Neo mondo 38

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NeoMondo

www.neomondo.org.br

um olhar consciente

Ano 4 - Nº 38 - Dezembro 2010 - Distribuição Gratuita

Surge uma

nova tv 08

Aziz Ab’Sáber

NEO MONDO TV

Polêmico

Sensacional

26

Código Florestal Problema Crônico

32


A

Neo Mondo - Outubro 2008


Neo Mondo - Outubro 2008

A


PROGRAMA

4 ELEMENTOS TUDO DE BOM, GALERA!!!

Brigite - Terra

Raul - Ar

Enrico - Fogo

Victória - Água


Um ousado “real life show” vivenciado no litoral norte paulista diariamente na telinha do seu computador em tempo integral, mostrando o dia- a-dia de 4 adolescentes com idades entre 13 e 17 anos. A missão deles é conquistar as pessoas e salvar o planeta, neste programa que fala a linguagem dos jovens apontando as suas principais preocupações, seus sonhos, sem fugir da realidade que os cerca. Com muita aventura (trilhas, cachoeiras, mergulhos) e esportes radicais (surf, skate, asa delta, windsurf), os 4 elementos - além de educativo - é um programa com base no tripé da sustentabilidade que é a conscientização, mobilização e atitude.

Você precisa fazer a sua marca chegar a este público seleto. É o que oferecemos neste programa, cuja oportunidade é imperdível pelo que representa por ser um marco na tv mundial (legendas em inglês e espanhol).

PARA MAIORES INFORMAÇÕES,

LIGUE: (11) 4994-1690.


Seções Perfil 08 Aziz Ab’ Sáber Polêmica é com ele mesmo

20 Artigo – Natascha Trennepohl Active House

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Matéria de Capa NEO MONDO TV Proposta de um Mundo Sustentável

24 Artigo – Terence Trennepohl Conferência do Clima Educação 30 Construindo o amanhã Educação Ambiental

Meio Ambiente

CULTURA, LAZER e ARTE

32 Código Florestal 80 anos em baixo do tapete

42 Artigo – Ilma de C. P. Barcellos Água Virtual

44

meio ambiente 48 Artigo – Dr. Marcos Lúcio Barreto Precisamos reduzir o consumo

50 A digital das Castástrofes Desastres naturais no mundo

meio ambiente TEDxAmazônia Ideias no coração da Amazônia Cotidiano 54 Forças multiuso A banalização da excepcionalidade

52 Artigo – Denise de La Corte Bacci Quem conhece a mineração

60

Desertificação O Saara é aqui? Irrigação malfeita Energia limpa

64 Artigo – Rosane Magaly Martins Idosos já somam 11% da população brasileira Cultura, Lazer & Arte 72 “Fábrica de Brinquedos” Conscientização Ambiental em forma de brincadeira

66 O desafio Termelétrico Novas tecnologias e combustíveis alternativos 75 Artigo – Márcio Thamos Júpiter conquista o poder

78 Artigo – Dilma de Melo Silva A Coivara

76

Artigo – Humberto Mesquita Coisas que eu vi

Articles in English PROFILE 14 Profile Controversy is his middle name

ARTICLE 22 Active house: Are houses that produce their own energy viable?

ARTICLE 25 COP 16 Climate conference

Expediente Diretor Responsável: Oscar Lopes Luiz Diretor de Redação: Gabriel Arcanjo Nogueira (MTB 16.586) Conselho Editorial: Oscar Lopes Luiz, Marcio Thamos, Dr. Marcos Lúcio Barreto, Terence Trennepohl, João Carlos Mucciacito, Rafael Pimentel Lopes, Denise de La Corte Bacci, Dilma de Melo Silva, Natascha Trennepohl, Rosane Magaly Martins, Ilma de Camargos Pereira Barcellos, Humberto Mesquita e Vinicius Zambrana Redação: Gabriel Arcanjo Nogueira (MTB 16.586), Rosane Araujo (MTB 38.300) e Antônio Marmo (MTB 10.585) Estagiário: Bruno Molinero Revisão: Instituto Neo Mondo Diretora de Arte: Renata Ariane Rosa Diagramação: Renata Rodrigues Vialli 6

Neo Mondo - Dezembro 2010

Publicação Projeto Gráfico: Instituto Neo Mondo Tradução: Efex Idiomas - Tel.: 55 11 8346-9437 Diretor de Relações Internacionais: Vinicius Zambrana Diretor Jurídico: Dr.Erick Rodrigues Ferreira de Melo e Silva Correspondência: Instituto Neo Mondo Rua Primo Bruno Pezzolo, 86 - Casa 1 Vila Floresta - Santo André – SP Cep: 09050-120 Para falar com a Neo Mondo: assinatura@neomondo.org.br redacao@neomondo.org.br trabalheconosco@neomondo.org.br Para anunciar: comercial@neomondo.org.br Tel. (11) 4994-1690 Presidente do Instituto Neo Mondo: oscar@neomondo.org.br

A Revista Neo Mondo é uma publicação do Instituto Neo Mondo, CNPJ 08.806.545/0001-00, reconhecido como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), pelo Ministério da Justiça – processo MJ nº 08071.018087/2007-24. Tiragem mensal de 70 mil exemplares com distribuição nacional gratuita e assinaturas. Os artigos e informes publicitários não representam necessariamente a posição da revista e são de total responsabilidade de seus autores. Proibido reproduzir o conteúdo desta revista sem prévia autorização.


Editorial

P

rezado leitor, é com satisfação que preparamos mais uma edição de NEO MONDO.

Temos uma novidade quentíssima para você: vêm aí a NEO MONDO TV e a RÁDIO NEO MONDO, a partir da segunda quinzena de dezembro. Por conta disto, o Instituto Neo Mondo torna-se o primeiro Grupo Multimídia Socioambiental do Brasil, oferecendo para você esta nobre publicação, os portais NEO MONDO (400 mil acessos/ mês) e NEO MONDO TV, RÁDIO NEO MONDO e a nossa News Letter (100 mil e-mails/mês). Outra grande novidade é a chegada do nosso querido Humberto Mesquita (ex SBT, rádio Tupi) ao Instituto que, além de apresentar um programa na NEO MONDO TV (NEO MONDO ENTREVISTA) é o mais novo articulista e conselheiro da revista. Trazemos uma entrevista, exclusiva com um dos maiores cientistas e pesquisadores do mundo, Aziz Ab’ Sáber. Sáber nos antecipou um estudo inédito sobre “A história vegetacional do

Planalto Paulista”, em que detona a exploração imobiliária inescrupulosa com a conivência de prefeituras despreparadas. Outro assunto que não poderíamos deixar de abordar é o novo Código Florestal, tema este em que nosso jornalista Antônio Marmo não poupou fontes e nem páginas para encrevê-lo.

Oscar Lopes Luiz Presidente do Instituto Neo Mondo oscar@neomondo.org.br

Outra matéria quentíssima é sobre TEDxAmazônia, na qual nosso repórter Bruno Molinero esteve na floresta durante dois dias em um hotel flutuante no meio do rio Negro, entre árvores gigantescas e clima úmido, quando assistiu a mais de 50 palestras, que transformou sua cabeça numa incubadora de insights. Concluo este editorial com um provérbio indígena... “A floresta tem muito mais olhos do que folhas”... não os tire da nossa programação.

Instituto

TUDO POR UMA VIDA MELHOR.

Neo Mondo Tenha uma ótima leitura!

Um olhar consciente

Neo Mondo - Dezembro 2010

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Perfil

é com ele mesmo

Quando o assunto é meio ambiente e impactos ambientais, Aziz Ab´ Sáber fala de cátedra sem poupar especialistas de fachada ou especuladores

Divulgação

Mauro Bellesa/IEA-USP

Sáber não se conforma: sua ideia do Código de Biodiversidades foi mal recebida em Brasília

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Neo Mondo - Dezembro 2010

E

Gabriel Arcanjo Nogueira

le já disse que a COP 15 é uma farsa e que a Amazônia, assim como a Mata Atlântica, tende a crescer com o aquecimento global, e não virar deserto. Aziz Nacib Ab´ Sáber - professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), referência em meio ambiente e impactos ambientais -, aos 86 anos, completados em outubro, 70 deles mergulhado em estudos de Geografia (doutorado em 1956), é o Perfil desta edição. Natural de São Luís do Paraitinga, no Vale do Paraíba (SP), Sáber discorre com propriedade sobre um dos assuntos que está na ordem do dia no País: o Código Florestal. O pesquisador antecipa estudo, inédito, sobre “A história vegetacional do Planalto Paulistano”, em que detona a exploração imobiliária inescrupulosa com a conivência de prefeituras despreparadas. Houve tempos em que, na São Paulo de Piratininga, a vegetação predominante era de florestas tropicais, com bosquetes de araucárias em pequenas subáreas de florestas em colinas e terraços paulistanos. “Nos mapas desenhados em tempos coloniais foram reconhecidos pinheiros (araucárias) em São Miguel Paulista”, diz o estudo. Pensador incansável, a sabedoria que está presente desde as letras do seu sobrenome, Sáber faz questão de que seja compartilhada, com base em alguns de seus escritos mais recentes, para satisfação nossa e, com certeza, dos leitores de NEO MONDO.


Neo Mondo: Fala-se, escreve-se e ensina-se sobre biomas ou ecossistemas brasileiros. Como o senhor os classifica, ainda mais quando se discute no Brasil o Código Florestal com as implicações de uma reforma do texto legal? Aziz Ab´ Sáber: Em face do gigantismo do território e da situação real em que se encontram os seus macrobiomas - Amazônia brasileira, Brasil Tropical Atlântico, Cerrados do Brasil Central, Planalto das Araucárias e Pradarias Mistas do Brasil Subtropical - e de seus numerosos minibiomas, faixas da transição e relictos de ecossistemas, qualquer tentativa de mudança no Código Florestal tem que ser conduzida por pessoas competentes e bioeticamente sensíveis. Pressionar por uma liberação ampla dos processos de desmatamento significa desconhecer a progressividade de cenários bióticos, a diferentes espaços de tempo futuro, favorecendo de modo simplório e ignorante os desejos patrimoniais de classes sociais que só pensam em seus interesses pessoais, no contexto de um país dotado de grandes desigualdades sociais: cidadãos de classe social privilegiada, que nada entendem de previsão de impactos; não têm qualquer ética com a natureza; não buscam encontrar modelos técnico-científicos adequados para a recuperação de áreas degradadas, seja na Amazônia seja no Brasil Tropical Atlântico, ou alhures. Pessoas para as quais exigir a adoção de atividades agrárias “ecologicamente sustentáveis” é uma mania de cientistas irrealistas. Neo Mondo: O que o senhor considera, na revisão do Código, mais adequado à nossa realidade? Aziz Ab´ Sáber: Por muitas razões, se houvesse um movimento para aprimorar o atual Código Florestal, teria que envolver o sentido mais amplo de um Código de Biodiversidades, levando em conta o complexo mosaico vegetacional de nosso território. Remetemos

Novas exigências do Código Florestal proposto têm caráter de liberação excessiva e abusiva... a biodiversidade animal será afetada de modo radical

essa ideia para Brasília e recebemos em resposta que essa era uma ideia boa, mas complexa e inoportuna. Agora, outras personalidades trabalham por mudanças estapafúrdias e arrasadoras no chamado Código Florestal. Razão pela qual ousamos criticar aqueles que insistem em argumentos genéricos e perigosos para o futuro do país. É necessário, mais do que nunca, evitar que gente de outras terras, sobretudo de países hegemônicos, venha a dizer que fica comprovado que o Brasil não tem competência para dirigir a Amazônia. Ou seja, os revisores do atual Código Florestal não teriam competência para dirigir o seu todo territorial do Brasil. Que tristeza! Neo Mondo: A seu ver, o que está errado na elaboração do novo Código? Aziz Ab´ Sáber: O primeiro grande erro dos que no momento lideram a revisão do Código Florestal brasileiro - a favor de classes sociais privilegiadas - diz respeito à chamada estadualização dos fatos ecológicos de seu território específico. Sem lembrar que as delicadíssimas questões referentes à progressividade do desmatamento exigem ações conjuntas dos órgãos federais específicos, em conjunto com órgãos estaduais similares, uma Polícia Federal rural e o Exército Brasileiro. Tudo conectado ainda com autoridades municipais, que têm muito a aprender com um Código novo que envolve todos os macrobiomas do país e os minibiomas que os pontilham, com especial atenção para as faixas litorâneas, faixas de contato entre as áreas nucleares de cada domí-

nio morfoclimático e fitogeográfico do território. Para pessoas inteligentes, capazes de prever impactos, a diferentes tempos de futuro, fica claro que ao invés da “estadualização”, é absolutamente necessário focar o zoneamento físico e ecológico de todos os domínios de natureza do país. A saber, as duas principais faixas de florestas tropicais brasileiras: a zonal amazônica e a azonal das matas atlânticas; o domínio dos cerrados, cerradões e campestres; a complexa região semiárida dos sertões nordestinos; os planaltos de araucárias e as pradarias mistas do Rio Grande do Sul, além de nosso litoral e o pantanal mato-grossense. Neo Mondo: A classe política, bem como as demais envolvidas diretamente nessa revisão, tem feito corretamente a sua parte? Aziz Ab´ Sáber: Seria preciso lembrar ao honrado relator Aldo Rebelo - que a meu ver é bastante neófito em matéria de questões ecológicas, espaciais e em futurologia - que atualmente na Amazônia brasileira predomina um verdadeiro exército paralelo de fazendeiros que em sua área de atuação tem mais força do que governadores e prefeitos. O que se viu em Marabá, com a passagem das tropas de fazendeiros, pela Avenida da Transamazônica, deveria ser conhecido pelos congressistas de Brasília e diferentes membros do Executivo. De cada uma das fazendas regionais passava um grupo de 50 a 60 camaradas, tendo à frente, em cavalos nobres, o dono da fazenda e sua esposa, e os filhos em cavalos lindos.

Código Florestal liberalizante, para Sáber, cria um cenário que impede o uso de terras em atividades agrícolas

Neo Mondo - Outubro 2010

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Perfil Acervo Pessoal

Cavalgada de fazendeiros em Marabá: exército paralelo mostra força superior à de governadores e prefeitos em plena Amazônia brasileira, na visão do cientista

Os grupos iam passando separados entre si, por alguns minutos. E alguém, a pé, como se fosse um comandante, controlava a passagem da cavalgada dos fazendeiros. Somente dois ciclistas meninos deixaram as bicicletas na beira da calçada olhando, silentes, a passagem das tropas. Nenhum jornal do Pará, ou alhures, noticiou a ocorrência amedrontadora. Alguns de nós não pudemos atravessar a ponte para participar de um evento cultural. Neo Mondo: Que cena dantesca, não?! Aziz Ab´ Sáber: Será certamente, apoiados por fatos como esse, que alguns proprietários de terras amazônicas deram sua mensagem, nos termos de que “a propriedade é minha e eu faço com ela o que eu quiser, como quiser e quando quiser”. Mas ninguém esclarece como conquistaram seus imensos espaços inicialmente florestados. Sendo que alguns outros, vivendo em diferentes áreas do Centro-Sul brasileiro, quando perguntados sobre como enriqueceram tanto, esclarecem que foi com os “seus negócios na Amazônia”... Ou seja, com loteamentos ilegais, venda de glebas para incautos em locais de difícil acesso, os quais, ao fim de certo tempo, são libertados para brasileiros contumazes. E o fato mais infeliz é que ninguém procura novos conhecimentos para reutilizar terras degradadas. Ou exigir dos governantes tecnologias adequadas para revitalizar os solos que perderam nutrientes e argilas, tornando-se dominados por areias finas (siltização). 10

Neo Mondo - Dezembro 2010

Neo Mondo: Que aspectos o senhor considera mais relevantes no processo? Aziz Ab´ Sáber: Entre os muitos aspectos caóticos, derivados de alguns argumentos dos revisores do Código, destaca-se a frase que diz que se deve proteger a vegetação até 7,5 metros do rio. Uma redução de um fato que por si já estava muito errado, porém agora está reduzido genericamente a quase nada em relação aos grandes rios do país. Imagine-se que, para o Rio Amazonas, a exigência protetora fosse de apenas 7 metros, enquanto para a grande maioria dos ribeirões e córregos também fosse aplicada a mesma exigência. Trata-se de desconhecimento entristecedor sobre a ordem de grandeza das redes hidrográficas do território intertropical brasileiro. Na linguagem amazônica tradicional, o próprio povo já reconheceu fatos referentes à tipologia dos rios regionais. Para eles, ali existem, em ordem crescente: igarapés, riozinhos, rios e parás. Uma última divisão lógica e pragmática, que é aceita por todos os que conhecem a realidade da rede fluvial amazônica. Por desconhecer tais fatos, os relatores da revisão aplicam o espaço de 7 metros da beira de todos os cursos d´água fluviais, sem mesmo terem ido lá conhecer o fantástico mosaico de rios do território regional. Mas o pior é que as novas exigências do Código Florestal proposto têm um caráter de liberação excessiva e abusiva. Fala-se em 7,5 metros das florestas beiradeiras (ripário-biomas) e, depois, em preservação da vegetação de even-

tuais e distantes cimeiras. Sem poder imaginar quanto espaço fica liberado para qualquer tipo de ocupação do espaço. O que é lamentável em termos de planejamento regional, de espaços rurais e silvestres; lamentável em termos de generalizações forçadas por grupos de interesse (ruralistas). Neo Mondo: O que mais surpreende a comunidade acadêmico-científica numa situação dessas? Aziz Ab´ Sáber: Já se poderia prever que um dia os interessados em terras amazônicas iriam pressionar de novo pela modificação do percentual a ser preservado em cada uma das propriedades de terras na região. O argumento simplista merece uma crítica decisiva e radical. Para eles, se em regiões do Centro-Sul brasileiro a taxa de proteção interna da vegetação florestal é de 20%, por que na Amazônia a lei exige 80%? Mas ninguém tem a coragem de analisar o que aconteceu nos espaços ecológicos de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais com os 20%. Nos planaltos interiores de São Paulo a somatória dos desmatamentos atingiu cenários de generalizada derruição. Nessas importantes áreas, dominadas por florestas e redutos de cerrados e campestres, somente o tombamento integrado da Serra do Mar, envolvendo as matas atlânticas, os solos e as aguadas da notável escarpa, foi capaz de resguardar os ecossistemas orográficos da acidentada região. O restante - nos “mares de morros”, colinas e


várzeas do Médio Paraíba e do Planalto Paulistano, bem como parte da Serra da Mantiqueira - sofreu uma derruição deplorável. É o que alguém no Brasil, falando de gente inteligente e bioética, não quer que se repita na Amazônia brasileira, em um espaço de 4,2 milhões de quilômetros quadrados. Neo Mondo: O senhor vê algum fio de esperança de que a revisão do Código seja aperfeiçoada? Aziz Ab´ Sáber: Os relatores do Código Florestal falam em que as áreas muito desmatadas e degradadas poderiam ficar sujeitas a “(re)florestamento” por espécies homogêneas, pensando em eucalipto e pinus. Uma prova de sua grande ignorância, pois não sabem a menor diferença entre reflorestamento e florestamento. Este último, pretendido por eles, é um fato exclusivamente de interesse econômicoempresarial, que infelizmente não pretende preservar biodiversidades. Sendo que eles procuram desconhecer que, para áreas muito degradadas, foi feito um plano de (re)organização dos espaços remanescentes, sob o enfoque de revigorar a economia de pequenos e médios proprietários, no chamado Projeto Floram. Os eucaliptólogos perdem pontos éticos quando alugam espaços por 30

anos, de incautos proprietários, preferindo áreas dotadas ainda de solos tropicais férteis, do tipo dos oxissolos, e evitando as áreas degradadas de morros pelados, reduzidas a trilhas de pisoteio, hipsométricas, semelhantes ao protótipo existente no Planalto do Alto Paraíba, em São Paulo. Ao arrendar terras de bisonhos proprietários, para uso em 30 anos, e sabendo que os donos da terra podem morrer quando se completar o prazo, criam um grande problema judicial para os herdeiros, sendo que ao fim de uma negociação as empresas cortam todas as árvores de eucalipto ou pinus, deixando miríades de troncos no chão do espaço terrestre. Um cenário que impede a posterior reutilização das terras para atividades agrárias. Tudo isso deveria ser conhecido por aqueles que defendem ferozmente um Código Florestal liberalizante. Neo Mondo: Que orientação o senhor daria aos responsáveis mais diretos por esse instrumento legal? Aziz Ab´ Sáber: Por todas as razões somos obrigados a criticar a persistente e repetitiva argumentação do deputado Aldo Rebelo, que conhecemos há muito tempo e de quem sempre esperávamos o melhor. No momento somos obrigados a lembrar a ele que

cada um de nós tem que pensar na sua biografia e, sendo político, tem que honrar a história de seus partidos. Mormente em relação aos partidos que se dizem de esquerda e jamais pdoeriam fazer projetos totalmente dirigidos para os interesses pessoais de latifundiários. Insistimos que, em qualquer revisão do Código Florestal vigente, deve-se enfocar as diretrizes nas grandes regiões naturais do Brasil, sobretudo domínios de natureza muito diferentes entre si, tais como a Amazônia, e suas extensíssimas florestas tropicais, e o Nordeste seco, com seus diferentes tipos de caatinga. Trata-se de duas regiões opósitas em relação à fisionomia e à ecologia, assim como em face das suas condições socioambientais. Ao tomar partido pelos grandes domínios administrados técnica e cientificamente por órgãos do Executivo federal, teríamos que conectar instituições específicas do governo brasileiro com instituições estaduais similares. A Amazônia envolve conexões com 9 estados do Norte brasileiro. Em relação ao Brasil Tropical Atlântico, os órgãos do governo federal - Ibama, Iphan, Funai e Incra - teriam que manter conexões om os diversos setores similares dos governos estaduais de norte a sul do Brasil. E assim por diante.

* Aziz Nacib Ab´Sáber nasceu em

* Presidente de Honra da Sociedade Brasi-

24/10/1924 em São Luís do Paraitinga (SP) * Cientista polivalente, recebeu, entre outros títulos, o de: • membro honorário da Sociedade de Arqueologia Brasileira • Grã-Cruz em Ciências da Terra pela Ordem Nacional do Mérito Científico • Prêmio Internacional de Ecologia de 1998 • Prêmio Unesco para Ciência e Meio Ambiente

leira para o Progresso da Ciência (SBPC), da qual já foi presidente * Representou a Academia Brasileira de Ciências (ABC) na Eco 92, no Rio de Janeiro

Mauro Bellesa/IEA-USP

De São Luís do Paraitinga para o mundo

* Entre suas Pesquisas, constam as de:

* Professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FLCH - USP) * Professor honorário do Instituto de Estudos Avançados (IEA - USP) * Professor honoris causa da Unesp

• Domínios morfoclimáticos e fitogeográficos • Sertões do Nordeste • Estudos Amazônicos • Superfícies aplainadas no Brasil • Teorias dos refúgios • Revisão das pesquisas sobre “desertificação” na Campanha Gaúcha de Sudoeste • Por uma Educação Fundamental cruzada com Educação de Base Regional, para o Brasil como um todo

Especialista não poupa nem o relator, que considera neófito, nem o exército de fazendeiros

Fontes: Academia Brasileira de Ciências (ABC)/Wikipédia Neo Mondo - Dezembro 2010

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Perfil

Neo Mondo: Do jeito que está, estaríamos na contramão da história? Aziz Ab´ Sáber: Enquanto o mundo inteiro propugna pela diminuição radical de emissão de CO2, o projeto, proposto na Câmara Federal, de revisão do Código Florestal defende um processo que significará uma onda de desmatamento e emissões incontroláveis de gás carbônico, fato observado por muitos críticos em diversos trabalhos e entrevistas. Parece ser muito difícil para pessoas não iniciadas em cenários cartográficos perceberem os efeitos de um desmatamento na Amazônia de até 80% das propriedades rurais silvestres. Em qualquer espaço do território amazônico, em que vêm sendo estabelecidas glebas nas quais se poderia realizar um desmate de até 80%, haverá um mosacio caótico de áreas dematadas e faixas interpropriedades estreitas e mal preservadas. Lembrando ainda que, nas propostas de revisão, alguns donos de propriedades com até 400 hectares teriam o direito de um desmate total em suas terras, vejo-me na obrigação de denunciar que, a médio e longo prazos, existiria um infernal caleidoscópio no espaço total de qualquer área da Amazônia. Nesse caso, as bordas dos restos de florestas, interglebas, ficarão à mercê do corte de árvores dotadas de madeiras nobres. E, além disso, a biodiversidade animal, certamente, será a primeira ser afetada de modo radical. Neo Mondo: O senhor tem algum trabalho específico sobre o maior centro urbano do Brasil, que é São Paulo? Aziz Ab´ Sáber: Sim, e nossa preocupação é a defesa intransigente das poucas florestas remanescentes nas porções centrais e intermediárias da metrópole paulistana. Sobretudo em relação ao caso da mata do Portal do Morumbi (Jardim Suzana), onde ocorrem florestas biodiversas em um espaço de 97 mil metros quadrados. E de onde, na borda da mata, funciona o Colégio Santa Maria do Morumbi, em um prédio projetado pelo saudoso arquiteto Oswaldo Bratique. 12

Neo Mondo - Dezembro 2010

Neo Mondo: Como ficam as regiões periféricas da capital paulista? Aziz Ab´ Sáber: Há florestas das periferias de São Paulo (Metrópole Externa) dotadas de alguns espaços florestados, em que o problema reside em planejamento regional do estado e dos municípios da Grande São Paulo, para evitar uma conurbação caótica de imobiliaristas vinculados ao neocapitalismo e totalmente insensível ao futuro dos espaços ecológicos que restaram no sistema de colinas da região de São Paulo.

Soubemos de um desmate criminoso, pendente de ocupação de espaços florestados que existiam entre Alphaville e Granja Vianna. Se isso acontecer, em termos de imobiliarismo inicia-se a ampliação totalizante do mundo urbano sobre a natureza tropical atlântica que predominava nas colinas e interflúvios do Planalto Paulistano. Trata-se, mais uma vez, de projetos dinheiristas do imobiliarismo neocapitalista, observado muito de longe por prefeituras maldotadas de inteligência e capacidade de pensar o futuro.

“Terroristas do clima” Em meio ao agito internacional da Conferência do Clima, em Copenhague, em dezembro de 2009, Sáber ponderou sobre o evento: “Copenhague é uma farsa. Quando eu vi que levaram cerca de 700 pessoas do Brasil pra lá eu disse ‘meu Deus, essas pessoas não terão um segundo pra falar, nem nada’. Para mim, quando uma conferência passa de 1.000 pessoas na sala, elas ficam só ouvindo as metas e propostas dos outros. Não há espaço para debate ou questionamento. Além disso, os países levam metas irreais. Quando um país diz que vai reduzir 40%, por exemplo, não vai. Espertos são os países que levam metas baixinhas”. E não deixou por menos ao se referir à redução das emissões de CO2: “Não tenho a menor dúvida de que as causas não são tão perfeitas como eles pensam. Mas é fato que está havendo um aquecimento. Na cidade de São Paulo, no século passado, tinha 18,6 graus Celsius de temperatura média na área central. Hoje, tem entre 20,8 e 21,2 graus. Se a gente fizer a somatória de todas as cidades em São Paulo e as contas do desmate ocorrido no nosso território, veremos que com esses desmates o sol passou a bater diretamente no chão da paisagem. O clima urbano deve ser considerado, porque evidentemente esse clima tem certa projeção espacial, em algumas cidades mais em outras menos. “Há também que se considerar os efeitos das chamadas Células ou Ilhas de Calor, porque quando eu digo que a temperatura da cidade de São Paulo aumentou neste século, eu não falo do estado como um todo, nem mesmo da cidade. A temperatura medida na área central é uma, nos Jardins é outra e, lá onde eu moro, perto de Cotia, é outra”. Para ele, as “observações de que o aquecimento global vai derrubar a Amazônia são terroristas. Há um aquecimento? Sim, seja ele mediano seja vagaroso, mas, quanto mais calor, a tendência, no caso da Mata Atlântica e da Amazônia, é que elas cresçam e não que sejam reduzidas. Parece que essas pessoas, esses terroristas do clima nunca foram para o litoral (Baixada Santista - N.R.). A gente que observa o céu vê que as nuvens estão subindo e sendo empurradas para a Serra do Mar, levando mais umidade para dentro do território. Esses cientistas alarmistas não observam nada, não têm interdisciplinaridade. Na média, está havendo aquecimento, mas as consequências desse aquecimento não são como eles preveem. Mas essa é uma realidade não relacionada tão diretamente com a poluição atmosférica do globo e pode sofrer críticas sérias de pessoas com maior capacidade de observação”. Fonte: Terra Magazine


Neo Mondo - Setembro 2008

A


Profile

is his middle name When the subject is the environment and environmental impacts. Aziz Ab´ Sáber speaks of the Dean’s chair with no holds barred for the disguised specialists or speculators. Gabriel Arcanjo Nogueira

Divulgação

Mauro Bellesa/IEA-USP

Sáber does not agree: his idea of a Biodiversity Code was not well received in Brasília

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Neo Mondo - December 2010

H

e has Said that the COP 15 is a farce and that the Amazon, Just like the Atlantic Coastal Rainforest tends to grow with global warming, and won’t become a desert. Nacib Aziz Ab ‘Saber - professor emeritus at the University of São Paulo (USP), a reference in the environment and environmental impacts - aged 86, completed this month, 70 of them steeped in studies of Geography (Ph.D. 1956), is Profiled in this issue. Born in Sao Luis do Paraitinga, in Vale do Paraiba (SP), Saber talks knowledgeably on a subject that is at the top of the agenda in the country: the Forest Code. The researcher anticipates a study, as yet unpublished, on “The vegetation history of the Paulistano Plateau,” which he harshly criticizes the real estate business with the connivance of unscrupulous unprepared municipalities. There were times when, in the Sao Paulo of Piratininga, the dominant vegetation was of tropical forests, with clumps of pines in small subareas of terraced hills and forests in São Paulo. “In maps drawn in colonial times were recognized pines (Araucaria) in Sao Miguel Paulista,” says the study. A restless thinker, the wisdom that is present even in the letters of his surname, Saber is keen to share, based on some of his more recent writings, for to our satisfaction and of course, readers of NEO MONDO.


