRATE), a metodologia feminista direciona atenção à diversidade, à reflexão crítica dos sujeitos investigados e à própria responsabilidade com estas vozes e suas vidas, pois para Oberhauser (et al, 2003), os métodos buscam tencionar o que sabemos, e mais importante, como sabemos. As dualidades críticas têm se localizado, da mesma forma, na interface entre Geografia Feminista e Geografia Cultural, tanto na sua vertente tradicional como renovada. As incursões geográficas que avaliam a dimensão espacial da cultura tem notado inicialmente a ausência do gênero enquanto um tema colocado em questão. Um dos primeiros assuntos destes questionamentos era de que, no mínimo, as mulheres eram um grupo de pessoas diferentes dos homens. Kay (1991) tem argumenta- do que, mesmo que os trabalhos em Geografia Histórica não tenham feito nada contra as mulheres, estes têm uma imensa dívida, na inclusão de informações sobre as mulheres em suas pesquisas. Isto resulta em uma paisagem histórica em que apenas a metade da população é visualizada. Da mesma forma, Mikesell (2000) afirma que a Geografia Cultural ignorou metade da população humana. O autor traz à luz problemas tanto da reflexão sobre as mulheres em contextos ocidentais como não ocidentais. Uma outra proposição se assenta sobre as diferentes formas de visualização da paisagem, entre a Geografia Cultural Tradicional e a Nova Geografia Cultural. Criticando o privilégio e a interpretação dada às paisagens materiais, os geógrafos culturais que trabalham com gênero compreendem que em diversas vezes esta paisagem é tida como neutra, uma visualização branca, de classe média e masculina (MONK, 1992; ROSE, 1994). Como tratado por Oberhauser (et al, 2003), outra diferenciação se ___________________________________________________________ 116
________________________VII SIMPGEO________________________ coloca nos dualismos inscritos nos discursos utilizados para compreender espaços e comportamentos, como a dualidade entre cultura e natureza. Uma das proposições pode ser vista no fato de que tanto masculinidades como feminilidades são espacialmente específicas e vinculadas a distintos comportamentos espaciais (ROSE, 1993). Para McDowell (2003), a distinção trabalhada pelas/os geógrafas/ os humanos entre os espaços públicos e privados, associados ao gênero, influenciaram o conteúdo da ciência geográfica. As divisões dicotômicas ou binárias tem continuado a exercer uma grande influência sobre a imaginação geográfica, assegurada pelas instituições sociais e políticas contemporâneas. Em todas as comparações entre homens e mulheres, os atributos culturais associados às mulheres e à feminilidade são construídos e percebidos como inferiores aos atributos dos homens e à sua masculinidade. Os homens são vistos como protetores das mulheres e da força feminina, protetores das esposas, irmãs e filhas, um sujeito que participa da esfera pública e da política do trabalho, e que não participa da esfera doméstica. A casa é definida como a esfera da influência feminina, um refúgio ou um espaço de lazer para os homens. Para McDowell (2003), são as instituições fundamentais da sociedade moderna – família, sistemas de educação, Estado e mercado – que normalizam estas diferenças entre homens e mulheres e ao fazê-lo, reproduzem as relações desiguais entre homens e mulheres. Uma proposição contribuinte à interseccionalidade entre gênero e sexualidades, pode ser vista em Valentine (1993). Para a autora, a heterossexualidade é a prática sócio sexual dominante na cultura ocidental moderna. Entretanto, isto não é meramente definido por atos sexuais nos espaços privados, mas é um processo de relações de poder que opera na maior parte dos ambientes cotidianos. São apontados como espaços heterossexualizados a casa, o local de trabalho, os espaços sociais (como hotéis e restaurantes), ambientes comerciais e de serviços e os espaços públicos. Percorrendo o mesmo caminho, Oberhauser (et al, 2003) afirma que vários autores têm produzido um considerável tensionamento da produção geográfica, como James Duncan, Janice Monk, Liz Bondi e Linda Peake. Duncan (1996) destaca as novas direções das pesquisas sobre a importância do espaço na constituição do gênero e das sexualidades. Monk (1992) também tem visto que tanto homens e mulheres significam suas espacialidades de forma distinta. Bondi (1992) tem discutido os símbolos em paisagens urbanas, enquanto Peake (1993) tem tratado do espaço urbano enquanto um local de construção de signos ___________________________________________________________ 117
________________________VII SIMPGEO________________________ de raça, classe, gênero e sexualidades. Estes elementos têm sido experimentados e analisados de forma simultânea pelos sujeitos, em uma situação de intersecção entre gênero, classe, espaço e lugar. Indo além da interrogação sobre os temas relacionados às mulheres, na dualidade entre espaço público e privado, McDowell (2003), destaca que os geógrafos têm buscado compreender quais são seus termos e suas geografias, explorando as relações entre capitalismo e patriarcado, por exemplo. As críticas tem ressaltado a constante dúvida da natureza destas identidades para estas categorias, em diferentes temporalidade e espacialidades. E um dos veículos destas relações tem sido o corpo. Determinados corpos são marcados identitariamente como sendo diferentes ou marginais, e estando associados a espaços particulares, enquanto outros são considerados normais e muitas vezes se colocando como neutros no discurso dominante. Isto tem se mostrado a partir da intersecção entre sexualidades, gênero e espaço, na simultânea associação entre sexualidades/corpo e seu controle. O corpo tem se colocado como um espaço social e político, indo além de um espaço biológico. Esta afirmação remonta à década de 1940) 13., quando da proposição de Beauvoir (1967), quando afirma que ninguém nasce mulher, torna-se mulher. As espacialidades tomadas nas pesquisas referem-se tanto aos espaços urbanos como rurais, tanto na representação de identidades masculinas ou femininas, como de gays e lésbicas. Estas explorações entre sexualidades, gênero e espaço, intermediadas pelas identidades, tem demonstrado uma multiplicidade de possíveis negociações entre identidades e espaços, pois para Oberhauser (et al, 2003), o corpo tem se mosrado tanto fixo como fluído, e através dos lugares. Até agora, as reflexões envolvendo gênero e espacialidade tangenciam as reflexões sobre sexualidades e espacialidades. Examinando o rápido crescimento dos trabalhos tratando da espacialidade das sexualidades, Binnie e Valentine (1999) demonstram o estabelecimento de uma abordagem na Geografia de língua inglesa, denominada Geografia das Sexualidades, também conhecida enquanto Geografia Queer14. 13
A primeira publicação é do ano de 1949, sob o título Le deuxième sexe. Segundo Silva (2009), o pensamento acadêmico queer tem nascimento das contestações ao movimento social homossexual conservador norte-americano. Neste, o protagonista relacionava-se ao homem branco, homossexual e de classe alta. As críticas 14
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________________________VII SIMPGEO________________________ Do total de trabalhos publicados no período entendido entre 1978 a 1997, referentes a esta abordagem, mais de 85% das publicações ocorreram na década de 1990. Entretanto, além de elevar toda a produção relacionada a esta abordagem, Binnie e Valentine (1999) demonstram que os principais caminhos instituídos nestas reflexões referem-se à oposição urbano/rural, a geografia da cidadania e a geografia urbana. Os primeiros trabalhos sobre espaço e sexualidade restringiram-se a demonstrar as geografias dos refúgios gays, já nos anos de 1978 e 1981. Contudo, o trabalho que recebeu maior número de citações foi a reflexão desenvolvida por Castells (1983) em The city and the grassroots. Como visto pelos autores, neste trabalho Castells teve como foco o mapeamento e o estudo sobre espaços gays e lésbicos em São Francisco. Sua argumentação era de que a espacialidade de gays e lésbicas era um reflexo de seus respectivos papéis e comportamentos de gênero. Tanto para grupos de gays como de lésbicas, várias pautas de discussão têm sido admitidas, como as relações entre economia política do espaço e política da sexualidade, culturas sexualizadas de consumo e produção de espaços, o trabalho informal e institucional, e a gestão de múltiplas identidades na vida diária. Binnie e Valentine (1999) dissertam que atualmente têm sido significativos os trabalhos relacionados aos aspectos menos visíveis de comunidades gays e lésbicas, tanto sobre o entendimento das comunidades, como em relação ao ciberespaço de lista de e-mail's na internet. Algumas lacunas são apontadas pelos autores, como o pouco número de publicações relacionadas as geografias de gays e lésbicas ao processo de globalização, ou às áreas de Geografia dos Transportes e Geografia da População. Da mesma forma, existe pouca explicação para a pequena atenção dada às identidades sexuais – de gênero hegemônicas e a heterossexualidade. Parafraseando Binnie e Valentine (1999), não são muitas as geógrafas e geógrafos brasileiros que trabalham produzindo reflexões relacionadas às possíveis relações entre espaço, gênero e sexualidades. Infelizmente, o etnocentrismo da literatura relacionada as categorias gênero e sexualidades se mantém consideravelmente não desafiados.
referem-se ao fato de que este movimento desconsiderava outras possibilidades existenciais ‘homo’, como visto em vivências relacionadas a pessoas não-brancas, travestis, lésbicas, transexuais, bissexuais, etc. Por outro lado, o mesmo termo queer também é usado como instrumento de ofensa a pessoas homossexuais.
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Palavras Finais Nossa reflexão salientou que diferentemente do Brasil, onde a Geografia tem demonstrado pouco interesse nas possíveis relações entre espacialidade, gênero e sexualidade, a Geografia Anglófona tem valorizado esta orientação, interesse demonstrado a partir dos inúmeros caminhos de reflexão e ação. Estes caminhos têm buscado compreender as questões metodológicas, referentes à identidade, cultura, espacialidade, mas também nas discussões sobre identidade, espaços do corpo e sexualidades Prova deste interesse é a existência de grupos específicos de discussão em diversas associações de geógrafos, como na Association of American Geographers (Geographic Perspective on Woman Specialty Group), na Royal Geographical Society with the Institute of British Geographers (Woman and Geography Study Group of IBG) na International Geographical Union (Commission on Gender and Geography) e no Canadian Association of Geographers (Canadian Woman and Geography Study Group). Estas perspectivas ampliam a possibilidade de compreensão da ação humana na superfície da Terra. Ampliam as possibilidades de sairmos de nossos pequenos mundos, estruturados a partir das nossas normas ocidentais de gênero e sexualidades, para um mundo repleto de diversidade e complexidade.
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Capítulo 7 A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO E PERIURBANO NAS CIDADES DE UMUARAMA E DE CIANORTE1 Prof. Dr. Márcio Mendes Rocha
Introdução Buscamos neste trabalho, inicialmente avaliar as bases que produzem e reproduzem os espaços urbanos e periurbanos analisando qual a lógica que permeia este processo. Para tanto fundamentaremos nossa análise na geografia crítica e, consequentemente, nos preceitos do materialismo histórico dialético. À luz das condições objetivas de reprodução da Agricultura Urbana e Periurbana, doravante designada de AUP, deste a escala global até a local, buscaremos conceituar os processos de urbanização capitalista, para, sequencialmente verificar algumas situações objetivas, resultado de projetos desenvolvidos no noroeste do Paraná. Será feito um diagnóstico das potencialidades produtivas locais – DPPL nos municípios de Cianorte, Umuarama à luz do desenvolvimento de uma agricultura urbana e periurbana. Partiremos de dois projetos que tratam a temática da agricultura urbana e periurbana – AUP. Em ordem cronológica temos o trabalho desenvolvido por Vanessa Iceri intitulado Por Uma Re- lação “San” Entre A Produção Agrícola (Peri E Intra) Urbana e o Consumo Alimentar. Duas Realidades em Análise: Cianorte-Brasil e Aubière-França, desenvolvido desde de 2012, resultado de sua dissertação de mestrado no Brasil e a defesa de “Master 2” em Clemond Ferrant, França. Na sequência, trataremos do trabalho desenvolvido pela pesquisadora Giulia Giacchè, com o projeto “Desenvolvimento sinérgico entre agricultura e cidade: métodos e ferramentas para incentivar uma melhor integração espacial e funcional”, fruto do convênio com a unidade UMR-Metafort de Clemond Ferrant, orientada pela profa. Sylvie Lardon e sob minha supervisão no Brasil. Buscaremos relacionar as experiências vivenciadas junto com os ¹Este capítulo baseia-se em trabalho apresentado na II INTERNATIONAL CONFERENCE ON: KNOWLEDGE COMMONS FOR SUSTAINABLE AGRICULTURAL INNOVATIONS Maringá PR.
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________________________VII SIMPGEO________________________ produtores agrícolas tanto no Brasil, nos estudos de Umuarama, Cianorte como em “Albierre” na França. O diagnóstico que pretendemos desenvolver neste trabalho parte do conhecimento efetivo e em confirmação sobre a agricultura urbana e periurbana, sinalizando as potencialidades produtivas a partir de uma produção local, descentralizada, bem como o acesso às políticas públicas existentes. Antes de analisarmos as observações dos casos estudados, alguns temas devem ser colocados em pauta para entendermos qual a lógica que permeia a produção/reprodução da AUP.
