Revista Neo Mondo - Edição 37

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NeoMondo

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um olhar consciente

Ano 4 - Nº 37 - Setembro 2010 - Distribuição Gratuita

Amazônia

A última fronteira Roberto Romano 06

Império disfarçado

Cidade de Santo André 12

Na contramão

Usina de Belo Monte 34

Árdua empreitada


Vem aĂ­ a

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Neo Mondo - Maio 2008


Em seu quarto ano de circulação a NEO MONDO salta das páginas virtuais e impressas para se tornar, na Web, parte da revolução digital. A NEO MONDO TV quer ser um marco no cenário da comunicação audiovisual. No momento em que a televisão brasileira completa seus 60 anos, a NEO MONDO TV é um ousado projeto, em parceria, de uma publicação que, em seus 4 aninhos, se sente segura para dar passos mais largos com informação qualificada em tempo integral, alicerçada em tecnologia de ponta. A NEO MONDO TV está segura de dar sua contribuição para enriquecer o comportamento das pessoas com o que há de mais preciso e precioso no conhecimento de conceitos e práticas que tornem este Planeta mais sustentável e com qualidade de vida melhorada.

Não temos dúvida: a TV mundial não será a mesma depois da chegada da NEO MONDO TV.

Instituto

Neo Mondo Um olhar consciente3

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Seções

Editorial

Perfil 06 Roberto Romano Império disfarçado

meio ambiente 12 Cidade de Santo André Na contramão do bom senso

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ENERGIA limpa Só água no escapamento Ônibus movido a hidrogênio

Ele é categórico ao dizer que o que há no Brasil é uma falsa federação ou, como dizem os juristas, vivemos sob império disfarçado. Leia e clareie suas ideias sobre cidadania, meio ambiente, ética etc.

23 Artigo – Dr. Marcos Lúcio Barreto “Projeto Pomar” biocombustível

CULTURA, LAZER e ARTE

25 Energia do amanhã Qual caminho a seguir?

26 “FLIP” Celebração literária em grande estilo 30 Artigo – Márcio Thamos A origem do mundo ESPECIAL amazônia Usina de Belo Monte Árdua empreitada

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42 Artigo – Denise de La Corte Bacci Geociências e educação ambiental 44 ESPECIAL amazônia PAS Presença ordenadora do Estado 49 Artigo – Natascha Trennepohl Biorremediação 54 Artigo – Terence Trennepohl O agronegócio e o mercado norte-americano

Articles in English

Environment 12 Santo André City Defying common sense

especial amazônia 50 PAS Por um país mais respeitável

Diretor de Redação: Gabriel Arcanjo Nogueira (MTB 16.586) Conselho Editorial: Oscar Lopes Luiz, Marcio Thamos, Dr. Marcos Lúcio Barreto, Terence Trennepohl, João Carlos Mucciacito, Rafael Pimentel Lopes, Denise de La Corte Bacci, Dilma de Melo Silva, Natascha Trennepohl, Rosane Magaly Martins e Vinicius Zambrana Redação: Gabriel Arcanjo Nogueira (MTB 16.586), Rosane Araujo (MTB 38.300) e Antônio Marmo (MTB 10.585) Estagiário: Bruno Molinero Revisão: Instituto Neo Mondo Diretora de Arte: Renata Ariane Rosa Diagramação: Renata Rodrigues Vialli Projeto Gráfico: Instituto Neo Mondo 4

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Em 5 de setembro é comemorado o Dia da Floresta Amazônica, e NEO MONDO não poderia deixar a data passar em branco - ou seria em “carvão”? A situação é preocupante, por isso dedicamos um caderno especial sobre este ícone mundial da biodiversidade, onde estão a maior bacia hidrográfica e a maior floresta tropical do mundo. Desde 2008 acompanhamos o Plano Amazônia Sustentável (PAS) e fomos saber o que foi feito neste período. Nosso repórter Bruno Molinero esteve na floresta e nos traz informações valiosas sobre a tão polêmica Usina de Belo Monte, com opiniões de especialistas sobre a construção desta hidrelétrica no Rio Xingu. Esta é apenas uma parte do que você vai encontrar nesta edição. Boa leitura!

especial amazônia 58 “Projeto sargento agrário” Luz no fim do país Special Amazon 34 Impacts of Belo Monte Arduos undertaking

Expediente Diretor Responsável: Oscar Lopes Luiz

É com grande satisfação que preparamos mais uma edição de NEO MONDO. Estamos chegando à reta final na escolha dos nossos governantes e, pensando nisso, entrevistamos o doutor em Filosofia Política e professor titular de Ética e Filosofia Política da Unicamp, Roberto Romano.

Oscar Lopes Luiz Presidente do Instituto Neo Mondo oscar@neomondo.org.br

Publicação Tradução: Efex Idiomas - Tel.: 55 11 8346-9437 Diretor de Relações Internacionais: Vinicius Zambrana Diretor Jurídico: Dr.Erick Rodrigues Ferreira de Melo e Silva Correspondência: Instituto Neo Mondo Rua Primo Bruno Pezzolo, 86 - Casa 1 Vila Floresta - Santo André – SP Cep: 09050-120 Para falar com a Neo Mondo: assinatura@neomondo.org.br redacao@neomondo.org.br trabalheconosco@neomondo.org.br Para anunciar: comercial@neomondo.org.br Tel. (11) 4994-1690 Presidente do Instituto Neo Mondo: oscar@neomondo.org.br

A Revista Neo Mondo é uma publicação do Instituto Neo Mondo, CNPJ 08.806.545/000100, reconhecido como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), pelo Ministério da Justiça – processo MJ nº 08071.018087/2007-24. Tiragem mensal de 70 mil exemplares com distribuição nacional gratuita e assinaturas. Os artigos e informes publicitários não representam necessariamente a posição da revista e são de total responsabilidade de seus autores. Proibido reproduzir o conteúdo desta revista sem prévia autorização.


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Perfil

População condena os ‘corruptos de Brasília’, mas vota em quem traz verbas para a sua região Gabriel Arcanjo Nogueira

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Antoninho Perri

oberto Romano, doutor em Filosofia Política e professor titular de Ética e Filosofia Política da Unicamp, é categórico: o que há no Brasil é uma falsa federação ou, como dizem juristas, vivemos sob império disfarçado. Para o cientista político, a boa notícia seria uma ruptura com as oligarquias para mudar o cenário sociopolítico nacional. NEO MONDO traz, neste Perfil, sua contribuição para candidatos e eleitores clarearem suas ideias e suas práticas sobre temas de suma importância não só da política partidária, mas da cidadania, do meio ambiente, da ética. Roberto não é desses intelectuais que se perdem em elucubrações teóricas, tão-somente, mas é dotado de uma prática sociopolítica, como se verá ao longo da entrevista e dos demais textos que tornam este Perfil imperdível.

Para Roberto, “temos uma ética servil e, não, raro, hipócrita... é difícil mudar posturas éticas negativas”

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NEO MONDO: Estamos em mais um ano eleitoral, para escolher os governantes majoritários. Que diferença fundamental o senhor vê no atual quadro político-partidário em relação a períodos anteriores da República? Roberto Romano: Quase nenhuma diferença. Os partidos políticos ainda são dirigidos por oligarquias minúsculas que se comportam como proprietárias das siglas. Em determinadas agremiações os coordenadores estão no poder interno após décadas e décadas. Eles decidem tudo sem nenhuma consulta séria aos militantes da base partidária. Programas (que são jogados ao lixo na primeira oportunidade eleitoreira), candidatos, propaganda, alianças, tudo se decide em pequeno grupo de líderes. Não temos ainda eleições primárias reais nos partidos, de modo que os eleitores escolham todos os itens que formam a ossatura programática e decisória. Enquanto os partidos políticos brasileiros não forem democratizados internamente, veremos o triste espetáculo das eleições que mais se parecem com imenso balcão de venda e compras de votos. A lei da ficha limpa, apesar de todos os seus equívocos, ajuda a melhorar o quadro geral. Se fosse conseguido


o fim do privilégio de foro para os políticos, com participação popular expressiva quanto a que ocorreu no caso daquela lei (mais de 2 milhões de apoios populares), poderíamos dizer que algo se modificou substancialmente na política nacional. NEO MONDO: Passado o ciclo de ditaduras militares, seguido pelo de presidentes messiânicos neoliberais, estaríamos em um ciclo de poderse eleger políticos comprometidos, ao menos em tese, com conquistas sociais, e não vindos das tradicionais oligarquias. O senhor concorda com essa visão do atual momento políticopartidário brasileiro? Roberto Romano: É preciso ir às causas. O defeito maior de nossa vida política e cívica encontra-se na falsa federação brasileira. Na verdade, como afirmam juristas prudentes, temos de fato um império disfarçado. Não possuímos municípios com autonomia, em especial financeira. Aliás, nunca tivemos municípios em nossa história. Municípios são um invento da república romana. Nenhum outro império antigo conheceu a instituição do município. A Grécia, por exemplo, só teve cidades-estado, não municípios. Estes últimos eram um complexo de autonomia concedido às cidades aliadas de Roma, que ao se integrarem no império romano guardavam sua autonomia de culto, de justiça com autoridades civis e impostos próprios. Com a queda do Império do Ocidente, os municípios resistiram às invasões bárbaras, aos senhores feudais, à igreja também feudal. Eles também resistiram ao nascente Estado moderno centralizado. Foi com muita luta que o rei centralizador conseguiu vencer, apenas em parte, a resistência de municípios europeus. O começo da intervenção real nos municípios, que lhes diminuiu a autonomia, foi no Renascimento, por volta do século 15 e 16.

Eleitor não interfere na “ossatura programática e decisória”; apenas participa do “triste espetáculo de venda e compras de votos

NEO MONDO: Onde entra o Brasil na história? Roberto Romano: Ora, é neste momento que o Brasil passou a existir, ou seja, já sob um centralismo absolutista que não reconhecia autonomias financeiras e jurídicas municipais. Nossas cidades foram, desde o início, originadas como entrepostos comerciais ou bélicos. Elas não tinham a tradição de luta e de autonomia conhecida pelos municípios europeus. Assim, desde o começo de nossa vida política, tivemos uma crônica de centralização excessiva e abusiva dos poderes centrais, tanto na Colônia quanto no império e na república. Aqui tudo é centralizado no núcleo do poder. Leis uniformes são impostas, sem considerar as diferenças regionais de cultura, economia etc. Em federações já muito centralizadas, como a norte-americana, os Estados e cidades possuem larga margem de autonomia diante do poder central. Aqui não. Resulta que a maior parte dos impostos segue diretamente para os cofres federais com retorno penoso aos municípios. O único meio de conseguir obras e verbas para as regiões e urbes é praticando, no Congresso Nacional, a

política corrupta e corruptora do “é dando que se recebe”. E as populações locais, embora condenando da boca para fora os “corruptos de Brasília”, só votam nos deputados, senadores, governadores e prefeitos que trazem verbas para a sua região. Ou seja, temos uma ética servil e, não raro, hipócrita vigorando entre políticos e população. Sem federalizar de fato o país (tarefa árdua que exigiria muitos e muitos anos e iniciativas corajosas de verdadeiros estadistas), o Brasil continuará a terra dos coronéis que, em oligarquia, vendem seus votos ao ou exercem chantagens sobre os presidentes da República, pouco importa a coloração ideológica ostentada por eles. NEO MONDO: Como a população poderia de fato pensar e agir pelo bem comum? Roberto Romano: Se existisse de fato uma ruptura com as oligarquias que servem de canal entre cidades/Estados e Brasília, levando recursos para as regiões em troca de votos congressuais para o Executivo federal, teríamos uma excelente notícia. Infelizmente não é o que assistimos.

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Perfil

A pauta verde corresponde a fortes anseios da humanidade e dos brasileiros e não deve ser usada apenas como instrumento para captar votos

NEO MONDO: É possível ter uma ideia clara sobre se, hoje, há moral em algum dos partidos que disputam a Presidência, para ficarmos apenas no cargo de maior peso nos destinos do País? Roberto Romano: Existe a moral correta em muitos partidos. Mas moral não é ética. Esta última opera coletivamente nos partidos e na sociedade, sendo vincada de hábitos não democráticos e não igualitários. Assim, vários segmentos políticos trazem percepção e prática moral nova ao quadro nacional. Mas enquanto a ética dos partidos e de boa parte da sociedade for a ética do favor, da violência face a face, da esperteza, não teremos mudanças morais significativas. NEO MONDO: Em outras palavras, a ética na política ainda é possível? Roberto Romano: A ética é o complexo de hábitos, posturas, orientações intelectuais e volitivas que definem uma coletividade. Tais hábitos, uma vez inseridos no cotidiano, tendem a se transformar em uma espécie de segunda natureza, sendo praticados de modo automático. Uma das tarefas mais difíceis da política é mudar hábitos que se transformaram em ética. No mundo moderno, apenas revoluções virulentas (como a inglesa do século 17, a norte-americana e a francesa do 18, as revoluções democráticas e socialistas dos séculos 19 e 20) mudaram hábitos tradicionais arraigados. Se eles melhoraram ou não, é discutível. Mas mudar a ética é uma tarefa gigantesca, só possível em prazo longo e com muito empenho no sentido do Bem Comum. NEO MONDO: Há políticos mais ou menos prontos para as responsabilidades que os aguardam, aí nos mais diversos níveis de poder, seja Legislativo seja Executivo? 8

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Roberto Romano: Sim, existem políticos empenhados no Bem coletivo, em todos os segmentos e partidos. Mas eles são presos em verdadeiras jaulas burocráticas e oligárquicas, que não raro lhes retiram todo entusiasmo democrático, igualitário, de justiça etc. Se encontramos um político assim, nosso dever é dar-lhes o máximo apoio, porque nada mais solitário do que ser justo em estruturas sociais ou políticas injustas. NEO MONDO: O senhor tem, como poucos, a capacidade de conciliar conhecimento e clareza em transmiti-lo. O que cabe a cada eleitor(a) pesar no momento da escolha e, de outro lado, que aspectos cada candidato deve levar em conta para corresponder a essas expectativas? Roberto Romano: Deve ponderar em especial a prudência e humildade verdadeiras dos candidatos. Se eles forem arrogantes, jamais aprenderão lições políticas que sejam eficazes para o respeito do eleitor. Além disso, o que pretende fazer o referido candidato. Candidatos que prometem coisas que seriam de um âmbito bem maior ao seu (por exemplo, que caberiam à Presidência da República ou à ONU, sendo a pessoa aspirante a um cargo menor) não mostram prudência e saber (não me refiro, de modo algum, a saber científico ou técnico, mas ao saber prudencial, o que se adquire com o tempo e com a educação política). NEO MONDO: É possível vislumbrar alguma agenda verde dos partidos? Ou basta termos um partido com sigla que lembra a causa? Roberto Romano: O Partido Verde foi pioneiro da referida agenda e deve ser elogiado por sua coragem. Hoje, graças ao seu labor, os demais partidos notaram que a pauta verde corresponde a fortes anseios da hu-

manidade e dos brasileiros. Esperemos que tais partidos não usem apenas aquela trilha como instrumento para captar votos, mas que inscrevam suas determinações no cotidiano político e jurídico nacional. NEO MONDO: A escola no Brasil, desde o pré às instituições de ensino superior, pode fazer o que para que o meio ambiente se torne matéria obrigatória? E aos governos o que compete nesse mesmo sentido? Roberto Romano: Sim, me parece que é preciso aprender, desde os mais tenros anos, a respeitar o pequeno mundo que nos foi reservado. As ciências e as técnicas, bem como as artes e as humanidades, deveriam mostrar o quanto estamos em simbiose com o nosso planeta. Aos governos, deveria caber a tarefa de bem administrar nosso trato com o meio ambiente. Seria um exemplo notável. Infelizmente estamos muito longe de tal coisa. NEO MONDO: O senhor partilha da tese, defendida por exemplo pelo pensador Leonardo Boff, da governança planetária como saída para salvar a Mãe Terra? O que fazer para viabilizá-la? Roberto Romano: Não partilho desse programa político, embora o respeite. Creio que será preciso ainda muito tempo até que ocorra uma transformação na humanidade, a partir da qual os Estados nacionais deixarão de ser o sustentáculo dos povos. O problema da governança planetária é o mesmo, mudada a urgência, dos planos de paz elaborados na modernidade, como é o caso dos planos de Paz Perpétua. Enquanto existir guerra para usufruto dos bens materiais do planeta, é muito difícil se falar em acordo ou harmonia política global. NEO MONDO: A arquiteta, com especialização em filosofia e meio ambiente, Vania Velloso, fala em re-educação pela sustentabilidade. Algo como uma saída para sanar o caos urbano, a degradação de recursos hídricos. Deve-se começar por onde: nas escolas ou nos gabinetes políticos?


NEO MONDO: Citando Frei Betto, a principal crítica que ele faz ao governo Lula é que se passaram 8 anos, e nenhuma das reformas estruturais foi feita: nem agrária nem tributária nem política nem a da saúde nem a da educação. Em que ordem de importância o senhor as colocaria e por quê?

Roberto Romano: A escolha do presidente e de seu partido pelas formas estabelecidas no Estado brasileiro (conivência com oligarquias e oligarcas, alianças conservadoras e pouco republicanas, política econômica que favorece mais o capital financeiro etc.) impediu que iniciativas democráticas fossem assumidas com radicalidade. Por exemplo: quais passos foram dados para marcar uma nova prática federativa no Brasil no período Lula? Poucos. Se somarmos os poucos passos dados em governos anteriores, veremos que a soma só leva à reprodução do centralismo excessivo, que impede a iniciativa dos municípios e de seus cidadãos. Uma iniciativa formidável do PT, antes de chegar ao poder, era o Orçamento Participativo. Ele seria um educador coletivo que geraria lideranças para a dura tarefa das reformas, pois estas últimas não podem vir apenas de cima. O que ocorreu com iniciativas como a do Orçamento Participativo?

A teoria que na prática vale “Gosto de música, das artes em geral e de poesia. Na verdade, no meu trabalho em Filosofia, sempre insiro a estética e a política. Num de meus livros, Conservadorismo Romântico, falo justamente sobre a arte romântica na política conservadora dos séculos XIX e XX, sobre a Doutrina das Cores de Goethe. Para mim, a estética, a política e a ética têm de ser vistas sob o prisma da beleza e da verdade.”

NEO MONDO: O senhor conhece ou participou de algum estudo a respeito de como encaminhar essas pendências? A Unicamp, por exemplo, realizou algum trabalho nesse sentido? Roberto Romano: Existem trabalhos de grupos e setores. Mas uma crítica que sempre faço é que nenhuma universidade brasileira se empenha coletivamente no estudo das questões nacionais. Este é um ponto negativo em nossas excelentes universidades públicas. NEO MONDO: A seu ver, o meio acadêmico-científico nacional é ouvido na medida certa por empresas e governos, e mesmo ONGs? Há algum caso bem-sucedido de parceria que envolva esses segmentos sociais? Roberto Romano: Existem, sim, casos de estudos e parcerias grupais ou em âmbito restrito. Eles são bemsucedidos. Mas creio ser tempo de as universidades elaborarem, com os governos e sociedade, planos de estudo e inserção definidos rigorosamente.

Antoninho Perri

Roberto Romano: Como disse antes, uma das tarefas mais árduas é modificar uma ética que se definiu como segunda natureza. Creio que a educação escolar pode fazer sua parte, bem como os gabinetes políticos. Mas apenas uma prática volitiva e a cada hora mais urgente pode trazer mudanças significativas. Vejam-se a lei contra a bebida alcoólica e a lei contra o cigarro: só com muita atividade dos médicos, ecologistas, jornalistas, juristas, professores, sacerdotes, elas apresentam hoje alguma chance de se instalar nas pessoas, gerando novos hábitos. A guerra movida contra tais leis mostra o quanto é difícil mudar posturas éticas negativas.

Dessa maneira, Roberto Romano faz a sua apresentação pela internet. Mais que isso, mostra - a exemplo de sua dedicação a pesquisas, dos cinco livros escritos como autor e outros tantos como colaborador, dos artigos e entrevistas em publicações brasileiras e das conferências e palestras no Brasil e no exterior - que, para ele, a teoria na prática é que vale. A TEORIA

NA PRÁTICA

• Graduado em Filosofia pela USP.

• Pesquisador 1-A do CNPq. Orientou dez dissertações de mestrado e cinco teses de doutoramento.

• Pós-graduação na USP e na Escola de Altos Estudos Sociais de Paris, onde se doutorou em 1978. • Livre docente adjunto e professor titular da Unicamp. Foi diretor Associado da Faculdade de Educação. • Membro da Cadi, integrou o Consu e a Congregação do IFCH. Leciona História da Filosofia Moderna na graduação e Ética e Filosofia na pós-graduação do IFCH.

• Assessor ad hoc do CNPq, da Capes, da Fapesp, da Faperj, da Fapemig e do Faep. • Coordenou durante dois anos a Frente Nacional em Defesa da Ciência e Tecnologia. • Foi presidente da Comissão de Perícias da Unicamp, no período em que resolveu, de modo positivo, a questão das “Ossadas de Perus”. • Distinguido, em 2000, pela Associação Juízes para a Democracia como defensor dos direitos humanos no Brasil.

