Livro gl em defesa 2017

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Atualidade, eficácia e influência na História da Igreja


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Juan Gonzalo Larrain Campbell

PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA

denuncia no seu nascedouro a revolução progressista, no livro Em Defesa da Ação Católica Atualidade, eficácia e influência na História da Igreja

Artpress Indústria Gráfica e Editora Ltda. São Paulo, 2017 – 1a edição 3


Revisores: José Antonio Ureta Z. Marcos Antonio Machado Costa Revisor de português: Paulo Henrique Chaves Colaboradores: Alejandro Bravo L. Alfredo Mac Hale E. Luiz Félix Borsato Miguel Beccar Varela Oilsson Gugelmin Projeto gráfico, diagramação e capa: Luis Guillermo Arroyave e-mail do autor: jgonzalolarrain@gmail.com

© 2017 – Todos os direitos desta edição reservados. Artpress Indústria Gráfica e Editora Ltda. Rua Visconde de Taunay, 364 – Bom Retiro 01132-000 – São Paulo – SP Fone: (011) 3331-4522 / Fax: (011) 3331-5631 www.livrariapetrus.com.br petrus@livrariapetrus.com.br ISBN 97-885-7206-257-2

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Esta obra estĂĄ dedicada a Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano e a meu mestre, modelo e guia o Prof. Plinio CorrĂŞa de Oliveira

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Prólogo

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m Defesa da Ação Católica foi o primeiro livro escrito por Plinio Corrêa de Oliveira, em 1943. A grandeza de horizontes do Autor, a eficácia, as repercussões e as vicissitudes da obra vêm a lume no presente trabalho mais de 70 anos depois. Para se compreender a importância do Em Defesa e sua influência nos acontecimentos da época, bem como sua redobrada vigência na atualidade, é preciso estabelecer um nexo entre o contexto no qual o livro foi editado, o histórico das transformações posteriores e o estado em que, como consequência de tais transformações, se encontram a Santa Igreja e o mundo em 2017. Na década de 1930 e início de 1940, liderado por Plinio Corrêa de Oliveira, o Movimento Católico no Brasil foi animado pelos mais altos ideais de amor à Igreja e à Civilização Cristã. Ele auspiciava até nos mais longínquos rincões do Brasil as maiores e mais sólidas esperanças de um futuro grandioso, cristão e forte. E o Brasil discerniu que esse abençoado porvir estava simbolizado em Plinio Corrêa de Oliveira, nele confiando e elegendo-o deputado, o mais jovem e mais votado do País, ovacionando-o no Vale do Anhangabaú por ocasião do Congresso Eucarístico Nacional de 1942, e em centenas de conferências públicas. Estava-se diante de um fato iniludível: se a hierarquia eclesiástica e as elites tivessem apoiado Dr. Plinio, ou ao menos não tivessem levantado contra ele a oposição que lhe fizeram, não haveria bem que não fosse lícito esperar para a Igreja e para o Brasil, e, em consequência, para América Latina e o mundo. A grande e providencial vocação do Brasil assim se delinea7


va. Por outro lado, nesses mesmos anos ressurgia, com ar messiânico e revestido de roupagens sedutoras, o movimento modernista condenado algumas décadas antes por São Pio X. Essa heresia – resumo, superação e requinte de todas as anteriores – saía agora à luz de modo sutil e bem organizado, minando com os seus tentáculos os meios católicos, contando para tal com poderosos e insuspeitados apoios. A corrente modernista, de raiz, formação e influência europeia, passou a se chamar “progressismo” e teve no Brasil forte presença em certas e reduzidas – mas muito radicais – elites religiosas e sociais. Pretendia a completa transformação da Igreja e da sociedade numa linha revolucionária, igualitária e liberal. No plano político e moral, tendia veladamente para a meta socialista e anárquica, objetivo final da Revolução denunciada pelo Dr. Plinio na sua obra Revolução e Contra Revolução. Aos artífices dessa Revolução não foi difícil compreender o obstáculo que o Movimento Católico, encabeçado por Dr. Plinio, representava para os objetivos revolucionários. Impunha-se, pois, remover tal obstáculo. Como fazê-lo? Atacá-lo de frente era perigoso, pois poderia haver reações inesperadas que prestigiassem ainda mais o Dr. Plinio e o verdadeiro ideal católico, atraindo colaborações cada vez maiores para as hostes da Contra-Revolução. A saída era miná-lo, primeiro por dentro, infiltrando-o sutilmente com membros de idéias renovadoras, e depois isolá-lo. Suscitar e prestigiar então líderes católicos aggiornati, amigos das terceiras posições, pouco combativos, que o desprestigiariam. Isso explica os ataques solapados que começaram a surgir, sobretudo contra as Congregações Marianas, que eram a força propulsora do Movimento Católico. Os referidos ataques provinham de elementos infiltrados na Ação Católica e no Movimento Litúrgico, e eram propalados por uma legião de inocentes-úteis a serviço da revolução eclesiástica. Como Presidente da Junta Arquidiocesana da Ação Católica de São Paulo, Plinio Corrêa de Oliveira discerniu na sua origem o pe8


rigo que tais elementos representavam para a causa católica, vendo neles a ressurreição da heresia modernista fulminada por São Pio X em 1907, além de prever os seus futuros desdobramentos. Era preciso denunciar os erros que começavam a grassar em setores influentes da Ação Católica. E cumpria fazê-lo de modo a provar inequivocamente sua existência, uma vez que seu verdadeiro objetivo se escondia por trás de aparências inócuas e “inocentes”. Foi nessas condições que Plinio Corrêa de Oliveira decidiu documentar-se e escrever o livro Em Defesa da Ação Católica. * * * Além de reafirmar de fronte erguida e em toda sua beleza e esplendor a verdade católica, o Dr. Plinio mostra o dinamismo desses erros e suas consequências, caso não fossem tomadas medidas enérgicas e urgentes para extirpá-los. Levantava-se assim aos olhos de Plinio Corrêa de Oliveira não apenas um conjunto de erros desconexos entre si, mas uma verdadeira conspiração bem dirigida e articulada de erros minuciosamente concatenados para transformar a religião católica em outra religião. Era uma enorme revolução tramada no próprio seio da Igreja e promovida, tanto quanto possível, por altos e hábeis membros da hierarquia seguidos por leigos com a mesma intenção. Revolução que hoje chega ao seu paroxismo e que os fatos confirmam tragicamente. Essa revolução se insere no processo revolucionário que desde o Humanismo e a Renascença vem destruindo a Cristandade e que hoje tem como ponta de lança na Igreja o esquerdismo católico, a ecologia, a ideologia de gênero, a “Teologia” da Libertação, etc. É por isso que detalhamos neste trabalho o processo revolucionário, mostrando ao leitor o vulto, a profundidade e a gravidade do tema tratado em Em Defesa da Ação Católica. * * * 9


O livro em pauta teve o efeito de uma bomba no Brasil, chegando a repercutir nas mais altas esferas do Vaticano. Prefaciado pelo Núncio Apostólico no País, D. Bento Aloisi Masella1, ele recebeu de Pio XII uma carta de encômio dirigida ao Autor por Mons. Montini, futuro Paulo VI, então Substituto da Secretaria de Estado de Sua Santidade. Alguns espíritos acordaram, enquanto outros continuaram a dormir, mas desconfiados em relação à revolução que se tramava. Por fim, os agentes desta redobraram o seu ódio contra o Dr. Plinio, tentando em vão desmentir o fundamento da denúncia que ele fazia. * * * Escrevemos este trabalho, em primeiro lugar para destacar a importância intrínseca do tema levantado pelo autor do livro Em Defesa da Ação Católica; o caráter profético da obra; a sabedoria e a prudência na forma de tratar a matéria; a oportunidade em publicá-lo; e o holocausto que fez de si, tendo plena consciência da perseguição que se desataria contra ele. Mas também pela extraordinária atualidade do Em Defesa face ao clímax a que chegou o processo revolucionário na Igreja previsto nele, especialmente no pontificado de Francisco I. Com efeito, diríamos sem medo de equivocar, que a compreensão do misterioso processo de autodemolição por que passa a Igreja neste século XXI só é possível conhecendo seus antecedentes no século XX, para o qual o Em Defesa da Ação Católica é um poderoso auxílio. Diante deste quadro, o que fazer? Pedir a Nossa Senhora que nos ilumine, a fim de que possamos compreender nas suas causas e finalidades, nos seus de1 – Masella, Benedetto Aloisi – (1879-1970). De nobre família, ordenado sacerdote em 1902, após haver frequentado a Pontifícia Academia Eclesiástica, foi secretário e regente da Nunciatura em Lisboa (1905-1908). Núncio apostólico no Chile (1919-1926) e no Brasil (1927-1946). Cardeal em 1946, Prefeito da S. Congregação dos Sacramentos, arcipreste da Basílica Lateranense, Camerlengo da Santa Igreja Romana na sede vacante dos pontificados de Pio XII e de João XXIII. Nomeado legado pontifício para a coroação de Nossa Senhora de Fátima em 1946. Roberto de Mattei, O Cruzado do Século XX Plinio Corrêa de Oliveira, p. 64.

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senvolvimentos, nas suas fortalezas e debilidades, e por fim nos seus métodos, tal processo de autodemolição. E que nos dê forças para rejeitá-lo, e também para amarmos a verdadeira Igreja e a Ela nos dedicarmos, como Plinio Corrêa de Oliveira A amou e a Ela se dedicou: imaculada na sua doutrina; inquebrantável na sua militância; sobranceira na sua unicidade e divina na sua santidade. Juan Gonzalo Larrain Campbell São Paulo, 9 de janeiro de 2017

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A matéria do presente trabalho está dividida em seis partes: Parte I: Plinio Corrêa de Oliveira e a Revolução. Parte II: Fundo de quadro em torno do Em Defesa da Ação Católica. Parte III: Pré-história do Em Defesa da Ação Católica. Parte IV: A história do Em Defesa da Ação Católica relatada pelo próprio Autor. Parte V: Em Defesa da Ação Católica. Parte VI: A eficácia do Em Defesa da Ação Católica reconhecida pelos adversários ideológicos de Plinio Corrêa de Oliveira. * * * Nas transcrições feitas nesta obra foram usados dois tipos de destaque de texto: — Parágrafos com margem maior à esquerda são textos do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. — Parágrafos com margens iguais à direita e à esquerda, e num tamanho de letra menor, são citações de outros autores. A Editora

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Parte I

Plinio Corrêa de Oliveira e a Revolução 1. A personalidade, a obra e a luta de Plinio Corrêa de Oliveira formam um só todo Para compreender verdadeiramente – e não de modo arbitrário e sentimental – a personalidade, a obra e a luta do Dr. Plinio é indispensável que o leitor tome em consideração a perspectiva histórica e o contexto nos quais ele sempre se colocou. Sua personalidade, sua obra e sua luta formam um só todo e é falsificá-lo e traí-lo separar uma da outra, bem como tirá-lo do contexto no qual ele desenvolveu o seu pensamento e levou a cabo sua ação. Foi nesse erro que muitos caíram, por exemplo, por ocasião da beatificação de Pio IX, ao separar sua vida pessoal de sua enérgica atitude contra os inimigos da Igreja enquanto Pontífice, tirando-o do contexto no qual ele lutou contra a Revolução. Pio IX condenou o mundo moderno especialmente na Encíclica ‘Quanta Cura’, com o anexo intitulado ‘Silabo (Syllabus) ou sumário dos principais erros de sua época’. Entre os múltiplos erros sobre o mundo moderno fulminados pelo ‘Syllabus’, a proposição nº 80 condena a seguinte tese: “O Romano Pontífice pode e deve reconciliar-se e transigir com o progresso, o liberalismo e a civilização moderna”2. O desvirtuamento apontado, isto é, tirar Pio IX do contexto para acentuar de modo quase exclusivo as suas qualidades pes2 – Alocução ‘Iamdudum cernimus’ de 18 de março de 1861 in BAC (Biblioteca de autores Cristianos) – Doctrina Pontifícia II –Documentos políticos, 1958 p. 38. (Grifos nossos).

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soais, visou facilitar que ele fosse beatificado junto com João XXIII, que bem pode ser considerado a sua antítese, pois este Pontífice foi quem proclamou a abertura da Igreja ao mundo 100 anos depois, como se a conjuntura tivesse sido aprimorada nas vias do cumprimento da Lei de Deus e da Igreja. Neste modo de proceder não é difícil constatar uma manifestação de verdadeiro relativismo que ignora a diferença entre bem e mal, verdade e erro, Revolução e Contra-Revolução. Na verdade, a posição otimista e oposta a Pio IX conduziu João XXIII a condenar aqueles a quem ele chamou de “profetas da desgraça”, a qual fica bem clara quando ele afirma: “... Nas atuais condições da sociedade humana, esses não veem senão ruínas e reveses; vão repetindo que os nossos tempos, se comparados com os séculos passados, são em tudo piores. (...) Mas parece-nos que devemos dissentir resolutamente desses profetas da desgraça, que sempre anunciam o pior, como se estivesse iminente o fim do mundo (...)” 3. É árduo não perceber nestas palavras de João XXIII uma radical oposição às advertências que a Rainha dos Profetas fez em Fátima em 1917, quase 50 anos antes, ameaçando o mundo com um severo castigo se aquela época não se emendasse dos maus costumes que grassavam, além de profetizar a expansão do comunismo pelo mundo inteiro. Muito significativa, também, da progressão desse relativismo foi a instauração do processo de beatificação de Paulo VI que não só abriu as portas da Igreja ao mundo, mas ao pior inimigo da Esposa de Nosso Senhor Jesus Cristo, isto é, o comunismo, através da Ostpolitik Vaticana. A posição de Paulo VI a respeito do mundo é diametralmente oposta à de Pio IX: “Que o mundo saiba – afirma o Papa Montini – a Igreja olha para ele com profunda compreensão, com sincera admiração e com sincero propósito, não de conquistá-lo, 3 – Alocução ‘Gaudet Mater Ecclesia’, de 11 de outubro de 1962, Roberto de Mattei ‘O Concílio Vaticano II. Uma história nunca escrita’, p. 171. (Grifos nossos).

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mas de servi-lo; não de desprezá-lo, mas de valorizá-lo; não de condená-lo, mas de confortá-lo e salvar”.4 O erro que vimos apontando, isto é, a separação da vida pessoal da luta e do contexto no qual foi travada, deve estar ausente de qualquer trabalho que se faça sobre Plinio Corrêa de Oliveira. Por esta mesma razão, torna-se sempre necessário dar uma ideia da referida perspectiva histórica da qual o Dr. Plinio nunca saía, ou seja, a do embate entre a Revolução e a Igreja Católica e a Civilização Cristã, que ele expõe na sua obra mestra ‘Revolução e Contra-Revolução’.

2. O conceito de Revolução não foi inventado por Plinio Corrêa de Oliveira O conceito de Revolução e o seu caráter processivo não foram inventados pelo Dr. Plinio. Verdade é que ele o explicitou com muito mais profundidade que outros autores, levando-o às suas últimas consequências, o que ficou registrado em um milhão de páginas nas quais, de forma explícita ou implícita, o Autor sempre teve como fundo de quadro a Revolução e a Contra-Revolução. No seu livro Revolução e Contra-Revolução ele descreve e analisa com particular originalidade o processo revolucionário iniciado no Humanismo, na Renascença e no Protestantismo (I Revolução); seguido pela Revolução Francesa (II Revolução) e terminando com o Comunismo (III Revolução). Em 1976 acrescentou a Revolução Cultural Tribalista (IV Revolução). O processo revolucionário – que há seis séculos vem atacando a Igreja e a Cristandade – foi longamente apontado por destacadas personalidades da ordem eclesiástica e por muitos pensadores e escritores, de diferentes tendências, da ordem temporal. Assim por exemplo: – Pio IX que governou a Igreja entre 1846 e 1878 sustenta, 4 – Roberto de Mattei op. cit p. 265. (Grifos nossos).

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referindo-se também a seus predecessores, que muitos dos erros de sua época têm sua raiz na Pseudo Reforma Protestante: “Por este motivo, nossos predecessores com apostólica energia se têm oposto constantemente às delituosas maquinações dos maus que, semelhantes às ondas de um mar enfurecido, atiram sobre a Igreja as espumas de sua torpeza; e prometendo a liberdade, [Revolução Francesa] sendo como são na realidade escravos da corrupção, se têm esforçado com falsas teorias e perniciosos escritos em solapar os fundamentos da ordem religiosa e da ordem social. Mas há outros indivíduos que, renovando os funestos e tantas vezes condenados erros da Reforma [Protestante] têm tido a extraordinária desfaçatez de afirmar que a suprema autoridade dada à Igreja e a esta Sede Apostólica por Nosso Senhor Jesus Cristo está subordinada à vontade da autoridade política; e de negar todos os direitos da Igreja e da Santa Sé concernentes à ordem temporal”5.

– Leão XIII que reinou entre 1878 e 1903 se refere claramente às três Revoluções: 7 – “A propósito de uma série de bem conhecidas causas históricas, a chamada Reforma do século XVI, levantou a bandeira da rebelião, tentando ferir a Igreja em pleno coração, ao combater com raiva o Papado”. 9 – “A guerra que se move à Igreja se torna hoje em dia mais decisiva que no passado não só por sua violência senão especialmente pela amplidão do ataque”. 10 – “Estas doutrinas perniciosas, desgraçadamente, saindo do campo das ideias, se abriram passo, como sabeis, veneráveis irmãos, à vida diária e às organizações da sociedade. Grandes e poderosos Estados as levam continuamente à prática e acreditam dar propulsão, deste modo, ao progresso da cultura geral” [Revolução Francesa]. 15 – “Esta aberração moral lamentável constituiu um germe de intranquilidade no organismo popular, germe de aflição e de forte amargura; daí nasceram as contínuas in5 – Encíclica ‘Quanta Cura’ 1 e 5. BAC ‘Documentos políticos’ pp. 5 e 11, 1958. (Grifos nossos).