A PRODUÇÃO HISTÓRICA DO ESPAÇO Para compreendermos o comportamento da agricultura periurbana e intraurbana nas cidades, consideramos que dois pontos devem ser observados. Primeiro a dimensão histórica da produção do espaço urbano a partir do êxodo rural. Temos que investigar a mobilidade dos trabalhadores do campo que efetivamente levam para a cidade uma prática cultural que se reproduz dentro da cidade e nos seus arredores. Os trabalhadores do campo nas urbes buscam resgatar de alguma forma suas práticas cotidianas e isso pode se dar a partir de hortas familiares, nos terrenos urbanos. Este processo de dupla via, onde as formas capitalistas adentram o campo e muitos trabalhadores, por conta do êxodo rural/urbano, adentram a cidade é o que gera esta demanda na cidade. Se remontarmos aos escritos de Marx no livro “A ideologia alemã”, quando trata da urbanização capitalista, percebemos uma discussão prévia que pontua uma diferenciação na divisão social e técnica do trabalho, onde os instrumentos de produção são diferenciados entre naturais (água, solo...etc.) e os instrumentos de produção criados pela civilização. Marx e Engels neste trabalho mostram a evolução das sociedades, tribais, feudais e a forma de apropriação dos meios de produção e a divisão do trabalho, desde o artesanal até a grande indústria, e sobre a divisão do trabalho os autores sinalizam que, “A divisão entre trabalho material e intelectual é a traduzida pela separação da cidade e do campo.” (Marx&Engels, 1999: 72). Segundo estes autores a subordinação dos indivíduos só se extinguirá quando houver a transformação das forças pessoais, a partir das relações sociais, em forças objetivas de nova ordem, com a abolição da divisão do trabalho. E esta abolição, sinaliza os autores, só pode ocorrer em comunidade. Entendemos que a lógica que permeia a __________________________________________________________ 126
________________________VII SIMPGEO________________________ produção de alimentos no contexto do capitalismo contemporâneo se reproduz a partir de dois tempos diferenciados de reprodução do capital. O primeiro pelas unidades de produção familiar e o segundo pelas unidades agroindustriais. A penetração do capitalismo no campo levou à transformação das formas de produção antes desenvolvidas por produtores que detinham os meios de produção, para as formas modernas do agribusiness. Existe uma longa discussão sobre a criação, desenvolvimento e sobrevivência do campesinato em função do desenvolvimento do modo de produção capitalista que não nos dedicaremos aqui. O que constatamos com a evolução da indústria de alimentos no mundo é que esta, além de retirar as pessoas do campo, está produzindo alimentos sem qualidade e com alto custo ecológico. Quanto aos vazios demográficos reproduzido no campo, podemos dizer que: Todo o processo de penetração do capitalismo no campo impactou e imprimiu intervenções no âmbito da produção agrícola que se aproximam de uma forma importante e significativa a toda uma lógica de produção industrial. Isso traz historicamente uma consequência no âmbito da dinâmica populacional, no esvaziamento do campo, no estabelecimento de grandes propriedades. Este é um momento de todo este processo que deve ser considerado quando se analisa. Então vemos aparecer nos últimos trinta anos as “cidades fantasmas”, áreas de alta produção com pouca população, com forte evasão populacional. Não é raro termos duas ou três famílias praticamente donas da cidade. Situação que está se revertendo desde a promulgação da constituição de 1988, que estabelece políticas públicas de descentralização do poder para os municípios a partir de formas mais reguladas de distribuição dos recursos. A perspectiva de desenvolvimento local entra na agenda governamental nas últimas décadas. Vivemos hoje no Brasil uma situação híbrida aonde ainda convivemos com o modelo agrário exportador, mas com políticas públicas voltadas à agricultura familiar e ao desenvolvimento local. (ROCHA, 2009: 57 p.) __________________________________________________________ 127
________________________VII SIMPGEO________________________ A produção de alimentos sem qualidade e com alto custo ecológico está relacionado ao processo de industrialização dos alimentos e o necessário uso de conservantes de toda ordem para que os alimentos se mantenham por mais tempo no mercado, com maior tempo de estocagem. Perspectiva que se coloca em detrimento da qualidade, vitalidade e frescor dos alimentos. No capitalismo globalizado ocorre um anacronismo quando verificamos que um produto viaja milhares de quilômetros antes de ser consumido, o que acarreta um alto custo embutido em seu preço por conta destes deslocamentos sem contar as intermediações comerciais que aumentam o preço final. Neste movimento o valor pago ao produtor e o preço final do produto para o consumidor apresenta uma enorme discrepância. O agronegócio gera vários impactos ambientais. O transporte de alimentos é um exemplo. Geralmente o alimento que viaja mais, gera um impacto ambiental maior que o alimento local. O salmão consumido nos EUA é pescado no Alasca, embalado na China e depois enviado a NY. É uma aberração da economia capitalista atual. Uma boa oportunidade de economizar e salvar o planeta em termos de sustentabilidade, é trazer o agricultor para perto do consumidor. Se conseguirmos eliminar este transporte desnecessário, poderemos diminuir a emissão de carbono e o impacto ambiental, o que será ótimo para os agricultores. (ROCHA & ICERI, 2013: 2 P.). Um segundo ponto a ser observado é quando já temos uma urbanização capitalista consolidada, uma ação das classes média e média alta que demanda um consumo próximo de produtos orgânicos, com uma vontade política alternativa. Esta classe média pode protagonizar mudanças no ato de consumir alimentos. Nesta situação observamos uma transversalidade de classes. Demandas de consumo consciente pode ocorrer em classes menos favorecidas, bem como nas elites capitalizadas. __________________________________________________________ 128
________________________VII SIMPGEO________________________ O preço dos produtos pode ser um aspecto inibidor e direcionador do consumo. Existem políticas públicas e ações de organizações que tornam mais acessíveis os produtos orgânicos, a partir de cooperativas populares em bairros periféricos. Vemos então vários encadeamentos para um nosso consumo que se fundamenta em um consumo de alimentos orgânicos. Embora estes produtos sejam muitas vezes mais caros, as negociações perpassam pelo consumo consciente e a compra política. O consumo tornou-se um lugar onde é difícil “pensar” por causa da sua subordinação às forças de mercado. Mas os consumidores não são necessariamente alienados e manipulados. Ao contrário, o consumidor também pode ser crítico, “virando o feitiço contra o feiticeiro”. O consumidor “também pensa” e pode optar por ser um cidadão ético, consciente e responsável. Podemos atuar de forma subordinada aos interesses do mercado, ou podemos ser insubmissos às regras impostas de fora, erguendo-nos como cidadãos e desafiando os mandamentos do mercado. Se o consumo pode nos levar a um desinteresse pelos problemas coletivos, pode nos levar também a novas for- mas de associação, de ação política, de lutas sociais e reivindicação de novos direitos. (CONSUMO SUSTENTÁVEL, 2005; 21 p.) Neste ponto temos o crivo das necessidades. Diferente das demandas das populações que se deslocaram do campo para a cidade e que optaram por uma agricultura na cidade como prática de sobrevivência no início da formação das cidades, vemos o aparecimento de uma demanda por alimentos mais saudáveis por parte da classe média, média alta, o que representa um forte contingente populacional. Observamos, portanto o nascimento de um novo paradigma quando tratamos das práticas alimentares dos urbanitas que estabelecem alguns vínculos importantes no que concerne ao processo de produção fundado em práticas agroecológicas, em alguns casos valorizando a organização cooperativa, estimulando o desenvolvimento local e valorizando o consumo próximo, aproximando o produtor do consumidor, construindo uma dialogia que rompe com as __________________________________________________________ 129
________________________VII SIMPGEO________________________ lógicas de mercado fomentando a “compra política” e o consumo consciente. Entende-se aqui como práticas agroecológicas aquelas que apresentam como princípios básicos a menor dependência possível do uso de insumos externos, ou seja, aqueles resultantes dos processos de industrialização. Considera-se também sistemas produtivos complexos e diversificados que tenham como referência na produção da unidade que tem como referência policultivos anuais em associação com produção animal. Incorporando de forma crítica e autônoma o uso de equipamentos industriais que não rompa com os princípios acima mencionados. A questão tecnológica e a produção do espaço relaciona-se com a apropriação das técnicas que ocorre entre classes distintas. O balizamento do mercado, onde as tecnologias, cristalizadas em mercadorias, se reproduzem, não apresentam um nexo explícito com as classes sociais. Temos que considerar os financiamentos do Estado, o microcrédito disponibilizado pelo capital financeiro, entre outras ações que possibilitam o acesso de população menos capitalizada ao consumo. É certo que as opções tecnológicas estão fundadas nos paradigmas e valores daqueles que detém a hegemonia do sistema de produção, mas quem determina a perenidade de um artefato tecnológico no mercado é seu uso pelo consumidor. Aqui nos remetemos ao uso crítico da técnica. Entendemos a técnica como uma construção sócio espacial e histórica realizada por múltiplos atores e balizadas por um modo de produção historicamente determinado. A criação, existência e permanência de uma técnica depende da sociedade. Assim como esta constrói quais seus usos são mais importantes. Uso e Produção de uma técnica são separados. O uso é uma escolha individual, as produções são construções sociais coletivas. Na sociedade contemporânea a mediação do uso de uma técnica se relaciona com o valor desta técnica incorporada nas mercadorias. Podemos ter circuitos de produção, circulação e consumo alternativos que pode construir técnicasalternativas. As cooperativas populares é um exemplo.
AUP E SUA PERSPECTIVA ESPAÇO/TERRITORIAL O espaço e o território entendido como categorias articuladas, onde território pressupõe a dimensão política do espaço, portanto asso ciada às relações sociais sendo produzido historicamente. A produção do espaço se reproduz pelo que David Harvey denomina de “destruição __________________________________________________________ 130
________________________VII SIMPGEO________________________ criativa”. A destruição criativa nada mais é do que a apropriação da natureza pelo homem. Este processo é mediado pelas relações sócio/territoriais, engendradas historicamente através dos vários modos de produção. Esta natureza transformada denominamos de segunda natureza. Na mediação entre homem e natureza temos as tecnologias que operacionalizam as novas necessidades criadas pelo homem. O espaço urbano é resultado deste processo. Dois fatores devem ser considerados que nos levam ao debruçar sobre a AUP. Primeiro, a intensa concentração populacional em um espaço restrito. Segundo, este espaço urbano criado se desenvolve em detrimento do espaço agricultável. No entanto, o distanciamento dos alimentos das populações pode se tornar um problema, relacionado diretamente à sua qualidade. Neste sentido o consumo próximo se apresenta como uma perspectiva a ser resgatada no contexto das sociedades globais contemporâneas. Cabe avaliar as formas e desdobramentos desta natureza transformada, quais foram e são as consequências deste projeto civilizatório do capitalismo no transcurso de sua história. No início esta atividade era em geral conceitualizada em termos de uma dominação humana triunfalista sobre a natureza (parcialmente compensada por sentimentos estéticos que romantizavam a relação com a natureza). Somos mais cautelosos agora em nossa retórica, embo ra não necessariamente em nossas práticas. A história do capitalismo está repleta de consequências ambientais não intencionais (a vezes de longa duração) e algumas delas (como a extinção de espécies e habitats) são irreversíveis. É melhor pensar não em dominação, portanto, mas no desenvolvimento de práticas humanas em relação ao mundo físico e à teia da vida ecológica, que mudam a face da terra de maneira muitas vezes dramática e irreversível. (HARVEY, 2011: 2141 de 3395.) Enquadra-se hoje na agenda das pessoas e instituições a ampliação da biodiversidade na cidade, um uso do solo urbano para além da construção civil de habitações crescentemente verticalizadas. Vemos hoje mais um componente a ser considerado para a produção do espaço urbano. __________________________________________________________ 131
________________________VII SIMPGEO________________________ Neste aspecto há que se considerar também o conceito de renda do solo urbano, ou seja, a terra como mercadoria e a especialização do uso do solo urbano. A cidade deve ser considerada como lócus da produção e da realização da produção a partir de uma demanda efetiva, através do consumo. A cidade mercantiliza seus espaços numa gama crescente de diversidades de uso. O valor desta mercadoria se relaciona com a especulação, que neste caso é imobiliária na medida em que o espaço construído na urbes é produzido pelas demandas induzidas pelo grande capital. Este por sua vez, orienta seus investimentos em função das especialidades/ necessidades advindas da urbanização capitalista. No caso da AUP observamos um movimento de fluxo/refluxo/fluxo, onde ocorre na gênese da cidade uma necessidade de abastecimento local, a partir dos cinturões verdes. Com a concentração/centralização do capital o crescimento urbano ocorre e o mercado se diversifica, constituindo usos diferenciados do território. Neste momento vemos em grande parte das cidades um rearranjo das zonas periféricas que substituem suas chácaras por novos loteamentos urbanos com diversas funcionalidades (condomínios de luxo, conjuntos habitacionais para população de baixa renda, chácaras de lazer, etc.), o que leva ao refluxo das unidades produtivas de agricultura periurbana. Em um terceiro movimento, com a cidade densamente povoada já em um contexto de globalização capitalista, a perspectiva do consumo próximo de alimentos naturais, orgânicos, agroecológico aparece como demanda efetiva de consumo, estimulando um novo fluxo de agricultura urbana e periurbana. E neste sentido, esta mercadoria a terra (propriedade) além de seu valor de uso constrói um valor de signo. … vivemos sob o olhar dos objetos numa abundância virtual e uma ausência da proximidade dos próprios ho- mens. Ou seja, todas as relações, todas as mercadorias e todo o tempo e os espaços tornaram-se signos que evidenciam status, glamour, posição social e poder … não há consumo apenas pelo valor de uso ou de troca, mas pelo valor de signo e expressão social. (GHIZZO, 2012: 24 p.)/ Podemos citar como exemplo processos de verticalização imobiliária que ocorrem em espaços urbanos com uma malha urbana ainda pequena quando comparada à área do município. Nestes municípios ainda apre__________________________________________________________ 132
________________________VII SIMPGEO________________________ sentam claras possibilidades de expansão de sua fronteira urbana, mesmo assim inicia-se um processo de verticalização. Isso ocorre por motivações outras que não o preço da terra. Considera-se status, segurança, etc. Podemos traças um paralelo onde este processo pode ser remetido à perspectiva do desenvolvimento de agricultura urbana. Muitas famílias optam por consumir produtos orgânicos produzidos na cidade, ou seja, próximo dos itinerários das pessoas que moram na cidade. Unidades produtivas dentro da cidade além de comercializar produtos orgânicos, também produzem em pequena escala hortaliças e legumes. Sua posição privilegiada dentro do espaço urbano potencia o consumo de orgânicos, por existir na urbes um número importante de consumidores que justificam o comércio. Esta é uma nova paisagem que começa a aparecer nas grandes e médias cidades. Podemos perguntar: quais os aspectos positivos de uma agricultura no âmbito da cidade? Como se transforma a relação cidade campo, tanto a partir da penetração do capitalismo no campo, como pela penetração da produção agrícola na malha urbana. Estas relações tomam outras formas na contemporaneidade. A formação das novas gerações no campo apresentam um perfil mais urbano, com práticas da cidade mais próximas do seu cotidiano. “…temos que considerar que no campo há cada vez mais o acesso às redes, tanto imateriais, como tele- fonia, internet que traz, efetivamente, um tipo de conectividade com a população do campo, balizado é claro, pelas condições econômicas para este acesso, como redes materiais pelo aumento da quantidade e qualidade dos transportes de pessoas e produtos. A classe média rural se mostra absorvedora das novas tecnologias estabelecendo novas conectividades, algo que não existia há vinte anos. Esta conectividade faz com que, por exemplo, a potência de um jovem urbano seja a mesma de um jovem de classe média rural na medida em que este tem acesso à internet, estabelece as demandas, inclusive com a diversificação do comércio de produtos reconhecendo __________________________________________________________ 133
________________________VII SIMPGEO________________________ setores agrários e urbanos.” (ROCHA, 2009: 58 p.) Uma forte crítica que se estabelece com relação à alimentação nas grandes cidades é o anacronismo da circulação de um alimento no circuito comercial global. Muitas vezes um alimento circula pelo globo para chegar ao seu destino final. Isso se apresenta como um sério problema, pois quanto mais tempo demora para um alimento ser consumido mais conservantes este alimento deve conter. O que impacta fortemente no sabor e qualidade dos alimentos. Várias consequências negativas podemos elencar quando do uso de conservantes dos alimentos. Observa-se um uso excessivo de sal, de conservante, e uma grande lista de produtos químicos introduzidos no alimento para sua conservação, mudança de aspecto e mesmo de sabor. Isso traz consequencias para a saúde das pessoas. As populações consomem cada vez mais estes produtos devido aos ditames do mercado que estabelece comportamentos de consumo, a partir das mídias, constituindo hábitos de consumo em conformidade com os interesses das indústrias do setor. Há relações de causa e efeito entre os produtos químicos acrescentadas a nossa comida e a predisposição para doenças desde asma ao câncer. Cérebro: Estudos mostraram que entre 30 a 50 por cento das crianças com sintomas de hiperatividade apresentaram uma melhoria dramática no seu comportamento e condições de saúde quando os alimentos ricos em aditivos químicos, particularmente os corantes, foram elimina- dos da sua dieta. Dores de cabeça: Há muitos casos de pessoas que trabalham em fábricas de aditivos que sofrem dores de cabeça crônicas, podendo-se atribuir isto à sua exposição contínua a estas substâncias químicas. Pele: Urticária é uma erupção cutânea de pele de origem alérgica que pode durar entre várias horas e seis semanas. Podem ser causadas por uma reação alérgica a alguns aditivos químicos como por exemplo, o tartrazinocorante). Órgãos: Vários estudos em animais sugeriram ligações entre certos aditivos alimentícios e vários tipos de câncer, incluindo o nitrito de sódio (E-250), __________________________________________________________ 134
________________________VII SIMPGEO________________________ galato de propol (E-310) e acesulfame-k (E950). Vias nasais: A rinite é uma inflamação das vias nasais provocada por um alergênico que causa espirro, congestão e coceira dos olhos, nariz, garganta e orelhas. Pode ser ativado em algumas pessoas através da exposição a certos aditivos alimentares tais como o tartrazino (corante). Sistema respiratório: alguns alimentos podem acentuar os sintomas de asma. As substâncias mais amplamente reconhecidas por seu efeito deletério em asmáticos são os sulfitos, um grupo de conservantes (E220-228) usado em alimentos tais como frutas secas e refrigerantes. (MALTA, 2007) O projeto de uma alimentação industrializada está sendo questionado por um bom número de pessoas que veem no retorno aos alimentos frescos, saudáveis e naturais a possibilidade de uma vida saudável. Neste sentido observamos alguns caminhos a serem percorridos para a transformação paradigmática das práticas alimentares. Oportunizando a precariedade da existência de uma agricultura familiar bombardeada a décadas pelas ações do agribusiness, são implantadas no Brasil políticas públicas com ênfase no estímulo e à permanência do homem no campo a partir de princípios voltados ao desenvolvimento local e sustentável, uma produção agroecológica, o estímulo às cooperativas populares, e à agri- cultura orgânica. Por outro lado, nasce um filão no mercado capitalista de alimentação relativo à produção orgânica e sustentável, no âmbito dos espaços urbanos e periurbanos, que se sustentam fortemente pela ideia de consumo próximo.
