Edição Especial
NeoMondo
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um olhar consciente
Ano 5 - Nº 42 - Junho 2011 - Distribuição Gratuita
dia Mundial do Meio Ambiente 10
Roberto Klabin
Lei Rouanet
“Coisas que eu vi “
Ambientalista empreendedor
NEO MONDO Reconhecimento Cultural
Crônica de um crime anunciado
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Arque com as consequĂŞncias. Poluir coloca em risco muitas espĂŠcies. Inclusive a sua. 5 de junho. Dia Mundial do Meio Ambiente.
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Sem espaço para sequer esticar as asas No Brasil, mais de 70 milhões de galinhas poedeiras são confinadas em gaiolas em bateria, espaços tão pequenos que elas não conseguem andar, empoleirar-se ou sequer esticar as asas. Diga NÃO a esta crueldade. Acesse o nosso site para saber mais.
Proteção e respeito a todos os animais
hsi.org/compaixao 6
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Seções
Editorial
Perfil 10 Roberto Klabin Processo de evolução integral
Dia Mundial do Meio Ambiente 16 Lei Rouanet NEO MONDO, a cultura sempre presente
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Dia Mundial do Meio Ambiente Artigo – Ismael Rocha Cumplicidade em tempos de sustentabilidade 23 Artigo – Márcio Thamos Mitologia Clássica 24 Artigo – Dilma de Melo Silva Floresta fantasma
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28 Artigo – Dr. Marcos lucio Barreto Paz no futebol Dia Mundial do Meio Ambiente O Mundo Arde Aquecimento é real e está acelerando Dia Mundial do Meio Ambiente 36 Rosane Araujo (da Austrália) O dilema do carvão
Coisas que eu vi 39 Humberto Mesquita Um dia o homem vai saber que dinheiro não se come
Dia Mundial do Meio Ambiente
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Dia Mundial do Meio Ambiente 44 Solução para Cabo Verde Dessalinização da água 46 Artigo – Terence Trennepohl e Evan M. Koster O Etanol e a política energética brasileira Dia Mundial do Meio Ambiente 50 Código florestal 80 anos em baixo do tapete Dia Mundial do Meio Ambiente 58 Bananas is my Business Descontaminação da água
Rosane Araujo (da Austrália) O buraco é mais embaixo
Reports in english 26 Article - Dilma de Melo Silva Ghost Forest 48 Article - Terence Trennepohl and Evan M. Koster Ethanol and the brazilian energy policy
Expediente Diretor Responsável: Oscar Lopes Luiz Diretor de Redação: Gabriel Arcanjo Nogueira (MTB 16.586)
Tradução: Efex Idiomas - Tel.: 55 11 8346-9437 Diretor de Relações Internacionais: Vinicius Zambrana Diretor Jurídico: Dr.Erick Rodrigues Ferreira de Melo e Silva Correspondência: Instituto Neo Mondo Rua Primo Bruno Pezzolo, 86 - Casa 1 Vila Floresta - Santo André – SP Cep: 09050-120
Estagiário: Bruno Molinero
Para anunciar: comercial@neomondo.org.br Tel. (11) 4994-1690
Diretora de Arte: Renata Ariane Rosa Projeto Gráfico: Instituto Neo Mondo 8
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Oscar Lopes Luiz Presidente do Instituto Neo Mondo oscar@neomondo.org.br
Publicação
Conselho Editorial: Oscar Lopes Luiz, Marcio Thamos, Dr. Marcos Lúcio Barreto, Terence Trennepohl, João Carlos Mucciacito, Rafael Pimentel Lopes, Denise de La Corte Bacci, Dilma de Melo Silva, Natascha Trennepohl, Rosane Magaly Martins e Vinicius Zambrana Redação: Gabriel Arcanjo Nogueira (MTB 16.586), Rosane Araujo (MTB 38.300) e Antônio Marmo (MTB 10.585) Revisão: Instituto Neo Mondo
Prezado leitor, esta edição, que para NEO MONDO seria motivo de comemoração pelo Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho) e por nossa chegada ao quinto ano de circulação, reveste-se de celebração fúnebre porque o Planeta está doente e, no Pará, dois defensores da floresta em pé tombaram como as árvores que defenderam com a própria vida. O Meio Ambiente tem sido nossa bandeira desde a primeira edição por um simples motivo: É uma questão de sobrevivência, e a destruição do Planeta é um problema nosso! É com este pensamento que deixamos clara a nossa indignação com o assassinato do nosso querido Zé Claudio e sua esposa Maria do Espírito Santo. Fizemos a cobertura do evento TEDxAmazônia nos dias 6 e 7 de novembro de 2010, em que o próprio Zé Claudio avisou que estava “marcado”para morrer, e, em recente entrevista à Rede Record, afirmou que sua cabeça valia R$ 5.000,00. Isso é uma vergonha, onde estão as autoridades para investigar esta barbárie? Se este crime já estava anunciado, por que não investigaram? Zé e Maria, neste momento, NEO MONDO não se contenta em prantear suas memórias e se compromete a jamais deixar que suas vozes se calem, seremos um eco permanente dos seus pensamentos e ações porque.....O QUE FAZEMOS EM VIDA ECOA NA ETERNIDADE! Confira nesta edição os ideais deste casal, acesse nosso portal e veja a edição de dezembro de 2010, em que Zé Claudio fala para mais de 400 pessoas sobre a sua luta. Concluo este editorial com um provérbio indígena: “A floresta tem muito mais olhos do que folhas“. Tenha uma ótima leitura!
Para falar com a Neo Mondo: assinatura@neomondo.org.br redacao@neomondo.org.br trabalheconosco@neomondo.org.br
Presidente do Instituto Neo Mondo: oscar@neomondo.org.br
A Revista Neo Mondo é uma publicação do Instituto Neo Mondo, CNPJ 08.806.545/000100, reconhecido como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), pelo Ministério da Justiça – processo MJ nº 08071.018087/2007-24. Tiragem mensal de 70 mil exemplares com distribuição nacional gratuita e assinaturas. Os artigos e informes publicitários não representam necessariamente a posição da revista e são de total responsabilidade de seus autores. Proibido reproduzir o conteúdo desta revista sem prévia autorização.
Boa Notícia para o Leitor e o ANUNCIANTE NEO MONDO acaba de receber a chancela da Lei Rouanet Lei Federal de Incentivo à Cultura (Nº 8.313 de 23 de dezembro de 1991), conforme número Pronac 111052. A revista atinge um patamar de excelência sociocultural e quem ganha com isso é, principalmente, o leitor e o ANUNCIANTE. Este, na qualidade de patrocinador, poderá abater 4% de seu Imposto de Renda e deduzir até 70%. Você é um dos nossos convidados a participar de Reunião, na qual vamos detalhar o quão importante é usufurir desse instrumento legal que, ao instituir politicas públicas para a cultura nacional, permite a sua viabilização pelo Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac). Seja um de nossos parceiros na promoção, proteção e valorização das expressões culturais nacionais. Além de se beneficiar dos incentivos fiscais, você fará parte do seleto grupo de empresas e cidadãos que investem em cultura, fomentando a cultura nacional e valorizando a sua marca junto ao público. Para confirmar presença, contate-nos: (11) 4994-1690 - Instituto Neo Mondo O INSTITUTO NEO MONDO É O 1º GRUPO MULTIMÍDIA SOCIOAMBIENTAL DO BRASIL! Produtos: Revista impressa (70 mil exemplares/mês), Revista eletrônica, Portal NEO MONDO (aprox. 400 mil acessos/mês), News Letter (100 mil e-mail mkt/mês), WEB TV (JORNALISMO) e Site NEO MONDO TV.
Atenciosamente,
Instituto
OSCAR LOPES LUIZ Presidente do Instituto Publisher da Revista
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Perfil
Processo de Laços de família, acadêmicos e uma pitada de reminiscência cinéfila forjam ambientalista empreendedor Divulgação
Gabriel Arcanjo Nogueira
F
ormado em Direito pela Universidade de São Paulo, com especialização em Administração de Empresas pela Universidade Mackenzie, Roberto Klabin é presidente da Fundação SOS Mata Atlântica, ONG com a qual se mistura a história da Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo. Ambas completam 25 anos em 2011. Roberto foi estagiário na Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), presidiu a Fundação Florestal, criada no governo Montoro, e esteve durante 11 anos no Conselho Estadual de Meio Ambiente paulista. Nada, porém, que o restrinja aos limites desse estado quando o assunto é meio ambiente, sustentabilidade, ecossistema. Roberto revela um caso de amor antigo, descrito no Boxe que acompanha este Perfil. Com as mesmas singeleza e objetividade com que trata da SOS, do Código Florestal, do Fórum Mundial de Sustentabilidade. Vale a pena compartilhar um pouco de sua rica experiência e aprender com suas ideias que viram experimento. Roberto: “ambientalista é ser parte de algo muito grande, respeitar a força ativa criadora da natureza”
NEO MONDO: Você se define, antes de mais nada, como ambientalista? O que, a seu ver, é ser ambientalista? Roberto Klabin: Interessante essa questão de autodefinição! O que é ser ambientalista? Sou ambientalista? Penso que a mera categorização diminui enormemente a capacidade do indivíduo de transitar fora do espaço que ele definiu ocupar. Dificulta seu entendimento das posições e aspirações daqueles que não compartilham de suas ideias, muitas vezes acentuando a divisão entre os bons (nós) e os ruins (os outros). Na minha opinião, ambientalismo é um processo na evolução das pessoas. É uma maneira de subir mais degraus de consciência, de enxergar-se como parte de algo muito grande, de respeitar a força ativa criadora da natureza, de tudo o que é vivo e de tudo o que é belo. 10
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Sendo assim, sou mais uma pessoa trilhando esse caminho de evolução espiritual e material. NEO MONDO: Desde quando se identifica com este ser ambientalista? O que considera mais relevante em cada um dos projetos de que participa ou participou? Roberto Klabin: Desde o tempo em que cursei a Faculdade de Direito do Largo São Francisco estive envolvido com a causa ambiental. Não fosse o Fabio Feldmann, que em 1977 me convidou para participar ativamente da luta contra a construção do futuro aeroporto internacional de São Paulo, conhecido como Caucaia do Alto, eu talvez não estivesse hoje participando de ONGs ambientalistas. Talvez minha dedicação à natureza se desse de outra forma, menos ativa e política.
Sou sempre grato ao convite do Fabio, pois pude descobrir uma causa e uma oportunidade de trabalho que àquela época poucos davam valor, mas que hoje compete com o segundo setor na criação de empregos e oportunidades. NEO MONDO: Em que medida tornarse um ambientalista foi impulsionado pela sua formação acadêmico-profissional-familiar? O lado empresarial representa quanto nessa escolha? Roberto Klabin: Participei e participo de muitos projetos como presidente da Fundação SOS Mata Atlântica. Talvez o maior projeto de todos seja o de administrar essa fundação há 20 anos, como seu terceiro presidente, garantindo, graças ao enorme trabalho de sua equipe, a chegada da Fundação aos 25 anos de existência.
NEO MONDO: Como é possível conciliar múltiplas funções com desenvoltura e eficácia? Roberto Klabin: Para uma ONG como a SOS, com uma difícil tarefa de conscientizar e mobilizar as pessoas em causas de interesse difuso, como a defesa do direito de as próximas gerações terem acesso a uma qualidade de vida adequada, desfrutando de um meio ambiente rico e diverso, isso não é pouca coisa, principalmente neste país. Antes de cursar a faculdade, eu jamais me interessava pelo meio ambiente. Considero que minha infância foi muito influenciada pelas férias passadas nas fazendas que minha família possuía no Pantanal e no Estado do Paraná. Tais lugares, principalmente o Pantanal, deixaram marcas indeléveis na
minha alma. Talvez pela amplitude das paisagens, pelo tamanho das florestas e pela existência de uma fauna nativa exuberante, algo tenha marcado para sempre a minha pessoa. NEO MONDO: Além de reminiscências acadêmicas e familiares, há alguma outra marcante em sua vida? Roberto Klabin: Interessante lembrar um filme que me tocou muito e que já está praticamente esquecido. Esse filme, do começo da década de 1970, chamava-se em inglês Soylent Green. Em português, acho que a tradução era O mundo em 2020. O artista era Charlton Heston, que também estrelou, entre outros, a primeira versão de O planeta dos macacos. O filme falava em superpopulação e catástrofe ambiental. Na época, achei seu conteúdo muito forte - e aquilo, tenho certeza, me abriu para um dia abraçar a causa ambiental. NEO MONDO: Desde então, não parou mais? Roberto Klabin: Passados todos esses anos, reconheço que essa dedicação ao meio ambiente, na SOS Mata Atlântica e em outras entidades, como o Institu-
to SOS Pantanal, que também dirijo, tornou-se meu principal projeto, ao qual dedico a maior parte de minha atenção e tempo. Acredito que essa decisão de priorizar essa missão decorra do fato de eu me ter perguntado, há mais ou menos 10 anos: onde é que eu poderia fazer mais diferença, ou seja, onde é que meu tempo poderia ser mais bem aplicado e os resultados conseguidos mais relevantes para mim e para minha concepção de mudar o mundo. NEO MONDO: Quem fala mais alto: o empresário, o ambientalista ou o acadêmico? Roberto Klabin: Como empresário, sinto que já cumpri minha etapa de realização não vislumbrando, por esse caminho, grandes resultados, atuações ou satisfação pessoal. Já como militante no movimento ambiental, com a experiência que adquiri no segundo setor, mais o domínio completo de minha agenda, a ajuda que posso dar é mais relevante, e os resultados têm-me agradado enormemente. NEO MONDO: Como a SOS Mata Atlântica avalia o Código Florestal, cuja votação no Congresso virou um imbróglio? Fabio Paschoal
Foram muitos desafios e muitas oportunidades. Quando se faz uma comparação do segundo setor da sociedade, percebe-se que de cada 100 empresas criadas, segundo dados do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo (Sebrae-SP), 27% delas morrem no primeiro ano de operação, e cerca de 60% das empresas não conseguem completar o quinto aniversário.
“Procuro equilibrar pecuária extensiva com turismo ecológico, pesquisa e conservação da fauna para conservarmos esse tesouro ecológico”
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Perfil Roberto Klabin: O que posso dizer é que toda essa polêmica infelizmente não discute o papel da maior importância que o Brasil poderia assumir no concerto das nações como a maior potência ambiental planetária. Essa, em minha opinião, é a maior vantagem competitiva brasileira. Energia limpa, clima propício, terra e água doce em abundância, a maior floresta tropical do planeta, ocorrência de aproximadamente 20% de todas as espécies vivas do planeta e, finalmente, população proporcionalmente pequena em relação ao tamanho do território nacional. Se hoje o país se transforma em uma potência agrícola, imagine o seu futuro brilhante caso tirasse proveito desse conceito de potência ambiental e desenvolvesse suas atividades no campo agrícola de forma mais eficiente e sustentável. Infelizmente, o que se vê é que as propostas dos setores mais conservadores da sociedade brasileira em relação à mudança do atual Código Florestal não levam o país a esse aprimoramento.
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NEO MONDO: Corremos o risco de retrocesso em relação ao Código de 1965, podemos esperar um avanço, um aperfeiçoamento ou, quem sabe, um complemento?
“Vamos mapear o Pantanal por satélite, começando pela Expedição de seis meses que ouvirá todos aqueles que lá vivem”
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Roberto Klabin: Toda essa discussão levada a cabo por esses conservadores vai tirar o Brasil do século XIX para levá-lo até a primeira metade do século XX. O século XXI nem existe para a maioria de nossos congressistas; afinal, a política que praticam nesse caso lembra muito aquela utilizada pelos oponentes da abolição da escravatura, quando diziam que sem os escravos o Brasil não teria mais agricultura. Agora, o discurso é o mesmo, ou seja, sem a flexibilização da lei ambiental e a anistia dos infratores não teremos mais condições de produzir alimentos. NEO MONDO: Tem como apontar no novo Código uma meia dúzia de pontos positivos e seis pontos negativos? Roberto Klabin: Não cabe aqui discutir ponto por ponto do projeto, visto que o que está errado é exatamente utilizar-se o texto proposto pelo deputado Aldo Rebelo para então promover correções e negociações. Em minha opinião, esse texto deveria ser descartado, e toda a discussão da modernização do atual Código Florestal deveria ser recomeçada do zero, sendo conduzida por economistas e cientistas não ligados a lado nenhum sob o comando direto do governo, com óbvia participação de todos os setores
interessados e da sociedade em geral. Esta é uma tarefa para estadistas, não para políticos de olho na próxima eleição apenas. NEO MONDO: Que avaliação é possível se fazer de um evento do porte do Fórum Mundial de Sustentabilidade, que mereceu de NEO MONDO ampla cobertura em suas duas primeiras edições: é sinal de maturidade da classe empresarial brasileira ou algo mais? Roberto Klabin: Acredito que a iniciativa do Fórum Mundial de Sustentabilidade é válida e boa. O que é interessante observar é que esse evento começou mais como um encontro com a mídia, para apresentar as ideias de algumas personalidades estrangeiras envolvidas com a questão de sustentabilidade para, já na segunda edição do Fórum, apesar das personalidades convidadas (para atrair a mídia), haver mais espaço para conteúdo com vários grupos de trabalho e de participação maior de palestrantes nacionais. A participação das empresas está aumentando e, acredito, a fórmula do Fórum, com a sua localização em Manaus, tem todos os ingredientes para tornar o evento um destino obrigatório para a discussão de temas dessa importância.