NEO MONDO: We talk, we write and we teach about biomes or ecosystems within Brazil. How do you classify them, even when discussing the Forestry Code in Brazil with the implications of a reform of the legal text? Aziz Ab ‘Saber: Faces with the huge size of the territory and the actual situation that the macro-biomes are found in - the Brazilian Amazon, Brazilian Atlantic Costal Rainforest, the Cerrado of Central Brazil, the Araucaria Plateau and Mixed Prairies of Subtropical Brazil - and its numerous mini-biomes, strips of transition and remnants of ecosystems, any attempt to change the Forest Code has to be conducted by people who are competent and bio-ethically sensitive. To press for an ample liberation of the deforestation processes means being unaware of the Progressiveness of biotic scenarios, the different spaces of future time, so favoring in a naive and ignorant way the patrimonial wishes of social classes that only think about their personal interests in the context a country with great social inequalities: citizens of a privileged social class, who understand nothing of predicting impacts; have no ethics towards nature, do not seek to find technical and scientific models suitable for restoration of degraded areas, which could be in the Amazon or in the Brazilian Atlantic Rainforest, and elsewhere. People for whom the demanding the adoption of agricultural activities that are “ecologically sustainable” is a mania for unrealistic scientists. NEO MONDO: What do you consider, in the revision of the Code, the most appropriate for our reality? Aziz Ab ‘Saber: For many reasons, if there was a movement to improve the actual Forrest Code, which would have to involve the broader sense of a Biodiversity Code, taking into account the complex vegetation mosaic of our

New demands of the proposed Forest Codeare excessively liberal and abusive... biodiversity of fauna will be affected radically

territory. We sent this idea to Brasilia and received a response that this was a good idea, but complex and intrusive. Now, other people work on the sweeping and preposterous changes called the Forest Code. That is why we dare to criticize those who insist on generic arguments that are dangerous to the country’s future. It is necessary, more than ever, to prevent people from other lands, especially hegemonic countries, of having reason to say that it is proved that Brazil does not have the competence to manage the Amazon. That is, the reviewers of the current Forest Code would not have competence to manage the whole territory of Brazil. How sad! NEO MONDO: In your opinion, what is wrong in the drafting the new code? Aziz Ab ‘Saber: The first great mistake of those who currently lead the review of the Brazilian Forest Code - in favor of privileged social classes – refers to the so called state control of the ecofacts of its specific territory. Without remembering that the very delicate issues of progressive deforestation require joint actions of specific federal agencies, along with similar state agencies, a rural federal police and the Brazilian Army. Everything also connectedwith municipal authorities, who have much to learn from a new Code that involves all of the country’s macro-biomes and the mini-biomes that dot it, with special attention to the coastal strips, strips of contact between the core areas of each morpho-

climatic and phyto-geographical domain of the territory. For intelligent people, able to predict impacts at different times in the future, it is clear that instead of state control, it is absolutely necessary to focus on the physical and ecological zoning of all nature areas of the country. Namely, the two main tracts of Brazilian rain forests: the Amazon zone and the Atlantic Coastal Rainforests zone, and the area of savannas, grasslands and cerrados; the complex semiarid region of northeastern hinterlands, the uplands of pines and mixed grasslands of Rio Grande do Sul, as well as our coasts and the wetlands of Mato Grosso. NEO MONDO: The political class and the others directly involved in this review, have done their part correctly? Aziz Ab ‘Saber: It shall be necessary to remember the honorable reporter Aldo Rebelo - who I think is quite a novice in the field of ecological, spatial and futurology issues - which prevails currently in the Brazilian Amazon a true parallel army of farmers who in their area of expertise have more power than governors and mayors. What we saw in Maraba with the passage of farmers troops, along the Avenue of the Transamazonica, should be known of by Congress in Brasilia and various members of the Executive. From each of the regional farms passed a group of 50 to 60 buddies, headed on noble horses, by the farmer and his wife and children on beautiful horses. The groups passed by, sepa-

A liberal Forest Code, for Sáber, generates a scenario that prevents the use of land for agricultural activities

Neo Mondo - Outubro 2010

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Profile Acervo Pessoal

Farmers horse riding in Marabá: a parallel army displaying greater strength than that of governors and mayors in the Brazilian Amazon, in the scientist’s point of view

rated by a few minutes. Someone on foot, like a commander, controlling the passage of the cavalcade of farmers. Only two boys, who left their bikes on the curb overlooking, the passage of the troops in silence. No newspaper in newspaper, or elsewhere, reported on the frightening occurrence. Some of us could not cross the bridge to participate in a cultural event. NEO MONDO: What a gruesome scene, is it not? Aziz Ab ‘Saber: It will certainly be, supported by facts like these, which some Amazon landowners gave their message in terms that “the property is mine and I do with it what I want, however and whenever I want.” But nobody explains how they initially gained their huge initially forested areas. It being that some others living in different areas of the Brazilian Center-South, when asked how they became so rich, state that it was with “my business in the Amazon” ... That is, with illegal lots, sale of plots to unsuspecting people in places of difficult access, which at the end of a certain time, are released to the Brazilian offenders. It is a very unfortunate fact that nobody is researching for ways to reuse degraded land. Or require the governments to supply appropriate techniques to revitalize soils that have lost their nutrients and clays, which have become dominated by fine sand (silting). 16

Neo Mondo - December 2010

NEO MONDO: What aspects do you consider most relevant in the process? Aziz Ab ‘Saber: Among the many chaotic aspects, derived from some arguments of the reviewers of the Code, there stands out the phrase that says it must protect vegetation of a river to up to 7.5 meters from the bank. A reduction of a fact which in itself was very wrong, which is now generically reduced to almost nothing compared to the great rivers of the country. Imagine that, for the Amazon River, the requirement was to protect only 7 meters, while for most of the streams and tributaries the same requirement shall be. It is saddening, the ignorance on the magnitude of river networks of the inter-tropical Brazilian territory. In traditional Amazonian language, the people themselves have acknowledged facts about the types of regional rivers. For them, there are, in ascending order: creeks, streams, rivers and “paras”. A final logical and pragmatic division, which is accepted by all who know the reality of the Amazon basin. By ignoring these facts the analysts of the review apply the space of 7 meters from the edge of all courses of river water, without even having been there to see the fantastic mosaic of rivers in the Region. But the worst is that the new proposed requirements of the Forestry Code have a character of excessive and improper liberation. We talk about 7.5 meters of forests at river

banks (riparian-biomes) and then on the preservation of any vegetation on distant summits. Without being able to imagine how much space is freed for any type of space occupation. This is unfortunate in terms of regional, rural and wild spaces planning, as regrettable as the generalizations forced by groups with special interest (large farmers). NEO MONDO: What’s the most surprising thing about the academic and scientific community in such a situation? Aziz Ab ‘Saber: It could be predicted that one day those interested in the Amazon area would again put on pressure by changing the percentage to be conserved in each of the properties in the region. The simplistic argument deserves a decisive and radical criticism. For them, in the center-south Brazil the rate of internal conservation of the forest vegetation is 20%, why does the law requires 80% in the Amazon? But nobody has the courage to examine what happened in the ecological areas of Sao Paulo, Parana, Santa Catarina and Minas Gerais with 20% conservation. In the highlands of the interior of São Paulo the sum of the deforestation reached scenarios of widespread dilapidation. These important areas, dominated by forests and pockets of savannas and grasslands, the only conservation area was the Serra do Mar, involving the Atlantic forests,


soils and water points of this remarkable scarp, was able to protect the ecosystems of the steep terrain of the region. The rest – in the “sea of hills”, hills and plains of the Middle Paraíba and Paulistano Plateau, as well as part of the Mantiqueira Mountain Range suffered a deplorable dilapidation. It’s what everyone in Brazil, speaking of intelligent people and bioethics does not want repeated, in the Brazilian Amazon, in an area of 4.2 million square kilometers.

rating the economy of small and medium landowners in the project called Floram. The eucalyptologists lose ethical points when they rent space for 30 years, from unsuspecting owners, preferring areas endowed with still fertile tropical soil, of the oxy-soils and avoiding areas of degraded bare hills, reduced to hypsometric trampled trails, similar to the prototype existing in the Paraíba High Plateau, in São Paulo. When leasing land from inexperienced owners, for use in 30 years, and knowing that the owners of the land can die when they complete the term. This fact creates a big problem for the legal heirs, and in the end a company cuts all the eucalyptus or pine trees, leaving myriad trunks on the ground of the area. This prevents its later use for agricultural activities. All this should be known by those that fiercely defend the liberalization of the Forest Code.

NEO MONDO: Do you see any glimmer of hope that the revision of the code is perfected? Aziz Ab ‘Saber: The annalists of the Forest Code say that in the very areas that have been deforested and degraded could be (re)forested “by a homogeneous species, they are thinking of eucalyptus and pine. Clear proof of their ignorance because they do not know the slightest difference between reforestation and forestation. The latter, intended by them, is a fact of economic interest - just business, which unfortunately does not intend to conserve biodiversity. As they seek to ignore that, for very degraded areas, a plan was made to (re)organize the remaining areas, under the focus of reinvigo-

NEO MONDO: What advice would you give those that are directly responsibility for this legal instrument? Aziz Ab ‘Saber: For all the reasons, we are obliged to criticize the persistent and repetitive arguments of Deputy Aldo Rebelo, who we got to know long ago and who we always expected the best. At the moment we are obliged to

remind him that each of us has to think about his biography and being political, has to honor the history of their parties. Especially in relation to the parties that call themselves leftListen Read phonetically and could never be involved in projects entirely directed to the personal interests of landowners. We insist that in any revision of the existing Forest Code, it should focus on the directives in the major geographic regions of Brazil, especially in areas that are of a very different nature form others, such as the Amazon and its very extensive tropical forests, the dry Northeast, with its different types of savanna. These are two opposite regions in relation to physiognomy and ecology, and also in their social and environmental conditions. When taking sides with the large areas managed by technical and scientific agencies of the Federal Executive, which connect specific institutions of the Brazilian government with similar state institutions. The Amazon involves connections with nine northern states of Brazil. Regarding Atlantic Tropical Rainforest, the federal agencies - IBAMA, Iphan, FUNAI and INCRA - would have to maintain connections with the various sectors like the state governments of north and south of Brazil. And so on.

* Aziz Nacib Ab´Sáber was Born on

* Honorary President of the Brazilian So-

24/10/1924 in São Luís do Paraitinga (SP) * Versatile scientist, he received, among other titles, that of: • Honorary member of the Brazilian Archeology Society • Grand-cross in Earth Sciences from the National Order of Scientific Merit • International Award in Ecology 1998 • Unesco Prize for Science and Environment

ciety for the Progress of Science (SBPC), of which he has been President * Represented the Brazilian Academy of Sciences (ABC) at Eco 92, in Rio de Janeiro

* Professor Emeritus, Faculty of Philosophy and Humanities, University of São Paulo (FLCH - USP) * Honorary Professor of the Institute of Advanced Studies (IEA - USP) * Honorary Professor of Unesp

Mauro Bellesa/IEA-USP

From São Luís do Paraitinga to the world

* Amongst his research are: • Morphoclimatic and phytogeographic fields. • Northeast hinterlands • Studies on the Amazon • The Brazilian plains • Theories of refuges • Review of research on desertification in the Southwest Campanha Gaucha. • For a Basic Education mixed with a Basic Education Fund, for Brazil as a whole.

The specialist does not spare the analysts, whom he considers naïf, or the army of farmers

Source: Brazilian Academy of Sciences (ABC) Neo Mondo - December 2010

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Profile

NEO MONDO: As it stands, will we go against the flow of history? Aziz Ab ‘Saber: While the whole world calls for the radical reduction of CO2 emissions, the bill proposed in Congress, for the revision of the Forest Code advocates a process that will mean a wave of deforestation and uncontrolled emissions of carbon dioxide, a fact noted by many critics in several critiques and interviews. It seems very difficult for people not initiated in mapping scenarios to realize the effects of deforestation in the Amazon of up to 80% on farms in the forest. In any area of the Amazon territory, which has been divided into plots in which deforestation of up to 80% can take place, there will be a chaotic mosaic of deforested areas and narrow and poorly conserved strips between the properties. Remembering, further, that in the proposals of the review, some property owners with up to 400 hectares would be entitled to a total deforestation on their land, I am obliged to denounce that in the medium and long term, there would be an infernal kaleidoscope of the total space of any area in the Amazon. In this case, the edges of the remnants of the forest, between the tracts of land, shall be at the mercy of the cutting of trees whose wood is of good quality. More than this, the diversity of the fauna would be the first to be affected in a radical manner. NEO MONDO: Do you have any specific work on the largest urban center of Brazil, Sao Paulo? Azi Ab ‘Saber: Yes, and our greatest concern is the unyielding defense of the few remaining forests in central and intermediate portions of the metropolis. Especially in relation to the case of the forest of the Portal do Morumbi (Jardim Suzana), where there are bio-diverse forests in an area of 97 thousand square meters. Where, at the edge of the forest, in a building designed by the late architect Oswaldo Bratique there is the Santa Maria College of Morumbi, NEO MONDO: What is the situation of the peripheral regions of the state capital? 18

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Aziz Ab ‘Saber: There are forests on the outskirts of Sao Paulo (External Metropolis) endowed with some forested areas, where the problem lies in regional planning of the state and municipalities of Greater Sao Paulo, to avoid a chaotic conurbation of real estate linked to neo-capitalism and totally ignores the future of green spaces remaining in the hills system of the region of São Paulo. We learned of a criminal deforestation, pending the occupation of forest

spaces that existed between Alphaville and Granja Viana. If this happens, in terms of real estate development, there shall begin the expansion of the urban world of a totalitarian nature, in the Atlantic Rainforest which predominated in the hills and between the rivers of the Paulistano Plateau. This is, again, a money making project of neo-capitalist real estate developers, observed at a distance by ignorant town halls with no ability to envision the future.

“Climate Terrorists” Amid the bustle of the international climate conference in Copenhagen in December 2009, Saber pondered about the event:

“Copenhagen is a farce. When I saw that they took about 700 people from Brazil there, I said, my God, these people will not have one second to speak or anything.” For me, when a conference is more than 1,000 people in the room, they only listen to the goals and proposals of others. There is no room for debate or questioning. Furthermore, the countries propose unrealistic goals. When a country says it will cut 40%, for example, it won’t. The countries that propose low goals are the clever ones. “ And he didn’t miss a chance to comment on the reduction of CO2 emissions:

“I have no doubt that the causes are not as perfect as they think. But the fact is that there is global warming. In Sao Paulo, during the last century, 18.6 degrees Celsius was the average temperature in the center of the city. Today it is between 20.8 and 21.2 degrees. If we add up all the area of the cities in Sao Paulo and the numbers of the deforestation that occurred in this area, we see that with this deforestation the sun began to beat directly on the ground. The urban climate should be included, because clearly this climate has a certain spatial projection, more in some cities, less in others. “We must also consider the effects of so-called Cells or Islands of Heat, because when I say that the temperature of the city of São Paulo increased in this century, I do not speak of the state as a whole, not even in the city. The temperature measured in the central area is one, the Jardins is another, and where I live, near Cotia, is another. “ For him, the “people who remarks that global warming will fell the Amazon are terrorists. Is there global warming? Yes, slowly or a little faster, but there is warming, the trend in the case of the Atlantic Rainforest and the Amazon, is that they grow and they are not reduced. It seems that these people, these terrorists, have never been to the coast (Santos – Coast of Sao Paulo). The people who look at the sky see the clouds are rising and being pushed to the Serra, taking more moisture into the country. These alarmist scientists do not notice anything, they are not interdisciplinary. On average, there is warming, but the consequences of this warming are not as they predicted. But this is a reality not so directly related to world atmospheric pollution and can suffer serious criticisms of people with greater capacity for observation. “ Source: Terra Magazine


Neo Mondo - Setembro 2008

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Divulgação: VELUX

Biorremediação:

Active House: Casas que produzem sua própria energia são viáveis?

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erá que é possível uma casa gerar a energia que consome e em apenas 30 anos ter produzido a quantidade necessária para compensar a que foi usada para produzir os materiais de construção? Essa é a expectativa de empresas europeias que estão investindo no conceito Active House. A ideia é unir design e desempenho nas construções, viabilizando não apenas o uso de energia renovável, mas também uma maior utilização de iluminação e ventilação naturais. Aqui, o foco é usar a energia de forma sustentável e reduzir a pegada de carbono dos moradores, ou seja, diminuir 20

Neo Mondo - Dezembro 2010

o impacto ambiental das construções em termos de emissões de CO2. A primeira Active House está localizada na cidade de Aarhus, Dinamarca. O projeto, chamado de Home for Life, é parte da iniciativa Model Home 2020. Outros projetos experimentais de imóveis carbon-free estão sendo construídos na Dinamarca, na Alemanha, no Reino Unido e na França. Esses projetos vão ser concluídos entre 2010 e 2011 e vão testar novas tecnologias e protótipos. Com uma simples olhada na fachada da Home for Life já é possível perceber que,

apesar de parecer uma casa normal, pequenos detalhes mostram que ela é diferente. As janelas são amplas, cobrem 40% da área construída (190 m2), média bem maior do que os usuais 20-25%, e estão distribuídas pelas quatro fachadas da construção. Os painéis solares no teto fazem o ambiente ficar ainda mais iluminado. Com isso podese aproveitar melhor a luz e a ventilação naturais, economizando-se muita energia. Mais um detalhe: a abertura e o fechamento das janelas são controlados por um computador que monitora a temperatura interior e decide o momento adequado para


Natascha Trennepohl

Correspondente especial de Berlim – Alemanha

Casa Home for Life na Dinamarca refrescar ou esquentar o ambiente. É claro que há a possibilidade de abertura manual, mas o sistema avisa os moradores caso as janelas não estejam sendo abertas e fechadas nos momentos que garantam a maior eficiência energética. Seguindo o mesmo conceito, está sendo construída a Sunlighthouse, uma casa neutra em carbono, no interior da Áustria. Aqui, a localização das janelas também foi estrategicamente planejada para proporcionar a melhor visão da região, uma maior ventilação e o máximo aquecimento/iluminação dos ambientes pelo sol.

A Solar Activehouse, localizada em Kraig, na Áustria, também usa o sol como fonte de energia. A casa é chamada de ‘Fonte de Luz’, já que o projeto prevê que ela produza energia suficiente para atender as necessidades de uma família de quatro pessoas, fornecendo aquecimento e água quente o ano inteiro. Os inúmeros painéis solares que cobrem 40m 2 do telhado são os responsáveis pela façanha. As janelas, que cobrem 42% da área construída (150 m2), também são controladas por computador, abrindo e fechando dependendo da temperatura e da quantidade de CO 2 no ambiente. Apesar da impressionante economia de energia estimada nesses projetos, é importante saber como o fator humano interfere nessas casas inteligentes. A maioria delas ainda está em fase de construção. No caso da Home for Life, desde meados do ano passado uma família está morando na casa e testa se as pressuposições feitas pelos engenheiros sobre o uso eficiente de energia condizem com as necessidades reais de uma família de quatro pessoas. Durante os seis meses iniciais do experimento foram monitorados o consumo e a produção de energia da casa. Nesta primeira fase, o consumo foi maior do que o esperado, isso devido ao hábito da família de retirar o controle automático e abrir janelas, maximizando a perda de calor, ou usar cortinas para garantir a privacidade, mas com isso, impedindo a entrada da luz do sol. É interessante ler o diário online da família e perceber como o fator humano interfere nesse sistema. É possível ver as sugestões que eles fazem às chamadas

tecnologias inteligentes. Um exemplo é o sistema que desliga automaticamente as luzes se não há movimento no ambiente. No entanto, existem relatos da família contando que as luzes se apagaram em momentos em que as pessoas estavam concentradas fazendo alguma atividade, como lendo na cama antes de dormir. Eles sugerem que esse sistema identifique, em vez de movimento, a temperatura corporal no ambiente. Ou, então, que a luz seja automaticamente religada com o breve movimento corporal no ambiente. Essas e outras sugestões acabam sendo muito importantes para harmonizar uma vida confortável com uma forma sustentável de interagir com o meio ambiente. A filosofia por trás dessas casas vai além da economia de energia. Estamos diante de iniciativas que podem viabilizar um futuro sustentável para as próximas gerações. Iniciativas muito bem-vindas, principalmente quando estamos enfrentando tantos problemas relacionados com as mudanças climáticas e o esgotamento dos recursos naturais. Em consonância com a filosofia das Active Houses : elas não são apenas casas, elas são uma nova forma de interagir com o meio ambiente e minimizar os nossos impactos.

Natascha Trennepohl Advogada e consultora ambiental Mestre em Direito Ambiental (UFSC) Doutoranda na Humboldt Universität (HU) em Berlim. E-mail: natdt@hotmail.com Neo Mondo - Dezembro 2010

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Divulgation: VELUX

Biorremediação:

Active House:

Are houses that produce their own energy viable?

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s it possible for a house to produce the energy that is consumes in only 30 year to make up for the energy required to produce the construction materials? This is the expectation of European companies which are investing in the concept of Active House. The idea is to bring together design and performance in the building, making viable not only the use of renewable energy, but also greater use of natural illumination and ventilation. Here the focus is to use energy in a sustainable way and reduce the CO2 footprint of the inhabitants, to

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Neo Mondo - December 2010

reduce the environmental impact of the constructions in terms of CO2 emissions.

The first Active House is located in the city of Aarhus, in Denmark. The Project, called Home for Life, is part of the initiative Model Home 2020. Other experimental projects of carbon free housing are being built in Denmark, Germany, the United Kingdom and France. These projects will be concluded between 2010 and 2011 and will test new technologies and prototypes. With a quick glance at the outside of the Home for Life it is easy to see that even though it looks like a normal hou-

se, small details show that it is different. The windows are large, covering 40% of the building area (190m²), much more than the normal average of 20-25%, and are distributed on the 4 outside walls. The solar panels on the roof make the interior even brighter. With this, natural light and ventilation can be taken advantage of saving a lot of energy. But there is a small detail: the opening and closing of the windows is controlled by a computer which monitors the inside temperature and decides on the right moment to refresh or heat up the environ-


Natascha Trennepohl

Special correspondent from Berlin – Germany

House Home for Life in Denmark

ment. Of course it is possible to open the windows manually, but the system advises the inhabitants if the windows are not being opened and closed at the times that ensure the best use of energy. According to the same concept, the Sunlighthouse is being built, a neutral carbon house, in the countryside of Austria. Here, the location of the windows has also been strategically planned to offer the best view of the region, the best ventilation possible and the maximum heating /illumination of the ambient by the sun.

The Solar Active house, located in Kraig, in Austria, also uses the sun as an energy source. The house is called the “Source of Light”, as the project is planned so that it produces sufficient energy to supply the needs of a family of four people, providing heating and hot water all year round. The innumerous solar panels that cover 40m² of the roof are responsible for this achievement. The windows, which cover 42% of the building’s area (150 m²), are also controlled by computer opening and closing depending on the temperature and the quantity of CO2 in the environment. Despite the impressive economy of energy estimated in these projects, it is important to know that the human factor interferes in these intelligent houses. The majority of them still are in a phase of construction. In the case of Home for Life, since the middle of last year a family has been living in the house and testing the pressupositions made by the engineers on the efficient use of energy. Despite the impressive energy savings estimated in these projects, it is important to know how human factors influence these smart homes. Most of them are still under construction. In the case of Home for Life, since the middle of last year a family has been living in the house and testing whether presuppositions made by the engineers on the efficient use of energy meet the real needs of a family of four. During the first six months of the experiment consumption and production of energy in the house was monitored. In this first phase, the consumption was higher than expected, due to the habit of the family to turn off the automatic control and open windows, maximizing the heat loss, or

use curtains to ensure privacy, but in so doing, preventing the entry of sunlight. It is interesting to read the online diary of the family and see how the human factor interferes with this system. You can view the suggestions they make to the so called intelligent technologies. An example is the system that automatically turns off the lights if there is no movement in the environment. However, there are reports from the family on the lights going off at times when people were doing some concentrated activity such as reading in bed before going to sleep. They suggest that this system should identify, rather than movement, body temperature in the environment. Or, the light is automatically switched back on with a slight movement of the body. These and other suggestions end up being very important in making harmonic, a comfortable lifestyle interact with the environment in a sustainable manner. The philosophy behind these homes is beyond economizing energy. We are facing initiatives that can make a sustainable future viable for future generations. Initiatives that are very welcome, especially when we are facing many problems related to climate change and depletion of natural resources. In line with the philosophy of Active Houses: they are not just houses, they are a new way to interact with the environment and minimize our impact. Natascha Trennepohl Lawyer and Environmental Consultant Master’s Degree in Environmental Law (UFSC) PhD from Humboldt Universität (HU), Berlin.E-mail: natdt@hotmail.com Neo Mondo - December 2010

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Terence Trennepohl

Correspondente especial de Boston – Estados Unidos

Conferência do Clima

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o final de novembro em Cancun, no México, aconteceu a 16ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 16). Esse encontro foi importante por vários motivos. O primeiro deles, de ordem pública, será poder ver novamente os países desenvolvidos, bem como aqueles ainda em desenvolvimento, buscando estabelecer metas para enfrentar as mudanças climáticas, bem como tomando parte em novas ações globais. Muito embora existam opiniões em sentido contrário, sustentando o fracasso de conferências internacionais como esta, por não serem firmados acordos multilaterais vinculantes, muitos países assumem internamente, dentro de sua legislação doméstica, metas obrigatórias de redução de emissões. Ademais, países em desenvolvimento participam do debate e apresentam medidas paralelas de mitigação e adaptação. Do ponto de vista do setor privado, é importante constatar a presença de diversos setores da economia presentes na Conferência. Empresas multinacionais que investem nos países como China, Índia e Brasil estão presentes apresentando seus programas ambientais e discutindo sustentabilidade com os governos. Os compromissos firmados (ou prometidos) podem ser considerados uma luz no fim do túnel. O aspecto altamente positivo de uma COP é o fato de congregar iniciativas globais (ainda que desconexas) que afetam a sociedade civil, a economia e as políticas internacionais. 24

Neo Mondo - Dezembro 2010

Não ha dúvidas de que os resultados virão com o tempo. É necessário ter paciência e continuar trabalhando nos problemas. Ora, conseguir colocar numa mesa de discussão as maiores lideranças globais, chefes de Estado, primeiros-ministros e cientistas de várias áreas, já é um passo muito importante até mesmo para aqueles menos otimistas. O fato de Copenhague (COP 15) não ter gerado um documento vinculante não era novidade para quem sabia dos bastidores que antecederam a Conferência. Ledo engano pensar que todos sairiam de lá com metas obrigatórias fixadas em leis internas e/ ou tratados internacionais. Não é dessa maneira que funciona a política internacional. China, Índia, Brasil e até mesmo os Estados Unidos prometeram para o mundo estabelecer percentuais de redução de emissões de gases de efeito estufa. A sociedade agora fará o seu papel, cobrando os termos legais internos para implementar essas promessas (exemplo disso foi que o Brasil editou a Lei 12.187 em 29 de dezembro de 2009). Na pior das hipóteses, os países em desenvolvimento, como o Brasil, vão aparecer como nações dispostas a ensinar para o mundo que é possível ter uma matriz energética limpa e renovável. É importante lembrar que dados de 2005 mostram que apenas 12,7% da energia usada no mundo vêm de fontes renováveis e 87,3% de fontes não-renováveis. Na União Europeia a situação é ainda mais dramática, pois 6,2% são renováveis e 93,8% são não-renováveis.