O CONSUMO PRÓXIMO E SUA POTÊNCIA TRANSFORMADORA Cabe definir o que vem a ser consumo próximo. Não se trata de existir estabelecimentos mais próximos dos consumidores, mas sim do consumidor estar mais próximo tanto do produto, quando ofertado, bem como do produtor. Constatamos, em nossas investigações que esta proximidade consumidor/produtor é fundamental para resgatar uma perspectiva que, com o crescimento das cidades e a lógica que se impõe __________________________________________________________ 135
________________________VII SIMPGEO________________________ no processo de produção/reprodução capitalista, desaparece, que é a reciprocidade nas relações. O consumo próximo deve ser analisado considerando o circuito produtivo, ou seja, a produção, a circulação e consumo. O que ele diferencia do processo de consumo normal, no contexto do capitalismo é que a circulação apresenta peculiaridades, quanto a sua territorialidade. Existe uma convergência para um espaço específico regido por princípios diferenciados do mercado de consumo de alimentos normal, ou seja, fundado no industrialismo e na agroindustrialização. Este é regido pela produção agroecológica e por princípios de gestão do cooperativismo popular. É certo que já existem unidades de comercialização capitalistas, que visam lucro, mas que se empenham em seguir os princípios da agroecologia. A prática do consumo próximo darse-á a partir de associações ou cooperativas que estimulam a construção de uma sociabilidade entre produtor e consumidor que considera: a) o frescor dos alimentos; b) a sazonalidade da produção e c) considera que esta relação direta estes dois agentes do processo possibilita um maior espectro de relações para a tomada de decisão de comercialização e ou consumo. Com a especialização e a divisão social e técnica do trabalho, a cadeia produtiva distancia produtores de consumidores, despersonalizando o processo de comercialização em nome de uma racionalidade que busca eficiência e produtividade. Estes parâmetros, quando falamos de alimentação, é nefasto. Podemos considerar dois aspectos que justificam o consumo próximo. Em primeiro lugar a dimensão subjetiva deste consumo quando consideramos a saúde individual das pessoas. O consumo próximo vincula-se a uma agricultura sustentável sem agrotóxicos, orgânica, além disso a perspectiva do circuito curto entre produtor e consumidor valoriza a energia vital dos alimentos, sua entrega rápida para o consumo mantém o frescor, o sabor e as propriedades dos alimentos. Estes parâmetros, na medida em que a população toma consciência destas informações, são cada vez mais valorizados na opção de consumo de alimento das pessoas. O mercado de produtos orgânicos remete à discussão sobre consumo consciente, compra política, onde a certificação é fundamental para “blindar”, proteger os consumidores dos oportunistas que vendem “gato por lebre”. Em pesquisas de campo constatamos que alguns feirantes, quando perguntado se o produto é orgânico, responde positivamente, não estando __________________________________________________________ 136
________________________VII SIMPGEO________________________ sua unidade de comercialização devidamente certificada. No entanto, no caso brasileiro, a certificação se torna onerosa para os produtores. Um caminho possível é o estabelecimento de políticas estatais de subsídio para o financiamento da certificação, ou mesmo constituir um sistema de certificação gerido pelo Estado. Neste sentido, no ano de 1999 foi criado pelo ministério da agricultura pecuária e abastecimento a primeira normativa para produtos orgânicos no Brasil. A Instrução Normativa No 7. IN-7. Esta normativa traz o conceito de Sistema Orgânico de Produção Agropecuária e Industrial. … Todo aquele em que se adotam tecnologias que otimizem o uso de recursos naturais e socioeconômicos, respeitando a integridade cultural e tendo por objetivo a autossustentação no tempo e no espaço, a maximização dos benefícios sociais, a minimização da dependência de energias não renováveis e a eliminação do emprego de agrotóxicos e outros insumos artificiais tóxicos, organismos geneticamente modificados – (OGM)/transgênicos, ou radiações ionizantes em qual- quer fase do processo de produção, armazenamento e de consumo, e entre os mesmos, privilegiando a preservação da saúde ambiental e humana, assegurando a transparência em todos os estágios da produção e da transformação (BRASIL, 1999). Em uma década as leis foram aperfeiçoadas com a participação popular nos fóruns, bem como a partir das ONGs credenciadas, tendo como resultado destas discussões o selo único oficial do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica. Isso trouxe mais incentivo para os produtores/comerciantes e contribuiu para a consolidação deste setor específico de consumo de alimento que se apresenta em franco desenvolvimento no Brasil e no mundo. O crescimento do interesse das populações e um consumo crescente estimularam a produção de produtos orgânicos no país, ou seja, cultivados com isenção de agrotóxicos. O Brasil é forte na produção orgânica de açúcar, soja, café, óleos, amêndoas, mel e frutas. O mercado __________________________________________________________ 137
________________________VII SIMPGEO________________________ de orgânicos no mundo pode superar 40 bilhões de dólares por ano. Por conta este crescimento, o Ministério da Agricultura demandou às certificadoras em 2013, dados para criar um banco de produtores no país. O Instituto Biodinâmico (IBD), responsável por certificações no país, estima que o Brasil já tenha quase 1 milhão de hectares em produção orgânica, sendo 95% de produtores de pequeno e médio porte, exceto o açúcar, fabricado apenas por usinas. A produção mundial gira em torno de U$ 50 bilhões com produtos orgânicos. No Brasil, somente U$ 150 milhões o que equivale a 0,3% de faturamento deste setor no contexto mundial. As estatísticas apontam que há mais de 1.380.000 produtores orgânicos no planeta. O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) estima que o Brasil possua mais de 50 mil agricultores que não praticam a agricultura convencional. O Brasil é considerado pelos principais importadores de orgânicos – EUA, União Europeia e Japão – como o país de maior potencial de produção orgânica para exportação: cerca de 60% da produção orgânica brasileira vai para fora do país. Outros 30% dos orgânicos são vendidos no mercado brasileiro e o restante segue para consumo próprio. Muito ainda tem que ser feito no Brasil. A perspectiva de uma produção orgânica passa por um forte processo de qualificação dos produtores e consequentemente seu convencimento sobre a pertinência da produção orgânica. Pelo lado do consumidor também devemos ampliar as discussões sobre este tema no sentido da construção do protagonismo deste sobre a opção de consumo. Há que se buscar uma nova territorialidade, onde as relações sejam mediadas por ações críticas por uma cidadania transformadora e geradora das rupturas necessárias para a transição de uma nova ordem. Neste sentido no documento síntese da V Plenária Nacional de Economia Solidária observamos uma preocupação com este temário, como segue: Construir a Economia Solidária na prática inclui olhar de perto para as pessoas, onde elas vivem, como se organizam para sobreviver, como utilizam e cuidam dos recursos que tem à disposição. Olhar de perto para onde as relações econômicas acontecem é fundamental para acompanhar seus efeitos e entender qual o __________________________________________________________ 138
________________________VII SIMPGEO________________________ sentido do desenvolvimento que estamos construindo. Se este desenvolvimento está contribuindo para uma sociedade mais justa ou a riqueza produzida não chega a trazer melhorias ao nosso entorno? Daí a importância de planejarmos nossas ações sem abrir mão da perspectiva do território, pois nos espaços de proximidade podemos trabalhar as dimensões da produção, da comercialização e do consumo de forma direta e articulada. Para avançarmos nessa perspectiva, sentimos a necessidade de avançar em alguns debates... (V PLENÁRIA NACIONAL DE ECONOMIA SOLIDÁRIA, 2012: 21 p.) A perspectiva da AUP é vista como uma atividade que é ressignificada na produção do espaço urbano dada as contingências da urbanização que concentra populações que buscam a cada dia opções alternativas para uma alimentação sadia. E esta perspectiva alternativa aparece também na gestão do processo a partir da possibilidade de empreendimentos econômicos solidários em cooperativas populares e associações de diversos matizes. Mesmo com a apropriação capitalista destas ações, a dimensão alternativa se revela na produção e na gestão. Agricultura urbana e periurbana apresentam um vínculo muito interessante com a perspectiva da economia social e solidária. Esta dimensão traz um nexo com as diretrizes do desenvolvimento local, entendendo desenvolvimento local não só a partir de uma perspectiva interurbana mas também de uma perspectiva intra urbana, tratando de investigar a franja do urbano e a agricultura na cidade, portanto cabe conceituar a noção de desenvolvimento local e os parâmetros que norteiam essa perspectiva de um desenvolvimento descentralizado. A ideia de desenvolvimento descentralizado contra hegemônico é de certa forma sinalizado pela perspectiva do desenvolvimento local. Cabe ponderar que o desenvolvimento local não será o elo numa cadeia de desenvolvimento total, a soma das partes não resulta necessariamente no todo. O que cabe no dimensionamento do par dialético “local” “global” são as relações historicamente produzidas. Relações estas que devem ser vistas como contra hegemônicas, pois ou elas são concebidas como alternativa ou irão reproduzir a forma estrutural do sistema produtivo __________________________________________________________ 139
________________________VII SIMPGEO________________________ capitalista. Para Francisco de Oliveira, o desenvolvimento local é uma noção polissêmica, apresentando diversas dimensões de cidadania. Para ele a reforma do Estado, estabelecendo políticas públicas de desenvolvimento local ou uma produção cultural de uma organização social “não tem, necessariamente, a cidadania como produto.” Daí seu caráter polissêmico. Dimensiona, portanto, o desenvolvimento local a partir de homens concretos, históricos, que exercem uma cidadania crítica. A noção de cidadania que deve nortear a tentativa de mensurar os processos e estoques de bem-estar e qualidade de vida refere-se ao indivíduo autônomo, crítico e reflexivo, longe, portanto, do indivíduo-massa; trata-se de uma aquisição por meio do conflito. (OLIVEIRA, 2001: 13 p.) Este encadeamento categorial, onde busco estabelecer relações entre a possibilidade de uma produção agrícola urbana e periurbana e o desenvolvimento local, a partir de uma cidadania crítica, me direciona à possibilidade de uma gestão de ruptura pela economia social e solidária. É uma trajetória possível na medida em que essencialmente a AUP carrega em suas práticas, alternativas contra hegemônicas no que concerne ao consumo alternativo de alimentos e ao bem viver.
