Neomondo 30

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NeoMondo

www.neomondo.org.br

um olhar consciente

Ano 3 - Nº 30 - Janeiro 2010 - Distribuição Gratuita

Retrospectiva

2009

10

Renato Aragão

Viviane Senna

Mauricio de Sousa

“Eterna criança”

Pela memória de

Conscientização em quadrinhos

14

Ayrton Senna

18


NTE. MOTOCICLISTA LEGAL É MOTOCICLISTA CONSCIE

2

Neo Mondo - Maio 2008


USE EQUIPAMENTOS DE SEGURANÇA, FIQUE VISÍVEL E EVITE TRANSITAR ENTRE OS CARROS.

No trânsito é preciso ter sempre em mente o perigo que você pode causar aos outros e a si mesmo. Dirija com capacete, luvas e roupas que protejam e chamem atenção. Respeite sempre os limites de velocidade. Dirija com consciência.

www.eusoulegalnotransito.com.br Neo Mondo - Maio 2008

3


Editorial

P

rezado leitor, é com grande satisfação que preparamos para você uma retrospectiva das principais matérias das edições de 2009. Com certeza começamos 2010 com o pé direito, mostrando que o nosso compromisso com o conteúdo editorial gera credibilidade, consolida

relações com o público leitor e garante uma percepção positiva, extensiva aos parceiros e anunciantes. Pessoas bem informadas e conscientes são agentes de transformação capazes de alterar o presente e garantir o futuro de um planeta sustentável. A seguir uma síntese do que você

encontrará em nossas páginas. Com todas estas tragédias (enchentes) ocorridas por todo o Brasil, conheceremos a opinião de especialistas que indicam como o Vale do Itajaí deveria ser reconstruído de modo a evitar novas tragédias como a ocorrida em Novembro de 2008.

s

Kid NEOMONDO

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UM MUNDO DIFERENTE

Ano 1 - Nº 1 - Setembro/Outubro 2008 _ R$ 8,50

De olho no Universo

EDIÇÃO ESPECIAL

NEOMONDO UM OLHAR CONSCIENTE

Gente

do BEM Paulo Skaf

CRAMI

Os caminhos do desenvolvimento

06

4

Neo Mondo --Janeiro Agosto2010 2008

EDIÇÃO E

NEOMONDO

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32

Em busca da fala

UM OLHAR CONSCIENTE

Ano 3 - Nº 23 - Junho 2009 - Distribuição Gratuita

NEOMONDO

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UM OLHAR CONSCIENTE

Ano 3 - Nº 24 - Julho 2009 - Distribuição Gratuita

Dia mundial do

Meio Ambiente Agenda Criança

Teatro

Respeito é bom, e criança gosta!

20

De presente, um divertido jogo radical

Um papo com Mauricio de Sousa

08

EDIÇÃO ESPECIAL

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Ano 2 - Nº 22 - Maio 2009 - Distribuição Gratuita

Intervalo Cultural

Gente do Bem

Conheça os Animais Astronautas

06

Podemos Sim,

Prioridade na Amazônia

18

Unicef

Habitante Consciente

Produzir Água!

40

a salvação das empresas

82

Em construções convencionais

10

Tecnologia Socioeducacional

18

Ano 3 - Nº 25 - Agosto 2009 - Distribuição Gratuita

Diversid

Green Building

Bola pra Frente

O direito de aprender

NEOM

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Preservação Ambiental

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Gilberto Freyre “Um Pensador “

08

16


Em 2009 conversamos com grandes especialistas, personalidades tais como: o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, um intérprete das informações do planeta, Viviane Senna presidente do Instituto Ayrton Senna, Mauricio de Sousa maior desenhista brasileiro, nosso eterno “Didi“ Renato Aragão e muitos outros.

Tudo isso e muito mais você irá conferir nesta edição da NEO MONDO.

Oscar Lopes Luiz

Desejo uma ótima leitura e um 2010 repleto de realizações e comprometimento com o Planeta.

Presidente do Instituto Neo Mondo oscar@neomondo.org.br

s

Kid NEOMONDO Especial de Natal

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UM MUNDO DIFERENTE

Ano 1 - Nº 2 - Novembro/Dezembro 2008 _ R$ 8,50

De olho no Universo

Gente do Bem

Intervalo Cultural Um jogo de Valor

Marcos Ponte

O Sol

08

10

ESPECIAL

MONDO

NEOMONDO UM OLHAR CONSCIENTE

Ano 3 - Nº 26 - Setembro 2009 - Distribuição Gratuita

NEOMONDO

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UM OLHAR CONSCIENTE

Ano 3 - Nº 27 - Outubro 2009 - Distribuição Gratuita

NEOMONDO

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A Salvação do Planeta?

QUADRINHOS

Índio

Pintando com a boca

Identidade Cultural

Terra, respeito e vida

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Espelho de um povo

12

Plano Amazônia Sustentável (PAS)

Lição de Vida

28

Um ano depois...

Projeto Criança Ecológica

Frans Krajcberg A Arte que Grita!

46

12

Resultados positivos

G20

Procuram-se anfíbios

Brasil em evidência

46

-

Chico Graziano 10

Governo fixa metas para Copenhague

Lixo sem fim

Desafio: Vencer barreiras

Cadê as rãs?

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NEOMONDO

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UM OLHAR CONSCIENTE

Ano 3 - Nº 29 - Dezembro 2009 - Distribuição Gratuita

NEOMONDO

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UM OLHAR CONSCIENTE

Ano 3 - Nº 30 - Janeiro 2010 - Distribuição Gratuita

COP15

Conscientização em

dade

UM OLHAR CONSCIENTE

Ano 3 - Nº 28 - Novembro 2009 - Distribuição Gratuita

Lilian Aragão

Laison dos Santos

UM OLHAR CONSCIENTE

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Esse problema tem solução?

28

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Compromisso com o planeta

Somos os

Retrospectiva

2009

PRÓXIMOS? 10

Marcos Jank

Catástrofe Jurássica

Deficientes e eficientes

Renato Aragão

Em defesa da energia limpa

Alerta máximo na COP 15

Aumento de oportunidades no mercado de trabalho

“Eterna criança”

20

48

10

Neo Mondo - Janeiro 2010

Mauricio de Sousa

Viviane Senna

Conscientização em quadrinhos

Pela memória de

14

Ayrton Senna

18

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Seções Especial - Retrospectiva 2009 10 Renato Aragão Ícone do meio artístico coloca sua própria imagem a serviço de causas sociais

18

Especial - Retrospectiva 2009 Amor pago com amor Ayrton Senna: o legado de um dos maiores brasileiros

14 Especial - Retrospectiva 2009 Mauricio de Sousa Pai da Mônica completa 50 anos de carreira e investe na área socioeducacional

Especial - Retrospectiva 2009 26 Reconstruindo o Vale do Itajaí Especialista defende um planejamento estratégico da ocupação urbana, com bases técnicas, como forma de evitar novas tragédias 32 Artigo: Desastres naturais e riscos sociais Fenômenos naturais são parte da dinâmica do planeta 37 Artigo: Lançamento de Esgotos sem tratamento Um atraso da Política Nacional dos Recursos Hídricos Especial - Retrospectiva 2009 Dia de índio é sempre Convidamos você a entrar nessa floresta e ficar sabendo de uma ponta a outra do país sobre o orgulho de um povo

34 Especial - Retrospectiva 2009 38 Planeta Água tem solução Especialista prescreve inovação, aliada a conhecimento, para obter avanços sociais Especial - Retrospectiva 2009 52 Gilberto Freyre, um pensador do “ser brasileiro” Autor de “Casa- grande & Senzala” é reconhecido mundialmente pelo pioneirismo dos estudos da cultura brasileira

Diretor Responsável: Oscar Lopes Luiz Diretor de Redação: Gabriel Arcanjo Nogueira (MTB 16.586) Conselho Editorial: Oscar Lopes Luiz, Takashi Yamauchi, Marcio Thamos, Terence Trennepohl, João Carlos Mucciacito, Rafael Pimentel Lopes, Denise de La Corte Bacci, Dilma de Melo Silva, Natascha Trennepohl, Natan Rodrigues Ferreira de Melo e Silva e Rosane Magaly Martins Redação: Gabriel Arcanjo Nogueira (MTB 16.586), Rosane Araujo (MTB 38.300) e Elizabeth Lorenzotti (MTB 10.716) Estagiário: Caio César de Miranda Martins Revisão: Instituto Neo Mondo Diretora de Arte: Renata Ariane Rosa Projeto Gráfico: Instituto Neo Mondo Diretor Jurídico: Dr.Erick Rodrigues Ferreira de Melo e Silva Neo Mondo - Janeiro 2010

30

Especial - Retrospectiva 2009 A guerra das águas já começou! A água precisa ter valor social

Expediente

6

25 Artigo: A importância das Geociências para a sociedade moderna Muitas das preocupações ambientais que assolam a sociedade atual, apresentam uma natureza geocientífica

Especial - Retrospectiva 2009 Portal Neo Mondo Novo Portal de notícias é lançado pelo Instituto Neo Mondo

55 Artigo: O redescobrimento do Brasil Entendendo o conceito de brasilidade

48

22 A Voz da Natureza pela Geologia O geólogo é um intérprete das informações da Natureza

Especial - Retrospectiva 2009 Ações de sustentabilidade Governo e sociedade oferecem alternativas que levam em conta a realidade da população

42 Especial - Retrospectiva 2009 56 Especialidade: Ajudar o país a vencer barreiras Unicef propõe tratar diferentemente os diferentes para alcançar a educação qualificada

Publicação Correspondência: Instituto Neo Mondo Rua Primo Bruno Pezzolo, 86 - Casa 1 Vila Floresta - Santo André – SP Cep: 09050-120 Para falar com a Neo Mondo: assinatura@neomondo.org.br redacao@neomondo.org.br trabalheconosco@neomondo.org.br Para anunciar: comercial@neomondo.org.br Tel. (11) 4994-1690 Presidente do Instituto Neo Mondo: oscar@neomondo.org.br

A Revista Neo Mondo é uma publicação do Instituto Neo Mondo, CNPJ 08.806.545/000100, reconhecido como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), pelo Ministério da Justiça – processo MJ nº 08071.018087/2007-24. Tiragem mensal de 70 mil exemplares com distribuição nacional gratuita e assinaturas. Os artigos e informes publicitários não representam necessariamente a posição da revista e são de total responsabilidade de seus autores. Proibido reproduzir o conteúdo desta revista sem prévia autorização.


Neo Mondo - Julho 2008

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Há 10 anos, centenas de pessoas dos mais diferentes perfis atuam como voluntários do programa sociocultural Doutores Cidadãos. Elas são treinadas para levar alegria e cidadania a hospitais e asilos, atuando também com pacientes normalmente pouco beneficiados pela arte-terapia: adultos, idosos e profissionais da saúde. Os milhões de sorrisos já conquistados comprovam que amor e alegria são remédios universais. Para manter e ampliar o trabalho, o grupo realiza atividades em ambiente corporativo, como apresentação de eventos, palestras, oficinas e outras.Saiba mais sobre os Doutores Cidadãos e os outros programas sociais do Canto Cidadão em www.cantocidadao.org.br. Doutores Cidadãos. Há dez anos fazendo graça de graça.

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Neo Mondo - Julho 2008


Neo Mondo - Julho 2008

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Especial - Retrospectiva 2009

Renato

Incansável ícone do meio artístico - esperou 14 anos pelo primeiro filme -, coloca a própria imagem a serviço de causas sociais

Divulgação

Um trapalhão em Da Redação

E

le nasceu Antônio Renato Aragão, mas também atende por Didi Mocó Sonrisal Colesterol Novalgino. A veia artística do humorista cearense de 73 anos surgiu quando ele tinha apenas 24 e venceu um concurso para trabalhar como produtor em um programa de TV. Não demorou muito e seu talento como ator começou a aparecer. Da TV Ceará, foi para a Tupi, já no Rio de Janeiro, e, posteriormente, para a Excelsior, onde nasceu o humorístico Adoráveis Trapalhões, em que contracenava com Wanderley Cardoso, Ivon Cury e Ted Boy Marino. Quase 50 anos se passaram desde sua estreia e hoje Renato Aragão é um ícone mais do que consolidado no meio artístico brasileiro. Está beirando a marca de 50 filmes realizados, mas ainda mostra força: foi o grande homenageado da 4ª edição do Prêmio Contigo! de Cinema, ocorrido no último mês de setembro. Ao receber o prêmio das mãos da apresentadora Xuxa, declarou: É muito complicado fazer cinema no Brasil, é um ato de heroísmo. Meu primeiro filme demorou quatorze anos para ser feito e não parei mais”. Se títulos e homenagens comovem o artista, causas sociais tocam-lhe ainda mais fundo. 10

Neo Mondo - Janeiro 2010

Como embaixador do UNICEF, Renato procura garantir o riso das crianças de outra forma: oferecendo melhor qualidade de vida


Publicado na edição 27

Aragão

defesa das crianças Desde 1991, Renato é representante especial do UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e embaixador do mesmo órgão, em prol da infância brasileira. Ele utiliza a boa imagem galgada em anos de vida artística para estrelar campanhas de cunho social e já viajou pelo Brasil e o mundo participando de ações que buscam garantir que crianças e adolescentes cresçam e se desenvolvam integralmente, com acesso à educação e aos serviços de saúde de qualidade e longe de qualquer tipo de violência e exploração. Uma de suas incursões aconteceu em Angola, onde saiu em defesa de meninos e meninas vítimas da guerra. No Brasil, Renato tem apoiado fortemente as ações do UNICEF no semi-árido, região onde nasceu e que concentra alguns dos mais preocupantes indicadores sociais do país. O embaixador empresta sua imagem, sua voz e sua credibilidade para vídeos, spots e anúncios do Pacto Nacional Um mundo para a criança e o adolescente do Semi-árido e do Selo UNICEF Município Aprovado. Sua principal empreitada, porém, é mesmo o Criança Esperança, projeto idealizado por ele em 1986, colocado em prática pela Rede Globo e que, desde 2004, conta com o apoio da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), que é responsável pela seleção, acompanhamento técnico e financeiro dos projetos apoiados. Em 24 anos de existência, o Criança Esperança já soma cerca de 5 mil programas que já beneficiaram 4 milhões de crianças e adolescentes. “Tenho me dedicado, e vou continuar me dedicando à campanha. Não pre-

tendo parar tão cedo”, revelou em entrevista concedida à revista Neo Mondo. Nela, Renato também demonstrou o já famoso ciúme pela filha caçula Lívian, com que já contracenou em filmes e séries, entre elas a microssérie de cinco capítulos “Acampamento de Férias”, veiculada na Rede Globo de 12 a 16 de outubro. Um ciúme natural, afinal se as crianças do mundo suscitam preocupações no artista, que dirá sua própria prole. Confira a seguir a íntegra da entrevista. Neo Mondo: Ser um ídolo infantil há várias gerações naturalmente gera muita responsabilidade, tanto para as mensagens transmitidas em seus programas, como até mesmo suas próprias atitudes no dia-a-dia. Como você lida com essa responsabilidade? Quais os conteúdos que você pretende enfatizar nos programas? Renato Aragão: Precisamos viver o que cremos. Eu creio na esperança de um mundo mais justo e digno. Nossa intenção é sempre o entretenimento e a diversão saudável. Neo Mondo: Mesmo ainda sendo um ídolo infantil e produzindo bastante, atualmente sua participação em campanhas sociais tem lhe conferido tanto destaque quanto o trabalho artístico. Quando e como se deu esse engajamento com as questões sociais? Renato Aragão: Com os companheiros Dedé e Mussum, comemoramos 25 anos de “Os Trapalhões” em 1991, com uma grande festa em benefício do UNICEF. Como homenagem pelo trabalho

Ficha

Antônio Renato Aragão Nascimento: 13 de janeiro de 1936, em Sobral, no Ceará Ator, diretor, produtor, humorista Formado em Direito pela Faculdade de Direito do Ceará Principal personagem: Didi Mocó ou apenas Didi Tem uma filha, Lívian, com a atual esposa, a fotógrafa Lílian Taranto, além de outros quatro filhos do primeiro casamento com Marta Rangel: Paulo, Ricardo, Renato Jr. e Juliana. Participou de quase 50 filmes, três deles premiados internacionalmente: Os Vagabundos Trapalhões e O Cangaceiro Trapalhão, premiados no Festival Internacional de Cinema para a Infância e Juventude, realizado em Portugal, em 1984, e Os Trapalhões e a Árvore da Juventude, condecorado no III Festival de Cine Infantil de Ciudad Guayana, na Venezuela, em 1993. É embaixador da UNICEF, desde 1991. Curiosidades: Protagonizou dois episódios marcantes: escalou o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, para beijar a mão da estátua, e fez uma caminhada de São Paulo a Aparecida, levando uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, para pagar uma promessa feita à santa.

Neo Mondo - Janeiro 2010

11


Divulgação

Divulgação

Especial - Retrospectiva 2009

Ao lado da filha Lívian, protagoniza cenas engraçadas em filmes e séries de TV. Pai ciumento, porém, diz preferir que a menina optasse pela “paleontologia”

em prol da criança, recebi o título de Representante Especial do UNICEF para a Criança Brasileira. As atribuições deste cargo são defender os direitos da criança e do adolescente, promover e participar de campanhas de informação e esclarecimento público, especialmente as relacionadas com a saúde das crianças e adolescentes e, ainda, ajudar a mobilizar o setor artístico cultural em favor de ações que beneficiem a infância brasileira. Neo Mondo: Como embaixador do UNICEF, você já viajou pelo Brasil e o mundo e, certamente, conheceu realidades muito duras. Na sua visão, quais os principais problemas que ameaçam o desenvolvimento adequado das crianças, no Brasil e no mundo? Renato Aragão: A irresponsabilidade e o desrespeito aos direitos da criança.

“ 12

Neo Mondo: Na edição do Criança Esperança deste ano, foram enfatizadas as ações já realizadas com a arrecadação do projeto nos últimos 24 anos. Como você avalia esses resultados? O projeto tem ajudado a melhorar a situação da infância no país? Renato Aragão: São ótimos resultados, a população tem se mobilizado e feito a sua parte. É assim que poderemos amenizar as desigualdades, cada um fazendo o seu melhor para que a infância continue sendo a melhor fase de nossas vidas. Neo Mondo: Na sua opinião, qual o papel da sociedade civil na promoção de melhorias sociais? Até que ponto a mobilização social é importante? E o Estado, onde entra nessa história? Renato Aragão: A sociedade, todos nós somos responsáveis. Não há quem possa se eximir. Precisamos fazer a

Precisamos fazer a nossa parte, precisamos nos mobilizar para que os direitos sejam respeitados e para que as autoridades exerçam o papel que lhes é determinado Neo Mondo - Janeiro 2010

nossa parte, precisamos nos mobilizar para que os direitos sejam respeitados e para que as autoridades exerçam o papel que lhes é determinado. Neo Mondo: Sua relação com sua filha Lívian parece ser muito próxima e vocês já até atuaram juntos em várias ocasiões. Ela pretende seguir seus passos na carreira artística? Na sua opinião, como os pais devem conduzir a educação dos filhos e a escolha profissional? Renato Aragão: Isso é com ela. Por mim, ela seria paleontóloga.... rsrsrs... Acho que nós, os pais, precisamos nos esforçar para dar o melhor que podemos para que nossos filhos tenham condições de exercer o seu direito de escolha, apoiando sempre, em todas as circunstâncias. Neo Mondo: Você tem novos projetos na área social? Até quando pretende militar por esses ideais? Tem um objetivo a ser alcançado? Renato Aragão: Tenho me dedicado e vou continuar me dedicando à campanha Criança Esperança da UNESCO/ UNICEF. Não pretendo parar tão cedo. Meu objetivo é um mundo mais justo e mais digno.


