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um olhar consciente
Norio Koike / Intituto Ayrton Senna
Ano 2 - Nº 21 - Abril 2009 - Distribuição Gratuita
Eu sou
brasileiro Viviane Senna
José Furtado
Pela memória de Ayrton Senna
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Maurren Maggi
Medicina humanitária
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Determinação que vale ouro
Um evento gratuito para estudantes universitários com a presença dos Prêmios Nobel da Economia e da Paz. 6 e 7 de maio em São Paulo. Palácio das Convenções do Anhembi. Inscrições: www.comunicacaoesustentabilidade.com Patrocinadores
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Neo Mondo - Maio 2008
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Seções Perfil 08 Amor pago com amor Ayrton Senna: o legado de um dos maiores brasileiros.
Especial - eu sou brasileiro 12 Mantendo vivo o ideal da medicina José Francisco Furtado superou obstáculos para manter bem viva a criança idealista.
Uma cruzada a favor de brinquedos e brincadeiras Protegendo a cultura dos países através de brincadeiras de ruas.
Solidariedade que salva Menos de 2% da população brasileira doa sangue. 27
23 Artigo: O redescobrimento do Brasil Entendendo o conceito de brasilidade.
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24 Maurren Maggi: uma brasileira que vale ouro Saltando as adversidades para fazer brilhar o esporte brasileiro. 28 O embaixador da educação Legado de Paulo Freire transcende as fronteiras nacionais.
31 Artigo: O que é ser brasileiro Os princípios unificadores do povo brasileiro.
16 27 Artigo: Nossas virtudes como diferencial competitivo Conhecendo e potencializando as qualidades do brasileiro na gestão ambiental. Lições de Vida A condição de deficiente físico mudou o sentido de vida e transformou o campeão Alarico Moura.
Goleada de Solidariedade Os projetos sociais desenvolvidos por jogadores de futebol brasileiros.
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fISCAL DA fLORESTA Um Olhar consciente da Amazônia.
dica
36 Expediente Diretor Executivo: Oscar Lopes Luiz Conselho Editorial: Oscar Lopes Luiz, Takashi Yamauchi, Liane Uechi, Eduardo Sanches, Marcio Thamos, Terence Trennepohl, João Carlos Mucciacito, Dilma de Melo Silva, e Natascha Trennepohl Redação: Liane Uechi (MTB 18.190), Gabriel Arcanjo Nogueira (MTB 16.586) e Rosane Araújo (MTB 38.300) Estagiário: Caio César de Miranda Martins Revisão: Instituto Neo Mondo Diretora de Redação: Liane Uechi (MTB 18.190) Diretora de Arte: Renata Ariane Rosa Projeto Gráfico: Instituto Neo Mondo
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38 Dicas de Livros e glossário.
Publicação Correspondência: Instituto Neo Mondo Rua Caminho do Pilar, 1012 - sl. 22 Santo André – SP Cep: 09190-000 Para falar com a Neo Mondo: assinatura@neomondo.org.br redacao@neomondo.org.br trabalheconosco@neomondo.org.br Para anunciar: comercial@neomondo.org.br Tel. (11) 4994-1690 Presidente do Instituto Neo Mondo: oscar@neomondo.org.br
A Revista Neo Mondo é uma publicação do Instituto Neo Mondo, CNPJ 08.806.545/0001-00, reconhecido como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), pelo Ministério da Justiça – processo MJ nº 08071.018087/2007-24. Tiragem mensal de 30 mil exemplares com distribuição nacional gratuita e assinaturas. Os artigos e informes publicitários não representam necessariamente a posição da revista e são de total responsabilidade de seus autores. Proibido reproduzir o conteúdo desta revista sem prévia autorização.
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Editorial
Movidos pela ESPERANÇA
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m abril, comemoramos o descobrimento do Brasil e, implicitamente, de seu povo, formado pela mistura de raças, culturas e costumes de diferentes povos, que, diante de um mundo novo, diferente, exótico e desafiador, fizeram surgir o jeito brasileiro de ser. Infelizmente, por um longo tempo, vinculado ao “jeitinho brasileiro”, aquele que leva vantagem, o que quase sempre significa colocar alguém em desvantagem. Furar fila, descumprir regras sociais, aceitar como natural a corrupção, vender influências e se dar bem de qualquer modo não são essências da brasilidade, mas uma demonstração de falta de educação, civilidade e maturidade, que não contempla a esmagadora maioria dos brasileiros. As Marias, Josés, Pedros e Anas espalhados por esse imenso bloco continental, nas campinas, nas ribeiras, nas savanas, nos pântanos, nas megalópolis, no lombo de animais ou em carros esportivos, são, em sua grande parte, trabalhadores com um forte senso de brasilidade e que tem em comum uma essência aguerrida e que compartilhamos enquanto povo brasileiro. Nessa edição da Neo Mondo, fomos em busca dessa brasilidade, que traduz uma sociedade com inúmeras peculiaridades.
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Afinal, que valores são esses que nos tornam uma Nação? A criatividade, a solidariedade, a persistência, a cordialidade... A miscigenação e o sincretismo são cores da alma brasileira, que tem um tantinho de português, espanhol, italiano, japonês, índio, árabe, alemão, africano...tantos temperos numa mesma receita talvez expliquem a natural exuberância, a generosidade, o sorriso fácil e amistoso, a tolerância. Mas como todos os povos temos nossas mazelas que aqui esbarram num sistema ainda ineficiente de igualdade de oportunidades reais, que conduzem a uma percepção de forte injustiça social, que fabrica violência e sofrimento mas ainda assim, incapaz de demover de seu povo a fé e a esperança em dias melhores. Sem querer partir para ufanismos, trazemos histórias de famosos e anônimos que com sua brasilidade foram ou são exemplos de valores que precisamos cada vez mais cultuar e valorizar na Terra Brasilis, preservando a inestimável característica humanitária do nosso jeito de ser.
Instituto
Boa leitura!
Liane Uechi Diretora e Redação liane@neomondo.org.br
Neo Mondo Um olhar consciente
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Perfil
Amor
O legado de Ayrton Senna, um dos maiores brasileiros, permanece vivo em ações socias. Liane Uechi
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esmo sem fazer disso uma bandeira de promoção, Ayrton Senna ficou conhecido como alguém que se orgulhava de ser brasileiro. Fez o cidadão comum redescobrir o sentido de orgulho da Pátria. O amor do povo brasileiro por ele se devia ao enorme sentimento de auto-estima que cada bandeirada vencedora lançava sobre seu povo. Junto com ele, o brasileiro subia no pódio, estourava a champanhe e o domingo parecia mais pleno. Ele retribuía esse sentimento em demonstrações rasgadas de patriotismo, empunhando a bandeira e o coração de todos que vibravam nas manhãs e madrugadas de Grande Prêmio, acompanhadas pela telinha por milhares de compatriotas. Passados 15 da sua morte, ele ainda é reconhecido como um exemplo e seu legado de valores e história permanece cada vez mais vivo. A família, através de Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna, mantém viva sua memória e tributo, através de ações sociais que, com certeza, devem fazê-lo, de onde estiver, vibrar a cada conquista obtida em prol de crianças e adolescentes. Abaixo, ela nos fala sobre Ayrton Senna e o Instituto que leva seu nome.
