Neomondo 46

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NeoMondo

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Ano 5 - Nº 46 - Janeiro/Fevereiro 2012 - Distribuição Gratuita

um olhar consciente

RETROSPECTIVA

2011

A A Prefeitura Prefeitura de de Santo Santo André André planeja planeja futuro futuro sustentável sustentável para para aa cidade. cidade. (vire a revista e saiba porquê)

(vire a revista e saiba porquê)


VENDAS Oscar Lopes Luiz (11) 2679-1690 / 8234-4344 oscar@neomondo.org.br

Educar, divertir e colaborar para um mundo mais saudรกvel!

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Neo Mondo - Maio 2008


Um reino sem

dengue O

livro “Um Reino Sem Dengue” surpreende por sua abordagem totalmente inovadora sobre como educar as crianças a respeito da importância do combate à dengue. Numa história que trabalha o imaginário infantil, a publicitária Alda de Miranda transporta a garotada para um reino que, para surpresa geral, é invadido pelo mosquito Aedes Aegypti. O Rei fica misteriosamente doente e é preciso descobrir o que está acontecendo! A partir daí, numa aventura desafiadora, as personagens envolvem-se no aprendizado sobre a dengue e decidem combater o invasor inimigo! Com lindas imagens coloridas, o livro mergulha no universo infantil para conseguir transmitir o aprendizado de forma criativa e envolver as crianças na prevenção da dengue, usando, para isso, as ferramentas da leitura e da imaginação.

Neo Mondo - Maio 2008

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Sem espaço para sequer esticar as asas No Brasil, mais de 70 milhões de galinhas poedeiras são confinadas em gaiolas em bateria, espaços tão pequenos que elas não conseguem andar, empoleirar-se ou sequer esticar as asas. Diga NÃO a esta crueldade. Acesse o nosso site para saber mais.

Proteção e respeito a todos os animais

hsi.org/compaixao 4

Neo Mondo - Maio 2008


Neo Mondo - Maio 2008

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Editorial Prezado leitor, é com satisfação que preparamos mais uma edição de NEO MONDO. Nesta edição, fizemos uma retrospectiva das principais matérias publicadas durante o ano de 2011. É uma tradição de NEO MONDO, desde 2008 fazemos este ESPECIAL, portanto, virou uma edição de colecionador. Aqui você vai entender porque Veneza é misteriosa e única no mundo por sua peculiaridade urbanística, ela conserva em suas águas a razão de existir, suas alegrias e dores também. E por falar em tradição, dedicamos mais ampla cobertura a um dos eventos de maior relevância no que diz respeito à Literatura, no País e no exterior, com o relato do que foi a nona FLIP, em Paraty.

E falando em eventos, mais uma vez Manaus foi capital do Planeta, e NEO MONDO esteve presente para trazer para você, tudo o que aconteceu no segundo Fórum Mundial de sustentabilidade.

Trazemos para você, um guia com as matérias mais relevantes, ano a ano.

Neste evento tivemos como palestrantes:

Tenha uma ótima leitura.

Tudo isso e muito mais agora em NEO MONDO.

ARNOLD SCHARZENEGGER, JAMES CAMERON, BILL CLINTON, FÁBIO FELDMANN, entre outros. A recente chancela da Lei Rouanet, conseguida por nossa publicação, é um reconhecimento a esta trajetória e certamente nos tornará ainda mais empenhados na abordagem de temas que dizem respeito a um aprimoramento sociocultural, igualmente sustetável, ao lado da consciência socioambiental que procuramos aprimorar.

Oscar Lopes Luiz Presidente do Instituto Neo Mondo oscar@neomondo.org.br

Seções

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ESPECIAL FÓRUM MUNDIAL Um tríduo pela sustentabilidade Manaus, foi, de novo, a capital do Planeta, como definiu NEO MONDO em 2010

ESPECIAL Articulistas Trágica ironia Até quando?

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ESPECIAL ÁGUA Veneza Sob o signo da água

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ESPECIAL HERÓIS VERDES

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DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE 30 Lei Rouanet NEO MONDO, a cultura sempre presente

Julia Gillard Heroína ou vilã?

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CULTURA, LAZER & ARTE FLIP Nona edição, surpreendente

Reports in english Special World Forum 12 Sustainability Triduum Manaus was, once again, the capital of the Planet

Expediente Diretor Responsável: Oscar Lopes Luiz Diretor de Redação: Gabriel Arcanjo Nogueira (MTB 16.586)

Publicação Tradução: Efex Idiomas - Tel.: 55 11 8346-9437 Diretor de Relações Internacionais: Vinicius Zambrana Diretor Jurídico: Dr.Erick Rodrigues Ferreira de Melo e Silva

Conselho Editorial: Oscar Lopes Luiz, Marcio Thamos, Dr. Marcos Lúcio Barreto, Terence Trennepohl, João Carlos Mucciacito, Rafael Pimentel Lopes, Denise de La Corte Bacci, Dilma de Melo Silva, Natascha Trennepohl, Rosane Magaly Martins e Vinicius Zambrana Redação: Gabriel Arcanjo Nogueira (MTB 16.586), Rosane Araujo (MTB 38.300) e Antônio Marmo (MTB 10.585)

Correspondência: Instituto Neo Mondo Rua Ernesto dos Santos, 182Jardim Independência – São Paulo – SP Cep: 03225-000

Estagiário: Bruno Molinero

Para anunciar: comercial@neomondo.org.br Tel. (11) 2679-1690

Revisão: Instituto Neo Mondo Diretora de Arte: Renata Ariane Rosa Projeto Gráfico: Instituto Neo Mondo 06

Neo Mondo - Janeiro/Fevereiro 2012

Para falar com a Neo Mondo: assinatura@neomondo.org.br redacao@neomondo.org.br trabalheconosco@neomondo.org.br

Presidente do Instituto Neo Mondo: oscar@neomondo.org.br

A Revista Neo Mondo é uma publicação do Instituto Neo Mondo, CNPJ 08.806.545/000100, reconhecido como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), pelo Ministério da Justiça – processo MJ nº 08071.018087/2007-24. Tiragem mensal de 70 mil exemplares com distribuição nacional gratuita e assinaturas. Os artigos e informes publicitários não representam necessariamente a posição da revista e são de total responsabilidade de seus autores. Proibido reproduzir o conteúdo desta revista sem prévia autorização.


Neo Mondo - Julho 2008

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Especial - Fórum Mundial

Um tríduo pela SUSTENTABILIDADE

Hotel Tropical, em Manaus, 24 de março: o 2º Fórum de Sustentabilidade estava apenas no seu primeiro dia

Manaus foi, de novo, a capital do Planeta, como definiu NEO MONDO em 2010 Da Redação*

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ideranças empresariais, políticas, intelectuais, culturais e acadêmicocientíficas participaram com sã consciência ambiental do 2º Fórum Mundial de Sustentabilidade (FMS), entre 24 e 26 de março, no Hotel Tropical, em Manaus (AM). Estrelas de várias grandezas, cada uma delas em sua especialidade, disse-

ram a que vieram diante de um público ávido por conhecimento socioambiental e jornalistas em busca de informação qualificada. Arnold Schwarzenegger, por exemplo, mostrou que quando se trata de sustentabilidade tamanho é, sim, documento. Quem já viveu nas telas “o exterminador

do futuro” e governou o Estado da Califórnia (EUA), agora se sai bem à frente da causa ambiental. Não apenas na teoria, mas na prática: breve, os californianos se orgulharão de ter sem seu território a maior estação solar do mundo. Estávamos apenas nos trabalhos iniciais do Fórum.

Com informações da CDN Comunicação Corporativa e jornal A Crítica, de Manaus; fotos Uehara Fotografia - Divulgação Fórum de Sustentabilidade / Image.net

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Neo Mondo - Janeiro/Fevereiro 2012


João Doria Jr. e Bill Clinton: liderança brasileira e força empresarial do primeiro reconhecidas pelo segundo: “o mundo precisa de vocês”

Se um astro de Hollywood foi a atração no primeiro dia do evento, coube a um ex-ocupante da Casa Branca, na condição de estrela política mais aguardada em Manaus, dar o tom no dia de encerra-

mento. Bill Clinton não economizou palavras para conclamar o Brasil a assumir o papel de liderança em temas ambientais – não sem reconhecer a importância da forte presença de empresários no Fórum.

Não é sem motivo que à frente do estratégico encontro internacional estão a Seminars e o Grupo de Líderes Empresariais (Lide). A Seminars organiza eventos sempre com personalidades relevantes, nacionais e internacionais, que sejam autoridades em suas áreas de atuação. O Lide, em 7 anos de vida, se afigura “criança prodígio” porque cresceu 700%. Hoje são 750 empresas associadas (com os braços regionais), que representam 46% do PIB privado nacional. Para João Doria Jr., presidente do Lide, a segunda edição do Fórum consagra o acerto da iniciativa e coloca de vez o Brasil no cenário socioambiental com reais chances de ser ouvido e seguido pelas nações que, de fato, tenham compromisso com a sustentabilidade. “Vamos criar um compromisso político e empresarial com o desenvolvimento sustentável do planeta”, disse, às vésperas do evento.

Richard Branson (c) trouxe à mesa de debates a sua guerra contra o carbono e o alerta: quem descartar sustentabilidade corre riscos

Seleção de notáveis garante o sucesso Desafios relacionados à sustentabilidade econômica, social e ambiental compõem a agenda de debates O tema principal do Fórum: Sustentabilidade Econômica, Ambiental e Social da Amazônia e do Planeta foi desenvolvido a caráter pela seleção de notáveis, em palestras e debates concorridos. O ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, fechou com chave de ouro, no sábado (26), a sequência de exposições, aberta na quinta-feira (24) pelo ex-governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, passando, na sexta (25) pelo fundador e presidente do Grupo Virgin, Richard Branson. Três dos mais representativos especialistas em suas áreas de atuação.

Em meio a tanta estrela internacional, brilhou a do brasileiro Fabio Feldmann, aplaudido de pé pelo público que lotou o auditório do Hotel Tropical na jornada de encerramento dos trabalhos. Sua palestra foi uma das que despertou maior interesse, ao defender a necessidade de uma política de sustentabilidade para o País, alicerçada na vasta experiência acumulada em décadas de estudos, pesquisas, debates e iniciativas nos campos político-administrativo e do Terceiro Setor.

‘Povo sabe preservar’ Não faltou representatividade ao meio político regional, a exemplo do governador do Amazonas, Omar Aziz; do senador Eduardo Braga; e do prefeito de Manaus, Amazonino Mendes. Na abertura do evento, o governador ressaltou: “O povo amazonense sabe como preservar, está consciente de que é importante manter a floresta em pé”. E sobre o papel do Estado esclareceu: “Nós só queremos ajudar para fazer chegar as soluções. É um apelo políti-

Neo Mondo - Janeiro/Fevereiro 2012

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Especial Mundial Especial --Fórum Amazônia

Governador Omar e primeira-dama, com Bill Clinton: anfitriões formaram no time de parcerias que viabilizaram o evento de repercussão mundial

co, uma convocação, para que possamos ajudar este povo ordeiro, compreensivo, cumpridor da lei”. Omar lamentou que a economia baseada em transações de crédito de carbono tenha avançado pouco, dando a entender que a paciência do povo tem um limite: “A nossa paciência tem sido testada por muitos anos”. Mas não só de lamúrias foi o discurso do governador, ao citar o que chamou de “exemplo que estamos abertos para receber ajuda”. O grupo Pão de Açúcar fechou parceria com o estado para viabilizar uma indústria de pescado em Manacapuru, a 80 quilômetros de Manaus. Sintonia empresarial Do lado empresarial a representatividade não foi menor, tendo à frente dos trabalhos João Doria Jr, presidente do Lide. “Vamos criar um compromisso político e empresarial com o desenvolvimento sustentável do planeta”, disse.

Marcelo Politi ressalta a importância de discutir a proteção ambiental e seus valores sustentáveis

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Neo Mondo - Janeiro/Fevereiro 2012

Marcelo Politi, diretor-geral da Seminars, afirmou: “É de extrema importância a discussão sobre a proteção ambiental e seus valores sustentáveis”. E o presidente da Maior Entretenimento, Sergio Waib, complementou: “O objetivo é demonstrar o valor econômico e ambiental da floresta e suas implicações para a região e o mundo”. Gestão socioambiental A Seminars preparou um plano de gestão socioambiental para o evento, que incluiu priorizar o consumo de produtos e alimentos da região, a redução do consumo de materiais, a utilização de itens de baixo impacto e com procedência comprovada, bem como a gestão de resíduos sólidos com incentivo a cooperativas locais. Além disso, firmou-se compromisso com a quantificação e compensação do impacto ambiental (gases de efeito estufa) de todas as atividades antes, durante e depois do evento, por meio da aquisição de créditos de carbono provenientes de projetos ambientais brasileiros certificados, obedecendo-se os critérios definidos no Programa Evento Neutro (www.eventoneutro.com.br). O projeto escolhido pela Seminars para compensar este impacto ambiental foi o Projeto de Desenvolvimento Sustentável do Juma, da Fundação Amazonas Sustentável. No encerramento do 2º Fórum, a iluminação interna do Teatro Amazonas foi desligada, durante uma hora, em adesão à Hora do Planeta: ação mundial da WWF, organização não-governamental voltada para a conservação da natureza, com o intuito de chamar a atenção para o aquecimento global.

Parcerias Empresas dos mais diversos setores marcaram presença também na viabilização do evento, que teve a Nestlé como a patrocinadora máster. Também atenderam a esse chamado ambiental: Bradesco, Coca-Cola, Sabesp, Semp Toshiba e HRT. Itautec, Honda, Natura, Procter & Gamble e Videolar foram as apoiadoras do projeto, enquanto Basf, Carrier, E.M.S., Grupo Pão de Açúcar, Faber Castell, KPMG, LG, Mapfre Seguros, Nokia, Nossa Caixa Desenvolvimento, Oi e Yamaha entraram com cotas de participação; Dafra, Harley Davidson, Whrilpool, Kasinski, Kawasaki e Albert Einstein atuaram na colaboração. Avis, Burti, CDN, Central de Eventos, Chris Ayrosa Projetos Cenográficos, Décor Books, Dedic GPTI, Eccaplan, ENC Interativa, Faber Castell, Getty Images, Lua Nova, Mapfre Seguros, Oi, PR Newswire, Prosegur, TAM, Tropical Manaus e Wizard foram fornecedores oficiais da iniciativa. A Crítica, Band News, Rádio Bandeirantes AM, Brasil Econômico, O Estado de S.Paulo, PropMark, IstoÉ e IstoÉ Dinheiro, Época, Época Negócios, Terra, Rede Record e Elemídia foram os midia partners. The Economist, a principal publicação sobre economia do mundo, e a CNN foram os Global Midia Partners. O Fórum contou com o apoio institucional do governo do Amazonas e da Organização das Nações Unidas (por meio do Instituto Humanitare e do projeto Internacional Year of Forests 2011). GBC Brasil, Fundação Amazonas Sustentável, Instituto Terra de Preservação Ambiental (IPTA), SOS Mata Atlântica e Panetearth foram os parceiros estratégicos.

