Edição Especial www.neomondo.org.br
um olhar consciente
Ano 7 - Nº 56 - Julho/Agosto 2013
FAZER O BEM FAZ BEM Exemplar de Assinante Venda Proibida
R$16,00
Paulo Skaf
CRAMI
Os caminhos do desenvolvimento
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Teatro
Respeito é bom, e criança gosta!
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Em busca da fala
todos os animais Os animais são diretamente afetados pelo comportamento humano. Podemos ser cruéis e negligentes, mas também podemos manifestar bondade e compaixão — valores que exemplificam o melhor do espírito humano. Acesse hsi.org/compaixao e veja como você pode ajudar.
Proteção e respeito a todos os animais 2
Neo Mondo - Maio 2008
Neo Mondo - Maio 2008
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Seções Especial
Perfil 06 Os caminhos do desenvolvimento Paulo Skaf, presidente da Fiesp, diz que estamos a um passo do desenvolvimento, mas faz duras criticas às políticas públicas ineficazes.
Investindo na preservação Programa internacional investe em projetos que preservam florestas tropicais do uso indevido.
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14 Dar esmola é financiar a miséria Campanhas conscientizam a população que quanto mais esmolas, mais crianças nas ruas.
12 O melhor negócio é investir em Ações Sociais Empresas e instituições buscam linhas diferenciadas de financiamentos.
16 O Mundo de barriga vazia A desnutrição, que leva à morte cerca de 50% das crianças brasileiras, tem solução encontrada no trabalho em favelas de São Paulo.
20 Respeito é bom, e criança gosta Este princípio deve estar cada vez mais presente no cotidiano das famílias.
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Felizes para sempre? Violência doméstica: 6,8 milhões de mulheres já foram espancadas.
30 Fica vivo! Programa reduz 50% de homicídios em Minas Gerais. Uma onda do bem Uma escola de surfe em Santos transcendeo esporte e demonstra a verdadeira inclusão.
Bebida é uma droga! A bebida alcoólica causa dependência em 10% da população brasileira.
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32 Em busca da fala Arte dramática auxilia a recuperação de vítimas da afasia.
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39 Dicas de Livros.
Expediente
Publicação
Publisher: Oscar Lopes Luiz
Diretor de Relações Internacionais: Marina Stocco
Diretora de Redação: Eleni Gritzapis (MTB 27.794)
Diretora de Educação – Luciana Mergulhão (mestre em educação)
Conselho Editorial: Oscar Lopes Luiz, Eleni Gritzapis, Marcio Thamos, Dr. Marcos Lúcio Barreto, Terence Trennepohl, João Carlos Mucciacito, Rafael Pimentel Lopes, Denise de La Corte Bacci, Dilma de Melo Silva, Natascha Trennepohl, Rosane Magaly Martins, Pedro Henrique Passos e Redação: Eleni Gritzapis (MTB 27.794), Rosane Araujo (MTB 38.300) Revisão: Instituto Neo Mondo Diretora de Arte: Renata Ariane Rosa
Diretor de Tecnologia – Roberto Areias de Carvalho Correspondência: Instituto Neo Mondo Rua Ministro Américo Marco Antônio nº 204, Sumarezinho – São Paulo – SP – CEP 05442-040 Para falar com a Neo Mondo: assinatura@neomondo.org.br redacao@neomondo.org.br trabalheconosco@neomondo.org.br
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dica
A Revista Neo Mondo é uma publicação do Instituto Neo Mondo, CNPJ 08.806.545/000100, reconhecido como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), pelo Ministério da Justiça – processo MJ nº 08071.018087/2007-24. Tiragem mensal de 70 mil exemplares com distribuição nacional gratuita e assinaturas. Os artigos e informes publicitários não representam necessariamente a posição da revista e são de total responsabilidade de seus autores. Proibido reproduzir o conteúdo desta revista sem prévia autorização.
Editorial
A
edição no 56 da revista Neo Mondo traz como tema central “Fazer o bem faz bem “, uma síntese das principais matérias na área social durante estes nossos seis anos de caminhada. Mostraremos que as vezes um simples telefonema pode salvar vidas. Abordaremos temas como o alcoolismo e a importância do AA , a violência física e psicológica contra crianças e adolescentes, a importância do CRAMI, conscientização e tratamento de saúde através do teatro, entrevista com Paulo Skaf (presidente da Fiesp), violência contra a mulher e a importância do serviço disque 180 central de atendimento à mulher, resgate
de crianças e adolescentes das ruas, entre outros. Veja a importância desta edição e ajude-nos a minimizar esses problemas que assolam nossa sociedade. Muitas vezes eles estão ao nosso lado, mas ficamos impotentes por pura desinformação. A missão da revista Neo Mondo é justamente esta: levar solução e informação com conteúdo e responsabilidade. Grande abraço, e lembre-se que o que fazemos em vida ecoa na eternidade. Boa leitura! Oscar Lopes Luiz Presidente do Instituto Neo Mondo oscar@neomondo.org.br
Instituto
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Perfil
Renata Castello Branco
Os caminhos
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Paulo Skaf, presidente da Fiesp, diz que estamos a um passo do desenvolvimento, mas faz duras críticas às políticas públicas ineficazes. Paulo Skaf, presidente da Fiesp.
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á décadas, o Brasil é apontado como o País do Futuro. Mas afinal, o que é necessário para galgar o patamar do desenvolvimento? O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Antonio Skaf, em entrevista à Revista Neo Mondo, fala sobre os caminhos para esse desenvolvimento, aponta os principais gargalos e analisa as políticas públicas necessárias para carimbar nosso passaporte ao Primeiro Mundo. Skaf está à frente de importantes ins-
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Da Redação
tituições empresarias como o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp); Serviço Social da Indústria (Sesi) e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), em São Paulo; Instituto Roberto Simonsen – IRS; e ocupa a vice-presidência da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Ainda faz parte do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), do Presidente da República e do Conselho Administrativo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES;
A falência dessas políticas sociais talvez seja o mais grave problema brasileiro
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Neo Mondo: Quais os fatores que promovem o desenvolvimento de um país? Paulo Skaf: Democracia, instituições sólidas e respeitadas, educação e saúde de qualidade acessível a todos os habitantes, segurança jurídica e capacidade de promover o crescimento sustentado da economia. Neo Mondo: Qual o papel de cada segmento (Governo, Empresas e Terceiro Setor) nesse processo? Paulo Skaf: Ao Estado, cabem as responsabilidades do ensino, saúde, infra-estrutura, segurança pública, garantia das instituições e das relações de direitos e deveres, bem como a condução da política econômica. Parece óbvio, mas em nosso país ainda faltam algumas lições de casa para que o governo cumpra adequadamente seu papel.
do
lvimento Às empresas, competem, basicamente, a busca do lucro, a geração de empregos e o avanço na área de pesquisa e inovação, sob os parâmetros da legalidade e da ética. Quanto ao Terceiro Setor, sua missão é fundamental, pois sua contribuição é crescente no sentido de complementar ações sociais que o Estado já não consegue suprir sozinho. Independentemente dessa divisão cartesiana de atribuições, é imprescindível a participação de todos na vida nacional. É o que fazemos na Fiesp/ Ciesp, criticando construtivamente, cobrando medidas e também realizando e encaminhando estudos às áreas competentes do governo. Para isto, agregamos à entidade o trabalho voluntário de algumas das mais brilhantes mentes deste país. Esta mobilização permanente é decisiva, pois a sociedade tem imensa responsabilidade ante os destinos nacionais. Neo Mondo: Qual o tempo necessário para atingir o patamar de desenvolvimento? Paulo Skaf: O processo, em qualquer país, é de longo prazo. No caso brasileiro, considerando nossas potencialidades, como dimensão territorial, população, recursos naturais e clima propício, estamos atrasados. Já poderíamos ter conquistado o desenvolvimento. Creio estarmos a um passo dele. O que falta é justamente solucionar os gargalos estruturais e conjunturais. Neo Mondo: Quais são esses gargalos? Paulo Skaf: Os mais graves são de caráter estrutural: a deficiência dos transportes e energia elétrica; o sistema tributário, que é oneroso demais e injusto; o déficit público,
incluindo a questão da previdência; os elevados encargos sociais inerentes às relações trabalhistas; e o excesso de burocracia no Estado. Esperamos que esses gargalos possam ser solucionados pelos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no tocante à infra-estrutura, e com as reformas constitucionais, que já deveriam ter sido realizadas há muito tempo. Há, ainda, os gargalos conjunturais, como os juros muito elevados e o câmbio sobrevalorizado, que poderiam ser solucionados no âmbito da política econômica do Governo Federal, cuja visão, contudo, continua excessivamente monetarista. Neo Mondo: Como o senhor avalia as políticas econômicas e sociais existentes hoje no Brasil? Paulo Skaf: A política econômica ainda é excessivamente monetarista. Seria necessário um olhar mais estratégico para as imensas oportunidades de ingresso num ciclo duradouro de crescimento sustentado que o momento histórico e econômico do mundo têm nos oferecido. Quanto às políticas sociais do governo, a sua grande marca, há décadas, tem sido a ineficácia, má gestão, péssimos serviços e desperdício do dinheiro público. Nem mesmo as prioridades da educação e da saúde são atendidas a contento. A falência dessas políticas sociais talvez seja o mais grave problema brasileiro. Neo Mondo: O processo de desenvolvimento de um país hoje é diferente, sobretudo no tocante ao meio ambiente. Como crescer,
preservar os recursos naturais e garantir a sustentabilidade? Paulo Skaf: Numa era de mudanças climáticas e necessidade de prover a sustentabilidade pelo acréscimo de fontes renováveis e menos poluentes à matriz energética, é muito confortável ao Brasil ter a maior área agricultável disponível em todo o mundo, petróleo, a maior reserva hídrica, essencial à geração de eletricidade, e elevada capacidade de produção de biocombustíveis. Tudo está a favor do País e dos diferenciais competitivos que lhe proporciona a sua exuberante e rica natureza. Por isto, além de tirar dela os alimentos e os biocombustíveis de que o mundo precisa, devemos preservá-la, recuperá-la nos pontos em que está ferida e utilizar — de modo sustentável —, os recursos hídricos, minerais e geológicos. Esta tem sido uma das bandeiras da Federação e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp/Ciesp), em defesa de investimentos na produção mais limpa. Trata-se de um trabalho focado na viabilização do desenvolvimento sustentável. Neo Mondo: Qual a perspectiva em relação aos caminhos adotados para o desenvolvimento do país? Paulo Skaf: As possibilidades do Brasil são imensas, a começar por nossa elevada capacidade de produção de alimentos e combustíveis de fontes renováveis. Temos um povo talentoso e trabalhador, uma indústria avançada, um agronegócio eficaz e um mercado interno respeitável. Precisamos, apenas, fazer as lições de casa às quais já me referi para carimbar o passaporte ao primeiro mundo. Neo Mondo - Julho/Agosto 2013
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Perfil Especial
Investindo na
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Programa internacional investe em projetos que protegem florestas tropicais do uso indevido. Da Redação
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Se a idéia de uma ONG, proprietário ou do governo está dando certo é preciso dar a ela a chance de crescimento
ossuidor de 20% da biodiversidade mundial, não há como negar que o Brasil é um país privilegiado pela natureza. Suas matas somam cerca de 550 milhões de hectares - área maior que toda a Europa -, que ocupam mais de 60% do território nacional. Por isso não é à toa que a preservação desse patrimônio tem, com o passar dos anos, se constituído em foco de preocupação mundial. E há motivos para isso, todo o planeta usufrui dessa riqueza ambiental brasileira. A Amazônia, sozinha, concentra mais de uma centena de trilhões de toneladas de carbono, transformados em oxigênio, com capacidade para refrigerar todo o mundo e promover o equilíbrio ecológico global. Sem perder a soberania e autonomia, o Ministério do Meio Ambiente tem firmado parcerias com outros pa-
”
íses e com o Terceiro Setor para promover o desenvolvimento sustentável dessas áreas. Um desses acordos, firmado na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - Rio92, denominado Programa Piloto de Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras - PPG7 tem como foco, entre outras ações, preservar a biodiversidade das florestas tropicais e reduzir a emissão de gás carbônico na região amazônica. Implantado pelo Ministério do Meio Ambiente e com investimento internacional do Grupo dos Sete países industrializados (Canadá, França, Alemanha, Itália, Espanha, Grã-Bretanha e Estados Unidos), desde a criação do programa, têm promovido ações que conciliam o desenvolvimento econômico e social com a proteção do meio ambiente, em regiões de florestas tropicais.