Neo Mondo: O Brasil conhece a figura do grande campeão, que por sua postura exemplar espelha o melhor aspecto dos brasileiros. Mas como era o brasileiro Ayrton: como ele era quando criança, como era a convivência com a família e com os irmãos? Do que gostava, qual era seu temperamento? Viviane: Meu irmão era uma criança esperta, vivaz. Desde pequeno, as rodas e a velocidade o encantavam. Aos 4 anos, ganhou o primeiro kart do meu pai. Embora ele fosse um 8
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pouco tímido com as pessoas, não deixava de se relacionar do jeito mais simples. Lembro de um aniversário, acho que dos 6 ou 7 anos, que ele quis fazer uma festinha. Ele saiu na rua convidando toda criança que via pela frente. Encheu nossa casa. E minha mãe, depois que tudo acabou, perguntou de onde conhecia toda aquela gente. Ayrton respondeu que não conhecia quase ninguém. A adolescência foi bastante madura, já que a carreira começou a ser traçada, profis-
sionalmente, aos 13 anos, quando também conquistou sua primeira vitória numa corrida oficial. Ayrton era uma criança feliz, um adolescente comprometido com seu futuro, um filho e um irmão carinhoso, afetivo. Temperamento forte, mas muito maleável. Ele sabia o que queria e lutava para conseguir. Sempre foi muito determinado. Neo Mondo: Ele conhecia a realidade de outros países e cultura, por conta de sua profissão. Viajava pelo
pago com
AMOR mundo e poderia viver longe do seu país, mas sempre que possível voltava ao Brasil, lugar de desigualdades, de sérios problemas sociais. O que o trazia de volta? Viviane: Mesmo vivendo a maior parte do tempo no exterior, o coração do Ayrton sempre esteve no Brasil, porque ele amava este país. Além de querer estar junto da família e de seus amigos, era aqui que se sentia à vontade quando não estava correndo ou treinando. A questão da desigualdade sempre incomodou meu irmão. Ele era bastante sensível a isso, especialmente ao que afetava crianças e jovens. Achava inconcebível que as pessoas, em sua maioria, não tinham as mesmas oportunidades que ele teve. E talvez por isso achava-se ainda mais comprometido com o Brasil. E gostava de vencer também para dar essa alegria aos brasileiros, que tinham a auto-estima alimentada ao vê-lo no pódio, carregando a nossa bandeira. Neo Mondo: Ele tinha idéia da dimensão da admiração do povo brasileiro e do quanto poderia influenciar com suas atitudes e comportamentos? Viviane: Ayrton sabia de seu papel como um esportista que representava todo o País. Também sentia o amor e o carinho do povo por ele. Nas suas atitudes na pista e na vida, ele cultivava valores que hoje são o seu maior legado: motivação, determinação, superação e orgulho
Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna
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Norio Koike / Intituto Ayrton Senna
Perfil
Ayrton Senna, comemorando uma de suas vitórias
de ser brasileiro. Trabalhar para conquistar objetivos, acreditar no seu potencial, não se sentir vencido por obstáculos... era o que ele defendia e acreditava que qualquer pessoa era capaz. Neo Mondo: Qual foi o papel da família para a vida e carreira do Ayrton e de que forma o sucesso dele influenciou e mudou a família Senna? Viviane: Meu irmão recebeu todo o apoio de minha família, especialmente de meus pais. Ele nunca se sentiu sozinho na sua trajetória, que não foi fácil. O meio da Fórmula 1 é muito competitivo. Mesmo assim, Ayrton pautava-se naquilo que meus pais deram a ele. E por isso conseguiu superar muitas dificuldades. O sucesso sempre foi encarado como resultado de muito trabalho, esforço e dedicação. Mas era o sucesso dele. Nossas vidas caminhavam do mesmo jeito. 10
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Neo Mondo: Como surgiu o Instituto Ayrton Senna? Por que a sra. assumiu esse desafio? Viviane: O Instituto é a concretização do sonho de Ayrton. Como ele se incomodava com a questão da desigualdade, tinha planos de estruturar alguma coisa que pudesse ajudar a mudar isso, especialmente na vida de crianças e jovens. Ele chegou a manifestar esse desejo meses antes do acidente. Minha família resolveu criar o Instituto em novembro de 1994, primeiro para realizar esse desejo e, segundo, como uma resposta carinhosa e grata ao amor do povo brasileiro ao meu irmão. Neo Mondo: Quais as principais dificuldades do Instituto para atuar socialmente? Viviane: Combater a má qualidade do ensino público é o grande desafio não apenas do Instituto, mas de todo o País. Em 15 anos de
atividades, o Instituto já atendeu a cerca de 11,5 milhões de crianças e jovens, mas o número de crianças que não recebem educação de qualidade ainda é muito grande. Um exemplo é que de cada 10 alunos matriculados, 5 concluem o Ensino Fundamental e 3 o Ensino Médio. Essa realidade precisa ser transformada para que o país possa crescer em todos os níveis. Neo Mondo: De onde vem os recursos para esse trabalho? Viviane: Uma parte dos recursos vem dos 100% dos royalties sobre o licenciamento da imagem do Ayrton e do Senninha cedidos pela minha família ao Instituto. Hoje temos 350 produtos licenciados com a imagem de Ayrton e personagem Senninha. Outra parte é gerada pelas alianças com empresas socialmente responsáveis, como Bradesco Capitalização, Credicard, Microsoft, Votorantim, Citigroup, HP, Martins,
Neoenergia, Lide/EDH, Lilly, Tribanco, IBM e Grendene. Desde 2008, abrimos espaço para as doações de pessoas físicas porque muitos nos procuravam para abraçar a causa da educação e não sabiam como fazê-lo. Agora, qualquer pessoa entra no nosso site www.senna.org.br, cadastra-se e passa a ser um doador. Neo Mondo: Por que a escolha pela abordagem da educação nos projetos desenvolvidos? Viviane: Acreditamos que a educação é a única via capaz de transformar o potencial nato de cada um em competências e habilidades para a vida. Se garantirmos educação de qualidade à maioria da população – o que hoje não acontece – podemos melhorar o desenvolvimento econômico e humano do país. Uma nação que tem por base uma sociedade desigual, não forma cidadãos conscientes, críticos, solidários e participativos.
Daí a fundamental importância da educação nesse processo. Neo Mondo: E quais projetos são desenvolvidos hoje? Viviane: Hoje, desenvolvemos e implementamos 9 soluções educacionais. Por meio delas, são trabalhadas a aceleração de aprendizagem, o combate ao analfabetismo de crianças repetentes, a gestão escolar, a avaliação e o acompanhamento do aprendizado do aluno nas séries iniciais do ensino fundamental (Programas Acelera Brasil, Se Liga, Gestão Nota 10 e Circuito Campeão, respectivamente). Para qualificar o tempo em que o aluno está fora da escola, oferecemos soluções que utilizam o esporte, a arte e o trabalho com a juventude (Programas Educação pelo Esporte, Educação pela Arte e SuperAção Jovem). Na área de educação e tecnologia, temos os Programas Escola Conectada e Comunidade Conectada, que qua-
lificam a educação, promovem a inserção digital e preparam jovens e adultos para um melhor desempenho no mercado de trabalho. Todos os nossos Programas cumprem o mesmo objetivo: desenvolver potenciais de crianças e jovens, transformando-os em competências pessoais, sociais, cognitivas e produtivas. Neo Mondo: Quais as metas e novidades do Instituto para o ano de 2009? Viviane: Em 2009, o Instituto completa 15 anos de atividades. Ayrton e o Instituto serão homenageados em vários eventos ao longo do ano, como a exposição “Arte para um Mito”, no Conjunto Nacional em São Paulo, com curadoria de Paulo Solaris. A exposição Ayrton Senna no Vale da Anhangabaú, em parceria com a UGT, um presente para os trabalhadores da cidade de São Paulo. E a exposição Vitória, no Memorial da América Latina, dentre outras ações.
Viviane Senna na sala de aula do Instituto Ayrton Senna com as crianças
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Especial - Eu sou brasileiro
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ideal da
DICINA José Francisco Furtado superou obstáculos para manter bem viva a criança idealista. Gabriel Arcanjo Nogueira
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m colega jornalista me alertou que não seria fácil tirar algo do Furtado, que teria “virado bicho do mato”. A minha persistência é nada ante a superação do Dr. José Francisco Furtado, que estudou Medicina Preventiva e Saúde Pública, cursou Medicina Tropical e fez especialização em Cirurgia Geral sem um tostão no bolso - tudo para manter bem viva a criança idealista que se descobriu aos 8 anos de idade, em Igaratá, no Vale do Paraíba (SP). Hoje, aos 60, em Rio Branco (AC), Furtado diz: “Nada fiz de tão extraordinário em minha vida, pois mais recebi ajuda do que ajudei”. Grato a Deus e a pessoas marcantes em sua trajetória, o médico credita a oportunidade de sua realização como um dom que lhe permitiu o próprio progresso espiritual na prática do amor e da caridade. Nascido na roça, de família humilde, aos pés da Serra da Mantiqueira, Furtado acredita que sua vida começou a tomar novos rumos bem cedo. “Aos 12 anos, terminei o curso Primário em São José dos Campos e tomei contato com a Ordem dos Servos de Maria (OSM) e suas missões no Acre. Me entusiasmei pelo ideal de missionário e entrei no seminário dos padres servitas, onde fiz do quinto ano - a antiga Admissão - ao curso ginasial”, afirma. A identificação com os servitas é uma constante na vida de Furtado. Depois do Ginásio (atual ensino fundamental), concluído em Turvo (SC), o adolescente voltou a São José dos Campos, onde fez o Colegial (Ensino Médio) durante três anos. “Em 1969, época em que os Beatles e Roberto Carlos faziam muito sucesso, fui enviado para fazer o Noviciado (período de iniciação à vida religiosa) nas missões OSM no Acre - éramos 4 seminaristas”, lembra.
O despertar do médico Foi aí que o fradinho (como alguns estudantes se tratavam) teve o primeiro contato com o que ele próprio define como “um mundo novo e exótico”. Furtado conheceu o antigo leprosário, visitou muitas comunidades pobres no interior do Estado acreano - sem a mínima assistência médica. “Ajudei a transportar doentes para a capital e fiquei sensibilizado ao ver tanto sofrimento. Foi assim que despertou em mim o ideal da Medicina”, conta. O jovem não se contentaria em cuidar de almas, num ambiente em que corpos padeciam de males bem mais visíveis. Furtado recorda-se com precisão do momento-chave de sua vida. “No dia 1º de outubro de 1969, às 5h50, quando saía pela porta do antigo Colégio dos Padres (que virou o Colégio Meta), como fazia todos os dias, para assistir à missa na Catedral de Rio Branco, me veio, subitamente, a idéia de estudar Medicina, para dar assistência aos doentes hansenianos e às comunidades mais pobres”. O noviço começou a dar lugar ao médico, não sei se para desespero dos padres. Furtado comunicou a sua decisão ao superior e, em vez de se mudar para São Paulo, onde cursaria Filosofia e Teologia, foi à luta para conquistar o novo ideal: iria a todo custo estudar Medicina em Manaus (AM). “Estava disposto a me aventurar, na mudança de rumo, com toda a fé e a coragem, sem conhecer ninguém... na última hora, o avião da FAB não veio, e os padres me mandaram de volta para São Paulo”. Tempos difíceis A caminhada, reconhece Furtado, seria longa em busca do seu objetivo. Os tempos eram difíceis, em plena ditadura militar.