NEO MONDO: A legislação específica referente à Mata Atlântica (Lei 11.428/2006; Decreto 6.660/2008), a seu ver, é suficiente ou chegou tarde? Roberto Klabin: Esta lei não chegou tarde, e só temos que comemorar sua existência. A Mata Atlântica é o único bioma brasileiro com uma lei específica. De acordo com o Atlas da Fundação SOS Mata Atlântica, desenvolvido em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o remanescente da Mata Atlântica até 2010 era de pouco mais de 11,3% do bioma original, o que significa 14,6 milhões de hectares (floresta, mangue e restinga) de vegetação nativa existente. Considerando apenas remanescentes com mais de 100 hectares, esse índice cai para pouco menos de 8% do bioma original. Isso mostra a extrema fragilidade atual do bioma em face da alta fragmentação, ou seja, cerca de 40% do que resta de Mata Atlântica estão significativamente comprometidos por constituírem blocos florestais inferiores a 100 hectares. NEO MONDO: Para quem, a seu exemplo, formou-se em Direito, como explicar que o País seja tido como bom de leis, mas que não saem do papel, em sua maioria, quando não vêm com atraso? Como chegamos a destruir toda a Mata Atlântica, por exemplo, como se desrespeitam tanto outros biomas? Roberto Klabin: Apesar da fragilidade deste bioma, a lei não chegou tarde, pois até o final dos anos 1980 ainda não se conheciam o conceito e a extensão do bioma. Foi a SOS Mata Atlântica que criou esse conceito e definiu com a ajuda de inúmeros cientistas esse bioma. A criação da lei foi tumultuada, a partir do Decreto 750/92. Esse decreto proibia tudo, e isso fez com que a Lei da Mata Atlântica fosse gestada de forma diferente. Discutida estado por estado, quando chegou a lei, chegou de tamanho certo. Foi retirada uma série de penalidades e questões previstas já em outras leis. Ajudou também a existência de um grande aparato infralegal, regulado pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), além da previsão na lei dos diversos níveis governamentais da implantação da lei. Temos de lutar, no bioma Mata Atlântica, para que sua recuperação seja equivalente ao cumprimento da
“
Modernizar o Código Florestal é tarefa para estadistas, não para políticos de olho na próxima eleição
lei, restaurando a reserva legal e as APPs em sua grande maioria até hoje. NEO MONDO: Como isso seria possível? Roberto Klabin: Vejamos: se de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aprovado pelo Diário Oficial da União, a Mata Atlântica cobria 1,3 milhão de km² ou 130 milhões de hectares e só existem 14,6 milhões de hectares, ou 11,3% do bioma original, verificamos que desses 14,6 milhões de hectares, somente 3,4 milhões de hectares (2,6% do bioma original) estão protegidos sob a forma de unidade de conservação de proteção integral. Remanescem pouco mais de 11,2 milhões de hectares (menos de 9% do bioma fora das unidades de conservação) protegidos pelas áreas de preservação permanente ou reservas legais. Nessa escala, pode-se dizer que faltariam, para completar os 20% correspondentes à legislação em vigor hoje, algo em torno de 14 milhões de hectares para ser restaurados. NEO MONDO: O que esperar e cobrar de governos, empresas, ONGs, cidadãos para termos mais qualidade de vida? Roberto Klabin: Se a mudança do Código Florestal nos termos da proposta do deputado Aldo Rebelo se concretizar, a meta proposta pelas organizações que integram o Pacto pela Mata Atlântica de recompor 15 milhões de hectares até o ano de 2050 ficará totalmente comprometida. Por essa e por outras razões é que acredito que o papel das ONGs ambientalistas é de estar traduzindo e mobilizando a população em geral para os desafios e oportunidades que a manutenção da qualidade de vida das pessoas exige. Fazer as pessoas saírem de suas zonas de conforto é complexo, visto que o entendimento por parte delas, de que qualidade de vida é fundamentalmente viver num ambiente sadio, belo e
”
diverso, nem sempre é compreendido ou faz parte de suas prioridades. Em vez de as ONGs quererem transformar o meio ambiente/qualidade de vida como prioridade para as pessoas, é mais fácil - no estágio educacional e de cidadania que a maioria da população ocupa -, introduzir esse conceito dentro das reais prioridades que as pessoas estabelecem. NEO MONDO: Dá para alcançar essa meta? Roberto Klabin: Sim, se, por exemplo, explicar-se a relação da saúde humana com a qualidade da água consumida pela população e as razões da perda dessa qualidade. Falar de moradia e zonas de risco, como encostas e morros, explicando por que devem ser protegidas essas áreas e os perigos de sua ocupação indevida. São tantos desafios e oportunidades! As ONGs ambientalistas querem educar os atuais consumidores para que estes se transformem em reais cidadãos. NEO MONDO: Aí entra a SOS... Roberto Klabin: Vale a pena acompanhar os trabalhos da Fundação SOS Mata Atlântica nesse sentido. Todos os anos, em maio, comemoramos o Viva a Mata. Este evento ocorre no Parque do Ibirapuera durante um fim de semana, e milhares de pessoas têm a oportunidade de visitar, em um mesmo lugar, projetos ambientais interessantes e iniciativas que visam à sustentabilidade, vindas das mais diversas regiões do país. Há inúmeros projetos, possíveis de seguir pelo site: www.sosma.org.br. Para acompanhar a SOS pela internet basta cadastrar-se na Conexão Mata Atlântica, rede social da Fundação que reúne interessados em meio ambiente, e acessar www.conexaososma.org.br. Também temos nosso twitter (@sos), vídeos no youtube (youtube.com/sosmata), além do www.sosma.org.br/blog.
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Perfil
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“O Pantanal deixa marcas indeléveis na alma pela amplitude das paisagens, pelo tamanho das florestas e pela fauna nativa exuberante”
Amor antigo vira experimento O Pantanal é um caso de amor antigo. Desde os 10 anos de idade frequento a região. Passados 45 anos, meu amor continua o mesmo, mas meu envolvimento com a região extrapolou minha fazenda e meus negócios e passou a participar da gestão de uma nova ONG, a SOS Pantanal. Assim como a SOS Mata Atlântica, o objetivo é mapear a região por satélite para entender a situação do bioma, além de promover uma contínua busca pelo diálogo e troca de experiências que possam promover a conservação do Pantanal. Para tanto, neste ano vamos promover a primeira Expedição Pantanal para conhecer as boas práticas que promovem a conservação das atividades econômicas e do meio ambiente na região. Vamos visitar durante seis meses todas as regiões do Pantanal e do planalto que circunda a planície pantaneira. Vamos conversar com fazendeiros, peões, comunidades, prefeituras, câmara de vereadores e associações de classes. Em 2012, uma vez tabulados os dados, iremos promover uma grande apresentação desses conhecimentos buscando ampliar o diálogo e o entendimento entre todos aqueles que vivem no Pantanal em prol da manutenção da qualidade de vida, dos costumes e da sua cultura. Sobre minhas atividades empresariais no Pantanal, ressalto apenas que na minha propriedade procuro equilibrar pecuária extensiva com outras atividades como turismo ecológico, pesquisa e conservação de fauna, além da criação de uma grande área de preservação, a RPPN Dona Aracy. Considero que minhas iniciativas são como um experimento e, assim como fui pioneiro no Pantanal em iniciar o turismo contemplativo de fauna, quem sabe muitas outras ideias, se tiverem êxito, sirvam para contribuir ainda mais para a conservação desse tesouro ecológico.
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Neo Mondo - Setembro 2008
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Especial - Dia Mundial do Meio Ambiente
NEO MONDO, a cultura sempre presente Chancela da Lei Rouanet nos fará ainda mais empenhados no aprimoramento sociocultural, ao lado do socioambiental Gabriel Arcanjo Nogueira
A
cultura brasileira, nas várias acepções do conteúdo que esta palavra significa, bem como na riqueza de sua diversidade, sempre mereceu de NEO MONDO atenção especial. A recente chancela da Lei Rouanet, conseguida pela publicação, é um reconhecimento a esta trajetória e certamente nos tornará ainda mais empenhados na abordagem de temas que dizem respeito a um aprimoramento sociocultural, igualmente sustentável, ao lado da consciência socioambiental que procuramos aprimorar. Seja na escolha dos temas, desenvolvidos de acordo com pautas cuidadosamente elaboradas, seja na qualificação das fontes e personagens que compõem as matérias da revista.
Trazemos a nossos leitores um guia com as matérias mais relevantes, ano a ano: Ano 1 da publicação Fevereiro de 2008 - Comportamento: o risco de a obesidade virar epidemia, ao contrário do que se pensa, que seja sinal de saúde e prosperidade; Teatro: Encenação da Fundação da primeira vila do Brasil, em São Vicente, que reúne 1,3 mil atores, entre famosos e anônimos.
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UM OLHAR CONSCIENTE
Ano 1 - Nº 10 - Maio 2008 - Distribuição Gratuita
Abril de 2008 - Comportamento: o bullying como prática a ser combatida, por se tratar de violência mascarada que atrapalha até mesmo o rendimento escolar. Maio de 2008 - Social: “Respeito é bom, e criança gosta”, sobre maus-tratos a pretexto de “educar” alguém.
Treme Brasil
Mata Atlântica
Vá pedalando
Terremoto paulista
O que restou do paraíso
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Ciclovias em Santos
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Edição de maio de 2008
Percussionista e compositor cria o personagem Dr. Plástico, que faz da Arte meio de transformação do ser humano; Social: Bola pra Frente faz da Educação integral a prática do olhar consciente (slogan da revista).
Edição de agosto de 2008
Agosto de 2008 - Folclore: é parte do meio ambiente, pelo que representa como patrimônio cultural em seus aspectos material e imaterial. Setembro de 2008 - o Festival Folcórico de Parintins como exaltação do meio ambiente, das riquezas culturais e da criatividade, que colocam a lenda tipicamente brasileira, de origem nordestina, no roteiro cultural internacional. Dezembro de 2008 - Comportamento: “Sustentabilidade é Sobrevivência”, se o objetivo comum for o de alcançar vida em equilíbrio na Terra.
Agosto de 2009 - Edição Especial com 56 páginas sobre a Diversidade Cultural, temática reconhecida pela Unesco como patrimônio comum da humanidade. Nas páginas de NEO MONDO desfilam o pioneirismo de Gilberto Freyre; a evolução demográfica no País; nossos índios; comunidades quilombolas; povos e comunidades tradicionais; o idioma como expressão da identidade cultural; expressões do patrimônio histórico e artístico nacional; os imigrantes; os biomas brasileiros. Setembro de 2009 - Literatura: História em Quadrinhos brasileira projeta o criador Maurício de Sousa em 126 países com direito a reconhecimento do Unicef e utilização de seus personagens em projetos educacionais; Pintura: portador de paralisia cerebral, artesão pinta com a boca, vive do que cria com garra e apelo social, ao inovar nas artes plásticas e abrir sua loja virtual; Escultura: “Grito Brasil Salva Amazônia” e a mostra Natura são expoentes da arte consciente do polonês naturalizado brasileiro, Frans Krajcberg. “Nasci neste planeta”, diz o artista, revoltado com a passividade não só do povo, mas de intelectuais.
Ano 2 Abril de 2009 - Social 1: o Instituto Ayrton Senna, aliança de Responsabilidade Social por uma Educação qualificada com ênfase na Arte como meio de alcançar o objetivo; Social 2: Brinquedos e Brincadeiras como Patrimônio Cultural da Humanidade, projeto da PUC-Campinas, recebe o selo Unesco; Patrimônio Cultural: legado de Paulo Freire é referência no Brasil e no mundo; Cultura como elo da identidade do brasileiro, na visão da profa.-dra. Dilma de Melo Silva, docente de Cultura Brasileira na USP. Julho de 2009 - Social: Educação qualificada, só com respeito às desigualdades, conforme PERFIL (nosso equivalente às “Páginas Amarelas” de Veja) com a coordenadora do Unicef no Brasil; Música:
Edição de setembro de 2009
Edição de outubro de 2009
Outubro de 2009 - Cinema/TV: Renato Aragão coloca sua arte cênica a serviço de causas sociais, em 50 filmes realizados e 50 anos de carreira na telinha; Educação Ambiental: projeto Criança Ecológica quer alcançar 60 mil estudantes na rede pública paulista; TV: Laboratório de Pesquisa sobre Infância, Imaginário e Comunicação (Lapic), da ECA/USP, esclarece aspectos controversos da programação televisiva sobre crianças de 7 a 11 anos; Educação Integrada: Fura-Bolo, da Cargill, resgata a cultura popular e incentiva o prazer pela leitura em 13 municípios de 8 estados brasileiros; Pintura: artista plástico paulistano, radicado em Nova York, Duda Penteado transcende todo limite, como o da arte pela arte. A mostra Beauty for Ashes - Das cinzas à beleza, para ele, uma releitura de Guernica, de Picasso, é um de seus projetos de maior projeção internacional. Enfocar a paz no mundo, sustentabilidade do planeta e formação de cidadãos o deixam à vontade tanto em seu ateliê como nas ruas ou em palestras para crianças e adolescentes. Novembro de 2009 - Social 1: Gol de Letra, mais que o nome da Fundação, é um grande centro cultural, esportivo e educativo, na definição de um de seus criadores, o craque Raí. Há 13 anos no campo social, tem marcado muitos gols de placa, tanto que é reconhecida como instituição modelo pela Unesco; Social 2: Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente beneficiou, em
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Especial - Dia Mundial do Meio Ambiente
quase 20 anos de atividades, mais de 6 milhões de brasileiros em ações que lhes garantem acesso a cultura, educação, inclusão digital, entre outros avanços; Fotografia: Pedro Martinelli, Prêmio Esso de Jornalismo e pós-graduado em mato pelos irmãos Villas Bôas, é quem se pode definir como “doutor das lentes”. Pedrão, como é conhecido, documenta a Amazônia desde 1973, e nesses quase 40 anos fez um trabalho inestimável, que o torna cético, porém, quanto ao futuro da região: “Problema maior é a degradação humana... Se nada for feito, não dura mais 20 anos”, alerta o fotógrafo de projeção internacional.
Edição de fevereiro de 2010
NEOMONDO
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UM OLHAR CONSCIENTE
Ano 4 - Nº 38 - Dezembro 2010 - Distribuição Gratuita
Surge uma
NOVA TV Aziz Ab’Sáber
NEO MONDO TV
Polêmico
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Código Florestal
Sensacional
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Problema Crônico
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Edição de dezembro de 2010
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Neo Mondo - Junho 2011
Ano 3 Fevereiro de 2010 - Comportamento: Carlos Nobre, pesquisador titular do Inpe, defende reviravolta nos valores culturais e de consumo, para “desaquecer” o planeta. O pano de fundo foi a tragédia que se abateu sobre São Luiz do Paraitinga, cidade conhecida pelo seu expressivo patrimônio cultural; Social: Fórum Mundial, em sua 10a. edição, em Porto Alegre (RS), defende que um outro mundo é possível, se respeitada a diversidade; Multimídia: Audiodescrição dá oportunidade a deficientes visuais de usufruir melhor filmes, peças de teatro e programas de TV, além de eventos como desfiles de moda; Cinema: filmografia com ênfase na temática socioambiental ganha nova força com Avatar. Há pelo menos outros 6 títulos que permitem concluir que se pode ser eco sem ser chato. Setembro de 2010 - Comportamento: doutor em Filosofia Política, da qual é professor titular na Unicamp, Roberto Romano defende uma luta sem tréguas para mudar “posturas éticas negativas”. Na visão do pensador, “o mundo caminha para o fascismo”. Dezembro de 2010 - Multimídia: O Instituto Neo Mondo anuncia arrojado projeto, a Neo Mondo TV via web, que pretende ser um marco na TV mundial. Seu carro-chefe, o jornalismo Neo Mondo apresentado pelo experiente jornalista e apresentador de tv e rádio Humberto Mesquita. O presidente do Instituto, Oscar Lopes Luiz, avalia que se trata de tomar atitude, acima de tudo, que contribua para uma reviravolta cultural nesse meio; Meio ambiente: TEDxAmazônia reúne mais de 400 pessoas no coração da floresta. Elas debateram com especialistas de várias áreas, vindos do Brasil e do exterior, a melhor maneira de se alcançar a “Qualidade de vida para todas as espécies”. A exemplo de TEDx realizados anualmente pelo mundo, o amazônico - qual ‘campo de concentração´ na maior seca que a região já enfrentou - tornou-se um insight de ideias. Entre elas, a de que “não se pode dissociar a cultura da natureza”; Literatura: Fábrica de Brinquedos, lançamento da Editora Ática na Bienal do Livro, é mais uma criação do parceiro de NEO MONDO, Ricardo Girotto. Instrumento
NEOMONDO
www.neomondo.org.br
UM OLHAR CONSCIENTE
Ano 4 - Nº 37 - Setembro 2010 - Distribuição Gratuita
AMAZÔNIA
A última fronteira Roberto Romano 06
Império disfarçado
Cidade de Santo André 12
Na contramão
Usina de Belo Monte 34
Árdua empreitada
Edição de setembro de 2010
importante no aprendizado, o livro traz, além das instruções para fabricar 12 brinquedos consistentes, inspirados em datas comemorativas, curiosidades e informações sobre essas datas e personagens que compõem a rica cultura brasileira. Girotto resume: “... a ideia é aguçar a criatividade”. Iniciativas próprias Dignas de nota são também as iniciativas do Instituto Neo Mondo (cujo carrochefe é a revista), entre elas o Programa de Educação Socioambiental “Somos Amigos da Terra” e o Seminário “Gestão estratégica empresarial com responsabilidade social e ambiental”. Dois marcos do nosso empenho em incentivar no País a cultura do desenvolvimento socioambiental e sustentável, a começar de uma ponta do tecido social - a infância - até chegar à ponta da cadeia produtiva, que envolve a população economicamente ativa. Festa Literária Importante ressaltar que NEO MONDO é parceira, ao participar e divulgar em suas páginas, da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que desde a sua origem reúne nomes expressivos da literatura nacional e internacional. A 8a. edição da Flip, em agosto de 2010, com 147 autores, 21 deles convidados do exterior, foi considerada por estrelas internacionais como o melhor festival de literatura de suas vidas.
Nelson Toledo
Flip 2010: tenda dos autores foi palco de discussões emocionantes e acaloradas
Cameron se transformou na estrela maior do Fórum, ao lado de expressões do mundo político (Al Gore) e ambiental (Jean-Michel Cousteau), entre outros. Para um evento histórico, uma cobertura também histórica.
Arquivo Pessoal
Ferreira Gullar resumiu bem o espírito da coisa: “Arte existe porque vida só não basta”. Cerca de 20 mil entusiastas visitantes parecem ter concordado com o poeta brasileiro, a exemplo dos 40 jovens de Paraty, integrantes do projeto multicultural FlipZona.
A edição de NEO MONDO circulou com páginas em português e inglês. A novidade, de trazer parte do seu conteúdo bilíngue, chegou para ficar. A cobertura do Fórum, em 2011, seguiu na mesma linha, privilegiando a participação dos empresários, ressaltada até por um dos palestrantes ilustres, Bill Clinton. A revista, em suas edições virtual e impressa, atinge um público heterogêneo e qualificado, privilegiando os meios acadêmico-científicos, pelo que representam no aprimoramento da cultura brasileira, inserta no contexto de um mundo globalizado. Nossas edições chegam a universidades do País e do exterior, entre elas a USP, em São Paulo, Brasil; Harvard (EUA) e Humboldt (Alemanha), bem como circulam em estabelecimentos de ensino médio e fundamental. Agora, com a chancela da Lei Rouanet o Instituto Neo Mondo terá o alcance de suas realizações multiplicado de forma expressiva. O que nos permitirá contribuir na efetivação da grandiosa missão (preconizada por uma de nossas qualificadas fontes) de formar um País multirracial com respeito à diversidade, justiça social e desenvolvimento sustentável.
Fórum Internacional de Sustentabilidade NEO MONDO foi o único veículo da mídia especializada convidado para o histórico evento inaugural. De 26 a 27 de março de 2010, o caldo cultural, servido em Manaus, foi incrementado pela presença do cineasta James Cameron, diretor de Avatar (marco na história do cinema mundial).
