Neomondo 25

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Edição Especial

NeoMondo

www.neomondo.org.br

um olhar consciente

Ano 3 - Nº 25 - Agosto 2009 - Distribuição Gratuita

Diversidade Gilberto Freyre

Índio

“Um Pensador “

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Identidade Cultural

Terra, respeito e vida

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Espelho de um povo


O Governo de São Paulo está fazendo a maior obra viária do país. O Rodoanel. Nossa preocupação com o ideia, somente no Trecho Sul 2,5 milhões de mudas de espécies nativas da Mata Atlântica serão replantadas, em parques e unidades de conservação. Além disso, os mananciais das represas Billings e Guarapiranga ganharam mata terão segurança e proteção graças aos cuidados que estão sendo tomados, como a criação de túneis de

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Neo Mondo - Maio 2008


meio ambiente também é muito grande. Para se ter uma mais de 1.000 hectares de terra. Serão criados 8 novos monitoramento em tempo real, e os animais que vivem na

Lua Branca

passagem que permitem sua locomoção por toda a área.

Uma obra gerenciada pela Dersa. Neo Mondo - Maio 2008 3


01 à 04 de Se

Das 09h00

Centro de Conven

Rua Frei Caneca, 569 - Co

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a

Feira Internacional para Intercâmbio das Boas Práticas Socioambientais

O Melhor da sus

as p s a por aq e d a d i l i b a ui tent

A MAIOR CONCENTRAÇÃO DE ESPECIALISTAS E LIDERANÇAS ATUANTES EM SUSTENTABILIDADE 2 POR M DO PAÍS

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Neo Mondo - Maio 2008


etembro 2009

0 às 20h30

nções Frei Caneca

onsolação - São Paulo/SP

Programação: 01 à 04/09/2009 - 2ª FIBoPS SEMINÁRIOS

Intercâmbio de Cases

Painéis Temáticos

Temas Técnicos Gerenciais

Dias Temáticos Dia da Saúde Sustentável

Dia Arquitetura & Costrução Sustentável

Dia Ecomídia

Dia Benchmarking, Compartilhar para Crescer

Mais informações: www.fibops.com.br

Evento Aberto e Gratuíto. Participe.

Realização:

Fotos da 1ª FIBoPS

Neo Mondo - Maio 2008

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Seções 12Especial - Diversidade cultural 12 Saltos demográficos do País Expectativa de vida do brasileiro e processo de urbanização são características marcantes

Perfil 08 Gilberto Freyre, um pensador do “ser brasileiro” Autor de “Casa- grande & Senzala” é reconhecido mundialmente pelo pioneirismo dos estudos da cultura brasileira

16 Dia de índio é sempre Convidamos você a entrar nessa floresta e ficar sabendo de uma ponta a outra do país sobre o orgulho de um povo

Artigo: Pobreza, Analfabetismo, Exclusão e Doenças Um quadro alarmante, fatores que marcam o envelhecimento na América Latina

Quilombo, sim! Fique por dentro da agenda social quilombola e do plano nacional de promoção da igualdade racial, no palácio do planalto, em Brasília

20 27 Artigo – Diversidade Cultural Modelo de desenvolvimento excludente e os meios de comunicação

28 Compromisso com a diversidade Estado fixa as bases que norteiam relacionamento com povos e comunidades tradicionais

34 Identidade cultural expressa em palavras A formação do português brasileiro, suas influências e seu papel como espelho da diversidade cultural

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24 32 Artigo: Uma língua latina com certeza A língua materna é muito mais do que um instrumento de comunicação.

Diversidade cultural resguardada Para garantir a preservação do patrimônio cultural brasileiro, surgem novas propostas e mecanismos

42 Artigo: Meio ambiente cultural no Brasil Reflexos da identidade de um povo

44 O Fator imigração A entrada de imigrantes no brasil e seus impactos na cultura brasileira

biomas -Caatinga

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As diversas faces do semi-árido nordestino Visto como um tipo de vegetação pobre e como uma fronteira, o bioma abriga uma das maiores biodiversidades brasileiras

48 Artigo: Gestão com sutentabilidade socioambiental Qual a responsabilidade dos produtores e dos consumidores para a produção e consumo de bens e de serviços em bases ecologicamente apropriadas?

54 Artigo: Bicho Mãe Que bicho é esse?

Expediente Diretor Responsável: Oscar Lopes Luiz Diretor de Redação: Gabriel Arcanjo Nogueira (MTB 16.586) Conselho Editorial: Oscar Lopes Luiz, Takashi Yamauchi, Marcio Thamos, Terence Trennepohl, João Carlos Mucciacito, Luciana Stocco de Mergulhão, Daniela Durante, Denise de La Corte Bacci, Dilma de Melo Silva, Natascha Trennepohl e Rosane Magaly Martins Redação: Gabriel Arcanjo Nogueira (MTB 16.586), Rosane Araújo (MTB 38.300) e Sandra Regian do Nascimento Santos (MTB 21.028) Estagiário: Caio César de Miranda Martins Revisão: Instituto Neo Mondo Diretora de Arte: Renata Ariane Rosa Projeto Gráfico: Instituto Neo Mondo Diretor Jurídico: Dr.Erick Rodrigues Ferreira de Melo e Silva Informações sobre a Foto da Capa: Criança indígena da Etnia Kuikuro Nome: Lilika Kuikuro 6

Neo Mondo - Agosto 2009

Publicação Nome dos Pais: Aunú Kuikuro e Akuku Kuikuro Local da Foto: Juquitiba (Intercâmbio Cultural com a Toca da Raposa mês 04/2007) Data: 01/04/2007 Fotógrafa: Rita Barreto (a fotógrafa não cobrou honorários pela foto)

Correspondência: Instituto Neo Mondo Rua Primo Bruno Pezzolo, 86 - Casa 1 Vila Floresta - Santo André – SP Cep: 09050-120 Para falar com a Neo Mondo: assinatura@neomondo.org.br redacao@neomondo.org.br trabalheconosco@neomondo.org.br Para anunciar: comercial@neomondo.org.br Tel. (11) 4994-1690 Presidente do Instituto Neo Mondo: oscar@neomondo.org.br

A Revista Neo Mondo é uma publicação do Instituto Neo Mondo, CNPJ 08.806.545/000100, reconhecido como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), pelo Ministério da Justiça – processo MJ nº 08071.018087/2007-24. Tiragem mensal de 50 mil exemplares com distribuição nacional gratuita e assinaturas. Os artigos e informes publicitários não representam necessariamente a posição da revista e são de total responsabilidade de seus autores. Proibido reproduzir o conteúdo desta revista sem prévia autorização.


Editorial

A

“Declaração universal sobre a diversidade cultural”, adotada pela UNESCO, em 2001, a fim de estimular o diálogo entre os povos e o desenvolvimento harmonioso de todas as nações, reconhece a diversidade cultural como o patrimônio comum da humanidade, proclamando, entre outros, os seguintes princípios:

“Fonte de intercâmbios, de inovação e de criatividade, a diversidade cultural é, para o gênero humano, tão necessária como a diversidade biológica para a natureza” (Artigo 1). “As políticas que favoreçam a inclusão e a participação de todos os cidadãos garantem a coesão social, a vitalidade da sociedade civil e a paz” (Artigo 2). “A diversidade cultural amplia as possibilidades de escolha que se oferecem a todos; é uma das fontes do desenvolvimento, entendido não somente em termos de crescimento econômico, mas também como meio de acesso a uma existência intelectual, afetiva, moral e espiritual satisfatória” (Artigo 3). “As forças do mercado, por si sós, não podem garantir a preservação e promoção da diversidade cultural, condição de um desenvolvimento humano sustentável. Desse ponto de vista, convém fortalecer a função primordial das políticas públicas, em parceria com o setor privado e a sociedade civil” (Artigo 11). Pensando na importância de aprofundar o debate a respeito desse assunto entre nós, a equipe Neo Mondo preparou esta publicação especial sobre a diversidade cultural brasileira, cuja riqueza é hoje reconhecida e valorizada em todo o mundo.

Inaugurado em 2006, o Museu da Língua Portuguesa, localizado na Estação da Luz, em São Paulo, consolidou-se como um dos museus mais visitados do Brasil e da América do Sul. Apresentamos o trabalho ali realizado, discutindo o surgimento e a importância do português brasileiro. Na investigação da Identidade Cultural do brasileiro, mostramos as diversas etnias que compõem nossa nação e como está o nível de consciência da sociedade sobre o assunto. Renomados especialistas nos ajudam na tarefa de entender o que representam alguns dados estatísticos, como índices de fecundidade, natalidade, e urbanização. Ainda nesse tema, fomos atrás das comunidades quilombolas da região do Vale do Ribeira, no interior do Estado de São Paulo, para desvendar a cultura desses grupos. Entre os diferentes povos que formam esta nação, os indígenas ganham importância crescente. Procuramos esclarecer o que é mito e o que é realidade, como funcionam os órgãos oficiais de defesa, e como está a organização dessa gente, com destaque para os Yanomamis. Em outra matéria, abordamos a PNCT – Política Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, criada em 2007. Mostramos a importância desse mecanismo e o que ele representa para o país, discutindo sua viabilidade e necessidade de aprimoramento. Nesta edição da Revista Neo Mondo, como convém ao próprio tema, a questão da diversidade cultural brasileira é desenvolvida em seus vários aspectos e analisada sob diferentes pontos de vista. Boa leitura!

Márcio Thamos é Colunista e Conselheiro da Revista Neo Mondo

Instituto

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Perfil

Divulgação

Autor de “Casa-grande & Senzala” é reconhecido mundialmente pelo pioneirismo dos estudos da cultura brasileira Rosane Araujo

E

m 2010, completarão 110 anos de nascimento de um dos primeiros intelectuais a discutir o “ser brasileiro”: Gilberto Freyre. Nascido em Recife, Pernambuco, em 15 de março de 1900, formou-se bacharel em Ciências e Letras e posteriormente mestre em Ciências Sociais pela Columbia University de Nova Iorque, realizando doutorado em diversas instituições no decorrer da carreira. Sua principal obra foi publicada em 1933: “Casa-grande & Senzala”, livro que revolucionou a intelectualidade da época ao apresentar novos conceitos sobre a formação da sociedade brasileira, considerando a mistura de “três raças”: índios, africanos e portugueses. Durante o período de estudos na universidade americana, Freyre teve contato com o antropólogo Franz Boas, que viria a ser a principal referência na elaboração de uma linha de pensamento que diferenciava raça e cultura, separava herança cultural de herança étnica e considerava o conceito antropológico de cultura como o conjunto dos costumes, hábitos e crenças do povo brasileiro. Hoje, mesmo tendo aspectos de sua obra criticados (veja abaixo), Gilberto 8

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Ficha

Gilberto de Mello Freyre Nasceu no Recife, Pernambuco, em 15 de março de 1900, filho do Dr. Alfredo Freyre - educador, Juiz de Direito e catedrático de Economia Política da Faculdade de Direito do Recife - e Francisca de Mello Freyre. Sociólogo, antropólogo, escritor, pioneiro da Antropologia Cultural Moderna Brasileira com a obra “Casa-grande & Senzala”.

Foi doutor pelas Universidades de Paris (Sorbonne), Colúmbia (EUA), Coimbra (Portugal), Sussex (Inglaterra) e Münster (Alemanha). Em 1971, a Rainha Elizabeth lhe conferiu o título de Sir (Cavaleiro do Império Britânico).

Todo brasileiro traz na alma e no corpo a sombra do indígena ou do negro

Obras: Casa-Grande & Senzala, 1933.

Sobrados e Mucambos, 1936. Nordeste: Aspectos da Influência da Cana Sobre a Vida e a Paisagem..., 1937. Assucar, 1939. Olinda, 1939. O mundo que o português criou, 1940.

Freyre ainda inspira estudos e conquista admiradores. Ele foi tema de exposição majestosa no Museu da Língua Portuguesa, entre novembro de 2007 e maio de 2008, que reuniu acervo da Fundação que leva seu nome, criada meses antes de sua morte, ocorrida em 18 de julho de 1987. E, no ano passado, foi tema do livro “Gilberto Freyre-Social theory in the tropics”, lançado pelo conhecido historiador da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, Peter Burke e sua mulher, a brasileira Maria Lúcia Garcia Palhares Burke, do Centro de Estudos Latino-americanos da mesma universidade. A obra situa-o em seu contexto cultural e político, sem ocultar as críticas, mas reconhecendo também suas enormes contribuições à compreensão da sociedade brasileira. Mas, afinal, quais são essas contribuições? Certamente são muitas, mas destacase, no aspecto da historiografia, a maneira inovadora de considerar a história, não por meio de grandes feitos, mas sim pela análise da vida cotidiana, incluindo-se aí relatos orais e documentos manuscritos. Teria sido ele, então, um dos primeiros a pensar em “patrimônio imaterial”?

Muitos acreditam que sim. “Ele foi o precursor do conceito de patrimônio imaterial, conceito este que se concretizou com enorme sucesso”, afirmou Antonio Carlos Sartini, superintendente-executivo do Museu da Língua Portuguesa, no site da Fundação Gilberto Freyre. Outra contribuição da obra de Freyre foi a tentativa de desmistificar a noção de determinação racial na formação de um povo, apontando a miscigenação conferida no país como elemento positivo. Em “Casa-Grande”, o papel de índios e negros na formação do povo brasileiro é valorizada de forma praticamente inédita. Autor não é unanimidade Mesmo tendo alcançado sucesso dentro e fora do país, as ideias defendidas por Gilberto Freyre não são unanimidade. Membro da classe dominante pernambucana (o pai era juiz de Direito e catedrático de Economia política da Faculdade de Direito do Recife, e o avô senhor de engenho), é por vezes acusado de manter postura elitista, mostrando-se benevolente com a escravidão, na qual via consequências positivas do

A história de um engenheiro francês no Brasil,1941. Problemas brasileiros de antropologia, 1943. Sociologia, 1945. Interpretação do Brasil, 1947. Ingleses no Brasil, 1948. Ordem e Progresso, 1957. O Recife sim, Recife não, 1960. Vida social no Brasil nos meados do século XIX, (1964). Brasis, Brasil e Brasília, 1968. O brasileiro entre os outros hispanos, 1975. Influências Franz Boas (18598-1942) – crítico feroz dos determinismos biológicos e geográficos. Apontava que cada cultura é uma unidade integrada, fruto de um desenvolvimento histórico peculiar. Dentre suas obras principais, destacam-se: “The Mind of Primitive Man”, 1938 (A Mente do Homem Primitivo), e “Race, Language and Culture”, 1940 (Raça, Linguagem e Cultura).

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Perfil

ponto de vista cultural, no contato de brancos e negros. Apesar do termo nunca ter aparecido em sua obra, seus estudos foram interpretados como defensores da miscigenação como mecanismo desencadeador da “democracia racial”. Outros estudiosos da época, porém, refutavam esta ideia, ressaltando a injustiça e violência do regime escravista, no qual não vinham qualquer ponto positivo. Era o caso do sociólogo paulista Florestan Fernandes. No ponto de vista defendido por Florestan, não há igualdade racial no Brasil e a miscigenação é um mecanismo, não de ascensão social para negros e mulatos, mas, ao contrário, que promove a hegemonia da raça dominante. O embate de ideias dava-se porque, enquanto Freyre baseava-se na escola culturalista da antropologia de Franz Boas, Florestan utilizava o método histórico dialético de Karl Marx. A discussão continua, mas não diminui a importância do legado de Gilberto Freyre, ainda considerado um dos melhores “intérpretes do Brasil”.

Casa-Grande & Senzala foi a resposta à seguinte indagação que eu fazia a mim próprio: o que é ser brasileiro? E a minha principal fonte de informação fui eu próprio, o que eu era como brasileiro, como eu respondia a certos estímulos. Gilberto Freyre

Depoimentos

“E então apareceu Casa-Grande & Senzala. Saíamos do terreno da ficção, da pura criação literária, agora abria-se um nôvo caminho para o estudo, para a ciência. Foi uma explosão, um fato nôvo, alguma coisa como ainda não possuíamos e houve de imediato uma consciência de que crescêramos e estávamos mais capazes. Quem não viveu aquêle tempo não pode realmente imaginar sua beleza. Como um deslumbramento. Assisti e participei dêsses acontecimentos, posso dar testemunho. O livro de Gilberto, foi fundamental para tôda a transformação sofrida no país, verdadeira alavanca. O abalo produzido na opinião pública por CasaGrande & Senzala foi decisivo. Uma época começava no Brasil, o aparecimento de tal livro era a melhor das provas”. Jorge Amado

“Felizmente o Brasil futuro não vai ser o que os velhos historiadores disseram e os de hoje repetem. Vai ser o que Gilberto Freyre disser. A grande vingança dos gênios é essa”. Monteiro Lobato

“O que o Brasil e os brasileiros devem a Gilberto Freyre poderia ser definido como tomada de consciência histórica. Através da interpretação gilbertiana, o Brasil ‘reconhece-se’ e foi ‘reconhecido’ pelo mundo, o que é, por sua vez, um fato decisivo, uma data na história brasileira”. Gilberto Freyre com a amiga Rachel de Queirós Fonte: Foto de Arquivo pessoal, da família Aguiar Autor: Eduardo Adonias Aguiar 10

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Otto Maria Carpeaux Fonte: Biblioteca Virtual – Fundação Gilberto Freyre http://bvgf.fgf.org.br/


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Especial - Diversidade Cultural

Expectativa de vida do brasileiro e processo de urbanização são características marcantes Gabriel Arcanjo Nogueira

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correta percepção da diversidade cultural brasileira passa pelo conhecimento da evolução demográfica do País. Se é comum referir-se ao Brasil como um continente, de várias nações numa só, importa, porém, saber que população nele habita. Estudo da professora doutora Elza Salvatori Berquó, publicado no Almanaque Brasil Socioambiental, é esclarecedor nesse sentido. Fundadora e coordenadora da Área de População e Sociedade - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), fundadora e coordenadora do Programa de Saúde Reprodutiva e Sexualidade - Núcleo de Estudos de População (Nepo), da Unicamp, Elza Berquó aponta características marcantes de nossa gente, tiradas da sua análise dos censos dos últimos 60 anos. Entre outras, o que chama de transições nos níveis e tendências da mortalidade e da natalidade, de 1940 a 2000; e a urbanização crescente, acentuada na década de 1991 a 2000. “Nos últimos 60 anos, as mulheres no Brasil reduziram sua prole, em mé-

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dia, em 4 filhos, enquanto houve um ganho de 30 anos, em média, na expectativa de vida ao nascer dos brasileiros”, diz. Já na década em que se realizou o último censo, “o País teve aumentado seu grau de urbanização, com 81,2% de sua população vivendo em cidades, em comparação com os 75,6% correspondentes a 1991. Situação que contrasta com aquela registrada em 1940, quando 69% da população do País vivia em áreas rurais”, lembra. O que dá a dimensão do salto, quando se trata da urbanização nos últimos 60 anos. Urbanos ou não, os brasileiros, de acordo com o censo de 2000, se definem como maioria branca (54,6% da população do País), com apenas 6,3% reconhecendo-se de cor preta, 39% considerando-se pardos, 0,4% amarelos e 0,4% indígenas. Esta última categoria não era apurada, no critério de autoidentificação, em censos anteriores, o que foi feito apenas nos últimos dois levantamentos: 1991 e 2000 (leia matéria sobre Povos Indígenas nesta edição).