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trigas e perturbações da ordem, prelúdio de tormentas ainda mais fortes. A situação de miséria de tantas camadas populares deve melhorar; mas, atualmente, serve maravilhosamente os obscuros propósitos de astutos agentes, especialmente do partido socialista que fazem ao povo loucas promessas para aproximar-se, deste modo, à execução de seus criminais planos”6 [Revolução comunista].

– São Pio X (1903 a 1914) condenou os erros do “Le Sillon”7 de Marc Sangnier8 ao denunciar suas origens na Revolução Francesa: “Nosso cargo apostólico Nos obriga a vigiar pela pureza da Fé e pela integridade da disciplina católica; a preservar os fiéis dos perigos do erro e do mal, sobretudo quando o erro e o mal lhes são apresentados numa linguagem atraente, que, ocultando o vago das ideias e o equívoco das expressões sob o ardor do sentimento e a sonoridade das palavras, pode inflamar os corações por causas sedutoras, mas funestas. Tais foram, outrora, as doutrinas dos chamados filósofos do século XVIII, as da Revolução [Francesa] e as do Liberalismo, tantas vezes condenadas; tais são também hoje as teorias do Sillon, que, debaixo de suas brilhantes e generosas aparências, faltam com muita frequência à clareza, à lógica e à verdade, e, sob este aspecto não realçam o gênio católico e francês”.9

– Pio XI (1922 a 1939) também faz referência a um longo processo revolucionário que chega até o comunismo: 6 – Encíclica ‘Vigesimo Quinto Anno’– Colección Completa, Encíclicas Pontificias 1832-1965, IV Edición, Tomo I; Editorial Guadalupe – Buenos Aires, pp. 651-653. (Grifos nossos). 7 – Le Sillon – Movimento fundado por Marc Sangnier na França, sendo a primeira expressão da democracia cristã e condenado por São Pio X com a carta Apostólica Notre charge apostholique, de 25 de agosto de 1910. 8 – Marc Sangnier – (1873-1950). Fundador de Le Sillon, em 1894. Era considerado “um novo Messias”, com a “missão providencial” de difundir a democracia liberal, proclamando “um cristianismo democrático e social” in Julio Loredo Teologia della Liberazione – Un salvagente di piombo per i poveri, p. 63, 2014. Edizioni Cantagalli S.r.l. – Siena. 9 – Notre Charge apostolique, “Doctrina Pontificia II, Documentos políticos”, BAC, Madrid, 1958, pp. 404-405. (Grifos nossos).

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“... Mas a luta entre o bem e o mal ficou no mundo como triste herança do pecado original, e o antigo tentador não tem cessado jamais de enganar a humanidade com falaciosas promessas. Por isto ao longo dos séculos, as perturbações se têm ido sucedendo umas após outras, até chegar à revolução de nossos dias, a qual por todo o mundo é já ou uma realidade cruel ou uma séria ameaça, que supera em amplitude e violência todas as perseguições que anteriormente têm padecido a Igreja. Povos inteiros estão em perigo de cair de novo numa barbárie pior que aquela na qual jazia a maior parte do mundo ao aparecer o Redentor. “Este perigo tão ameaçador, como tereis compreendido, veneráveis irmãos, é o comunismo bolchevique e ateu, que pretende derrubar radicalmente a ordem social e solapar os próprios fundamentos da civilização cristã”.10

– Pio XII (1939 a 1958) sintetiza as três Revoluções referindo-se a um misterioso inimigo da Igreja: “Ele se encontra em todo lugar e em meio de todos: sabe ser violento e astuto. Nestes últimos séculos tentou realizar a desagregação intelectual, moral, social, da unidade no organismo misterioso de Cristo. Quis a natureza sem a graça, a razão sem a fé; a liberdade sem a autoridade; às vezes, a autoridade sem a liberdade. É um ‘inimigo’ que se tornou cada vez mais concreto, com uma ausência de escrúpulos que ainda surpreende: Cristo sim, a Igreja não! [Protestantismo] Depois: Deus sim, Cristo não! [Revolução Francesa]. Finalmente o grito ímpio: Deus está morto; e, até, Deus jamais existiu [Comunismo]”.11

– Santo Antônio Maria Claret (1807-1870). Na sua “Autobiografia” o santo relata uma revelação na qual Nosso Senhor lhe dá conhecimento dos males causados pelas três Revoluções:

10 – Divini Redemptoris “Doctrina Pontificia III, Documentos sociales”, BAC, Madrid, 1954, pp. 759-760. (Grifos nossos.). 11 – Alocución a la Unión de Hombres de la Acción Católica italiana, 12-X-1952, Discorsi e Radiomessaggi, vol. XIV, p. 359, Plinio Corrêa de Oliveira Revolución y Contra Revolución, primera edición peruana, Lima, Julio de 2005, Parte I, Cap. III, 5, p. 40. (Grifos nossos).

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“695 – Dia 27 de agosto de 1861, na mesma igreja (do Rosário, na Granja12, residência de verão dos reis e do padre Claret, como confessor de Isabel II) durante a bênção do Santíssimo Sacramento, dada após a missa, o Senhor fez-me conhecer os três grandes males que ameaçam a Espanha: o protestantismo, melhor, a descatolização ; a república e o comunismo”.

– Beato Francisco Palau i Quer, O.C.D. (1811-1872), fundador da Congregação das Carmelitas Terciárias, hoje Missionárias Teresianas, e por anos diretor do semanário ‘El Ermitaño’ com o qual levou adiante uma enérgica e declarada luta contra as tendências liberais e socialistas da época. Para considerar a importância dada pela Igreja à obra e à personalidade do Beato Palau é preciso considerar que em 2011 inaugurou-se oficialmente o Ano Jubilar Palausiano, com uma solene cerimônia na Catedral de Barcelona, presidida pelo Arcebispo Cardeal L. Martinez Sistach, para celebrar o segundo centenário do nascimento do Beato Francisco Palau. O Beato Palau tem numerosas referências ao processo revolucionário feitas em ‘El Ermitaño’. Ele insistia em considerar a Revolução como um processo satânico. Citamos a seguir um de seus textos: “Nas altas regiões da política têm prevalecido a maldade, a anarquia, a apostasia, o paganismo, o diabo. O império e o triunfo do mal nas massas de todas as nações representam um efeito naturalmente produzido pela apostasia de seus reis e governos; e esta obra que reconhece por autor Satanás ‘seduzirá as nações nos quatro cantos da terra’. Para um católico que pense como tal, não necessitamos argumentos; os fatos contemporâneos que formam a história da sociedade atual estão à vista e não nos permitem vacilar. A história tem lógica terrível, invariável, inflexível: posta a causa se seguem como água de sua corrente todos os efeitos que ela produz. Os fatos estão encadeados uns aos outros, passados, presentes e futuros (...). 12 – Autobiografia – Santo Antônio Maria Claret; edição para língua portuguesa (Brasil). Editora Ave Maria, 2008, p. 288.

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Como tem chegado a prevalecer a maldade, como se tem formado o império do mal? Pouco a pouco, insensivelmente, com o curso de um ano, de um século, de muitos séculos dá-se um passo e não retrocede. Depois outro. Depois um salto, e com o tempo, Satanás vem consumando a sua obra de maldade. Com inteligência que não morre, e superior à do homem, concebeu um plano e o encarregou ao tempo e aos malfeitores para a sua execução. (...) Esta é sua história: livre Satanás das correntes que Cristo e Pedro lhe tinham atado; livre e fora de seu cárcere – ‘solvetur Satanas de carcere suo’ – pela incredulidade dos maus católicos (...). Um pouco mais adiante, nasce na besta infernal outro pé, o protestantismo que se apresenta no século XV no seio mesmo do catolicismo (...). O tempo segue seu curso, e Satanás leva adiante a sua empresa e acreditando ter chegado a hora de desfraldar sua própria bandeira, aparece ela ondeando sobre milhões de homens com a inscrição: Revolução! Guerra a Deus! Isso aconteceu na França em fins do século passado (...). Quem pode negar esta história? Ninguém. Está escrita com caracteres indeléveis da verdade. Antes de profetas, sejamos lógicos. Que acontecerá amanhã? ... O império da maldade levará adiante sua empresa (...)”.13

– Pe. A. Hillaire14, que foi professor do Seminário Maior de Mende (França) e Superior dos Missionários do S.C., na sua famosa obra ‘A Religião Demonstrada’ descreve o processo revolucionário do protestantismo até o liberalismo considerado sob o ângulo do racionalismo. “Como a azinheira vem da semente, assim do racionalismo nasce o protestantismo. (...) Nos séculos XVI e XVII os racionalistas eram chamados incrédulos e céticos: incrédulos, porque se negavam a crer na palavra de Deus. (...) No século XVIII, estes incrédulos se autodenominaram filósofos. (...) 13 – ‘El Ermitaño’, nº. 124; 23-3-1871. (Grifos nossos). 14 – Pe. A. Hillaire – Foi professor do Seminário Maior de Mende (França) e Superior dos Missionários do Sagrado Coração no ano de 1900.

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O filosofismo do século XVIII não era mais do que um racionalismo teórico; A Revolução [Francesa] foi o racionalismo prático. (...) Alguns católicos ingênuos se obstinam em não ver na Revolução mais que a derrubada das monarquias absolutas e o estabelecimento do sufrágio popular, a introdução da igualdade política, civil, etc. Todas estas coisas não são senão acessórios da Revolução, cuja essência é a apostasia social. “A Revolução, dizia De Maistre, é essencialmente satânica”. (...) O racionalismo tomou (durante a Restauração) um nome novo: se lhe chamou Liberalismo”.15

– Pe. Augustin Berthe, C.SS.R.16 (1830-1907) foi consultor de sua Congregação em Roma. Escreveu numerosos artigos e livros com tiragens muito elevadas. No penúltimo subtítulo de seu conhecido livro “Jesus Cristo – Vida, Paixão e Triunfo”, ao se referir à apostasia das nações, ele denuncia as três Revoluções: “Esqueciam-se, contudo, os cristãos daquela outra profecia do Salvador que, antes de seu completo triunfo sobre os inimigos e da sua segunda vinda à Terra, as nações cristãs deveriam passar por uma crise mais terrível que a perseguição dos imperadores romanos. “Com efeito, sucessivas revoluções a partir do Renascimento e da Reforma prosseguiram com incrível tenacidade a descristianização da sociedade e dos indivíduos. Com a revolução francesa e a revolução comunista houve quem quisesse destruir até os próprios fundamentos da civilização cristã e implantar na terra um regime completamente igualitário, amoral e ateu”.17 15 – Pe. A. Hillaire in ‘La Religión demostrada’, versão castelhana da 16ª Edição Francesa, Editorial Difusión, 8ª Edição Argentina, p. 422. A obra, publicada em 1900 teve cartas de aprovação e felicitação de autoridades religiosas francesas como também argentinas. (Grifos nossos). 16 – Berthe, Pe. Agustin, C.SS.R. – (1830-1907). Foi superior de diversas casas redentoristas na França e consultor geral da Congregação em Roma. Grande missionário e pregador. Escreveu numerosos artigos e livros com tiragens elevadas. Entre estes, alcançou notoriedade o livro “Jesus Cristo, Vida, Paixão e Triunfo”. 17 – Jesus Cristo – Vida, Paixão e Triunfo, Livraria Civilização Editora, p. 378-379, Porto, Portugal. (Grifos nossos).

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– Mons. Henri Delassus (1836-1921)18 no seu famoso livro “La Conjuration Antichrétienne, publicado em 1910 e elogiado em carta em nome de São Pio X pelo seu Secretário de Estado, Cardeal Merry del Val, tem como perspectiva histórica o processo revolucionário do qual vimos tratando. Depois de expor algumas características da civilização neopagã, ele afirma: “... Isto trouxe como consequência na ordem moral e na ordem religiosa essa revolução que foi a Reforma. A partir da ordem religiosa, o espírito da Renascença conquistou a ordem política e social com a Revolução [de 1789]. E agora investe contra a ordem econômica com o socialismo”.19

Prossegue o autor de “La Conjuration Antichrétienne”: “Portanto a Renascença é o ponto de partida do estado atual da sociedade. Tudo o que sofremos vem daí. Se quisermos conhecer nosso mal e tirar desse conhecimento o remédio radical para a presente situação, é a ela que devemos remontar”.20

E conclui:

“Por isso a Renascença gerou a Reforma [Luterana] e esta gerou a Revolução [de 1789], cujo fim confessado é o de aniquilar a civilização cristã e substituí-la, em todo o mundo, pela civilização dita moderna”.21

18 – Mons. Delassus se destacou nas ardentes polêmicas entre os pontificados de Pio IX e Bento XV, sendo sua posição muito afim com Pio IX e São Pio X. Este último compreendeu, admirou e apoiou claramente o valente polemista, como este também apoiou sem reservas a luta antiliberal e antimodernista de São Pio X. O Pontífice Santo lhe enviou uma carta assinada por ele mesmo em 14 de julho de 1912 por ocasião das bodas de ouro de sua ordenação sacerdotal, felicitando-o por seu zelo pela doutrina católica por ele defendida, como também por sua disciplina e suas obras. O texto integral da carta se encontra in Plinio Corrêa de Oliveira ‘Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana’, p. 314, Livraria Civilização – Editora Porto, Portugal 1993). 19 – La Conjuration Antichrétienne – Le temple maçonnique voulant s’élever sur les ruines da L’Eglise Catholique, Société Saint-Augustin, Desclée, De Brouwer et Cia., Lille, 1910, tomo I p. 33. (Grifos nossos). 20 – op. cit. p. 34. (Grifos nossos) 21 – op. cit. tomo I, p. 41. (Grifos nossos).

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– Mons. Jaen Joseph Gaume (1802-1879), autor de aproximadamente 50 obras teológicas, históricas e ascéticas, também relata o caráter processivo da Revolução, dando a esta de modo muito didático um aspecto como que pessoal: “Se, retirando a máscara da Revolução, lhe perguntar: ‘Quem és tu?’ Ela lhe dirá: ‘Eu não sou aquilo que as pessoas pensam de mim. Muitos falam de mim, mas poucos me conhecem. Eu não sou o carbonarismo que conspira na sombra, nem a rebelião que brame nas ruas, nem a mudança da monarquia em república, nem a substituição de uma monarquia por outra, nem a momentânea convulsão da ordem pública. Não sou os urros dos Jacobinos nem os furores da Montanha, nem os combates das barricadas, nem as pilhagens, nem os incêndios, nem a lei agrária, nem a guilhotina, nem os afogamentos. Não sou Marat, nem Robespierre, nem Babeuf, nem Mazzini, nem Kossuth. Todos estes são meus filhos, mas essa não sou eu. Todas estas coisas são obra minha, mas não sou eu.Todos estes homens e todas estas coisas são fatos transitórios, e eu sou um processo permanente. Eu sou o ódio contra toda e qualquer ordem social e religiosa que não seja estabelecida pelo homem e na qual ele não seja rei e deus ao mesmo tempo: eu sou a proclamação dos direitos do homem contra os direitos de Deus; sou a filosofia da revolta. A política da revolta, a religião da revolta; sou a negação armada; sou a fundação do Estado religioso e social sobre a vontade do homem, em lugar da vontade de Deus; numa palavra, sou a anarquia; porque quero ver Deus destronado e submetido ao homem. Eis o motivo por que me chamam Revolução, isto é, a desordem, pois eu coloco acima aquele que, segundo a lei eterna, deveria estar embaixo; e eu ponho embaixo aquele que deveria estar em cima’”.22

– Mons. Gaston de Ségur23 (1820-1881) tornou-se sacerdo22 – Mons. Jean Joseph Gaume, La Révolution Française, Tomo I. Paris-Gaume Frères, Libraires Éditeurs, Rue Cassette, 4, 1856, pp. 16-17. (Grifos nossos). 23 – Ségur, Mons. Louis-Gaston de – (1820-1881). Bispo e apologista francês, filho da famosa Condessa de Ségur.

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te em 1847, tendo se dedicado a atividade apologética. Morreu em odor de santidade deixando cerca de 60 obras que tiveram ampla difusão. Ele nos apresenta uma ideia da Revolução, caracterizando-a como um fenômeno social, com a finalidade da “destruição social da Igreja”: “Há uma diferença fundamental entre uma revolução qualquer e o que de um século para cá se passou a chamar de a Revolução”(3). A Revolução, explica ele, não é apenas uma revolta: “É a revolta erigida em princípio e direito”(4). “É a teoria da revolta, é a apologia e o orgulho da revolta, a consagração legal do próprio princípio de cada revolta”. “Não é só a revolta do indivíduo contra seu superior legítimo, revolta que se chama simplesmente desobediência: é a revolta da sociedade enquanto sociedade; o caráter da Revolução é essencialmente social e não individual”(5). “Do ponto de vista religioso, ela pode se definir como a negação legal do Reino de Jesus Cristo na terra: a destruição social da Igreja”(6). 24

Revolucionários também afirmam a existência da Revolução e seu caráter processivo Os próprios revolucionários – mesmo que de diferentes matizes – afirmam a existência de uma Revolução igualitária, seu caráter processivo e unitivo que tem como finalidade a destruição da Cristandade. Assim por exemplo: – H. Taine25 (1823-1893). Na sua obra já citada, Mons. Delassus se refere ao conhecido historiador naturalista Hippolyte Taine que também dá uma ideia do caráter processivo da Revolução: “A Reforma [Protestante] não é senão um movimento particular numa revolução que começa antes dela. O século XIV abre a marcha; e desde então, cada século não faz senão preparar, na ordem das ideias, novas concepções, e na or-

24 – G. de Ségur, La Revolution Téqui, Paris, 1999, p. 9. (4) ibid., p.10; (5) ibid. (6) ibid. p.12. Roberto de Mattei in‘Pio IX’, pp. 225-226. (Grifos nossos). 25 – Taine, Hippolyte – (1828-1893). Crítico literário, filósofo e historiador francês.