Rua Sernador Fláquer, 73 - Centro Santo André - SP - CEP 09010-160 Tel.: (11) 4436-4111 - Cel.: (11) 9798-1341 13 Neo Mondo - Abril 2009 www.efsadvocacia.com.br efsadv@aasp.org.br
Especial - Eu sou brasileiro
Furtado faz a travessia do Rio Purus, para mais uma de suas missões, em 1994: identificação com os servitas é constante
Em 1970, enquanto a pátria de chuteiras desfilava seus dotes futebolísticos em campos mexicanos, o jovem egresso das fileiras eclesiásticas teve de servir ao Exército. “Fiz o curso de Preparação de Oficiais da Reserva - experiência difícil na época -, enquanto começava o cursinho preparatório ao vestibular”, diz. O temido vestibular, ainda mais para quem, desprovido de recursos financeiros, teve de estudar em livro emprestado, às vezes à luz de vela ou lanterna, para incomodar menos os colegas de pensão. A tenacidade nele convive com uma pessoa tímida - é provável que uma característica alimente a outra e faça do modo espartano de encarar a vida a receita para a vitória. Até que, em janeiro de 1971, depois de prestar o exame vestibular na Faculdade de Medicina de Itajubá (MG), Furtado conseguiu classificar-se na segunda chamada entre 1.200 candidatos para 100 vagas. Era para comemorar, mas cadê tempo para isso? Era preciso correr atrás de suporte financeiro para pagar os estudos. Não dava para perder o direito à matrícula. A peregrinação em busca de ajuda levou o jovem à uma emissora de TV, a um jornal do Vale do Paraíba, que de pronto compraram a briga. A Tv o colocou no ar, na hora; o jornal publicou a mensagem “Vamos ajudar este rapaz”. Não bastasse, Furtado teve a solidariedade dos próprios colegas de turma, para se manter, de professores - especialmente o “saudoso Rios, do ITA”, faz questão de citar. Este conseguiu que o coronel-comandante do CTA intercedesse junto ao MEC, que deu uma ajuda ao jovem para pagar a matrícula. Mais uma etapa vencida. Mas viriam pela frente os longos anos de duração do curso. A saída foi 14
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O médico encontra tempo para conferir de perto projetos comunitários, como o de apicultua em plena selva amazônica
fazer acordo com a Faculdade de Medicina: “Fiquei assinando notas promissórias para pagamento depois de formado”, conta. Perseguição política Aos 28 anos, Furtado terminou o curso de Medicina, “com muita glória”, ressalta. Foi quando fez as pós-graduações para especializar-se no atendimento que pretendia dar às pessoas sofridas na floresta amazônica. Concluiu esse ciclo em 1979. “Estava pronto para vir ao Acre. A minha intenção era trabalhar com os hansenianos, mas a Secretaria de Saúde me requisitou para coordenar o Programa de Dermatologia Sanitária do Estado. Depois de dois anos, sofri perseguição política e tive de me afastar”, relata. O jeito servita de fazer a saúde pública andar, de acordo com princípios da justiça social, não agradou a representantes alinhados com a ditadura militar, ainda em vigor: “Aproveitei para fazer especialização em cirurgia geral em São Paulo e, em 1989, retornei ao Acre como cirurgião.” Não houve dificuldade que impedisse o médico de seguir em frente. O jornalista Antonio Marmo Cardoso, um dos colegas de Furtado de muitos anos, se lembra dele ainda dos tempos de infância e daí por diante: “Tinha um pai simples, como o meu, mas bastante severo, de pegar no pé. Acho que a figura do pai influenciou muito a personalidade do Furtado - um tipo sempre retraído, de sorriso acanhado... Já no Acre, ainda no noviciado, foi quando se definiu a opção pela Medicina, depois de uma primeira visita que fizemos com Frei Heitor ao leprosário. Acho que saiu impactado da visita. Um leproso, naqueles tempos, não era uma visão agradável, ainda mais num leprosário super-
precário... Sem dúvida, Furtado é pessoa de grande força de vontade, persistência”. Marmo acredita que o trabalho do médico foi decisivo no aprimoramento do antigo leprosário para a colônia como está hoje. 5 mil pessoas Furtado foi um dos médicos que deu “assistência periódica aos doentes, pela primeira vez em 1979, e, a partir de 1989, resolveu se fixar dentro da área da colônia”, relatou Maria Cisne, que desde os 7 anos de idade, em 1928, morou no leprosário e foi uma das pessoas que registrou em depoimento, em 2003, a história da instituição. O médico é incansável em sua dedicação: “Me estabeleci na Colônia Souza Araújo (antigo leprosário), para me dedicar melhor aos doentes. Passei a atuar também no Pronto Socorro Estadual de Rio Branco, realizando cirurgias de emergência. Desde então, o bispo Dom Moacyr Grecchi me concedeu uma moradia na área da própria colônia, que é administrada pela Diocese de Rio Branco”. O trabalho desenvolvido por Furtado inclui assistência aos doentes internos, em torno de 60 a 70 pacientes asilados, portadores de sequelas da hanseníase. “Eles requerem cuidados básicos para a manutenção da saúde”, explica. O médico atua também no Centro de Souza Araújo, próximo à colônia. “Atendo toda a população da área, de mais ou menos 5 mil pessoas, entre as quais muitos hansenianos que moram nas vilas próximas e egressos do antigo leprosário”, diz. Nada mal para um “bicho do mato”. Antes todos tivessem esse poder de percepção e ação.
Neo Neo Mondo Mondo - Marรงo - Abril2009 2009 Neo Mondo - Fevereiro 2009
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Especial - Eu sou brasileiro
Uma cruzada a fa de brinquedos e
Antropóloga Regina Márcia Moura Tavares teve o trabalho reconhecido pela UNESCO e dá palestras que explicam porque brincadeiras de rua e brinquedos artesanais devem ser protegidos da cultura dos países. Rosane Araújo
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ntre 1987 e 1988 a, então professora da PUC-Campinas Regina Márcia Moura Tavares coordenou uma equipe de pesquisadores em torno de um assunto pouco explorado: o patrimônio cultural intangível, ou seja, manifestações culturais que estão fora do circuito cultural elitizado. Dentro deste tema tão amplo, a professora resolveu pesquisar na base, na origem do comportamento do ser humano e foi assim que surgiu o projeto Brinquedos e Brincadeiras: Patrimônio Cultural da Humanidade, que também virou livro publicado pela Editora Pontes. Em 1990, o projeto recebeu o selo “Década Cultural Mundial” oferecido pela UNESCO (Organização das Nações Unidos para a Educação, a Ciência e a Cultura), que o considerou de grande relevância para os estudos da década. A Organização também sugeriu, em 1991, uma expansão da proposta por toda
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brincadeiras a América Latina, permitindo o resgate de aspectos da identidade latino-americana. O reconhecimento do órgão estimulou ainda mais a antropóloga que desde então já organizou eventos de debate no Brasil e em outros países da América Latina: em maio de 1994 realizou o I Encontro LatinoAmericano de Brinquedos e Brincadeiras Tradicionais, com o apoio da OEA (Organização dos Estados Americanos), e em novembro de 1995, levou uma exposição de Brinquedos e Brincadeiras ao Museu Nacional de Etnografia do Uruguai. Atualmente aposentada do ensino acadêmico, Regina dedica-se à divulgação de seus estudos, na tentativa de conscientizar pais, professores e as próprias crianças sobre a importância de conservar brinquedos e brincadeiras tradicionais como forma de proteger a cultura dos países. “Comecei a notar, nessa minha caminhada acadêmica, que as pessoas se preocupavam muito com o patrimônio tangível, o patrimônio material, geralmente aquele elaborado e preservado pelas elites. Pouco se falava em preservar usos, costumes, tradições, comportamentos, ou seja, aquilo que faz com que o ser humano tenha características muito próprias em cada país”, revelou. A constatação desta maneira excludente de entender a cultura, angustiou a antropóloga. “Eu comecei a observar que havia um viés na questão da maneira de se tratar cultura e patrimônio, tratava-se mais de recortes da cultura de um povo, recortes estes que garantiam a permanência do poder constituído. Na medida que você elege determinados elementos e caracteriza aquilo como patrimônio importante a ser preservado, você está de alguma forma garantin-
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Especial - Eu sou brasileiro
REGINA MÁRCIA MOURA TAVARES Natural de Altinópolis, São Paulo. Formada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduada em Antropologia na própria USP, onde foi pesquisadora até sua mudança para Campinas. Lá foi docente da PUC, totalizando, em 1998, quando se aposentou, mais de 30 anos de atividade acadêmica.
A antropóloga Regina Márcia de Moura Tavares exibe seu livro entre estudantes e distribui autógrafos
do a supremacia de um grupo que pratica aquela cultura. Percebi que havia uma relação muito antiga e perversa entre cultura e poder e que, muitas vezes, as coisas não caminham bem nos países porque essa associação é antiga, perniciosa e não permite ao povo entender-se como partícipe da construção de um patrimônio importante. Porque, na realidade, é a população que no seu dia-a-dia cria a cultura e a cultura é uma maneira que o ser humano inventa de pensar, de agir, de se relacionar, de dançar, de cozinhar. Tudo para sobreviver num determinado habitat natural”, explicou. A pesquisa foi a forma encontrada por ela para se contrapor a esta realidade. “Levantamos os brinquedos e as brincadeiras que ainda subexistem no espaço da rua, em bairros de diferentes camadas sociais. Pesquisei nas classes A, B, C e D. Documentamos isso em audiovisual e escrita e retornamos às comunidades onde nós havíamos pesquisado para informar aqueles que tinham sido nossos investigados sobre os resultados. Nós fazíamos reuniões em escolas, igrejas, mostrando para essas comunidades como deixar as crianças brincarem com seus amigos espontaneamente é importante. É aí que ela desenvolve seu potencial criativo, o que permitirá que se torne um ser criador e transformador da sociedade”, disse. Durante o processo e na documentação das brincadeiras coletivas, Regina notou que cada uma delas desenvolvia aspectos importantes para o desenvolvimento bio, fisio, psico, motor e social do ser humano e algumas, inclusive, eram antiquíssimas.