Mudança na pirâmide Dois outros aspectos são destacados por Elza Berquó em sua análise. Em regiões urbanas, existem mais mulheres do que homens, enquanto, nas rurais, predominam os homens. Fenômeno que, segundo ela, é explicado pelas migrações internas e diferenciais em níveis de mortalidade. Além disso, apesar de caracterizado como um país de população jovem, a especialista detecta um aumento da importância relativa de idosos nos últimos dois censos: eram 7,1 milhões em 1991 e passaram a 9,8 milhões em 2000. A especialista explica que “as transições nos níveis de tendências da mortalidade e da fecundidade afetaram diretamente e de forma significativa a estrutura etária da população”. O que fica evidente no que chama de pirâmide etária: a de 2000 é mais uniforme e de base reduzida, característica de regimes com grande redução na fecundidade. Ao contrário das anteriores, própria de regimes demográficos com altas taxas de fecundidade e de mortalidade, com base larga e de forma triangular.


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Especial - Diversidade Cultural

Divulgação

Elza, do Cebrap e da Unicamp: estudo ajuda a entender a evolução demográfica

Colonizados e colonizadores A presidente do Instituto Socioambiental (ISA), do qual é sócia fundadora, Neide Esterci, considera que, nesse contexto, “somos uma nação multiétnica - fruto de um processo violento de colonização que dominou e quase exterminou por completo os povos que aqui existiam como nações independentes. Temos, hoje, colonizados e colonizadores, um só Estado, um território e uma língua oficial. Felizmente, muitos povos sobreviveram e tiveram força e apoio de

aliados para reivindicar direitos baseados na sua especificidade, de modo que, dentro do território nacional, há outros territórios e muitas outras línguas”. Doutora em antropologia e pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Neide esclarece porque é mais correto falar-se em etnias, e não raças. Ela lembra que a noção de raça tem a ver com as tentativas de estabelecer diferenças fundadas em características físicas e biológicas. O que embutia o conceito de que uma hierarquia poderia ser estabelecida entre raças tidas como naturalmente mais e menos dotadas. “Idéia que não merece mais crédito. Pensadores mundialmente reconhecidos se insurgiram contra essas noções e, depois da tragédia da Segunda Guerra e das consequências das ideologias nazi-fascistas, organismos internacionais, como a ONU, recusaram explicitamente essas idéias”, assegura. Percepção positiva Com pesquisas e trabalhos publicados sobre conflito de terra, trabalho escravo, projetos comunitários na área rural e textos sobre unidades de conservação, Neide é didática quando fala do nível de consciência do brasileiro sobre o que é ser cidadão em meio a essa diversidade toda. Seríamos vários povos num só?

Feita a ressalva de que não possui pesquisas nem dados estatísticos nos quais basear qualquer generalização, ela recorre ao que chama de manifestações de uma percepção positiva com relação à nossa diversidade. E cita dois exemplos, vindos de uma esfera da vida social que já foi usada na tentativa de demonstrar a superioridade da “raça branca” - os esportes. A antropóloga cita: “Ao final dos jogos Pan-Americanos no Rio, um repórter entrevistava uma das campeãs - uma lourinha vinda do Sul do País, e perguntou sobre o que ela achava dos efeitos da nossa diversidade nos jogos. A pergunta já se expressava num tom positivo, e a resposta foi uma manifestação de orgulho por fazer parte dessa diversidade. Algo semelhante aconteceu ao final dos jogos da Liga das Nações. Ao entrevistar as jogadoras da Seleção Brasileira de Vôlei, vencedora dos jogos, o comentarista destacou, positivamente, a diversidade de tipos biológicos”. E conclui: “Podemos considerar, a partir desses exemplos, que continuamos a pensar a cor da pele, a textura dos cabelos e outros caracteres físicos como diferenciadores. Mas as duas manifestações expressam formas de lidar positivamente com a nossa diversidade, valorizando-a em termos de identidade e autoestima nacionais”.

Pirâmide etária da população residente – Brasil

Homens

Mulheres

2000 80 a + 70-74 60-64 50-54 40- 44 30-34 20-24 10- 14 00-04 10

8

6

4

Fonte: IBGE – Censo demográfico de 2000

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2

0

0

2

4

6

8

10 %


Distribuição Relativa da População Brasil 1940 a 2000 (por grandes grupos etários) Grupos Etários

Censos

Até 14 anos

15 a 64 anos

65 anos ou mais

1940

42.65

54.9

2.4

1950

41.8

55.6

2.6

1960

42.7

54.6

2.7

1970

42.6

54.3

3.1

1980

38.2

57.7

4.0

1991

34.7

60.4

4.8

2000

29.6

64.5

5.8

Fonte: IBGE – Censos demográficos de 1940 a 2000

Divulgação

Somos uma nação multiétnica, em que, felizmente, muitos povos sobreviveram

Ciência do concreto aplicada à nossa realidade A antropóloga discorre sobre uma tese - defendida, entre outros, pelo livro A Amazônia que não conhecemos, (edição da Comunidade dos Servos de Maria de Sena Madureira), de que quem vive em determinado lugar e dele tira a sua subsistência é que saberá preservá-lo. Perguntada se a tese é correta e o que deve ser feito para respeitá-la plenamente no País, Neide fala de cátedra: “Há certo consenso em torno da compreensão de que, vivendo por gerações em um ambiente físico, os povos aprendem a lidar com os seres e coisas desses lugares, não apenas porque vivem lá, mas porque observam, dão nomes, classificam e registram os processos, os efeitos do uso, as interações desses seres e coisas. Como magistralmente descreveu Claude Lévi-Strauss, eles dominam uma espécie de ciência do concreto que, mediante a observação das propriedades sensíveis dos elementos da natureza que habitam, são capazes de antecipar, muitas vezes, os resultados da ciência moderna ocidental. É preciso reconhecer e conferir status aos saberes dessa outra ciência e é possível e

necessário pensar as duas ciências como complementares”. Para tornar o País mais viável socioambientalmente, a presidente do ISA deixa um recado que vale muito, apesar de ela própria considerar que fala no atacado: • Aos governos, por exemplo, aconselha abrir espaços legais e garantir os direitos para que a diversidade se expresse, garantindo territórios que acolham o social e o culturalmente diverso e os proteja; escolas e programas escolares que valorizem os conhecimentos, a língua e a identidade de cada povo, assim como suas expressões culturais. • As empresas, por sua vez, acredita, têm de ser realmente responsáveis pelos efeitos de seus empreendimentos e, se eles são lucrativos porque usam os recursos e mão- de-obra de um lugar, tem de haver retornos relevantes sem deixar tantos estragos ecológicos e tantas pessoas na miséria, quando se retiram para outros lugares ou abandonam seus empreendimentos. • Quanto às ONGs, lembra que, quando fazem corretamente a sua parte,

Neide, do ISA: lidar com a diversidade é valorizar identidade e autoestima nacionais

em muitos e muitos casos – como instituições da sociedade civil organizada - têm sido, há décadas, aliadas de camponeses, povos indígenas e trabalhadores. “A estas devemos, em parte, a sócio e a biodiversidade que temos”, reconhece. SERVIÇO O Almanaque Socioambiental, edição de 2008, é uma das publicações do ISA (www.socioambiental.org.br), que também pode ser contatado pelo fax 3515-8922

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Especial - Diversidade Cultural

Dia de Índio é sempre

Mais que dono da própria terra, ele quer é ser respeitado e viver sua realidade Gabriel Arcanjo Nogueira

T

entar entender o que são povos indígenas, como vivem e o que fazem é embrenhar-se num emaranhado de etnias, costumes, organismos oficiais e não oficiais, de uma ponta a outra do País, mais intricado do que adentrar a própria floresta amazônica - ou o que vier a sobrar dela. Contribuição fundamental é a dos irmãos Villas Bôas, que iniciaram seus contatos com povos indígenas em meados do século 20 - tratados por eles com o respeito, a dignidade e a seriedade merecidos - e, de lá para cá, foram fiéis ao ideal de marechal Rondon, pioneiro na caminhada: “morrer se for preciso, matar nunca”. Noel Villas Bôas, um dos filhos de Orlando, mantém vivo o legado indigenista e, gentilmente, nos cedeu imagens que enriquecem esta edição da NEO MONDO. O censo de 2000 traz um dado que chegou a surpreender estudiosos: 734.131 mil brasileiros se definiram como índios,

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em 26 Estados e no Distrito Federal, mais que o dobro do número do censo de 1991. A Fundação Nacional do Índio (Funai) confirma a tendência crescente da população indígena, ao estimar que são hoje cerca de 1 milhão de índios agrupados em centenas de etnias que se distribuem por todo o País. E atesta que a taxa de crescimento demográfico desse segmento da sociedade supera o crescimento da população não-índia. Dá para dizer que a letra da música de Jorge Ben Jor faz sentido cada vez mais: em todo dia do ano, nossos índios podem comemorar seu dia. Importa mais, porém, conhecer um pouco mais do que pensam representantes dos próprios indígenas brasileiros, de instituições que trabalham diretamente com eles, para que a parte boa da música citada seja preservada: “Antes que o homem aqui chegasse/As Terras

Brasileiras/Eram habitadas e amadas/Por mais de 3 milhões de índios/Proprietários felizes/Da Terra Brasilis”...”Amantes da natureza/Eles são incapazes/Com certeza/ De maltratar uma fêmea/Ou de poluir o rio e o mar/Preservando o equilíbrio ecológico/Da terra, fauna e flora/Pois em sua glória, o índio/É o exemplo puro e perfeito/Próximo da harmonia/Da fraternidade e da alegria/Da alegria de viver!” Identidade retomada O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) entende que existe uma retomada da identidade étnica por parte de alguns grupos indígenas. Embora reconheça que o organismo, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), não disponha de dados sobre a citada autoidentificação, nos últimos anos, diversos grupos têm reassumido sua identidade étnica.


Acervo Orlando Villas Bôas

Indios do Alto Xingu dançando em homenagem ao Kuarup de Orlando Villas Bôas, 2003

Um desses grupos são os Tukanos, do qual faz parte Estevão Lemos Barreto (Kemarõ, em sua língua materna). Para ele, “a crescente autoidentificação de indígenas no País se deve a vários fatores sociais e políticos graças a algumas lideranças indígenas que levantaram a bandeira do direito a uma terra demarcada, desde os tempos da ditadura militar”. Nascido na Aldeia Mionã Pitó, na Terra Indígena Alto Rio Negro, município de São Gabriel da Cachoeira, a noroeste do Estado do Amazonas, e pai de 6 filhos, Estevão Tukano é formado em Ciências Sociais e iniciou pós-graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia. Um dos fatores que motiva a autoidentificação, acredita, é a visibilidade que o movimento indígena conquista na mídia impressa e eletrônica. Outros são os programas de benefícios sociais de governos, ao reconhecer o direito diferenciado a povos indígenas

como sociedade de cultura de características próprias. Num momento em que “a conjuntura política do País se afunda numa profunda crise de estrutura social e política, onde quem não grita não é ouvido, quem não aparece não é visto, a estratégia indígena é muito bem utilizada”, avalia. O que, a seu ver, “tem despertado e motivado dezenas ou centenas de pessoas que até então viviam oprimidas, discriminadas, marginalizadas e muitas delas no anonimato a se autoidentificar como indígenas ou seus descendentes”. Tática contra o etnocídio Estevão Tukano ressalta que não se trata de uma questão de mera sobrevivência: “Quem sobrevive são os que migraram para centros urbanos de municípios e capitais dos estados, em busca de melhores condições de vida – ou da ilusão de que viver na cidade é privilégio -, e outros em busca de

aprimorar cada vez mais seus conhecimentos”. Não que não haja os que se adaptam e vivem bem em centros urbanos. Mas, “uma coisa é certa: indígenas que vivem na sua terra de origem, estes não sobrevivem e sim vivem dentro da realidade que o ambiente lhes proporciona, atendendo a aspectos culturais de cada povo”. Uma análise próxima da do Cimi, ao lembrar que, por muitas décadas, alguns povos indígenas tiveram de usar como mecanismo de resistência o ocultamento de sua identidade. O que, no entender da instituição, era necessário como um meio de proteção para que as pessoas sobrevivessem a diversas agressões. Houve casos em que muitos negaram sua identidade por medo, como os Koiupanká, em Alagoas. Outros se isolaram ou se integraram a outros povos para continuar existindo, como os Xetá do Paraná. Neo Mondo - Agosto 2009

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Especial - Diversidade Cultural

Nos últimos 30 anos, é que muitos povos voltaram a assumir publicamente suas identidades. A partir daí, reapareceram no cenário nacional diversos povos que, por muito tempo, não eram conhecidos ou eram considerados extintos pelos registros oficiais do Estado brasileiro. Na visão do Cimi, é possível dizer que essa tática tenha sido a principal e mais eficiente estratégia na luta contra o etnocídio incentivado por políticas integracionistas. Ao fingir não ser mais indígena, o indivíduo pertencente a um determinado povo conseguia preservar sua integridade física. Ele deixava de ser perseguido por políticos e outras pessoas da região com interesses econômicos sobre suas terras e recursos naturais.

Crislian Michel Barreto Machado

Diversidade cultural expressiva A Funai cita alguns aspectos importantes, como o fato de a população indígena do Brasil representar uma das maiores diversidades culturais do planeta. São 220 povos diferenciados, falantes de 180 línguas, distribuídos em todo o território nacional. A instituição lembra que, para os povos que vivem em seus territórios tradicionais, o governo promoveu a regularização de mais de 400 áreas, totalizando 12% do território nacional. Se muitas dessas áreas enfrentam problemas de invasões, exploração ilegal dos recursos naturais e outras formas de pressão, a Funai - para conter os abusos e garantir os direitos dos povos indígenas - executa o Programa de Proteção e Promoção dos Povos Indígenas. O que é feito em ações que procuram considerar as especificidades culturais de cada povo, valorizando a autonomia e a participação dos indígenas nos processos políticos que definem suas condições de vida.

Estevão Tukano: “trabalho duro para ter condição digna” 18

Neo Mondo - Agosto 2009

Telmo Ribeiro Paulino

Indígenas que vivem em sua terra de origem preservam a própria cultura num aprendizado constante

Firmeza Yanomami Para quem já foi consultor-antropólogo em convênio Funai-Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), atua em vários conselhos socioambientais, é membro fundador do Instituto de Empreendedorismo Indígena do Amazonas e presidente da Confederação das Organizações Indígenas e Povos do Amazonas (Coiam), pode-se dizer que Estevão Tukano é legítimo representante de povos indígenas. Ele fala com desenvoltura tanto de aspectos geográficos e históricos da região que mais conhece, o Amazonas - Estado que concentra o maior número de população indígena, algo em torno de “27% do seu total no Brasil e, portanto, a maior diversidade de povos indígenas” - como dos Yanomamis, etnia, segundo ele, mais focada pelos holofotes da mídia. O presidente da Coiam é cauteloso. “Se quem aparece na mídia é conhecido, todavia a mesma mídia que elitiza, destrói ou acaba com a imagem de qualquer cidadão”, diz. Estevão Tukano lembra que, entre suas características, os Yanomamis se destacam pela manutenção da cultura mediante o grafismo facial e a preservação ambiental. Habitantes de um território quantitativamente superior à área de muitos países europeus e sob a liderança de Davi Copenawa, esse povo, como “guardiões da floresta, trabalha duro para ter uma condição digna para viver”. O Cimi, por sua vez, destaca que os Yanomamis se mostram firmes contra a exploração mineral (por garimpeiros ou empresas) em suas terras. Ao lembrar que a terra Yanomami foi e continua sendo constantemente vítima de invasão de garimpeiros, que gera diversas consequências negativas para o povo, como vírus de doenças e contaminação de rios, o organismo da CNBB considera que muito da força Yanomami está nas lideranças desse povo, que não

toleram a exploração mineral em suas terras. Amazonas, um espelho Por contar com 178 terras indígenas demarcadas oficialmente, correspondendo a 29% do território do Estado, com 45.977.834 hectares, o Amazonas bem que pode ser um espelho para as demais unidades da Federação. O reconhecimento dessas terras, ressalta Estevão Tukano, representa papel fundamental na proteção das culturas dos povos indígenas e na conservação ambiental em vista do fator agravante de mudanças climáticas. O nível de organização indígena a que se chegou nesse Estado do Norte do País é fruto de muita consciência étnica e persistência, além de tudo. O presidente da Coiam afirma que, em sua trajetória, “lideranças indígenas das federações e organizações regionais do Amazonas discutiram em suas reuniões locais a necessidade de ampliar a articulação política do Movimento Indígena em outros Estados da Amazônia Brasileira”. Estatuto e relatório Quando já estávamos com esta matéria pronta, a Organização das Nações Unidas divulgou relatório, em que, entre outros aspectos, alerta para condições precárias em que vivem populações indígenas. Isto porque muitas delas não controlam suas terras e recursos. Se 15% da população brasileira vie na pobreza, entre os índios, a taxa sobe para 38%. O relatório, resultado de trabalho coordenado por James Anaya, descendente de apache, aponta sobretudo problemas em demarcações de terra, falta de recursos em projetos educacionais, pouca participação de povos indígenas em cargos políticos e, embora reconheça avanços nas iniciativas da Funai, defende que a Fundação abandone posturas


Câmara para modificar a forma pela qual as terras são demarcadas. Para Liana Utinguassú (saiba mais sobre ela no quadro abaixo), é triste constatar que o que se lê no relatório é mais e mais visto entre os índios brasileiros.