EXPERIÊNCIA DE AUP INVESTIGADAS A cidade de Cianorte-Br e Albièrre-Fr Cianorte em seus 64 anos de existência passou por diversos ciclos de produção. O café, a soja e recentemente a indústria de vestuário. Sua estrutura fundiária se transformou com o advento da soja na região, concentrando as terras e restringindo as propriedades familiares. Seu processo de colonização foi efetivado pela Companhia Melhoramento Norte do Paraná CMNP. Houve no transcurso de sua história uma constante alteração de seu plano diretor. A destinação das áreas urbanas e rurais, sendo que grande parte pertencente à CMNP apontada como importante agente imobiliário do município e região que “por meio de influências e financiamentos políticos manipulava as decisões locais a seu favor, reduzindo os impostos e valorizando suas terras.” (ICERI, 2013: __________________________________________________________ 140
________________________VII SIMPGEO________________________ 82). Neste processo de crescimento da malha urbana da cidade, muitos testemunhos de uma estrutura produtiva pretérita aparece, como chácaras localizadas no perímetro urbano com resquícios da produção cafeeira. Cianorte teve seu planejamento nas cidades jardins inglesas concebidas por Ebenezer Howard que escreveu importante obra “as cidades jardins de amanhã”, livro referência para os estudos sobre produção agrícola nas cidades. No entanto, isso não ocorreu em Cianorte, acredita-se que a CMNP tem uma estratégia de especulação imobiliária utilizando suas terras como reserva de valor. À medida que a cidade se expande e surgem novos loteamentos e condomínios de luxo próximos ao “Parque Cinturão Verde”, que é de propriedade da CMNP, esta vende e especula as terras que antes alimentavam a população. Na estrada que liga Cianorte ao seu distrito de Vidigal percebemos a concentração de propriedades familiares de agricultores, os quais fazem parte da Associação dos Produtores Feirantes. De acordo com as entrevistas realizadas com os feirantes, foi apresentado que a distância média das propriedades familiares até a feira é aproximadamente 10 km. Além disso, a relação entre estes espaços é íntima e frequente, pois, 3 vezes na semana os agricultores realizam a Feira (2a , 4a e 6a feira) e nos outros 2 dias da semana (3a e 5a feira), aqueles que vendem para supermercados e para as escolas fazem suas entregas. Ou seja, mesmo morando e trabalhando no sítio, devem ir até a cidade de 3 à 5 dias na semana. É nesse sentido que consideramos a existência da agricultura periurbana, pois, além da concentração de propriedades produtoras de alimentos em áreas, relativamente, próximas do perímetro urbano, também ocorre interação entre os espaços. Além disso, observamos que em algumas famílias existem integrantes que trabalham de forma informal na cidade, fazendo “bicos” ou então, aqueles que trabalham no setor industrial, principalmente nas confecções. Entendemos que além da localização geográfica dos agricultores familiares do município de Cianorte estar disposta, na maioria, em áreas consideradas periurbanas, também sofrem com as pressões econômicas e políticas de dois agentes: a especulação imobiliária e do agronegócio que não absorve mão de obra. A preocupação com esta realidade abarca a fragilidade produtiva local, e o enfraquecimento da política de segurança e soberania alimentar. A produção local em termos de abastecimento voltado à alimentação diminuiu, o alimento no município encareceu e as características culturais, eventos e hábitos se alteraram, os recursos naturais começam a ser saturados e a migração e marginalização de certos agricultores surgiu, __________________________________________________________ 141
________________________VII SIMPGEO________________________ principalmente a partir de seu envelhecimento e, com isso, redução da força de trabalho, que não é renovada pelos mais jovens. Segundo Grigório Júnior (2004) as lavouras permanentes na Microrregião Geográfica de Cianorte tiveram suas áreas reduzidas em 83% enquanto a temporária e pastagens tiveram aumento de 52% e 60% respectivamente, entre os anos de 1970 a 1996. Neste mesmo período, o autor afirma que na região o número de estabelecimentos com área de até 10 ha diminuiu 72%, enquanto houve crescimento de 63% no número de estabelecimentos com área entre 100 e 1000 ha e de 28% nos estabelecimentos com área maior que 1000 ha. (...) a modernização da agricultura provocou em larga escala, a substituição da cafeicultura, sobretudo por culturas temporárias e pastagens, com elevado índice de mecanização, o que, por sua vez levou a redução do número de estabelecimentos agropecuários, desencadeando o êxodo rural e, por conseguinte, o aumento da população urbana. Portanto, é no contexto da modernização das atividades agrícolas, a partir de 1970, que a Microrregião Geográfica de Cianorte passa a sofrer o processo de evasão populacional (GRIGÓRIO JÚNIOR, 2004, p.97). Observamos portanto que Cianorte sofre pressão para a manutenção e consolidação da AUP. As políticas públicas, embora exista em nível federal, não estão sendo estimuladas no município. As ações são pontuais e não apresentam continuidade. A partir desta realidade brasi- leira, tivemos a oportunidade de estudar como se estrutura a produção agrícola urbana e periurbana em Albiérre no interior da França. A produção alimentar constatada em Aubière esteve restrita às hortas urbanas, pois nos lugares onde foram feitas as entrevistas ICERI, 2013, questionou os produtores locais, quanto à concepção de local para eles o “local” não está restrito à menor divisão territorial (comuna), como no caso de Cianorte (município). As expressões “local” e “próximo” em Aubière são relacionadas ao “mais perto possível”, o que não quer dizer, “de Aubière” efetivamente e para isso discute-se, neste local, o desenvolvimento dos circuitos curtos. Neste momento vamos nos ater __________________________________________________________ 142
________________________VII SIMPGEO________________________ às observações feitas a uma associação que visa a manutenção da agricultura camponesa na França; é a AMAP (Association pour le Mantien d’Agriculture Paysanne). Esta associação é um sistema de produção e distribuição que aproximam os produtores da agricultura familiar e os consumidores, predominante- mente locais. A ideia é de que a cada semana um produtor propõe uma cesta de alimentos a um grupo de consumidores. A cesta contém, predominantemente, legumes, verduras e frutas, mas algumas AMAPs também oferecem carne e ovos, a oferta depende do grupo de agricultores, da es- tação climática, que será respeitada por um consumidor, consciente das leis naturais (LAMINE, 2008). Os consumidores, por sua vez, fazem um contrato com os agricultores para comprar toda semana uma cesta de alimentos, durante toda a estação ou durante um ano. Para isso, eles pagam adiantado em dinheiro, ou deixam cheques, o qual garante ao produtor sua produção e sua renda mensal. No contrato, a parte que diz respeito às obrigações do agricultor, inclui o fornecimento de ali- mentos frescos e que o modo de produção respeite o meio ambiente (isso faz com que a maioria deles sejam produtores orgânicos). (ICERI, 2013: 121 p.) Por todo o ano, os agricultores sorteiam alguns consumidores que serão abastecidos por eles. Desse modo, sabe-se, exatamente, quem, quantos que irão consumir. Estabelece assim uma ação qualitativa no processo de compra e venda. Esta dialogia entre as partes possibilita uma interação/ integração permitindo críticas contribuições que aumentam a eficiência da relação. O consumidor não escolhe os produtos que serão entregues em sua cesta, mas o agricultor, conhecendo-o, tem a responsabilidade de entregar alimentos frescos e o mais diversos possíveis. As cestas são entregues em um lugar de fácil acesso aos consumidores, em geral, eles podem comprar metade de uma cesta, dependendo da quantidade consumida. Os agricultores, por sua vez, elaboram uma lista com os alimentos da estação que serão produzidos, mas a oferta depende da colheita semanal (de acordo com as condições climáticas). Muitas vezes poderá faltar na cesta ou será ofertado em menor quantidade, em ouros momentos poderá ocorrer abundância de produtos que poderá também ser negociado com o comprador para a aquisição. A negociação pode ser efetivada pela internet e concluída presencialmente. __________________________________________________________ 143
________________________VII SIMPGEO________________________ Como as negociações são previamente estabelecidas, caso a quantidade de produtos ofertada sofre alterações no mercado, o preço, por sua vez, se mantém. Mesmo que ocorra alta do valor de determinado produto nos mercados convencionais, nos AMAPS eles serão mantidos, e o mesmo pode ocorrer no caso inverso. Os AMAPs existem há 13 anos na França e possuem hoje diferentes versões, de acordo com cada público e cada origem. O primeiro AMAP de um casal de agricultores do sul da França que foi aos Estados Unidos visitar sua filha. Lá, eles conheceram a experiência das CSA (communauty supported agriculture) baseadas no teikei japonês. No retorno à França repassaram a ideia em uma conferência da associação dos agricultores familiares, o grupo Attac d’Aubagne, onde 60 produtores se interessaram de início e depois o número só foi aumentando (LAMINE, 2008). Como aponta Lamine (2008), a importância do AMAP não está na criação de um novo modelo, pois deriva de outros preexistentes, mas é a magnitude de dispersão do movimento e aderência que o faz importante. Em 2010, nove anos após a criação da primeira associação já existiam 1.96 AMAPs. Portanto, podemos concluir com isso que fortalece a ideia de um consumo próximo, de qualidade que fundamente a comercialização de alimentos de uma agricultura biodinâmica e que rompe com a impessoalidade das relações do mercado tradicional. Lamine (2008): nos apresenta 6 princípios que caracterizam as AMAP’s. 1) engajamento recíproco entre um grupo de consumidores e produtores locais, a partir de uma agricultura de proximidade. 2) práticas agrícolas sem fertilizantes nem agrotóxicos. 3) O compartilhamento dos riscos com os consumidores (climáticos e de pestes) e da colheita (deficit ou superavit). 4) compra da colheita adiantada, por contrato individual e por uma estação inteira. 5) Acesso dos consumidores às propriedades, por meio de visitas organizadas a cada estação e proximidade com produtores na ocasião da distribuição, toda semana. 6) Apoio dos consumidores associados na gestão dos contratos (compatibilidade e desconto de cheques), na distribuição de cestas (semanalmente) e em eventuais participações coletivas do trabalho nos sítios (plantação, colheita...). __________________________________________________________ 144
________________________VII SIMPGEO________________________ Portanto dentre os princípios chave podemos observar a questão da solidariedade e mutualismo, intrínsecos na relação entre produtores e consumidores, os quais vão de encontro com a teoria, aqui utilizada, da economia social e solidária. Além disso, a reflexão, a formação técnica e a troca de experiências também fazem parte dos princípios do AMAP, tanto para consumidores como para agricultores, onde também observamos a questão do conhecimento agroecológico para aquele que produz, bem como para aquele que demanda, exige e, de certa forma, fiscaliza o que consome. (ICERI, 2013: 125 p.). Dentre as experiências vividas em Albièrre conhecer a AMAP foi importante na medida que estabeleceu um diferencial entre o que observamos no Brasil e na França. No primeiro, as ações em AUP estão fortemente ligadas ao estímulo de políticas públicas federais e de ONGs, voltado aos produtores familiares mais descapitalizados, buscando a partir destas novas formas de consumo que se fortalecem no Brasil auferir renda, estabilidade em suas unidades de produção e sua manutenção no campo. No entanto, ainda é frágil a relação com os consumidores. Apenas uma classe média mais intelectualizada e crítica quanto ao consumo de alimentos industriais que está procurando estas novas opções. No entanto, o crescimento deste setor apresenta taxas importantes de crescimento [introduzir os dados]. Aliado a isso temos o nascimento de uma AUP de perfil capitalista a partir de empreendedores nos grandes centros que comercializam produtos de alto custo para um grupo restrito de consumidores. No caso Francês, em Albièrre observou-se um consumidor mais qualificado, com uma experiência maior para esta perspectiva de consumo de alimentos, onde as duas pontas do processo, produtor e consumidor, apresentam uma postura pró-ativa quanto ao projeto de uma agricultura orgânica. Esta tendência para um controle mais atento no consumo dos alimentos, sinaliza uma perspectiva de quebra de paradigma quanto aos alimentos industriais.
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A cidade de Umuarama - PR A cidade de Umuarama compõe o eixo que se estende desde Londrina até Salto de Guaíra, fronteira com o Paraguai. Este eixo cresce no setor agrário exportador, bem como na indústria têxtil. No entanto, a produção de alimentos a partir das propriedades familiares não avançam na região. Cerca de 87% da área municipal, com 108 mil ha. É agrícola, distribuído em 3195 estabelecimentos rurais, dos quais 2700 abaixo de 50 ha. O que se tem nas propriedades é a monocultura. Hoje grande parte do uso do espaço rural é para a pecuária extensiva em pequenas médias e grandes propriedades e a pecuária leiteira mista em médias e grandes pro priedades. Avaliando o valor bruto da produção, 80% está concentrada em pecuária de corte; leite; cana-de-açúcar, frango de corte; mandioca; hortaliças e fruticultura. A agricultura familiar explora: 450 ha. cultivados com hortaliças e 300 ha. Com fruticultura. Foi desenvolvida uma enquete em uma feira de Umuarama no “zona do Lovate”. Foram entrevistados 28 produtores dos 52 que participam da feira de quarta feira. Dos entrevistados somente um produtor define seu espaço de produção como periurbano, quatro são urbanos e os restantes rurais. A distância das propriedades dos produtores é muito diversificada e chega até 20 km. Quanto ao tamanho das propriedades, a maioria dos entrevistados explora uma área entre 1 e 10 ha., podendo ser enquadradas como pequenas propriedades, onde para pequena propriedade entende-se “aquela que possui entre um e quatro módulos fiscais.” (lei federal 8629/93), sendo que o módulo fiscal corresponde a 20 ha. destes produtores investigados, 78% tem a propriedade da terra. Destes produtores somente um desenvolve produção orgânica, a diversidade produtiva entre os produtores feirantes é pequena, a maioria cultiva lavoura temporária sendo os produtos mais frequentes a alface e o repolho. Estes produtores apresentam um grau de escolarização boa comparada com a média nacional, onde 50% deles possuem pelo menos o ensino fundamental completo. A comercialização ocorre nas feiras livres, em cooperativas e em pouco volume, em supermercados. Os supermercados estabelecem formas insatisfatórias de relacionamento junto com os produtores pois, segundo eles, não recebem um preço adequado pelo produto e alguns supermercados exigem a troca de produtos que estragaram antes de serem comercializados. Por este motivo __________________________________________________________ 146
________________________VII SIMPGEO________________________ alguns produtores optam por trabalhar somente nas feiras, eles argumentam que estabelecer o contato direto com o consumidor, estabelecer um preço de mercado e receber à vista faz toda a diferença. A “Feira do Produtor” que é o espaço institucional onde ocorre as feiras de quarta feira. A feira do produtor foi criada em 1983, organizada pela prefeitura, iniciando suas atividades com 30 produtores rurais locais. Outra instituição importante, criada há 15 anos foi a “Associação dos Pequenos Produtores do Município de Umuarama” que atua fortemente na feira do produtor. Estes produtores sinalizam algumas dificuldades, sendo as principais a mão de obra no setor para ampliar a atividade, dado que está ocorrendo um abandono dos filhos a estas atividades, onde a maioria busca trabalho na cidade, principalmente no setor de serviços. Consideramos que mesmo com a existência de políticas públicas neste setor, os monopólios de grandes supermercados estão desabilitando as atividades destes trabalhadores, dificultando sua comercialização.
OS ALIMENTOS E AS DISTÂNCIAS SOCIAIS Busco a fruta fresca na esperança de suprir o que me falta. Depois de comê-la, vejo que ainda falta algo que bate no recôndito do meu ser. É uma sensação de não partilha, de saber que mais de 1 bilhão de pessoas que estão ainda vivas hoje, provavelmente, nunca comerão esta fruta, nunca terão acesso a alimentos frescos orgânicos. Minha angustia aumenta quando penso no caminho que construímos para os nossos. Chamos assim nossa civilização hoje. As pessoas nascem e o sistema não dá conta de alimentar a todos com dignidade. Tenho a utopia da construção de um novo sentido civilizatório aonde olharemos para todos como “os nossos”. A base desta utopia dar-se-á com o afeto como o verdadeiro alimento da alma que vê na materialidade das ações um crescimento balizado não no ter/possuir como esforço em si, mas como força motriz de uma construção social para além do indivíduo. Motivado por valores abrangentes que em sua análise crítica das contradições sociais, necessário para a perpetuação de uma sociedade atenta aos nossos desvios, possa construir uma ética da compreensão, como nos ensina Edgar Morin. “A ética da compreensão é a arte de viver que nos demanda em primeiro lugar compreender de modo desinteressado... não se pode esperar __________________________________________________________ 147
________________________VII SIMPGEO________________________ nenhuma reci- procidade... A ética da compreensão pede que se com- preenda a incompreensão.” (MORIN, E. 2001: 99 p.) Este doar-se abre a possibilidade de vislumbrar a essência de nossas contradições e avançar na possibilidade de sublimá-la, de buscar um outro patamar civilizatório. Não estendo esta postura como desmobilizadora. As contradições sociais nos levaram e ainda nos leva a embates sangrentos. Muitas de nossas conquistas foram atingidas às custas de muitas vidas. Não sou ingênuo de compreender sem lutar. O que não podemos é nos blindar, impermeabilizar nossa compreensão do mundo sem a dialogia com o outro, de não incorporar a complexidade dos processos sociais como processo histórico constitutivo de nossa civilização. Trabalhar com as diferenças até o limite do possível, pois ela, as diferenças, nos dá a perspectiva de ampliar as possibilidades de êxito para um novo devir. Os espaços urbanos e periurbanos se transformam pelas ondas das intensões dos homens em produzi-lo, consumi-lo e ressignificá-lo. Estas transformações não podem perder de vista nossas conquistas pretéritas. O saber plantar colher selecionar de forma autônoma também se impõem como possibilidade concreta de sobrevivência. Os centros urbanos estão vivendo um retorno bem-vindo às práticas de plantio otimizadas por entre ruas prédios e casas. Associando-se ou de forma autônoma, vislumbrando um negócio lucrativo. Nestas novas opções o paradigma agro- ecológico aparece como uma possibilidade alternativa que busca resgatar a vitalidade dos alimentos a partir de uma produção digna e sustentável que poderá mitigar situações de ausência de alimentos pelos sistemas produtivos agroindustriais. A possibilidade de alimentar todos com dignidade é a meta. Da forma como os processos sociais se reproduzem no capitalismo os distanciamentos sociais agudizam e muitos estão em penúria e sem alimentos. As formas simples de cultivo devem ser valorizadas e disseminadas por entre os povos. Não podemos conviver com o mono- pólio dos alimentos. Neste sentido, os Estados tem a responsabilidade em proporcionar as possibilidades de alimento para todos. Para tanto há que se construir uma regulação cidadã que cobre do estado as políticas tratem de forma participativa e criativa a acesso aos alimentos de forma saudável e com preço justo. __________________________________________________________ 148
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GRUPOS DE TRABALHOS
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GT 1 POR OUTRA GEOGRAFIA DO PODER: CONFLITOS E CONSENSOS NO(S) TERRITÓRIO(S) Prof. Dr. Nilson Cesar Fraga UEL/UFPR Profa. Dra. Márcia da Silva – UNICENTRO/UEM Apresentamos uma síntese dos conteúdos e temas apresentados no GT 1, denominado “Por outra Geografia do poder”: conflitos e consensos no(s) território(s), cujos debates ocorreram no Bloco D-34, na sala 201, da Universidade Estadual de Maringá. Inicialmente é importante mencionar que as apresentações foram compostas por dois trabalhos numa fase inicial do mestrado e quatro numa fase de finalização da dissertação, enquanto que no doutorado se tinha um trabalho em fase final de tese e dois iniciantes. Dos dez trabalhos inscritos, apenas um não compareceu. Os nove apresentados e debatidos, estavam intimamente ligados ao tema do GT, com temas diversos, que tratavam do pentecostalismo enquanto movimento social até a segregação territorial e racial. Alguns trabalhos trataram do desenvolvimento de redes, dentre eles, a rede logística paranaense geografizada no território, mas também sobre a rede-território das cidades da região do Contestado catarinense e paranaense, numa perspectiva de desenvolvimento regional, bem como da rede política vinculada à cadeia produtiva da madeira, no Centro-Sul do Paraná. No que tange aos territórios e as relações de poderes locais, foram apresentados dois trabalhos, um sobre as territorialidades e redes dos votos (eleições), bem como uma discussão numa perspectiva teórica sobre essas questões. Os espaços de múltiplas ações foram discutidos a partir da questão fundiária quilombola e, outro, sobre as questões socioespaciais e territoriais sobre a cultura juvenil. Por fim, a Geografia Política brasileira contemporânea abriu novas possibilidades analíticas para debates futuros. Considerando os trabalhos publicados e apresentados, os objetivos do Grupo de Trabalho “Por outra Geografia do Poder” foram alcançados, posto debater os conflitos e os consensos sobre o(s) território(s). Neste sentido, as discussões de poder apareceram em quatro trabalhos, as redes, em dois trabalhos e a questão do território, territorialização, identidade, espaço e lugar e questões sócio espaciais, foram debatidas em ___________________________________________________________ 153
________________________VII SIMPGEO________________________ sete explanações. Mas, a questão regional e local, além da multiterritorialidade, se fez presente em algumas pesquisas apresentadas. Desta forma, os coordenadores desse Grupo de Trabalho consideram que os objetivos foram alcançados, quando, a exemplo do SIMPGEO de Guarapuava (UNICENTRO), o de Maringá (UEM) também permitiu um avançar no GT, assim como nos grupos que estudam Geografia Política, Território, Poder e Conflito, nos programas de pós-graduação das instituições de ensino superior do Paraná. Porém, como avaliação crítica do Simpósio, há que se pensar e dividir o Grupo de Trabalho em dois ou mais momentos, gerando uma apresentação de no máximo cinco trabalhos por período, dilatando, desta forma, o espaço de discussão e a troca de informações entre os pósgraduando.