Neo Mondo - Setembro 2008

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Especial - Retrospectiva 2009

Amor

O legado de Ayrton Senna, um dos maiores brasileiros, permanece vivo em ações socias Da Redação

M

esmo sem fazer disso uma bandeira de promoção, Ayrton Senna ficou conhecido como alguém que se orgulhava de ser brasileiro. Fez o cidadão comum redescobrir o sentido de orgulho da Pátria. O amor do povo brasileiro por ele se devia ao enorme sentimento de auto-estima que cada bandeirada vencedora lançava sobre seu povo. Junto com ele, o brasileiro subia no pódio, estourava a champanhe e o domingo parecia mais pleno. Ele retribuía esse sentimento em demonstrações rasgadas de patriotismo, empunhando a bandeira e o coração de todos que vibravam nas manhãs e madrugadas de Grande Prêmio, acompanhadas pela telinha por milhares de compatriotas. Passados 15 da sua morte, ele ainda é reconhecido como um exemplo e seu legado de valores e história permanece cada vez mais vivo. A família, através de Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna, mantém viva sua memória e tributo, através de ações sociais que, com certeza, devem fazê-lo, de onde estiver, vibrar a cada conquista obtida em prol de crianças e adolescentes. Abaixo, ela nos fala sobre Ayrton Senna e o Instituto que leva seu nome.

Neo Mondo: O Brasil conhece a figura do grande campeão, que por sua postura exemplar espelha o melhor aspecto dos brasileiros. Mas como era o brasileiro Ayrton: como ele era quando criança, como era a convivência com a família e com os irmãos? Do que gostava, qual era seu temperamento? Viviane: Meu irmão era uma criança esperta, vivaz. Desde pequeno, as rodas e a velocidade o encantavam. Aos 4 anos, ganhou o primeiro kart do meu pai. Embora ele fosse um 14

Neo Mondo - Janeiro 2010

pouco tímido com as pessoas, não deixava de se relacionar do jeito mais simples. Lembro de um aniversário, acho que dos 6 ou 7 anos, que ele quis fazer uma festinha. Ele saiu na rua convidando toda criança que via pela frente. Encheu nossa casa. E minha mãe, depois que tudo acabou, perguntou de onde conhecia toda aquela gente. Ayrton respondeu que não conhecia quase ninguém. A adolescência foi bastante madura, já que a carreira começou a ser traçada, profis-

sionalmente, aos 13 anos, quando também conquistou sua primeira vitória numa corrida oficial. Ayrton era uma criança feliz, um adolescente comprometido com seu futuro, um filho e um irmão carinhoso, afetivo. Temperamento forte, mas muito maleável. Ele sabia o que queria e lutava para conseguir. Sempre foi muito determinado. Neo Mondo: Ele conhecia a realidade de outros países e cultura, por conta de sua profissão. Viajava pelo


Publicado na edição 21

pago com

AMOR mundo e poderia viver longe do seu país, mas sempre que possível voltava ao Brasil, lugar de desigualdades, de sérios problemas sociais. O que o trazia de volta? Viviane: Mesmo vivendo a maior parte do tempo no exterior, o coração do Ayrton sempre esteve no Brasil, porque ele amava este país. Além de querer estar junto da família e de seus amigos, era aqui que se sentia à vontade quando não estava correndo ou treinando. A questão da desigualdade sempre incomodou meu irmão. Ele era bastante sensível a isso, especialmente ao que afetava crianças e jovens. Achava inconcebível que as pessoas, em sua maioria, não tinham as mesmas oportunidades que ele teve. E talvez por isso achava-se ainda mais comprometido com o Brasil. E gostava de vencer também para dar essa alegria aos brasileiros, que tinham a auto-estima alimentada ao vê-lo no pódio, carregando a nossa bandeira. Neo Mondo: Ele tinha idéia da dimensão da admiração do povo brasileiro e do quanto poderia influenciar com suas atitudes e comportamentos? Viviane: Ayrton sabia de seu papel como um esportista que representava todo o País. Também sentia o amor e o carinho do povo por ele. Nas suas atitudes na pista e na vida, ele cultivava valores que hoje são o seu maior legado: motivação, determinação, superação e orgulho

Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna

Neo Mondo - Janeiro 2010

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Norio Koike / Intituto Ayrton Senna

Especial - Retrospectiva 2009

Ayrton Senna, comemorando uma de suas vitórias

de ser brasileiro. Trabalhar para conquistar objetivos, acreditar no seu potencial, não se sentir vencido por obstáculos... era o que ele defendia e acreditava que qualquer pessoa era capaz. Neo Mondo: Qual foi o papel da família para a vida e carreira do Ayrton e de que forma o sucesso dele influenciou e mudou a família Senna? Viviane: Meu irmão recebeu todo o apoio de minha família, especialmente de meus pais. Ele nunca se sentiu sozinho na sua trajetória, que não foi fácil. O meio da Fórmula 1 é muito competitivo. Mesmo assim, Ayrton pautava-se naquilo que meus pais deram a ele. E por isso conseguiu superar muitas dificuldades. O sucesso sempre foi encarado como resultado de muito trabalho, esforço e dedicação. Mas era o sucesso dele. Nossas vidas caminhavam do mesmo jeito. 16

Neo Mondo - Janeiro 2010

Neo Mondo: Como surgiu o Instituto Ayrton Senna? Por que a sra. assumiu esse desafio? Viviane: O Instituto é a concretização do sonho de Ayrton. Como ele se incomodava com a questão da desigualdade, tinha planos de estruturar alguma coisa que pudesse ajudar a mudar isso, especialmente na vida de crianças e jovens. Ele chegou a manifestar esse desejo meses antes do acidente. Minha família resolveu criar o Instituto em novembro de 1994, primeiro para realizar esse desejo e, segundo, como uma resposta carinhosa e grata ao amor do povo brasileiro ao meu irmão. Neo Mondo: Quais as principais dificuldades do Instituto para atuar socialmente? Viviane: Combater a má qualidade do ensino público é o grande desafio não apenas do Instituto, mas de todo o País. Em 15 anos de

atividades, o Instituto já atendeu a cerca de 11,5 milhões de crianças e jovens, mas o número de crianças que não recebem educação de qualidade ainda é muito grande. Um exemplo é que de cada 10 alunos matriculados, 5 concluem o Ensino Fundamental e 3 o Ensino Médio. Essa realidade precisa ser transformada para que o país possa crescer em todos os níveis. Neo Mondo: De onde vem os recursos para esse trabalho? Viviane: Uma parte dos recursos vem dos 100% dos royalties sobre o licenciamento da imagem do Ayrton e do Senninha cedidos pela minha família ao Instituto. Hoje temos 350 produtos licenciados com a imagem de Ayrton e personagem Senninha. Outra parte é gerada pelas alianças com empresas socialmente responsáveis, como Bradesco Capitalização, Credicard, Microsoft, Votorantim, Citigroup, HP, Martins,


Neoenergia, Lide/EDH, Lilly, Tribanco, IBM e Grendene. Desde 2008, abrimos espaço para as doações de pessoas físicas porque muitos nos procuravam para abraçar a causa da educação e não sabiam como fazê-lo. Agora, qualquer pessoa entra no nosso site www.senna.org.br, cadastra-se e passa a ser um doador. Neo Mondo: Por que a escolha pela abordagem da educação nos projetos desenvolvidos? Viviane: Acreditamos que a educação é a única via capaz de transformar o potencial nato de cada um em competências e habilidades para a vida. Se garantirmos educação de qualidade à maioria da população – o que hoje não acontece – podemos melhorar o desenvolvimento econômico e humano do país. Uma nação que tem por base uma sociedade desigual, não forma cidadãos conscientes, críticos, solidários e participativos.

Daí a fundamental importância da educação nesse processo. Neo Mondo: E quais projetos são desenvolvidos hoje? Viviane: Hoje, desenvolvemos e implementamos 9 soluções educacionais. Por meio delas, são trabalhadas a aceleração de aprendizagem, o combate ao analfabetismo de crianças repetentes, a gestão escolar, a avaliação e o acompanhamento do aprendizado do aluno nas séries iniciais do ensino fundamental (Programas Acelera Brasil, Se Liga, Gestão Nota 10 e Circuito Campeão, respectivamente). Para qualificar o tempo em que o aluno está fora da escola, oferecemos soluções que utilizam o esporte, a arte e o trabalho com a juventude (Programas Educação pelo Esporte, Educação pela Arte e SuperAção Jovem). Na área de educação e tecnologia, temos os Programas Escola Conectada e Comunidade Conectada, que qua-

lificam a educação, promovem a inserção digital e preparam jovens e adultos para um melhor desempenho no mercado de trabalho. Todos os nossos Programas cumprem o mesmo objetivo: desenvolver potenciais de crianças e jovens, transformando-os em competências pessoais, sociais, cognitivas e produtivas. Neo Mondo: Quais as metas e novidades do Instituto para o ano de 2009? Viviane: Em 2009, o Instituto completa 15 anos de atividades. Ayrton e o Instituto serão homenageados em vários eventos ao longo do ano, como a exposição “Arte para um Mito”, no Conjunto Nacional em São Paulo, com curadoria de Paulo Solaris. A exposição Ayrton Senna no Vale da Anhangabaú, em parceria com a UGT, um presente para os trabalhadores da cidade de São Paulo. E a exposição Vitória, no Memorial da América Latina, dentre outras ações.

Viviane Senna na sala de aula do Instituto Ayrton Senna com as crianças

Neo Mondo - Janeiro 2010

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Especial Perfil - Retrospectiva 2009

Pai da Mônica completa 50 anos de carreira e investe em educação

Divulgação Mauricio de Sousa

Redação PorDa Rosane Araujo

E

le acumula números impressiot t i de d 1 bilhão bilhã de d nantes: tem mais revistas publicadas, mais de 200 personagens criados, mais de 3 mil itens de produtos licenciados, personagens publicados em 50 idiomas, em 126 países. 8 18

Setembro 2009 Neo Mondo - Janeiro 2010

Mauricio de Sousa acaba de complet 50 anos de d carreira i como o quadrinisdi i tar ta brasileiro mais bem sucedido dentro e fora do País. Após tanto tempo criando personagens e histórias para a Turma da Mô-

nica, que marcaram gerações, o artista i t t um envolvil i anunciou recentemente mento mais efetivo em projetos educacionais. Talvez seja sua forma de agradecer tanto reconhecimento e carinho das crianças.


O primeiro grande projeto foi realizado na China, onde Mauricio foi convidado pelo governo para criar histórias com caráter educativo para pré-alfabetização de cerca de 180 milhões de chinesinhos (veja mais detalhes sobre o projeto na entrevista a seguir). Agora o artista tem nos planos um projeto voltado para alfabetização de crianças brasileiras por meio da televisão. Ainda na área educacional, os personagens da Turma têm sido usados em constantes campanhas. Violência contra crianças, gripe suína e esclarecimentos sobre a síndrome de down foram alguns dos temas que tiveram a turma da dentuça como porta-voz. “E vem muito mais por aí”, garante Mauricio. Não é à toa que em 2007, num feito inédito, o Fundo das Nações Unidas para Criança e Adolescência (Unicef) nomeou como embaixadora a personagem Mônica, criação inspirada em sua segunda filha. Na ocasião, Mauricio foi nomeado Escritor para Crianças do Unicef. Em meio século de carreira, ele já acumulou muitas histórias para contar, além, é claro, das que divertem seus fãs no mundo inteiro. Por isso a comemoração do cinquentenário, completado neste ano, incluiu realizações diversas, como um documentário, abertura de exposição e lançamento de livro. O documentário foi exibido no canal Biography Channel em 18 de julho, e um dia depois foi aberta a exposição Mauricio 50 Anos, no Museu da Escultura (MuBE), na capital paulista. A mostra ficou no espaço até 18 de agosto, quando foi substituída por outra exposição: História em Quadrões, uma releitura de obras mundialmente consagradas, como a Monalisa de Leonardo da Vinci, transformada em Monicalisa. A mostra já percorreu o País e estava prevista para ficar no MuBE até 20 de setembro. O lançamento mais esperado das comemorações, porém, foi o do livro MSP 50 durante a XIV Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, realizada nos dias 12 e 13 de setembro. Nele, 50 artistas brasileiros apresentam histórias em quadrinhos inéditas utilizando os personagens da Turma da Mônica, mas com o traço original de cada quadrinista. Outros dois livros ainda estavam programados para este ano: um sobre os

Divulgação Mauricio de Sousa

Publicado na edição 25 26

Obras consagradas, como a Monalisa, são retratadas pela Turma. O objetivo é despertar o interesse das crianças pelos originais

50 anos do Bidu, o primeiro personagem, que hoje aparece, inclusive, no logotipo da empresa do autor, e outro, ainda não batizado, contando a trajetória artística de Mauricio, década a década. Das manchetes policiais às tiras de HQ Nascido em 1935, em Santa Isabel, no interior paulista, Mauricio demonstrou interesse pelo desenho logo cedo e para ajudar no orçamento doméstico criava cartazes e pôsteres. Chegou a produzir ilustrações para jornais de Mogi das Cruzes, mas foi em São Paulo que encontrou seu primeiro emprego fixo em uma grande publicação: atuou como repórter policial da Folha da Manhã, atual Folha de S.Paulo, durante cinco anos. Em 18 de julho de 1959, viu sua primeira tira publicada na Folha, uma história vertical, sem texto, estrelada pelos per-

sonagens que viriam a ser batizados como Bidu e Franjinha. A partir de então, o jornalismo foi deixado de lado e o desenhista iniciou a criação dos muitos personagens que viriam compor a Turma da Mônica. Superando crises econômicas, a invasão dos desenhos japoneses e outras tantas dificuldades, hoje Mauricio continua sendo o autor da revista em quadrinhos mais vendida do país. E ele não parece perder fôlego. Depois de passar pela Editora Abril e Editora Globo, assinou contrato com a multinacional italiana Panini, que publica suas revistas desde 2007. No ano passado, lançou a revista Turma da Mônica Jovem, cujas quatro primeiras edições venderam, juntas, mais de 1,5 milhão de exemplares. O quadrinista dedicou um pouco do seu tempo para responder algumas perguntas da redação da NEO MONDO. Confira a seguir. Neo Mondo - Setembro 2009 Neo Mondo - Janeiro 2010

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Divulgação Mauricio de Sousa

Especial Perfil - Retrospectiva 2009

Em viagem à China, em 2008, o presidente Lula conheceu o trabalho educacional desenvolvido por Mauricio no país

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Neo Mondo - Setembro 2009 Janeiro 2010

t d l ? estudos, por exemplo? Mauricio de Sousa: Em meus lançamentos nas livrarias, onde tenho contato direto com meus leitores, é comum algum pai dizer que seu filho aprendeu a ler com a Turma da Mônica. O lúdico sempre foi fonte de interesse da criança e a linguagem dos quadrinhos é especial nesse caso,

Neo Mondo: Você tem inserido temas sobre responsabilidade socioambiental, educação e cidadania em muitas histórias e mesmo utilizado os personagens em campanhas educacionais diversas. A identificação dos personagens ajuda para que esses conceitos sejam melhor assimilados? Mauricio de Sousa: Minhas histórias são recordações de brincadeiras de infância no interior paulista. Minha Vó Dita contava histórias para a garotada da rua, enquanto eu desenhava para ilustrá-las. Era uma espécie de cineminha que dava boa audiência. Meus pais, ligados à poesia, ajudaram muito nessa vontade de ser um escritor. Contar sobre todas essas coisas foi natural. Quando crio histórias para divertir também acabo passando algum ensinamento sobre

Divulgação Mauricio de Sousa

Neo Mondo: Você acaba de completar 50 anos de carreira. Como explica a sobrevivência de personagens como Bidu e Franjinha, os primeiros, e mesmo da Mônica, por tanto tempo? Eles precisaram sofrer “atualizações” no decorrer destes anos? Mauricio de Sousa: Há coisas que não se explicam, mas apontam pistas. E talvez uma das pistas para explicar a longa vida da Turma da Mônica seja o cuidado com que ela é produzida. Desde as artes, que evoluíram para atender ao gosto e à sensibilidade dinâmica dos leitores, até os roteiros, os textos, que atendem ao que se espera de modernidade, de atualidade. Os personagens falaram sempre e continuam falando a língua do dia, da hora. Usam o que os leitores estão usando, falam dos assuntos que os leitores estão falando. Assim, não envelhecem. Pelo contrário, interagem com o público. Neo Mondo: As publicações das revistas deste ano estão saindo com a assinatura “Ler é o maior barato”. Você acredita que os leitores de quadrinhos incorporam o hábito da leitura, tornando-se também adultos leitores? E durante a infância, você acha que o hábito pode refletir positivamente nos

pois trabalha a memória visual juntamente com a de leitura. O resultado é alguém interessado em ler apesar dos programas de TV, dos videogames e outras diversões modernas que tiram o tempo de leitura. Se conseguem ler, conseguem estudar qualquer matéria na escola. Conquistamos isso criando historinhas que, em primeiro lugar trazem boa diversão e, em segundo lugar, trazem lições de solidariedade, cultura e amor à vida.

Bidu, o primeiro personagem de Mauricio, estrela campanha contra a gripe suína. Toda a Turma foi usada em cartazes educativos


Divulgação Mauricio de Sousa

Atualmente, as revistas da Turma da Mônica representam mais mai de 80% do mercado editorial de quadrinhos brasileiro qu

os valores culturais ou solidariedade. Por essa razão, a Mônica tornou-se uma personalidade virtual de destaque. É embaixadora do UNICEF (a única virtual no mundo), Embaixadora do Turismo no Brasil e agora acaba de ser convidada como Embaixadora da Cultura do Brasil. A responsabilidade aumenta, mas sei que posso emprestar o carisma desses personagens para levar mais informação e formação para nossas crianças e jovens. Nesse momento, por exemplo, estamos elaborando material para a Campanha sobre a Gripe A (suína) que vem preocupando a todos por ser uma pandemia. Neo Mondo: Um dos pontos altos de sua carreira foi o título de “escritor para crianças do UNICEF” e a indicação da Mônica como embaixadora do órgão, em 2007. Quais as ações realizadas devido à conquista dos títulos? Mauricio de Sousa: Mesmo antes de ser escolhido como escritor para crianças do UNICEF já produzia naturalmente histórias com mensagens educativas. Agora estamos com mais trabalho em campanhas na mídia utilizando meus personagens. A última p do UNICEF foi a campanha na TV contra a violência às crianças. Faremos uitto mais nos próximos anos. muito

tá Neo Mondo: Em que estágio está o projeto educacional realizado em a? Foi parceria com o governo da China? necessário realizar mudanças noss per personagens ou nos temas das histórias para se aproximar da cultura chinesa? Como você avalia o projeto até agora? Mauricio de Sousa: Já foram lançadas cinco edições: Descobrimento do Brasil, Fenômenos da Natureza, Futebol, Meio Ambiente e Imigração, mostrando, em sua maioria, assuntos relacionados ao Brasil. Estão sendo distribuídas gratuitamente. São publicações da editora OEC - Online Education China, em parceria com o Consulado Brasileiro em Xangai. Fora isso, temos material veiculado pela internet diretamente para as escolas, já que editar livros para mais de 180 milhões de crianças chinesas acabaria com uma floresta por edição. Neo Mondo: E quanto ao seu projeto de alfabetização de crianças por meio da TV brasileira, qual sua expectativa? Ele já foi iniciado? Mauricio de Sousa: Esse projeto já está pronto e estamos conversando com empresários para colocá-lo em prática em 2010. Vai com nossa proposta para que todos nossos produtos tenham um viés educacional a partir de agora.