Edição de Abril de 2010
James “Kapremp-Ti” Cameron aprecia a edição especial de NEO MONDO sobre o Fórum de 2010, recebida de nosso publisher, Oscar: papel da Imprensa reconhecido
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Cumplicidade em tempos de sustentabilidade
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Ismael Rocha
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palavra cumplicidade tem, no universo coletivo, um caráter negativo. Se alguém é dito cúmplice de outro, de imediato vem à tona a imagem de que algo de errado foi feito com a conivência, a participação, ativa ou passiva, de outra pessoa. Mas em tempos de sustentabilidade é possível verificar que nem sempre é assim. E mais, no universo da comunicação publicitária estamos presenciando um fenômeno crescente de uma cumplicidade positiva entre três atores principais: anunciante, agência e consumidor. Philip Kotler, o papa do marketing contemporâneo, define como Marketing Social todas as atividades que promovem mudança voluntária de comportamento em uma população ou parte dela. Destaca que campanhas como “se beber não dirija”, “use camisinha” ou “declare guerra à pedofilia” são exemplos vivos de Marketing Social, pois incentivam a mudança de atitude voluntária ao promover o bem-estar de uma comunidade ou sociedade. Temos presenciado o esforço que ONGs, governos e outras instituições têm empreendido para que tenhamos uma cidade mais limpa, crianças sentadas em cadeirinhas no banco traseiro dos veículos e pessoas menos preconceituosas. Esse tipo de esforço promocional é necessário, pois a mudança de comportamento voluntária de uma população exige investimentos em diferentes direções. Porém não é deste fenômeno que estamos tratando neste artigo, mas de outro, que surge sorrateiramente no meio publicitário, envolvendo os três atores. É mágico observar que empresas e agências estão investindo sua criativi-
dade para elaborar campanhas que partilham o tempo e o espaço de veiculação entre vender produto e promover o bemestar da sociedade. É mágico constatar que essa estratégia tem trazido ganhos para as empresas, pois constrói cumplicidade com o consumidor. Neste caso, perder é ganhar, como acontece na dinâmica da responsabilidade social e da sustentabilidade. Ou ganhar é ganhar, pois todos saem vitoriosos. Para premiar esses esforços criativos, a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), através da ESPM Social, realiza há seis anos o Prêmio Renato Castelo Branco de Responsabilidade Social na Propaganda. Um prêmio com características distintas e inéditas, pois empresas e agencias não inscrevem suas campanhas, elas são rastreadas entre todas as veiculações realizadas no período de um ano. Esse radar é pilotado pelos alunos que fazem parte da ESPM Social. Cuidadosamente observam quais as campanhas publicitárias optam por vender produtos ou marcas associadas a uma mensagem ou orientação voltada à construção de um mundo melhor. Projeto inédito entre as premiações da área, o Prêmio Renato Castelo Branco destaca as agências que, cúmplices das empresas, elaboram campanhas a cada ano mais criativas, inteligentes e de alta qualidade, valorizando o espaço de veiculação, dividindo centímetros ou segundos para aliar apelos distintos, de maneira única, complementar. É uma tarefa fácil para os criativos? Certamente não. O desafio de elaborar algo novo na indústria da propaganda tem mobilizado um número cada vez maior de agências e empresas. Na sexta
edição do Prêmio o número de campanhas selecionadas foi recorde, uma conotação de um movimento em direção da responsabilidade social na propaganda. E mais, pequenas e médias empresas cúmplices de pequenas e médias agências. Se há um componente de “educar” em todo e qualquer processo de “comunicar”, o que estamos presenciando no início deste século é a criatividade tomar o lugar de apelos únicos e alicerçados em variáveis funcionais de produtos e serviços. É a criatividade da publicidade brasileira promovendo educação e mudança de comportamento em 30 segundos ou uma página de revista, sem deixar de lado os diferenciais de produtos ou serviços. Neste ano, o Prêmio, que imortaliza Renato Castelo Branco, um dos maiores publicitários que o Brasil já teve, e um ícone da ética e responsabilidade social na profissão, inova com a categoria Voto Popular. Através do endereço http://premiorenatocastelobranco.espm. br <http://premiorenatocastelobranco. espm.br/> todos poderão escolher qual campanha atende melhor ao requisito do Prêmio: vender produtos ou serviços e promover melhoria na qualidade de vida das pessoas. Empresas ousam e inovam, agências de propaganda usam sua criatividade, o consumidor decodifica o movimento e aprova. Todos cúmplices. O Planeta agradece.
Ismael Rocha Diretor de extensão e operação da ESPM e diretor da ESPM Social.
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Marcio Thamos
Mitologia clássica:
Júpiter decide exterminar a
raça humana
O
bservava Júpiter, desgostoso, do alto do céu, a degradação dos séculos e a corrupção infame a que chegara o gênero humano. Quando, porém, lhe subiram espantosas notícias que atestavam ter penetrado no coração dos homens a mais cruel e desmedida impiedade, não quis o divino rei acreditar. Contava-se que vítimas humanas eram sacrificadas puramente por maldade, e sua carne servida em funestos banquetes para o regalo bestial dos convivas. Do Olimpo descendo, percorre as terras em forma humana o grande monarca, como se fora um simples camponês. Chegando à Arcádia quando Vésper, a estrela da tarde, já começava a destacar-se no manto escuro do céu, dirige-se ao palácio de Licáon e, dando a todos mostras de que era um deus, pede ali pousada por uma noite. Rindo-se, o soberbo senhor lhe diz: — Saberei, sem dúvida, se és um deus ou ordinário mortal! – já planejando secretamente assassinar o viandante tão logo o sono lhe cerrasse os olhos. Júpiter de imediato pressentiu tais intenções, mas conteve a ira a fim de averiguar até que ponto a infame atrocidade era capaz de persistir. E assim, antes de receber o justo castigo, teve ainda Licáon a ímpia veleidade e audácia de servir à mesa de seu hóspede, em nacos miserandos, um refém estrangeiro que ele mesmo, com a espada feroz, sem receio degolara, orde-
nando em seguida que fossem os membros assados em parte e em parte cozidos. Diante de tamanha monstruosidade, Júpiter com seus raios fulminantes, sem nem pestanejar, num átimo põe abaixo o desprezível lar daquele tirano. Apavorado, foge o perverso vilão e corre esbaforido pelos prados, mas, querendo falar, voz humana já não tem: raivosamente ele uiva à luz da lua. Sanguinários dentes na boca sequiosa se lhe apontam, pelagem longa e cerrada lhe recobre todo o corpo. O que eram mãos, firmando-se no chão, são patas de sanhudas garras. E assim mudado em lobo, divino castigo que lhe põe à mostra a índole ferina, conserva ainda nos olhos o mesmo brilho selvagem que sempre tivera. Convencido da criminosa disposição que sem limites se cultivava no ânimo das humanas criaturas, Júpiter retorna ao Olimpo. E então, indignado, ímpetos cogitando, convoca os grandes deuses para um grave consílio. Sem demora acorrem todos, percorrendo a luminosa, cândida via – láctea chamada – que leva ao palácio dos céus, ao longo da qual têm os imortais moradas reluzentes de altas portas. Reúnem-se os supremos em marmóreo salão para ouvir horrorizados o relato da barbárie que se espalhava pela Terra. Ao saber de recente atentado contra o próprio monarca celestial, abalam-se os divinos e, soltando profundos gemidos de indignação, desejam conhecer qual a pena do ousado
delinquente e clamam por justa vingança e querem que seja tremendo o desagravo. Acalmando com um gesto de mão a ruidosa assembleia dos imortais, Júpiter, depois que o silêncio se fez, retoma a palavra para esclarecer o sinistro caso de Licáon. Terminando enfim a detestável narrativa, ele conclui: — Os vergonhosos tetos do malvado desabaram, mas não só esses devem cair. Aos homens não parece haver melhor ocupação do que a prática nefanda de crimes hediondos. Que atinja a todos a pena merecida! E já ia manejando a fulgurante arma a fim de desferir mil raios sobre a Terra, quando se lembra de ter lido nos Fados que o mundo inteiro haveria de se arruinar em altas chamas. Receoso de que as ávidas labaredas pudessem alcançar o próprio céu, decide o poderoso vingador mudar a forma de cumprir sua sentença: inundação jamais vista arrasará com a raça perniciosa dos mortais...
Doutor em Estudos Literários. Professor de Língua e Literatura Latinas junto ao Departamento de Linguística da UNESP-FCL/CAr, credenciado no Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da mesma instituição. Coordenador do Grupo de Pesquisa LINCEU – Visões da Antiguidade Clássica. E-mail: marciothamos@uol.com.br Neo Mondo - Abril 2011
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Floresta fantasma, instalação de Ângela Palmer em Oxford, Inglaterra
Dilma de Melo Silva
Correspondente especial de Bedford – Inglaterra
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assados 39 anos da criação do Dia Mundial do Meio Ambiente, em 5 de junho de 1972, durante a primeira conferência mundial sobre o assunto, realizada em Estocolmo, Suécia, como estamos? O quanto avançou essa discussão? Neste ano, a comemoração será na Índia (nas cidades de Monbai e Nova Deli), o tema deverá abordar a questão das florestas, aprofundando a relação básica existente entre qualidade de vida e a saúde dos ecossistemas florestais. Em nosso país continua o debate sobre o Código Florestal, surgido em 1934 e criado pela Lei 4.771 de 15 de setembro de 1965. Para vários analistas a nova proposta legitima ilegalidades e abre espaço para mais desmatamentos. A polêmica continua assim como as críticas que apontam para o desconhecimento da legislação ambiental; o currículo escolar do país ainda não a incorporou em seus conteúdos e nossos (as) estudantes a ignoram. Na Europa, em especial na Inglaterra, o assunto é tratado com muita seriedade uma vez que já não existem florestas. A questão ambiental teve que se traduzir em políticas públicas efetivas: coleta seletiva de lixo, reciclagem, multas para infratores, responsabilidade social das empresas, educação ambiental nas escolas e na mídia. Uma artista inglesa, Ângela Palmer, concebeu uma instalação monumental,
que está exposta em Oxford, Inglaterra, ficando até julho de 2011: Ghost Forrest é o título, e mostra raízes de árvores enormes trazidas da floresta de Suhuma, Gana, e, colocadas em bases de cimento, como se fossem fantasmas em meio à cidade. A primeira exibição foi em 2009, no Trafalgar Square, em Londres, causando grande impacto junto ao público. Uma das legendas da instalação traz a concepção da artista: eles pegaram todas as árvores e as colocaram em Museus de Árvores. Eles cobravam um dólar e meio do povo só para vê-las. Não deve ser sempre assim. Você não sabe o que tem até perder o que se foi. Eles pavimentaram o paraíso para construir um estacionamento (texto de John Mitchell in Big Yellow táxi, 1970). A artista tem provocado reações por todo o lado e teve boa cobertura de imprensa; existe um site com a descrição de seu projeto artístico, que denuncia a destruição das florestas em nosso planeta. Estamos em 2011 e a consciência ambiental avançou, junto aos nossos representantes e também na sociedade civil; lutamos agora pela defesa do que nos resta de florestas, água potável, recursos naturais. A palavra de ordem hoje é: desenvolvimento sustentável (conceito defendido em 1987 pelo Relatório Brundtland - a primeira-ministra da Noruega Gro Harlem Brundtland chefiou a Comissão que discutiu o assunto), modelo capaz de suprir as necessidades
da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações uma vez que não esgota os recursos para o futuro. Aos avanços tecnológicos deve corresponder aumento da conscientização das populações sobre os mesmos. Assim, esperamos que o encontro na Índia traga dias mais promissores para nosso planeta tão degradado que necessita do esforço contínuo de todos(as) nós para sobreviver às ações destrutivas em nome do consumo e do progresso econômico sem limites.
Referência: www.angelapalmer.com www.ghostforrest.org
Professora doutora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, socióloga pela FFLCH\USP, mestre pela Universidade de Uppsala, Suécia, e Professora convidada para ministrar aulas sobre Cultura Brasileira na Universidade de Estudos Estrangeiros, no Japão, em Kyoto. E-mail: disil@usp.br
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Ghost Forest
Installation by Angela Palmer in Oxford, England
Dilma de Melo Silva
Special correspondent from Bedford – UK
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fter 39 years of the creation of the World Environment Day, June 5th of 1972, during the first world conference on the subject in Stockholm, Sweden. How are we? How much did this discussion advance? This year, the commemoration will take place in India (in the cities of Mumbai and New Delhi), the program should broach the question of the woodlands and forests, looking deeper at the basic relationship between quality of life and the wellbeing of the forests´ ecosystems. In our country the debate on the Woodland Code, which arouse in 1934 and was created by Law 4.771 of September 15, 1995. In the opinion of several analysts, the new proposal legitimizes illegal practices and opens the way for further deforestation. The controversy continues, as well as the criticism that points to the widespread ignorance of the nation´s environmental legislation: the country´s schools´ curricula have yet to incorporate a dissemination strategy, and our students ignore have no knowledge of its content. In Europe, especially in England, the subject is regarded with great seriousness, now that there are no forests left. The environmental question must translate into effective public policy: selective collection of wastes, recycling, fines for transgressors, corporate social responsibility, and environmental education in schools and the media.
An English artist, Angela Palmer conceived a monumental installation, on display in Oxford, England and available for viewing until July 2011: Ghost Forest is the title of the work. It displays enormous tree roots brought from the forests of Suhuma, Ghana – placed on concrete bases, as if they were ghosts in the midst of a city. The first exhibition came to be in 2009 at Trafalgar Square in London, causing great impact with the public. One of the exhibit´s inscriptions speaks of the artist`s conception: they took all the trees and put them in Tree Museums. They charged a dollar and a half to the people, just to see them. It doesn`t always have to be this way. You don`t know what you have until it`s gone. They paved paradise to build a parking lot (From Joni Mitchell´s lyrics in Big Yellow Taxi, 1970). The artist´s work has generated reactions from all quarters, and has enjoyed excellent press coverage; there is a site that describes her artistic project, which denounces the destruction of the forests in our planet. We are now in 2011 and environmental awareness has come a long way, in our society as well as with our political representatives. We are now fighting for the protection of what is left of our natural forests, potable water, and natural resources. The word of the day today is: sustainable development (a concept defended in 1987 by the Brundtland Report Norway´s Prime Minister, Gro Harlem Brundtland headed
the commission that dealt with the issue), a model that calls for providing for the needs of the present-day generation, without compromising the capacity of attending the needs of future generations. Technological advances must go hand in hand with an increase in environmental awareness. In this way, we hope that the encounter in India brings more promising days for our planet, so degraded that it requires everyone´s continual effort, in order to survive the destructive actions in the name of consumerism and unbounded economic progress. Reference: www.angelapalmer.com www.ghostforrest.org
Professor, PhD of the Arts and Communication School of the University of São Paulo, sociologist from FFLCH\USP, Magister from the University of Uppsala, Sweden, and Professor invited to lead classes on Brazilian Culture at the University of Foreign Studies in Kyoto, Japan. E-mail: disil@usp.br
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Pela fraternidade e paz no futebol I
ndicado a compor um grupo de trabalho criado pelo Ministério Público para combater no Estado de São Paulo a violência no futebol, tivemos a oportunidade de prestar nossa colaboração nesse sentido. Cientes de que era chegada a hora de se pensar em algo novo e que pudesse contribuir significativamente na melhoria do quadro de selvageria e beligerância que permeia o “convívio” entre dezenas ou centenas das chamadas torcidas organizadas, pensamos numa iniciativa inusitada e impactante, a trazer maior reflexão àqueles que gravitam em torno do esporte mais popular deste país. Assim, surgiu a ideia de lançarmos uma campanha contra a violência no futebol, fazendo com que os 22 jogadores da
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partida, mais o árbitro e seus auxiliares, ficassem intercalados, naquele momento em que as equipes se posicionam perfiladas para a execução do hino nacional, ao mesmo tempo em que todos se abraçassem, segurando, ainda, uma grande faixa com os dizeres “PELA FRATERNIDADE E PAZ NO FUTEBOL”. Entendendo tratar-se de iniciativa inovadora, até onde sabemos sem precedentes nos mais de 150 anos de história do futebol, imaginávamos que, pelo ineditismo da ideia e com o apoio dos principais atores desse espetáculo, conseguiríamos provocar o impacto necessário a uma maior reflexão e conscientização dos torcedores, fazendo-os compreender que, a despeito da rivalidade e espírito de disputa que envolvem esse esporte e a ele são inerentes,
o futebol pode ser exercitado de maneira civilizada, respeitosa e pacífica. Assim, juntamente com os demais membros do Plano de Ação Integrada (PAI) do Futebol, criado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, nos reunimos no dia 25.04.2011 com os presidentes e representantes das cinco principais equipes do nosso estado (São Paulo, Corinthians, Palmeiras, Santos e Portuguesa), além da Federação Paulista de Futebol e da Polícia Militar. Após a exposição dessa nossa ideia e de uma outra, de autoria do Promotor de Justiça Thales Cezar de Oliveira, no sentido de alertarmos os jogadores da necessidade de terem uma atitude mais responsável em campo, evitando gestos, comemorações ou declarações
Dr. Dr. Marcos Marcos Lúcio Lúcio Barreto
Jogo Palmeiras x Corinthians na semifinal do Campeonato Paulista
provocativas, que pudessem desencadear reações negativas e violentes dos torcedores, obtivemos o apoio de todos os presentes à reunião, pogências, sob pena decondicionado, benefícios fiscais rém, a um etrabalho de convencimento suspensos multas altíssimas, que poadem respeito deveríamos chegarque a quase R$ 50 desenvolver milhões, fidiretamente junto a todos os jogadores xadas pela lei estadual nº 13.577/2009. das Esse quatro equipes então recente diploma legal, envolvidas a propósito, nas semifinais do Campeonato após iniciativa da CETESB, tornou Paulisobrigata de oFutebol tório registro (Corinthians, em cartório, naPalmeiras, matrícula Santos e São do imóvel, da Paulo). existência de contaminação, Quase imediatamente após, que inimesmo na que hipótese de recuperação, ciamos nosso ciclo de palestras, realizadas também pode ser registrada, servindo como nos dias 27 28 (Santos) e 29 um alerta ao(Corinthians), futuro comprador. Acrescentade abril (São Paulo e Palmeiras), recebendo mos, inclusive, que, ainda que o titular da de os jogadores comissões técniáreatodos se omita no registroe da contaminação, cas envolvidas apoio à de iniciativa. a CETESB se encarrega fazer a respectiva Assim, nos 30.04 e 01.05, respeccomunicação ao dias cartório. tivamente, nos jogos São Paulo Santos e Vale lembrar, também, por xoportuno,
Palmeiras x Corinthians, tivemos, pela primeira vez na história do futebol profissional, 22 jogadores, mais os 5 integrantes do grupo de arbitragem, galmente responsávelabraçados solidário, no civilcampo e adda partida, ostentando, ainda, uma faixa ministrativo, pela descontaminação. de apoio à pazlado, no futebol, Por outro o que sedemonstrando, verifica é que, assim, de uma forma reconhecidamente cada vez mais, antigas áreas industriais estão marcante, o comprometimento de todos sendo reaproveitadas para uso residencial. eles Regiões com essaque causaregistram tão nobre.passado inEsse na gesto inédito se repetir nosa dustrial cidade de veio São aPaulo, como dois jogos da final entree Mooca, Barra Fundadoe campeonato, Vila Leopoldina, Santos e Corinthians, realizados nos dias que agora despertam grande interesse do 8mercado e 15 de maio. imobiliário, por possuírem estaa crença de que,terrenos com a imporçõesTemos de metrô e imensos livres tância desse esporte na cultura brasileiao longo da orla ferroviária, estão sendo ra e com a representatividade nosso especialmente monitoradas pelado CETESB, futebol no da cenário mundial, esse abraço que cobra Prefeitura e das empresas pela paz será um reproduzido em muitos luresponsáveis plano de despoluição. gares que, assim como aqui São PauO custo do trabalho de em descontami-
que o adquirente do imóvel passa a ser le-
nação do solo varia de R$ 300 a mais de