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Especial
Rede de proteção Para melhor efetivação destas ações, o PPG7 foi dividido em subprogramas, sendo um deles o Projeto Demonstrativo A – PDA, voltado para o segmento não-governamental, que tem apoiado cerca de 180 comunidades e organizações da Amazônia e da Mata Atlântica na implementação de iniciativas inovadoras no uso e conservação dos recursos naturais. De acordo com o coordenador técnico do PDA, Jorg Zimmermann, a ênfase é auxiliar as Unidades de Conservação e pequenos agricultores familiares a desenvolverem meios sustentáveis e inovadores, e, a partir do sucesso dessas experiências, estabelecer políticas públicas que introduzam estas estratégias em outras comunidades, organizações e instituições governamentais. “Sabemos que é importante promover a troca de experiência para que uma atitude bem-sucedida seja de conhecimento e aproveitada por todos. Temos o exemplo do Projeto de Conservação, Recuperação e Uso Sustentável do Palmiteiro Juçara nas Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira que permitiu à população conhecer novos meios de capitação de renda. Populações que só conheciam o extrativismo ilegal do palmito para sua sobrevivência,
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agora o preservam, pois não dependem somente dele. O programa começou no quilombo de Ivaporunduva e tem sido implantado em outras regiões” – ressalta o coordenador. PDA Para ser contemplado pelos recursos financeiros, doado pelo governo alemão e repassado pelo PDA, é preciso estar atento à publicação dos editais anuais. Para os quais é preciso apresentar a eficácia do projeto, que precisa estar em andamento há no mínimo dois anos, e o direcionamento do investimento, seja organização, proprietário ou governo. Se aprovado pela comissão executiva, e dependendo do impacto social positivo que o projeto causar na comunidade, gerando renda e qualidade de vida, o valor liberado pode variar de 500 a 9.300 mil, no período médio de três anos. Zimmermann explica que há etapas a cumprir para receber a totalidade do valor, que é dividido em três parcelas recebidas somente após a prestação de contas do investimento da parcela anterior. “Um dos medos iniciais do PDA era o uso indevido destes recursos, mas desde o início só tivemos seis projetos que desviaram o investimento. Por isso, tentamos ao máximo fechar o cerco
com as avaliações periódicas do programa. Mas este é um risco que se corre, as experiências podem dar certo ou não, mas tudo é aprendizado. Porém, dentre tantos projetos bem encaminhados, acredito que somos um sucesso” – declara o coordenador. Resultado De acordo com a avaliação do DIE (Instituto Alemão do Desenvolvimento, Bonn, Alemanha), realizada entre 1999 e 2002, sobre a contribuição do PPG7 notou-se que elevou enormemente a capacidade do Ministério do Meio Ambiente de assumir seu papel na Amazônia. Além de demarcar e legalizar 22 milhões de hectares de terras indígenas, dar suporte a reservas extrativistas em 2,1 milhões de hectares, oferecer treinamento para 12.000 pessoas em 322 comunidades na prevenção e no combate de queimadas e apoiar a implementação de iniciativas inovadoras de manejo florestal em nível empresarial e comunitário. “Se a idéia de uma ONG, proprietário ou do governo está dando certo é preciso dar a ela a chance de crescimento para que outras comunidades, com a mesma necessidade, também usufruam no futuro destes resultados” – destaca Zimmermann.
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Especial
O melhor negócio é investir em
AÇÕES SOCIAIS Após descobrir que podem lucrar com ação social, empresas cada vez mais buscam alternativas de investimentos na área, como as linhas de financiamentos do BNDES. Da Redação
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azer o bem sem olhar a quem se tornou um provérbio obsoleto no meio empresarial se tratando de incentivos a programas sociais, dando lugar a uma outra máxima igualmente conhecida: ação gera reação. Neste caso, ação por parte das empresas e reação vinda do impacto benéfico de desenvolvimento à sociedade e à economia da empresa. Esta consciência em que todos ganham, junto com o prestígio e uma divulgação maior das vantagens econômicas em financiar projetos socioambientais, tém provocado um aumento no número de empresas que investem nestas ações e incentivado, direta ou indiretamente, a criação de novas instituições. Segundo dados da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG), entre 1996 e 2002, o número de Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos (FASFIL) cresceu de 105 mil para 276 mil entidades. Período em que houve maior procura por financiamentos para ações socioambientais por parte das ONGs e empresas que desejavam instituir novos programas de melhorias para os colaboradores e população próxima. De acordo com a lei Federal 9.249/95, referente à renúncia fiscal, este incentivo pode ser feito por empresas de lucro real (impostos calculados considerando todas as receitas) destinando 1,5% deste valor para projetos nas áreas de educação e pesquisa ou 2% para programas de melhorias para trabalhadores, depen-
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dentes e à comunidade. Dessa forma, muitas corporações enxergaram que poderiam financiar ações socioambientais, sem a preocupação de gerar um desfalque no financeiro, ao contrário, sendo possível até se isentar de impostos. Recurso usado para beneficiar instituições que possuem o título de Utilidade Pública Federal ou o registro de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), ou seja, organizações já formadas com projetos bem definidos. No entanto, para dar início a uma ação social, ou até mesmo implantar novidades, é preciso ter capital, com isso,
empresas e entidades têm utilizado outros meios para dar suporte a estas ações e gerar retorno ao investidor, como as opções oferecidas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os financiamentos aprovados por ele para investimentos em programas sociais de empresas resultam em uma soma de R$ 102 milhões. Segundo Júlio Ramundo, superintendente da área de inclusão social do BNDES, o Banco oferece linhas de financiamentos para investimentos sociais de empresas de todos os portes. Esses investimentos podem beneficiar a comu-
nidade com a realização de projetos sociais que melhorem a qualidade de vida da população local, ou gerar melhorias na própria empresa, com investimentos voltados para o bem-estar dos empregados. Ambos os casos fazem parte das prioridades das políticas operacionais do BNDES, ou seja, têm condições favoráveis de financiamento (TJLP - Taxa de Juros de Longo Prazo do BNDES, mais spread de 0% a 1% ao ano e até 100% de participação do Banco). O BNDES ainda destina recursos do Fundo Social do Banco, não-reembolsáveis, para apoiar projetos e investimentos de caráter social, nas áreas de geração de emprego e renda, serviços urbanos, saúde, educação, habitação, meio ambiente, alimentação, desenvolvimento regional e social. Como exemplo, o superintendente citou o projeto implementado no estado do Piauí, onde o BNDES aprovou recursos (não-reembolsável) no valor de R$ 12 milhões para a reestruturação do sistema hospitalar, envolvendo mais de cem hospitais da região. “Para aprovarmos o empréstimo, fazemos uma avaliação do impacto que o programa social da empresa terá sobre os beneficiados. Quanto maior esse impacto, melhor a condição do financiamento” - ressalta Ramundo.
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Quanto maior esse impacto, melhor a condição do financiamento
Itens Financiáveis • Obras civis destinadas à instalação, expansão, reforma e outras benfeitorias; • Serviços técnicos especializados, tecnologia da informação e capacitação; • Aquisição de máquinas, equipamentos e materiais permanentes; • Desenvolvimento, difusão e reaplicação de tecnologias sociais aprimoradoras de políticas públicas.
Itens Não Financiáveis • Ações de caráter legal e obrigatório; • Treinamento relacionado às atividades empresariais; • Ações e projetos sociais contemplados com incentivos fiscais; • Aquisição de terrenos e outros bens imóveis; • Ações de marketing institucional ligadas a causas e campanhas; • Ações associadas ao desempenho comercial e competitiva ou ao desenvolvimento direto de mercado consumidor; • Custeio e manutenção de atividades e benefícios adicionais voltados para funcionários, que tenham caráter permanente e possam ser caracterizados como política de recursos humanos, tais como: planos de saúde, previdência, seguros, auxílios de moradia, de escola, entre outros.