Mônica e Cebolinha encenam o descobrimento do Brasil em publicação do governo chinês

Neo Mondo: Para finalizar, qual sua opinião sobre a discussão atual em torno de jogos e desenhos animados com temáticas violentas? Você acredita que eles podem influenciar negativamente as crianças? Mauricio de Sousa: Estamos publicando em nossas revistas uma série de historinhas retratando os games, que fazem parte do dia-a-dia das crianças. Uma delas, Game na Real, traz o Cebolinha e o Cascão jogando game e descobrindo que os personagens de seus joguinhos são atendidos por uma ambulância quando eles não estão mais jogando. É a revolta dos personagens de games. A idéia é passar, com muita criatividade e humor, que às vezes é melhor brincar com heróis de verdade do que uma ação repetitiva que o game traz. Com isso, acreditamos que estamos fazendo nossa parte incentivando as crianças a brincarem mais com gente real do que com equipamentos eletrônicos. l ô

A evoluçã evolução ão da personagem Mô Mônica M ônica

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Especial - Retrospectiva 2009

A Voz da Natureza pela

GEOL

O geólogo é um intérprete das informações da Natureza Da Redação

Professor e Geólogo Alvaro Rodrigues dos Santos

O

professor e geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, pesquisador senior V do IPT (Instituto de Pesquisa Tecnológica, da USP) e um dos maiores especialistas brasileiros em Geologia de Engenharia e Geotecnia aplicadas a obras e ao uso e ocupação do solo, analisa, em entrevista à Revista Neo Mondo, os caminhos utilizados pelo homem na ocupação

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do planeta. Santos, que já ocupou cargos como diretor de Planejamento e Gestão do IPT, bem como da Divisão de Geologia e de diretor geral do DCET - Departamento de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, acaba de lançar seu último livro “Diálogos Geológicos”, no qual traduz as mensagens da Natureza ao homem e alerta: “é preciso conversar mais com a Terra”.

Neo Mondo: Qual a relação entre a geologia e o cotidiano do homem? Santos: Para o atendimento de suas necessidades, como energia, transporte, alimentação, moradia, segurança física, saúde, comunicação, o Homem é inexoravelmente levado a ocupar e modificar espaços naturais das mais diversas formas (com cidades, indústrias, usinas elétricas, estradas, portos, canais, agropecuária, extração de minérios e madeira, disposição de rejeitos ou resíduos industriais e urbanos), fato que já o transformou no mais poderoso agente geológico hoje atuante na superfície do planeta. Caso essas ocupações e esses empreendimentos não levem em conta, desde seu projeto até sua implantação e operação, as características dos materiais e dos processos geológicos naturais com que vão interferir e interagir, é quase certo que a Natureza responda através de acidentes locais (o rompimento de uma barragem, o colapso de uma ponte, a ruptura de um talude, por exemplo), ou problemas regionais (o assoreamento de um rio, de um reservatório, de um porto, enchentes, ou a contaminação de solos e de águas subterrâneas, por exemplo), consequências extremamente onerosas social e financeiramente, e muitas vezes trágicas no que diz respeito à perda de vidas humanas. Residem aí, portanto, as relações essenciais entre a Geologia e o cotidiano do homem.


Publicado na edição 19

OGIA Neo Mondo: Como tem sido historicamente a ocupação do solo pelo homem e em que ponto ele deixou de ter um relacionamento saudável com o Planeta? Santos: O homem paleolítico abastecia-se basicamente da caça e da coleta de alimentos vegetais e não modificava deliberadamente a Natureza. Se seu ambiente natural já não mais o atendia, procurava um novo ambiente por simples migração. No período Neolítico, que se estende de 10 mil a 5 mil anos a.C., o Homem muda drasticamente suas relações com a Natureza. Com o aumento dos indivíduos em cada grupo e o aumento de grupos disputando os mesmos espaços de abundância em caça e coleta, as migrações foram se tornando extremamente trabalhosas e problemáticas e o pressionaram ao sedentarismo e à superação dos limites ecológicos de seu hábitat, por meio da agricultura e da atividade pastoril. Essa é a essência revolucionária da Revolução Neolítica: o Homem passa a garantir as condições de seu desenvolvimento e multiplicação não mais pela migração, mas pela alteração orientada de seu hábitat. Neo Mondo: Desde então, quais as principais ações atuais que comprometeram o equilíbrio e a sustentabilidade do planeta?

Santos: As principais formas de intervenção direta do Homem na natureza geológica, por força e demanda de seu desenvolvimento tecnológico, social e cultural, são a agricultura/pecuária (por meio do desmatamento, do revolvimento de solos, das operações de drenagem e irrigação), a exploração de florestas naturais (para fins construtivos e energéticos), a mineração (mediante à exploração de insumos minerais para a construção e para a produção de metais utilitários), a urbanização (por meio da construção e expansão de cidades e de todos os equipamentos decorrentes da necessidade de abastecimento de água, energia, alimentos e esgotamento sanitário) e a produção de energia (com as sucessivas formas de aproveitamento das fontes energéticas naturais). Há formas de interferências indiretas do Homem na Natureza, mas não menos graves, como o efeito estufa/ aquecimento global, a poluição de águas superficiais e subterrâneas, etc. Neo Mondo: Quais os principais desafios que a sociedade moderna terá para reverter esse quadro de desequilíbrio? Santos: O Homem é colocado hoje, pela primeira vez em sua trajetória, face a face com a patente finitude de muitos desses recursos e espaços, como também com dimensões inesperadas,

e gravíssimas, de desarmonizações ambientais provocadas pela diversidade, intensidade e persistência de ações sobre o meio natural. Essa percepção da limitação física de espaços e recursos naturais encontra a Humanidade ainda perigosamente despreparada espiritual e culturalmente para a reação tecnológica e comportamental necessária a uma eficaz reversão dos processos de desequilíbrio ambiental. Nações em disputa, estruturas de poder e interesses econômicos fortíssimos em jogo, dissensões políticas, sociais, ideológicas e religiosas em alto nível de acirramento, disseminação comercial de uma cultura consumista compulsiva associada à pregação insistente de comportamentos de exacerbado individualismo, têm impedido, na prática, a tomada de decisões coletivas globais, decisões que necessitariam ser entendidas e assumidas como decisões da Humanidade, decisões da espécie humana. É de se perguntar se a Humanidade conseguirá resolver essas questões todas a tempo de salvar seu único hábitat de danos irreversíveis. Neo Mondo: Como a geologia pode auxiliar na análise, conscientização e construção de uma nova visão e mentalidade do uso que fazemos do Planeta? Santos: A Natureza, por suas formas de relevo, sua dinâmica de superfície e sua história geológica, dá informações

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Especial - Retrospectiva 2009

O Homem é colocado hoje, pela primeira vez em sua trajetória, face a face com a patente finitude de muitos recursos e espaços naturais

bém o direito das gerações futuras ao pleno gozo de suas vidas.

claras sobre suas características, seus comportamentos e suas vulnerabilidades frente a uma possível intervenção humana. A “leitura” dessas informações que nos são passadas pela Natureza e sua “tradução” para as ações humanas de engenharia, uso e ocupação do solo é uma ação interdisciplinar, mas, sem dúvida, cabe ao geólogo a grande responsabilidade profissional pelo bom cumprimento dessa tarefa. Ainda que sempre haverá o que aperfeiçoar nessa ação técnica, eu diria que os geólogos e outros profissionais que trabalham nessa área têm cumprido bem seu papel de produzir levantamentos e orientações técnicas de boa qualidade. O problema não está aí. Está na incrível má vontade, descompromisso e, em muitos casos, na irresponsabilidade com que administradores públicos e privados lidam com essas questões. Todos sempre apostando que em suas gestões não irá acontecer nenhum desastre ou tragédia e que, se acontecer, será, como sempre, fácil e cômodo “culpar a Natureza”.

relevos topograficamente mais acidentados e, portanto, mais instáveis geotecnicamente. O enfrentamento técnico do problema deveria ocorrer com uma componente preventiva, especialmente no âmbito de uma eficiente gestão do uso do solo sob a ótica geológica e uma componente corretiva, no âmbito de programas de consolidação geotécnica (incluindo a indispensável remoção de edificações instaladas em áreas de alto risco com a realocação das famílias envolvidas em áreas geologicamente adequadas). Sob o aspecto social envolvido no problema, são justamente as áreas caracterizadas por fatores de periculosidade e insalubridade (especialmente encostas íngremes e fundos de vale) que acabam oferecendo-se à população mais pobre como solução habitacional orçamentariamente compatível com seus parcos recursos. Essa deformação sóciourbana somente será superada com a implementação de corajosos programas habitacionais, especialmente voltados à população de menor renda.

Neo Mondo: Como encontrar o equilíbrio entre as demandas das grandes populações (habitação, por exemplo) e a exploração dos recursos naturais e, ainda, garantir a qualidade de vida? Santos: Com a convergência de ações de cunho social, cultural e tecnológico, que devem ser tradutoras de uma decisão política maior. Na questão habitacional e suas relações com as áreas de risco, por exemplo, se levarmos em conta o ponto de vista estritamente técnico, verificaremos que não há uma questão sequer envolvida no problema que já não tenha sido estudada e perfeitamente equacionada, com suas soluções resolvidas e disponibilizadas pela Geologia e pela Engenharia Geotécnica brasileiras. Essas expansões urbanas tendem, em muitas regiões brasileiras, a progressivamente, atingir

Neo Mondo: Qual o papel da tecnologia nas soluções para equacionar e permitir um uso consciente e racional nos processos produtivos e no dia-adia dos habitantes? Santos: Ao lado das mudanças sociais e comportamentais necessárias a transitar de um modelo vivencial altamente consumista e individualista (fonte das mais graves ameaças ambientais) para um modelo assentado em valores mais espiritualizados e humanistas, portanto ambientalmente harmônicos, é indispensável intensificar a busca e a produção de conhecimentos científicos e tecnológicos que tornem possível a compatibilização entre o desenvolvimento econômico socialmente necessário e a decisão de conservar o ambiente e respeitar tam-

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Neo Mondo: Estamos conseguindo avançar nesse sentido? Santos: Os reais avanços que vêm sendo registrados nesses últimos anos sugerem uma atitude otimista diante dos problemas colocados. Exemplo emblemático desse esforço foi a substituição do gás CFC – clorofluorcarbono, antes largamente utilizado em equipamentos de refrigeração, produção de espumas flexíveis e recipientes tipo spray, por gases inofensivos à Camada de Ozônio, como a mistura propano/ butano e o gás R-134. Na mesma perspectiva, vários centros de pesquisa dedicam-se à viabilização de produção limpa de energia através da Fusão Atômica, de aperfeiçoamentos que permitam o uso amplo de motores tipo Célula Combustível. O Brasil, com o Álcool Combustível e, agora, com o Biodiesel, deu um exemplo formidável na produção de combustíveis ambientalmente menos agressivos. Progridem animadoramente os aperfeiçoamentos voltados a conseguir melhores rendimentos nos sistemas eólicos e solares de produção de energia. No campo da Engenharia Civil brasileira, fato alvissareiro e marcante foi a construção da pista descendente da Rodovia dos Imigrantes, na transposição da Serra do Mar no Estado de São Paulo. O avançado entendimento do comportamento geológico-geotécnico das instáveis encostas da serra proporcionou e sugeriu uma concepção de projeto, fundamentada no uso intensivo de túneis e viadutos, e um plano construtivo cuja máxima preocupação foi reduzir ao mínimo possível as interferências nessas encostas. O resultado foi uma obra inteiramente harmonizada com o meio geológico e ambiental que a envolve. Um exemplo que se pode considerar clássico de um empreendimento sintonizado com os preceitos do Desenvolvimento Sustentável, provando que essa sintonia, além de desejável, é inteiramente possível se apoiada em um criativo esforço de inovação tecnológica.


Publicado na edição 24

Denise de La Corte Bacci

A importância das Geociências

para a sociedade moderna

O

ano de 2008 foi proclamado pela União Internacional de Ciências Geológicas (IUGS) e pelas Organizações das Nações Unidas (ONU) como o Ano Internacional do Planeta Terra (AIPT). Durante o triênio 2007-2009, estamos comemorando e divulgando para a sociedade as Ciências da Terra ou as Geociências. O termo Geociências engloba os estudos e interelações das quatro esferas terrestres (hidrosfera = água, litosfera = rocha, atmosfera = ar e biosfera = vida). Mais recentemente, uma quinta esfera vem sendo estudada, a antroposfera ou esfera humana. O homem vem sendo denominado como o mais novo agente geológico, uma vez que é capaz de transformar a superfície do planeta com uma velocidade muito maior do que alguns processos naturais. O termo Geociências vem sendo mais utilizado associado à Geologia, ciência que estuda a origem e formação do planeta Terra, os processos naturais de formação das rochas, minerais e minérios, as transformações das paisagens, os fósseis e a evolução da vida ao longo do tempo geológico. A Terra é um planeta dinâmico, em constante transformação, onde as mudanças globais ocorrem constantemente, em diversas escalas temporais. O conhecimento geológico sempre foi utilizado pela sociedade desde o surgimento da humanidade, de maneira a prover as necessidades básicas em termos de recursos minerais (pesquisa e prospecção mineral), exploração de materiais energéticos (combustíveis fósseis), na construção de obras civis (habitação, barragens, rodovias, túneis) e na descoberta de novos bens minerais. Mais recentemente, o papel das Geociências visa atender as demandas por soluções aos problemas ambientais, aplicado em áreas de risco, no planejamento urbano, no uso e ocupação do meio físico, nas avaliações de impacto ambiental e recuperação de áreas degradadas, na desertificação e nas mudanças globais. O conhecimento do meio físico e dos processos naturais que ocorrem em nosso planeta, ou seja, a compreensão geológica da natureza, ainda pouco divulgada e mantida no espaço dos especialistas, vem ganhando espaços de discussão cada vez maiores, uma vez que é fundamental para o desenvolvimento humano e sua sustentabilidade.

Muitas das preocupações ambientais que assolam a sociedade atual apresentam uma natureza geocientífica e podem, no futuro, colocar em risco as condições terrestres de sustentação da vida, atingindo também a espécie humana. É preciso conhecer uma história que começou a aproximadamente 4,5 bilhões de anos, com a formação do nosso planeta, para entender que a espécie humana é mais uma entre tantas outras que surgiram, mas que outras espécies se extinguiram naturalmente, por mudanças das condições naturais do planeta, seja da atmosfera, do clima, das paisagens, da vegetação, dos continentes. A história do nosso planeta nos conta que tivemos eras em que praticamente toda sua superfície estava coberta por gelo, em que o nível do mar estava dezenas de metros acima do atual, que a atmosfera continha muito mais CO2 do que agora, que os animais que aqui viviam atingiram muitas toneladas, que a evolução das espécies esteve ligada fortemente à diversidade dos ambientes geológicos. A história da Terra está escrita nos registros fossilíferos, nas rochas, nas montanhas, nos oceanos e é lida e divulgada pelo geocientista, que investiga, interpreta, mede, calcula, faz hipóteses e desenvolve teorias para recompor o passado e prever o futuro do planeta. Vivemos numa camada de cerca de 100 km denominada crosta, a qual é uma fonte de conhecimento histórico sobre a natureza onde os processos inorgânicos e a vida se desenvolvem rapidamente, sendo suporte da biosfera e da antroposfera. Esse conhecimento é fundamental para entendermos as relações existentes entre as esferas terrestres. É na crosta, ou pelo menos em uma parte dela, que vivemos e que a vida se desenvolveu no planeta. Compreender onde pisamos e as relações desse substrato com o nosso cotidiano em sua mais ampla perspectiva é compreender como os processos geológicos ocorreram, é entender como o planeta em que vivemos se formou, e essa visão implica em conscientização sobre nosso papel como mais uma espécie que habita a Terra, a única com capacidade de refletir sobre sua própria atuação e modificar sua postura. As Geociências contribuem para essa visão integrada do ambiente, enxerga os processos em sua totalidade, nas mais diferentes esferas

e escalas ao longo do tempo. Esta visão do conjunto de conhecimentos e idéias é essencial para promover uma nova relação do ser humano com a Natureza, mostrando a importância para o cotidiano dos cidadãos, pois abre possibilidades da sociedade tomar decisões e compreender as aplicações dos conhecimentos sobre a dinâmica natural na melhoria da qualidade de vida. A formação de cidadãos críticos e responsáveis com relação à ocupação do planeta e utilização de seus diversos recursos, cria meios para diminuir o impacto ambiental das atividades econômicas, e também busca soluções para os problemas já existentes de degradação do meio ambiente. O reconhecimento das Ciências da Terra como base para o desenvolvimento de uma sociedade sustentável é um grande passo e uma grande responsabilidade para os profissionais da área. Para o geólogo, é o momento de investir na divulgação da Geologia e avançar na compreensão de que seu papel é fundamental para o desenvolvimento da sociedade que exige uma visão integrada para a solução dos problemas ambientais prementes. Para o educador em Geociências e Educação Ambiental, faz-se necessário aprimorar as estratégias e metodologias de ensino no ambiente formal e não-formal de maneira que os conhecimentos em Geociências associados aos preceitos e fundamentos da Educação Ambiental sejam expandidos e apreendidos pela sociedade em geral. Para mais informação consulte: TEIXEIRA, W. FAIRCHILD, T. R., TOLEDO, M.C.M, TAIOLI, F. Decifrando a Terra. 2ª. Edição. Companhia Editora Nacional. São Paulo. 2009. Denise de La Corte Bacci Graduada em Geologia pela UNESP, Campus de Rio Claro, mestrado em Geociências e Meio Ambiente pela UNESP e doutorado em Geociências e Meio Ambiente pela UNESP. Estágios na Università di Milano e University of Missouri_Rolla. Pós-doutorado em Engenharia Mineral pela POLI-USP. Atualmente é docente do Instituto de Geociências da USP. E-mail: bacci@igc.usp.br Neo Mondo - Janeiro 2010

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Especial - Retrospectiva 2009

Reconstruindo

O VALE DO ITAJAÍ

Especialista defende um planejamento estratégico da ocupação urbana, com bases técnicas, como forma de evitar novas tragédias. Da Redação

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Publicado na edição 18

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m dos grandes desafios de 2009 será a reconstrução do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, atingido por torrenciais chuvas que provocaram enchentes e deslizamentos, causando destruição, mortes e prejuízos enormes a região. O Vale do Itajaí é formado por 53 municípios agrupados em quatro microrregiões: Blumenau, Itajaí, Ituporanga e Rio do Sul. Vidas foram ceifadas, centenas de casas foram danificadas, outras destruídas. A fúria das águas arrasou vias públicas, pontes, estradas, escolas, hospitais, etc. O prejuízo econômico contabilizando setores como indústrias, comércio, turismo e agricultura são de altíssimo porte.