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dem prática, novas instituições. A partir de então a sociedade nunca mais encontrou seu guia na Igreja, nem a Igreja a sua imagem da sociedade”.26

– Leon Trotsky (1879-1940), um dos organizadores da revolução russa de outubro de 1917, partidário da chamada “revolução permanente” e fundador da IV Internacional, num discurso sobre os tratados de paz no fim da I Guerra Mundial apresenta como fundo de quadro de seu pensamento as três Revoluções. Afirma ele: “Uma política longa e previdente se baseia sobre as tendências de desenvolvimento, sobre as forças interiores, que uma vez acordadas, mostrarão seu poder cedo ou tarde. A exemplo da grande Reforma do século XVI [Protestantismo] e da grande Revolução do século XVIII [Revolução Francesa] que demonstrou as forças criativas dos povos alemães e franceses, nossa grande revolução [Comunista] que apresenta um grau mundial técnico e de cultura superior tem despertado e descoberto as forças criativas de nosso povo”.27

– Paul Lafargue (1842-1911), discípulo e genro de Marx, fundador do Partido Operário Francês, declarou: “O que é a Revolução? – A revolução é o triunfo do trabalho sobre o capital, do trabalhador sobre o parasita, do homem sobre Deus. Eis a Revolução social que comporta os princípios de 1789, os direitos do homem levados à sua última expressão. (...) Há 400 anos que minamos o catolicismo, a máquina mais forte que já se inventou em matéria de espiritualismo. Infelizmente, ela ainda é sólida”.28

– Friedrich Engels (1820-1895). Teórico socialista alemão, fundador do marxismo e que redigiu em comum com Marx muitos textos, entre os quais o manifesto do partido comunista de 1848. Ele sustenta: 26 – op. cit. tomo I p. 50. 27 – Claude Anet in La Révolution Russe – La terreur maximaliste L’Armistice – Les pourparlers de Paix (novembre 1917- Janvier 1918). Payot et Cie., Paris 106, Boulevard Saint-Germain, 106, 1919 ; pp. 223-224. (Grifos nossos). 28 – In Mons. Delassus op. cit. p. 89. (Grifos nossos).

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“A grande campanha da burguesia europeia contra o feudalismo culminou em três grandes batalhas decisivas. A primeira foi a que chamamos a reforma alemã. Ao grito de revolta de Lutero contra a Igreja responderam duas insurreições políticas: primeiro a da nobreza inferior, (...) em 1523, e, em seguida, a grande guerra dos camponeses em 1525”.29

E prossegue:

“A grande Revolução francesa foi a terceira rebelião da burguesia, porém a primeira que se despojou totalmente do manto religioso, travando a luta no campo político aberto”.

E o processo, segundo ele, finaliza com o socialismo:

“O socialismo começa se apresentando como desenvolvimento, aparentemente mais consequente, dos princípios proclamados pelos grandes pensadores franceses do século XVIII”.30

– Mikhail Bakounine31 (1814-1876). Revolucionário russo, membro da I Internacional e teórico do anarquismo, destaca um aspecto muito importante da Revolução, isto é, o papel das paixões desordenadas: “Nós entendemos a Revolução no sentido do que hoje se chama um desencadeamento das más paixões e a destruição da assim chamada ‘ordem pública’”.

“Não tememos, invocamos a anarquia, convencidos de que desta anarquia (...) devem surgir a liberdade, a igualdade, a nova ordem e a força mesma da revolução contra a reação”.32

Os textos citados a título de exemplo nos parecem suficientes para provar que a ideia de um processo revolucionário multissecular não foi inventada ou imaginada por Plinio Corrêa de Oliveira. Com efeito, os referidos textos são de grande utilidade para 29 – Frederick Engels, Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, Edições Horizonte Ltda., Rio de Janeiro, 1945, pp. 27-28. (Grifos nossos). 30 – op. cit. p. 47. (Grifos nossos). 31 – Mikael Bakounine – (1814-1876) Anarquista russo cúmplice de Marx e Proudhon. Tomou parte ativa no desenvolvimento revolucionário russo. 32 – Mikael Bakounine, Socialisme Libertaire et Autoritaire pp. 336-337. (Grifos nossos).

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compenetrar o leitor de que ele se encontra inserido nesse processo, muitas vezes sem o perceber, ajudando-lhe assim a compreender que a História não é um conjunto de fatos isolados e sem nexo. E para conduzi-lo a tomar posição frente à Revolução, pois é de sumo interesse desta que a opinião pública não perceba que esteja sendo conduzida de modo não apenas impalpável, mas implacável e oculto, para um fim muito claramente determinado pelos seus agentes – a maçonaria e demais forças secretas – como mostraremos a seguir ao tratar de ‘Revolução e Contra-Revolução’. Consciente do risco de estender um tanto esta parte, mas persuadido da necessidade de dar ao leitor ampla visão da Revolução e da Contra-Revolução que Plinio Corrêa de Oliveira expõe em sua obra-prima, decidimos percorrê-la com o Autor, citando vários textos que julgamos indispensáveis para compreender a profundidade do processo revolucionário, sua envergadura, seus métodos, suas metas e táticas, como também os da Contra-Revolução. – Caráter revolucionário de elementos da Ação Católica brasileira Paralelamente, essa transcrição pormenorizada de textos apresenta a vantagem suplementar de permitir apontar mais adiante o espírito gnóstico e igualitário da ideologia que propulsionava aqueles elementos dirigentes do clero e do laicato que desejavam transformar a Ação Católica num movimento profundamente revolucionário, com todas as consequências que isso atrairia para o Brasil. Foi precisamente contra esse espírito revolucionário infiltrado nos meios católicos que se levantou Dr. Plinio ao publicar Em Defesa da Ação Católica. Isso torna ainda mais patente a importância da luta travada por ele no seu livro. Como o Autor possuía o dom de escrever em poucas linhas ideias profundas e de grande alcance, optamos por correr o risco – acima apontado – de transcrever numerosos textos ipsis litteris de Revolução e Contra-Revolução, pois resumi-los implicaria na possibilidade de deturpar seu pensamento. 27


3. A Revolução e a Contra-Revolução na ótica de Plinio Corrêa de Oliveira Comecemos com a ideia resumida da Revolução tirada da descrição feita pelo Autor no prólogo do livro em pauta (todos os grifos são nossos): Quem poderia afirmar que a causa principal de nossa presente situação é o espiritismo, o protestantismo, o ateísmo, ou o comunismo? Não. Ela é outra, impalpável, sutil, penetrante como se fosse uma poderosa e temível radioatividade. Todos lhe sentem os efeitos, mas poucos saberiam dizer-lhe o nome e a essência. Ao fazer esta afirmação, nosso pensamento se estende das fronteiras do Brasil para as nações hispano-americanas, nossas tão caras irmãs, e daí para todas as nações católicas. Em todas, exerce seu império indefinido e avassalador o mesmo mal. E em todas produz sintomas de uma grandeza trágica. Um exemplo entre outros. Em carta dirigida em 1956, a propósito do Dia Nacional de Ação de Graças, a Sua Eminência o Cardeal D. Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, Arcebispo de S. Paulo, o Exmo. Revmo. Mons. Angelo Dell’Acqua, Substituto da Secretaria de Estado, dizia que “em consequência do agnosticismo religioso dos Estados”, ficou “amortecido ou quase perdido na sociedade moderna o sentir da Igreja”. Ora, que inimigo desferiu contra a Esposa de Cristo este golpe terrível? Qual a causa comum a este e a tantos outros males concomitantes e afins? Com que nome chamá-la? Quais os meios por que ela age? Qual o segredo de sua vitória? Como combatê-la com êxito? Como se vê, dificilmente um tema poderia ser de mais flagrante atualidade. * * * 28


Este inimigo terrível tem um nome: ele se chama Revolução. Sua causa profunda é uma explosão de orgulho e sensualidade que inspirou, não diríamos um sistema, mas toda uma cadeia de sistemas ideológicos. Da larga aceitação dada a estes no mundo inteiro, decorreram as três grandes revoluções da História do Ocidente: a Pseudo-Reforma, a Revolução Francesa e o Comunismo. O orgulho leva ao ódio a toda superioridade, e, pois, à afirmação de que a desigualdade é em si mesma, em todos os planos, inclusive e principalmente nos planos metafísico e religioso, um mal. É o aspecto igualitário da Revolução. A sensualidade, de si, tende a derrubar todas as barreiras. Ela não aceita freios e leva à revolta contra toda autoridade e toda lei, seja divina ou humana, eclesiástica ou civil. É o aspecto liberal da Revolução. Ambos os aspectos, que têm em última análise um caráter metafísico, parecem contraditórios em muitas ocasiões, mas se conciliam na utopia marxista de um paraíso anárquico em que uma humanidade altamente evoluída e “emancipada” de qualquer religião vivesse em ordem profunda sem autoridade política, e em uma liberdade total da qual entretanto não decorresse qualquer desigualdade. A Pseudo-Reforma foi uma primeira Revolução. Ela implantou o espírito de dúvida, o liberalismo religioso e o igualitarismo eclesiástico, em medida variável aliás nas várias seitas a que deu origem. Seguiu-se-lhe a Revolução Francesa, que foi o triunfo do igualitarismo em dois campos. No campo religioso, sob a forma do ateísmo, especiosamente rotulado de laicismo. E na esfera política, pela falsa máxima de que toda a desigualdade é uma injustiça, toda autoridade um perigo, e a liberdade o bem supremo. 29


O Comunismo é a transposição destas máximas para o campo social e econômico. Estas três revoluções são episódios do uma só Revolução, dentro da qual o socialismo, o liturgicismo, a “politique de la main tendue”, etc, são etapas de transição ou manifestações atenuadas. A Revolução Nos três primeiros capítulos, o Autor afirma que todas as crises que afetam o mundo contemporâneo são aspectos de uma só crise da qual é vítima principalmente o homem ocidental e cristão. E passa a indicar as cinco características capitais da crise: universal, una, total, dominante e processiva. O caráter processivo ele o descreve resumidamente desde a decadência da Idade Media até o comunismo. A Revolução se metamorfoseia Como mostra a seguir, as suas metamorfoses constituem uma das características mais interessantes do processo revolucionário: Como se depreende da análise feita no capítulo anterior [III], o processo revolucionário é o desenvolvimento, por etapas, de certas tendências desregradas do homem ocidental e cristão, e dos erros delas nascidos. Em cada etapa, essas tendências e erros têm um aspecto próprio. A Revolução vai, pois, se metamorfoseando ao longo da História. Essas metamorfoses que se observam nas grandes linhas gerais da Revolução, se repetem, em ponto menor, no interior de cada grande episódio dela. (...) E para exemplificar, indica as metamorfoses pelas quais passou a Revolução Francesa, que de início utilizou: Máscara e linguagem aristocrática e até eclesiásti30


ca chegando no fim a embriagar-se de sangue no Terror. Mas os excessos cometidos pelos jacobinos despertaram reações e a Revolução, passando por diversas etapas retrocedeu até a Restauração. No entanto não terminou com isso o processo revolucionário, que por sucessivas metamorfoses chegou “até o paroxismo de nossos dias”. A Revolução nas tendências, nas ideias e nos fatos Entre as várias originalidades do pensamento exposto no livro se destaca de modo preponderante o papel das tendências desordenadas, que servem “de alma e de força propulsora mais íntima” da Revolução. A partir dessas tendências se originam ideias erradas que por sua vez operam as transformações nos fatos. A marcha da Revolução Devido ao papel decisivo das tendências desordenadas no processo revolucionário, prosseguimos o nosso caminho transcrevendo as próprias linhas de Revolução e Contra-Revolução:

A Revolução e as tendências desordenadas A mais possante força propulsora da Revolução está nas tendências desordenadas. E por isto a Revolução tem sido comparada a um tufão, a um terremoto, a um ciclone. É que as forças naturais desencadeadas são imagens materiais das paixões desenfreadas do homem. Os paroxismos da Revolução estão inteiros nos germes desta Como os cataclismos, as más paixões têm uma força imensa, mas para destruir. Essa força já tem potencialmente, no primeiro instante de suas grandes explosões, toda a virulência que se patenteará mais tarde nos seus piores excessos. Nas 31


primeiras negações do protestantismo, por exemplo, já estavam implícitos os anelos anarquistas do comunismo. Se, do ponto de vista da formulação explícita, Lutero não era senão Lutero, todas as tendências, todo o estado de alma, todos os imponderáveis da explosão luterana já traziam consigo, de modo autêntico e pleno, embora implícito, o espírito de Voltaire e de Robespierre, de Marx e de Lenine.

A Revolução exaspera suas próprias causas Essas tendências desordenadas se desenvolvem como os pruridos e os vícios, isto é, à medida mesmo que se satisfazem, crescem em intensidade. As tendências produzem crises morais, doutrinas errôneas, e depois revoluções. Umas e outras, por sua vez, exacerbam as tendências. Estas últimas levam em seguida, e por um movimento análogo, a novas crises, novos erros, novas revoluções. É o que explica que nos encontremos hoje em tal paroxismo da impiedade e da imoralidade, bem como em tal abismo de desordens e discórdias. (...) Para efeito deste trabalho que pretende mostrar o caráter profundamente revolucionário de certos elementos dirigentes da Ação Católica no Brasil, cuja ideologia foi energicamente atacada no Em Defesa da Ação Católica – como se verá na Parte IV e V – é preciso assinalar o destaque com o qual Dr. Plinio enfoca em Revolução e Contra-Revolução o papel dos católicos revolucionários entre as forças da Revolução. E aponta em seguida os seus agentes: a maçonaria e demais forças secretas. Entre essas forças da Revolução, cumpre não omitir os católicos que professam a doutrina da Igreja, mas estão dominados pelo espírito revolucionário. Mil vezes mais perigosos que os inimigos declarados, combatem a Cidade Santa dentro de seus próprios muros, e bem merecem o que deles disse Pio IX: ‘Embora os filhos do século 32


sejam mais hábeis que os filhos da luz, seus ardis e suas violências teriam, sem dúvida, menor êxito se um grande número, entre aqueles que se intitulam católicos, não lhes estendesse mão amiga. Sim, infelizmente, há os que parecem querer caminhar de acordo com nossos inimigos, e se esforçam por estabelecer uma aliança entre a luz e as trevas, um acordo entre a justiça e a iniquidade por meio dessas doutrinas que se chamam católico-liberais, as quais, apoiando-se sobre os mais perniciosos princípios, adulam o poder civil quando ele invade as coisas espirituais, e impulsionam as almas ao respeito, ou ao menos a tolerâncias das leis mais iníquas. Como se absolutamente não estivesse escrito que ninguém pode servir a dois senhores. São eles muito mais perigosos certamente e mais funestos do que os inimigos declarados, não só porque lhes secundam os esforços, talvez sem o perceberem, como também porque, mantendo-se nos extremos limites das opiniões condenadas tomam uma aparência de integridade e de doutrina irrepreensível, aliciando os imprudentes amigos de conciliações e enganando as pessoas honestas que se revoltariam contra um erro declarado. Por isso, eles dividem os espíritos, rasgam a unidade e enfraquecem as forças que seria necessário reunir contra o inimigo’.

Os agentes da Revolução: A maçonaria e as demais forças secretas Uma vez que estamos estudando as forças propulsoras da Revolução, convém que digamos uma palavra sobre os agentes desta. Não acreditamos que o mero dinamismo das paixões e dos erros dos homens possa conjugar meios tão diversos para a consecução de um único fim, isto é, a vitória da Revolução. Produzir um processo tão coerente, tão contínuo, 33


como o da Revolução, através das mil vicissitudes de séculos inteiros, cheios de imprevistos de toda ordem, nos parece impossível sem a ação de gerações sucessivas de conspiradores de uma inteligência e um poder extraordinários. Pensar que sem isto a Revolução teria chegado ao estado em que se encontra, é o mesmo que admitir que centenas de letras atiradas por uma janela poderiam dispor-se espontaneamente no chão, de maneira a formar uma obra qualquer, por exemplo, a “Ode a Satã”, de Carducci. As forças propulsoras da Revolução têm sido manipuladas até aqui por agentes sagacíssimos, que delas se têm servido como meios para realizar o processo revolucionário. De modo geral, podem qualificar-se agentes da Revolução todas as seitas, de qualquer natureza, engendradas por ela, desde seu nascedouro até nossos dias, para a difusão do pensamento ou a articulação das tramas revolucionárias. Porém, a seita-mestra, em torno da qual todas se articulam como simples forças auxiliares – por vezes conscientemente, e outras vezes não – é a Maçonaria, segundo claramente decorre dos documentos pontifícios, e especialmente da Encíclica Humanum Genus de Leão XIII, de 20 de abril de 1884. (...) A essência da Revolução Depois de ter descrito a crise do Ocidente cristão, o Autor passa a analisá-la:

A amplitude desta Revolução A Revolução tem derrubado muitas vezes autoridades legítimas, substituindo-as por outras sem qualquer título de legitimidade. Mas haveria engano em pensar que ela consiste apenas nisto. Seu objetivo principal não 34


é a destruição destes ou daqueles direitos de pessoas ou famílias. Mais do que isto, ela quer destruir toda uma ordem de coisas legítima, e substituí-la por uma situação ilegítima. E “ordem de coisas” ainda não diz tudo. É uma visão do universo e um modo de ser do homem, que a Revolução pretende abolir, com o intuito de substituí-los por outros radicalmente contrários. (...) A Revolução, o orgulho e a sensualidade – os valores metafísicos da Revolução Duas noções concebidas como valores metafísicos exprimem bem o espírito da Revolução: igualdade absoluta, liberdade completa. E duas são as paixões que mais a servem: o orgulho e a sensualidade. (...)