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Perfil

Peripécias de um conferencista Na elaboração desta matéria, entrevistado e entrevistador divagam um pouco sobre os tempos em que estudaram Filosofia, na capital paulista. Era o período de vigência do famigerado AI 5, “coisas desagradáveis acontecendo....”. O primeiro virou brilhante pensador; o segundo, jornalista que dá pro gasto. Roberto tem um jeito peculiar de relembrar, mais que isso, a origem do nome. “Minha família viveu em Itapeva (SP) e, mais particularmente, no antigo Núcleo Colonial Barão de Antonina. Minha madrinha de batismo, minha

avó, era católica fervorosa. Tanto que deu o nome de ‘Romano’ ao meu pai, em homenagem à Igreja Católica Apostólica Romana. Assim, ‘Romano’ não é nome de família, mas apenas de meu pai, como em Luiz Carlos, e dos filhos dele. Na verdade o nome de família é português (da Silva), e outros nomes de minha família são Ribeiro, Marins, Salles. Como vê, nada de italiano. “Tenho passado coisas engraçadas por causa do nome/sobrenome. Certa feita eu iria fazer uma palestra na Associação Judaica. Enquanto esperava o começo, na porta de entrada,

chegou-se a mim um velhinho muito velhinho mesmo. Deu um abraço e me disse em belíssimo italiano: ‘Tenho muito prazer de ouvir um intelectual como o senhor, de origem italiana’. Era o cônsul honorário da Itália em São Paulo. Atordoado, sussurrei para um outro velhinho judeu, ao qual muito respeito, perguntando o que eu deveria fazer. ‘Finja’, me disse ele baixinho. Então repliquei ao primeiro velhinho, em italiano, que a honra era minha, de ter como ouvinte um outro italiano... É o que Torquato Acetto chamaria Dela dissimulazione onesta ...”

“O mundo caminha para o fascismo” Em um dos livros de que participou: Tiradentes, um presídio da ditadura, Roberto escreveu apenas um capítulo. Espaço suficiente para relatar e analisar o período em que o Brasil viveu sob o terror estatal, com projeções que soam como alerta. Reproduzo alguns trechos. “A cada instante, a violência mostrava soberania. Alguém, ao lado, enlouqueceu de fato. Músicas variadas, conforme a visão dos prisioneiros, eram entoadas. Católicos berravam um absurdo: ‘ Vai trabalhar pelo mundo afora, eu estarei até o fim contigo’. Liberais cantavam a ‘Marselhesa´. Comunistas repetiam as novas versões da ‘Internacional´. Sangue, sons, corpos esmagados. Almas jogadas entre o medo e a esperança. Salve regina ... cantavam de vez em quando os frades. Clima de pentecostes com apocalipse.” Roberto é implacável ante a complacência de quem estava à frente da Igreja paulistana na época ou era influente sobre ela. “D. Rossi deu uma declaração ao Estado de S. Paulo: ‘ Se eles, os dominicanos, de fato falsificaram documentos, serão expulsos da Igreja´. Santo homem. Fiquei na cela, durante dias, sem ser molestado. Enquanto isso, os frades continuavam a ser interrogados, tanto pelo delegado Fleury quanto na delegacia de cultos. Do fundo de uma cortina, foi-lhes dirigida a palavra por uma voz inconfundível, a de Lenildo Tabosa Pessoa. A náusea atingia seu ponto máximo.” Roberto não poupa também a ignorância tragicômica dos que desconheciam as regras básicas da clandestinidade. “A primeira e suprema é o cuidado com a língua”,

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constata. Antes tivessem lido “Plutarco sobre a curiosidade e a garrulice”, lamenta. Para o professor de Ética e Filosofia Política, “foi semelhante exército de Brancaleone que enfrentou o monopólio da força física estatal, potencializado pela ditadura e pela propaganda da imprensa”. Roberto questiona: “Quantos adversários do regime tinham uma noção aproximada de seu perfil, de sua dinâmica, de seu alcance?”. E defende “a importância da educação cidadã, teórica e prática”, ao discorrer: “O cabresto ideológico, os preconceitos, a fé absoluta no valor das ideologias, a repressão interna nos partidos, o velho oportunismo, tudo isso armou os militantes com instrumentos letais, mas desarmou a sua inteligência, embotando-a. Quem deseja libertar um povo através desses meios cumpre uma tarefa impossível e indesejável. Foi essa a lição que eu tirei da época. Espero que semelhante autoritarismo... seja banido do universo espiritual brasileiro. “Com a ‘ globalização’ da miséria e o renascimento dos vários neofascismos - na esteira do desemprego, com a hegemonia das finanças sobre a produção -, precisamos de pessoas lúcidas, corajosas, conhecedoras do mundo em que vivem, sem medo ou esperança, mas com força para entender e agir de modo livre. E isso, cada vez mais, é difícil de se encontrar ... “...E o mundo caminha para o fascismo, com passos rápidos. Sobrará força crítica para enfrentar a nova maré de imbecilização das massas, em proveito deste ou daquele Führer? Quem viver verá”.


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Meio Ambiente

Na contram達o do


A cidade de Santo André (no ABC Paulista) tem, na administração pública, discurso avançado e prática perdulária no trato do lixo; falta apoio efetivo a cooperativas e sobra descaso com usina que serviria à região Gabriel Arcanjo Nogueira

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nquanto a bomba-relógio do lixo urbano descansa em mãos de quem deveria saber cuidar dele, responsáveis de organismos públicos parecem tratar a questão como se fosse brincadeira de esconde-esconde, no caso empurra-empurra. Santo André, por exemplo, o “A” do ABC Paulista, para não ser o “Z” em questão ambiental, precisa cuidar-se para não virar imenso lixão a céu aberto. Ao menos no que concerne a coleta de lixo comum e reciclado, cuidados sanitários - pega-se leptospirose no calçadão, a poucos metros do Paço Municipal –, apoio a cooperativas de catadores. O município, que já teve pioneira usina de compostagem, corre o risco de vê-la sucateada enquanto não existe nada de concreto para substituí-la. O complexo, instalado no bairro do Pedroso, não consta das prioridades do Semasa, o que no mínimo é um escandaloso descaso com o que de bom existe e que daria para tratar o lixo da região. Bomba-relógio é como o Instituto GEA – Ética e meio ambiente costuma referir-se ao lixo. No que diz respeito à coleta seletiva , o GEA avalia que se trata de processo novo no Brasil, “em que ainda estamos engatinhando”. O que não pode é retroceder ou andar na contramão do razoável, como parece acontecer em Santo André, no ABC Paulista. “Sempre há senões”, diz Ana Maria D. Luz, presidente do GEA. Mas o que acontece numa cidade, que já contou com uma usina de compostagem pioneira, hoje enferrujando e correndo o risco de virar sucata, já é forte demais.

Visão avançada Lincoln Grillo, prefeito do município de 1977 a 1982, lembra que deu especial ênfase à área de saúde pública, ao “planejar para governar”. Entre outras ações, criou a Usina de Compostagem do Lixo, “com capacidade para beneficiar todo lixo do Grande ABC”, não apenas da cidade que administrava. Por aí se vê a sua visão de meio ambiente avançada. Além de ter construído parques e jardins, decidiu tornar de utilidade pública a Chácara Baronesa , entre Santo André e São Bernardo, e fez plantar cerca de 100 mil árvores em todo o perímetro urbano. Mas a menina dos olhos, o toque futurista de sua administração foi a usina, “classificada pela Universidade de Tübingen, na Alemanha, e por membros da Organização Pan-Americana de Saúde como uma das melhores usinas de lixo do Brasil”, recorda-se. Lincoln lamenta que não se vejam políticos com a estatura do estadista e afirma sobre a usina: “Comentam que estão pretendendo vendê-la como sucata para o ferrovelho, depois de a terem desativado para entregar a limpeza pública à iniciativa privada”. O cidadão Lincoln revela toda sua indignação ao avaliar: “Se o Brasil fosse um país sério, e a Justiça funcionasse, os autores de desmandos administrativos desta ordem seriam responsabilizados civil e criminalmente”. Sem citar nomes, diz que teve “inimigos ferozes, dominados pela inveja, que corrói mais do que a ferrugem”. Se traduzirmos inveja por falta de visão administrativa, descaso com a coisa pública, no caso da usina foi o que causou toda a ferrugem que a tornou inútil em tão pouco tempo.

Hoje em dia, quando mais se fala em meio ambiente e sustentabilidade, a impressão que fica é a de que se fosse aproveitado, como se deve, o que de bom já existia, se teria avançado muito mais. Até quando o poder público no Brasil e em cada município – que é onde o cidadão vive, trabalha, estuda, investe, paga impostos – irá na contramão do bom senso, ao procurar tão-somente o novo pelo novo? Dificuldade de ser ouvido A presidente do GEA indaga: “Por que se faz tão pouco?”. E ela mesma responde: “Falta vontade política a governantes”. Se poucas pessoas participam, acredita, “é por falta de investimento em programas de educação ambiental e mobilização, além de não haver garantia de que todo o trabalho de separar seja recompensado, isto é, que o material vá mesmo para reciclagem”.

Falta vontade política a governantes, bem como conhecimento técnico de gerenciadores dos programas

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Meio Ambiente o que é um problema grave para todas as cidades médias e grandes”, acrescenta. Que a carapuça sirva para quem ainda dispor de algum bom senso.

Ana Maria, presidente; Araci, diretora de projetos; e Mariana, técnica do GEA, na linha de frente da reciclagem da Cooperativa Nova Esperança do Pantanal, na região metropolitana de São Paulo

Ao revelar que enfrenta dificuldades em ser ouvido pelos responsáveis pela coleta seletiva, em geral, o GEA corrobora o que também acontece com cooperativas. Estas, na visão do Instituto, não são vistas como deveriam ser e, muito menos, incentivadas. O que representa um grave erro por ser o lixo uma bomba-relógio da sociedade moderna. “Cooperativas de catadores são uma das poucas e reais possibilidades de inclusão na sociedade de uma população que não tem escolaridade nem atende às condições impostas pelo mercado para sua contratação”. Este que seria o lado bom, todavia não é o que vê em muitos casos. “A situação em que (as cooperativas) se encontram não é das melhores. Porque não há compreensão do poder público e da própria sociedade de suas necessidades, para que consigam realmente realizar um serviço público de qualidade”. As prefeituras não podem ignorar o que têm diariamente diante dos seus olhos: a coleta de lixo.

Muitas delas pecam, segundo o GEA, pela “falta de infraestrutura, acompanhamento administrativo, capacitação técnica, educação ambiental da população”. Ana Maria insiste num aspecto: “Pode até haver boa vontade do poder público, mas falta conhecimento técnico aos gerenciadores dos programas, falta verba”. O GEA acredita que um programa de coleta seletiva, para ser benfeito, tem de “ser integrado a cooperativa de catadores, precisa de muito planejamento e investimento do município”. Algo, na visão do Instituto, bem mais complicado do que, por exemplo, a coleta e disposição do lixo comum. A análise do GEA é direta e reta: “Mas, para isso, investem-se fortunas e paga-se faustamente a empreiteiras. Para os programas de coleta seletiva, há pouquíssimo planejamento e quase na de investimento. Que projeto pode dar certo assim? Tudo é visto muitas vezes como um programa assistencial. No entanto, falamos da destinação adequada do lixo,

Para entender melhor a questão Compostagem é técnica utilizada em escala industrial, em especial no tratamento do lixo urbano e dos dejetos residuais do tratamento das águas. Usina, entendida como conjunto de máquinas que transforma matérias-primas ou semiacabadas em produtos finais(no caso, lixo urbano, do qual se aproveitam os elementos ricos em minerais e matéria orgânica, que podem ser destinados ao enriquecimento do solo).

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Estima-se que uma família de 4 pessoas descarte, por ano, cerca de 500 kg de material reciclado, para 2,4 mil kg de lixo que acaba em aterros sanitários ou incineradores. Este dado toma por base o que uma família de San Diego, Califórnia, nos Estados Unidos, fez questão de mostrar num trabalho da National Geographic Society, publicado no Brasil por O Estado de S. Paulo com o título A Aventura do Conhecimento

Tecnologia definitiva O Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André (Semasa), por meio de sua Assessoria de Imprensa, informa que na atual administração, tem como prioridade na área ambiental “definir a tecnologia definitiva para a disposição final dos resíduos sólidos e preservar as APPs”. Mas a Usina de Compostagem não faz parte dessa prioridade, esclarece. “O Semasa não tem projeto para a ativação da Usina de Compostagem. No momento, a autarquia estuda várias tecnologias utilizadas no mundo para a instalação de uma Usina de Resíduos Sólidos na cidade. Entre as funções desse equipamento estariam a reciclagem da construção civil, aproveitamento dos gases oriundos do lixo orgânico com geração de energia, captação de recursos por meio do crédito de carbono e produção de subprodutos dos resíduos secos”, explica. Ou seja, ficamos no terreno das boas intenções. Troca-se o certo, porém largado às traças, pelo que ainda está por vir. Tanto que as funções ficam no condicional: “estariam”, diz a nota da Assessoria de Imprensa. As duas cooperativas de reciclagem que a cidade possui, instaladas no aterro sanitário de Santo André, lembra o Semasa, “são responsáveis pela triagem, separação e venda de recicláveis”. Quanto ao futuro delas, a nota enviada a NEO MONDO é evasiva: “Com a instalação da nova Usina de Reciclagem o Semasa alocará estas cooperativas no novo espaço”. Setor desvalorizado Armando Neves, empresário do setor de reciclagem há 40 anos, garante que o presente dessas cooperativas é preocupante e deixa a desejar num aspecto que para esse tipo de atividade é fundamental: o apoio efetivo do poder público. Isto porque “há falta de incentivo à coleta seletiva no município”. O que, para Armando, mostra a fragilidade dessa área. Para o empresário, “tem de ser feito algo específico para torná-la um segmento, de fato, assumido pelo Semasa”. Para Armando, “a autarquia precisa também fazer com que a educação ambiental esteja presente não apenas em escolas, mas também envolva as famílias dos nossos estudantes e a sociedade como um todo”.


Na avaliação do Semasa, “Santo André faz parte do pequeno grupo de 6% das cidades brasileiras que oferece a coleta seletiva”. A Assessoria de Imprensa da autarquia informa que em levantamento realizado pelo Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre), em 2008, o município é um dos cinco no país que oferece o serviço em 100% da cidade. O que o Semasa credita à grande adesão popular, crescente desde que a coleta foi iniciada em 2000. “Em 2009, o Semasa integrou toda a população em uma campanha por meio da Unidade de Resposta Audível (URA), que orientou os moradores sobre a separação correta dos resíduos recicláveis, além de informar o dia e o horário em que o caminhão de coleta seletiva passa em cada rua. A ação, vencedora do prêmio EcoPet 2009, concedido pela AbiPet, contribuiu para aumentar o volume coletado para 8.433 toneladas, o maior da história”, cita, para lembrar que “a coleta de úmidos na cidade registra média de 18 toneladas/mês”. A nota é otimista, ao afirmar que “Santo André tem um dos sistemas de coleta seletiva mais avançados do país”. No município há organismos aos quais compete prioritariamente cuidar do meio ambiente por meio de ações que a autarquia considera relevantes. Nada que preveja o uso da Usina de Compostagem. O Semasa acredita no acerto da política ambiental de Santo André, por contar “com diversos meios para promover a capacitação, educação, proteção e a conservação do meio ambiente do município, entre eles o Fundo Municipal de Gestão e Saneamento Ambiental de Santo André (Fumgesan)”. Mecanismo que, para a autarquia, “é uma maneira de fomentar a execução de projetos que visem o cuidado com o meio ambiente e a qualidade de vida da cidade. O Fumgesan tem como objetivo concentrar recursos para projetos de interesse ambiental dentro de Santo André”. A Assessoria de Imprensa do Semasa cita ainda como exemplo de ação ambiental o edital que, lançado a cada ano, trata da seleção de projetos. Em 2010, o tema é “Educação Ambiental e Consumo Consciente”, com divisão nos subtemas “Uso racional da água” e “Destinação Adequada de resíduos sólidos”. “Cada projeto é analisado pelo conselho gestor. Aqueles que forem habilitados serão votados pelo Comugesan, que escolherá o vencedor”. O Semasa salienta que

para este ano serão liberados até R$ 330 mil para as duas propostas aprovadas, que dividirão o prêmio. Com a condição de os projetos serem direcionados e executados em Santo André. Parcerias com universidades da região também são desenvolvidas pelo Semasa, finaliza a nota. NEO MONDO dá a sua contribuição ao município em que fica sua sede, para que os responsáveis por uma área tão estratégica da administração pública analisem em profundidade e com seriedade a matéria, na qual trazemos subsídios preciosos a quem deveria interessar, em suma, a qualidade de vida da população.

Na reciclagem a única brincadeira que vale é o que é possível fazer da matéria-prima

Já já te mando outras duas, também com crédito GEA Parabéns pela empresa que vcs criaram. Gabriel. Todas as dimensões do saneamento

O Semasa acredita que, ao longo dos seus 40 anos de existência, tornou-se reconhecido no país por seu vanguardismo tecnológico e qualidade na prestação de serviços. Numa trajetória que começou em 1969, a autarquia em princípio zelava apenas pela água e esgoto da cidade. Mas aí cresceu, agregou serviços, transformando-se na primeira organização brasileira a integrar todas as dimensões do saneamento. Sua Assessoria de Imprensa lembra as principais fases por que passou o Semasa, numa evolução que se concentra do final dos anos 1990 para cá:

• em 1997, assumiu o serviço de drenagem urbana de Santo André • em 1998, a gestão ambiental passou a fazer parte da autarquia, incluindo o processo de licenciamentos ambientais, fiscalização e educação • em 1999, agregou a gestão dos resíduos, administrando a coleta de lixo, dividido entre secos e úmidos, além do Aterro Municipal de Santo André em 2001, incorporou a Defesa Civil em 2010, ampliou suas fronteiras, ao agregar uma área de atuação, a meteorologia

Meio ambiente tratado com ética O Instituto GEA – Ética e meio ambiente e presta assessoria a prefeituras e empresas com ênfase em cursos de formação de cooperativas. Em sua visão, a cooperativa ideal é aquela em que a gestão é solidária, em que todos são donos e partilham o lucro. A gestão igualmente é compartilha por todos na tomada de decisões. “O apoio do poder público é imprescindível, até porque a responsabilidade pela coleta de lixo é da Prefeitura. É ela quem deve zelar e fazer de tudo pra que esse serviço seja feito da melhor forma. E não há como

ignorar a necessidade da coleta seletiva no gerenciamento de resíduos de uma cidade”, diz Ana Maria. A diretora pede aos governos municipais que façam programas de coleta seletiva sérios e bem planejados, com apoio efetivo a cooperativas, e ousem criar leis que apoiem a reciclagem e os programas ambientais. “Não há incentivo, por exemplo, para a empresa que quiser investir em programas ambientais, como há para programas culturais”, conclui a presidente. Para contatar o GEA, acesse www.institutogea.org.br

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Environment

Defying


Santo André´s public administration talks the talk, but its waste management practices squander money, take cooperative waste collection organizations for granted, and neglect the organic composting facility that used to serve the region. Gabriel Arcanjo Nogueira

W

hile the time-bomb of urban waste rests in the hands of those who were supposed to take care of it, those in charge of public agencies seem to deal with the problem as if they were playing hide-and-go-seek, or rather, hot potato. Santo André, for example, the A of São Paulos ABC Region, should have its letter changed to Z, for zero when it comes to sanitation issues. In fact, the city should be concerned about not turning into a huge open air garbage dump. Waste collection, as far as recycled waste is concerned, is still far from satisfactory, sanitation is precarious – cases of leptospirosis have been reported originating from the open shopping mall area, just a few yards from the City Hall – and no support is given to cooperative selective waste collection organizations. The city that was once a pioneer in compost technology now undergoes the risk of scrapping its composting facility without any alternative to effectively substitute it. The composting plant, located in the Pedroso district, is not listed among SEMASA’s priorities; that is, at the very least, tremendous disregard towards a technology that has worked well and which could handle the organic waste generated in the region. Time-bomb is how the GEA – Ethics & Environment Institute refers to waste. With regard to selective collection GEA considers it a recent project in Brazil for which we are still taking “baby steps”. What we cannot do is take “steps back” or defy common sense, which is precisely what Santo André, in the Greater ABC Region of São Paulo, is doing. There are always but’s, says Ana Maria D. Luz, President of GEA, but what is happening to this city once a pioneer in compost technology with its composting plant left to rust and be scrapped, is simply unacceptable.