TRAGÉDIA ANUNCIADA Um agravante nesses acontecimentos está exatamente nas condições previsíveis dessa ocorrência. O presidente da Associação dos Engenheiros e Arquitetos do Médio Vale do Itajaí (AEAMVI), engenheiro Juliano Gonçalves, disse que o ocorrido foi uma tragédia anunciada e denunciada sistematicamente por diversos órgãos técnicos, como a AEAMVI, que realizou estudos que apontavam para a necessidade emergencial da desocupação de áreas de riscos. Para ele, o fenômeno das enchentes poderia ter sido evitado ou pelo menos minimizado, através de obras de engenharia de prevenção e de eficientes sistemas de monitoramento de cheias. “A culpa não foi da chuva, mas da falta de planejamento e de aplicação de conhecimento técnico na ocupação urbana. Se mantivermos o mesmo modelo, atingi-

remos, no futuro, resultados semelhantes e até mais graves” – afirmou Gonçalves. HISTÓRIA RECORRENTE A história mostra que o Vale do Itajaí vem sofrendo de forma recorrente com enchentes, de proporções distintas e que agora foram agravadas pelas alterações climáticas. A região já registrou grandes enchentes, como as de 1983/84 e o deslizamento de 1990. Mas Gonçalves analisa que as causas dessa tragédia tiveram origem em um conjunto de fatores, nos quais além das características naturais como a topografia acidentada, a declividade das encostas e o tipo de solo, estão também sérios fatores socioambientais como as ocupações desordenadas, as ocupações em áreas de risco e de preservação, a irregularidade das construções, as grandes intervenções no meio ambiente sem obras de arrimo e de drenagem, o descaso com as normas técnicas de engenharia e de urbanismo, as alterações significativas na drenagem natural diminuindo a infiltração, e o desmatamento indiscriminado. Desse modo, na visão técnica do especialista, essas ocorrências revelam a falta de um eficiente planejamento contextual e integrado entre as diferentes áreas do conhecimento; a ausência da engenharia pública, que permitiria às populações mais pobres o acesso aos serviços técnicos; a falta de políticas eficientes de fiscalização e de um abrangente programa habitacional social. Aponta ainda a ausência de eficientes pro-

PROPOSTAS TÉCNICAS DA AEAMVI A solução para evitar novas ocorrências de acordo com a Associação dos Engenheiros e Arquitetos do Médio Vale do Itajaí (AEAMVI) passa necessariamente pela elaboração de planejamento estratégico contextual e integrado entre as diferentes áreas do conhecimento, capaz de contemplar: • a desocupação das áreas de risco e degradadas ambientalmente e das áreas de preservação, para sua posterior recomposição; • a relocação gradativa de centenas de famílias para outros locais, mediante um novo programa habitacional abrangente e contextualizado; • uma política habitacional social que inverta a lógica de quanto menor a renda, maior a periculosidade e insalubridade da edificação; • o controle geotécnico das encostas e a fiscalização da ocupação do solo; • um novo modelo de legislação urbanística; • a implementação imediata de um programa de engenharia pública no Estado e nos municípios, garantindo o acesso das classes menos favorecidas aos serviços técnicos de engenharia; • obras de infra-estrutura, de saneamento básico e ambiental e, • eficientes sistemas de alerta, monitoramento e contenção de cheias.

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Especial - Retrospectiva 2009

O CASO BRUSQUE A cidade de Brusque, também no Vale do Itajaí, optou pelo caminho das soluções técnicas e especializadas na reconstrução da cidade após as enchentes de 1983 e 1984 e na última enchente já pode sentir os benefícios dessa escolha. O prefeito, na época, Ciro Marcial Roza, buscou ajuda técnica para enfrentar esses fenômenos. O Instituto de Hidrografia do Paraná e da Universidade Federal de Santa Maria-RS, realizaram um trabalho científico de onde saíram propostas e recomendações para minimizar os efeitos de uma possível enchente.Roza explica que entre as soluções estavam o içamento da Ponte Arthur Schlösser, que foi elevado em 1,80m ; a construção de uma nova Ponte Irineu Bornhausen, sem os pilares na calha do Rio. Obra que foi executada utilizando uma tecnologia adotada na Itália, que são as pontes estaiadas. Também foram executados os serviços de desassoreamento da calha do rio Itajaí Mirim, que possuía muitas formações rochosas conhecidas como “itaipavas” e que foram explodidas. A recomposição da cobertura vegetal dos taludes (barrancas do rio) e a construção de um canal extravasor, que no caso de Brusque optou-se pela projeção e construção de avenidas expressas às margens do Rio que atingiram dupla finalidade: melhorar o fluxo do trânsito no centro da cidade e servir como canal para o escoamento das águas, em casos de enchentes. Todo o projeto exigiu grande investimento e por isso, ainda está sendo realizado, mesmo com mudanças de gestores municipais. Roza diz que os resultados falam por si. “Em 1984, com uma precipitação pluviométrica de 130 milímetros, o centro da cidade ficou 1 metro abaixo da água. Em novembro último, choveu mais de 200 milímetros em Brusque e o centro não foi atingido” – disse o prefeito. Mais ainda assim, a cidade sofreu com deslizamentos e desmoronamentos que atingiram cerca de 600 casas, das quais 250 foram destruídas ou condenadas. Assim, como as demais cidades atingidas, por motivos da ocupação urbana em áreas de riscos.

jetos de saneamento ambiental e de drenagem urbana; a falta de obras de infra-estrutura e ineficiência dos sistemas de alerta, monitoramento e contenção de cheias. “Não se trata de buscar culpados, mas de entender os processos que levaram a esta tragédia anunciada, para que possamos corrigir as ações futuras “ – disse. São exatamente esses critérios citados por ele, que dizem respeito ao planejamento, ocupação urbana e desenvolvimento, que devem ser revistos com embasamento técnico, para a reconstrução do Vale do Itajaí. Gonçalves defende que esse projeto deveria servir de exemplo para todo o país, onde as cidades vivem situações limítrofes de insustentabilidade. “Para tanto, os governos precisam criar projetos de desenvolvimento, com parâmetros técnicos e não políticos. Planos de governo são excelentes para a gestão administrativa, mas não servem para o desenvolvimento da sociedade, pois são de curtíssimo prazo. Precisamos pensar a médio e longo prazo” – defendeu o especialista. Ele alega que os problemas sociais transformam-se em prejuízos incalculáveis para o desenvolvimento do país. Prova maior pode ser verificada nas seqüelas das enchentes, que apontam que R$ 500 milhões em riqueza deixaram de ser gerados em uma semana, além dos investimentos que serão necessários para a reconstrução.

Foto: Wilson Dias/ABr

Situação das ruas atingidas por enchentes 28

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Situação das estradas atingidas por queda de barreira no município depois dos temporais no Vale do Itajaí, em Santa Catarina


Foto: Wilson Dias/ABr

PROCESSO DE RECONSTRUÇÃO Thiago Galvão, coordenador de ações de prevenção de riscos, da Secretaria Nacional de Programas Urbanos – SNPU, do Ministério das Cidades, explicou que foi criado um grupo técnico cientifico para estudo das ações de reconstrução. Segundo ele, cabe ao grupo analisar as possíveis causas e interferências humanas, mapeamentos, planos de prevenção e monitoramento de riscos, planos de obras e projetos. Fazem parte desse grupo: a equipe da Ação de Prevenção de Riscos/ SNPU, FAPESC, EPAGRI-CIRAM, MCIDADES, IPT, CPRM, UDESC, UFSC, UNISUL, UNIVILLE, FURB, UDESC e UNIVALE. O Ministério das Cidades está envolvido nesse processo através de duas vertentes: a Reconstrução, através de apoio à elaboração de obras de habitação, com recursos da ordem de aproximadamente 140 milhões e a participação no Grupo Técnico-Científico. Galvão informa que a reconstrução seguirá as seguintes etapas: • Ação Estrutural: que começaram por obras de estabilização de encostas, garantindo a segurança dos trabalhos, remoção das famílias de áreas de risco para assentamentos urbanos em locais seguros e congelamento dessas áreas críticas. Essa ação está sendo desenvolvida pela SNH/MCIDADES e COHAB/SC. • Ações não-estruturais: trata-se de uma fase importante do trabalho que, infelizmente, não pode ser realizada em curto

espaço de tempo, pela complexidade do fenômeno, que envolve o estudo sobre os condicionantes geológicos-geotécnicos e dinâmica fluvial do Vale do Itajaí, revisão de métodos de mapeamento, cursos de treinamento de equipes municipais e mapeamentos expeditos. Também está prevista a implementação de sistemas de monitoramento (previsão meteorológica, modelos de chuva-escorregamentos, monitoramento fluvial) e a elaboração de planos de obras, projetos de contenção; elaboração de planos preventivos de defesa civil e de contingência.Segundo Galvão, com esses cuidados o que se pretende é minimizar os impactos trágicos dessas ocorrências. Ele revela que as principais dificuldades encontradas estão na escolha de locais adequados para implantação de novos assentamentos, na revisão dos métodos já aplicados diante da amplitude do ocorrido e na definição das ações a serem desenvolvidas, visto que demandam visão mais sistêmica do processo.

Canal Extravasor no Centro do Brusque

“A culpa não foi da chuva, mas da falta de planejamento e de aplicação de conhecimento técnico na ocupação urbana”

Foto: Wilson Dias/ABr

Os moradores da região afetada pelas chuvas improvisam meio de locomoção

Casa destruída por deslizamento de terra causado pelos temporais que atingiram o município no Vale do Itajaí, em Santa Catarina Neo Mondo - Janeiro 2010

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Especial - Retrospectiva 2009

Portal

NEO

Novo Portal de notícias é lançado pelo Instituto Neo Mondo, atendendo a demanda por pesquisas de conteúdo socioambiental. Da Redação

O

Instituto Neo Mondo estará lançando em fevereiro seu Portal na rede mundial de computadores. Nele, os visitantes terão acesso a farto conteúdo informativo. O Instituto edita duas revistas socioambientais voltadas ao público adulto e infantil: a Neo Mondo e a Neo Mondo Kids. Todo material publicado nas revistas, desde a primeira edição em junho de 2007, estará disponível no Portal, organizado de acordo com editorias: economia, saúde, tecnologia, educação, meio ambiente, social, comportamento, etc. O objetivo é facilitar a consulta desse material, que tem tido forte demanda e procura por parte de escolas, universidades, institutos de pesquisas, dentre outros. No portal, desenvolvido pela empresa Plyn! Interativa, foi utilizada uma gama de tons de verde e amarelo para manter a identidade visual da Neomondo, muito próxima aos conceitos de brasilidade. “Realizamos também

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Neo Mondo - Janeiro 2010

uma arte gráfica para a topo do portal com imagens e ilustrações interligadas aos conceitos de sustentabilidade e responsabilidade social. A cada acesso no site uma imagem diferente é visualizada” - explicou Beto Rades, da Plyn. Há espaços para pesquisar por palavras, temas ou ainda categorias e editorias. Também foi criado um campo para sugestões de pautas. Serviços anteriores prestados pelo antigo site, como download integral das edições das revistas bem como a apresentação do planejamento anual, continuam a ser disponibilizados em projeto gráfico leve, moderno e de fácil leitura e pesquisa. Outra novidade será a inserção de notícias atualizadas através de parcerias com outros veículos de comunicação, institutos de pesquisa, fundações e agências de notícias, permitindo dinamismo e atualização. Também serão disponibilizados, após filtragem, materiais de divulgação encaminhados à Redação e que não puderam ser

utilizados na Revista, ampliando, dessa forma, o espaço para as notícias, agendas de eventos e outras programações relativas às temáticas sociais e ambientais . O presidente do Instituto, Oscar Lopes Luiz, afirma que esse investimento reforça a missão da organização que tem como objetivo conscientizar a sociedade, através da informação e do conhecimento, de que as práticas de Responsabilidade Social e Ambiental geram desenvolvimento sustentável, prosperidade e crescimento para os povos e nações. “Hoje, a internet é um manancial valioso de informações e um incontestável veículo de comunicação que, quando bem utilizado, pode fomentar boas práticas” – defendeu Lopes Luiz. O Portal já traz logo na sua inauguração mais de 300 matérias jornalísticas publicadas pela Revista Neo Mondo, cujo diferencial está na abordagem de diversos temas sob o prisma socioambiental e de desenvolvimento social. O leitor poderá conhecer a opinião de


Publicado na edição 18

MONDO

Fonte de Pesquisa cerca de 800 entrevistados, fontes de renome e de qualificação inquestionável, que expõem nas matérias suas análises e visões. Também estarão disponíveis os conteúdos dos articulistas da Revista Neo Mondo, todos especialistas em suas áreas de atuação, que abordam de forma criteriosa assuntos relevantes da atualidade. Temas como esportes inclusivos, valores na educação, soluções tecnológicas de sustentabilidade, transportes alternativos, normatizações sociais e ambientais, saúde pública, responsabilidade social, energia, turismo ecológico, segurança alimentar, cultura e artes, etc, assim como cadernos especiais sobre a água, a Amazônia, a Educação, a Gestão Municipal, a poluição industrial, dentre outros, podem ser pesquisados no Portal. INCLUSÃO Ao disponibilizar mais essa ferramenta de informação e pesquisa, o Instituto Neo Mondo avança em sua proposta de criar canais de divulgação, discussão e fomento

de posturas que contribuam para um novo modelo de gestão e de práticas sociais, tanto no mundo corporativo quanto nos demais segmentos da sociedade, alicerçadas no desenvolvimento sustentável. É indiscutível que a rede global de informação, mais conhecida por Internet, facilitou e mudou a forma de comunicar e aceder à informação, assumindo-se como um lugar de lazer, de divertimento, de comércio e serviços, de educação, de investigação, de informação e, sobretudo, de comunicação. Dados do IBOPE// NetRatings revelam que no Brasil cerca de 25 milhões de pessoas estão conectadas à internet em suas casas. Se considerarmos o mundo, esse número pode chegar a 825 milhões de pessoas. ESPAÇO INFANTIL A primeira revista infantil socioambiental do Brasil, a Neo Mondo kids, também recebeu cuidados especiais no Portal, com um hotsite, onde

será possível conhecer, com detalhes, a proposta do Instituto em criar um veículo de comunicação interessante e lúdico, direcionado para crianças. A Revista Neo Mondo Kids propõe discussões de temas sociais e ambientais para o público infanto-juvenil e pode ser utilizado como apoio pedagógico, em sala de aula. Vinculados aos conteúdos estão jogos e brincadeiras, assim como convites para participar de campanhas humanitárias e ecológicas, alimentação saudável, reciclagem e muito mais, num processo de grande interação. Junto com a Revista, o professor recebe o Manual com dicas de aplicação do conteúdo nas classes. Em linguagem própria, com recursos visuais atrativos, a equipe da Neo Mondo Kids formada por profissionais de comunicação e de pedagogia exploram de um forma proativa questões que permitirão formar futuros cidadãos mais conscientes e éticos.

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Desastres Naturais e Riscos Sociais

T

sunamis, terremotos, furacões, vulcões, escorregamentos e inundações são fenômenos naturais que sempre estiveram presentes em nosso planeta. Isso significa que não são acontecimentos isolados ou recentes que estão assolando áreas até então inatingíveis por mudanças atuais, muitas vezes atribuídas ao homem. Pelo contrário, esses fenômenos se repetem em determinadas áreas da Terra, como na região

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denominada Círculo do Fogo do Pacífico, intensa região com terremotos e vulcões ativos, alguns ocorrendo de forma cíclica, outros ocorrendo em momentos isolados e únicos na história da Terra. Os fenômenos naturais são parte da dinâmica do planeta e tornam-se desastres naturais quando atingem áreas habitadas. Com o crescimento populacional mundial no século XX, áreas suscetíveis aos fenômenos naturais foram ocupa-

das, o que produziu muitas catástrofes ao longo da história humana, como o teremoto de Kobe, no Japão, em 1995, o furação Catarina e os escorregamentos em Santa Catarina, em 2004 e 2008, ou ainda nos recentes tsunamis em Sumatra. No entanto, não podemos encarar tais fenômenos como uma vingança da natureza, como preconizado muitas vezes pela mídia, mas devemos entender a origem dos fenômenos e de que forma


Wilson Dias/ABr

Publicado na edição 27

Luiz Alves (SC) - Casa destruída por deslizamento de terra causado pelos temporais que atingiram o município no Vale do Itajaí, em Santa Catarina

a ocupação do meio físico pelo homem leva às indesejáveis catástrofes. Um tsunami, por exemplo, é uma onda marítima gerada por terremotos no assoalho oceânico. Um terremoto, por sua vez, é um termo usado para descrever um movimento súbito relacionado a falhamento, atividade vulcância, atividade magmática e outras mudanças no interior do planeta. Ele pode ser gerado pelo encontro das placas tectônicas, que fazem

Denise de La Corte Bacci

com que ondas sísmicas sejam produzidas e cheguem à superfície, produzindo os tremores. Os vulcões são sistemas pelos quais o magma do interior da Terra ascende à superfície devido às correntes de convexão do manto e pela movimentação das placas tectônicas. Os escorregamentos são movimentos de terra e rochas em áreas de declive, desencadeados pela ação da gravidade, que perdem a resistência em função de um aumento da carga sobre esse material, geralmente pelo acúmulo de água das chuvas. Segundo Macedo et al, 2008, desastres naturais atingiram mais de dois bilhões de pessoas nos últimos anos, gerando prejuízos superiores a 600 bilhões de dólares em todo o mundo e que os países mais pobres sofrem maior impacto devido à falta de recursos para implementar ações de prevenção e recuperação. Nos próximos anos, mais da metade da população mundial deverá habitar as megacidades, o que se constitui em cenários de risco a serem enfrentados. Infelizmente, ainda não se pode prever com exatidão quando um fenômeno vai ocorrer. Além disso, os altos custos de prevenção e de mitigação contribuem para agravar a situação em áreas densamente povoadas, o que pode gerar cenários futuros muito assustadores. As cidades situadas em áreas de risco vêm sendo orientadas para redirecionar o crescimento populacional para áreas de menor risco e despertar a consciência da população para desenvolver sistemas de alerta antecipado diante do risco iminente de desastres naturais. Previsão e prevenção são as melhores formas de evitar os desastres na atualidade. A previsão necessita de equipamentos adequados de monitoramento e de um conhecimento detalhado dos processos, além da avaliação das áreas que podem ser atingidas. O maior problema é prever quando o evento irá ocorrer com precisão.