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Um exemplo dado por ela é a brincadeira de amarelinha, que, segundo vestígios arqueológicos, já existia no século 5 antes de cristo, na Grécia de Péricles. E por que se brincava? “Aquele ato de jogar a pedra e ter que descobrir maneiras de saltar aquele obstáculo está preparando a criança para enfrentar as dificuldades da vida, que virão pela frente. Sempre vai haver uma pedra no caminho e ela terá que descobrir um jeito de ultrapassar esse obstáculo”, respondeu. A simbologia de brincadeiras como essa, segundo a antropóloga, é fundamental. “Toda a brincadeira ocorre no nível do simbólico, por isso não há nenhum jogo esportivo que substitua a brincadeira. Existe uma expressão mágica que você usa: faz de conta que... No momento em que estou brincando de polícia e ladrão, eu estou desenvolvendo comportamentos que eu não vou usar agora, enquanto eu sou criança, mas provavelmente vai ter um momento na vida adulta, que eu vou precisar daquele gesto de liderança ou de cooperação que eu tive, ou do comportamento generoso que eu aprendi brincando com meu amigo. Então, quando eu ficar adulta eu vou poder acessar essas informações e incorporálas no meu dia-a-dia. Se eu não desenvolvi, meu arquivo está vazio”, exemplificou. Na opinião de Regina, muitas das dificuldades que os jovens têm hoje para consolidar laços afetivos duradouros passam pelo fato de não terem cultivado essa afetividade na infância. “Você cultiva isso não só nas relações familiares, mas com amigos e, mais importante, nas relações com diferentes. Hoje a criança só convive com os iguais. Isso
Hoje inclui em sua rotina o cultivo do canto lírico e passa momentos prazerosos com os 7 netos de seus 3 filhos. Viajar pelo mundo, sem pressa para voltar, também tem sido um dos prazeres que se permite ao lado do marido Paulo Serafim S. M. Tavares
porque nós perdemos o espaço para a socialização humana que é a rua. Nós temos que recuperar esse espaço”, defendeu. A idéia de reintegrar as crianças no espaço da rua é um conceito que não vem sendo bem recebido nas palestras ministradas pela antropóloga. A maioria dos pais alega que, devido à violência, o convívio na rua não é mais possível. Regina, porém, é enfática. “Nós temos que lutar contra isso, temos que recuperar esses espaços e com qualidade. Não é só na escola que a criança aprende, a criança aprende desde o berço, vai incorporando a cultura, os padrões de comportamento. A criança precisa circular por vários espaços e entre desiguais, porque é assim que vai aprender o respeito recíproco e estabelecer limites no comportamento. Por que hoje os pais estão enlouquecidos, chamando a “supernanny”? Porque as crianças não têm limites, mas isso não é estabelecido só pelos pais, essa sobrecarga acontece porque perdeu-se os outros espaços onde a criança podia aprende-los, que é o espaço da brincadeira coletiva e espontânea”, comentou. O momento para uma virada na situação, segundo a professora, é agora. “Acho que nós estamos avançando para outro patamar de vida social. Acho que essa crise que o mundo está vivendo é ótima porque nós temos que mudar os comportamentos. é hora de revitalizar os brinquedos e as brincadeiras infantis porque eles estão a milênios preparando as crianças para uma vida adulta mais harmoniosa” encerrou.
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que salva Menos de 2% da população brasileira doa sangue. Liane Uechi
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uando falamos em saúde no Brasil, a primeira imagem que nos vem está relacionada aos déficits na área. Mas há inúmeros profissionais que se destacam por seu comprometimento social e humanitário. O presidente do Hemocentro São Lucas, Adelson Alves, é um deles, incansável combatente na questão da doação de sangue. Como médico especialista em hematologia e hemoterapia vem travando uma árdua luta, pois depende exclusivamente da solidariedade humana, já que esse bem, precioso e absolutamente necessário, não pode ser vendido, apenas doado. Graças a sua persistência, que remonta a 1972/73, estabeleceu em São Paulo, junto com uma equipe de profissionais, o mais moderno centro de Hemoterapia. De 1974 a 1984, o pioneirismo marcou o histórico da clínica, com a importação de bolsas de sangue, aquisição de aparelhos - como geladeiras especiais para guardar o sangue coletado; a luta pela doação voluntária; o aperfeiçoamento dos testes para detecção de doenças no sangue, inclusive Aids. Mas as campanhas de doação são uma constante na sua trajetória profissional. Ele revela que, apesar de sermos considerados um povo generoso e solidário, menos de 2% da população doa sangue.
Adelson Alves: presidente do Hemocentro São Lucas
“Pesquisas realizadas com cidadãos americanos demonstram que muitas pessoas não são doadoras pelo fato de que: “nunca me pediram”. Esta constatação pode, sem dúvida, ser estendida à nossa realidade, já que a maioria dos doadores, de primeira vez, o faz motivado por algum familiar ou conhecido que necessitou de transfusão. O problema é que ainda não há substitutos artificiais tão eficientes quanto o sangue humano, apesar de importantes avanços nos estudos nessa área. O médico explica que o natural ainda é o único
a suprir totalmente as funções de transporte de gases e nutrientes, o que faz dele um dos mais importantes insumos de saúde pública. Conforme Alves, sua falta nos hospitais inviabiliza a realização da maioria das cirurgias e pode significar a morte de pacientes dependentes de transfusões crônicas, como os portadores de doenças como anemia severa, leucemias, talassemias, anemia falciforme, entre outras.
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Especial - Eu sou brasileiro
Ainda hoje, apesar de tanta divulgação, a maior dificuldade e luta dos hemocentros é conseguir formar um pool de doadores conscientes da importância desse gesto e que o façam pelo menos 2 vezes ao ano. Segundo Alves, doar sangue é seguro, não há risco de contaminação por doenças e uma doação pode salvar até quatro vidas, já que o material coletado é dividido em diversos componentes (concentrado de hemácias, concentrado de plaquetas, plasma fresco congelado e Crioprecipitado), utilizados em tratamentos específicos. Doenças oncológicas e hematológicas de alta complexidade também dependem do sangue como recurso terapêutico.
POR TRÁS DOS BASTIDORES A doação de sangue é apenas o início do processo de transfusão. Conheça suas etapas: •
Doação de sangue;
•
Testes sorológicos de triagem para doenças como AIDS, Hepatites B e C, Sífilis, Doença de Chagas e outras viroses como HTLV;
•
Fracionamento, ou seja, a separação laboratorial dos componentes sanguíneos (Concentrado de Hemácias, Concentrado de Plaquetas, Plasma fresco congelado e Crioprecipitado);
•
Testes imunohematológicos para determinação do grupo sanguíneo ABO/Rh e pesquisa de anticorpos irregulares.
Após a doação, o organismo do doador inicia imediatamente o processo de reposição do sangue doado, começando pela parte líquida (plasma) e a seguir pela parte celular, completando o processo em menos de 40 dias.
MITOS Existem vários mitos e verdades sobre a doação de sangue, dentre as quais: •
A doação não afina ou engrossa o sangue uma vez que este está em constante processo de produção e recolhimento e reaproveitamento das células “idosas”.
•
Quem doa uma vez não é obrigado a doar para sempre, apesar deste ato ser muito importante para a vida de inúmeras pessoas.
SOBRE O HSL O HSL realiza 108.000 transfusões / ano e atinge a média de 55.000 bolsas coletadas / ano. Conta hoje com 06 unidades de coleta: Santa Paula, Santa Marina, Carlos Chagas, São Bernardo, Brasil e Bandeirantes ;19 agências transfusionais e mais de 34 hospitais atendidos a distância; Centro Tecnológico e Central Administrativa. Conta ainda com uma Unidade Móvel Transfusional. Este laboratório imunohematológico móvel climatizado e com sistema informatizado está diretamente ligado ao Banco de Sangue do Hemocentro São Lucas.
CURIOSIDADE A transfusão na década de 70 era bem diferente do que conhecemos hoje e, em geral, era praticada da mesma forma por todos os bancos de sangue. Transfundiase sangue total. Isto é, o sangue era coletado em frasco de vidro e transfundido diretamente na veia do paciente, após passar por alguns exames. Na época, o máximo que poderia ocorrer em se tratando de separação do sangue era a retirada do plasma, mas não totalmente, pois não se transfundia glóbulos de sangue total.
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Márcio Thamos
O redescobrimento do
B
rasilidade é um conceito que pretende designar “o caráter ou qualidade peculiar, individualizadora, do que ou de quem é brasileiro” ou ainda um “sentimento de afinidade ou de amor pelo Brasil”, de acordo com o dicionário Houaiss. O termo é relativamente novo em nossa língua, tendo sido empregado numa página da revista Fon-Fon, em 1930, data em que a palavra entrou no português. A Fon-Fon, considerada uma das melhores e mais influentes publicações ilustradas do país, circulou, em edições semanais, de 1907 a 1945. Esse período recobre justamente as marcantes décadas do início do século vinte em que se processava uma grande mudança na mentalidade nacional, através de uma intensa agitação de idéias que as artes em geral, e especialmente a literatura, ajudaram a fomentar. No bojo das reflexões que se faziam, estava em curso uma espécie de redescobrimento do Brasil, como se fôssemos novos Cabrais ou modernos bandeirantes, munidos agora de um olhar antropológico e ávidos por conhecer-nos a nós mesmos, numa adoção tupiniquim em escala coletiva do princípio socrático do autoconhecimento. “Quem somos os brasileiros”, “Que país é este?” eram perguntas que se faziam nos meios acadêmicos e nas rodas de artistas e pensadores. A identidade nacional era então objeto de investigação estética e de especulação científica; por toda parte um inte-
brasil
resse renovado pela cultura brasileira crescia e tomava corpo. Da poesia combativa de Mário e de Oswald de Andrade à prosa regionalista de Jorge Amado e de Graciliano Ramos, o sentimento de brasilidade se afirmava num desejo nacionalista de (re) conhecer e de retratar o país, provocando inquirições patrióticas, sociais e filosóficas. Era o Brasil que enfim despertava para os brasileiros ou, antes, os brasileiros que acordavam para o Brasil. Como fruto maduro desse processo de aprofundamento da consciência brasileira, tivemos a extrema felicidade de poder contar com o gênio inspirador de Guimarães Rosa em nossas letras. O autor nos ofereceu, logo em 1946, a coletânea de contos Sagarana e, dez anos depois, em 1956, o romance Grande sertão: veredas, obras insuperáveis, que permanecem exalando um denso frescor de brasilidade. Desde então, variadas e ricas experiências produziram-se na arte nacional, como o Cinema Novo, a Bossa Nova e o Movimento Tropicalista. Artistas criadores, como Nélson Pereira dos Santos e Gláuber Rocha, Tom Jobim e João Gilberto, Caetano Veloso e Gilberto Gil, entre tantos outros nomes admiráveis, ajudaram a quebrar barreiras entre a cultura popular e a erudita, ao mesmo tempo em que projetavam uma imagem mais viva e contrastante do Brasil para o mundo. Era a brasilidade tomando novos contornos e expandindo-
se em genuínas possibilidades nutridas pela geleia geral. Com o advento da ditadura militar e o ato institucional número 5, a orientação artística na busca da brasilidade teve de amargar a concorrência bruta de uma censura que se esmerava em reduzir o sentimento nacionalista em termos de um ufanismo reacionário com fórmulas tacanhas do tipo “Brasil: ame-o ou deixe-o”. A partir da retomada democrática, nos anos 80, e com o atual contexto de um mundo globalizado, o processo de reconhecimento de nossa própria identidade passou a trilhar novos rumos, renovando-se qualitativamente ao abarcar a visão dos mais diferentes grupos sociais na construção de uma representação dinâmica daquilo que somos como povo. Não há outro modo de projetarmos com clareza o futuro que desejamos a não ser revelando honestamente a nós mesmos toda a nossa brasilidade.