No Brasil esse quadro é bem melhor, e 45,1% da energia usada têm origem em fontes renováveis e 54,9% não-renováveis. Outra boa noticia é que, passada a Conferência do Clima de 2009, não saímos do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), importantes países em desenvolvimento, mas sim, entramos no BASIC (Brasil, África do Sul, Índia e China), desempenhando um importante papel em questões ambientais internacionais. Demais disso, no início do ano, muitos países apresentaram ao secretariado da United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC) suas metas de redução para os próximos anos. Enquanto o Brasil manteve os termos do encontro de dezembro e prometeu reduzir suas emissões entre 36,1% e 38,9% até o ano de 2020, a Índia apresentou plano de reduzir entre 20-25%, a África do Sul 34% e a China entre 40-45%. Portanto, mais uma vez é de se ver com bons olhos o encontro do México e esperar que o melhor, ou o prometido, tão logo venha a se concretizar. Terence Trennepohl Sócio de Martorelli e Gouveia Advogados Senior Fellow na Universidade de Harvard Doutor e Mestre em Direito (UFPE) Bolsista da CAPES E-mail: tdt@martorelli.com.br


Terence Trennepohl

Special Correspondent from Boston, USA

Climate Conference (COP16)

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he 16th Conference of the Parties to the UN Convention on Climate Change (COP-16) was held in Cancun, Mexico, in November 2010. This meeting was important for several reasons. The first one is related to public policy, because it will be possible to see once again developed and developing countries seeking to establish goals to tackle climate change, as well as taking part in new global actions. Although there are many opposite views that foresee the failure of this kind of international conference, because no legally binding multilateral agreement is signed; several countries adopt targets to reduce emissions internally, within their domestic legislation. Additionally, developing countries take action in the debate and present parallel mitigation and adaptation measures. From the point of view of the private sector, it is important to note the presence of various sectors of the economy at the Conference. There are multinational enterprises that invest in countries like China, India and Brazil, presenting its environmental programs and discussing sustainability with the governments. The commitments given, or promised, can be considered a ‘light at the end of the tunnel’. The highly positive aspect of a COP is to address global initiatives (although unrelated) that affect civil society, the economy, and international policies.

There is no doubt that the results will come. It’s necessary to have patience and to keep working on the issue. The first steps are made by bringing global leaders, heads of state, prime ministers, and scientists from different areas to the same table to discuss the problem. It is an important step, even for those who are less optimistic. The fact that Copenhagen (COP15) failed to deliver a legally binding agreement was not a surprise to those who were following the negotiations before the Conference. It was a mistake to think that everybody would come out of the COP15 with mandatory targets immediately adopted in domestic laws. That’s not the way the international politic works. China, India, Brazil and even the United States pledged to establish a percentage of greenhouse gas (GHG) emissions reduction. After that, the society could monitor the government and demand for national laws and policies to implement the promises. Brazil, for example, turned into law its reduction targets (Law 12,187 0f 29 December 2009). At worst, countries like Brazil will show to the world that it is possible to have a clean energy system based on renewables. Figures from 2005 show that only 12.7% of the worldwide energy used come from renewable sources and 87.3% from non-renewable sources. In the European Union the situation is even worse: renewables account for

6.2% and non-renewables for 93.8%. In Brazil the scenario is much better since 45.1% of the energy used come from renewable sources and 54.9% from nonrenewable sources. Another important point is that after the UNFCCC meeting in 2009, Brazil is not only part of the BRIC (Brazil, Russia, India and China) economies, but is also part of the BASIC (Brazil, South Africa, India and China) countries, playing a significant role in environmental issues in the international arena. Furthermore, early this year, several countries have submitted to the UNFCCC’s secretariat their reduction targets for the next years. Brazil maintained the December promise to reduce its emissions in 36.1% (may reach 38.9%) by the year 2020. India plans to reduce emissions in 20-25%, South Africa in 34%, and China between 40-45%. So, once again is time to consider positive the Mexico meeting and expect the best outcome (or promises) to become reality.

Terence Trennepohl Partner of Martorelli e Gouveia Advogados Senior Fellow at Harvard University PhD and Masters in Law (UFPE) CAPES Grant Holder E-mail: tdt@martorelli.com.br Neo Mondo - Dezember 2010

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Matéria de Capa

Neo Mondo

na TV

Proposta de um mundo sustentável é o mote da empreitada do Instituto NEO MONDO na TV via web Rosane Araujo

U

ma parceria entre o Instituto Neo Mondo e uma equipe de experientes produtores audiovisuais foi oficializada, no último mês de setembro, visando à criação de um canal de comunicação diferenciado: a Neo Mondo TV (1ª web TV digital do Brasil). Engajados pela causa da sustentabilidade e com a certeza de que o assunto ainda não foi contemplado como deveria pela mídia convencional, Oscar Lopes Luiz, presidente do Instituto Neo Mondo, Danilo Zolli, produtor audiovisual há 25 anos, Humberto Mesquita, ex SBT e Rádio Tupi, jornalista há mais de 35 anos e com a colaboração e consultoria do conceituado apresentador e jornalista Marcos Hummel (TV Record) planejaram o lançamento do canal de TV via internet para dezembro. “A TV nasce com o conceito fundamental focado no desenvolvimento humano; essa é nossa missão”, afirmou Zolli, diretor da Neo Mondo TV.

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Neo Mondo - Dezembro 2010

O conteúdo é composto inicialmente por quatro tipos de programa, todos buscando trazer novidades relacionadas à sustentabilidade. No Boletim Neo Mondo, os internautas podem conferir notícias sobre a saúde do planeta que darão conta dos avanços conseguidos na área e também dos possíveis dados negativos. No programa Neo Mondo Visita, pessoas e empresas com iniciativas pioneiras estão no centro das atenções. Haverá ainda o Neo Mondo Entrevista, cujo foco será tanto as celebridades que tenham algo a dizer para a construção de um mundo melhor quanto anônimos que estejam fazendo a diferença. O carro-chefe da programação, porém, promete ser o programa “4 elementos”, um “real life show” como descreveu Zolli. “Vamos mostrar o cotidiano de quatro jovens comprometidos com a causa de construir um mundo mais sustentável”, disse. Os participantes têm entre 13 e 17 anos e são moradores de uma cidade do litoral paulista. Diariamente são lançados capítulos de cinco minutos, divididos em quatro blocos que incluirão cenas do dia-a-dia do grupo e dos bastidores das gravações, uma sequência de perguntas e respostas, uma ação norteada pela produção e outra, proposta por um técnico ambiental. “Durante um ano, eles tentarão realizar um projeto sustentável e o segredo do programa é o que eles vão construir no final”, descreveu o produtor.

Segundo ele, a meta se revelará aos poucos. “A principal ferramenta da qual os quatro elementos lançam mão na empreitada é a mudança de comportamento”, explicou. Para atrair fãs fora das terras tupiniquins, o programa conta com legendas em espanhol e inglês. A aposta de Zolli é que, mesmo com as atividades propostas pela produção, haja espontaneidade, já que os quatro elementos terão liberdade para participar diretamente, mesmo na hora de finalizar os capítulos. “O projeto é ousado porque existe comprometimento recíproco entre os participantes e os produtores”, completou.


A pintura Beauty for Ashes, inspirada no imortal Guernica, de Picasso, permite releitura em diferentes contextos sociais

Foto: Charles Flores

Contra o conceito de “ecochato” Além de oferecer entretenimento com informação, a ideia do programa “4 elementos” é acabar com o estigma criado por alguns setores da sociedade que rotulam os defensores de práticas sustentáveis de “ecochatos”. “Hoje muitos ambientalistas são citados com deboche. O programa serve para quebrar o gelo, já que os participantes são jovens comuns, sem nenhuma experiência com artes cênicas e que consomem normalmente.” Mesmo sem abrir mão dos objetos de desejo, como as tendências de moda

e as inovações tecnológicas, os elementos apresentam soluções para um novo modo de vida, as quais podem ser adotadas por qualquer cidadão. Além disso, como moradores do litoral, eles proporcionam aventuras e boas imagens naturalmente, já que surf, mergulho e asa delta são alguns dos esportes praticados pela trupe. Segundo o produtor, o direcionamento voltado aos jovens é estratégico. Estudos consultados por ele mostraram que os jovens até 15 anos têm capacidade assimilativa de informações audiovisuais superior à de uma pessoa de 20

anos. “É um salto evolutivo proporcionado pela era digital”, opinou. Quando se deparam com a TV convencional, esses adolescentes podem sofrer com estresse e monotonia. “Eles são os cidadãos de amanhã, precisam de condições para receber informações que possam promover mudanças.” Apesar de ter os adolescentes no centro dos holofotes, a nova opção de TV não se restringe a este público. “As pessoas que não nasceram na era digital consideram-na contemporânea. Buscam informações, estão também em constante contato”, defendeu. Neo Mondo - Dezembro 2010

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Matéria de Capa O programa, porém, não é um simples mix de esportes radicais com ideias sustentáveis. Sua essência é também educativa. “A mídia fala muito sobre conscientização, mas precisa haver principalmente atitude. Estamos amparados no tripé da sustentabilidade que é a conscientização, mobilização e atitude”, afirmou o presidente do Instituto Neo Mondo, Oscar Lopes Luiz. Para compor um diferencial perante veículos de comunicação similares, a programação da Neo Mondo TV finca o pé na realidade. Para isso abre mão de artifícios audiovisuais, priorizando imagens reais. “A televisão atual serve como entorpe-

cente para a sociedade. A imagem que você recebe é bem diferente do real”, disse Zolli. Enquanto na televisão convencional as gravações em estúdio acontecem em maior número, na Neo Mondo TV, a preferência é pelas externas, aproveitando assim a luz do dia. “Não podemos estar em desacordo com a sustentabilidade”, declarou. Segundo ele, para garantir a qualidade audiovisual, o foco dos esforços e investimentos é o material humano e não os recursos técnicos. “Apostamos na polivalência dos profissionais da nossa equipe.” Tanto cuidado na produção visa desenvolver um produto lincado com os

princípios do grupo, mas que também apresente alta qualidade. Com isso, os produtores pretendem atrair parceiros identificados com a causa e que queiram ter sua imagem relacionada a uma TV com programação e produção sustentáveis. “O mercado está preparado para isso, estamos confiantes que não vão faltar apoiadores financeiros para nosso projeto”, opinou o presidente do Instituto. Para ele, a viabilidade financeira é um dos alicerces do tripé da sustentabilidade e não pode ser esquecida na realização da TV. “Estamos empenhados na busca de parcerias que serão benéficas para todos os envolvidos”, finalizou.

Neo Mondo TV A partir de dezembro de 2010 no endereço: www.neomondo.org.br Iniciativas para um mundo sustentável, notícias sobre a saúde do planeta e o real life show “Os 4 elementos” Os 4 elementos Quatro adolescentes de 13 a 17 anos, moradores do litoral paulista, apresentam propostas para um modo de vida sustentável, sem extremos consumistas e sem abrir mão daquilo que gostam. Quem são? Confira quem são os quatro elementos.

Brigite - Terra

Raul - Ar

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Neo Mondo - Dezembro 2010

Enrico - Fogo

Victória - Água


www.villanatural.com.br

Alimentação saudável,

saborosa e feita com arte Horário de Funcionamento Seg a Sex - 11:30 às 15:00h Sáb, Dom e Feriados - 12:00 às 15:30h

Rua Cel. Ortiz, 726 -V. Assunção - Santo André (Convênio com estacionamento)

(11) 2896-0065

Neo Mondo - Setembro 2008

A


Meio ambiente

Construindo

O AMANHÃ

Educação ambiental é o primeiro passo para a construção de um mundo mais sustentável Bruno Molinero


Divulgação

No CEDAC de Paragominas, as crianças aprendem a importância da reciclagem de papel e do contato com a terra juntamente com o currículo escolar tradicional

S

isudo, o menino parou em frente à mulher. Sobrancelhas arqueadas. “Tia, fecha essa torneira. A senhora está gastando muita água. Sabia que um dia ela vai acabar?”. Digna de melodrama ecoeducativo, a cena não é ficção. Aconteceu de verdade, no mundo real, em uma escola pública paraense, em Paragominas. Nada poderia ser mais emblemático. Por muito tempo, Paragominas figurou na “lista negra do meio ambiente”, sendo considerada uma das maiores protagonistas do cenário de degradação ambiental. O motor por trás de tudo tem nome sedutor e faz coçar barbas e, sobretudo, bolsos: bauxita. A extração desse minério impulsiona, até hoje, a economia da cidade. A população está praticamente toda empregada no setor. Como, então, reverter o quadro de exploração inconsequente dos recursos naturais e de degradação ambiental? Pode parecer difícil, mas a questão aparentemente insolúvel foi resolvida com educação. Uma das iniciativas bem-sucedidas é a Comunidade Educativa CEDAC, que educa crianças em perspectiva ambiental. O CEDAC, contudo, não trabalha por projetos – como é costume em muitas iniciativas de educação ambiental. A ideia é misturar o tema às disciplinas estudadas. Dessa maneira, a temática da sustentabilidade é abordada em conjunto com as aulas de Língua Portuguesa, História, Geografia e até de Matemática. A garotada entende a magnitude dos problemas de Paragominas em paralelo ao currículo escolar.

“Você precisa informar as pessoas e, sobretudo, as crianças sobre as questões ambientais. Mas isso nem sempre é tudo. É preciso tratar da ação”, diz Aline Matheus, formadora de educação ambiental do projeto e uma das responsáveis pela área de matemática. “Por exemplo, nós usamos a matemática e suas ferramentas para mostrar a finitude da bauxita. Elas dão a percepção numérica do problema ambiental ao mesmo tempo em que as crianças estão aprendendo a fazer contas”, completa. O resultado é a criança pedindo para a tia da escola fechar a torneira. Sem a noção exata de que, após a extração da bauxita, que está acontecendo a poucos metros da sala de aula, milhões de litros dessa mesma água serão gastos para a produção do alumínio. Contudo, segundo Sueli Furlan, do Departamento de Geografia da FFLCH/USP, essa é exatamente a função da educação ambiental: trabalhar com o micro para, um dia, ajudar o macro. “A escola muitas vezes trabalha com questões macro para discutir grandes problemas ambientais e não consegue ir além do que a mídia já faz: informar sobre o problema. É necessário pensar em pequenas atitudes”. Contudo, o tema educação ambiental não se restringe ao ambiente escolar, à educação formal e muito menos a um bando de crianças aprendendo a importância da preservação do meio ambiente. Educação ambiental tem implicações socioeconômicas claras e pode ser fator decisivo para a geração de renda.

No município de Fonte Boa, na região do Alto Solimões, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) desenvolve com a comunidade Auaki Paraná um projeto de geração de renda a partir de atividades sustentáveis. Aproveitando a madeira de árvores que caíram naturalmente, por conta de tempestades, ventos e outros fatores naturais, a comunidade está produzindo pratos e pequenos objetos de decoração. Segundo Niro Higuchi, pesquisador do projeto, cada prato poderá custar R$ 300. “É preciso mudar a cultura das pessoas. Elas precisam entender que é necessário proteger a floresta em pé”, alerta. E, a partir dessa valorização, gerar renda. Essencialmente extrativista, a comunidade Auaki Paraná tem apenas a madeira como saída econômica. Mas isso não implica necessariamente em um desmatamento desenfreado e irresponsável. “A ideia é que consigamos aproveitar 80% de toda a madeira caída. E que, após uma primeira fase experimental, passemos a construir também violões e cavaquinhos – que têm maior valor agregado”, conta o pesquisador. A educação ambiental, desta maneira, age lado a lado com um plano de manejo florestal sustentável, auxiliando a população a alavancar sua renda sem impactar mais o meio ambiente. Sem ela, a comunidade do Alto Solimões não teria alternativas de expansão econômica e, inevitavelmente, derrubaria mais e mais árvores. Já do outro lado da Amazônia, a torneira de uma escola de Paragominas ficaria aberta.

* Com informações da revista Nova Escola Neo Mondo - Dezembro 2010

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Meio ambiente

80 anos em baixo

DO TAPETE


O Código Florestal, uma lei cuja aplicação vem sendo varrida para debaixo do tapete há 80 anos, virou arma de negociação de apoio no segundo turno das eleições 2010, por parte de Marina Silva, alçada à condição de “noiva mais cortejada” nesta etapa. Mas o problema com o Código é crônico. Antônio Marmo

T

exto da Agência Estado do dia 13 de outubro informava que a surpresa do primeiro turno da corrida presidencial, a ex-seringueira Marina Silva, encaminhara aos dois parceiros restantes na peleja eleitoral, uma lista com 42 “compromissos” para análise em troca de apoio do PV. Desta lista, os pontos mais polêmicos estavam na área ambiental, justamente onde tanto Dilma Rousseff (PT) como José Serra (PSDB) não esperavam encontrar maiores dificuldades para o aval de Marina. No entanto, o documento Agenda por um Brasil justo e sustentável defendia o fim do desmatamento do cerrado e o veto a mudanças no Código Florestal que reduzam áreas de proteção ambiental – reservas legais - ou promovam anistia a desmatadores. Ora, o cerrado é visto tanto por Dilma como por aliados de Serra como a grande fronteira agrícola do país, depois da adoção de medidas de combate ao desmatamento na Amazônia. O bioma já perdeu quase metade de sua vegetação nativa, mas a lei autoriza proprietários rurais da região a cortar até 65% dela. Já o debate do Código Florestal vem de uma discussão muito antiga, mas acirrada logo após a saída de Marina do Ministério do Meio Ambiente, por uma decisão atabalhoada ou “irresponsável” do então recém - empossado Carlos Minc . O desfecho dessa arrastada discussão estava congelado desde junho e esperava-se - seria jogado para depois das eleições. O prazo para a entrada em vigor de um decreto que gerou o pedido de revisão do Código é julho de 2011 (ver histórico).

Aflição e mal - estar A formalização dos pontos para apoio foi destaque nos jornais do dia 14 de outubro, duas semanas antes da votação do segundo turno. Dilma e Serra não tinham como esconder o mal estar, e evitaram se manifestar logo sobre o tema. Dilma apoiou sucessivos adiamentos da entrada em vigor da lei de reserva legal, no governo Lula. E na campanha do tucano José Serra, bem votado no cinturão do agronegócio, o assunto virou motivo de aflição. Ainda antes de receber a tal Agenda por um Brasil sustentável de Marina, Serra já havia dito, em comício em Xapecó (SC), dia 9 de outubro, que “não era o momento certo de discutir o projeto do Código Florestal que está em revisão no Congresso. “Vamos pegar isso no ano que vem e discutir com todos, tendo em mente a necessidade de proteger o ambiente e ter incentivos econômicos pra desenvolver nosso País”, afirmou. Os tucanos, segundo a Folha de São Paulo, já tinham descartado a possibilidade de aceitar integralmente as ideias dos verdes. Antes seria necessário amadurecê-las, diziam. Segundo integrantes do comando da campanha tucana, o compromisso de Serra seria não permitir a aprovação imediata do novo Código Florestal neste ano, comprometendo-se a construir uma fórmula de consenso nos seis primeiros meses de seu eventual governo. Arma de negociação Ao ressuscitar no segundo turno da eleição presidencial a discussão do Código Florestal como arma para negociar apoio,

Marina levantou tudo o que os dois candidatos restantes não queriam. Até então os dois acenavam com declarações genéricas falando em convergências e que sempre, em toda a vida, foram defensores de bandeiras sustentáveis. “No que se refere ao meio ambiente, temos propostas muito avançadas e eu acredito que pode ter uma grande convergência, independentemente de quem a Marina vai apoiar. Não é meu papel assediar e constranger”, falava Serra em Xapecó. Da parte do governo, o presidente Lula mandou desengavetar a reforma do Plano Amazônia Sustentável (PAS) – maior legado de Marina quando no Ministério. O PAS começou a ser debatido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos justamente quando o PSDB entrava na briga para atrair os 20 milhões de eleitores de Marina. Esforço de síntese “Já fizemos um grande esforço de síntese”, alegava Marina sobre quais pontos da agenda do PV seriam considerados essenciais para futuros compromissos dos candidatos ao Planalto. A agenda da área ambiental e de infraestrutura previa outros pontos polêmicos para ambos os candidatos. Marina defende, por exemplo, a “moratória” a novas usinas nucleares e a não-contratação de novas termelétricas a diesel ou carvão. O governo Lula já aprovou a construção de, pelo menos, quatro novas usinas nucleares e ainda tem as usinas termoelétricas como fonte de geração de energia. Sobre a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, Marina se limitava a propor o cumprimento de condicionantes já estabelecidas pelo órgão ambiental.

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Meio ambiente

TROPEÇOS DO MINISTRO MINC Uma trapalhada do ex-ministro Carlos Minc ao desengavetar decreto congelado por Marina Silva gerou gritaria entre pequenos e grandes produtores em torno das reservas legais. Estava criado o impasse que forçou a Câmara a convocar reforma do Código Florestal, ainda em tramitação. ABr

Fase aguda da crise em torno do Código começou com fixação, pelo então ministro Carlos Minc, de prazo de 180 dias para averbar reserva de mata nas propriedades

Engenheiro agrônomo e amazônida, com mestrado em Gestão Econômica do Meio Ambiente e especialização em geoprocessamento, Ciro Siqueira estuda o Código Florestal desde 1996 e usa seus conhecimentos para alimentar um prestigiado blog em seu nome sobre questão. O tema de sua tese de mestrado foi Aspectos Econômicos da Conservação de Florestas em Terras Privadas: o Código Florestal e a Reserva Legal na Amazônia . Ciro divide a discussão em “fase aguda” e “fase crônica” para esclarecer o histórico em torno do assunto. Ele é muito claro ao situar a “fase aguda”, a origem de toda a celeuma atual em torno do documento, no dia 22 de julho de 2008, quando o ex-ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc atropelou o presidente da República para que assinasse o Decreto 6.514, regulamentando a Lei de Crimes Ambientais. Com isso, fixou-se prazo de 180 dias para que todos os donos de imóveis rurais averbassem nos cartórios duas áreas de Reserva Legal (RL) previstas no Código Florestal, um monstrengo legislatório nas34

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cido ainda nos tempos do “fogão a lenha”, nos idos de 1934, sob Getúlio Vargas. O prazo esgotar-se-ia em 22 de dezembro de 2008 sob pena de multa de até R$ 100 mil, além de multa diária de R$ 50 a R$ 500 por hectare ou fração da área da reserva. Ciro explica, no entanto, que averbar a RL não é um processo simples. O produtor deve dirigir-se ao órgão ambiental do seu Estado e solicitar a indicação sobre a localização da reserva dentro do imóvel. Alguns órgãos ambientais exigem até o georreferenciamento dos limites. Com a indicação da área em mãos, o produtor deve ir ao cartório onde está registrado o imóvel e pedir a tal “averbação” da Reserva Legal à margem da matrícula do imóvel no livro de registros do cartório. Arrancar plantações Ciro enfatiza: “Imagine-se isso para um pequeno ou médio produtor. Esse processo todo, em geral, leva muito mais tempo do que os 180 dias previstos no decreto, de forma que os produtores rurais não tinham como cumprir a lei e passariam a sujeitar-se a multas diárias”.

Por Reserva Legal entende-se o pedaço de terra dentro de cada imóvel rural que deve ser mantido com a vegetação original. Caso essa área não tenha mais a vegetação original e esteja sendo usada para plantio - caso do café no Sudeste, da maçã ou uva no Sul do pais - esse plantio deve ser erradicado e o dono do imóvel deve proceder a recuperação da vegetação original ou proceder a compensação ambiental. O custo para se fazer isso, em muitos casos, é alto para o proprietário e implicaria na bancarrota dos menos capitalizados. Ciente de que os produtores rurais não tinham como cumprir o Decreto e que a assinatura conflagraria o setor, Marina congelou o decreto 6.514/08, deixando-o no fundo da gaveta durante todo o tempo em que ela esteve à frente do Ministério do Meio Ambiente. Começa a gritaria Ao assumir o Ministério após a renúncia de Marina, Minc, sem a mínima noção das consequências, retirou o decreto da geladeira e encaminhou-o à Presidência da Republica com recomendação para que fosse assinado, explica Ciro Siqueira. Quem acompanha o tema deve lembrar-se que não demorou para que os produtores rurais, por meio de suas associações de classe, dessem o grito de alarme. Esse clamor encontrou eco dentro do governo na pessoa do ex-ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, que saiu em defesa dos produtores. A celeuma entre os ministros Minc e Stephanes virou briga pública, a ponto de gerar intervenção do presidente Lula para que os contendores fechassem a discussão em gabinete com a intermediação da ex-ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ciro diz que a impossibilidade de cumprir o que determinava o decreto por parte do meio rural quase causou uma aliança histórica entre pequenos agricultores e grandes produtores rurais.


Jogar pequenos contra grandes Todos virariam criminosos caso o decreto ou o Código Florestal não fossem alterados. O peso era inversamente proporcional ao tamanho da propriedade rural, ou seja, maior para as menores propriedades. Prevendo um movimento de todo o setor rural contra a lei ambiental, o ex ministro Minc chamou seu colega do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, e sinalizou com concessões ambientais apenas para a agricultura familiar. Depois chamou os grandes produtores de “picaretas”, numa tentativa de jogar os pequenos contra os grandes visando a gerar divisão em um movimento que teria força política para subverter completamente a lei. Essa total impossibilidade de fazer cumprir a decisão levou o presidente Lula a assinar, em dezembro de 2008, à véspera da entrada em vigor do texto original, o Decreto 6.686/08, prorrogando este prazo para dezembro de 2010. A bomba da Embrapa Lula recomendou que os ministros do Meio Ambiente, Agricultura e Casa Civil

encontrassem uma convergência mínima sobre o assunto. As negociações entre os ministros prosseguiram com acordos em alguns pontos e desavenças irreconciliáveis em outros. Mas no final de 2008, enfatiza Ciro Siqueira, o pesquisador da Embrapa, Evaristo Miranda, divulgou os resultados parciais de uma pesquisabomba da instituição que mostrava o alcance da legislação ambiental e indigenista brasileira. O trabalho de Evaristo afirma que unindo-se as Unidades de Conservação (UCs), as Reservas Indígenas, as áreas de Reserva Legal (RL), de Preservação Permanente (APPs) e demais áreas protegidas, sobraria muito pouco para a produção agrícola. O trabalho de Evaristo, com o peso da chancela da Embrapa, conflagrou novamente o setor. A Comissão Especial Enquanto as negociações de gabinete continuavam sem solução do impasse Minc-Stephanes, alguns deputados articularam junto ao presidente da Câmara, deputado Michel Temer, a cria-

ção da comissão especial para reforma do Código Florestal. Argumentava-se que já se encontravam em tramitação diversos projetos propondo alterações no Código, e essa seria uma forma de consolidar esses projetos. A comissão foi criada não sem as costumeiras disputas pela composição da mesa, engalfinhando-se ruralistas e ambientalistas. A presidência estava com Moacir Micheleto e a relatoria com Homero Pereira, notórios representantes dos grandes produtores rurais. O impasse foi desfeito com a indicação e a aprovação unânime do nome do deputado Aldo Rebelo (PC do B) para a relatoria, permanecendo Moacir Micheleto na presidência da comissão. E como nada se resolvia no Executivo, o presidente Lula assinou o Decreto 7.029/08, prorrogando, de novo, para julho de 2011, depois do final do seu mandato, a entrada em vigor do decreto original. Assim, o debate ficou restrito ao Legislativo, nos trabalhos da Comissão Especial que resultaram finalmente nas propostas de alterações aprovadas no início de julho último.

DOS TEMPOS DO FOGÃO A LENHA Nascido na década de 30 do século passado, o Código Florestal, nunca levado a sério, tinha como mote principal a regulação do mercado de lenha para cozinha. A ideia de reserva de mato vem daí. Mantida pela ditadura militar, virou estratégia para integração da Amazônia. Se a fase “aguda” ainda deixa o tema sem perspectiva de alta, nossa fonte para este histórico da crise em torno do Código Florestal, o engenheiro agrônomo Ciro Siqueira, nos diz que apesar de instituído em 1934, o Código “nunca pegou, ou seja, ninguém jamais o levou muito a sério”. Isso nos obriga a viajar pela “fase crônica” do problema. O primeiro Código Florestal brasileiro foi instituído por Getúlio Vargas em 1934. Naquela época a matriz energética nacional era à base de carvão e lenha, não os fogões a gás; e a energia elétrica era incipiente.