A prevenção inclui medidas estruturais, como obras de engenharia, e nãoestruturais, como planejamento urbano, legislação, planos de contingência e alerta, e educação. Ou seja, implica muitas vezes na mudança de hábitos e atitudes dos cidadãos, que vai desde a disposição do lixo até a utilização e descarte das águas servidas. Essa mudança pode e deve começar com a informação correta ao cidadão, com políticas públicas embasadas em leis que previnam e impeçam a ocupação de áreas de risco, e governos que ofereçam condições de minimizar os impactos e de atender a população em casos de fenômenos extremos. Enfim, os desastres naturais devem ser encarados como uma consequência das ações humanas e da forma como ocupamos o meio físico. Muitas podem ser as causas dessa ocupação desordenada e desenfreada no ambiente e cabe aqui uma reflexão sobre a forma como a sociedade atual se apropria do espaço natural, pois, no final, isso nos coloca cada vez mais suscetíveis aos desastres naturais. Para saber mais: MACEDO, E.S.; MIRANDOLA, F.A.; GRAMANI, M.F.; OGURA, A.T. Desastres Naturais: situação mundial e brasileira. In: MACHADO, R.(Org.) As Ciências da Terra e sua importância para a humanidade. p. 36-47. SBG, São Paulo. 2008.

Denise de La Corte Bacci Graduada em Geologia pela UNESP, Campus de Rio Claro, mestrado em Geociências e Meio Ambiente pela UNESP e doutorado em Geociências e Meio Ambiente pela UNESP. Estágios na Università di Milano e University of Missouri_Rolla. Pós-doutorado em Engenharia Mineral pela POLI-USP. Atualmente é docente do Instituto de Geociências da USP. E-mail: bacci@igc.usp.br Neo Mondo - Janeiro 2010

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Especial - Retrospectiva 2009

A Guer

já Matthew Bowden

A água precisa ter valor social. Da Redação

“A

guerra das águas já começou”. A afirmação é do professor Christian Guy Caubet, doutorado em Toulouse, na França, e profundo conhecedor das questões de Direito Internacional Público e Direito Ambiental. É ainda autor dos livros: “A Água doce nas relações internacionais” e “A água, a lei, a política... e o meio ambiente?”. Caubet aponta os problemas relacionados à água no mundo como algo conflituoso e de grande complexidade por estar vinculado a decisões políticas.

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Neo Mondo: Quais os principais problemas relacionados aos nossos recursos hídricos? Christian: O principal problema está no valor que damos a água. A lei 9433 diz que a água é “um bem de domínio público com valor econômico”. Ai está o primeiro conflito, pois ela deveria redimir nossas práticas mercantilistas em relação a esse bem e passar a ter um caráter social, o que evitaria situações como, por exemplo, a interrupção do abastecimento de água de uma

Há remediações, há soluções, há caminhos, mas precisamos adotá-los já, antes que seja tarde demais

Neo Mondo - Janeiro 2010

escola pelo não pagamento da conta de água. A ONU, através da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), indica como necessidade mínima diária 40 litros de água potável por pessoa, disponíveis no lugar de consumo. Essa quantidade ampara a dignidade, pois representa a condição de saciar a sede, cozinhar e promover a higiene. Portanto, deveria ser uma quota mínima gratuita a que todo brasileiro teria direito, se a gestão da água tivesse um caráter social. A gestão dos recursos hídricos é, antes de tudo, uma questão de ordem política. Neo Mondo: Qual a média do consumo no Brasil? Christian: Antes, como referência, é importante dizer que alguns paí-


Publicado na edição 20

ra das

ÁGUAS

começou! ses da África sobrevivem com uma média de 7 litros diários por pessoa. No Brasil, essa média é de 180 litros por pessoa/dia. Sob o aspecto da utilização, o cenário brasileiro é catastrófico, e teremos que dar conta das consequências de nossos atos. Neo Mondo: Á abundância de água é o que leva a esse comportamento? Christian: Como disse, há uma cultura mercantilista, com uma ênfase desmedida na compra e venda, que não está preocupada com a questão da sustentabilidade. A água já brota com um valor comercial, que se segue nos processos de captação, tratamento para consumo e distribuição (onde se insere o transporte e faturação). Para se ter uma idéia: o relógio de água não mede o líquido consumido, mas o fluxo, ou seja, se injetarmos 3 m³ de ar, pagaremos o ar como se fosse água consumida. Quanto ao consumo insustentável, o país não acordou para essa situação. Não temos instrução pública básica para lidar com esse problema. No Brasil, lava-se um carro com mangueira que consome 180 litros

por lavagem. Um banho de imersão consome 220 litros. Essa água, depois de utilizada, não é reaproveitada, ela é descartada como se fosse um bem infinito. O Brasil mostra uma tendência de utilizar, cada vez mais, águas subterrâneas ao invés de águas de superfície.

superfície e renunciarmos aos comportamentos razoáveis e racionais. Deveríamos adotar o tratamento das águas superficiais como prioridade absoluta. Porém, optamos pelo regime do uso indiscriminado,

Neo Mondo: É o caso do uso do Aquífero Guarani (nossa maior reserva de água doce subterrânea)? Christian: Sim, a cidade de Ribeirão Preto, no interior paulista, é um exemplo clássico desse caso. Lá todo o consumo é retirado do Aquífero e a média de consumo por habitante é de 400 litros por dia. A cidade está afundando literalmente, pois a base calcária muito frágil está se dissolvendo e cedendo com a retirada do líquido. Há estudos que indicam alterações no solo, nos últimos 10 anos, que vão de 4 a 12 metros. Neo Mondo: Esse tipo de utilização não compromete o Aquífero? Christian: Claro que sim, o uso de águas subterrâneas se deve ao fato de não cuidarmos das águas de

Professor Christian Guy Caube

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Especial - Retrospectiva 2009

que ainda produz contaminação através de resíduos resultantes da exploração. Só acordaremos quando essa contaminação atingir patamares elevados. A lei que regulamenta a concessão da água também precisa ser respeitada. Atualmente, a outorga de quantidades de água é concedida sem a exigência do pretendente apresentar um Plano de Bacia, que é a previsão dos usos e de suas quantidades, realizada pelo comitê de bacia. Ora, se a Agência Nacional da Água não exige o cumprimento da lei para conceder outorga de direito de uso, quem o fará? Neo Mondo: A água pode vir a ser motivo de conflitos internacionais? Christian: Já é motivo, mas a desconversa é generalizada: nin-

guém quer assumir e publicar que certos conflitos bélicos devem-se à conquista da água. As guerras do Iraque e da Faixa de Gaza são exemplos disso. Ambas envolvem áreas que possuem água, cujos usuários habituais devem perder seus antigos hábitos de consumo, segundo os “Conquistadores das águas”. Se observarmos, verificaremos que uma das primeiras medidas de combate é explodir unidades de captação, tratamento ou abastecimento, interrompendo unidades de distribuição, transferindo o uso da água para os vencedores do conflito. A explicação é óbvia: água é mais importante que o petróleo, pois sem ela não há vida! Neo Mondo: E quais as soluções para garantir esse recurso tão precioso?

Christian: Passam necessariamente pela mudança de valores morais e sociais. Hoje já se fala em “água virtual”, aquela embutida em commodity, como exemplo de insumo grátis dos produtos agrícolas. A água virtual é um exemplo de como insistimos na concepção de utilizá-la como mais uma oportunidade de negócio. A água não é um produto, um negócio, um recurso. Ela é uma substância que precisa ser priorizada como algo de natureza social, a ser tabelada com preços públicos. Seria importante também que ficasse sob responsabilidade municipal, pois é onde há maior proximidade e possibilidade de envolvimento da população em sua gestão. Há remediações, há soluções, há caminhos, mas precisamos adotá-los já, antes que seja tarde demais!

Condições dos Rios no Mundo

Equador

Equador

Fragmentação e Regulamentação dos rios Inalterado Moderadamente Afetado Altamente Afetado Sem dados ou não Avaliado

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Publicado na edição 20

Natascha Trennepohl Lançamento de esgoto sem tratamento nos cursos d’água:

um atraso da Política Nacional dos Recursos Hídricos

O

s recursos hídricos não são mais considerados um bem abundante e gratuito e a água passou a ser vista como um recurso natural limitado e dotado de valor econômico. A edição da Lei 9.433/97 exemplifica essa mudança de paradigma, pois nela foram estabelecidos os instrumentos para a implantação da Política Nacional dos Recursos Hídricos (PNRH), que propõe a utilização racional, com o objetivo de assegurar às futuras gerações a disponibilidade de água em padrões de qualidade adequados. Essa Lei estabelece as diretrizes para a implementação da Política Nacional, reforça a possibilidade de cobrança pelo uso, cria o Sistema de Informações e elenca as características da outorga. A outorga nada mais é do que a concessão de direito de uso. Assim, a Administração concede a um interessado o direito de utilizar a água para uma determinada atividade e por um período definido. Dentre essas atividades se enquadram: captação para o consumo, irrigação, usos industriais, aproveitamento do potencial hidrelétrico, entre outros. Até aqui tudo bem. No entanto, a legislação prevê que seja concedido o direito de uso dos recursos hídricos para o “lançamento de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou NÃO, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final”. Parece um tanto contraditório, para dizer o mínimo, que a Política Nacional apregoe como um de seus objetivos o uso racional dos recursos hídricos para assegurar às futuras gerações a sua qualidade e, ao mesmo tempo, possa conceder o direito de jogar esgotos sem tratamento em um curso d’água para que a natureza se encarregue do seu transporte e disposição final. Além de coliformes fecais, gorduras e detergentes, outros poluentes se enquadram na categoria esgoto. Afirma-se, para justificar essa possibilidade de uso, que o esgoto in natura, ou seja, aquele que não recebeu nenhum tipo de tratamento, seja primário ou secundário, pode ser diluído no mar sem afetar a qualidade da água. No entanto, o acúmulo do esgoto, como o lançado pelos emissários submarinos, pode sim afetar o ecossistema local e influenciar

na mortandade de peixes e crustáceos. Os efeitos podem repercutir na atividade pesqueira e turística da região, sem falar na saúde pública, pois é sabido que muitos organismos aquáticos que são consumidos pelo homem funcionam como verdadeiros “faxineiros dos rios e do mar” alimentando-se da matéria orgânica presente na água. O próprio Plano Nacional de Recursos Hídricos (Vol. 01), publicado em março de 2008 pelo Ministério do Meio Ambiente, ressalta que “os critérios de outorga utilizados no país não possuem qualquer embasamento técnico do ponto de vista ambiental. São apenas fruto de estatísticas de vazões observadas com o intuito de conferir garantia aos usos antrópicos da água”. Situação semelhante aconteceria se a Política Nacional dos Resíduos Sólidos, em tramitação no Congresso Nacional, instituísse como alternativa legal para o tratamento dos resíduos sólidos a instalação de lixões, conhecidos por serem altamente poluentes e causarem sérios danos à saúde e ao meio ambiente. Permitir o lançamento de esgoto sem tratamento em cursos d’água é andar na contramão da proteção ambiental mundial. O 5ª. Fórum Mundial da Água (5th World Water Forum) acontece nesse mês em Istambul, na Turquia. Na agenda, discussões sobre os problemas globais referentes aos recursos hídricos, dentre eles o aspecto sanitário. A Water Expo também faz parte do Fórum e conta com a participação de empresas que apresentam seus serviços e produtos nesse ramo. Aqui é possível encontrar maquinário para a irrigação, sistemas de tratamento de esgoto, entre outros. O tratamento do esgoto doméstico foi objeto de regulamentação na União Européia em 1991 através da Diretiva 91/271/CEE. Nela estava previsto o tratamento adequado das “águas residuais urbanas”, exigindo-se, no mínimo, um tratamento primário, ou seja, que fosse realizada a decantação das partículas sólidas em suspensão, reduzindo-as em, pelo menos, 50%. No Relatório de 2003 sobre a implementação na União Européia da Diretiva 91/271/ CEE, a Alemanha apresentou resultados impressionantes, pois, na grande maioria dos casos, o esgoto já recebia um tratamento terciário, o qual utiliza técnicas mais avançadas

Correspondente especial de Berlim – Alemanha

para remoção de alguns contaminantes que não foram retirados nas etapas anteriores. Os demais casos recebiam tratamento secundário, utilizando-se o processo biológico. É certo que o saneamento básico é fundamental para a qualidade de vida da população. Ele está, inclusive, previsto como uma das metas do programa das Nações Unidas (Millennium Development Goals) para assegurar o desenvolvimento sustentável e reduzir a pobreza. Saneamento básico, sim. Mas será que precisamos do lançamento de esgotos sem nenhum tipo de tratamento nos cursos d’água? Uma possível explicação para o contrasenso da PNRH e a permissão do lançamento de esgotos não tratados é a previsão de cobrança pelo uso dos recursos hídricos. Assim, nos lançamentos de esgotos e outros resíduos líquidos e gasosos, os valores são calculados a partir do volume lançado e de suas características tóxicas. O mais interessante é que a cobrança pelo uso, de acordo com a própria Lei 9.433/97, tem como objetivo reconhecer a água como um bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor. Infelizmente nossos recursos hídricos não valem muito, pois os consideramos estações naturais de tratamento de esgoto. É lamentável que em pleno século XXI ainda estejamos jogando para a natureza a responsabilidade de limpar a nossa sujeira. Por fim, vale citar um trecho da Diretiva 2000/60/CE (Water Framework Directive) do Parlamento Europeu que estabelece uma ação comunitária em relação aos recursos hídricos, pois “a água não é um produto comercial como outro qualquer, mas um patrimônio que deve ser protegido, defendido e tratado como tal”. Natascha Trennepohl Advogada e consultora ambiental Mestre em Direito Ambiental (UFSC) Doutoranda na Humboldt Universität (HU) em Berlim Neo Mondo - Janeiro 2010

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Especial - Retrospectiva 2009

Especialista prescreve inovação, aliada a conhecimento, para obter avanços sociais Da Redação


Publicado na edição 27

Foto: Leonardo Rosa/Feevale

Feevale oferece Pós-Graduação em Qualidade Ambiental e mantém núcleo de extensão universitária no Parque Tecnológico do Vale dos Sinos

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e interligados, produção de conhecimento e inovação produzem importantes avanços na educação, geração de benefícios sociais, emprego e renda.” A fala do professor José Galizia Tundisi, doutor em Ciências Biológicas e especialista em limnologia (*), repercutiu bem na seleta plateia que assistiu, em 24 de setembro, à sua palestra na Feevale. Esse Centro Universitário de Novo Hamburgo (RS), dedicado a ensino, extensão, serviços e relações internacionais, está ligado a diversas questões envolvendo tecnologia. Entre outras atividades, mantém um núcleo de extensão universitária no Parque Tecnológico do Vale do Sinos e está à frente da entidade gestora do Parque, de acordo com a Assessoria de Imprensa da Feevale. O evento, promovido pela Pró-Reitoria de Pesquisa, Tecnologia e Inovação, em seu Programa de Pós-Graduação em Qualidade Ambiental, é sinal de como o meio acadêmico no País procura fazer a parte que lhe cabe nos cuidados do nosso ecossistema. E o palestrante não poderia ser mais indicado, por aliar qualificação acadêmica e atuação institucional. Ao abordar o tema Ciência, tecnologia e inovação para a transformação social, Tundisi - que atua na Pós-Graduação da Universidade Federal de São Carlos, no interior paulista, onde é pesquisador do Instituto Internacional de Ecologia (IEE) - foi enfático

ao lembrar a necessidade de haver interação dos diversos segmentos sociais. Premissas básicas Para o especialista, todos devemos ter a consciência de que premissas básicas devem ser respeitadas - a principal delas, a constatação de que o planeta é finito, e os recursos naturais são finitos. Para cuidar bem deles, a sociedade e o capital intelectual têm papel relevante: agir em rede e usar toda a capacidade de comunicação disponível; e contribuir para a evolução da sociedade. Tundisi considera que “o conjunto de ações de produção de conhecimento, inovação, capacitação e educação é um dos principais objetivos da universidade para contribuir com a transformação da sociedade”. Para cumprir bem essa tarefa, o mestre em Oceanografia, desde 1966, autor do livro Água no século XXI: enfrentando a escassez, não vê outra saída. Em sua palestra, Tundisi defendeu a necessidade de se recorrer a novos sistemas de organização das universidades, focando em resultados e objetivos de grande porte (regionais e nacionais) e voltados para a resolução dos grandes problemas da sociedade, entre os quais saúde, meio ambiente, educação, gerenciamento de crises - talvez a mais séria delas, as mudanças climáticas - e novos processos de gestão.

Modernizar é preciso Consultor em 38 países, o professor espera que indústria, comércio e setor público também mergulhem na discussão do tema, para que as iniciativas socioambientais ganhem em eficácia. Preocupação que pode ser sentida no Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH). Há 11 anos à frente do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh), além de formular a política nacional específica, o Conselho busca a articulação dos planejamentos nacional, estadual e regional, bem como dos setores usuários que integram o Singreh. Quem explica é Vicente Andreu Guillo, secretário-executivo do CNRH, que - mesmo reconhecendo grandes avanços no período - defende a modernização do organismo. O que, segundo diz, já é feito “a partir de um processo, iniciado no final do ano passado, para avaliar e rediscutir a atuação do Conselho, para que se torne mais ágil e eficiente em suas atribuições”. Vicente Andreu, formado em Estatística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), acumula experiência na presidência de organizações da iniciativa privada, desde 2001, aliada a cargos diretivos em instituições públicas. No CNRH, aponta a moderização como uma das metas a atingir, “para que a gestão de recu-

(*) Estudo dos fenômenos físicos e biológicos relativos a lagos e lagunas (Larousse Cultural) Neo Mondo - Janeiro 2010

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Especial - Retrospectiva 2009 Fotos: Leonardo Rosa/Feevale

Alunos e professores, atentos ao recado do palestrante: todos podem ajudar na resolução de problemas, como o das mudanças climáticas

ros hídricos no País continue a avançar e tenha participação cada vez mais forte do próprio Conselho, especialmente com uma agenda voltada aos principais desafios do setor e da sociedade”. Outra prioridade lembrada pelo secretário é a integração com outros colegiados, em especial o Coselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), de modo a dar um tratamento articulado e integrado de suas políticas. Conjunto de ações Vicente Andreu cita, entre ações importantes do Conselho, a aprovação do Plano Nacional de Recursos Hídricos, em janeiro de 2006, num processo de cerca de três anos que teve a participação de mais de 7 mil pessoas, represenativas de todos os setores responsáveis pela gestão de recursos hídricos - poder público, usuários de recursos hídricos e sociedade civil. O Plano, em implementação, tem o acompanhamento do CNRH, que trabalha no detalhamento de programas e subprogramas para sua viabilização. Também está em curso o processo de elaboração do planejamento estratégico das ações do Conselho, para que se torne mais ágil e eficiente nas respostas às demandas de sua competência.