Sergio Waib e Schwarzenegger, em sintonia: valor da floresta e suas implicações para a região amazônica e para o mundo


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Neo Mondo - Outubro 2008

Neo Mondo - Setembro 2008

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Special - International Forum

SUSTAINABILITY Triduum

Manaus, once again, was the capital of the world: first day of the 2nd Sustainability Forum

Manaus was, once again, the capital of the Planet, as defined by NEO MONDO in 2010 From the Editor*

B

usiness, political, intellectual, cultural, and academic-scientific leaders participated, with sound environmental awareness, in the 2nd Global Sustainability Forum (FMS), from the 24th to teh 26th of March at the ‘Hotel Tropical’ in Manaus (AM). Stars of different magnitudes, each in

their field of specialty, said they came over to speak to an audience eager for and socialenvironmental knowledge, as well as journalists in search of qualified information. Arnold Schwarzenegger, for example, showed that when it comes to sustainability size does matter. For someone who has already played the role of “Termina-

tor” on screen and governed the State of California (USA), he is now doing very well supporting the environmental cause. Not only in theory, but also in practice: soon Californians will be proud to have the largest solar energy plant in the world. We were only witnessing in the starting agenda of the Forum.

Information from CDN Corporate Communications and ‘A Crítica´ newspaper, from Manaus; photos by ‘Uehara Photo´ - Sustainability Forum Pubicity / Image.net

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João Doria Jr. and Bill Clinton: Brazilian leadership and entrepreneurial strength of the former acknowledged by the latter: “The world needs you”

If a Hollywood star was the main attraction of the first day of the event, it was time for a former occupant of the White House to shine during the closing ceremony as the most anticipated political star in Manaus.

Bill Clinton did not skimp on words to call on Brazil to take on a leadership role on environmental issues - not without acknowledging the importance of the strong presence of the managers in the board.

It is no coincidence that ‘Seminars´ and Business Leadership Group ‘Lide´ headed this strategic international gathering. ‘Seminars´ has always organized events with relevant national and international personalities who are recognized experts in their fields of actuation. ‘Lide’, in its 7 years of existence, is considered a “prodigy” in light of its 700% growth. Today there are 750 member companies (with regional subsidiaries), representing 46% of the private national GDP. For João Doria Jr., Chairman of ‘Lide’, the second edition of the Forum confirms the correctness of the initiative and further places Brazil in the socio-environmental scenario with real chances of being heard and followed by nations that are truly committed to sustainability. “We will create a political and corporate commitment to sustainably develop the planet”, he said on the eve of the event.

Richard Branson (c) brought a warning to the table of discussions about the war against carbon: those who neglect sustainability are at risk

Stars and prominent entrepreneurs ensured event’s success Challenges related to economic, social, and environmental sustainability made up the agenda of the debates The main theme of the Forum: ‘Economic, Environmental, and Social Sustainability, the Amazon and the Earth’ was developed by a team of remarkable figures during well-attended lectures and debates. Former U.S. president Bill Clinton’s performance during the closing ceremony on Saturday (26) was outstanding, as was the opening event headed by former Governor of California, Arnold Schwarzenegger, on Thursday (24), and the remarkable presence of founder and chairman of ‘Virgin’, Richard Branson, on Friday (25)

– three of the most representative experts in their fields of actuation. Amid such international stars, shone Brazilian Fabio Feldmann, receiving a standing ovation from the audience that packed the auditorium of ‘Hotel Tropical’ on the closing day of the works. His lecture aroused significant interest in defending the need for a sustainability policy for the country, based on the vast experience accumulated in decades of studies, surveys, debates, and initiatives in the political-administrative and Third Sector areas.

‘People know how to preserve’ There was no shortage of regional political-environment representativeness, such as the governor of Amazonas, Omar Aziz, Senator Eduardo Braga and the mayor of Manaus, Amazonino Mendes. At the opening of the event the governor said: “People know how to preserve and are aware the importance of keeping the forest alive”. As for the role of the State, he explained: “We just want to help people find solutions. It is a political appeal, a call to help this orderly, compassionate, and law-abiding people”.

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Special Especial- International - Amazônia Forum

Governor Aziz and First Lady with Bill Clinton: hosts put together the team of partners that made the globally highlighted event possible

Omar regrets that the economy based on carbon credit transactions has made little progress, implying that people’s patience has a limit. “Our patience has been tested for many years”. But the governor’s speech wasn’t only mournful; he said “we’re setting an example by being open to receiving help”. The `Pão de Açucar´ Group signed a partnership deal with the State to foster the implementation of a fishing industry in Manacapuru, 80 kilometers from Manaus. Business attunement On the business side, representativeness was not smaller, headed by the works of João Doria Jr., president of ‘Lide’. “We’ll create a political and corporate commitment to the sustainable development of the planet”, he said. Marcelo Politi, General Manager of ‘Seminars’, said: “It is extremely important to discuss environmental protection and sustainable values”.

Marcelo Politi highlights the importance of addressing environmental protection and sustainable values

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And President of ‘Maior Entretenimento’, Sergio Waib, added: “The aim is to demonstrate the economic and environmental value of forests and its implications for the region and the world”. Social-environmental management ‘Seminars’ prepared a social management plan for the event, which included prioritizing the consumption of regional products and foods, the reduction of material consumption, the use of low-impact items of proven, legal origin, as well as solid waste management to encourage local recycling cooperative organizations. Furthermore, a commitment to the quantification and compensation of environmental impact (greenhouse gases) was formalized, encompassing all the abovementioned activities, during and after the event, by means of purchasing carbon credits from environmentally certified Brazilian projects, in compliance with the criteria defined in ‘Program Evento Neutro’ (www.eventoneutro.com.br). The project chosen by ‘Seminars’ to make up for environmental impacts was the ‘Juma’ Sustainable Development Project, from the ‘Amazonas Sustentável’ Foundation. At the end of the 2nd Forum, the internal lighting of the ‘Amazonas’ Opera House was shut down for an hour, in support of Earth Hour: a global initiative fostered by WWF – a nongovernmental organization dedicated to the preservation of nature –, in order to draw attention to global warming. Partnerships Companies from various sectors also made the event feasible, having as main sponsor ‘Nestlé’. ‘Bradesco’, Coca-

Cola, ‘Sabesp’, Semp Toshiba, and ‘HRT’ also financially supported the environmental gathering. ‘Itautec’, Honda, ‘Natura’, Procter & Gamble, and ‘Videolar’ supported the project, while BASF, Carrier, EMS, the ‘Pão de Açúcar’ Group, Faber Castell, KPMG, LG, ‘Mapfre Seguros’, Nokia, ‘Nossa Caixa’ Development, ‘Oi’, and Yamaha became member companies; ‘Dafra’, Harley Davidson, Whrilpool, Kasinski, Kawasaki and Albert Einstein also contributed to the event. Avis, ‘Burti’, CDN, ‘Central de Eventos’, ‘Chris Ayrosa’ Scenographic Projects, ‘Décor Books’, ‘Dedic’ GPTI, ‘Eccaplan’, ‘ENC Interactive’, Faber Castell, ‘Getty’ Images, New Moon, ‘Mapfre Seguros’, ‘Oi’, PR Newswire, ‘Prosegur’, TAM, ‘Tropical Manaus’, and ‘Wizard’ Languages were the official suppliers of the initiative. ‘A Crítica’, ‘Band’ News, ‘Bandeirantes’ AM Radio, ‘Brasil Econômico’, ‘O Estado de S. Paulo’, ‘PropMark’, ‘IstoÉ’ and ‘IstoÉ Dinheiro’, Time, Time Business, ‘Rede Terra’, ‘Rede Record’ and ‘Elemídia’ were the media partners. The Economist, the leading publication on the world economy, and CNN, were the Global Media Partners. The Forum counted on institutional support from the government of Amazonas and the United Nations (through the ‘Humanitare’ Institute ​​and the International Forests Project of 2011). ‘GBC Brasil’, the ‘Amazonas Sustentável’ Foundation, the ‘Terra’ Institute of Environmental Preservation (IPTA), ‘SOS Mata Atlântica’ and ‘Panetearth’ were strategic partners.

Sergio Waib and Schwarzenegger on the same wavelength: the value of forests and their impact on the Amazon region and the world


Especial - Heróis Verdes

Trágica ironia:

Código aprovado; casal assassinado.

ATÉ QUANDO? Na mesma semana em que a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do deputado Aldo Rebelo sobre o novo Código Florestal, o casal de extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo Silva foi assassinado, para deleite da bancada ruralista ABr

Da Redação *

Plenário da Câmara Federal aprovou por ampla maioria o texto básico com emendas que pegaram o governo e a sociedade de surpresa (*) Com informações da Agência Brasil, EcoDebate, Diário de S. Paulo e Arquivo Neo Mondo. Neo Mondo - Janeiro/Fevereiro Neo Mondo - Setembro 2012 2008

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M

estre Adoniran Barbosa, numa de suas geniais composições que retratam o dia-a-dia do brasileiro, cantava: “... a situação aqui está muito cínica”. Vivesse nesses dias turbulentos, nem ele próprio acreditaria a que ponto chega o cinismo de parte da classe política nacional, representante de setores ditos produtivos. Na mesma semana em que a Câmara dos Deputados se reuniu para aprovar o relatório de Aldo Rebelo (PCdoB), alterando o Código Florestal a favor dos ruralistas, o casal de assentados José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo Silva era executado no interior do Pará. Os dois lutavam contra os madeireiros da região e já eram jurados de morte desde 2008. O casal, membros de um projeto de extrativismo sustentável na cidade de Nova Ipixuna, região sul do estado, morreu numa emboscada armada por pistoleiros na manhã de 25 de maio. Prova de morte encomendada: além dos disparos na cabeça, tiveram parte da orelha decepada. Enquanto isso, a cerca de 1.500 km dali, em Brasília, os deputados haviam terminado o imbróglio que marcou desde o início o processo de discussão do novo Código Florestal no Congresso e se preparavam para a sua votação. Por fim, o relatório de Aldo e dos ruralistas foi aprovado por esmagadora maioria, 410 contra apenas 63 votos contrários. Vaia orquestrada Segundo relato do jornal Valor Econômico, quando a morte do casal de extrativistas foi anunciada na Câmara pelo líder do PV, José Sarney Filho, a bancada ruralista puxou uma vaia contra os ativistas recém-assassinados. A grotesca comemoração dos deputados ligados ao agronegócio não esconde o objetivo daquela votação e do novo Código elaborado por Aldo Rebelo: avançar não só sobre as florestas, mas também contra quem ousar se colocar contra o agronegócio, sobretudo os camponeses pobres. O deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), notório líder ruralista, bateu firme: “O governo quer baixar a convalidação de área consolidada por decreto. É um total desrespeito com o Legislativo. É um absurdo o governo a toda hora querer que sua versão seja aceita por todos nós sem a apresentação de emendas ou destaques. O governo está tentando confundir a base e dividir”, disse. Caiado tinha avisado que a redação final do relatório seria feita em plenário. E adiantou que os ruralistas iriam apresentar des-

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Neo Mondo - Janeiro/Fevereiro 2012

taques ao texto que vem sendo negociado entre o governo e o relator do projeto. Além do problema das áreas consolidadas, Caiado apontou que o governo deveria aceitar que os estados, e não a União, definissem quais são as áreas que devem ser preservadas. Sinal para desmatamento O relatório original de Aldo já abria brecha para os latifundiários, flexibilizando as regras de conservação ambiental adotadas em 1965. O texto, por exemplo, isentava áreas de até 4 módulos fiscais de manterem a chamada área de reserva legal, uma área de preservação em que o proprietário é obrigado a manter a vegetação nativa. Módulo fiscal é uma medida definida pelo município e a área de reserva legal varia também de acordo com a região, podendo chegar de 20% a 80% da propriedade. O novo Código isenta os produtores dessas propriedades de manterem essa área de preservação, ou reflorestar o que tiver sido ilegalmente desmatado. Segundo o próprio Ministério do Meio Ambiente, só essa medida deixará 15 milhões de hectares sem reflorestamento. O relatório do deputado do PCdoB afrouxava ainda as Áreas de Preservação Permanente (APPs), aquelas áreas mais sensíveis, como as encostas dos rios. Após a votação do relatório, o PMDB, partido da base governista, ainda apresentou uma emenda anistiando os fazendeiros que tiverem desmatado até julho de 2008. A emenda ainda autoriza os estados a participarem da definição da regularização ambiental nas APPs, o centro da discórdia entre ruralistas e o governo Dilma, que queria a exclusividade dessa prerrogativa. Mesmo dividindo a base governista, a emenda foi aprovada por 273 votos contra 182. O líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves, negou que a aprovação da emenda fosse uma derrota do governo. ”Sou governo Dilma, a proposta é nossa”, declarou à imprensa. Vítimas anunciadas Ao final da sessão da Câmara, a extinção do atual Código foi efusivamente comemorada pela bancada ruralista. Mesmo que o governo garanta sucessivas anistias de multas aos desmatadores, os latifundiários esperavam maior segurança jurídica para poder avançar sobre as florestas. As vítimas dele, porém, já podem ser vistas. Primeiro, o avanço brutal do desmatamento. Antes mesmo da votação do relatório de Aldo Rebelo, o desmatamento mais que quintuplicou na área da Amazônia só

ABr

Especial - Heróis Verdes

Caiado antecipa: redação final só no plenário

nos meses de março e abril último. A única explicação para esse avanço foi a expectativa dos ruralistas pela aprovação do novo Código, assim como a confiança na cumplicidade do governo. E agora, sentindo-se fortalecidos, o agronegócio e os madeireiros mandam um recado na forma de balas na cabeça do casal de ativistas no Pará. Ao pressionarem o botão de votação da Câmara, os 410 deputados também apertavam o gatilho contra Zé Cláudio e Maria. Para o Greenpeace, no dia 25 de maio, o Brasil acordou de luto - duplo: “pela morte de Zé Cláudio e pelo fim da proteção das florestas”. Foi uma semana de derrotas em temas importantes: ambiental e de gênero. Derrotas dos novos movimentos sociais que têm protagonizado e postado nessa virada de século novas agendas e novas lutas sociais. Moeda de troca As derrotas do movimento social, segundo analistas, articulam-se com a crise política que envolve o governo Dilma. As derrotas na votação do Código Florestal (bem como no recuo do combate à homofobia) se deram em um contexto de crise tendo como epicentro as denúncias contra o ministro da Casa Civil Antonio Palocci. Setores conservadores como a bancada ruralista e a bancada evangélica usaram a crise envolvendo Palocci como “moeda de troca” para avançar em seus interesses corporativos. Em relação ao Código Florestal, a vitória dos ruralistas foi ainda maior, a julgar pela comemoração da senadora e presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) Kátia Abreu. Segundo ela, “o texto traz avanços enormes”.


ABr

Para Kátia Abreu, “texto traz avanços enormes”

Não é o que pensa Paulo Adário, diretor da Campanha Amazônia do Greenpeace, para quem “o texto é um desastre para o Brasil” porque, “numa visão geral, reduz a proteção ambiental no país todo”.