Orgulho e igualitarismo A pessoa orgulhosa, sujeita à autoridade de outra, odeia primeiramente o jugo que em concreto pesa sobre ela. Num segundo grau, o orgulhoso odeia genericamente todas as autoridades e todos os jugos, e mais ainda o próprio princípio de autoridade, considerado em abstrato. E porque odeia toda autoridade, odeia também toda superioridade, de qualquer ordem que seja. E nisto tudo há um verdadeiro ódio a Deus. (...) Entre os muitos aspectos desse igualitarismo radical e metafísico apontados pelo Autor, destacamos os seguintes: *Igualdade entre as diversas religiões: todas as discriminações religiosas são antipáticas porque ofendem a fundamental igualdade entre os homens. Por isto, as diversas religiões devem ter tratamento rigorosamente igual. O pretender-se uma religião verdadeira com exclusão das outras é afirmar uma superioridade, é contrá35


rio à mansidão evangélica, e impolítico, pois lhe fecha o acesso aos corações. (...) * Abolição dos corpos intermediários (...). Entre os grupos intermediários a serem abolidos, ocupa o primeiro lugar a família. Enquanto não consegue extingui-la, a Revolução procura reduzi-la, mutilá-la e vilipendiá-la de todos os modos. * Igualdade econômica: nada pertence a ninguém, tudo pertence à coletividade. Supressão da propriedade privada, do direito de cada qual ao fruto integral de seu próprio trabalho e à escolha de sua profissão. (...) * Igualdade na ordem internacional: (...) Compreende-se, pois, que a Revolução, fundamentalmente igualitária, sonhe em fundir todas as raças, todos os povos e todos os Estados em uma só raça, um só povo e um só Estado. (...) * Igualitarismo e ódio a Deus: Santo Tomás ensina que a diversidade das criaturas e seu escalonamento hierárquico são um bem em si, pois assim melhor resplandecem na criação as perfeições do Criador. E diz que tanto entre os Anjos quanto entre os homens, no Paraíso Terrestre como nesta terra de exílio, a Providência instituiu a desigualdade. Por isso, um universo de criaturas iguais seria um mundo em que se teria eliminado em toda a medida do possível a semelhança entre criaturas e Criador. Odiar, em princípio, toda e qualquer desigualdade é, pois, colocar-se metafisicamente contra os melhores elementos de semelhança entre o Criador e a criação, é odiar a Deus. (...) A inteligência, a vontade e a sensibilidade na determinação dos atos humanos Tendo escritores ultramontanos de grande valor, sobretudo no século XIX, estudado os erros doutrinários da Revolução, Dr. Pli36


nio afirma não ser tão necessário tratar do assunto e sim focalizar particularmente os fatores passionais e sua influência nos aspectos ideológicos, pois considera as atenções pouco dirigidas a esse ponto, o que comporta “uma visão incompleta da Revolução”. Nesse sentido o Autor sustenta que ao homem: (...) Não lhe é possível, sem o auxílio da graça, permanecer duravelmente no conhecimento e na prática de todos os Mandamentos. Isto quer dizer que em todo homem decaído há sempre a debilidade da inteligência e uma tendência primeira, e anterior a qualquer raciocínio, que o incita a revoltar-se contra a Lei. E continua: Tal tendência fundamental à revolta pode, em dado momento, ter o consentimento do livre arbítrio. O homem decaído peca, assim, violando um ou outro Mandamento. Mas sua revolta pode ir além, e chegar até o ódio, mais ou menos inconfessado, à própria ordem moral em seu conjunto. Esse ódio, revolucionário por essência, pode gerar erros doutrinários, e até levar à profissão consciente e explícita de princípios contrários à Lei moral e à doutrina revelada, enquanto tais, o que constitui um pecado contra o Espírito Santo. Quando esse ódio começou a dirigir as tendências mais profundas da História do Ocidente, teve início a Revolução cujo processo hoje se desenrola e em cujos erros doutrinários ele imprimiu vigorosamente sua marca. Ele é a causa mais ativa da grande apostasia hodierna. Por sua natureza, é ele algo que não pode ser reduzido simplesmente a um sistema doutrinário: é a paixão desregrada, em altíssimo grau de exacerbação. (...)

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Também é filho da Revolução o ‘semi-contra-revolucinário’ Uma vez que certos espíritos marcados pela Revolução podem conservar – através de uma educação tradicional, por exemplo – em um ou muitos pontos uma atitude contra-revolucionária, para evitar qualquer confusão em relação ao contra-revolucionário total, o Autor afirma: (...) Assim, a unidade da Revolução traz, como contrapartida, que o contra-revolucionário autêntico só poderá ser total. A Revolução, o Pecado e a Redenção (...) Com o propósito de familiarizar mais profundamente o leitor em relação às tendências e aos princípios que animavam ambientes da Ação Católica e que foram refutados no livro ‘Em Defesa da Ação Católica’, concluímos este resumo da Parte I de Revolução e Contra-Revolução mostrando com o Autor que a Revolução nega o pecado e a Redenção:

A Revolução nega o pecado e a Redenção (...) A Revolução é, como vimos, filha do pecado. Mas, se ela o reconhecesse, desmascarar-se-ia e se voltaria contra sua própria causa. Explica-se, assim, porque a Revolução tende, não só a passar sob silêncio a raiz de pecado da qual brotou, mas a negar a própria noção do pecado. Negação radical, que inclui tanto a culpa original quanto a atual, e se efetua principalmente: • Por sistemas filosóficos ou jurídicos que negam a validade e a existência de qualquer Lei moral ou dão a esta os fundamentos vãos e ridículos do laicismo. • Pelos mil processos de propaganda que criam nas 38


multidões um estado de alma em que, sem se afirmar diretamente que a moral não existe, se faz abstração dela, e toda a veneração devida à virtude é tributada a ídolos como o ouro, o trabalho, a eficiência, o êxito, a segurança, a saúde, a beleza física, a força muscular, o gozo dos sentidos, etc. É a própria noção de pecado, a distinção mesma entre o bem e o mal, que a Revolução vai destruindo no homem contemporâneo. E, ipso facto, vai ela negando a Redenção de Nosso Senhor Jesus Cristo, que, sem o pecado, se torna incompreensível e perde qualquer relação lógica com a História e a vida. (...) A Contra-Revolução A segunda parte do livro é dedicada à Contra-Revolução. Mostra a nobreza da reação contra-revolucionária, seu caráter de “defensora das tradições cristãs”, seu espírito conservador no sentido de “conservar do presente algo que é bom e merece viver”, mas não no sentido de “perpetuar a situação híbrida em que nos encontramos” (...) “abraçados ao que há de bom e de mau em nosso século, procurando assim uma coexistência perpétua e harmônica entre o bem e o mal (...)” E depois de afirmar que a Contra-Revolução é condição essencial do verdadeiro progresso, Dr. Plinio levanta a pergunta: O que é um contra-revolucionário? Em estado atual, contra-revolucionário é quem: – Conhece a Revolução, a ordem e a Contra-Revolução em seu espírito, suas doutrinas, seus métodos respectivos. – Ama a Contra-Revolução e a ordem cristã, odeia a Revolução e a “anti-ordem”. – Faz desse amor e desse ódio o eixo em torno do qual gravitam todos os seus ideais, preferências e atividades. (...) 39


Não há neutros entre a Revolução e a Contra-Revolução Prosseguindo, o Autor explicita um princípio muito importante para evitar confusões: Em face da Revolução e da Contra-Revolução não há neutros. Pode haver, isto sim, não combatentes, cuja vontade ou cujas veleidades estão, porém, conscientemente ou não em um dos dois campos. Por revolucionários entendemos, pois, não só os partidários integrais e declarados da Revolução, como também os ‘semi-contra-revolucionários’. (...) E continua advertindo para um risco muito comum, no qual cai frequentemente os contra-revolucionários, a respeito da colaboração destes com os semi-contra-revolucionários ou mesmo com revolucionários que tenham coágulos contra- revolucionários: (...) Que os grupos contra-revolucionários possam colaborar com elementos como os acima mencionados, em alguns objetivos concretos, facilmente se concebe. Mas, admitir uma colaboração onímoda e estável com pessoas infectadas de qualquer influência da Revolução é a mais flagrante das imprudências e a causa, talvez, da maior parte dos malogros contra-revolucionários. (...) Depois de apontar que a Contra-Revolução deve tender à utilização dos grandes meios de ação como também servir-se dos modestos, Dr. Plinio passa a refutar os principais slogans da Revolução. O mais insistente destes afirma ser a Contra-Revolução “contrária ao espírito dos tempos” e por isso não é moderna. Resumindo a resposta do Autor: (...) O conceito de ‘moderno’ para a Revolução se cifra no seguinte: é tudo quanto dê livre curso ao orgulho e ao igualitarismo, bem como à sêde de prazeres e ao liberalismo. Entre as atitudes erradas frente aos slogans da Revolução destacamos a que se segue: 40


(...) A ideia de apresentar a Contra-Revolução sob uma luz mais ‘simpática’ e ‘positiva’ fazendo com que ela não ataque a Revolução, é o que pode haver de mais tristemente eficiente para empobrecê-la de conteúdo e de dinamismo. A adesão à Revolução constitui um imenso pecado, uma apostasia radical Mais adiante o Autor sustenta que o contra-revolucionário não deve esconder nada a respeito da Revolução e “que a adesão plena e consciente à Revolução, como esta in concreto se apresenta, constitui um imenso pecado, uma apostasia radical, da qual só por meio de uma conversão igualmente radical se pode voltar”.

O contra-revolucionário deve mostrar a face total da Revolução: Não se trata apenas de apontar o risco de total desaparecimento da civilização, em que nos encontramos. É preciso saber mostrar, no caos que nos envolve, a face total da Revolução, em sua imensa hediondez. Sempre que esta face se revela, aparecem surtos de vigorosa reação. (...) Assim, o contra-revolucionário deve, com frequência, desmascarar o vulto geral da Revolução, a fim de exorcizar o quebranto que esta exerce sobre suas vítimas. (...) Força propulsora da Contra-Revolução A Contra-Revolução tem sua força propulsora na vida sobrenatural. Plinio Corrêa de Oliveira ensina que as paixões (...) Enquanto reguladas, elas são boas e obedecem fielmente à vontade e à razão. E é no vigor de alma que vem ao homem pelo fato de Deus governar nele a razão, a razão dominar a vontade, e esta dominar a sensibilida41


de, que é preciso procurar a serena, nobre e eficientíssima força propulsora da Contra-Revolução. Tal vigor de alma não pode ser concebido sem se tomar em consideração a vida sobrenatural. (...) É nessa força de alma cristã que está o dinamismo da ContraRevolução. Reavivar a noção de bem e mal Constitui dever do contra-revolucionário reavivar a noção de bem e mal: (...) A Contra-Revolução tem, como uma de suas missões mais salientes, a de restabelecer ou reavivar a distinção entre o bem e o mal, a noção do pecado em tese, do pecado original, e do pecado atual. (...) Como fazê-lo? O Autor indica: Pode-se reavivar a noção do bem e do mal por vários modos, entre os quais: * Evitar todas as formulações que tenham o sabor de moral leiga ou interconfessional, pois o laicismo e o interconfessionalismo conduzem, logicamente, ao amoralismo. * Salientar, nas ocasiões oportunas, que Deus tem o direito de ser obedecido, e que, pois, seus Mandamentos são verdadeiras leis, a que nos conformamos com espírito de obediência, e não apenas porque elas nos agradam. * Acentuar que a Lei de Deus é intrinsecamente boa e conforme a ordem do universo, na qual se espelha a perfeição do Criador. Pelo que ela deve ser não só obedecida, mas amada, e o mal deve não só ser evitado, mas odiado. * Divulgar a noção de um prêmio e de um castigo post- mortem. 42


* Favorecer os costumes sociais e leis em que o bem seja honrado e o mal sofra sanções públicas. (...) *Insistir sobre os efeitos do pecado original no homem e a fragilidade deste, sobre a fecundidade da Redenção de Nosso Senhor Jesus Cristo, bem como a necessidade da graça, da oração e da vigilância para que o homem persevere. (...) Luta contra o comunismo A respeito da luta que o contra-revolucionário deve travar contra o comunismo, Dr. Plinio afirma: (...) Só uma refutação inteligente do comunismo é eficaz. A mera repetição de slogans, mesmo quando inteligentes e hábeis, não basta. Essa refutação, nos meios cultos, deve visar os últimos fundamentos doutrinários do comunismo. É importante apontar o seu caráter essencial de seita filosófica que deduz de seus princípios uma peculiar concepção do homem, da sociedade, do Estado, da História, da cultura, etc. Exatamente como a Igreja deduz da Revelação e da Lei Moral todos os princípios da civilização e da cultura católica. Entre o comunismo, seita que contém em si a plenitude da Revolução, e a Igreja, não há, pois, conciliação possível. (...) Sobre o direito de propriedade o Autor sustenta: (...) O direito de propriedade é tão sagrado que, mesmo se um regime desse à Igreja toda a liberdade, e até todo o apoio, Ela não poderia aceitar como lícita uma organização social em que todos os bens fossem coletivos. (...) A Igreja e a Contra-Revolução Na análise das relações entre a Igreja e a Contra-Revolução pareceu-nos necessário, para a finalidade deste trabalho, destacar os seguintes pontos: 43


A Igreja tem o maior interesse no esmagamento da Revolução Se a Revolução existe, se ela é o que é, está na missão da Igreja, é do interesse da salvação das almas, é capital para maior glória de Deus que a Revolução seja esmagada. A Igreja é, pois, uma força fundamentalmente Contra-Revolucionária. Tomado o vocábulo Revolução no sentido que lhe damos, a epígrafe é conclusão óbvia do que dissemos acima. Afirmar o contrário seria dizer que a Igreja não cumpre sua missão. (...) Se todo católico deve ser Contra-Revolucionário Na medida em que é apóstolo, o católico é contra-revolucionário. Mas ele o pode ser de modos diversos. (...) Assim, cremos sumamente desejável que todo apostolado atual, sempre que for o caso, tenha uma intenção e um tônus explicitamente contra-revolucionário. Em outros termos, julgamos que o apóstolo realmente moderno, qualquer que seja o campo a que se dedique, acrescerá muito a eficácia de seu trabalho se souber discernir a Revolução nesse campo, e marcar correspondentemente de um cunho contra-revolucionário tudo quanto fizer. (...) * * * Revolução e Contra-Revolução 20 anos depois Em 1976, Dr. Plinio julgou oportuno acrescentar uma terceira parte ao livro Revolução e Contra-Revolução. Com efeito, fez uma análise da evolução do processo revolucionário, 20 anos 44


depois da primeira edição (1959). E em 1992, após a queda da Cortina de Ferro fez nova atualização com alguns comentários à margem. Prossigamos assim o nosso caminho destacando os textos que julgamos mais necessários para o presente estudo.

Revolução e Contra-Revolução e TFPs: 20 anos de ação e de luta (...) Estes vinte anos foram, pois, de expansão. De expansão, sim, mas também de intensa luta contra-revolucionária. Os resultados por essa forma alcançados vêm sendo consideráveis. Não é este o momento de os enumerar todos. Cingimo-nos a dizer que, em cada um dos países onde existe uma TFP ou organização afim, vem esta combatendo sem tréguas a Revolução, ou seja, mais especialmente no campo religioso, o chamado esquerdismo católico; e no temporal, o comunismo. Incluímos como genuíno combate ao comunismo a luta contra todas as modalidades de socialismo, pois estas são apenas etapas preparatórias ou formas larvadas daquele. (...) Infiltração do comunismo na Igreja Católica Se de um lado – comenta o Autor – a III Revolução dispõe de um império sem precedentes na História (...) De outro lado, estão nas mãos dos líderes da III Revolução os cordéis que movimentam, em todo o mundo não-comunista, os partidos declaradamente comunistas e a imensa rede de criptocomunistas, para-comunistas, inocentes-úteis, infiltrados não só nos partidos não declaradamente comunistas – socialistas e outros – como ainda nas igrejas. (...) Falamos na infiltração do comunismo nas várias igrejas. É indispensável registrar que tal infiltração cons45


titui um perigo supremo para o mundo, especificamente enquanto levada a cabo na Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana. Pois esta não é apenas uma espécie no gênero “igrejas”. É a única Igreja viva e verdadeira do Deus vivo e verdadeiro, a única Esposa mística de Nosso Senhor Jesus Cristo, a qual não está para as outras igrejas como um brilhante maior e mais rútilo em relação a brilhantes menores e menos rútilos. Mas como o único brilhante verdadeiro em relação a “congêneres” feitos de vidro... Comentário acrescentado em 1992: Perestroika e glasnost: desmantelamento da III Revolução ou metamorfose do comunismo? No ocaso do ano de 1989, aos supremos dirigentes do comunismo internacional, pareceu afinal chegado o momento de lançar uma imensa cartada política, a maior da história do comunismo. Esta consistiria em derrubar a cortina de ferro e o Muro de Berlim, o que, produzindo seus efeitos de forma simultânea à execução dos programas “liberalizantes” da ‘glasnost’ (1985) e da ‘perestroika’ (1986) precipitaria o aparente desmantelamento da III Revolução no mundo soviético. (...)