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Referência internacional “Ao aprovar o Plano Nacional de Recursos Hídricos, o Brasil ganhou destaque em nível global, pois se tornou o primeiro país na América Latina e Caribe a cumprir com uma das Metas dos Objetivos do Milênio estabelecidas pela Organiazação das Nações Unidas (ONU)”, lembra o secretário. “Vale destacar que o processo de construção e aprovação do Plano serviu como indutor para que os Estados se mobilizassem e também elaborassem seus planos estaduais ou reavaliassem os já existentes”, diz. Para Vicente Andreu, o Fórum Mundial das Águas é importante espaço de debate e de troca de experiências em nível mundial, e nele o Brasil participa por meio de ampla delegação coordenada pela Secretaria-Executiva do Ministério do Meio Ambiente e pela Agência Nacional de Águas (Ana), com representantes de vários ministérios, Estados, ONGs e Comitês de Bacia Hidrográficas, dentre outros. Sem as parcerias não seria possível evoluir bem, pois se trata de “palavra- chave na gestão dos recursos hídricos brasileiros. A própria Lei de Águas as define como um dos fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos destaca, mesmo porque a gestão de recursos

Planeta é finito, e recursos naturais também; sociedade tem de agir em rede Neo Mondo - Janeiro 2010

Tundisi: enfático quanto ao papel transformador da Universidade e à interação dos diversos segmentos sociais

hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades”, argumenta. Gestão descentralizada e participativa que, explica, “se materializa nos órgãos colegiados do Singreh: o CNRH, os Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e os Comitês de Bacia Hidrográfica”. O que faz com que as principais decisões sobre o uso da água no País sejam tomadas por todos os setores interessados: “Não há imposição da vontade de um segmento sobre o outro. Existem disputas naturais, de acordo com os interesses de cada segmento, mas eles se sentam à mesa para discutir como parceiros e não como adversários”. Democratização Se o CNRH é um órgão colegiado que produz decisões democráticas, originadas dos segmentos interessados na gestão de recursos hídricos - poder público, usuários de recursos hídricos e organizações civis de recursos hídricos -, segmentos presentes tanto na composição do Conselho e do Plenário quanto de suas Câmaras Técnicas e Grupos de Trabalho. Todavia sua representatividade “é matéria que merece a reflexão de todos, especialmente do Governo Federal, pois detém a maioria dos membros do colegiado e faz-se necessária uma distribuição mais equitativa da representação com os demais segmentos que compõem o CNRH, para que o colegiado se torne mais representativo. Num conselho, não é desejável que algum segmento tenha, de partida, maioria consolidada”, sugere.


Vicente Andreu ressalta que , para a eficiência e o sucesso da gestão de recursos hídricos, a união de esforços é imprescindível. “Participar, além de divisão de poder e de responsabilidades, também significa intervir na tomada de decisão a fim de minimizar a ocorrência de riscos e erros”, sintetiza.

Para ele, “não há perdas nesse sistema de compartilhamento de responsabilidades, mas sim ganhos. E quanto maior for a participação, mais importância terá a gestão de recursos hídricos na vida do governo, das instituições privadas e das pessoas, ou seja, de toda a sociedade brasileira”.

www.villanatural.com.br

Lei de Águas e outros instrumentos

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secretário-executivo do CNRH aponta resultados que considera significativos na gestão de nossos recursos hídricos, num processo de implementação gradativa, desde a edição de seu marco legal: a Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, conhecida como Lei de Águas - “apesar das inúmeras dificuldades que o País enfrenta, entre elas a dupla dominialidade das águas (União e Estados) e as diversidades ambientais, culturais, econômicas e sociais”. Ele cita os mais de 160 Comitês de Bacia Hidrográfica em atividade funcionando em todo o território nacional. Exemplos são as bacias hidrográficas dos rios Paraíba do Sul e Piracicaba, Capivari e Jundiaí, rios de domínio da União, em que já existe entidade delegatária das funções de Agência de Água em funcionamento. “Nessas bacias, a cobrança pelo uso da água já foi implantada, e para a bacia hidrográfica do rio São Francisco também está prevista a implantação de entidade delegatária das funções de Agência de

Água, com a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, até 2010”, afirma. Vicente Andreu acrescenta que outros instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, especialmente a outorga, estão em fase implantação, não somente nos rios de domínio da União, mas também nos rios estaduais.

Alimentação saudável, saborosa e feita com arte

Foto: Ascom SRHU

Vicente Andreu: há avanços na gestão de recursos hídricos, mas é preciso aprimorar a democratização das decisões

Horário de Funcionamento Outras ações do Conselho * Resolução, de 2007, que estabelece diretrizes para a integração da gestão de recursos hídricos e da gestão de águas minerais, termais, gasosas, potáveis de mesa ou destinadas a fins balneários * Definição, em 2008, de critérios e procedimentos para proteção e conservação das águas subterrâneas no território brasileiro, com o objetivo de identificar, prevenir e reverter processos de superexplotação, poluição e contaminação desse recurso estratégico Fonte: CNRH

Seg a Sex - 11:30 às 15:00h Sáb, Dom e Feriados - 12:00 às 15:30h

(11) 2896-0065 Rua Cel. Ortiz, 726 V. Assunção - Santo André (Convênio com estacionamento)

Composição do CNRH • Governo Federal (Ministérios e Secretarias da Presidência da República) • Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, dos usuários de recursos hídricos e de organizações civis de recursos hídricos Fonte: CNRH Neo Mondo - Setembro 2008

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Especial - Retrospectiva 2009

Ações de Governo e sociedade oferecem alternativas que levam em conta a realidade da população Da Redação

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m desafio que se coloca para governos e cidadãos na Amazônia e no País é conhecer as características e necessidades dos povos da região, para melhor atendê-los. Nada que venha apenas de fora para dentro, mas que conte com a participação dos próprios integrantes desses povos. Claudia Calorio, diretora de Extrativismo da Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável (SEDR) do Ministério do Meio Ambiente (MMA), conversou com NEO MONDO sobre a importância estratégica e efetiva de mecanismos que o governo federal criou e desenvolve, para que se efetive “um recorte diferenciado na elaboração, articulação e execução de políticas públicas para os povos e comunidades tradicionais”. A mola-mestra é a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), que, desde 2006, conta com 15 representantes de

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povos indígenas, quilombolas, ciganos, pomeranos, ribeirinhos, quebradeiras de coco babaçu, extrativistas, pescadores artesanais, caiçaras, castanheiros, faxinalenses, geraizeiros, fundos de pasto, povos do cerrado, povos de terreiro e pantaneiros ao lado de 15 representantes de órgãos e entidades do poder executivo federal. “Esta é a instância deliberativa e consultiva para construção e acompanhamento da implementação de políticas públicas voltadas a estes segmentos”, diz Claudia. Outro exemplo de iniciativa oficial é o Plano Amazônia Sustentável (PAS), que desenvolve ações bem específicas, como nas cadeias produtivas de babaçu e castanha-do-pará (ver entrevista com o ministro Daniel Vargas, da SAE, na matéria que abre este caderno Especial), dois produtos de forte presença na região, além de outros projetos. Um deles, segundo o minis-

tro, em parceria com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que inclui comunidades extrativistas em seu planejamento de compras; o MMA, por sua vez, investe em capacitação de extrativistas; e o Serviço Florestal Brasileiro estimula e fomenta o manejo florestal comunitário. Sem falar das comunidades ribeirinhas na Amazônia, em favor das quais tem sido feita a regularização de sua presença e uso das áreas inalienáveis da União, especialmente em várzeas e beira de rios federais. Vargas cita que, só em Marajó, a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) concedeu o direito real de uso a mais de 15 mil famílias, além de o próprio Ministério da Aquicultura e Pesca ter trabalhado na região, tanto na implantação de acordos de pesca (manejo de estoques, para evitar que a atividade seja predatória), quanto na capacitação de pescadores artesanais.


Publicado na edição 26 Fotos: Andréa Ribeiro

O processo produtivo da juta é totalmente sustentável: do plantio, em margens alagadiças de rios, à colheita, passando pelo transporte até chegar à unidade industrial: fonte de renda para mais de 10 mil famílias de ribeirinhos e garantia de alta rentabilidade

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Especial - Retrospectiva 2009

Nova etapa para a região A Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) lembra que tem feito visitas constantes aos estados da Amazônia Legal para ouvir melhor a população, e promete intensificar o diálogo com lideranças regionais. Ponto de honra é a capacitação das pessoas e incentivo a atividades produtivas. A SAE reconhece que se “muito se faz, mais se fará, mas será ainda pouco”. E mesmo não tendo ações diretas, desenvolve o que classifica de ambiciosa a proposta de soerguimento do extrativismo, a ser levada a outras áreas do governo. Vargas diz que ela envolve várias frentes: desde a estimativa do estoque de carbono das reservas extrativistas (Resex) para eventual negociação em mercado até a criação de Escolas Técnicas da Floresta; desde estímulos fiscais a indústrias regionais que beneficiem produtos extrativistas sustentáveis até políticas para a rede urbana das regiões extrativistas; desde regularização fundiária de Resex até a detecção e remoção de entraves regulatórios a esse tipo de produção. O ministro garante que “agora começa uma nova etapa, cujo desafio fundamental é acelerar a transição do modelo de desenvolvimento antigo - ancorado em atividades econômicas com baixa tecnologia e alto impacto sobre o meio ambiente - para um modelo novo, que combine desenvolvimento com sustentabilidade. Nesse contexto, o debate internacional sobre o futuro do mercado de crédito de carbono e sobre a possível inclusão de florestas nesse mercado representa oportunidades interessantes para o País”. Juta como alternativa Se o governo faz a sua parte, a iniciativa privada encontra na juta uma alternativa de boas perspectivas para a gente amazônica. Isso porque tanto a juta como a malva estão adaptadas às condições de solo da região;

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o seu cultivo proporciona aos ribeirinhos uma renda certa durante o período de trabalho, uma vez que, por ser industrial, sai do campo diretamente para a fábrica; a rentabilidade por hectare na cultura é altíssima, quando comparada com outras atividades, como a pecuária; e a cultura dá condições de fixação do homem no campo, uma vez que, enquanto as plantas estão na fase de desenvolvimento, o produtor pode realizar outro tipo de atividade, como a pesca e a prática de outras culturas. Esta é a visão da Companhia Têxtil de Castanhal (CTC), que há mais de 40 anos participa do processo produtivo, desde a distribuição de sementes até a compra direta dos produtores. A empresa é líder no mercado, tem sede no Pará e unidades no Amazonas e no Sudeste do País. Ela própria distribui sementes em permuta por fibra, numa operação em que abre mão de parte do custo final das sementes, objetivando motivar o produtor a plantar e colher as fibras.

timento maior do Estado ao assumir a diversidade sociocultural brasileira”. Estruturada em quatro eixos - acesso aos territórios tradicionais e recursos naturais; infraestrutura; inclusão social; e fomento à produção sustentável -, a PNPCT já permitiu estabelecer mecanismos importantes, como o Programa Brasil Quilombola (com ações voltadas às comunidades remanescentes de quilombos); o Plano Nacional da Reforma Agrária (que, além dessas comunidades, beneficia populações indígenas, extrativistas e ribeirinhas); e a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (esta, além dos segmentos citados, contempla pescadores artesanais, povos da floresta e seringueiros). A especialista cita outro exemplo, que é o Programa Comunidades Tradicionais. Pela sua relevância, ao fomentar projetos de produção sustentáveis, inicialmente destinados à região amazônica, foi ampliado para todas as regiões do Brasil.

Desenvolvimento e inclusão A CNPCT, lembra Claudia, do MMA, construiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), em 2007, que estabeleceu os princípios, objetivos e instrumentos para a sua implementação. A diretora esclarece que “o objetivo principal da PNPCT é promover o desenvolvimento sustentável desses povos, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à sua identidade, suas formas de organização e suas instituições”. O que a torna “fundamental não somente por propiciar a inclusão política e social dos povos e comunidades tradicionais, mas também por estabelecer um pacto entre o poder público e esses segmentos, incluindo um comprome-

Apoio e capacitação Claudia explica que o Departamento de Extrativismo da SEDR/MMA é o responsável pela gerência do Programa Comunidades Tradicionais. Para ela, um avanço gerado a partir do PAS, por ser voltado para a inclusão social e produtiva. O que é feito mediante ações de Apoio às Organizações das Comunidades Tradicionais; Capacitação de Comunidades Tradicionais; Gestão Ambiental em Terras Quilombolas; Assistência à Comercialização de Produtos Extrativistas na Amazônia; Fomento a Projetos de Desenvolvimento Sustentável de Comunidades Tradicionais. A diretora destaca: “Toda a aplicação do recurso financeiro do Programa, voltado para o apoio a projetos, conta com a participação de entidades não governamentais e de movimentos sociais, que fazem parte do seu comitê gestor”. E con-

Viagens de barco pelos rios da região podem levar até 30 dias e são uma constante na vida do amazônida

Neo Mondo - Julho 2009


tabiliza: de 2004 a 2007, foram investidos mais de R$ 20 milhões em apoio a mais de 800 projetos de demanda espontânea, beneficiando cerca de 95 mil famílias. Além do investimento financeiro, Claudia considera relevante a capacitação na elaboração e gestão de projetos, de forma a dotar os povos e comunidades tradicionais de ferramentas de desenvolvimento sustentável. O que permite melhorar o processo de produção extrativista e comercialização, o acesso e garantia de territórios tradicionais, o fortalecimento da organização social, a geração de renda e a segurança alimentar e nutricional. Gestão participativa Para ela, há um enorme desafio pela frente: o de consolidar as cadeias de produtos extrativistas. O que tem sido buscado em estudos e parcerias que permitam chegar a metodologias adequadas a cada público e seus produtos, para que possam atender a realidade local. “Projetos, articulações e gestão participativa compõem o planejamento e execução de cadeias de valor, dotadas de ação local”, afirma. Claudia lembra ainda outras iniciativas que privilegiam parcerias público-privadas. Entre elas: • O Plano Nacional de Promoção das Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade - coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, MDS, MMA e Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com participação da sociedade civil e empresas -, que busca a articulação e ação de setores representativos dessas áreas, com metas bem específicas. De início, são trabalhados o babaçu e a castanha-do-Brasil, com ações para superação de gargalos ao longo da cadeia produtiva, como o fortalecimento e estruturação dos grupos sociais envolvidos; e garantias de inclusão desses grupos nos mercados institucionais, por meio do acesso ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e à Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM); e, mais recentemente, ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). • O Programa-Piloto de Fomento a Projetos de Gestão Ambiental dos Povos Indígenas da Amazônia, inserido no Programa de Proteção e Promoção dos Povos Indígenas, cujo objetivo é melhorar a qualidade de vida dos Povos da Amazônia Legal, fortalecendo sua sustentabilidade econômica, social e cultural, sem descuidar da conservação dos recursos naturais de

seus territórios. “Nosso Departamento de Extrativismo executa a ação Fomento à Gestão Ambiental em Terras Indígenas na Amazônia, conhecido como Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas (PDPI), responsável por 131 iniciativas que atendem mais de 40 mil indígenas de várias etnias”, enumera. Ainda no âmbito deste Programa, Claudia cita a ação de Fomento à Gestão Ambiental em Terras Indígenas, sob a coordenação da Carteira de Projetos Fome Zero e Desenvolvimento Sustentável em Comunidades Indígenas (ver texto nesta página sobre a Carteira Indígena). Para Claudia, “esse conjunto de iniciativas habilita as comunidades a acessar serviços públicos dos quais, antes, estavam excluídas. O que as fez passarem a participar dos fóruns locais de debate e negociação de políticas públicas; verem reconhecidos seu valor e a importância dos seus conhecimentos, passados de geração para geração, visando a conservação da biodiversidade”. A especialista conclui que “o reflexo desse pacto entre Estado e Povos e Comunidades Tradicionais leva a investimentos públicos, amplia a oferta de bens de cidadania, tem reflexos imediatos na valorização dos seus produtos e é um poderoso instrumento na rápida trajetória ascendente de crescimento econômico-social e de fortalecimento deles”. Com a vantagem de que, se esse processo foi, durante seis anos, restrito aos povos da Amazônia, a partir de 2006 ele ganhou caráter nacional beneficiando os povos de outros biomas, como o cerrado, mata atlântica, caatinga, pantanal e pampa.

cos e óleos vegetais. Isso, associado às características naturais da juta, faz com que o produto final seja totalmente biodegradável e, quando a embalagem utilizada é descartada, ela se desintegra completamente em menos de um ano sem deixar qualquer resíduo ou dano ambiental. Por todas estas características ecológicas e sustentáveis, a juta é considerada a fibra do futuro”.

Fibra do futuro Moacir Cavalcante, gerente de matériaprima da CTC, destaca a importância socioambiental do cultivo da juta. “Para o seu plantio, não se desmata a floresta, usam-se apenas as margens alagadiças dos rios onde não há mata. Como essas áreas naturalmente têm espaços limitados, apenas ribeirinhos, donos de pequenas propriedades, se interessam em produzi-la. Não há produção em grandes áreas ou fazendas”, afirma. Além disso, relata o executivo, “o cultivo da planta dispensa o uso de agrotóxicos, adubos químicos e fertilizantes, na medida em que a terra é fertilizada naturalmente pelo húmus deixado pelos rios. Após sua colheita manual, a cheia se encarrega de limpar o terreno, que não sofre processos agressivos ao solo, como a queima, prática comum a outras culturas”. Moacir acrescenta: “No processo industrial, são utilizados apenas aditivos orgâni-

Economia sustentável Conhecida desde o final dos anos 30, a cultura da juta e da malva, na região amazônica, chega a uma produção de cerca de 15 mil toneladas por ano, suficientes para a manutenção de algo em torno de 15 mil famílias no interior. “É cultura tipicamente de agricultura familiar”, lembra o gerente. Ele cita levantamentos realizados pelo Instituto de Fomento à Produção de Fibras Vegetais da Amazônia (Ifibram), segundo os quais o produtor gasta cerca de 60 dias/ homem de trabalho para cultivar (do plantio até a colheita) 1 hectare de fibra. A produção por hectare é de, no mínimo, 1,8 mil quilos de fibra seca. Considerando uma diária de R$ 20, que é o valor médio pago na região, o custo total do produtor pode chegar a R$ 1,2 mil por hectare. Como o preço de venda é atualmente de R$ 1,30 por quilo de fibra seca, isto representa uma receita

Ribeirinhos estão entre os povos contemplados nos 4 eixos da PNPCT

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Especial - Retrospectiva 2009

Programa oficial tem participação de ONGs e movimentos sociais no conselho gestor

total de R$ 2,3 mil por hectare e um lucro líquido de R$ 1,1 mil (48,7% de rentabilidade/hectare). Com a vantagem de, durante o período de cultivo, o produtor manter-se ocupado e remunerado. Em 2009, a juta e a malva movimentaram cerca de R$ 8,4 milhões na região ribeirinha do Amazonas, entre recursos privados e incentivos governamentais. O governo do Amazonas tem um programa de subsídio ao produtor, em que remunera em R$ 0,20 para cada quilo de fibra seca comercializada. O controle é realizado mediante notas fiscais emitidas na Fazenda do Estado, servindo o próprio documento de comprovação da comercialização entre empresas e produtores. Nos últimos cinco anos, a CTC tem aumentado sua compra direta com associações de produtores, formadas nas comunidades localizadas na calha do Solimões. “Esta ação tem como objetivo aumentar a renda dos produtores com a redução da ação dos atravessadores. Além disso, a organização dos produtores proporciona melhores condições de acesso a vários programas governamentais de incentivo e financiamento. E isto é deixado bem claro nas constantes

reuniões em que a empresa participa nas comunidades”, lembra Moacir. Com plantações concentradas nas calhas dos rios Solimões e Amazonas, a juta originária do Oriente - adaptou-se ao bioma amazônico, e hoje é a maior fonte de renda para mais de 10 mil famílias de ribeirinhos apenas no Estado do Amazonas, O Estado do Pará também é outro grande produtor, com mais de 5 mil famílias empregadas. Bolsa Floresta e parcerias No Estado do Amazonas, existe grande participação dos ribeirinhos e presença do governo junto à população do interior. Quem garante é o secretário executivo adjunto Bernhard J. Smid, de Relações Internacionais do Estado. “Exemplo disso é o programa Bolsa Floresta, que enfatiza a preservação ambiental com a participação da população do interior. Este programa, que é subdividido em quatro vertentes (renda; família; social; e associação), tem como finalidade primordial a sustentabilidade ambiental e socioeconômica, se valendo da descentralização de como melhor utilizar os recursos repassados diretamente à população. Desta forma, a população

atendida pelo Bolsa Floresta é capaz de tomar suas próprias decisões com base no que é prioridade para ela”, afirma. O secretário de Estado – que às vezes se empenha em viagens de até 30 dias de barco e em outras se utiliza de hidroavião – reforça o compromisso com a qualificação dos povos amazônicos. “A capacitação da população é importante em todos os níveis, o que pode ser observado na interatividade existente entre o governo do Estado, a Suframa, a Federação das Indústrias, o Sebrae e outros organismos”. O que, entre outros avanços, lhes permitiu chegar ao Distrito Industrial de Micro e Pequenas Empresas de Manaus (DIMPE) e na realização da Feira Internacional da Amazônia. Para Bernhard, “a valorização do indivíduo é fator primordial para o sucesso já alcançado, sendo não somente importante o estímulo por parte de entidades públicas, mas principalmente dos próprios interessados, o que se confunde, um pouco, com a auto-estima da pessoa”. Ele está consciente de que “governo, entidades de classe e outros podem ser os condutores da informação, extremamente importante na valorização do amazônida e dos produtos da região”. Sem falar na valorização da cultura, dos hábitos e das potencialidades da região - conjunto de suma importância para a determinação de ações de curto, médio e longo prazo. Exemplo, para o secretário, é a valorização do pescado local, que tende a gerar resultados positivos a longo prazo, enquanto treinamentos específicos, feitos pelas instituições citadas, geram resultados de curto e médio prazo.