Doutor em Estudos Literários. Professor de Língua e Literatura Latinas junto ao Departamento de Linguística da UNESP-FCL/CAr, credenciado no Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da mesma instituição. Coordenador do Grupo de Pesquisa LINCEU – Visões da Antiguidade Clássica. Neo Mondo - Abril 2009
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Especial -Eu sou brasileiro
Maurren Ma uma brasileira
Saltando as adversidades para fazer brilhar o esporte brasileiro. Rosane Araújo
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la é a primeira (e por enquanto única) brasileira a conquistar uma medalha de ouro em provas de atletismo em Jogos Olímpicos (Beijin 2008), é recordista brasileira e sul-americana do salto em distância com 7,26m e bicampeã pan-americana (Winnipeg 1999 e Rio de Janeiro 2007). Recebeu o título de melhor atleta do ano em 2008, pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB). 24
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Ela também sofreu uma contusão na coxa durante as eliminatórias das Olimpíadas de Sydney, em 2000, terminando na 25ª posição e foi suspensa poucos dias antes dos Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo, em 2003, acusada de dopping. Ficou de fora de Athenas 2004 devido à suspensão e viu os jornais noticiarem o fim de sua carreira.
Os extremos parecem mesmo acompanhar a trajetória de Maurren Higa Maggi. Mas, ao que parece, uma outra palavra também está sempre com ela: superação. “As pessoas sempre me param e a palavra que mais ouço é essa: superação. Tenho consciência do impacto que minha história tem sobre as pessoas e me preocupo sim em provocar, com meu exem-
Maurren Higa Maggi Nasceu em São Carlos, em 25 de junho de 1976
Medalhas: Jogos Olímpicos Ouro Pequim 2008 – salto em distância Pan-Americanos Ouro Rio 2007 – salto em distância Ouro Winnipeg 1999 – salto em distância Prata Winnipeg 1999 – 100m com barreiras Foi casada com o piloto Antônio Pizzonia (ex-piloto de Fórmula 1 e atualmente na Stock Car), com quem tem a filha Sophia, de 4 anos.
ggi:
que vale ouro plo, mudanças positivas na vida delas”, revelou a atleta. Descoberta em 1993 pelos que ainda hoje são seus técnicos, Nélio e Tânia Moura, a saltadora de 32 anos, como boa parte dos atletas brasileiros, passou por dificuldades no início da carreira. Ficou longe da família, dividiu alojamentos com outras atletas, batalhou para conseguir bons patrocinadores. A certeza de que estava no caminho certo, porém, fez com que persistisse. “Minha família sempre me apoiou e desde pequena eu tinha a intenção de me
tornar uma atleta. No começo, não tinha certeza quanto à modalidade, e isso foi bom para mim, pois pude experimentar um monte de coisas. Quando a Tania me convidou para ir treinar em São Paulo, me convenci que meu futuro estava no atletismo”, conta. Já em 1996, Maurren integrou as estatísticas da Federação Internacional de Atletismo (Iaaf), registrando 6,47m. Em 1999, obteve a melhor marca da sua carreira, que dura até hoje, com 7,26m, em uma competição em Bogotá, na Colômbia.
No mesmo ano, veio a medalha de ouro no Pan de Winnipeg, no Canadá. A carreira tão bem sucedida ficou à beira do abismo em 2003, com o episódio do doping, quando a substância clostebol foi encontrada em seu organismo. O composto estava na fórmula do creme cicatrizante Novaderm, que foi aplicado após uma sessão de depilação definitiva. A droga é a primeira na lista de proibições da Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF). Na ocasião, a atleta pensou mesmo em abandonar o esporte. “Logo no começo, acreditei que poderia provar minha inocência. Foi um momento muito difícil, mas fui absolvida em meu julgamento no Brasil e isso para mim valeu muito. Depois desse processo desgastante, a Federação Internacional recorreu, e eu realmente me afastei dos treinos, abandonando inclusive minha defesa. Mas há males que vêm para bem: foi nessa época que tive a Sophia, e ela foi minha maior força para voltar a treinar e competir”, avalia. Renovada pelo nascimento da filha, Maurren voltou aos treinamentos em 2006 e os resultados já apareceram no ano seguinte: ouro no Pan do Rio, com a marca de 6,84m. Foi sua volta oficial às manchetes dos jornais, novamente de forma positiva. E para coroar de vez seu retorno, a consagração veio nas Olimpíadas do ano passado, logo no primeiro salto, com a marca de 7,04m. A russa Tatyana Lebedeva, que Neo Mondo - Abril 2009
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Especial -Eu sou brasileiro
equipes, mais apoio governamental, a Confederação e a Federação Paulista estão bem estruturadas. Quase toda minha preparação foi feita no Brasil, com pequenos períodos realizados no exterior, para me manter perto das competições. Mas o que me anima é saber que estamos preocupados em continuar melhorando, dentro e fora das pistas. Com isso, nossa chance de continuar obtendo resultados de destaque internacional vai continuar sendo grande”, afirmou. Muita da confiança nos bons resultados e no crescimento do esporte brasileiro certamente vem da paixão da atleta pelo país e seu povo. “ O povo brasileiro é vibrante, acolhedor, e o país é lindo. Tenho orgulho da exuberância da natureza e da persistência do povo”, declarou. Em matéria de persistência, ninguém pode negar que a saltadora é uma autoridade. E em breve, ela terá oportunidade de mostrar isso novamente. Suas dores no joelho, as quais vem sendo apontadas pela imprensa como um problema de peso, terão que ser superadas para que ela consiga participar do Campeonato Mundial, que será disputado em agosto, em Berlim, Alemanha. “Não tenho dúvidas que chegarei a Berlim em condições de competir de igual para
igual com as melhores do mundo. Quando se falou a respeito de minhas dores no joelho, houve uma super-valorização. Elas não eram assim tão fortes, diria até que eram dores normais pelo tipo de atividade que tenho. Quando aparecem, reduzo os treinamentos, me afasto um pouco das competições e volto com mais força ainda”, disse. Alguém ainda tem dúvidas de que ela consegue? Janine Moraes /ABr
havia sido campeã olímpica em Atenas2004, chegou perto: 7,03m. Mas, por um centímetro, Maurren garantiu o ouro, uma conquista que emocionou os brasileiros. A medalha foi dedicada à filha. “É pela Sophia que eu estou aqui”, declarou ao final da prova. A resposta inusitada de Sophia, de 4 anos, foi acompanhada com graça por todo o país. “Eu queria de prata”, disse a pequena aos repórteres. E com esta história emocionante, Maurren entrou para a galeria de ídolos do esporte brasileiro. Tanto carinho recebido pelo Brasil afora tem sido retribuído por meio de iniciativas de cunho social. “Além das ações com o Clube Rede Atletismo (sua equipe), também participo junto com a Federação Paulista de Atletismo e a Secretaria de Esportes e Turismo de São Paulo de programas sociais, com várias escolinhas de atletismo espalhadas por São Paulo. Quero continuar emprestando minha imagem para promover iniciativas como essas. Tenho certeza que descobriremos muitos campeões, e que formaremos muita gente responsável com esse tipo de trabalho”, comentou. Suas expectativas em relação ao desenvolvimento do esporte no país também são positivas. “Estamos melhorando muito, em vários níveis. Temos hoje mais
Maurren Maggi, medalhista de ouro nas Olímpiadas de Pequim, é uma das homenageadas pela Caixa Econômica Federal
Antonio Cruz/ABr
A medalhista de ouro no salto em distância, Maurren Maggi, discursa durante encontro do presidente Lula com atletas medalhistas dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Pequim
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Eduardo Sanches
NOSSAS VIRTUDES
como diferencial competitivo Conhecendo e potencializando as qualidades do brasileiro na gestão ambiental.
A
inda podemos nos considerar dependentes de tecnologia externa no segmento químico e petroquímico. Já no que diz respeito a performance operacional, não ficamos atrás de ninguém. Lembro-me que, há alguns anos, em um terminal marítimo que operávamos, o outro acionista (50% minha empresa e 50% principal multinacional de terminais de produtos químicos do mundo) ficava surpreso com a performance do nosso terminal em relação aos demais em outros países. A sistematização das operações e a criatividade dos brasileiros para solução de problemas sempre foi um ponto fortíssimo no desempenho produtivo. As questões ambientais necessitam de planejamento e procedimentos fundamentados na estratégia da empresa e suficientemente flexíveis para garantir a boa performance operacional e, consequentemente, ambiental. Considero consequência, pois hoje não podemos mais imaginar e aceitar uma empresa
com bons resultados de produção sem controles ambientais adequados. Esse alto nível operacional integra necessariamente elementos de qualidade, produtividade, segurança e meio ambiente. Se um desses aspectos não está funcionando adequadamente, compromete-se, ao longo do tempo, o fundamental caráter sustentabilidade. Essa criatividade, citada acima, deve ser considerada na elaboração dos planos de Gestão e de procedimentos, pois podem trazer bons resultados quando bem conduzida. As especificidades de cada região também influenciam diretamente nesses resultados. Hábitos regionais que a primeira vista podem nos parecer absurdos dentro de uma empresa podem sim trazer bem-estar e proporcionar um desejo de troca entre colaborador e empresa. Assim como nos adaptamos para atuar em áreas desconhecidas, identificando seus processos, fluxos, gargalos, etc, precisamos também conhecer algumas
variáveis humanas que impactam diretamente no resultado. Quando falamos em meio ambiente, a sensibilização do colaborador para o tema é tão importante quanto “saber fazer”, pois, na maioria dos grandes acidentes industriais, todos conheciam os procedimentos corretos, mas algo ocorreu já que eles não foram seguidos adequadamente. Como todos os outros povos, temos qualidades e defeitos, e precisamos potencializar nossas virtudes como diferencial competitivo.