Continuação do texto de 1976: Obstáculos inesperados para a aplicação dos métodos clássicos da III Revolução Entre os obstáculos que a III Revolução encontrou no seu caminho, Dr. Plinio aponta o “declínio do poder persuasivo” bem como o “declínio do poder de liderança revolucionária” e prova esse declínio:

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Fruto e prova desse declínio: a III Revolução se metamorfoseia em revolução risonha (...) A prova mais clara de que a III Revolução vem perdendo nos últimos 20 ou 30 anos sua capacidade de criar e liderar o ódio revolucionário é a metamorfose que ela se impôs. (...) Plinio Corrêa de Oliveira sustenta que na época do degelo post-stalinista a III Revolução se vestiu com “uma máscara sorridente”, “se transformou em dialogante” e mudou de violenta para colaboracionista com os adversários de ontem. Na esfera internacional, a Revolução passou assim, sucessivamente, da guerra fria para a coexistência pacífica, depois para a “queda das barreiras ideológicas”, e por fim para a franca colaboração com as potências capitalistas, rotulada, no linguajar publicitário, de Ostpolitik ou de détente. (...) O ódio e a violência, metamorfoseados, geram a guerra psicológica revolucionária total Para melhor apreendermos o alcance dessas imensas transformações ocorridas no quadro da III Revolução nos últimos vinte anos, será necessário analisarmos em seu conjunto a grande esperança atual do comunismo, que é a guerra psicológica revolucionária. (...) Longe disto, usa ele o sorriso tão-somente como arma de agressão e de guerra, e não extingue a violência, mas a transfere do campo de operação do físico e palpável, para o das atuações psicológicas impalpáveis. Seu objetivo: alcançar, no interior das almas, por etapas e invisivelmente, a vitória que certas circunstâncias lhe estavam impedindo de conquistar de modo drástico e visível, segundo os métodos clássicos. Bem entendido, não se trata aqui de efetuar, no campo do espírito, algumas operações esparsas e esporá47


dicas. Trata-se, pelo contrário, de uma verdadeira guerra de conquista – psicológica, sim, mas total – visando o homem todo, e todos os homens em todos os países. Insistimos neste conceito de guerra revolucionária psicológica total. (...) A guerra psicológica revolucionária total, uma resultante do apogeu da III Revolução e dos embaraços por que esta passa A guerra psicológica revolucionária total é, portanto, uma resultante da composição dos dois fatores contraditórios que já mencionamos: o auge da influência do comunismo sobre quase todos os pontos-chave da grande máquina que é a sociedade ocidental, e de outro lado o declínio da capacidade de persuasão e de liderança dele sobre as camadas profundas da opinião pública do Ocidente. (...) A ofensiva psicológica da III Revolução, na Igreja O Dr. Plinio passa a tratar da guerra psicológica naquilo que é “a alma do Ocidente”, isto é a Igreja.

O Concílio Vaticano II Dentro da perspectiva de Revolução e Contra-Revolução, o êxito dos êxitos alcançado pelo comunismo pós-staliniano sorridente foi o silêncio enigmático, desconcertante, espantoso e apocalipticamente trágico do Concílio Vaticano II a respeito do comunismo. Este Concílio se quis pastoral e não dogmático. Alcance dogmático ele realmente não o teve. Além disto, sua omissão sobre o comunismo pode fazê-lo passar para a História como o Concílio a-pastoral. Explicamos o sentido especial em que tomamos esta afirmação. 48


Figure-se o leitor um imenso rebanho enlanguescendo em campos pobres e áridos, atacado de todas as partes por enxames de abelhas, vespas, aves de rapina. Os pastores se põem a regar a pradaria e a afastar os enxames. Esta atividade pode ser qualificada de pastoral? Em tese, por certo. Porém, na hipótese de que, ao mesmo tempo, o rebanho estivesse sendo atacado por matilhas de lobos vorazes, muitos deles com peles de ovelha, e os pastores se omitissem completamente de desmascarar ou de afugentar os lobos, enquanto lutavam contra insetos e aves, sua obra poderia ser considerada pastoral, ou seja, própria de bons e fiéis pastores? Em outros termos, atuaram como verdadeiros Pastores aqueles que, no Concílio Vaticano II, quiseram espantar os adversários minores, e impuseram livre curso – pelo silêncio – a favor do adversário maior? Com táticas aggiornate – das quais, aliás, o mínimo que se pode dizer é que são contestáveis no plano teórico e se vêm mostrando ruinosas na prática – o Concílio Vaticano II tentou afugentar, digamos, abelhas, vespas e aves de rapina. Seu silêncio sobre o comunismo deixou aos lobos toda a liberdade. A obra desse Concílio não pode estar inscrita, enquanto efetivamente pastoral, nem na História, nem no Livro da Vida. É penoso dizê-lo. Mas a evidência dos fatos aponta, neste sentido, o Concílio Vaticano II como uma das maiores calamidades, senão a maior, da História da Igreja. A partir dele penetrou na Igreja, em proporções impensáveis, a “fumaça de Satanás”, que se vai dilatando dia a dia mais, com a terrível força de expansão dos gases. Para escândalo de incontáveis almas, o Corpo Místico de Cristo entrou no sinistro processo da como que autodemolição. A História narra os inúmeros dramas que a Igreja vem sofrendo nos vinte séculos de sua existência. Opo49


sições que germinaram fora dela, e de fora mesmo tentaram destruí-la. Tumores formados dentro dela, por ela cortados, e que já então de fora para dentro tentaram destruí-la com ferocidade. Quando, porém, viu a História, antes de nossos dias, uma tentativa de demolição da Igreja, já não mais feita por um adversário, mas qualificada de “autodemolição” em altíssimo pronunciamento de repercussão mundial? Daí resultou para a Igreja e para o que ainda resta de civilização cristã, uma imensa derrocada. A Ostpolitik vaticana, por exemplo, e a infiltração gigantesca do comunismo nos meios católicos, são efeitos de todas estas calamidades. E constituem outros tantos êxitos da ofensiva psicológica da III Revolução contra a Igreja. A Igreja, moderno centro de embate entre a Revolução e a Contra-Revolução (...) Em 1976, incontáveis eclesiásticos, inclusive Bispos, figuram como cúmplices por omissão, colaboradores e até propulsores da III Revolução. O progressismo, instalado por quase toda parte, vai convertendo em lenha facilmente incendiável pelo comunismo a floresta outrora verdejante da Igreja Católica. Em uma palavra, o alcance desta transformação é tal, que não hesitamos em afirmar que o centro, o ponto mais sensível e mais verdadeiramente decisivo da luta entre a Revolução e a Contra-Revolução se deslocou da sociedade temporal para a espiritual, e passou a ser a Santa Igreja, na qual, de um lado, progressistas, criptocomunistas e pró-comunistas, e de outro lado, antiprogressistas e anticomunistas se confrontam.33 33 – Desde os anos 30, com o grupo que mais tarde fundou a TFP brasileira, emprega-

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Reações baseadas em Revolução e Contra-Revolução À vista de tantas transformações, a eficácia de Revolução e Contra-Revolução ficou anulada? – Pelo contrário. Em 1968, as TFPs até então existentes na América do Sul, inspiradas na Parte II deste ensaio – “A Contra-Revolução” – organizaram um conjunto de abaixo-assinados a Paulo VI, pedindo providências contra a infiltração esquerdista no Clero e no laicato católico da América do Sul. No seu total, esses abaixo-assinados alcançaram durante o período de 58 dias, no Brasil, Argentina, Chile e Uruguai, 2.060.368 assinaturas. (...) A resposta de Paulo VI não foi apenas o silêncio e a inação. Foi também – quanto nos dói dizê-lo – um conjunto de atos cujo efeito perdura até hoje, os quais dotam de prestígio e de facilidade de ação a muitos propulsores do esquerdismo católico. Diante desta maré montante da infiltração comunista na Santa Igreja, as TFPs e entidades afins não desanimaram. E, em 1974, cada uma delas publicou uma declaração na qual exprimiam a sua inconformidade com a Ostpolitik vaticana e seu propósito de “resistir-lhe em face”. Uma frase da declaração, relativa a Paulo VI, exprime o espírito do documento: mos o melhor de nosso tempo e de nossas possibilidades de ação e de luta, nas batalhas precursoras do grande prélio interior da Igreja. O primeiro lance de envergadura nessa luta foi a publicação do livro Em Defesa da Ação Católica (Editora Ave Maria, São Paulo, 1943), que denunciava o ressurgimento dos erros modernistas incubados na Ação Católica do Brasil. Cabe mencionar também nosso posterior estudo A Igreja ante a escalada da ameaça comunista - Apelo aos Bispos silenciosos (Editora Vera Cruz, São Paulo, 1976). Hoje, decorridos mais de 40 anos, a luta está no seu clímax, e deixa prever desdobramentos de amplitude e intensidade difíceis de medir. (...).

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“E de joelhos, fitando com veneração a figura de S.S. o Papa Paulo VI, nós lhe manifestamos toda a nossa fidelidade. Neste ato filial, dizemos ao Pastor dos Pastores: Nossa alma é Vossa, nossa vida é Vossa. Mandai-nos o que quiserdes. Só não mandeis que cruzemos os braços diante do lobo vermelho que investe. A isto nossa consciência se opõe”. Não satisfeitas com esses lances, as TFPs e entidades afins promoveram nos respectivos países, no decurso deste ano [1976], nove edições do best-seller da TFP andina, A Igreja do Silêncio no Chile – A TFP proclama a verdade inteira. Em quase todos esses países, a respectiva edição foi precedida de um prólogo descrevendo múltiplos e impressionantes fatos locais consoantes com o que ocorrera no Chile. (...) Na Espanha, foi efetuado um impressionante abaixo-assinado de mais de mil sacerdotes seculares e regulares de todas as regiões do país manifestando à Sociedade Cultural Covadonga seu decidido apoio ao corajoso prólogo da edição espanhola. Utilidade da atuação das TFPs e entidades afins, inspirada em ‘Revolução e Contra-Revolução’ Que utilidade prática tem tido, neste campo específico da batalha, a atividade contra-revolucionária das TFPs, inspirada em Revolução e Contra-Revolução? Denunciando à opinião católica o perigo da infiltração comunista, elas lhe têm aberto os olhos para as urdiduras dos Pastores infiéis. O resultado é que estes vão levando cada vez menos ovelhas nos caminhos da perdição em que se embrenharam. É o que uma observação dos fatos, ainda que sumária, permite constatar. (...) 52


A IV Revolução que nasce O panorama que assim se apresenta não seria completo se negligenciássemos uma transformação interna na III Revolução. É a IV Revolução que dela vai nascendo. (...) IV Revolução e tribalismo: uma eventualidade Como? – É impossível não perguntar se a sociedade tribal sonhada pelas atuais correntes estruturalistas dá uma resposta a esta indagação. (...) De que forma? – Nas tribos, a coesão entre os membros é assegurada sobretudo por um comum pensar e sentir, do qual decorrem hábitos comuns e um comum querer. Nelas, a razão individual fica circunscrita a quase nada, isto é, aos primeiros e mais elementares movimentos que seu estado atrofiado lhe consente. “Pensamento selvagem”, pensamento que não pensa e se volta apenas para o concreto. Tal é o preço da fusão coletivista tribal. Ao pajé incumbe manter, num plano místico, esta vida psíquica coletiva, por meio de cultos totêmicos carregados de “mensagens” confusas, mas “ricas” dos fogos fátuos ou até mesmo das fulgurações provenientes dos misteriosos mundos da transpsicologia ou da parapsicologia. É pela aquisição dessas “riquezas” que o homem compensaria a atrofia da razão. (...) IV Revolução e o preternatural ‘Omnes dii gentium dæmonia’, diz a Escritura34. Nesta perspectiva estruturalista, em que a magia é apresentada como forma de conhecimento, até que ponto é dado ao católico divisar as fulgurações enganosas, o cântico a um tempo sinistro e atraente, emoliente e delirante, ateu e fetichisticamente crédulo com que, do fundo dos abismos em que eternamente jaz, o 34 – “Todos os deuses dos pagãos são demônios” – Sl. 95, 5.

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príncipe das trevas atrai os homens que negaram Jesus Cristo e sua Igreja? É uma pergunta sobre a qual podem e devem discutir os teólogos. Digo os teólogos verdadeiros, ou seja, os poucos que ainda creem na existência do demônio e do inferno. Especialmente os poucos, dentre esses poucos, que têm a coragem de enfrentar os escárnios e as perseguições publicitárias, e de falar. (...) * * * Plinio Corrêa de Oliveira prevê a destruição da estrutura hierárquica bimilenar da Igreja Dr. Plinio prediz de modo incontestável, em 1976, a tragédia apocalítica pela qual passaria a Igreja a que assistimos ponto por ponto nestes terríveis dias, e que ele já denunciava no Em Defesa: a destruição da estrutura hierárquica da Igreja e sua ‘democratização’, fruto do igualitarismo revolucionário, levada a cabo pelos neomodernistas que tomariam conta d’Ela:

Tribalismo eclesiástico – Pentecostalismo Falemos da esfera espiritual. Bem entendido, também a ela a IV Revolução quer reduzir ao tribalismo. E o modo de o fazer já se pode bem notar nas correntes de teólogos e canonistas que visam transformar a nobre e óssea rigidez da estrutura eclesiástica, como Nosso Senhor Jesus Cristo a instituiu e vinte séculos de vida religiosa a modelaram magnificamente, num tecido cartilaginoso, mole e amorfo, de dioceses e paróquias sem circunscrições territoriais definidas, de grupos religiosos em que a firme autoridade canônica vai sendo substituída gradualmente pelo ascendente dos “profetas” mais ou menos pentecostalistas, congêneres, eles 54


mesmos, dos pajés do estruturalo-tribalismo, com cujas figuras acabarão por se confundir. Como também com a tribo-célula estruturalista se confundirá, necessariamente, a paróquia ou a diocese progressista-pentecostalista. Em 1992 o Dr. Plinio levanta a hipótese de uma ‘desmonarquização’ da Igreja, baseada na tendência ao colegiado levada a cabo pela IV Revolução:

‘Desmonarquização’das autoridades eclesiásticas Nesta perspectiva que tem algo de histórico e de conjetural, certas modificações de si alheias e esse processo poderiam ser vistas como passos de transição entre o ‘status quo’ pré-conciliar e o extremo oposto aqui indicado. Por exemplo, a tendência ao colegiado como modo de ser obrigatório de todo poder dentro da Igreja e como expressão de certa ‘desmonarquização’ da autoridade eclesiástica, a qual ipso facto ficaria em cada grau, muito mais condicionada do que antes ao escalão imediatamente inferior. Tudo isto, levado às suas extremas consequências, poderia tender à instauração estável e universal, dentro da Igreja, do sufrágio popular, que em outros tempos foi por Ela adotado às vezes para preencher certos cargos hierárquicos; e, num último lance, poderia chegar, no quadro sonhado pelos tribalistas, a uma indefensável dependência de toda a Hierarquia em relação ao laicato, suposto porta-voz necessário da vontade de Deus. “Da vontade de Deus”, sim, que esse mesmo laicato tribalista conheceria através das revelações “místicas” de algum bruxo, guru pentecostalista ou feiticeiro; de modo que, obedecendo ao laicato, a Hierarquia supostamente cumpriria sua missão de obedecer à vontade do próprio Deus. 55


Dever dos contra-revolucionários ante a IV Revolução nascente Continuando o texto de 1976, o Autor indica o dever dos contra-revolucionários ante a IV Revolução: Quando incontáveis fatos se apresentam suscetíveis de serem alinhados de maneira a sugerir hipóteses como a do nascimento da IV Revolução, o que resta ao contra-revolucionário fazer? Na perspectiva de Revolução e Contra-Revolução, toca-lhe, antes de tudo, acentuar a preponderante importância que no processo gerador desta IV Revolução, e no mundo dela nascido, cabe à Revolução nas tendências. E preparar-se para lutar, não só no intuito de alertar os homens contra esta preponderância das tendências – fundamentalmente subversiva da boa ordem humana – que assim se vai incrementando, como a usar, no plano tendencial, de todos os recursos legítimos e cabíveis para combater essa mesma Revolução nas tendências. Cabe-lhe também observar, analisar e prever os novos passos do processo, para ir opondo, tão cedo quanto possível, todos os obstáculos contra a suprema forma de Revolução tendencial, como de guerra psicológica revolucionária, que é a IV Revolução nascente. (...) Fé e esperança inquebrantável de Plinio Corrêa de Oliveira E chegando ao fim da obra ‘Revolução e Contra-Revolução’, qualificada por um alto escalão eclesiástico como verdadeiramente profética35, Dr. Plinio conclui com as seguintes palavras cheias de Fé e esperança: 35 – Cfr. Apêndice I, Carta do Pe. Anastasio Gutierrez.