246 projetos em 20 estados A Carteira Indígena, criada em 2003, lembra Claudia, é fruto da parceria entre o MMA e o MDS. Trata-se, explica, da primeira ação voltada exclusivamente para povos indígenas, com atuação em todo o território nacional e repasse de recursos federais diretamente para as associações comunitárias. “Sua atuação é baseada no respeito às diferentes culturas indígenas, garantia de controle social pelos beneficiários e incentivo à sua autonomia”. O balanço apresentado por Claudia, que vai de 2004 a 2008, revela que foram aprovados 246 projetos, com

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recursos repassados diretamente às associações comunitárias indígenas e instituições por elas indicadas. A subvenção aos projetos beneficia 12.477 famílias, distribuídas em 20 estados, envolvendo cerca de 80 etnias. Aproximadamente 90% dos projetos apoiados foram apresentados por representantes dos próprios indígenas. A diretora reitera a importância de saber ir ao encontro dessa gente. “O MMA, através do Departamento de Extrativismo, tem um diálogo constante com os grupos apoiados pelas suas carteiras de projetos, seja avaliando-os e monitorando-os, seja capacitando-os

no acesso às políticas públicas ou em temas de seus interesses”, assegura. Composição da CNPCT Presidida pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), por meio da Secretaria de Articulação Institucional e Parcerias. Cabe ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), por meio da Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável, as atribuições de Secretaria-Executiva. Fonte: SEDR/MMA


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Especial - Retrospectiva 2009

Dia de Índio é sempre

Mais que dono da própria terra, ele quer é ser respeitado e viver sua realidade Da Redação

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entar entender o que são povos indígenas, como vivem e o que fazem é embrenhar-se num emaranhado de etnias, costumes, organismos oficiais e não oficiais, de uma ponta a outra do País, mais intricado do que adentrar a própria floresta amazônica - ou o que vier a sobrar dela. Contribuição fundamental é a dos irmãos Villas Bôas, que iniciaram seus contatos com povos indígenas em meados do século 20 - tratados por eles com o respeito, a dignidade e a seriedade merecidos - e, de lá para cá, foram fiéis ao ideal de marechal Rondon, pioneiro na caminhada: “morrer se for preciso, matar nunca”. Noel Villas Bôas, um dos filhos de Orlando, mantém vivo o legado indigenista e, gentilmente, nos cedeu imagens que enriquecem esta edição da NEO MONDO. O censo de 2000 traz um dado que chegou a surpreender estudiosos: 734.131 mil brasileiros se definiram como índios,

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em 26 Estados e no Distrito Federal, mais que o dobro do número do censo de 1991. A Fundação Nacional do Índio (Funai) confirma a tendência crescente da população indígena, ao estimar que são hoje cerca de 1 milhão de índios agrupados em centenas de etnias que se distribuem por todo o País. E atesta que a taxa de crescimento demográfico desse segmento da sociedade supera o crescimento da população não-índia. Dá para dizer que a letra da música de Jorge Ben Jor faz sentido cada vez mais: em todo dia do ano, nossos índios podem comemorar seu dia. Importa mais, porém, conhecer um pouco mais do que pensam representantes dos próprios indígenas brasileiros, de instituições que trabalham diretamente com eles, para que a parte boa da música citada seja preservada: “Antes que o homem aqui chegasse/As Terras

Brasileiras/Eram habitadas e amadas/Por mais de 3 milhões de índios/Proprietários felizes/Da Terra Brasilis”...”Amantes da natureza/Eles são incapazes/Com certeza/ De maltratar uma fêmea/Ou de poluir o rio e o mar/Preservando o equilíbrio ecológico/Da terra, fauna e flora/Pois em sua glória, o índio/É o exemplo puro e perfeito/Próximo da harmonia/Da fraternidade e da alegria/Da alegria de viver!” Identidade retomada O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) entende que existe uma retomada da identidade étnica por parte de alguns grupos indígenas. Embora reconheça que o organismo, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), não disponha de dados sobre a citada autoidentificação, nos últimos anos, diversos grupos têm reassumido sua identidade étnica.


Publicado na edição 25

Acervo Orlando Villas Bôas

Indios do Alto Xingu dançando em homenagem ao Kuarup de Orlando Villas Bôas, 2003

Um desses grupos são os Tukanos, do qual faz parte Estevão Lemos Barreto (Kemarõ, em sua língua materna). Para ele, “a crescente autoidentificação de indígenas no País se deve a vários fatores sociais e políticos graças a algumas lideranças indígenas que levantaram a bandeira do direito a uma terra demarcada, desde os tempos da ditadura militar”. Nascido na Aldeia Mionã Pitó, na Terra Indígena Alto Rio Negro, município de São Gabriel da Cachoeira, a noroeste do Estado do Amazonas, e pai de 6 filhos, Estevão Tukano é formado em Ciências Sociais e iniciou pós-graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia. Um dos fatores que motiva a autoidentificação, acredita, é a visibilidade que o movimento indígena conquista na mídia impressa e eletrônica. Outros são os programas de benefícios sociais de governos, ao reconhecer o direito diferenciado a povos indígenas

como sociedade de cultura de características próprias. Num momento em que “a conjuntura política do País se afunda numa profunda crise de estrutura social e política, onde quem não grita não é ouvido, quem não aparece não é visto, a estratégia indígena é muito bem utilizada”, avalia. O que, a seu ver, “tem despertado e motivado dezenas ou centenas de pessoas que até então viviam oprimidas, discriminadas, marginalizadas e muitas delas no anonimato a se autoidentificar como indígenas ou seus descendentes”. Tática contra o etnocídio Estevão Tukano ressalta que não se trata de uma questão de mera sobrevivência: “Quem sobrevive são os que migraram para centros urbanos de municípios e capitais dos estados, em busca de melhores condições de vida – ou da ilusão de que viver na cidade é privilégio -, e outros em busca de

aprimorar cada vez mais seus conhecimentos”. Não que não haja os que se adaptam e vivem bem em centros urbanos. Mas, “uma coisa é certa: indígenas que vivem na sua terra de origem, estes não sobrevivem e sim vivem dentro da realidade que o ambiente lhes proporciona, atendendo a aspectos culturais de cada povo”. Uma análise próxima da do Cimi, ao lembrar que, por muitas décadas, alguns povos indígenas tiveram de usar como mecanismo de resistência o ocultamento de sua identidade. O que, no entender da instituição, era necessário como um meio de proteção para que as pessoas sobrevivessem a diversas agressões. Houve casos em que muitos negaram sua identidade por medo, como os Koiupanká, em Alagoas. Outros se isolaram ou se integraram a outros povos para continuar existindo, como os Xetá do Paraná. Neo Mondo - Janeiro 2010

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Especial - Retrospectiva 2009

Nos últimos 30 anos, é que muitos povos voltaram a assumir publicamente suas identidades. A partir daí, reapareceram no cenário nacional diversos povos que, por muito tempo, não eram conhecidos ou eram considerados extintos pelos registros oficiais do Estado brasileiro. Na visão do Cimi, é possível dizer que essa tática tenha sido a principal e mais eficiente estratégia na luta contra o etnocídio incentivado por políticas integracionistas. Ao fingir não ser mais indígena, o indivíduo pertencente a um determinado povo conseguia preservar sua integridade física. Ele deixava de ser perseguido por políticos e outras pessoas da região com interesses econômicos sobre suas terras e recursos naturais.

Crislian Michel Barreto Machado

Diversidade cultural expressiva A Funai cita alguns aspectos importantes, como o fato de a população indígena do Brasil representar uma das maiores diversidades culturais do planeta. São 220 povos diferenciados, falantes de 180 línguas, distribuídos em todo o território nacional. A instituição lembra que, para os povos que vivem em seus territórios tradicionais, o governo promoveu a regularização de mais de 400 áreas, totalizando 12% do território nacional. Se muitas dessas áreas enfrentam problemas de invasões, exploração ilegal dos recursos naturais e outras formas de pressão, a Funai - para conter os abusos e garantir os direitos dos povos indígenas - executa o Programa de Proteção e Promoção dos Povos Indígenas. O que é feito em ações que procuram considerar as especificidades culturais de cada povo, valorizando a autonomia e a participação dos indígenas nos processos políticos que definem suas condições de vida.

Estevão Tukano: “trabalho duro para ter condição digna” 50

Neo Mondo - Janeiro 2010

Telmo Ribeiro Paulino

Indígenas que vivem em sua terra de origem preservam a própria cultura num aprendizado constante

Firmeza Yanomami Para quem já foi consultor-antropólogo em convênio Funai-Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), atua em vários conselhos socioambientais, é membro fundador do Instituto de Empreendedorismo Indígena do Amazonas e presidente da Confederação das Organizações Indígenas e Povos do Amazonas (Coiam), pode-se dizer que Estevão Tukano é legítimo representante de povos indígenas. Ele fala com desenvoltura tanto de aspectos geográficos e históricos da região que mais conhece, o Amazonas - Estado que concentra o maior número de população indígena, algo em torno de “27% do seu total no Brasil e, portanto, a maior diversidade de povos indígenas” - como dos Yanomamis, etnia, segundo ele, mais focada pelos holofotes da mídia. O presidente da Coiam é cauteloso. “Se quem aparece na mídia é conhecido, todavia a mesma mídia que elitiza, destrói ou acaba com a imagem de qualquer cidadão”, diz. Estevão Tukano lembra que, entre suas características, os Yanomamis se destacam pela manutenção da cultura mediante o grafismo facial e a preservação ambiental. Habitantes de um território quantitativamente superior à área de muitos países europeus e sob a liderança de Davi Copenawa, esse povo, como “guardiões da floresta, trabalha duro para ter uma condição digna para viver”. O Cimi, por sua vez, destaca que os Yanomamis se mostram firmes contra a exploração mineral (por garimpeiros ou empresas) em suas terras. Ao lembrar que a terra Yanomami foi e continua sendo constantemente vítima de invasão de garimpeiros, que gera diversas consequências negativas para o povo, como vírus de doenças e contaminação de rios, o organismo da CNBB considera que muito da força Yanomami está nas lideranças desse povo, que não

toleram a exploração mineral em suas terras. Amazonas, um espelho Por contar com 178 terras indígenas demarcadas oficialmente, correspondendo a 29% do território do Estado, com 45.977.834 hectares, o Amazonas bem que pode ser um espelho para as demais unidades da Federação. O reconhecimento dessas terras, ressalta Estevão Tukano, representa papel fundamental na proteção das culturas dos povos indígenas e na conservação ambiental em vista do fator agravante de mudanças climáticas. O nível de organização indígena a que se chegou nesse Estado do Norte do País é fruto de muita consciência étnica e persistência, além de tudo. O presidente da Coiam afirma que, em sua trajetória, “lideranças indígenas das federações e organizações regionais do Amazonas discutiram em suas reuniões locais a necessidade de ampliar a articulação política do Movimento Indígena em outros Estados da Amazônia Brasileira”. Estatuto e relatório Quando já estávamos com esta matéria pronta, a Organização das Nações Unidas divulgou relatório, em que, entre outros aspectos, alerta para condições precárias em que vivem populações indígenas. Isto porque muitas delas não controlam suas terras e recursos. Se 15% da população brasileira vie na pobreza, entre os índios, a taxa sobe para 38%. O relatório, resultado de trabalho coordenado por James Anaya, descendente de apache, aponta sobretudo problemas em demarcações de terra, falta de recursos em projetos educacionais, pouca participação de povos indígenas em cargos políticos e, embora reconheça avanços nas iniciativas da Funai, defende que a Fundação abandone posturas


Câmara para modificar a forma pela qual as terras são demarcadas. Para Liana Utinguassú (saiba mais sobre ela no quadro abaixo), é triste constatar que o que se lê no relatório é mais e mais visto entre os índios brasileiros.

Acervo Orlando Villas Bôas

paternalistas, para se tornar mais efetiva na defesa dos interesses indígenas. O relatório diz ainda que o novo Estatuto do Indio, que está em debate, limitará a proteção dos direitos dos povos. No total, são 19 propostas no Senado e 15 na SERVIÇO

Para saber mais sobre as organizações indígenas citadas e ajudá-las em seus projetos, contatar: Fundação Villas-Bôas - www.expedicaovillasboas.com.br Coração da Terra - www.yvykuraxo.org.br Coiam - coiam.coiam@yahoo.com.br; ebtukano@hotmail.com Irmãos Villas Bôas: www.estadao.com.br/ext/especial/villasboas/; noelvillasboas@hotmail.com O site da Funai é www.funai.gov.br; e o do Cimi é www.cimi.org.br

Acervo Orla

ndo Villas Bô

as

Orlando Villas Bôas

Orlando, Leonardo e Cláudio Villas Bôas, década de 1950

Primeiros contatos com os Txikão, em 1967

Chegada dos Txikão ao Parque Indígena do Xingu, década de 1970

Claudio e Orlando com um índio xinguano, década de 1970

Ideal conservacionista e povos indígenas Entre as organizações envolvidas com a diversidade cultural estão a Fundação Villas-Bôas e a Yvy Kuraxo (Coração da Terra) - a primeira, do Pará; a segunda, do Rio Grande do Sul. A Fundação Villas-Bôas, presidida por Paulo Celso Villas-Bôas, está empenhada em um projeto da mais alta significância para tornar a Amazônia - e o País - sustentável: a Expedição Villas-Bôas pelo Brasil. Para isso, busca parcerias com áreas do setor produtivo, que lhe permitam viabilizar o projeto. Na empreitada, ele conta com sua “fiel escudeira” Liana Utinguassú, índia Guarani que preside a Yvy Kuraxo. Escritora e consultora, ela é autora do livro O Chamado da Terra. Paulo Celso esclarece: “A Fundação/Expedição Villas-Bôas pelo Brasil prima pelo conceito de Responsabilidade Social correlacionando-o com o amor ao próximo e ao planeta em um único tripé: o homem e sua família protegido pela força divina; a economia com o setor

produtivo; e a natureza e o trabalho com responsabilidade socioambiental”. Em que pese o sobrenome, Paulo Celso não é da família dos irmãos Villas Bôas, Orlando e Cláudio, indigenistas históricos. Mas o

ideal conservacionista, implícito em seu projeto, e a evolução dos povos indígenas caminham juntos. Assim como Paulo Celso e Liana, incansáveis à frente de ações próindígenas, como esta expedição. Acervo de Paulo Villas Bôas

Paulo Celso e Liana: os dois se dizem fiéis escudeiros; para ele, a Guarani é uma guerreira; ela o trata como irmão

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Especial - Retrospectiva 2009

Divulgação

Autor de “Casa-grande & Senzala” é reconhecido mundialmente pelo pioneirismo dos estudos da cultura brasileira Da Redação

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m 2010, completarão 110 anos de nascimento de um dos primeiros intelectuais a discutir o “ser brasileiro”: Gilberto Freyre. Nascido em Recife, Pernambuco, em 15 de março de 1900, formou-se bacharel em Ciências e Letras e posteriormente mestre em Ciências Sociais pela Columbia University de Nova Iorque, realizando doutorado em diversas instituições no decorrer da carreira. Sua principal obra foi publicada em 1933: “Casa-grande & Senzala”, livro que revolucionou a intelectualidade da época ao apresentar novos conceitos sobre a formação da sociedade brasileira, considerando a mistura de “três raças”: índios, africanos e portugueses. Durante o período de estudos na universidade americana, Freyre teve contato com o antropólogo Franz Boas, que viria a ser a principal referência na elaboração de uma linha de pensamento que diferenciava raça e cultura, separava herança cultural de herança étnica e considerava o conceito antropológico de cultura como o conjunto dos costumes, hábitos e crenças do povo brasileiro. Hoje, mesmo tendo aspectos de sua obra criticados (veja abaixo), Gilberto 52

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Ficha

Gilberto de Mello Freyre Nasceu no Recife, Pernambuco, em 15 de março de 1900, filho do Dr. Alfredo Freyre - educador, Juiz de Direito e catedrático de Economia Política da Faculdade de Direito do Recife - e Francisca de Mello Freyre. Sociólogo, antropólogo, escritor, pioneiro da Antropologia Cultural Moderna Brasileira com a obra “Casa-grande & Senzala”.

Foi doutor pelas Universidades de Paris (Sorbonne), Colúmbia (EUA), Coimbra (Portugal), Sussex (Inglaterra) e Münster (Alemanha). Em 1971, a Rainha Elizabeth lhe conferiu o título de Sir (Cavaleiro do Império Britânico).

Todo brasileiro traz na alma e no corpo a sombra do indígena ou do negro

Obras: Casa-Grande & Senzala, 1933.

Sobrados e Mucambos, 1936. Nordeste: Aspectos da Influência da Cana Sobre a Vida e a Paisagem..., 1937. Assucar, 1939. Olinda, 1939. O mundo que o português criou, 1940.