Foresight Lincoln Grillo, mayor of Santo André from 1977 to 1982, remembers giving special emphasis to public health while drawing up his “government plan”. Among other acts, he created the Composting Facility, which was “capable of handling all organic waste from the entire Greater ABC”, not only that originating from Santo André. That is a good sample of his foresight in terms of advanced environmental care. Besides building parks and public gardens, he opened the ‘Baronesa’ Farm – between Santo André and São Bernardo – to the public and also planted approximately 100 thousand trees within the urban perimeter. But the apple of his eyes was the composting plant, which was “classified by the University of Tübingen, Germany, and by members of the Pan-American Health Organization as one of the best waste treatment facilities in Brazil”, recalls the former mayor. Grillo resents the fact that there are no true statesmen left to elect and says that “rumor has it that the composting facility will be scrapped and the metal sold to junk dealers, after deactivating it and fully passing on waste treatment to the private sector”. Lincoln Grillo, as a citizen, reveals to us his indignation in a statement: “If Brazil were a serious country and our Legal system worked, politicians guilty of such heedlessness would be taken to court and criminally charged”. Without ‘naming names’, he says he has had “fierce enemies, blinded by envy, and envy which corrodes more than rust”. If envy can be translated into lack of administrative vision and disregard for public assets, then that is the rust which has taken over

the composting facility, rendering it useless in such a short period of time. Nowadays, when environmental issues and sustainability are so in vogue, the impression we have is that if we took advantage of what already exists and works, as we should, we would have made much more progress. Until when will public administration, both at higher realms and at the municipal level, which is where citizens live, work, study, invest, and pay taxes – insist in defying common sense seeking to invest only in novelties? Hard to be heard The President of GEA asks: “Why is so little done?” to which she also answers: “Lack of political will on the part of government leaders”. If citizens do not fight this scenario “it’s because there’s no investment in environmental awareness programs and in mobilizing people to adhere to recycling; besides, there’s no guarantee that all the waste selection would bear any fruit – that is; that it would actually be recycled at the end of the process”.

There’s lack of political will, as well of lack of technical knowledge on the part of program administrators

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Environment

for all medium-size and bigger urban centers”, she adds. May common sense prevail, should any politicians still have any left.

Ana Maria, GEA President; Araci, Projects Director; and Mariana, technician, at the forefront of the Nova Esperança do Pantanal cooperative recycling initiative in metropolitan São Paulo

By revealing that myriad hindrances make it difficult to be heard by selective waste collection officers, the GEA corroborates the allegations of what generally happens to cooperative selective collection initiatives, which, in the Institute’s understanding, are not taken seriously at all, let alone motivated to work. This is a huge mistake, since waste is a time-bomb sitting on modern society’s lap and “cooperative waste collection initiatives are one of the few possibilities of effective social inclusion for the illiterate population who can’t meet the minimum requirements imposed by the work market”. Indeed, this constructive alternative hardly ever comes true; “the situation in which they (the cooperative groups) are found is worrisome. There’s no understanding on the part of the public sector and even of society of what they need to become quality public service suppliers”. City Halls cannot deny what is in their faces on a daily basis: miserable people collecting waste. If they don’t do a better job it is because, according to GEA, “there’s no

infrastructure, administrative follow-up, technical training, or environmental education for the population”. Ana Maria insists that “there might even be politicians of good will, but the people managing these programs lack technical training and budget to do a good job”. GEA believes that for a waste collection program to be effective “it must be integrated with the cooperative collection groups; it must be well drawn up; and that requires sufficient municipal investments”, which in the Institute’s viewpoint, is much more complicated and time-consuming than regular, non-selective waste collection. And GEA is very straight forward: “For such collection, private companies are hired and paid a fortune, whereas for selective collection programs there’s very little planning and hardly any investment. What project can possibly go right under such conditions? The cooperative system is often seen as social work. However, we’re talking about giving recyclable waste a due destination, which is a tremendous problem

To better understand the issue Composting is a technology used in large industrial scale, especially in the treatment of urban waste, sewage, and water treatment residues. The Facility in question is composed of several machines to turn these raw-materials into semi-finished goods (in the case of urban waste, elements rich in minerals and organic matter can be obtained, which can be used as fertilizer)

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It is estimated that the average family of 4 people annually discards 500Kg of recyclable materials in every 2.4 thousand kg of waste taken to a waste dump facility or to be incinerated. This information is based on the average family of San Diego, California, and was published overseas by the National Geographic Society and in Brazil by O Estado de São Paulo under the heading Knowledge Adventure.

Ultimate technology The Environmental Sanitation Service of Santo André (SEMASA), through its Press Office, states that during the current term of office their environmental priority is “to select a definitive technology for the final disposal of solid waste whilst protecting Permanent Preservation Areas (PPAs)”. But the organic composting facility is not part of such priority. They claim that “SEMASA has no on-going projects to activate the Composting Facility. We are currently researching into several technologies used world-wide to implement a Solid Waste Treatment Facility in the city. The functions of the equipment to be chosen would encompass civil construction material recycling, organic waste gas energy generation, carbon credit generation, and the generation of by-products originating from dry residues”, they explain. In other words, hell is paved with good intentions. We are leaving aside something that works in the hopes of implementing something yet to be invented. So much so the tone of their reply is hypothetical; “would encompass”, states the note from the Press Office. The two cooperative selective collection organizations the city actually has, both located at the sanitary landfill of Santo André, are, according to SEMASA, “responsible for the identification, separation and selling of recyclable waste”. As for their future, the note sent to NEO MONDO is also evasive: “Upon implementation of the new Recycling Facility, SEMASA shall duly relocate such organizations”. Depreciated sector Armando Neves, an entrepreneur in the recycling segment for 40 years, guarantees that the current state of these collection groups is worthy of concern, lacking something fundamental to their prosperity: effective government support. This happens because “there are no incentives for selective collection in this town”, which, in Armando’s opinion, shows just how fragile this area is. For him “something specific must be done to make it an actual economic activity accepted by SEMASA”. He thinks “the autarchy must also ensure that environmental education is in place, not only at school, but also involving the students’ families and society at large”.


According to SEMASA Santo André is part of the selective 6% of Brazilian municipalities with selective waste collection”. Their Press Office informed us that a survey carried out by the Organization of Business Commitment to Recycling (Cempre) shows that in 2008 the city was one of the five in the country to have implemented this service in 100% of the municipal area, to which SEMASA accredits growing popular adhesion since 2000. “In 2009 SEMASA engaged the entire population in a campaign using the Audible Response Unit (URA), which guided city dwellers on how to correctly separate recyclable waste and informed them of the collection timetable for each street. The initiative won AbiPet’s EcoPet Award in 2009 for increasing the collected volume to 8,433 tons – the greatest in history. Humid waste collection in this city amounts to an average of 18 tons/ month”. And they confirm their optimism by stating that “Santo André has one of the most advance selective waste collection systems in the country”. There are agencies in the city whose primary responsibility is to look after the environment through actions deemed relevant by SEMASA. Nothing remotely foresees the reactivation of the Composting Facility. Yet SEMASA believes in Santo André’s due adjustment of the environmental policy because they can count on “numerous ways of fostering training, education, protection, and environmental preservation in the city, amongst which the Santo André Municipal Administration and Environmental Sanitation Fund (Fumgesan). That is a mechanism, which, for SEMASA, translates into a means of fostering the execution of projects aiming to protect the environment and quality of life in the city. Fumgesans objective is to concentrate resources of environmental interest to Santo André. SEMASA’s Press Office still used the official bill which annually selects environmental projects as an example; “in 2010 the theme was ‘Environmental Education and Conscientious Consumption’, subdivided into “Rational Water Usage” and “Correct Solid Residue Separation”. Each project is assessed by the Administrative Council; those that pass are voted by Comugesan, and the winners are then chosen. SEMASA highlights that this year a budget of R$330 thousand

has been approved for the two approved proposals, who will share the prize under the sole condition that the projects be directed and carried out in Santo André. Finally, “Partnerships with local universities are also made by SEMASA” wraps up the note. NEO MONDO is hereby contributing to the betterment of the city where it is headquartered so that those responsible for such a strategic public administration area may analyze this article seriously and in depth, where precious information is made available to the parties concerned in order to – in a nutshell: improve the quality of life of the population.

The only amusing thing about recycling is what can be made out of its raw-materials

Já já te mando outras duas, também com crédito GEA Parabéns pela empresa que vcs criaram. Gabriel. All dimensions of sanitation

SEMASA believes that in its 40 years of existence it has become nationally known for its pioneering approach to technology and for the quality of its services. Since 1969 the autarchy, which first only took care of the water and sewers of Santo André, has grown and aggregated services, becoming the first Brazilian organization to monopolize all dimensions of sanitation. Its Press Office reminds us of the main phases SEMASA has gone through, especially from 1990 to-date:

• In 1997 SEMASA took on urban draining services for Santo André • In 1998 environmental management became part of SEMASA, including, inspection, education, and the grant of environmental licenses • In 1999 it aggregated residue management, waste collection administration and the separation of dry and humid waste, besides taking over Santo André s sanitation landfill; in 2001 SEMASA incorporated Civil Defense and, in 2010, broadening its scope of action even further, it also became responsible for the official regional weather forecast.

Ethically treating the environment GEA – Ethics & Environment Institute provides support to companies and City Halls giving special emphasis to cooperative organizational training. Their standpoint is that an ideal cooperative organization’s management is solidary and all profits are shared among its members. Management is equally shared by all during decision-making processes. “Support from the public sector is a must, especially because the responsibility for refuse and waste collection is the City Hall’s. They should, therefore, do everything in their power to make sure this service is done as well

as possible. Selective waste collection is a need which can’t be ignored in a city”, says Ana Maria. She asks municipal governments to implement serious and well planned selective collection programs, providing effective support to cooperative waste collection organizations and creating laws to support recycling and environmental programs. “There are no incentives, for instance, for companies willing to invest in environmental programs; only for cultural programs”, concluded GEA’s President. To contact the GEA Institute, visit www.institutogea.org.br

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Energia Limpa

Comunicação EMTU

Só ÁGUA no escapamento

Começam em São Paulo os testes com ônibus a hidrogênio

O Programa Brasileiro Pro H2 inclui o País num seleto time de apenas 5 nações em todo o mundo que busca dominar a tecnologia das células combustíveis a hidrogênio. São Paulo começou a testar agora em agosto o primeiro ônibus movido a H2, já entrando numa segunda fase do projeto. Antônio Marmo

A

Empresa Municipal de Transportes Urbanos (EMTU) finalizou a primeira bateria de testes com o ônibus movido a hidrogênio transportando 3 toneladas de areia ensacada pelo Corredor Metropolitano São Mateus–Jabaquara, na Capital e entre setembro e outubro deve começar os testes com passageiros.

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Do cano de descarga vem a melhor notícia: dali sai apenas vapor d’água, nem um grama a mais de material particulado. A EMTU/SP, coordenadora nacional do projeto, é a responsável pelo acompanhamento e avaliação do desempenho dos veículos que circularão nas 13 linhas do Corredor Metropolitano ABD

(São Mateus–Jabaquara), operado hoje pela concessionária Metra. “São testes muito importantes do ponto de vista operacional, examinando-se a viabilidade econômica do projeto pois se trata de tecnologia e forma novas de transporte”, disse o governador José Serra durante a apresentação do veículo, no dia 1º de julho.


O governador acrescentou que “o Brasil é um dos cinco países do mundo, além dos Estados Unidos, Canadá, Alemanha e Japão, que dominam a tecnologia e que têm ônibus movidos a hidrogênio. Também é importante salientar que somos o único, entre esses países, que detém uma tecnologia híbrida, como segunda opção para o ônibus a hidrogênio: a eletricidade”. Esta fase inicial de testes irá até o início de 2011, com os quatro ônibus previstos no projeto. Após o período de testes, os veículos serão incorporados à frota operacional do corredor.

Teste em condições reais O projeto começou há 15 anos, quando a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo, empresa vinculada à Secretaria de Estado dos Transportes Metropolitanos (EMTU/SP), e o Ministério das Minas e Energia iniciaram estudos para o uso do hidrogênio como combustível em ônibus urbanos, utilizando o corpo de pesquiadores do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), em parceria com a USP. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) destinou US$ 16 milhões do Global Environmental

Facility (GEF) para a iniciativa. O Brasil foi beneficiado com o financiamento por ser um país de economia emergente, maior produtor e o maior mercado consumidor de ônibus do mundo. Construído em Caxias do Sul (RS) pela Tuttotrasporti e pela Marcopolo, o protótipo já foi homologado. O projeto prevê a fabricação de até quatro veículos, mais a montagem da estação de produção de hidrogênio e abastecimento dos ônibus, em São Bernardo do Campo, com o apoio técnico da Petrobrás, da BR Distribuidora e da AES Eletropaulo.

O PROGRAMA PRO H2 Desenvolver recursos humanos nesta área, criar as condições para implantar uma indústria nacional de Células a Combustível e motivar a utilização desse sistema utilizando bio-hidrogênio, vale dizer, produzir H2 a partir do etanol, são os objetivos da proposta. O cientista Marcelo Linardi, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), havia adiantado no 7º Congresso Brasileiro sobre Eficiência Energética, ocorrido no início de junho, informações que só foram divulgadas no dia 7 de julho pelo jornal O Estado de S. Paulo dando conta de que “ônibus movidos a hidrogênio já chegaram em São Paulo e no Rio de Janeiro, para testes”. Segundo Linardi, o Programa Brasileiro Pro H2, do Ipen, “virou modelo para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), visando a demonstrar a viabilidade dos ônibus, a infraestrutura de produção de hidrogênio e abastecimento, em condições reais de operação, desenvolver especificação para ônibus com célula a combustível baseado nos chassis e carrocerias brasileiras, acelerar a comercialização deste tipo de ônibus e adquirir e disseminar cultura técnica (operação, manutenção e fabricação)”. A intenção é operar os ônibus por 4 anos no Corredor Metropolitano São Mateus–Jabaquara, instalar e operar estação de produção, armazenamento e reabastecimento de hidrogênio. O programa está dividido em 4 fases, estando a primeira, de estudo de viabilidade e estratégia, já concluída. A segunda fase é esta que começa agora, com a “demonstração da viabilidade opera-

cional de até 5 ônibus e da infraestrutura de produção e abastecimento de H2”. Na fase 3 será construída garagem para 200 ônibus e infraestrutura de produção de hidrogênio e abastecimento. A última fase já prevê a produção em escala comercial e industrial.

integral ou parcial incluindo mais de 25 estudantes. Em andamento desde 2000, o programa já produziu 10 teses,15 em andamento, 16 patentes, 4 prêmios, mais de 70 publicações e cerca de 120 participações em congressos.

Realidade ou sonho? Falando no 7º Congresso Brasileiro sobre Eficiência Energética , o cientista Marcelo Linardi mostrou no painel “A Economia do Hidrogênio e as Células a Combustível: Realidade ou Sonho?” que o Programa Brasileiro Pro H2 propõe ações integradas e de cooperação para o desenvolvimento de uma tecnologia nacional para a produção limpa e eficiente de energia elétrica baseada em células a combustível por hidrogênio (PEMFC e SOFC) e aplicação estacionária. Todas as ações em andamento visam a desenvolver recursos humanos nesta área, criar as condições necessárias para o estabelecimento de uma indústria nacional em Células a Combustível, tornando o Brasil competitivo internacionalmente na área e a motivar a utilização de sistemas de Células a Combustível, utilizando bio-hidrogênio, vale dizer, produzir H2 a partir do etanol. O programa brasileiro envolve aproximadamente 30 pesquisadores em tempo

Copa de 2014 A expectativa é que o País utilize esses veículos já na Copa do Mundo em 2014 e nas Olimpíadas em 2016 mas a previsão mais otimista é de que a popularização de carros movidos a hidrogênio só deve ocorrer na próxima década, a partir de 2020. Os veículos a hidrogênio não apresentam nenhuma emissão de material particulado (fumaça, poeira ou gases), mas ao lado do hidrogênio verde há também o hidrogênio poluidor, gerado a partir de gás natural, combustível fóssil. Nesse caso, não há vantagens no uso. O processo de produção de hidrogênio é chamado de eletrólise, que usa a energia elétrica para quebrar molécula de água (H20) recuperando o hidrogênio. O princípio de funcionamento de uma célula a combustível consiste, em resumo, na entrada de hidrogênio de um lado da célula e de oxigênio do outro lado. No centro, entre os eletrodos, existem o eletrólito e o catalisador.

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Energia Limpa

SANDUÍCHE DE ELETRODOS E CATALISADORES

Embora o hidrogênio não ocorra livre na atmosfera, devendo ser produzido industrialmente, a abundância do elemento no Planeta e a água como produto da reação química em células de combustível o colocam como a melhor opção para o futuro. Células a combustível são dispositivos que convertem diretamente a energia química em energia elétrica e calor - ao contrário dos métodos tradicionais, em que a energia química passa por diversas fases até se tornar elétrica. A célula é uma espécie de “sanduíche” de eletrodos e catalisadores que gera energia elétrica a partir do hidrogênio retirado do gás natural, gasolina, álcool ou metanol. Linardi, que trabalha desde 1998 com os componentes da célula, não é o único no Pais a perseguir a construção de um protótipo de 1 quilowatt (kW) de potência. “Queremos também patentear o processo de fabricação dos componentes da nossa célula”, diz Linardi. A tecnologia desenvolvida será repassada para a Electrocell, empresa incubada no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec) que possui um projeto de construção de célula no Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe) da Fapesp.

Comunicação EMTU

O hidrogênio é o elemento químico mais abundante da Terra. Prevê-se que até 2020, em vez de uma bateria de níquel-cádmio, celulares e laptops usarão H2 como fonte de energia,

Um sanduíche de eletrodos e catalisadores gera energia elétrica a partir do hidrogênio retirado de fontes não poluidoras como o etanol. O ônibus armazena 45 kg de H2 consumindo 15 kg a cada 100 km.

A contaminação do solo e da água por metais pesados é o grande problema com as baterias atuais. Marco Fraga, chefe do Laboratório de Catálise do Instituto Nacional de Tecnologia (INT), explica que sua substituição em aparelhos portáteis reduz os riscos ambientais. O sistema de célula a combustível não produz nenhum tipo de poluente. É diferente daquele dos ônibus com motores a diesel, no qual a energia térmica é trans-

Montagem especial Modelo de série da Marcopolo foi transformado para receber o sistema a hidrogênio

Ventiladores do sistema de resfriamento dos motores elétricos, da célula e dos sistemas auxiliares

Tanque de hidrogênio

Células a combustíveis Motores de tração elétrica

Inversores de corrente elétrica Controladores e distribuidores de energia

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formada em energia mecânica, ao mesmo tempo em que o combustível queimado gera resíduos poluentes. A energia elétrica, depois de armazenada nas baterias, movimenta o motor elétrico de tração (similar ao de um trólebus), instalado no eixo traseiro do ônibus, gerando energia mecânica. Propulsão híbrida O ônibus que já corre na Capital é híbrido (célula a combustível a hidrogênio + três baterias de alto desempenho) e possui autonomia de rodagem de 300 km com o uso do hidrogênio. Se necessário, consegue rodar mais 40 km utilizando a energia reservada nas baterias. Pode ser operado exclusivamente com as células a combustível, somente com as baterias ou utilizar os dois sistemas simultaneamente. O veículo tem capacidade para armazenar 45 kg de hidrogênio em nove tanques, e sua média de consumo é de 15 kg de hidrogênio a cada 100 km percorridos. O ônibus também conta com um dispositivo de regeneração do sistema de frenagem (aproveitamento do calor), semelhante ao empregado na Fórmula 1, no qual a energia é armazenada nas baterias e usada na necessidade de maior potência na movimentação do veículo (em subidas, por exemplo).


Dr. Marcos Lúcio Barreto

PROJETO POMAR

– A VEZ DO MUNICÍPIO

I

nvocamos oportuno e profundo pensamento de Gabriel Garcia Marquez, salvo engano, para referendar a ideia do que estamos tentando aplicar na cidade de São Paulo. Mais ou menos, afirmava (reprovável desleixo verificado na ocasião, nos impede de reproduzi-lo com exatidão): foi-se o tempo em que o homem se empenhava em identificar o que o nosso planeta poderia lhe oferecer; agora, no século XXI, impõe-se ao homem indagar o que ele pode oferecer ao nosso planeta. Cientes da necessidade de uma postura proativa, no intuito de buscarmos iniciativas voltadas à melhoria da nossa qualidade de vida, em função dos duros castigos já sofridos pelo meio ambiente que nos cerca, recentemente nos deparamos com a possibilidade de prestarmos nossa contribuição nesse sentido. Tal se verificou quando assumimos procedimento existente na Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Comarca de São Paulo, instaurado para investigar as causas da poluição sonora dessa cidade, além das possíveis medidas atenuantes ou saneadoras a esse problema. Calcados em pareceres técnicos informativos de que, dentre diversas providências, projetos de intensa arborização nos principais corredores de veículos na cidade de São Paulo poderiam amenizar o excesso de ruído neles produzidos, enxergamos um “pretexto” para desenvolvermos, no âmbito municipal, iniciativa bem-sucedida, já aplicada em esfera estadual.