Acervo Orlando Villas Bôas

paternalistas, para se tornar mais efetiva na defesa dos interesses indígenas. O relatório diz ainda que o novo Estatuto do Indio, que está em debate, limitará a proteção dos direitos dos povos. No total, são 19 propostas no Senado e 15 na SERVIÇO

Para saber mais sobre as organizações indígenas citadas e ajudá-las em seus projetos, contatar: Fundação Villas-Bôas - www.expedicaovillasboas.com.br Coração da Terra - www.yvykuraxo.org.br Coiam - coiam.coiam@yahoo.com.br; ebtukano@hotmail.com Irmãos Villas Bôas: www.estadao.com.br/ext/especial/villasboas/; noelvillasboas@hotmail.com O site da Funai é www.funai.gov.br; e o do Cimi é www.cimi.org.br

Acervo Orla

ndo Villas Bô

as

Orlando Villas Bôas

Orlando, Leonardo e Cláudio Villas Bôas, década de 1950

Primeiros contatos com os Txikão, em 1967

Chegada dos Txikão ao Parque Indígena do Xingu, década de 1970

Claudio e Orlando com um índio xinguano, década de 1970

Ideal conservacionista e povos indígenas Entre as organizações envolvidas com a diversidade cultural estão a Fundação Villas-Bôas e a Yvy Kuraxo (Coração da Terra) - a primeira, do Pará; a segunda, do Rio Grande do Sul. A Fundação Villas-Bôas, presidida por Paulo Celso Villas-Bôas, está empenhada em um projeto da mais alta significância para tornar a Amazônia - e o País - sustentável: a Expedição Villas-Bôas pelo Brasil. Para isso, busca parcerias com áreas do setor produtivo, que lhe permitam viabilizar o projeto. Na empreitada, ele conta com sua “fiel escudeira” Liana Utinguassú, índia Guarani que preside a Yvy Kuraxo. Escritora e consultora, ela é autora do livro O Chamado da Terra. Paulo Celso esclarece: “A Fundação/Expedição Villas-Bôas pelo Brasil prima pelo conceito de Responsabilidade Social correlacionando-o com o amor ao próximo e ao planeta em um único tripé: o homem e sua família protegido pela força divina; a economia com o setor

produtivo; e a natureza e o trabalho com responsabilidade socioambiental”. Em que pese o sobrenome, Paulo Celso não é da família dos irmãos Villas Bôas, Orlando e Cláudio, indigenistas históricos. Mas o

ideal conservacionista, implícito em seu projeto, e a evolução dos povos indígenas caminham juntos. Assim como Paulo Celso e Liana, incansáveis à frente de ações próindígenas, como esta expedição. Acervo de Paulo Villas Bôas

Paulo Celso e Liana: os dois se dizem fiéis escudeiros; para ele, a Guarani é uma guerreira; ela o trata como irmão

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Foto: Osmario Marques

Especial - Diversidade Cultural

Comunidades Quilombolas no Brasil Sandra Regian do Nascimento Santos

N

Serrote do Gado Bravo, comunidade quilombola localizada na zona rural de São Bento do Una, interior de Pernambuco

as grandes metrópoles – nas escolas e universidades inclusive – muitos imaginam um quilombo como um lugar específico, isolado. Mas no Vale do Ribeira, sul do Estado de São Paulo – zona limítrofe entre as regiões sudeste e sul do país – está a maior concentração de comunidades quilombolas do Estado. E é o município de Eldorado – registrado como instância turística pela Embratur – um ponto de partida privilegiado para quem quer conhecer estas comunidades. Eldorado possui cerca de 15 mil habitantes e um centrinho simpático, cuja maior construção é a Igreja Matriz. Por isso, ainda atende pelo apelido carinhoso de “cidadezinha do interior”, onde se pode manter a tradicional sesta – parada de duas horas entre a manhã e a tarde – e cultivar o agradável hábito das conversas informais. Todos se conhecem e, quando chegam turistas, a recepção é alegre, festiva e fácil. Atrás da igreja fica a pequena rodoviária, referência importante para quem quer se distanciar da ditadura das agências de viagem. Quer ir ao quilombo? Todos podem informar o caminho,


é só perguntar no bar, no guichê da empresa de ônibus que liga a cidade à capital; pode perguntar também para a dona de casa que aguarda o ônibus para voltar para sua comunidade, para o senhor que fita sentado no banquinho jogando dominó, para o menino de uniforme que acabou de sair da escola. Na verdade, quase todos são quilombolas... e vão acabar dizendo que, ali, tudo que não é perímetro urbano é quilombo – reconhecido ou tentando reconhecimento – nada mais que um bairro pertencente ao município, incorporado à região política como paisagem. Olhando em volta, dá para perceber que o perímetro urbano é muito pequeno. Tem verde para todo lado. É só pegar o ônibus, que passa pelo centro quatro vezes por dia, e descer num dos pontos existentes ao longo dos 72 quilômetros da estrada que vai margeando o Rio Ribeira de Iguape até o município de Iporanga. Atração principal de outrora, a Caverna do Diabo hoje divide as preferências com as cachoeiras, os esportes radicais de montanha, as caminhadas e, mais recentemente, os quilombos. Mas o que é mesmo um quilombo? Inicialmente, quilombo é uma palavra que, historicamente, designa os acampamentos onde se escondiam as pessoas que conseguiam fugir do cativeiro durante o período escravista brasileiro (entre 1549 e 1888). Hoje, o sentido político desse termo

cresceu. A preocupação com essas comunidades ressurgiu no Brasil com a promulgação da Constituição Brasileira de 1988 que, em seu artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, passou a permitir que comunidades quilombolas, remanescentes de ocupações territoriais ocorridas no período escravista, solicitassem o reconhecimento legal de suas posses. Seriam demarcadas e tituladas como “sítios de valor histórico” e patrimônio cultural. Depois disso, várias discussões ocorreram: como seria possível comprovar que determinada comunidade, efetivamente, era composta por descendentes de escravizados fugitivos se a ocupação, nestes casos, não era documentada? Aliás, era todo esse um movimento ilegal, pois realizado por pessoas que, transformadas em mercadorias, procuravam se livrar de tal situação. Hoje se reconhece que quilombo, muito mais que um esconderijo para os antepassados, foi o lugar onde o negro, na pós-escravidão, reconstruiu sua vida, sua autoestima, deixando de ser mercadoria para se transformar num trabalhador rural inserido social e comercialmente. Para que as comunidades sejam consideradas remanescentes de quilombos, então, não é preciso que tenham sido constituídas por escravizados fugitivos, nem que tenham se mantido em total isolamento por muito tempo.

Além destas formas clássicas de ocupações, outros fatores levaram à emancipação do negro, sua organização e ida para tais redutos fortificados: a alforria, comprada pelo escravo ou doada pelo senhor; a compra de terras ou cessão de espaço em vida ou via testamento; a conquista de terreno por serviços prestados em lutas oficiais (como a guerra do Paraguai) ou empreendimentos particulares; a fixação em locais ermos e distantes após fuga. Todas estas formas de conquistas – conhecidas, genericamente, como “terras de pretos” – tem direito ao reconhecimento e titulação. Até mesmo as ocupações realizadas após 1888, quando os ex-escravizados, expulsos das fazendas – substituídos pelos imigrantes europeus – e inadaptados ao meio urbano, voltam ao campo em busca de sobrevivência, engrossando o contingente já aquilombado e ocupando outros espaços livres. Essa situação – que não é exclusiva do Brasil, pois marca todos os locais onde houve escravização de seres humanos – se espalha por todo o território nacional. Muitos grupos ainda reivindicam, na justiça, o direito às suas terras. O que lhes conferirá segurança contra ações de fazendeiros, grileiros e advogados de agroindústrias diversas que assolam os territórios quilombolas com ameaças de expulsão, propostas de venda por preços aviltantes, recuo ilegal de cercas e até assassinatos.

Comunidades quilombolas Cerca de 1,1 mil quilombos estão certificados pela Função Palmares. Confira a concentração de comunidades por estado Roraima

202

Até comunidades

Acre

100

Até comunidades

DF

40

Até comunidades

10

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Zero

Fonte: Fundação Palmares

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Especial - Diversidade Cultural Fotos: Osmario Marques

A Comunidade Serrote do Gado Bravo vive em situação de pobreza extrema e luta para que seja reconhecida pelo governo federal

Crianças brincando na comunidade quilombola Serrote do Gado Bravo, no interior de Pernambuco

Os reconhecimentos e titulações não são realizados com mais presteza porque algumas dessas comunidades estão situadas em áreas definidas como espaço particular, das quais não se sabe quem é o verdadeiro proprietário; outras já estão tituladas para pessoas estranhas à comunidade; ou são terras devolutas, parques estaduais, territórios para preservação ecológica etc... O Vale do Ribeira é, ainda hoje, a região mais pobre do Estado – muitas comunidades só receberam iluminação elétrica muito recentemente e, mesmo assim, como se diz por lá, ao longo da “pista” – aquela estrada que sai do núcleo principal do município de Eldorado e chega até Iporanga. Estreita, mas de mão dupla; sinuosa; esburacada em alguns trechos; mas, no geral, bem conservada. Dá acesso a mais de dez comunidades quilombolas (Batatal, Pedro Cubas e Pedro Cubas 2, Sapatu, André Lopes, Nhunguara, Ivaporunduva, Castelhanos, Galvão, São Pedro, Maria Rosa e Pilões) em vários estágios de reconhecimento. Os grupos mais afastados para dentro da mata, ainda contam, à noite, somente com a luz do luar e das estrelas. Mas é cada vez mais comum, para os que já conseguiram o benefício da eletricidade, a utilização de televisores (que só funcionam com a utilização de antenas parabólicas), re22

Neo Mondo - Agosto 2009

frigeradores e outros eletrodomésticos. Na outra ponta da estradinha, está Iporanga. Pequenina, menor que Eldorado (perto de 5 mil habitantes), mas pouco discreta: todo fim de semana há uma revoada de turistas que procuram esportes radicais: canoagem, rapel, caminhadas ecológicas, cachoeiras e acampamentos. Lá, vários outros quilombos, como Praia Grande – uma hora e meia de viagem de barco rio acima – e Porto Velho – duas horas de carro por estradas precárias, sinuosas e sujeitas a deslizamentos em épocas chuvosas. Área de preservação ambiental – abrigando o Petar, Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira – muito se tem discutido sobre a prática de plantio dos quilombolas. Mas as famílias e muitos participantes de ONGs e igrejas que atuam na região, e até mesmo órgãos do governo, reconhecem que, se a região mantém a maior parcela de mata atlântica preservada, é devido à atuação dos quilombolas que, há séculos, mantém uma forma não predatória de cultivo da terra. Sempre em sistema de rodízio, permitindo o descaso do solo, sem agressão e em comunhão com a natureza. O que provoca aumento das preocupações ecológicas na atualidade é a ação predatória das agroíndústiras, implantadas durante todo do século XX. Em meados do século XX, quando as florestas paulistas já apresentavam estado

avançado de devastação, o Vale do Ribeira mantinha, como ainda hoje, grandes porções de mata nativa intocada que guardava riquezas ainda inexploradas. Por isso, a indústria do beneficiamento de palmito migrou para a região. Contava ainda, a favor do lucro dos empresários, a grande quantidade de mãode-obra disponível, barata e facilmente cooptável, aproveitada com relativa facilidade no trabalho de coleta: os quilombolas. Até os anos 50, as comunidades realizavam trabalhos exclusivamente agrícolas, cultivando arroz, feijão, milho, mandioca, cana-de-açúcar, banana em pequenas extensões de terra e com instrumentos agrícolas rudimentares – como faziam desde o século XVIII, data das primeiras ocupações de terra. A alimentação era complementada com a criação de galinhas e porcos, além da coleta realizada na mata, da pesca e da caça. O principal objetivo do trabalho era a manutenção da independência das famílias, mas, esporadicamente, um pequeno excedente poderia ser comercializado. Com o início do extrativismo, orientado pela indústria do beneficiamento do palmito, o cultivo da terra foi progressivamente sendo abandonado, pois, para encontrar os gomos da palmeira, era necessária considerável dispersão demográfica, abandono das roças e das criações e enfraquecimento dos padrões tra-


Os moradores mais antigos do Serrote ainda hoje lembram das histórias de senzala e da abolição contadas por seus ancestrais

dicionais de solidariedade grupais. Essa nova atividade colocou toda a comunidade sob o controle do comprador de palmito, além de torná-la dependente de um único produto. Quanto mais os moradores se entregavam ao trabalho semi-escravo – seduzidos por ganhos relativamente mais fáceis do que o conquistado com a agricultura – maiores se tornavam as dificuldades para retornarem à situação anterior. Foram também introduzidos hábitos, necessidades e estilos de vida e trabalho diferentes. Interesses econômicos foram despertados e a expropriação de terras tornou-se intensa. Contribuiu para isso a disponibilidade de grandes extensões de terras inexploradas, praticamente desocupadas, cujo aproveitamento surgia como promissor e lucrativo. Na maior parte, tratava-se de terras devolutas, ocupadas por população rarefeita, legalmente desamparadas ou, quando muito, explorados por famílias portadoras de títulos de posse dos terrenos em que se estabeleceram há muitos anos. Ao mesmo tempo, aumentam os problemas financeiros da população que vê, na venda de suas posses, solução imediata para problemas, como dívidas, alimentação, doenças. Por outro lado, poderia significar paz diante do assédio do fazendeiro que utilizava variadas artimanhas para vencer a resistência do trabalhador agrícola. O popular “abraço” –

técnica de avançar as cercas sobre as “terras dos pretos” durante a noite – fazia o terreno do pobre “encolher” dia após dia; soltar animais na terra do vizinho indesejado estragava a plantação e sujava a água que servia para consumo humano; também valiam as ameaças pessoais ou familiares – através de jagunços ou advogados contratados. O estilo de vida havia, definitivamente, mudado. Recuperá-lo não seria fácil. As plantações e as criações estavam arruinadas devido ao período do corte do palmito; o trabalho assalariado, então, passou a ser imprescindível – cresceu a dependência em relação ao dinheiro e ao mercado para satisfação das necessidades básicas e das criadas pelo contato maior com a cidade. A situação era esta quando, no final da década de 80, surge a possibilidade de recuperação com a posse definitiva da terra comunal. As comunidades se organizam e, hoje, existem muitas entidades que trabalham com os quilombos. São ONGS, grupos religiosos e órgãos do governo. O ISA (Instituto Socioambiental) organiza trabalhos de desenvolvimento sustentável, incentiva os trabalhos artesanais e a bananicultura. O SEBRAE também incentiva a entrada no mercado através do empreendedorismo. O ITESP realiza empréstimos de sementes, desenvolve planos de ação e pro-

gramas de fortalecimento das associações. O MOAB participa da resistência contra a construção de barragens no Rio Ribeira. Com as demarcações e titulações definitivas da terra, a agricultura tende a ser resgatada como principal atividade. Com o incentivo governamental, de ONGs e de setores da Igreja, roças de arroz, feijão, milho, mandioca, além de frutas e verduras têm sido incentivadas e intensificadas – inclusive para venda em grande escala e não só para sobrevivência do grupo. Tudo isso além, é claro, da bananicultura tradicional da região – que, antes plantada em propriedades de fazendeiros, tem sido realizada em terras quilombolas. Os anseios dos jovens podem ser canalizados para o estudo superior. ONGs, como a Educafro, têm estimulado a entrada dos jovens nas universidades. O intuito é se graduar e regressar para aplicar os conhecimentos na reorganização das comunidades que hoje trabalham com agricultura orgânica, artesanato, turismo, resgate e manutenção da cultura ancestral e do espaço familiar e necessitam de agrônomos, turismólogos, educadores, médicos, advogados... Aliás, os quilombolas começaram a investir num nicho econômico importante para a região – o Turismo. Aproveitando, eles mesmos, o surto de interesse ecológico e Histórico. Neo Mondo - Agosto 2009

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Pobreza, Excl P

obres, analfabetos, portadores de três ou mais doenças crônicas e com alto índice de maus tratos e agressões. Assim é que os idosos da América Latina e do Caribe estão envelhecendo de forma invisível aos olhos de governos, empresas e instituições que não se comprometem com ações efetivas, nem possibilitam que estas pessoas possam ter suas garantias mínimas asseguradas em políticas de estado. A quantidade de pessoas de 60 anos ou mais que vivem na América Latina e no Caribe aumentará de 42 milhões, no ano 2000, para 100 milhões, em 2025, e 190 milhões, em 2050. Em 2000, estes idosos representavam 8% da população total (um idoso para 12 pessoas). Já em 2025, serão 14%, ou seja, teremos um idoso para cada sete pessoas da região. O envelhecimento é muito mais que cifras ou percentuais. Os idosos trazem desafios para a saúde, previdência e assistência social, economia e todos os demais segmentos. Neste espaço, iremos abordar as questões relacionadas à saúde, enfoque central de nosso estudo. Os dados estatísticos apresentados foram colhidos do informe “El estado de envejecimiento y salud em America Latina y el Caribe”, publicado pela Organização Panamericana de Saúde em 2008. O crescimento da população idosa na América Latina e Caribe dá-se graças aos avanços da medicina, da farmacologia e de ações de saúde pública, em especial a re-

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Neo Mondo - Agosto 2009

dução da mortalidade infantil e melhoria na qualidade de vida das pessoas, com melhores condições sanitárias, água tratada e até campanhas nacionais de vacinação. Diferente do que ocorre em países desenvolvidos e industrializados, a explosão na quantidade de idosos se dá em meio de economias frágeis, com crescentes níveis de pobreza e desigualdades sociais e econômicas (que se expandem ao invés de reduzir), além do menor acesso a serviços e recursos financeiros coletivos. Em consequência, teremos em toda a América Latina o aumento do número de pessoas acima dos 60 anos com pior saúde, que apresentam mais incapacidades e enfermidades que os idosos de países desenvolvidos. Quem são nossos idosos? Todos os países da América envelhecem de maneira acelerada. Entretanto, na América Latina e no Caribe, esta transição não está associada ao crescimento econômico favorável, como acontece em países desenvolvidos. Se envelhece demograficamente, sendo pobre economicamente. Quase 50% dos idosos entrevistados na pesquisa SABE1 disseram não possuir recursos econômicos para satisfazer suas necessidades diárias, um terço não é aposentado, não recebe auxílio governamental nem exerce trabalho remunerado. Os níveis de escolaridade são mais baixos que da maioria da população, com

níveis de analfabetismo muito altos. Nos Estados Unidos, 77% das pessoas acima de 65 anos indicam ter boa saúde. Já na América Latina e Caribe, menos de 50% dos idosos acima de 60 anos dizem ter boa saúde e as mulheres afirmam ter pior saúde que os homens. Na América Latina e Caribe, 20 % dos idosos tem afetada a capacidade funcional básica, que exige cuidados permanentes em suas residências ou em instituições. Cerca de 60% dos idosos da America Latina e Caribe são mulheres. A maioria vive em áreas urbanas e possui educação primária. Os 40% de homens idosos ainda trabalham, enquanto somente 8% das mulheres possuem algum emprego remunerado. Uma proporção maior de mulheres que de homens vive na companhia de um filho ou outro parente. O perfil dos idosos na America Latina varia em cada região, conforme descrito abaixo: • Países Andinos: A quantidade de idosos duplicará em duas décadas e possuem grande percentual de idosos que vivem em zonas rurais e indígenas, com alto índice de analfabetismo. • América Central, Caribe hispano e Haiti: Nestes países, há grandes contrastes na velocidade e crescimento no número de idosos, como Cuba e Porto Rico, que possuem 14% da população com mais de 60 anos, enquanto Guatemala e Honduras possuem apenas 5%. Cuba terá até, o ano de 2025, mais idosos que crianças com


Rosane Magaly Martins

Analfabetismo, usão e Doenças marcam o envelhecimento na América Latina menos de 15 anos. As enfermidades nutricionais e metabólicas se constituirão no principal risco de morbidade nesta região. • Caribe anglo e Antilhas Holandesas: Terão uma das taxas de envelhecimento mais rápidas do hemisfério. Em Barbados e Martinica já há um idoso por cada criança menor de 15 anos. Teremos pelo menos três países da região com mais idosos que crianças, que sofrem grandes impactos com a migração das pessoas mais jovens. Idosas passam a ser responsáveis pela educação e cuidado dos netos com cada vez menos sistemas de apoio familiar e social. • Cone Sul e México: Esta região conta com dois terços da população de idosos de toda a América Latina. Só Brasil e México possuem 50% de todos os idosos da região. Nas próximas duas décadas, a região terá um idoso por cada criança menor de 15 anos. Em torno de 90% dos idosos vivem em áreas urbanas. Fonte dos índices: NU (2002) Envejecimiento de la población mundial 1950-2050 Saúde dos idosos Em toda a América Latina e Caribe, a esperança de vida está aumentando significativamente na última metade do século XX. A enfermidade cardiovascular é a principal causa de morte prematura em pessoas acima de 60 anos. Sua prevenção produzirá maior impacto sobre o aumento

na expectativa de vida. O câncer é a segunda principal causa de morte de idosos. O desafio da saúde pública para as próximas décadas é complexo. Por um lado, deve-se diminuir a taxa de mortalidade prematura por enfermidades cardiovasculares. De forma simultânea, espera-se encontrar formas de melhorar a saúde e a qualidade de vida dos idosos naqueles anos ganhos depois dos 60 anos. • Riscos de morrer por enfermidades transmissíveis: houve redução entre os idosos. • Risco de morrer por câncer: O câncer é a segunda causa de morte na América Latina e Caribe, com prevalência do câncer de próstata e de mama. • Risco de morrer por enfermidades do sistema circulatório: é a principal causa de morte prematura de idosos. • Risco de morrer por causas externas: Acidentes de trânsito, homicídios e suicídios são as principais causas externas de morte para os homens. As idosas apresentam maior risco de morte após sofrerem quedas em ruas e transportes coletivos. • Outras causas: morte decorrente de diabetes mellitus cresce entre homens e mulheres, a menos que se reduza a taxa de obesidade e sedentarismo entre idosos. Enfermidades pulmonares e câncer de pulmão ainda são importantes causa de morte entre idosos que fumam e/ou fumaram.