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GT 2 DINÂMICA POPULACIONAL, MOBILIDADE E MOBILIZAÇÃO Prof. Dr. Márcio Mendes Rocha Devido ao número reduzido de trabalhos enviados aos dois GT e também da proximidade dos temas houve a aglutinação dos GTs 2 e 14. Totalizando com isso 8 trabalhos que foram apresentados em 12 minutos. Por não ter ocorrido maiores atrasos e os apresentadores respeitarem o tempo estipulado, a coordenação dos trabalhos pôde apresentar uma síntese e abrir uma rodada de comentários e sugestões dos participantes em tempo hábil. O primeiro trabalho, apresentado por Poliana Poletto, intitulado O direito à cidade sendo proporcionado através da mobilidade urbana: estudo de caso da cidade de Pato Branco/PR”, discutiu o direito à cidade a partir do transporte público com um estudo de caso sobre a cidade de Pato Branco. Trata da problemática de mobilidade urbana e discute a “lei de mobilidade urbana”. Comenta a ausência do poder público em investimentos em transporte público, a cidade é pensada para o automóvel. Na cidade existem 2 automóveis para cada 3 pessoas. Se fundamente no conceito de segregação urbana para tratar da problemática da mobilidade urbana em Pato Branco - PR. O segundo trabalho, apresentado por Alexandre Luís Ponce Martins e Márcio Mendes Rocha, intitulado “Redes geográficas: uma abordagem para a mobilidade da força de trabalho - o caso da Balanças Jundiaí”, trata da articulação entre mobilidade e redes geográficas. Apresenta um estudo conceitual das redes, a partir de uma revisão ampla. Usa uma metodologia de análise desenvolvida por Roberto Lobato Correia. Para o estudo conceitual de mobilidade faz referência a Márcio Rocha. Seu estudo de caso trata da empresa “Balanças Jundiaí”, onde analisa a estrutura de implantação e assistência de balanças de grande porte, sua espacialidade e a estrutura em rede da empresa e seus fluxos. O terceiro trabalho, apresentado por Roberto Carlos Santos e Joyce Almeida Borges intitulado Legião Urbana: uma abordagem geográfica do espaço brasileiro (1977-1985)”, discutiu os conceitos de território, cultura e representação a partir da trajetória da banda musical “Legião ___________________________________________________________ 155
________________________VII SIMPGEO________________________ Urbana”, analisando o conteúdo das letras das músicas, tendo Renato Russo como referência. Disture o caráter político das letras e a influência que as mensagens tiveram na formação de várias gerações de jovens. Faz uma relação entre a banda e a organização do espaço, trabalha com o conceito de “representações sociais” via letras e performance das músicas. O quarto trabalho, apresentado por Felipe Rodrigues Macedo, intitulado “Dinâmica demográfica no período de 1970-2010 em Cidade Gaúcha – Paraná” é um estudo da dinâmica demográfica do município de Cidade Gaucha, resultado da disciplina de pequenas cidades ministrada no PGE/UEM. Avalia o êxodo rural. Estuda e analisa o programa “vilas rurais” e sua influência no incremento de população no município. Ques- tiona o rural das “vilas rurais”, pois estas estão próximas à malha urbana do município. O quinto trabalho de Gilmara Zakrzevsk e Karla Rosário Brumes, intitulado “Imigração polonesa: o sentimento identitário representado na paisagem de Irati” tratou do processo de imigração polonesa e o a partir do conceito de identidade da comunidade da cidade de Irati - Pr. Argumenta que se consolida um espaço com raízes culturais que incrementou o espaço e o lugar. Enfatizou a importância da religião como referência cultural. Comentou sobre a pesquisa informando que foram feitas entrevistas e levantamento de dados secundários. Contata que esta cultura reflete na paisagem urbana de Irati e que existe ainda uma resistência cultural por parte dos imigrantes poloneses. O sexto trabalho, apresentado por Francisco John Lennon Alves Paixão Lima, Roselaine Maria Castilho e Maria das Graças de Lima, trata da cidade de Apucarana-Pr. em seus aspectos turísticos, avaliando os atra- tivos turísticos da cidade, estuda a partir da perspectiva da paisagem de influência de Milton Santos. Tratalha a partir da abordagem da geografia cultural, pelo o método empírico, com ênfase na percepção, analisando duas categorias: o turismo natural e o turismo cultural. Focando o turis- mo visto pelos consumidores e pelos produtores. A necessidade de valo- rização do Rio Pirapó e sua importância turística. O sétimo trabalho, apresentado por Luciano Zanetti Pessôa Candiotto, intitulado “Levantamento dos atrativos turísticos de Apucarana PR. A territorialização do turismo rural no município de Francisco Beltrão, Paraná, Brasil” analisou a territorialização do turismo rural em Francisco Beltrão. A referência de sua investigação é o roteiro de turismo ___________________________________________________________ 156
________________________VII SIMPGEO________________________ rural “Caminhos do Marrecas”, onde constata pouca atenção por parte do poder municipal. O oitavo trabalho apresentado por Giuliano Torrieri Nigro, intitulado Turismo responsável como saída sustentável para a conservação socioambiental”, faz uma revisão bibliográfica sobre o conceito de “turismo sustentável” enfatizando o uso consciente do recurso turístico, discutiu o turismo como aliado ao combate à pobreza e à preservação, sua referência temporal é o período pós década de 50 do século passado, tratando do turismo de massa como recomposição da força de trabalho, como uma “válvula de pressão”. Tratou também, do impacto cultural que o turista ocasiona na comunidade, observando a mercantilização da cultura como um dos aspectos deste impacto. Finda a apresentação dos trabalhos, tivemos ainda cerca de 20 minutos para discussão e debate entre os presentes, avaliando, as relações entre os trabalhos, suas articulações e repercussões. Mesmo tratando de dois eixos aglutinados o grupo soube desfrutar dos trabalhos e tecer comentários pertinentes. Houve um bom número de perguntas aos apresentadores.
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GT 3 Educação geográfica, metodologias e formação de professores de Geografia1 Profa Dra Jeani Delgado Paschoal Moura (UEL) Prof. Dr. Claudivan Sanches Lopes (UEM) Não é possível preencher o fosso entre os discursos e as práticas se não houver um campo profissional autônomo, suficientemente rico e aberto. (NÓVOA, 2007, p.7) No Grupo de Trabalho “Educação geográfica, metodologias e formação de professores de Geografia” foram apresentadas pesquisas relacionadas ao Ensino de Geografia e formação para a docência, frutos de atividades realizadas na pós-graduação (stricto sensu) demonstrando o esforço dos pesquisadores em aprofundar os debates a partir dos avanços científicos deste campo do conhecimento. Na tentativa de traçar as principais linhas de pesquisa, buscou-se agrupá-las pelas problemáticas de estudo, indicando as principais tendências no conjunto das 18 pesquisas apresentadas. Um artigo resultou do levantamento, em 67 teses (2008-2012), sobre as linhas de pesquisa em Ensino de Geografia, cujas temáticas se voltam para a formação e saberes docentes, conteúdos geográficos, currículos, recursos didáticos e avaliação, em sua maioria concentradas na Região Sul e Sudeste. Outra pesquisa resgata os princípios básicos da escrita do texto científico, recuperando ideias norteadoras para o pesquisador iniciar o trabalho ‘artesanal’ de elaboração de textos claros e precisos, mantendo a leveza sem perder o seu teor científico. Sobre a formação inicial e continuada de professores de Geografia, cinco artigos discutem projetos colaborativos entre universidade e escola, com destaque para o Programa de Desenvolvimento Educacional/ PDE, Novos Talentos, Estágio Supervisionado, Programa Paraná Digital, apontando o fértil campo de 1 Professor Associado do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina – UEL. e-mail: fabioalvescunha@gmail.com
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________________________VII SIMPGEO________________________ pesquisa sobre a formação para a docência e a necessidade de superar a histórica dicotomia entre formação teórica e prática. Cinco pesquisas e uma preocupação em comum, qual seja, discutir a realidade vivida pelos escolares e indicar caminhos para a superação da Geografia academicista. Uma das pesquisas usa a representação imagética, via fotografia, para analisar as fronteiras vividas por alunos brasiguaios no interior das escolas do Brasil e do Paraguai, enquanto outro pesquisador realiza entrevistas, aplicação de questionários e registros fotográficos para capturar os dilemas e perspectivas da educação e o papel das lideranças na consolidação de escolas do campo. Neste bloco destacam-se ainda as pesquisas sobre: a multidimensionalidade do uso do jornal impresso para abordar eventos extremos do clima; a cartografia como linguagem mediadora que conduz à leitura e entendimento de mapas e; a dimensão conceitual e prática do currículo, este considerado o ‘coração’ da escola, quando colocado em ação. Embora diferenciadas em seu conteúdo, quatro pesquisas abordam a Educação Ambienta (EA): a primeira busca apreender a percepção ambiental dos alunos pelos conceitos de topofilia (afeto ao lugar) e topo- fobia (medo ao lugar); a segunda se debruça em Elisée Reclus (1830-1905) para descortinar o seu projeto de Educação pela Natureza; a terceira analisa a representatividade dos ICMS ecológicos e das ações implementadas com este recurso, defendendo a importância da EA na gestão dos recursos naturais, pelo potencial de instigar o engajamento da população nos projetos locais; a última pesquisa deste bloco discute a transversalidade entre a Geomorfologia, como ciência, e a EA, como metodologia, e sua aplicabilidade em alunos do ensino superior e da escola básica. Por fim, duas pesquisas convergem pelas propostas de leitura geográfica pelos alunos cegos e de baixa visão, abrindo um caminho importante para tratar da diversidade no âmbito da Geografia que se ensina. Com essa problemática, as pesquisas enfatizam a necessidade de produção de materiais didáticos alternativos que auxiliem na descrição e interpretação das paisagens a partir de outros referenciais além da visão, necessitando repensar novos sentidos para a apreensão e significação dos conceitos geográficos. Em suma, as pesquisas apresentadas demonstram a multidisciplinaridade em torno dos temas abordados e sinalizam os avanços da área de Ensino de Geografia, bem como as perspectivas ___________________________________________________________ 160
________________________VII SIMPGEO________________________ contemporâneas desse fértil campo de conhecimento. Assim, este espaço de diálogos se mostrou profícuo para se conhecer as tendências da produção científica e as perspectivas das pesquisas sobre o Ensino de Geografia na comunidade acadêmica, fortalecendo e aproximando a rede de pesquisadores desta área nas Instituições de Ensino Superior do Paraná.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA NÓVOA, Antônio. O regresso dos professores. Conferência: Desenvolvi- mento profissional de professores para a qualidade e para a equidade da Aprendizagem ao longo da Vida. Lisboa, 27 e 28 de Setembro de 2007. Disponível em: http://escoladosargacal.files.wordpress.com/2009/05/regressodosprofessoresantonionovoa.pdf Acesso em: 01 nov. 2014.