Nos referimos ao Projeto Pomar, conhecido por aqueles que habitam a cidade de São Paulo e desenvolvido pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente, na gestão do governador Mário Covas (1994/98), que permitiu, mediante o apoio da iniciativa privada, que todo o extenso trecho da Marginal Pinheiros fosse rearborizado. Vendendo a ideia de que cada empresa convidada a participar do projeto adotaria um determinado trecho daquela via expressa, mediante o pagamento dos custos do respectivo reflorestamento e a possibilidade de divulgação do nome da marca correspondente como contrapartida, a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo não teve maiores dificuldades de encontrar interessados nessa simpática iniciativa. O resultado dessa ideia, desde a sua implantação, é motivo de celebrações por toda a comunidade, especialmente por aqueles que por ali trafegam e que hoje podem desfrutar de um cenário repleto de uma vistosa e bem cuidada vegetação, até então inexistente. Espelhados nesse projeto, lançamos a ideia de implementá-lo agora no âmbito municipal, igualmente convidando a iniciativa privada a adotar as vias de grande tráfego da cidade, promovendo-se uma intensa arborização nesses corredores de veículos, com as decorrentes melhorias advindas (paisagísticas, térmicas, sonoras, atmosféricas, dentre outras).

Por essa nossa iniciativa, após algumas reuniões já realizadas, conseguimos junto à Secretaria de Coordenação das Subprefeituras a criação, através da Portaria nº 1391/09, de um Grupo de Trabalho Intersecretarial para análise, estudo e implantação do programa de arborização dos corredores de veículos da cidade de São Paulo, sendo, por ora, acenado com a desnecessidade do apoio privado verificado no Projeto Pomar. Diante desses acertos já firmados, portanto, a expectativa que se tem é de que, vencidos alguns trâmites burocráticos e próprios até de um empreendimento dessa envergadura, a cidade de São Paulo possa, em breve, dispor de milhares de novas árvores, todas elas espalhadas por vias de intenso tráfego de veículos, com suas decorrentes melhorias, ao mesmo tempo em que possa servir de modelo para novas iniciativas de gênero em outras grandes cidades do nosso país. A(s) cidade(s), o meio ambiente e o planeta, com certeza, agradecerão...

Dr. Marcos Lúcio Barreto Promotor de Justiça do Meio Ambiente de São Paulo E-mail: marcoslb@mp.sp.gov.br Neo Mondo - Setembro 2010

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A

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Energia Limpa

A energia

do amanhã

Mundo procura saída energética de baixo carbono; especialistas brasileiros apontam alternativas Bruno Molinero

“L

ugar meu tinha de ser a concruz dos caminhos.” É com essa conclusão poética que Riobaldo, célebre personagem de Grande Sertão: Veredas, chega à encruzilhada. Depois de se embrenhar pelo sertão, o encontro dos dois caminhos é a chave de seu futuro. O mesmo acontece com o Brasil atual. Em uma encruzilhada energética, o país tem à sua frente inúmeras possibilidades. E nosso amanhã depende dessa escolha. O caminho mais evidente é o do etanol. Com um dos programas de biocombustível mais avançados do mundo, não seria espantoso se a cana se transformasse na matriz energética brasileira. Mas há também a opção do petróleo. O pré-sal pode transformar o Brasil em um dos mais prósperos produtores. Por outro lado, tímidos e um pouco esquecidos, há outros rumos, como o da energia solar, o da eólica e o de tantas outras que aproveitam nosso potencial natural. E eis que se forma um gigante ponto de interrogação sobre nossas cabeças. Afinal, vivemos um momento de renovação das matrizes energéticas, com o fim cada vez mais próximo da era do petróleo. Qual caminho escolher? Embora o ufanismo televisivo e comovente, é quase unanimidade que o pré-sal não é a solução mais indicada. “O Brasil surgiu na dianteira da discussão do biocombustível. A energia eólica e a solar finalmente começaram a ser levadas

a sério. Porém, com o pré-sal, a discussão mudou de eixo. A energia renovável perdeu terreno”, afirma Ricardo Young, ex-presidente do Instituto Ethos. O mundo está discutindo uma economia e, sobretudo, uma saída energética de baixo carbono. O acidente no Golfo do México foi uma ilustração trágica dos perigos da atual matriz. Estamos nos preparando para entrar no mundo pós-petróleo. E o Brasil anda no contrafluxo. Contudo, segundo Marcos Jank, presidente da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), “o pré-sal não vai sombrear o etanol de cana. É uma coisa passageira, pois vai na contramão do que o Brasil estava fazendo”. Usinas adormecidas Para Jank, a cana é o novo paradigma energético, pois tem capacidade de produzir combustível e, inclusive, energia elétrica de baixo carbono. “O Brasil tem três Belos Montes adormecidos nos canaviais. É só utilizar o bagaço e a palha da cana em caldeiras de alta pressão para gerar bioeletricidade. Não é preciso construir hidrelétrica”, afirma. O aumento da produtividade a partir do avanço tecnológico é a saída mais eficiente para o entrave energético nacional. Não é dessa forma que enxerga o pesquisador Antonio Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). “Se todo petróleo for substituído por etanol, não

haverá área suficiente no mundo”, declara. Tanto um como outro são combustíveis obsoletos. A solução seria a energia solar e a eólica, somadas ao avanço tecnológico. Atualmente, 80% do potencial do combustível é gasto no motor. Com uma máquina mais avançada, não precisaríamos aumentar a produção energética – seja plantando mais cana seja explorando o pré-sal. “Vivemos uma ditadura da oferta. Procura-se oferecer cada vez mais, sem se questionar a demanda”, alerta Antonio. Ou seja, ele propõe uma mudança de leitura. Em vez de a tecnologia servir para produzir mais, ela deve colaborar para se necessitar cada vez menos. Mas isso não é tarefa simples. De acordo com o pesquisador, os lobbies das grandes corporações mantêm o sistema atual. O custo total de Belo Monte, por exemplo, seria suficiente para a construção de um complexo eólico no Nordeste. É muito mais interessante do ponto de vista sustentável, mas não do ponto de vista empresarial. No Pará, a forte indústria do alumínio consome a maior parte da energia elétrica gerada. “Nós ficamos totalmente refém dos interesses dos grandes grupos”, alerta. Não é fácil decidir qual caminho seguir. Sustentabilidade, economia, planos estratégicos e interesses diversos se esbarram nessa encruzilhada. E a batata quente fica para o próximo morador do Palácio do Planalto. Neo Mondo - Setembro 2010

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Cultura, Lazer e Arte

FLIP

celebração literária em grande estilo A oitava edição da Festa Literária Internacional de Paraty foi marcada pela diversidade de temas e de autores participantes Nelson Toledo

Rosane Araujo

Tenda dos autores foi palco de discussões emocionantes e acaloradas


Munhoz lembrou que essa receita também cobre as diversas ações da Casa Azul, associação criada em 1994 (veja mais detalhes no quadro da página 28). A previsão é de que, em 2011, a Flip volte a ser realizada no começo de julho ou mesmo no fim de junho. Sobre a manutenção da diversidade de temas, Liz Calder preferiu não se apressar. “Tudo depende da interação dos autores quando se encontram, de que autores serão convidados, de que livros estarão sendo lançados”, ponderou.

Walter Craveiro

Polêmicas, farpas, humor Com tantos nomes de peso, a festa começou a gerar polêmica antes mesmo de acontecer. Para substituir o escritor italiano Antonio Tabucchi, que desistiu de participar devido a problemas de saúde, foi chamado o poeta maranhense Ferreira Gullar, recém-premiado com o Camões, prêmio mais importante da língua portuguesa. O convite de “última hora” recebeu duras críticas do escritor e colunista de O Globo, Zuenir Ventura, que considerou uma “indelicadeza” com o poeta tão premiado. Para o bem da Festa, a mágoa não foi compartilhada por Gullar, cuja participação foi reconhecidamente um dos pontos mais emocionantes do evento. O cancelamento da participação do cantor e compositor Lou Reed, fundador do grupo Velvet Underground, que alegou “motivos pessoais”, também deu o que falar. Ao contrário do que aconteceu no caso do autor italiano, os organizadores optaram em não escalar um substituto para Reed.

O mediador Claudinei Ferreira, com o tradutor alemão Berthold Zilly e o escritor Benjamin Moser

Walter Craveiro

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e a edição deste ano da Flip, realizada de 4 a 8 de agosto, em Paraty, no Rio de Janeiro, reuniu menos público do que a anterior (entre 15 e 20 mil pessoas, segundo a produção do evento, contra 25 mil da edição passada), o mesmo não se pode dizer sobre o sucesso e a atenção midiática que a Festa recebeu em 2010. A cobertura não deixou a desejar e cada dia uma nova discussão esquentava o noticiário. Tudo muito natural, considerando o caldeirão de assuntos abordados nas 18 mesas que compuseram o evento. A oitava edição trouxe política, escravidão, quadrinhos, ebook e ipad. “Este foi o ano mais interessante de todos, com a programação mais variada”, declarou a mentora intelectual da Flip, Liz Calder. Segundo ela, vários dos 21 convidados estrangeiros – entre os 147 autores presentes – confidenciaram-lhe tratar-se do melhor festival de literatura de que jamais participaram. “A Flip também tem um impacto crescente e considerável junto ao público e às editoras estrangeiras, promovendo a literatura brasileira no exterior”, garantiu Liz durante coletiva que marcou o balanço da Feira. Para Mauro Munhoz, diretor-geral, o adiamento para agosto em função da Copa do Mundo e a comemoração do Dia dos Pais, no último dia da Festa, foram as principais causas da redução de público, em comparação ao ano passado. Em relação ao orçamento, houve um salto de R$ 5,9 milhões em 2009 para R$ 6,3 milhões neste ano.

Ferreira Gullar, que emocionou na mesa “Gullar, 80”

No lugar de sua mesa, a Flip resolveu homenagear os escritores Carlos Drummond de Andrade e José Saramago, morto em junho deste ano. Na homenagem a Saramago, o destaque foi a apresentação de um trecho de 40 minutos do filme José & Pilar, dirigido pelo jovem português Miguel Gonçalves Mendes. Tratase de um documentário sobre os últimos dias do escritor, desenvolvido em associação com a produtora O2 Filmes, de Fernando Meirelles, e a espanhola El Deseo, de Pedro Almodóvar. O lançamento está previsto para 16 de novembro, simultaneamente no Brasil, na Espanha e em Portugal, mas a apresentação da Flip serviu de aperitivo para os fãs do premiado autor português. Nem tudo, porém, foram flores na oitava Flip. O clima também esquentou em alguns momentos. Um dos mais comentados foi a troca de farpas entre o escritor anglo-indiano Salman Rushdie e o crítico literário inglês Terry Eagleton. Rushdie abriu fogo ao reclamar da inclusão de seu nome em um grupo de autores neoconservadores que estaria disseminando a “islamofobia”. “Ser acusado de fazer parte da agenda de Bush e Cheney me parece muito ofensivo e desonesto. O termo técnico para esse tipo de afirmação é mentira”, disse. No dia seguinte, Eagleton não fugiu da polêmica: “Gostaria que Salman Rushdie e outros dissessem em voz mais alta e clara que veem uma distinção entre o Islã e os radicais do Islã, em vez de agirem como se a tradição ocidental fosse absolutamente livre de barbaridades”. Neo Mondo - Setembro 2010

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Walter Craveiro

Cultura, Lazer e Arte Histórico Flip Confira a seguir trajetória da principal feira literária do país

2003 A Flip é criada e insere o Brasil no calendário internacional de literatura. Realizada na Casa da Cultura, foi transmitida para a Tenda da Matriz (a atual Tenda do Telão) e contou com a presença de Eric Hobsbawn, Chico Buarque, Caetano Veloso, entre outros. Os quadrinistas Robert Crumb e Gilbert Shelton durante a mesa “A Origem do Universo”

2004 A Flip ficou maior e começou a acontecer na Tenda dos Autores. A Tenda da Matriz foi ampliada, com público de 1.100 pessoas Nascem Flipinha, evento educativo especialmente dedicado ao público infantil, Flip Etc., com programação voltada para cinema e teatro, e a Oficina Literária.

2005 São criadas a Biblioteca da Flipinha e a Ciranda de Máscaras e Bonecos.

2006 Flip Etc. se volta às manifestações culturais locais.

2007 A Flipinha alcança a zona rural e a Flip registra recorde de público na cidade (20 mil pessoas).

2008 É criada a Tenda dos Autógrafos e pela primeira vez o evento é transmitido ao vivo pela internet. A Tenda do Telão ganha tradução simultânea.

2009 É criada a Mesa Zé Kleber para discutir políticas públicas ligadas ao universo cultural e urbano. Flip Etc. vira Flip - Casa da Cultura. É criada a FlipZona, um programa educativo de inclusão social voltado para os jovens paratienses. Pela primeira vez também, o evento usa mídias sociais como ferramenta de divulgação e de democratização de conteúdo. FONTE: Assessoria de Imprensa Flip – Neo Mondo - Outubro 2008 28 A4 Comunicação

Outro ponto muito comentado do evento, a participação do quadrinista norte-americano Robert Crumb, também não gerou consenso entre participantes e imprensa. Enquanto muitos fãs comemoravam a inédita presença de um dos fundadores do movimento underground, alguns veículos da imprensa destacaram seu mau humor perante o assédio da mídia. Avesso aos holofotes, Crumb irritou-se com fotógrafos para quem fez gestos obscenos durante suas caminhadas pela cidade.

Durante a apresentação de sua mesa, porém, redimiu-se, esbanjando bom humor. ”Quando disse que iria ao Brasil, me disseram para prestar atenção na bunda das mulheres daqui. E realmente são grandes, saias curtas, muita perna de fora. Imagino isso no verão”, brincou. E foi assim, entre piadas, lágrimas e farpas que mais uma edição da Flip aconteceu. Sorte de quem participou.

Flip 2010 em números • De 15 a 20 mil visitantes • 147 autores, 21 deles estrangeiros • O site da Flip recebeu 47.651 acessos, com uma média de 7 mil visitantes por dia e um pico de 14.000 • Receita de R$ 6,3 milhões Flip 2010 em letras Uma seleção de frases de quem deu o que falar “A arte existe porque a vida só não basta”. Ferreira Gullar, poeta, cronista, dramaturgo e ensaísta “Para nós, cubanos, o mar é uma parede vertical, como um muro. Sou personagem de romance, vivo numa ilha” Wendy Guerra, autora de Nunca fui Primeira-Dama “Trata-se do segundo escritor mais lido do planeta. Os brasileiros não deveriam se envergonhar dele. Imagine se eu tivesse vergonha de toda a merda cultural que meu país exporta” Benjamim Moser, americano, biógrafo de Clarice Lispector, sobre Paulo Coelho “Nos anos 50 não estávamos a fim de discutir a obra de Gilberto Freyre, e havia a ideia de que esse trabalho que fazíamos, de questionar a ideia de democracia racial, se contrapunha ao dele”. Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República “Estou esperando minha mãe morrer para escrever um livro realmente erótico.” Isabel Allende, best-seller mundial


de Paraty”, revelou Cristina Maseda, coordenadora da Flipinha. Ela esperava que a adesão fosse menor neste ano, já que a Feira aconteceu durante o período letivo. Na mesma linha, o projeto educacional continuado FlipZona envolve a rede de ensino de Paraty, mas nele o público-alvo são os jovens. Na programação estão oficinas de produção e edição de áudio e vídeo, caracterização teatral, produção de texto, animação, videogame, fotografia, debates com escritores e profissionais, exibição de filmes, entre outras atividades. Os mais de 40 jovens envolvidos no projeto, que já vinham trabalhando juntos há três meses no Ponto de Cultura Casa Azul, produziram 32 reportagens, 15 delas em vídeo, material que foi publicado no site da FlipZona. Um número ainda maior de jovens – cerca de 150 – participou da Hora da Estrela, na qual foi aberto espaço para que integrantes da comunidade apresentassem suas criações em teatro, cinema, vídeo, poesia ou qualquer outra manifestação.

Programação infantil garantida na Flipinha – incentivo à leitura faz parte do programa contínuo

André Conti

Muito mais do que a badalação gerada nos cinco dias em que se realiza, a Flip atua continuamente no dia-a-dia de quem vive em Paraty por meio de projetos educacionais organizados pela Associação Casa Azul, idealizadora da Feira. Seu principal programa educativo recebeu o nome de Flipinha e acontece de janeiro a dezembro com ações envolvendo alunos e professores da rede escolar da cidade em inúmeras atividades de incentivo à leitura e de valorização do patrimônio cultural local. Durante a Flip, a Tenda da Flipinha é o ponto de encontro das atividades realizadas ao longo do ano. Na edição de 2010, a tenda infantil comemorou a criação do Projeto Mar de Leitores, que incluiu a obrigatoriedade da hora/aula de leitura na grade curricular das escolas da cidade. Assim como a Flip, a Flipinha homenageou o sociólogo e escritor Gilberto Freyre. “Para nossa surpresa, tivemos 7 mil participantes na Praça da Matriz na sexta-feira, por ocasião do evento Arte na Praça – Saberes e Fazeres

André Conti

Ações sociais consolidaram-se em 2010

Jovens da cidade mostraram sua produção cultural durante a Festa Literária

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Mitologia clássica:

A ORIGEM S

e pudéssemos retroceder na linha do tempo rumo a um passado cada vez mais distante, cada vez mais longínquo, sempre mais remoto, sempre mais e mais imemorial, encontraríamos a origem primeira de tudo o que há no mundo, descobriríamos então o princípio comum de todas as coisas. Atualmente nos acostumamos a ouvir falar da teoria do Big bang como tentativa de explicar a origem do universo. Na Antiguidade, gregos e romanos falavam do “Caos Primordial”. Antes de toda a natureza que nos rodeia, antes das terras, dos vales, dos montes e das florestas, antes do céu, do sol, da lua e das estrelas, antes do oceano, dos mares, das fontes e

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dos rios, antes dos ventos, das chuvas, da neve e das tempestades, antes, muito antes de nós – e até mesmo dos próprios deuses olímpicos – havia somente o Caos. Não era o nada, bem ao contrário, pode-se dizer que era o tudo em potência, um todo inteiramente confuso, informe, massa bruta, desestruturada, mas que continha em si todas as coisas ainda não delineadas. Matéria elementar, imóvel, mas em contínua agitação interna, animada pelo conflito fundamental de tudo o que ainda não existia. Como canta Ovídio (43 a. C. - 17 d. C.) nos versos latinos do início das Metamorfoses, de acordo com a tradução do famoso poeta português Bocage (1765-1805),

Forma nenhuma em nenhum corpo havia, E neles uma coisa a outra obstava, Que em cada qual dos embriões enormes Pugnavam frio, e quente, úmido, e seco, Mole, e duro, o que é leve, e o que é pesado. Era o Caos a latência indefinida de tudo à espera do tempo ordenador, um improvável celeiro de puras possibilidades, a única face da natureza anterior às manifestações particulares da vida, uma face completamente obscura, indistinta. Num dado instante, do vasto seio desse abismo escuro, das vagas entranhas dessa amplidão amorfa, surge Gaia, a Terra. Separada então daquele todo incerto, suspensa no espaço indefinido e equilibrada por seu próprio peso, com sua firmeza


Marcio Thamos

DO MUNDO constante e seu nítido contorno, impõe um limite ao Caos, tornando-se uma referência sólida para a criação do mundo ainda indeciso. Na solidão mais ancestral do cosmos primitivo, Gaia criou primeiro um ser semelhante a si mesma que pudesse cobri-la e envolvê-la por inteiro, conforme conta na Teogonia o vate grego Hesíodo (provavelmente séc. VIII a. C.) – nasceu assim Urano, o Céu estrelado. O mundo passa a ter embaixo e em cima, um chão e um teto, dois corpos ao mesmo tempo comparáveis e contrários, que se compõem e se completam. Da mesma maneira solitária, sem depender de nenhuma outra força, a frutuosa Mãe-Terra concebeu Ponto, o Mar ondeante, que a circunda. Em se-

guida, unindo-se a Urano, o primogênito que se deitava sem cessar sobre ela, Gaia gerou muitos filhos. Inicialmente surgiu uma raça bruta e violenta, os primeiros descendentes do Céu e da Terra – os Titãs e as Titânides, seis irmãos e seis irmãs que, por sua vez, juntando-se em pares, foram responsáveis pela geração de várias divindades secundárias que povoaram o mundo nascente. A partir daí, a Terra será o palco de uma sucessão de dramas e conflitos envolvendo sua progênie, verá o triunfo de uns e a queda de outros, assistirá a batalhas gigantescas até a ascensão de Júpiter como senhor supremo do universo. Então, a Grande Mãe testemunhará ainda a criação

do homem, por engenho e arte de um de seus netos, Prometeu, o maior benfeitor da humanidade. São estórias da mitologia clássica que pretendo continuar contando aqui se os deuses assim permitirem.