R$ 5 mil por tonelada de resíduo, dependendo do tipo de material contaminante e lo no Brasil, convivem com a violênda ou tecnologia a ser empregada. cia futebolística. A técnica mais utilizada é a dessorção Ressaltamos a todos os jogadores térmica, que implica na incineração do nas realizadas que talvez quannunsolo palestras contaminado, principalmente ca gesto simples e singelo (um do um se trata detão material de elevada toxidaabraço de poucos segundos) tenha reprede, sendo que os equipamentos utilizados sentado tanto. devem ser homologados pela CETESB. Lembramos, também, eles mesEmpresas de grande porte que normalmente mos se beneficiariam com os almejados possuem recursos suficientes para arcar resultados dessa iniciativa, de na uma medida com os custos da recuperação área em que, imperando-se umsurge maiorquando clima contaminada. O problema de paz e tranquilidade, próprio desemempresas de pequeno eomédio porte não penho dos atletas tenderia a ser melhor; possuem esses recursos, transferindo à se é assimum emperigoso qualquerpassivo ramo de atividasociedade ambiental. de, haveria ser questão, assim igualmente no Atento adeessa a lei estadual exercício do futebol... Sem falarpassou que es-a 13.577/2009, aqui já referida, tariam próprio bemprever zelando que os ainda novos pelo empreendimentos estar de seus familiares, frequentadores com potencial de gerar contaminação, também dos camposdevem futebolísticos. como contrapartida, reservar uma Resumindo, tratar-se-ia mediparte do investimento paradeo uma Fundo Esda em que sairiameganhando. tadual paratodos Prevenção Remediação de Não Contaminadas, deixamos de reconhecer, ao mesÁreas cuja destinação mo tempo, que não tínhamos a ilusão de é a recuperação de espaços poluídos. que o problema da violência no futebol Outra preocupação que existe é a captação fosse se resolver com essa iniciativa;pelos mas de águas subterrâneas contaminadas registramos que se, com esse simbólico novos empreendimentos imobiliários. e marcante dos de jogadores, nósorganoconseO usoabraço contínuo água com guíssemos evitar um único espancamento clorados para banho, por exemplo, pode ou umacâncer única emorte, já teria compensado causar doenças neurológicas. muito esse “esforço”. A descontaminação do lençol freático Esperamos, assim, quedeessa mensatambém é possível, apesar se tratar de gem de paz, de alguma maneira, ecoe um processo longo. na consciência das pessoas que acomDiante do quadro apresentado, entenpanham o futebol, ao mesmo tempo em demos que houve um significativo avanço que sirva de exemplo para outras praças dos mecanismos de controle da questão desportivas ou não, e, numa espécie de aqui tratada, que, no entanto, em função expansão virtuosa, consigamos alcançar da sua relevância, exigirá sempre renovaum mundo melhor... das e lapidares providências, além de um acompanhamento particularmente atento. Esse, seguramente, é um assunto do qual não podemos nos descuidar... Dr. Marcos Lúcio Barreto Promotor deBarreto Justiça Dr. Marcos Lúcio do Meio Ambiente de São Paulo Promotor de Justiça E-mail: marcoslb@mp.sp.gov.br do Meio Ambiente de São Paulo
E-mail: marcoslb@mp.sp.gov.br Neo Mondo - Junho 2011 Neo Mondo - Março 2011
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Especial - Dia Mundial do Meio Ambiente
O MUNDO ARDE “Aquecimento global é real e está acelerando”, diz especialista; queimadas ferem de morte o pulmão do planeta e atingem outras áreas brasileiras Gabriel Arcanjo Nogueira
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eza a lenda que se o mundo já acabou submerso em água, nos tempos da arca de Noé, o próximo fim dos tempos seria causado pelo fogo. Lenda, crença ou destino (?!), o certo é que há sinais preocupantes, um deles o fato de o pulmão do planeta, como é conhecida a floresta amazônica, estar ferido de morte. Neste caso, onde há muita fumaça, há muito, muito fogo. Para piorar, queimadas irresponsáveis, criminosas ou desnecessárias não ocorrem apenas na região amazônica. O antropólogo Emilio Moran, de notória especialização em Ecologia Humana, foi enfático em palestra no 1º Seminário de Sociologia da Saúde e Ecologia Humana na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). No evento realizado em Florianópolis (SC), no ano passado, o professor da Universidade de Indiana (EUA) disse com todas as letras: “O aquecimento global é real e está acelerando”... “O mesmo pode acontecer com
outros ecossistemas, inclusive com a Amazônia. Se o desmatamento continuar e se somar às mudanças do clima, poderíamos chegar a um momento, que não está distante, em que a floresta não se recuperará nas áreas da periferia da bacia, onde hoje falamos do Arco de Desmatamento. Depois desse ponto, mesmo se ampliarmos as áreas de preservação, a floresta teria dificuldades de se regenerar, voltando uma vegetação de cerrado ou savana - com base nas pesquisas do Cptec e de pesquisadores brasileiros, como Carlos Nobre, do Cptec e do Inpe. A impressão que fica é que estamos num imenso caldeirão ou numa descomunal fornalha que foge ao controle, mesmo porque seria como um círculo vicioso em que não se sabe por onde começar. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), temperaturas elevadas podem agravar os desastres tanto quanto provocar a interrupção da produção de alimentos. E o aquecimento global causará mais secas, incêndios flores-
* Com informações dos jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e pesquisas na internet
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tais, ondas de calor, inundações, deslizamentos de terra e aumento do nível do mar -- um conjunto de ocorrências que ameaça uma população que deve sair dos 6,8 bilhões para 9 bilhões de pessoas até 2050. Entre os sinais de alerta, em 2010, estão as mais de 1,7 mil pessoas mortas nas inundações do Paquistão, além de milhares sob risco de morte devido a doenças; e outras 54 que morreram nos incêndios na Rússia, em julho e agosto. Se não bastasse a perda de vidas humanas, com o decorrente aumento do preço de grãos, a má nutrição ameaça as populações mais pobres (ver Boxe “O que diz a OMS” ). Maior emissor de CO2 Esse círculo vicioso, a exemplo de um furacão, sopra com força na Amazônia e em outras regiões do Brasil. O Instituto de Pesquisas da Amazônia (Ipam) garante que a queimada na região é a maior fonte de emissão de CO2 do país, contribuindo
“
Poderíamos chegar a um momento, não distante, em que a floresta não se recuperará, voltando uma vegetação de cerrado ou savana
para o efeito estufa e, consequentemente, para o desequilíbrio do clima da Terra. Por outro lado, as mudanças climáticas, em épocas de estiagem na Amazônia, propiciam condições ambientais ainda mais favoráveis à ação do fogo, pois aceleram a conversão da floresta tropical em um ecossistema mais pobre e seco, resultando em enormes emissões de dióxido de carbono ao longo do processo. Roosevelt S. Fernandes, mestre em Ciências em Engenharia de Produção, com especialização em Engenharia Industrial nos Estados Unidos, e engenheiro ambiental pela Nippon Steel, no Japão, tem forte atuação no Espírito Santo, Sudeste do Brasil, onde é presidente do Conselho de Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Estado (Findes), e também é membro titular do Conselho de Meio Ambiente da Confederação Nacional das Indústrias (Coema CNI), entre outras instituições preocupadas com o desenvolvimento sustentável.
Criador e coordenador do Núcleo de Estudos em Percepção Ambiental (Nepa), organização voltada há seis anos ao estudo da percepção ambiental - e social - em segmentos formadores de opinião, com pesquisas realizadas no País e no exterior (para acessálas, www.pluridoc.com/pesquisar roosevelt s. fernandes), Roosevelt conversou com NEO MONDO sobre aspectos importantes do que se discute nesta edição da revista. Ele lembra que os chamados eventos extremos - “aqueles que fogem às médias históricas, seguindo um perfil de ocorrência bem diferenciado” - até podem ser evitados, desde que se comece “pelo imprescindível estudo que permita sustentar as conclusões em premissas científicas que possam ser devidamente auditadas”. O Nepa, por exemplo, tem nas parcerias a sua mola-mestra, em trabalhos realizados com instituições privadas e públicas, de modo a dar maior consistência a suas pesquisas. A mais recente delas com a Fe-
”
deração da Agricultura do Estado do Espírito Santo (Faes), que permitirá chegar a “um diagnóstico adicional e quantitativo para reestruturar suas ações de conscientização de seus filiados”, ressalva Roosevelt, no que diz respeito a cuidados com o meio ambiente. Em relação ao Brasil, e em especial à Amazônia, o Nepa acredita que não se deva concentrar nos efeitos, mas trabalhar nas causas, para minimizar efeitos de ações predatórias, como as queimadas. Para o coordenador do Núcleo, seria “muito cômodo fazer a apologia do ‘fim do mundo’, o que, em muitos casos, acaba levando à polarização da discussão em uma minoria que mantém o debate (necessário), afastando (com consequências previsíveis e imprevisíveis) a maioria da sociedade”. Essa visão do todo faz com que as pesquisas do Nepa não se restrinjam ao seu estado de origem, mas cheguem a outras unidades da Federação e até mesmo ao exterior. Sempre com foco na percepção ambiental.
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Fotos das queimadas: ABr
Divulgação
Moran: fogo adentra pela floresta, cada vez mais seca, e foge do controle com facilidade
Problemática sem solucionática Para Roosevelt, preocupa o fato de problemas seriíssimos, a exemplo das queimadas, ser visto pela sociedade na região da Grande Vitória (ES) como algo que se limita ao conhecimento de termos como efeito estufa, biodiversidade, aquecimento global. Mas ninguém sabe dizer o que eles representam. As pessoas, ouvidas em pesquisa, “são favoráveis à preocupação com a problemática ambiental, porém se consideram excluídas da discussão. Ou seja, uma sociedade que está literalmente excluída das discussões, em que apenas alguns poucos estão nelas envolvidos”. Para usar expressões de folclórico jogador de futebol, a problemática, vista assim, estaria mais longe da solucionática. Por isso Roosevelt sai na defesa do que considera urgente-urgentíssimo, quando indagado sobre que papel cabe a cada segmento fazer: governos, nas várias esferas, comunidade científico-acadêmica, ONGs, população, escolas, para evitar o pior: “Um ponto que nos parece a base para todos os demais é Educação Ambiental. No século 20, vivemos uma etapa de ‘quanto mais EA, melhor’ . Não se pode mais seguir essa premissa sem que se agregue outra assertiva: ‘todo programa de EA deve ter uma forma de avaliação de sua eficácia’. Se não medirmos os resultados, não há como assegurar que estamos evoluindo”. O pesquisador não é de todo pessimista, ao reconhecer: “Certamente estamos evoluindo, mas há que se ter (ou pelo menos tentar) certeza de que volumosos recursos alocados pelo Poder Público e por empresas privadas (em condicionantes de licenças ambientais) à área de EA estão induzindo – efetivamente a reais mudanças de percepção ambiental da sociedade envolvida em tais programas”. Com base em pesquisas do Nepa, Roosevelt sugere que os resultados da EA devem ser bem avaliados (com definição de novas diretrizes) em relação à EA que precisamos para o século 21. Ele lamenta que “educadores ambientais e gestores públicos das áreas ambiental e educacional não aceitam essas observações com muita facilidade”. Mas, reconhece, “não há como comparar ‘experiências pessoais’ com ‘resultados de pesquisas realizadas’. Basta abandonar a posição reativa/defensiva e adotar uma posição pró-ativa/ participativa; certamente todos ganham e, em muito, a sociedade do século 21”. Perguntas sem resposta Moran, por sua vez, acredita que a interdisciplinaridade será a melhor ferramenta para responder a todas as perguntas com relação às mudanças climáticas e sobre o futuro da humanidade. 32
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Sabrina Trindade Fernandes
Especial - Dia Mundial do Meio Ambiente
Roosevelt defende a Educação Ambiental pró-ativa e bem avaliada como o aspecto mais importante para se evitar o pior
Também será preciso, para ele, encontrar as perguntas que ainda não foram abordadas da forma ideal para que as pessoas possam adaptar-se às alterações no modo de vida que com certeza virão nas próximas décadas. Para o pesquisador, a busca das respostas é tão importante quanto as respostas em si. “É preciso antes de tudo saber que perguntas devem ser respondidas e então perceber qual a melhor maneira de tratar essas perguntas. Na maioria das vezes a resposta não está nessa ou naquela disciplina e sim no conjunto de conhecimentos de uma equipe de pesquisadores diversificada”, afirmou. Mudanças inegáveis Moran deixou claro em sua palestra, em Florianópolis (SC), que os efeitos das mudanças climáticas na biosfera vão bem além do clima e já podem ser presenciados no cotidiano. E citou como exemplo o que se passa no Brasil, apurado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe): “Os próprios modelos do Inpe preveem aquecimento na temperatura média no Brasil de 2ºC a 5ºC nos próximos 30 anos. Já vemos com mais frequência eventos extremos, como secas e tempestades, assim como já temos dados concretos e alarmantes sobre a concentração do dióxido de carbono, de acidez dos oceanos e de mudanças no ciclo do nitrogênio”. Os milhares de focos de queimadas que se veem seria, segundo Moran, um sinal de alterações no clima. Para o especialista, se é verdade que se avançou na qualidade do monitoramento das queimadas, o que justificaria a percepção de que seu número estaria aumentando, algumas mudanças, por sua vez, são inegáveis. “Quando estive pela primeira vez na Amazônia nos anos 1970, os agricultores queimavam suas terras e sabiam que o fogo não iria se espalhar muito porque a própria
mata úmida da floresta iria freá-lo. Hoje isso não é mais uma certeza: o fogo adentra pela floresta, que está cada vez mais seca pela mudança nos regimes de chuva, e foge do controle com muita facilidade”, explicou. Novas possibilidades O grupo de trabalho do antropólogo costuma seguir a regra de manter a mente aberta a novas possibilidades. “Eu costumo dizer para minha equipe: Quando você entrar por aquela porta para uma reunião, deixe suas ferramentas e armas, seus métodos e suas teorias lá fora. Depois que definirmos a pergunta científica, procuraremos a ferramenta mais adequada para respondê-la, sem nos preocupar com quem trouxe a ferramenta”, disse Moran. Além da interdisciplinaridade, o especialista alerta que faltam incentivos e recursos para que mais áreas do conhecimento venham a trabalhar com as mudanças climáticas, bem como - acredita - são escassos os meios que promovam o intercâmbio dessas informações. Em outra referência ao que é feito no Brasil, Moran é cauteloso: “Apesar de nos últimos anos o Inpe ter melhorado sua capacidade de monitoramento climático, ela ainda não é a ideal”. Além do que, observa: “Existem poucos fóruns regionais de discussões e ferramentas de apoio governamental para pesquisas”. “Tempo maluco” A expressão popular: “esse tempo maluco”, com suas variáveis, tem explicação científica. Moran, se por um lado
revela certa dose de otimismo - o antropólogo afirma que ainda temos algo como 50 anos para agir e assim reduzir os piores impactos das mudanças climáticas -, todavia alerta: as consequências das alterações no clima não são lineares, isto é, não vão piorando aos poucos e, sim, podem entrar em processos irreversíveis de uma hora para outra. O pesquisador usou o exemplo do Pacífico Norte, que em 1977 passou por uma grande transformação nos padrões da temperatura da superfície do mar, que se denominou Great Pacific Climate Shift. O que lá ocorreu não deixa dúvida: subitamente, águas mais quentes substituíram as águas mais frias que tinham predominado nas três décadas anteriores junto à costa oeste da América do Norte e ao leste do Pacífico Equatorial. O estrago para as espécies e para a pesca foi irreversível. Ferramentas de apoio Enquanto as discussões continuam no meio acadêmico-científico e os sinais de alerta vêm de todo canto do mundo, o Ipam procura ser mais prático, ao editar a Cartilha para Agricultura Familiar, disponível no site www.ipam.org.br, sobre Técnicas de Prevenção de Fogo Acidental: Método Bom Manejo de Fogo para Áreas de Agricultura Familiar . De acordo com o Ipam, essa ferramenta fez com que a aplicação correta de técnicas de controle de fogo pudesse reduzir as queimadas acidentais da região da Transamazônica e BR-163 em até 75%, conforme resultados de pesquisa realizada em 2000-2002.
PRojeto promissor *Nome: Reduzindo Emissões de Carbono Causadas por Fogo Florestal e Desmatamento na Amazônia Brasileira * Vigência: março de 2008 a março de 2011 *Viabilização: Financiado pela Embaixada Britânica e em parceria com a Fundação Viver Produzir e Preservar *Abrangência: 20,4 milhões de ha em 5 municípios na região de influência da Transamazônica * Alguns objetivos: reverter o atual quadro de desmatamento na região com incentivos à produção rural familiar; diagnóstico sobre a situação do desmatamento e risco de fogo nos 5 municípios; estudo sobre o potencial de os produtores familiares reduzirem as emissões de gases de efeito estufa via desmatamento nos próximos 10 anos e elaborarem uma proposta para a compensação dos esforços de redução do desmatamento em suas propriedades
*Primeiros resultados: elaborada proposta de REDD, já submetida ao Fundo Amazônia; estabelecida uma rede local para disseminação de informações e troca de experiência sobre o tema; elaboração de uma publicação para cada município sobre o seu perfil e sua potencialidade na redução do desmatamento e do fogo; apoio técnico à adoção de medidas para a redução do fogo e do desmatamento nos 5 municípios; por meio de um projeto de REDD, alcançar reduções significativas de emissões de CO2 via desmatamento e fogo; apoio técnico à adoção de um plano de monitoramento do desmatamento e controle/prevenção de fogo acidental; capacitação de equipe técnica em cada município para monitorar a dinâmica do desmatamento e áreas mais vulneráveis a queimadas
Fonte: Ipam Neo Mondo - Junho 2011
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Especial - Dia Mundial do Meio Ambiente
Se não dá para dispensar o fogo, tire proveito dele Um projeto modelar do Ipam, que existe desde 1999, é o da Inserção da Metodologia de Bom Manejo de Fogo em Áreas de Produção Familiar na Amazônia. Entre seus propósitos está o de disseminar essa metodologia com ênfase em regiões onde existam iniciativas promissoras de sistemas agroecológicos e áreas com alta incidência de queimadas acidentais provenientes do uso agrícola, possibilitando a implantação e manutenção de sistemas integrados mais diversificados e a melhoria dos recursos hídricos e da biodiversidade pelo uso controlado do fogo. O Ipam lembra que são mais de 600 mil famílias de produtores rurais na Amazônia, que utilizam fogo anualmente para fazer suas roças e limpar pastos. Se, para os produtores, há benefícios do fogo como uma ferramenta rápida e barata na limpeza dos terrenos, ajuda no controle de pragas e doenças, todavia o problema é que muitas vezes as queimadas escapam do controle e causam grandes incêndios. Números impressionam O fogo descontrolado na Amazônia, segundo o Ipam, é responsável pela metade da área queimada anualmente. Isso significa que, se num ano, cada uma das 600 mil famílias fizerem uma roça de 2 hectares, uma área de 1,2 milhão de hectares será queimada intencionalmente, e outra área do mesmo tamanho vai queimar por acidente. Ao realizar as queimadas em suas unidades produtivas, cada família tem uma receita diferente sobre o que fazer para queimar sem que a queimada escape de controle. Pesquisas realizadas pelo Ipam identificaram e testaram uma média de 18 técnicas que devem ser usadas pelos produtores para evitar, com eficiência, as queimadas acidentais. De acordo com diagnósticos realizados em mais de 20 comunidades da Amazônia, informa o Ipam, cada família usa uma média de 4 técnicas para controlar as queimadas. Técnicas de manejo Atuando desde 1994 em áreas de pequena produção no desenvolvimento de técnicas de manejo de fogo que 34
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sejam eficientes no controle e adaptadas à realidade local, o trabalho do Ipam envolveu 30 comunidades da Amazônia brasileira, cujos principais resultados foram a redução de 75% de acidentes e aumento no conhecimento e utilização de técnicas de bom manejo de fogo pelos produtores, fazendo ressurgir as redes locais de difusão técnica de manejo de fogo. O Instituto garante que o projeto viabilizou processos de formação com o objetivo de capacitar assessores (as) que trabalham diretamente com produtores familiares sobre como implementar metodologias e instrumentos de bom manejo de fogo em comunidades rurais da Amazônia. A metodologia adotada para responder à necessidade de redução de acidentes com uso de fogo agrícola, esclarece o Ipam, consistiu de formar técnicos e lideranças do movimento em módulos de formação presencial, alternado com seções práticas nas regiões de origem dos formandos. Também são realizados monitoramento e avaliação do aprendizado através de um grupo virtual e de aplicação de instrumentos de monitoramento com os parceiros e beneficiários. Há ainda, para o Ipam, uma segunda vertente de atividades desenvolvidas, que visa testar a metodologia de Bom Manejo de Fogo para projetos de venda de serviços ambientais. Para isso foi escolhida a região do polo Proambiente da Transamazônica. Principais indicadores Entre seus indicadores mais significativos, o Ipam registra: • 45 técnicos capacitados e que podem ser considerados agentes multiplicadores; • atuação direta em 42 comunidades rurais da Amazônia, 38 delas na Amazônia brasileira, 2 no Peru e 2 na Bolívia; • 400 famílias de produtores beneficiadas diretamente; • 1,5 mil famílias de produtores indiretamente; • Rede Virtual implementada; • elaboração e confecção de material de apoio.