ABr

Pegadinhas e retrocesso Já o advogado Raul Silva Telles do Valle, do Instituto Socioambiental (ISA), afirma que “o texto é recheado de ‘pegadinhas’, que tornam o novo Código, na verdade, um retrocesso. Seria, sob o ponto de vista do desenvolvimento sustentável, pior do que a legislação atual, de 1965”. Segundo ele, “nossas florestas vão estar menos protegidas do que em 1934, quando foi aprovado o primeiro código florestal brasileiro”. O advogado do ISA cita a inclusão da expressão “atividades agrossilvopastoris”, que permite, por exemplo, se plantar cana, eucalipto ou se criar gado nas chamadas

Presidente Dilma pode vetar “a vergonha”

APPs, que são topos de morro, margens de rio e estão no centro da controvérsia sobre o Código. Raul Valle considera que, na prática, a emenda extingue as APPs no território brasileiro. Na opinião do movimento ambientalista Greenpeace, “o projeto que passou na Câmara produziu o milagre de transformar uma legislação escrita para defender as florestas brasileiras em lei de incentivo à expansão desenfreada da agricultura e da pecuária. Ele premia o desmatamento, propondo a anistia a desmatadores, e incentiva a expansão sobre o que resta ao Brasil de matas nativas, reduzindo as exigências para que fazendas mantenham um percentual de seus terrenos com vegetação original e enfraquecendo a capacidade do governo central de gerir o patrimônio ambiental brasileiro”. O Greenpeace chama a atenção ainda para o fato de que com a aprovação do novo Código Florestal, “compromissos internacionais do Brasil estão ameaçados”. Na análise da organização ambientalista, a reforma do Código “põe em dúvida a capacidade do Brasil de manter seus compromissos de redução de emissões de gases do efeito-estufa assumidos durante a conferência do clima de Copenhague, em dezembro de 2009”. País em xeque O Greenpeace alerta que a decisão dos deputados de atropelar os compromissos do governo federal coloca em questão a credibilidade do País para sediar, no ano que vem, a Rio + 20. “A capacidade do Brasil de liderar uma ação global contra o desmatamento e as mudanças climáticas está sob sérias dúvidas”, diz Paulo Adário. “Se Dilma não agir para influenciar as decisões do Congresso no sentido de manter a proteção à nossa biodiversidade, seu governo terá sucumbido aos interesses do agronegócio, comprometendo a posição internacional do país”. Não é sem motivo que Rubens Ricupero, ex-ministro do Meio Ambiente e ex-diretor-geral da Unctad, comentou: “Aprovar o texto dará um argumento extraordinário para países que defenderão que a nossa agricultura só é capaz de concorrer por uma razão desleal, por atentar contra a biodiversidade”. A péssima repercussão internacional da aprovação do Código Florestal somouse, na mesma semana, a notícias do assassinato do casal de extrativistas, que lutava contra a devastação florestal e a exploração ilegal de madeira no entorno da comunidade de Maçaranduba, Sudeste do Pará.

Agrobanditismo A Comissão Pastoral da Terra (CPT) - ler “Heróis Verdes à espera de Justiça”destaca que “esta é mais uma das ações do agrobanditismo e mais uma das mortes anunciadas. O casal já vinha recebendo ameaças de morte. O nome deles constava da lista de ameaçados de morte registrada e divulgada pela CPT”. O retalhamento do Código Florestal e o assassinato dos ambientalistas repercutiram internacionalmente. Segundo a jornalista Daniela Chiaretti, “a leitura da imprensa internacional é a pior possível. Jornais e sites noticiaram o assassinato do líder extrativista e de sua mulher e citaram a votação do Código Florestal. Alguns textos listam os ativistas, juízes, padres, freiras e trabalhadores rurais assassinados na Amazônia e relacionam os crimes aos agentes do desmatamento”. Retomando o debate sobre o Código Florestal, dentre os pontos que mais irritaram o movimento ambientalista e o próprio governo encontra-se a anistia aos desmatadores. Por 273 votos a favor, 182 contra e 2 abstenções foi aprovado - com o apoio de boa parte da base governista - a inclusão no Código de concessão de anistia aos produtores que desmataram APPs às margens dos rios e encostas até 2008. A presidente Dilma considera essa emenda uma vergonha para o Brasil e deve vetar se não for alterada pelo Senado. A irritação aumentou ainda mais na medida em que ficou evidente que o aumento no ritmo do desmatamento na Amazônia nas últimas semanas de maio se relaciona com as expectativas da reforma do Código Florestal. Ofício assinado pelo secretário do Meio Ambiente de Mato Grosso, Alexander Torres Maia, relata que o Código Florestal criou a expectativa entre proprietários de terra de que não seriam concedidas novas autorizações para desmatamento. Outra expectativa criada foi de que os responsáveis seriam anistiados. “Não há como negar a forte vinculação entre o desmatamento e os processos de discussão da legislação ambiental”, diz o ofício. A anistia a desmatadores e a flexibilização das regras para que os estados participem de regularização ambiental podem ser alteradas no Senado, onde o governo tem maioria mais sólida. É o que vem indicando o governo: “É evidente que não ficamos satisfeitos com a votação final do Código. Mas não jogamos a toalha”, disse o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho. Neo Mondo - Janeiro/Fevereiro 2012

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Especial - Heróis Verdes

Nesta edição, cujo tema de capa são nossos Heróis Verdes, NEO MONDO relembra o que Zé Cláudio já havia previsto, ao classificar como “assassinato” a derrubada de árvores da região e ao dizer que ele próprio “vivia com a bala na cabeça” por causa das constantes denúncias contra madeireiros. “Vivo da floresta, protejo ela de todo jeito. Por isso, eu vivo com a bala na cabeça a qualquer hora, porque eu vou pra cima, eu denuncio os madeireiros, eu denuncio os carvoeiros e por isso eles acham que eu não posso existir”, denunciou. E disse mais: “A mesma coisa que fizeram no Acre com Chico Mendes querem fazer comigo. A mesma coisa que fizeram com a Irmã Dorothy querem fazer comigo. Eu estou aqui conversando com vocês, daqui um mês vocês podem saber a notícia que eu desapareci. Me perguntam: tenho medo? Tenho, sou ser humano, mas o meu medo não me cala. Enquanto eu tiver força pra andar, eu estarei denunciando aquele que prejudica a floresta”, afirmou. Não deu outra! O casal vivia há 24 anos em Nova Ipixuna, onde morava em uma área de aproximadamente 20 hectares, com 80% de área verde preservada. Lista macabra Zé Cláudio e Maria são como outras centenas de pessoas que estão numa lista elaborada pela CPT, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), marcadas para morrer simplesmente porque querem viver da terra, preservando-a. A lista, elaborada a partir do famigerado Massacre de Eldorado dos Carajás (1996), traz também o volume de ocorrências gravíssimas na região, entre elas, quase 30 mil pessoas em regime de trabalho escravo e mais de 30 mil famílias despejadas. Os mortos, de 1996 a 2010 (não incluídas as vítimas do massacre), somam 212. De olho na apuração No dia em que se completaram dois meses do assassinato do casal de extrativistas, a CPT pede em nota oficial, com mais uma dezena de entidades, que seja afastado o juiz Murilo Lemos Simão da condução do processo; a continuidade das investigações; e a federalização do processo. Isto porque: ...”Ao negar a decretação da prisão dos acusados por duas vezes, o juiz contribuiu para que esses fugissem da região e, mesmo que sejam decretadas suas prisões agora, a prisão do grupo se torna ainda mais difícil. O mesmo juiz, decretou o sigilo das investigações sem que o delegado que presidia

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Neo Mondo - Janeiro/Fevereiro 2012

Divulgação

Heróis Verdes à espera de Justiça

Maria e Zé Cláudio, há 24 anos em Nova Ipixuna: 20 hectares com 80% de área verde preservada

o inquérito ou o Ministério Público tenha solicitado. Muitos outros crimes de grande repercussão já ocorreram no Estado do Pará (Gabriel Pimenta, Irmã Adelaide, massacre de Eldorado, José Dutra da Costa, Irmã Dorothy) e, em nenhum deles foi decretado segredo de Justiça. Entendemos que a decretação do segredo de justiça é uma forma de manter os familiares, as entidades e a sociedade distante das informações. As decisões do juiz Murilo Lemos é mais um passo em favor da impunidade que tem sido a marca da atuação do Judiciário paraense em relação aos crimes no campo no Estado. “Ao não decretar a prisão dos acusados a segurança das testemunhas fica comprometida, na medida em que a polícia já divulgou os nomes das pessoas que apontaram em depoimento os acusados como responsáveis pelos crimes. Soltos poderão atentar contra a vida das testemunhas. Com os criminosos em liberdade, nenhuma testemunha terá a segurança e a tranquilidade de se apresentar perante o juiz para prestarem novos depoimentos, comprometendo dessa forma a garantia da instrução processual”. A CPT tem marcado posição firme na apuração desse e de outros fatos. Como ao denunciar: “a polícia civil do Pará concluiu as investigações e apontou como mandante dos crimes o fazendeiro José Rodrigues Moreira e como executores, os pistoleiros Lindonjonhson Silva Rocha (irmão de José Rodrigues) e Alberto Lopes do Nascimento. Mesmo identificando os executores e um mandante do crime, nenhum deles foi preso, todos encontram-se livres em lugar não sabido, graças a decisões do juiz Murilo Lemos Simão da 4ª vara penal da comarca de Marabá”. Não é por falta de denúncias como esta que as autoridades se mostrem pouco ativas, na verdade deveriam ser pró-ativas, no combate a crimes dessa espécie e punição dos seus autores.

Em outra nota, a CPT lembra que dois dias depois da morte “encomendada” de Zé Cláudio e Maria, “foi encontrado ... o corpo do trabalhador HERENILTON PEREIRA DOS SANTOS, que estava desaparecido. “... O corpo foi encontrado por um grupo de assentados a 50 metros de uma das estradas vicinais, distante 7 km do local onde José Cláudio e Maria foram assassinados. “... Herenilton e um cunhado seu encontravam-se trabalhando em sua roça às margens de uma estrada vicinal a uns 5 km do local onde o casal de extrativistas foi assassinado por volta das 8 horas da manhã. Já por volta de 8:40h os dois presenciaram a passagem, a poucos metros deles, de dois homens em uma moto, modelo Bros de cor vermelha, vestidos de jaqueta e portando capacetes. Um deles carregava uma bolsa comprida no colo. As descrições da moto, e dos dois motoqueiros, coincide com informações prestadas à polícia por testemunhas que presenciaram a entrada, no assentamento, de dois pistoleiros horas antes do crime naquela manhã. “... Herenilton tinha 25 anos, era pai de 4 filhos e vivia no assentamento desde criança”. Rotas de fuga Ante a descrição das cenas de horror, a CPT conclui: “Até o momento não podemos afirmar que o caso tenha relação com a morte de José Cláudio e Maria, mas também não podemos descartar essa hipótese. A polícia precisa esclarecer as causas do crime. O assassinato é prova de que a polícia, depois de 5 dias das mortes dos extrativistas, sequer tinha investigado as principais rotas de fugas do assentamento que os pistoleiros possam ter usado para fugirem após cometerem os crimes. “Como explicar que um assassinato, com características de pistolagem, ocorra dois dias depois e nas proximidades do local onde os extrativistas foram mortos com todo o aparato das polícias civil e federal, ‘vasculhando a região’ conforme anunciam?”.


Estudantes protestam em Brasília para que esperanças de dias melhores se concretizem

ABr

Partir da estaca zero Sobre se corremos o risco de retrocesso em relação ao Código de 1965 ou ainda podemos esperar um avanço, um aperfeiçoamento ou, quem sabe, um complemento, Roberto avalia: “Toda essa discussão levada a cabo por esses conservadores vai tirar o Brasil do século XIX para levá-lo até a primeira metade do século XX. O século XXI nem existe para a maioria de nossos congressistas; afinal, a política que praticam nesse caso lembra muito aquela utilizada pelos oponentes da abolição da escravatura, quando diziam que sem os escravos o Brasil não teria mais agricultura. Agora, o discurso é o mesmo, ou seja, sem a flexibilização da lei ambiental e a anistia dos infratores não teremos mais condições de produzir alimentos”. Roberto não se arrisca a apontar pontos positivos ou negativos. “Não cabe aqui discutir ponto por ponto do projeto, visto que o que está errado é exatamente utilizar-se o texto proposto pelo deputado Aldo Rebelo para então promover correções e negociações. Em minha opinião, esse texto deveria ser descartado, e toda a discussão da modernização do atual Código Florestal deveria ser recomeçada do zero, sendo conduzida por economistas e cientistas não ligados a lado nenhum sob o comando direto do governo, com óbvia participação de todos os setores interessados e da sociedade em geral. ABr

Mudanças de rumo As reações dentro e fora do País nos permitem dizer que, se ainda há esperanças, estas ficam depositadas nos que consideramos Heróis Verdes pelo modo como veem, pensam e propõem mudanças de rumo. O presidente da SOS Mata Atlântica, Roberto Klabin, em entrevista a NEO MONDO, já havia ponderado: “O que posso dizer é que toda essa polêmica infelizmente não discute o papel da maior importância que o Brasil poderia assumir no concerto das nações como a maior potência ambiental planetária. Essa, em minha opinião, é a maior vantagem competitiva brasileira. Energia limpa, clima propício, terra e água doce em abundância, a maior floresta tropical do planeta, ocorrência de aproximadamente 20% de todas as espécies vivas do planeta e, finalmente, população proporcionalmente pequena em relação ao tamanho do território nacional. “Se hoje o país se transforma em uma potência agrícola, imagine o seu futuro brilhante caso tirasse proveito desse conceito de potência ambiental e desenvolvesse suas atividades no campo agrícola de forma mais eficiente e sustentável. “Infelizmente, o que se vê é que as propostas dos setores mais conservadores da sociedade brasileira em relação à mudança do atual Código Florestal não levam o país a esse aprimoramento”.

Gilberto Carvalho: “Não jogamos a toalha”

“Esta é uma tarefa para estadistas, não para políticos de olho na próxima eleição apenas.” Clamor internacional Há um clamor internacional, repercutido pela ONG Avaaz, para que as pessoas façam sua parte levando o governo a vetar o projeto aprovado pela Câmara em maio. Como o Senado, até o fechamento desta edição, ainda não havia votado o Código, NEO MONDO endossa a sugestão do abaixo-assinado, que se encontra em www.avaaz.org/po/save_our_forest/?cl= 1130847677&v=9447>. Para o Avaaz, as florestas brasileiras correm perigo e a Câmara dos Deputados, na verdade, o que fez foi promover o esvaziamento do Código Florestal. A ONG cita dados relevantes, ao lembrar, por exemplo: • O projeto de lei gerou revolta e protestos generalizados em todo o país, e a tensão tende a subir, como mostra o fato de ativistas ambientais respeitados terem sido assassinados, supostamente por matadores contratados por madeireiros ilegais. • 79% dos brasileiros querem que Dilma vete as mudanças no Código Florestal, mas nossas vozes estão sendo desafiadas por lobbies de madeireiros. • As florestas brasileiras são imensas e importantes. A Amazônia sozinha é vital para a vida no planeta por oferecer 20% do oxigênio e 60% da água doce do mundo. Neo Mondo - Janeiro/Fevereiro 2012

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Especial - Heróis Verdes

O que muda com o novo Código Florestal O projeto de lei do novo Código Florestal (PL 1876/99), aprovado pela Câmara, altera a legislação ambiental em vigor desde 1965. Algumas das mudanças aprovadas podem ser modificadas durante a votação no Senado e, ainda, vetadas pelo governo. 1- Reserva Legal Como era A lei de 1965 previa a obrigação de reserva legal em todas as propriedades rurais. A reserva legal é um percentual mínimo de vegetação nativa que deve ser mantida nas propriedades. O percentual de preservação varia de acordo com o bioma: é de 80% na Amazônia, 35% no Cerrado e 20% nas outras regiões. O que mudou Os percentuais foram mantidos, mas o novo código dispensa propriedades com até quatro módulos fiscais (medida que varia de 20 a 400 hectares) de recompor a área de reserva legal desmatada. Para esses casos, não haverá obrigatoriedade de percentual mínimo de preservação, será válida para o cálculo qualquer quantidade de vegetação nativa existente até julho de 2008. Nos imóveis com mais de quatro módulos fiscais, o cálculo para reflorestamento pode descontar uma área equivalente a esse tamanho. O novo código também autoriza a recomposição em áreas fora da propriedade, desde que no mesmo bioma. Também autoriza o uso de espécies exóticas para reflorestamento dessas áreas.