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GT 4 PROJETOS URBANOS, PLANEJAMENTO E GESTÃO DAS CIDADES EM VÁRIAS ESCALAS DE ANÁLISE (METRÓPOLE, MÉDIA E PEQUENA) Angela Maria Endlich Lisandro Pezzi Schmidt Sob o título indicado, realizou-se em Maringá-Pr, durante a VII edição do Simpgeo, um Grupo de Trabalho, com apresentação de 19 comunicações. Os trabalhos apresentados no conjunto revelaram grande diversidade temática, de enfoque e de escalas abrangidas. São trabalhos em diferentes etapas: tese já defendida, tese em andamento, o mesmo com as dissertações. O maior número de participantes eram mestrandos. De modo geral, são extremamente positivas essas sessões no Simpgeo porque permitem colocar em contato pessoas com pesquisas similares, portanto, favorecendo o debate e a troca de ideias, ainda que não durante a sessão, já que o tempo foi exíguo. Os temas contemplados trouxeram para a sessão as transformações da realidade urbana e a renovação constante que isso traz para a pauta de estudos na Geografia Urbana. As categorias e conceitos diversos abordados assim como os recortes espaciais aproximam os artigos da temática dessa edição do Simpgeo Multidisciplinaridades na pesquisa geográfica contemporânea. Dessa forma, o conjunto de trabalho desse Grupo de Trabalho não se distancia de tendências de estudos mais gerais, quer sejam iniciativas que assinalam dimensões atinentes ao desenvolvimento econômico e urbano e aquelas que enfocam a realização de políticas públicas e de seus resultados, envolvendo, por vezes, um ou mais municípios. Embora o tema proposto para o GT tenha sido anterior ao conhecimento dos trabalhos enviados, pode-se dizer que os trabalhos apresentados o contemplaram, pois todos possuem uma face direta ou indiretamente relacionada ao planejamento e gestão e trazem contribuições neste sentido. Dos dezenove trabalhos, oito contemplaram dimensões interurbanas, considerando conjuntos urbanos como os aglomerados e regiões metropolitanas, redes geográficas de modo geral, rede urbana e ___________________________________________________________ 163
_______________________VII SIMPGEO_______________________ seus polos, espacialização de atividades econômicas, ação de companhias colonizadoras e a criação de localidades na região Noroeste do Paraná, além de dois trabalhos que trouxeram o tema dos consórcios públicos como forma de organizar e viabilizar os serviços públicos: um com enfoque nos consórcios de saúde e o outro trata de tema muito recente sobre a regionalização proposta pelo Governo do Estado do Paraná para a constituição de consórcios intermunicipais para o tratamento de resíduos sólidos. Onze trabalhos correspondem a estudos intraurbanos com temas igualmente bastante diversos: arborização, verticalização, acessibilidade e planejamento urbano inclusivo em diferentes perspectivas, políticas habitacionais, mobilidade urbana, segregação sócio espacial e análise acerca dos interesses e da ideologia do capital imobiliário em empreendimentos urbanos. Os textos apresentados trazem dados diversos quanto a economia do Paraná, alguns organizados por municípios como PIB municipal, balança comercial dos municípios, entre outros. Igualmente, foram utilizados frequentemente dados demográficos. Portanto, foi notável o uso de dados secundários para os trabalhos; levantamentos extraídos da mídia impressa, especialmente jornais, quanto ao que ela trazia sobre determinado tema. Olhar para esses dados, informações e representações nos permitiu observar a diversidade de procedimentos metodológicos contemplados nos trabalhos. Por outro lado, compareceram levantamentos primários como espécies de árvores encontradas em determinada localidade, informações extraídas de entrevistas, além de sistematização de outras fontes utilizadas pelos trabalhos. Foi frequente o uso de imagens, especialmente de fotografias próprias, extraídas de propaganda de empreendimentos e imagens de satélite. Os mapas mais frequentes foram os de localização de áreas de estudo, alguns utilizaram plantas inteiras ou parciais das cidades analisadas, outros trouxeram mapas com regionalizações e esboços de redes geográficas. Esse GT reitera que não existe uma tendência para a Geografia Urbana, mas amplos e variados caminhos. Ainda que parcial, já que não estiveram no Simpgeo todos os doutorandos e mestrandos dos Programas de Pós-Graduação do Paraná, podemos dizer que os anais do evento nos permitem apreender o que tem comparecido a pauta de pesquisa, e com isso, os temas que vem sendo problematizados e abordados, bem como os procedimentos metodológicos dessas abordagens. Por isso, finalizamos convidando a leitura dos artigos e à sequência do debate por meio da publicação de novos trabalhos. ___________________________________________________________ 164
_______________________VII SIMPGEO_______________________ GT 5 EPISTEMOLOGIA DA GEOGRAFIA Rosana Figueiredo Salvi Sylvio Fausto Gil Filho A seção das apresentações iniciou-se no dia 30/10/2014, BL D-34/ SL 210 e seguiu pelo dia 31/10/2014, BL J-12/SL 01, no horário das 13h30 às 15h30, sendo as comunicações apresentadas na ordem: 1) Avaliando mudanças no campo do conhecimento geográfico, por Rosa- na Figueiredo Salvi. Apresentou a ideia de reticulação entre componentes da pesquisa geográfica para caracterizar diferentes Tradições de Pesquisa. 2) A natureza pela técnica: reflexões geográficas filosóficas a partir de um diálogo entre Aristóteles e Milton Santos, por Maurício Sérgio Bergamo e Fabrício Pedroso Bauab. Discutiu aspectos da natureza e do meio técnico-científico informacional a partir da análise dos conceitos aristotélicos de ato e potência. 3) A Geografia Medieval e o início da modernidade na geografia a partir do encontro ou descoberta da América, por Rodrigo Ferreira Lima. Enfatizou o processo de modernização da Geografia a partir das crônicas das Índias, do século XVI. 4) Território do futebol no Brasil, por Izac Oliveira Belino Bonfim e Miguel Bahl. Identificou o território do futebol concentrado nas regiões sudeste e sul, por meio da revisão de literatura e de dados comparativos do Campeonato Brasileiro Série A, nos dois últimos anos. 5) Notas didáticas e epistemológicas para o ensino e aprendizagem de geografia e geografia econômica, por Alceli Ribeiro Alves. Analisou as origens da Geografia Econômica em seus aspectos epistemológicos, entre o início e meados do século XX, à luz da contribuição dos teóricos da localização. 6)
A abordagem socioambiental na geografia brasileira: a
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_______________________VII SIMPGEO_______________________ gênese de uma nova corrente de pensamento?, por Leandro Rafael Pinto e Francisco de Assis Mendonça. Identificou elementos da epistemologia e da história da Geografia que caracterizam as bases da abordagem socioambiental, analisando a existência de um corrente de pensamento que possa ser denominada Geografia Socioambiental. 7) Construindo espaços entre: sexualidades, violência e segregação urbana, por Carlos Fabricio Havrechak, Mayã Polo Campos e William Hanke. Evidenciou a problemática entre ciência e conhecimento científico, relacionando o conceito de espaço ao pensamento sobre o corpo em relação à sexualidade dominante, aos atos de violência sexual e à homossexualidade em diferentes espaços urbanos. 8) Geografia quantitativa: considerações, por Paulo Afonso da Rosa. Discutiu a Geografia Quantitativa, marcada pela inserção de métodos estatísticos, equações matemáticas e princípios econômicos em suas pesquisas, caracterizando o movimento por utilizar uma nova forma de análise do espaço geográfico. 9) Reflexões epistemológicas para a pesquisa strictu sensu: em busca de um aparato teórico-metodológico, por Bruno Bonsanto Dias. Realizou uma análise do cooperativismo e da decorrente ação territorial de cooperativas agrícolas oriundas da imigração holandesa consolidadas no espaço da mesorregião Centro-Oriental do estado do Paraná. 10) Acórdãos implícitos na Cartografia: notas preliminares, por Estevão Pastori Garbin e Fernando Luiz de Paula Santil. Fez reflexões sobre o ordenamento da linguagem humana, relacionado com as representações cartográficas em contextos históricos distintos. 11) A paisagem como categoria de análise da ciência geográfica, por Diely Cristina Pereira e Maria Ligia Cassol Pinto. Refletiu, a partir de critérios de demarcação científica, acerca da Geografia e de suas temáticas procurando demonstrar a aptidão da abordagem geossistêmica como recurso metodológico para a área da Geografia Física. 12)
O hip-hop como forma simbólica, por Dalvani Fernandes.
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_______________________VII SIMPGEO_______________________ Apresentou o hip-hop, assim como a religião, como uma forma simbólica, pelo viés de Cassirer 13) Meio ambiente devastado como problema de conhecimento geográfico: “dissociação mítica” como modo de vida ocidental, por Zairo Carlos da Silva Pinheiro. Discutiu a lógica mítica, de base bíblica, presente na crise ambiental e na ideia de natureza. Resultado Embora os temas tenham sido bem diversificados, graças principalmente à efetiva intervenção do prof. Sylvio Fausto Gil Filho, que buscou aprofundar as discussões trazidas nas pesquisas, o grupo encontrou um ritmo de trabalho pautado na reflexão crítica respeitosa. Após cada apresentação faziam-se perguntas ou comentários que pudessem acrescer as apresentações em informações ou melhorá-las no seu conteúdo.
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_______________________VII SIMPGEO_______________________ GT 6
DINÂMINAS DA PAISAGEM E AS ABORDAGENS DA GEOGRAFIA FÍSICA Prof. Dr. José Edézio da Cunha (UNIOESTE/MCR); Profa Dra Rosemeri Segecin Moro (UEPG) Nos dois dias do evento estavam listados para apresentação 14 trabalhos, a saber: A BIOGEOGRAFIA DA FLORA DOS CAMPOS SULINOS: ESTADO DA ARTE de autoria de Marina Comerlatto da Rosa, Solange Burgardt e Rosemeri Segecin Moro; A VEGETAÇÃO NOS COMPARTIMENTOS DA PAISAGEM RIPÁRIA NOS CAMPOS GERAIS DO PARANÁ, BRASIL de autoria de Melissa Koch F. Souza Nogueira, Karla Thaís Barreto e Rosemeri Segecin Moro; ESTILOS FLUVIAIS E PROPOSTA DE MAPEAMENTO DA SENSITIVIDADE NA BACIA DO RIO SAGRADO (MORRETES/PR) de autoria de Monica Kleina e Leonardo José Cordeiro Santos; PATRIMÔNIO GEOMORFOLÓGICO: REVISÃO SOBRE CONCEITOS, MÉTODOS E APLICAÇÕES de autoria de Julio Manoel França da Silva e Chisato Oka Fiori; CARACTERIZAÇÃO MORFOESCULTURAL DO RELEVO E O USO DE GEOTECNOLOGIAS de autoria de Micheli Danzer e Vanda Moreira Martins; BIOGEOGRAFIA DE ILHAS E ECOLOGIA DA PAISAGEM: CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS de autoria de Adriano Ávila Goulart, Everton Passos e João Carlos Nucci; CONEC- TIVIDADE ESTRUTURAL ENTRE A FLORESTA NACIONAL DE PIRAÍ DO SUL E SEU ENTORNO, PARANÁ, BRASIL de autoria de Karina Ferreira Barros e Rosemeri Segecin Moro; ÁNALISE ISOTÓPICA (δ 13C) E DATAÇÃO 14C APLICADO A RECONSTRUÇÃO PALEOAMBIENTAL NA SUPERFÍCIE INCOMPLETAMENTE APLAINADA VI - CAMPO ERÊ (SC) de autoria de Fernanda Aparecida Cecchet e Marcia Regina Calegari; CARACTERIZAÇÃO DE LA- TOSSOLOS EM MARECHAL CÂNDIDO RONDON-PR de autoria de Luciane Marcolin e Marcia Regina Calegari; ANÁLISE ISOTÓPICA δ13C DE UM CAMBISSOLO HÚMICO EM ABELARDO LUZ-SC de autoria de Paula Louíse de Lima Felipe e Marcia Regina Calegari; O USO DA CARTOGRAFIA DIGITAL NO ESTUDO DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO ___________________________________________________________ 169
_______________________VII SIMPGEO_______________________ PERMANENTE de autoria de Paulo Afonso da Rosa, Fábio Marcelo Breunig e Roberto Cassol; MODELAGEM DA PRODUÇÃO DE SEDIMENTOS NA BACIA DO RIO DAS PEDRAS NO MUNICÍPIO DE GUARAPUAVA PARANÁ de autoria de Rafael Adriano de Castro; O ESTUDO PEDOGEOMORFOLÓGICO NA EVOLUÇÃO DA PAISAGEM GEOMORFOLÓGICA: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA de autoria de Karla Thais Barreto e Maria Ligia Cassol Pinto. Foi estipulado pelos professores responsáveis do GT 6 que os trabalhos teriam aproximadamente de 10 minutos de apresentação e que somente no final das apresentações ocorreriam as discussões. No dia 30 de outubro de 2014, os trabalhos foram iniciados às 13h30min, na sala 212 do bloco D-34. Após verificação dos presentes foi diagnosticado a falta de autores do trabalho PATRIMÔNIO GEOMORFO LÓGICO: REVISÃO SOBRE CONCEITOS, MÉTODOS E APLICAÇÕES de autoria de Julio Manoel França da Silva e Chisato Oka Fiori. Também ocorreu a solicitação da Karla Thais Barreto sobre a possibilidade de antecipação da sua apresentação do trabalho O ESTUDO PEDOGEOMORFOLÓGICO NA EVOLUÇÃO DA PAISAGEM GEOMORFOLÓGICA: UMA REVISÃO BIBLIO GRÁFICA de autoria de Karla Thais Barreto e Maria Ligia Cassol Pinto, agendado para o dia 31 de outubro de 2014. Esta solicitação de antecipação foi entendida devido a falta de autores para apresentação de um dos trabalhos. Como os três primeiros trabalhos A BIOGEOGRAFIA DA FLORA DOS CAMPOS SULINOS: ESTADO DA ARTE; A VEGETAÇÃO NOS COMPARTIMEN- TOS DA PAISAGEM RIPÁRIA NOS CAMPOS GERAIS DO PARANÁ, BRASIL e O ESTUDO PEDOGEOMORFOLÓGICO NA EVOLUÇÃO DA PAISAGEM GEOMORFOLÓGICA: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA, tratavam de pesquisas iniciais (revisão bibliográfica), não foi possível o aprofundamento das discussões. Apenas ocorreram apontamentos sobre a necessidade das pesquisas terem um caráter teórico e metodológico mais geográfico. O trabalho denominado de ESTILOS FLUVIAIS E PROPOSTA DE MAPEAMENTO DA SENSITIVIDADE NA BACIA DO RIO SAGRADO (MORRETES/PR) também não permitiu discussão porque foram apresentados resultados do trabalho de conclusão de curso da mestranda e uma proposta de continuidade no mestrado, ou seja, também um trabalho inicial. O trabalho CARACTERIZAÇÃO MORFOESCULTURAL DO RELEVO E O USO DE ___________________________________________________________ 170
_______________________VII SIMPGEO_______________________ GEOTECNOLOGIAS, também não proporcionou maior discussão, uma vez que estava voltado para a importância da aplicação dos conteúdos de geotecnologias, sem apresentar maiores resultados. O trabalho CONECTIVIDADE ESTRUTURAL ENTRE A FLORESTA NACIONAL DE PIRAÍ DO SUL E SEU ENTORNO, PARANÁ, BRASIL, único trabalho do dia em estagio mais evoluído, apresentou uma análise de conectividade da Unidade de Conservação com seu entorno utilizando cartografia temática aliada a classificação de unidades de paisagem. No dia 31 de outubro, às 13h30min, na sala 12 do bloco J12, foram apresentados os seguintes trabalhos ÁNALISE ISOTÓPICA (δ 13C) E DATA- ÇÃO 14C APLICADO A RECONSTRUÇÃO PALEOAMBIENTAL NA SUPERFÍCIE INCOMPLETAMENTE APLAINADA VI - CAMPO ERÊ (SC); CARACTERIZAÇÃO DE LATOSSOLOS EM MARECHAL CÂNDIDO RONDON-PR; ANÁLISE ISOTÓ- PICA δ13C DE UM CAMBISSOLO HÚMICO EM ABELARDO LUZ-SC. Esses três trabalhos, por fazerem parte de um projeto maior e com resultados, possibilitaram melhor discussão, particularmente sobre o emprego de conceitos, teóricos e metodológicos utilizados. Enquanto que o trabalho PATRIMÔNIO GEOMORFOLÓGICO: REVISÃO SOBRE CONCEITOS, MÉTODOS E APLICAÇÕES, também constituía uma avaliação de literatura, em- bora tenha sido indicado pelo autor apresentador como o resultado de sua tese, próxima do exame da qualificação, o que também não possibilitou muita discussão por falta de apresentação de dados.