Doutor em Estudos Literários. Professor de Língua e Literatura Latinas junto ao Departamento de Linguística da UNESP-FCL/CAr, credenciado no Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da mesma instituição. Coordenador do Grupo de Pesquisa LINCEU – Visões da Antiguidade Clássica. E-mail: marciothamos@uol.com.br

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ompor. c e d e s es para s e m 6 neta. e3a la d p a r o o e m v er de za. Pres O papel e r u t a n lixo na e u g jo o N達

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Especial - Amazônia

Impactos de Grito de guerra (Kararaô), na origem, usina ainda dá o que falar entre estudiosos e ambientalistas, mas parece irreversível Bruno Molinero Especial para NEO MONDO

K

araraô - grito de guerra na língua dos Kaiapós - se tornou Belo Monte. Mudança brusca no nome, mas quase nenhuma no projeto. Nem nos personagens. Entre eles, indígenas, estudiosos, ambientalistas, autoridades técnicas e do governo. Para o general Eduardo Dias da Costa Villas Boas, chefe da Assessoria Espe-

Rio Xingu, Altamira - PA

cial de Gestão de Projetos do Estado Maior do Exército, é preciso tratar a questão de Belo Monte com pragmatismo. Indígenas e ambientalistas têm pela frente uma empreitada árdua. Maior obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e já licenciada, com investimento total de cerca de R$ 19 bilhões,

o governo brasileiro dificilmente deixará que Belo Monte seja barrada por ser a sua maior plataforma político-administrativa. De acordo com dados da Eletrobrás, a hidrelétrica terá capacidade de gerar mais de 11 mil megawatts (MW), tornando-se a segunda maior usina brasileira – atrás somente de Itaipu e sua capacidade máxima de 14 mil MW.


Risco à biodiversidade Estudiosos e ambientalistas alertam que a usina atingirá, direta ou indiretamente, mais de 300 mil pessoas e 11 terras indígenas. Além disso, é previsto um alagamento de 516 km², que pode colocar em risco a biodiversidade local e trazer impactos sociais gravíssimos. Embora os holofotes estejam voltados para a cidade de Altamira – principal município atingido pelo represamento do Xingu –, Belo Monte chegará também aos municípios de Senador José Porfírio, Porto de Moz, Anapu, Vitória do Xingu, Medicilância, Gurupá, Brasil Novo, Placas, Uruará e Pacajá. O general Villas Boas entende que a degradação do rio Xingu já é agressiva na atualidade. Para ele, a usina traria benefícios estruturais para as cidades, melhorando seus quadros de saneamento. Com isso, os impactos ambientais do empreendimento seriam relativizados. “No caso de Belo Monte, as pessoas estão se esquecendo de que na cidade de Altamira há mais de 100 mil pessoas sem água encanada, jogando todos os seus dejetos no rio Xingu.” O raciocínio do general é o de que se, por um lado, a usina impactará o meio ambiente, por outro, trará benefícios econômicos e sociais incontestáveis. Belo Monte significaria, nesse sentido, uma chance de desenvolvimento socioeconômico para a região do rio Xingu. Assim, desenvolvimento estaria intrinsecamente ligado à solução da causa ambiental. “Pobreza é sinônimo de degradação

ambiental”, decreta o militar. Portanto, pragmaticamente, é necessário um pensamento que leve em consideração a relação custobenefício. Para Villas Boas, “toda vez que se impede de asfaltar uma rodovia, que se impede de construir uma linha de transmissão, que se impede de construir uma hidrelétrica, se está inviabilizando o desenvolvimento econômico”. E, consequentemente, postergando a degradação do bioma. Alternativas energéticas Embora a usina hidrelétrica seja considerada um modelo de geração de energia limpa, se construída no meio do bioma amazônico, ela pode representar enorme ameaça à biodiversidade e à vida de todas as populações da floresta. Belo Monte seria mesmo a melhor solução energética, se considerarmos outras fontes, como a eólica e a biomassa, por exemplo? De acordo com a grande maioria dos pesquisadores, sim. Mesmo no caso da biomassa, maior bandeira energética brasileira a partir do etanol da cana. Embora a cana não possa ser cultivada na Amazônia, por conta da alta umidade, outros exemplos de bioenergia podem ser utilizados – mas com eficiência discutível. As palmáceas, já comuns no Sudeste Asiático e no Pacífico com eficiência equivalente à do etanol brasileiro, são capazes de gerar fontes sustentáveis de energia alternativa a partir de biomassa naquele tipo de clima. Outra solução possível, segundo o pesquisador Marcos Buckeridge, do Instituto de Biocências da USP, é o mata-pasto, típica planta brasileira.

Foto: Adalton Ramos

Brasil no limite Guilherme Leite Dias, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), avalia que o Brasil se encontra no limite da questão energética. Belo Monte seria, portanto, inevitável. Há outros aspectos ligados a Belo Monte, e o da urbanização desenfreada, com todos os problemas que acarreta, é um deles. Para o professor e economista Guilherme Dias, a intensa urbanização e consequente inchaço demográfico amazônico geraram uma explosão na demanda de energia na região, forçando a construção de novas alternativas energéticas. “Se colocarmos 10 ou 15 milhões de pessoas em cidades de porte médio na Amazônia, explode a demanda de energia”, diz. Na esteira desse mal maior, vêm também os típicos das cidades que cresceram sem planejamento, como alto índice de mortalidade, alta taxa de analfabetismo e saneamento básico precário. Este último está intensamente relacionado a Belo Monte. Dados da Prefeitura, colhidos no último censo, no município de Altamira, dão conta de que apenas 1.358 moradores tinham acesso à rede de esgoto, ou seja, cerca de 1,8% da população. Nos demais casos, os moradores utilizavam fossas ou mesmo o rio Xingu como esgotamento sanitário. Cerca de 6 mil munícipes não tinham sequer banheiro em suas casas. Em síntese, Belo Monte cheira a degradação ambiental.


Especial - Amazônia

Villas Boas: cirurgia à luz de velas De acordo com Buckeridge, a Eletronorte já desenvolveu um pirolisador (instrumento que promove a decomposição da biomassa) que, com cerca de 2 kg de mata-pasto por dia, consegue alimentar energeticamente uma família de 4 pessoas. Funciona, mas a eficiência é baixa. Essa alternativa acontece apenas nos lugares em que a energia elétrica não chega. “Aonde o ‘linhão’ chega, fica mais barato e eficiente utilizar a eletricidade de hidrelétrica”, afirma o pesquisador. A biomassa, portanto, não é tão eficiente para a produção de eletricidade. Além disso, pode causar impacto ambiental ainda maior que a hidrelétrica. “O impacto [da hidrelétrica], mesmo com a questão dos alagamentos, seria menor do que se eu usasse a bioeletricidade. Porque se for usar biomassa para produzir eletricidade, o pessoal vai começar a cortar árvore”, alerta. É claro que, com os alagamentos, perde-se biodiversidade. Mas, para Buckeridge, energia é uma necessidade imediata, tendo-se de trabalhar com a noção de im36

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História a perigo É evidente que a construção de Belo Monte impactará ambiental e socialmente a região do Xingu. Uma parcela do bioma amazônico será simplesmente submerso com 2/3 da cidade de Altamira. Contudo, algo muito mais frágil, e menos comentado, está em risco: a história. A Amazônia não é formada exclusivamente por floresta. Sob a proteção da copa das árvores, timidamente repousam enormes sítios arqueológicos. Cerâmicas ou até aldeias inteiras se escondem debaixo da infértil terra úmida da região. Como a pesquisa nessa área é muito recente, não se sabe ainda a quantidade exata de sítios arqueológicos amazônicos. Estima-se que, apenas na Amazônia Central, existam mais de 200. Segundo o arqueólogo e pesquisador do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE), Eduardo Góes Neves, os grandes projetos da Amazônia, como barragens e linhas de transmissão, estão gerando grandes impactos sobre os sítios arqueológicos e, sobretudo, sobre a história brasileira. A grande agravante é que o Brasil não conta com número de arqueólogos suficiente para avaliar todos os sítios atingidos. Com isso muita informação pode estar sendo jogada no lixo. A área atingida pelos impactos de Belo Monte não é diferente. Como a discussão sobre a hidrelétrica persiste há cerca de 30 anos, alguns estudos preliminares já foram realizados, reunindo um acervo de conhecimento arqueológico sobre a região do Xingu. Contudo, com a recente licitação, novos estudos serão necessários, a fim de se avaliar aprofundadamente a presença de patrimônio histórico na área alagada. Belo Monte não é, porém, a única usina planejada para a Amazônia. No total, cerca de oito hidrelétricas estão nos pla-

Exemplo chinês Nesse aspecto, segundo o general Villas Boas, é necessário aprender com a China. A construção da represa da usina de Três Gargantas, que tem uma vez e meia a capacidade de Itaipu, deslocou 2 milhões de pessoas e mais de 100 sítios arqueológicos milenares. Contudo, para o militar, trata-se de “uma obra fundamental para o desenvolvimento daquele país”. Mesmo com o deslocamento de cerca de 2 mil indígenas, que têm seus cemitérios e histórias fixados nas terras do Xingu, Belo Monte deve ser tratada da mesma maneira que Três Gargantas. Tuíra discorda. Bruno Molinero

Bruno Molinero

Guilherme Dias: usina é inevitável

nos do governo brasileiro. De acordo com Eduardo Neves, não há profissionais suficientes para atender tamanha demanda. Uma parcela importantíssima da história do Brasil – a história antiga da Amazônia e sua relação com os povos andinos – pode simplesmente desaparecer, caso os estudos não possam ser realizados da maneira adequada

Buckeridge: mata-pasto competindo com “linhão”

Bruno Molinero

Bruno Molinero

pacto mínimo. Segundo o professor Guilherme Dias, esse impacto mínimo ocorre justamente com a hidrelétrica. Além da eficiência indiscutível, as usinas, se pensadas com cuidado, não representam tantos riscos. “Não me parece que os danos das hidrelétricas sejam motivo para ficarmos tão horrorizados, se comparados com as outras alternativas que temos.” Para ele, a exploração do pré-sal representa muito mais riscos ao ecossistema do que as hidrelétricas amazônicas.

Eduardo Neves: informação jogada no lixo


Bruno Molinero

Geógrafo põe em xeque custo-benefício

Ariovaldo: minério a preço de pizza Embora os dados da Eletrobrás prevejam a produção de mais de 11 mil MW, a usina de Belo Monte certamente não alcançará tamanha geração. Isso porque o rio Xingu sofre drástica diminuição em sua vazão na época de estiagem. Estudos mostram que a hidrelétrica terá capacidade de gerar, em média, 4.428 MW – dado muito aquém do posto de segunda maior usina brasileira. De acordo com o professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira, do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH/ USP), “o grande problema da construção de barragens de hidrelétricas na Amazônia é o tamanho dos lagos, se comparado à capacidade de geração de energia”. Para o geógrafo, a Amazônia apresenta inúmeros exemplos de usinas hidrelétricas que alagaram grandes áreas, gerando um grande impacto ambiental, porém sem produzir quantidade significativa de energia elétrica.

Um desses casos é a usina de Balbina, próxima à cidade de Presidente Figueiredo, que alagou grande parte de uma terra indígena em sua construção. A hidrelétrica, construída para abastecer a cidade de Manaus, atualmente só gera todo seu potencial durante três meses do ano – e com um custo altíssimo. O que era para ser um grande investimento tornou-se assim um dos maiores erros estratégicos do Brasil. Balbina é insuficiente para suprir a demanda de energia da capital amazonense. “A mesma coisa vai acontecer em Belo Monte, se construída. Vai-se investir uma fortuna, e essa usina não terá a capacidade de geração de energia que os estudos dizem que ela vai ter”, acredita Ariovaldo. O geógrafo explica que o rio Xingu, assim como o rio Uatumã, onde se localiza Balbina, apresenta grande oscilação no seu nível entre o período seco e o chuvoso. Iminência de outro apagão Por outro lado, o déficit energético amazônico é fato – e algo precisa ser feito. “Nós já tivemos um apagão elétrico e estamos na iminência de ter outro”, alerta o general Villas Boas. Em Humaitá, cidade amazonense, há casos de médicos que chegaram a fazer cirurgias à luz de velas, por falta de energia elétrica. Nesse sentido, as hidrelétricas seriam a solução mais imediata para a crise energética do Norte brasileiro. Entretanto, usina hidrelétrica não significa necessariamente desenvolvimento econômico e social para a área em que for construída. Muito menos garantia de

energia. Grande exemplo disso é a usina de Tucuruí, no Pará – a atual maior usina 100% brasileira. Pouquíssimas pessoas da cidade de Tucuruí trabalham efetivamente nela. A geração de emprego, sempre inerente a uma nova construção, não aconteceu de forma massiva. Mais grave ainda é o fato de que a energia elétrica gerada tampouco é destinada à cidade. De acordo com Pedro Ortiz, coordenador do módulo sobre a Amazônia do projeto Repórter do Futuro, destinado a estudantes de jornalismo, há bairros de Tucuruí que simplesmente não têm luz. Então, para onde ela vai, se não à população? Para Ariovaldo, a eletricidade não está voltada para atender a população brasileira, mas sim as empresas de processamento de minérios instaladas na Amazônia. Até mesmo porque a geração de energia não seria necessária para a população. “A energia de Tucuruí é consumida pela Vale do Rio Doce para extrair minério de ferro e exportá-lo a preço de uma pizza na quinta avenida de Nova York, por tonelada.” Isso explicaria o desabastecimento de alguns bairros daquela cidade. Villas Boas discorda. A solução dos problemas amazônicos, segundo o general, só acontecerá com o desenvolvimento da região. E as hidrelétricas, Belo Monte entre elas, são veículo fundamental para isso. Elas são ferramentas sociais. De forma pragmática, o militar afirma que o pensamento politicamente correto, que não permite que se acolham soluções concretas, impede a resolução das questões amazônicas.

Fibra de jupati em cestaria Tuíra é símbolo da resistência à construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, e as cinco letras de seu nome condensam uma das maiores e mais complexas questões brasileiras. De origem Kaiapó e facão na mão, a vida da índia Tuíra se entrelaça com a história da usina tal qual fibra de jupati em cestaria. A origem da hidrelétrica, por sua vez, remonta ao início dos anos 1980, quando estudos demonstraram que a região Norte representava cerca de 60% do potencial energético nacional. Foi nessa época que os primeiro esboços

da ainda chamada usina de Kararaô começaram a ser traçados. Embora a construção no rio Xingu afetasse diretamente o cotidiano dos povos indígenas, por conta dos alagamentos e interferências no ecossistema, nem por isso eles foram consultados de início. Em consequência, 1989 foi marcado pelo I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, que pretendia discutir a questão das hidrelétricas e acabou culminando com a famosa fotografia de Tuíra ameaçando de facão em punho Muniz Lopes, àquela época diretor da Eletro-

norte. A advertência e a oposição à construção de Kararaô davam os primeiros passos. O tempo passou, e Kararaô, o grito de guerra, ecoa ainda hoje. Em 2008, Tuíra mais uma vez ameaçou com seu facão. Dessa vez, contudo, a lâmina teve endereço certo: o braço do funcionário da Eletrobrás Paulo Fernando Rezende. A situação agravou-se ainda mais em 2009, quando Tuíra e os Kaiapós entoaram o verdadeiro kararaô, ameaçando com guerra a construção da hidrelétrica. O clima de tensão e a repercussão na mídia são inegáveis.

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Especial - Amazon

Impacts of War cry (Kararaô), of the local Indians, the dam still causes discussions between scholars and environmentalists, but it seems irreversible Bruno Molinero Special for NEO MONDO

K

araraô - war cry in the Kaiapó language - became Belo Mon-e. A sudden change in name, but almost none in the project. Nor with the characters involved. Among them, indigenous people, scholars, environmentalists, technical authorities and government. For General Eduardo Dias da Costa Villas Boas, head

Xingú River, Altamira, PA

of the Special Advisory of Project Management of the Army, we must address the issue of Belo Monte with pragmatism. Indians and environmentalists are faced with an arduous undertaking. The largest project of the Growth Acceleration Program (PAC) and already licensed, with total investment of about R$19 billion,

it is unlikely the Brazilian government will let Belo Monte be barred because it is its greatest political and administrative platform. According to data from Eletrobrás, the dam will be capable of generating over 11,000 megawatts (MW), making it the second largest Brazilian plant - second only to Itaipú and its maximum capacity of 14, 000 MW.


Risk to biodiversity Scholars and environmentalists warn that the plant will affect, directly or indirectly, more than 300,000 people and 11 indigenous territories. Moreover, it is predicted that it will flood 516 square kilometers, which could endanger the local biodiversity and cause very serious social impacts. While the spotlights are on the town of Altamira – the main municipality affected by the damming of the Xingu - Belo Monte will also affect the municipalities of Senator José Porfirio, Porto de Moz, Ana-pu, Vitória do Xingu, Medicilância, Gurupá, Brasil Novo, Placas, Uruará and Pacajá. General Villas Boas believes that the degradation of the Xingu River is already aggressive today. For him, the plant would bring structural benefits to the towns, improving their sanitation. Thus, the environmental impacts of the project would be put in context. “In the case of Belo Monte, people are forgetting that in the town of Altamira there are more than 100,000 people without running water, throwing all their waste into the Xingu.” The general’s reasoning is that if, on the one hand, the plant will impact the environment, on the other, and it will bring indisputable economic and social benefits. Belo Monte will signify, in this sense, a chance of socioeconomic development for the Xingu River region.

Thus, development shall be intrinsically linked to the solution of the environmental cause. “Poverty is synonymous with environmental degradation,” declares the General. Therefore, pragmatically, we need a kind of thinking that takes into account the cost benefit relationship. For Villas Boas, “every time that you prevents an asphalt highway, which prevents them from building a transmission line, which prevents them from building a hydroelectric plant, you are impeding economic development.” And, consequently delaying the degradation of the biome. Energy alternatives Although the hydroelectric power plant is considered a model of clean energy generation, if it is built in the middle of the Amazon biome, it could pose huge threat to biodiversity and the life of all forest peoples. Would Belo Monte be the best energy solution, considering other sources such as wind and biomass, for example? According to the majority of the researchers, yes. Even in the case of biomass, the biggest Brazilian flag waving energy project, producing ethanol from sugar cane Although it cannot be grown in the Amazon, due to the high humidity, other examples of bioenergy can be used - but with debatable efficiency. Palms, already common in Southeast Asia and the Pacific with efficiency equivalent to Brazilian ethanol, are capable of

Foto: Adalton Ramos

Brazil on the limit Guilherme Leite Dias, a professor of Economics, Business Administration and Accounting from the University of São Paulo (FEA / USP), evaluates that Brazil finds itself on the limit of the energy issue. Belo Monte shall be, therefore be inevitable. There are other aspects connected to Belo Monte, and rapid uncontrolled urbanization, with all the problems it brings, is one. For the professor and economist Guilherme Dias, intense urbanization and consequent Amazonian demographic swelling produced an explosion of energy demand in the region, forcing the construction of new energy alternatives. “If we put 10 or 15 million people in mid-sized cities in the Amazon, the energy demand explodes,” he says. In the wake of this greater evil, we also find cities that typically without planning, with high mortality, high illiteracy and poor basic sanitation. The latter is strongly related to Belo Monte. Data from the Town Hall, collected in the last census, in the municipality of Altamira, show that only 1,358 residents had access to sewerage, or about 1.8% of the population. In other cases, residents use septic tanks or even the Xingu River for sewage disposal. About 6,000 residents did not even have a toilet in their homes. In a nutshell, Belo Monte smells of environmental degradation.