2 - Plantações em áreas de preservação permanente (APP) de encostas e topos de morros Como era A legislação de 1965, ao proibir plantações em encostas e topos de morro, tornou irregular diversas propriedades.

4 - Regularização Ambiental Como era Pelo Código Florestal de 1965, os proprietários que não respeitaram os limites de reserva legal e de cultivos em APPs estavam ilegais e sujeitos a multas por crimes ambientais e embargo das propriedades.

3 - Desmatamentos em APPs Como era O Código de 1965 diz que é do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) a prerrogativa de definir atividades

O que mudou Será criado o Cadastro Ambiental Rural (CAR), onde a reserva legal será registrada sem a necessidade da averbação (registro) em cartório.

Como era

Fonte: Texto do Código Florestal aprovado pela Câmara

Neo Mondo - Janeiro/Fevereiro 2012

O que mudou Pelo novo texto, estados, o Distrito Federal – por meio do Programa de Regularização Ambiental – e a União poderão decidir sobre atividades agropecuárias em APP. Uma nova lei vai regulamentar o uso do solo com base nos critérios de utilidade pública, interesse social e baixo impacto. O novo código ainda libera plantações, pastos e atividades de ecoturismo e turismo rural em áreas de preservação permanente (APPs) até julho de 2008.

O que mudou O novo código permite plantações de café, maçã, uva e fumo já consolidadas em encostas e topos de morros com inclinação de mais de 25 graus, que são consideradas áreas de preservação permanente (APPs), e também em locais com altitude superior a 1,8 mil metros. A medida não permite novos desmatamentos nessas áreas. Nas áreas de preservação em beira de rios, o texto manteve as mesmas faixas de proteção estabelecidas hoje: 30 a 500 metros em torno de rios. No caso de rios com até dez metros de largura e que já tenham sido desmatados, a faixa de recomposição será de 15 metros.

Desmatamento em APPs

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em APPs, que podem ser consideradas de interesse social, utilidade pública ou de baixo impacto.

Como ficou


Depois de uma semana de intensas e extensas negociações com três tentativas de votação, entre 10 e 14 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou, por 410 votos a favor, 63 contrários e 1 abstenção, o novo Código Florestal na noite de 24 de maio. Ficaram para ser votados alguns destaques que pretendiam alterar o texto do relator Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Apenas o P-SOL e o PV recomendaram voto contrário à matéria. Aprovado o texto-base, os deputados rejeitaram, de uma só vez, os destaques apresentados pelos deputados que pretendiam alterar parte do relatório de Aldo Rebelo. Os destaques, propostos principalmente por deputados do PV, que tentavam suprimir partes do parecer, receberam do relator parecer pela rejeição. Em seguida foi iniciado o debate da emenda proposta pelo PMDB, de autoria do deputado Paulo Piau (PMDB-MG). Destacado pelo PMDB, ou seja, para ser votada nominalmente, o dispositivo dá aos estados e ao Distrito Federal (DF), assim como à União, o poder de legislar sobre a política ambiental.

ABr

Intensas e extensas negociações

Vaccarezza: “emenda muda essência”

Esse ponto é considerado um dos mais polêmicos e altera o Artigo 8º do texto de Aldo Rebelo. O líder do governo na Casa, Cândido Vaccarezza (PT-SP), anunciou que, caso ele seja aprovado e não for retirado no Senado, a presidente Dilma Rousseff irá vetá-lo. O destaque foi defendido com veemência pelo líder do PMDB, Hen-

rique Eduardo Alves (RN). Ele afirmou que a aprovação do destaque não significa derrotar o governo, mas será uma vitória da agricultura e da produção brasileira. Vaccarezza rebateu dizendo que a própria presidente Dilma teria dito que a emenda é “uma vergonha para o Brasil”. “A emenda muda a essência do texto do deputado Aldo Rebelo”, disse.

SERVIÇO Para saber mais, acesse: Ativistas marcham contra novo Código Florestal no Rio e em SP http://bit.ly/mnmoGz Senado precisa modificar o Código Florestal http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110619/not_imp734296,0.php Ministra vai recomendar veto caso Código Florestal seja aprovado no Senado sem mudanças http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/06/21/ministra-vai-recomendar-veto-caso-codigo-florestal-sejaaprovado-no-senado-sem-mudancas-924734864.asp Para senador, novo Código Florestal compromete a defesa do meio ambiente http://www.jb.com.br/pais/noticias/2011/06/16/para-senador-novo-codigo-florestal-compromete-a-defesa-domeio-ambiente/ Igreja Católica anuncia apoio contra o novo Código Florestal Brasileiro http://primeiraedicao.com.br/noticia/2011/06/22/igreja-catolica-anuncia-apoio-contra-o-novo-codigo-florestal-brasileiro

Neo Mondo - Janeiro/Fevereiro 2012

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Especial - Água

signo

Misteriosa e única no mundo por sua peculiaridade urbanística, Veneza conserva em suas águas a razão de existir, suas alegrias e suas dores também

Até Missa do Galo já teve seu horário antecipado por força do avanço das águas na Praça San Marco

Serviço de Videocomunicaçao/Prefeitura de Veneza

Sob o Da Redação

A

cidade parece flutuar sobre a laguna. Sereníssima, como era chamada no período em que era uma das mais influentes repúblicas marítimas da Itália. Sobre suas águas navegaram grandes marinheiros, mercadores e exploradores, como um de seus

mais ilustres filhos, Marco Polo. Shakspeare relembra a tradição mercantil da cidade em sua instigante obra O Mercador de Veneza, que nos remete a um passado de glória e poder. E quem, ao ouvir falar de Veneza, não pensa logo em um passeio de gôn-

dola por entre seus cerca de 180 canais? A água para os venezianos foi sempre fonte de prazer, luxo e riqueza. Sem ela, a cidade perderia sentido. A incrível laguna é, certamente, seu órgão vital, o seu coração.


da

Marés preocupam Para que a população não seja pega de surpresa, a Prefeitura criou, em 1980, um centro de controle e previsão das marés – Centro Maree. Ele fornece online informações sobre o nível das águas e também oferece dois sistemas de alarme em caso de acqua alta. Um deles é por meio de SMS, enviados aos assinantes deste serviço. Outro é por meio de um moderno sistema de sirenes. Neste ano, porém, na primeira noite de alta da laguna, o sistema apresentou falhas. Causa: falta de verbas para a manutenção. Nunca como em 2010 a sequência de alta das marés foi tão dura em Veneza. A quantidade expressiva superou todos os recordes de maré acima dos 80 cm, até então. E não foi o único recorde do ano. O número de ligações ao centro de previsão superou a marca de 500 mil chamadas; foram 2,5 milhões de visitas à internet, mais de 1 milhão de SMS, e as sirenes de alerta acionadas 31 vezes. O principal ícone de Veneza, a Praça San Marco, é um dos pontos que mais

sofrem. A água invade o local cerca de 200 vezes ao ano e tem provocado sérios danos à pavimentação. A Prefeitura promete providenciar a realização de obras de elevação e impermeabilização da praça, com um custo na ordem de 50 milhões de euros. Mas terá de esperar pelo financiamento do Estado italiano. Enquanto isso, já abriu as portas a empresas privadas para o patrocínio de obras de restauração dos monumentos. Além das fortes chuvas e do vento que empurra as águas do mar Adriático para dentro de Veneza, a elevação desmedida da laguna nos últimos tempos, segundo especialistas, tem ligação direta com o aumento do nível do mar, um reflexo do global warming. Em uma conferência da Organização das Nações Unidas para a Ciência, Educação e Cultura (Unesco), organizada no final do ano passado em Veneza, o cientista italiano Paolo Pirazzoli disse que recentes estudos revelam que o mar poderá elevar-se de 1,40 m até 2100, com um mínimo de

50 cm e uma média de 80 cm - dado visto com maior probabilidade. Cenário bem diferente do previsto, anos atrás, pelos especialistas do Ministério de Pesquisa Cientifica italiano, cujos dados reportavam um aumento em torno de 22 cm e até 31,5 cm como o número mais alarmante. Tais estudos foram efetuados para avaliação do sistema Mose. Trata-se do projeto gigantesco promovido pela capital italiana, hoje já em fase de construção, que prevê a realização de uma megaestrutura para barrar a entrada da água na laguna, em casos de maré alta. Entretanto, Pirazzoli ressaltou a inadequação deste sistema em termos de longevidade e funcionalidade. “O projeto foi pensado para um aumento previsto do nível do mar entre 20 cm e 30 cm, marca hoje superada pelas previsões atuais. As barragens deverão estar sempre fechadas, e a água continuará a passar do mesmo jeito. O Mose poderá ser insuficiente para defender Veneza”, disse na ocasião.

Consórcio Veneza Nova

Hoje, porém, a história recente de Veneza deixa no pretérito os requintes. Como dizem os italianos, nem tudo é rose e fiori. Problemas relacionados à água interferem nos negócios de turismo da cidade e afetam, principalmente, seus habitantes. São constantes os contratempos causados pela alta da maré, que em 2010 não deu trégua. Os mais evidentes estão relacionados aos danos às estruturas, à mobilidade interna e ao tráfego aquático. No último Natal, por exemplo, o sacerdote da Basílica de San Marco chegou a adiantar o horário da missa, sugerindo aos fiéis calçarem botas de borracha. Isso porque bastam 80 cm de maré alta para alagar a catedral e, naquela noite, era previsto um aumento de 130 cm a partir da meia-noite - horário em que tradicionalmente é celebrada a Missa do Galo.

A operacionalidade do porto será garantida por uma eclusa para grandes embarcações

Neo Mondo - Janeiro/Fevereiro 2012

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Ghetti, do Planejamento Estratégico: manutenção permanente Falta autonomia Outra pedra no sapato dos venezianos é a falta de autonomia sobre o seu território. Dá para imaginar a onda de preocupação e perplexidade que atingiu a cidade, quando no início do ano uma voz anunciou a revogação de um decreto de 1904, o qual passava os po-

deres dos canais de Veneza da Prefeitura para o Estado. Mas tudo foi prontamente desmentido pelo ministro da Simplificação Normativa Roberto Calderoli, que assegurou que o Canal Grande, a principal via d’água e cartãopostal de Veneza, era e continuaria a ser uma jurisdição municipal. Meno male, porque a questão repropunha com força a delicada matéria das competências sobre as águas internas da laguna - uma questão polêmica em Ca’ Farsetti, sede do governo municipal. Para se ter uma ideia, o jornal local La Nuova anunciou recentemente que o prefeito Giorgio Orsoni teria descoberto a existência de um projeto sobre as águas de San Marco lendo a notícia em suas páginas. “Se quisermos manter a cidade viva, devemos dar à Prefeitura plena autonomia sobre o seu território e capacidade de decidir o seu futuro. É também uma questão psicológica. Sobre grande parte das águas, nós não temos autoridade alguma”, declarou o prefeito. O projeto em questão prevê a construção de um píer de 54 metros na baía

Prefeitura de Veneza

Prefeitura de Veneza

Especial - Água

Giorgio Orsoni: cidade viva, só com autonomia da Prefeitura de San Marco, com um espelho d’água de 2,5 mil metros quadrados destinados, ao menos até o momento, a dois iates de luxo. A proposta foi feita por uma sociedade privada à Autoridade Portual - entidade que decide sobre a concessão de utilização daquelas águas.

Projeto Mose é pioneiro no mundo As discussões sobre como salvar Veneza dos alagamentos provocados pela maré alta começaram em 1966. Neste ano, a maré subiu quase 2 metros, provocando verdadeiro desastre. De lá para cá, o problema assumiu maiores dimensões, tornando-se mais intenso e frequente. Com o intuito de proteger a cidade desse fenômeno, que em 2010 sofreu grande intensificação, o governo italiano constrói gigantescas barragens móveis. Serão quatro no total, posicionadas nas três “bocas” de entrada da laguna: Lido, Malamocco e Chioggia. Este sistema, conhecido como Mose, é uma das maiores obras hidráulicas italianas dos últimos anos, e sua técnica não tem precedentes no mundo todo, nem mesmo tendo sido testada antes. Inseridas no fundo do mar, as barragens entram em ação por meio de um sistema pneumático, desfrutando assim o princípio de Arquimedes. O ar é insuflado dentro de cada uma delas, fazendo com que a água que as mantém abaixadas seja expelida e, por consequência, elas se levantem. O que deverá acontecer todas as vezes que a maré atingir o marco de 1,10 metro.

“Veneza é uma cidade frágil, que necessita de manutenção constante”, diz o assessor municipal de Planejamento Estratégico, Pier Francesco Ghetti. A água salgada que invade a cidade causa danos à sua estabilidade, uma vez que possui efeito corrosivo sobre suas estruturas e alicerces. Além disso, provoca distúrbios de mobilidade interna que impedem os cidadãos de realizarem suas atividades normais. “Tivemos um número crescente de maré alta que leva a cidade a uma situação particularmente danosa e até folclórica. Os turistas ficam encantados com esse evento, pois lhes dá a sensação de que a cidade está saindo da água. Para eles é um fato único e se divertem caminhando com grandes botas de borracha sobre a água”, conta o assessor. Mas a brincadeira é só para os turistas. Em base ao nível médio do mar, a água pode subir até 1 metro sem que invada as margens da cidade. Qualquer centímetro a mais, a água aparecerá sobre as estradas. Há mais um porém: nem todas as margens de Veneza têm a mesma altura. A Praça San Marco, por exemplo, fica embaixo d’água já aos 80 centímetros. Para resolver o problema, está em andamento um proces-

O projeto em números • 4 complexos de barragens móveis serão inseridas nas “bocas” de entrada da laguna: duas em Lido, uma em Malamocco e uma em Chioggia. Cada uma delas é composta por um determinado número de comportas - 78 no total. • 1 eclusa para grandes embarcações na “boca” de Malamocco garantirá a operacionalidade do porto, mesmo com as barragens em funcionamento. • 3 eclusas menores (duas em Chioggia e uma em Lido) garantirão o trânsito de barcos pesqueiros, iates e lanchas de resgate.

• 3 metros é a maré máxima que o sistema poderá barrar (a maior até hoje foi de 1,94 metro). • 60 centímetros em 100 anos é o aumento do nível do mar que o Mose poderá suportar. • 46 quilômetros de litoral estão sendo reforçados. • 65% da obra já foi completada. • 3.000 pessoas envolvidas direta ou indiretamente. • 9.000 metros de recifes artificiais criados dos 9.850 necessários para amenizar a intensidade das correntes marítimas.