Divulgação

Reserva legal nasceu em 1934 para preservar o combustível da época, a lenha para fogões, ameaçada pelo avanço dos cafesais

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Meio ambiente

Ao buscar integrar a Amazônia ao resto do Pais militares deram a largada para a devastação da floresta, gerando o avanço do chamado “efeito espinha de peixe” ao longo das estradas nas imagens dos satélites

Conta Ciro Siqueira que “o Sudeste brasileiro, onde se concentrava a maior parte da população, experimentava a expansão violenta das lavouras de café. Isso afastava dos centros urbanos as fontes de lenha e carvão que precisavam ser transportadas por distâncias maiores no lombo de burro ou carroças de tração animal até os fogões das pessoas nas cidades”. Ciro enfatiza que “embora a lei de 1934 tivesse algum caráter preservacionista, o mote principal dela foi a regulação deste mercado de lenha, cujo preço subia violentamente. A lei de 1934 chegava a incentivar a retirada total das matas nativas para o café desde que a ‘quarta parte’ fosse replantada com florestas homogêneas que eram mais produtivas sob o critério da produção de madeira para lenha”. Garantir o fornecimento de lenha era politicamente estratégico na época como hoje é o preço da gasolina ou do gás. Preservar biomas No início da década de 60, prossegue o engenheiro, foi instituído um grupo de trabalho para reformular a lei então vigente. Mas em 1960 a lenha não tinha mais importância como fonte estratégica de energia e já havia uma maior preocupação em relação ao papel ambiental da manutenção florestal. Assim, alterou-se a função das reservas florestais privadas. Mantida pelo legislador de 60, a tal “quarta parte” das matas privadas passou a ser chamada de Reserva Legal, com o objetivo de manter parcelas significativas de cada bioma florestal preservado. Entende Ciro que “o legislador da década de 60 partiu de pressuposto (correto) de que uma porcentagem mínima de cada bioma deveria ser preservada. Mas partiu também

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do pressuposto (errôneo) de que os biomas eram totalmente recobertos por imóveis privados, e o governo não teria nem vontade política nem força para desapropriações”. Ora, se os biomas são todos ocupados por imóveis privados e uma parte dos biomas precisa ser preservada, a única forma de fazê-lo era manter as reservas dentro dos imóveis privados conforme já instituído pela lei anteriormente em vigor. Ou seja, regulamentou-se a manutenção de florestas dentro dos imóveis rurais privados por absoluta falta de opção, uma vez que o Estado não dispunha dos meios de fazê-lo em áreas públicas ou manteve-se a imposição de reservas dentro de imóveis privados em razão da suposição que não se poderia manter frações significativas dos biomas preservados em áreas públicas. “Integrar para não entregar” A lei estruturada pelo legislador no início da década de 60 foi promulgada em 1965 pelo general Castelo Branco, nos primeiros anos da ditadura militar. A Reserva Legal, que era a parte de cada bioma que deveria ser preservado, foi estabelecida em 50% na Amazônia e 20% do restante do país. Especula-se sobre as razões do governo militar para subscrever uma legislação com o escopo de preservar biomas. A hipótese mais provável é que a decisão fizesse parte da estratégia do governo militar para integrar a região amazônica ao resto do País. O lema nacionalista da época era “Integrar para não entregar”. E eles sabiam que, dada a imensidão da região, os recursos, tanto financeiros, quanto humanos, não seriam suficientes para que esse projeto de integração nacional fosse plenamente concretizado.

Com a imposição de um Reserva Legal de 50%, cada colono transplantado para a região amazônica seria dono de uma fração de terra igual ao dobro daquela em que ele desmatasse e colocasse em produção (pasto ou agricultura). O governo militar poderia integrar o dobro da área da Amazônia se os colonos fossem obrigados a manter um Reserva Legal de 50%. A lei de 1965 deu também nova cara a uma figura jurídica criada pela lei de 1934, as chamadas florestas protetoras. As florestas protetoras eram aquelas cuja manutenção era necessária para garantir a saúde dos recursos hídricos (rios e lagos) e áreas de risco (encostas íngremes e dunas). Elas viraram nossas APPs ou Áreas de Proteção Permanente. Pasto e soja Mas, assim como em 1934, o Código reformulado de 1965 também não pegou. Será justamente essa integração proposta pelos militares o marco apontado como o início da destruição da floresta. Atraídos pela promessa de terras baratas e riquezas, milhares de colonos chegavam com suas famílias vindos do Sul e do Sudeste do país. E a floresta, até então impenetrável, desaparecia rapidamente dando lugar a imensos campos de soja e pastagens. As comparações entre imagens de satélites de épocas diferentes são claras para testemunhar o avanço do chamado “efeito espinha de peixe”, nome dado ao padrão de desmatamento que pode ser observado na imagem de satélite no alto, à esquerda. Esta imagem é de um trecho da Rodovia Transamazônica. Ciro esclarece que “nos locais onde a abertura de novas áreas era feita com algum controle do governo, como nos assentamentos do Incra dos anos 60 e 70, até que funcionava, já que o colono que desmatasse acima de 50% teria a área retomada”. Mas em alguns casos onde os colonos desmatavam até 100% dos lotes que recebiam, o governo dava outro lote de igual tamanho para que o ocupante ficasse dentro da lei, ou seja, 50% de uso e 50% de Reserva Legal. Em outras regiões onde a colonização foi feita sem a supervisão do governo, a maioria dos donos de terra desmatou, entre os anos 60 e 80, quase 100% dos seus imóveis, indo muito além da área autorizada pelo governo. Isso aconteceu tanto na Amazônia (RL de 50%) quanto no restante do Brasil (São Paulo, Paraná, Goiás etc.), onde a RL era de 20%.


Irregularidade legal Ciro explica que esse quadro de inobservância da lei fez com que a quase totalidade dos imóveis rurais brasileiros, tanto na Amazônia quanto fora dela, tenha algum nível de irregularidade legal perante as exigências do Código Florestal. Alguns não têm RL suficiente, outros plantaram nas margens dos rios e córregos onde deveriam estar as APPs, outros ainda plantaram em encostas ou topos de morro que também deveriam ser APPs. Parte importante da produção rural brasileira de hoje é feita sobre áreas que não poderiam estar sendo usadas para produção, como o café no Sudeste, a maçã e uva no Sul. Em 1996 o governo federal muda novamente a lei, pois em 1995, apenas 3 anos após a realização da ECO-92 no Rio de Janeiro, o Brasil observou um pico no desmatamento na Amazônia. Entre agosto de 94 e agosto de 95, foram desmatados 2.905.900 hectares de florestas. “Um recorde histórico”, lembra Ciro, que nessa época trabalhava em projetos

que orientavam pecuaristas a reformar e intensificar o uso de pastagens degradadas. “Nossos pecuaristas conseguiam criar 1,5 (alguns 2,5) cabeça por hectare de pasto reformado”, diz ele. A comunidade internacional já preocupada com a questão ambiental planetária fez uma enorme pressão sobre o governo brasileiro. Em agosto de 1966, o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou Medida Provisória mudando novamente os percentuais de Reserva Legal, fixando-os em 80% na Amazônia, 35% no cerrado e 20% no restante do país. Voltando à estaca zero Ciro diz que a MP de Fernando Henrique acabou com um grande número de projetos como os que ele tocava. “Em 2001 fomos obrigados a parar o trabalho porque o agente financiador teve que considerar a Reserva Legal de 80%. Ficou impossível construir projetos viáveis tanto técnica quanto economicamente considerando essa restrição”, relembra.

E quem já tinha desmatado 50% induzidos pelo próprio governo? Se estavam dentro da lei até 1996, passaram a estar à margem dela após a MP de Fernando Henrique, que não estabeleceu prazos para a adequação e entrou em vigor na data de sua publicação (como é usual no Brasil). Essa Medida Provisória nunca chegou a ser apreciada pelo Legislativo e sofreu 67 reedições até o ano 2001 depois de ter passado por uma Comissão Mista de deputados e senadores - dominada por ruralistas - para emitir parecer sobre um projeto de lei em torno do tema. Em 2001, uma alteração na Constituição de 1988 mudou a forma de tramitação legislativa das MPs, dispensando-as de novas reedições. Assim, vigorariam ad eternum ou até que o Congresso as revogasse. Esses são os problemas jogados para debaixo do tapete até a assinatura atabalhoada de Carlos Minc no Decreto 6.514 em 2008 e que foi a centelha para o recente debate sobre o Código Florestal.

A METRALHADORA COMUNISTA Ao assumir a relatoria do novo Código Florestal, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB) acabou atraindo a simpatia de pequenos e grandes produtores rurais que viram bom senso em suas conclusões. Mas virou alvo também da fúria ambientalista contra quem dirigiu sua metralhadora giratória: “pelo Greenpeace a Holanda não existiria”, diz ele A sessão de leitura da nova proposta do Código, no dia 6 de junho, ocorreu em meio a clima de confronto entre bancada ruralista e ambientalistas. O relatório do deputado tem 309 páginas e ele se limitou a ler as primeiras 50 páginas de introdução, dando o restante por lido, o que gerou mais protestos ainda no plenário. A organização Greenpeace, cuja matriz fica na Holanda, foi a primeira - não a única - a execrar o texto lido por Rebelo: “Na prática, o relatório propõe reverter 76 anos de evolução de nossa legislação ambiental. É, portanto, um retrocesso”, afirmava, em nota. Outras organizações criticaram o “chorrilho de apoios na imprensa, o embasamento pseudocientífico e sua defesa das teses ruralistas”. Segundo o ambientalista André Lima, presidente do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), o projeto relatado por

Rebelo representa um crime contra o meio ambiente brasileiro e um retrocesso, porque transfere toda a responsabilidade pela preservação ambiental exclusivamente para o poder público e “anistia todos os desmatadores que devastaram o meio ambiente até 2008”. A verdade é que o deputado soube equilibrar-se entre críticas e acertos, chegando a agradar pequenos, médios e grandes produtores que defendem o “bom senso” de seu texto ainda que atraindo a fúria ambientalista, entre eles a da presidenciável Marina Silva. “Aldo Rebelo, o comunista que todo capitalista gostaria de ter como sócio”, atacava um de seus críticos mais ácidos, o jornalista Augusto Nunes, da Veja. NEO MONDO encaminhou meia dúzia de perguntas ao relator da nova proposta do Código Florestal. No entanto, em plena campanha, ele se desculpou por

não poder enviar as respostas. Mas nos liberou para mencionar aspectos das inúmeras entrevistas e comentários espalhados por ele ao longo dos últimos meses. Divulgação

Aldo Rebelo (PCdoB): relator do novo Código atraiu simpatias de produtores e a ira ambientalista. “ONGs não podem substituir o Estado”, diz

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Meio ambiente

Rajadas certeiras Rebelo foi reeleito para seu sexto mandato, com 132 mil votos em praticamente todos os municípios paulistas. Para compor um quadro realista dos problema ambientais abarcados pelo Código Florestal, o deputado fez uma peregrinação pelo país inteiro, visitando assentamentos de semterras, comunidades pantaneiras, projetos no Cerrado brasileiro e na Amazônia. Colocado diante do processo, o exguerrilheiro acertou a primeira rajada neste tiroteio verbal: “Nós temos um Código Florestal de 1965, muito avançado, mas que foi profundamente modificado nos últimos anos”. “As mudanças”, continua o deputado, “tornaram impossível a sua aplicação, pois os agricultores, principalmente os pequenos, não têm como cumprir suas exigências. Nos últimos quarenta anos, uma série de decretos, portarias e resoluções transformou o Código Florestal em uma aberração jurídica”. É o que parece após o passeio que se faz pela história do arrazoado. Para cativar os grandes produtores, Rebelo falou como membro da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, jogando com a teoria da conspiração internacional, com nova rajada de efeito: “É a agricultura frágil de países fortes contra a agricultura forte de um país frágil”. “Vejo ali a disputa em torno do algodão, do etanol, do açúcar, das carnes bovina e suína e da soja, na qual os produtores norte-americanos e europeus buscam suplantar, no comércio mundial, a nossa agricultura, impondo o subsídio ou acionando barreiras ambientais”. Nesse raciocínio, continua ele, “dificultar a fronteira agrícola do Brasil e criar uma espécie de tributo ambiental sobre o produtor brasileiro tornou-se questão de vida ou morte”.

“A Holanda não existiria” Sobre as organizações não governamentais ambientalistas, Rebelo faz uma observação: para o deputado, enquanto uma parte dessas ONGs é de fato humanitária e integrada por gente de boa fé, outra parcela pretende substituir o Estado, legislar no lugar do Congresso, com o aval político, financeiro e diplomático - e, no passado, até com respaldo militar - de governos estrangeiros fortes. Pior: ele acirra os ânimos verdes ao afirmar que “o ambientalismo também é um meio de vida, uma profissão de gente bem-sucedida, com padrão de vida bem melhor que 90% dos nossos agricultores”. O deputado mira especialmente o Greenpeace e o tiro vai longe: o Greenpeace foi a primeira organização que eu recebi em meu gabinete depois de nomeado relator. Foi a ONG que mais falou nas audiências públicas da comissão especial. “Ela exige 80% de Reserva Legal na Amazônia e, em contrapartida, não exige nenhum percentual na Holanda, seu país de origem. Simplesmente a Reserva Legal não existe no direito da Holanda. O Greenpeace exige, no Brasil, 600 metros, em alguns casos, de preservação de matas ciliares de um lado e do outro dos rios, enquanto isso também sequer existe no direito holandês. Essa entidade sabe que quase metade do seu país sede foi construída dentro de uma Área de Preservação Permanente (APP). A Holanda é um aterro construído dentro do mar”, provoca. Mas ele entende que embora a RL e a APP não existam no direito ambiental e florestal de nenhum país europeu nem nos EUA, “creio que o Brasil deve preservar os dois conceitos, adaptando-os às necessidades do país”.

Estados e Municípios “Não se pode proteger o meio ambiente simplesmente a partir da União. Tem que integrar Estados e Municípios num esforço de construção de um programa de preservação ambiental, que não é só uma lei, mas extensão, orientação técnica, educação, mobilização na defesa do meio ambiente”. Desenvolvimento e ambiente “O povo deseja a proteção do meio ambiente, mas sua primeira preocupação é com a comida barata. Digo para os meninos de classe média das ONGs ambientalistas que eles nunca viram uma família discutindo o preço da carne, do feijão, da lata de óleo”. A cidade e o campo “É preciso deixar claro que a proteção do meio ambiente não é uma responsabilidade exclusiva do homem do campo. Penso que a sociedade urbana tem uma dívida muito maior do que a daqueles que vivem mais próximos da natureza”. Licença para minhoca O ribeirinho não pode arrancar uma minhoca na beira do rio, porque também é crime ambiental, a não ser que ele consiga previamente uma licença. Setenta e cinco por cento da nossa produção de arroz em várzea - como é produzido na China, no Vietnã, na Tailândia e Índia - também se tornaram ilegais, porque a várzea integra a Área de Preservação Permanente, a banana do Vale do Ribeira é topo de morro, a Toda a criação de gado no pantanal mato-grossense, que é feita há 250 anos, de forma absolutamente sustentável - o pantanal é o bioma mais preservado do país -, também virou ilegal”. Divulgação

“Corguinho” comum em pequenos sítios: mata ciliar pode cair para 7m5 da margem 38

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AS PRINCIPAIS MUDANÇAS NO NOVO CÓDIGO 1 - Autonomia dos Estados O texto do relator dá autonomia para os Estados definirem os porcentuais ou o tamanho das áreas de reserva legal ou de proteção de mananciais e para flexibilizar a aplicação das leis ambientais produzindo normas próprias de acordo com critérios técnicos. Isso se daria pelo Zoneamento Ecológico-Econômico, uma espécie de “plano diretor” para determinar que uso pode ser feito da terra em cada região. Atualmente, o governo federal determina o piso para isso, mas os Estados continuarão acatando normas nacionais relativas ao Meio Ambiente. 2 - Espaços consolidados As áreas em uso para produção serão consideradas espaço consolidado de atividade agrícola e de pecuária até que, em cinco anos, cada Estado defina a adesão ao Programa de Regularização Ambiental. Durante esse período, não será permitido o desmatamento de novas áreas. É o congelamento ou desmatamento “zero”. 3 - Isenção para pequenos O novo código também isenta pequenos produtores rurais com propriedade de até quatro módulos rurais da obrigatoriedade de cumprir os porcentuais de reserva legal - no caso da Mata Atlântica e Caatinga, esse porcentual é de 20% - ou de recompor vegetação nativa devastada até a promulgação da nova lei. Os módulos fiscais são uma medida que varia com a região: na Amazônia, pode chegar a 400 hectares. O texto regulariza as áreas com plantios consolidados em APP. O objetivo é evitar que plantios antigos feitos em

encostas como café no Sudeste ou uva e maçã no Sul continuem ilegais podendo ser arrancados para o cumprimento da lei. O texto também procura legalizar as áreas já abertas e em produção hoje em imóveis pequenos (até quatro módulos rurais), liberando esses imóveis da necessidade de recomposição de Reserva Legal. Dessa forma esses imóveis pequenos com uso agrícola superior ao permitido pela lei não necessitariam arrancar parte de suas plantações para recompor a mata, mas não estão liberados para desmatar mais. 4 - Compensações Coletivas Os médios e grandes proprietários, quando impossível cumprir a regra, poderão fazer compensações em áreas de preservação coletiva, a ser definidas pelo Estado. Com isso o novo texto legaliza a situação de 90% dos produtores rurais brasileiros que, segundo Rabelo, estariam hoje colocados na ilegalidade, principalmente os das regiões Sul e Sudeste.

área protegida para cada margem e assim sucessivamente até 500 metros ou meio km de mata ciliar para rios acima de 600 metros de largura, como na Amazônia. Ora, é muito comum a existência de pequenos imóveis rurais onde passam riachos, córregos ou “filetes de água”. Demarcando-se áreas de proteção, em casos extremos pode não sobrar espaço nem a casa do dono do imóvel ou - pior - proíbese a criação de um porquinho ou galinhas para não sujar o ribeirão. Mesmo nesses casos extremos a lei exige que o proprietário recupere as APPs e a RL.

5 - Mata ciliar menor A área de mata ciliar que protege margens de rios ou lagos fica limitada a 70 metros no máximo, mas o mínimo passa a ser de 15 metros, podendo cair para 7,5, dependendo da definição de cada Estado. E mais: diz que as faixas da vegetação ciliar sejam calculadas a partir da menor borda (parte mais estreita). Pela lei em vigor, esses cálculos devem levar em conta as bordas maiores (leito está cheio). Hoje, para rios com 10 metros de largura, a lei estabelece uma área de proteção de 30 metros para cada margem. Entre 10 e 50 metros de largura, se exigem 50 metros de

6 - Anistia para desmates O texto incorpora uma anistia de multas a todos os proprietários rurais que desmataram no país até 31 de julho de 2006. Se aprovada esta versão, será permitido que todo o desmatamento ilegal feito até 31 de julho de 2006 seja anistiado e as atividades agropecuárias existentes na área sejam mantidas. Nota: este é o item que mais polêmica causou. No dia da votação desta emenda, de autoria de deputado “ruralista”, três ambientalistas do Greenpeace se acorrentaram uns aos outros e ligaram uma sirene na comissão para tentar evitar a votação. Houve bate-boca, suspensão da sessão, mas a proposta passou por 13 votos contra 5. Pelos dados do Greenpeace, com o perdão, o governo abriria mão de R$ 8 bilhões em multas aplicadas entre 1998 e 2008 na Amazônia Legal. Rebelo, em entrevista à revista Veja, afirma que “o Ministério do Meio Ambiente não calculou nada. Não existe esta cifra no Tribunal de Contas”.

Rousseff (PT), Michel Temer (PMDB), acenava aos ‘marineiros’ com a possibilidade de, no mínimo, adiar a votação da matéria para 2011, o que, afinal, já era previsto”. Caberia a Temer conduzir a discussão no colégio dos líderes, em novembro, que ditaria o cronograma de tramitação do Código Florestal. Se fosse avançada qualquer aproximação Marina-Serra, Temer poderia acelerar o rito, já que existe, entre as bancadas, acenos favoráveis a um acordo para a votá-lo.

Serra havia declarado ser importante considerar as particularidades de cada região brasileira para contribuir no desenvolvimento e proteger o meio ambiente ao mesmo tempo. “É diferente o problema da Amazônia do problema de Santa Catarina, que é um Estado de pequenas e médias propriedades já ocupadas há muitas décadas. A questão do Código Florestal tem que permitir algum peso para as condições regionais”, ressaltou.

Os próximos passos Tendo o Partido Verde de Marina Silva decidido posteriormente pela independência na decisão do segundo turno em relação aos dois postulantes ao Palácio do Planalto em 2010, ainda não se sabe que atitude Michel Temer irá tomar agora com relação ao debate do Código. A editora da coluna “Painel”, da Folha de S. Paulo, Renata Lo Prete, informava em meados de outubro que, “ciente das dificuldades enfrentadas por Serra, o presidente da Câmara e companheiro de chapa de Dilma

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Neo Mondo - Outubro 2008


Neo Mondo - Setembro 2008

A


Água Virtual A

água é imprescindível à existência dos seres vivos, mas também ao exercício de atividades industriais, comerciais, agrícolas e à prestação de serviços. ARJEN HOEKSTRA, Professor de Gestão das Águas na Faculdade de Tecnologia e Engenharia da Universidade de Twente (Holanda), denominou de “água virtual” a quantidade de água doce incorporada, direta ou indiretamente, ao processo produtivo de qualquer bem, mercadoria ou serviço, destinados ao consumo humano, estabelecendo uma relação entre a gestão da água e o comércio.

No âmbito do comércio internacional, diz-se recordista na utilização da “água virtual” todo país que se destaca em atividades relacionadas à exportação. É o caso do Brasil, que figura no ranking dos maiores exportadores de grãos, carne bovina, aço, etanol, alumínio e derivados etc., dentre outros produtos. Para ilustrar, cite-se que, em 2005, o País exportou o equivalente a 50 bilhões de m³ de “água virtual” somente com o processamento da soja para exportação, e que, no ano anterior, aproximadamente 20 trilhões de litros de água doce foram incorporados à industrialização de carne bovina e de frango destinadas ao ex-

terior, segundo dados do Instituto de Economia Agrícola da Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Para tornar compreensível o conceito de “água virtual”, listamos a quantidade de água utilizada no processamento e industrialização de alguns produtos. Em 2003, o País já ocupava o 10º lugar entre os exportadores de “água virtual” do mundo, acrescentando CORTEZ que “O volume de água exportado pelo agronegócio é mais do que significativo, mas a ‘água virtual’ também tem peso em outros setores. No Brasil, nossa geração de energia elétrica é essencialmente hidrelétrica (...).

QUANTIDADE DE LITROS DE ÁGUA POR QUILO DE ALIMENTO PRODUZIDO PRODUTO

“ÁGUA VIRTUAL” (l/km)

PRODUTO

“ÁGUA VIRTUAL” (l/km)

1.400 a 3.600

Laranja e outros cítricos

378

Arroz Aveia

2.374

Leite

560 a 865

Aves

2.800 a 4.500

Manteiga

18.000

Azeite de oliva

11.350

Milho

450 a 1.600

Azeitona

2.500

Óleo de soja

5.405

Banana

499

Ovos

2.700 a 4.700

Batata

105 a 160

Queijo

5.280

193

Soja

2.300 a 2.750

Beterraba Cana-de-açucar Carne de boi Carne de porco

42

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318

Tomate

105

13.500 a 20.700

Trigo

1.150 a 2.000

4.600 a 5.900

Uva

455


Ilma de Camargos Pereira Barcellos

Isto é muito claro na indústria eletrointensiva (alumínio, siderúrgica, ferro ligas, papel e celulose, e petroquímica)”.2 Tomemos como exemplo a produção brasileira de uma tonelada de aço, em que são utilizados 15 mil litros de água, sem falar no consumo de energia elétrica, o que também envolve a água, já que gerada por usina hidrelétrica. Assinale-se, ademais, que 28,8% da energia elétrica são consumidos por 408 indústrias eletrointensivas, sendo que 41% do custo final do alumínio corresponde à energia elétrica. Sobre o tema, afirma CORTEZ que “[...] É por isso que o Japão produzia 1,1 milhão de toneladas de alumínio por ano e baixou a produção para apenas 41 mil toneladas/ano, passando a importar o restante. Neste caso, a indústria eletrointensiva é ‘competitiva’ porque, como toda exportação de bens primários, de baixo valor agregado, soma mão de obra barata, energia elétrica subsidiada e gigantescas quantidades de ‘água virtual’”. E conclui: “[...] se não compreendermos a importância de se implementar políticas públicas de proteção aos mananciais e ao acesso à água, estaremos subsidiando o poder econômico e político de quem controlar os estoques de água”.3 JOHN ANTHONY ALLAN, cientista britânico que descobriu a fórmula matemática para se aferir a quantidade de água utilizada na produção de um bem (“água virtual”) e que, por isso mesmo, em 2008, foi agraciado com o “Stockholm Water Prize”, uma espécie de Prêmio Nobel concedido pelo Instituto

Internacional da Água de Estocolmo, afirma que atualmente o Brasil é o maior “exportador de água virtual” do mundo. EXTERNALIDADES NEGATIVAS Diante do excessivo consumo mundial de “água virtual” e da imprescindibilidade da água para se assegurar as diferentes formas de vida no Planeta Terra, leciona CALDERONI: “[...] Surge então a necessidade de se encontrar um mecanismo que torne possível a internacionalização das externalidades, de modo que as empresas e os indivíduos compreendam claramente que existem custos e benefícios sociais, ou seja, é necessário levar em consideração seus efeitos positivos e negativos na implantação de uma atividade econômica”.4 Considerando-se que para a produção de um litro de álcool, gasta-se 13 litros de água, e que cada litro de etanol produz aproximadamente 10 a 13 litros de vinhoto, que contamina os rios e a água subterrânea5, há que se atentar para esse fator de degradação ambiental cujos custos, também denominados “externalidades negativas ambientais”, devem ser suportados pelo explorador da atividade econômica, cumprindo-lhe, ademais, reparar eventuais prejuízos causados ao meio ambiente. Urge, portanto, uma conscientização global visando ao consumo racional da água que, embora sabido tratar-se de um recurso natural finito, pouca ou nenhuma atenção tem merecido a sua preservação e correta utilização.

NOTAS 1. Disponível em: < http://www.sabesp. com.br/CalandraWeb/CalandraRedirect/?t emp=4&proj=sabesp& pub=T&db=&doci d=01DA58C98B0A62D7832571CA0046F 76C> Acesso em: 18.07.07. 2. In: CORTEZ, Henrique. O Século do Hidronegócio. Disponível em: . Acesso em: 04.07.07. 3. Idem,ibidem. 4. CALDERONI, Sabetaí. Economia Ambiental. In: Curso de Gestão Ambiental, da autoria de Arlindo Philippi Jr., Marcelo de Andrade Roméros e Gilda Collet Bruna. Barueri: Manole, 2004, p. 571-616. 5. Disponível em: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2007/03/374894. shtml. Acesso em: 28.08.07.

Ilma de Camargos Pereira Barcellos Graduada em Administração pela Faculdade Cândido Mendes (Vitória-ES) e em Direito pelo Centro Universitário Vila Velha (UVV). Presidente da Comissão Estadual de Advogados em Início de Carreira (CEAIC) e Membro da Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Espírito Santo. Advogada militante.

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Meio Ambiente

Leff alfineta Marx: “perdemos o rumo, ao transformar o ser em objeto e dissociar a cultura da natureza”

Ideias no coração da

Amazônia

Em palestras curtas e impactantes, evento com mais de 400 pessoas faz de ‘campo de concentração’ uma incubadora de insights Bruno Molinero

“A

floresta tem muito mais olhos do que folhas.” Este provérbio indígena nunca foi tão verdadeiro quanto entre os dias 6 e 7 de novembro. Mesmo com a maior seca de todos os tempos, mais de 400 pares de olhos arregalados invadiram o coração da floresta amazônica para o TEDxAmazônia. Com o tema “Qualidade de vida para todas as espécies”, o evento seguiu o formato dos outros TEDx, que acontecem anualmente por todo o mundo: palestras curtas e impactantes, com ideias que merecem ser espalhadas. Foram mais de 50 palestras em dois dias, o suficiente para semear milhões de ideias. As cerca de 400 pessoas trocaram angústias, experiências, alegrias ou mesmo inquietações em uma 44

Neo Mondo - Dezembro 2010

dinâmica horizontal – em que todos tinham alguma coisa para compartilhar e muito para absorver. E tudo isso em um hotel flutuante no meio do rio Negro. Incrustados na floresta por dois dias, entre árvores grandíssimas e clima úmido, os participantes sentiram na pele a seca e a queda de 10 metros no nível do rio e puderam debater saídas sustentáveis para os impasses ambientais. O que poderia ser um campo de concentração foi, na verdade, uma incubadora de insights. Seleiro de biodiversidade A floresta amazônica é um organismo vivo. Essa é a tese do climatologista Antonio Nobre, um dos primeiros espe-

cialistas a expor suas ideias no palco do TEDx. Diferentemente das bandeiras ambientais, que tratam a floresta como; um ser vivo de maneira filosófica e transcendental, para Nobre a floresta é cientificamente um organismo. “A água na Amazônia é como o sangue. Ela irriga os tecidos, ou seja, partes do continente.” Suas pesquisas revelaram que existem interações entre as florestas e a atmosfera. Rios de vapor correm sobre a Amazônia e levam a umidade para a América do Sul “As árvores, na verdade, são como gêiseres. Elas levam a água do solo para a atmosfera”, diz Nobre. Para se ter noção desse potencial, uma única árvore despeja por dia 1.000 litros de água na atmosfera


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Mundo coisificado Para o mexicano Enrique Leff, Marx só errou em uma coisa: ele esqueceu que o ecossistema não é apenas um provedor de recursos que alimenta a força de trabalho do homem. “Nós perdemos o rumo. Transformamos o ser em objeto e dissociamos a cultura da natureza.” O economista acredita que nosso mundo tenha coisificado todas as essências, transformando a natureza em

Para Nobre, “água na Amazônia é como o sangue: as árvores ajudam a irrigar os tecidos do continente”

ferramenta. É necessária, segundo ele, uma convivência mais harmoniosa entre o meio ambiente e o desenvolvimento. “Nós esquecemos que precisamos da natureza para a economia crescer”, relembra Leff. Construir uma nova racionalidade produtiva, em que o recurso natural não seja apenas um meio para se chegar ao progresso, é fundamental. Nós não somos seres ilhados. A nova economia deve se basear na produtividade ecológica e não na exploração descontrolada de recursos. Chorinho da floresta É evidente que toda floresta tem sons. São mosquitos voando, o pica-pau martelando, a sinfonia natural em pleno curso. Porém, as possibilidades sonoras não param no movimento passivo de deitar debaixo da chuva equatorial e ouvir o barulho dos pingos no chão. A floresta tem múltiplas possibilidades. Qualquer luthier conhece as madeiras clássicas de confecção de instrumentos musicais de corda. Os violões, violinos e violas são feitos sempre do mesmo material. É contra isso que Rubens Gomes luta. Aproveitando madeiras locais, ele produz instrumentos que fazem sons únicos, gerando renda e promovendo a inclusão social. “As pessoas têm que perceber que a floresta em pé já começa com uma maior valorização”, diz. O uso sustentável dos recursos naturais faz com que a Oficina Escola de Lutheria da Amazônia (Oela) crie instrumentos musicais com espécies locais e leve educação musical e ambiental para jovens. O segredo é aproveitar conscientemente a matéria-prima amazônica. “Apenas dessa maneira as futuras gerações poderão ter os mesmos direitos que nós”, finaliza Rubens. A falha dos economistas A Ilha de Páscoa, muito antes da chegada dos espanhóis, era povoada por uma sociedade complexa e bastante numerosa. O aumento desenfreado da população desencadeou danos proporcionais ao meio ambiente. A exploração insustentável crescia paralelamente ao número de pessoas. Até que os recursos naturais acabaram. A sociedade complexa e numerosa se viu em uma situação crítica, com baixos estoques de alimen-

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com a transpiração. Isso quer dizer que toda a floresta amazônica despeja cerca de 20 bilhões de toneladas de água por dia – uma vazão maior que a do rio Amazonas, que deságua 17 bilhões de toneladas de água no oceano Atlântico todos os dias. Essa umidade faz com que o quadrilátero que vai de São Paulo aos Andes e de Buenos Aires a Cuiabá não seja um deserto, por exemplo. Por isso, é fundamental a preservação da floresta em pé. Isso não é uma tarefa tão difícil. Só é necessária uma coisa: não derrubá-la. A floresta se automantém. Como transpira mais, ela acaba absorvendo umidade dos oceanos. Isso provoca chuvas e provém os rios de umidade. Sem as árvores e sua transpiração, o oceano passaria a evaporar mais do que o continente. Com isso, o ciclo se inverteria. E toda a umidade seria absorvida pelas águas salgadas. Sem a ela, os rios de umidade não existiriam. E o quadrilátero do sul ficaria em maus lençóis.