”
Microcrédito Produtivo Orientado O BNDES também coordena o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO) que aumenta o acesso ao crédito aos microempreendedores populares, gerando trabalho e renda para as áreas com menor capital. Em 2006, as operações aprovadas pelo BNDES para o PNMPO alcançaram o nível recorde de R$ 48,1 milhões, com crescimento de 140% na comparação com os R$ 20,1 milhões aprovados no ano anterior. Em 2007, até 31 de maio, o BNDES aprovou operações no valor de R$ 5,3 milhões. Para estreitar a relação entre beneficiados e financiadoras, as operações aprovadas pelo BNDES são direcionadas para os agentes repassadores, entre eles, cooperativas centrais, bancos cooperativos, OSCIPs, agências de fomento, responsáveis pelo desembolso do valor financiado.
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Especial
Dar esmola é financ
a miséria Da Redação
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echa o farol. Constrangido pela visível necessidade da criança que pede alguns trocados, é quase impossível não se sentir impotente diante desta triste realidade. As moedas estão no bolso, mas será esta a melhor maneira de ajudar? O que fazer? Não ceder pode significar que aquela criança não terá o que comer, mas doar pode contribuir para que ela continue nas ruas, possivelmente sendo explorada por algum adulto. Oferecer esmolas está na cultura do povo brasileiro por ser considerado um gesto solidário, pois enxerga-se nisso uma forma de sentir-se bem em ‘ajudar’ ao próximo. No entanto, de acordo com o consultor do Terceiro Setor, Takashi Yamauchi, esta prática assistencialista, em suprir a necessidade do momento, pode ser perigosa. “Você pode estar alimentando a criminalidade. Por exemplo, ao ter a atitude de dar um tênis a uma criança, sem fazer com que ela dê valor a isso, está implantando em seu inconsciente que ela não é capaz de comprá-lo com seus esforços. Então, quando lhe for oferecido dinheiro para ser ‘avião’ do tráfico, ela não irá pensar duas vezes para aceitar, e provar que é capaz” – destaca o consultor.
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Para ele a assistência é válida, só não pode ser uma atitude isolada, mas complemento de um programa com base no desenvolvimento social em que a educação, a consciência cidadã e o fortalecimento da família sejam os principais pilares. Além disso, convencer uma criança a sair da rua, de onde ela tira seu sustento, para levá-la a um abrigo onde há regras de convivência, é um trabalho árduo, portanto é preciso ter um suporte para oferecer. Uma vez que, se na liberdade da rua ela consegue o que quer e, muitas vezes, está livre da violência doméstica, por que aceitar ir pra outro lugar? Conscientização da sociedade Cientes do risco social a que estas crianças estão submetidas e frente à problemática de convencimento, prefeituras de grandes cidades estão se organizando para combater a prática de financiar a miséria, conscientizando a população de que quem dá esmola tira a oportunidade de futuro. Marlene Bueno Zola, presidente da Fundação Criança de São Bernardo do Campo, autarquia que em 1998 substituiu a antiga FUBEM (Fundação do Bem-Estar do Menor), diz que a
sociedade em geral quer ajudar, mas por não saber como, cede aos pedidos e fixa ainda mais a criança nessa situação de risco. “Enquanto a sociedade agir assim, a rua continuará sendo violenta” – enfatiza a diretora. Para, então, conscientizar e oferecer uma nova opção para a população que deseja auxiliar os jovens pedintes, a Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania (SEDESC), junto com a Fundação Criança, lançou em 2006 a campanha permanente “Quem dá esmola não dá futuro. Criança precisa brincar e estudar e não trabalhar”, uma extensão do trabalho que está em andamento para a erradicação e prevenção do trabalho infantil. Foram distribuídos pela cidade outdoors e panfletos com informações e dicas para não incentivar o trabalho infantil, em destaque àquele que prende a criança na situação de rua, como vendedores nos faróis e carregadores em feiras livres. Segundo Marlene, na maioria das vezes as crianças saem de casa para ‘trabalhar’ e, por passarem muito tempo na rua, perdem gradativamente o vínculo familiar, sobretudo se houver um histórico de violência doméstica.
ciar Resgatando da rua No plano de fundo da campanha, a Fundação promove uma rede de projetos que oferecem suporte aos meninos e meninas em risco social. Baseados no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), os programas são focados, primeiramente, no resgate do vínculo familiar e na inclusão social, por meio de atividades socioeducativas que despertem potencialidades. Entre eles, o trabalho desenvolvido pelo Centro de Convivência e Acolhimento à Criança e Juventude, conhecido como Espaço Andança. Diariamente, quinze educadores, entre psicólogos e assistentes sociais, das 8h às 22h, se dividem entre os bairros de todo o município, à procura de crianças ociosas. O trabalho consiste em observá-los, se aproximar e convencê-los a conhecer o Espaço Andança. Se houver o aceite, ao chegar ao local é feita à higiene pessoal e alimentação, realiza-se uma entrevista para coleta de dados - na qual se descobre por que estava na rua - e verifica-se o cadastro em algum projeto de auxílio à renda. Após esse processo é feito o contato com a família para que haja o encaminhando à SEDESC e aos projetos da Fundação (Centro de Atendimento à Criança e Juventude, Centro de Atendimento à Família, Centro de Atendimento às Medidas Socioeducativas, Centro Integrado de Apoio e Defesa à Infância e Juventude, Centro de Iniciação ao Trabalho, Programa Rotativo Cidadão e Centro de Atendimento à Drogatização). Segundo a coordenadora do Espaço, Maria Helena Placeres Simões, a criança permanece hospedada no Espaço até a localização dos responsáveis, período que pode durar até 15 dias. Se passado este tempo, o jovem é encaminhado para um dois abrigos da rede, porém, grande
Maria Helena e Alexandre Augusto, professor de arte.
parte dos casos é solucionada em uma média de 72 horas. Os casos que têm mais incidência, e que a resolução é mais demorada, são os de crianças de outros municípios. “Quando isso acontece entramos em contato com o Conselho Tutelar do local” – diz Maria Helena. Para ela, o bom desempenho do projeto pode ser observado nas ruas de São Bernardo onde há poucos casos de crianças e adolescentes nas ruas. “Em menos de um ano e meio de trabalho estamos conseguindo incluir estas crianças à sociedade e ao ciclo familiar” – acrescenta. Como ajudar? O Espaço Criança disponibilizou o número 0800 7730063 para que a população possa informar a presença ociosa de crianças e adolescentes. Ao ligar, basta relatar o local e os educadores irão até lá fazer a abordagem.
Rua Sernador Fláquer, 73 - Centro Santo André - SP - CEP 09010-160 Tel.: (11) 4436-4111 - Cel.: (11) 9798-1341 15 www.efsadvocacia.com.br efsadv@aasp.org.br
Cuidados
Especial
O desenvolvimento da criança pode ser prejudicado, quando seus pais não recebem orientação de médicos, enfermeiras, nutricionistas, auxiliares de enfermagem, psicólogos, assistentes sociais, etc, a respeito de:
de
• Pré-natal; • Aleitamento materno; • Desmame; • Orientação nutricional durante o desenvolvimento da criança;
• Vacinação - que deve estar em
A desnutrição, que leva à morte cerca de 50% das crianças brasileiras, tem solução encontrada no trabalho em favelas de São Paulo. Da Redação
U
ma recente crise alimentar ocasionada pela alta nos preços dos produtos agrícolas, motivada por um ciclo de colapsos: o aumento da população mundial, e, portanto, a demanda maior pelo consumo de alimentos; os focos mundiais de seca; o crescimento do preço do petróleo, que, por sua vez, aumentou o custo do transporte dos produtos alimentícios e uma série de outros fatores subseqüentes, causaram o crescimento no índice da fome mundial. Durante a Conferência sobre a Segurança Alimentar Mundial, da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), realizada em Roma, na primeira semana de junho, foi divulgado um acréscimo de 100 milhões ao número, já alarmante, de 850 milhões de pessoas que sofrem de desnutrição. Como resposta à situação degradante, os 193 que compõem a FAO, entre eles o Brasil, se comprometeram a reduzir à metade, até 2015, o número de famintos no mundo. Para alcançar este objetivo, o Governo Brasileiro lançou, em julho, o programa Mais Alimentos que beneficiará, até 2010, um milhão de produtores rurais. Com uma linha de crédito de até R$ 100 mil, a meta é alcançar um excedente de produção agrícola familiar de 18 milhões de toneladas por ano. 16
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Pé no chão e barriga vazia Longe das cúpulas e da burocracia para a erradicação da fome no mundo, o Brasil vive em estado de alerta, quase a totalidade das crianças provenientes de famílias de baixa renda encontram-se desnutridas. A informação é do portal Vencendo a Desnutrição do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que também divulga: em 96, 10,5% dos menores de 5 anos mostraram baixa estatura (índice de desnutrição). Porém, analisados os 20% mais pobres, esse percentual sobe para 23%, que é mais alto do que em países africanos como o Egito. Segundo a psicóloga e diretora de projetos do Centro de Recuperação e Educação Nutricional - CREN, Gisela Maria Bernardes Solymos, 50% das mortes entre crianças menores de seis anos tem como causa a desnutrição. No entanto, este índice fica oculto nos atestados de óbito, já que a criança não morre de desnutrição, pelo menos não nos atestados, mas de sarampo, bactérias e tantas outras enfermidades, que encontram em seu organismo debilitado força para se desenvolver. “A partir da desnutrição primária, a criança não come, fica fraca e doente. Doente, ela não consegue comer. Ou seja, ela está exposta a um ambiente propício às doenças e não consegue se recuperar” – acrescenta a diretora. Aqueles que sobrevivem à desnutrição, mesmo quando adultos sentem sua marca
dia, pois desta forma muitas doenças, como difteria, coqueluche, tétano, paralisia infantil, tuberculose e sarampo serão evitadas.