Fonte: www.salve.it (site do Ministério de Infraestrutura e Transportes italiano para a proteçao de Veneza e sua laguna)

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Não são somente iates que entram no golfo de Veneza. Petroleiros, porta-contêineres, balsas e navios de cruzeiro são visitantes assíduos de suas águas, já bem frequentadas por gôndolas, barcos-táxi, vaporetos e ferryboats. Em 2010, mais de 2 milhões de turistas entraram na cidade via mar. O mercado está em contínua expansão e levou o porto de Veneza a ser classificado como o primeiro home port do Mediterrâneo. Mas será que essa geração de riqueza justifica alguma coisa? Grupos engajados na preservação da laguna dizem que não. Segundo fontes locais, toda essa movimentação provoca efeitos danosos. As grandes embarcações movem

milhares de toneladas de água e, sobretudo, sugam água dos canais, aumentando a erosão e danificando as suas margens. É uma questão difícil. Mas as autoridades estão trabalhando em medidas que mantenham um equilíbrio entre as atividades produtivas e a conservação ambiental. De acordo com a entidade que realiza as obras do Mose, as barragens não defendem somente a cidade de Veneza, mas um ecossistema grande de 550 km quadrados - uma das zonas úmidas mais importantes do Mediterrâneo. E muitas ações para recuperar a morfologia e a biodiversidade da laguna já estão sendo efetivadas.

Os maiores picos de maré Data

Altura (cm)

16 de abril de 1936

+ 147

12 de novembro de 1951

+ 151

15 de outubro de 1960

+ 145

4 de novembro de 1966

+ 194

3 de novembro de 1968

+ 144

22 de dezembro de 1979

+ 166

1° de fevereiro de 1986

+ 158

8 de dezembro de 1992

+ 142

Percentuais de alagamento de acordo com a quota de maré

6 de novembro de 2000

+ 144

+ 100 cm: 5% + 110 cm: 14% + 120 cm: 29% + 130 cm: 43% A partir de 140 cm, mais de 54% do território de Veneza é alagado

16 de novembro de 2002

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1° de dezembro de 2008

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25 de dezembro de 2009

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24 de dezembro de 2010

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Fonte: Prefeitura de Veneza (www.comune.venezia.it)

efetiva funcionalidade e durabilidade. Há a preocupação da parte de cientistas e grupos da comunidade civil quanto aos riscos de um mecanismo que permanece no fundo do mar - dando poucas possibilidades de correção e manutenção – e à sua capacidade de bloquear as marés, caso as previsões mais catastróficas se confirmem. Mas o governo tranquiliza esses setores. Um verniz especial será utilizado para proteger as barragens das agressões do ambiente marinho. Além disso, garante que o Mose é capaz de proteger Veneza das marés de até 3 metros e foi projetado para enfrentar as mudanças climáticas que preveem aumento de até 60 centímetros do nível do mar nos próximos 100 anos. O problema, segundo o cientista italiano Paolo Pirazzoli, é que os últimos estudos revelam dados mais alarmistas, como a possibilidade de o aumento do nível do mar chegar a 1,40 metro. Caso em que o Mose não seria suficiente. Posição que reacende o debate sobre a grande obra: o Mose é irreversível, e as incertezas são muitas. Fotos: Consórcio Veneza Nova

so de elevação de todas as margens de Veneza à quota 100 centímetros (1 metro). Uma vez nivelada, o Mose fará o resto do trabalho. O sistema já se encontra em fase avançada de construção (65% concluídos) e custará aos cofres públicos cerca de 4,5 bilhões de euros. Esta fortuna vai para o Consórcio Veneza Nova, concessionário único para a realização do projeto formado pelas principais construtoras da Itália. Veneza goza de uma lei especial, que lhe garante uma elevada verba do governo italiano para a manutenção do seu patrimônio. Entretanto, devido aos altos custos do projeto, parte desse dinheiro não chega mais, e áreas como a cultura ficam “a ver navios”. Motivo que gerou grande contestação nas esferas política e social na época de sua implementação. Iniciado em 2003, o sistema torna-se indispensável para a segurança da cidade e deve ficar pronto em 2014. Com as previsões de mudança climática, a obra faz-se mais urgente. Mas o fato de ser uma iniciativa inédita no mundo levanta algumas questões sobre sua

Fonte: Prefeitura de Veneza (www.comune.venezia.it)

Projeto Mose, mais de 60% concluídos, ainda causa polêmicas e gera incertezas

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Especial - Heróis Verdes

Julia Gillard

– Heroína do meio ambiente ou vilã da economia australiana? Primeira-ministra anuncia pacote para implantação de imposto sobre emissão de carbono – objetivo é barrar aquecimento global Da Redação

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nquanto a situação econômica da Grécia preocupa a União Europeia e os Estados Unidos ainda lutam para recuperar suas finanças, na Austrália, o assunto da atualidade é ligado ao meio ambiente. Em 10 de julho, a primeira-ministra australiana, Julia Gillard, oficializou a proposta de adoção de um imposto sobre a emissão de carbono, a ser aplicado a partir de julho de 2012. O objetivo da medida, segundo a premier, é iniciar um processo de transição no país, cuja principal fonte de energia atual é o carvão, uma das mais poluidoras que existem. “Muitos australianos concordam que nosso clima está mudando e isso é causado pela poluição gerada pelo carbono, que causa efeitos nocivos em nosso meio ambiente e na economia. O governo tem que agir. Economistas concordam que o melhor caminho é fazer os poluidores pagarem pelo carbono”, explicou em seu discurso. Apesar de afirmar que acredita no entendimento popular, na prática, Gillard vem enfrentando uma verdadeira batalha para vender sua proposta. Setores estratégicos para a economia do país, como a mineração e a construção civil, vêm criticando duramente a primeira-ministra. Isso porque a cobrança de 23 dólares por tonelada de carbono emitida poderá implicar fortemente na rentabilidade dessas áreas.


“A indústria vem deixando bem claro que o imposto terá dois impactos significativos. O primeiro é que o futuro de pelo menos 18 minas de carvão as quais têm uma combinação de altos níveis de metano emitido e altos custos estruturais, estará ameaçado. O segundo é que, no futuro, o emprego nas minas terá uma queda de 37% a mais do que se não houvesse imposto sobre o carbono”, declarou Ralph Hillman, diretor-executivo da Associação Australiana de Carvão ACA, em comunicado à imprensa. Somente as minas de carvão, são responsáveis por cerca de 137 mil postos de trabalho – 37 mil diretos e 100 mil indiretos, segundo a (ACA). Entre 2008 e 2009, segundo a Associação, as minas movimentaram cerca de 50 bilhões de dólares australianos em exportações. “Nenhum grande exportador de carvão tem imposto sobre o carbono. Nenhum. Vamos cortar emissões, não empregos” é o que prega o anúncio de página inteira que a Associação tem divulgado nos principais jornais do país. E a opinião não é restrita aos produtores de carvão. “O pacote do imposto do carbono anunciado pelo governo é muito pobre em investimentos em nosso meio ambiente e no nosso futuro econômico. É um exercício de futilidade, não uma confiável e efetiva política para a mudança climática”, declarou Mitchell Hooke, executivochefe do Conselho Mineral da Austrália, que representa os setores da mineração e indústria de processamento de minerais. Segundo o executivo, com o pacote do imposto, as indústrias minerais encararão custos de 25 bilhões entre 2012 e 2020. Aproveitando a insatisfação da indústria, a oposição ao governo de Gillard vem batendo pesado contra o imposto. “Tenho visitado dezenas de shopping centers, fábricas e minas. Os australianos estão preocupados com seus empregos e com o custo de vida, que só aumenta. Agora o imposto sobre o carbono vem fazer uma situação difícil ficar ainda pior”, declarou o líder oposicionista Tony Abbot, membro do partido Liberal e adversário da primeira-ministra na última eleição parlamentar. No mesmo dia em que Gillard foi à imprensa para divulgar os detalhes de seu pacote, Abbot contatou executivos dos principais canais de televisão, solicitando igual tratamento.

O liberal colocou em dúvida a eficiência do plano no controle do aquecimento global e ainda defendeu que será desastroso para a economia. “Você não protege o meio ambiente tornando a vida mais cara e exportando empregos. Os australianos não usarão menos aço, alumínio e cimento – nós somente importaremos estes produtos de países que não tem imposto sobre o carbono”, declarou. A premier, porém, garante que o pacote de medidas a ser adotado com a cobrança da taxa implicará consequências mínimas na economia. “O impacto será modesto, mas eu sei que o orçamento familiar é sempre apertado. Por isso, decidi que a maior parte da arrecadação do carbono será usada para cobrir cortes de impostos, aumento de pensões e pagamentos familiares maiores”, anunciou. Sua previsão é que, por meio das medidas adotadas, o aumento do custo de vida poderá ser compensado com a redução de impostos e programas de suporte financeiro. Segundo a premier, para cerca de 4 milhões de chefes de família, incluindo todos os aposentados que dependam exclusivamente da pensão, os cortes serão 20% mais altos do que o aumento do custo de vida. “Eu também entendo que não há nada mais importante para as famílias do que o emprego. Por isso, tomaremos medidas especiais para apoiar o emprego e manter a Austrália competitiva. Bilhões de dólares serão usados para financiar investimentos em energias limpas”, garantiu. Algumas medidas anunciadas visam proteger determinados setores. A indústria do aço está sendo apontada como uma das mais beneficiadas. O setor receberá cerca de 300 milhões de dólares em concessões, de forma a compensar os custos gerados pelo imposto. Australianos divididos No meio do fogo cruzado, os australianos parecem divididos. A simples proposta de taxação é vista com desagrado por muitos, já que a promessa de campanha da primeira-ministra, eleita em junho de 2010, foi exatamente oposta: manter as emissões livres de qualquer imposto. Logo que assumiu o cargo, porém, Gillard mudou de posição e seu governo vem desenhando o plano Clear Energy Fu-

ture (Futuro com Energia Limpa), Mas o que leva a primeira-ministra a propor algo tão polêmico, pondo em risco sua sobrevivência política? Segundo ela, a urgência de dar o primeiro passo. “O primeiro governo australiano a anunciar um plano para taxação do carbono foi o de John Howard, em 2007. Muita coisa aconteceu desde então, o debate tem sido difícil e decisivo. Mas 2011 é o ano em que decidimos que, como nação, queremos um futuro de energia limpa”, declarou. Algumas estatísticas ajudam a entender o tamanho do problema. Segundo o IRESS, apesar da Austrália não figurar entre os principais emissores de carbono mundiais, os australianos têm a pior “pegada ecológica” per capita do planeta: geram 23,7 toneladas de carbono por ano.

Perfil Nome: Julia Eileen Gillard Nasceu em: 29 setembro 1961, em Barry, País de Gales Formação: Direito e Artes na Universidade de Adelaide Primeira eleição: Presidente da União dos Estudantes da Austrália em 1983 Eleita para o Parlamento pela primeira vez em: 1998 Outros cargos políticos: Vice Primeira-Ministra, Ministra do Trabalho, da Educação e da Inclusão Social no Governo de Kevin Rudds, entre dezembro de 2007 e junho de 2010 Fatos: Nascida no País de Gales, mudou-se para a Austrália, ainda criança, após contrair um infecção. Por recomendação médica, seus pais procuraram um clima mais quente e encontraram no país o ambiente ideal. Sem filhos, Gillard vive há quatro anos com seu parceiro, Tim Mathieson, um cabeleireiro. É a primeira mulher a ocupar o posto de primeira-ministra.

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Especial - Heróis Verdes

Plano Futuro de Energia Limpa Confira os principais pontos do plano anunciado pela Primeira-Ministra • Criação de um imposto sobre emissão de carbono Cerca de 500 dos maiores poluidores da Austrália terão que pagar 23 dólares por tonelada de carbono emitida. A cobrança iniciará em 1º de julho de 2012 e terá duração de três anos, com direito a reajuste de 2,5% ao ano. A partir de 2015, porém, o imposto será substituído pelo sistema de “cap-and-trade”, no qual são estabelecidos limites de emissão para cada setor ou grupo. • Suporte financeiro a indústrias expostas a prejuízos devido ao imposto, entre elas alimentação, exploração de metais e eletricidade. Investimento na proteção do emprego das industrias do aço e do carvão. • Assistência às famílias para minimizar os impactos do aumento do custo de vida. Corte de impostos, aumento de pensões e benefícios serão oferecidos. Cerca de 50% do imposto sera gasto com assitência. • Investimento de 10 bilhões de dólares no desenvolvimento de projetos de geração de energia limpa. Fonte: Clear Energy Future – Australian Government

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Mais uma vez a eletricidade baseada no carvão é a principal vilã, responsável por 37% das emissões. E é por este motivo que, ao menos aos olhos das organizações de defesa do meio ambiente, o imposto do carbono pode ser um bom começo. “Este é um bom primeiro passo para um futuro de energia limpa. O pacote anunciado não vai longe o bastante para responder à mudança climática, agora, porém, temos uma estrutura e poderemos trabalhar para uma ação ainda mais forte contra a mudança climática”, declarou o Green Peace Austrália. Para Gillard, porém, o desfecho do plano ainda é incerto. Se vitoriosa, poderá colocar a Austrália entre os líderes globais da energia limpa. Entretanto, se fracassar, será vista como a responsável pela desestabilização de uma, até então, bem-sucedida economia. Em ambos os casos, seu nome estará marcado na história do país.

Primeira mulher a ocupar o posto de primeira-ministra da Austrália, Julia Gillard enfrenta críticas de vários setores devido à proposta de taxação do carbono

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Neo Mondo - Janeiro/Fevereiro 2012


COLEÇÃO

A coleção “Bullying Bullying Não É Brincadeira Brincadeira” conta com seis livros que abordam questões sobre o preconceito, a diversidade e a inclusão com uma linguagem simples, sensível e divertida. As personagens são cachorrinhos que passam por situações semelhantes àquelas que as crianças vivenciam nas escolas. Traz ilustrações adequadas à faixa etária de 5 a 8 anos, ensinando os pequenos a aceitarem as diferenças para que possam agir com respeito desde a infância. Os textos são da escritora e pedagoga Silmara Rascalha Casadei, com ilustrações de Ricardo Girotto.

VENDAS Oscar Lopes Luiz

(11) 2679-1690 / 8234-4344 oscar@neomondo.org.br Neo Mondo - Setembro 2008

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Especial - Dia Mundial do Meio Ambiente

NEO MONDO, a cultura sempre presente Chancela da Lei Rouanet nos fará ainda mais empenhados no aprimoramento sociocultural, ao lado do socioambiental Da Redação

A

cultura brasileira, nas várias acepções do conteúdo que esta palavra significa, bem como na riqueza de sua diversidade, sempre mereceu de NEO MONDO atenção especial. A recente chancela da Lei Rouanet, conseguida pela publicação, é um reconhecimento a esta trajetória e certamente nos tornará ainda mais empenhados na abordagem de temas que dizem respeito a um aprimoramento sociocultural, igualmente sustentável, ao lado da consciência socioambiental que procuramos aprimorar. Seja na escolha dos temas, desenvolvidos de acordo com pautas cuidadosamente elaboradas, seja na qualificação das fontes e personagens que compõem as matérias da revista.

Trazemos a nossos leitores um guia com as matérias mais relevantes, ano a ano: Ano 1 da publicação Fevereiro de 2008 - Comportamento: o risco de a obesidade virar epidemia, ao contrário do que se pensa, que seja sinal de saúde e prosperidade; Teatro: Encenação da Fundação da primeira vila do Brasil, em São Vicente, que reúne 1,3 mil atores, entre famosos e anônimos.

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UM OLHAR CONSCIENTE

Ano 1 - Nº 10 - Maio 2008 - Distribuição Gratuita

Abril de 2008 - Comportamento: o bullying como prática a ser combatida, por se tratar de violência mascarada que atrapalha até mesmo o rendimento escolar. Maio de 2008 - Social: “Respeito é bom, e criança gosta”, sobre maus-tratos a pretexto de “educar” alguém.