Villas Boas: surgery by candleligh generating sustainable sources of alternative energy from biomass in this kind of weather. Another possible solution, according to researcher Marcos Buckeridge, Institute of Biosciences USP, is the forestgrassland, a common Brazilian plant. According to Buckeridge, Eletronorte has already developed a pyrolyser (an instrument that helps the decomposition of biomass) which, with about 2kg of forest-pasture per day, can produce enough energy for a family of 4. It works, but the efficiency is low. This alternative only worthwhile in places where there is no electricity supply. “Where the power lines reach, it is cheaper and more efficient to use electricity from hydro, affirms the researcher. Biomass is therefore not as efficient for producing electricity. Moreover, it can even cause greater environmental impact than hydroelectric. “The impact [of hydroelectric power], even with the issue of flooding, would be less than if I used bioelectricity. Because if we use biomass to produce electricity, people will start cutting down trees,” he warns. 40

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History in peril Clearly, the construction of Belo Monte will cause environmental and social impact on the Xingu region. An area of the Amazon biome will be simply submerged along with two thirds of the town of Altamira. However, something much more fragile and less talked about, is at risk: history. The Amazon is not composed exclusively of forest. Under the protection of trees, quietly lie huge archaeological sites. Ceramics or even whole villages are hidden under the infertile wetland in the region. As research in this area is very recent, we do not yet know the exact quantity of archaeological sites in the Amazon. It is estimated that only in the central Amazon, there are more than 200. According to archaeologist and researcher at the Museum of Archaeology and Ethnology (MAE), Eduardo Góes Neves, major projects in the Amazon, such as dams and transmission lines, are causing major impacts on archaeological sites and especially on Brazilian history. The major aggravating factor is that Brazil does not have sufficient number of archaeologists to assess all the sites affected. With this, a lot of information may be being thrown in the trash. The area impacted by Belo Monte is no different. As the discussion has continued on the dam for about 30 years, some preliminary studies have been performed, bringing together a collection of archaeological knowledge about the Xingu region. However, with the recent auction, further studies will be needed in order to thoroughly evaluate the presence of heritage in the flooded area. Belo Monte is not, however, the only plant planned for Amazonia. In

total, about eight hydroelectric plants are included in the government’s plans. According to Eduardo Neves, there are not enough qualified workers to meet such demand. A very important part of Brazil’s history - the ancient history of the Amazon and its relationship with the Andean peoples - can simply disappear; case studies cannot be conducted appropriately. Chinese example In this aspect, according to General Villas Boas, it is necessary to learn from China. The construction of the dam of Three Gorges power plant, which is one and half times the capacity of Itaipú, displaced 2 million people and over 100 ancient archaeological sites. However, for the General, it is “a work central to the development of the country.” Even with the displacement of about 2,000 Indians, who have their cemeteries and stories set in the lands of the Xingu, Belo Monte should be treated in the same way as the Three Gorges. Tuíra disagrees. Bruno Molinero

Bruno Molinero

Guilhermae: plant is inevitable

It is clear, that with the flooding, biodiversity will be lost. But for Buckeridge, energy is an immediate need, tending to work with the notion of minimal impact. According to Professor William Day, this minimal impact is precisely what happens with the dam. Besides the indisputable efficiency, the hydroelectric power plants, if thought out carefully, do not pose as many risks. “I do not think the damage of the dams is a reason to get too horrified if compared with other alternatives we have.” To him, the exploitation of the pre-salt is of much more risk to the ecosystem than the Amazonian dams.

Buckeridge: forest-pasture vs. “power lines”

Bruno Molinero

Bruno Molinero

Especial Amazon

Eduardo Neves: Information tossed away


Bruno Molinero

GEOGRAPHER QUESTIONS COST-BENEFIT RATIO

Ariovaldo: ore at “pizza price” Although Eletrobrás data predict production of more than 11,000MW, the Belo Monte plant will certainly not reach such production. This is because the Xingu River suffers a drastic reduction in its flow during the dry season. Studies have shown that the dam will be capable of generating an average of 4,428MW - far below the ranking of second largest plant in Brazil. According to Professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira, of the Department of Geography of the Faculty of Philosophy and Humanities at USP (FFLCH / USP), “the great problem of the construction of hydroelectric dams in the Amazon is the size of the lakes, if compared to the capacity of power generation.” For the geographer, the Amazon has numerous examples of hydroelectric power stations that have submerged large areas, creating a big environmental im-

pact, but without producing a significant quantity of electricity. One such case is the Balbina dam, near the city of Presidente Figueiredo, which flooded much of an indigenous territory in its construction. The hydroelectric power station, built to supply the city of Manaus, currently only generates its full potential for three months of the year - and with a very high cost. What was to be a great investment thus became one of the biggest strategic mistakes of Brazil. Balbina is insufficient to meet the electricity demand for the capital of Amazonas. “The same thing will happen in Belo Monte, if built. We are going to invest a fortune and this plant will not have the capacity to generate the electricity that studies say it will have,” believes Ariovaldo. The geographer says the Xingu River, as well as the river Uatumã, where Balbina is, demonstrates large fluctuations in its level between the dry and wet sea sons. Another blackout imminent Moreover, the Amazon electricity deficit is a fact - and something needs to be done. “We already had an electrical blackout and we’re about to have another,” warns General Villas Boas. In Humaitá, an Amazonian city, there are cases of doctors performed surgery by candlelight, due to lack of electricity. In this sense, the hydroelectric plants would be the most immediate solution to the energy crisis in Northern Brazil. However, hydroelectricity does not necessarily mean economic and social de-

velopment for the area in which it is built. Much less a guarantee of electricity. A prime example is the plant at Tucurui in Para - the current largest 100% Brazilian plant. Very few people in the town of Tucurui actually work at it. The generation of employment, always associated with a new construction, has not happened to a great extent. Even worse is the fact that the electricity generated is not even transmitted into town. According to Pedro Ortiz, coordinator of the Amazon module in the Reporter of the Future project, aimed at journalism students, there are neighborhoods in Tucurui that simply don’t have electricity. So, where does it go, if not to the local population? For Ariovaldo, electricity is not geared toward meeting the needs of the Brazilian population, but for mineral processing companies located in the Amazon. Really, the electricity generated is not needed by the population. “The Tucurui electricity is used by Vale do Rio Doce to extract iron ore and export it for the price of a pizza per ton, on Fifth Avenue in New York.” This would explain the shortage in some neighborhoods of the city. Villas Boas disagrees. The solution of the Amazonian problems, the General says, will only occur with the development of the region. The hydroelectric plants, Belo Monte plant among them, are key vehicles for this. They are social tools. Pragmatically, the General affirms, that politically correct thinking, does not permit accommodating concrete solutions, it prevents the resolution of Amazonian issues.

Jupati fiber in basketry Tuíra is a symbol of resistance to the construction of the hydroelectric plant of Belo Monte, on the river Xingu and the five letters of its name condenses one of the largest and most complex issues in Brazil. Of Kayapó origin and machete in hand, the life of the Tuíra Indian intertwines with the history of the plant just like jupati fibers in basketry. The origin of the dam, go back to the early 1980s, when studies showed that the North represented approximately 60% of do-

mestic energy potential. It was from the plant, still called Kararaô, that the lines began to be plotted. Even though construction on the Xingu River will directly affect the daily lives of indigenous peoples, on account of flooding and interference in the ecosystem, they were not consulted first. Consequently, 1989 was marked by the First Meeting of Indigenous Peoples of the Xingu, which intended to discuss the issue of the dams and culminated with the famous photograph of north

Tuíra. The warning and the opposition to the construction of Kararaô took their first steps. Time passed, and Kararaô, the war cry still echoes today. In 2008, Tuíra once again threatened someone with a machete. This time, however, the blade had the right address: the arm of Eletrobrás worker Paulo Fernando Rezende. The situation deteriorated further in 2009 when Tuíra and the Kaiapós chanted the real Kararaô, threatening war on the construction of the dam.

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Geociências

e Educação Ambi

O

conhecimento geológico tem sido utilizado pela sociedade ao longo da história de maneira a prover as necessidades básicas em termos de recursos minerais (pesquisa e prospecção mineral), exploração de materiais energéticos (combustíveis fósseis), na construção de obras civis (habitação, barragens, rodovias, túneis) e na descoberta de novos bens minerais. Mais recentemente o papel das Geociências visa atender às demandas por soluções aos problemas ambientais, voltado às áreas de risco, desertificação, geoflutuações e mudanças globais. Esses aspectos relacionam-se à Educação Ambiental na medida em que faz-se necessária a compreensão do papel do indivíduo perante as mudanças que estão ocorrendo hoje no planeta

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e da responsabilidade diante dessas transformações. A compreensão geológica da natureza, ainda pouco divulgada e mantida no espaço dos especialistas, cede lugar, na sociedade, às leituras fragmentárias e não-históricas da natureza. Vivemos um momento em que as Ciências da Terra e o modelo de pensamento científico tipificado pelos geocientistas são mais aplicáveis às incertezas e complexidade da sociedade moderna e, desta forma, refletem melhor as complexidades que enfrentamos como seres históricos. A Educação Ambiental é uma vertente da educação que agrega as diversas áreas do conhecimento e seus respectivos conteúdos (científicos, metodológicos, atitudinais) na construção de um saber integrado para a compreensão das questões ambien-

tais nos diversos aspectos: econômicos, sociais, culturais, científico-tecnológicos e políticos, de forma a repensar nossa atuação no mundo, a despertar uma consciência planetária e formar um cidadão atuante na sociedade. O termo Geociências abrange as diversas Ciências da Terra, englobando as interrelações da hidrosfera, litosfera, atmosfera e biosfera. Mais recentemente incluiu-se nas quatro esferas anteriores a noosfera (ou antroposfera), definida como a interferência do homem com as demais esferas. As Geociências sintetizam os conhecimentos sobre as diversas formas de movimento da matéria que tomam parte na evolução do sistema natural integrado, que é o planeta Terra. A Geologia é considerada uma ciência histórica, pois estuda


Denise de La Corte Bacci

ental os processos naturais que ocorrem no domínio do planeta Terra e procura traços, marcas, vestígios de tais processos de tal forma a interpretá-los e compreendê-los ao longo do tempo e de como se desenvolveram historicamente, ou seja, é também uma ciência indutiva. Com o crescimento do debate ambiental, o conhecimento geológico passou a ser utilizado de forma aplicada à resolução de problemas ambientais, em áreas de risco geológico, no planejamento urbano, no uso e ocupação do meio físico, nas avaliações de impacto ambiental e recuperação de áreas degradadas e, em especial, as áreas de mineração. Apesar de seu desenvolvimento contemporâneo, as Geociências e a Educação Ambiental apresentaram um distancia-

mento, permanecendo cada uma, respectivamente, nas esferas de atuação técnica e educacional. Muitas das preocupações ambientais que assolam a sociedade atual apresentam uma natureza geocientífica. Segundo Fantinel (2000), isso pode acarretar em danos econômicos, sociais e ambientais em escala planetária. Comprometimento da qualidade e disponibilidade dos recursos naturais não renováveis, do solo, água e ar, em virtude das formas de explotação e beneficiamento inadequados, com a ocupação de áreas de risco e/ou execução de intervenções ambientais que potencializam o risco; desertificação, geoflutuações e mudanças globais são alguns dos problemas de filiação geológica que afligem a humanidade e que podem, no futuro, colocar em risco as condições terrestres de sustentação da vida, pelo menos a da espécie humana. Todos esses aspectos relacionam-se de alguma forma à educação ambiental, na compreensão do papel do indivíduo perante as mudanças que estão ocorrendo hoje no planeta e da responsabilidade diante dessas transformações. Uma das preocupações da Educação Ambiental é a reflexão sobre a mudança dos valores culturais que sustentam o estilo de produção e consumo da sociedade moderna. A Educação Ambiental, desenvolvida como tema transversal, oferece a oportunidade da prática interdisciplinar e os conteúdos das Geociências podem servir como tema gerador dessas práticas, contextualizados nas escalas local e global. O educador em Geociências e Educação Ambiental, segundo a proposta pedagógica do curso de Licenciatura em Geociências e Educação Ambiental da USP, desde 2004, tem o objetivo de levar o conhecimento do funcionamento do meio físico dentro de uma perspectiva de evolução dinâmica e histórica da natureza ao longo do tempo geológico. Com abordagem interdisciplinar, desperta os indivíduos para

o significado das múltiplas atividades humanas de utilização racional dos materiais geológicos e de ocupação e interferência no meio físico. Este conjunto de conhecimentos e ideias é essencial para promover uma nova relação do ser humano com a Natureza, contribuindo para a formação de cidadãos críticos e responsáveis com relação à ocupação do planeta e utilização de seus diversos recursos. Além disso, cria meios para diminuir o impacto ambiental das atividades econômicas e também busca soluções para os problemas já existentes de degradação do meio ambiente. O educador em Geociências e Educação Ambiental, utilizando os conhecimentos do Sistema Terra, tem condições de pensar a realidade de forma complexa e abordar o tema do meio ambiente de forma a atingir os objetivos da Educação Ambiental. Diferencia-se, assim, do modelo tradicional das ciências, promovendo o crescimento da consciência sobre um planeta dinâmico e em constante transformação, de forma a alterar o quadro atual de degradação socioambiental. Consideramos que as discussões dos conteúdos das Geociências ampliam a visão dos indivíduos de forma significativa, não fragmentada, não linear e estabelecem conexões, expressas por características criativas, sem mecanismos repetitivos e descontextualizados, propiciando o conhecimento em uma rede de relações significativas e transformadoras. Denise de La Corte Bacci Graduada em Geologia pela UNESP, Campus de Rio Claro, mestrado em Geociências e Meio Ambiente pela UNESP e doutorado em Geociências e Meio Ambiente pela UNESP. Estágios na Università di Milano e University of Missouri_Rolla. Pós-doutorado em Engenharia Mineral pela POLI-USP. Atualmente é docente do Instituto de Geociências da USP. E-mail: bacci@igc.usp.br Neo Mondo - Setembro 2010

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Especial - Amazônia

PAS, presença

ordenadora do Estado A construção do novo Brasil na Amazônia visa promover uma síntese entre crescimento econômico, preservação ambiental e inclusão social Gabriel Arcanjo Nogueira

Jefferson Rudy/MMA

Um dos desdobramentos da Operação Arco Verde é a criação de brigadas de prevenção a queimadas: “repressão a desmatamento com políticas de cidadania”


Avanços de Belo Monte Alberto discorre: “É sabido que quase todo o potencial hidrelétrico brasileiro ainda não explorado está na Amazônia: cerca de 120 milhões de MW. O desafio é transformar

a construção de grandes UHEs em vetor de desenvolvimento sustentável para a região. Sabemos que qualquer grande obra em uma região ainda não consolidada pode agravar conflitos e promover desordem ambiental. Grandes obras atraem um fluxo migratório de difícil controle. Embora tais obras empreguem muita gente durante a construção da barragem, os empregos são temporários. O súbito afluxo de mão-de-obra e capital pode causar surtos inflacionários locais (no setor de imóveis, por exemplo) e a valorização de ativos pode aguçar conflitos pela posse da terra. “Além disso, grandes UHEs causam impactos ambientais, tanto no rio quanto em sua região de influência. As UHEs de Santo Antônio e Girau, em construção, no Rio Madeira, e a UHE de Belo Monte, no Rio Xingu, trazem alguns avanços importantes em relação à experiência anterior, como em Tucuruí. “O primeiro é a utilização da tecnologia de turbinas bulbo, que, aproveitando a própria correnteza do rio, exige barragens menores e, assim, reduzem drasticamente a área alagada. A barragem de Itaipu tem 196 metros de altura. Tucuruí tem 78 metros de altura. As UHEs do Rio Madeira têm altura máxima de 18 metros. A área alagada é pouco maior do que a de cheias habituais. “O segundo avanço é a utilização de canteiros de obras inspirados nas plataformas de petróleo, que reduzem o impacto ambiental causado nos locais de construção. O terceiro e mais importante é que, no caso da UHE de Belo Monte, está sendo elaborado um plano de desenvolvimento sustentável. O Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu reúne instituições federais, estaduais e governos municipais em uma série de ações de ordenamento, fomento produtivo e investimentos em infraestrutura complementar. Dentre as ações de ordenamento, destaque para a regularização fundiária de propriedades rurais e de lotes urbanos, que terão forte efeito de redução de conflitos. “A inserção da construção das UHEs no contexto de um plano de desenvolvimento regional amplo e articulado é a manifestação prática da diretriz de aproveitamento econômico com impacto ambiental e social positivo preconizada pelo PAS”. Arco Verde ampliada Responsável pelo ordenamento ambiental, a Operação Arco Verde foi um dos destaques de NEO MONDO na edição sobre a Amazônia em 2009. O secretário diz que ela “não só continua, como foi ampliada. Em seu primeiro ano, foram 36 os municípios atendidos. Agora são 43 municípios.

Walter Sotomayor/SAE

N

EO MONDO continua nesta edição o acompanhamento que tem feito do Plano Amazônia Sustentável (PAS), pelo que a iniciativa representa na estratégia de desenvolvimento da região. Um de nossos entrevistados é Alberto Lourenço, secretário de Desenvolvimento Sustentável da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE). Alberto ressalva que o Plano é de cunho estratégico, abrange toda a política federal para a Amazônia Legal, incluindo as instâncias de cooperação com estados e municípios e, como tal, não tem desdobramento programático próprio. Mas, esclarece, “suas diretrizes se traduzem nos diversos programas e ações do Plano Plurianual (PPA) e nas iniciativas de mudança institucional do governo federal. As diretrizes do PAS se estruturam em torno de um princípio básico: a necessidade de se promover uma síntese entre crescimento econômico, preservação ambiental e inclusão social na Amazônia. Para tanto, o PAS preconiza a reconstrução da presença ordenadora do Estado, o que depende da cooperação crescente entre os três níveis da Federação”. O secretário reconhece que há resultados auspiciosos. Exemplos são o ritmo de desmatamento no Acre, que é baixo e cadente; a consciência do protagonismo dos cidadãos no desenvolvimento sustentável parece arraigado; e a repercussão política parece positiva. Isso num estado com tremendas restrições de logística. Já no Marajó, uma das regiões mais carentes de toda a Amazônia, as principais ações implementadas até agora são a regularização fundiária - nenhuma área da Amazônia teve até agora maior porção dos produtores beneficiados com títulos e concessões de direito de uso do que o Marajó. Alberto ressalta a importância das parcerias, a mais importante delas o Programa Terra Legal, em que cerca de 85% das famílias beneficiadas são agricultores familiares; dos investimentos em logística para a Amazônia Legal, que quebra inércia de quase 3 décadas; e cita a necessidade de a transformação industrial da produção em níveis tecnológicos crescentes ser feita não em São Paulo, mas sim no Acre, no Amapá, próximo das regiões extrativistas. Para facilitar a leitura, dividimos a entrevista em tópicos, a começar de um tema que está na ordem do dia e cujos desdobramentos estão na matéria “Impactos de Belo Monte”, a partir da página 34.

Alberto, da SAE, ressalta: “no Programa Terra Legal, cerca de 85% das famílias beneficiadas são agricultores familiares”

“A Operação Arco Verde foi concebida como o braço de apoio e fomento necessário para contrabalançar os efeitos da repressão ao desmatamento. Quando o Ibama fecha um conjunto de serrarias clandestinas, como fez em Tailândia, no Pará, em 2008, acaba gerando desemprego e crise no comércio local, o que era explorado politicamente pelos próprios desmatadores. “A Operação Arco Verde mostra que a política de ordenamento ambiental - repressão aos desmatamentos ilegais - vem acompanhada de políticas de cidadania e de apoio à produção sustentável. São 21 instituições federais, coordenadas pela Casa Civil e com participação de instituições estaduais, com ações que vão desde esforço concentrado para emissão de documentos pessoais e concessão de aposentadorias a planejamento urbano com sensoreamento remoto; de ações de difusão de tecnologias avançadas da Embrapa à inclusão digital pela criação de telecentros públicos. “E o desmatamento vem caindo ano a ano (ver gráfico na página 47). Entre 2008 e 2009, tivemos pouco mais de 7 mil km2 de desmatamento, cerca de um terço da média histórica. A expectativa para 2009/2010 (o desmatamento é medido entre 1º. de agosto e 31 de julho do ano seguinte) é de desmatamento entre 5 e 7 mil km2, o que é extraordinário, uma vez que 2010 é não só um ano eleitoral, como de forte crescimento da economia e do preço das commodities”. Parcerias emblemáticas Iniciativa conjunta por excelência, o PAS é movido em grande parte por parcerias. Alberto reconhece que é difícil falar delas porque “seria preciso examinar os programas de todos os ministérios”. Mas não deixa a pergunta sem resposta: Neo Mondo - Setembro 2010

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Jefferson Rudy/MMA

Especial - Amazônia

Entre as ações de ordenamento ambiental, o Programa 1 Bilhão de Árvores conta com a adesão de pessoas de todas as idades

“Vou me limitar a apontar algumas, mais emblemáticas ou mais interessantes. Uma delas é o Fundo Amazônia. Constituído com uma doação inicial de U$ 200 milhões do Reino da Noruega e ampliada por doações posteriores da própria Noruega e da Alemanha, entre outros, o Fundo Amazônia é implementado pelo BNDES, com a presença de ministérios, representações estaduais e da sociedade civil em seu comitê orientador. Todas as decisões são tomadas por consenso. “Já foram financiadas, a fundo perdido, ações de regularização ambiental, apoio a comunidades da floresta e implementação de estruturas estaduais de gestão ambiental. O Fundo dispõe hoje de cerca de R$ 600 milhões e continua recebendo projetos. “A parceria mais importante em curso na Amazônia, no entanto, é o Programa Terra Legal, que tem avançado muito além de nossas próprias expectativas. A SAE iniciou a reflexão sobre como enfrentar o caos fundiário da Amazônia ainda em 2008 e, desde então, participou da elaboração da MP 458, de sua tramitação no Congresso e, agora, acompanha a implementação da nova lei. “O Terra Legal é coordenado pela Secretaria Executiva do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Conta com o apoio da estrutura do Incra na Amazônia e, mais importante, tem uma relação muito boa com os institutos estaduais de terra. São duas tarefas principais: titular as cerca de 300 mil famílias que ocupam terras públicas federais, em alguns casos há mais de 30 anos; e transferir a 172 municípios as áreas em que se constituíram seus perímetros urbanos, para que as prefeituras titulem as cerca de 400 mil famílias ocupantes.