Barreiras para Promoção da Saúde Os idosos enfrentam inúmeras barreiras para os serviços de saúde, incluída a pobreza, a falta de informação e falta de profissionais devidamente capacitados. Um dos objetivos é motivá-los a adotar estilos de vida saudáveis. • Barreiras relacionadas com as políticas: Faltam na ALC políticas que definam e garantam explicitamente ao idoso o acesso a serviços de saúde adequados. Também há falta de planos nacionais para desenvolver profissionais capacitados em aspectos básicos da medicina geriátrica. • Barreiras relacionadas com profissionais de saúde: Lamentavelmente os profissionais de atenção à saúde não recebem capacitação adequada acerca do envelhecimento. Muitos médicos crêem equivocadamente que enfermidades crônicas, dor e incapacidades são consequências do envelhecimento e deixam de aconselhar, tratar e controlar os problemas de saúde apresentados pelos idosos. • Barreiras relacionadas com pacientes: Há uma generalizada falta de informação sobre a saúde e crenças culturais relacionadas com a saúde e enfermidades de idosos. Deste modo, os estereótipos de envelhecimento são assumidos pela sociedade. Há necessidade de motivar os idosos para mudança de hábitos, Neo Mondo - Agosto 2009

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Proporção de idosos na população Brasil e grandes regiões, 1991, 1996, 2000 e 2005 Regiões Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

1991 6,8 4,6 7,0 7,2 7,1 5,2

Homens 1996 2000 7,3 7,8 5,1 5,4 7,4 7,8 7,7 8,3 7,7 8,3 5,9 6,6

2005 8,3 5,8 8,2 8,8 8,9 7,2

1991 7,8 4,6 7,5 8,7 8,3 5,1

Mulheres 1996 2000 8,5 9,3 5,0 5,5 8,2 9,0 9,4 10,3 9,1 10,0 5,8 6,7

2005 10,0 5,9 9,8 11,0 10,9 7,4

1991 7,3 4,6 7,3 7,9 7,7 5,2

Ambos os sexos 1996 2000 7,9 8,6 5,0 5,5 7,8 8,4 8,6 9,3 8,4 9,2 5,9 6,6

2005 9,2 5,9 9,0 10,0 9,9 7,3

Fonte: IBGE: Censo Demográfico 1991 e 2000, Contagem Populacional 1996 e Estimativas Demográficas 2005.

comportamentos e crenças. Isto se obtém através de estratégias de informação, comunicação e educação que promovam estilos de vida saudável.

garantir que o idoso tenha na rede de saúde pública o profissional especializado em atenção de saúde, capacitado em conceitos e habilidades básicas de medicina geriátrica.

Novos profissionais de atenção a saúde Os idosos enfrentam condições de saúde e desafios únicos. Lamentavelmente a maioria dos prestadores de serviço não está capacitada para reconhecer as necessidades de saúde dos idosos. Há um vazio entre o que os profissionais sabem e o que necessitam saber para prestar um tratamento digno aos idosos. Há pesquisas que comprovam que a pessoa acima de 60 anos que recebe atendimento adequado apresenta melhor qualidade de vida que os demais. Somente 14% das escolas de medicina na América Latina e Caribe possuem qualificação em Geriatria e menos de 2% dos programas de estudos avançados em enfermaria possuem docentes em tempo integral capacitado em enfermaria geriátrica. A inclusão da disciplina de Geriatria em todas as escolas de Medicina da América Latina seria uma decisão acertada a fim de preparar os novos profissionais para esta demanda social. A grande maioria dos profissionais de saúde não está capacitada para reconhecer as necessidades de saúde dos idosos. Os problemas relacionados com os medicamentos, incluída a administração de doses inadequadas e as reações adversas, são frequentes. Do mesmo modo existem muitos profissionais sem capacitação para distinguir entre enfermidade e deficiência derivada das mudanças fisiológicas normais relacionadas ao envelhecimento. Em geral, os médicos consideram condições, como perda da memória e incontinência, efeitos colaterais normais do envelhecimento, enquanto poderiam prevenir e até melhorar estas condições caso tivessem feito a intervenção e orientação adequadas. Para isso, é necessário oferecer serviços de saúde adequados e necessários aos idosos, assim como implementar programas com protocolo definido de serviços de prevenção e tratamento para prestação de serviços primários de saúde para idosos. Deve-se

Indígenas e Negros Na América Latina e no Caribe, existem entre 33 e 40 milhões de indígenas divididos entre 400 grupos étnicos, cada um com seu idioma, sua organização social, seu sistema econômico e modelo de produção adaptado ao seu ecossistema. Cinco países agrupam quase 90% da população indígena regional: Perú (27%), México (26%), Guatemala (15%), Bolívia (12%) e Equador (8%). A população negra e mestiça afro-latina e afro-caribenha da região alcançam 150 milhões de pessoas, o que significa em torno de 30% da população total da região. Com relação a sua localização geográfica, estão especialmente no Brasil (50%), Colômbia (20%) e Venezuela (10%). Negros e indígenas trazem consigo séculos de exclusão e dominação, apresentam os piores indicadores econômicos e sociais e tem escasso reconhecimento cultural e acesso a instâncias decisórias. Ademais, a discriminação étnica e racial também está na base dos sentimentos xenofóbicos em todos os países da América Latina. Tal discriminação se transfere ao outro estrangeiro, sobre tudo se não é branco, e migra de países caracterizados por uma maior densidade de população indígena, afrolatina ou afro-caribenha.

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Censo de 2010 No censo de 1980, o Brasil apresentava 55% de pessoas brancas, 38,6% eram pardos e apenas 5,8% identificavam-se como sendo pretos. Este era o reflexo sobre como as pessoas negras se vêem em ambientes ideológicos e discriminatórios. No ano de 1990, o Governo lançou a campanha nacional voltada à população negra, que declarasse a sua cor (não deixe sua cor passar em branco). Resultado foi que, no

Censo 2001, houve um incremento de 40% na auto-identificação de pessoas como negras. A partir disto, movimentos iniciaram a luta por visibilidade e espaços sociais e políticos que resultaram em leis que garantem vagas em universidades públicas, entre outras ações. O problema de identidade alcança os povos de toda a América Latina e Caribe e trás dificuldades para a construção de indicadores nacionais sobre a condição sócio-econômica da população de origem africana, assim como a indígena. Para que se tenha um estudo demográfico real, governos de países da ALC pretendem implementar para o Censo 2010 novos modelos que terão entrevistadores indígenas que conheçam os idiomas das tribos, mudança no enfoque de algumas perguntas que incluirão etnias até então “invisíveis” no mapeamento da população Latina e, em especial, na brasileira. Nota 1 O estudo SABE (Salud y Bienestar de las Personas Mayores) conduzido pela Fundação PAHO, em colaboração com instituições nacionais e internacionais, realizou pesquisa em mais de 10.000 pessoas, representativos da população com 60 anos ou mais que viviam na comunidade de sete capitais latino-americanas (Buenos Aires, Argentina; Santiago de Chile, Chile; Bridgetown, Barbados; Habana, Cuba; Ciudad de México, México e Montevideo, Uruguay).

Rosane Magaly Martins, escritora, advogada pós-graduada em Direito Civil, com especialização em Mediação de Conflitos pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Pós-graduada em Gerontologia (FURB/2005) e Gerencia em Saúde para Adultos Maiores (OPS/ México) com formação docente em Gerontologia (Comlat/Colômbia). Fundadora e presidente da ONG Instituto AME SUAS RUGAS, participando desde 2007 na Europa e na América Latina de congressos, cursos e especialização que envolve o tema. Organiza a publicação da coleção de livros “Ame suas rugas” lançados no Brasil e em Portugal. E-mail: advogada@rosanemartins.com


Dilma de Melo Silva

Diversidade cultural,

modelo de desenvolvimento excludente e os meios de comunicação

N

osso país, no processo de sua formação cultural, teve matrizes culturais diversas,desde a gama diferenciada de nações autóctones existentes em nosso território, passando pelos diferentes matizes de povos ibéricos até a enorme diversidade étnica dos grupos africanos escravizados que para cá foram trazidos, pela violência, no período do tráfego negreiro. Contudo,isso não se reflete no modelo de desenvolvimento erigido pelas elites hegemônicas, que optaram pela não inclusão de milhões de brasileiros,estabelecendo um eixo norteador favorecendo a matriz branca/cristã/européia, vista como “modelo” universal de humanidade. No aspecto legal, tanto no período da Colônia, Império, como na República, a postura dessa elite foi ativa e permissiva, permitindo a discriminação e o racismo, que até hoje atingem os descendentes de africanos e indígenas. Os indicadores de exclusão registrados por inúmeras pesquisas demonstram a desigualdade econômica e de acesso aos direitos por esses segmentos sociais,que vivem há séculos numa condição de “cidadania mutilada”(na afirmação de Milton Santos).

A Constituição de 1988 busca efetivar a construção de um Estado democrático de direito, com ênfase na cidadania plena e na dignidade da pessoa humana, mas a realidade social ainda permanece marcada por posturas subjetivas e objetivas de preconceito,racismo e discriminação. No que se refere aos meios de comunicação de massa, desde a implantação da Industria Cultural, nos anos 50, os mesmos atuam no reforço dos estereótipos que acentuam a pseudo “supremacia” branca. O que vemos, diariamente, na telinha? A ausência de negros e de indígenas na televisão, principalmente nas telenovelas, reforçando a tese da supremacia do homem branco/europeu,dentrodatolerânciaopressiva do “outro” considerado como inferior. Vivemos hoje num mundo embebido pela lógica midiática e,como afirma Sodré: ...a mídia funciona,a nível macro,como um gênero discursivo capaz de catalisar expressões políticas e institucionais sobre as relações inter-raciais ,em geral estruturada por uma tradição intelectual elitista que, de uma maneira ou de outra, legitima desigualdade racial pela cor... (1)

E se os personagens que aparecem são sempre mostrados em situação de inferioridade,apresentando a imagem do(a) negro(a) em três l’s:lúgubre,lúdico e luxurioso,no dizer de Conceição: O negro lúgubre está no noticiário na parte policial, ou como serviçal cabisbaixo,ou gaiato bêbado;o lúdico, em ocasiões eventuais,no Carnaval, em ambientes de alegoria, com instrumentos de batuques,muitas vezes fantasiados a maneira selvagem;luxurioso, ligado á libido,ao exagero sexual(2) Os estereótipos negativos reafirmam o imaginário surgido no período escravocrata, os afro descendentes vistos como integrantes da classe subalterna;a quase total invisibilidade do negro em situações positivas;a cultura e religiosidade negra sempre folclorizada; a situação social mostrada é a de favelado e/ou pobre,ignorante, drogado, criminoso. Como consequência, a auto estima dos descendentes de africanos é baixa,a ideologia do embranquecimento é introjetada em crianças e adolescentes que rejeitam suas ancestralidades milenares. Cabe a nós brasileiros(as) lutarmos por uma sociedade mais justa, igualitária, combatendo esse imaginário perverso e injusto. Notas (1) SODRE, Muniz.Claros e escuros: identidade, povo e mídia no Brasil. Petrópolis:Vozes, 1999 (2) CONCEIÇÃO, Fernando. Mordendo um cachorro por dia in MUNANGA(org.) Estratégias e políticas de combate à discriminação racial. SP: EDUSP.1996

Professora doutora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, socióloga pela FFLCH\USP, mestre pela Universidade de Uppsala, Suécia, e Professora convidada para ministrar aulas sobre Cultura Brasileira na Universidade de Estudos Estrangeiros. Neo Mondo - Agosto 2009

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Bruno Spada /Ascom MDS

Especial - Diversidade Cultural

Simpósio reuniu mais de 600 participantes, entre eles representantes da Índia, Indonésia, África do Sul, Suécia, Reino Unido e países da América Latina

Compromisso com a Estado fixa as bases que norteiam relacionamento com povos e comunidades tradicionais Gabriel Arcanjo Nogueira

Q

uando se trata de diversidade cultural, aí também o Brasil é bom de leis. A prática é que precisa - e deve - ser aprimorada, num esforço conjunto constante em que parceria é bem mais que uma palavra da moda, mas conceito fundamental. A instituição da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) é que fixa as bases para que o

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País não somente alcance a imprescindível inclusão política e social desses povos e comunidades, mas também concretize um pacto entre o poder público e esses grupos. Metas que dependem diretamente de obrigações das várias partes, alicerçadas num modelo de sociabilidade. Do seu lado, o Estado acena com um comprometimento maior ao assumir a diversidade no trato com a realidade social brasileira.

No Simpósio Internacional sobre Desenvolvimento Social, realizado no início de agosto, em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu que é preciso transformar em lei todas as políticas sociais. E ressaltou a importância das parcerias para que se chegue a bons resultados, como os que têm sido alcançados nas políticas públicas, das quais a PNPCT é exemplo.


Aderval Costa Filho, coordenador do Núcleo de Povos, Comunidades Tradicionais e Específicas, da Secretaria de Articulação Institucional, e Parcerias do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), diz que, antes de mais nada, é preciso considerar que o conceito comunidades tradicionais é relativamente novo, seja na esfera governamental, seja na acadêmica ou social. “A expressão ‘comunidades ou populações tradicionais’ surgiu no seio da problemática ambiental, no contexto da criação das unidades de conservação (UCs), para dar conta da questão das comunidades tradicionalmente residentes nestas áreas: povos indígenas, comunidades remanescentes de quilombos, extrativistas, pescadores, dentre outras”, esclarece. No processo de organização desses grupos, ao sair da invisibilidade em que se encontravam, surge a necessidade de balizar a intervenção governamental junto a eles. Daí a importância de se criar, em dezembro de 2004, a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais (CNPCT), presidida pelo MDS e secretariada pelo Ministério do Meio Ambiente, ressalta Aderval. Comissão esta que “foi reeditada e reconformada em julho de 2006”, acrescenta. Fórum paritário Aderval define a CNPCT como “fórum de composição paritária, para elaborar uma política nacional que reflita a sociodiversidade brasileira”. Coube a ela estabelecer uma política nacional específica para esses segmentos, apoiando, propondo, avaliando e harmonizando os princípios e diretrizes das políticas públicas relacionadas ao desenvolvimento sustentável das comunidades tradicionais nas esferas federal, estadual e municipal. Iniciativa que, para o coordenador do Núcleo, representa um avanço. Para o MDS, “a instituição da PNPCT é fundamental não somente por propiciar a inclusão política e social dos povos e comunidades tradicionais, como também por estabelecer um pacto entre o poder público e esses grupos, que inclui obrigações de parte a parte e um comprometimento maior do Estado ao assumir a diversidade no trato com a realidade social brasileira”. Política esta construída no âmbito da Comissão Nacional e instituída pelo Decreto Presidencial nº 6040, de 2007.

Direitos individuais e coletivos Aderval cita o Decreto para conceituar que “povos e comunidades tradicionais são grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”. Trata-se, lembra o doutor em Antropologia Social, de “conceito operativo, construído em comum acordo com as representações da sociedade civil, do governo e da academia”. O que permitiu criar a CNPCT e PNPCT como “espaço de reconhecimento de direitos individuais e coletivos, numa acepção aberta, não estritiva”. Em outras palavras: todos os povos e comunidades que se sentirem contemplados por esse dispositivo e instância podem requerer seu reconhecimento e inclusão, conforme estabelece o princípio da autodefinição (Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho - OIT). A sociodiversidade brasileira é significativa, e não foi por outra razão que o governo federal fixou as bases do desenvolvimento sustentável desses segmentos mediante quatro eixos temáticos (ver Quadro Decreto 6040). Pressões e desafios Aderval - que também é assessor da Secretaria de Articulação Institucional e Parcerias do MDS - é, ao mesmo tempo, didático e realista quando fala da importância da PNPCT no desenvolvimento do País, nos aspectos sociais, de sustentabilidade, ambientais, econômicos e culturais. Se há avanços, reconhecidos até por outros organismos, restam desafios e a consciência de que resta muito a fazer. Em sua diversidade étnica, racial e cultural, o Brasil deve encarar o grande desafio de estabelecer e implementar políticas públicas para promoção do bemestar social da população, sobretudo dos povos e comunidades tradicionais. “Sabemos que boa parte deles encontra-se ainda na invisibilidade, silenciados por pressões econômicas, fundiárias, processos discriminatórios e de exclusão sociopolítica”, afirma o especialista, para discorrer sobre cada item:

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Bruno Spada /Ascom MDS

Especial - Diversidade Cultural

Aderval: Plano Prioritário pelo fortalecimento, reconhecimento e garantia dos direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais

• “Em termos do desenvolvimento do País, esses territórios tradicionalmente ocupados e essa parcela da população brasileira historicamente excluída e negligenciada pelas políticas públicas costumam refletir indicadores sociais que não permitem grandes avanços. Temos aí verdadeiros bolsões de excluídos, nos quais se insere o recorte racial, geralmente em municípios com alto grau de vulnerabilidade, com baixo IDH, altas taxas de morbidade e mortalidade infantil e analfabetismo”. • “Do ponto de vista ambiental, muitos desses territórios constituem reservas de sociobiodiversidade, ao ponto de podermos afirmar que boa parte dos povos e comunidades tradicionais podem ser considerados guardiões da biodiversidade, considerando-se a escala da produção, geralmente voltada para autoconsumo e produção de pequenos excedentes, o uso mais racional dos recursos naturais renováveis, o uso de tecnologias de baixo impacto (na maior parte das vezes), dentre outros aspectos que marcam a sua realidade”. • “Do ponto de vista cultural, são povos e comunidades que guardam uma relação estreita com a ordem da tradição, guardam expressões culturais próprias (expressões linguísticas, festas, rezas, 30

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comidas, modo de fazer as casas, roupas, etc.), mitos e ritos associados às atividades de cultivo, pesca, caça e extrativismo, mantêm a transmissão oral de geração em geração dos conhecimentos culturais e ambientais, com ênfase no papel dos idosos, que geralmente figuram como guardiões da memória. Cabe ressaltar também, na esfera produtiva, que são comunidades com ritmo e lógica próprios, que nem sempre se coadunam ao mercado, embora não estejam, naturalmente, privadas de se articularem economicamente, em escala regional, nacional ou até mesmo internacionalmente. De qualquer forma, essas manifestações conformam uma diversidade que integra o patrimônio cultural brasileiro”. • “Em termos de políticas públicas, considero que o maior desafio, no que diz respeito às categorias identitárias tradicionais que integram a sociedade brasileira, é assegurar universalização dos direitos individuais e coletivos e a implementação de recortes diferenciados, adequados às suas realidades. A ordem da tradição, conjugada com as inovações introduzidas pelas frentes econômicas e pelo próprio Estado, configura uma dinâmica e ritmos próprios, nem sempre levados em consideração pelas políticas públicas”. O maior desafio de todos, para Aderval, é transformar a PNPCT em uma política de Estado. Modelo democrático O Instituto Socioambiental (ISA) considera que se a PNPCT é um avanço, “porque concretiza o reconhecimento do Estado à diversidade dessas populações” (e cita a inclusão dos produtos da sociobiodiversidade na política de preços mínimos, que permite a extrativistas assegurar boas condições de comercialização a produtos da floresta), todavia ainda falta ao governo vencer a dificuldade que enfrenta de fazer essas políticas chegarem a cada local. Por

enquanto, “nem todas as comunidades podem beneficiar-se delas”, diz Neide Esterci, presidente do Instituto. A contribuição que essas populações e comunidades podem dar ao desenvolvimento harmonioso do País passa pelo aprimoramento de mecanismos que tornem a PNPCT mais efetiva no que diz respeito ao meio ambiente. O ISA reconhece que, desde os anos 1990, as áreas de proteção ambiental têm sido geridas a partir de modelos mais democráticos. Neide compara: “Se nos anos de 1970, por exemplo, expulsavam-se habitantes a pretexto de conservar a biodiversidade, a orientação mudou nas últimas décadas, com leis e políticas governamentais menos restritivas aos grupos sociais e povos residentes”. A presidente da ONG lembra que as terras indígenas são exemplares nesse aspecto, por apresentar as áreas mais ambientalmente conservadas do País. Outro ponto positivo ressaltado por ela é que cresce de modo muito significativo o envolvimento desses grupos e povos em aliança com ambientalistas. “Nada que signifique que estamos num mar de rosas”, afirma. Plano e recursos Como parte desse modelo, Aderval informa que, para além do amplo processo de mobilização e organização promovido pela criação da Comissão e pela construção da PNPCT - que, para ele, resultou na visibilização sociopolítica desses segmentos, - cabe ressaltar que “hoje temos um Plano Prioritário para Povos e Comunidades Tradicionais (2009-2010), construído sob a supervisão da Casa Civil, que tem por objetivo promover o fortalecimento, reconhecimento e garantia dos direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais desses grupos”. O cordenador de Núcleo cita que há recursos disponíveis, até o momento, da ordem de R$ 253.239.469,98, por 17 órgãos governamentais federais, nos quatro eixos da PNPCT: acesso aos territórios tradicionais e aos recursos naturais, infraestrutura, inclusão social e fomento e produção sustentável.