O QUE DIZ A OMS Desastres naturais têm causado menos mortes no Planeta, mas a mudança climática deve interferir nas estatísticas ao provocar condições mais extremas do clima, e que deixa sequelas posteriores como doenças e má nutrição, segundo especialistas. Alertas sobre ciclones e ondas de calor, assim como no índice da pobreza, em países em desenvolvimento, tornam essas nações mais preparadas para condições extremas do tempo, o que colabora para frear o número de mortes. “Estamos indo bem em termos de salvar pessoas, diz o especialista sênior da Organização Mundial da Saúde (OMS) das Nações Unidas, Diarmid Campbell-Lendrum. “Mas não há garantias futuras, já que vemos o perigo aumentando, principalmente com o calor (em regiões) onde não estamos bem preparados”, disse à Reuters. Para Campbell-Lendrum, “a mudança climática apenas acrescenta outro motivo ao por que devemos controlar a malária, a diarreia, bem como lidar com o problema da má nutrição. Esses são os grandes desafios”. Números subestimados A OMS pretende divulgar uma pesquisa, ainda em 2011, para atualizar os dados de um estudo de 2003, que estima que 150 mil pessoas morreriam a cada ano por causa do aquecimento global -- a maioria por má nutrição, diarreia e malária. Números que devem dobrar até 2030. “A resposta, a curto prazo, é de prevenção a desastres para ajudar a salvar vidas”, diz Achim Steiner, chefe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, lembrando como exemplo de sucesso em Bangladesh e Cuba o controle de mortes provocadas por tempestades em décadas recentes. Em Bangladesh, por exemplo, um alerta inicial e abrigos ajudaram. O ciclone Bhola matou 300 mil pessoas em 1970, enquanto outro ciclone de 1991 matou 139 mil, segundo o banco de dados EM-DAT, com sede na
Bélgica. Já em 2007, o ciclone Sidr registrou 3,5 mil mortes. Com investimentos de prevenção contra inundações no Paquistão, ou melhores informações sobre como lidar com as ondas de calor, Steiner completa, as soluções de longo prazo deveriam ser o corte na emissão de gases do efeito estufa, principalmente os originados pela queima de combustíveis fósseis. “O ponto fundamental da mudança climática será levar o mundo a investir no gerenciamento do desastre ou no desenvolvimento”, declarou Steiner à Reuters. “Esta é a opção desta geração.” Na avaliação de Campbell-Lendrum, o estudo de 2003 da OMS pode ter subestimado o impacto de inundações como as que ocorreram no Paquistão e as ondas de calor na Rússia (mais de 70 mil pessoas morreram na Europa em 2003 em decorrência das ondas de calor). Para ele, a mudança climática era um argumento de apoio para serviços básicos de saúde em nações pobres, em que 830 milhões de pessoas sofrem de subnutrição e estão em risco maior. Outros estudos ligaram o aquecimento com a disseminação de carrapatos e encefalite no Noroeste da Europa. Um deles sugeriu maiores taxas de suicídio entre fazendeiros australianos durante as secas, segundo um painel sobre o clima das Nações Unidas. Há, porém, efeitos negativos e positivos na mudança climática, como o fato de mais pessoas estarem ameaçadas pelas ondas de calor, mas idosos também poderem sobreviver melhor com invernos mais amenos. Os dados do EM-DAT mostram que mortes provocadas por desastres naturais têm diminuído de, aproximadamente, 500 mil pessoas por ano, um século atrás, para menos de 50 mil em anos mais recentes. Estes números incluem desastres não relacionados à mudança climática, entre eles, tsunamis e erupções vulcânicas; o pior deles, em anos recentes, é o de 2004, com o tsunami do oceano Índico.
Queimadas irresponsáveis, criminosas ou desnecessárias em pleno Planalto Central
NeoNeo Mondo Mondo - Setembro - Junho 2011 2008
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CSIRO
Especial - Dia Mundial do Meio Ambiente
Mineral é a principal fonte de energia da Austrália, que agora tenta criar opções renováveis e limpas Rosane Araujo Da Austrália Especial para NEO MONDO
E
le é vilão e, ao mesmo tempo, mocinho. O carvão é o principal produto exportado pela Austrália, que ocupa o posto de maior exportadora mundial. Segundo a Associação Australiana de Carvão, entre 2008 e 2009, as minas de carvão movimentaram cerca de 50 bilhões de dólares australianos em exportações, representando um dos principais setores industriais do país, responsável por 137 mil postos de trabalho – 37 mil diretos e 100 mil indiretos. Cerca de 77% da eletricidade do país é gerada através da queima do carvão o que torna a energia elétrica australiana uma das mais baratas entre os países desenvolvidos. Apesar de o preço pago por indústrias e consumidores residenciais ser baixo, não se pode dizer o mesmo a respeito do ônus pago pelo meio ambiente.
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A queima de carvão para geração de energia é responsável por 37% da emissão de gases do efeito estufa no país. Com isso, mudanças na matriz energética estão no centro das atenções da comunidade australiana. Não por acaso, promover opções mais limpas de energia é uma das promessas da primeira-ministra Julia Gillard, eleita em junho do ano passado. Seu governo também promete introduzir normas mais rígidas para as novas usinas de carvão, além de pressionar as usinas já existentes para que reduzam a emissão de gases. Até mesmo a adoção de imposto de carbono, que há alguns anos vem sido discutida no país, parece que sairá do papel, o que tem gerado grande debate no campo político.
Durante sua campanha pré-eleitoral, Gillard havia prometido não introduzir o imposto, mas, em fevereiro, divulgou que pretende implantá-lo a partir de julho de 2012. As propostas preveem a cobrança de 23 a 26 dólares por tonelada de carbono emitido, nos primeiros 3 a 5 anos. A partir de então, seria implantado o sistema de “capand-trade” no qual são estabelecidos limites de emissão para cada setor ou grupo. Segundo a proposta, a arrecadação retornaria para as próprias empresas emissoras, para financiamento de projetos de energia renovável. A iminente taxação estabeleceu uma guerra verbal entre governo e oposição, cujos representantes têm trocado farpas diariamente nos noticiários.
Stockphoto
Responsável pela arrecadação de 50 bilhões de dólares australianos em exportação entre 2008 e 2009, o carvão é também grande emissor de poluentes (37%) no país; a adoção de um imposto do carbono está nos planos do governo para 2012
Tony Abbott, líder do Partido Liberal e adversário de Gillard na última eleição parlamentar, é o principal crítico da medida. Assim que divulgada a proposta de taxação, Abbott declarou que a medida inspiraria uma “revolução popular” que, se depender de seus esforços, realmente ocorrerá. Por onde passa, o parlamentar faz questão de ressaltar que a taxa refletirá no bolso da sociedade australiana, o que, de certa forma, o próprio governo confirma. Com o novo imposto, inevitavelmente não só a energia elétrica ficará mais cara, como muitos outros serviços e produtos, já que a emissão de carbono está diretamente relacionada à produção industrial, em maior ou menor escala, de acordo com o segmento. De olho nos impactos financeiros da medida também está a Associação Austra-
liana de Carvão (ACA), que teme perder sua competitividade no mercado internacional. “A competitividade é uma questão central para a indústria do carvão no que se refere à proposta do governo. Os exportadores australianos competem em mercados globais e nenhum outro país está contemplando um imposto, nem mesmo a União Europeia e os Estados Unidos”, declarou, em nota à imprensa, Ralph Hillman, diretor-executivo da Associação. Hillman, que foi o embaixador para o meio ambiente e chefe negociador da Austrália no Protocolo de Kyoto, de 1998 a 2002, foi nomeado diretor-executivo da ACA em agosto de 2007. Ele acredita que as emissões globais não serão reduzidas por meio do imposto australiano, já que qualquer redução na produção de
carvão na Austrália refletirá no crescimento de sua exploração em países concorrentes, como Colômbia, África do Sul e Indonésia. Para ele, o sucesso da reestruturação da economia australiana em um mundo condicionado pelo carbono está no desenvolvimento de tecnologias de baixa emissão, as quais permitirão ao país explorar sua vantagem competitiva, enquanto reduz as novas emissões de gases do efeito estufa. O executivo afirmou que os produtores de carvão reconhecem o papel que a redução das emissões a partir da energia a carvão pode desempenhar no combate às alterações climáticas e que a indústria está financiando um fundo de 1 bilhão de dólares, chamado Carvão21, que servirá para desenvolver a Captura e o Armazenamento de Carbono, em cooperação com os governos federal e estadual.
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Especial - Dia Mundial do Meio Ambiente
A primeira-ministra, porém, segue firme na defesa da taxa do carbono. “Não temos tempo para os políticos que negam as conclusões científicas da NASA e do CSIRO (Agência Científica
Nacional). Não temos tempo a perder com um debate que não tem fatos nem razão”, declarou ao diário Herald Sun, em resposta às críticas do oposicionista Tony Abbott.
Segundo defende em seu material de campanha, para Gillard, quanto mais a transição para uma economia de energia limpa demorar, maiores serão os custos para a economia e para os empregos do país.
Prós e contras da taxação do carbono Confira os pontos levantados por críticos e por defensores da medida Prós • A adoção da taxa seria o primeiro passo na transição da economia do país baseada em energia limpa; • A arrecadação obtida pelo imposto seria utilizada no desenvolvimento de opções de energia limpa; • A medida serviria para combater a mudança climática, já que o carvão utilizado na geração de eletricidade é maior fonte de gases do efeito estufa, contribuindo com 37% do total de emissões. Contras • O imposto é apontado como uma medida isolada da Austrália, já que outros grandes emissores, como China, Japão e
Estados Unidos, não renovaram o Protocolo de Kyoto e não demonstram intenção em controlar suas emissões; • Com a taxação, a Austrália certamente perderia competitividade no mercado internacional de carvão, no qual hoje é a principal exportadora. A redução das exportações poderia gerar perda de empregos e crise econômica ao país; • O novo imposto seria repassado aos consumidores finais, o que teria um impacto negativo no bolso dos australianos. Fontes: Associação Australiana de Carvão – www.australiancoal.com.au Site Oficial do Partido Trabalhista – www.alp.org.au www.nocarbontax.com.au
Em busca de energia limpa Ao mesmo tempo em que tenta implantar o imposto do carbono, o governo australiano divulga investimentos maciços em fontes de energia renovável. A verba destinada para desenvolvimento de tecnologia limpa será de 20 bilhões de dólares australianos até 2020
e a expectativa é que o investimento gere cerca de 28 mil empregos. Os principais alvos são a energia solar e ampliação das usinas eólicas. Os dois principais estados já deram os primeiros passos. Enquanto, Victoria divulgou no ano passado o projeto de
Geração australiana de eletricidade por combustível 2004-05 2005-06 2006-07 TWh TWh TWh Térmica Carvão preto 130.0 131.0 138.7 Carvão Marrom 61.1 61.6 57.2 Óleo 1.9 2.4 2.1 Gás 32.3 30.8 32.0 Total Térmica 225.3 225.8 230.1 Energias renováveis Hidro Vento Solar Biomassa Biogás Total Energias renováveis Fonte: ABARES
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15.3 0.9 0.1 1.1 0.8 18.1
15.7 1.7 0.1 1.1 0.9 19.5
14.3 2.6 0.1 1.1 0.9 19.0
2007-08 TWh
2008-09 TWh
141.7 55.7 2.7 37.7 237.8
143.2 56.9 2.6 39.1 241.8
11.9 3.1 0.2 1.2 1.0 17.4
12.3 3.8 0.3 1.5 1.3 19.2
construção da maior usina eólica do hemisfério sul, com 140 turbinas, gerando energia suficiente para 220 mil casas, o estado de New South Wales já aprovou a construção de uma usina solar com 100MW, provendo energia suficiente para 20 mil casas. Geração australiana de eletricidade por combustível, 2008-09
Hidro 4.7%
Vento 1.5%
Biomassa, Biogás e Solar 1.2%
Gás 15%
Carvão Marrom 21.8%
Óleo 1%
Carvão Preto 54.9%
Coisas que eu vi
Humberto Mesquita
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Um dia o homem vai saber que dinheiro não se come
Zé Cláudio não pode ficar sozinho nessa luta:“árvore no caminhão indo para a madeireira é como se visse um cortejo fúnebre”
Z
é Cláudio Ribeiro foi assassinado junto com sua mulher Maria do Espírito Santo quando voltava para casa, no Assentamento Agroextrativista Praia Alta Piranheira, em Nova Ypixuma, no sul do Pará. Ele era castanheiro e vivia da extração de castanhas e outras frutas da floresta amazônica. O lugar onde o casal morava é protegido por lei e o corte de árvores é ilegal. Como ele sempre se negou a negociar as árvores com os madeireiros da região e denunciou a manobra desses exploradores, ele se viu ameaçado de morte. Numa palestra que realizou no TEDxAmazônia, evento organizado por uma entidade internacional com a participação de 400 pessoas (que NEO MONDO cobriu - foto acima, reproduzida da edição de Dezembro de 2010) para discutir o bioma, ele previu o seu assassinato: “Em 1997 a gente tinha uma cobertura vegetal de 85% de floresta nativa onde concentrava castanha e cupuaçu. Hoje com a chegada das madeireiras resta pouco mais de 20% dessa cobertura. É um desastre para quem vive do extrativismo como eu, que sou castanheiro desde os 7 anos de idade. Eu vivo da floresta, protejo ela de todo jeito, por isso eu vivo com a bala na cabeça a qualquer hora, porque eu vou pra cima, eu denuncio os madeireiros, denuncio os carvoeiros e por isso eles acham que eu não devo existir.
A mesma coisa que fizeram no Acre com Chico Mendes querem fazer comigo, a mesma coisa que fizeram com a irmã Dorothy, querem fazer comigo. Eu posso estar hoje aqui conversando com vocês e daqui a um mês, vocês podem ter a notícia da minha morte. Eu tenho medo sim, porque eu sou um ser humano, mas o meu medo não permite que eu fique calado. Enquanto eu tiver força eu estarei denunciando todos aqueles que prejudicam a floresta. Essas árvores são minhas irmãs, eu sou filho da floresta, eu vivo dela, eu dependo dela, faço parte dela. Quando eu vejo uma árvore dessas em cima de um caminhão indo para serraria me dá uma dor muito grande. É mesmo que eu estar vendo o cortejo levando o ente mais querido que você tem porque para mim que vive da floresta, ela é vida. E é vida para vocês que vivem nos centros urbanos porque ela está lá purificando o ar. A floresta precisa ser preservada de qualquer maneira porque tudo que existe na floresta é rentável. Mas esses ambiciosos só acham que ela dá lucro quando é derrubada ou ser queimada para produzir o carvão. A gente tem que pensar: é viável desmatar ? Não, ela é viável em pé. A floresta é sustentável duas vezes mais em pé do
que derrubada, porque quando você derruba, você só tem uma vez, e quando você tem ela em pé, você tem ela para sempre.” Zé Cláudio e Maria do Espírito Santo, Chico Mendes e a irmã Dorothy Stang tombaram pela ideia da defesa da floresta amazônica. Outros ainda morrerão por causa da sanha devastadora de homens insanos que não se preocupam com o bemestar da humanidade. E nesse momento em que o Congresso Nacional e o Governo Federal discutem as diretrizes do novo Código Florestal é importante que a opinião pública esteja atenta para esses fatos que maculam a nossa consciência. O homem não parou ainda para pensar no crime que está cometendo contra ele mesmo e insiste em destruir o único lugar que ele tem para viver. Destruir a floresta é destruir a vida. Obcecado pela ideia de desenvolvimento, e pela ambição desmesurada, ele se recusa a mudar com a maior urgência, como deveria ser, o seu comportamento nocivo perante o meio ambiente. O homem precisa da água, do ar, e do alimento para sua sobrevivência, mas ele prefere buscar formas de desenvolvimento industrial, mesmo que isso represente a destruição das suas formas de vida. Não bastam os horrores provocados pelo furacão Katrina, pelos tsunamis, terremotos e maremotos, tempestades com inundações nos quatro cantos do planeta. A ambição do homem é maior e ele é cego diante da terrível realidade que se aproxima. O mundo está sendo destruído. Esse é o verdadeiro fim do mundo tão pregado pelos profetas do Apocalipse. Não precisa ser profeta para prever a tragédia que se aproxima. Mais perto é o pensamento indígena que diz com a sua singular “inteligência: ”Quando a última árvore for derrubada, o último rio secar, o último peixe for morto, é que o homem branco vai saber que dinheiro não se come”. Jornalista, Escritor e Editorialista. Apresentador de TV e Rádio. Neo Mondo - Junho 2011
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é mais Austrália ainda sofre os efeitos do buraco da camada de ozônio: alto índice de câncer de pele e agravamento das secas Rosane Araujo Da Austrália Especial para NEO MONDO
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iver no país que ocupa o segundo lugar no ranking mundial do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), certamente, não é nada mal. A versão 2010 do relatório elaborado pela ONU confirmou os excelentes indicadores da Austrália em praticamente todas as áreas (leia mais no quadro abaixo). Mesmo para estrangeiros de passagem pelo país, a qualidade dos serviços públicos é evidente: os transportes funcionam, inclusive a via área, uma boa opção para quem quer viajar com rapidez e a preços acessíveis; as ruas são limpas, há centros de informações a turistas e banheiros públicos em toda parte e a segurança pública não é, nem de longe, uma preocupação. Entretanto, nem tudo são flores no cotidiano dos aussies, como os australianos gostam de ser chamados. O país também figura no topo de outra lista, desta vez, menos agradável: é um
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dos que mais sofre os efeitos do buraco da camada de ozônio. A alta intensidade dos raios UVs ocasionada pela diminuição da camada que protege o planeta, resulta, entre outros problemas, na mais alta incidência de câncer de pele no mundo. Segundo o Instituto Australiano de Saúde e Bem-Estar (AIHW, na sigla em inglês), anualmente mais de 10 mil pessoas recebem tratamento para melanoma, enquanto cerca de 1400 morrem, vítimas da doença. O órgão também aponta que um em cada três australianos será diagnosticado com câncer de pele até completar 70 anos de idade. A incidência é quatro vezes maior do que a encontrada em outros países desenvolvidos como Canadá, Estados Unidos e Reino Unido. Tantas ocorrências colocam a prevenção ao câncer de pele entre as prioridades das campanhas do Departamento de Saúde Australiano.