Fonte: Vencendo a desnutrição
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Especial
Crianças durante a aula de educação alimentar.
e muitas vezes não têm conhecimento disso. De acordo com Gisela, jovens e adultos que tiveram desnutrição na infância têm tendência à obesidade, hipertensão, cardiopatias e diabetes. “Ao passar por uma favela é fácil destacar este índice de obesidade. As pessoas são geralmente obesas e com baixa estatura, prova da desnutrição na infância” – destaca. No caso específico da obesidade, isso acontece porque, depois de algumas horas sem ingerir nenhum alimento, quando a pessoa retorna à alimentação, o corpo guarda mais calorias para que, em outra baixa de energia, utilize o estoque. No caso de uma pessoa que sofreu com a desnutrição na infância isso se intensifica, porque o corpo já foi condicionado a sempre armazenar mais. E pais com tal histórico, vivendo em situação de risco, retomam o mesmo ciclo gerando crianças desnutridas. A mídia também tem de culpa Gisela Solymos, diretora do CREN, aponta como um dos vilões o marketing em torno de alimentos vitaminados: bolachas, salgadinhos, bolinhos... Isso se dá pelo desejo de querer agradar o filho, que vê na televisão e sente vontade. “Então, quando a mãe recebe o salário do mês prefere comprar bolachas ‘práticas e vitaminadas’ a comprar frutas, verduras e legumes. E fazem isso sem culpa, pois acreditam que aquele produto irá oferecer os nutrientes necessários.” – destaca Gisela. Na comunidade e agora com barriga cheia Para confrontar e transformar esta realidade, há 15 anos o CREN atua na recuperação de crianças 0 a 6 anos em situação de desnutrição e de risco social, exclusas da sociedade. 18
Neo Mondo - Julho/Agosto 2013
Seu trabalho começou com uma pesquisa nutricional e de saúde feita pela Universidade Federal de São Paulo - Unifesp com moradores da favela da Vila Mariana, na qual foram entrevistadas duas mil pessoas. Com os dados em mãos percebeu-se que era preciso fazer algo de concreto que pudesse mudar a trajetória daquelas vidas. Logo uma das professoras responsáveis pela pesquisa, escreveu um projeto já com o apoio da instituição italiana AVSI. A pesquisa se tornou o Centro de Recuperação Educacional e Nutricional, onde as crianças são atendidas, em regime de creche hospitalar, de segunda a sexta-feira. “Aqui as crianças recebem cinco refeições diárias e aprendem, em uma rotina de pré-escola, com atividades adequadas às ida-
des, a fazer refeições balanceadas com acompanhamento médico e nutricional” – descreve Gisela Solymos, diretora de projetos. Ela explica que o objetivo é, além de recuperar o peso, dar tempo para o corpo responder ao tratamento com a normalização da estatura, fazendo com que esta criança não tenha seqüelas da desnutrição. “Nossos resultados mostram o contrário de pesquisas que afirmam que criança que nasceu desnutrida – 70% – não chega à estatura normal para sua idade. Por isso, nosso trabalho é minucioso e leva em média um ano e meio, ou mais, depende de como o organismo da criança está respondendo” – acrescenta. Segunda Gisela, uma pesquisa realizada recentemente pela Unifesp com crianças de 10 anos que passaram pelo CREN, mostrou que estes jovens têm estatura nutricional equiparada aos outros jovens da região. Recuperando a cidadania Além do atendimento às crianças, pelo menos, uma vez por mês os pais são orientados por uma assistente social quanto à retirada de documentos, a programas de alfabetização e aos programas do Governo. Das famílias atendidas somente 25% nesta faixa de pobreza têm acesso ao Bolsa Família. “Muitos nem sabem desse auxílio” – destaca Gisela. Por isso, a coordenadora enxerga que o CREN ajuda as famílias a recuperarem também a auto-estima, a dignidade e o respeito.
Taxas de crianças menores de 5 anos com baixa estatura, baixo peso e baixo consumo equivalente (%) Desnutrição crônica (nanismo)
Bangladesh Brasil China Côte d’ Iv Egito Gana Guatemala Guyana Indonésia Marrocos Nepal Nicaragua Paquistão Peru Filipinas Romania Rússia África do Sul Vietnã Zambia
Taxa Média
20% mais pobres
20% mais ricos
51 15 28 20 17 31 62 12 46 28 49 15 42 31 14 24 17 26 53 37
56 23 38 26 20 38 70 15 54 39 55 24 46 51 21 25 22 39 60 60
43 9 14 18 16 25 47 6 35 15 39 9 31 10 8 20 6 12 38 37
Baixo Peso
Desnutrição aguda (magreza)
20% 20% 20% 20% Pobre/ Taxa Pobre/ Taxa Pobre/ mais mais mais mais Rico Média Rico Média Rico pobres ricos pobres ricos 1.3 2.6 2.7 1.4 1.3 1.5 1.5 2.5 1.5 2.6 1.4 2.7 1.5 5.1 2.6 1.3 3.7 3.3 1.6 1.6
54 6 13 17 11 26 33 19 40 15 47 8 43 12 21 7 6 18 41 22
59 9 21 21 10 32 41 25 46 23 60 15 48 22 26 9 7 24 48 29
44 3 6 15 10 19 25 8 33 6 27 4 35 5 13 6 5 11 29 14
1.3 3.0 3.5 1.4 1.0 1.7 1.6 3.1 1.4 3.8 2.2 3.8 1.4 4.4 2.0 1.5 1.4 2.2 1.7 2.1
22 6 4 10 5 5 1 8 10 8 13 3 25 2 22 5 6 10 6 6
28 9 6 10 4 6 1 7 14 12 16 7 28 4 29 6 7 10 4 6
Fonte: Wagstaff and Watanabe (2000), “Socieconomic Inequalities in Child Malnutrition in the Developing World”.
21 6 2 11 6 3 1 3 11 5 8 0 22 2 16 4 4 8 7 6
1.3 1.5 3.0 0.9 0.7 2.0 1.0 2.3 1.3 2.4 2.0 1.3 2.0 1.8 1.5 1.8 1.3 0.6 1.0
desArME-se
NEO MONDO não pretende explicar a violência urbana. Apenas faz um apelo às pessoas para que não se isolem à frente de um computador; saiam de si mesmas e convivam mais; eduquem-se para o Bem; cerquem-se de pessoas sempre melhores do que elas próprias; busquem o conhecimento na pesquisa, no estudo, na troca de ideias e de experiências positivas seja no campo pessoal seja no coletivo; cuidem-se e cuidem dos mais fracos, dos mais carentes, das crianças e adolescentes, dos idosos, das plantas, dos animais. Somente pessoas de mentes e corpos sadios saberão salvar o Planeta do fim dos tempos. O gênero humano e a Terra agradecem!
Especial
RESPEITO
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é bom, e CRIANÇA gosta No ABC Paulista, o CRAMI cuida para que esse princípio se torne cada vez mais presente no cotidiano das pessoas. Da Redação
“O
fato que mais me deixou triste até hoje foi a minha mãe me bater porque eu faço arte.” Este item encerra “A História da Minha Vida”, descrita numa tarefa escolar, por um aluno da segunda série do Ensino Básico de uma escola pública municipal no ABC Paulista. Exagero? Decerto que não. A questão de como disciplinar uma criança é um antigo assunto que sempre volta à tona diante de notícias de violência contra crianças, que parecem estar se tornando cada vez mais comuns na mídia. Também não é raro a “justificativa” de que se trata de um ato disciplinar. Todo pai e mãe têm o dever de orientar, estabelecer os limites, desenvolver os valores que nortearão a vida de seus filhos. Mas educação nunca será compatível com violência, crueldade ou covardia. Ela é um ato de amor.
“Não existe palmada light. De qualquer forma, bater é um desrespeito à criança. Se batermos em adulto, é agressão; em cachorro, crueldade. Em criança, é educação?”. Quem diz é a psicóloga Maria Amélia de Azevedo, do Lacri-USP. O Centro Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância do ABCD – Crami, com vinte anos de atuação e pioneiro nesse tipo de tratamento, acredita que a solução é tratar quem agride e dar acompanhamento a quem é vítima de agressão e à sua famí-
lia. “Viver sem violência - um direito que é meu, seu e de todas as crianças e adolescentes” – enuncia a Cartilha do Crami. Lígia Caravieri, coordenadora do Centro, é incisiva nesses dois aspectos e lembra que crianças e adolescentes sofrem maus-tratos todos os dias, cometidos por quem mais deveria cuidar deles: pais, mães, avós, tios. “Uma palmada já é traumatizante para uma criança. Embora ela facilmente esqueça a dor e volte a brincar, aquela cena ficará gravada ao ponto de, se um amiguinho na escola fizer algo que ela não queria, terá a mesma reação que os pais: bater. Pois aprendeu assim.” – disse a coordenadora. Em 2007, 216 famílias foram encaminhadas aos núcleos de atendimento do Crami de Santo André, São Bernardo do Campo e Diadema, numa pequena mostra da dimensão real, normalmente oculta, e que pode atingir números assustadores. Dados do Unicef corroboram uma preocupante realidade: de 18 mil crianças espancadas diariamente no Brasil, apenas mil casos
“
aparecem nos registros. No total, o Crami atendeu 446 famílias, com quase 11 mil pessoas assistidas apenas em 2007. Segundo Lígia, em todos os casos já atendidos, até os mais graves, as agressões iniciaram com um tapa, com a intenção de ensinar o que não se pode fazer. “Acontece que os pais, depois de um dia estressante de trabalho, não têm paciência de dialogar com a criança. Se conversou uma ou duas vezes com ela, na terceira vez eles extravasam e partem para a agressão. Isso mostra que, a criança não precisa apanhar, mas o adulto precisa bater” – destaca a coordenadora. Faces da violência A violência contra crianças e adolescentes não se restringe a maus-tratos físicos. Dos casos atendidos pelo Crami, 57% se referem a violência psicológica, 17% são de ordem sexual, 13% física, e outros 13% caracterizam negligência e abandono. O que, por si só, serve de alerta: a sociedade brasileira tem muito a aprender - e apreender - ainda sobre os cuidados com as nossas crianças.