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Incertos, como todo o mundo, sobre o dia de amanhã, erguemos em atitude de prece os nossos olhos até o trono excelso de Maria, Rainha do Universo. E ao mesmo tempo nos sobem aos lábios, adaptadas a Ela, as palavras do Salmista dirigidas ao Senhor: ‘Ad te levavi oculos meos, qui habitas in Caelis. Ecce sicut oculi servorum in manibus dominorum suorum. Sicut oculi ancillae in manibus dominae suae; ita oculi nostri ad Dominam Matrem nostram donec misereatur nostri’. Sim, voltamos nossos olhos para a Senhora de Fátima, pedindo-Lhe quanto antes a contrição que nos obtenha os grandes perdões, a força para travarmos os grandes combates, e a abnegação para sermos desprendidos nas grandes vitórias que trarão consigo a implantação do Reino d’Ela. Vitórias estas que desejamos de todo coração, ainda que, para chegar até elas, a Igreja e o gênero humano tenham de passar pelos castigos apocalípticos – mas quão justiceiros, regeneradores e misericordiosos – por Ela previstos em 1917 na Cova da Iria. ‘Levanto meus olhos para ti, que habitas nos céus. Assim como os olhos dos servos estão fixos nas mãos dos seus senhores, e os olhos da escrava nas mãos de sua senhora, assim nossos olhos estão fixos na Senhora, Mãe nossa, até que Ela tenha misericórdia de nós’. Cfr. Sl. 122, 1 e 2.

Posfácio de 1992 E o que é feito do comunismo? Não morreu: se metamorfoseou (...) E o comunismo? O que é feito dele? A forte impressão de que ele morrera apoderou-se da maior parte da opinião pública do Ocidente, deslumbrada ante a perspectiva de uma paz universal de duração indeterminada. Ou quiçá de uma duração perene, com o 57


consequente desaparecimento do terrível fantasma da hecatombe nuclear mundial. (...) Cabe-nos, pois, perguntar se o comunismo morreu. De início, as vozes que punham em dúvida a autenticidade da morte do comunismo foram raras, isoladas e escassas em fundamentação. Aos poucos, de cá e de lá, sombras foram aparecendo no horizonte. Em nações da Europa Central e dos Bálcãs, como do próprio território da ex-URSS, foi-se notando que os novos detentores do Poder eram figuras de destaque do próprio Partido Comunista local. (...) Ou seja, pode-se dizer que nesses países o comunismo morreu? Ou que ele entrou simplesmente num complicado processo de metamorfose? Dúvidas a este respeito se vêm avolumando, enquanto os últimos ecos da alegria universal pela suposta queda do comunismo se vêm apagando discretamente. Quanto aos partidos comunistas das nações do Ocidente, murcharam de modo óbvio, ao estampido das primeiras derrocadas na URSS. Mas já hoje vários deles começam a se reorganizar com rótulos novos. Esta mudança de rótulo é uma ressurreição? Uma metamorfose? Inclino-me de preferência por esta última hipótese. Certezas, só o futuro as poderá dar. Esta atualização do quadro geral em função do qual o mundo vai tomando posição pareceu-me indispensável como tentativa de pôr um pouco de clareza e de ordem num horizonte em cujos quadrantes o que cresce principalmente é o caos. Qual é o rumo espontâneo do caos senão uma indecifrável acentuação de si próprio? *** Em meio a esse caos, só algo não variará. É, em meu coração e em meus lábios, como no de todos os que veem e pensam comigo, a oração transcrita ao final da 58


Parte III: ‘Ad te levavi oculos meos, qui habitas in coelis. (…)’. É a afirmação da invariável confiança da alma católica, genuflexa, mas firme, em meio à convulsão geral. *** Terminamos aqui a seleção de textos de Revolução e Contra-Revolução que servem resumidamente para dar a perspectiva histórica na qual Plinio Corrêa de Oliveira estava constantemente colocado na ordem do pensamento e da ação, em função da qual travou sua luta. Pensamento e teorias de ação que ele desenvolveu ao longo de sua vida, que como dissemos no início, constituem um acervo de mais de um milhão de páginas.36 Com este fundo de quadro que pré-existia em seu espírito, de modo mais ou menos explícito – 15 anos antes – Dr. Plinio escreveu‘Em Defesa da Ação Católica’. Devido à grandeza da visão de Revolução e Contra-Revolução, pareceu-nos justo e necessário dar uma breve noção do Autor como o homem símbolo da Contra-Revolução. É o que passamos a fazer nas linhas que seguem.

4. Plinio Corrêa de Oliveira: homem símbolo da Contra-Revolução Um dos muitos aspectos que diferenciam o Dr. Plinio dos que o precederam ao descrever, de uma ou outra forma, o processo revolucionário é a amplitude e a profundidade com 36 – Quando nos referimos a um milhão de páginas, é preciso considerar que estas correspondem tão-só ao que foi gravado ou anotado de suas reuniões mais ou menos a partir de 1960, e isto mesmo de forma incompleta. Com efeito, apenas a partir de 1975 se começou a gravar todas as suas explicitações. Se considerarmos suas reuniões, conferências, conversas, numa palavra, seus ensinamentos desde 1928, o número de páginas alcançaria ou superaria os dois milhões.

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as quais ele o fez – como mostramos nas páginas acima – e que de modo explícito ou implícito permeia toda sua personalidade como também sua obra. A identificação entre sua obra e sua personalidade fica bastante evidente, por exemplo, na definição de contra-revolucionário que ele mesmo dá em Revolução e Contra-Revolução como já indicamos: Em estado atual, contra-revolucionário é quem: – Conhece a Revolução, a Ordem e a Contra-Revolução no seu espírito, suas doutrinas e seus métodos respectivos. – Ama a Contra-Revolução e a Ordem cristã, odeia a Revolução e a “anti-ordem”. – Faz desse amor e desse ódio o eixo em torno do qual giram todos seus ideais, preferência e atividades. Mas no caso concreto de Dr. Plinio isso não é tudo. Sendo verdade que é um continuador do pensamento a respeito do processo revolucionário, como mostramos, ele o é, sobretudo, se assim se pudesse dizer, no seu sentido vertical e não apenas horizontal, superando de muito nas suas explicitações os que o precederam. Com efeito, desde sua mais tenra infância ele formou sua personalidade em todos seus aspectos de maneira inteiramente contra-revolucionária, não se tendo deixado influenciar pela Revolução como ele mesmo o declarou incontáveis vezes. Graças especiais, como a manutenção e acréscimo de sua inocência primeva37 até o fim de sua vida, pureza ilibada, dom do discernimento dos espíritos38 e carisma profético em altíssimo grau, entre outras, acrescidas de dotes naturais excepcionais o transformaram no homem símbolo da Contra-Revolução. 37 – Sobre Inocência Primeva cfr: Leo Daniele A Inocência Primeva e a contemplação Sacral do Universo no pensamento de Plinio Corrêa de Oliveira, Artpress Indústria Gráfica e Editora Ltda., São Paulo 2008. 38 – Sobre o discernimento dos espíritos e o carisma profético, cfr. Juan Gonzalo Larrain Campbell, Plinio Corrêa de Oliveira Previsiones y Denuncias en defensa de la Iglesia y de la Civilización Cristiana. Petrus Editora, São Paulo, 2009

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Falamos de Plinio Corrêa de Oliveira como o homem símbolo da Contra-Revolução e nos referimos à sua inocência primeva. Uma palavra elucidativa sobre esta virtude. São João Crisóstomo nos ajuda a compreender melhor e entrar mais profundamente no conhecimento da virginal beleza, do privilégio e da riqueza da inocência primeva, que ele chama de ‘honor primeiro’. No início de suas Homilias, sobre o Evangelho de São Mateus, o santo escreve: “Melhor fora se não tivéssemos necessidade das Letras Sagradas, mas que fosse tão pura a nossa vida que a graça do Espírito Santo fizesse o papel de livros para nossas almas, e como estes se escrevem com tinta, assim estivessem nossos corações escritos de espírito. Mas já tendo perdido esta graça, vamos empreender com ânimo a segunda navegação. Que o primeiro fosse o melhor bem o manifestou Deus por suas palavras ao mesmo tempo por suas obras. Porque com Noé e com Abraão e seus descendentes, assim como com Jó e com Moisés, não tratava Deus por meio de letras, senão pessoalmente, pois achava neles uma alma limpa. Mas, uma vez que o povo hebraico inteiro se afundou até o abismo da maldade, houve já necessidade de letras e de tábuas, para que por elas se refrescasse a recordação. O que é preciso observar não só nos santos do Antigo Testamento, mas também entre os do Novo. Porque também aos apóstolos não lhes deu Deus nada escrito, mas lhes prometeu dar a graça do Espírito Santo: Ele – lhes disse – vos recordará tudo (Jo 14,26). E para que compreendais que isto era muito melhor, escutai o que disse por boca do profeta: ‘Eu estabelecerei convosco um testamento novo, porei minhas leis na alma deles e nos seus corações as escreverei, e serão todos ensinados por Deus’(Jer 31-33). E Paulo, enfim, tratando de pôr em relevo esta excelência, disse ter recebido a lei não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne do coração (2Cor 3,3). Mas já que também os cristãos, andando o tempo, se desviaram, uns em matéria de doutrina, outros nos costumes, houve também necessidade de lhes fazer recordar por meio das letras. Considerai agora que grande mal seja os que teríamos de viver com tal pureza que, em vez de livros, nos bastará apresentar nossos corações ao Espírito Santo, já que perdemos aquele honor primeiro e temos parado nessa necessida-

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de, não nos aproveitar, como convém deste segundo remédio. Porque se já é linhagem de culpa que necessitemos das Letras Sagradas e não atraiamos a nós o Espírito Santo, considerai o quanto não será grave o não querer também aproveitar desta ajuda e menosprezar as Escrituras como se fossem coisa vã e sem razão. Tal desprezo nos atrairá maior castigo”.39

Para o grêmio seleto dos homens livrescos, muitas vezes tão desligados da realidade, o caráter simbólico da Criação, sobretudo de um homem não tem importância alguma ou é considerado como um mero acessório. A verdade é precisamente o contrário. Para não ir mais longe é preciso não esquecer que “o Verbo de Deus se fez carne” e não livro. São João Crisóstomo nos deixa bem clara esta verdade tão ignorada por muitos dos contra-revolucionários a partir da decadência da Idade Média. O grande Santo mostra que Nosso Senhor ensinava também calando. Portanto, simbolizando. Na sua Homilia 15, sobre o Evangelho de São Mateus, comentando a passagem que afirma: “E vendo Jesus a multidão, subiu ao monte; depois de se ter sentado, aproximaram-se seus discípulos. E ele, abrindo sua boca, os ensinava, dizendo (...)”, São João Crisóstomo sustenta:

“Porque, – diz – ‘abrindo sua boca os ensinava’. Por que acrescenta o evangelista esta expressão: ‘Abrindo sua boca’? Para que vos deis conta que também calando ensinava, não só falando (...)”. E em nota o Santo escreve: Já Santo Inácio Mártir tinha dito: “Um só, pois é o Mestre, aquele que ‘disse e foi feito’; mas também o que calando fez, são coisas de seu Pai. O que de verdade possui a palavra de Jesus, pode também ouvir seu silêncio”.40

*** Dr. Plinio, ao contrário dos homens puramente escritores de 39 – Obras de San Juan Crisóstomo Homilias sobre el Evangelio de San Mateo, BAC, 1955 T I pp. 1-2. (Grifos nossos). 40 – op. cit. p. 269, 1955. (Grifos nossos).

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livros, foi sempre muito levado a considerar e analisar todas as coisas: as pessoas, os países, as cenas históricas etc, do ponto de vista simbólico. Damos três exemplos descritos por ele mesmo: – Carlos Magno

Carlos Magno

Santa Joana d’Arc

Falando-se de governantes, ainda hoje Carlos Magno continua presente. É um modelo ideal [homem-símbolo]. Os reis se sentiam na obrigação de seguir esse modelo. O modelo ideal de rei governou mais do que os reis de carne e sangue que regeram a Europa. Talvez o que a figura de Carlos Magno tem de grandiosa, e até de incomparável, seja a ideia tão sublime que ele dá, de um imperador católico, guerreiro, meio profeta. Ele sugere uma ideia tão alta desta condição que se chega a entrever um poder imperial maior que o dele, realizado numa ordem maior do que a dele: um imperador perfeito que não é Deus, pois é uma simples criatura.

– Santa Joana d’Arc ... É muito bela a conjunção dessas duas virtudes: a castidade e o heroísmo. O maior exemplo dessa conjunção nós temos em Santa Joana d’Arc, a virgem e guerreira heroica, nascida na Lorena. A castidade é uma virtude cheia de delicadeza, cheia de fragilidade. A coragem é 63


uma virtude cheia de fortaleza, cheia de intrepidez. A junção desses opostos forma uma verdadeira maravilha. São como duas partes de uma ogiva que se unem para formar um todo harmônico muito bonito. Mas Santa Joana d’Arc, na sua couraça, com seu gonfalão Mon Dieu et Saint Denis, e com aquilo tudo, está nos páramos da inatingibilidade. Ninguém pode lançar uma estocada contra ela sem se quebrar a si próprio. São desígnios de Deus sobre as várias glórias terrenas post-mortem dos bem-aventurados.

– Dom Sebastião, Rei de Portugal (1554-1578) Para mim o homem símbolo de Portugal é um nome que nunca pronuncio sem emoção, porque tenho a impressão que sobre ele pousaram todas as graças para as quais Portugal era chamado: Dom Sebastião. Dom Sebastião tem aspectos por onde ele parece mais um anjo Dom Sebastião do que um homem. Qual a figura que se encontra na História que, morta, deixa atrás de si uma lenda como a sebastianista? Os portugueses entenderam, nebulosamente, que aquilo não podia terminar assim, e ficou uma esperança de pé, de algo que viria. (...) Era a confiança de que a obra começada com Dom Sebastião não terminaria e um dia recomeçaria. Portugal teve a nobreza de reconhecer em Dom Sebastião o rei de seus sonhos. Como todas as outras nações da Europa, Portugal já começava a ser carunchado pelo Renascimento. Mas algo de fundamentalmente anti-renascentista florescia lá. E quando esse rei voltasse da África, com sua fronte au64


reolada pela glória de não sei quantas vitórias, depois de ter estendido o poder de Portugal pelo norte da África, no zênite da Europa brilharia um príncipe medieval. A honra da Cavalaria agonizante refulgiria de novo; a tese de que o poder temporal existe para o serviço do poder espiritual resplandeceria de novo, e diante de um tipo humano magnífico empalideceriam os tipos humanos conspurcados que a Renascença aplaudia. Em Alcácer-Quibir havia um rei virgem, um modelo de varão católico, um modelo capaz de ressuscitar a Idade Media agonizante. Esse homem morre no desconhecido. Os portugueses sonharam com Dom Sebastião, mas para Portugal veio algo de incomparabilissimamente mais alto: veio Nossa Senhora. Não veio o rei virgem, mas veio a Virgem das virgens. E assim como Portugal deveria ter dado, no tempo da Renascença, na pessoa de Dom Sebastião, uma mensagem ao mundo, Nossa Senhora, tomando o território português como trono, deu ao mundo aquela mensagem (aos pastorzinhos de Fátima), que não era de saudades, mas uma mensagem de advertência, uma mensagem de increpação, uma mensagem de esperança. Uma mensagem seguida de mistério, como está acompanhado de mistério aquilo que poderíamos chamar o mito de Dom Sebastião. Mistério: uma Rainha que desce dos céus, uma esperança que é excedida além do limite de toda esperança, isso tudo constitui o pontilhado que vai entre a morte de Dom Sebastião e o aparecimento de Nossa Senhora em Fátima.41

41 – Textos de Plinio Corrêa de Oliveira, in Leo Daniele op. cit. pp. 168 a 173. (Grifos nossos).