Inclusão político-social e pacto do poder público com esses grupos são as metas


No balanço, referente ao exercício de 2008, Aderval lembra que o governo federal investiu recursos da ordem de R$ 676.989.455,38 em ações realizadas junto aos povos e comunidades tradicionais. “Sem contar que muitos programas governamentais são universais, e não há dados desagregados por segmento ou categoria identitária, que nos permite inferir que são dados subestimados”. Ele considera importante, entre as estratégias da CNPCT, a promoção de audiências públicas nas assembléias legislativas dos estados, visando a apresentação de projetos de lei favoráveis aos povos e comunidades tradicionais; além da construção e pactuação de agendas com governos estaduais e municipais, do fomento à criação de instâncias governamentais para atendimento desses grupos nos governos estaduais e municipais e, naturalmente, criação de ações e programas nos seus planos plurianuais. Pesquisa participativa Entre o que classifica como “ainda muito por fazer”, Aderval aponta que a Comissão Nacional já tem o seu Plano Prioritário, feito no primeiro semestre deste ano, e lhe cabe agora fazer o seu monitoramento e avaliação. O que não deixa de ser mais um desafio. Mas há outros, como a criação de comissões estaduais nos moldes da Nacional; e o levantamento sociodemográfico dos povos e comunidades tradicionais no Brasil. O que é feito a partir do Censo Agropecuário do IBGE, de 2007, e tem a participação de membros não-governamentais da CNPCT. “O objetivo deles é a realização de uma pesquisa participativa, com o envolvimento direto de agentes locais de pesquisa, oriundos desses povos e comunidades; o que, para eles, é como uma primeira aproximação”. Expectativas não faltam e, entre as prioridades para concretizá-las positivamente, Aderval lembra que o Plano Prioritário - com a participação de dezenas de ministérios, secretarias, institutos oficiais e não oficiais, como o Chico Mendes, confederações e empresas de pesquisa - estão o acesso ao território, melhoria da capacidade produtiva e da autosustentação, e melhoria da qualidade de vida dos povos e comunidades tradicionais. Para tanto, os critérios de seleção de áreas de atuação prioritária levam em conta: a concentração dessas comunidades; potencial de desenvolvimento socioambiental; situações de risco e pobreza; e sinergia com outras ações governamentais. As bases estão lançadas, e toda a sociedade brasileira é chamada a dar sua contribuição.

Decreto 6.040, de 7 de fevereiro de 2007 Eixo estratégico 1 - Acesso aos Territórios Tradicionais e aos recursos naturais • Garantia e efetivação do acesso de povos e comunidades aos seus territórios e aos recursos naturais; • Interação entre territórios tradicionais e o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. Eixo estratégico 2 – Infra-estrutura • Infra-estrutura básica ; • Implementação de projetos com impactos diretos e/ou indiretos em territórios tradicionais. Eixo Estratégico 3 - Inclusão Social • Educação diferenciada; • Reconhecimento, fortalecimento e formalização da cidadania; • Atenção diferenciada à saúde; • Adequação do sistema previdenciário; • Acesso às políticas públicas de inclusão social; • Gênero; • Acesso e gestão facilitados para recursos públicos; • Segurança pública e direitos humanos. Eixo estratégico 4 – Fomento e Produção Sustentável • Proteção e valorização das práticas e conhecimentos tradicionais; • Reconhecimento e fortalecimento das instituições e formas de organização social; • Fomento e implementação de projetos de produção sustentáveis. Fonte: MDS

Sociodiversidade – Comunidades Tradicionais • Povos Indígenas – 734.127 habitantes (220 etnias, 180 línguas) – 110 milhões de ha. • Quilombolas – 2 milhões de habitantes – 30 milhões de ha. • Seringueiros – 36.850 habitantes – 3 milhões de ha. • Seringueiros e Castanheiros – 815.000 habitantes – 17 milhões de ha. • Quebradeiras de coco-de-babaçu – 2 milhões habitantes – 18 milhões de ha. • Atingidos por barragens – 1 milhão de pessoas expulsas de suas terras e territórios. • Fundo de pasto – 140 mil pessoas. • Além desses, constam os faxinais, pescadores, ribeirinhos, caiçaras, praieiros, sertanejos, jangadeiros, açorianos, campeiros, varjeiros, pantaneiros, geraizeiros, veredeiros, caatingueiros, barranqueiros, dos quais ainda não temos dados confiáveis. • Aproximadamente: ¼ do território nacional - 5 milhões de famílias - 25 milhões de pessoas. Fonte: MDS

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Uma língua latina A

ntes de nos entendermos como seres no mundo, antes de nos darmos conta de cada coisa no mundo, antes de descobrirmos que, neste mesmo mundo de que fazemos parte, cada coisa tem um nome, enfim, muito antes de cada um de nós, a fim de que pudéssemos nos tornar alguém no mundo e nos pudéssemos reconhecer a nós mesmos e ter um nome que nos individualizasse neste mundo, havia a realidade da língua – da língua materna de cada um, sem a qual não saberíamos quem somos e não conheceríamos nosso próprio mundo. Pode às vezes parecer exagero dos linguistas, como se estivessem a valorizar o objeto de seu escrutínio diário, mas, se pensamos na vivência de uma criança em formação, partindo da pré-consciência das coisas que começa a descobrir no mundo em que se vai ela mesma descobrindo, temos de admitir que a língua materna é muito mais do que um simples instrumento de comunicação – ela é uma estrutura social na qual se configura e se desenvolve necessariamente a psique de todo indivíduo, isto 32

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é, sua vida mental e emocional. A partir do domínio das palavras, o mundo torna-se pouco a pouco cognoscível, e os sentidos que dele emanam se fazem cada vez mais apreensíveis através da linguagem. É, sem dúvida, visceral, intensa e profunda a relação que se estabelece entre o ser e a língua materna. Instrumento sutil e eficiente a promover a interação dos indivíduos em sociedade, é através dela, ou melhor, nela mesma, que as noções e os conceitos mais fundamentais em relação a toda a vida se cristalizam no espírito. É na língua materna que reconhecemos nossa própria identidade. No poema “A língua mãe”, Manoel de Barros nos oferece um belo testemunho desse sentimento de encontro de si mesmo, de seu próprio ser ecoando prazerosamente na intimidade de sua língua: “Não sinto o mesmo gosto nas palavras:/ oiseau e pássaro./ Embora elas tenham o mesmo sentido./ Será pelo gosto que vem de mãe? de língua mãe?/ Seria porque eu não tenha amor pela língua/ de Flaubert?/ Mas eu tenho./ (Faço este registro/ porque tenho a estupefação/ de

não sentir com a mesma riqueza as/ palavras oiseau e pássaro)/ Penso que seja porque a palavra pássaro em/ mim repercute a infância/ E oiseau não repercute./ Penso que a palavra pássaro carrega até hoje/ nela o menino que ia de tarde pra/ debaixo das árvores a ouvir os pássaros./ Nas folhas daquelas árvores não tinha oiseaux/ Só tinha pássaros./ É o que me ocorre sobre língua mãe”. Pode-se dizer que a língua é o coração de uma cultura e o estilo de uma nação. Enquanto mantém seu idioma, a coletividade possui um poderoso fator de agregação. Afastando-se de sua língua, uma sociedade tende a se desarraigar, a perder sua unidade natural, e consequentemente a fragmentar-se. Foi o caso do Império Romano com o latim, de onde vem o nosso português. Segundo contavam os próprios antigos romanos, sua cidade havia sido fundada em 753 a. C. (é claro que eles não diziam “antes de Cristo”), na região centro-oeste da Itália conhecida como Lácio. Com o passar do tempo, enquanto o latim se enriquecia sob a influência de


Márcio Thamos

Réplica da escrita cursiva romana inspirada pelos tabletes de Vindolana

outras culturas mais antigas, principalmente a etrusca e a grega, Roma foi-se tornando uma importante cidade naquela região, mas até meados do IV século a. C. havia expandido pouco suas fronteiras. No século III, no entanto, já se tornara praticamente dona da parte meridional da Península Itálica e, no século II a. C., após vencer a guerra contra Cartago, derrotando enfim o general africano Aníbal, em 202, a cidade latina criou as condições para dominar todas as terras em torno do Mar Mediterrâneo. Conforme alargavam seu Império, os romanos levavam suas instituições sociais, seus valores e costumes para os novos territórios e impunham o latim como língua oficial entre os povos conquistados, que assim iam pouco a pouco assimilando a cultura dos latinos e se romanizando. Deve-se dar aqui uma breve explicação a respeito da distinção que se costuma fazer entre “latim clássico” e “latim vulgar”. Com tranquilidade pode-se entender que o latim clássico é a língua literária, altamente estilizada e lapidada pelos prosadores e poetas sob a influência da cultura grega, que chegou até nós por meio de inúmeras obras cujos registros escritos tiveram a felicidade de superar a ação devoradora dos séculos. Já o chamado latim vulgar (denominação tradicional um tanto imprópria por seu caráter depreciativo) não é senão a língua popular, coloquial e corrente, que abrangia as incontáveis variações da fala cotidiana, e cujo registro é naturalmente escasso.

Penetrando as mais distantes localidades do Império, o latim falado, vale dizer, a língua materna dos antigos romanos, ia tomando os matizes regionais que convinham às populações anexadas, de acordo com o substrato linguístico e cultural que esses povos guardavam como herança de suas tradições mais particulares. Com o passar do tempo, a relativa unidade linguística do Império começa a dissolver-se; e, a partir do século III de nossa era, a cultura geral transforma-se rapidamente. O cristianismo torna-se dominante em relação às religiões politeístas, e um progressivo enfraquecimento político de Roma leva à descentralização do poder do Estado. No IV século, o vasto domínio é divido entre Império Oriental e Ocidental, e já no século V, o Império Romano do Ocidente, cuja capital permanecia sendo Roma, acaba por ruir inteiramente sob o peso de sucessivas invasões de povos diversos. Todos esses fatos, como se pode bem compreender, contribuíram decisivamente para o aprofundamento da dialetação do latim. E então, às portas da Idade Média, inicia-se o período do chamado romanço, a língua coloquial intermediária entre o latim dos antigos romanos e as línguas neolatinas ou românicas, isto é, derivadas do latim, que se tornariam os idiomas maternos das futuras nações europeias, como o francês, o espanhol, o romeno, o italiano e o português. Da Península Ibérica, no tempo das Grandes Navegações, o português foi levado para as diversas regiões conquistadas pelos lusitanos em todo o globo e chegou ao Brasil, com o início da colonização, já

no século XVI. Aqui, assim como os romanos faziam em suas antigas colônias, os portugueses impuseram sua língua e seus costumes. As populações indígenas, desde sempre, foram sendo aculturadas; em seguida, grandes levas de escravos vieram da África, e a língua portuguesa aos poucos foi-se aclimatando aos falares tropicais. Mal se pode avaliar a importância de um país tão grande como o nosso ter um único idioma, sem maiores variações dialetais. A notável coesão nacional de nossa língua materna em seus falares regionais é, sem dúvida, um dos principais fatores que nos permitem perceber quanto o Brasil todo é sempre Brasil mesmo, quero dizer, quanto a identidade histórica, sincrética e singular, desse país se entrelaçou de norte a sul para dar no que deu em cada canto. Por trás de toda a riqueza das diversidades regionais, se entrevê um substrato cultural unificador que faz a gente se sentir em casa, muito à vontade, entre gente de aspecto e hábitos às vezes bem diferentes. Temos aqui uma língua latina com certeza!

Doutor em Estudos Literários. Professor de Língua e Literatura Latinas junto ao Departamento de Linguística da UNESP-FCL/CAr, credenciado no Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da mesma instituição. Coordenador do Grupo de Pesquisa LINCEU – Visões da Antiguidade Clássica. E-mail: marciothamos@uol.com.br

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Especial - Diversidade Cultural

A formação do português brasileiro, suas influências e seu papel como espelho da diversidade cultural Roseane Arújo

Í

ndios, portugueses, negros e posteriormente imigrantes de várias nacionalidades. O caldeirão cultural em que se formou o povo brasileiro é mesmo singular e reflete na língua toda essa diversidade. “Não poderia deixar de ser diversa e particular a história do português falado aqui, inserido em um novo contexto e numa nova realidade social. Se a língua é o principal meio de expressão da cultura de um povo, e se a cultura brasileira é tão rica e singular em seus sincretismos étnicos, é natural que, com o passar do tempo, o nosso falar tenha adquirido características próprias”, disse o doutor em Estudos Literários, professor do Departamento de Linguística da UNESP-FCL/CAr e colaborador da Neo Mondo, Márcio Thamos. A história de formação do português brasileiro, a qual se refere o professor, é repleta de capítulos interessantes. “Ele deriva do português médio (século XV - primeiro quartel do século XVI), que foi a língua adquirida pelos portugueses que povoaram o país”, explica o doutor em Linguística e pesquisador da USP (Universidade de São Paulo) e Unicamp (Universidade de Campinas), Ataliba Teixeira de Castilho. Em seu trabalho “A hora e a vez do português brasileiro”, disponível no site do Museu da Língua, o pesquisador relata a trajetória de formação da língua falada no Brasil, destrinchando as influências recebidas ao longo de sua história.

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“Até o momento, a mudança natural da língua portuguesa e esses contatos que ela teve não deram origem a uma nova língua, fato que poderá ocorrer daqui a cerca de 200 anos”, completou. Influências indígenas e negras Segundo o estudo do pesquisador Ataliba de Castilho, quando os portugueses chegaram ao Brasil havia entre um a seis milhões de índios, falantes de cerca de 300 línguas, as quais se organizavam em dois grupos: Grupo Jê e Grupo Tupi-Guarani. Os falantes do grupo Tupi-Guarani, devido à sua distribuição geográfica mais costeira, influenciaram de forma mais ativa a língua falada no país. Já no século XVI, o tupi misturado ao português originou a Língua Geral Paulista, falada no interior

de São Paulo, Mato Grosso, Minas Gerais e Paraná, e que começou a ser extinta na segunda metade do século XVIII. Paralelamente às influências indígenas, entre 1538 a 1855, foram trazidos 18 milhões de escravos negros originários das culturas Banto (Congo, Angola e Moçambique) e Sudanesa (Sudão, Senegal, Guiné, Costa do Ouro, Daomé e Nigéria) que também passaram a influenciar a língua. As palavras Banto atingiram maior dispersão, enquanto as Sudanesas foram utilizadas de forma mais ativa na liturgia do candomblé. Estima-se que 10.000 vocábulos foram cedidos do Tupi-Guarani para o português brasileiro, na maioria substantivos próprios de lugares e pessoas. Já o número de palavras africanas incorporadas ao português brasileiro é 300.

Exemplos de contribuições linguísticas no português Palavras indígenas: Caipira, pipoca, maracujá, goiaba, mandioca, pitanga jacaré, tatu, arara; Nomes próprios de lugares: Moema, Butantã, Jaçanã, Maracanã, Guanabara, Canindé, Itu, Araraquara; Palavras africanas: fubá, caçula, angu, jiló, carinho, bunda, quiabo, dendê, dengo, samba;


A unidade do português brasileiro O Brasil é o principal responsável pela atual posição da língua portuguesa entre as línguas mais faladas no mundo: 8º lugar, com 191 milhões de falantes, dos quais 171 milhões vivem no país. Com tanta gente, é natural que a língua adquira diferentes nuances. Podemos, então, dizer que existem dialetos no Brasil? O pesquisador Ataliba de Castilho esclarece. “Depende do que entendermos por dialeto. Se assim designarmos as variedades geográficas que não dificultam a compreensão, temos dialetos. Se por dialeto se entende a variação geográfica de uma língua de difícil compreensão para falantes de outras regiões, então não temos dialetos do Português no Brasil. Nota-se atualmente a tendên-

cia a usar o termo para qualquer variação geográfica”, disse. O professor Márcio Thamos concorda com a explicação do pesquisador, mas admite que o uso do termo “dialeto” causa certo estranhamento. “Nos entendemos muito bem em qualquer parte do país, apesar das marcantes diferenças regionais. Não é o que acontece, por exemplo, com relação à Itália, onde as variações da língua podem ser tão grandes que ninguém estranha quando se diz que se trata de dialetos”, ponderou. Consideradas como dialetos ou não, o fato é que o português brasileiro apresenta, além das variações regionais, diferenças socioculturais. Além do falar caipira, nordestino ou gaúcho, temos o português culto e o

popular. Este chegou primeiro, já que os portugueses que vieram para o país eram na grande maioria representantes das camadas populares de Portugal. Somente com a urbanização, o português culto foi se firmando, também como forma de distinção de classes sociais: os alfabetizados e os analfabetos. Mas entre o português culto e o popular, qual deles é mais correto? Quem respondeu a forma culta enganou-se. Segundo o estudo do pesquisador Ataliba, no Brasil, ao contrário de outros lugares do mundo, a forma popular é menos valorizada e seus falantes são acusados de “falarem errado”, o que é contestado pelo pesquisador. “Quem pratica o português popular não fala errado, apenas opera com a variedade correspondente ao seu nível sociocultural”, diz no estudo.