... criança não precisa apanhar, mas o adulto precisa bater Neo Mondo - Julho/Agosto 2013
”
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Especial
“O fato é que esse tipo de agressão é cultural e aceita. Os pais aprenderam que para educar é preciso bater, daí a atitude passa pelo inconsciente, tornado-se natural. Muitas vezes até a própria criança acredita que seja merecedora da agressão, pois essa cultura também já está embutida em sua mente” – destaca Lígia Caravieri. Parceiros do Crami Parceiros especiais do Crami são os Conselhos Tutelares da região – que lhe encaminham os casos -, mas há outros igualmente importantes (ver quadro). Juntos, esses organismos podem fazer muito para orientar, atender nos aspectos psicológico e jurídico, encaminhar para uma assistência social e até médica. Fundamental, porém, é que a sociedade participe por meio de ações concretas, algumas simples e outras nem tanto. Um bom começo é inteirar-se dos direitos da criança e do adolescente (o Estatuto da Criança e
do Adolescente está disponível na internet: www2.camara.gov.br/publicacoes/internet/ publicacoes/estatutocrianca.pdf), ficar atento ao menor sinal de que algo não vai bem na própria casa ou na de algum vizinho. E não se deixar levar pelo mínimo vacilo: “violência doméstica e exploração sexual ocorrem em todas as classes sociais, e não existe um perfil único da pessoa que a comete”, ensina a Cartilha da entidade. Para tanto, o Crami também tem se dedicado a prevenção desses casos, oferecendo palestras e seminários aos profissionais do ensino e da saúde, alertando-os sobre a importância de estar atento a alguns sinais de violência. “O médico ou enfermeiro podem observar se a criança é levada com certa freqüência ao hospital, sempre com hematomas, o que é um sinal de alerta. O mesmo serve para professores que devem observar e buscar soluções na ocorrência desses casos junto à família ou, em casos extremos, ao Conselho Tutelar
ou a Vara de Infância e Juventude de seu município” – ressalta Lígia. A impressão que fica é que evoluímos, em certos aspectos, a passos de tartaruga manca. O conceito de família, por exemplo, precisa ser mais bem-entendido porque muita coisa mudou. Existe hoje a figura do segundo marido da mãe, da terceira mulher do pai, dos filhos que cada um deles já trouxe de outras relações e dos novos irmãos desses relacionamentos. É o mundo moderno, bom ou mau, é uma realidade a se considerar. Mas como ficam os filhos dessas e nessas relações? Não é coerente avançar tanto, de um lado, e de outro continuar a adotar o que faziam, de pior, nossos avós ou bisavós. Ao primeiro sinal de traquinagem ou de alegado desrespeito - ou pior ainda: até mesmo sem pretexto, há crianças que sofrem violência na própria casa -, lá vêm o tapa, a chinelada, o fio de ferro, o beliscão, a queimadura, a surra... e outras tragédias muito piores, divulgadas diariamente na mídia.
(Artigo 5o. do Estatuto da Criança e do Adolescente) “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”
(Do Direito à Liberdade, Estatuto da Criança e do Adolescente) “Ir e vir, estar nos logradouros públicos e espaços comunitários;opinião e expressão; brincar, praticar esportes e divertir-se; participar da vida familiar e comunitária,sem discriminação”
(Do dever dos adultos, Estatuto da Criança e do Adolescente) “Velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.
Como notificar os casos de violência?
Procure o Conselho Tutelar de seu município ou ligue para o Disque 100 – número nacional do Disque Denúncia.
É preciso se identificar?
Não. Qualquer notificação de casos de violência é sigilosa.
O que acontece com os agressores e com as vítimas após a denúncia?
Eles são encaminhados para os Centros de Atendimento, onde passarão por avaliação psicológica e tratamento adequado para cada um dos casos. No Crami, além de agressores e vítimas, os outros membros da família também 22 2008 Neo Mondo --Outubro Maio 2008 passam por orientação profissional.
AnĂşncio cord Cell
Neo Mondo - Setembro 2008
A
Especial
Felizes para Em pleno século XXI 6,8 milhões de mulheres já foram espancadas pelo menos uma vez. Da Redação
O
sonho de toda menina é encontrar o príncipe encantado. Viver um conto de fadas, como aqueles da literatura infantil, em que a mocinha é liberta das garras da bruxa má por seu protetor, um forte e corajoso cavalheiro. E, em devoção a este ato heróico - prova maior de amor -, ela,
tão doce e dedicada, se rende em seus braços, submetendo seu futuro a ele. Mas, será que o narrador acompanhou a relação do casal apaixonado após o casamento, antes de pronunciar a célebre frase: e viveram felizes para sempre? Segundo dados divulgados em 2002 pela Organização Mundial de Saúde – OMS,
s
7% de todas as mortes de mulheres, entre 15 a 44 anos, em todo o mundo, foram resultados da violência de seus maridos ou namorados, atual ou ex. No Brasil, outra pesquisa, realizada pela Fundação Perseu Abramo, em 2001, registrou que 6,8 milhões de mulheres já foram espancadas pelo menos uma vez.
E o conto de fadas? De acordo com a psicóloga da Casa Eliane de Grammont, Lenira Silveira, a violência contra a mulher está associada às desigualdades nas relações entre homens e mulheres, que foram construídas historicamente e persistem até os dias atuais. “Embora o movimento feminista tenha obtido muitas conquistas em relação aos direitos das mulheres, ainda é preciso uma mudança de mentalidade mais ampla, que não reproduza os papéis de gênero tradicionais” – destaque a psicóloga. De modo geral, características como coragem, força, dominação e agressividade ainda estão associadas ao sexo masculino, enquanto fragilidade, sensibilidade e submissão ao sexo feminino. Por isso, espera-se uma atitude mais agressiva dos homens, até em favor às mulheres. É 24
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só pensar quantas delas já ficaram lisonjeadas em ver seus companheiros enfrentando outro homem para defendê-las? Desta maneira, segundo Lenira, ainda é considerado normal, socialmente, uma relação em que, por exemplo, o homem grite com a companheira e ela se cale. Por esta mesma razão, muitas mulheres que vivem relações violentas, demoram anos para reconhecer as atitudes do companheiro como tal. Carla Sato*, foi uma das milhares de mulheres que, iludidas pela valentia do príncipe, casou-se com o sapo. Enquanto namorava nunca imaginou que o ‘cuidado’ que namorado tinha com ela pudesse lhe causar algum problema. “Ele era uma graça de pessoa, simpático com todos, mas com o tempo, já morando juntos, mostrou que vivia de aparências.
empre? “
Se a primeira
vez que ele falou alto comigo, eu tivesse me defendido, colocado para ele que isso eu não iria aceitar, a história já
”
teria sido outra
Começou a implicar com tudo, amigos, roupas, dizia que eu estava gorda, que não era mais a mesma. Foi quando entrei em depressão, e aí sim, engordei 15 kg. Mesmo assim, só percebi o que ele estava fazendo comigo no dia que partiu para a violência física” – conta. Hoje, Carla se libertou dessa relação e refez sua vida fora do país, perdendo totalmente o contato com o passado violento que a prendia. Contudo não são todas que conseguem se desligar dos agressores, umas ficam presas pela esperança que um dia as promessas se cumprirão, pela estabilidade financeira, pelos filhos ou por acreditarem no amor que um dia já foi puro. Ana Clara* casou-se aos 17 anos, grávida de sua primeira filha, com um rapaz dois anos mais velho que, para ela,
Especial
‘só usava drogas de vez em quando’. Além dos pro blemas causados pela imaturidade, o ciúme era uma marca da relação. “Às vezes falava mais áspero comigo, segurava forte nos meus braços, mas achava isso normal. E até me achava importante com aquele excesso de ciúmes. Eu não podia sair com ele em lugares mais movimentados, pois ele sempre dizia que eu estava olhando para algum rapaz” – relembra. Ao longo do tempo, a dependência química tornou-se mais visível. “Ele começou a ser doente mesmo, viciado em coisas mais pesadas. Ele queria sair de casa pra usar, mas eu não deixava, e isso motivou as agressões. Dai por diante, depois do primeiro perdão, qualquer coisa era motivo” – conta. Ela acredita que um dos motivos que a ligou a esta relação conturbada, foi não ter tratado o trauma de infância causado pelo abuso sexual que sofreu do tio. Trama que, segundo a psicóloga, é freqüente em mulheres vítimas de violência. “É comum nestas relações agressivas que as mulheres e/ou parceiros tenham crescido em famílias onde ocorria violência doméstica. Hoje, Ana é mãe de três meninas, que sofrem paralelamente com a mãe.
“Ele nunca bateu nelas, mas me batia e ofendia na frente delas. Era horrível, porque elas choravam e gritavam e virava aquele inferno” – destaca. Contudo, ela diz que aprendeu, a duras penas, que é ela quem deve estabelecer os limites. “Se na primeira vez que ele falou alto comigo, eu não tivesse aceitado, a história já teria sido outra” - alerta. Por isso, ela adotou outra postura, deixou de acreditar que poderia mudá-lo e começou a cuidar de si. Recuperou a auto-estima, voltou a trabalhar e a sorrir. No entanto, Ana, que já o denunciou, crê na recuperação do marido, que há 40 dias está longe das drogas. “No momento não penso em deixá-lo porque aprendi a estabelecer limites. Mas só tomei esta decisão porque ele quer mudar e está mostrando isso” – diz. No entanto, nesta situação, a psicóloga faz um alerta: “quando a relação violenta já está instalada, o homem dificilmente será capaz de superar esse padrão sozinho. Ele precisa de ajuda profissional. Se ele reconhecer suas dificuldades e decidire procurar ajuda, então pode dar certo. Caso contrário, é apenas uma questão de tempo para as agressões se repetirem”.
E agora
que o sonho
virou pesadelo? O maior medo das mulheres vítimas da violência é não saber o que vai acontecer com o cônjuge, porém, não denunciar é expor a sua própria vida, e a de seus filhos, ao risco de morte. A legislação em favor da mulher, conhecida como Lei Maria da Penha (Lei 11.340), reconhece além da violência física, outras formas, como a violência psicológica, moral, patrimonial. Por isso, na dúvida, quando a mulher perceber que naquela relação ela se sente desqualificada, humilhada e com medo, ela deve procurar ajuda. Hoje, já existe uma ampla rede de serviços que podem orientá-la e apoiá-la, como é o caso da Casa Eliane de
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Grammont, em São Paulo, que é centro de referência e atendimento integral às mulheres, nos casos de violência doméstica e sexual, oferecendo atendimento psicológico e de assistência social. Sair do isolamento, da solidão, é o passo mais importante para romper uma relação violenta.