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“Na regularização fundiária rural, o caminho é o cadastramento dos ocupantes, seguido do georreferenciamento dos imóveis, da averiguação do cumprimento das cláusulas sociais e ambientais (o ocupante é proprietário de outras terras? tem Reserva Legal ou está recuperando Reserva Legal? o tamanho da ocupação se enquadra nos critérios da lei, ou seja, é menor que 15 módulos fiscais? Etc.) e da emissão dos títulos. A regularização fundiária urbana é mais simples. Basta georreferenciar o perímetro da área urbana, destacá-lo da gleba e transferi-lo à Prefeitura. A Prefeitura então se encarrega de titular os ocupantes. “O Terra Legal está mais avançado em Rondônia, estado onde já havia um cadastramento quase completo dos ocupantes (praticamente todos os produtores rurais de Rondônia são ocupantes de terras federais). Os títulos já estão sendo entregues. Não tenho o dado atualizado do número de títulos já emitidos, mas o importante é saber que o Terra Legal está andando à frente de seu cronograma original, que previu concluir a regularização fundiária em 3 anos”. “Choque de legalidade” continua Na edição de 2009, NEO MONDO abriu a matéria sobre o PAS falando do “choque de legalidade” apontado pelo então ministro da SAE, Daniel Vargas. Era a referência à questão premente das reservas extrativistas. Alberto prossegue: “A questão das Reservas Extrativistas (Resex) é outro caso de sucesso da política federal de impor um ‘choque de legalidade’ na Amazônia. Como disse o exministro substituto da SAE, de 87 Resex

e RDSs, apenas duas, Resex Chico Mendes e Resex Alto Juruá, estavam regularizadas no início deste ano. A SAE levou à Casa Civíl uma proposta expedita de regularização de todas as Resex que estivessem dentro de glebas arrecadadas do Incra e/ou em várzeas federais e terrenos da Marinha, áreas inalienáveis da União. “Em poucos meses já foram regularizadas 12 Resex. Outras 23, incluindo Florestas e Parques Nacionais, estão sendo preparadas para conclusão do processo de regularização no aniversário de criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). “Dentre as unidades regularizadas, temos desde pequenas Reservas Extrativistas, como a Resex Chocoaré-Mato Grosso, com 2.800 hectares, no Pará, ao Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, maior Unidade de Conservação do mundo, com 3,8 milhões de hectares”. Investimentos em logística Sem logística, não há como avançar numa empreitada de tão longo alcance e significado como o PAS. O secretário avalia: “O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) dirigiu a grande maioria dos investimentos em logística para a Amazônia Legal, quebrando a inércia de quase 3 décadas, em que a Amazônia não recebeu investimentos de vulto em transporte. Destaque para a pavimentação da BR 163 no Pará, cerca de 800 quilômetros; e para a pavimentação da BR 230, a Transamazônica, entre Marabá e Santarém, também no Pará. “Há ainda pavimentação de rodovias federais no Acre (BR 364), no Amapá (BR 156), no Mato Grosso (BR 158 e BR 242), no Amazonas (restauração da BR 319). No que tange à multimodalidade há avanços, embora menos expressivos do que os investimentos em infraestrutura rodoviária. “Destaque para a Ferrovia LesteOeste, que liga Sorriso, no Mato Grosso, ao ramal em sentido contrário, vindo de Ilhéus; e para os investimentos em infraestrutura portuária no Rio Amazonas. Não menos importante é o progresso da Ferrovia Norte-Sul, cujo traçado já beneficia o Estado de Goiás e se estenderá até São Paulo. “O grande desafio de uma abordagem multimodal para o transporte na Amazônia será a Hidrovia Teles Pires-Tapajós, que alteraria radicalmente os parâmetros de custo de transporte na mais importante região produtora de grãos do Brasil”.


Acumulado Deter* (km2) - Agosto a Maio 3.500,00 3.000,00

2.958,30

2.500,00

-47%

2.000,00

1.564,81

1.500,00 1.000,00 500,00 0,00

2008/2009

2009/2010

* Detecção do Desmatamento em Tempo Real - Fonte: Inpe/MMA-Ibama Para saber mais sobre desmatamento, ler “Práticas e critérios de sustentabiidade”, na página 52.

Um tópico que não poderia faltar nesta conversa com o secretário de Desenvolvimento da SAE engloba a melhor maneira de desenvolver dois setores socioeconômicos de suma importância, a agricultura familiar e o polo industrial, de modo a aprimorar um e outro, sem detrimento de qualquer um deles. Alberto argumenta: “Quanto à agricultura familiar, a situação não se distingue do resto do Brasil. Há um notável progresso na atuação das políticas públicas de crédito, com a ampliação do Pronaf; da assistência técnica, cujo marco regulador foi transformado, ganhando flexibilidade e cobertura; e, não nos esqueçamos, da regularização fundiária. “Cerca de 85% das famílias beneficiadas pelo Programa Terra Legal são agricultores familiares com menos de um módulo fiscal de área ocupada. Talvez a área que deverá despertar maior atenção no próximo governo seja a assistência aos produtores dos Projetos de Assentamento. Além das políticas públicas universais de combate à pobreza, os Projetos de Assentamento da Amazônia deveriam receber atenção prioritária em pelo menos três frentes: infraestrutura de transporte, ou seja, recuperação de estradas vicinais; assistência técnica democrática e focada em resultados; e estrutura de comercialização. “Vale notar que a expansão da atuação da Conab já resulta em melhora dos termos de troca para os produtores da Amazônia, em especial para as populações agroextrativistas.

“Quanto aos polos industriais, não há progresso substancial. O melhor cenário é o do Mato Grosso e de Rondônia. No primeiro caso, já percebemos um avanço consistente dos setores industriais à jusante da produção. Grandes plantas de abate de aves e suínos, usinas de esmagamento de grãos e, mais recentemente, criação e beneficiamento de peixes em grande escala. Em Rondônia, o estado que tem a estrutura fundiária mais desconcentrada da Amazônia, é nítida a verticalização de cadeias produtivas, em especial laticínios e frigoríficos. “É claro que há avanços nos demais estados, mas não na escala que desejamos. Acredito que as deficiências de infraestrutura expliquem boa parte do atraso no bene-

Florestania e regularização fundiária NEO MONDO escolheu duas áreas que estão na Amazônia Legal, para saber o que de concreto se faz na solução de questões que lhes dizem respeito. Em que medida a florestania, conceito surgido no Acre, evoluiu na região ou no Estado? E se o PAS chegou a Marajó, nem sempre lembrada? Alberto reconhece que a primeira pergunta, “muito interessante, deve ser respondida plenamente e em detalhes pelos cidaJefferson Rudy/MMA

Políticas públicas de crédito

ficiamento industrial da produção agrícola. Outra parte se deve à fragilidade da rede de cidades na provisão de serviços e insumos sofisticados, demandados pelas indústrias mais modernas. Um caso especial é o de polos de beneficiamento de produtos sustentáveis da floresta. A nosso ver, esta é a melhor alternativa para os extrativistas nos próximos anos. “O extrativismo clássico está condenado à estagnação tecnológica e levará à gradual erosão populacional das áreas de floresta. É preciso partir para a transformação industrial da produção em níveis tecnológicos crescentes. Mas não em São Paulo e sim no Acre, no Amapá, próximo das regiões extrativistas. O passo mais ousado está sendo dado pelo Estado do Acre, que induz a instalação de fábricas modernas em Xapuri, ainda que com investimento inicial do próprio Estado. As desvantagens locacionais óbvias das regiões extrativistas devem ser contrabalançadas por alguma forma competitiva de subsídio. Estamos conduzindo estudos e formulando propostas práticas, neste sentido”.

Políticas públicas adequadas garantem ao produtor rural mais crédito, assistência técnica e consequente ganho em resultados

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Especial - Amazônia

dãos do Acre. O conceito básico me parece correto: promover a construção democrática dos direitos de cidadania independentemente das regiões onde vivem os cidadãos. Propiciar aos que vivem na floresta escolas e saúde de qualidade, não escolas e saúde de segunda classe. Os resultados parecem auspiciosos. O ritmo de desmatamento no Acre é baixo e cadente; a consciência do protagonismo dos cidadãos no desenvolvimento sustentável parece arraigado; e a repercussão política parece positiva, uma vez que a coalizão partidária que lançou o conceito na prática tem sido sucessivamente reeleita. “Notem que o Acre sofre com tremendas restrições em logística. O Acre não tem pedras. As estradas custam muito mais caro e duram muito menos. Os rios são de difícil navegação, especialmente na seca. Chegar na ponta é muito difícil. Acho que a pavimentação integral da BR 364 vai fazer uma imensa diferença nos indicadores de desenvolvimento econômico do estado.

A política de ordenamento ambiental - repressão aos desmatamentos ilegais vem acompanhada de políticas de cidadania e de apoio à produção sustentável

“É bom não esquecer que o conceito de ‘florestania’ não se restringe ao Acre. Amapá e Amazonas, em especial, também se distinguem por políticas de tratamento diferenciado para os povos da floresta. “Como mencionei, o PAS é o arcabouço de diretrizes que norteia toda a política federal e de cooperação federativa na Amazônia. Não é um plano com mecanismos de atuação na ponta. De fato, o Marajó é uma das regiões mais carentes de toda a Amazônia. Nos últimos anos, foi construído um plano de desenvolvimento específi-

co, exemplo de cooperação entre governo federal e governo do Pará. As principais ações implementadas até agora são a regularização fundiária - nenhuma área da Amazônia teve até agora maior porção dos produtores beneficiados com títulos e concessões de direito de uso do que o Marajó. “O grande desafio para o Marajó, a nosso ver, é encontrar novas vocações econômicas - o turismo é muito promissor; e aumentar o conteúdo tecnológico das vocações tradicionais - pecuária extensiva e extração de madeiras, sem deslocar os produtores familiares”.

Liana Utinguassu, que entre outras atividades pró-nações indígenas, edita o portal www.yvykuraxo.org.br, propõe alguns dados “para reflexões conjuntas e busca de soluções, pois não podemos conceber que se siga ‘caçando’ o Indígena e tratando-o à margem de tudo que diz respeito à vida, nesta Terra onde eles sempre foram os grandes cuidadores com conhecimentos inegáveis em Medicina Tradicional, preservação Ambiental e contato Ancestral com respeito à Terra e aos filhos desta Terra”. Com este argumento, Liana apresenta números preocupantes sobre a situação indígena no país: • 71% das crianças e adolescentes indígenas vivem em situação de pobreza; • 50% deles não têm acesso à água tratada; • 21% dos meninos e meninas indígenas entre 7 e 14 anos estão fora da escola; • 15% daqueles com idade entre 10 e 15 anos são analfabetos; • 13% das crianças e adolescentes indígenas trabalham.

Acervo Manthuala

Eles também precisam ser ouvidos

E, como não está sozinha na empreitada, deixa duas frases de sabedoria e reflexão de irmãos de outras tribos: “Antes nós não sabíamos que tínhamos limites, só sabíamos que tudo era floresta... Agora demarcamos nossa área porque é só o que sobra dos lugares antigos.” (Kumai, índio do povo Waiampi, Amapá) “Não digo: eu descobri essa terra porque meus olhos caíram sobre ela, portanto não a possuo. Ela existe desde sempre, antes de mim.” (Davi Yanomami, pajé e líder do povo Yanomami)

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É hora de se chegar a reflexões conjuntas e busca de soluções em respeito à Terra e aos filhos desta Terra


Natascha Trennepohl

Correspondente especial de Berlim – Alemanha

Biorremediação:

usar a natureza para salvar a natureza?

O

derramamento de petróleo no Golfo do México é sem dúvida um dos maiores desastres ambientais da história e, com certeza, o maior derramamento de óleo já visto, superando o famoso acidente que aconteceu no Alasca no final da década de oitenta envolvendo o navio Exxon Valdez. Desde que tudo começou, em meados de abril, foram feitas diversas tentativas para diminuir e estancar o vazamento de óleo. No entanto, os resultados não têm sido satisfatórios. Uma imensa parte da região está contaminada, a população local foi prejudicada e a diversidade biológica está seriamente ameaçada. Este é um exemplo claro de que grandes desastres ambientais não trazem apenas consequências ambientais, mas também sociais e econômicas. Na busca de alternativas para minimizar os impactos negativos e auxiliar nas ações de limpeza, cogita-se a utilização de micro-organismos que decompõem poluentes. Essa técnica, também conhecida como biorremediação, não é recente e já foi usada para suavizar a poluição causada por outras atividades. Na verdade, alguns micro-organismos e plantas podem ser usados no tratamento dos derramamentos de petróleo, resíduos industriais, lixo urbano, contaminantes radioativos etc. Esses micro-organismos aproveitam como fonte de energia solven-

tes à base de cloro, detergentes, enxofre, tolueno etc. Pode-se dizer que essa possibilidade de utilizar bactérias na degradação de resíduos nocivos tem despertado o interesse dos cientistas e a pesquisa vem se desenvolvendo nas últimas décadas. A ideia parece simples: usar bactérias para degradar ou remover contaminantes nocivos do meio ambiente, tendo como objetivo principal minimizar o impacto dos poluentes. Neste cenário, a biorremediação aparenta ser uma alternativa atraente inclusive para a remoção dos Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs) de áreas contaminadas. No entanto, apesar de ser considerada uma solução para o tratamento dos casos de poluição, essa técnica ainda possui aplicação limitada, pois é muito difícil, para não dizer impossível, controlar o crescimento populacional das bactérias. Esse crescimento sofre influência de fatores externos, tais como pH, temperatura, umidade, nutrientes disponíveis etc. Sem mencionar que, caso a bactéria seja alterada geneticamente para responder de forma mais veloz e eficiente, questões éticas, além das questões técnicas, passam a fazer parte da discussão, já que nesse caso aconteceria a liberação no ambiente de organismos geneticamente modificados. Na verdade, todo o potencial da biorremediação ainda não foi explorado. As pesquisas em biotecnologia tendem a se

intensificar na medida em que os métodos convencionais para limpeza do solo e das águas subterrâneas se mostram insuficientes para responder aos problemas da sociedade atual. Assim, apesar de alguns benefícios trazidos pela biorremediação, como a rapidez na descontaminação, a sua implementação ainda é um desafio tecnológico devido à grande dificuldade de se monitorar as reações entre os microorganismos e os contaminantes no ambiente, fazendo com que haja hesitação no momento da aplicação em larga escala dessa estratégia de limpeza. Como o petróleo é uma mistura de hidrocarbonetos e pode ser biodegradado, pode-se questionar se não seria o momento de se usar a biorremediação para resolver o problema da poluição causada pelo acidente envolvendo a British Petroleum (BP) no Golfo do México. No entanto, apesar de esta técnica apresentar benefícios, muitas questões precisam ser respondidas antes que haja a larga utilização desse instrumento na descontaminação de áreas amplamente poluídas. Natascha Trennepohl Advogada e consultora ambiental Mestre em Direito Ambiental (UFSC) Doutoranda na Humboldt Universität (HU) em Berlim. E-mail: natdt@hotmail.com Neo Mondo - Setembro 2010

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Especial - Amazônia

Por um país

mais respeitável

O PAS é inquestionável em suas propostas objetivas, diz ambientalista, à frente da Expedição Villas-Bôas Gabriel Arcanjo Nogueira

P

aulo Celso Villas-Bôas define-se como ambientalista moderno em sua identificação com a Amazônia (desde 1983), que o fez retomar com fôlego e ânimo renovados, a partir de 2005, o projeto Expedição Villas-Bôas pelo Brasil, esboçado pelo pai dele. Entre seus objetivos está o de contribuir para a construção de "um país mais respeitável e, em particular, uma Amazônia vista como meio de integrar-se homogeneamente a esse País, sem fisiologismo". Paulo Celso reverencia os "áureos tempos dos inesquecíveis sertanistas, em que sempre destaco as figuras dos irmãos Villas Boas" (com os quais não tem grau de parentesco - N.R.), mas quer mais: "Sempre procurei espelhar-me no inquestionável Orlando Villas Boas, desde os anos 70, e seguir seus passos era um sonho. Sobravam para esses irmãos exemplos de valor; eram homens bravos, destemidos e preparados para enfrentar qualquer perigo. 50

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Escreveram, por isso, uma bela história de amor ao próximo. O atual projeto (www. expedicaovillasboas.com.br) vai muito além de tudo isso e não gostaria de comparações. Não se espelha em experiências anteriores, visto que se trata de um projeto mais abrangente, não focando apenas o sertanismo e o indigenismo. "Hoje, diferentemente do passado, as necessidades do Brasil se revelam num conjunto de ações socioambiental. São políticas públicas em que a sociedade tem de ser participativa e não se apresentar como mera espectadora, sofrendo, por exemplo, as consequências de projetos repressivos e traumáticos em sua adaptação." Tantas "boas intenções" A Expedição Villas-Bôas é contemporânea do PAS, ao ressurgir em 2005, já como "proposta oficiosa". Paulo Celso relata: "Fiz algumas viagens com o meu sau-

doso pai, há uns 25 anos, com o intuito de estudarmos o comportamento da sociedade brasileira, incluindo aí os índios e não índios. Nessa época, entretanto, eu estava em ascensão na minha vida profissional e não poderia incorporar-me a um projeto dessa envergadura, esboçado pelo meu pai. A Fundação Villas-Bôas (FVB), sob minha responsabilidade, foi registrada em 2008. Acompanhamos todas as ações do governo, e são tantos os lançamentos de programas que não damos conta de digerir tantas 'boas intenções'." Para o ambientalista, em que pese o jogo de interesses, o PAS traz em seu bojo propostas objetivas. Mas recomenda: "Sejamos sensatos; do papel para a realidade são outras águas, em alusão a um dito popular. O PAS na sua essência é inquestionável, com matérias pensadas que, se colocadas em prática, irão trazer resultados altamente positivos, desde que o governo


Acervo FVB

Acervo FVB

Desde as suas viagens com o pai - e lá se vão 25 anos - índios e não índios, como os ribeirinhos das fotos, estão entre os estudos de Paulo Celso

e o setor produtivo articuladamente pensem no bem comum da população - sem o que será mais um programa de governantes e não de governo". Paulo Celso deixa a bola com os governadores que assinaram o Plano, ao indagar se eles "o implantarão em seus estados ou se será mais uma fonte de renda a ser captada para ações pontuais em cima de interesses, sem que enxerguemos os resultados que a sociedade espera". De suas andanças pela região (a Expedição Villas-Bôas já percorreu boa parte do Amazonas e do Pará e, no primeiro trimestre de 2011, inicia os trabalhos na Ilha de Marajó), o ambientalista constata: planos e programas como este "só poderão dar realmente resultados se a visão do projeto não estiver centrada em um único ministério. No caso, o PAS teve a participação de vários deles; logo a expectativa é grande e eu fico esperando os resultados".