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Especial - Diversidade Cultural Fotos: Luciano Bogado

Museu da Língua Portuguesa – Mais de 1,7 milhões de visitantes em três anos

Conhecer a origem e desenvolvimento do português brasileiro fica mais fácil na completíssima Linha do Tempo

Museu da Língua Portuguesa Pioneirismo na preservação do patrimônio imaterial Em 2007, com apenas um ano de funcionamento, já foi eleito o “mais querido do Brasil” pela revista Veja. Um título merecido, já que só naquele primeiro ano recebeu quase 900 mil visitantes, mais do que o dobro do que tradicionalíssimo Masp (Museu de Arte de São Paulo). O Museu da Língua Portuguesa completou três anos de vida este ano, contabilizando mais de 1,7 milhão de visitantes. Localizado no centenário prédio da Estação da Luz, no Centro de São Paulo, tem aproximadamente 4 mil metros quadrados abertos para a visitação, nos quais é possível conhecer a história, a importância e as variações da língua Portuguesa, considerada como grande elo da identidade cultural do povo brasileiro.

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No mundo inteiro, só existe um outro similar: na África do Sul, o museu da língua Africâner. “A ideia do museu surgiu em 2001, quando a CPTM comunicou ao Governo do Estado sua disposição de transferir seus escritórios do edifício da Estação da Luz. Na ocasião, o governo decidiu implantar no prédio um equipamento cultural, pois fazia parte de uma política iniciada em 1998 de recuperação da região central da cidade. De início não se falava em museu, mas sim em um equipamento cultural dedicado ao nosso idioma. Em 2002, foi firmado um convênio com a Fundação Roberto Marinho para a conceitualização deste novo espaço, captação de recursos e implantação. Entre 2002 e março de 2006, uma equipe de mais de 40 profissionais, entre mu-

seólogos, arquitetos, professores, sociólogos e artistas, trabalharam na criação do novo espaço, que ganhou o nome de Museu da Língua Portuguesa alguns meses antes de sua inauguração (até então o nome era Estação Luz da Nossa Língua)”, conta o diretor do Museu, Antonio Carlos Sartini. Para superar o desafio de trabalhar com o conteúdo imaterial que é o idioma, o museu teve que investir em tecnologia. “Foi a solução para dar materialidade a este rico e variado acervo. Muitos recursos de áudio e vídeo são usados nas exposições permanentes, o que o torna um espaço muito moderno e interativo. E novas tecnologias foram desenvolvidas especialmente para o museu, caso do Beco das Palavras, um divertido e educativo jogo etimológico”, explicou.


Nos totens multimídia, é possível conhecer as influências de outros idiomas

Além do conteúdo permanente, há exposições temporárias, cuja pauta já está fechada até 2011. Atualmente e até 11 de outubro, está em cartaz “O Francês no Brasil em Todos os Sentidos”, que tem como tema as relações entre o idioma português e a língua francesa, bem como os pontos de contato entre as duas culturas. “É a primeira mostra binacional do museu, com curadores brasileiros e franceses, e nasceu face ao Ano da França no Brasil, comemorado em 2009”, explicou o diretor. Em setembro, será inaugurada uma mostra em homenagem à poeta Cora Coralina. Outros importantes nomes da literatura brasileira já mereceram mostras temporárias: Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Gilberto Freyre e Machado de Assis foram os principais.

Não são só os nomes de peso, porém, que fazem o sucesso do Museu da Língua Portuguesa. A boa localização e os preços acessíveis dos ingressos ajudam a democratizar a visitação. “A política adotada pela Secretaria de Estado da Cultura e pela diretoria do museu facilita muito o acesso da população: preços baixos, gratuidade para todos aos sábados, participação em inúmeros projetos de cunho social e outras ações. O público do museu é muito variado, mas todos, ou a grande maioria, têm algo em comum: falam português, são os usuários e donos da nossa língua. Assim, com este elo entre todos, as reações costumam ser de identificação imediata, reconhecimento e orgulho pelo belo idioma que usamos”, encerrou Sartini.

SERVIÇO - Museu da Língua Portuguesa Praça da Luz, s/nº, Centro - São Paulo – SP Horários Bilheteria: de terça a domingo, das 10 às 17hs Museu: de terça a domingo, das 10 às 18hs (não abre às segundas-feiras) Ingresso: R$ 6,00 (seis reais) – pagamento somente em dinheiro Estudantes com carteirinha pagam meia-entrada Isentos do pagamento de ingresso: Professores da rede pública com holerite e carteira de identidade; Crianças até 10 anos; Adultos a partir de 60 anos. Telefone: (11) 3326-0775 www.museudalinguaportuguesa.org.br

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Acervo Iphan

Especial - Diversidade Cultural


resguardada Para garantir a preservação do patrimônio cultural brasileiro, surgem novas propostas e mecanismos Rosane Araujo

Patrimônios tangível e intangível Enquanto o patrimônio cultural tangível, composto por bens materiais, como monumentos, achados arqueológicos, obras de arte, etc, sempre recebeu aten-

ção de órgãos e governos, é relativamente nova a defesa do patrimônio intangível, composto por expressões culturais imateriais, como danças, lendas e tradições diversas, as quais são passadas por ancestrais aos seus descendentes. A expressão foi oficializada pela UNESCO em 1997 e, desde 2001, o órgão divulga, a cada dois anos, a Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Para obtenção da lista, os bens inscritos pelos países signatários da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial são avaliados por um júri internacional. Os bens imateriais inseridos na lista passam a receber incentivo para sua salvaguarda, como é o caso das expressões orais

e linguagem gráfica dos índios Wajãpi, do Amapá e do Samba de Roda do Recôncavo Baiano, ambos expressões brasileiras que já integram a lista (saiba mais sobre elas no quadro abaixo). Iniciativas governamentais brasileiras A Constituição Federal atribui ao poder público, com o apoio da comunidade, a proteção, preservação e gestão do patrimônio histórico e artístico do país. No Ministério da Cultura, existe uma seção especial própria para a questão da diversidade. A Secretaria de Identidade e Diversidade (SID) subdivide-se em oito áreas de atuação: culturas ciganas, indígenas, LGBT, do idoso, na infância, na juventude, na saúde e culturas populares. Acervo Iphan

S

e desde sua origem, o povo brasileiro recebe influências tão diversas, é de se esperar que sua produção cultural seja diversificada na mesma medida. Em tempo, a questão da preservação da diversidade cultural vem recebendo atenção não só de governo e Ongs (Organizações Não-Governamentais) brasileiras, como também de instituições pelo mundo afora. Em 2002, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) divulgou sua “Declaração Universal Sobre a Diversidade Cultural”, na qual afirmou que “o respeito à diversidade das culturas, à tolerância, ao diálogo e à cooperação, em clima de confiança e de entendimento mútuos, estão entre as melhores garantias da paz e da segurança internacionais”. Para o órgão, “a diversidade cultural apresenta um duplo desafio: assegurar a co-existência harmoniosa entre indivíduos e grupos de culturas diferentes enquanto defende a criatividade por meio de inúmeras expressões de culturas, estas denominadas como criação contemporânea e patrimônio cultural. O patrimônio cultural é subdivido em patrimônio tangível e intangível”. Os conceitos citados são colocados em prática por meio de “ações a favor da diversidade”, que incluem preservação dos direitos humanos, apoio aos indígenas, combate ao racismo, entre outras.

O frevo pernambucano é um bem cultural imaterial reconhecido pelo IPHAN

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Especial - Diversidade Cultural

Edgar Rocha- Iphan

Tambor de Crioula Acervo Iphan

Francisco Mor - Iphan

Ofício das Paneleiras de Goiabeiras (ES)

Círio de Nossa Senhora de Nazaré (PA)

As áreas organizam encontros, seminários e prêmios para seus segmentos. Um dos destaques da programação atual é o Prêmio Culturas Populares, que chega à quarta edição em 2009 e contemplará 195 iniciativas com um prêmio de 10 mil reais. “Queremos homenagear todas as expressões das culturas tradicionais que fazem parte de nossa diversidade cultural”, declara o Secretário da Identidade e Diversidade, Américo Córdula, no portal eletrônico da Secretaria. Quem empresta o nome a esta edição do prêmio é a mestra Dona Izabel, artesã ceramista do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, que ficou famosa na região pela produção de noivas de cerâmica, ofício que continua ensinando. 40

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Prêmio Culturas Populares 2009 leva o nome da artesã Izabel Mendes, do Vale do Jequitinhonha (MG)

Também vinculado ao Ministério da Cultura, o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) é o responsável pela preservação, divulgação e fiscalização dos bens culturais brasileiros. Além dos 20 mil edifícios tombados, 83 centros e conjuntos urbanos, 12.517 sítios arqueológicos cadastrados e mais de um milhão de objetos cadastrados, o Instituto também viabiliza projetos de identificação, reconhecimento, salvaguarda e promoção do patrimônio imaterial. Na lista de bens imateriais já registrados pelo IPHAN, além da arte dos índios Wajãpi e do Samba de Roda do Recôncavo Bahiano, também reconhecidos pela UNESCO, figuram outros 13 itens. Confira a seguir. • Ofício das paneleiras de Goiabeiras (ES) • Círio de Nossa Senhora de Nazaré (PA)

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Modo de Fazer Viola de Cocho (MT/MS) Ofício das Baianas de Acarajé (BA) Jongo no Sudeste (RJ) Cachoeira de Iauaretê – Lugar sagrado dos povos indígenas dos Rios Uaupés e Papuri (AM) Feira de Caruaru (PE) Frevo (PE) Tambor de Crioula Matrizes do Samba no Rio de Janeiro: Partido Alto, Samba de Terreiro e Samba-Enredo (RJ) Modo artesanal de fazer Queijo de Minas, nas regiões do Serro e das serras da Canastra e do Salitre (MG) Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira O modo de fazer Renda Irlandesa produzida em Divina Pastora (SE)


Bens Imateriais reconhecidos pela UNESCO Arte Kusiwa dos Wajãpi

Acervo Iphan

• De acordo com o dossiê do IPHAN sobre o assunto, atualmente os Wajãpi do Amapá são 670 pessoas distribuídas em 48 aldeias, os remanescentes de um grupo que chegou a 6 mil pessoas no início do século XIX. • Sua arte é peculiar, porque a tradição de decorar corpos e objetos são motivadas por prazer estético e não usados como marcas étnicas ou símbolos rituais. Eles possuem um repertório codificado de padrões gráficos que representam partes do corpo ou da ornamentação de animais e objetos. Esse sistema de representações é chamado de kusiwa.

Índios Wajãpi pintam a pele com urucum

Fotos: Luiz Santos - Iphan

Samba de Roda do Recôncavo Bahiano • O Samba de Roda é uma expressão musical, coreográfica, poética e festiva. Exerceu influência no samba carioca e até hoje é uma das referências do samba nacional. Permeia atividades econômicas, religiosas e lúdicas no contexto do Recôncavo Bahiano.

Samba de Roda do Recôncavo Bahiano

Bens Culturais brasileiros na lista do Patrimônio da Humanidade • • • • • • • • • • • • • • • • •

Parque Nacional do Jaú (AM) Ouro Preto (MG) Olinda (PE) São Miguel das Missões (RS) Salvador (BA) Congonhas do Campo (MG) Parque Nacional do Iguaçu (RS) Brasília (DF) Parque Nacional Serra da Capivara (PI) Centro Histórico de São Luís (MA) Diamantina (MG) Pantanal Matogrossense (MS) Costa do Descobrimento (BA / ES) Reserva Mata Atlântica (SP / PR) Reservas do Cerrado (GO) Centro Histórico de Goiás (GO) Ilhas Atlânticas (PE)

Marcelo da Mota Silva

Ouro Preto (MG)

Fonte: IPHAN - www.iphan.gov.br Neo Mondo - Agosto 2009

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Meio Ambiente

Reflexos

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uando pensamos em meio ambiente no Brasil, as imagens recorrentes são da fauna e da flora nacionais, com toda a sua diversidade biológica. Não é para menos, o nosso País possui uma das maiores concentrações de plantas e animais do mundo. No entanto, o meio ambiente não se restringe ao meio natural, pois o seu conceito também está ligado ao meio artificial, social e cultural. Assim, quando se fala em proteção do meio ambiente, não se está restringindo o cuidado apenas aos exemplares da flora e da fauna, já que a definição de meio ambiente é ampla e abarca tanto o homem quanto a natureza. Seguindo essa linha, percebe-se que o patrimônio cultural nacional é parte do meio ambiente. No meio ambiente cultural, estão inseridas as criações artísticas, os objetos, os documentos históricos e tantas outras manifestações culturais, como a dança, a literatura, a música, e outras expressões que fazem parte da cultura brasileira. Os bens que compõem o patrimônio cultural podem ser materiais, como as

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construções históricas, ou até mesmo imateriais, como os dialetos de algumas comunidades indígenas. Ambos são importantes e merecem ser preservados, para que possamos garantir a identidade e memória dos diferentes grupos da sociedade e a das diferentes regiões do Brasil. Festas populares e de longa tradição, como a do Boi, em Parintins, o Guerreiro, em Alagoas, e a Semana Farroupilha, na região Sul, são exemplos da riqueza regional do nosso meio ambiente cultural. A Constituição brasileira de 1988 protege o meio ambiente cultural brasileiro, incumbindo ao Poder Público, com a colaboração da comunidade, a proteção desse patrimônio por meio de inventários, registros, vigilância, desapropriação e tombamento. O tombamento é uma medida administrativa usada para preservar bens de valor histórico, cultural, arquitetônico e ambiental. Tanto pode ser realizado em âmbito federal, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, como pode ser proveniente de ato estadual ou municipal. Na verdade, um

bem pode ser tombado simultaneamente em âmbito local, regional ou nacional. É o que acontece com o centro histórico da cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais, que é tombado pelo Município, pelo Estado, pela União, e até pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade. A lista do Patrimônio Mundial da UNESCO é formada por 878 locais escolhidos em razão de suas propriedades naturais ou culturais. Desse total, 689 são propriedades culturais, 176 são propriedades naturais e 25 são mistas. O Brasil possui 17 locais na lista, dos quais dez foram escolhidos por suas qualidades culturais. Assim, além da Cidade Histórica de Ouro Preto, também integram a lista por razões culturais os Centros Históricos das cidades de Olinda, Salvador, São Luís do Maranhão, Diamantina e Goiás; bem como as Ruínas de São Miguel das Missões; o Santuário do Bom Jesus do Congonhas; a Cidade de Brasília e o Parque Nacional da Serra da Capivara. Além dos centros históricos de algumas cidades brasileiras, os modos de criar e de produzir enraizados no cotidiano de


Natascha Trennepohl

Correspondente especial de Berlim – Alemanha

Cultural no Brasil:

da Identidade de um Povo comunidades também integram o patrimônio cultural brasileiro. Um exemplo disso são as técnicas tradicionais de construção de embarcações (e de navegação oceânica) desenvolvidas pela comunidade caiçara de Cairuçu, no Município de Parati (RJ), as quais são patrimônio cultural da referida comunidade. Neste caso, o meio idôneo para a sua proteção não é o tombamento, mas o registro. De acordo com a Constituição Brasileira, a proteção de documentos, obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, bem como de monumentos, paisagens naturais notáveis e sítios arqueológicos faz parte da competência comum, o que significa dizer que cabe a todos os entes da federação. A Constituição prevê, ainda, o estabelecimento de incentivos para a produção e o acesso a bens culturais. O acesso às fontes culturais está previsto na lei que criou o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), em 1991. Essa lei ficou mais conhecida como Lei Rouanet, por causa do então ministro da cultura Sérgio Paulo Roua-

net. Atualmente, o Ministério da Cultura está apoiando um projeto de reforma da lei que visa ampliar a capacidade de fomento à cultura. Tal projeto ficou disponível para consulta pública até o início do mês de maio desse ano e propõe a instituição do Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (Profic) com o objetivo de mobilizar recursos e aplicálos em projetos culturais. Além dos instrumentos que já estavam previstos na Lei Rouanet, como o Fundo Nacional da Cultura (FNC), o Fundo Nacional de Investimento Cultural e Artístico (Ficart) e os incentivos a projetos culturais, o Projeto de Lei inclui o “Vale-Cultura”, a ser regulamento por lei específica. O propósito central do vale está relacionado com a idéia do ex-ministro Gilberto Gil em fazer da cultura um elemento da cesta básica dos brasileiros. Assim, de acordo com o Projeto de Lei, o Vale-Cultura (no valor de 50 reais) deverá ser fornecido ao trabalhador que receba até cinco salários mínimos, podendo-se descontar de sua remuneração até 10% do valor, ou seja, 5 reais.

O Vale-Cultura pretende estimular a visitação de estabelecimentos culturais e artísticos, bem como incentivar o acesso a eventos e espetáculos, como peças de teatro, shows, museus etc. É interessante ressaltar que o vale inclui na área de atividades culturais a literatura, o que permitirá o seu uso para a aquisição de livros. É bem vinda a criação de diferentes meios para incentivar as manifestações culturais que refletem a identidade de um grupo. Assim como meios para proporcionar o acesso aos bens culturais e as formas de expressão, criações científicas ou culturais. Dessa forma, ajudamos a construir essa identidade e a fortalecer a história e o meio ambiente cultural de um povo. Afinal, é de todos nós o dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Natascha Trennepohl Advogada e consultora ambiental Mestre em Direito Ambiental (UFSC) Doutoranda na Humboldt Universität (HU) em Berlim. E-mail: natdt@hotmail.com Neo Mondo - Agosto 2009

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Especial - Diversidade Cultural

O fator imigração A entrada de imigrantes no Brasil e seus impactos na cultura brasileira Rosane Araujo

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istoricamente convencionou-se considerar como imigrantes as pessoas de outras nacionalidades que entraram no Brasil a partir de 1822, ano em que o país tornou-se independente de Portugal. E essas entradas não foram poucas. Segundo dados do Memorial do Imigrante (confira detalhes no final da matéria), só entre 1908 e 1953, mais de 2,5 milhões de imigrantes chegaram no país, principalmente, portugueses, italianos, espanhóis, japoneses e alemães. Essa imigração aconteceu gradativamente, em diversas fases, começando de forma mais organizada em 1824, com a chegada dos alemães para povoamento da região Sul, principalmente dos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. 44

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A campanha para trazer os alemães ao país foi incentivada pela imperatriz do Brasil, Dona Leopoldina, que era austríaca. Os colonos recebiam a terra e as sementes para o plantio, mas tinham que construir suas próprias casas. A partir de 1875, o processo de povoamento do Sul deu continuidade agora com a vinda de italianos, já que a Alemanha havia criado mecanismos para impedir a imigração para o Brasil. E enquanto no Sul, os imigrantes recebiam terras, em São Paulo, sua vinda teve outro objetivo: a formação de mão-de-obra para as prósperas fazendas de café. Com o fim do tráfico de escravos, em 1850, a mão-de-obra foi ficando

cada vez mais escassa, levando o governo à busca de trabalhadores imigrantes, no final do século XIX. A expansão das colheitas de café atraiu 70% dos imigrantes desembarcados no Brasil. Entre 1870 e 1907, chegaram no país cerca de 1,2 milhão italianos, 519 mil portugueses, 287 mil espanhóis e 56 mil alemães. A história se repetiu e, em 1902, a Itália proibiu a imigração subsidiada para o Brasil, diminuindo drasticamente a mãode-obra dos cafezais e levando o governo brasileiro a permitir a entrada de japoneses em 1908. A partir de 1912, a vinda de japoneses se intensificou chegando a mais de 42 mil apenas durante o ano de 1926.