Serviços Disque
180
Central de Atendimento à Mulher
* Foram usados nomes fictícios para preservar a integridade das personagens.
w w w. n e o m o n d o. o r g . b r
Te l . : ( 1 1 ) 2 6 1 9 - 3 0 5 4
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Especial
é uma BEBIDA
Bem aceito culturalmente, a bebida alcoólica causa dependência em 10% da população brasileira. Da Redação
O
consumo excessivo de bebidas alcoólicas gera um dos mais graves problemas de saúde pública mundial: o alcoolismo. O Brasil não fica atrás nessa triste constatação. O Ministério da Saúde, através da Coordenadoria de Saúde Mental, Álcool e outras drogas, confirma que 75% dos brasileiros já consumiram álcool pelo menos uma vez na vida. Isso poderia parecer irrelevante, se não estivéssemos falando de uma droga, mesmo que lícita. Os demais tipos de drogas ilícitas ou não, nem chegam perto dessa estatística. De acordo com o assistente técnico, Francisco Cordeiro, do Ministério da Saúde, são dependentes do álcool cerca de 10% da população brasileira. “Não é um problema de fácil solução” – constatou ele. O consumo de álcool é considerado o responsável por diversas formas de do-
“
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enças e acidentes com vítimas. Para se ter uma idéia da dimensão do problema, Cordeiro afirma que metade dos acidentes de trânsito no Brasil têm alguma relação com o álcool. A bebida também é cúmplice de casos de violência doméstica, sexual e interpessoal, podendo atingir de forma devastadora, direta ou indiretamente, a sociedade. A explicação está no poder da substância em alterar padrões de comportamento, que afetam o relacionamento familiar, social e profissional. Apesar das conseqüências dramáticas do seu uso, o álcool está em evidência nas propagandas televisivas, em outdoor, e em toda a gama de veículos de comunicação. É aceita culturalmente e sem dúvida, aproveita-se de um falso status de não-droga. Ocorre que o problema vem aumentando anualmente, com o consumo cada vez mais precoce. Um estudo realizado,
em 2005, em escolas, apontou que 54,3% dos adolescente de 12 a 17 anos já haviam experimentado bebida alcoólica e que 2% a consumiam diariamente. O governo, segundo Cordeiro, atua em duas frentes: o tratamento, através de uma rede de unidades de atendimento denominadas CAPS AD, que oferecem atendimento com profissionais multidisciplinares, dentre os quais médicos, assistentes sociais e oficineiros. Nesses núcleos, acontece também o trabalho para a assistência à família, que recebe orientações sobre como lidar com essa situação. A outra ação é voltada à informação e conscientização, por meio de campanhas publicitárias que pretendem mostrar o outro lado do consumo, exatamente aquele que as propagandas de bebidas não mostram e que podem destruir a vida de seus usuários.
Não é um problema de fácil solução
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”
DRO GA ! CONHECENDO O PROBLEMA A médica psiquiatra Cintia de Azevedo Marques Périco, professora de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC e responsável pela Clínica Psiquiátrica do Hospital Estadual Mário Covas, explicou que o dependente de álcool é considerado um portador de transtorno mental e que deve ser conscientizado das possibilidades de tratamento. Segundo ela, diversos fatores levam ao alcoolismo, sejam eles influenciados por questões genéticas, ambientais, sociais ou biológicas. “É importante ressaltar que uma grande porcentagem dos pacientes dependentes de álcool possui depressão e/ou ansiedade comórbidas” – disse ela. A médica relatou que o álcool é um depressor do sistema nervoso central, por isso inicialmente provoca uma certa euforia, felicidade, expansão, passando rapidamente para uma fase de labilidade emocional, com choro fácil, irritabilidade, fala pastosa, sonolência, andar cambaleante. O consumo de bebida alcoólica pode levar desde uma intoxicação leve até uma grave, com redução do nível de consciência e coma, por bloqueio central. “O uso continuado do álcool leva a um importante prejuízo cognitivo, com déficits de memória progressivos, podendo desenvolver demência alcoólica” – ressaltou.
O que caracteriza a dependência
• • •
Desenvolvimento de tolerância (sendo necessário aumentar as doses ou quantidade da substância, Sinais e sintomas de abstinência (*); Desejo incontrolável em obter a substância;
Caminho do ácool O uso contínuo desta substância pode provocar a cirrose, um “endurecimento” do fígado. Conseqüentemente, o sangue passa a ter dificuldade em atravessá-lo, refluindo pelas veias e desencadeando varizes no esôfago, que não têm cura e que sangram com facilidade, podendo levar à morte por hemorragia.
• •
Mudança de comportamentos com a finalidade de fazer uso do produto; Persistência no consumo, mesmo quando os prejuízos físicos, sociais e profissionais já se tornaram evidentes.
* Síndrome da abstinência Essa síndrome se dá com uma série de sintomas que se instalam ao interromper o consumo da droga. Dentre os principais sintomas, encontram-se a agitação, ansiedade, tremores nas extremidades, alteração do sono, do humor, do apetite, sudorese em surtos, aumento da frequência cardíaca, do pulso e da temperatura.
Tratamento O tratamento começa pelo desejo do paciente em interromper o consumo. Motivá-lo com um trabalho de conscientização dos prejuízos pelo uso da substância, é sempre importante. Atualmente, há uma ampla opção de medicamentos que facilitam o tratamento.
Faz-se uso de medicamentos com ação cerebral semelhante ao álcool, que são introduzidos e retirados gradativamente, para tratar a abstinência, bem como antidepressivos e outras, que atuam causando efeitos indesejáveis, caso haja ingestão de álcool.
Alcóolicos Anônimos - AA
Dra Cintia de Azevedo Marques Perico
Já bastante difundido mundialmente, a irmandade Alcoólicos Anônimos auxilia na recuperação do alcoolismo. A base desse trabalho está em compartilhar experiências, que visa oferecer força e esperança na solução do problema. O anonimato é fator preponderante nessa terapia em grupo. “Nosso propósito primordial é mantermo-nos sóbrios e ajudar outros alcoólicos a alcançar a sobriedade”.
Os membros dividem suas experiências com qualquer um que procure ajuda com problemas de alcoolismo; eles dão depoimento cara a cara em reuniões ou apadrinhando o alcoólico recém-chegado. O programa é proposto em “Doze Passos”, que propõem uma maneira de desenvolver satisfatorriamente a vida sem o álcool. Fonte: http://www.alcoolicosanonimos.org.br/
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Especial
Fica
vivo!
Programa reduz 50% de homicídios em Minas Gerais. Da Redação
C
om a mesma freqüência em que o tema criminalidade é diariamente discutido em todos os setores da sociedade, novos jovens são recebidos pelos grupos criminosos nas favelas, iludidos com a falsa sensação de independência, superioridade, poder aquisitivo, segurança e com a oportunidade de adquirir tudo o que seu desejo permitir: rou-
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pas, tênis, carros e notoriedade - mesmo que reconhecida somente pela comunidade do crime. O fato é que, enquanto as possíveis soluções levantadas não forem suficientes para oferecer este mesmo status de forma digna ou valores e princípios que se sobreponham a esses atrativos, milhares de jovens continuarão morrendo pelo envolvimento no crime.
De acordo com dados levantados pela Unesco em 2002, o Brasil foi apontado como o segundo país com mais mortes violentas de jovens entre 15 e 24 anos, atrás somente da Colômbia, Ilhas Virgens, El Salvador e Venezuela, e teve um aumento de 77% no número de homicídios de jovens brasileiros em 10 anos. Um terço, provocadas por arma de fogo.
Substituição Sai
Oportunidade
Homicídios
Entra Solução estratégica Em meio a todos estes números alarmantes, Minas Gerais adotou o Programa Controle de Homicídios Fica Vivo!, um programa cujo objetivo é atingir jovens de 12 a 24 anos em situação de risco social e residentes nas áreas com maior índice de criminalidade, reduzindo as taxas de homicídios. E tem obtido sucesso! Ainda em formato piloto, há seis anos o Fica Vivo foi implantado na região do Morro das Pedras, na época, uma das áreas mais violentas de Belo Horizonte e somente nos primeiros cinco meses de atuação, já apresentou uma redução de 50% na taxa de homicídios, tentativas de homicídios, roubos e assaltos a padarias e supermercados. Hoje, ele atende 22 comunidades, 11.846 jovens e, em 2006, cerca de 300 participantes do programa foram capacitados para o mercado de trabalho.
“
Segundo a coordenadora do programa, Kátia Simões, este resultado só está sendo possível, pois a ação partiu de uma estratégia que envolveu as Polícias Militar, Civil e Federal, o Ministério Público, a Prefeitura de Belo Horizonte, o Sebrae, a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), ONGs, movimentos sociais e a comunidade. O programa foi desenvolvido pelo Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública da UFMG – Crisp, tendo como base o resultado de uma pesquisa que apontou um crescimento de 100% no número de homicídios, em Belo Horizonte, entre 1997 e 2001. Com foco na diminuição dos índices de mortes entre jovens em risco social, o Fica Vivo estruturou-se em dois pilares fundamentais: a Intervenção Estratégica, grupo formado por órgãos judiciários e públicos para a implanta-
ção e avaliação das ações, e a Proteção Social, grupo representante da comunidade que apresenta seus problemas e possíveis soluções. “Estas parcerias permitiram aproximar o público-alvo do programa e capacitar as comunidades, junto com os órgãos públicos e judiciários, na criação e implementação de soluções conforme as necessidades” – disse a coordenadora. Kátia ainda destaca o fato do apoio da polícia mudar a imagem distorcida que a população tem dos policiais. Eles mapeiam e identificam os principais alvos que ameaçam a paz da comunidade e fazem o trabalho de monitoramento por meio do policiamento comunitário. Para isso, foi criado um departamento exclusivo para o Fica Vivo, o Grupamento Especial de Policiamento para Áreas de Risco – GEPAR.