Treme Brasil

Mata Atlântica

Vá pedalando

Terremoto paulista

O que restou do paraíso

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Ciclovias em Santos

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Edição de maio de 2008


Percussionista e compositor cria o personagem Dr. Plástico, que faz da Arte meio de transformação do ser humano; Social: Bola pra Frente faz da Educação integral a prática do olhar consciente (slogan da revista).

Edição de agosto de 2008

Agosto de 2008 - Folclore: é parte do meio ambiente, pelo que representa como patrimônio cultural em seus aspectos material e imaterial. Setembro de 2008 - o Festival Folcórico de Parintins como exaltação do meio ambiente, das riquezas culturais e da criatividade, que colocam a lenda tipicamente brasileira, de origem nordestina, no roteiro cultural internacional. Dezembro de 2008 - Comportamento: “Sustentabilidade é Sobrevivência”, se o objetivo comum for o de alcançar vida em equilíbrio na Terra.

Agosto de 2009 - Edição Especial com 56 páginas sobre a Diversidade Cultural, temática reconhecida pela Unesco como patrimônio comum da humanidade. Nas páginas de NEO MONDO desfilam o pioneirismo de Gilberto Freyre; a evolução demográfica no País; nossos índios; comunidades quilombolas; povos e comunidades tradicionais; o idioma como expressão da identidade cultural; expressões do patrimônio histórico e artístico nacional; os imigrantes; os biomas brasileiros. Setembro de 2009 - Literatura: História em Quadrinhos brasileira projeta o criador Maurício de Sousa em 126 países com direito a reconhecimento do Unicef e utilização de seus personagens em projetos educacionais; Pintura: portador de paralisia cerebral, artesão pinta com a boca, vive do que cria com garra e apelo social, ao inovar nas artes plásticas e abrir sua loja virtual; Escultura: “Grito Brasil Salva Amazônia” e a mostra Natura são expoentes da arte consciente do polonês naturalizado brasileiro, Frans Krajcberg. “Nasci neste planeta”, diz o artista, revoltado com a passividade não só do povo, mas de intelectuais.

Ano 2 Abril de 2009 - Social 1: o Instituto Ayrton Senna, aliança de Responsabilidade Social por uma Educação qualificada com ênfase na Arte como meio de alcançar o objetivo; Social 2: Brinquedos e Brincadeiras como Patrimônio Cultural da Humanidade, projeto da PUC-Campinas, recebe o selo Unesco; Patrimônio Cultural: legado de Paulo Freire é referência no Brasil e no mundo; Cultura como elo da identidade do brasileiro, na visão da profa.-dra. Dilma de Melo Silva, docente de Cultura Brasileira na USP. Julho de 2009 - Social: Educação qualificada, só com respeito às desigualdades, conforme PERFIL (nosso equivalente às “Páginas Amarelas” de Veja) com a coordenadora do Unicef no Brasil; Música:

Edição de setembro de 2009

Edição de outubro de 2009

Outubro de 2009 - Cinema/TV: Renato Aragão coloca sua arte cênica a serviço de causas sociais, em 50 filmes realizados e 50 anos de carreira na telinha; Educação Ambiental: projeto Criança Ecológica quer alcançar 60 mil estudantes na rede pública paulista; TV: Laboratório de Pesquisa sobre Infância, Imaginário e Comunicação (Lapic), da ECA/USP, esclarece aspectos controversos da programação televisiva sobre crianças de 7 a 11 anos; Educação Integrada: Fura-Bolo, da Cargill, resgata a cultura popular e incentiva o prazer pela leitura em 13 municípios de 8 estados brasileiros; Pintura: artista plástico paulistano, radicado em Nova York, Duda Penteado transcende todo limite, como o da arte pela arte. A mostra Beauty for Ashes - Das cinzas à beleza, para ele, uma releitura de Guernica, de Picasso, é um de seus projetos de maior projeção internacional. Enfocar a paz no mundo, sustentabilidade do planeta e formação de cidadãos o deixam à vontade tanto em seu ateliê como nas ruas ou em palestras para crianças e adolescentes. Novembro de 2009 - Social 1: Gol de Letra, mais que o nome da Fundação, é um grande centro cultural, esportivo e educativo, na definição de um de seus criadores, o craque Raí. Há 13 anos no campo social, tem marcado muitos gols de placa, tanto que é reconhecida como instituição modelo pela Unesco; Social 2: Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente beneficiou, em

Neo Mondo - Janeiro/Fevereiro 2012

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Especial - Dia Mundial do Meio Ambiente

quase 20 anos de atividades, mais de 6 milhões de brasileiros em ações que lhes garantem acesso a cultura, educação, inclusão digital, entre outros avanços; Fotografia: Pedro Martinelli, Prêmio Esso de Jornalismo e pós-graduado em mato pelos irmãos Villas Bôas, é quem se pode definir como “doutor das lentes”. Pedrão, como é conhecido, documenta a Amazônia desde 1973, e nesses quase 40 anos fez um trabalho inestimável, que o torna cético, porém, quanto ao futuro da região: “Problema maior é a degradação humana... Se nada for feito, não dura mais 20 anos”, alerta o fotógrafo de projeção internacional.

Edição de fevereiro de 2010

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Ano 4 - Nº 38 - Dezembro 2010 - Distribuição Gratuita

Surge uma

NOVA TV Aziz Ab’Sáber

NEO MONDO TV

Polêmico

08

Código Florestal

Sensacional

26

Problema Crônico

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Edição de dezembro de 2010

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Neo Mondo - Janeiro/Fevereiro 2012

Ano 3 Fevereiro de 2010 - Comportamento: Carlos Nobre, pesquisador titular do Inpe, defende reviravolta nos valores culturais e de consumo, para “desaquecer” o planeta. O pano de fundo foi a tragédia que se abateu sobre São Luiz do Paraitinga, cidade conhecida pelo seu expressivo patrimônio cultural; Social: Fórum Mundial, em sua 10a. edição, em Porto Alegre (RS), defende que um outro mundo é possível, se respeitada a diversidade; Multimídia: Audiodescrição dá oportunidade a deficientes visuais de usufruir melhor filmes, peças de teatro e programas de TV, além de eventos como desfiles de moda; Cinema: filmografia com ênfase na temática socioambiental ganha nova força com Avatar. Há pelo menos outros 6 títulos que permitem concluir que se pode ser eco sem ser chato. Setembro de 2010 - Comportamento: doutor em Filosofia Política, da qual é professor titular na Unicamp, Roberto Romano defende uma luta sem tréguas para mudar “posturas éticas negativas”. Na visão do pensador, “o mundo caminha para o fascismo”. Dezembro de 2010 - Multimídia: O Instituto Neo Mondo anuncia arrojado projeto, a Neo Mondo TV via web, que pretende ser um marco na TV mundial. Seu carro-chefe, o jornalismo Neo Mondo apresentado pelo experiente jornalista e apresentador de tv e rádio Humberto Mesquita. O presidente do Instituto, Oscar Lopes Luiz, avalia que se trata de tomar atitude, acima de tudo, que contribua para uma reviravolta cultural nesse meio; Meio ambiente: TEDxAmazônia reúne mais de 400 pessoas no coração da floresta. Elas debateram com especialistas de várias áreas, vindos do Brasil e do exterior, a melhor maneira de se alcançar a “Qualidade de vida para todas as espécies”. A exemplo de TEDx realizados anualmente pelo mundo, o amazônico - qual ‘campo de concentração´ na maior seca que a região já enfrentou - tornou-se um insight de ideias. Entre elas, a de que “não se pode dissociar a cultura da natureza”; Literatura: Fábrica de Brinquedos, lançamento da Editora Ática na Bienal do Livro, é mais uma criação do parceiro de NEO MONDO, Ricardo Girotto. Instrumento

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Ano 4 - Nº 37 - Setembro 2010 - Distribuição Gratuita

AMAZÔNIA

A última fronteira Roberto Romano 06

Império disfarçado

Cidade de Santo André 12

Na contramão

Usina de Belo Monte 34

Árdua empreitada

Edição de setembro de 2010

importante no aprendizado, o livro traz, além das instruções para fabricar 12 brinquedos consistentes, inspirados em datas comemorativas, curiosidades e informações sobre essas datas e personagens que compõem a rica cultura brasileira. Girotto resume: “... a ideia é aguçar a criatividade”. Iniciativas próprias Dignas de nota são também as iniciativas do Instituto Neo Mondo (cujo carrochefe é a revista), entre elas o Programa de Educação Socioambiental “Somos Amigos da Terra” e o Seminário “Gestão estratégica empresarial com responsabilidade social e ambiental”. Dois marcos do nosso empenho em incentivar no País a cultura do desenvolvimento socioambiental e sustentável, a começar de uma ponta do tecido social - a infância - até chegar à ponta da cadeia produtiva, que envolve a população economicamente ativa. Festa Literária Importante ressaltar que NEO MONDO é parceira, ao participar e divulgar em suas páginas, da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que desde a sua origem reúne nomes expressivos da literatura nacional e internacional. A 8a. edição da Flip, em agosto de 2010, com 147 autores, 21 deles convidados do exterior, foi considerada por estrelas internacionais como o melhor festival de literatura de suas vidas.


Nelson Toledo

Flip 2010: tenda dos autores foi palco de discussões emocionantes e acaloradas

Cameron se transformou na estrela maior do Fórum, ao lado de expressões do mundo político (Al Gore) e ambiental (Jean-Michel Cousteau), entre outros. Para um evento histórico, uma cobertura também histórica.

Arquivo Pessoal

Ferreira Gullar resumiu bem o espírito da coisa: “Arte existe porque vida só não basta”. Cerca de 20 mil entusiastas visitantes parecem ter concordado com o poeta brasileiro, a exemplo dos 40 jovens de Paraty, integrantes do projeto multicultural FlipZona.

A edição de NEO MONDO circulou com páginas em português e inglês. A novidade, de trazer parte do seu conteúdo bilíngue, chegou para ficar. A cobertura do Fórum, em 2011, seguiu na mesma linha, privilegiando a participação dos empresários, ressaltada até por um dos palestrantes ilustres, Bill Clinton. A revista, em suas edições virtual e impressa, atinge um público heterogêneo e qualificado, privilegiando os meios acadêmico-científicos, pelo que representam no aprimoramento da cultura brasileira, inserta no contexto de um mundo globalizado. Nossas edições chegam a universidades do País e do exterior, entre elas a USP, em São Paulo, Brasil; Harvard (EUA) e Humboldt (Alemanha), bem como circulam em estabelecimentos de ensino médio e fundamental. Agora, com a chancela da Lei Rouanet o Instituto Neo Mondo terá o alcance de suas realizações multiplicado de forma expressiva. O que nos permitirá contribuir na efetivação da grandiosa missão (preconizada por uma de nossas qualificadas fontes) de formar um País multirracial com respeito à diversidade, justiça social e desenvolvimento sustentável.

Fórum Internacional de Sustentabilidade NEO MONDO foi o único veículo da mídia especializada convidado para o histórico evento inaugural. De 26 a 27 de março de 2010, o caldo cultural, servido em Manaus, foi incrementado pela presença do cineasta James Cameron, diretor de Avatar (marco na história do cinema mundial).

Edição de Abril de 2010

James “Kapremp-Ti” Cameron aprecia a edição especial de NEO MONDO sobre o Fórum de 2010, recebida de nosso publisher, Oscar: papel da Imprensa reconhecido

Neo Mondo - Janeiro/Fevereiro 2012

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Cultura, Lazer & Arte

da boa! O homenageado da vez foi um dos ícones do modernismo tupiniquim, Oswald de Andrade. O escritor foi lembrado à altura pelo amigo Antonio Cândido, que provocou risos e foi muito aplaudido

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Da Redação*

* Com informações da Assessoria de Imprensa A4 Comunicação, estadao.com.br/Blogs e Diário de S. Paulo/Gois na Flip.


E

m sua nona edição, a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) foi marcada, como sempre, por celebridades, acrescida de boicote à italiana, causos e cachaça da boa para ajudar os desavisados autores estrangeiros a combater o frio intenso. A conferência de abertura serviu de aperitivo e tira-gosto dos mais saborosos para o que viria durante os cinco dias em que o público se deliciou com as participações de expositores e debatedores do País e do exterior. O professor e crítico literário Antonio Cândido, 93 anos, ao falar de “Mobilidade e devoração” lembrando o homenageado da vez, Oswald de Andrade, mais que uma palestra, fez o seu depoimento sobre o amigo. “Sobrevivente” da geração 30 anos mais jovem que a de Oswald, Cândido descreveu o amigo como alguém que era de fato “móvel” - constante nas ideias, mas diverso e volúvel nas opiniões do dia-a-dia - e queria mesmo “devorar o mundo”, ou seja, interessava-se por tudo e por todos. Muito aplaudido pela plateia, ao chegar e ao deixar o palco, Cândido contou inúmeras histórias da vida privada do escritor, descrevendo “traços da personalidade humana e literária” que, no mais das vezes, arrancaram boas gargalhadas do auditório lotado. Causos “Ele tinha o dom da expressão condensada”, definiu o conferencista. “Era capaz de concentrar significados em poucas palavras.” E contou um “causo” para ilustrar o dom. Nos anos 1940, quando se realizou em Belo Horizonte o II Congresso Brasileiro de Escritores, Oswald de Andrade não foi convidado. Ele fora excluído por Mário Neme, presidente da Sociedade Paulista de Escritores, que selecionara os membros da delegação paulista. Furioso, Oswald passou a atacar Neme publicamente – e por escrito. Pespegou-lhe o apelido de “grão-turco de Piracicaba”, o que ofendia triplamente a vítima: por ter nascido em Piracicaba, Neme era, portanto, “um caipira”; por ser descendente de libaneses, que odeiam os turcos, devia ser chamado de “turco”; e por ser o tirano que impedira Oswald de participar do Congresso, só podia ser o grão-turco, que é como a imprensa da época se referia ao grão-vizir turco, um notório déspota. Extraordinário poder de síntese. Cândido lembrou que até mesmo quando elogiava alguém, Oswald conseguia encaixar uma crítica a um desafeto – e os desafetos não eram poucos. Durante algum tempo, logo depois da publicação de “um ensaio muito severo sobre ele nos anos 40”,

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Wisnik e Cândido, duas autoridades em Literatura, destacaram o antropofagismo oswaldiano como algo dotado de muito humor

o próprio Antonio Cândido foi virulentamente agredido por Oswald. “Tempos depois, publiquei uma crítica favorável e ele me procurou”, recorda Cândido, “e me disse: ‘Ataquei você com violência e você manteve a serenidade. Vamos ser amigos’. E nos tornamos muito amigos mesmo.” Mas Oswald não teve a mesma sorte com Mário de Andrade, descoberto por ele. Brigaram, Oswald foi violento e Mário rompeu definitivamente: rechaçou todas as tentativas de aproximação do ex-amigo. “Quando Mário morreu, Oswald ficou desesperado, como me contou sua mulher, Maria Antonieta”, disse o professor. “Meses antes de morrer, em 1954, Oswald me chamou à sua casa. Estava um dia frio como hoje em Paraty e ele estava à porta da casa, tomando sol. Disse que precisava me dizer o seguinte: ‘Mário de Andrade foi a maior figura do modernismo brasileiro e Macunaíma é o melhor livro modernista. É o livro que eu gostaria de ter escrito’.” Cândido encerrou sua fala lembrando que Oswald “sempre viveu com alegria” e confirmou o título de um artigo de Ronald de Carvalho sobre o movimento modernista: “O claro riso dos modernos”. Era esse o riso de Oswald, que permanece, como observou Wisnik na palestra que se seguiu ao depoimento de Cândido (ler Vida ofuscou a obra), “extraordinariamente contemporâneo”. A “devoração” proposta por Oswald em seu Manifesto Antropófago “não pode ser diluída pela absorção cega de influências”. Ao contrário, disse Wisnik, “a antropofagia oswaldiana propõe a permeabilidade cultural seletiva e rigorosa”. Ou seja,

devorar, sim; mas com critério. E, de preferência, com muito humor. Afinal, como lembrou Antonio Cândido, “a literatura séria e alta não é incompatível com a alegria e com a brincadeira”. Rara entrevista Antonio Cândido é dessas pessoas raras, infelizmente, em nosso cotidiano. Às vésperas da Flip, permitiu-se dar uma entrevista (por entender que jornalista costuma não ser fiel ao que ele diz), que é possível encontrar em http://blogs.estadao.com.brflip/2011/07/06/ antonio-candido-fala-em-paraty/. Um dos comentários postados no blog fala mais sobre este sociólogo, que é considerado o mais importante crítico literário do País, do que qualquer análise especializada: “Vê-lo falar é um deleite. Impressionante, porque do jeito que conta nos leva para a atmosfera vivida naqueles tempos e dá uma aula, como sempre das boas. Certa vez tive o privilégio de conversar com ele, uma pessoa extremamente amável e solícita. Foi ao acaso, em um elevador em que ele pediume ajuda para segurar algumas coisas e saímos pelo corredor. “Segundos preciosos, pois é gostoso ouvi-lo falar, sempre com lucidez e clareza, qualquer que seja o assunto. Ele ia participar de um evento no Masp, com Chico Buarque de Holanda – uma homenagem a Sérgio Buarque de Holanda”. Um outro blogueiro avalia: “Cândido é o maior modelo de crítico e acadêmico. Os intelectuais podiam ter mais dessa mineirice, dessa serenidade criteriosa e dessas amizades”.