Freyre ainda inspira estudos e conquista admiradores. Ele foi tema de exposição majestosa no Museu da Língua Portuguesa, entre novembro de 2007 e maio de 2008, que reuniu acervo da Fundação que leva seu nome, criada meses antes de sua morte, ocorrida em 18 de julho de 1987. E, no ano passado, foi tema do livro “Gilberto Freyre-Social theory in the tropics”, lançado pelo conhecido historiador da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, Peter Burke e sua mulher, a brasileira Maria Lúcia Garcia Palhares Burke, do Centro de Estudos Latino-americanos da mesma universidade. A obra situa-o em seu contexto cultural e político, sem ocultar as críticas, mas reconhecendo também suas enormes contribuições à compreensão da sociedade brasileira. Mas, afinal, quais são essas contribuições? Certamente são muitas, mas destacase, no aspecto da historiografia, a maneira inovadora de considerar a história, não por meio de grandes feitos, mas sim pela análise da vida cotidiana, incluindo-se aí relatos orais e documentos manuscritos. Teria sido ele, então, um dos primeiros a pensar em “patrimônio imaterial”?

Muitos acreditam que sim. “Ele foi o precursor do conceito de patrimônio imaterial, conceito este que se concretizou com enorme sucesso”, afirmou Antonio Carlos Sartini, superintendente-executivo do Museu da Língua Portuguesa, no site da Fundação Gilberto Freyre. Outra contribuição da obra de Freyre foi a tentativa de desmistificar a noção de determinação racial na formação de um povo, apontando a miscigenação conferida no país como elemento positivo. Em “Casa-Grande”, o papel de índios e negros na formação do povo brasileiro é valorizada de forma praticamente inédita. Autor não é unanimidade Mesmo tendo alcançado sucesso dentro e fora do país, as ideias defendidas por Gilberto Freyre não são unanimidade. Membro da classe dominante pernambucana (o pai era juiz de Direito e catedrático de Economia política da Faculdade de Direito do Recife, e o avô senhor de engenho), é por vezes acusado de manter postura elitista, mostrando-se benevolente com a escravidão, na qual via consequências positivas do

A história de um engenheiro francês no Brasil,1941. Problemas brasileiros de antropologia, 1943. Sociologia, 1945. Interpretação do Brasil, 1947. Ingleses no Brasil, 1948. Ordem e Progresso, 1957. O Recife sim, Recife não, 1960. Vida social no Brasil nos meados do século XIX, (1964). Brasis, Brasil e Brasília, 1968. O brasileiro entre os outros hispanos, 1975. Influências Franz Boas (18598-1942) – crítico feroz dos determinismos biológicos e geográficos. Apontava que cada cultura é uma unidade integrada, fruto de um desenvolvimento histórico peculiar. Dentre suas obras principais, destacam-se: “The Mind of Primitive Man”, 1938 (A Mente do Homem Primitivo), e “Race, Language and Culture”, 1940 (Raça, Linguagem e Cultura).

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Especial - Retrospectiva 2009

ponto de vista cultural, no contato de brancos e negros. Apesar do termo nunca ter aparecido em sua obra, seus estudos foram interpretados como defensores da miscigenação como mecanismo desencadeador da “democracia racial”. Outros estudiosos da época, porém, refutavam esta ideia, ressaltando a injustiça e violência do regime escravista, no qual não vinham qualquer ponto positivo. Era o caso do sociólogo paulista Florestan Fernandes. No ponto de vista defendido por Florestan, não há igualdade racial no Brasil e a miscigenação é um mecanismo, não de ascensão social para negros e mulatos, mas, ao contrário, que promove a hegemonia da raça dominante. O embate de ideias dava-se porque, enquanto Freyre baseava-se na escola culturalista da antropologia de Franz Boas, Florestan utilizava o método histórico dialético de Karl Marx. A discussão continua, mas não diminui a importância do legado de Gilberto Freyre, ainda considerado um dos melhores “intérpretes do Brasil”.

Casa-Grande & Senzala foi a resposta à seguinte indagação que eu fazia a mim próprio: o que é ser brasileiro? E a minha principal fonte de informação fui eu próprio, o que eu era como brasileiro, como eu respondia a certos estímulos. Gilberto Freyre

Depoimentos

“E então apareceu Casa-Grande & Senzala. Saíamos do terreno da ficção, da pura criação literária, agora abria-se um nôvo caminho para o estudo, para a ciência. Foi uma explosão, um fato nôvo, alguma coisa como ainda não possuíamos e houve de imediato uma consciência de que crescêramos e estávamos mais capazes. Quem não viveu aquêle tempo não pode realmente imaginar sua beleza. Como um deslumbramento. Assisti e participei dêsses acontecimentos, posso dar testemunho. O livro de Gilberto, foi fundamental para tôda a transformação sofrida no país, verdadeira alavanca. O abalo produzido na opinião pública por CasaGrande & Senzala foi decisivo. Uma época começava no Brasil, o aparecimento de tal livro era a melhor das provas”. Jorge Amado

“Felizmente o Brasil futuro não vai ser o que os velhos historiadores disseram e os de hoje repetem. Vai ser o que Gilberto Freyre disser. A grande vingança dos gênios é essa”. Monteiro Lobato

“O que o Brasil e os brasileiros devem a Gilberto Freyre poderia ser definido como tomada de consciência histórica. Através da interpretação gilbertiana, o Brasil ‘reconhece-se’ e foi ‘reconhecido’ pelo mundo, o que é, por sua vez, um fato decisivo, uma data na história brasileira”. Gilberto Freyre com a amiga Rachel de Queirós Fonte: Foto de Arquivo pessoal, da família Aguiar Autor: Eduardo Adonias Aguiar 54

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Otto Maria Carpeaux Fonte: Biblioteca Virtual – Fundação Gilberto Freyre http://bvgf.fgf.org.br/


Publicado na edição 21

Márcio Thamos

O redescobrimento do

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rasilidade é um conceito que pretende designar “o caráter ou qualidade peculiar, individualizadora, do que ou de quem é brasileiro” ou ainda um “sentimento de afinidade ou de amor pelo Brasil”, de acordo com o dicionário Houaiss. O termo é relativamente novo em nossa língua, tendo sido empregado numa página da revista Fon-Fon, em 1930, data em que a palavra entrou no português. A Fon-Fon, considerada uma das melhores e mais influentes publicações ilustradas do país, circulou, em edições semanais, de 1907 a 1945. Esse período recobre justamente as marcantes décadas do início do século vinte em que se processava uma grande mudança na mentalidade nacional, através de uma intensa agitação de idéias que as artes em geral, e especialmente a literatura, ajudaram a fomentar. No bojo das reflexões que se faziam, estava em curso uma espécie de redescobrimento do Brasil, como se fôssemos novos Cabrais ou modernos bandeirantes, munidos agora de um olhar antropológico e ávidos por conhecer-nos a nós mesmos, numa adoção tupiniquim em escala coletiva do princípio socrático do autoconhecimento. “Quem somos os brasileiros”, “Que país é este?” eram perguntas que se faziam nos meios acadêmicos e nas rodas de artistas e pensadores. A identidade nacional era então objeto de investigação estética e de especulação científica; por toda parte um inte-

brasil

resse renovado pela cultura brasileira crescia e tomava corpo. Da poesia combativa de Mário e de Oswald de Andrade à prosa regionalista de Jorge Amado e de Graciliano Ramos, o sentimento de brasilidade se afirmava num desejo nacionalista de (re) conhecer e de retratar o país, provocando inquirições patrióticas, sociais e filosóficas. Era o Brasil que enfim despertava para os brasileiros ou, antes, os brasileiros que acordavam para o Brasil. Como fruto maduro desse processo de aprofundamento da consciência brasileira, tivemos a extrema felicidade de poder contar com o gênio inspirador de Guimarães Rosa em nossas letras. O autor nos ofereceu, logo em 1946, a coletânea de contos Sagarana e, dez anos depois, em 1956, o romance Grande sertão: veredas, obras insuperáveis, que permanecem exalando um denso frescor de brasilidade. Desde então, variadas e ricas experiências produziram-se na arte nacional, como o Cinema Novo, a Bossa Nova e o Movimento Tropicalista. Artistas criadores, como Nélson Pereira dos Santos e Gláuber Rocha, Tom Jobim e João Gilberto, Caetano Veloso e Gilberto Gil, entre tantos outros nomes admiráveis, ajudaram a quebrar barreiras entre a cultura popular e a erudita, ao mesmo tempo em que projetavam uma imagem mais viva e contrastante do Brasil para o mundo. Era a brasilidade tomando novos contornos e expandindo-

se em genuínas possibilidades nutridas pela geleia geral. Com o advento da ditadura militar e o ato institucional número 5, a orientação artística na busca da brasilidade teve de amargar a concorrência bruta de uma censura que se esmerava em reduzir o sentimento nacionalista em termos de um ufanismo reacionário com fórmulas tacanhas do tipo “Brasil: ame-o ou deixe-o”. A partir da retomada democrática, nos anos 80, e com o atual contexto de um mundo globalizado, o processo de reconhecimento de nossa própria identidade passou a trilhar novos rumos, renovando-se qualitativamente ao abarcar a visão dos mais diferentes grupos sociais na construção de uma representação dinâmica daquilo que somos como povo. Não há outro modo de projetarmos com clareza o futuro que desejamos a não ser revelando honestamente a nós mesmos toda a nossa brasilidade.

Doutor em Estudos Literários. Professor de Língua e Literatura Latinas junto ao Departamento de Linguística da UNESP-FCL/CAr, credenciado no Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da mesma instituição. Coordenador do Grupo de Pesquisa LINCEU – Visões da Antiguidade Clássica. Neo Mondo - Janeiro 2010

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Especial - Retrospectiva 2009

Especialidade: ajudar o país Unicef propõe tratar diferentemente os diferentes para alcançar a educação qualificada Da Redação

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Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), criado em 1946 e presente no Brasil desde 1950, prima por suas ações voltadas à educação. E não só; a instituição atua de acordo com 5 princípios básicos. Logo após divulgar, em junho, o relatório Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009 – O Direito de Aprender: Potencializar Avanços e Reduzir Desigualdades, a coordenadora do Programa de Educação do Unicef no Brasil, Maria de Salete Silva, conversou com a NEO MONDO sobre o que a instituição considera uma análise sobre o direito de aprender no Brasil, realizada a partir das estatísticas mais recentes relacionadas ao tema. Salete lembra que este é apenas um dos direitos de crianças e adolescentes. Tudo muito bem arquitetado, como convém a uma profissional da Arquitetura, que se especializou em Políticas Públicas e foi secretária da Educação em Salvador (BA). 56

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Neo Mondo: Pode-se dizer que educação é a prioridade número 1 do Unicef? E como vocês entendem o que é educar? Salete: Nossas prioridades são cinco porque temos a responsabilidade de zelar pelos direitos das crianças e adolescentes, que são indivisíveis, para se chegar à desejada qualidade de vida. Não se pode cuidar apenas da educação, por exemplo, ou só da saúde, e deixar de lado a proteção que eles merecem. Nossa atuação leva em conta cinco verbos: Sobreviver e se desenvolver; Aprender; Crescer sem violência; Proteger-se do HIV-Aids; e Ser prioridade nas políticas públicas. Voltamos um olhar todo especial sobre a situação da criança e do adolescente, de modo a garantir-lhes a igualdade de tratamento em todos os aspectos. Educar, para nós, é garantir a todos e a cada um deles o direito de aprender, que é o tema de nosso Relatório deste ano. É

a primeira vez que fazemos um trabalho desse fôlego específico sobre o tema. E contamos com uma equipe valorosa que dá assim a sua contribuição para ajudar a entender a educação no País. Neo Mondo: Como reconhece o relatório O Direito de Aprender, recentemente divulgado por vocês, há avanços setoriais nos últimos 15 anos no País. Quais são os itens que faltam para melhorar nosso quadro educacional? Salete: É preciso deixar claro alguns aspectos, para nós fundamentais, para se melhorar a educação brasileira. No que diz respeito ao acesso às escolas, temos uma boa caminhada ainda pela frente, sobretudo de adolescentes no no Ensino Médio, o que implica em empenhar-se num esforço conjunto para buscar um a um os que estão fora de um estabelecimento de ensino.


Publicado na edição 24

a vencer barreiras Outro aspecto é o da permanência na escola. Aí os índices de evasão são preocupantes, e de novo ainda mais entre os adolescentes. Garantir a permanência deles em salas de aula é um dos nossos maiores desafios. Na aprendizagem, estamos diante de um aspecto em que o País melhorou bem, conforme o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mostra nos mapas que compõem a parte final do nosso Relatório. Mas temos de manter e consolidar esse avanço. Neo Mondo: Para o Unicef, qual o principal problema - ou o mais agudo - e respectiva solução da educação brasileira? Salete: O desafio dos desafios, para nós é vencer as desigualdades para garantir o direito de aprender de todas as nossas crianças e adolescentes. Não dá para aceitar que estes, em grande número, ainda estejam no Ensino Fundamental quando já deveriam estar no Ensino Médio. Há enormes distorções entre as zonas urbana e rural do Brasil, que se agravam ainda mais quando vemos que raça e etnia pesam nesse descompasso. Negros e indígenas estão entre os que têm menor acesso e possibilidades de concluir os estudos. Para se ter uma idéia, dos 680 mil sem escola, no País, 450 mil são negros. Não se pode esquecer ainda dos que apresentam algum tipo de deficiência e que, por isso, não encontram locais adequados às suas necessidades específicas. As soluções precisam vir de iniciativas e esforços conjuntos. Não temos a receita pronta, mas buscamos mobilizar as pessoas, onde quer que estejam, para que a educação seja cada vez mais, com mais intensidade, a pauta prioritária

Divulgação

Salete coordena uma equipe valorosa em uma instituição sempre aberta a novas parcerias pelos direitos da criança e do adolescente

de empresas, de institutos criados pela iniciativa privada e de instituições públicas. Percebemos um aumento desse nível de preocupação quando se fala em investimentos sociais (e quase 80% deles vão para projetos educacionais). Mas, de novo e sempre, temos de avançar: defendemos que 8% do Produto Interno Bruto (PIB) do País sejam aplicados em educação; hoje a parcela gira em torno de 5%. Neo Mondo: A evasão escolar ainda atrapalha muito o desempenho de nossas crianças e adolescentes ou há outros empecilhos para que tenhamos um ensino de qualidade? Salete: Evasão escolar, no nosso entender, é mais efeito do que causa da baixa

qualidade de ensino no Brasil. Ela se dá, por exemplo, pela ida precoce de nossa gente ao mercado de trabalho, pela ausência ou carência de políticas públicas que segurem essas pessoas em instituições de ensino. Sem deixar de mencionar deficiências alarmantes, como as 5 mil escolas sem energia, as centenas sem água no Semi-árido brasileiro. Por aí se vê a urgência de fazer tudo ao mesmo tempo e articulado quando o assunto é educação de qualidade. Neo Mondo: Como estamos de parcerias público-privadas na área e o que o Unicef sugere para aprimorá-las? Salete: Há casos de parcerias interessantes, que chamam atenção por estarem Neo Mondo - Janeiro 2010

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Especial - Retrospectiva 2009

Estatísticas mostram que existem avanços, mas persistem desigualdades gritantes

ao alcance de todos - basta querer. Por exemplo, uma padaria que interage com a escola, ao permitir que alunos visitem o estabelecimento, num aprendizado prático, e ao mesmo tempo colabora no aprimoramento da merenda escolar; uma outra escola leva seus alunos a frequentar uma quadra poliesportiva de uma instituição próxima ao estabelecimento. Tudo isso é muito rico. Para nós, o mais importante é que se ouçam as escolas antes de tomar qualquer iniciativa. Há exemplos de maior alcance social, como o programa Amigo da Escola, do qual participamos com grandes organizações. Mas, fundamental em tudo isso, é alinhar os investimentos de modo a não deixar que se faça tão-somente marketing com esse tipo de ações. O importante é não perder jamais o foco, que é a melhora da qualidade na educação. Neo Mondo: O que é possível fazer para tratar diferentemente os diferentes, respeitando as peculiaridades de cada grupo? Salete: Para nós, a primeira coisa a ser feita é conhecer e reconhecer as diferenças, sem trabalhar com a média, como é costume. Para saber, de fato, como está a real situação educacional do País, tem de ir até os vários grupos, já citados, e foi o que fizemos com o Relatório. A partir daí é que surgirão políticas públicas corretas - disso não temos dúvidas. Neo Mondo: Podemos considerar o Unicef como especialista em vencer barreiras, notadamente em educação? Salete: Vencer, nem tanto. Nosso papel é o de apresentar informações e analisá-las com foco nos direitos da criança e do adolescente. Parcerias para isso, nós temos, e o Relatório é um dos frutos delas. Estamos sempre abertos a quem mais quiser se juntar a nós. A palavra-chave é mobilizar a sociedade para ajudar o País a vencer barreiras. É como se descreve a situação popularmente: tudo pra ontem. 58

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Em outras palavras: acelerar o passo, sim, mas com qualidade. Neo Mondo: Que balanço o Unicef faz de suas ações educacionais no País e no exterior? Salete: A palavra de ordem é: garantir os direitos da criança, onde eles sejam uma realidade ou não. Há países da África em que o Unicef constroi escolas, edita livros. Não importa a ação, a iniciativa por si só; o que faz a diferença é manter diálogo permanente com os gestores educacionais. E fazer ver a eles que precisamos ouvir as crianças e os adolescentes. O Brasil é referência em legislação, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente. Tudo ali é muito claro; o que falta é ser aplicado. Temos de ser um pouco como o escoteiro, que deve estar sempre alerta.

Neo Mondo: Existe um intercâmbio de experiências entre o que vocês realizam aqui e o que realizam em outros países, sendo esses semelhantes ou mais avançados que nós? Salete: Vivemos uma trajetória de avanços, mas com momentos delicados. Há desigualdades gritantes e isso preocupa. Questões como raça e renda não podem ser ignoradas. Não dá para empurrar esse tipo de sujeira para debaixo do tapete em nome das médias que costumam ser usadas de parâmetro para saber se a situação vai bem ou não. Medir os índices pela média é enganoso. O Unicef no Brasil é de uma região que abarca América Latina e Caribe - mais um motivo para tudo ser pensado e feito com muita cooperação e muito tato ao cuidar das carências dessa gente. Somos zelosos em formação e planejamento.

Pontos positivos do Relatório • 97,6% das crianças e adolescentes (27 milhões de estudantes) entre 7 e 14 anos estão matriculados em escolas; • 82,1% dos adolescentes entre 15 e 17 anos frequentam escolas; • tem aumentado o atendimento a crianças de até 3 anos: em 1995, eram 7,6 %; em 2001, 10,6%; e em 2007, 17,1%; no mesmo período, foi ampliado o atendimento às de 4 a 6 anos, respectivamente em 53,5%; 65,6%; e 77,6%. Fonte: Unicef com dados do Pnad 2007

Sinal de alerta ao País • 680 mil crianças entre 7 e 14 anos ainda estão fora da escola (mais que a população do Suriname); • em sua maioria, são negras, indígenas, quilombolas, pobres, sob risco de violência ou exploração e as com deficiência; • desse contingente, 450 mil são negras e pardas; • 44% dos adolescentes entre 15 e 17 anos ainda não concluíram o Ensino Fundamental e apenas 48% cursam o Ensino Médio; • no Nordeste, apenas 34% deles frequentam o Ensino Médio; no Norte, são 36%; • a média nacional, para o Ensino Médio, é de 48%; • na Região Sudeste, o índice é de 58,8% e, no Sul, 55%. Fonte: Unicef com dados do Pnad 2007


Neo Mondo - Setembro 2008

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