”
Nosso trabalho é mostrar para estes jovens que existe outra realidade
Implantação Desde 2003, o Programa Controle de Homicídios Fica Vivo! foi aprovado pelo Estado como política pública estadual, portanto hoje, ele está instalado nos locais apontados, também pelo Governo, como áreas de risco. A primeira providência é levantar informações sobre o local: número de jovens, dados da criminalidade, projetos que já estão em andamento e quais os principais problemas. A partir de então, convoca-se a sociedade para participar ativamente de sua solução. “Durante a avaliação do local, procuramos conhecer o que já estava sendo feito na região. Se já existia uma oficina bem sucedida de futebol, por exemplo, damos continuidade a este trabalho, mas com o novo foco de público, capacitando o oficineiro” – explica Kátia. Este foi o caso de Sérgio Soares Magalhães, responsável pelas oficinas de futebol e percussão. Ele conta que no começo a mudança de foco o preocupou, afinal agora ele iria lidar também com jovens já envolvidos no crime.
“No começo foi difícil, por mais que tivesse recebido a capacitação, teria que enfrentar a realidade, lidar diretamente com jovens que andavam armados o tempo todo. Mas agora o medo passou. Aprendi a conquistar a confiança desses meninos” – conta o oficineiro. Para ele, o mais importante nesta relação é deixar o jovem livre, sem fazer muitas perguntas, falar a língua dele e aos poucos conhecê-lo. “Quando ele se sente à vontade, ele mesmo fala de si” – destaca. Em dois anos no programa, Magalhães teve contato com muitos jovens, alguns não conseguiram se libertar das garras da crimiNúcleos
Jovens no Fica Vivo
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nalidade, mas outros são seus ajudantes. Conquistaram um lugar na sociedade, trabalham, têm identidade, carteira de trabalho, vão ao shopping, porque aprenderam a enxergar as diferenças. “Nosso trabalho é mostrar para estes jovens que existe outra realidade, apresentando um mundo diferente daquele que ele está acostumado, através das oficinas e das visitas promovidas a museus, cinemas, eventos culturais...” – diz a coordenadora. Saindo daquele ambiente, até então seu refúgio, e, conhecendo outros lugares e referências positivas ele compreende que há outras alternativas de vida. % de Média de Jovens 15-24 nos jovens no jovens/oficina bairros atendidos programa
Ribeiro de Abreu 953 40 23,83 Morro das Pedras 1.132 36 31,44 Uberlândia 835 27 30,93 Contagem 759 28 27,11 Montes Claros 589 20 29,45
64,917 1,47% 14.538 7,79% 7.463 7,89% 3.347 23,45% 11.538 4,79%
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Arte dramática auxilia a recuperação de vítimas da afasia. Da Redação
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m acidente, a perda, o Silêncio, o apoio, uma viagem, um tratamento dramático, a chegada de novos casos, o ESPETÁCULO! “Reconstruindo a Palavra” é o nome do primeiro espetáculo do grupo Teatro de Afásicos, da ONG Ser em Cena, cujos atores são aprendizes da fala, pacientes em recuperação que fazem do teatro um tratamento intensivo de estímulo para a reconstituição da palavra, perdida em função de lesões no cérebro provocadas por traumas ou acidentes vasculares cerebrais (AVC), conhecidos como derrames cerebrais. Pessoas afásicas que, de repente, perderam a capacidade de falar ou de entender o que ouvem. Esta, que foi a primeira peça apresentada pelo grupo (2004), criada para mostrar o trabalho de reabilitação da fala e da linguagem por meio da expressão dramática, dividia-se em quatro esquetes, abordando o sentimento da falta de comunicação, a importância da palavra, o que resultou a perda e a falta de comunicação oral. “Lotamos o teatro Bibi Ferreira, além de termos feito apresentações na Uniban (SP) para fonoaudiólogos, estudantes de fonoaudiologia e pacientes afásicos. Todos adoraram e aprenderam um pouco sobre a afasia“ – diz Saliba Filho, diretor do espetáculo.
No entanto, mais importante que a apresentação em si, foram os avanços no estado clínico durante as aulas e ensaios. “Na afasia é preciso treinar a mente e estimular com a leitura. O teatro tem o poder de fazer isso porque incentiva a sociabilidade e o contato com o texto. Ele também trabalha a expressão corporal, importante para que se entenda o outro. Além disso, atinge a auto-estima do indivíduo, pois, a partir da estimulação, ele se sente mais seguro e confiante para ir além, mostrando para si e para a família que é capaz” – analisa Fátima Monteiro, fonoaudióloga da ONG Ser em Cena. Às aulas, que acontecem uma vez por semana na Água Branca em São Paulo, são acrescentados passeios culturais, encontros de confraternização e ensaios para aqueles que aceitaram participar da montagem. Atualmente, o grupo trabalha em outro espetáculo com mais cenas, porém ainda sem data de estréia. Nichollas Wahba, ex-afásico e assistente de direção teatral, explica que a montagem de uma peça com esse grupo demanda mais tempo de preparo, pois não se trata somente de ensaios, mas de um meio de evoluir na recuperação da fala.
Um acidente... Pivô da formação do Ser em Cena, Nichollas Wahba, também relações públicas da organização, aos 16 anos, sofreu um acidente de carro que o deixou incapaz de falar no auge de sua juventude. Foram quatro meses de silêncio e mímicas até conseguir dizer ‘A’. “Foi muito difícil. Sabia o que era mala, identificava a palavra quando a ouvia, mas quando abria a boca, não saia som. Não conseguia dizer: MALA” – conta. Enquanto ele se esforçava para ser compreendido e recebia a ajuda de sua mãe, Liliana Liviano Wahba, doutora em Psicologia Clínica, presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica - que posteriormente escreveu o livro “Reconectar a Mente - Juntando o A e o B e o C”, com exercícios verbais para a reabilitação de afásicos – iniciou-se uma busca por especialistas em afasia. Nesta procura, a fonoaudióloga Fernanda Papaterra Limongi tornou-se a responsável pelo tratamento de Nichollas Wahba, que já era ligado à arte teatral, e, mesmo com a afasia, dava continuidade aos cursos de dramaturgia. Neo Mondo - Julho/Agosto 2013
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Sabia o que era mala, identificava
a palavra quando a ouvia, mas quando abria a boca, não saia som
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“Um ano e meio após o acidente fiz um curso com o professor Hélio Braga e, embora falasse como bêbado, ele me colocou no elenco da peça Esperando Godot, baseado no livro de Samuel Beckett. Um livro enorme que me estimulou a ler” – relembra Wahba.
Ele ator, ela fonoaudióloga, a mãe psicóloga, o pai empresário patrocinador, não demorou cerca de um mês para que as aulas começassem e outras vítimas da afasia pudessem contar com a arte para a reabilitação.
Uma viagem... A melhora de Nichollas era progressiva e as consultas à fonoaudióloga reduziram-se para uma vez ao ano. Em uma delas Fernanda Limongi contou a ele que durante uma viagem à Montreal havia assistido uma peça do Le Théâtre Aphasique, organização fundada pela fonoaudióloga e atriz canadense Anne-Marie Théroux, com o objetivo de reabilitar afásicos por meio da arte dramática e sensibilizar a população para a realidade da afasia.
A chegada de novos casos... A divulgação do trabalho começou no consultório da fonoaudióloga e logo chegaram novos parceiros que também se incumbiram de divulgar as aulas, como o Sesc Consolação, que abriu espaço para receber a Ser em Cena. O primeiro a chegar foi José Francisco dos Santos, com cerca de 50 anos, vítima de acidente vascular cerebral. “Ele foi o primeiro a aceitar o desafio e até hoje está conosco, sem faltar a nenhuma aula” – comenta Wahba.
Atualmente são mais de 40 alunos que foram, em sua maioria, encaminhados por profissionais da saúde. Sem contar os familiares que os acompanham e acabam participando da ‘brincadeira’. “As aulas vão além da dramaturgia e compõem um trabalho de socialização, no qual as pessoas trocam experiências e idéias, onde se desenvolvem o teatro com jogos dramáticos, aulas de música e canto, técnicas de mímica e clown, ioga, tai chi chuan e outras” – destaca o diretor, Saliba Filho.
O que é afasia? A Afasia é um déficit geral da linguagem decorrente de uma lesão cerebral no hemisfério esquerdo do cérebro. As causas mais comuns são: AVC - acidentes vasculares cerebrais (derrames, isquemias), traumatismos (causados por acidentes automobilísticos, armas de fogo, quedas graves, etc) e tumores cerebrais. A Afasia pode ser caracterizada por distúrbios na capacidade de compreender, expressar linguagem ou ambas as capacidades. Pode existir um distúrbio de comunicação leve, moderado ou severo, dependendo da extensão e local da lesão cerebral. O número estimado de afásicos no Brasil é de aproximadamente 160.000 pessoas, considerando apenas os casos causados por AVC. Porém, há falta de profissionais especializados no tratamento. Além disso, a falta de informação faz com que muitas vítimas e familiares confundam a afasia com mudez, incorrendo em tratamento inadequado.