A luta de Rubens é pela geração de renda e inclusão social com uso sustentável de recursos naturais

tos e sem ter para onde imigrar. A única solução foi o canibalismo. Quando os espanhóis chegaram, existiam menos de 15 moradores na ilha. O economista Hugo Penteado subiu no palco do hotel flutuante para dar um alerta: os economistas esqueceram as pessoas e os recursos naturais quando formularam seus modelos econômicos. “Uma árvore só tem valor [para um economista] quando derrubada”, revela. O pensamento econômico clássico é alheio às realidades sociais e ambientais. É um complexo de Ilha de Páscoa. Instaura-se nesse ponto um verdadeiro conflito, pois não há a percepção da interdependência entre o sistema econômico e o mundo natural. “A economia é linear. As pessoas constroem, utilizam e depois descartam. Porém, qualquer o sistema é fechado. Não existe ‘descartar’.” O cenário em que vivemos simplesmente fecha os olhos para o que acontece depois que descartamos algo. Qualquer ser humano se sente aliviado depois que joga o lixo na lixeira. Sentimento de dever cumprido. Porém, o que acontece depois? O lixo não desaparece. Estamos transformando o planeta em uma lixeira. E isso só acontece porque, na economia, os recursos naturais não entram no cálculo. “As pessoas devem ser mais importantes do que a economia”, diz Hugo. E a Terra mais importante do que as pessoas. Neo Mondo - Dezembro 2010

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Meio Ambiente

Zé Cláudio não pode ficar sozinho nessa luta: “árvore no caminhão indo para a madeireira é como se visse um cortejo fúnebre”

nheira, produzindo óleo, sorvete, biscoito e muitos outros produtos. Sem colocar nenhuma espécie no chão. “Quando eu vejo uma dessas árvores no caminhão indo para a madeireira, eu sofro. É como se visse um cortejo fúnebre”, conta. Contudo, a luta de Cláudio não pode ser solitária. Um dos maiores causadores do desmatamento ilegal da Amazônia é o mercado do Centro-Sul brasileiro. Segundo o castanheiro, é importante olhar a origem da madeira a fim de acabar com a recepção de madeira ilegal. Só com uma força conjunta é possível salvar a floresta. E a vida de Zé Cláudio. Genocídio Indígena Genocídio é o esforço de exterminar uma etnia da face da Terra. É um dos crimes contra a humanidade mais bárbaros. E, segundo o jornalista Felipe Milanez, ex-editor da revista National Geographic Brasil, está acontecendo neste momento no Brasil. No meio da floresta, povos indígenas estão sen-

A chave da sustentabilidade “A sustentabilidade leva à felicidade?”. Com essa difícil pergunta, André Soares iniciou sua palestra. André, quando jovem, viajou por 50 países sem nenhum dinheiro e com apenas uma mochila nas costas. Na Austrália, entrou em contato com a Permacultura, uma síntese de práticas rurais antigas com tecnologias modernas que têm como objetivo construir um modelo de propriedade agrícola rentável, mas que não agrida o meio ambiente. E foi isso que ele começou a implantar no Brasil. Segundo ele, o problema é que queremos ser sustentáveis, mas também felizes. E não percebemos que as duas coisas podem caminhar juntas. “A sustentabilidade traz felicidade quando a gente faz o que gosta”, diz.

Bruno Molinero

Bruno Molinero

Cabra marcado pra morrer Antes de Chico Mendes e Dorothy Stang serem assassinados, ninguém jamais tinha ouvido falar deles. As pessoas não usavam camisetas com seus rostos. A mídia pouco valorizava a luta que travavam. O próximo a figurar na lista de mortos por conflitos de terra pode ser Zé Cláudio Ribeiro. Castanheiro do Pará, Zé denuncia os madeireiros e carvoeiros que atuam na região. Como consequência, recebe ameaças de morte. “Eu não planto castanhas. Eu colho”, explica o castanheiro. Sendo completamente extrativista, é um desastre para ele a derrubada ilegal de árvores. “O que eles não entendem é que árvore derrubada só é rentável uma vez. A floresta é viável em pé!”. Lutando para manter em pé as árvores de Marabá (PA), Zé Cláudio tenta mostrar que é necessário agregar valor à floresta viva. Tanto que organiza uma verdadeira indústria da casta-

do exterminados por seringueiros, madeireiros e pelo avanço da fronteira agrícola. Um desses povos, que lutam pela sobrevivência frente à destruição da floresta, são os índios Kawahivas. Conhecidos pelas outras tribos como Piripkuras – que quer dizer “borboletas”, já que ficam fugindo de um lado para outro – esse povo sofre sérios riscos de desaparecer. Os Kawahivas são cercados pela extração de madeira ilegal e pela grilagem de terras amazônicas. Os que se opõem são obrigados a fugir. Ou são mortos. Para evitar o genocídio desse povo, uma vez que poucos indivíduos são conhecidos, foi lançado um movimento no TEDxAmazônia para salvá-los. O intuito é que todos juntem forças para concluir o inquérito de genocídio dos Kawahivas, encontrem os indivíduos e forcem a demarcação de suas terras junto à Funai. O trabalho é denso, mas todos podem ajudar. Basta acessar o site www.salvekawahiva.com.br.

Participantes sentiram na pele a seca e a queda de 10 metros no nível do rio

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Destinado àqueles que buscam o primeiro contato com a disciplina ou atualizar seus conhecimentos, a obra oferece legislação e jurisprudência pertinentes ao tema, além de abordar, didática e objetivamente, os principais e mais polêmicos tópicos da área, dentre os quais: competência, responsabilidade civil, crimes ambientais e recursos hídricos. Conciliando teoria e prática, ao final de cada capítulo a autora ainda elenca uma série de questões retiradas de concursos realizados pelo CESPE-UnB até 2009, comentando, detalhadamente, suas alternativas, corretas e erradas, reforçando os conhecimentos apresentados no capítulo. Uma abordagem renovada e modernizante do Direito Ambiental, com direito à extensa pesquisa bibliográfica e sólidas referências, o Manual de Direito Ambiental vem a público para auxiliar estudantes de graduação, concurseiros e operadores jurídicos a reunir os conceitos fundamentais que lhes embasarão os estudos e a atuação nesse ramo do Direito.

Neo Mondo - Setembro 2008

www.impetus.com.br

A


CONSUMO

PRECISAMOS REDUZIR

O

nosso planeta, conforme felizmente passou a reconhecer boa parte dos que nele habitam, ainda que tardiamente, clama por socorro... Grandes discussões acerca do tema e que até há pouco inexistiam assim nos demonstram. A indagação maior que atualmente se faz, no entanto, é se ainda há tempo de salvá-lo. Enquanto embates científicos se aprofundam sobre a questão, parece chegada a hora de agirmos com mais vigor nessa frente de batalha protetiva. Dentro desse contexto, passa a merecer maior atenção a ideia de uma mudança de comportamento da sociedade, no sentido de reduzirmos o nosso atual padrão de consumo.

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Por mais que essa postura esteja na contramão dos esforços incessantes dos agentes econômicos, sempre prontos a incrementar os índices de crescimento dos países, com estímulos ao consumo, diante da finitude dos recursos naturais, devemos ativamente sustentá-la. Invocamos, nesse ponto, a propósito e por oportuno, a companhia do economista e filósofo francês Serge Latouche, professor emérito da Faculdade de Economia da Universidade Paris XI, autor de vários livros e artigos publicados sobre o tema e talvez um dos maiores expoentes dessa corrente. Advogando a tese de que é “necessário dar um basta ao consumo excessivo” e que uma “sociedade não

pode sobreviver se não respeitar os limites dos recursos naturais” (Revista Vida Simples, pág. 41, setembro de 2008), encontramos nele apoio para rechaçar a crença insculpida no nosso modelo social da estreita relação entre felicidade e consumo; uma simbiose perversa, posto que inesgotável e aprisionadora, do “querer sempre mais” (cincoenta, cem, duzentos sapatos não são suficientes, o modelo novo é indispensável...), não se chegando a lugar algum, passando, ainda, pela prática irresponsável do “gastou um pouco, joga fora”... Estudos revelam, em verdade, uma real distância entre felicidade e consumo. Mostram que aqueles arraigados


Dr. Marcos Lúcio Barreto

na busca da felicidade em elevados padrões de consumo são os mais propensos ao estresse, à utilização de antidepressivos e ao suicídio. Como é certo, todo produto direcionado ao consumidor, seja uma blusa, um liquidificador ou um café, é originário de extração ou colheita de bens da natureza. Segundo estimativas que já apresentamos em outros artigos, calcula-se que atualmente consumimos 30% a mais de recursos naturais do que a Terra consegue repor. Se não reduzirmos esse ritmo cada vez mais acelerado de consumo, ainda que contrariando os já lembrados poderosos e incansáveis agentes econômicos, diante

da realidade do aquecimento global e de que, em 25 anos, teremos quase um terço a mais de companheiros de jornada, o planeta entrará em colapso. A ideia de mudar radicalmente o nosso modo de viver, temos de reconhecer, não é fácil de ser implementada. A história revela que somente as grandes catástrofes e as grandes guerras reinventaram as relações socieconômicas. Temos, ainda, a agravante de que o ser humano é, por natureza, predador. No entanto, por necessidade, teremos que mudar nosso comportamento, respeitando a capacidade de suporte dos ecossistemas. Esse modelo insustentável de consumo dos recursos naturais,

não é difícil prever, gerará crises urbanas decorrentes de fluxos migratórios internos, com a decorrente formação de bolsões de pobreza, tornando os desajustes sociais ainda mais graves - não esquecendo de mencionar os potenciais danos à biodiversidade, provocados especialmente por esse nocivo modelo de produção agrícola que dispomos, comprometendo o equilíbrio da natureza e, por via de consequência, da vida. Devemos aproveitar o movimento que já se apresenta de grupos que adotam atitudes “eco-responsáveis” para induzir esse novo paradigma; sairmos dessa ditadura econômica, comandada pela lógica do mercado, pela concorrência e pelo marketing, para reinventarmos um futuro sustentável, que passará, inevitavelmente, por uma mudança de postura mental, reduzindo, reutilizando e reciclando, gerando, assim, menos impacto no meio ambiente; cuidar melhor dos nossos bens materiais para não ter que substituí-los por outros, repetidamente. Temos que internalizar essa nova consciência, dada a vigente falta da percepção da conexão entre os problemas ambientais e os hábitos de consumo, além do que, conforme já reconhecemos, não é fácil ser um consumidor responsável. Os sinais, pouco simpáticos, estão aí, a olhos vistos: ursos polares famintos se canibalizando, geleiras derretidas em primaveras precoces, fluxos migratórios de aves alterados, extensas planícies perdendo vida, dentre outros. Seguramente, não é a herança que merece ser deixada para as futuras gerações...

Dr. Marcos Lúcio Barreto Promotor de Justiça do Meio Ambiente de São Paulo E-mail: marcoslb@mp.sp.gov.br

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Meio Ambiente

A digital das Mais de 230 mil pessoas morreram em 2010, vĂ­timas de desastres naturais no mundo

Divulgação

Bruno Molinero


A perna e os Loas O terremoto do Haiti é um dos exemplos mais trágicos de catástrofes ambientais contemporâneas. Um exército de órfãos, de pessoas com membros amputados, de vidas que tiveram um fim abrupto. O número de mortos ainda é incerto. Entretanto, o presidente René Preval estima que tenha chegado a 300 mil. Porém, por que o a terra tremeu? Pier Janis, 37, tem a resposta. Com olhar místico, ela brinca com o cigarro na boca e, depois de alguns segundos, responde: “Muita gente estava fazendo o mal e não estavam rezando o suficiente”. O terremoto, que atingiu sete graus na escala Richter, seria um castigo dos Loas, deuses do vodu haitiano. Uma das castigadas seria Leoni, 16, a mais velha de sete irmãos. No terremoto de janeiro, a casa caiu sobre sua perna. Hoje, a menina mora em um centro de reabilitação para pessoas com pernas amputadas, mantido pela ONG Handicap International, em Porto Príncipe. Sempre que coloca a perna mecânica, a garota chora. O membro sintético machuca. Mas Leoni precisa praticar. Em pouco tempo, ela terá que se mudar para um acampamento de desabrigados, juntamente com sua família. Corremos o risco de esbarrar em histórias como essa em cada esquina. E isso pode estar se agravando. Segundo relatório da ONU, os desastres ambientais já são um dos maiores

A catástrofe haitiana: pessoas com pernas amputadas são triste história que pode repetir-se a cada esquina responsáveis pela alimentação dos fluxos migratórios – juntamente, é claro, com conflitos armados e outros mais badalados. Se prestarmos um pouco mais de atenção, perceberemos que toda catástrofe desse tipo tem personagens como Leoni. Um impacto deixa marcas políticas, econômicas, sociais e, sobretudo, pessoais. São cortes na pele de gente de verdade. O que está em jogo não são apenas interesses nacionais. São vidas, com cicatrizes que podem demorar a fechar. Ou nem chegar a isso.

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Desastres Naturais no período 1975-2009

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Número das ocorrências registradas

em sua superfície, tem a base composta por pessoas. E são elas as maiores afetadas pelos fenômenos naturais devastadores.

Divulgação

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esastres ambientais causaram à economia mundial prejuízos de US$ 1 trilhão. Isto, apenas na última década, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Erupções vulcânicas, terremotos, furacões e outros fenômenos naturais acabaram com a vida de mais de 230 mil pessoas somente neste ano. E o número de catástrofes aumenta. De acordo com os últimos dados do CRED (Centre for Research on the Epidemiology of Disasters), o número de desastres ambientais aumentou mais de 10 vezes entre 1975 e 2009. Por conta disso, a ONU criou o primeiro plano para redução de riscos de desastres. A ideia é que, até 2015, os países signatários adotem diretrizes para proteger sua população. Contudo, as consequências de um desastre ambiental não se limitam ao território de um país. O Quênia, por exemplo, foi um dos lugares mais afetados do mundo com a erupção do vulcão Eyjafjallajokull, na Islândia. Apesar da distância física, a globalização econômica colocou em risco o emprego de 1,2 milhão de pessoas do país africano. Vinte por cento de toda exportação queniana se baseia no mercado de flores. Quase a totalidade para a União Europeia. Com o fechamento do espaço aéreo europeu, as pétalas do Quênia simplesmente não saíram do aeroporto de Nairóbi. Na época, os prejuízos chegaram a mais de US$ 2 milhões por dia. Embora os impactos econômicos de uma catástrofe sejam evidentes, o saldo social é muitas vezes subestimado. O mundo, cheio de estatísticas e números

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Quem conhece

a mineração?

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acidente ocorrido com os 33 mineiros na Mina de Cobre no Chile revelou um mundo pouco conhecido na nossa sociedade: o da mineração. Essa atividade econômica é essencial para a manutenção da sociedade atual, considerando os modos de produção e consumo. No entanto, suas características são conhecidas apenas por especialistas e trabalhadores, sendo considerada pela sociedade como negativa e prejudicial ao ambiente (impactos e acidentes) e não pela dependência que temos dos bens minerais. As notícias divulgadas pela mídia se concentram nos acidentes que ocorrem e reforçam essa ideia, prejudicando a compreensão dessa atividade e de sua importância social, econômica e política para o país e para o mundo moderno. A mineração é uma atividade econômica desenvolvida no Brasil desde sua colonização, que tem como objetivo descobrir, avaliar e extrair substâncias minerais úteis ao ser humano. A primeira mineração brasileira, segundo Sánchez (2003), deve ter sido a de rochas calcárias na baía de Todos os Santos, para a fabricação de cal à época da fundação de Salvador. Os minerais e minérios que usamos em nosso quotidiano são extraídos da crosta terrestre. A crosta é a camada superficial da Terra, com uma espessura que varia de 30 a 70 km. Em relação à sua composição química, 98% em peso da composição total da crosta continental são formados por 8 elementos com abundância acima de 1% (O, Si, Al, Fe, Ca, Mg, Na, K). Os 2%

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restantes compõem os demais elementos com abundância de menos de 1%, incluindo a maioria dos que são úteis ao ser humano. Ou seja, os depósitos minerais são concentrações anômalas e raras de substâncias minerais ou químicas superiores à da composição química média da crosta, o que faz com que sejam muito valorizados quando encontrados com teores que podem ser explorados comercialmente. É o caso do nióbio no Brasil, depósito localizado em Araxá, Minas Gerais, que faz do país o maior produtor desse bem mineral. O Brasil ocupa uma poisção de destaque em relação às reservas mundiais de determinados bens minerais. Algumas características da mineração no país: 4,5% do PIB = R$ 48,2 bilhões em 2009, 14,3% do PIB Industrial, 43,5% de participação na balança comercial, 10ª na economia mundial. Oficialmente são registradas a lavra de 83 substâncias minerais, autossuficiência na maioria dos produtos minerais e gera significativos excedentes, maior exportador de minério de ferro e ligas de nióbio, o setor apresenta-se bastante concentrado na maioria dos segmentos relevantes. Os principais minérios exportados: nióbio ferro, bauxita, manganês, níquel, magnésio, caulim, crisotila e rochas ornamentais. Os principais minérios imporados, apesar de serem produzidos no país, são fosfato, potássio, zinco, cobre, carvão e enxofre. Os usos dos minerais são diversificados e presentes em nossa vida quotidiana, apesar de não percebermos ou darmos a devida importância.

A mineração possui caracterísitcas peculiares em relação a outras atividades econômicas, como rigidez locacional, ou seja, a atividade só pode ser instalada onde se encontram os depósitos, uma vez que estes são formados por processo naturais; os bens minerais são não-renovávies, em geral possuem baixo preço por tonelada, o transporte encarece o produto, o retorno é muitas vezes incerto e a longo prazo, além de ser uma atividade pioneira, formando cidades em torno das minas, como o caso de algumas cidades históricas no Brasil, Mariana e Ouro Preto, em Minas Gerais. A degradação ambiental ocorre em escala local e afeta diretamente o ambiente em seu entorno. Embora tenha uma imagem negativa na sociedade, a mineração é a base econômica de diversos países. Essa relação com a sociedade deve ser repensada em função da necessidade e do uso que fazemos das substâncias minerais. Os métodos de extração do minério podem ser realizados em superfície (a céu aberto), como nas pedreiras de brita e calcário, nas minas de ferro e alumínio e também em subsolo, como as minas subterrâneas de carvão, de cobre e ouro. A escolha do método de extração depende das características dos corpos minerais, da sua localização, espessura e profundidade em relação à superfície e do tipo de rocha em que o corpo está alojado e do teor do minério, viabilizando ou não sua exploração econômica. Todas essas características devem ser entendidas previamente por pesquisas dos de-


Denise de La Corte Bacci

SUA CASA VEM DA MINERAÇÃO

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1 - tijolo 2 - fiação 3 - lâmpada 4 - fundações 5 - tanque 6 - vidro 7 - louça sanitária 8 - azulejo 9 - 22 - piso 10 - isolante de parede 11 - pintura (tinta) 12 - caixa de água 13 - impermeabilizante 14 - contrapiso 15 - pia 16 - botijão de gás 17 - encanamento 18 - laje 19 - forro 20 - fundação 21 - esquadrias 22 - piso 23 - calhas

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Areia, calcário (cimento), argila vermelha Cobre, petróleo (plástico) Quartzo (vidro), metais (cobre, tungstênio) Areia, brita, calcário Petróleo (plástico), calcário, areia, brita Quartzo, feldspato Areia, caulim Argila, caulim, feldspato, dolomita Granito, mármore, argila, ardósia (lajotas ou ladrilho) Lã de vidro, quartzo, feldspato Pigmentos de metais (Ti, Cr, Fe) Amianto, calcário (cimento) Betume (xistos) Areia, brita, calcário (cimento) Mármore, cimento, metais (Fe, Cr, Ni), aço Metal, petróleo (gás) Ferro, chumbo, cobre, petróleo (plástico) Ferro, areia, brita, calcário (cimento) Gipsita (gesso) Ferro (hematita) Alumínio (bauxita) Granito, mármore, argila, ardósia (lajotas ou ladrilho) Cobre, zinco, petróleo (PVC)

pósitos minerais. Os avanços de conhecimento em diversas áreas, incluindo microeletrônica, informática, computadores, tecnologia de sensores e satélites, têm possibilitado a exploração de minas cada vez mais profundas. Esses estudos contínuos da crosta terrestre confirmam a nossa dependência atual dos recursos minerais, e busca-se por novas jazidas, uma vez que as até hoje conhecidas estão sendo exauridas devido à grande produção de minérios. O Brasil, apesar de grande produtor de bens minerais, possui grandes desafios nessa área, quais sejam: planejamento de longo e médio prazo das atividades, gestão soberana dos bens minerais, conhecimento do território brasileiro em escala de detalhe, melhoria na saúde e segurança dos trabalhadores, agregação de valor na cadeia produtiva, regularização da extração ilegal, melhoria na distribuição dos ganhos da mineração e fortalecimento dos órgãos públicos de pesquisa e de fiscalização. Para saber mais: Bittencourt, J.S.; Moreschi, J.; Toledo, M.C.M. Recursos Minerais da Terra. In: Teixeira, W. Fairchild, T.R.; Toledo, M.C.M.; Taioli, F. Decifrando a Terra. 2ª. Ed. Companhia Editora Nacional. São Paulo. p. 508-535. Sánchez, L.E. (2003) A Produção Mineral Brasileira: Cinco Séculos de Impacto Ambiental. In: Ribeiro, W.C. (Org.) Patrimônio Ambiental Brasileiro. São Paulo. EDUSP. P.125-163. Denise de La Corte Bacci Graduada em Geologia pela UNESP, Campus de Rio Claro, mestrado em Geociências e Meio Ambiente pela UNESP e doutorado em Geociências e Meio Ambiente pela UNESP. Estágios na Università di Milano e University of Missouri_Rolla. Pós-doutorado em Engenharia Mineral pela POLI-USP. Atualmente é docente do Instituto de Geociências da USP. E-mail: bacci@igc.usp.br Neo Mondo - Dezembro 2010

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Cotidiano

FORÇAS MULTIUS

A banalização da excepcionalidade A liberação pelo então ministro Tarso Genro de convocações das Forças Armadas para atuar no Meio Ambiente a pedido do Ibama até a mais recente e fulminante ação do Exército e da Marinha na tentativa de pacificação do Rio de Janeiro são apenas parte de uma longa série de decisões oficiais a descaracterizar o sentido constitucional de “exceção” que justificaria tais atitudes Antônio Marmo

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esde que - lá se vão 18 anos - 35 mil componentes das Forças Armadas foram convocados, ainda no (des)governo Collor, como blindagem de segurança para autoridades estrangeiras e nacionais, na Conferência Mundial sobre Meio Ambiente (Rio 92), a discussão sobre as funções das 3 Armas jogou no mesmo baralho os conceitos de excepcionalidade e banalização das mobilizações de tropas. A decisão collorida, muito antes da paranoia terrorista criada pelo 11 de setembro em 2001, foi o pontapé inicial para transformar o tema num dos mais controvertidos e atuais da agenda política nacional. Agora, o Pais assiste, entre aplausos, esperanças e ceticismo, à mais recente dessas intervenções no “coração do mal”, o complexo de favelas do morro do Alemão, no Rio de Janeiro, certamente a mais espetacular e midiática de todas essas intervenções, como que a sacramentar a discussão antiga. E, mesmo contrariado, o Exército se vê compelido a esticar sua permanência nas áreas ocupadas do Rio até julho de 2011.

combater crimes ambientais nos estados sem pedir a autorização dos governadores. Antes as tropas podiam ser convocadas, mas sob pedido formal dos governos estaduais. E antes disso tudo, a mando ou por solicitação dos diversos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) em tempos de eleições, regiões tão distintas entre si como Esperança do Piriá e Santa Cruz do Arari, no Pará, ou o Rio de Janeiro transformam-se em zonas sitiadas, ocupadas por tropas itinerantes destinadas a garantir a constrangidos candidatos o direito de fazer campanha nos morros e favelas. Isso sem que a Justiça Eleitoral tenha tomado até hoje alguma atitude para punir candidatos beneficiados pelos currais eleitorais do crime organizado, cobrança feita por Chico Alencar quando concorreu ao governo carioca pelo Psol. “Tem que verificar quem está praticando o crime eleitoral, para que candidaturas que têm essa forma criminosa de se impor sejam cassadas, senão não vai adiantar nada (a presença das tropas)”, declarava ele em debate no Sindicato dos Jornalistas cariocas.

Refrescando a memória

Verdade é que a semelhança entre as cidadezinhas isoladas nos confins do Pará e o Rio de Janeiro pode estar no clima de faroeste e no cheiro de pólvora que predomina no ar em ambas as áreas, porém só isso não seria o exemplo típico de excepcionalidade.

Antes dessa última incursão, veio a portaria assinada pelo então ministro Tarso Genro, da Justiça, em 2009, a alterar legislação anterior, pela qual as Forças já podem ser convocadas diretamente pelo Ibama para 54

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Cheiro de pólvora

É situação permanente, entra ano, sai ano. Por isso mesmo, a convocação de Collor deu partida para outras reconvocações, com os sucessivos governos recorrendo ao “expediente legalmente duvidoso e de eficiência pífia” de convocar as Forças Armadas. Convocação que sempre serviu apenas para cobrir as deficiências do Estado na formulação de políticas específicas de segurança pública, no reforço, contenção e na repressão da ação de traficantes e do crime organizado, particularmente no Rio de Janeiro. Logo depois da Eco-92, em 1994 e 1995, o Exército novamente seria chamado a participar de uma ação conjunta com a polícia, na Operação Rio, desta vez para atuar no combate ao tráfico de drogas numa decisão do então presidente Itamar Franco e do governador do Rio na época, Nilo Baptista. De novo, soldados do Exército e Fuzileiros Navais ocuparam ruas, subiram às favelas. As tropas ficaram ali por nada menos que dois meses. A população pode ter sentido maior sensação de segurança, mas a medida não diminuiu a criminalidade. E chegou o carnaval... Operação semelhante seria realizada também em junho de 1999, durante a Cimeira do Rio, que reuniu 48 chefes de Estado e de Governo para discutir a cooperação política, econômica e cultural


Foto: Vladimir Platonov/ABr

Forças Armadas viraram multiuso: combate a incêndios florestais, proteção ambiental, polícia de fronteira, polícia urbana, combate ao narcotráfico... que mais? entre os blocos da União Europeia e da América do Sul. Inaugurados nova década e novo século, quem diz que as coisas mudaram? Em 2002, também ano eleitoral, o serviço de inteligência da Secretaria de Segurança do Rio afirmava ter descoberto que criminosos tentariam atrapalhar o processo. Assim, foi novamente solicitada a presença das Forças Armadas como reforço do policiamento das eleições. Mas só em março de 2003, a utilização do Exército nas ruas de Rio de Janeiro veio mostrar o quanto o quadro de descaracterização das funções essenciais das Forças Armadas brasileiras não apenas permaneciam, mas também tendiam a evoluir. Com efeito, a banalização de tais convocações fez com que em 2003, a pedido da então governadora do Rio de Janeiro, Rosinha Matheus, e para efeito puramente pirotécnico, o presidente Lula autorizasse o emprego das Forças Armadas durante o feriado de Carnaval daquele ano. Segundo o presidente, os militares garantiriam a ordem ameaçada pelo quadro de “insegurança, intranquilidade e temor” provocado por traficantes.