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– Cardeal Merry Del Val Em tempo muito mais recente um homem símbolo foi sem dúvida o Cardeal Merry del Val, Secretário de Estado de São Pio X. Numa biografia sua, o autor afirmava que no Vaticano, quando se falava do “Cardeal”, sempre era uma referência ao cardeal Merry del Val. Não era preciso citar seu nome. Bastava dizer chegou, saiu, entrou “o Cardeal”, que em meio a tantos outros purpurados, todo o mundo entendia de quem se tratava. Isto, porque ele impunha o respeito de quem refleCardeal Merry Del Val tia de modo sobressalente em sua pessoa, a nobreza e a compenetração do significado de sua alta condição social e, sobretudo, a de príncipe da Igreja. Desse modo ele se transformou no arquétipo, no homem símbolo de Cardeal. * * * Além de mostrarem que, em Dr. Plinio, as idéias estavam encarnadas na sua personalidade e na sua vida, como afirmamos antes, os textos acima ajudam a compreender um aspecto subtil do livro Em Defesa da Ação Católica. Em Revolução e Contra-Revolução, o Dr. Plinio destaca o papel importantíssimo das tendências desordenadas no processo revolucionário, contrariamente aos autores contra-revolucionários clásicos que insistem sobretudo na má influência das idéias revolucionárias. Dessa importância das tendências resulta que tanto nos grandes quanto nos seus pequenos lances, a Revolução se utilizou em toda a medida do possível de homens simbólicos, de gestos simbólicos e montou cenas altamente expressivas de simbolismo para mover os espíritos numa ou noutra direção. Pois estes ou aquelas 66


galvanizam com muito mais eficácia que as meras idéias, as tendências latentes nas diversas circunstâncias. Assim, por exemplo, para fazer detonar as tendências igualitárias e liberais da Revolução Francesa, a Revolução se serviu de um homem altamente simbólico por sua excelsa condição social, sua riqueza e seu prestígio, como foi o Duque de Orléans, (Felipe Egalité). Seu Palácio em Paris, (Le Palais Royal), lugar também simbóliMaria Antonieta co, foi o foco principal onde se aglutinava a maquinação revolucionária, fortificando, através da corrupção aí reinante – como também pelo escandaloso exemplo revolucionário do Duque – as más paixões da ralé. Do lado da Contra-Revolução é inegável que a recordação da figura altamente simbólica da Rainha-mártir Maria Antonieta mobiliza até hoje as boas tendências não só de seu país como de amplos setores da opinião de outras nações. A Revolução Francesa foi ela toda paradigmática de fatos simbólicos que estimulavam as péssimas tendências incubadas nas almas. Mas extrapolaria o objetivo deste trabalho entrar em pormenores sobre ela. O que nos parece inquestionável é que a França é a nação simbólica da Europa tanto para difundir o bem quanto o mal. E foi assim que a partir da Revolução Francesa a fisionomia do mundo se modificou em matéria de ideias e costumes. A Revolução da Sorbonne em 1968, portanto bem mais recente, catalisou em poucos dias as tendências igualitárias, libertárias e sensuais que se encontravam latentes em amplos setores da juventude do mundo inteiro. Mas tudo isso não se operou de modo particular através de li67


vros. Foram os novos tipos humanos que personificavam esses “ideais” de revolta anarquista radical que moveram a juventude desse tempo a implantar no mundo a vulgaridade, a extravagância e a liberdade sexual que inundaram a terra em nossos dias. Na ordem dos gestos revolucionários, como ignorar o alcance arquetípico do fato de os revoltados da Sorbonne haverem tido a audácia de colocar na agulha da Catedral de Notre Dame a bandeira negra, símbolo da anarquia e do próprio demônio? Estamos longe de negar que tanto estes quanto seus ancestrais de 1789 tivessem doutrinas. Mas estas secundavam e ao mesmo tempo serviam de auxiliares às manifestações passionais, como o prova Plinio Corrêa de Oliveira nos textos de Revolução e Contra-Revolução citados. Exemplos destes que poderiam se multiplicar quase ao infinito dão-se também na esfera espiritual. Citemos apenas dois entre tantos que a cada momento se vão generalizando e acentuando metodicamente em nossos dias: Como negar que as atitudes de Paulo VI e de Joäo Paulo II – ao renunciar ao uso da Tiara e da Sedia Gestatória, respectivamente – tenham sido altamente simbólicas a ponto de ter influenciado tendencialmente a mentalidade dos fiéis para a ideia da desmonarquização da Igreja e do Papado? * * * O nexo entre a importância que a Revolução dá ao simbolismo e o uso habilmente organizado que faz dele, com o livro Em Defesa da Ação Católica e a luta em torno da infiltração revolucionária na Ação Católica (A.C.) do Brasil, não é difícil de perceber. Com efeito, como se verá adiante, na época em que o Dr. Plinio publicou o livro já estavam latentes em muitos dirigentes da A.C. tendências profundamente igualitárias e liberais simbolizadas por personagens da Hierarquia eclesiástica altamente colocados e prestigiados, como também por leigos de ambos os sexos que desejavam profunda transformação da Igreja. 68


Este caráter tendencial e simbólico costuma ser pouco destacado pelos que tratam do assunto, razão pela qual iremos nos deter mais nele ao relatar a história do livro a fim de mostrar que a força propulsora da Revolução dentro da Igreja se encontra mais nas paixões desordenadas que nas doutrinas que as servem. Por sua vez, as doutrinas estimularão as paixões para dar continuidade ao processo revolucionário. Para evitar qualquer confusão a respeito do que vimos afirmando, deixamos claro não ser apenas a Revolução que se utiliza do simbolismo e das tendências para avançar. A Contra-Revolução na sua luta contra a Revolução tem muitas vezes feito o mesmo – como afirmamos – não para implantar a desordem nas almas, mas para restaurar a noção de ordem. Exemplo muito significativo nesse sentido foi o impacto contra-revolucionário restaurador que ocorreu na França por ocasião da entrada do Conde d’Artois, futuro Carlos X42, irmão de Luís XVI, em Paris, no dia 10 de abril de 1814, depois de 25 anos de exílio da Monarquia legítima. Ei-la narrada pelo eminente historiador contemporâneo Georges Bordonove43: “Monsieur [título dado ao irmão que sucederia ao Rei Luís XVIII] fez a sua entrada solene em Paris (...), pela porta Saint Denis.Testemunha o Barão de Frenilly44: ‘Não havia janelas nem telhados suficientes para conter a multidão entusiasmada que ficava rouca de tanto gritar. Tudo estava adornado com bandeiras, cortinados, tapetes, flores e todos os lenços se agitavam. Era um espetáculo tocante’. ...

Prossegue Bordonove:

“O tempo estava esplêndido. O sol de abril iluminava aquela profusão de bandeiras brancas, flores, fisionomias

42 – Carlos X (1757-1836) – Rei de França entre 1824 e 1830. Irmão de Luís XVI e de Luís XVIII. Antes de subir ao trono tinha o título de Conde d’Artois. 43 – Bordonove, Georges (1920-2007), historiador e escritor francês. 44 – Frénilly, François-Auguste Fauveau, Barão de (1768-1848). Deixou Memórias famosas sobre a Revolução Francesa e a Restauração. Nomeado par de França foi de uma total fidelidade a Carlos X.

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risonhas. ... Crianças e jovens agarravam-se às grades. (...) Tambores soavam. Os cavalos caracolavam sobre as calçadas. De todos os lados fundiam-se espontaneamente, os brados de: Vive le Roi! Vive Monsieur! À medida que se aproximava o centro de Paris, a alegria aumentava, o entusiasmo transformava-se em delírio. Monsieur era realmente um belo homem! Conservava um tal porte apesar dos 57 anos! Envergava tão bem o seu uniforme azul com ornatos e dragonas de prata! Montava com tanta elegância o magnífico cavalo branco que lhe fora oferecido! Tinha um olhar tão altivo e ao mesmo tempo tão cheio de bondade! Respondia às aclamações com tanta graça!... “Havia tanto tempo que não se via um verdadeiro Príncipe, encantador e cavalheiresco! Assim avançava ele em direção a Notre Dame. ... Monsieur deixava a multidão aproximar-se, tocar-lhe as botas, os estribos, o pescoço de seu cavalo. Esta ousadia agradava. Os marechais do Império [de Napoleão] seguiam-no. Alguns se tinham apresentado a ele com o cocar tricolor. Outros não ocultavam sua hostilidade. Todos estavam ansiosos por conservar o seu posto. Monsieur cumprimentou-os. Pouco a pouco, eles deixaram-se conquistar pela euforia geral. A movimentação, a exclamação alegre daquela multidão desconsertava-os. Não compreendiam porque os parisienses se entusiasmavam a tal ponto por este Príncipe, um desconhecido para eles até a véspera. Uma misteriosa centelha havia eletrizado os corações. Fora Monsieur que a acendera. Tinha o dom de agradar, de seduzir tanto as multidões quanto os indivíduos; hoje diríamos: um carisma. Era de tal maneira conforme a imagem que se fazia de um príncipe, havia tanta simplicidade no seu comportamento, e também esse à vontade supremo que não se aprende, pois se herda... “Com dificuldade abriu-se caminho para Notre Dame, onde estava previsto um Te Deum. Os acontecimentos tinham-se precipitado de tal maneira que não houve tempo de decorar a Catedral. Viu-se que ele se ajoelhava e rezava com fervor. Agradecia à Providência por lhe ter concedido a graça de ter reconduzido a França ao Trono dos lises”.45 45 – Georges Bordonove Les rois qui ont fait la France – Charles X, Ed. Pygmalion, Paris, 1990, pp.121-123. In Plinio Corrêa de Oliveira Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana, p. 318. (Grifos nossos).

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O Dr. Plinio assim comenta o acontecimento narrado acima: “Talvez a centelha que assim se acendia com o entusiasmo dos parisienses pela volta da Monarquia legítima tivesse sua causa em que eles participavam desse sentimento, então geral, explicitado genialmente por Talleyrand46 nas palavras finais na carta que enviara ao futuro Carlos X, quando da primeira abdicação de Napoleão: ‘Nous avons assez de gloire, Monseigneur, mais venez, venez nous rendre l’honneur’ [Já temos demasiada glória, Monseigneur, vinde, vinde trazer-nos a honra]”.47

46 – Talleyrand, Charles Maurice – (1754-1838). Político francês, grande diplomata, bispo apóstata, participou da Revolução Francesa e serviu a todas as formas de governo, desde o começo de Napoleão até Luís Filipe, exceção feita de Carlos X. 47 – Plinio Corrêa de Oliveira op. cit.. p. 318. (Grifos nossos).

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Parte II

Fundo de quadro em torno de Em Defesa da Ação Católica Para compreender o cerne da luta ideológica levada a cabo por Plinio Corrêa de Oliveira é necessário esboçar um fundo de quadro, ainda que sucinto, da situação em que se encontrava a Revolução quando ele iniciou sua ação pública em 1928, e nesse contexto situar o livro Em Defesa da Ação Católica. No plano político internacional, de um lado, o comunismo dominava a Rússia e expandia sua propaganda mundo afora. De outro, as democracias liberais davam claros sinais de desgaste, originando-se daí o nascimento dos movimentos nacionalistas dos quais brotaram os totalitarismos chamados de “direita” em quase todos os países da Europa. Os de maior destaque foram o nazismo e o fascismo. Deixamos na pena de Dr. Plinio a narração desta gênese, extraída de trechos textuais do artigo A grande experiência de 10 anos de luta, publicado em O Legionário, de 13-5-45. (Todos os subtítulos e grifos são nossos) De 1933 a 1942: anos de via crucis para O Legionário 1 – O término da conflagração mundial e o esmagamento das potências totalitárias não poderiam deixar de ser assinalados pelo Legionário com uma edição consagrada, quase toda ela, ao grande acontecimento. Com efeito, a derrocada final do totalitarismo marca, para nós, o termo de uma longa e dolorosa campanha, na qual fomos obrigados aos mais duros sacrifícios, para esclarecer a opinião católica sobre o tremendo perigo que ameaçava a Igreja. 73


De 1933 a 1942, a vida do Legionário foi, a este respeito, uma verdadeira via crucis, ao longo da qual não houve provação que nos fosse poupada. Aproveitamos estes instantes fugazes, em que os cadáveres ainda estão quentes, em que as lágrimas ainda não secaram, em que a terra ainda não sorveu o sangue dos combatentes, em que os incêndios ainda fumegam, e os canos das metralhadoras ainda não esfriaram, para fixar num quadro geral ainda bem vivo a recordação destes anos de confusão e de tormenta. É este o instante propício para tal tarefa.

Conspiradores demolindo a Cristandade 2 – Será, por exemplo, muito difícil que a História venha a compreender, tão bem como nós, a época agitada, crepuscular, indecisa, em que irromperam no mundo os partidos totalitários. É preciso ter vivido em 1920, ou 1925, para compreender o tremendo caos ideológico em que se debatia a humanidade. A Cristandade parecia um imenso prédio em trabalhos finais de demolição. Não havia o que não se fizesse para o destruir. Aqui, especialistas silenciosos e metódicos arrancavam uma a uma as pedras, desconjuntavam as traves, tiravam as portas e seus batentes, as janelas e suas esquadrias. Essa faina, que faziam com o mutismo, a solércia e a agilidade de conspiradores, progredia com frieza inexorável, sem perda de um instante, sem desperdício de um segundo. Revezavam-se os operários, mas de dia e de noite, enquanto os homens se divertiam, dormiam, trabalhavam ou passeavam, o trabalho não se interrompia. 3 – Tudo isto não é senão uma alegoria. E não há alegoria, nem imagem, nem descrição que possa retra74


tar a confusão daqueles dias de ‘pós-guerra’ [I Guerra Mundial]. Depois de descrever a origem da Cristandade medieval, Dr. Plinio aponta resumidamente a crise desta com o surgimento do protestantismo, mostrando seu espírito revolucionário chegando à Revolução Francesa e desta, ao fim da I Guerra. Para efeito de nosso estudo, extraímos o que se segue:

Uma salutar reação 13 – Em 1918 um novo espírito revolucionário varreu a Europa. Deu-se o imenso estrondo do desabamento do czarismo, e se implantou o comunismo na Rússia. Toda a vida intelectual e social se secionou ainda mais do passado. No Ocidente, a hegemonia se deslocava cada vez mais da Europa tradicional para os Estados Unidos niveladores. Em meio a todo esse desabamento, que evidenciava cada vez mais o próximo término da civilização cristã como tal, uma salutar reação se produzia. Muitos espíritos percebiam por fim para que abismos caminhava o mundo, e quais os guias que os levavam para o abismo. Como escreveu Pio XI, um sopro universal do Espírito Santo orientava para a Igreja os espíritos transviados. Em plena hecatombe da civilização cristã, a Igreja de Deus, como a vara de Gedeão, começava a florir novamente, produzindo rebentos que atestavam iniludivelmente sua eterna pujança. O movimento católico se organizava por toda Europa. Eram legiões de moços que, desgostosos do curso das coisas, abriam os olhos para a Verdade Revelada, e almejavam de todo coração o triunfo da civilização cristã. As obras sociais católicas, a imprensa católica, a rádio católica, a ação política dos católicos triunfavam por 75


toda parte. Assim na Alemanha, na Áustria, na Espanha, na Itália, na França, no Brasil, na Holanda, na Bélgica, os êxitos eleitorais dos católicos eram cada vez mais estrondosos. E quanto mais crescia o perigo comunista, tanto mais se acendia o ardor da reação católica. A certas almas, Deus atrai ao Céu fazendo-lhes ver o Inferno. Foi dessa terapêutica que se serviu Deus com o mundo ocidental, permitindo que se lhe patenteasse em toda a hediondez a figura dos tormentos em que o comunismo mantinha a Rússia, o México e mais tarde a Espanha.

O nazismo: um comunismo com máscara cristã 14 – Sempre que o demônio está na iminência de perder uma partida, sua grande arma é a confusão. Utilizou-a desta vez. A história talvez diga, algum dia, em que antros o plano tenebroso se forjou. Mas o fato é que para atender aos anseios das massas sedentas de civilização cristã, apareceu na Alemanha um partido logo copiado em outros lugares, que se propunha a implantar um novo mundo cristão. A primeira vista, nada mais simpático do que o nazismo, movimento místico-heroico, propugnador das tradições da Alemanha cristã e medieval, contra a dissolução demagógica e corrupta da propaganda bolchevista. Os termos meramente negativos da doutrina nazista correspondiam em vários pontos com o que se sentia de mais vivo na consciência cristã, indignada com o enfraquecimento do princípio de autoridade, da ordem, da moral e do direito. Mas, se se atentasse para o lado positivo dessa ideologia, lados que só aos poucos a maquiavélica propaganda parda revelava aos ‘iniciados’, que terrível 76


decepção. Ideologia confusa, impregnada de evolucionismo e materialismo histórico, saturada de influências filosóficas e ideológicas pagãs, programa político e econômico radical e caracteristicamente socialista, intoleráveis preconceitos raciais. Em uma palavra, por detrás dos bramidos anticomunistas do nazismo era o próprio comunismo que se pretendia restaurar. Um comunismo ardiloso, de máscara cristã. Um comunismo mil vezes pior, porque mobilizava contra a Igreja as armas satânicas da astúcia, em lugar das armas inócuas e impotentes da força bruta. Um comunismo que começava por empolgar os espíritos por algumas verdades, punha-os em delírio sob pretexto de entusiasmo por essas verdades, e os atirava em seguida aos erros mais terríveis. Um comunismo, portanto, que significava não a obliteração dos maus, mas dos bons, a mais terrível máquina de perdição e de mistificação que o demônio tenha engendrado ao longo da História.