Alunos durante as aulas de teatro. 34
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Fonte: ONG Ser em Cena
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Uma escola de surfe em Santos transcende o esporte e demonstra a verdadeira inclusão. Da Redação
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pós vendar os olhos de modo a não permitir nenhuma fresta de luz, o surfista e professor Francisco Alfredo Araña, o Cisco, pega sua prancha e entra no mar, no Posto 2, em Santos. Ele não está tentando vencer nenhum desafio ou aposta. Está buscando subsídios técnicos para aperfeiçoar uma aula de surfe muito especial, para um novo aluno, Valdemir Pereira Correa, que tem deficiência visual. Na água, pôde então perceber que o senso de localização teria que ser a primeira lição a ser ensinada, pois garantiria a confiança e a independência necessária ao praticante de esportes aquáticos. Os sentidos estavam alertas para a direção do sol, os refluxos da maré, o som das ondas. O tempo entre cada onda da série, bem como dos intervalos das séries, os sinais do vento, importantes na formação das ondas e assim por diante. Entendeu quais as necessidades de marcações na prancha, para permitir maior agilidade de localização do centro de gravidade, facilitando a execução dos movimentos corretos. Também foi diagnosticada a necessidade de uma sinalização sonora, para localização da prancha. Assim, numa simbiose que unia a percepção e a experiência foi criada uma metodologia inédita para apresentar a modalidade ao novo aluno. Porém, mais do que ensinar a praticar surfe, Cisco, estimulou Valdemir a acreditar nas suas possibilidades, a superá-las e
a fazer valer seu direito de inserção numa sociedade que ainda exclui as diferenças. Araña é o idealizador e coordenador da Escolinha Radical, mantida pela Prefeitura de Santos, em parceria com algumas empresas da cidade. Foi a primeira do gênero no Brasil e hoje, após 16 anos, é uma referência nacional. Já formou atletas de surfe e bodyboard de destaque como Giovani Ferranti, Camila Ventura, Fred Polack, Irapagi Caetano, Nildo de Souza, dentre outros. Com tantos campões, a escola Radical poderia ser mais uma conceituada escola de surfe, mas sua atuação transcendeu a prática esportiva e é hoje um bem sucedido programa de inclusão social, onde a diversidade é a regra e não a exceção. “Nossa escola é um mosaico” – disse Irapagi Caetano, ex-aluno e atual professor da escolinha. Ele próprio se considera um exemplo vitorioso desse projeto. “Minha família não tinha condições financeiras de custear o esporte. Eu não podia comprar nem a parafina, imagine a prancha.” – disse ele. Atleta de bodyboard, Paji, como é mais conhecido, diz que deve tudo ao surfe. O esporte o estimulou nos estudos, proporcionou viagens pelo Brasil, onde criou seu círculo de amigos. Dando aulas, concluiu a faculdade, comprou seu apartamento e carro. Segundo ele, o mais importante foi aprender e viver a mais valorosa das lições: “doar abundantemente com o coração, sem esperar nada em troca” – disse.
Valdemir Pereira Correa, deficiente visual, durante aula de surfe
E são com esses valores que as aulas unem crianças, adolescentes, adultos, idosos, pessoas com deficiências físicas, mentais, de diversas condições sociais, culturais, tipos físicos...nada, absolutamente nada é impedimento para participar, a não ser as vagas, quase sempre lotadas. Cada um tem seu tempo de assimilação das técnicas, mas
uma lição ninguém deixa de aprender: a de conviver com as diferenças de uma forma natural, compartilhando valores fundamentais como respeito, socialização e ética. Essa característica inclusiva da escola radical começou com uma postura do próprio Araña, que nunca viu qualquer impedimento para a prática do surfe. Ele próprio teve como
O Mar cura... Os professores listam uma série de benefícios à prática esportiva, cujas competências básicas promovem o equilíbrio, a coordenação motora, o desenvolvimento neuro-psico-motor-social, o aumento da resistência cardiovascular, da força física. Em dias sem
onda ou muito frios, os alunos recebem aulas de meteorologia, estudam as marés, aprendem sobre a fabricação de pranchas, biologia e também noções do meio ambiente, onde são estimulados a respeitar a natureza e por consequência, a si próprio.
grande mestre, o Mudinho, um surf-legend brasileiro, que era deficiente físico e que o ensinou que qualquer pessoa pode realizar a atividade de forma saudável e segura, claro, que com o monitoramento de professores experientes. Foi assim que acolheu as crianças de diversas organizações assistenciais de Santos. “Começamos a receber algumas entidades de reabilitação, como a Casa Pixote e alguns orfanatos. Em 1996, recebemos os primeiros alunos com deficiência auditiva. Há dez anos, realizamos anualmente um evento com pacientes do Núcleo de Terapia Ocupacional do PUC de Campinas, coordenado pelo professor Roberto Ciasca” – explicou Araña. Nesse grupo estão crianças e adolescentes da periferia de Campinas, com deficiências física, mental, sensorial ou múltipla, pessoas com paralisia cerebral, paraplégicos, tetraplégicos, vítimas de derrames, queimaduras, mutilações e outras deficiências limitantes ou incapacitantes. Ciasca confirmou que desde 1997, Neo Mondo - Julho/Agosto 2013
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leva os pacientes para passar um dia em Santos. “Temos tido ótimos resultados com essa ida à praia, tanto em termos de motivação quanto de superação e conquistas. Essa proposta, permite estímulos específicos e pouco usuais na nossa cidade (sem mar, ondas, areia, serra etc.), permite vivenciar situações reais de auto-manutenção (higiene, vestuário e alimentação), fundamentais para conquista da autonomia” - afirmou Ciasca. Todos entram no mar e passam um dia especial, literalmente feliz, pois o surfe é lúdico, divertido, desafiante... ”Lembro sempre de uma garotinha, com o semblante fechado, um olhar triste e introspectivo. Eu a coloquei deitada na prancha e a soltei na onda, quando a prancha deslizou, vi a transformação de seu rosto, se abrindo num lindo sorriso. Essa imagem foi muito forte. Nunca esquecerei” – disse Araña.
Paji entre os alunos: “Nossa escola é um mosaico”
Posso Voar As sensações de liberdade e de independência que o surfe confere são apontadas por Valdemir Pereira Correa, 37 anos, deficiente visual há 13 anos, como grandes motivadores para sua vida. “Se eu fosse praticar outros esportes teria mais restrições. O pedestrianismo teria que ser com um guia (pessoa que acompanha o atleta), no caso do futebol, a bola teria guizo. No surfe sou livre, no máximo, posso escutar algum amigo gritando: se prepara que essa sequência (de onda) é boa” – disse Val, como é conhecido entre os amigos. Ele nos conta que quando ouviu no rádio que a Escolinha Radical estava dando aulas para deficientes auditivos, tomou a decisão de tentar se inscrever. “Fiquei me preparando e buscando argumentos para convencer o Cisco a me aceitar na escolinha” – disse Val. Quando chegou lá, já devidamente preparado, se identificou e disse que apesar da deficiência visual, queria ter aulas de surfe. “ Tudo bem, pegue uma prancha e vamos pra água” – foi o que ouviu de Cisco. A resposta positiva o deixou sem palavras, mas não sem ação. Desde então, freqüenta três vezes por semana as aulas, que mudaram sua
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vida. Val sobe na prancha, anda, gira o corpo, numa dinâmica corporal que exige coordenação, equilíbrio e força e que coloca a necessidade da visão em um plano muito relativo. “ Uma pessoa não está limitada ao quanto ela enxerga” – afirma o surfista, que sonha em poder dar aéreos com sua prancha e ter a sensação real de voar. Falante, bem humorado e cheio de energia, Val conta que após o surfe se sentiu confiante para praticar outras atividades: capoeira, caratê e tai chi chuan. “Hoje, consigo perceber e identificar movimentos à minha volta. Não é mágica, é uma habilidade que desenvolvi por uma necessidade” – relata. Ele acredita que também essa condição sensorial foi graças à prática do surfe. Para o atleta, superar os limites é uma forma de demonstrar que deficiência não tem relação com capacidade ou falta de inteligência. Hoje, a família toda está contagiada pelo surfe. Val levou os pais para a praia e para as aulas. Na escolinha Radical o sentimento é de fazer parte de uma grande família que se reúne para brindar a vida. Os ingredientes são: céu, mar, espuma branquinha e muita, muita superação.
Dica
Sugestões de Livros Quem grita perde a razão Autor: Luiza Ricotta Editora: Ágora A palavra violência é associada aos episódios graves que temos presenciado no país e no mundo. Mas existe outro tipo de violência mais sutil, às vezes mais danosa e perigosa, presente no dia-a-dia de muitas famílias e a autora
mostra como identificá-la dentro de casa. Ela aponta soluções para quem busca caminhos para melhorar a qualidade de vida no lar, favorecendo o desenvolvimento psicológico, emocional e social.
VALORES HUMANOS NA EDUCAÇAO Autor: MARIA FERNANDA NOGUEIRA MESQUITA Editora: Gente Sinopse: Diante do grande desafio que é educar, sempre nos vemos diante da mesma dúvida: qual é a melhor maneira de fazê-la? “Valores Humanos na Educação” oferece ao leitor uma proposta de aplicação prática do Programa de Educação em Valores Humanos, criado pelo mestre e educador indiano Sathya Sai Baba, e implantado com suces-
so em mais de 150 países. Ele propõe um método de trabalho com crianças, fundamentado em cinco valores - verdade, ação correta, paz, amor e não-violência. Suas técnicas podem ser adotadas em qualquer escola, independentemente do sistema pedagógico, e em casa, pelos pais e por outros educadores informais.
ANALFABETISMO NO BRASIL Autor: Ana Maria Araujo Freire Editora: Cortez Sinopse: Em “Analfabetismo no Brasil”, Ana Maria Araújo Freire desvenda as raízes de uma pesada herança que o Brasil carrega para o século XXI: o analfabetismo. No País ele continua se reproduzindo com a representação da sociedade injusta, dialeticamente articulado com a concepção discrimina-
tória da educação das elites brasileiras. A autora, com base em documentos primários, descreve a ideologia da interdição do corpo, associada à noção de pecado, dificultando o acesso de mulheres, índios e negros, a ambientes que lhes facilitassem a aquisição do saber.
Como mudar o mundo Autor: David Bornstein - Tradução de Alexandre Raposo e Maria Beatriz de Medina Editora: Record Em “Como mudar o mundo”, David Bornstein mostra que indivíduos criativos, com determinação e força de vontade são capazes de impulsionar idéias poderosas para melhorar a vida de quem necessita. São os chamados empreendedores sociais — pessoas obstinadas, cujas idéias e ações têm um profundo efeito sobre a sociedade e são capazes de
mudar padrões de comportamento.Com exemplos de diversos países mostra como os empreendedores sociais promovem mudanças sistêmicas, alteram padrões de comportamento e percepções. Analis as estratégias, as características organizacionais, e as qualidades pessoais que explicam o sucesso dos empreendedores sociais em vários países.
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