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GT 7 BACIAS HIDROGRÁFICAS EM ESCALAS DE ANÁLISE DIFERENCIADAS EM ÁREAS URBANAS E RURAIS Profa. Dra. Maria Teresa de Nóbrega Profa. Dra. Vanda Moreira Martins Os trabalhos abordam, via de regra, a caracterização do uso da terra e as relações com outros elementos e/ou processos atuantes na bacia hidrográfica ou em determinados setores, geralmente a alta bacia. Os dez (10) trabalhos apresentados dividem-se em cinco (05) temas principais: - três (03) trabalhos priorizaram as relações entre o uso da terra e a observância da legislação ambiental, tanto no espaço rural quanto no urbano, detectando as áreas de conflito. Um deles avançou na análise ambiental adaptando uma metodologia para a determinação de suscetibilidade à erosão; - três (03) trabalhos procuraram caracterizar o comportamento hídrico dos solos e/ou vertentes, associando-o com as classes de solos, uso da terra e as suas influências na suscetibilidade aos processos erosivos e na vazão dos cursos d’água; - dois (02) trabalhos focaram as relações entre o uso da terra e os sedimentos que chegam até aos corpos hídricos. Um analisa o depósito tecnogênico em lago situado no interior de um parque e outro, os sedimentos em suspensão no leito de um córrego; - um (01) trabalho abordou a caracterização da qualidade da água pro- curando relacionar a influência das precipitações nas variáveis medidas; - um (01) trabalho apresentou uma avaliação da degradação ambiental em áreas de cabeceiras com uso rural, mas com um setor sob influência direta do uso urbano. A avaliação baseou-se em inventário e ponderação de observações de elementos e fenômenos em campo, chegando a um índice que indica o grau de preservação de cada nascente. ___________________________________________________________ 173
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GT 8 ÁREAS VERDES: LEGISLAÇÃO, GESTÃO, DEGRADAÇÃO, DIAGNÓSTICO E ANÁLISE Edson dos Santos Dias1 Os temas abordados nos nove trabalhos apresentados durante o GT Áreas Verdes, mostram-se coerentes com a proposta que deu origem ao grupo de trabalho. Os resultados dos estudos expostos no GT, versam, predominantemente, sobre a análise da legislação, gestão e/ou diagnóstico de determinado contexto de áreas preservadas, como pode ser observado pelos títulos das pesquisas que se encontram em diferentes fases de desenvolvimento: 1 - Legislação ambiental e a viabilidade do uso de agroflorestas em áreas de preservação permanente e reserva legal; 2 Avaliação contingente em áreas verdes urbanas: perspectivas de aplicação no Parque do Ingá, Maringá-PR; 3 - O novo código florestal e as áreas de preservação permanente (APP) dos córregos urbanos; 4 - As praças na cidade de Ponta Grossa-PR: espacialização, morfologia, tipologia e funcionalidade; 5 - O planejamento da arborização urbana na cidade de Maringá – PR; 6 - Cobertura da terra e qualidade ambiental urbana da regional Cajuru – Curitiba/PR; 7 - Análise da paisagem nos parques de Apucarana/ PR; 8 - Es- paços livres em Ponta Grossa-PR: mapeamento e quantificação; 9 - MDT (modelo digital do terreno) hidrologicamente consistido e levantamento expedito de solos como subsídio para a delimitação de área úmida. As pesquisas mencionadas tratam de estudos de casos de diferentes localidades do Paraná. Aliás, cumpre destacar que o Estado do Paraná, ao longo do século passado, passou por um intenso e relativamente rápido processo de desmatamento em todo o seu território. Conforme mapeamento realizado em 2003, dados disponibilizados demonstram que a cobertura florestal natural do Paraná era de 18%, sendo cerca de 10% com florestas bem conservadas2.
¹ Prof. do curso de Mestrado em Geografia da UNIOESTE/Campus de M.C.Rondon. 2 SANQUETTA, Carlos R. Os números atuais da cobertura florestal do Paraná. Curitiba: UFPR, 2003.
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________________________VII SIMPGEO________________________ Para preservar parte dessa floresta restante, atualmente são utilizados instrumentos de regulação fiscal (incentivo através do ICMS Ecológico) e jurídica – reserva legal; área de preservação permanente (APP) e criação de unidades de conservação. Um argumento que vem encontrando cada vez mais acolhida entre pesquisadores e responsáveis pela administração de áreas protegidas é a necessidade de composição de um sistema de áreas naturais protegidas, se possível, em escala nacional (ou mesmo internacional), onde as diferentes modalidades interagiriam como um conjunto permitindo, inclusive, a troca genética entre os seres vivos dessas áreas. Trata-se de uma tentativa de romper com a prática de composição de áreas naturais conservadas de forma isolada que contradizem a própria dinâmica ecossistêmica. No ano de 2000, foi aprovada a Lei nº 9.985, que instituiu o SNUC - Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, em seu conjunto, nas esferas - federal, estadual e municipal. Trata-se do principal dispositivo legal voltado para a formalização de diferentes modalidades de unidades que poderiam vir a compor um sistema nacional. A aprovação dessa Lei representou um avanço dentro do marco jurídico que dispõe sobre as áreas de proteção ambiental no país, em especial por uniformizar legalmente a regulação das diversas modalidades de unidades de conservação, que antes se encontrava dispersa em várias leis. Procurava-se, ainda, evitar a multiplicação desordenada e sem objetivos claramente definidos de modalidades de unidades de conservação criadas pela União, Estados e Municípios. Qualquer proposta de implementação de uma política nacional para as áreas protegidas exige o conhecimento da situação dessas áreas (quantitativa e qualitativamente), assim como a identificação dos motivos e critérios que levaram a sua conservação. Por isso, a relevância de estudos sobre as áreas protegidas como os presentes no referido GT. Ainda no que se refere à legislação voltada às áreas protegidas e sua aplicação, foi dado destaque para o novo Código Florestal brasileiro - Lei 12.651/2012. Esta Lei possui um grande potencial de pesquisas, por três razões específicas: 1) Pela particularidade do momento que se reveste na recente aprovação deste Código (em substituição ao Código Florestal de 1965) e a necessidade de verificar a sua aplicação, tendo-se a oportunidade de acompanhar a mudança e implementação dessa Lei desde o seu começo; ___________________________________________________________ 176
________________________VII SIMPGEO________________________ 2) Pela importância que representa o Código Florestal para questões que envolvem a produção agrícola e o meio ambiente, constituindo-se em legislação estratégica no que se refere à gestão ambiental, à política flores- tal e à produção econômica do país - vide a polêmica que envolveu a sua recente aprovação, explicitando os interesses envolvidos; 3) A potencialidade de estudos de cunho geográfico deste Código, que trata sobre o uso/gestão do território a partir de normativas ambientais. Questões socioambientais e territoriais formam o corpo da Lei e é essa mediação a partir de um referencial da Geografia que se mostra enquanto potencial para pesquisas desenvolvidas na pósgraduação em Geografia. Em alguns estudos expostos no GT, identificamos iniciativas da análise dessa Lei a partir de uma contribuição da Geografia, pondo em evidência várias possibilidades de pesquisas que podem emergir sobre o assunto.
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GT 9 ANÁLISE GEOMORFOLÓGICA EM DIFERENTES PERÍODOS DO TEMPO GEOLÓGICO GT 10 DINÂMICAS ATMOSFÉRICAS PRETÉRITAS E PRESENTES E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA PAISAGEM Prof. Dr. Mauro Parolin (UEM) Profa. Dra. Márcia Regina Calegari (UNIOESTE/FB) Os GT’s 9 e 10 , “Análise geomorfológica em diferentes períodos do tempo geológico” e “Dinâmicas atmosféricas pretéritas e presentes e suas consequências na paisagem”, respectivamente, realizados no dia 31 de outubro (sexta-feira), reuniram cinco trabalhos, sendo quatro do GT 9 e um do GT10, cujos autores não compareceram para apresentação. Os trabalhos “Identificação de anomalias de drenagem na bacia do Rio Sabão (PR) por meio de índice RDE e do fator de simetria topográfica transversal (FSTT)” (Idjarrury G. Firmino – UEM) e “Correlação morfoestrutural da rede de drenagem na bacia do alto curso do rio Pitangui – Paraná” (Karen Apda. de Oliveira e Maria Ligia C. Pinto – UEPG) permitiram um debate sobre o uso da técnica de RDE e a aplicação dos resultados desse tipo de estudo para o entendimento da dinâmica da paisagem na unidade de paisagem compreendida pela bacia hidrográfica. Os dois trabalhos apresentaram objetivos, métodos e área bem definidos e, por já serem pesquisas em estado adiantado, apresentaram resultados já com discussões e interpretações substanciais. Os trabalhos “Paleoincêndios indicados por micropartículas de carvão depositados em planícies aluviais – Campo Mourão /PR” (Daian- ne Patrícia P. T. Ladchuv e Mauro Parolin) e “Primeiras considerações so- bre sílica biogênica na carga suspensa do Rio Mourão-PR” (João Claudio A. dos Santos, Mauro Parolin e Nelson V. L. ___________________________________________________________ 179
________________________VII SIMPGEO________________________ Gasparetto) abordam temática voltada aos estudos de reconstrução (paleo)ambiental. A partir desses trabalhos foi realizada discussão sobre os protocolos adotados para esses estudos e sobre os cuidados com a interpretação dos resultados obtidos. Também foi discutido sobre a extrapolação dos resultados dessas pesquisas, como subsídios para estudos de reconstrução que estão sendo desenvolvidos pelo grupo. Os dois trabalhos estão em fase inicial, assim, os resultados obtidos ainda são preliminares, porém muito promissores.
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GT 11 GEOTECNOLOGIAS APLICADAS À PESQUISA GEOGRÁFICA Prof. Dr. Tony Vinicius Moreira Sampaio (UFPR) Seis trabalhos foram inscritos para o GT 11 do VII SIMPGEO 2014, sendo que destes quatro foram apresentados oralmente. Os trabalhos apresentam abordagem em técnicas de Sensoriamento Remoto e uso de modelos digitais de elevação. Três dos quatro trabalhos apresentam ênfase no uso de técnicas de Sensoriamento Remoto para mapeamento do uso da terra e materiais em suspensão na água, sendo um deles, um artigo de revisão sobre o uso do SR para avaliação da carga de material em suspensão em rios da Amazônia, dois sobre a elaboração de mapas de uso e ocupação obtidos a partir de técnicas de PDI e, um sobre os efeitos da variação da resolução sobre os atributos extraídos de MDE. A seguir são apresentados os títulos, autores e um resumo sintético dos temas apresentados. O primeiro trabalho: Estimativa da concentração de sedimentos suspensos em rios amazônicos via sensoriamento remoto: revisão crítica, cujos autores são: Otávio Cristiano Montanher (Doutorando em Geografia pelo Programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá – PR) e Edvard Elias de Souza Filho (Professor do Departamento de Geografia da Universidade Estadual de Maringá – PR), apresenta uma revisão dos trabalhos que utilizaram sensoriamento remoto para o estudo quantitativo da carga suspensa de grandes rios amazônicos. As principais observações são sobre a presença de duas abordagens distintas para a estimativa da concentração de sedimentos suspensos, uma que utiliza o modelo linear de mistura espectral e a outra baseia-se em princípios estatísticos de regressão e, que os dados do sensor MODIS são mais utilizados que Landsat. O segundo trabalho: Análise comparativa entre modelos digitais de elevação com distintas características de processamento e aquisição, cujos autores são: Ricardo Michael Pinheiro Silveira (Mestrando em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e, Claudinei Taborda da Silveira (Professor do Departamento de Geografia da Universidade Fe- deral do Paraná), discute limitações e potencialidades da modelagem seus efeitos nos produtos derivados. O trabalho analisa ___________________________________________________________ 181
________________________VII SIMPGEO________________________ diferenças entre MDEs com distintas características de aquisição, relativos a porção central da Serra do Mar no Paraná. avalia os efeitos da variação da resolução horizontal (5, 10, 15 e 20 metros) sobre valores de elevação e atributos topográficos, evidenciando as discrepâncias entre os MDEs e a necessidade de critérios metodológicos para emprego dos mesmos. O terceiro trabalho: Uso e ocupação da terra da bacia hidrográfica do pitangui mediante classificação supervisionada pelo algoritmo support vector machine, de autoria de Dinameres Aparecida Antunes (Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Ponta Grossa – PR) e Selma Regina Aranha Ribeiro (Professora da Universidade Estadual de Ponta Grossa – PR), estima e compara os usos e ocupações da terra na bacia hidrográfica do Pitangui entre os comparti- mentos geomorfológicos do Primeiro Planalto Paranaense, Escarpa Devoniana, e Segundo Planalto Paranaense, com intuito de compreender quais usos dominantes em cada compartimento. Utiliza a classificação digital supervisionada com o algoritmo Support Vector Machine identificando as classes: solo exposto, área urbana, sombra, cobertura florestal, reflorestamento, agricultura e vegetação rupestre e afloramentos rochosos. Constata que o algoritmo foi eficiente e teve boa acuracidade a partir da matriz de confusão e índice kappa. O quarto trabalho: Avaliação integrada de dados qualitativos e quantitativos para classificação de uso da terra usando imagens ladsat-5 tm e alos, dos autores: Graziela Maziero Pinheiro Bini (Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Ponta Grossa – PR), Selma Regina Aranha Ribeiro (Professora do Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Ponta Grossa – PR) e Dinameres Aparecida Antunes (Mestranda pelo Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Ponta Gros- sa – PR), compara métodos quantitativos e qualitativos para classificação do uso da terra, relacionando vantagens e desvantagens dos métodos de acordo com a realidade de campo. A área de estudo foi as microbacias fluviais do Belchior, Sertão e Porto Arraial, localizadas no município de Gaspar no médio vale do rio Itajaí-Açu, Santa Catarina. A classificação foi feita no programa “Envi 7”, utilizando o Método da Verossimilhança, sobre imagens Landsat-5TM de 2009. A avaliação dos resultados foi feita com apoio em trabalhos de campo, os quais permitiram concluir que as diferentes técnicas fornecem informações de ___________________________________________________________ 182
________________________VII SIMPGEO________________________ uso da terra que se complementam e que mesmo com resoluções espaciais distintas, os resultados das duas classificações foram semelhantes.
Avaliação Os trabalhos apresentaram viés da pesquisa na área de Sensoriamento Remoto, apresentam bom nível de profundidade, compatível com o nível de pesquisa desenvolvida (mestrado e doutorado), empregam recursos tecnológicos tradicionais e atuais e, demonstram o elevado grau de maturidade da pesquisa em Geografia no estado do Paraná, em especial aquela relativa ao uso de Geotecnologias.