344 localidades de 12 estados para garantir a votação e a apuração, de acordo com dados do TSE. Em meados de março de 2006, a revelar também a “estranha fragilidade dos quartéis”, o roubo de 10 fuzis e uma pistola de um quartel do Exército, em São Cristóvão, zona norte da cidade, disparou, de novo, o clima de guerra no Rio, no qual velhos atores (polícia, bandido e moradores) se viram enredados no mesmo problema – a fragilidade do Estado no que se refere à segurança pública. Já no 1º turno de 2006, nove estados solicitaram força federal em 142 localidades e no 2º turno, sete estados solicitaram as tropas para 124 localidades. No pleito de 2008, 12 estados apelaram para as ditas forças em 260 municípios, 97 só no Pará. No dia das eleições, 5 de outubro, as 27 comunidades do Rio de Janeiro, classificadas pela Justiça Eleitoral como áreas de risco, foram ocupadas simultaneamente por milhares de homens das 3 Forças, o ponto culminante da Operação Guanabara.

Enxurrada de pedidos

Que não se cobre por falta de debates sobre o tema, como já provocou Roberto Pompeu na revista Veja. Dizia ele que “se o Exército não serve para isso – essas convocações -, serve para quê? A respos-

A inflação de pedidos de convocação por parte dos tribunais eleitorais atingiu o ápice no 1º turno das eleições de 2004, quando as Forças Federais atuaram em

Debates há

ta singela é que serve para a guerra, mas guerra contra quem?”. ”Há tempos que o país necessita de um debate sobre a função das Forças Armadas” , continua. ”Esse debate não se dá menos por responsabilidade dos militares do que dos políticos e da sociedade, um pouco por temor de entrar numa seara que, por herança da ditadura, ainda soa indigesta, mas no principal por puro e simples desinteresse.” O presidente reeleito da Ordem dos Advogados do Brasil-seccional Rio de Janeiro, Wadih Damous, é um dos que sempre se posicionou de forma inequívoca sobre o tema: “A OAB-Rio” , diz ele, ”tem se manifestado em diversas ocasiões mas, realmente, o Congresso Nacional está devendo à sociedade uma discussão aprofundada do tema para que as mudanças que se façam necessárias na legislação sejam implementadas.” Mas apesar das cobranças a questão tornou-se, sim, uma das mais controvertidas e atuais da agenda política nacional. Juntamse aos artigos na mídia também os pronunciamentos das várias seccionais da Ordem de Advogados, as discussões em seminários ad hoc, discursos inflamados e lúcidos de generais ou patentes diversas das três armas e uma razoável quantidade de estudos acadêmicos sobre a problemática das funções das Forças Armadas em cenário democrático.

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Cotidiano

MILITARIZA-SE O ESTADO Especialistas no tema cobram posicionamento do Congresso, que ainda não fez mudanças significativas nas relações civis-militares, prevalecendo discussões periféricas Érica Cristina Winand é doutora em História e Cultura Política pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), coordenadora do Informe Brasil do Observatório Cone Sul de Defesa e Forças Armadas, bem como pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Gedes). Ela entende que “o problema do emprego das Forças Armadas em missões de policiamento é que, se por um lado estas se policializam, por outro acabam se militarizando as estruturas de segurança do Estado. A conseqüência disto é colocar em risco as instituições democráticas”. Também o pesquisador Jorge Zaverucha, autor de um trabalho sobre a era FHC, Forças Armadas e Polícia, diz que “o Congresso Nacional já emendou a Constituição quase meia centena de vezes, mas ainda não fez mudanças significativas nas relações civis-militares”. Ele lembra que, em pleno século XXI, permanecem em vigor a Lei de Segurança Nacional, os Códigos Penal e Processual Militar. Desse aparato só a Lei de Imprensa de 1967 caiu há pouco. “Afinal, mais de vinte anos depois do fim do arbítrio ainda não há uma separação clara entre as funções das Forças Armadas e das polícias”, conclui. O desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e ex-presidente da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), hoje presidindo a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Henrique Nelson Calandra, entende que “o assunto precisa ser debatido com mais intensidade. Existe uma discussão periférica, dispersa que precisaria ser centralizada e melhor coordenada”. O AMPARO LEGAL No campo das convocações específicas para cobertura de eleições, o 1º Ciclo de Palestras promovido em 2008 pela Escola Judiciária Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG), Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis) e o Exército Brasileiro, reuniu pesos pesados das mais altas representações da Justiça nacional para discutir isso. Lá estiveram Sepúlveda Pertence e a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, 56

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os dois do Supremo Tribunal Federal, os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gerardo Grossi e Caputo Bastos, o advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, o ministro do Superior Tribunal Militar (STM), general Valdésio Guilherme de Figueiredo, além de especialistas no assunto. O encontro - dirigido a magistrados, militares das Forças Armadas, Ministério Público e servidores da Justiça Eleitoral discutiu aspectos legais, administrativos, constitucionais e práticos do emprego das Forças Federais em eleições. Claro, o papel das Forças Armadas está constitucionalmente estabelecido e todas essas mobilizações são feitas alegando-se o amparo da lei. Todos os entrevistados citam os documentos legais. O desembargador Henrique Nelson Calandra é o mais conciso. Diz ele: “A Constituição Federal partilha essa responsabilidade de manutenção da ordem pública entre a União e os Estados, enumerando os órgãos que têm direito e dever de tratar da proteção das pessoas e do patrimônio. A intervenção das Forças Armadas prevista no artigo 142 está condicionada à hipótese prevista na Lei Complementar nº 97 (NR: editada pelo presidente Fernando Henrique em 1999), que cuida da organização, preparo e emprego das Forças Armadas. Esse dispositivo tem sido utilizado para combater determinadas situações que extrapolam a capacidade de intervenção das forças regulares, que atuam de modo ordinário no que concerne à segurança pública. Essas intervenções pontuais estão de acordo com a Constituição. Atendem às requisições da Justiça Eleitoral e, em outras oportunidades, são utilizadas para a segurança preventiva quando o País é sede de eventos internacionais, nos quais há risco de atentados por grupos extremistas. Entretanto, na medida em que se aprimora ou se desenvolve a Força Nacional de Segurança, essas intervenções deverão ficar restritas a situações de emergência previstas na Constituição, no artigo 136, que cuida do Estado de Defesa”.

CASO DE EXTREMA-UNÇÃO Aí está o “xis” da questão: o que seriam intervenções pontuais, excepcionalidade, situações de emergência, para atuar “de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado”? A Lei Complementar 97, citada pelo desembargador, fala que só haverá intervenção “após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. O juiz Oscar Dias Correia Junior, que já pertenceu à Justiça Eleitoral mineira e também falou no 1º Ciclo de Palestra, não foi nada mineiro ao explicar o que ele entendia pela expressão. Em suas palavras: “entenda-se como esgotados os instrumentos estaduais aqueles reconhecidos como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular da sua missão constitucional. Isso significa dizer teoricamente, em casos de extrema-unção”. E emenda: “ou seja, não se pode aplicar a dosagem das Forças Armadas a um paciente doente, quando ele poderia eventualmente recorrer às forças de segurança pública do art. 144 para assegurar os pleitos eleitorais”. Oscar Dias relembra: “nas eleições de 2004, atenderam a 248 pedidos de requisição de Forças Armadas, o que significa dizer que, infelizmente, ou a credibilidade das Forças Estaduais é muito intensa – e aí a gente fala de novo em credibilidade – ou nós estamos banalizando a instituição, estamos banalizando a requisição de Forças Armadas”. E concluindo: “O que há de nortear a requisição de Forças Armadas é, antes de mais nada, um sentimento e um princípio jurídico do bom senso, do equilíbrio, da proporcionalidade”. Voltamos a Erica Vinand para ressaltar que, “ os argumentos normalmente esgrimidos para fornecer cobertura jurídica a estes operativos são insuficientes até para definir cadeias de mando e distribuir responsabilidade em casos em que surjam vítimas das armas federais”.


“DITADURA TOGADA” A Justiça Eleitoral, para a OAB-Rio, teria se tornado o órgão mais autoritário do Brasil ao descaracterizar campanhas, tantas são as restrições impostas. Junta-se a isso a “banalização das convocações de Forças”. Foto: Marcello Casal Jr/ABr

A presença de tropas fardadas das Forças Armadas foi decisiva para afugentar líderes do tráfico, mas não é a primeira vez que elas entram lá

Mas quando se trata dos poderes do TSE e suas ramificações regionais, ninguém mais ácido do que o presidente reeleito da OAB-Rio, Wadih Damous: “A OAB-Rio tem sido crítica feroz da atuação da Justiça Eleitoral, falou ele por telefone. A Justiça acabou com o processo eleitoral democrático no País, tantas são as restrições. Achamos que é hoje o órgão mais autoritário do País, quando tem essa possibilidade de intervir na vida cotidiana de áreas inteiras”. “Hoje” , insiste Damous, ”acabaramse os comícios, a campanha livre, as faixas, e agora esse pedido reiterado de intervenção indevida nas relações políticas, a banalização das convocações de forças especiais por determinação do presidente do TSE. Acreditamos que a ditadura de toga é mais grave que a ditadura das armas. Há, sim, uma tendência à banalização que derruba o conceito de excepcionalidade”. O desembargador Nélson Calandra suaviza ao afirmar que “o sufrágio livre é o mais elementar dos direitos da vida democrática. No momento em que os órgãos de fiscalização do Estado detectam risco à livre manifestação do voto por parte de organizações criminosas em procedimento

aberto, os Tribunais Regionais Eleitorais, por provocação dos partidos políticos ou do Ministério Público, vivenciam uma situação que justifica a intervenção para a garantia da ordem constitucional”. Calandra entende que “ a presença do Estado nas regiões em que a liberdade do eleitor está comprometida não as transformam em zonas sitiadas. A função da força extraordinária, que não tem atividades ordinárias de polícia, é resgatar a liberdade ameaçada. Caso faltasse essa premissa aos Tribunais, não haveria como garantirmos a livre manifestação do voto”.

Gabeira, que acabou de novo candidato na última eleição. Até o corpo a corpo foi regulamentado, para surpresa de Gabeira, com proibição para que candidatos se cruzem. “Nós nos encontramos várias vezes, nos abraçamos... Nunca houve nenhum incidente. Por que regulamentar isso?”, questionou. O ministro Ayres Brito, presidente do TSE, por sua vez, em reunião com representantes dos partidos políticos, declarava que “ nosso papel não é propriamente o de ferrão nas costas de quem quer que seja. Claro que temos uma função fiscalizadora e, eventualmente, repressora. Mas o nosso papel é de orientação, de exaltação da vida política como talvez a mais realizadora, a mais bonita e a mais essencial das atividades humanas”. Por sua vez, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, explicou que as tropas das Forças Armadas não teriam a função de ciceronear candidatos nem de substituir os agentes responsáveis pela segurança pública. O objetivo das tropas, segundo o ministro, é “ assegurar o procedimento eleitoral”

Até o corpo a corpo Mas as ressalvas mais pesadas, a dar razão a Damous, vão mesmo para as normas estabelecidas pela Justiça Eleitoral para a campanha nestas regiões. Criticava-se o “toque de recolher eleitoral, obrigando os candidatos a avisarem na véspera aonde iriam e limitando os horários de campanha entre meio-dia e seis da tarde. “Isto é muito esquisito. A gente quer ter liberdade de conversar com o eleitor sem ter que pedir licença a ninguém, inclusive ao Exército”, dizia

Damous: “Acabaram-se os comícios, as campanhas livres e agora esses pedidos reiterados de intervenção de forças especiais”!

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Cotidiano

A BRIGADA DA LEI E DA ORDEM Foi um decreto do presidente Lula que oficializou Força Nacional de Segurança, destinada a intervir em conflitos urbanos. Pouco divulgado, o instrumento legal envolve 2 mil recrutas. No jargão militar, Garantia da Lei e da Ordem vira sigla: GLO. E esse item ganhou uma brigada inteira, específica para GLO, por força do Decreto nº 5.261, de 3 de novembro de 2004, assinado pelo presidente Lula. Por esse instrumento instituiu-se a transformação da 11ª Brigada de Infantaria Blindada em 11ª Brigada de Infantaria Leve – Garantia da Lei e da Ordem, hoje Força Nacional de Segurança . Com sede em Campinas (SP) e subordinada à 2ª Divisão do Exército, a Brigada passou a cumprir desde 2005 o papel de conter e reprimir os “conflitos urbanos”. Pouco divulgado, o decreto envolve 2 mil recrutas treinados para o uso de equipamentos leves, de tecnologia não-letal, tais como gás lacrimogêneo, spray de pimenta e pistolas com balas de borracha, tornandose aptos não somente a atuar em caso de guerra, mas principalmente a agir quando as forças de segurança pública – polícias, sobretudo – mostrarem-se ineficazes. Ou seja, é uma brigada preparada justamente para atender aos casos em discussão aqui. Os críticos já se adiantaram dizendo

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que ela serviria para repressão a movimento sociais. Enquanto a nova função do Exército não se estender a outros lugares, poderá enviar seus soldados para qualquer lugar do Brasil em missões “pacificadoras”, partindo do aeroporto Viracopos. Sobre o tema, Wadih Damous (OABRio) entende que “o presidente Lula é originário dos movimentos sociais e não deve ter baixado um decreto com essa intenção, a de conter movimentos sociais. Mas essa ou qualquer outra brigada ou batalhão só podem ser usados em momentos excepcionais, entendendo-se por isso momentos de emergência, estado de sítio. Cabe à autoridade local ter a percepção dessa excepcionalidade”. A FORÇA AMBIENTAL Para justificar o uso das Forças em questões ambientais sem passar pelos governos estaduais, o ex-ministro Carlos Minc, do Meio Ambiente, argumentava à época que “mesmo precisando houve casos em que ficamos impedido de convocar a Força Nacional”. Ele lembra o ocorrido em Paragominas (PA), no fim do ano passado, quando uma ação promovida por madeireiros resultou no incêndio de carros e da sede local do Ibama. “Também jogaram coquetéis molotov no hotel em que estavam os agentes do Ibama, mas nós não tínhamos poder para pedir a convocação da Força Nacional”, assinalou. Ele dizia ser necessário desafiar os criminosos ambientais. “No fundo, são os mesmos que, há 20 anos, assassinaram Chico Mendes e que continuam com a arma da impunidade ambiental na mão”. Um corpo específico de agentes foi treinado para combater a prática de crimes ambientais e está à disposição do Ibama, do Instituto Chico Mendes e do Ministério do Meio Ambiente para participar de ações. Segundo o Ministério da Justiça, outros 350 homens serão treinados para integrar a Guarda Ambiental. “Nós tivemos um grande avanço com as portarias porque ganhamos o direito de convocar a Força Nacional de Segurança

e teremos a capacitação desses agentes para combater os crimes ambientais”, comemorou o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. MPF questiona A existência da Força Nacional de Segurança vem sendo questionada pelo Ministério Público Federal (MPF), no Pará, que chegou a recorrer da decisão judicial que não acatou o pedido de extinção da tropa de elite. No entendimento do procurador da República, a criação da tropa “põe em risco o Estado democrático de direito” e foi feita “sem amparo constitucional”. Ele considera fundamental a participação do Congresso Nacional, por meio de proposta de emenda constitucional, para a criação da FNS. De acordo com Aguiar, o argumento de que a atuação da Força Nacional gera uma sensação de segurança na população, utilizado pela Justiça para negar o fechamento do órgão, é enganoso porque a permanência dela em um Estado é temporária. “A falta de infraestrutura das instituições policiais locais permanece depois que a Força Nacional deixa a região. É uma falsa sensação de segurança”, argumenta Aguiar. Ao negar o pedido do MPF, a juíza Hind Ghassan Kayath, da 2ª Vara Federal em Belém, também argumentou que a governadora Ana Júlia Carepa reconheceu que o Pará tem carências na área de segurança pública “No entanto, em vez de seguir o processo constitucionalmente previsto, a União prefere condicionar o envio do seu contingente militarizado à simples solicitação do Estado-membro, burlando assim as formalidades previstas na Carta Magna - critica o procurador da República”. No recurso ao TRF, além da suspensão da portaria que criou a Força Nacional, o MPF pede que a Justiça proíba a edição de portarias semelhantes.


A FALA DO GENERAL Os diversos comandos nunca se sentiram à vontade nesses envolvimentos de tropas, se “promiscuindo em questões de Segurança Pública”. Generais questionam as novas orientações a limitar uso das Forças no combate ao crime organizado, o tráfico de drogas, na proteção ao meio ambiente e na participação em obras de infraestrutura. Foto: ABr

Uma coisa é “combater excepcionalmente uma situação extraordinária. Já a presença ordinária, até a Copa, por exemplo, descaracteriza o papel das Forças Armadas”

A colunista Eliane Catanhede, da Folha de S. Paulo, comentava em 29 de novembro que “a resistência ao uso das Forças Armadas contra a violência urbana tem uma sólida argumentação, mas essa argumentação vem perdendo força, oportunidade e conexão com a realidade à medida que se tornam turvas as fronteiras entre a guerra convencional e as novas guerras (tráfico de drogas e de armas, por exemplo). Mas não é bem assim. O jornal O Estado de S. Paulo, de 30 de novembro último, não escondeu que, nos bastidores, havia contrariedade com a decisão de permanecer por longo período nos morros, “misturando tarefas de vigilância com a tarefa quase policial”. O receio do comando era que “a duração da missão, somada ao novo perfil de operação, coloque os militares em contato íntimo com o narcotráfico, o que pode contaminar setores o Exército”. Dentro das Forças sempre houve posições claras mostrando que comandos não se sentem à vontade nesse “envolvimento das tropas, se promiscuindo em questões de Segurança Pública”. Inúmeros pronunciamentos de comandos são bastante claros: Ficamos com um, talvez representando o que, tempos atrás, se chamava “linha dura”.

“Tropas internacionais?”

Chamamento sistemático

O general Paulo Roberto Laranjeira Caldas, fixou, em discurso já antigo, que “nos últimos anos, essas Forças Armadas, prioritariamente voltadas para as funções de defesas da Pátria e de fiel intérprete das aspirações do povo de onde se originam, passaram a sofrer pressões externas para se direcionarem para os problemas internos do País, assumindo missões policiais que, constitucionalmente, não lhes cabem”. “A lógica da tese, continua o general num discurso bem estruturado, parece irretorquível: não existindo ameaças externas, é necessário repensar o papel do segmento militar, tradicionalmente voltado para segurança externa. No caso de surgir uma ameaça deste tipo, muito pouco provável, segundo essas mesmas pressões externas, tropas multinacionais, pasmem, garantiriam a defesa do País. O projeto serviria, também, para o restante da América Latina e para o Terceiro Mundo. Sem o ônus da defesa externa as Forças Armadas seriam empregadas: - no combate ao crime organizado, em especial contra o tráfico de drogas, que é considerado pelos norte-americanos como a maior ameaça a sua própria segurança; na proteção ao meio ambiente, na participação em obras de infraestrutura, etc.

E finaliza o general: repensar o papel constitucional das Forças Armadas, unicamente para legalizar sua utilização no combate à criminalidade, é demagogia que não vai resolver o problema da segurança pública e, ainda, vai destruir suas estruturas organizacionais e especificidades técnicas e profissionais”. “Usar Forças Armadas, compostas, em sua maioria, por jovens recrutas não profissionais, no combate aos assaltos, seqüestros, roubos e violência de toda a ordem é uma irresponsabilidade, quando não leva em conta a natureza diferente entre a atividade policial e a atividade militar, e é um desrespeito à lei, quando não considera a destinação constitucional da mesma”. Correia Dias Junior encerrava sua participação no 1º Ciclo de Palestras, em Belo Horizonte, dizendo esperar que no quadro atual do país, as circunstâncias atuais e nacionais não provoquem um chamamento sistemático das Forças Armadas”. E prosseguia: “que nós não confundamos a missão constitucional delas e não banalizemos missões que, com certeza, são de segurança pública, como tal previstas no art. 144, que eventualmente, nem de longe, se referem a assegurar, a garantir a lei e a ordem. E não estamos falando de orçamento, concluía, o problema não é de dinheiro. O problema, evidentemente, é de missão constitucional, é desempenho constitucional”. Foto: Marcello Casal Jr/ABr

Repensar o papel constitucional das Forças Armadas, só para legalizar sua utilização no combate à criminalidade, é demagogia, diz um general

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Meio Ambiente

O SAARA

é aqui?

Irrigação malfeita acarreta a salinizção do solo e dificulta o desenvolvimento de vida rica em biodiversidade, como as plantas Gabriel Arcanjo Nogueira

E

squeçam aquela imagem do deserto, com dunas infindáveis, camelos e o sol escaldante, de filmes como Lawrence da Arábia (saí do Cine Comodoro, no início da década de 1970, no centro da capital paulista, com uma sede danada!). Pensando bem, esquecer não é bem o termo. Walter Batista Júnior, doutorando no programa de Pós- Graduação em Meteorologia Agrícola da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, explica: “Podemos definir desertos como sendo os locais em que o desenvolvimento da vida rica em biodiversidade encontra dificuldade. Dentro deste conceito não precisa haver falta de água, pois existem muitas áreas em que a irrigação é 60

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aplicada de forma indevida acarretando salinização dos solos, o que dificulta o desenvolvimento de muitas formas de plantas”. Walter desenvolve pesquisas relacionadas ao combate à desertificação e mitigação dos efeitos da seca, na UFV, onde se formou em Engenharia Agronômica e fez o mestrado em Fitotecnia. Recuperação de áreas degradadas, gestão de resíduos urbanos, aterro sanitário, tratamento de efluentes, entre outros aspectos cruciais da vida sustentável no planeta, é com ele mesmo, desde quando trabalhou no Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), onde fundou e coordenou o Fórum Capixaba de Mudanças Climáticas (FCMC).

Em entrevista a NEO MONDO Walter se mostra à vontade quando perguntado se, no Brasil, o processo de “desertificação” estaria restrito à região do semiárido nordestino. Ele considera que “a visão clássica dos retirantes nordestinos, migrando aos milhares para outras partes do Brasil, influencia o consciente da população no país. Como disse anteriormente, quaisquer processos que levem à degradação da capacidade de recuperação dos ecossistemas podem levar à desertificação de uma região”. Tanto que, lembra, em regiões como Alegrete, no Oeste do Rio Grande do Sul - que esteve por muito tempo sob forte pressão de um sistema de agricultura predatória, com a


principais evidências de registros históricos que comprovam que os areais existem antes da ocupação territorial no Sudoeste gaúcho”. (ler quadro “Área de atenção especial”) Cerrado amazônico Quando tento fazer um paralelo com a letra de “Sobradinho”, de Sá e Guarabyra: “O sertão vai virar mar, dá no coração o medo que algum dia o mar também vire sertão”, para saber o quanto de verdade há na apocalíptica profecia de que podemos ver a Amazônia virar um cerrado, Walter não titubeia: “Em nosso grupo de pesquisa na Universidade Federal de Viçosa, existem estudos que indicam que essa situação pode acontecer em um espaço de uma geração. Para tanto é só continuarmos seguindo o atual modelo de exploração com a derrubada da floresta para atender ao mercado interno e externo, implantação de pecuária intensiva, que depois será substituída por algum tipo de monoculturas (como a soja), para enfim acontecer o abandono da área”. Ao dar o alerta vermelho, o pesquisador cita números alarmantes (ver boxe “À mercê de forças econômicas e políticas”). Sobre o acerto de planos, como o Amazônia Sustentável (PAS), na estratégia de desenvolvimento regional e, mesmo, de se criar um novo Brasil a partir da Amazônia, Walter acredita que seja um caminho, em vista de ser a proposta básica do PAS uma parceria com os

governadores dos estados da Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins), com objetivo de definir as diretrizes para o desenvolvimento sustentável na região. “Mas para que o essas ações deem frutos é necessário, a meu ver, que o enfrentamento da situação seja real. Estamos em ano eleitoral e, para dar continuidade às ações do PAS, seria importante que, ao assumir o governo, em 2011, cada governador ratificasse as propostas que estão sendo desenvolvidas. Caso contrário, perderemos o momento histórico. A Amazônia agradece e o Brasil também”, pondera.

Para Clódis Filho, as possibilidades de recuperação de áreas como os areais são praticamente nulas

Clódis Filho

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Erosão intensa Clódis de Oliveira Andrades Filho, geógrafo e licenciado em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestre em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e doutorando em Geociências pela Universidade de São Paulo (USP), esclarece o que chama de processo de arenização nessa área do - quem diria - Sul do Brasil. Segundo ele, por força da natureza, e não da ação do homem: “A origem das extensas manchas arenosas no Rio Grande do Sul, contrariamente ao que já foi colocado em alguns veículos da mídia, não é um processo de desertificação. Os desertos estão diretamente associados ao regime climático de determinada área, em que a principal característica necessária é a reduzida umidade, ou seja, áreas onde a quantidade de chuva é reduzida. Sabe-se que as chuvas no Rio Grande do Sul são regulares e em grande volume. O que exclui a possibilidade da instalação de um deserto nessa área. “A origem dos areais está, na verdade, diretamente relacionada à ocorrência das chuvas lá, que, associadas às extensas áreas de solo frágil, desencadeiam processos intensos de erosão, evidente pela grande quantidade de ravinas e voçorocas. O escoamento de água nessas ravinas e voçorocas e a ação do vento são responsáveis pela dispersão de todo material arenoso, formando assim os areais. “Nesse sentido, hoje é consenso científico que os areais no Rio Grande do Sul têm origem natural. Isto foi colocado primeiramente por Dirce Maria Antunes Suertegaray em sua tese de Doutorado em 1987, com as

No Sul do Brasil, há práticas que não visam à preservação, e sim podem promover uma degradação ainda maior dos terrenos

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retirada da cobertura vegetal para o pastoreio intensivo do gado -, “hoje em vários pontos observa-se a formação de extensos areais, que chegam a lembrar o deserto clássico”.

À semelhança do deserto de filmes clássicos, observa-se em Alegrete (RS) a formação de extensos areais sob forte pressão de um sistema de agricultura predatória Neo Mondo - Dezembro 2010

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Meio Ambiente

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“À mercê de forças econômicas e políticas” tado de forma intensa, o desmatamento da região amazônica poderá levar à falta de água em outras regiões da América do Sul e Central. Será que o governo brasileiro está disposto a arcar com os custos de um desastre socioambiental dessas proporções?”. Lembro que, num cenário assim, a Amazônia corre sério risco de virar um deserto e provoco o especialista sobre o que é possível fazer para salvar a região e garantir uma sobrevida à nossa gente, à nossa fauna, à nossa flora.

Walter dá o alerta vermelho: no Sul brasileiro, “hoje em vários pontos observa-se a formação de extensos areais, que chegam a lembrar o deserto clássico” Walter é muito crítico quando fala dos perigos que rondam o País e o planeta. “A taxa de desmatamento na Amazônia Legal tem aumentado e diminuído ao longo dos anos em função de uma variedade de forças econômicas e políticas. Hoje já possuímos algo em torno de 18% de desmatamento da floresta original da Amazônia, redução que pode chegar a 50% em 2050”, diz. O pesquisador prossegue: “Devemos lembrar que o Brasil possui a maior área de florestas do mundo: a Amazônica, a Atlântica, o Cerrado, entre outros biomas, com aproximadamente 460 milhões de hectares, e, ao mesmo tempo, a maior taxa de desmatamento do planeta. Preservar a Amazônia é de interesse global não apenas pelas preocupações com a biodiversidade e a alteração do nível de chuvas no Sul e no Sudeste brasileiros, mas também em função das mudanças climáticas. Se não for enfren-

Walter acerta na mosca: “Tanto na Amazônia como em várias outras regiões do Brasil, o agronegócio tem prosperado sem levar em consideração a preservação ambiental dos ecossistemas. Para muitos economistas, o fator meio ambiente nunca é levado em consideração como elemento de suas planilhas de custos”. Em que pese no Brasil existir “certa pressão popular para diminuir os impactos deste processo”, o meteorologista avalia ser “o resultado ainda muito incipiente”. Isso porque “aqui poucas pessoas abrem mão de seu churrasquinho ao final de semana, por conta da preservação de uma árvore a mais”. Ele aposta suas fichas em outra mesa: “Acredito que a pressão internacional obtenha mais resultado. É só lembrar o boicote à soja plantada em áreas desmatadas da Amazônia. Por outro lado, existe vida inteligente em alguns de nossos governantes. Como exemplo, podemos citar os projetos de preservação da floresta, com a implementação da Bolsa Floresta, que é um programa do governo do Amazonas para reconhecer, valorizar e compensar as populações tradicionais e indígenas do estado - guardiães da floresta - pelo seu papel na conservação das florestas, rios, lagos e igarapés. Talvez seja por aí um caminho para a solução do problema naquela região”.