Eduardo Sanches Gerente de Meio Ambiente, Segurança, Saúde e Qualidade de Grupo Petroquímico. Professor universitário de Gestão Ambiental e de Pós-Graduação (MBA).
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Especial - Eu sou brasileiro
Paulo Freire
O embaixador da Legado de Paulo Freire transcende as fronteiras nacionais Gabriel Arcanjo Nogueira
O
Seminário Internacional Paulo Freire, realizado em março último no Centro de Convenções da Unicamp, no interior paulista, representa bem o quanto o educador pernambucano é referência no País e no exterior. Que o digam educadores de outros países presentes ao evento, que privaram da “amizade pedagógica” dele em vida e dão continuidade à sua obra. Arantxa Ugartetxea, da Espanha, lembrou que ela e o marido, nos anos 1970-1980, sentiram que “foi emocionante ver como a presença física era a realidade da palavra escrita” do mestre. A Universidade Estadual de Campinas teve em Paulo Freire um de seus expoentes durante 10 anos, e o Seminário - em sua sétima edição - é uma das maneiras de
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tornar sempre presente a importância pedagógica do pensador, nascido em 1921, em Recife. Outras, lembra a Assessoria de Imprensa da Unicamp, é a criação da primeira biblioteca popular de Campinas, que leva o nome do educador, além de experiências e pesquisas acadêmicas realizadas a partir do pensamento freireano. Projetos e palestras são realizados em países como Colômbia, Brasil e Chile. Neste, se organiza um encontro em parceria com a diretora do Sistema Educacional de Santiago do Chile, Lorena Contreras, também presente no Seminário da Unicamp. Francisco Genézio Mesquita, organizador do Seminário, fez questão de trazer ao evento da Unicamp pessoas que não só trilharam o caminho de Paulo Freire, mas também contribuem para escrever a história da instituição. Uma parceria que ajuda a preservar e difundir o legado do educador brasileiro. Um dos convidados para a abertura do Seminário foi o presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Paulo Freire, Moacir Gadotti. O IPF é também referência quando se trata de prestar serviços do mais alto nível em ações educacionais, para o que conta com um quadro de consultores comprometidos com a pedagogia freireana. Pessoas integradas e solidárias Para a Unicamp, a discussão sobre o pensamento de Paulo Freire é uma forma de resgatar a idéia de um mundo capaz
de integrar pessoas, ressalta a Assessoria de Imprensa da Universidade. Genézio destacou a importância do público, em sua maioria formado por educadores, na sua percepção das idéias do mestre: “Temos de preservar o pensamento original dele fazendo disso uma reflexão para as práticas atuais. Vocês multiplicaram a notícia, vocês recomendaram uns aos outros. Paulo Freire acreditava no trabalho voluntário, e o público tem feito isso desde o primeiro seminário, um convidando o outro”, disse a um auditório com lotação máxima. Quem também privou da convivência com Paulo Freire é o colombiano Miguel Escobar, educador radicado no México. Presente ao Seminário, acentuou que falar do mestre não é só recordações, por mais alegres que tenham sido as horas passadas ao lado do amigo. Professor universitário, Escobar aplica a pedagogia freireana em salas de aula. “Meus alunos participam da formação de conhecimento”, sintetiza. Desde o primeiro encontro que teve com Paulo Freire, em Genebra (Suíça), na década de 1970, até hoje, Escobar traz os pensamentos do educador nos livros que escreve. Está perto de ser lançado, em São Paulo, “Paulo Freire na Educação Superior”. De 1983 a 1985, Escobar dedicou-se a trabalhos sobre pedagogia de Freire na Universidade Nacional Autônoma do México (Unam). “Éramos muito amigos, ele prefaciou dois livros de minha autoria”,
educação
“
Emocionante ver como a presença física (dele) era a realidade da (sua) palavra escrita
”
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Especial - Eu sou brasileiro
Antoninho Perri/Ascom Unicamp
Antoninho Perri/Ascom Unicamp
Seleto grupo de convidados mostra que a discussão sobre o pensamento de Paulo Freire é uma forma de resgatar a idéia de um mundo capaz de integrar pessoas
disse. Mas o que mais conta, em sua visão, é que o evento da Unicamp é um momento importante para o resgate da teoria da solidariedade. Educador incansável A trajetória de Paulo Freire e de seu método pedagógico, com base no diálogo - que a partir de 1963 começa a ser conhecido no País - é expressiva desde o início (Quadro 1), bem como o número de suas obras publicadas em períodos diferentes da história do País (Quadro 2). “Pedagogia do Oprimido” é obra fundamental para entender o pensamento e a prática do educador, o que a faz ser um dos títulos com mais número de edições e reimpressões, informa a Assessoria de Imprensa da Editora Paz e Terra. O bacharel em Direito, formado em 1946, desistiu logo da profissão. Foi diretor de Educação e Cultura do Sesi, a partir de 1947, participou da criação do Movimento de Cultura Popular (MCP) de Recife, em 1960, e dois anos depois assumiu a direção do Serviço de Extensão da Universidade de Pernambuco. A alfabetização é entendida por Paulo Freire não apenas como domínio das técnicas de leitura e escrita, mas como aquisição da capacidade de leitura do mundo, de desenvolvimento da consciência crítica. E a educação não pode ser verbalista, autoritária e vista de cima para baixo, que o pensador chamava de “bancária”. Para ele, deve passar pelo reconhecimento da iden-
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Centro de Convenções da Unicamp com lotação máxima durante o VII Seminário Internacional Paulo Freire: importância pedagógica do mestre é perene
tidade cultural do aluno para, na reta final, ser potencial de transformação do mundo. Chegou assim a coordenar o Programa Nacional de Alfabetização do Ministério da Educação, em 1964, mas veio o golpe militar. Foi preso e, depois de um período de auto-exílio, retornou ao Brasil em 1979. Em 1970, foi um dos criadores do Instituto de Ação Cultural (Idac), na Suíça.
Além de professor na PUC, Unicamp e USP, Paulo Freire foi secretário municipal de Educação de São Paulo, entre 1989 e 1992. Recebeu o título de doutor honoris causa em cerca de 30 universidades brasileiras, americanas e européias. Para saber mais acesse http://www.histedbr.fae. unicamp.br/navegando/p.html ou http:// www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/glossario/verb_b_paulo-freire.htm
Quadro 1 - De Angicos para o mundo • 300 trabalhadores rurais alfabetizados em 45 dias, em Angicos (RN); • Perto de 40 livros publicados; • Plano Nacional de Alfabetização previa alfabetizar 16 milhões de adultos em 4 anos; • Presença em projetos e palestras em países como Chile, Colômbia, Suíça, Itália, Estados Unidos e ex-colônias portuguesas. Fontes: “Larousse Cultural” e Fae/Unicamp
50 Anos de Literatura Entre os livros de Paulo Freire, destacam-se: • “Educação e Realidade Brasileira”; • “Educação como Prática da Liberdade”; • “Pedagogia do Oprimido”; • “Pedagogia da Esperança”; • “Pedagogia: Diálogo e Conflito”; • “Pedagogia da Indignação”. Fontes: “Larousse Cultural” e Fae/Unicamp
Dilma de Melo Silva
Correspondente especial de Quioto – Japão
O que é ser
brasileiro
Os princípios unificadores do povo brasileiro.
C
omo docente de Cultura Brasileira na Universidade de São Paulo, costumo iniciar minha disciplina formulando essa pergunta: O que nos une enquanto cidadãos nascidos num determinado território? Qual seria o “cimento” capaz de nos agregar enquanto coletividade? Para o ser humano, tomado em sua “singularidade individual”, a cultura representa o meio através do qual ele tem acesso ao mundo externo e à sociedade onde vive, uma vez que dela provém: • Instrumentos de compreensão pelos quais pode explicar, a si mesmo, sua própria situação no universo natural e no universo social; • Princípios de orientação que propiciam parâmetros para conduta: “olho ao meu redor e me vejo”.
“
Quem viveu fora do país sabe do que se trata
”
No cerne da cultura, temos um nicho privilegiado no qual se aloja um sistema de valores que fornece o instrumental para o indivíduo se relacionar com as diferentes atividades sociais; aí se alojam os elementos norteadores da cultura que atuam e nos inserem como ser-no-mundo. Os aparelhos culturais encarregamse de administrar, transmitir, renovar, legitimar, valorizar o capital cultural: Família, Escola, Estado, Meios de Comunicação constituem formas de organização do espaço e do tempo, que geram hábitos, sistemas de disposições, esquema de percepção, compreensão e ação, sendo estruturados (pelas condições sociais, pela posição de classe, pela inserção social) e também estruturantes (geradores de práticas, de esquemas de percepção e de apreciação). É provável que a cultura tenda à utilização da religiosidade como princípio fundador e unificador, uma vez que o sagrado propõe uma representação da “realidade humana última” – fundadora para a existência do grupo social – e organize, assim, as relações do indivíduo com essas “realidades últimas”. Desse modo, deve ser vista (a cultura) como sendo o elemento que confere
ao indivíduo um “lugar” onde possa, verdadeiramente, “sentir-se em casa”, condição para a vida humana, não podendo, pois, ser encarada como “ornamento” ou como “privilégio” deste ou daquele segmento social, pois é através dela que o ser humano se “enraíza” e se torna “humano”. Somos todos portadores e criadores de cultura, conforme nos ensina Paulo Freire. Nos sentimos “brasileiros” toda vez que nos encontramos em contato com uma “outra cultura” e descobrimos a emoção ao ouvir o Hino Nacional, ao contemplar a bandeira verde amarela, ao saborear um arroz com feijão, ao degustar uma manga, ao falar português... Quem viveu fora do país sabe do que se trata.