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GT 12 GEOGRAFIA, TERRITÓRIO E QUESTÃO AGRÁRIA Eliane Tomiasi Paulino (UEL) Roseli Alves dos Santos (Unioeste/Francisco Beltrão) Dentre os trabalhos inscritos no GT Geografia, território e questão agrária, os temas mais recorrentes foram: escolas rurais, cooperativismo, populações tradicionais, sistemas agrícolas de integração e gênero, tendo predominado enfoques que lançam mão de concepções de desenvolvimento rural e mais amplamente da questão agrária. Em regra, o Paraná consistiu no principal recorte espacial, tratado desde a perspectiva da divisão político-administrativa do estado ou recortes sub regionais.O tema cooperativismo foi tratado a partir de um recorte histórico em que se privilegiou a temporalidade da expansão do complexo agroindustrial cooperativo no estado do Paraná. Os faxinais também foram objeto de estudo em destaque no GT, sendo oportuno destacar as discussões atreladas à constituição e reconhecimento desses territórios, e que evocam ferramentas conceituais caras à Geografia, como o conflito e as tensões territoriais dando o tom das resistências que eclodem contra o modelo homogeneizantee hegemônico, brandido como a única saída aos que vivem no campo. Nessa linha problematizadora, o próprio conceito clássico de desenvolvimento foi colocado em questão. O tema quilombos apareceu em dois trabalhos, nos quais se deu destaque ao problema da ressemantização que, menos que uma questão formal, revela as disputas políticas que fundam os parâmetros jurídico institucionais favoráveis ao seu reconhecimento e visibilidade. Na problematização do tema, o conceito de território ganhou centralidade, malgrado conotações distintas advindas de diferentes marcos teóricos evocados para instrumentá-lo nas respectivas pesquisas. Inclusive ambas sinalizam para duas frentes conflitivas: 1com os proprietários privados, em vista do cenário de ampliação das monoculturas e das ameaças que isso representa às territorialidades quilombolas; ___________________________________________________________ 185
________________________VII SIMPGEO________________________ 2com o Estado, sobretudo nos casos decriação de Unidades de Conservação que, não raro, inauguram dinâmicas territoriais confrontantes ao modo de vida secular dessas comunidades. A centralidade na relação campo-cidade apareceu no trabalho que procura projetar a importância de compreender o modo de vida rural em áreas em que eles atualmente se revelam vulneráveis, em vista da expansão da agricultura tecnificada de escala. Coerente com os parâmetros teóricos da corrente do Desenvolvimento Rural, subjacente ao texto há uma dimensão prescritiva que aposta no capital social, na auto organização e gestão comunitária de eventuais recursos potenciais das comunidades rurais, renunciando de certa forma à questão agrária como fio condutor do texto. Reflexões sobre políticas públicas também comparecem no GT, entretanto sem nenhum corte específico, o que confere um caráter panorâmico descolado das implicações territoriais que, a nosso ver, dever ser a tarefa primaz da Geografia. Em vista disso, por vezes o conceito de território evocado é o que se toma de empréstimo de economistas e de cientistas políticos. Em linhas gerais, embora as principais categorias de análise da ciência geográfica tenham sido evocadas nos trabalhos, a diversidade dos propósitos com que foram produzidas, como artigos finais de disciplina, projetos, levantamento preliminar de dados, culminaram em uma tendência de análises territoriais por vezes fragmentadas, por vezesfrágeis. Isso que merece uma problematização mais cuidadosa da comunidade geográfica em ação no Paraná talvez possa ser parâmetro para a estruturação do próximo SIMPGEO, pois a dinâmica de apresentação de trabalhos com tempo restrito (não superior a 15 minutos), limita o debate, diluindo assim os esforços no sentido de ter no evento uma oportunidade de verticalização das discussões com a necessária qualificação capaz de emergir das interlocuções e mesmo das discordâncias teóricas. A nosso ver, é chegada a hora de o SIMPGEO rever a concepção de Grupos de Trabalho, até agora calcados na apresentação individual de trabalhos, por vezes de projetos ou mesmo intenções de pesquisa. Não seria oportuno construir proposições em que em seu lugar tenhamos espaços coletivos de formação teórica, a partir de conceitos e teorias fundamentais a cada subárea do conhecimento a que nos dedicamos? Não seria pertinente uma proposição em que ao invés de trabalhos apresentados ___________________________________________________________ 186
________________________VII SIMPGEO________________________ individualmente, os participantes, a partir dos respectivos trabalhos, ela borassem questões problematizadoras a serem debatidas com o coletivo, a partir da coordenação de um grupo de professores orientadores dos Programas dedicados às respectivas temáticas. Em aberto a discussão, sempre na perspectiva de avançar....
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GT 13 GEOGRAFIA DA SAÚDE Prof ª Drª Maria Eugenia Moreira Costa Ferreira Monitoria: Sandra Carbonera Yokoo O grupo reuniu-se com os seguintes membros e respectivos trabalhos: PEDRO DIAS MANGOLINI NEVES – Caracterização dos pacientes intoxicados por agrotóxicos do Centro de Controle de Intoxicação de Maringá -2007-2011. SUELEN TERRE DE AZEVEDO e Edson Belo Clemente de Souza – Políticas de integração social: a saúde nos limites de fronteira do Oeste Paranaen- se. LAÉRCIO VOLOCH – Expansão urbana e acidentes de trânsito no Brasil: observações preliminares. SANDRA CARBONERA YOKOO e MARIA EUGENIA MOREIRA COSTA FERREIRA - Reflexões sobre o conceito de espaço geográfico sobre a propagação de algumas doenças endêmicas no Brasil. GINA AMÉLIA ALBINO SITOE – Riscos e vulnerabilidade à malária na pro víncia de Zambezia–Moçambique. NAIBI SOUZA JAYME - Espacialização dos casos de neoplasias: Linfoma Ho- dgnkin e Não Hodgnkin na Macrorregional de Saúde do Norte do Estado do Paraná entre 2001 e 2011. A primeira a apresentar o trabalho inscrito foi Suelen Terre de Azevedo, que tratou da importância de um sistema – SIS Fronteira – para gerenciar os serviços de saúde nas áreas fronteiriças e para promover a integração entre a população brasileira, paraguaia e “brasiguaia”. Ressaltou que há uma tendência à concentração de atendimentos no território brasileiro, sendo a maior facilidade de acesso a principal causa.
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________________________VII SIMPGEO________________________ Laércio Voloch expôs o trabalho sobre a expansão urbana na cidade de Londrina e o problema dos acidentes de trânsito. Levantou como um agravante do elevado número de ocorrências o fato de o transporte coletivo não acompanhar o crescimento demográfico e urbano e também o aumento da frota de veículos, tornando a população vulnerável e mais exposta aos acidentes de trânsito. Gina Amélia Albino Sitoe expos o seu trabalho sobre malária em Moçambique, ressaltando que, na África, as condições climáticas são importantes na proliferação do vetor e, consequentemente, na intensificação da transmissão, estando a distribuição atual da enfermidade ainda bastante condicionada ao fator climático. Porém, há a questão da vulnerabilidade social desigual, principalmente nos bairros mais populosos, de maior densidade demográfica e de população de menor poder aquisitivo, com residências mais simples, menos saneamento e mais problemas ambientais, caracterizando aspectos socioambientais a serem resolvidos. Ressaltou que a malária deixa de ser uma doença preferencialmente associada ao meio rural, grassando ativamente no meio urbano. Tratou de questões políticas locais, em que o antigo governo de base mais socialista empreendia uma atividade de “limpeza do bairro”, aos sábados, envolvendo a população local. Depois de o presidente socialista ter sido assassinado e com a mudança para um governo de posição política capitalista esse programa deixou de ser desenvolvido, agravando-se as condições sanitárias nos bairros mais pobres, com maior quantidade de lixo nas ruas e quintais, o que favoreceu a proliferação dos mosquitos anofelinos e o aumento da transmissão da malária. Pedro Dias Mangolini Neves associa, em sua pesquisa, o envenenamento por agrotóxicos às atividades ocupacionais das pessoas envolvidas nas atividades agrárias. Salientou a importância da sazonalidade, pois em certas épocas do ano a aplicação de agrotóxicos é mais intensa e a contaminação do trabalhador rural é mais provável. Tratou, ainda, dos problemas de depressão associados ao envenenamento cumulativo por agrotóxicos, muitas vezes sendo a origem de casos de suicídio. Sandra CarboneraYokoo fez uma explanação sobre as relações sobre as características do espaço geográfico e a ocorrência de doenças endêmicas no Brasil. Salientou que a interdisciplinaridade e a multidisciplinaridade são importantes na solução dos problemas de saúde ___________________________________________________________ 190
________________________VII SIMPGEO________________________ coletiva, podendo a Geografia contribuir com o conhecimento espacial para o controle de doenças endêmicas. Finalmente, Naibi Souza Jaime levantou uma questão nova sobre as neoplasias, que deixam de ser consideradas como doenças de causas predominantemente genéticas e/ou degenerativas, ressaltando a importância de condições ambientais, externas, na ocorrência do tumor Não Hodgnkin, que pode ser associado à contaminação por agrotóxicos. Resumindo, podem-se identificar três grandes linhas de discussão neste GT-13: 1ª – A importância das políticas públicas, particularmente abordadas nos casos do gerenciamento dos serviços de saúde nas áreas de fronteira entre o Brasil e países vizinhos, do controle da malária urbana em Zambezia-Moçambique e dos transportes urbanos. A Geografia aparece com um instrumental importante no equacionamento de problemas espaciais de saúde. 2ª – O problema das doenças transmissíveis, principalmente daquelas que envolvem vetores, como a malária, a dengue, dentre outras, e as suas relações tradicionais com as condições climáticas predominantes nas regiões tropicais. Porém, os aspectos socioeconômicos e socioambientais parecem ter cada vez mais importância no entendimento dos problemas relacionados às doenças transmissíveis. 3ª –A necessidade de controle maior das chamadas “causas externas”, isto é, da ocorrência de enfermidades ou riscos que, a rigor, são evitáveis. Estão neste caso os problemas relacionados aos agrotóxicos, causas de envenenamentos agudos ou não agudos (cumulativos) no organismo e também associados à ocorrência de neoplasias, e os riscos do trânsito urbano, do excesso de veículos e da vulnerabilidade maior de ciclistas e motociclistas, nas cidades onde o transporte coletivo não acompanhou o crescimento urbano, com o consequente aumento da frota de veículos de uso particular e individual.
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GT 14 GEOGRAFIA E TURISMO Prof. Dr. Luciano Zanetti Pessoa Candiotto (UNIOESTE/FB) Em virtude da pouca quantidade de trabalhos inscritos no GT 14 – Geografia e Turismo, a comissão organizadora do VII SIMPGEO uniu os trabalhos desse GT com os do GT 2 - Dinâmica populacional, mobilidade e mobilização. O Grupo de Trabalho (GT) “Geografia e Turismo” teve três LEVANTAMENTO DOS ATRATIVOS TURÍSTI- COS DE APUCARANA-PR
Francisco John Lennon Alves Paixão Lima, Roselaine Maria Castilho e Maria das Graças de Lima A TERRITORIALIZAÇÃO DO Luciano Zanetti Pessôa TURISMO RURAL NO MUNICÍPIO DE Candiotto FRANCISCO BELTRÃO, PARANÁ, BRASIL TURISMO RESPONSÁVEL COMO Giuliano Torrieri Nigro SAÍDA SUSTENTÁVEL PARA A CONSERVAÇÃO SOCIO- AMBIENTAL trabalhos inscritos e apresentados, com os seguintes títulos e autores: O primeiro trabalho foi apresentado por Francisco Lima, discente do Programa de Mestrado em Geografia da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Trata-se de um levantamento dos atrativos turísticos de Apucarana-PR, realizado a partir de um trabalho de campo dentro de uma disciplina do Programa (Teoria da Paisagem). No artigo, os autores apresentam dados e imagens sobre os atrativos turísticos do município com destaque para parques e praças públicos e discutem alguns impactos ambientais visíveis durante a atividade de campo, como ocupação de nascente e despejo irregular de resíduos sólidos (lixo). Na apresentação, Francisco afirmou que sua área de pesquisa é Geografia Cultural e Religião e que entendia a paisagem na perspectiva de Milton Santos, como algo visível e interpretado pelo olhar do sujeito. Ele ___________________________________________________________ 193
________________________VII SIMPGEO________________________ faz uma caracterização do município, destacando que o Rio Pirapó, que passa pela cidade de Apucarana, é manancial de abastecimento da cidade de Maringá; que há um interesse da prefeitura em investir no turismo e que os parques criados, com apelo ao natural e ao religioso, são parte dessa estratégia. O segundo trabalho foi apresentado por Luciano Z. P. Candiotto, docente do Programa de Mestrado em Geografia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), campus de Francisco Beltrão-PR. Trata-se de um debate sobre o processo de territorialização do turismo rural no município de Francisco Beltrão, fundamentado teoricamente em sua tese de doutorado (CANDIOTTO, 2007). Para a produção do artigo foram utilizados dados de pesquisas orientadas e desenvolvidas pelo professor, permitindo um resgate da trajetória de abertura de estabelecimentos rurais à visitação desde o final da década de 1990. Além do debate teórico sobre o processo de territorialização do turismo, foram identificadas as seguintes ações que contribuíram para a territorialização do turismo rural em Francisco Beltrão: 1) abertura de estabelecimentos rurais para visitação por iniciativa do proprietário e em virtude de uma demanda local existente; 2) atuação de uma funcionária da Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), escritório de Francisco Beltrão, no apoio e organização do turismo rural; 3) formação do Grupo de Turismo Rural do município, composto por proprietários de estabelecimentos rurais que ofertam atividades de lazer e turismo e pela técnica da EMATER; 4) Criação do Roteiro de Turismo Rural “Caminhos do Marrecas”, com apoio da Prefeitura Municipal, EMATER local, Secretaria de Turismo do Estado do Paraná (SETU) e proprietários de estabelecimentos rurais que compõem o Grupo de Turismo Rural. Apesar da institucionalização do roteiro de turismo rural, o autor conclui que a territorialização do turismo rural em Francisco Beltrão ainda é incipiente, assim como as implicações socioespaciais dessa atividade no município. No plano dos estabelecimentos rurais, a territorialização do turismo rural bem como as territorialidades provenientes do envolvimento das famílias com o turismo, se manifestam de forma variada. Aqueles estabelecimentos mais consolidados e com maior fluxo de visitantes acabam passando por mudanças mais significativas, seja no plano material, econômico, produtivo e cultural. Por outro lado, existem estabelecimentos onde o lazer e o turismo são menos relevantes em ___________________________________________________________ 194
________________________VII SIMPGEO________________________ termos de ocupação e renda, de modo que essas atividades apresentam-se como complementares. Já o terceiro trabalho do GT foi escrito e apresentado por Giuliano Torrieri Nigro, discente do Programa de Mestrado em Geografia da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Trata-se de um ensaio teórico sobre o turismo responsável/sustentável enquanto atividade que pode contribuir para a conservação ambiental. O artigo foi produzido a partir de levantamento bibliográfico de publicações, sobretudo livros, que debatem o turismo sustentável. O autor se apoiou na concepção de que o turismo sustentável é uma alternativa ao turismo de massa, considerado o responsável por diversos impactos ambientais a partir da segunda metade do século XX, e que a falta de planejamento do turismo conduz aos chamados impactos do turismo, de ordem social, econômica e ambiental. Na apresentação, o discente cita alguns impactos positivos e negativos do turismo; resgata elementos do debate internacional sobre desenvolvimento sustentável e turismo sustentável; e apresenta a visão de alguns autores sobre a relação entre planejamento e turismo sustentável. Ao final, argumenta que o turismo organizado e responsável pode contribuir para melhorias sociais e ambientais. Após as apresentações algumas questões foram apontadas no debate. Como o debate ocorreu com base em trabalhos dos dois GTs, poucas questões foram levantadas a respeito dos trabalhos apresentados no GT Geografia e Turismo. Nesse contexto, teve destaque o debate sobre a viabilidade de se utilizar o termo turismo sustentável, assim como sobre os riscos em se dicotomizar o turismo, polarizando a existência de um turismo “ruim”, impactante (turismo de massa) e um turismo “bom” (turismo sustentável). Argumentou-se que o turismo é negócio, que faz parte da lógica de acumulação capitalista e, portanto, que as experiências de turismo que são consideradas ou propagadas como sustentáveis devem ser empiricamente analisadas, para que seja possível conhecer suas implicações sócio espaciais. Assim, as teorias precisam dialogar com o empírico, pois há uma relação dialética entre teoria e práxis.
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