Especialmente no verão, quando as temperaturas ultrapassam os 40° C em muitas regiões, campanhas são massivamente inseridas em locais públicos e meios de comunicação. Durante todo o ano, porém, o Bureau de Meteorologia divulga diariamente em seu website e em todos os jornais do país, Alertas de UV, que indicam quais os horários em que a radiação ultravioleta estará mais forte. Se o índice aponta nível 3 ou superior, a radiação é especialmente prejudicial, podendo contribuir para o aparecimento de câncer e, por isso, todos os cuidados são recomendados. Há 13 anos na Austrália, a brasileira Adriana Schroeder já se habituou ao ritual diário de proteção solar. Moradora da charmosa baía de Brighton Le Sands, no sul de Sydney, ela não dispensa o protetor nem no inverno. “Desde quando morava no Brasil, tenho cuidados com a exposição ao sol,
“Não deixe sua exposição solar acabar com você” - Campanha de prevenção do câncer de pele divulgada pelo governo australiano no último verão. Material enfatiza que praticar atividades ao ar livre, sem proteção solar, pode causar câncer.
Cancer Council Australia
Secas foram agravadas pelo problema A alta incidência de câncer de pele, infelizmente, não é o único espólio deixado pela destruição de parte da camada de ozônio. Recente estudo divulgado pela revista científica Science apontou o buraco como um fatores que agravaram as secas do país. A Austrália é considerada o mais seco continente habitado e seu clima é fortemente alterado por fenômenos meteorológicos como El Niño e La Nina. Segundo a equipe de cientistas da Universidade de Columbia (EUA), que liderou a pesquisa, o buraco na camada de ozônio tem agravado o problema, já que causa alterações de vento e chuvas em todo o hemisfério sul. Na Austrália, ele seria o responsável por 25% das mudanças climáticas, enquanto, na média mundial, ele responde por cerca de 10% das alterações. E apesar de 2010 ter trazido a chuva de volta ao sudeste do país, inclusive causando enchentes de grandes proporções, evidências mostram que a tendência de longo prazo é de clima ainda mais seco.
Cancer Council Australia
mas este hábito se intensificou aqui na Austrália. Procuro evitar a exposição nos horários de UV mais fortes e quando passo o dia todo na praia, no parque ou em qualquer outro lugar ao sol, costumo usar indispensavelmente protetor com fator acima de 30, assim como óculos de sol e, às vezes, até camisa de manga comprida. Independente da estação, os cuidados continuam os mesmos”, relatou.
Celebridades participam das campanhas de prevenção. O jogador de críquete Michael Clarke foi o protagonista da última. “Seja esperto com o sol neste verão” é o recado.
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Especial - Dia Mundial do Meio Ambiente
A conclusão faz parte da pesquisa South Eastern Australian Climate Iniciative (SEACI), elaborada em conjunto por diversos órgãos de controle ambiental, a qual também indicou o aquecimento global como um possível fator contribuinte para as secas. Após a investigação da variabilidade hidroclimática da região sudeste, que foi tema da primeira fase, a pesquisa agora busca definir projeções para as chuvas dos próximos anos. A segunda fase do projeto consumirá três anos de pesquisa e 9 milhões de dólares australianos (mais de 15 milhões de reais). E o investimento não para por aí. Em maio, o governo australiano divulgou um investimento recorde na agência científica nacional, CSIRO (Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation): 3 bilhões de dólares, nos próximos quatro anos. Grande parte do montante, certamente, será destinada a estudos que ajudem o país a resolver seus problemas ambientais. Além de investir em pesquisa, as autoridades também tem fechado o cerco para produtos nocivos ao meio ambiente. Este ano, o país, a exemplo de Estados Unidos e União Européia, baniu a importação de aparelhos de ar condicionado que possuem o gás HCFC como refrigerante. A proibição foi um adendo à Lei de Gestão de Gás de Efeito Estufa e Proteção do Ozônio, em vigor desde 1989. O próximo grande desafio do governo na jornada por uma gestão sustentável será a adoção de fontes de energias limpas. Confira detalhes nas próximas páginas.
Imagem da Nasa compara camada de ozônio sobre a Antártica, entre 1979 e 2008 – Recuperação levará cerca de 50 anos.
Buraco na Camada de Ozônio Problema antigo, solução ainda distante
A camada de ozônio funciona com um filtro natural dos raios solares, na qual as moléculas absorvem a radiação do sol, atenuando seu efeito. Descoberto na década de 70 por cientistas britânicos, o buraco foi identificado na Antártida, mas há registros de que a camada está se tornando mais fina em várias partes do mundo, especialmente em regiões próximas ao Pólo Sul e também ao Pólo Norte. Gases expelidos pelos exaustores dos veículos e o CO2 produzido pela queima de combustíveis fósseis, como o carvão e o petróleo também são prejudiciais, mas o grupo de gases chamado clorofluorcarbonos, os CFCs, é o principal responsável pela formação do buraco. Uma única molécula de CFC pode destruir 100 mil moléculas de ozônio. O uso de CFC em produtos industrializados foi restringido pelo Protocolo de Montreal, em 1987 e, devido a esta medida, o buraco manteve-se estável nos últimos dez anos, exceto nas regiões polares, onde ainda registra crescimento.
Mesmo tendo sido registrada, em 2010, uma redução cinco vezes superior a prevista pelo Protocolo de Kioto, a camada de ozônio sobre o Ártico sofreu uma redução de 40% no último inverno no hemisfério norte. O dado foi divulgado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), responsável pela pesquisa, que atribuiu a diminuição da camada à presença persistente de produtos químicos industriais e ao frio observado na estratosfera nos últimos meses no Ártico, o que também favorece uma diminuição dos níveis atmosféricos da substância. Estudos indicam que serão necessários cerca de 50 anos para que a camada volte aos índices normais.
Fontes: - Organização Meteorológica Mundial (OMM) e Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) - World Wildlife Fund – www.wwf.org.au
Austrália em números • Ocupa o segundo lugar no ranking de Desenvolvimento Humano, com índice de 0,937, perdendo apenas para a Noruega, cujo índice é 0,938 • População: cerca de 23 milhões • Expectativa de vida: 81,9 anos • Média de anos de escolaridade: 12 anos • Sustentabilidade: Emissão de dióxido de carbono per capita (toneladas): 18,1 Área protegida (porcentagem da área terrestre): 10,5 Fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano (PNUD), ONU. 42
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Especial - Dia Mundial do Meio Ambiente
Solução para
Cabo Verde Engenheiro da Universidade de São Paulo desenvolve processo sustentável de dessalinização da água Bruno Molinero
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Fotolia
abo Verde é um país africano com pouco mais de 500 mil habitantes – e com um dos maiores problemas do mundo atual. Embora não tenha dados oficiais sobre o acesso à água potável, o conjunto de ilhas sofre com a escassez deste recurso. Mas a ajuda pode estar a caminho, vinda do outro lado do Atlântico. Um sistema mecânico capaz de transformar água do mar em água potável foi desenvolvido na Escola Politécnica da USP. O autor, Juvenal Rocha Dias, nasceu em Cabo Verde e realizou as pesquisas durante o mestrado e o doutorado na Universidade. E o melhor: o processo funciona a partir de energias renováveis, com um custo final menor do que o dos processos conhecidos atualmente. Explicar a falta de água no mundo nem sempre é muito fácil. Qualquer crian-
ça, ao tomar conhecimento do problema, logo pergunta: “Mas a Terra não é o Planeta Água?”. Na verdade, é. Mas não da água potável. Apenas 0,007% da água do mundo pode ser consumida. O resto está nas geleiras, no subsolo e, sobretudo, nos mares e oceanos. Transformar a água salgada em algo próprio para ser ingerido é um grande desafio. Não só pela tecnologia, mas pelo custo e pelo impacto que o processo gera. Atualmente, os processos de dessalinização utilizam a energia elétrica e o diesel como combustíveis. Em média, esses processos gastam 10 kWh para produzir 1 m³ de água potável. O sistema de Juvenal, por outro lado, promete gastar apenas 2,8 kWh para a mesma quantidade de água, utilizando a energia eólica como combustível.
O processo funciona como um grande filtro. “A dessalinização começa com o bombeamento de água salgada para a parte superior de uma grande coluna, onde há um reservatório”, conta. Com o acúmulo de água, o reservatório pressiona uma espécie de êmbolo, que, por sua vez, “empurra” um segundo reservatório cheio d’água salgada. A água contida nele é forçada a passar por uma membrana, que funciona como filtro: os sais ficam retidos, enquanto apenas a água consegue passar. Com isso obtém-se a água potável. Como utiliza basicamente as leis da física no processo, a dimensão da coluna está diretamente ligada à quantidade de água a ser purificada. Uma coluna de 25 metros, por exemplo, consegue produzir água potável para 10 pessoas ao longo de um dia (aproximadamente 5 mil metros cúbicos).
Longo prazo O custo final e o impacto sobre o meio ambiente são menores, mas o processo desenvolvido por Juvenal não é um milagre. É preciso encarar a dessalinização como um projeto a longo prazo. Afinal, colunas de aço de mais de 20 metros não brotam do dia para a noite. “Os gastos com a construção e instalação do sistema podem ser caros. Porém, o investimento pode valer a pena a longo prazo”, diz a orientadora do estudo, professora Eliane Fadigas. Segundo ela, os governos de países subdesenvolvidos que sofrem com a escassez de água, como Cabo Verde, podem redirecionar o dinheiro da compra de diesel para a implantação do projeto, por exemplo. Os estudos na Poli foram feitos completamente em escala. Em vez de monumentos de aço, estruturas menores de papelão e concreto foram utilizadas para construir a coluna. Com isso fica difícil dizer com absoluta certeza o grau de eficácia do processo. Perdas por atrito, por exemplo, não foram calculadas. Outro problema é a própria energia eólica. Mesmo sendo mais limpa e ecológica, os ventos também podem se tornar inimigos. “Uma vez que é movido a energia eólica, depende das condições dos ventos. Há também a limitação de espaço. Quanto mais cataventos, mais potência – mas nem sempre isso é possível”, relata Juvenal. Mesmo assim o engenheiro está otimista com os resultados das pesquisas. Segundo ele, a coluna de dessalinização pode ser utilizada para outros fins, como despoluir rios. Basta uma pequena adaptação em seu funcionamento: com a utilização de filtros específicos, em vez de filtrar
Processo de Dessalinização R1
água do mar
mangueira extensivel
Água do mar Salmoura
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Água potável Válvula T - Trava R - Reservatório R2 COLUNA DE DESSALINIZAÇÃO V2
CATAVENTO
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água dessalinizada
câmara C R4 V4
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água de alimentação
o sal, a coluna pode separar poluentes da água. “Poderíamos utilizá-la ainda como fonte de água para a agricultura ou na produção de energia elétrica”, acrescenta a professora Eliane. Porém, não basta separar o sal da água e não saber onde descartá-lo. Jogá-lo no solo ou em aterros sanitários seria um desastre, uma vez que provocaria a salinização de todo o local. Então, o que fazer? A solução encontrada foi devolver o sal ao
R3
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módulo de membrana
mar. “Esse ‘resto’ deve ser devolvido ao mar, mas de uma forma controlada”, revela o engenheiro. Com isso o processo consegue minimizar os efeitos negativos sobre o ecossistema. Como ainda não há uma previsão para a implantação em larga escala, países como Cabo Verde continuam reféns de processos não-sustentáveis de dessalinização. Mas, se depender de Juvenal, por pouco tempo.
Não é fácil o processo de dessalinização, mas é preciso fazer algo para aumentar o potencial de água potável disponível no Planeta, que não chega a 1% Neo Mondo - Setembro 2008
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O etanol
e a política energética brasileira
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decisão do governo brasileiro para mudar a classificação do etanol de “combustível” para “commodity agrícola” é muito positiva para o mercado interno e, principalmente, para o mercado global. No final de abril a presidente Dilma Rousseff assinou uma Medida Provisória (MP n. 532, de 28.04.2011) para formalizar a mudança de classificação do etanol, tendo essa regulamentação a finalidade de prevenir a escassez do produto e a brusca subida de preços. Dentro dessa proposta, o governo decidiu 46
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reduzir a mistura de álcool anidro (etanol) à gasolina doméstica de 25% para 18%. Isso serve para controlar o mercado onde os carros bicombustíveis são cada vez mais populares. Esse movimento é reforçado pela crescente utilização do etanol e do biodiesel, no Brasil e no mundo, o que demonstra o extraordinário papel do uso dos biocombustíveis na preocupacao dos países desenvolvidos em fixar metas voluntárias para redução e alternar sua matriz energética poluente (como o petróleo), por meios menos poluentes (como os biocombustíveis),
fazendo essa transição sem afetar seu atual estágio de desenvolvimento e com o menor impacto para suas economias. Com a proposta os biocombustíveis terão tratamento uniforme no âmbito da Política Energética Nacional, isso incluindo o etanol e o biodiesel, assim como qualquer outro biocombustível que venha a ser produzido comercialmente no futuro. Além disso, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) passará a ter competência para estabelecer diretrizes para a importação e exportação de biocombustíveis,
Evan M. Koster
Terence Trennepohl
Correspondente especial de Nova York – Estados Unidos
Registre-se que atualmente o etanol norte-americano recebe incentivos (tax credit) de U$ 0.45 por galão, além de ter uma barreira tarifária (import tax) de U$ 0.54 por galão de etanol importado. Demais disso, ainda há os 2.5% de taxa ad valorem paga sobre essa importação, que, no final do dia, aumenta a barreira tarifária para aproximados U$ 0.60 por galão. O Brasil tem vocação estratégica para continuar como um importante produtor e exportador mundial de biocombustíveis. Todavia, a proteção dos interesses dos consumidores brasileiros quanto a preço, qualidade e oferta de biocombustíveis constitui-se obrigação do Estado. Por esses motivos, a Medida Provisória do final de abril vem mostrar como o governo pensa em relação às políticas econômicas de importação e exportação a longo prazo.
assim como hoje já possui para os combustíveis derivados de petróleo, a exemplo da gasolina, do diesel e do querosene de aviação. A Medida Provisória também corrige distorções de competências legais na esfera de atuação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que agora poderá regular e fiscalizar as indústrias do petróleo e dos biocombustíveis. As atividades de produção, importação, exportação e transporte de etanol, por exemplo, passarão a ser reguladas e fiscalizadas pela ANP, como já se faz atualmente com o biodiesel.
Para ilustrar a razão dessa preocupação em torno do etanol, e da necessidade do cuidado por parte do governo federal, basta dizermos que o Brasil é o segundo maior produtor de etanol no mundo (28 bilhões de litros anuais), ficando atrás apenas dos Estados Unidos, que, valendo-se de incentivos altíssimos (U$ 6 bilhões anuais), consegue produzir 45 bilhões de litros de etanol. A diferença é que o etanol brasileiro tem origem na cana-de-açúcar, enquanto o norte-americano tem origem no milho.
Evan M. Koster Sócio em Dewey & LeBoeuf, em Nova York. Representa clientes na Area de finanças e operações de mercados de capitais nos Estados Unidos e na América Latina ekoster@dl.com Terence Trennepohl Advogado em Dewey & LeBoeuf, em Nova York. Pos-Doutor pela Universidade de Harvard tdt@martorelli.com.br Neo Mondo - Junho 2011
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Ethanol
and the brazilian energy policy
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he Brazilian government`s decision to change the classification of ethanol from “fuel” to “agricultural commodity” is very positive for the domestic market and, mainly for the global market. At the end of April, President Dilma Roussef signed a Provisional Measure (MP No. 532 of 04/28/2011) to formalize the ethanol classification change, with the objective of preventing the scarcity of the product and a sudden rise in prices. Inside that proposal, the government decided to reduce the alcohol
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mixture of ethanol for domestic gasoline from 25% to 18%. That serves to control a market where bi-fuel cars are ever more popular. That change is reinforced by the growing use of ethanol and bio-diesel fuel in Brazil and the world, it also exemplifies the extraordinary role that bio-fuels play in the developed countries´ voluntary goals to reduce pollution and the shifting of their energy polluting matrixes (such as oil), for less polluting energy-sources (such as bio-fuels), making
the transition without affecting their present state of development and with the least impact to their economies. With the proposal, bio-fuels will have a uniform treatment in the National Energy Policies, including ethanol and bio-diesel and any other bio-fuels that might come to be commercially produced in the future. Moreover, the National Counsel for Energy Policy – CNPE will have a say in the establishment of guidelines in the exportation of bio-fuels, the same way that
Evan M. Koster
Terence Trennepohl
Special Correspondent from New York – United States
Note that at present, North America´s ethanol receives incentives (tax credits) of U$ 0.45 per gallon, in addition to having a tariff barrier (import tax) of U$0.45 per gallon of imported ethanol. Besides that, there is a rate of 2.5% ad valorem paid on the importation that, at the end of the day, increases the tariff barrier to approximately U$ 0,60 per gallon. Brazil has the strategic vocation to continue as an important producer and world exporter of bio-fuels. Still, the protection to the Brazilian consumer in regard to price, quality, and offer of bio-fuels, constitutes it an obligation of the State. For these reasons, the Provisional Measure of the end of April shows how the government thinks in relation to long-term economical import and export policies.
it does today with fuels derived from oil: gasoline, diesel, and aviation kerosene. The Provisional Measure also corrects distortions of legal responsibility in the National Petroleum, Natural Gas and Bio-fuels Agency – ANP´s sphere of action, which may now regulate and watch over the oil and bio-fuels industries. The production, importation, exportation, and transportation activities of ethanol would come to be regulated and overseen by the ANP, as it is now done with bio-diesel.