Entrada de imigrantes no Brasil - 1870/1907 Ano

Alemães

Espanhóis

Italianos

Portugueses

Russos

Diversos

Total

1.870 1.871 1.872 1.873 1.874 1.875 1.876 1.877 1.878 1.879 1.880 1.881 1.882 1.883 1.884 1.885 1.886 1.887 1.888 1.889 1.890 1.891 1.892 1.893 1.894 1.895 1.896 1.897 1.898 1.899 1.900 1.901 1.902 1.903 1.904 1.905 1.906 1.907 Total

6 296 1.103 1.082 1.435 1.308 3.530 2.310 1.535 2.022 2.385 1.851 1.804 2.348 1.719 2.848 2.414 1.147 782 1.903 4.812 5.285 800 1.368 790 973 1.070 930 535 521 217 166 265 1.231 797 650 1.333 845 56.416

38 510 727 0 0 39 763 23 929 911 1.275 2.677 3.961 2.660 710 952 1.317 1.766 4.736 9.012 12.008 22.146 10.471 38.998 5.986 17.641 24.154 19.466 8.024 5.399 4.834 8.584 3.588 4.466 10.046 25.329 24.441 9.235 287.822

7 1.626 1.808 0 5 1.171 6.820 13.582 11.836 10.245 12.936 2.705 12.428 15.724 10.102 21.765 20.430 40.157 104.353 36.124 31.275 132.326 55.049 58.552 34.872 97.344 96.505 104.510 49.086 30.846 19.671 59.869 32.111 12.970 12.857 17.360 20.777 18.238 1.208.042

4.458 8.124 12.918 1.310 6.644 3.692 7.421 7.965 6.236 8.841 12.101 3.144 10.621 12.509 8.683 7.611 6.287 10.205 18.289 15.240 25.174 32.349 17.797 28.986 17.041 36.055 22.299 13.558 15.105 10.989 8.250 11.261 11.606 11.378 17.318 20.181 21.706 25.681 519.033

0 4 7 41 30 956 3.011 2.115 1.904 7 426 305 19 10 457 275 146 0 0 0 27.125 11.817 158 155 57 275 592 569 258 412 147 99 108 371 287 996 751 703 54.593

649 1.871 2.656 12.309 12.219 7.424 9.202 3.473 2.016 762 1.232 866 756 764 3.219 1.989 2.892 2.690 5.093 2.967 7.080 12.837 1.928 6.746 2.238 15.330 13.512 7.329 5.101 6.462 7.181 5.327 4.526 3.646 4.859 5.779 4.664 13.085 202.679

5.158 12.431 19.219 14.742 20.333 14.590 30.747 29.468 24.456 22.788 30.355 11.548 29.589 34.015 24.890 35.440 33.486 55.965 133.253 65.246 107.474 216.760 86.203 134.805 60.984 167.618 158.132 146.362 78.109 54.629 40.300 85.306 52.204 34.062 46.164 70.295 73.672 67.787 2.328.585

Acervo Memorial do Imigrante

Portugueses Recém-Chegados (1938)

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Especial - Diversidade Cultural Entrada de imigrantes no Brasil - 1908/1953 Ano 1.908 1.909 1.910 1.911 1.912 1.913 1.914 1.915 1.916 1.917 1.918 1.919 1.920 1.921 1.922 1.923 1.924 1.925 1.926 1.927 1.928 1.929 1.930 1.931 1.932 1.933 1.934 1.935 1.936 1.937 1.938 1.939 1.940 1.941 1.942 1.943 1.944 1.945 1.946 1.947 1.948 1.949 1.950 1.951 1.952 1.953 Total

Alemães 2.931 5.413 3.902 4.251 5.733 8.004 2.811 169 364 201 1 466 4.120 7.915 5.038 8.254 22.168 7.175 7.674 4.878 4.228 4.351 4.180 2.621 2.273 2.180 3.629 2.423 1.226 4.642 2.348 1.975 1.155 453 9 2 0 22 174 561 2.308 2.123 2.725 2.858 2.326 2.149 154.409

Acervo Memorial

Espanhóis 14.862 16.219 20.843 27.141 35.492 41.064 18.945 5.895 10.306 11.113 4.225 6.627 9.136 9.523 8.869 10.140 7.238 10.062 8.892 9.070 4.436 4.565 3.218 1.784 1.447 1.693 1.429 1.206 355 1.150 290 174 409 125 37 9 30 74 203 653 965 2.197 3.808 9.636 14.082 17.010 356.647

Italianos 13.873 13.668 14.163 22.914 31.785 30.886 15.542 5.779 5.340 5.478 1.050 5.231 10.005 10.779 11.277 15.839 13.844 9.846 11.977 12.487 5.493 5.288 4.253 2.914 2.155 1.920 2.507 2.127 462 2.946 1.882 1.004 411 89 3 1 3 180 1.059 3.284 4.437 6.352 7.342 8.285 15.254 16.379 357.793

Portugueses 37.628 30.577 30.857 47.493 76.530 76.701 27.935 15.118 11.981 6.817 7.981 17.068 33.883 19.981 28.622 31.866 23.267 21.508 38.791 31.236 33.882 38.879 18.740 8.152 8.499 10.695 8.732 9.327 4.626 11.417 7.435 15.120 11.737 5.777 1.317 146 419 1.414 6.342 8.921 2.751 6.780 14.739 28.731 40.561 30.675 951.654

Russos 5.781 5.663 2.462 14.013 9.193 8.251 2.958 640 616 644 181 330 245 1.526 279 777 559 756 751 616 823 839 2.699 370 461 79 114 29 19 52 19 2 17 23 0 0 20 2 28 18 1.342 36 59 103 140 496 64.031

do Imigrante

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Família Italiana na

)

Hospedaria (1930

Japoneses 830 31 948 28 2.909 7.122 3.675 65 165 3.899 5.599 3.022 1.013 840 1.225 895 2.673 6.330 8.407 9.084 11.169 16.648 14.076 5.632 11.678 24.494 21.930 9.611 3.306 4.557 2.524 1.414 1.268 1.548 0 0 0 0 6 1 1 4 33 106 261 1.255 190.282

Diversos 14.631 12.519 13.576 17.735 16.245 18.305 7.366 2.667 2.473 2.125 756 3.283 10.640 7.912 9.697 16.778 26.303 26.870 42.194 30.603 18.097 25.616 15.444 5.992 4.981 5.020 7.686 4.862 2.779 9.913 4.890 2.979 3.452 1.923 1.059 1.150 1.121 1.476 5.227 5.315 9.764 6.352 6.786 12.875 12.096 12.106 471.639

Total 90.536 84.090 86.751 133.575 177.887 190.333 79.232 30.333 31.245 30.277 19.793 36.027 69.042 58.476 65.007 84.549 96.052 82.547 118.686 97.974 78.128 96.186 62.610 27.465 31.494 46.081 46.027 29.585 12.773 34.677 19.388 22.668 18.449 9.938 2.425 1.308 1.593 3.168 13.039 18.753 21.568 23.844 35.492 62.594 84.720 80.070 2.546.455

Estudo releva bom convívio interétnico Sob o ponto de vista cultural, é instigante imaginar como tantas etnias distintas passaram a conviver pacificamente no Brasil. “Num cenário comparativo com outros países receptores de imigrantes, a sociedade brasileira, de modo geral, e mais particularmente a paulista normalmente foram vistas como integradoras ou diluidoras das características de afirmação étnica dos grupos que receberam. No Brasil, existiu (e ainda existe) uma ideologia erigida em uma quase doutrina oficial, mas também amplamente difundida na sociedade,


Acervo M

emorial d

a respeito da assimilação de grupos étnicos: quanto mais rapidademente esta se processar, melhor”, afirma o doutor em Ciências Sociais e professor da Universidade Federal de São Carlos, Oswaldo Mário Serra Truzzi, em artigo publicado na edição 28 da revista Sociabilidades, da FGV (Fundação Getúlio Vargas). O professor tem trabalhos na área da sociologia voltados à História Social da Imigração, dentre eles a pesquisa concluída em 2001, “Imigrantes, elites e sociedade em São Paulo”, da qual foi coordenador tendo Maria do Carmo Carvalho Campello de Souza como pesquisadora. O primeiro bloco do estudo, intitulado “Etnias em convívio”, é ambientado no bairro paulistano do Bom Retiro, que foi utilizado como microcosmo social, por ter recebido uma grande variedade de imigrantes ao longo de sua história. Inicialmente ocupado por italianos, o bairro recebeu judeus durante as décadas de 1920 e 1930 e, posteriormente, por volta dos anos 60, foi a vez dos coreanos e gregos também se instalarem por lá. Atualmente, os dois últimos são majoritários.

o Imigran

te

Por meio de depoimentos de moradores das várias etnias, o estudo descreve os diversos tipos de relações que se formavam entre eles, desde as de vizinhança até as comerciais. Apesar dessas relações se desenrolarem em clima harmônico, os relatos Imigrante também dão conta da s japonese s passara resistência ao casamento m a ser a ceitos no Brasil, a p interétnico e outras forartir de 1 908 mas de preconceito. A maior parte dos depoimentos colhiServiço – Memorial do Imigrante dos entre os mais idosos tendeu à aproxiRua Visconde de Parnaíba, 1.316, Mooca, mação entre os judeus e os italianos, conperto do Metrô Bresser. trapondo suas experiências e costumes Tel.: (11) 2692.1866 com os dos coreanos. Horário de funcionamento: De terça a domingo, “De qualquer modo, podemos afirdas 10h às 17h horas (inclusive feriados) mar que essas apreciações pouco inIngressos: R$ 4,00 e ½ entrada para estudantes terferiram na trajetória, de modo geral Entrada gratuita para menores de 7 (sete) anos e bem sucedida, dos imigrantes coreanos adultos com mais de 60 (sessenta) anos. em São Paulo e, em particular, no Bom Obs: A entrada é gratuita no último sábado do mês Retiro”, conclui Truzzi no artigo publiMais informações: www.memorialdoimigrante.org.br cado na revista.

História acessível - Memorial do Imigrante preserva dados e curiosidades Entre os serviços oferecidos pelo Memorial estão ainda a emissão de certidões de desembarque, documento oficial, aceito nos países europeus e no Japão. De acordo com a diretora-executiva da instituição, Ana Maria da Costa Leitão Vieira, a intenção é que o Memorial se firme cada vez mais como Centro de Excelência no estudo dos movimentos migratórios, históricos e contemporâneos. “Buscamos cada vez mais acentuar o seu papel de referência nacional e internacional sobre

a história e memória dos imigrantes por meio da adoção de políticas museológicas que valorizem o fenômeno da diversidade cultural”, destacou por meio da assessoria. A própria estrutura do Memorial, com seus belíssimos jardins e uma plataforma de trem ambientada nos idos de 1900, propicia uma viagem no tempo. O trem funciona aos sábados, domingos e feriados, transportando os visitantes por um trajeto de mil metros, com duração aproximada de 20 minutos.

Acervo Memorial do Imigrante

Em um prédio centenário próximo às estações de trem e metrô Brás, na capital paulista, funciona o Memorial do Imigrante, órgão vinculado à Secretaria da Cultura do Governo do Estado de São Paulo, que reúne acervo memorável sobre a imigração no país, incluindo documentos textuais e livros de registros da antiga Hospedaria de Imigrantes. O local é carregado de história. Construído entre 1886 e 1888, era lá mesmo que funcionava a Hospedaria, um enorme conjunto de prédios em forma de “E”, destinado a abrigar os recém–chegados nos seus primeiros dias em São Paulo. Após a cansativa viagem, os imigrantes ficavam lá hospedados por até oito dias. Nesse período, utilizavam gratuitamente todos os serviços disponíveis, dormiam, faziam suas refeições, recebiam atendimento médico e conseguiam seus empregos. O Memorial recebe atualmente cerca de 10 mil visitantes por mês e quase 60% desse total é representado por estudantes do ensino fundamental. Os visitantes podem conferir a produção museológica, documentação, reserva técnica, iconografia, acessar pesquisas e a biblioteca.

Memorial do Imigrante

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A

globalização da economia eliminou os limites de nacionalidade e contribuiu para que grandes corporações, sem domicílio declarado, encontrassem justificativas para se eximirem da responsabilidade pelos atos de seus dirigentes, especialmente quando fora de seus países de origem. Enfraqueceram, também, os conceitos de Estado ou Nação, como conjunto de poderes de um povo, e de Governo, como autoridade responsável pela gestão dos bens públicos, em consequência da apropriação privada do ambiente público.No conjunto das organizações interessadas em aprimorar suas atividades, na construção de bens socioambientais e em prevenir os efeitos maléficos, resultantes de impactos para a saúde humana e qualidade dos ecossistemas, às empresas produtoras de bens e serviços, com fins lucrativos. Mas, a responsabilidade alcança os demais agentes da sociedade humana: organismos públicos; organizações supostamente e verdadeiramente sem fins lucrativos; organizações não governamentais de representação social e empresarial; e cidadãos, enquanto consumidores. 48

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O modelo econômico prevalecente fez com que as relações entre o sistema industrial e o consumo de bens e serviços pela sociedade humana gerasse a emissão e deposição de resíduos (poluição) no nosso planeta, em consequência de: • acumulação de resíduos devido à aplicação de trabalho sobre os recursos, representada por mineração e extração de materiais da crosta da terra; • liberação de resíduos industriais, por aplicação de trabalho para produção e consumo de bens e serviços e; • utilização de capital no consumo de bens e serviços, resultando no descarte de produtos, embalagens e de restos, ao final da vida útil dos produtos. A deposição de resíduos constitui principal foco da crítica de várias organizações sociais e governamentais. A principal razão é que as emissões geraram volumes gigantescos e preocupantes, especialmente de materiais tóxicos e perigosos ao final da década, permitindo previsões sombrias, caso

os modelos econômico e industrial não fossem modificados. 1989 400 milhões de toneladas de lixo tóxico e perigoso, sendo 98% gerados nos países europeus, que gastavam US$22 bilhões por ano, para o manejo. 1990 o número mais real, para as ONGs, estavam acima de 1 bilhão de toneladas. 1999 seriam necessários US$185 bilhões para remediar (clean up) áreas degradadas já existentes nos EUA. 2030 a previsão é de que seriam 3 bilhões de toneladas de lixo industrial perigoso. As questões socioambientais têm implicações socioeconômicas drásticas. • Os bens comuns estão mal distribuídos e, por isso, há descontentamentos, agressões e ações mais violentas. • Os erros do modelo econômico do passado não foram suficientes para modificar os paradigmas do presente. • 90% da biomassa colhida e mais de 90% dos materiais não-renováveis


João Carlos Mucciacito

(abióticos) são perdidos como resíduos, antes de serem entregues como produtos aos usuários finais. Os impactos causados pelo sistema produtor de bens e serviços e o modelo de consumo da sociedade humana afetam a qualidade dos ecossistemas, comprometendo a capacidade assimilativa (principalmente de oxigênio). Esta, por sua vez, garante três importantes níveis de integridade ambiental: • A integridade ecológica, representada pela estrutura e funcionamento das características locais. • A integridade estrutural expressa os organismos que utilizam a energia solar para sua própria alimentação, os que necessitam de alimentos produzidos pelos primeiros e os que se alimentam de restos alimentares dos anteriores. • A integridade funcional, caracterizada pela cadeia nutricional, dissipação de energia e eficiência ecológica. A carga crítica é outro tipo de dado causado pelos resíduos no ambiente. Os volumes despejados comprometem componentes específicos, com reflexos sobre determinados organismos ou sob determinados efeitos biológicos. É o que acontece, por exemplo, com as emissões de óxidos de enxofre (SOx), óxidos de nitrogênio (NOx), dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4). Até o início dos anos 90, as principais preocupações a respeito das questões (sócio) ambientais aconteciam nos países desenvolvidos e tinham como maiores interessados: o meio acadêmico, do ponto de vista da ecologia; as Organizações Não-Governamentais, envolvidas em ativismo social e ambiental; e os organismos governamentais multilaterais, principalmente no âmbito das Nações Unidas, interessados na formulação de políticas globais e nacionais para prevenção de problemas causados pelo aumento da poluição. É impor-

tante reconhecer que, para as empresas, predomina o entendimento de que o Valor Líquido Presente (VLP) representa o principal indicador de desempenho econômico e que a obrigatoriedade legal para tratar as questões (sócio) ambientais constitui motivo para despesas e perda de competitividade. A partir da Cúpula da Terra (Rio - 92), houve aumento notável do interesse para temas como: sustentabilidade do planeta; correlações entre impactos e efeitos maléficos socioambientais, decorrentes do crescimento dos depósitos de resíduos industriais tóxicos e perigosos, comprometendo a saúde e qualidade de vida humana e a qualidade, integridade e funcionamento dos ecossistemas naturais. As razões são atribuídas a fracassos como: i. o modelo econômico centrado no homem, como “senhor do universo”, que negligencia os efeitos sobre os bens naturais; ii. a produção industrial, baseada no modelo de fim-de-tubo (end-of-pipe), responsável pelo quadro geral de acumulação de resíduos e iii. a sociedade do desperdício, caracterizada pelo consumo de bens e serviços que privilegiam a obsolescência programada, o descarte de embalagens e de restos de produtos ao final da vida útil. Depois da Reunião Rio-92, houve aumento da diversidade e número de partes interessadas em questões relacionadas ao desenvolvimento econômico e nos impactos socioambientais. Programas internacionais e nacionais foram lançados. Cresceu o número de ONGs de interesse social e ambiental. A mídia passou a dar maior atenção ao assunto. As legislações ficaram mais rígidas, o consumidor mais exigente e as empresas assumiram melhores padrões de desempenho social e ambiental, embora não necessariamente socioambiental.

Grandes empresas – em geral multinacionais ou transnacionais – criaram unidades encarregadas de meio-ambiente, ecologia industrial ou de sistema de gestão ambiental. Mas predominou a condição em que as questões sociais e ambientais continuaram a serem tratadas separadamente. Quando mencionadas juntas, há predominância do âmbito social, exceto nas organizações que mantêm Sistema de Gestão Ambiental (SGA) certificado. Neste caso, a questão ambiental resume-se, praticamente, ao SGA. No geral, entretanto, as iniciativas sociais e ambientais não são alinhadas ao plano de negócios, nem, portanto, ao planejamento estratégico. Diante dessa situação, cabe indagar: • qual a responsabilidade dos produtores e dos consumidores para a produção e consumo de bens e de serviços em bases ecologicamente apropriadas? Quais os caminhos e estratégias para a mudança de paradigmas? O tratamento dado a estas questões não é exaustivo nem completo, mas serve para ilustrar a pluralidade de conceitos. Em determinadas situações, são destacadas as contradições no entendimento de questões sensíveis, como as relações entre a sociedade civil e o papel das empresas de negócios, globalização, comércio internacional e códigos de conduta.