Neo Mondo - Janeiro/Fevereiro 2012

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Cultura, Lazer & Arte

André Conti

Ministra quer o Brasil mais lido lá fora

Ana de Hollanda: programa ousado para ser desenvolvido em parcerias

A ministra da Cultura, Ana de Hollanda, ao falar na Casa da Cultura de Paraty, explicou como vai funcionar o programa do Ministério que apoiará a tradução de obras brasileiras no exterior. A iniciativa prevê uma escala de investimentos ao longo de dez anos, começando com a cifra de US$ 635 mil em 2011 para totalizar US$ 7,6 milhões em 2020. As regras do programa ficam disponíveis no site da Biblioteca Nacional. Segundo a ministra, o momento é propício para um programa desse tipo. Ela acha que os europeus, sobretudo, demonstram um interesse especial pelo que acontece no Brasil, o que inclui a área cultural. “O português é um idioma muito falado, mas pouco conhecido”, ressaltou. Ana de Hollanda prevê que essa situação possa modificar-se, para melhor, em

Walter Craveiro

Para o angolano valter hugo mãe, a arte é condutor do que há de melhor nas pessoas

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decorrência de maior internacionalização de textos produzidos por literatos e pensadores brasileiros. A estratégia deverá contar, lá fora, com o apoio das embaixadas brasileiras, que serão incumbidas de contatar editoras e propor parcerias. Esta palavra, parceria, foi usada com frequência não apenas pela ministra, mas também pelos demais componentes da mesa. Entre eles, Mauro Munhoz, diretor-geral da Flip; José Carlos (“Zezé”) Porto Neto, prefeito de Paraty; o príncipe Dom João de Orleans e Bragança, cuja família tem laços antigos com a cidade; e Galeno Amorim, presidente da Fundação Biblioteca Nacional (FBN). Também presente no palco, mas sem fazer uso da palavra, a escritora Ana Maria Machado, secretária-geral da Academia Brasileira de Letras (ABL), que tem livros publicados em mais de 15 países. Drummond é o próximo Munhoz inovou, ao anunciar na coletiva de encerramento da Flip o nome do próximo escritor homenageado pelo evento: em 2012, será Carlos Drummond de Andrade. Como lembrou o curador Manuel da Costa Pinto, Drummond trabalhava no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

Diversidade Cultural A presença estrangeira confirma a Flip como acontecimento da maior relevância no que diz respeito à diversidade cultural. A exemplo do escritor angolano valter hugo mãe, que só assina com minúsculas e levou a plateia ao delírio. Solteiro, 39 anos, manifestou a vontade de ser pai. Esteve em Paraty acompanhado de um amigo português, que é eletricista. Sua Carta para a Flip fala por si: “Quando eu tinha 8 anos veio morar para a casa ao lado da dos meus pais um casal de brasileiros com duas filhas moças. Ao chegar, o casal ofereceu uma ambulância ao quartel de bombeiros da nossa vila e toda a vila se emocionou. Foram os primeiros brasileiros que eu vi fora da tv, fora das novelas. Eu e os meus amigos fomos ao quartel dos bombeiros apreciar a ambulância nova, bem pintada, que se

(Iphan) quando Paraty foi tombada. “Eu tinha pensado em Graciliano Ramos para a décima Flip, mas as pedras de Graciliano têm muitas arestas e as de Drummond, mais arredondadas, são certamente mais apropriadas para esta celebração”, disse. Munhoz também anunciou que a Associação Casa Azul, que organiza a Flip, prepara um livro comemorativo dos dez anos do evento. A cargo de Flávio Moura, que foi curador da Flip até o ano passado, a obra editará imagens captadas desde 2003. O diretor-geral do evento festejou, ainda, a iniciativa da Prefeitura de Paraty, pelas calçadas que construiu às margens do Rio Perequê-açú, ideia proposta pela Casa Azul há 12 anos. Neste ano, pela primeira vez, a Tenda dos Autores, a Livraria da Vila, a Tenda do Telão e um espaço novo, exclusivo para os parceiros e patrocinadores da Flip, foram alinhados ao longo do rio – e da nova calçada. “Gosto muito do novo espaço”, disse Liz Calder, a alma mater da Flip. Sem perder o aconchego do ano passado, acrescentou, a nova disposição das tendas ampliou substancialmente o espaço. A Flip 2011 teve entre 20 mil e 25 mil visitantes.

mostrava a todos como prova bonita da bondade de alguém. O meu pai tinha um carro pequeno, velho, difícil de levar a família inteira dentro. A ambulância era enorme, um luxo, como se fosse para transportar doentes felizes. Eu e os meus amigos ficamos estupefactamente felizes. Depois, algumas mulheres e alguns homens mais delicados reuniam-se diante da senhora e das moças brasileiras e faziam perguntas sobre as novelas. Naquele tempo, passavam com muito atraso em relação ao Brasil, e todos queriam saber avidamente quem casava com quem na Gabriela. A senhora e as suas duas filhas, porque sabiam o que ia acontecer nas novelas, eram aos olhos de todos como adivinhas, gente que via coisas do futuro, gente que viveu o futuro e que se juntou a nós para reviver o passado. Por causa disto, eram mágicas e as pessoas queriam a opinião delas para cada decisão.


A minha mãe pediu à nova vizinha a receita para fazer pizza, porque ainda não havia pizzarias e só víamos nas revistas como deviam ser bonitos e saborosos aqueles círculos de pão e queijo coloridos pousados nas mesas. Passámos a comer uma pizza de atum com muitas azeitonas pretas. Ainda hoje peço nos restaurantes pizza de atum com a esperança de que seja exactamente igual à da minha infância, mas nunca é. As moças brasileiras eram mais velhas do que eu e ficaram amigas das minhas irmãs. As minhas irmãs saíam com elas à rua inchadas de orgulho, porque as pessoas todas, sempre comovidas com a ambulância, faziam vénia e sorriam. Havia gente que dizia que as moças brasileiras eram as mais belas de todas. Elas eram, na verdade, sorridentes, e eu senti que também seriam muito felizes na nossa pequena vila. Um dia a minha imã mais velha fez anos e foi festejá-los com uma festa na garagem das brasileiras. Na noite desse dia, ali pelas oito horas, uma outra menina, filha de um vizinho português, mostrou-me tudo. Não foi a primeira vez, mas eu queria sempre ver, embora ela não quisesse sempre mostrar. Um amigo meu surpreendeunos e quis ver também, mas a menina respondeu que não. Ela disse que mostrava apenas a mim porque eu era amigo das brasileiras. Entendi que as brasileiras eram como um toque de Midas que me transformava num menino de ouro. Aos dezoito, aquele que é o meu amigo mais irmão chegou do Brasil e ingressou na minha escola. Eu instintivamente corri atrás dele. Queria ser amigo dele como se fosse vital para mim. Ele mostrou-me Titãs e Legião Urbana. Eu achava que o Renato Russo ia salvar a minha vida com aquela canção do Tempo perdido. Quando o Renato Russo morreu, chorei muito e passei só a chorar quando ouço o Tempo perdido. Eu não sei se a arte nos deve salvar, mas tenho a certeza de que pode conduzir ao melhor que há em nós, para que não nos desperdicemos na vida. O Alexandre, esse meu amigo brasileiro, mudou tudo em mim para melhor. Adorava viajar de comboio com ele quando entalávamos as meias mal cheirosas nas janelas para que arejassem durante a marcha. Nesse tempo, o Alexandre ensinou-me a perder aquela vergonha que só atrapalha. Porque os portugueses sempre foram meio envergonhados.

Hoje, temos quase quarenta anos, ele casou com uma portuguesa e tem filhos. Eu, não. Fiquei para tio a escrever romances, e os romances tornaram-se fundamentais na minha vida, como a máquina de fazer espanhóis. Sonhei sempre em vir ao Brasil e vim várias vezes, faltava vir como escritor, publicado e recebido. Pois aqui estou, a Flip fez isso, não esquecerei nunca, sinto que fazem de mim um homem de ouro, agradeço a todos muito por isso”. Entre crônica e ensaio Já o músico escocês David Byrne preferiu soltar o seu lado de cronista ou ensaísta, como autor de Diário de Bicicletas. A sua decisão anunciada, de não falar de música (e muito menos tocar) em Paraty pode ter desagradado alguns, a princípio, mas a Mesa 16 da Flip agradou a todos. E – surpresa – não só, ou talvez nem tanto, pela carismática presença do ex-líder da banda Talking Heads, mas antes pelo lúcido discurso de seu parceiro de palco. O engenheiro e sociólogo Eduardo Vasconcelos, um especialista em transportes, acabou por arrancar mais palmas da plateia. O Tour dos Trópicos, do qual participou, evocava o famoso Tour de France, cuja nonagésima edição ocorria simultânea à Flip. A alusão se justifica porque Byrne, além de ser um praticante há quase três décadas (desde antes das ciclovias) do ciclismo urbano, publicou no Brasil, no final de 2009, o seu livro pela Editora Amarilys. São textos que, na opinião do jornalista cultural Alexandre Agabiti Fernandez, mediador do encontro, situam-se entre a crônica e o ensaio, reunindo as observações de Byrne, como ciclista, em Berlim, Sydney, Londres, Buenos Aires e outros lugares do mundo.

“Claro que não componho canções quando ando de bicicleta”, disse, ao responder a uma pergunta do público. “Mas, por poder parar e observar as coisas de perto, tenho ideias inspiradoras.” Na opinião dele, Copenhague, Amsterdã e Berlim são as cidades mais amigáveis para o ciclista, mas ele prefere as menos organizadas, como Roma, Istambul e Salvador. Além de defender o uso urbano da bicicleta, Byrne criticou os modelos de cidades baseados em altas torres, condomínios fechados e grandes autopistas, que criam “zonas mortas” e isolam as pessoas. Na apresentação visual com que abriu a palestra, com imagens colhidas por ele próprio em diversos lugares do mundo, Byrne apresentou cenas impactantes do centro de cidades americanas. Em um desses casos, no início da tarde de um dia útil, não se via na rua mais do que duas ou três pessoas. “Provavelmente fumantes que desceram para fumar”, comentou. Vasconcelos, que fez pós-doutorado em urbanismo nos Estados Unidos e mora em São Paulo, com seu discurso calmo e articulado, criticou o modelo urbano vigente no Brasil, e triunfante em São Paulo, que privilegia o automóvel em detrimento do ciclista e do pedestre. Ele acha, no entanto, que é possível “virar o jogo no segundo tempo”, ou seja, criar uma consciência de cidadania que atenue o caos do trânsito, revertendo aos poucos o demasiado uso do carro das classes mais altas da sociedade. Walter Craveiro

“Lado B das cidades” Uma das grandes vantagens da bicicleta, segundo o músico, que também se dedica a temas como o transporte público e urbanismo sustentável, é que, com ela, pode-se descobrir o que ele chama de “o lado B das cidades”, numa referência às duas faces gravadas dos antigos discos de vinil. Isto significa, na prática, deter-se para ver de perto recantos, pessoas, ângulos novos da paisagem e pequenos eventos do dia-a-dia aos quais não prestaríamos atenção se estivéssemos andando mais rápido, dentro de um veículo motorizado.

O escocês David Byrne critica as altas torres, condomínios fechados e grandes autopistas que criam zonas mortas nas cidades

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Cultura, Lazer & Arte

Vida ofuscou a obra Ao depoimento de Cândido seguiuse uma apaixonada análise de Oswald por outro professor de Literatura, José Miguel Wisnik, este 30 anos mais jovem que o palestrante. Wisnik descreve Oswald como homem encantador e furioso, que “gostava de brigar e desbrigar”, cujo charme “desarmava as pessoas” e cujo humor sarcástico e ferino não conhecia limites. Para Wisnik, Oswald tinha uma personalidade tão poderosa que se falava mais dele do que de seus livros – os quais, aliás, eram muito difíceis de achar. “Pelo menos até 1954, quando ele morreu, eu, que sou um rato de sebos e livrarias, só consegui encontrar um único exemplar de Serafim Ponte Grande à venda”, recordou o professor. Nesse contexto, proliferavam as lendas sobre o homem e o escritor, entre elas a de que nomeara seu filho “Rolando Escada Abaixo” ou de que teria “sequestrado uma normalista no interior de Minas”. Além do que, como Oswald era extremamente suscetível a críticas e como o poder esmagador de seu sarcasmo era conhecido (e temido), ninguém ousava escrever sobre seu trabalho. O resultado de tudo isso foi que a vida de Oswald ofuscou sua obra. Foram necessários 30 anos para que a peça O rei da vela, um de seus textos mais importantes, criado em 1937, finalmente fosse montada, no Teatro Oficina, em São Paulo, por José Celso Martinez Corrêa Uzona.