To illustrate the reason for this concern around ethanol and the necessity for the Federal Government´s control, it`s enough to say that Brazil is the second major ethanol producer in the world. (28 billion of liters annually), behind only The United States, which thanks to very high incentives (U$ 6 billion annually), manages to produce 45 billion liters of ethanol. The difference being that the Brazilian ethanol comes from cane sugar, while the North American product is derived from corn.
Evan M. Koster Partner in Dewey & LeBoeuf, in New York. Represents clients in the area of finance and operations of capital markets n the United States and Latin America. ekoster@dl.com
Terence Trennepohl Attorney at Dewey & LeBoeuf, in New York. PhD; Post Doctorate from Harvard University. tdt@martorelli.com.br Neo Mondo - June 2011
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Especial - Dia Mundial do Meio Ambiente
80 anos em baixo
DO TAPETE
O Código Florestal, uma lei cuja aplicação vem sendo varrida para debaixo do tapete há 80 anos, virou arma de negociação de apoio no segundo turno das eleições 2010, por parte de Marina Silva, alçada à condição de “noiva mais cortejada” nesta etapa. Mas o problema com o Código é crônico. Antônio Marmo
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exto da Agência Estado do dia 13 de outubro informava que a surpresa do primeiro turno da corrida presidencial, a ex-seringueira Marina Silva, encaminhara aos dois parceiros restantes na peleja eleitoral, uma lista com 42 “compromissos” para análise em troca de apoio do PV. Desta lista, os pontos mais polêmicos estavam na área ambiental, justamente onde tanto Dilma Rousseff (PT) como José Serra (PSDB) não esperavam encontrar maiores dificuldades para o aval de Marina. No entanto, o documento Agenda por um Brasil justo e sustentável defendia o fim do desmatamento do cerrado e o veto a mudanças no Código Florestal que reduzam áreas de proteção ambiental – reservas legais - ou promovam anistia a desmatadores. Ora, o cerrado é visto tanto por Dilma como por aliados de Serra como a grande fronteira agrícola do país, depois da adoção de medidas de combate ao desmatamento na Amazônia. O bioma já perdeu quase metade de sua vegetação nativa, mas a lei autoriza proprietários rurais da região a cortar até 65% dela. Já o debate do Código Florestal vem de uma discussão muito antiga, mas acirrada logo após a saída de Marina do Ministério do Meio Ambiente, por uma decisão atabalhoada ou “irresponsável” do então recém - empossado Carlos Minc . O desfecho dessa arrastada discussão estava congelado desde junho e esperava-se - seria jogado para depois das eleições. O prazo para a entrada em vigor de um decreto que gerou o pedido de revisão do Código é julho de 2011 (ver histórico).
Aflição e mal - estar A formalização dos pontos para apoio foi destaque nos jornais do dia 14 de outubro, duas semanas antes da votação do segundo turno. Dilma e Serra não tinham como esconder o mal estar, e evitaram se manifestar logo sobre o tema. Dilma apoiou sucessivos adiamentos da entrada em vigor da lei de reserva legal, no governo Lula. E na campanha do tucano José Serra, bem votado no cinturão do agronegócio, o assunto virou motivo de aflição. Ainda antes de receber a tal Agenda por um Brasil sustentável de Marina, Serra já havia dito, em comício em Xapecó (SC), dia 9 de outubro, que “não era o momento certo de discutir o projeto do Código Florestal que está em revisão no Congresso. “Vamos pegar isso no ano que vem e discutir com todos, tendo em mente a necessidade de proteger o ambiente e ter incentivos econômicos pra desenvolver nosso País”, afirmou. Os tucanos, segundo a Folha de São Paulo, já tinham descartado a possibilidade de aceitar integralmente as ideias dos verdes. Antes seria necessário amadurecê-las, diziam. Segundo integrantes do comando da campanha tucana, o compromisso de Serra seria não permitir a aprovação imediata do novo Código Florestal neste ano, comprometendo-se a construir uma fórmula de consenso nos seis primeiros meses de seu eventual governo. Arma de negociação Ao ressuscitar no segundo turno da eleição presidencial a discussão do Código Florestal como arma para negociar apoio,
Marina levantou tudo o que os dois candidatos restantes não queriam. Até então os dois acenavam com declarações genéricas falando em convergências e que sempre, em toda a vida, foram defensores de bandeiras sustentáveis. “No que se refere ao meio ambiente, temos propostas muito avançadas e eu acredito que pode ter uma grande convergência, independentemente de quem a Marina vai apoiar. Não é meu papel assediar e constranger”, falava Serra em Xapecó. Da parte do governo, o presidente Lula mandou desengavetar a reforma do Plano Amazônia Sustentável (PAS) – maior legado de Marina quando no Ministério. O PAS começou a ser debatido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos justamente quando o PSDB entrava na briga para atrair os 20 milhões de eleitores de Marina. Esforço de síntese “Já fizemos um grande esforço de síntese”, alegava Marina sobre quais pontos da agenda do PV seriam considerados essenciais para futuros compromissos dos candidatos ao Planalto. A agenda da área ambiental e de infraestrutura previa outros pontos polêmicos para ambos os candidatos. Marina defende, por exemplo, a “moratória” a novas usinas nucleares e a não-contratação de novas termelétricas a diesel ou carvão. O governo Lula já aprovou a construção de, pelo menos, quatro novas usinas nucleares e ainda tem as usinas termoelétricas como fonte de geração de energia. Sobre a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, Marina se limitava a propor o cumprimento de condicionantes já estabelecidas pelo órgão ambiental.
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Especial - Dia Mundial do Meio Ambiente
TROPEÇOS DO MINISTRO MINC Uma trapalhada do ex-ministro Carlos Minc ao desengavetar decreto congelado por Marina Silva gerou gritaria entre pequenos e grandes produtores em torno das reservas legais. Estava criado o impasse que forçou a Câmara a convocar reforma do Código Florestal, ainda em tramitação. ABr
Fase aguda da crise em torno do Código começou com fixação, pelo então ministro Carlos Minc, de prazo de 180 dias para averbar reserva de mata nas propriedades
Engenheiro agrônomo e amazônida, com mestrado em Gestão Econômica do Meio Ambiente e especialização em geoprocessamento, Ciro Siqueira estuda o Código Florestal desde 1996 e usa seus conhecimentos para alimentar um prestigiado blog em seu nome sobre questão. O tema de sua tese de mestrado foi Aspectos Econômicos da Conservação de Florestas em Terras Privadas: o Código Florestal e a Reserva Legal na Amazônia . Ciro divide a discussão em “fase aguda” e “fase crônica” para esclarecer o histórico em torno do assunto. Ele é muito claro ao situar a “fase aguda”, a origem de toda a celeuma atual em torno do documento, no dia 22 de julho de 2008, quando o ex-ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc atropelou o presidente da República para que assinasse o Decreto 6.514, regulamentando a Lei de Crimes Ambientais. Com isso, fixou-se prazo de 180 dias para que todos os donos de imóveis rurais averbassem nos cartórios duas áreas de Reserva Legal (RL) previstas no Código Florestal, um monstrengo legislatório nas52
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cido ainda nos tempos do “fogão a lenha”, nos idos de 1934, sob Getúlio Vargas. O prazo esgotar-se-ia em 22 de dezembro de 2008 sob pena de multa de até R$ 100 mil, além de multa diária de R$ 50 a R$ 500 por hectare ou fração da área da reserva. Ciro explica, no entanto, que averbar a RL não é um processo simples. O produtor deve dirigir-se ao órgão ambiental do seu Estado e solicitar a indicação sobre a localização da reserva dentro do imóvel. Alguns órgãos ambientais exigem até o georreferenciamento dos limites. Com a indicação da área em mãos, o produtor deve ir ao cartório onde está registrado o imóvel e pedir a tal “averbação” da Reserva Legal à margem da matrícula do imóvel no livro de registros do cartório. Arrancar plantações Ciro enfatiza: “Imagine-se isso para um pequeno ou médio produtor. Esse processo todo, em geral, leva muito mais tempo do que os 180 dias previstos no decreto, de forma que os produtores rurais não tinham como cumprir a lei e passariam a sujeitar-se a multas diárias”.
Por Reserva Legal entende-se o pedaço de terra dentro de cada imóvel rural que deve ser mantido com a vegetação original. Caso essa área não tenha mais a vegetação original e esteja sendo usada para plantio - caso do café no Sudeste, da maçã ou uva no Sul do pais - esse plantio deve ser erradicado e o dono do imóvel deve proceder a recuperação da vegetação original ou proceder a compensação ambiental. O custo para se fazer isso, em muitos casos, é alto para o proprietário e implicaria na bancarrota dos menos capitalizados. Ciente de que os produtores rurais não tinham como cumprir o Decreto e que a assinatura conflagraria o setor, Marina congelou o decreto 6.514/08, deixando-o no fundo da gaveta durante todo o tempo em que ela esteve à frente do Ministério do Meio Ambiente. Começa a gritaria Ao assumir o Ministério após a renúncia de Marina, Minc, sem a mínima noção das consequências, retirou o decreto da geladeira e encaminhou-o à Presidência da Republica com recomendação para que fosse assinado, explica Ciro Siqueira. Quem acompanha o tema deve lembrar-se que não demorou para que os produtores rurais, por meio de suas associações de classe, dessem o grito de alarme. Esse clamor encontrou eco dentro do governo na pessoa do ex-ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, que saiu em defesa dos produtores. A celeuma entre os ministros Minc e Stephanes virou briga pública, a ponto de gerar intervenção do presidente Lula para que os contendores fechassem a discussão em gabinete com a intermediação da ex-ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ciro diz que a impossibilidade de cumprir o que determinava o decreto por parte do meio rural quase causou uma aliança histórica entre pequenos agricultores e grandes produtores rurais.
Jogar pequenos contra grandes Todos virariam criminosos caso o decreto ou o Código Florestal não fossem alterados. O peso era inversamente proporcional ao tamanho da propriedade rural, ou seja, maior para as menores propriedades. Prevendo um movimento de todo o setor rural contra a lei ambiental, o ex ministro Minc chamou seu colega do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, e sinalizou com concessões ambientais apenas para a agricultura familiar. Depois chamou os grandes produtores de “picaretas”, numa tentativa de jogar os pequenos contra os grandes visando a gerar divisão em um movimento que teria força política para subverter completamente a lei. Essa total impossibilidade de fazer cumprir a decisão levou o presidente Lula a assinar, em dezembro de 2008, à véspera da entrada em vigor do texto original, o Decreto 6.686/08, prorrogando este prazo para dezembro de 2010. A bomba da Embrapa Lula recomendou que os ministros do Meio Ambiente, Agricultura e Casa Civil
encontrassem uma convergência mínima sobre o assunto. As negociações entre os ministros prosseguiram com acordos em alguns pontos e desavenças irreconciliáveis em outros. Mas no final de 2008, enfatiza Ciro Siqueira, o pesquisador da Embrapa, Evaristo Miranda, divulgou os resultados parciais de uma pesquisabomba da instituição que mostrava o alcance da legislação ambiental e indigenista brasileira. O trabalho de Evaristo afirma que unindo-se as Unidades de Conservação (UCs), as Reservas Indígenas, as áreas de Reserva Legal (RL), de Preservação Permanente (APPs) e demais áreas protegidas, sobraria muito pouco para a produção agrícola. O trabalho de Evaristo, com o peso da chancela da Embrapa, conflagrou novamente o setor. A Comissão Especial Enquanto as negociações de gabinete continuavam sem solução do impasse Minc-Stephanes, alguns deputados articularam junto ao presidente da Câmara, deputado Michel Temer, a cria-
ção da comissão especial para reforma do Código Florestal. Argumentava-se que já se encontravam em tramitação diversos projetos propondo alterações no Código, e essa seria uma forma de consolidar esses projetos. A comissão foi criada não sem as costumeiras disputas pela composição da mesa, engalfinhando-se ruralistas e ambientalistas. A presidência estava com Moacir Micheleto e a relatoria com Homero Pereira, notórios representantes dos grandes produtores rurais. O impasse foi desfeito com a indicação e a aprovação unânime do nome do deputado Aldo Rebelo (PC do B) para a relatoria, permanecendo Moacir Micheleto na presidência da comissão. E como nada se resolvia no Executivo, o presidente Lula assinou o Decreto 7.029/08, prorrogando, de novo, para julho de 2011, depois do final do seu mandato, a entrada em vigor do decreto original. Assim, o debate ficou restrito ao Legislativo, nos trabalhos da Comissão Especial que resultaram finalmente nas propostas de alterações aprovadas no início de julho último.
DOS TEMPOS DO FOGÃO A LENHA Nascido na década de 30 do século passado, o Código Florestal, nunca levado a sério, tinha como mote principal a regulação do mercado de lenha para cozinha. A ideia de reserva de mato vem daí. Mantida pela ditadura militar, virou estratégia para integração da Amazônia. Se a fase “aguda” ainda deixa o tema sem perspectiva de alta, nossa fonte para este histórico da crise em torno do Código Florestal, o engenheiro agrônomo Ciro Siqueira, nos diz que apesar de instituído em 1934, o Código “nunca pegou, ou seja, ninguém jamais o levou muito a sério”. Isso nos obriga a viajar pela “fase crônica” do problema. O primeiro Código Florestal brasileiro foi instituído por Getúlio Vargas em 1934. Naquela época a matriz energética nacional era à base de carvão e lenha, não os fogões a gás; e a energia elétrica era incipiente.
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Reserva legal nasceu em 1934 para preservar o combustível da época, a lenha para fogões, ameaçada pelo avanço dos cafesais
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Ao buscar integrar a Amazônia ao resto do Pais militares deram a largada para a devastação da floresta, gerando o avanço do chamado “efeito espinha de peixe” ao longo das estradas nas imagens dos satélites
Conta Ciro Siqueira que “o Sudeste brasileiro, onde se concentrava a maior parte da população, experimentava a expansão violenta das lavouras de café. Isso afastava dos centros urbanos as fontes de lenha e carvão que precisavam ser transportadas por distâncias maiores no lombo de burro ou carroças de tração animal até os fogões das pessoas nas cidades”. Ciro enfatiza que “embora a lei de 1934 tivesse algum caráter preservacionista, o mote principal dela foi a regulação deste mercado de lenha, cujo preço subia violentamente. A lei de 1934 chegava a incentivar a retirada total das matas nativas para o café desde que a ‘quarta parte’ fosse replantada com florestas homogêneas que eram mais produtivas sob o critério da produção de madeira para lenha”. Garantir o fornecimento de lenha era politicamente estratégico na época como hoje é o preço da gasolina ou do gás. Preservar biomas No início da década de 60, prossegue o engenheiro, foi instituído um grupo de trabalho para reformular a lei então vigente. Mas em 1960 a lenha não tinha mais importância como fonte estratégica de energia e já havia uma maior preocupação em relação ao papel ambiental da manutenção florestal. Assim, alterou-se a função das reservas florestais privadas. Mantida pelo legislador de 60, a tal “quarta parte” das matas privadas passou a ser chamada de Reserva Legal, com o objetivo de manter parcelas significativas de cada bioma florestal preservado. Entende Ciro que “o legislador da década de 60 partiu de pressuposto (correto) de que uma porcentagem mínima de cada bioma deveria ser preservada. Mas partiu também
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do pressuposto (errôneo) de que os biomas eram totalmente recobertos por imóveis privados, e o governo não teria nem vontade política nem força para desapropriações”. Ora, se os biomas são todos ocupados por imóveis privados e uma parte dos biomas precisa ser preservada, a única forma de fazê-lo era manter as reservas dentro dos imóveis privados conforme já instituído pela lei anteriormente em vigor. Ou seja, regulamentou-se a manutenção de florestas dentro dos imóveis rurais privados por absoluta falta de opção, uma vez que o Estado não dispunha dos meios de fazê-lo em áreas públicas ou manteve-se a imposição de reservas dentro de imóveis privados em razão da suposição que não se poderia manter frações significativas dos biomas preservados em áreas públicas. “Integrar para não entregar” A lei estruturada pelo legislador no início da década de 60 foi promulgada em 1965 pelo general Castelo Branco, nos primeiros anos da ditadura militar. A Reserva Legal, que era a parte de cada bioma que deveria ser preservado, foi estabelecida em 50% na Amazônia e 20% do restante do país. Especula-se sobre as razões do governo militar para subscrever uma legislação com o escopo de preservar biomas. A hipótese mais provável é que a decisão fizesse parte da estratégia do governo militar para integrar a região amazônica ao resto do País. O lema nacionalista da época era “Integrar para não entregar”. E eles sabiam que, dada a imensidão da região, os recursos, tanto financeiros, quanto humanos, não seriam suficientes para que esse projeto de integração nacional fosse plenamente concretizado.
Com a imposição de um Reserva Legal de 50%, cada colono transplantado para a região amazônica seria dono de uma fração de terra igual ao dobro daquela em que ele desmatasse e colocasse em produção (pasto ou agricultura). O governo militar poderia integrar o dobro da área da Amazônia se os colonos fossem obrigados a manter um Reserva Legal de 50%. A lei de 1965 deu também nova cara a uma figura jurídica criada pela lei de 1934, as chamadas florestas protetoras. As florestas protetoras eram aquelas cuja manutenção era necessária para garantir a saúde dos recursos hídricos (rios e lagos) e áreas de risco (encostas íngremes e dunas). Elas viraram nossas APPs ou Áreas de Proteção Permanente. Pasto e soja Mas, assim como em 1934, o Código reformulado de 1965 também não pegou. Será justamente essa integração proposta pelos militares o marco apontado como o início da destruição da floresta. Atraídos pela promessa de terras baratas e riquezas, milhares de colonos chegavam com suas famílias vindos do Sul e do Sudeste do país. E a floresta, até então impenetrável, desaparecia rapidamente dando lugar a imensos campos de soja e pastagens. As comparações entre imagens de satélites de épocas diferentes são claras para testemunhar o avanço do chamado “efeito espinha de peixe”, nome dado ao padrão de desmatamento que pode ser observado na imagem de satélite no alto, à esquerda. Esta imagem é de um trecho da Rodovia Transamazônica. Ciro esclarece que “nos locais onde a abertura de novas áreas era feita com algum controle do governo, como nos assentamentos do Incra dos anos 60 e 70, até que funcionava, já que o colono que desmatasse acima de 50% teria a área retomada”. Mas em alguns casos onde os colonos desmatavam até 100% dos lotes que recebiam, o governo dava outro lote de igual tamanho para que o ocupante ficasse dentro da lei, ou seja, 50% de uso e 50% de Reserva Legal. Em outras regiões onde a colonização foi feita sem a supervisão do governo, a maioria dos donos de terra desmatou, entre os anos 60 e 80, quase 100% dos seus imóveis, indo muito além da área autorizada pelo governo. Isso aconteceu tanto na Amazônia (RL de 50%) quanto no restante do Brasil (São Paulo, Paraná, Goiás etc.), onde a RL era de 20%.