João Carlos Mucciacito Químico da CETESB, Mestre em Tecnologia Ambiental pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas da Universidade de São Paulo, professor no SENAC, no Centro Universitário Santo André - UNI-A e na FAENG Fundação Santo André E-mail: joaomucciacito@yahoo.com.br

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Biomas

Uma viagem pelos

Biomas Brasileiros

As verdades por trás do Cerrado Visto como um tipo de vegetação pobre e como uma fronteira, o bioma abriga uma das maiores biodiversidades brasileiras Caio Martins

Edison Luís Zanatto

O

cerrado, segunda maior formação vegetal brasileira, estende-se por uma área de aproximadamente 2 milhões de km², abrangendo 12 estados brasileiros: Maranhão, Piauí, Bahia, Minas Gerais, Tocantins, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Pará e Rondônia, além do Distrito Federal e de aparecer em manchas em Roraima e no Amapá. O bioma detém um terço da biodiversidade brasileira, 5% da fauna e flora mundiais (es-

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tima-se que 10 mil espécies de vegetais, 837 de aves e 161 de mamíferos vivam na região) e é o nascedouro das águas que formam as bacias hidrográficas Amazônica, do Rio São Francisco e do Paraná/Paraguai. Além disso, sob o solo de vários estados do Cerrado, está o Aquífero Guarani, maior manancial de água doce subterrânea transfronteiriço do mundo. Seu clima é típico das regiões tropicais, com duas estações climáticas bem definidas: uma seca, entre abril e setembro,

e outra chuvosa, entre outubro e março. O solo, característico de savanas tropicais, é deficiente em nutrientes e rico em ferro e alumínio, fazendo assim com que sua paisagem abrigue plantas com aparência seca, pequenas arvores de troncos retorcidos e curvados, além de folhas grossas e esparsas em meio a uma vegetação rala e rasteira, misturando-se, às vezes, com campos limpos ou matas de árvores de porte médio, chamadas de Cerradões.


Cerrado Florestal Apesar de ainda pouco conhecida, a flora do cerrado é uma das mais ricas do mundo. Estima-se que existam 10 mil espécies de plantas, sendo 3.000 delas do estrato arbóreo-arbustivo e 7.000 do herbáceo-subarbustivo. Em termos de riqueza de espécies, este bioma é superado apenas pelas floras da floresta Amazônica e da Mata Atlântica. Entre as plantas, destacam-se as famílias das Leguminosas (Mimosaceae, Fabaceae e Caesalpiniaceae), das Gramíneas (Poaceae) e das Compostas (Asteraceae). Uma das características do bioma é a heterogeneidade de sua distribuição, havendo espécies endêmicas em cada região do Cerrado. Cerrado Animal Seguindo a linha de sua vegetação, a fauna do bioma é pouco conhecida. Mesmo assim, ela apresenta números impressionantes. Existem cerca de, no mínimo, 161 espécies de mamíferos, 837 espécies de aves (4º lugar em diversidade no mundo), 150 espécies de anfíbios (8º lugar em diversidade no mundo), 120 espécies de répteis, além de uma grande concentração de invertebrados, na qual predomina o grupo dos Insetos. Entre os vertebrados, o destaque fica para os animais de maior porte, como a jibóia, a cascavel, várias espécies de jararaca, o lagarto teiú, a ema, a seriema, o urubu-comum, o urubu-caçador, o uruburei, as araras, os tucanos, os papagaios, os gaviões, o tatu-peba, o tatu-galinha, o tatu-canastra, o tatu-de-rabo-mole, o tamanduá-bandeira, o tamanduá-mirim, o veado campeiro, o cateto, a anta, o cachorro-domato, o cachorro-vinagre, o lobo-guará, a jaritataca, o gato mourisco, a onça-parda e a onça-pintada. Conheça as características de alguns deles:

João Antonio de Lima Esteves

O ipê-amarelo, árvore típicas do cerrado brasileiro

1. Sucuri verde (Eunectes murinus): chamada também de Anaconda, vive em áreas alagadas do Cerrado. É a maior e mais conhecida sucuri brasileira, tendo a fama de ser uma cobra enorme e perigosa. 2. Tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla): é um animal que não tem dentes e que, portanto, utiliza sua língua longa e pegajosa para facilitar a captura de alimentos. Tem em seu cardápio formigas, cupins e larvas de besouros, chegando a comer cerca de 30.000 insetos por dia. É um animal solitário, que se aproxima de outros da mesma espécie somente na hora do acasalamento e da amamentação. 3. Veado Campeiro (Ozotoceros bezoarticus): é um veado campestre que mede cerca de 1 metro de comprimento. Tem a pelagem dorsal marrom, com barriga, contorno da boca e círcu-

Malene Thyssen

Tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla)

lo ao redor dos olhos brancos. Possui uma galhada com três pontas e cerca de 30 cm de altura. 4. Urubu-rei (Sarcoramphus papa): é uma ave de rapina da família Cathartidae, que tem sua caça proibida no Brasil, pois é considerada uma ave importante na limpeza do meio ambiente. 5. Lobo-guará: (Chrysocyon brachyurus): é o maior mamífero canídeo nativo da América do Sul. A sua distribuição geográfica estende-se pelo sul do Brasil, Paraguai, Peru e Bolívia, estando extinto no Uruguai e na Argentina. É considerado espécie ameaçada de extinção no Brasil. Cerrado Social O aparecimento de pessoas na região data de pelo menos 12 mil anos. Grupos de caçadores e coletores de frutos e outros alimentos naturais começaram a povoação no bioma. No entanto, o aumento no nú-

Divulgação

Lobo-guará (Chrysocyon brachyurus)

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Biomas

João Antonio de Lima Esteves

Formações de arenito do Parque Nacional de Chapada dos Guimarães vistas do mirante da “Cidade de Pedra”

mero de habitantes foi lento. Há cerca de 40 anos é que esse panorama mudou. Um grande número de pessoas começou a migrar para a região por causa das novas políticas econômicas instaladas nas décadas de 60 e 70. Atualmente, vivem no bioma cerca de 20 milhões de pessoas. Essa população é majoritariamente urbana e enfrenta problemas como desemprego, falta de habitação e poluição, entre outros, principalmente por causa do desenvolvimento desigual dentro do bioma, segundo Análises realizadas pelo Laboratório de Processamento de Imagens da Universidade Federal de Goiás. Apesar dos dados negativos em relação ao desemprego, à falta de habitação e à poluição, algumas das áreas onde a agricultura comercial conseguiu se desenvolver mais intensamente apresentaram avanços significativos em termos de desenvolvimento humano, com diminuição dos índices de pobreza e aumentos impor-

tantes do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Por outro lado, algumas áreas de ocupação mais recente mostram uma tendência ao acentuamento na concentração de renda na mão de poucos. Cerrado Econômico Na economia, o destaque fica para a agricultura mecanizada de soja, milho e algodão, que começa a se expandir, principalmente, a partir de 1960. Naquela época, o Cerrado sofreu uma forte expansão da fronteira agropecuária, estimuladas por políticas de crédito nacionais e internacionais voltadas para exploração de grãos e de carnes. Em 1970, novas políticas de desenvolvimento, o surgimento de novas tecnologias e investimentos em infraestrutura ajudaram na geração de uma nova dinâmica econômica, que resultou na abertura e ocupação de grandes áreas

de Cerrado através da expansão da agricultura comercial. Ainda por causa das novas tecnologias, as produções de grãos começaram a aumentar. Um exemplo é a soja. A região Centro-Oeste aumentou em quase 900% sua produção, chegando, hoje, a produzir 50% da soja do todo e Brasil e 13% da soja de todo o planeta. Outros exemplos de produção do Cerrado são: o milho (20% da produção nacional), o arroz (15% da produção nacional) e o feijão (11% da produção nacional). Na pecuária, o Centro-Oeste detém mais de um terço de todo rebanho bovino nacional e cerca de 20% dos suínos. Por outro lado, a expansão da fronteira agropecuária e a evolução tecnológica de agricultura no Cerrado fizeram com que a absorção de mão-de-obra ficasse cada vez menor. Em 1985, por exemplo, as áreas mais evoluídas tecnologicamente da agricultura geravam praticamente quatro vezes menos emprego que as áreas ainda não incorporadas à economia de mercado. Sem atividades no campo, a população começou a migrar para as cidades, que também não conseguiram receber e empregar todo o contingente de migrantes. Hoje, as áreas de agricultura comercial consolidada no Cerrado ainda são aquelas onde há menor disponibilidade de empregos por área utilizada. Problemas biológicos A vasta riqueza biológica que o Cerrado possui acaba trazendo problemas para seu ecossistema. Inclusive, ele é o sistema ambiental brasileiro que mais sofreu alteração com a ocupação humana. A caça e o comércio ilegal de animais é um deles, o que acaba fazendo com que grande parte dos animais entre em extinção.

João Antonio de Lima Esteves

Imagens: NASA.

Estrada no Cerrado

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Mapa da ecoregião do Cerrado Os limites da ecorregião mostrados em amarelo


Outro problema é a atividade garimpeira na região. Ela acaba contaminando os rios com mercúrio e contribui para seu assoreamento, além de favorecer o desgaste dos solos. Solo que também sofre com outro problema: a erosão. O manejo pouco cuidadoso do mesmo tem ocasionado perdas expressivas desse precioso recurso natural. Segundo estimativas do WWF, para cada quilo de grãos produzido no Cerrado, perdem-se de 6 a 10 quilos de solo por erosão. O meio aquático também é afetado pela agricultura. Há um grande consumo de água para irrigação, o que, na maioria das vezes, acaba gerando um desperdício excessivo desse bem. O resultado disso é o número crescente de conflitos pela água entre agricultores, e entre uso agrícola e uso urbano da água em muitos estados. Desmatamento e Degradação O Cerrado, assim como todos os biomas brasileiros, sofre com a destruição de sua paisagem. Avaliações recentes apontaram uma perda entre 38,8% (segundo dados da Embrapa Cerrado) e 57% (segundo dados Conservação Nacional) na cobertura vegetal nativa da região. A diferença nos dados apresentados está diretamente ligada a grande dificuldade de se mapear os diferentes ecossistemas do bioma, principalmente na diferenciação de pastagens naturais e pastagens plantadas. Outro dado, também da Conservação Internacional, apontou que a taxa de desmatamento no bioma, até o ano de 2004, era de 2,6 hectares por minuto, ou seja, 111 mil hectares por mês. Parte

da culpa dessa destruição está ligada ao efeito do desenvolvimento das agriculturas em larga escala. A abertura de estradas durante o mesmo desenvolvimento também resultou no desmatamento de boa parte do bioma. Uma contradição disso tudo é que, mesmo com esses números alarmantes, o Cerrado é um dos biomas mais desamparados e esquecidos em termos de proteções legais. Até 2003, menos de 2% de sua área encontrava-se protegida em unidades de conservação de uso sustentável. Além dis-

so, o Cerrado não é considerado Patrimônio Nacional na Constituição Federal, diferentemente da Amazônia, da Mata Atlântica, da Zona Costeira e do Pantanal. Fontes: - Almanaque Brasil Socioambiental ISA 2008 - Mundo de Sabores: www.mundodesabores.com.br - Portal Brasil: www.portalbrasil.net - WWF Brasil – www.wwf.org.br

Curiosidades • A ocupação do Cerrado iniciou-se no século XVIII com a mineração, que se desenvolveu num rápido ciclo de exploração intensiva. • O Cerrado é uma região com algumas peculiaridades: conta apenas com duas estações climáticas bem marcadas (seca e chuvosa) e tem uma rica biodiversidade associada a uma aparência árida, decorrente dos solos pobres e ácidos. • Somando-se as áreas da Espanha, França, Alemanha, Itália e Inglaterra, chegamos ao espaço ocupado pelo Cerrado. • Por não ser considerado “Patrimônio Nacional” pela Constituição Federal, diferentemente da Amazônia, Mata Atlântica, Pantanal e Zona Costeira, a tarefa de conservar o Cerrado é ainda mais difícil e debilitada. • As árvores do Cerrado são responsáveis por cerca de 80% do carvão vegetal consumido no Brasil. • O Cerrado possui um grau de endemismo (exclusividade) altíssimo e é uma das regiões de maior diversidade do planeta, mesmo sendo um bioma pouco conhecido e estudado. • Das 837 espécies de aves registradas no Cerrado, 759 se reproduzem na região e o restante são aves migratórias. • O Cerrado é uma das regiões do Brasil com o maior número de insetos. Apenas na área do Distrito Federal, há 90 espécies de cupins, 1000 espécies de borboletas e 500 tipos diferentes de abelhas e vespas. • O Cerrado abriga as nascentes de importantes bacias hidrográficas da América do Sul: Platina, Amazônica e São Francisco, sendo assim considerado o “berço das águas”,

Receita Típica do Cerrado: Frango com Pequi* Ingredientes: • 1 frango caipira picado e sem pele • 12 caroços de Pequi • 1 cebola média picada • 4 dentes de alho amassados com sal • 1 colher de sopa de óleo • 1 litro de água • Salsa, cebolinha e pimenta-de-cheiro

Observação: Só se come a camada amarela e macia que envolve o caroço do pequi. A parte interna da fruta é cheia de espinhos e, se morder com força, pode acabar machucando a boca. *O pequi (Caryocar brasiliense) é uma árvore nativa do cerrado brasileiro, cujo fruto é muito utilizado na cozinha do nordeste, do centro-oeste e do norte de Minas Gerais.

Preparo: 1. Ponha óleo na panela; 2. Assim que o óleo esquentar, coloque a cebola para dourar; 3. Depois disso, acrescente o alho com o sal e o frango; 4. Deixe refogar bem e acrescente o Pequi; 5. Adicione a água aos poucos; 6. Quando a água estiver toda na panela, acrescente a pimenta e o cheiro verde, e deixe cozinhar por mais ou menos 30 minutos; 7. Se necessário, adicione mais água; 8. Quando o frango estiver bem cozido, está pronto para servir.

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Luciana Stocco de Mergulhão

BICHO MÃE Que bicho estranho e esquisito é esta espécie feminina, ao mesmo tempo em que deseja ver sua cria crescida com independência, deseja ardentemente que ela nunca saia de perto se aventurando demais. Afinal, o bicho mãe é quem sabe o que é melhor... Tem uma boca que professa e uma língua felina e doce que educa com firmeza e suavidade. Até pouco tempo atrás era apenas bicho filha, e reinava no âmbito de filha, mas ao se tornar bicho mãe pode compreender o que intensamente a espécie tem como instinto de proteção e preservação. Nossa! Os cientistas deveriam observar atentamente este animal mãe para buscarem maneiras mais eficientes de preservar o planeta, pois é um animal que a todo custo e sem limites olha, ora e cuida com muita dedicação da sua continuidade. Provavelmente, o bicho mãe é a única espécie que não será extinta do planeta. E, ai de quem ousar mexer com seus filhotes, vira, verdadeiramente, uma fera irracional envolvida por uma racionalidade que só a sua categoria consegue compreender. Proteger com seus filhotes é uma tarefa exclusiva da mãe felina. Bicho mãe é estranho mesmo! Bicho filha que se deliciava na sua filiação percebeu que aos quarenta anos algo novo acontecia, modificações ocorriam, bicho filha seria bicho mãe da filha ou filha da mãe. Este universo que se descortinou a sua frente revelou o ciclo inevitável e contra54

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ditório que essa espécie vive, são perdas e ganhos em frações de segundos, de menina passa a mulher, de filha passa à mãe, de mãe a filha e de filha a filha da mãe.

filhote. Para o bicho mãe, este filhote nunca cresce, é seu menininho ou sua menininha crescidinho, mas pequeninos e indefesos. Bicho mãe é viajante mesmo!

São sentimentos opostos vividos durante a sua trajetória, são alegrias, fracassos, sonhos sonhados, sonhos abortados, esquecidos e paralisados, mas descobertas vividas profundamente no tempo e espaço de sua existência.

Tem um espírito astuto que sabe direitinho fisgar seu filhote, seja pelo estômago ou com suas sábias palavras. Só o bicho mãe consegue isso com tanta desenvoltura, traz seu filhote de volta ao longo de sua vida para baixo de suas asas.

Bicho mãe tem desejo de VIDA, vida que nasce a cada dia, vida que transforma e amadurece, vida que envelhece, mas que nunca perde a essência da infância. Bicho mãe tem alma de anjo “encapetado” e sensibilidade guerreira. Bicho mãe ama incondicionalmente, se entrega neste ofício sem vacilar. Bicho mãe tem um profundo sentimento de posse e pertence. Ama a sua continuidade e a continuidade de sua continuidade. Bicho mãe, quando tem uma prole, sabe o que cada um deles precisa e sente. Bicho mãe, quando tem um único filhote, sufoca-o de carinhos, preocupações e super-proteção. Bicho mãe é admirável mesmo! Bicho mãe surta numa explosão de raiva e rapidamente se recompõe com a mesma velocidade do surto como se nada fosse. Bicho mãe conhece o perdão e exerce-o com uma naturalidade quando se trata de aplicá-lo ao seu filhote. Bicho mãe é o bicho que mais se culpa, pois não aceita de forma alguma errar na criação de seu filhote. Bicho mãe é maluco mesmo!! Bicho mãe aproxima-se de Deus com tanta facilidade quando necessita suplicar pelo seu

Bicho mãe tem asas para acolher todos, presas para afastar qualquer perigo e nadadeiras para incentivar mergulhos. Bicho mãe arrasta, rola, voa e salta quantas vezes forem necessárias para ver os seus filhos saudáveis e satisfeitos. Bicho mãe tem medo quando seu filhote vai alçar o primeiro vôo, mas acompanha-o no primeiro, segundo, terceiro, quantos vôos forem necessários, com a mesma vibração, empolgação do primeiro. Bicho mãe é incansável mesmo!!! Bicho mãe é engraçado, consegue nos alegrar nos momentos mais complicados, nos distraindo e acalentando. Bicho mãe é um bicho esquisito mesmo!!! Mas um bicho eternamente apaixonante e apaixonado por sua cria. “Uma homenagem sempre atual a todas as mães do Planeta “. Luciana Stocco de Mergulhão Mestre em Educação, especializada em Psicopedagogia e graduada em Pedagogia. Professora universitária dos cursos de Pedagogia,Psicopedagogia e atendimento psicopedagógico. Experiência profissional de professora e coordenadora pedagógica de educação básica.


Neo Mondo - Outubro 2008

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“Elaborar o cardápio de 8 mil crianças de 90 escolas e creches, considerando o valor nutricional indicado para cada idade, é o que chamo de um gigantesco desafio. Mas, nas ocasiões em que eu conto com o Programa Nutrir, tudo fica mais fácil. Ele funciona como uma ferramenta que me ajuda a estar próxima das merendeiras e a trabalharmos motivadas e unidas. No meu trajeto de Programa Nutrir,

Kizze Fajardo,

aprendi muito. Especialmente

Fortaleza, CE

que é fundamental colocar o coração

Nutricionista

no que fazemos.”

O Programa Nutrir da Nestlé completa 10 anos de trabalho voltado para o combate à desnutrição e à obesidade em comunidades de baixa renda do país. Conheça mais sobre essa iniciativa que já capacitou 11 mil educadores e beneficiou 1,2 milhão de crianças. www.nestle.com.br/nutrir Neo Mondo - Outubro 2008 A


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