Professora doutora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, socióloga pela FFLCH\USP, mestre pela Universidade de Uppsala, Suécia, e Professora convidada para ministrar aulas sobre Cultura Brasileira na Universidade de Estudos Estrangeiros. Neo Mondo - Abril 2009
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Eduardo Bernhardt
Especial - Eu sou brasileiro
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Licoes de
VIDA A condição de deficiente físico mudou o sentido de vida e transformou o campeão Alarico Moura. Liane Uechi
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uem vê Alarico Moura, o Ala, um jovem senhor de 64 anos, andando de bicicleta, surfando, ministrando palestras, posando para fotos se surpreende com a história desse paraatleta, que após a amputação da perna esquerda soube driblar as dificuldades e tornar-se um exemplo de vida. O que impressiona nesse brasileiro é a habilidade de utilizar a seu favor as situações adversas que a vida lhe impôs. Reverter o jogo da vida é, de fato, uma qualidade dos fortes. Morador da Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, exmilitar, viu sua vida transformada após um acidente – foi atropelado por um carro, enquanto andava na calçada -, que o deixou com semiparalisia. Após dois anos de hospitalização e a amputação da perna esquerda, chegou em casa com as
difíceis tarefas de reaprender a andar e planejar uma vida com mais limitações. Reaprender a andar ele cumpriu, num processo lento e de sofrimento. Quanto à vida de limitações, nem pensar. Por orientação médica, começou a se envolver com atividades físicas para obter condicionamento. Iniciou caminhadas com muletas, passou às corridas de até 15km, praticou ginástica em academia, patinação, natação, surfe, frescobol, futebol, caça submarina e tornou-se mergulhador profissional . A partir de 1984, descobriu a bicicleta como forma de lazer e, daí para as corridas de ciclismo e de mountain bike, sua grande paixão, foram poucos passos, aliás, muitas pedaladas. Alarico mantém um ritmo intenso de treinamento, utilizando a bicicleta como meio de trans-
porte e estilo de vida. Pedala diariamente cerca de 70 km. “Em 1994, filiei-me à Confederação Brasileira de Ciclismo e à Federação Estadual de Ciclismo e passei a participar oficialmente de vários eventos de ciclismo, dando início assim a uma série de conquistas”. Um detalhe é que não participava como deficiente físico, ele competia com atletas que tinham as duas pernas, na categoria sênior. Ele coleciona não apenas vitórias esportivas. Entre os troféus e medalhas que forram sua prateleira, estão histórias e prêmios muito mais valiosos. O envolvimento com o esporte, que por si só já agrega a inerente condição de superação, acabou despertando a atenção das pessoas por onde passava.
Especial - Eu sou brasileiro Seu temperamento ajuda nesse sentido. Extrovertido e brincalhão, Ala impressiona por sua vitalidade e determinação. “Fui tomando, lentamente, a consciência de que podia de alguma forma, com a minha deficiência física e postura positiva diante da vida, influenciar e beneficiar outras pessoas.” – disse ele. Isso foi se tornando evidente durante os passeios e treinos, pelas ruas e praias cariocas. “Pedalando com uma única perna, chamava a atenção dos que passavam e comecei a ser parado na rua por desconhecidos que pediam minha ajuda. Solicitavam que eu conversasse com parentes e amigos que passavam por momentos difíceis de reabilitação, recuperação de doenças ou depressão” – contou ele. E mesmo que no começo, sem se dar conta, apenas vivendo intensamente, praticando atividades físicas e exercitando os mais difíceis exercícios que são o bom humor e o otimismo constante, Alá serve de estímulo e motivação para muitos. “Ouvi uma vez um depoimento que me marcou profundamente. Fui da minha casa na Ilha do Governador até a Barra, de bicicleta (cerca de 100 km). E parei para descansar em um lugar que sempre frequento. Um senhor, taxista, se aproximou, puxou conversa e me disse que há muitos anos me via por ali, praticando esportes. Ele relatou que um há tempo passou por um momento de grande depressão e que só não fez nenhuma besteira porque, na hora, lembrou de mim. Me dei conta da responsabilidade e da influência que exercemos simplesmente pelo modo como vivemos” – disse. Quem conhece Ala percebe, com nitidez, sua alegria de vida que permite, inclusive, que brinque com sua condição. “Sou um mutante, como o Volverine” – relata ele, seguido de uma gargalhada. Ele diz que agradece a Deus por tudo que lhe aconteceu, pois sua deficiência lhe
Alarico durante uma das palestras motivacionais que ministra
permitiu enxergar de outro modo a vida. “Antes, eu era uma pessoa sem noção. Não tinha responsabilidade com nada, com o próximo, com o meio ambiente, com a família. Quando me vi na condição de deficiente físico, descobri o grande poder que possuo como ser humano. Todos nós somos importantes para o mundo. Hoje, só peço a Deus que me ajude a corrigir meus inúmeros defeitos” – afirmou ele. Alá é um homem de muitas habilidades, é heptacampeão carioca de mountain bike. Foi ainda seis vezes campeão brasileiro e um dos escolhidos para carregar a tocha dos Jogos Parapanamericanos, disputados no Rio de Janeiro em 2007. É também diretor paradesportivo da Federação de Ciclismo do Estado do Rio de Janeiro (Facierj). Dentre suas atividades diárias, está a de artista plástico autodidata e premiado. Umas das suas mais importantes atuações é a de ativista da responsabi-
“
lidade social, voluntário em uma instituição filantrópica, o GEID - Grupo Espírita Irmão Demetrius - que ampara cem famílias cadastradas com cesta básica, visitas a asilos e hospitais e amparo a moradores de rua. “A vida me ensinou que há tempo para tudo, para cuidar do corpo, da mente e também do nosso próximo”. Muito requisitado para ministrar palestras motivacionais sobre superação e transformação do homem, ele fala e se movimenta com desprendimento diante do público, por até 3h consecutivas. Se esse vigor e exemplo não motivarem os expectadores, o que o fará? “Em vez de sofrer e de me lamentar, agradeço a Deus pela vida fantástica que eu tenho. Ser diferente é normal. Eu acordo muito feliz para a minha rotina de trabalho, porque eu levanto da cama todos os dias com o pé direito” – concluiu o bemhumorado Alarico.
Em vez de sofrer e de me lamentar, agradeço a Deus pela vida fantástica que eu tenho. Ser diferente é normal
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Natascha Trennepohl
Correspondente especial de Berlim – Alemanha
Goleada de
solidariedade Os projetos sociais desenvolvidos por jogadores de futebol brasileiros.
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odo mundo sabe que o futebol é uma paixão dos brasileiros. Já conquistamos cinco títulos mundiais e isso é motivo de grande orgulho nacional. No entanto, poucas pessoas conhecem o trabalho social realizado fora das quatro linhas, pois muitos jogadores encerram suas carreiras nos gramados, mas continuam sendo motivo de orgulho ao criarem organizações para atender crianças carentes. Jogadores como Jorginho, Bebeto, Raí e Leonardo ajudaram a escrever a história do tetracampeonato brasileiro em 1994 e ainda hoje continuam a inspirar muitas crianças e adolescentes, não apenas aquelas que sonham em se tornar atletas profissionais. Esses jogadores criaram instituições que vão muito além de escolinhas de futebol, pois seus programas procuram relacionar atividades esportivas com educação, qualidade de vida, importância da família e integração no mercado de trabalho. Jorginho e Bebeto fundaram o Instituto Bola pra Frente, em 2000, e vem desenvolvendo projetos com crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos, oferecendo auxílio escolar a algumas comunidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Jorginho já demonstrava interes-
se em ajudar as crianças carentes desde meados da década de noventa, antes mesmo de criar o seu próprio instituto, época em que começou a contribuir com o Centro de Cooperação para o Desenvolvimento da Infância e da Adolescência – CCDIA. O Instituto Bola pra Frente não pretende concorrer com a escola, mas sim fornecer suporte a muitas crianças e complementar as atividades escolares. Com isso, é possível evitar que muitas delas acabem indo para as ruas ou abandonem a escola. Outra organização que vem desenvolvendo um trabalho interessante nesse campo é a Fundação Gol de Letra, criada em 1998 pelos jogadores Raí e Leonardo. Os projetos também visam complementar as atividades escolares e atendem mais de mil crianças e adolescentes entre 7 e 21 anos. As formas de contribuições podem variar de acordo com a disposição de cada um, seja através de doações, voluntariado, visitas, etc. O Relatório Anual de 2007 mostra que o Programa Virando o Jogo, que é apenas um dos projetos desenvolvidos pela Fundação, arrecadou, naquele ano, mais de quatrocentos mil reais de empresas financiadoras.
Pode-se dizer que os jogadores de futebol têm um grande potencial para conseguir patrocinadores, pois muitos deles possuem credibilidade em razão da sua atuação profissional nos gramados, o que ajuda na hora de entrar em contato com os empresários. Mas é claro que apenas o prestígio não é suficiente para conseguir bons resultados no campo da educação e é necessário contar com a ajuda de uma equipe técnica capacitada e competente. É importante destacar que além dos jogadores que criam as organizações, aqueles que participam das campanhas para arrecadar fundos em sessões de autógrafos e partidas beneficentes também estão desempenhando um importante papel para as crianças. Estamos diante de excelentes exemplos de solidariedade que nos fazem ter orgulho desses craques, não apenas pela sua habilidade ao balançar a rede nos estádios.
Natascha Trennepohl Advogada e consultora ambiental Mestre em Direito Ambiental (UFSC) Doutoranda na Humboldt Universität (HU) em Berlim
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Fiscal da Floresta
Um Olhar Consciente da
Amazônia
A Revista Neo Mondo vasculha as ações e devastações da Amazônia Legal Brasileira e traz as principais novidades sobre a região. Da Redação
Projeto para o aumento da área de dendê na Amazônia Um programa de cultivo de palma em larga escala na Amazônia foi desenvolvido pelo governo federal. Segundo o Ministério da Agricultura, uma área de 1 milhão de hectares será destinada para plantações de dendê. Essa é a dimensão da primeira etapa do projeto, sendo que a área total projetada para a expansão do cultivo deste fruto, especialmente no Pará, é de 10 milhões de hectares. O plano está diretamente ligado ao programa brasileiro de biodiesel, que visa o aumento da produção de combustíveis alternativos.