Alinhamento de programas Paulo Celso prossegue: "No nosso entendimento, hoje, o Ministério do Meio Ambiente, não por grau de importância, é o centro das atenções de todos os ministérios, levando-se em conta que a comunidade internacional tem um grande peso na economia de um país. A essa forma chamamos de alinhamento de pensamento de programas, pois antes mesmo da natureza, o homem é a coisa mais importante e, óbvio, o que ele demanda, com o olhar nas causas e efeitos que interferem no seu dia-a-dia, estando ele no meio da floresta ou na área urbana". Para o ambientalista, "os programas têm que superar desconexão entre os ministérios, principalmente daqueles que têm uma bancada parlamentar mais forte como é o caso do Ministério da Agricultura e dando aí uma importância, também, para o Ministério da Reforma Agrária,

bem assim outras secretarias de outros ministérios que são polêmicas, tornandose uma verdadeira torre de Babel". Paulo Celso ressalta que já existe para o Marajó uma iniciativa do governo, o Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó (Plano Marajó) e lembra: "Tomamos como exemplo os projetos concedidos a algumas comunidades, uma delas a Nossa Várzea, com regularização fundiária, e a cidade de Afuá, que saiu na frente com a autorização do plano de manejo de açaizais. A isso chamamos de ação concreta.” A coesão de todos os municípios é de suma importância para a mudança de comportamento do homem e da economia de cada uma deles. Para isso os prefeitos têm de entender tecnicamente o que dita o PAS, possibilitando melhor e maior aproveitamento dos projetos a ele atrelados. "Nosso papel e de qualquer organização civil será legitimar ações para pressionar os governantes responsáveis pela realização a nível local dos objetivos das políticas públicas”, pondera. Piores IDHs O ambientalista explica: “Nas nossas andanças por essas regiões, não sentimos nem um avanço nesse sentido; é só miséria com um povo desassistido nas três esferas de governo. Há regiões da Ilha com os piores IDHs. O que resta para essa população é ou só ficar nas estatísticas degradantes ou então se beneficiar das ações concretas e, se for o caso, para hoje - não para o amanhã". Paulo Celso insiste na tese de que o PAS só emplacará se a sociedade fizer intervenção com as três esferas de governo e, se no próprio governo, forem aparadas arestas de jogos de interesses dos governadores regionais. "Nós queremos que o PAS vingue na Ilha do Marajó, que será a nossa primeira fase, e se transforme em um verdadeiro laboratório desse programa, sem mais nem menos.” Entre os instrumentos fundamentais para sua efetivação, a seu ver, estão o zoneamento ecológico-econômico, a regularização fundiária, o licenciamento ambiental em propriedades rurais e a consolidação de um sistema de áreas protegidas, assim como a gestão ambiental e o ordenamento territorial com inclusão social e cidadania. Para o ambientalista, basta querer porque há recursos para tanto. É preciso "colocar todas as pesquisas em ação. Caso contrário, é mais um plano de governo que não dará certo. Da nossa parte vamos cutucá-los. É preciso formular políticas que tornem competitivos os produtos e serviços oferecidos pela maior floresta tropical do Planeta". Neo Mondo - Setembro 2010

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Especial - Amazônia O bacamarte do cearense e seus filhos de botina "Uma vez, em missão no Rio Abacaxi - próximo da divisa com o Pará, a um dia de barco da cidade de Nova Olinda no lado oeste do Amazonas, e a dois dias de Manaus -. estávamos num lago pescando para o nosso almoço, quando fomos surpreendidos por um morador da região com uma arma em punho, tipo espingarda Bacamarte, daquela que carrega pela boca. "Perguntou se estávamos utilizando rede, já que não era permitida tal prática. Dissemos que não, e daí nasceu uma conversa sobre a região; conclusão: era um cearense vivendo há muitos anos naquelas bandas. Depois nos levou até suas terras e fiquei estupefato em ver sua plantação no meio da selva amazônica e seus três filhos todos de botina. "Para que ele escoasse sua produção, tinha de viajar um dia até Nova Olinda ou dois dias até Manaus. Num barco pequeno como o dele, isso representava o dobro de tempo. Por outro lado, de todas as cidades da Ilha do Marajó à capital Belém se levam duas horas de embarcação

de passageiros ou 3 horas de balsa com carretas e carros. Na Ilha quase nada se planta; 100% dos alimentos consumidos vêm de Belém e de São Paulo. "Nas nossas missões estão demonstradas que as várias concepções de Amazônia se ancoram na concepção sociológica e política de desenvolvimento, ou seja, cada denominação atribuída à região corresponde a um determinado tipo de intervenção do Estado. O que vemos é que Brasília e os governantes que ficam em suas capitais estão distantes desses Brasis. Eles precisam sair de suas cadeiras e das salas refrigeradas para também ser expedicionários, implantarem o que dita o papel". O relato desse "causo" que Paulo Celso faz, a pedido de NEO MONDO, é esclarecedor. O ambientalista não esmorece: "Sozinhos nada faremos; são políticas públicas que terão de ser discutidas - isso é problema de governo e é de conhecimento de todos. Seria hipocrisia de nossa parte falar que iremos reverter essa

situação, mas estaremos interagindo de toda a forma com a coletividade local. Virão para a Ilha do Marajó cientistas, pesquisadores e profissionais de diversos seguimentos, da França que se unirão a nossos profissionais e ONGs genuinamente brasileiras. Essas, as nacionais, por acordo firmado com a FVB, irão transferir tecnologias, conhecimento do que lá está dando certo. Formaremos líderes para serem multiplicadores de propostas para profissionalização dessas pessoas que só sabem fazer uma atividade, e isso será feito nas dependências de prédios públicos se deixarem, se não nós faremos em associações, dentro das igrejas; e se tudo isso falhar, faremos embaixo de tendas para mudança comportamental. "Ressalto que estaremos sendo monitorados por satélite; o Brasil saberá o que estamos fazendo e o que está acontecendo. Na internet não existe rua ou distância, o mundo inteiro estará nos acompanhando, pois o nosso portal é visto em mais de 78 países".

Próximos passos da Expedição • seleção e contratação de ONGs, profissionais de nível superior, universitários e voluntários para a formação de equipes para a execução da 1ª fase da 1ª etapa a ser realizada na Ilha de Marajó • primeira ação em 2011 tem a parceria com profissionais de empresas europeias • processo de investigação social e educativa, pontuando os projetos que serão financiados pela França • expectativa de novos investidores e empresas comprometidas com o socioambiental • possibilidade de trabalhar com subsídios conforme proposição do PAS Fonte: FVB

Mauro Oliveira Pires, sociólogo e diretor do Departamento de Políticas para o Combate ao Desmatamento/Secretaria Executiva do Ministério do Meio Ambiente (MMA), ressalta a importância das práticas e critérios de sustentabilidade que o governo tem procurado adotar em segmentos produtivos, de modo a agregar valor a ações de fiscalização e combate ao desmatamento. Ele cita o Plano Federal para Prevenção e Controle dos Desmatamentos na Amazônia Legal (PPCDAm), lançado em 2004, e fala de seus desdobramentos em ações de 13 ministérios, coordenados pela Casa Civil da Presidência da República. "Recentemente este Plano foi atualizado e iniciativas novas foram incluídas, dentre elas, a operação Arco Verde, estratégia semelhante a uma força-tarefa que envolve órgãos do governo federal, esta52

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dos e municípios, visando à promoção da transição do atual modelo predatório de produção para um novo modelo com sustentabilidade, focada nos 43 municípios localizados na fronteira do Desmatamento na Amazônia". Pires acrescenta: "Além dessa, o Cadastramento Ambiental Rural (CAR) é outra iniciativa inovadora no Plano que possibilitará a regularização ambiental de propriedades rurais na Amazônia, independentemente da necessidade de regularização fundiária, medida que facilitará o monitoramento e a recuperação dos passivos ambientais". Em sua estratégia, o MMA tem viabilizado a assinatura de Pactos Setoriais, evitando que matérias-primas provenientes de desmatamento ilegal na Amazônia sejam processadas, sobretudo no setor da carne, grãos e madeira (ver quadro).

Jefferson Rudy/MMA

Práticas e critérios de sustentabilidade

Pires: ampliação e qualificação da assistência técnica a agricultores familiares, bem como a Moratória da Soja, são resultados palpáveis


Transição de modelos Outras ações deste Plano são a estruturação e promoção das cadeias produtivas do extrativismo, contempladas e fortalecidas pelas políticas do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa de Garantia de Preços Mínimos (PGPM). Para se chegar a esse estágio, Pires relata o caminho que foi percorrido, desde a extinção da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater), em 1990. "O Brasil viveu um longo período de escassez na disponibilização de conhecimentos e tecnologias e de informações sobre os mercados e políticas públicas direcionadas ao desenvolvimento do meio rural. Este quadro começou a ser revertido, em 2003, quando o governo federal iniciou o processo de construção de uma Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), implementada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), cujas ações buscam promover a transição dos modelos tradicionais de desenvolvimento rural para modelos sustentáveis de produção, com ampliação e qualificação da assistência técnica e extensão rural, direcionada aos agricultores familiares e assentamentos da reforma agrária, que também são beneficiados pelas políticas do PAA e PGPM", explica o sociólogo. A queda do desmatamento, em si, também é um avanço das políticas públicas, em que parcerias são fundamentais, avalia. Pires cita como exemplo bemsucedido a chamada "Moratória da Soja": Pactos de sustentabilidade

"Parceria inédita com a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), que assumiram o compromisso de implementar um programa de governança, cujo objetivo é o de não comercializar soja produzida em áreas desmatadas a partir de julho de 2006, no bioma Amazônia". Para o diretor do MMA, o efeito inibidor dessa iniciativa é notável, como mostram dados do Inpe (ver quadro). Cartilha do desmatamento Na execução do PPCDAm o MMA tem apoiado a elaboração de Planos Estaduais, que de forma complementar contribuem para viabilizar as suas metas e para o alcance das metas estabelecidas pelo Plano Clima, de redução do desmatamento na Amazônia Legal em 80%, até 2020. A cartilha do desmatamento, na visão de Pires, tem sido seguida à risca. "A taxa de desmatamento para o período de 2008 a 2009 (Prodes), na Amazônia Legal, foi de 7.464 km², a menor dos últimos 21 anos, desde que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) monitora a cobertura florestal da Amazônia", enumera. Para o diretor do MMA, a contribuição do governo Lula para a redução do desmatamento fica bastante evidente quando se compara a taxa de desmatamento de 2004, medida em 27.772 km², com a taxa de 2009, de 7.464 km². "Uma redução de 53% do desmatamento", contabiliza.

"Já em relação à taxa do desmatamento para 2010, ainda não temos os dados apurados pelo sistema Projeto de Monitoramento de Desflorestamento na Amazônia (Prodes), que tem uma metodologia própria e diferenciada dos outros sistemas. Mas acredita-se que a taxa do desmatamento em 2010 cairá ainda mais, ficando próxima a 5.000 km², segundo os dados do sistema Detecção do Desmatamento em Tempo quase real (Deter), que detectou o corte de 1.808 km² de floresta em 11 meses, contra 3.573 km² registrados entre agosto de 2008 e junho de 2009", afirma. Pires recomenda cautela, porém, quanto às informações do Deter, no qual "desmatamentos abaixo de 25 hectares não são observados", por ser um sistema "construído para orientar as operações de fiscalização em campo e não para medir a taxa anual do desmatamento". A escolha do Inpe para medir o desmatamento na região, no entanto, no entender do diretor, é a mais acertada. "Atualmente o sistema de monitoramento do Brasil é modelo para o mundo, inclusive com reconhecimento internacional. Em 2007, a revista Science publicou artigo elogiando o monitoramento da floresta amazônica realizada pelo Inpe, que a partir de 2003 implantou uma política de dados livres, expondo publicamente seus resultados. A metodologia de cálculo anual da taxa de desmatamento está disponível para todos, assim como os mapas do Deter, disponibilizados mensalmente nas páginas do Inpe. Hoje o Deter é exemplo para outros países", afirma.. Acervo FVB

• 31 empresas no setor madeireiro • 18 em agropecuária • 13 no cultivo da soja

Plantio em áreas desmatadas • 52 municípios monitorados • 98% da soja produzida no bioma Amazônia é proveniente deles • 194 áreas com indícios de cultura agrícola • 76 delas plantaram soja em 6,3 mil ha • 0,25% apenas da superfície total desflorestada, na comparação com os 2,49 milhões de ha desmatados em MT, PA e RO no triênio 2007 a 2009 Fonte: Inpe/MMA

Paulo Celso (à direita), em uma de suas missões, navega por um conjunto de ações socioambiental, em que a sociedade tem de ser participativa

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O agronegócio e o mercado norte-americano

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ados recentes da United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCC) colocam China e Estados Unidos como os maiores emissores de gases de efeito estufa (GEE) do planeta, com aproximadamente 41,7% do total das emissões de CO2 e com 37,46% dos demais gases que compõem o total dessas emissões. O prognóstico para ambos os países não é bom, salvo se medidas de mitigação da emissão desses gases forem tomadas em caráter de urgência. Nos Estados Unidos, por exemplo, a indústria é responsável por 30% dessa emissão, enquanto 28% advêm dos transportes, 17% das atividades comerciais, 17% das atividades residenciais e 8% da agricultura. O foco deste artigo é o setor dos transportes, por razões óbvias, principalmente porque nesse setor, data venia, o Brasil tem muito a ensinar aos

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americanos e ao mundo. Atualmente, em termos globais, o setor de transporte é responsável por 13% da emissão de todos os gases de efeito estufa (GEE ou, em inglês, GHG) na atmosfera e 25% da emissão somente de um dos gases analisados, o CO2. Seguindo essa ótica de oportunidades e do status propício para o agronegócio brasileiro, pesquisa recente da FAO mostrou que o país apresenta a maior área a ser utilizada para expansão do setor agrícola, seguido dos Estados Unidos e Rússia. Diga-se de passagem, China e Índia não possuem nada mais que pode ser utilizado para expansão de seu agronegócio. Pois bem, a despeito das inúmeras restrições administrativas impostas pela legislação ambiental, e comumente seguida pela desmedida busca por uma pseudopreservação ambiental de alguns segmentos da sociedade, desapegados

do senso de desenvolvimento em um país carente de infraestrutura, continuamos a ser o maior produtor mundial de açúcar, café e suco de laranja, e o segundo produtor mundial de etanol, soja e carne. Isso tudo atuando em consonância com as restrições legais impostas, no mais das vezes, décadas atrás e sem o compromisso com o desenvolvimento. Para ilustrar a razão de buscar incentivos tributários e um maior apoio governamental, basta usarmos o exemplo do etanol (da cana-de-açúcar), do qual o Brasil é o segundo produtor mundial (28 bilhões de litros anuais), atrás apenas dos Estados Unidos, que, valendo-se de incentivos altíssimos (em média, US$ 6 bilhões anuais), consegue produzir 45 bilhões de litros de etanol (de milho). A preocupação dos países desenvolvidos agora é fixar metas voluntárias para redução e alternar a matriz energética poluente (como o petróleo), por


Terence Trennepohl

Correspondente especial de Boston – Estados Unidos

meios menos poluentes (como os biocombustíveis), e como fazer essa transilão sem afetar seu atual estágio de desenvolvimento e com o menor impacto para suas economias. Hoje o mundo depende do petróleo extraído de somente 20 países. No caso do etanol da cana-de-açúcar, por exemplo, mais de 100 países estão aptos a produzilo, fornecendo combustível mais limpo para todos os demais, sem contar ainda com um fator importantíssimo, que é o desenvolvimento de áreas subdesenvolvidas, a exemplo de dezenas de países africanos e outros tantos países situados na América Central. Em meados de maio, a Time Magazine mostrou que o valor investido pelo governo Obama em energias limpas, no seu primeiro ano, chegou perto dos US$ 90 bilhões em sustentabilidade, enquanto nos oito anos do governo Bush somente US$ 14 bilhões foram utilizados para esse fim.

No discurso do `Estado da União` (State of the Union Speech), do final de janeiro, o presidente Obama apelou para que o Senado aprovasse as leis de mudança climática e que levasse adiante as propostas de um Climate Change Bill nos próximos meses, a fim de fazer com que os Estados Unidos pudessem participar do processo de mudança global. Basta mencionar que o Encontro de Copenhague - COP 15, não foi um fracasso como proclamado por algumas vozes. Pela primeira vez em muitos anos, governos de vários e importantes países puderam discutir mudanças climáticas em nível global. Pois bem, no começo deste ano a Universidade de Harvard publicou dois estudos dando conta das vantagens da implantação da cana-de-açúcar em países subdesenvolvidos como forma de um upgrade econômico e social nessas regiões pobres. Além disso, propôs a adoção de uma maior mistura de etanol à gasolina americana (que nos Estados Unidos é de 5% e no Brasil chega a 25%). Demais disso, é importante saber alguns números impressionantes. Enquanto o Brasil tem 36 milhões de veículos, os Estados Unidos têm 250 milhões. Enquanto nosso consumo de gasolina é de 4 bilhões de galões/ano, os Estados Unidos consomem 140 bilhões/ano. Para finalizar, e tentando mostrar como estamos aptos e preparados para receber investimentos externos, basta mencionar as recentes operações envolvendo empresas internacionais em território brasileiro, como as da Shell X Cosan, ETH X Brenco e Tereos X Guarani, enfim, além dos largos investimentos anteriores na área de biocombustíveis. Enfim, nenhum país do mundo conseguiu implantar um sistema tão eficien-

te de substituição da gasolina por um combustível menos poluente, como o uso do etanol no Brasil. Demais disso, se a gasolina fosse substituída por 5% de etanol no mundo, o Brasil teria de aumentar sua produção de 28 milhões de litros em 2010 para 102 bilhões de litros até 2020. Outro mercado importante é a União Europeia, que, seguindo a orientação estabelecida em 2007, ao pretender substituir 5,6% de sua frota por veículos flex-fuel, precisará de aproximadamente 18 bilhões de litros nos próximos anos. Diante de todos esses dados, só nos resta esperar o movimento do mercado e aproveitar as oportunidades, pois como dizia Churchill, “o pessimista vê dificuldade em cada oportunidade, enquanto o otimista vê oportunidade em cada dificuldade”. O Brasil, portanto, há de estar preparado para essas oportunidades, que se avizinham num horizonte já não muito distante.

*Artigo publicado no Valor Econômico de 30 de julho de 2010.

Terence Trennepohl Sócio de Martorelli e Gouveia Advogados Senior Fellow na Universidade de Harvard Doutor e Mestre em Direito (UFPE) Bolsista da CAPES E-mail: tdt@martorelli.com.br

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Especial - Amazônia

Luz no fim do país Projeto de subsistência agropecuária tenta dar vida a um dos lugares mais isolados (e importantes) do Brasil: a fronteira amazônica Bruno Molinero

L

arissa tem 4 anos e enquanto fala não consegue parar de mexer as pernas. Diferentemente da maior parte das crianças brasileiras, ela não passa o dia vendo televisão nem implora por um punhado de doces ou por novos brinquedos. Isso porque Larissa é uma das últimas crianças do Brasil. Aqui,

não em quantidade, mas em distância. Ela mora no Pelotão Especial de Fronteira (PEF) de Pacaraima, em Roraima. A poucos passos de onde suas sandálias brincam de pêndulo, enquanto a menina versa sobre as cobras e os cinamomos, existe uma cerca. Do lado de lá, bemvindo à Venezuela.

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Sargentos agrários cultivam nos PEFs a cenoura, a banana ou mesmo o peribá que dá maior autonomia ao pelotão e ajuda a desafogar o transporte de suprimentos

Os PEFs são unidades militares completamente isoladas e dependentes da logística militar. São frágeis comunidades que têm como modesta responsabilidade a manutenção da soberania nacional. Larissa não tem televisão em casa. A única em que pode assistir a seus desenhos favoritos fica em uma área comum e não fun-


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ciona quando chove. É bom lembrar que chuva e Amazônia são quase sinônimas. O problema enfrentado pelos pelotões de fronteira não é apenas isolamento e precariedade. Não é somente querer ir ao cabeleireiro e não ter duas opções. Ou então ter vontade de sair à noite, de melancia com coca-cola ou mesmo de um simples batom e não conseguir. Existe um problema logístico grave: ali, não há atividade agropecuária de subsistência. A comunidade, que vela pela soberania do território, é completamente dependente dos grandes centros. Todas as alfaces, roupas e também os doces e brinquedos de Larissa saem das grandes capitais amazônicas: Manaus e Belém. O bife malpassado que o pelotão de Pacaraima preparou no almoço saiu, muito provavelmente, de algum polo pecuário do Centro-Sul – há pelo menos 3.000 km. Graças à distância e à dificuldade de acesso, a chegada de suprimentos à fronteira brasileira é quase uma epopeia. Mas isso pode estar mudando. Com o projeto “Sargento Agrário”, o exército brasileiro planeja transformar essa cultura e instaurar a produção agrícola e a criação de pequenos animais nos PEFs. O projeto se baseia no emprego de técnicos agrícolas formados pelas Escolas Técnicas

do Estado do Amazonas, contratando-os como sargentos temporários. Assim, eles podem trabalhar na fronteira e auxiliar na implantação de uma cultura sustentável de subsistência nos pelotões. Em vez de depender da carne do sudeste ou das frutas do mercado de Manaus, com esses sargentos agrários, os PEFs colhem a cenoura, a banana ou mesmo o peribá da própria horta ou plantação. Há também a criação de galinhas, peixes e porcos. Além de garantir uma maior autonomia ao pelotão, o projeto ajuda a desafogar o transporte de suprimentos das grandes cidades. Problema Cultural Segundo o general Bringel, do Comando Militar da Amazônia, “grande parte da população amazônica só planta mandioca. A alimentação básica é peixe e farinha de mandioca. Qualquer outra coisa é importada do Centro-Sul. É um problema cultural”. O projeto visa, portanto, reverter esse quadro e, a longo prazo, mudar a cultura da região. E é aqui que mora o maior problema. A maior parte dos PEFs fica próxima a comunidades indígenas. Por conta do isolamento, são tribos que muitas vezes não têm familiaridade com nossa sociedade. Portanto, sua economia se baseia

exclusivamente no extrativismo florestal e na caça. Antropólogos de plantão, se segurem na cadeira. O objetivo do “Sargento Agrário” é também levar a essas tribos vizinhas a prática agropecuária do pelotão. De acordo com o próprio general, “os indígenas vão ver a gente comendo a carne do porco enquanto eles estão comendo mandioca. A gente não vai impor a prática a eles. Mas vai chegar uma hora em que eles vão querer uma coisa diferente para comer. E vão começar a plantar e a criar pequenos animais”. Para muitos, isso apenas mostra que a prática colonial opressiva ainda existe. É a colonização através da geração da necessidade. Desde 2008, quando começou a ser implantado, o projeto gastou mais de R$ 4 milhões. Larissa pode não estar fisicamente próxima dos prazeres da cidade – aliás, o lugar que ela mais gosta é Boa Vista, simplesmente porque lá tem um pula-pula. Mas agora seus pais criam porquinhos em Pacaraima, que já não é tão dependente do fornecimento de insumos. O pelotão, ainda, consegue gerar renda com o excedente de produção. A economia e a autonomia estão pouco a pouco aparecendo na fronteira. Mas é necessário cautela. Pois o impacto socio-cultural nas dezenas de tribos indígenas pode ser irreversível.

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