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Grave problema socioambiental e econômico *

ONU lança Década para combater o processo de desertificação e suas consequências: fome e mortalidade infantil acentuadas

* Com informações de O Estado de S. Paulo 62

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A desertificação é, há muito tempo, considerada um grave problema ambiental, econômico e social por muitos países. Apesar dos esforços internacionais, a degradação da terra se intensifica. Yukie Hori, da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UCCD), disse à Inter Press Service (IPS), agência de notícias, que o Plano de Ação contra este fenômeno, adotado na conferência internacional de 1977, “não chama de maneira suficiente a atenção para melhorar a situação nas terras semiáridas”. Entretanto, marcou um começo na luta contra a desertificação e “serviu de plataforma para um enfoque novo e integrado para o problema, enfatizando a ação para promover o desenvolvimento sustentável em nível comunitário”, segundo Yukie. Impulsionar ações que protejam as zonas semiáridas será o objetivo da Década das Nações Unidas para os Desertos e a Luta contra a Desertificação, lançada oficialmente em setembro e que vigora desde janeiro de 2010 até dezembro de 2020. O lançamento

da Década coincidiu com a abertura da Segunda Conferência Internacional sobre Clima, Sustentabilidade de Desenvolvimento em Regiões Semiáridas, em Fortaleza, capital do semiárido Estado do Ceará. Quando os habitantes da África Ocidental sofrem escassez de alimentos devido a uma seca prolongada, a importância de chamar a atenção sobre a desertificação e suas consequências não pode ser subestimada, afirmaram especialistas. A região mais afetada é a do Sahel, longa faixa de terra que atravessa o continente africano do Atlântico até o Mar Vermelho, onde o Programa Mundial de Alimentos implementa um plano de emergência para ajudar cerca de 8 milhões de pessoas. A esperança é que as iniciativas da Década ajudem a reverter o processo de desertificação, evitando crises por secas no futuro. O lançamento global no Brasil será complementado por atividades regionais, como uma entrevista coletiva conjunta, em Nairóbi, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e do Programa das Na-


Clódis apresenta o que considera dados importantes: Areais não ocorrem somente no município de Alegrete, mas são também encontrados em 10 municípios gaúchos. Alegrete é o que possui a maior área de areais, com cerca de 1/3 do total mapeado: são mais de 3 mil hectares de manchas arenosas. “Conforme estudo realizado com base em imagens de satélite, as manchas arenosas mapeadas em 1989 tiveram aumento de extensão, detectado a partir de imagens de 2005. Além disso, nesses 16 anos originaram-se novos focos de arenização”, lembra. Ele próprio participou desse estudo em 2006, na UFRGS, com Laurindo Antonio Guasselli e Dirce Maria Antunes Suertegaray. Ou seja, o debate está aberto: “Comprovada a gênese natural dos areais, pesquisas elaboradas principalmente por universidades gaúchas concluíram que, apesar da gênese natural dos areais, o processo de formação deles é intensificado pelo mau uso da terra. Essa região do pampa rio-grandense é considerada pelo governo brasileiro uma área de atenção especial. Nesse sentido, um dos principais debates está atrelado à definição de um uso adequado dos terrenos que não acelere o processo de arenização. No entanto, não há um consenso nem quanto às técnicas de contenção de ravinas e voçorocas e muito menos quanto aos usos mais adequados para essas áreas”, esclarece. Em que pesem as divergências, Clódis aponta um conflito muito claro entre os interesses de grandes empresas e do poder aquisitivo (que consideram a área potencialmente útil para monoculturas de eucalipto e outras árvores exóticas) e os interesses das iniciativas socioambientais que defendem a instalação da diversificação de culturas e preservação. “O que atrai o interesse das grandes empresas de monocultivo de árvores é principalmente o baixíssimo custo dessas terras, justamente por se caracterizarem por solos frágeis sem apresentar, portanto, grandes potenciais para usos agrícolas comuns em regiões adjacentes à área”, avalia. Clódis não deixa dúvida num ponto: “O problema é que essas práticas não visam à preservação, e sim podem promover uma degradação ainda maior dos terrenos”.

ções Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Os lançamentos simultâneos destacarão o fato de que se trata de um “problema global” e, portanto, merece a atenção de todos. A desertificação, definida como degradação dos ecossistemas tanto por atividades humanas como por variações climáticas, ocorre em todos os continentes, menos na Antártida, sendo de especial preocupação nas áreas áridas e semiáridas. Os principais fatores são exploração de recursos naturais de maneira insustentável em razão do aumento populacional, determinadas políticas socioeconômicas e algumas formas de agricultura. 1 bilhão em 100 países Estima-se que 1 bilhão de pessoas em mais de 100 países são afetadas pela desertificação e que, se o processo não for detido, poderá causar transtorno a 44% de todos os sistemas cultivados da Terra. “Quando acontece, a degradação da terra tem consequências de longo alcance que afetam vários aspectos da vida”, disse Yukie. Estudos recentes mostram que os solos secos ocupam 41,3% da superfície do planeta e neles vivem 2,1 bilhões de pessoas.

Clódis Filho

“Área de atenção especial”

Pesquisas apontam que o processo de formação dos areais no RS é intensificado pelo mau uso da terra “Deserto de São João” Fato inegável constatado por Clódis e seus parceiros de pesquisa é que está instalada uma série de novas plantações de monocultura arbórea na área, que já podiam ser observadas até mesmo nas imagens de satélite de 2005. “São extensas plantações cultivadas diretamente em cima das áreas arenizadas, mesmo na área denominada ‘deserto de São João’, considerada a maior mancha arenosa da região, e que localiza-se dentro dos limites do município de Alegrete”, descreve. Lamentável é que as iniciativas preservacionistas parecem não estar ganhando espaço. O que faz os riscos aumentarem, pois se tratando de um fenômeno natural, passível de intensificação pelo uso incorreto do solo, é possível que as áreas arenizadas continuem aumentando e, assim, agravando o problema. “O mais preocupante é que, uma vez que já instaladas ravinas, voçorocas e os próprios areais, as possibilidades de recuperação dessas áreas são praticamente nulas”, acredita. Para saber mais sobre os areais rio-grandenses-do-sul, acesse : http://centrodeestudosambientais.wordpress.com/2010/03/28/arenizacao-do-pampapode- crescer-em-areas-de-plantio-de-eucalipto/ http://egal2009.easyplanners.info/area06/6018_Antunes_Suertegaray_Dirce_Maria.doc

Seus moradores são os mais pobres do mundo, com renda média por habitante quase 10 vezes menor do que a dos cidadãos dos Estados membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o clube de nações ricas. As taxas de mortalidade infantil também são muito altas, com média de 54 para cada mil nascimentos. Embora “o processo de desertificação se tenha intensificado nas estatísticas gerais”, isso não significa que tenha ocorrido em todas as partes, explicou Yukie à IPS. Podem ser constatadas melhorias “acumulando os exemplos locais de sucesso”. Um deles são as Iniciativas para o Reflorestamento da África (ARI). Este programa promove a regeneração natural para ajudar os agricultores a se adaptarem à mudança climática e para melhorar a segurança alimentar na África subsaariana. Rios em nível crítico No Brasil, o problema torna-se dramático quando se sabe que, em setembro, o Rio Negro, que banha Manaus (AM), chegou a ficar bem próximo - apenas 7 cm abaixo - do nível registrado na maior seca da história, em 1963, ano da maior seca da história. Em 10

de setembro daquele ano, a cota do rio era de 20,33 m para os 20,26 m de agora. Os dados são do Serviço Geológico do Brasil (CPRM). Na seca de 1963, o Rio Negro atingiu em outubro, pico da estiagem, a marca de 13,64 m. Se não bastasse, o Rio Solimões, que banha a maior parte dos municípios do interior do Amazonas, atingiu, nível mais crítico. Em 9 de setembro, ficou em 32 cm negativos, ou seja, abaixo do zero da régua - medição menor do que o pico recorde registrado em 2005. Neste ano, o CPRM registrou a maior vazante do Solimões na história. Em 2005, no pico da estiagem, verificado na primeira quinzena de outubro, a régua marcou 2 cm positivos. A situação na capital amazonense também preocupa, com leitos de igarapés secos bem no meio de Manaus, como o igarapé do Quarenta, que corta a capital. Com o Rio Negro a menos de 5 m do nível crítico, a Capitania dos Portos emitiu seus alertas; plantações de vegetais e de frutas, como melancia e mandioca, foram destruídas; cidades, que dependem da energia de termelétricas, ficaram com nível crítico de estoque de combustível; seis delas decretaram estado de emergência, todas na calha do Solimões e Juruá.

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IDOSOS JÁ SÃO 11 %

da população brasileira

O

IBGE divulgou recentemente os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2009, que consolida a projeção feita para o Brasil – terá a 6ª maior população de idosos do mundo até o ano de 2050. O prolongamento da esperança de vida tem sido um anseio de toda a humanidade, e o envelhecimento é uma conquista e nos apresenta desafios sem precedentes. Governos, sociedade e os cidadãos deverão encontrar fórmulas para manter seguridade social e econômica, bem como atender às demandas de serviços de saúde com qualidade a um segmento da população que, por sua avançada idade, se encontra em desvantagem para as exigências sociais da contemporaneidade. Embora se estime que a proporção de idosos deverá ultrapassar os 15% da população até 2050, doenças crônico-degenerativas e distúrbios mentais já têm determinado, atualmente, maciça utilização dos serviços

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de saúde no Brasil. Em um contexto de importantes desigualdades regionais e sociais, os idosos brasileiros não encontram amparo adequado no sistema público de saúde e previdência, acumulam sequelas daquelas doenças, desenvolvem incapacidades e perdem autonomia e qualidade de vida. América Latina e Caribe como um todo registram uma diminuição da fecundidade e mudanças importantes na mortalidade, com uma tendência de taxa de crescimento populacional decrescente. Alguns demógrafos afirmam existir dentro de um mesmo país duas transições demográficas: aquela que experimentam as classes altas e médias, mais escolarizadas e com maiores recursos econômicos, que finalizam a chamada fase de transição; e aquela que experimentam as classes baixas, que estão ainda nas primeiras fases de transição, que tem prolongada sua vida mas não sua qualidade de vida.

Proporção de pessoas de 60 anos ou mais Brasil e Unidades da Federação - 1998-2008

%

15 14 13 12 11 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 1998/2008. Nota: Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá

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A desigualdade com que se processa a queda da mortalidade em diferentes regiões e classes sociais no Brasil mostra estas diferenças: se na região Sudeste a esperança de vida ao nascer aumentou 27 anos entre 1940 e 1984 (de 43,5 para 70,5 anos), no Nordeste o aumento não superou 17 anos no mesmo período (de 38,7 para 55,7 anos)1. Da mesma forma, embora a esperança de vida ao nascer para o grupo mais rico do Sudeste (rendimento mensal familiar superior a cinco salários mínimos) se compare à dos países desenvolvidos (75 anos), para os grupos mais pobres do Nordeste (até um salário mínimo) ela não supera os 52 anos de idade2, índice semelhante ao do Rio Grande do Sul na década de 303. O aumento da longevidade humana não deve constituir em uma única meta da ciência contemporânea. A ela deverá incrementar-se uma melhoria na qualidade de vida desta população longeva, quer dizer, efetivar um aporte de mais vida aos últimos anos de vida, com sólidas políticas sanitárias e sociais que garantam um incremento de vida e saúde para este grupo populacional. No Brasil, em 1990, mais de metade dos óbitos em idosos foi causada por doenças do aparelho circulatório e 15% por neoplasias4. No Rio de Janeiro, Veras5, em pesquisa realizada com pessoas idosas e de baixo poder aquisitivo, encontrou problemas que elas próprias indicavam como “má visão” (42%), “má audição” (17%) e problemas dentários (63%). Muitos dos entrevistados apresentaram déficits cognitivos significativos (30%) e depressão (35%). Outra pesquisa realizada em Minas Gerais6 destacou nos idosos problemas de “coluna” (48%), “pressão alta” (47%), “insônia” (41%), “visão” (38%), “reuma-


Rosane Magaly Martins

tismo” (38%), “circulação” (37%), “angústia” (34%), “stress” (33%), “depressão” (32%), “coração” (30%) e “varizes” (26%). Tais pesquisas indicam as queixas dos idosos, com destaque para os ditos transtornos afetivos, provavelmente refletidos na deterioração da qualidade de vida dessa população. Este pequeno extrato mostra que temos muito a caminhar para um envelhecimento ativo, saudável, com pessoas que assegurem ter qualidade de vida, independência e autonomia. Os desafios são imensos, onde teremos que dar ênfase no ensino e prática da saúde preventiva e no autocuidado, suporte social ao idoso e ao seu cuidador, incentivos e fiscalização de instituições asilares, valorização do trabalho e benefícios sociais do idoso. A maioria destas ações depende em grande parte da iniciativa do Estado, que, no entanto, permanece sobrecarregado com os problemas relacionados à saúde materno-infantil e ao controle de doenças transmissíveis, mas introduzindo conceitos e ações em sua rede com relação ao envelhecimento da população. Cabe à sociedade e a cada um de nós ampliarmos o debate sobre a transição demográfica e suas consequências para o sistema de saúde, previdência e condições sociais de acolhimento do idoso, que possibilitem minimizar

o impacto do envelhecimento sobre a qualidade de vida da população, cobrando do Estado o cumprimento de seu papel na implementação de políticas públicas direcionadas à manutenção da saúde da população idosa Novas tendências A participação das pessoas com 25 anos ou mais de idade no total da população brasileira vem aumentando ano a ano entre 2004 (53,7%) e 2009 (58,4%), enquanto a das pessoas na faixa até 24 anos de idade vem diminuindo e caiu de 46,3% para 41,6% no mesmo período. Na comparação entre 2008 e 2009, houve redução de 642 mil pessoas na população até 24 anos de idade, enquanto a faixa etária de 25 a 59 anos aumentou em 1,8 milhão de pessoas. A taxa de fecundidade foi de 1,9 filho por mulher em 2008 e 2009, contra 2,1 em 2004. Na população de 60 anos ou mais o crescimento foi de 697 mil pessoas entre 2008 e 2009, o que representou um aumento de 3,3%, contra uma elevação de 1% no total da população residente do país. Em 2009, 11,3% dos brasileiros tinham 60 anos ou mais de idade, frente a 11,1% em 2008 e 9,7% em 2004. A região Norte seguiu com as maiores concentrações relativas nos grupos etários mais jovens, sobre-

Proporção de Crianças e Idosos na População Total Brasil 1900 a 2020 Crianças (0 a 14 anos) Idosos (60 anos e mais)

50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0

1900

1920

1940

1950

1960

1970

1980 ANOS

Fonte: IBGE - Censos demográficos e projeções de população

1991

2000

2005

2010

2015

2020

tudo de pessoas de 5 a 14 anos de idade, 21,4% em 2009. Já as regiões Sul e Sudeste apresentaram os maiores percentuais na faixa de 40 a 59 anos (25,6% e 26,2%) e na faixa de 60 anos ou mais (12,7% e 12,3%).

Referências: OLIVEIRA, L. A. P. & FELIX, C. A dinâmica demográfica recente: níveis, tendências e diferenciais. In: Fundação IBGE. Indicadores sociais: uma análise da década de 1980. Rio de Janeiro, 1995. p. 25-41.

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58. OLIVEIRA, L. A. P. & FELIX, C. A dinâmica demográfica recente: níveis, tendências e diferenciais. In: Fundação IBGE. Indicadores sociais: uma análise da década de 1980. Rio de Janeiro, 1995. p. 25-41.

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FUNDAÇÃO IBGE. Estatísticas históricas do Brasil: séries econômicas, demográficas e sociais de 1550 a 1988.2ª. ed. rev. atual. Rio de Janeiro, 1990. (Séries Estatísticas Retrospectivas: quadros retrospectivos, v. 3). 3

FUNDAÇÃO IBGE. Características demográficas e socio-econômicas da população. Anuário Estatístico do Brasil, 54:1-18-32, 1994. 4

VERAS, R.P. País jovem com cabelos brancos: a saúde do idoso no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1994. 224 p.

5

FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. População idosa em Minas Gerais e políticas de atendimento. Belo Horizonte, 1993, v. 1: Perfil da população idosa e políticas de atendimento na Região Metropolitana de Belo Horizonte [versão preliminar]. 6

Rosane Magaly Martins, escritora, advogada pós-graduada em Direito Civil, com especialização em Mediação de Conflitos pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Pós-graduada em Gerontologia (FURB/2005) e Gerencia em Saúde para Adultos Maiores (OPS/ México) com formação docente em Gerontologia (Comlat/Colômbia). Fundadora e presidente da ONG Instituto AME SUAS RUGAS, participando desde 2007 na Europa e na América Latina de congressos, cursos e especialização que envolve o tema. Organiza a publicação da coleção de livros “Ame suas rugas” lançados no Brasil e em Portugal. E-mail: advogada@rosanemartins.com Site: www.rosanemartins.com Neo Mondo - Dezembro 2010

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Energia Limpa

O DESAFIO

TERMELÉTRICO Tema recorrente nas duas últimas décadas em São José dos Campos (SP) a implantação de usinas termelétricas num município com perfil de cidade global joga na discussão, desta vez, novas tecnologias e combustíveis alternativos, embaralhando argumentações contrárias. Antônio Marmo

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ma das poucas cidades do país a ensaiar um perfil global, abrigando um setor aeroespacial, automobilístico e petroquímico de projeção internacional, São José dos Campos, no cone leste paulista, volta a envolver seus 600 mil habitantes numa discussão recorrente desde o final do século passado: mudanças na Lei Orgânica para permitir a instalação de termelétricas no município, cujo lema na bandeira é “aura terraque generosa” ou “ares e terra generosos”.

No entanto, esta é a primeira vez que as autoridades municipais colocam, literal e oportunamente, combustível novíssimo nessa diatribe que se arrasta já por duas décadas. A mensagem nº 082/2010 encaminhada pelo prefeito Eduardo Cury à Câmara Municipal, no final de outubro, sustenta que a mudança na legislação visa a “adequar a cidade à política pública nacional de diversificação das fontes de geração de energia”. A ideia é implantar uma unidade de geração de energia no Aterro Muni-

cipal, usando a biomassa do lixo com base em modelo alemão e já aproveitando outras experiências de ponta em andamento no Centro de Desenvolvimento de Tecnologias em Energia, instalado no Parque Tecnológico do Município pela Vale do Rio Doce e BNDES. Estes trabalhos são focados no desenvolvimento de processos de geração energia limpa e renovável. A proposta quer liberar a instalação no município de equipamentos de pequeno porte geradores de energia

Antônio Basílio/PMSJ

A captação e queima de 7,6 milhões de metros cúbicos de gás metano (CH4) proveniente do aterro sanitário são feitas nesta estação. A queima corresponde a 44,5 mil toneladas de gás carbônico.


Adenir Brito/PMSJC

Aqui está instalada a Vale Soluções em Energia, desenvolvendo atividades nas áreas de gaseificação de carvão térmico e de biomassa, a produção de turbinas a gás e motores pesados multicombustíveis.

elétrica que produzam entre 10 e 100 megawatts de potência, desde que movidos a gás natural, biomassa, etanol ou outros combustíveis ambientalmente sustentáveis. “Nossos estudos apontam que daqui a 12 anos precisaremos de uma solução moderna para resolver a questão do lixo”, diz o prefeito. Critérios de emissão Ocorre que a atual redação da Lei Orgânica do Município breca até a possibilidade da instalação de usinas termelétricas limpas (não poluentes) que utilizam gás natural, biomassa, etanol ou outros combustíveis ambientalmente sustentáveis na cidade, independentemente de sua natureza e potência. Daí a necessidade de projeto de lei do Executivo para alteração da LO municipal, desde que respeitando critérios internacionais de emissões e que possuam tecnologia para uso de combustíveis ambientalmente sustentáveis. No projeto de lei “os equipamentos ou conjunto de equipamentos geradores de energia elétrica, que isolada ou conjuntamente produzam mais de 10 MW de potência, e desde que movidos a gás natural, biomassa, etanol e outros combustíveis ambientalmente sustentáveis, poderão ser licenciados e instalados no município, atendidas as normas federais e estaduais, inclusive as resoluções das agências reguladoras pertinentes”.

“Claro está que todo o processo de discussão e instalação deverá passar pelos processo de Relatório Ambiental Preliminar - RAP, de apreciação pelo Conselho Municipal do Meio Ambiente - COMAM e, no caso da somatória da energia produzida ser superior a 30 MW, também de audiência pública”. Se esclarece, também, o detalhe de que “até que lei complementar regulamente a somatória da capacidade produtiva dos equipamentos ou conjunto de equipamentos instalados no Município, não poderá exceder 100 MW, não podendo a distância entre eles ser inferior a um km, nem o usuário ser proprietário de mais de uma unidade geradora”. Reflexo condicionado Claro, como por reflexo condicionado, a reação à proposta foi imediata, classificada como “preocupante”, antes mesmo de uma análise mais detalhada. Para o advogado Lincoln Delgado, do Grupo Consciência Ecológica, não haveria motivo para o governo mudar a Lei Orgânica. “Não há crise de energia para justificar essa mudança. A qualidade do ar em São José já é considerada regular, e pode piorar com isso”, afirmou em entrevistas ao colega Chico Pereira, do jornal local O Vale. “Para Wilson Cabral, professor do Departamento de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), não existe fonte de energia “totalmente limpa”.

“A cidade tem concentração de poluentes no ar, como particulados, e a instalação de equipamentos geradores de energia irá colaborar para aumentar o nível dos poluentes”, frisou o especialista. Cabral entende que o ideal seria primeiro reduzir a poluição para depois debater a permissão de termelétricas, mesmo movidas a energia limpa. “É uma questão importante e preocupante. Temos que analisar com cuidado”, afirmou Sueleidy Prado, diretora-executiva da Vale Verde. Marcos Costa, da Eco-Solidário, mais ponderado, diz que pretende conhecer melhor a proposta informando que existem tecnologias avançadas nesse setor. “O Comam – Conselho do Meio Ambiente municipal é o fórum mais adequado para tratar do assunto.” Mas no Comam a ideia não terá boa acolhida, a julgar pela opinião do conselheiro Vicente Cioffi, citado também por Chico Pereira em O Vale. “Essa discussão abre um precedente perigoso para aumentar a geração de poluentes em São José”, diz ele. “Se o aterro tem capacidade para gerar gases, eles poderiam ser aproveitados de outras formas e não na criação de uma termelétrica. A lei orgânica municipal deveria evitar ao máximo qualquer tipo de indústria poluidora na cidade,” Cioffi, entende que a proposta “é um retrocesso ambiental para São José dos Campos. Não existe termelétrica com emissão zero de poluição”.

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Energia Limpa

Revisão de conceitos Ao ressaltar a necessidade de “adequar a cidade à política pública nacional de diversificação das fontes de geração de energia”, o Executivo local colocou a cidade diante de um desafio claro para a revisão de conceitos. O texto da mensagem encaminhada à Câmara Municipal – suspenso temporariamente pouco depois- recebeu o aval do secretário de Meio Ambiente, um militante tradicional das causas ambientalistas na região e, no passado, um dos mais ferrenhos críticos das termelétricas. André Miragaia, fundador da ONG Vale Verde, afirmou ao O Vale que a mudança na legislação em vigor é uma “medida necessária para o futuro de São José dos Campos” e que a Lei não passará por mudanças profundas. Na mensagem enviada à Câmara, Cury explica que “essa geração, por implicar em menor emissão de poluentes na atmosfera, possibilita a negociação de créditos de carbono no mercado internacional, por meio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL”. Diz que a medida “encontra aceitação por todo o mundo, tendo, inclusive, fortalecido negociações entre a Petrobrás e o governo do Japão, o qual pretende adotar o modelo em suas usinas e utilizar o etanol produzido no Brasil”. O prefeito argumenta ainda que “com isso, o município estará contribuindo para que a matriz energética do Brasil, hoje já formada por 45% de fontes reno-

Eduardo Cury, prefeito de São José dos Campos

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váveis, aumente ainda mais esse índice, de modo a propiciar ganho ambiental e melhor qualidade de vida para todos os brasileiros e servir de exemplo para o mundo”. Projetos pioneiros O outro foco da proposta é atender os planos da Vale Soluções Energia (VSE) com suas turbinas para geração de energia limpa a partir de fontes alternativas, que precisa testar os seus equipamentos. Os leitores de NEO MONDO foram informados já na edição de julho que a cidade abriga em seu Parque Tecnológico o Centro de Desenvolvimento de Tecnologias em Energia, gerido pela VSE, uma subsidiária da Vale do Rio Doce, que leva adiante amplo programa de desenvolvimento de turbinas a gás e de turbinas de ciclo combinado com potências superiores a 10 Mw. O Centro implementa ainda atividades nas áreas de gaseificação de carvão térmico e de biomassa e a produção de turbinas a gás e motores pesados multicombustíveis. NEO MONDO cobria uma visita da então candidata Dilma Rousseff ao local. A revista adiantava que essas iniciativas, referência no Brasil, vinham repercutindo de modo positivo no âmbito global, já que a VSE, aqui instalada, firmou parceria com a empresa sueca Scania para desenvolver projetos de uso de etanol em motores pesados, os quais futuramente serão usados como fonte de energia limpa para o funcionamento de bombas e compressores em maquinários utilizados nas indústrias de mineração e agricultura. Ressalte-se que o governo local é tucano, no poder há 16 anos, e os projetos em andamento no Parque Tecnológico foram alavancados por verba federal (PT), com aval do BNDES e Vale do Rio Doce, em torno de R$ 500 milhões. Com folgada maioria na Câmara, para aprovar a mudança na Lei Orgânica, o governo precisará do apoio de dois

terços dos vereadores. Conta com 17 dos 21 legisladores. Mesmo assim, ele ampliou prazo de debates após reuniões com ambientalistas, jogando a discussão do projeto no plenário da Câmara para depois do recesso. Discussão recorrente A discussão em torno de termelétricas é recorrente na pauta política local. O projeto encaminhado por Cury à Câmara reabre estas discussões que vêm desde os projetos da antiga CESP para implantação de usinas desse tipo em Paulínia, São José dos Campos e Vale do Paraíba a partir de 1989, com a proposta – pasmem – de queimar resíduo asfáltico (RASF), óleo ultra-viscoso de elevada porcentagem de enxofre, com grande poder de poluição. Em 1995, no mandato da ex-prefeita Ângela Guadagnin (PT), a Prefeitura autorizou uma empresa a instalar um incinerador industrial na cidade, mas a licença foi cassada pela Prefeitura após pressão de moradores e ambientalistas. Um pouco mais tarde, na época do ‘Apagão’ (2000), a Lei Orgânica de São José dos Campos foi alterada para que as empresas pudessem gerar energia própria. A lei passou a permitir a instalação de termelétricas de autogeração, ou seja, que não podem comercializar energia, e têm capacidade para gerar, no máximo, 10 megawats. Mas representantes do empresariado local (Ciesp) criticavam a ideia porque “a proposta acabava beneficiando apenas grandes empresas que têm condições de investir em uma termoelétrica para consumo próprio. Pequenas empresas ou condomínio de indústrias, como nas Chácaras Reunidas, ficaram prejudicadas”. Mas, com isso, São José possui hoje dois grandes geradores de energia térmica: da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), utilizado quando cai a energia, e da Refinaria Henrique Lage (Revap) da Petrobrás.


Benchmark mundial

Antecipando-se ao debate, o prefeito visitou, entre 16 e 18 de agosto, as instalações de uma usina-modelo para recuperação de energia de resíduos sólidos urbanos, da empresa pública MVA Ingolstadt, na bela Bavária alemã. Segundo Cury, “lá pude me informar sobre o princípio de funcionamento e os custos envolvidos nesse tipo de usina”. Cury visitou em seguida a empresa Martin GmbH, fabricante de equipamentos para estas usinas, para “me inteirar das complexidades e peculiaridades de implementação de instalações deste tipo”. A Bavária, província do Sudeste da Alemanha, conhecida por seus cartõespostais onde se misturam paisagens alpinas e amplas áreas verdes com castelos e mosteiros antiquíssimos é, atualmente, “o mais avançado polo de tratamento de lixo do planeta”, na opinião da jornalista Françoise Terzian, atuando hoje no jornal Brasil Econômico. Diz Françoise que não foi por acaso que a Bavária transformou-se em benchmark mundial na gestão de resíduos. Para chegar no estágio atual, a Alemanha começou a trabalhar ainda na década de 70 do século passado com uma série de políticas, normas e legislações para preservar o meio ambiente, estimular a incineração de lixo e a coleta seletiva. Tudo isso foi acompanhado de um profundo e contínuo processo de educação da população. A Bavária hoje “recicla cerca de 55% do lixo produzido anualmente, mas na charmosa Ingolstadt, a 70 km de Munique, a porcentagem chega a quase 70%”. Lembra-se que em São Paulo, apenas 1% das 15 mil toneladas que a Prefeitura recolhe diariamente vem da coleta seletiva, atingindo apenas 20% da população. Os outros 99% seguem para os conhecidos lixões ou aterros. Sede da Audi e Mercedez Mas a região da Bavária, assim como São José dos Campos, abriga também um forte parque automobilístico, e os

Adenir Brito/PMSJC

São José dos Campos quer espelhar-se “no mais avançado polo de tratamento de lixo do planeta”, a deslumbrante Bavária alemã, onde está instalada usina-modelo de gestão de resíduos, capaz de gerar 85 mil MW/h de energia elétrica e 125 mil MW/h de água quente.