Contra a livre transferência
Saúde afetada
O deputado Asdrubal Bentes (PMDBPA) apresentou, no último dia 18, um relatório que ampliava as possibilidades de transferência de terras da Amazônia sem licitação, inclusive com a redução da reserva legal (percentual de floresta original que deve ser mantido nas propriedades) e a autorização para compra por pessoas jurídicas. Contra essa ação, algumas ONGs e parlamentares da bancada ambientalista tentarão dificultar a aprovação da Medida Provisória 458, que tem base no relatório de Bentes. Segundo o Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), o texto do deputado acrescenta estímulos à desocupação desordenada da região, além de consolidar um processo histórico de grilagem das terras amazônicas.
Uma pesquisa realizada pela Fiocruz, em parceria com outras instituições, indicou que os moradores do “arco do desflorestamento”, área onde estão concentrados os desmates na Amazônia, estão expostos a um índice de poluição até 17 vezes maior do que o limite estabelecido pela OMS (Organização Mundial da Saúde). O estudo comprova os efeitos nocivos das queimadas à saúde dos moradores da região, gerando um aumento no número de consultas e internações hospitalares por doenças respiratórias e uma redução expressiva na capacidade pulmonar de crianças e adolescentes.
Primeira doação
Receber para não desmatar Governadores de cinco Estados da Amazônia Legal defenderam a necessidade da implantação de compensações financeiras aos produtores rurais que deixarem de desmatar. A manifestação foi feita na 14ª edição do Katoomba Meeting, um encontro internacional que discutiu a implantação de instrumentos de mercado para a redução das derrubadas e da emissão de gasesestufa. Segundo os governadores, os chamados “pagamentos por serviços ambientais” são a forma de conciliar crescimento econômico com sustentabilidade ambiental.
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Outubro 2008 Neo Mondo - Abril 2009
O governo da Noruega doou US$ 110 milhões para o Fundo Amazônia, no final do mês de março. O fundo tem por finalidade captar doações para investimentos nãoreembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento. Essa foi a primeira doação recebida pelo fundo que, até junho, arrecadará mais US$ 18 milhões vindos do governo alemão.
Desmatamento estável Nos mês de fevereiro, foram registrados 62 km² de desmatamento na Amazônia Legal, segundo dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). Os números apresentados indicam que o desmatamento nesse mês foi muito semelhante ao mesmo período de 2008 (63 km²). Da porção destruída, a maior quantidade foi no Mato Grosso, com 65%, seguido do Pará (25%), Roraima (4%) e Amazonas (4%).
Compra beneficente
Exemplo para outros biomas
Uma ONG que reúne cientistas espanhóis planeja comprar 100 mil hectares da Amazônia para criar uma reserva natural administrada pelas comunidades indígenas. Segundo os responsáveis pelo projeto, a reserva ficaria entre a cidade colombiana de Leticia e o Parque Nacional de Amacayacu, situado na fronteira com o Brasil e o Peru, às margens do Rio Amazonas. A região onde está prevista a criação da reserva possui 110 espécies de mamíferos e 500 de aves.
O Ministério do Meio Ambiente lançou um programa para monitorar por satélite o desmatamento em todos os biomas brasileiros. Até hoje, o serviço só existia na Amazônia. Mas, seguindo o exemplo da maior floresta tropical do mundo, a partir de agora também serão vigiados o Cerrado, a Caatinga, o Pantanal, a Mata Atlântica e os Pampas. A previsão é que o sistema entre em funcionamento plenamente no prazo de um ano. Com base nos dados obtidos pelo monitoramento, o Plano Nacional de Mudanças Climáticas passará a ter metas específicas para a redução das derrubadas em cada bioma.
Amazônia brasileira desprotegida Um mapa produzido pela Raisg (Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada) indicou que o Brasil é um dos países que têm proporcionalmente menos áreas protegidas na Amazônia. São 39,6% da área amazônica brasileira sob proteção contra 56% da colombiana, 79,7% da equatoriana e 71,5% da venezuelana. Somente o Peru destina uma proporção menor de sua selva às reservas florestais: 34,9%. Considerando somente os territórios reservados para os povos indígenas, o Brasil também fica atrás dos vizinhos. Cerca de 51% da Amazônia colombiana, 26% da boliviana e 65% da equatoriana são indígenas.
Monitoramento das águas A Agência Nacional das Águas (ANA) e o Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento da França (IRD) assinaram um plano de trabalho para o projeto de “Monitoramente Espacial Hidrológico na Bacia Amazônica”. A parceria, que foi firmada em Brasília, no começo de abril, ocorrerá até 2011. O objetivo é monitorar, através de satélites, grandes bacias hidrográficas, visando o acompanhamento das variações climáticas. O projeto será dividido em duas partes: a primeira, já definida, acontecerá até dezembro de 2009 e trabalhará na criação de um banco de dados com informações sobre os desníveis, a vazão e a altimetria dos rios, a qualidade da água dos reservatórios e a coleta de amostras em estações virtuais. Ao final desse ano, haverá uma avaliação do andamento das ações, o que determinará a segunda parte do projeto, prevista para 2010.
215% até 2100 Um estudo feito pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), liderado pelo climatologista Carlos Nobre, avaliou, pela primeira vez, os efeitos conjuntos das mudanças climáticas e do desmatamento na Amazônia. No cenário mais pessimista, considerando um aumento de temperatura de 5ºC e a destruição de 60% da floresta, a savana na região cresceria 215,6% até 2100, ou seja, menos da metade da floresta conseguiria manter sua capacidade de regeneração. Em um cenário otimista, em que o aumento da temperatura seja de 3ºC e o desmatamento de, no máximo, 40%, a savana na região aumentaria 170%. Da mesma forma, apenas 66,2% da floresta conseguiria se restaurar.
Educação indígena O governo do Amazonas está trabalhando forte em um plano de educação indígena iniciado em 2005. Os índios amazonenses têm educação diferenciada, específica, intercultural, bilíngüe, comunitária e de qualidade. Dentre as capacitações, há a aplicação de cursos de Metodologia da Alfabetização em Língua Portuguesa e Língua Indígena, Fundamentos e Conceitos Legais de Educação Escolar Indígena e Metodologia de Matemática. A prioridade do projeto é formar professores indígenas, que no futuro serão capacitados para atuar como educadores em suas próprias comunidades. Atualmente, a educação indígena possui 1.655 professores, que atuam em 47 municípios e 723 escolas, nas quais estudam 49.019 alunos.
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Dica
Sugestões de Livros Vitória: Ayrton Senna Autor: Melhoramentos (Ed.) Editora: Melhoramentos O livro “Vitória: Ayrton Senna” traz fotos emocionantes, muitas delas inéditas, do tricampeão de Fórmula 1 Ayrton Senna da Silva. Dividida em seis capítulos (Motivação, Disciplina, Espírito de Equipe, Perseverança, Excelência e Vitória), a obra apresenta ao leitor um pouco mais da vida e da personalidade deste vencedor, mostrando os traços característicos que fizeram dele um campeão dentro e fora das pistas, além
de frases ditas pelo próprio Ayrton durante sua vida e carreira. Indignado com a desigual situação social de seu povo, Senna sempre se preocupou em fazer algo sistemático que criasse oportunidades de desenvolvimento às novas gerações. Porém, esse sonho só foi possível após sua morte, através do Instituto Ayrton Senna, fundado por sua irmã e presidente do Instituto, Viviane Senna.
Pedagogia do Oprimido Autor: Paulo Freire Editora: Paz e Terra O livro apresenta o Método Paulo Freire, a mais importante proposta pedagógica pensada com base na realidade do Terceiro Mundo. Apesar dos mais de vinte anos que o separam do primeiro Método,
mantém atual a avaliação do papel da educação, o vigor de suas perspectivas e sua aplicabilidade. É, por isso mesmo, obra de referência, imprescindível ao estudo da pedagogia.
Ecocidadão Autoras: Denise Scabin Pereira/Regina Brito Ferreira Editora: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo O livro, de fácil compreensão, destrincha as questões ambientais para o público leigo, sejam crianças ou adultos, mostrando como o cidadão deve se comportar para evitar o desperdício de água, energia e outros recursos da natureza. “Ecocidadão” é a segunda publicação da série Cadernos de Educação Ambiental, lançada em novembro de 2008, com
o livro “As águas subterrâneas do Estado de São Paulo”. A série tem 19 títulos no total, abordando temas como agricultura sustentável, aquecimento global, biodiversidade, consumo, ecoturismo e outros, para serem trabalhados em salas de aula e que servirão também de suporte para pesquisadores, técnicos, ambientalistas e outros profissionais.
Sem dúvida A nemia falciforme: É o nome dado a doença hereditária que causa a má formação das hemácias. As hemácias assumem forma semelhante a foices, causando deficiência do transporte de gases nos indivíduos acometidos pela doença.
H ematologista: é o médico que se utiliza do sangue para auxiliar na terapêutica de doenças hematológicas, como anemias, leucopenias, hemofilias e leucemias. Esses doutores também atuam no manejo de pacientes traumatizados, com grandes queimaduras, e no preparo cirúrgico.
D oença oncológica:
I nstituição filantrópica:
É um dos termos utilizados para as pessoas que têm câncer.
é uma entidade que presta serviços à sociedade, principalmente as pessoas mais carentes, e que não possui como finalidade a obtenção de lucro.
E tnografia: é a especialidade da antropologia que tem por fim o estudo e a descrição dos povos, sua língua, raça, religião e manifestações materiais de suas atividades.
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L eprosário: era o nome atribuído aos estabelecimentos para os quais as pessoas contaminadas com hanseníase (lepra) eram enviadas a fim de isolá-las do
resto da população, com o intuito de conter a contaminação pela doença.
P ernicioso: prejudicial, perigoso, ruinoso.
S emiparalisia: é a disfunção ou interrupção dos movimentos de um ou mais membros (superiores, inferiores ou ambos) parcialmente. Nos casos de semiparalisia, a mobilidade se apresenta apenas num padrão abaixo do normal, no que se refere à força muscular, precisão do movimento, amplitude do movimento e a resistência muscular localizada.
T alassemia: é um tipo de anemia hereditária causada pela redução ou ausência da síntese da cadeia de hemoglobina.
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