Irregularidade legal Ciro explica que esse quadro de inobservância da lei fez com que a quase totalidade dos imóveis rurais brasileiros, tanto na Amazônia quanto fora dela, tenha algum nível de irregularidade legal perante as exigências do Código Florestal. Alguns não têm RL suficiente, outros plantaram nas margens dos rios e córregos onde deveriam estar as APPs, outros ainda plantaram em encostas ou topos de morro que também deveriam ser APPs. Parte importante da produção rural brasileira de hoje é feita sobre áreas que não poderiam estar sendo usadas para produção, como o café no Sudeste, a maçã e uva no Sul. Em 1996 o governo federal muda novamente a lei, pois em 1995, apenas 3 anos após a realização da ECO-92 no Rio de Janeiro, o Brasil observou um pico no desmatamento na Amazônia. Entre agosto de 94 e agosto de 95, foram desmatados 2.905.900 hectares de florestas. “Um recorde histórico”, lembra Ciro, que nessa época trabalhava em projetos
que orientavam pecuaristas a reformar e intensificar o uso de pastagens degradadas. “Nossos pecuaristas conseguiam criar 1,5 (alguns 2,5) cabeça por hectare de pasto reformado”, diz ele. A comunidade internacional já preocupada com a questão ambiental planetária fez uma enorme pressão sobre o governo brasileiro. Em agosto de 1966, o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou Medida Provisória mudando novamente os percentuais de Reserva Legal, fixando-os em 80% na Amazônia, 35% no cerrado e 20% no restante do país. Voltando à estaca zero Ciro diz que a MP de Fernando Henrique acabou com um grande número de projetos como os que ele tocava. “Em 2001 fomos obrigados a parar o trabalho porque o agente financiador teve que considerar a Reserva Legal de 80%. Ficou impossível construir projetos viáveis tanto técnica quanto economicamente considerando essa restrição”, relembra.
E quem já tinha desmatado 50% induzidos pelo próprio governo? Se estavam dentro da lei até 1996, passaram a estar à margem dela após a MP de Fernando Henrique, que não estabeleceu prazos para a adequação e entrou em vigor na data de sua publicação (como é usual no Brasil). Essa Medida Provisória nunca chegou a ser apreciada pelo Legislativo e sofreu 67 reedições até o ano 2001 depois de ter passado por uma Comissão Mista de deputados e senadores - dominada por ruralistas - para emitir parecer sobre um projeto de lei em torno do tema. Em 2001, uma alteração na Constituição de 1988 mudou a forma de tramitação legislativa das MPs, dispensando-as de novas reedições. Assim, vigorariam ad eternum ou até que o Congresso as revogasse. Esses são os problemas jogados para debaixo do tapete até a assinatura atabalhoada de Carlos Minc no Decreto 6.514 em 2008 e que foi a centelha para o recente debate sobre o Código Florestal.
A METRALHADORA COMUNISTA Ao assumir a relatoria do novo Código Florestal, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB) acabou atraindo a simpatia de pequenos e grandes produtores rurais que viram bom senso em suas conclusões. Mas virou alvo também da fúria ambientalista contra quem dirigiu sua metralhadora giratória: “pelo Greenpeace a Holanda não existiria”, diz ele A sessão de leitura da nova proposta do Código, no dia 6 de junho, ocorreu em meio a clima de confronto entre bancada ruralista e ambientalistas. O relatório do deputado tem 309 páginas e ele se limitou a ler as primeiras 50 páginas de introdução, dando o restante por lido, o que gerou mais protestos ainda no plenário. A organização Greenpeace, cuja matriz fica na Holanda, foi a primeira - não a única - a execrar o texto lido por Rebelo: “Na prática, o relatório propõe reverter 76 anos de evolução de nossa legislação ambiental. É, portanto, um retrocesso”, afirmava, em nota. Outras organizações criticaram o “chorrilho de apoios na imprensa, o embasamento pseudocientífico e sua defesa das teses ruralistas”. Segundo o ambientalista André Lima, presidente do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), o projeto relatado por
Rebelo representa um crime contra o meio ambiente brasileiro e um retrocesso, porque transfere toda a responsabilidade pela preservação ambiental exclusivamente para o poder público e “anistia todos os desmatadores que devastaram o meio ambiente até 2008”. A verdade é que o deputado soube equilibrar-se entre críticas e acertos, chegando a agradar pequenos, médios e grandes produtores que defendem o “bom senso” de seu texto ainda que atraindo a fúria ambientalista, entre eles a da presidenciável Marina Silva. “Aldo Rebelo, o comunista que todo capitalista gostaria de ter como sócio”, atacava um de seus críticos mais ácidos, o jornalista Augusto Nunes, da Veja. NEO MONDO encaminhou meia dúzia de perguntas ao relator da nova proposta do Código Florestal. No entanto, em plena campanha, ele se desculpou por
não poder enviar as respostas. Mas nos liberou para mencionar aspectos das inúmeras entrevistas e comentários espalhados por ele ao longo dos últimos meses. Divulgação
Aldo Rebelo (PCdoB): relator do novo Código atraiu simpatias de produtores e a ira ambientalista. “ONGs não podem substituir o Estado”, diz
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Rajadas certeiras Rebelo foi reeleito para seu sexto mandato, com 132 mil votos em praticamente todos os municípios paulistas. Para compor um quadro realista dos problema ambientais abarcados pelo Código Florestal, o deputado fez uma peregrinação pelo país inteiro, visitando assentamentos de semterras, comunidades pantaneiras, projetos no Cerrado brasileiro e na Amazônia. Colocado diante do processo, o exguerrilheiro acertou a primeira rajada neste tiroteio verbal: “Nós temos um Código Florestal de 1965, muito avançado, mas que foi profundamente modificado nos últimos anos”. “As mudanças”, continua o deputado, “tornaram impossível a sua aplicação, pois os agricultores, principalmente os pequenos, não têm como cumprir suas exigências. Nos últimos quarenta anos, uma série de decretos, portarias e resoluções transformou o Código Florestal em uma aberração jurídica”. É o que parece após o passeio que se faz pela história do arrazoado. Para cativar os grandes produtores, Rebelo falou como membro da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, jogando com a teoria da conspiração internacional, com nova rajada de efeito: “É a agricultura frágil de países fortes contra a agricultura forte de um país frágil”. “Vejo ali a disputa em torno do algodão, do etanol, do açúcar, das carnes bovina e suína e da soja, na qual os produtores norte-americanos e europeus buscam suplantar, no comércio mundial, a nossa agricultura, impondo o subsídio ou acionando barreiras ambientais”. Nesse raciocínio, continua ele, “dificultar a fronteira agrícola do Brasil e criar uma espécie de tributo ambiental sobre o produtor brasileiro tornou-se questão de vida ou morte”.
“A Holanda não existiria” Sobre as organizações não governamentais ambientalistas, Rebelo faz uma observação: para o deputado, enquanto uma parte dessas ONGs é de fato humanitária e integrada por gente de boa fé, outra parcela pretende substituir o Estado, legislar no lugar do Congresso, com o aval político, financeiro e diplomático - e, no passado, até com respaldo militar - de governos estrangeiros fortes. Pior: ele acirra os ânimos verdes ao afirmar que “o ambientalismo também é um meio de vida, uma profissão de gente bem-sucedida, com padrão de vida bem melhor que 90% dos nossos agricultores”. O deputado mira especialmente o Greenpeace e o tiro vai longe: o Greenpeace foi a primeira organização que eu recebi em meu gabinete depois de nomeado relator. Foi a ONG que mais falou nas audiências públicas da comissão especial. “Ela exige 80% de Reserva Legal na Amazônia e, em contrapartida, não exige nenhum percentual na Holanda, seu país de origem. Simplesmente a Reserva Legal não existe no direito da Holanda. O Greenpeace exige, no Brasil, 600 metros, em alguns casos, de preservação de matas ciliares de um lado e do outro dos rios, enquanto isso também sequer existe no direito holandês. Essa entidade sabe que quase metade do seu país sede foi construída dentro de uma Área de Preservação Permanente (APP). A Holanda é um aterro construído dentro do mar”, provoca. Mas ele entende que embora a RL e a APP não existam no direito ambiental e florestal de nenhum país europeu nem nos EUA, “creio que o Brasil deve preservar os dois conceitos, adaptando-os às necessidades do país”.
Estados e Municípios “Não se pode proteger o meio ambiente simplesmente a partir da União. Tem que integrar Estados e Municípios num esforço de construção de um programa de preservação ambiental, que não é só uma lei, mas extensão, orientação técnica, educação, mobilização na defesa do meio ambiente”. Desenvolvimento e ambiente “O povo deseja a proteção do meio ambiente, mas sua primeira preocupação é com a comida barata. Digo para os meninos de classe média das ONGs ambientalistas que eles nunca viram uma família discutindo o preço da carne, do feijão, da lata de óleo”. A cidade e o campo “É preciso deixar claro que a proteção do meio ambiente não é uma responsabilidade exclusiva do homem do campo. Penso que a sociedade urbana tem uma dívida muito maior do que a daqueles que vivem mais próximos da natureza”. Licença para minhoca O ribeirinho não pode arrancar uma minhoca na beira do rio, porque também é crime ambiental, a não ser que ele consiga previamente uma licença. Setenta e cinco por cento da nossa produção de arroz em várzea - como é produzido na China, no Vietnã, na Tailândia e Índia - também se tornaram ilegais, porque a várzea integra a Área de Preservação Permanente, a banana do Vale do Ribeira é topo de morro, a Toda a criação de gado no pantanal mato-grossense, que é feita há 250 anos, de forma absolutamente sustentável - o pantanal é o bioma mais preservado do país -, também virou ilegal”. Divulgação
“Corguinho” comum em pequenos sítios: mata ciliar pode cair para 7m5 da margem 56
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AS PRINCIPAIS MUDANÇAS NO NOVO CÓDIGO 1 - Autonomia dos Estados O texto do relator dá autonomia para os Estados definirem os porcentuais ou o tamanho das áreas de reserva legal ou de proteção de mananciais e para flexibilizar a aplicação das leis ambientais produzindo normas próprias de acordo com critérios técnicos. Isso se daria pelo Zoneamento Ecológico-Econômico, uma espécie de “plano diretor” para determinar que uso pode ser feito da terra em cada região. Atualmente, o governo federal determina o piso para isso, mas os Estados continuarão acatando normas nacionais relativas ao Meio Ambiente. 2 - Espaços consolidados As áreas em uso para produção serão consideradas espaço consolidado de atividade agrícola e de pecuária até que, em cinco anos, cada Estado defina a adesão ao Programa de Regularização Ambiental. Durante esse período, não será permitido o desmatamento de novas áreas. É o congelamento ou desmatamento “zero”. 3 - Isenção para pequenos O novo código também isenta pequenos produtores rurais com propriedade de até quatro módulos rurais da obrigatoriedade de cumprir os porcentuais de reserva legal - no caso da Mata Atlântica e Caatinga, esse porcentual é de 20% - ou de recompor vegetação nativa devastada até a promulgação da nova lei. Os módulos fiscais são uma medida que varia com a região: na Amazônia, pode chegar a 400 hectares. O texto regulariza as áreas com plantios consolidados em APP. O objetivo é evitar que plantios antigos feitos em
encostas como café no Sudeste ou uva e maçã no Sul continuem ilegais podendo ser arrancados para o cumprimento da lei. O texto também procura legalizar as áreas já abertas e em produção hoje em imóveis pequenos (até quatro módulos rurais), liberando esses imóveis da necessidade de recomposição de Reserva Legal. Dessa forma esses imóveis pequenos com uso agrícola superior ao permitido pela lei não necessitariam arrancar parte de suas plantações para recompor a mata, mas não estão liberados para desmatar mais. 4 - Compensações Coletivas Os médios e grandes proprietários, quando impossível cumprir a regra, poderão fazer compensações em áreas de preservação coletiva, a ser definidas pelo Estado. Com isso o novo texto legaliza a situação de 90% dos produtores rurais brasileiros que, segundo Rabelo, estariam hoje colocados na ilegalidade, principalmente os das regiões Sul e Sudeste.
área protegida para cada margem e assim sucessivamente até 500 metros ou meio km de mata ciliar para rios acima de 600 metros de largura, como na Amazônia. Ora, é muito comum a existência de pequenos imóveis rurais onde passam riachos, córregos ou “filetes de água”. Demarcando-se áreas de proteção, em casos extremos pode não sobrar espaço nem a casa do dono do imóvel ou - pior - proíbese a criação de um porquinho ou galinhas para não sujar o ribeirão. Mesmo nesses casos extremos a lei exige que o proprietário recupere as APPs e a RL.
5 - Mata ciliar menor A área de mata ciliar que protege margens de rios ou lagos fica limitada a 70 metros no máximo, mas o mínimo passa a ser de 15 metros, podendo cair para 7,5, dependendo da definição de cada Estado. E mais: diz que as faixas da vegetação ciliar sejam calculadas a partir da menor borda (parte mais estreita). Pela lei em vigor, esses cálculos devem levar em conta as bordas maiores (leito está cheio). Hoje, para rios com 10 metros de largura, a lei estabelece uma área de proteção de 30 metros para cada margem. Entre 10 e 50 metros de largura, se exigem 50 metros de
6 - Anistia para desmates O texto incorpora uma anistia de multas a todos os proprietários rurais que desmataram no país até 31 de julho de 2006. Se aprovada esta versão, será permitido que todo o desmatamento ilegal feito até 31 de julho de 2006 seja anistiado e as atividades agropecuárias existentes na área sejam mantidas. Nota: este é o item que mais polêmica causou. No dia da votação desta emenda, de autoria de deputado “ruralista”, três ambientalistas do Greenpeace se acorrentaram uns aos outros e ligaram uma sirene na comissão para tentar evitar a votação. Houve bate-boca, suspensão da sessão, mas a proposta passou por 13 votos contra 5. Pelos dados do Greenpeace, com o perdão, o governo abriria mão de R$ 8 bilhões em multas aplicadas entre 1998 e 2008 na Amazônia Legal. Rebelo, em entrevista à revista Veja, afirma que “o Ministério do Meio Ambiente não calculou nada. Não existe esta cifra no Tribunal de Contas”.
Rousseff (PT), Michel Temer (PMDB), acenava aos ‘marineiros’ com a possibilidade de, no mínimo, adiar a votação da matéria para 2011, o que, afinal, já era previsto”. Caberia a Temer conduzir a discussão no colégio dos líderes, em novembro, que ditaria o cronograma de tramitação do Código Florestal. Se fosse avançada qualquer aproximação Marina-Serra, Temer poderia acelerar o rito, já que existe, entre as bancadas, acenos favoráveis a um acordo para a votá-lo.
Serra havia declarado ser importante considerar as particularidades de cada região brasileira para contribuir no desenvolvimento e proteger o meio ambiente ao mesmo tempo. “É diferente o problema da Amazônia do problema de Santa Catarina, que é um Estado de pequenas e médias propriedades já ocupadas há muitas décadas. A questão do Código Florestal tem que permitir algum peso para as condições regionais”, ressaltou.
Os próximos passos Tendo o Partido Verde de Marina Silva decidido posteriormente pela independência na decisão do segundo turno em relação aos dois postulantes ao Palácio do Planalto em 2010, ainda não se sabe que atitude Michel Temer irá tomar agora com relação ao debate do Código. A editora da coluna “Painel”, da Folha de S. Paulo, Renata Lo Prete, informava em meados de outubro que, “ciente das dificuldades enfrentadas por Serra, o presidente da Câmara e companheiro de chapa de Dilma
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Bananas is my business Bruno Molinero
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oucos, ao longo da história, foram mais maltratados do que a casca de banana. A cena é repetitiva: alguém vem andando – geralmente um mocinho bem-apessoado, embora variantes do quadro sejam bem-aceitas – quando ela surge no meio do caminho. E aí, tombos burlescos dignos de comerciais de pomada antiinflamatória se tornam quase obrigação. Pois a maior inimiga dos distraídos recebeu sua carta de alforria e foi liberta da condição de vilã. A responsável por isso é a pesquisadora Milena Boniolo. Doutoranda da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), Milena descobriu que é possível descontaminar água poluída com metais pesados, utilizando, para surpresa geral da nação, a casca de banana. E ainda de um jeito barato. O processo é bastante simples. Antes de tudo, colocam-se as cascas sob o sol para que elas possam secar. Depois, iniciase o processo de moê-las. Quando o resultado é um pó bem fino, chega a hora de passá-lo por uma espécie de peneira, para que fique homogêneo. Só depois é misturado à água contaminada. Com isso os metais se unem ao pó de banana, permitindo sua extração. “Por meio de alguns testes, descobri moléculas específicas na casca de banana que possuem cargas elétricas negativas. Elas têm afinidade pelas cargas positi-
vas dos metais”, conta Milena. Para cada 100 ml de água contaminada, utilizam-se cerca de 5 mg do pó de casca de banana. Todas as pesquisas foram feitas com contaminação por urânio. Mas, segundo a pesquisadora, outros metais pesados como cádmio, níquel, crômio e chumbo também podem ser removidos. “É importante dizer que as cascas de banana não são queimadas antes de se fazer o pó. Se fosse assim, qualquer coisa teria o mesmo efeito”, diz. Um dos problemas da nova técnica é a porcentagem de purificação. Nos testes, em média 65% dos metais pesados foram removidos da água. Quando questionada sobre a eficiência do projeto, Milena já tem a resposta na ponta da língua. “De que adianta uma remoção de 100% em um milésimo de segundo se o processo é caro?”. E outra: o índice de descontaminação de 65% é o mínimo obtido em um processo. De acordo com a pesquisadora, é possível elevar essa porcentagem repetindo a purificação inúmeras vezes, até chegar próximo à descontaminação desejada. Mas repetir o processo significa torná-lo demorado – o que pode inviabilizar o projeto em escala industrial. Contudo, os testes em maior escala ainda não foram feitos. “Quando as indústrias me procuram, elas imaginam que é só chegar e instalar.
Na verdade, preciso de uma oportunidade para testar tudo isso em escala industrial antes de sair ‘vendendo’ a ideia”, conta. Por enquanto, o certo é que as cascas de banana têm um grande potencial. Mas, para viabilizar economicamente o processo, são necessários mais testes. Apesar dos inconvenientes, as cascas de banana resolvem outra grande questão por tabela. É claro que a contaminação da água por metais pesados gera um grande desequilíbrio ambiental, ocasionando sérios danos ao ecossistema. Contudo, a solução proposta pela pesquisadora para esse desequilíbrio propicia saídas para outro impasse: o problema do lixo. “Ao trabalhar com as cascas de banana, tratamos dois problemas de uma só vez: despoluímos a água com as cascas que iriam parar no lixo. Assim temos o chamado desenvolvimento sustentável”, diz orgulhosa. Apenas na Grande São Paulo, cerca de 4 toneladas de cascas de banana são simplesmente descartadas por ano. Como é um produto praticamente sem valor econômico agregado, algumas empresas já até se disponibilizaram a doar suas cascas para Milena. Com isso o volume de lixo orgânico diminui. E pode, inclusive, gerar renda e agregar valor a um produto que antes era sinônimo de lixo. E de vilão. Isso sim é desenvolvimento sustentável. Neo Mondo - Junho 2011
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