O teatrólogo tornou ainda mais brilhante esta Flip, à frente do espetáculo Macumba Antropófaga, no encerramento em 10 de julho. A performance dos 22 atores do Teatro Oficina Uzyna, sob a direção de José Celso, foi na Tenda do Telão, de cujo interior, com parte das lonas laterais abertas, podia-se ver, ao longe, as montanhas da baía de Paraty. Aquele domingo cobriu-se de suave anoitecer e ofereceu uma variação de luz com certo efeito de encantamento sobre a movimentação intensa das moças e rapazes, quase todos seminus, que em suas idas e vindas arrastavam com eles um público que, empolgado, mas também indeciso, não sabia bem para onde devia olhar. Pira e bisteca No centro da tenda, um amplo quadrilátero de areia, como um terreiro de macumba, tinha ao centro uma pira que depois, acesa, transformou-se, por assim dizer, em uma churrasqueira. Dali surgiu a bisteca que, quase ao final do espetáculo, marcou o momento máximo do ritual antropofágico. O impacto sobre o público não poderia ser mais intenso. No telão, de início, foram projetadas imagens associadas ao ambiente cultural da antropofagia, como a tela Abaporu, de Tarsila do Amaral, e o rosto do escritor Oswald de Andrade, o homenageado na Flip deste ano. Numa segunda fase do espetáculo, entretanto, ali apareciam as cenas capta-

das pela câmara operada pelos próprios atores. Os espectadores, se quisessem, podiam acompanhar o que se passava dentro e fora da tenda. Não houve, em nenhum momento, a possibilidade de assistir ao espetáculo comodamente sentado, como num teatro convencional. Quando as pessoas sentavam, Zé Celso, que circulava na tenda vestido de branco, com uma túnica plástica, insistia para que elas levantassem. Em seguida, o contrário. As pessoas se agitavam, em pé, e aí era a vez dos atores fazê-las sentar e pedir silêncio. Essa alternância de ritmos marcou o espetáculo do início ao fim. No início da noite, muitos espectadores também tiraram a roupa e foram fazer companhia aos atores no centro do terreiro. O elenco distribuiu vinho e frutas. Já perto das 8 horas da noite, três autores que tomaram parte da Flip compareceram à Tenda do Telão, acompanhados do curador, Manuel da Costa Pinto, com seus livros de cabeceira. A argentina Pola Oloixarac leu um trecho de Fogo Pálido, de Vladimir Nabokov; o angolano valter hugo mãe recordou o início de Metamorfose, de Franz Kafka; e finalmente o poeta gaúcho Eduardo Sterzi recitou o poema Em “Creta com o Minotauro”, do português Jorge de Sena. Depois deles, vários dos atores do espetáculo subiram à mesma bancada, com o formato de uma bigorna, no centro do terreiro, para cantar ou apresentar trechos de outras obras literárias.

Walter Craveiro

José Celso, autores, atores e público celebram na Tenda do Telão espetáculo de impacto íntenso

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O italiano Antonio Tabucchi, convidado, não compareceu. Foi a sua forma de protestar contra a decisão da Justiça Brasileira de permitir a permanência do italiano Cesare Battisti no Brasil. No lugar dele, estiveram na Mesa 8 sobre “Ficções da crônica” o escritor Ignácio de Loyola Brandão e o psicanalista Contardo Calligaris. A mulher de Tabucchi, Maria José de Lancastre, autora de livro sobre Fernando Pessoa, faltou a um debate sobre o português na Casa da Cultura. O pernambucano José Paulo Cavalcanti, autor de Fernando Pessoa, uma autobiografia, falou sozinho e deu show. A constatação do colunista Ancelmo Gois, no Diário de S. Paulo, nos permite concluir que o italiano não fez falta, tamanha a diversidade de expositores e debatedores, entre eles, brasileiros notáveis. O escritor João Ubaldo Ribeiro, baiano na origem, relançou na Flip Um Brasileiro em Berlim e O Feitiço da Ilha do Pavão. Foi outro show à parte. Esclareça-se que Ubaldo não fala alemão e seu santo não bate com o de Guimarães Rosa, que não está entre seus afetos. Não é um desvairado a ponto de dizer que não gosta de Guimarães Rosa ou que Guimarães Rosa não tem importância na literatura brasileira. Só que o santo não bate. Por exemplo, ele tem ódio mortal da palavra “estória” e certa vez fechou um livro de Guimarães Rosa logo que leu a primeira frase: “A viagem fora planejada no feliz”. Não leu mais nunca. Nunca mais leu Guimarães Rosa. Mas vamos ao que interessa. O autor de Viva o Povo Brasileiro esteve na mesa sobre as “alegorias da ilha Brasil”, tema que desenvolveu com o jornalista Rodrigo Lacerda, em entrevista quase cronológica, abordando cada livro do romancista desde o primeiro sucesso, Sargento Getúlio, até o mais recente, Albatroz Azul. Vida de sargentos O sargento Getúlio do livro nunca existiu, mas a vida de Ubaldo esteve cheia de sargentos, o batalhão de sargentos do pai, que era chefe de Polícia em Sergipe ao tempo de Getúlio Vargas e, depois de

Dutra, foi secretário de Segurança. Havia até um sargento Getúlio sim, que era um cabra muito macho, tão macho que podia até ser asseadinho e pintar as unhas com um esmalte branquinho. Quando esse sargento abria a túnica, lá estavam uma sovaqueira, um coldre de cada lado, um punhalzinho aqui, outro acolá, a cartucheira atravessada... Era o favorito de Ubaldo porque sua mãe tinha medo dele. Já o pai tirava uma sesta sagrada todo dia depois do almoço. Até que um dia chegou o sargento Getúlio e disse para o filho acordá-lo: “pode acordar na minha conta”. Ubaldo foi acordar o pai. E a notícia era que seu padrinho, que era da UDN, tinha encomendado a morte do pai, que era PSD, e, se o matador não encontrasse o pai, a ordem era matar o filho mais velho – João Ubaldo! A partir de então, sargento Getúlio (o real, não o do livro) montava guarda ao lado da rede do pai. Um dia o pai estava na rede lendo o jornal comunista A verdade, e a manchete dizia que ele – o pai – era “um lacaio de Wall Street”. Furioso, o pai queixouse: “Dia desses mando queimar essa peste”. Ao seu lado, o sargento Getúlio anotou. Foi lá, desligou os hidrantes, bateu nos comunistas e quebrou tudo. “Vamos ter de botar a culpa nos integralistas”, lamentou o pai.

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Vida inteligente no País

Tabucchi: não veio e não fez falta

Produção intensa Dos anos 1970 aos 1980, Ubaldo produziu intensamente, como lembrou Rodrigo Lacerda, e por ali já andava escrevendo seu grande romance, o Viva o Povo Brasileiro. E aqui é preciso esclarecer mais uma coisa: o autor do best seller nunca quis reescrever a história do Brasil. A gênese de Viva o povo está num prosaico episódio. Ubaldo visitava o Rio, passou pela editora Nova Fronteira e encontrou Pedro Paulo Sena Madureira, que trabalhava lá e resolveu provocar o baiano: “Escritor brasileiro só escreve livrinho pequeno, para ler na ponte aérea!”. Walter Craveiro

Ubaldo: de bem com o povo brasileiro

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Cultura, Lazer & Arte

Donde Ubaldo ofendeu-se e começou a escrever o livro cujos originais, quando prontos, pesavam – sim, ele pesou – 6,7 quilos. Portanto, repetindo: Ubaldo nunca quis reescrever a história do Brasil, nem defender os oprimidos, nada disso... quis, sim, em primeiro lugar, escrever um romance bem grande. Bem escrito e sobretudo grosso, para esfregar na cara do Pedro Paulo. No mais, o grande problema de Ubaldo para escrever romances é que os personagens raramente fazem o que ele manda. Ele quer que o personagem morra, não morre... quer que case, não casa... Uma vez achava que o personagem – mais de 40 anos, rico, bonitão e solteiro – era um homossexual enrustido. Não era, o homossexual acabou sendo outro. Ossos do ofício. Inspiração “chequespeareana” E ainda tem mais um esclarecimento altamente necessário: Ubaldo está convencido de que encomenda gera livro e cheque gera inspiração. Um dia, recebeu um telefonema de Alfredo Gonçalves, da Editora Objetiva, dizendo que estavam preparando uma coleção de livros sobre os sete pecados capitais. Tinham escolhido a preguiça para Ubaldo, que ficou indignado: só por que é baiano?. Foi-lhe então facultado escolher seu pecado, e ele escolheu a luxúria, certo de que o projeto não passaria do telefonema, assim como o filme baseado no Viva o povo não passou de meia dúzia de almoços com meia dúzia de potenciais diretores que garantiam já ter tudo na mão para começar a filmar. Mas a fonte de inspiração para o Walter Craveiro

Loyola e Calligaris: aplausos moderados

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livro sobre a luxúria – A casa dos budas ditosos – chegou com o contrato: um vistoso cheque! Que João Ubaldo logo embolsou para que a inspiração não se esvaísse. Antes que chegasse ao fim o tempo previsto para a conversa, Rodrigo Lacerda fez uma última pergunta bem fácil: qual é o papel da literatura no cotidiano das pessoas? Ao que Ubaldo respondeu que, dados os longos anos de afeto que unem entrevistado e entrevistador, não poderia oferecer uma resposta adequada. E nada mais disse, nem lhe foi perguntado. Palco? Balcão de padaria Na Flip brilharam também as estrelas de Ignácio de Loyola Brandão e Contardo Calligaris. O escritor e o psicanalista conseguiram algo incomum, mas sempre bem-vindo numa feira literária: conversar sobre o palco, diante de centenas de pessoas, como se estivessem no balcão da padaria da esquina. Para deleite do público e na condução precisa do mediador Cadão Volpato, acostumado a criar essa atmosfera light, de bate-bola cultural, como apresentador do programa Metrópolis na TV Cultura. Calligaris e Loyola concordaram em dois pontos importantes ao percorrer, com humor e descompromisso, diversos assuntos ligados à vida, à literatura e à política. O primeiro deles, ao falar da decisão do escritor Tabucchi, já citada: sem entrar em detalhes, ambos manifestaram seu apoio ao italiano, afirmando que se estivessem na posição dele teriam feito a mesma coisa. Foram aplaudidos com moderação.

A referência a Tabucchi, por conta do caso Battisti, serviu de gancho para Loyola lembrar os meses passados junto a ele em Pisa, na Itália, na década de 1970. Ele acompanhava nessa época a tradução para o italiano de seu Zero, então proibido pela censura brasileira, e cuja estrutura multifacetada, integrando diferentes planos narrativos, baseou-se no revolucionário Oito e Meio, de Federico Fellini. Perguntado por Volpato, em tom de brincadeira, se era verdade que teria visto esse filme “53 vezes”, Loyola respondeu: “Não, foram 108”. Em diversas passagens de saborosa conversa de botequim, era difícil decidir se os dois convidados falavam a sério ou improvisavam para divertir a plateia. Jogo de luz e sombra O que vem ao encontro do segundo ponto de concordância entre eles: fato e ficção se misturam o tempo todo não apenas nos romances, mas também no que costumamos chamar de vida real. Nossas memórias pessoais, segundo a experiência de Calligaris como psicanalista, estão impregnadas de materiais fictícios que, por serem inverificáveis, na maior parte das vezes, tomamos como lembranças exatas do que vivemos ou presenciamos. Sobretudo no terreno sentimental, para ele, esse jogo de luz e sombra é a regra, não a exceção. “Os encontros amorosos são bailes de máscaras”, compara Calligaris. “E ninguém as tira. Quando as máscaras caem, é por acidente.” Apesar dessas coincidências de opinião e do clima de sintonia cortês que conseguiram estabelecer no palco, Calligaris e Loyola deixaram bem claro as diferenças entre eles no terreno da crônica, que ambos escrevem regularmente para os dois maiores jornais paulistanos. “Como cronista, tento escrever textos que estejam mais perto da ficção do que do ensaio”, explicou o psicanalista, com seu sotaque milanês quase imperceptível. Loyola, por sua vez, tem olhos voltados sobretudo para a cidade de São Paulo, na tentativa de capturar personagens anônimos e situações cotidianas. Ambos garantem que, no exercício da crônica, raras vezes escreveram textos negativos a respeito de outras pessoas e de suas obras. Mas Loyola, sempre em tom de blague, reconheceu ter aberto uma exceção para “Meia-noite em Paris”. Sentiu “ódio” por Woody Allen ter feito o filme que ele sempre quisera fazer. Isso desde quando, na década de 1960, começou no jornalismo como crítico de cinema em sua sempre lembrada Araraquara.


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Cachaça certificada entre as delícias sustentáveis

Produtos da agricultura familiar paratiense puseram a sustentabilidade à mesa nos restaurantes locais

Na Flip 2011 a sustentabilidade se fez presente de modo prazeroso, desde que se decidiu pensar os impactos ambientais da comida que consumimos e o princípio da gastronomia sustentável - ou “responsável” - ganhou forças em Paraty. O Movimento da Gastronomia Sustentável foi criado com o principal objetivo de estimular os restaurantes a usar produtos dos agricultores familiares e de pescadores artesanais, incentivando a produção paratiense. O uso de alimentos produzidos localmente diminui a emissão de poluentes, pois eles não precisam ser transportados por longas distâncias e favorecem a economia do município. Assim, ingredientes como peixe seco, aipim, banana-da-terra, cachaça certificada, pupunha e palmito imperial – todos orgânicos – passaram a fazer cada vez mais parte do cardápio dos restaurantes locais. Durante a Flip, os restaurantes participantes do Movimento serviram pratos especiais, em homenagem aos escritores convidados. O Bistrô Casa do Fogo criou o “Viva o Povo Brasileiro”, filé de peixe flambado ao molho de frutas, farofa de mandioca e pupunha e camarões salteados, em homenagem ao imortal João Ubaldo Ribeiro. Já o Voílà Bistrot, com seu “Paprikache da Pérola do Danúbio de Esterházy” (guisado de peixe fresco de Paraty ao molho de páprica e creme azedo, servido com palacsinta de banana-da-terra), homenageou o escritor húngaro Peter Esterházy.

Tudo sobre Garrincha Descendente de família aristocrática, que esteve ao redor do poder desde o século XVI e caiu em desgraça nos anos 1950, com a ascensão do comunismo na Hungria, Esterházy, que nasceu em 1950 e nunca se beneficiou dos privilégios do nome da família, descobriu com horror, já adulto, que seu pai fora informante da polícia secreta durante os anos de regime comunista. Esterházy lançou no Brasil seu livro sobre maremoto metafórico: sua mãe morreu e ele produziu Verbos auxiliares do coração. “A gente não consegue nem falar nem calar sobre a morte da própria mãe”, disse. “Talvez consiga escrever, o que também não ajuda.”

Um espectador perguntou-lhe a razão do título. A resposta imediata: “Porque é bonito”. A explicação mais longa: “Porque em húngaro não existem verbos auxiliares. O título significa que eu preciso do auxílio de palavras que nem sequer existem, o que combina bem com o tema do livro”. Esterházy explicou sua “relação com a realidade ou entre ficção e não-ficção. Nem sempre, mas geralmente escrevo na primeira pessoa. Mas nunca pensei nisso como algo pessoal. Às vezes acho as palavras mais fortes do que a realidade. Isso funcionou bem para mim até receber as quatro pastas da polícia secreta sobre mim – todas manuscritas e claramente com a letra de meu pai, que era inconfundível e inimitável. Posso escrever o que quiser, mas aquele dossiê era muito mais verdadeiro e tinha muito mais poder do que minhas palavras”. O húngaro, que fora visto no show de Elza Soares, guardou para o final do encontro uma outra revelação: nunca ouvira falar da cantora, mas sabe tudo sobre Garrincha – e foi por Garrincha que correu a ver o show, quando lhe contaram que ela fora sua mulher. Revelou, também, que na Hungria é conhecido como “irmão de meu irmão”, um jogador de futebol. “Vou dizer algo terrível agora”, avisou: o irmão marcou um dos três gols que derrotaram a seleção brasileira num amistoso em Budapeste, em 1985. Restou à plateia rir e aplaudir muito. Walter Craveiro

O húngaro Esterházy e sua relação com ficção e não-ficção: “palavras nem sempre mais fortes que a realidade”

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