O aterro de São José dos Campos recebe cerca de 550 toneladas de lixo por dia. A cidade quer produzir energia elétrica no local, a exemplo do que já faz a Alemanha.

carros que produz são famosos mundialmente. Alí estão os quartéis-generais da Audi, BMW e Mercedes-Benz ao lado de suas mais de 200 marcas de cervejas. E uma das usinas-modelo da Bavária é justamente a MVA, situada em Ingolstadt, visitada pelo prefeito. Na Alemanha, a maioria das usinas é pública e não visa à lucratividade. Ela recebe cerca de 250 mil toneladas de lixo por ano, advindos de 1,1 milhão de pessoas de cinco municípios. Fundada em 1977, trabalha 364 dias por ano com 100 funcionários que se dividem em cinco turnos. Seus três incineradores queimam o lixo a uma temperatura que varia de 850 a 1.200 graus Celsius e, 60 minutos depois, geram 85 mil megawatts por hora de energia elétrica (capaz de abastecer 25 mil casas com quatro moradores cada por ano) e 125 mil megawatts por hora de água quente (abastecem 30 mil casas por ano). O restante dos resíduos da Bavária é convertido em energia - elétrica, vapor e água quente - que abastece residências e indústrias, a partir de um processo de incineração limpa.

Usina autossustentável Assim como as outras usinas de conversão de lixo da Bavária, a MVA é autosustentável, consumindo 4,5 megawatts por hora para funcionar. Na prática, isso significa que 25% de toda energia gerada a partir do lixo são reabsorvidos pela operação da usina. Todos os seus processos, da entrada do lixo ao encaminhamento da energia na rede pública, são automatizados. Todo lixo incinerado na MVA é aproveitado. Até mesmo a escória da caldeira, que é encaminhada para a construção civil, é utilizada para fazer asfalto. Cada tonelada de lixo incinerado resulta em 20% de escória. As usinas de conversão podem ser um negócio rentável, com retorno do investimento estimado em quatro ou cinco anos. A MVA abastece a rede elétrica com a energia que gera e entrega diretamente vapor a mais de uma centena de indústrias. Uma delas é a Audi, cuja sede e uma das plantas ficam em Ingolstadt. A montadora compra esse subproduto do lixo para aquecer a tinta pulverizada em cima das chapas dos carros.

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Energia Limpa ambientais no sentido de suspender temporariamente a tramitação na Câmara para ampliar o espaço de discussão com a sociedade antes. Agora vamos iniciar as consul-

tas à comunidade, declarou. Se formos verificar, a cidade hoje já conta com diversos geradores próprios –incluindo hospitais e outras instituições.

Adenir Brito/PMSJC

“Debate está aberto” Segundo André Miragaia, “o município precisa encontrar novas soluções para a destinação final do lixo, já que o Aterro Sanitário Municipal tem uma capacidade limitada de armazenamento. Estamos ampliando o aterro buscando ampliar sua vida útil por mais 12 anos mas isso é um tempo curto”, diz. O secretário enfatiza que “o município precisa começar a analisar outras alternativas. Com a criação da empresa, a Prefeitura acredita que o tempo de utilização do aterro poderá ultrapassar os 50 anos.” Miragaia entende que “não existe outra alternativa para o futuro do lixo de São José fora da criação de uma termelétrica.” Segundo ele, “não existe área disponível no município para ser utilizada como aterro sanitário e transportar o lixo para outras cidades vai gerar um custo de aproximadamente R$ 75 mil por dia aos cofres municipais.” O secretário destacou que o debate está aberto. “O prefeito atendeu organizações

Não há mais área disponível no município para ser utilizada como aterro sanitário, e a saída, segundo o prefeito, é a instalação de uma usina termelétrica no local

O ciclo combinado José Luz Silveira, pesquisador do CNPq e do Departamento de Energia da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), entende que muitos leigos falam sobre o tema sem nenhum subsídio técnico e/ou científico. Para ele, as termelétricas em ciclo combinado são o caminho natural para se combater crises energéticas. O cientista pesquisa energia renovável e sustentável, com projetos desenvolvidos em energia solar, biodigestores, energia de hidrogênio, conversão de fornos elétricos para gás natural, cogeração e célula de combustível. Ele entende que a geração de energia elétrica no Brasil sempre foi calcada em um parque predominantemente hidráulico, exigindo a diversificação imediata do parque gerador, quer seja pela incorporação de termelétricas utilizando o gás natural, quer seja com a implantação de sistemas de cogeração e incorporação de energias renováveis. Ele menciona a grande disparidade oferta/demanda. Desde 1995, quando do início do modelo de privatização do

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setor elétrico brasileiro, a oferta de eletricidade não acompanhou a demanda associada ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Pequenas unidades geradoras individuais, próximas ao centro de carga, outras que não a hidroeletricidade, mas usinas térmicas de geração combinada de energia são as saídas mais pesquisadas no mundo hoje ou já em operação desde a década de 80 (nota: aqui entram os investimentos da VSE). Apesar dos ganhos alcançados no rendimento térmico das turbinas a gás operando em ciclo simples, seu desempenho tem sido prejudicado pela perda de energia nos gases de exaustão. Entre outras tecnologias empregadas na recuperação dessa energia, destacam-

se as termelétricas a gás natural de ciclo combinado usando turbinas a gás e a vapor, associadas em uma única planta, ambas gerando energia elétrica a partir da queima do mesmo combustível. Tem-se, assim, uma combinação dos ciclos de turbinas a gás e turbinas a vapor, por meio de trocadores de calor, nos quais ocorre a geração de vapor, aproveitando-se a energia dos gases de exaustão da turbina a gás. O pesquisador diz que “a geração de eletricidade em termelétricas de ciclo combinado é uma das técnicas mais racionais, atingindo níveis de eficiência entre 54% e 64%. Esses níveis são dos mais altos disponíveis tecnicamente e comercialmente no mercado mundial, em caso de plantas termelétricas”.


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Cultura, Lazer & Arte

Conscientização em forma Lançamento da Ática, livro Fábrica de Brinquedos ensina a usar material reciclável como matéria-prima para diversão Rosane Araujo

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esde os 9 anos de idade, o araraquarense Ricardo Girotto usa o desenho para ilustrar histórias. Inicialmente, os roteiros eram produzidos pelo primo, Márcio Thamos, colunista de NEO MONDO. Passaram-se os anos, o jovem ilustrador cresceu e passou a voar mais alto. Formou-se em Publicidade e Propaganda e estreou como ilustrador profissional no Diário do Povo, de Campinas. Desde então, não parou mais. Ilustrou mais de uma centena de livros, entre eles toda a coleção do Castelo Rá Tim Bum e recebeu títulos, como o Troféu HQMix de ilustração infantil, oferecido pela Associação dos Cartunistas do Brasil. Sua mais recente empreitada, porém, alia diversão e conscientização ambiental. Fábrica de Brinquedos foi editado pela Ática e lançado durante a 21ª Bienal Internacional do Livro, realizada de 12 a 22 de agosto, no Pavilhão do Anhembi, na capital paulista. A obra ensina a fabricar 12 brinquedos inspirados em datas comemorativas, e os materiais utilizados em todos eles são os mais simples: caixa de sapato e pedaços de papelão viram um prédio de escola; embalagem de iogurte, uma tampinha de detergente e um rolinho de papel higiênico viram bilboquê; um pote de sorvete e tampas de achocolatado se convertem em um carrinho de mão. 72

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Ambiental

de brincadeira Além das instruções detalhadas para a confecção dos projetos, o livro traz ainda curiosidades e informações sobre personagens e datas importantes, como Carnaval, Dia Mundial da Água (22 de março), Dia do Trabalhador (1º de maio), Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho), entre outros. O conteúdo abre espaço para adoção da obra em escolas, já que pode ser utilizada como base para oficinas realizadas nas datas comemorativas citadas. E, claro, a mensagem ambiental é facilmente absorvida pelas crianças. “Além da preocupação com o reaproveitamento de materiais descartáveis, a ideia é atiçar a criatividade e ensinar como é que um monte de cacarecos e coisas aparentemente inúteis podem se transformar num brinquedo único, só seu. E depois que pegar o jeito, com certeza, inventar muitos e muitos outros”, afirmou o autor. Segundo ele, outra preocupação foi deixar o brinquedo mais resistente, para que não desmonte e acabe sendo descartado.

“Usei a técnica da papietagem, que consiste em colar papel sobre papel, para cobrir falhas e fixar os materiais utilizados”, explicou. As diversas camadas de papel e cola produzem uma estrutura resistente e uniforme, depois de seca. “A técnica era usada antigamente para fazer máscaras de festas e de teatro”, acrescentou. Segundo ele, o pintor francês George Braque, que viveu de 1882 a 1963, foi um dos primeiros artistas plásticos modernos a utilizar papéis colados em seus quadros. “O meu primeiro teste com a técnica foi em um boneco do Jô Soares, que participou do concurso de Piracicaba, em 2007”, revelou. Mesmo com a técnica aprovada, os projetos dos brinquedos passaram por testes práticos, como explicou Girotto em breve entrevista concedida a NEO MONDO. Na ocasião, ele também esclareceu como seu livro pretende cativar as crianças nascidas na era digital e falou sobre a participação do filho, Henrique, no livro. Confira a seguir.

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Autor autografa livro em Fábrica de Brinquedos, construída na escola Pueri Domus/Unidade Jardim, em Santo André

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Testes de brinquedos realizados na Editora Ática

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Cultura, Lazer & Arte Divulgação

explicar a construção de alguns desses brinquedos. As crianças gostaram. Viram que não era difícil. Só precisavam de paciência e às vezes, da ajuda dos pais, ou de algum outro adulto legal, o que tornava ainda mais gostosa a tarefa de construí-los. Vai ver que, hoje, as crianças não fazem seus próprios brinquedos porque ninguém teve paciência de mostrar a elas como criá-los. NEO MONDO: Você acha que mesmo as crianças de hoje, acostumadas com brinquedos eletrônicos e até virtuais, vão se divertir fazendo os brinquedos? Ricardo Girotto: Sim, com certeza! A grande maioria das crianças, e até de adultos, jamais vai deixar de gostar de brincar do modo convencional. E além do mais, qual é a porcentagem da população brasileira que possui computadores e jogos eletrônicos? E que tem dinheiro para comprar o mais simples dos brinquedos?

Publicações infantis são a expertise do autor de Fábrica de Brinquedos

NEO MONDO: Você criou todos os brinquedos que ensina a fazer? Como é o processo de criação? Ricardo Girotto: Sim, criei todos os brinquedos e fiz várias vezes cada um, para testar. Apresentei alguns temas para a Editora e o aprovado foi o de Datas Comemorativas. O processo de criação foi todo discutido com eles e incluiu uma fase com crianças testando as ideias em oficinas e uma equipe da editora ia anotando tudo o que acontecia, as dificuldades, as dúvidas etc. NEO MONDO: Como e quando surgiu a ideia do livro? Ricardo Girotto: Desde pequeno eu adorava pegar umas folhas de papel em branco e rabiscá-las com minhas canetas coloridas. E outra coisa que eu adorava fazer era brincar de inventar brinquedos, com objetos que eu encontrava. Isso é uma coisa de que eu sempre me lembro e tenho saudades. Foi por isso que, há alguns anos, pensei em mostrar como é que se fazem esses brinquedos. Para tentar matar a saudade daqueles que eu mesmo fazia. Num jornal de Campinas, para o qual eu fazia ilustrações, comecei a

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NEO MONDO: No site da fábrica de brinquedos (www.fabricadebrinquedos. com.br) você também ensina a fazê-los. É um complemento para o livro? Ricardo Girotto: Não necessariamente. No livro além dos brinquedos, você encontra dicas importantes e curiosidades que vão além dos brinquedos. NEO MONDO: E quanto às historinhas publicadas na “biblioteca” do site, você recebeu de leitores? As crianças costumam interagir no site? Ricardo Girotto: As primeiras historias “publicadas” no site, foram escritas pelo meu primo, o Márcio Thamos, depois os visitantes começaram a mandar sua histórias. Tem mais um lote que preciso colocar on-line. A maioria das histórias, não foram escritas por crianças, elas preferem mandar fotos, por isso criei a coluna de Amigos da Fábrica. NEO MONDO: Seu filho Henrique é um dos que escreveu nessa área do site. Como ele se relaciona com seus livros (participa, dá opinião ou apenas lê)? Ricardo Girotto: O Henrique é meu maior palpiteiro, cargo que foi da Victoria, minha filha mais velha. Ele participou de todo o projeto do livro, e adora fazer brinquedos e desenhar. As mãos dele estão em quase todas as fotos do livro, que são muitas.

NEO MONDO: É o primeiro livro que você publica pela Ática? Como está sendo trabalhar com uma empresa de grande porte? Ricardo Girotto: Como autor sim, mas já ilustrei vários livros para a Ática. O primeiro foi em 1990. Trabalhar com uma empresa de grande porte, é muito importante para um livro, pois permite uma maior divulgação, em todo território nacional. Já foram feitos vários lançamentos em escolas e shoppings. No final de outubro, fui para a Paraíba, visitar várias escolas e livrarias. NEO MONDO: Você está envolvido atualmente em algum novo projeto? Ricardo Girotto: O projeto que tenho há mais de 10 anos consiste em transformar o site em uma Fábrica de Brinquedos “ de verdade”. Com direito a crachá e cartão de ponto, onde o perfil educacional moverá todas as suas ações, onde o conteúdo informativo sempre será passado de forma lúdica e divertida, através da utilização de personagens. Serão esses personagens que ensinarão as crianças a construírem os brinquedos. E o próprio internauta mirim poderá escolher com qual deles irá navegar. Enquanto aprende a fazer o brinquedo, a criança receberá noções educacionais, de cidadania e meio ambiente. Divulgação

Teatro construído durante os testes e sua representação continda no livro


Márcio Thamos

Mitologia Clássica:

Júpiter

conquista o poder

Q

uando Júpiter nasceu, o mundo era dominado pelos Titãs, terríveis filhos do Céu e da Terra, deuses primitivos, da geração anterior aos deuses do Olimpo. Desde a concepção dos Titãs, Gaia, a Terra, andava descontente com o comportamento de Urano, o Céu. A obsessão de seu esposo e primogênito em cobri-la e fecundá-la ininterruptamente provocava em Gaia uma profunda irritação. Seus filhos não podiam deixar o ventre materno, Urano os impedia de sair pois, nunca dela se afastando, não abria espaço entre o Céu e a Terra. Detestando-os desde o nascimento, o pai assim prendia os próprios filhos nas entranhas da mãe. Tal situação levou a Terra a revoltar-se contra o Céu. E ela engendrou um plano impiedoso a fim de libertar seus filhos para o mundo, livrando-se ao mesmo tempo das dores insuportáveis a que era submetida. Saturno, o mais jovem dos Titãs, e o mais audacioso de todos, foi quem teve a ousadia de aceitar a proposta da mãe. Manejando sem hesitar a foice afiada que Gaia fabricara, num golpe impetuoso ceifou a virilidade de Urano. Um gemido profundo soou nos quatro cantos do mundo, e o Céu afinal afastou-se para o alto. Destronando assim o pai, Saturno tornou-se o grande soberano. Unindo-se a Reia, sua irmã, teve vários filhos. Porém, revelou-se tão opressor quanto Urano, e seu poder também haveria de ser contes-

tado. Tinha sido advertido pelos pais de que, embora fosse tão poderoso, seria subjugado por um de seus filhos, pois era esse o seu destino. Tentando impedir a confirmação do oráculo, a fim de conservar-se no poder, Saturno devorava os próprios filhos, um a um, nem bem eram dados à luz. Reia não aguentava mais sujeitar-se aos desmandos do marido e, quando estava para ter o seu caçula, ajudada por Gaia, decidiu enfrentar a tirania de Saturno. Retirando-se para a ilha de Creta, ela concebeu Júpiter e entregou ao pai cruel uma pedra enrolada em fraldas de bebê. Em sua ânsia voraz, Saturno engoliu a pedra e se sentiu seguro no trono. Mas, bem escondido em uma gruta, o menino destinado a governar o mundo crescia criado pelas ninfas, divindades ligadas à natureza. Alimentando-se com mel de abelhas e leite de cabra, tornou-se um jovem esperto e robusto e em breve estava pronto para acertar as contas com o rei feroz. Disposto a tomar o lugar de Saturno e fazer-se o soberano do universo, Júpiter foi aconselhar-se com Métis, a Prudência, que lhe deu um remédio para o despotismo do pai. Enganado por Gaia, Saturno bebeu a droga e logo expeliu pela boca não só a pedra mas também, em sequência inversa, os cinco filhos e filhas que havia devorado. Agora o caçula de Reia não estava mais sozinho, podia contar com a força de seus irmãos. Inicia-se assim uma guerra de dez longos anos entre os Olímpicos e os Titãs,

uma guerra de deuses e gigantes. A violência das batalhas que então se deram ameaçava lançar de volta o mundo ao estado de Caos primordial. Os abalos eram constantes e o desfecho incerto. Mas Júpiter teve também habilidade para conseguir aliados poderosos. Libertou os Ciclopes e os CemBraços do cárcere profundo em que tinham sido encerrados pelo irmão Saturno. Por gratidão a esse favor, os Olímpicos receberam dos tios paternos as armas que desequilibraram a luta e garantiram a vitória sobre os Titãs. Plutão ganhou o capacete que lhe garante a invisibilidade, Netuno, o temível tridente com que agita o mar e as terras, e Júpiter recebeu o raio, o relâmpago e o trovão, que o tornam invencível diante de qualquer inimigo. Após o triunfo conquistado, os três irmãos repartiram entre si o domínio do mundo, cabendo a Júpiter o poder supremo. Uma nova ordem se firmava no universo.

Doutor em Estudos Literários. Professor de Língua e Literatura Latinas junto ao Departamento de Linguística da UNESP-FCL/CAr, credenciado no Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da mesma instituição. Coordenador do Grupo de Pesquisa LINCEU – Visões da Antiguidade Clássica. E-mail: marciothamos@uol.com.br Neo Mondo - Dezembro 2010

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w

Coisas que eu vi

Eu vi nascer

Tambaba

Nudismo para TV consegue mudar a história da praia

E

u vi nascer a primeira praia de nudismo do Nordeste e que hoje é a maior atração turística da Paraíba. Mais do que isso, o acaso me levou a ser o principal protagonista do seu nascimento em Conde, uma cidade litorânea localizada a pouco mais de 15 quilômetros de João Pessoa. Foi assim que Tambaba nasceu para o naturismo: Eu estava gravando em João Pessoa o programa Isto é Brasil para o SBT – Sistema Brasileiro de Televisão. Meu foco principal eram as praias da capital paraibana, nesse lindíssimo litoral que vai do porto de Cabedelo até a ponta do Seixas, na praia de Cabo Branco, que é o ponto extremo leste do Brasil. Durante as filmagens, numa parada que fiz para o descanso e para comer uma caranguejada numa daquelas barracas localizadas em frente ao Hotel Tambaú, fui abordado pelo então prefeito de Conde, Aluisio Regis, que por sinal é nesse momento prefeito da cidade pela quarta vez. Ele me veio fazer um apelo para que eu incluísse sua cidade no roteiro do programa. E apesar da sua insistência disse-lhe que havia um planejamento e que não poderia fugir dele a não ser que um fato excepcional justificasse a mudança no rumo da produção das filmagens. Ele queria saber o que seria esse fato excepcional, qual a dimensão dessa excepcionalidade e eu lhe disse de pronto: “Só 76

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posso incluir sua cidade se, por exemplo, lá tivesse uma praia de nudismo”. Falei isso quase que para me descartar do insistente e incômodo prefeito, até porque sabia que esse era um fato fora de cogitação. Mas o prefeito não se fez de rogado e sapecou: “Pois nós temos uma praia com muita vocação para o nudismo”. – Vocação não basta, senhor prefeito. Quero saber se eu vou encontrar nessa tal praia pessoas praticando nudismo. – Sim senhor – disse Aluisio Regis. É a praia de Tambaba. Se o senhor for amanhã pela manhã vai encontrar muitas mulheres bonitas banhando-se no sol ou nas águas da praia de Tambaba, do mesmo jeito que elas vieram ao mundo. Fiquei surpreso e desconfiado, mas o prefeito garantiu e confirmou a existência dessa praia de nudismo, e com essa garantia do prefeito Aluisio Regis comecei a me interessar pelo trabalho e programei junto com minha produção as filmagens na cidade de Conde, na praia de Tambaba. E no dia seguinte partimos em direção ao nosso objetivo. Passamos por estradas íngremes e sinuosas e não muito confortáveis, mas com paisagens incríveis de uma natureza arrebatadora, até chegarmos ao destino. É uma praia muito bonita cheia de falésias, com pedras ornamentando o cenário. E a nossa surpresa maior foi a real presença de mulheres nuas desfilando nesse

verdadeiro paraíso. De vinte a trinta mulheres banhando-se despidas no generoso sol da Paraíba e se aconchegando às ondas daquela exuberante praia. Um quadro de encher os olhos ávidos e curiosos de toda a equipe de filmagem do SBT. No primeiro momento estranhamos que “essa praia de nudismo” só estava sendo frequentada por mulheres e que nos seus corpos havia marcas de biquínis. Não vi um homem sequer naquele local, mas as mulheres estavam lá conforme garantiu o prefeito e nossa vontade de dar um furo de reportagem suplantou naquele instante qualquer motivo eventual de desconfiança. A verdade eu vim descobrir mais tarde. É que o matreiro prefeito contratara uma equipe de modelos em Recife e colocou as moças na praia emoldurando com elas o cenário ideal para a prática do naturismo. Colhemos todas as cenas e voltamos a João Pessoa com a certeza da missão cumprida. Imagens fantásticas para enriquecer o programa Isto é Brasil, cujo tema era abordagem ao seu lindo litoral. O nudismo da Praia de Tambaba entrou em cena. Quando chegamos à capital paraibana começaram as encrencas. Mal chegamos ao Hotel Tambaú, e um sem-número de recados me aguardava. Desde o padre José Coutinho ao delegado de Polícia, o Juiz de Direito e por fim o governador Ivan Buriti, que entre assoberbado e


Foto: Marcia Rosa

Humberto Mesquita

curioso foi logo me perguntando ao telefone: - Mas Humberto. É verdade que você fez um filme pornográfico na cidade do Conde, aqui na Paraíba? – Não, governador. Gravei cenas de uma praia de nudismo, sem qualquer preocupação com sensacionalismo. – Mas aqui na Paraíba não tem praia de nudismo, retrucou Buriti. – Tem sim, governador. É a praia de Tambaba. Se o senhor quiser eu mostrarei as imagens gravadas para o senhor ter certeza. E o governador nos pediu para que levássemos o material no Palácio da Redenção. Ao desligar o telefone procurei comunicar-me com o prefeito Aluisio Regis e expliquei tudo o que estava acontecendo, toda a repercussão do nosso trabalho e a pressão que eles estavam exercendo para que eu não pudesse mostrar aquelas cenas na televisão. O prefeito me perguntou: “O que é que eu posso fazer?”. Perguntei se ele tinha maioria na Câmara Municipal, e com a resposta afirmativa dele eu sugeri que ele convocasse os vereadores e aprovasse imediatamente um decreto-lei da criação da praia de nudismo de Tambaba. E foi assim que aconteceu. Pela vontade unânime dos senhores vereadores de Conde surgiu o Decreto-Lei 276 que criava a primeira praia de nudismo do Nordeste, que depois passou por toda uma regulamentação

transformando-a hoje numa das maiores atrações turísticas do Nordeste brasileiro e, porque não dizer, do Brasil. E depois, quando levamos as cenas tomadas na praia de Tambaba para o governador Tarcisio Buriti, ele exclamou assustado e feliz: “Agora sei que existe a praia porque recebi a notícia da boca do prefeito Aluisio Regis”. E arrematou: “Vocês jornalistas!!!”. E o SBT deu o furo. Com nudismo da Praia de Tambaba no programa Isto é Brasil. Tambaba hoje Tambaba é oficialmente uma praia de naturismo e quem quiser fazer essa pratica deve respeitar seu Código de Ética: - Na faixa da praia destinada à pratica do naturismo, só é permitida a entrada de grupos familiares, sendo vedada a entrada de homens desacompanhados. – O nudismo é opcional. Não é obrigado a ficar nu, porque existe também a área dos “vestidos”. – É proibido ter comportamento sexualmente ostensivo ou praticar atos de caráter sexual ou obscenos. – Não é permitido fotografar, filmar outros naturistas, sem a permissão dos mesmos. – As pessoas que frequentam esse espaço não devem se portar de maneira desrespeitosa ou discriminatória perante

outros naturistas ou visitantes. É inaceitável provocar danos à flora e à fauna ou à imagem do naturismo. – É proibido satisfazer necessidades fisiológicas em áreas impróprias. – É proibido exceder-se na ingestão de bebidas alcoólicas causando constrangimento a outros naturistas. Seguindo essas regras você pode utilizar Tambaba, a primeira praia naturista do Nordeste, esse paraíso natural cercado de pedras formando um conjunto harmônico que encanta os olhos mais exigentes. Ela tem 600 metros de extensão e falácias que alcançam até 20 metros de altura. Sua configuração geográfica com encostas de grandes barreiras permite uma proteção natural contra olhares curiosos, facilitando o bem-estar de quem a frequenta. No auge do verão entre novembro e março, a praia é invadida por naturistas do mundo inteiro. A regra principal de Tambaba é a pessoa incorporar o espírito do naturismo, ficar à vontade e não se preocupar com a vida e o corpo dos outros.

Jornalista, Escritor e Editorialista. Apresentador de TV e Rádio. Neo Mondo - Dezembro 2010

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Dilma de Melo Silva

A Coivara –

processo indígena para o desmatamento

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entre as inúmeras heranças recebidas da matriz indígena para a formação da Cultura Brasileira, uma delas é a coivara, uma técnica tradicional de povos autóctones, absorvida posteriormente pelos brancos, de derrubar o mato e queimá-lo para fazer a roça. Quando se faz o desmatamento, retirase a madeira que será aproveitada e, juntase tudo o que não se usará em um só lugar. Quando a área é muito grande o procedimento é o seguinte: amontoa-se em linhas paralelas, ao secar as folhas e galhos, depois lança-se o fogo na, então chamada, coivara. No solo são deixados os troncos carbonizados impossíveis de ser removidos, entre os quais as plantas serão semeadas. Como vemos, trata-se de técnica milenar utilizada pelos povos originários em nosso país, para obterem área propícia para o plantio. Em comunidades com poucos recursos tecnológicos, a queimada, embora brutal e simplista, também fora usada na Europa mediterrânea e pelos colonos ingleses na América do Norte, que praticavam a chamada “lavoura dos pioneiros”, conforme escreve Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala.

Contudo, na atualidade, devemos rever essa herança e entendê-la dentro das circunstâncias histórico-culturais de seu surgimento. Com a avanço das tecnologias para o setor agrário existem outros recursos menos predatórios. Numa busca para a solução dos problemas atuais ligados ao meio ambiente, deveríamos pesquisar mais profundamente o conhecimento indígena do modo pelo qual manejam e dominam o ecossistema. Para tais populações há uma conjunção entre vida vegetal, animal e humana para as quais desenvolveram saberes ligados à etnobotânica, etnozoologia. Alguns pesquisadores como Posey (1986) apontam para esses conhecimentos: “O manejo de campos e cerrados pelo índios é praticamente desconhecido na literatura à exceção do longo debate sobre os efeitos do fogo da formação da savana ... para os índios,a exemplo dos Kayapó, a diversidade ecológica das savanas não constitui nenhuma surpresa. Sabem perfeitamente que ciclo anual das chuvas e secas fornece grande abundância de recursos naturais”. Atualmente inúmeros outros trabalhos descrevem e valorizam o saber acu-

mulado por esses povos que reconhecem a diversidade ecológica (diversidade dos ecossistemas) e a diversidade biológica (fauna e flora). Muitos deles insistem no reconhecimento da contribuição das sociedades tradicionais na ampliação e manutenção dessa diversidade.

Referências POSEY, Darrell A. Manejo da floresta secundária, capoeiras, campos e serrados Kayapó in Suma Etnológica Brasileira,vol.I. RJ: Vozes,198

Professora doutora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, socióloga pela FFLCH\USP, mestre pela Universidade de Uppsala, Suécia, e Professora convidada para ministrar aulas sobre Cultura Brasileira na Universidade de Estudos Estrangeiros, no Japão, em Kyoto. E-mail: disil@usp.br Neo Mondo - Dezembro 2010

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