Muitos católicos se deixaram transviar pela manobra. Furor desatado por cima dos contra-revolucionários 15 – Tal é o peso da verdade, tão duro é o fardo do bem, que infelizmente muitos espíritos, embora sinceramente católicos, se deixaram transviar pela manobra. Não tinham aquela fome e sede de justiça, que é a raiz da santa intransigência. Não tinham aquele apetite de Catolicismo pleno, que os faria rejeitar como elemento impuro qualquer liga com os fermentos do século. As coisas muito acentuadamente católicas, declaradamente católicas, exclusivamente católicas lhes pesavam como o sol fere a vista das aves noturnas. Preferiram as formas pálidas, diluídas, indiretas, de irradiação católica, como os mochos preferem a luz da lua. 77


E se entregaram de corpo e alma a essas tendências de caráter nitidamente anticatólico. Na Itália como na Alemanha, como em outros lugares, uma coorte de ingênuos, de desavisados, de pessoas, entretanto bem intencionadas, se deixou embair e arrastar de roldão por facínoras e aventureiros de toda sorte. E só Deus sabe com que furor, com que iracúndia, com que abundância de ameaças eles se atiravam contra os irmãos de crença, que se permitiam o luxo de ser mais penetrantes, mais perspicazes, mais enérgicos na defesa da Fé.48 Na Parte IV, quando o Dr. Plinio relatar o espírito que animava amplos setores da Ação Católica, o leitor poderá verificar com toda clareza o exposto no artigo ora citado. * * * Assim, a Revolução avançava com uma dupla face: as esquerdas declaradas (comunismo e socialismo) e as esquerdas camufladas com os rótulos de nazi-fascismo... Não nos deteremos aqui para mostrar o prejuízo causado ao nazi-fascismo pelos ataques e denúncias de que foram objeto por parte de Plinio Corrêa de Oliveira, especialmente pelas páginas de O Legionário. Apenas afirmamos que ao denunciar o nazismo e o fascismo em 477 artigos, como opostos na sua doutrina e nos seus métodos à doutrina da Igreja, Dr. Plinio criou grande desconfiança nos meios católicos contra os totalitarismos de “direita”.49 48 – Plinio Corrêa de Oliveira, A grande experiência de 10 anos de luta in Legionário 13-5-45. 49 – Entre 1929 e 1947 Plinio Corrêa de Oliveira escreveu 447 artigos no Legionário contra o nazismo e o fascismo; seis em Catolicismo (1951-1982); e 24 na Folha de São Paulo (1968-1982), totalizando 477 artigos. Além disso, foram escritos 2.538 artigos por diversos autores em órgãos ligados a ele, assim distribuídos: Legionário = 2.489 artigos e em Catolicismo = 49. Cfr. Um Homem, uma Obra, uma GestaHomenagem das TFPs a Plinio Corrêa de Oliveira, Edições Brasil de Amanhã, São Paulo, 1989. p. 39.

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Quando começou a derrocada do nazismo, os agentes da Revolução, servindo-se de Hitler, percebendo que esta não poderia avançar pela via das “direitas”, preparavam o terreno para fazê-lo por meio do comunismo. Com efeito, a ruptura teuto-russa, como Dr. Plinio afirmou muitas vezes em O Legionário não significou uma quebra da afinidade ideológica entre os regimes de Berlim e Moscou. Isto foi provado ‘ad nauseam’ pela atitude de Hitler, especialmente a partir de 1943, quando concentrou todos seus esforços na frente ocidental, deixando a Rússia livre para conquistar os países da Europa Oriental, onde estabeleceu seu jugo por mais de 40 anos. Na ocasião, Plinio Corrêa de Oliveira escreveu vários artigos sustentando essa tese. Em 1944, por exemplo, afirmara: Ninguém poderá forçar os russos a abandonar as zonas que tiveram invadido. Ninguém lhes dará zonas que não tiverem conquistado. Em última análise, a Rússia terá o que agora conseguir. Depois será tarde. O Sr. Adolph Hitler sabe disso. E o que faz esse “cruzado”, esse “campeão anticomunista”, esse “defensor da civilização europeia e cristã contra a barbárie mongólica?” Imobiliza na frente ocidental tantos recursos, que até agora a invasão [dos aliados] não foi possível. E lentamente vai cedendo o terreno aos russos”. A frente italiana [Hitler] defende palmo a palmo com uma pertinácia sem precedente. E, para conservar alguns quilômetros na Itália, entrega províncias inteiras na Europa Oriental. Não vê ele que, com isto, dá a alma da vitória aos russos? Evidentemente. Mas se ele vê isto, e faz isto, ele quer isto. Logo Hitler prefere que vençam os russos. Como sempre sustentamos, os nazistas e comunistas são irmãos gêmeos que estão brigando.50 50 – O discurso de Churchill in Legionário 4-6-44. (Grifos nossos).

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Foi assim que o comunismo pardo derrotado abria as portas para que o comunismo vermelho tomasse conta de grande parte da Europa e estendesse, a partir de Moscou, suas garras por todo o mundo.

1. Obstáculo que o comunismo tinha diante de si: a posição monoliticamente anticomunista da Igreja Não obstante, um grande obstáculo o comunismo tinha diante de si. Até a década de 1930 a Igreja apresentava no conjunto de sua Hierarquia, encabeçada pelo Santo Padre, bem como na totalidade de seus ensinamentos, uma posição monoliticamente anticomunista e tradicionalista. Especialmente na América Latina, homogeneamente católica, a influência da Igreja era, apesar do laicismo dos Estados, de um peso incalculável. Sobre o caráter tradicional da religiosidade na América Latina, o padre progressista José Ariovaldo da Silva51 transmite uma síntese bem formulada nos seguintes termos: “No documento final elaborado pelo Encontro interdepartamental do CELAM52 realizado em Bogotá (Colômbia) de 22 a 28 de agosto de 1976 sobre a religiosidade popular, há uma ótima síntese histórica da religiosidade popular da América Latina que vem até nossos dias. Mostra que elementos tardo-medievais da Península Ibérica são levados para a América Latina (hispano-lusitana) que é colonizada em plena era barroca: “Com o barroco nasce a América Latina. Ou seja, sob o signo do Concílio de Trento. Esse é o nosso substrato original, de onde se conjuga com formas religiosas anteriores, mas com uma forma dominante. Esta provinha do catolicismo medieval, com os traços acima assinalados. É o catolicismo popular que a Reforma protestante vai impugnar e que Trento vai ratificar. O barroco estabelece-se em continuidade com o 51 – da Silva, O.F.M., Frei José Ariovaldo – Nasceu em Canoinhas (Santa Catarina) em 1945. Fez seus estudos filosóficos e teológicos em Petrópolis (Rio de Janeiro), tendose especializado em Liturgia no Pontifício Instituto Litúrgico de Roma. 52 – CELAM – Conselho Episcopal Latino Americano.

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medievalismo popular. Ainda que com novas formas de piedade, provenientes da ‘devotio moderna’, mais místicas, mais sentimentais, abrindo caminhos de ‘interioridade’” (“Igreja e religiosidade popular na América Latina”, SEDOC 10, jul./ag. 1977, pp. 23 e 24). Ora todo este substrato, devido a fatores históricos posteriores (...) permaneceu sempre vivo nas camadas populares (ibid., 25-26)”.53

Citamos numerosas vezes o livro do Pe. José Ariovaldo da Silva, O Movimento Litúrgico no Brasil – Estudo Histórico, pois sua obra é de muita importância para nosso estudo, já que seu autor é de tendência progressista mas que procura, com certo esforço, dar ares de imparcialidade. E também porque seu trabalho é o melhor que se tem feito sobre o Movimento Litúrgico e a Ação Católica no Brasil. O livro de 400 páginas e muito bem documentado é uma dissertação ad Licentiam no Instituto Litúrgico do Anselmianum em Roma que cita incontáveis vezes Plinio Corrêa de Oliveira e seu grupo, o Em Defesa e o Legionário. Para mais bem compreender a importância que lhe damos nada melhor que transcrever alguns parágrafos do Prefácio da obra escrito por D. Clemente Isnard, considerado por Tristão de Athayde “o pai do grupo, de todos os participantes do Movimento Litúrgico” (P. Ariovaldo, op. cit. p. 368). D. Isnard assina o Prefácio em 2 de fevereiro de 1983, como Bispo de Nova Friburgo e como Presidente do Departamento de Liturgia do CELAM. Escreve D. Isnard: “Faltava uma obra semelhante, para recolher nas fontes e fixar para sempre os episódios desta grande aventura [o Movimento Litúrgico] vivida no ambiente brasileiro. Favorecido pela limitação do campo a estudar, o Autor brindou o Brasil com uma obra que não existe em nenhum outro país (…).

53 – da Silva, O.F.M., José Ariovaldo – O Movimento Litúrgico no Brasil – Estudo Histórico, Vozes, Petrópolis, 1983, p. 26. (Grifos nossos).

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“Não se trata apenas de um documentário científico. O Autor apresenta a documentação digerida e elaborada. Não é ele um mero cronista, um registrador de acontecimentos, mas um verdadeiro historiador que, dos fatos, sabe tirar as conclusões e apresentá-las. (...) “É uma obra clássica, que marca época: ninguém poderá doravante escrever sobre o Movimento Litúrgico no Brasil sem consultá-la”.54

2. Importância do Brasil E neste contexto o Brasil ocupa um papel de incontestável importância. Assim, por exemplo, na apresentação de um dos livros do padre progressista e brasilianista francês, Charles Antoine pode-se ler: “Charles Antoine dá uma visão de conjunto ... com os recuos e avanços, as contradições e a afirmação progressiva do catolicismo brasileiro. Ele mostra como a Igreja do Brasil tornou-se uma referência obrigatória na história do catolicismo contemporâneo”.55

E o conhecido escritor Enrique Dussel, de origem argentina e posteriormente naturalizado mexicano, figura de destaque na Teologia da Libertação, afirma na mesma linha a importância do Brasil: “A Igreja (...) joga-se e sacrifica-se em função simplesmente do serviço pelo povo oprimido, sacrificado. O Brasil nisto é um país-chave, essencial, paradigmático”.56

3. O Modernismo Para a Revolução, era pois indispensável quebrar esse poder, rompendo a unidade dos católicos contra o comunismo. Foi com essa intenção que os comunistas iniciaram a manobra da “politi54 – op. cit. p. 18. (Grifos nossos). 55 – Pe. Charles Antoine, Les catholiques Brésiliens sous le Régime Militaire, Les Editions du CERF, Paris, 1987, contracapa. (Grifos nossos). 56 – Enrique D. Dussel, Historia de la Iglesia en América Latina, Editorial Nova Terra, Barcelona, 1974, Coleção: El Sentido da la Historia, Vol.5, p. 239. (Grifos nossos).

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que da la main tendue” a partir da França. O êxito dela dependia da preparação dos católicos para que a aceitassem. Foi esse o papel dos elementos-chave da Ação Católica. Como consequência de cumplicidades dolosas, o modernismo, que tão energicamente tinha sido condenado por São Pio X na encíclica “Pascendi Dominici Gregis” em 8 de setembro de 1907, e que o qualificara como sendo “a síntese de todas as heresias”57, refugiou-se em algumas sacristias esperando o momento em que as condições lhe fossem propícias para reiniciar sua ação demolidora dentro da Igreja. Pareceu-nos necessário para compreender o nexo entre o modernismo e as doutrinas heterodoxas que circulavam em meios da A.C. quando Plinio Corrêa de Oliveira publicou seu livro, transcrever alguns erros apontados por São Pio X na sua Encíclica. Fica assim também evidenciada a atualidade de ‘Em Defesa da Ação Católica’, 70 anos depois, devido à crise apocalíptica pela qual vem passando a Igreja pós-conciliar e de modo especialmente agudo no pontificado de Francisco I. Sobre os Modernistas, afirma o Pontífice Santo, entre outras coisas: – “Ocultam-se (...) no seio mesmo e dentro do coração da Igreja”.

– “São leigos e sacerdotes que “assaltam com audácia quanto há de mais sagrado na obra de Jesus Cristo”. – “São (...) inimigos da Igreja (...) que esta não os há tido piores”. – “A base de sua filosofia religiosa é o agnosticismo”. – “São imanentistas, de onde se conclui que “Deus é imanente no homem”. – “ São panteístas”. – “Uns veladamente e os outros abertamente têm por verdadeiras todas as religiões”. 57 – Encíclica Pascendi Dominici Gregis in Colección Completa – Encíclicas Pontifícias; I Tomo, 1832-1939, p. 802, IV Edición, Editora Guadalupe, Buenos Aires.

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– Os Sacramentos “para os modernistas são puros símbolos ou signos”. – “A autoridade, pois, o mesmo que a Igreja, brota da consciência religiosa” e não de Deus. – São contrários ao magistério autoritário da Igreja. – No modernismo “levanta sua cabeça aquela doutrina ruinosíssima que incorpora na Igreja os leigos como elementos de progresso”. – “Vão adiante ao caminho começado, e ainda que repreendidos e condenados vão adiante, encobrindo sua incrível audácia com a máscara de uma aparente humildade. Dobram fingidamente suas cervizes, mas com a obra e intenção prosseguem mais atrevidamente o que empreenderam”. – Os modernistas (...) “aceitam e concedem de boa vontade haver (na Igreja) muitas coisas que podem ofender os ânimos. E mesmo chegam a dizer publicamente, com certo mal-dissimulado deleite, que também em matéria dogmática se encontram erros e contradições”. – Seu “método certamente cheio de erros, como as mesmas doutrinas, é apto não para edificar senão para destruir, não para fazer católicos, senão para arrastar os mesmos católicos à heresia, e mesmo à destruição total de qualquer religião”. – “Estão animados por um veemente prurido de novidades pelo que querem introduzir novidades na filosofia, na teologia, na história, na dogmática e na disciplina”. – “Dizem que é preciso diminuir as devoções externas e proibir seu aumento”. – “Esforçam-se por apagar (...) as sagradas tradições populares”. – Propendem à democracia com todo seu peso “pelo qual deve-se conceder ao clero inferior e mesmo aos leigos certa intervenção no governo [da Igreja]”. – “Desejam transformar as Congregações romanas e principalmente as do Santo Ofício e do Index”. – “Pedem que o clero se comporte de modo que mostre a antiga humildade e pobreza, e que em suas ideias e ações se

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conforme com os preceitos do modernismo. Há, por fim, alguns que, atendo-se de boníssima vontade aos mestres protestantes, desejam que se suprima no sacerdócio o celibato sagrado. Que fica, pois, intacto na Igreja que não deva ser reformado por eles e conforme a suas opiniões”? – “Agora bem, abarcando com um olhar a totalidade deste sistema, ninguém se maravilhará se os definimos afirmando que é um conglomerado de todas as heresias”. – Os modernistas levaram mais longe os erros anteriores a eles, contra a fé “que não só tem destruído a religião católica, mas (...) absolutamente toda religião”. – “A doutrina dos modernistas conduz ao ateísmo e a suprimir toda religião”. Os protestantes foram os primeiros que “puseram os pés neste caminho, ao qual segue o erro dos modernistas, e depois dele virá imediatamente o ateísmo”. – “Por soberba descartam toda sujeição” (...). Não têm “reverência alguma aos superiores, nem à potestade suprema”. – “Sublimam (...) a filosofia moderna e desprezam a escolástica”. – São contrários à escolástica “à autoridade e tradição dos Padres e ao magistério eclesiástico”. – “O qual, como assim sendo, Veneráveis Irmãos, não é de se maravilhar que os modernistas ataquem com extrema malevolência e rancor os varões católicos que lutam com todo valor pela Igreja. Não há nenhum gênero de injúria com que não os firam, mas a cada passo os acusam de ignorância e obstinação. E se temem a erudição e a força de suas refutações eles procuram lhes tirar a eficácia opondo-lhes a conjuração do silêncio”.58

Finalmente o Pontífice Santo expõe com toda clareza a vigilância e a energia que os Pastores devem usar para reprimir os modernistas e os seus erros.

58 – Encíclica Pascendi Dominici Gregis in Colección Completa – Encíclicas Pontifícias; I Tomo, 1832-1939, pp. 781-813, IV Edición, Editora Guadalupe, Buenos Aires. (Grifos nossos).

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A. Os modernistas falam Sob algumas das metas e táticas dos modernistas, são elucidativos os textos que citamos a seguir a título de exemplo, pois ilustram a justa e severa condenação de São Pio X e, ao mesmo tempo deixam claro o nexo com os neomodernistas da Ação Católica: – Antonio Fogazzaro59, o mais notório propagandista do modernismo na Itália afirmava pela boca de um personagem de seu livro “Il Santo” em 1907: “Não tenhamos respeito humano! (...) (Queremos) comunicar a todos, de cada país, que ordenem a nossa ação. Maçonaria Católica? Sim, Maçonaria das Catacumbas”.60

E na mesma obra declarava:

“Nós somos aqueles católicos, dentro da Itália e fora da Itália, clérigos e leigos, que desejam uma reforma da Igreja”.

E continua:

“Desejamos uma reforma da educação religiosa, reforma na liturgia, reforma da disciplina eclesiástica, reforma mesmo do supremo governo da Igreja”. (Julio Loredo, op. cit. p. 144 -145).

E mostrando o caráter conspiratório do modernismo aconselhava no mesmo livro: “Não publique nunca escritos sobre questões religiosas para ser vendidos, distribua-os com prudência e nunca escreva neles seu nome”.61

– Ernesto Buonaiuti62, sacerdote excomungado em 1921, 59 – Fogazzaro, Antonio – (1842-1911) Escritor, fazia parte de um grupo de modernistas italianos. Entre suas obras figura o romance Il Santo, no qual propunha a criação de uma maçonaria católica. Foi excomungado em 1925. 60 – Julio Loredo, Teologia della Líberazione – Un salvagente di piombo per i poveri – Cantagalli p. 170. 61 – Roberto de Mattei, O Concílio Vaticano II: Uma história nunca escrita, Editora Caminhos Romanos, 2012 p. 66. (Grifos nossos). 62 – Buonaiuti, Ernesto – (1881-1946). Modernista, excomungado em 1921, declarado

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sendo presumivelmente o principal autor do Programa dos modernistas, do qual extraímos os seguintes textos: “Até hoje se pretendeu reformar Roma sem Roma, ou talvez até contra Roma. Ora, é necessário reformar Roma com Roma; fazer com que a reforma passe pelas mãos daqueles que têm de ser reformados. É este o método verdadeiro e infalível; mas é difícil. Hic opus, hic labor”.

Prossegue Buonaiuti:

“O culto exterior permanecerá para sempre, tal como a hierarquia, mas a Igreja, enquanto mestra dos sacramentos e da respectiva ordem modificará a hierarquia e o culto de acordo com os tempos: aquela se tornará mais simples, mais liberal, e este se tornará mais espiritual. Por esta via, a Igreja transformar-se-á num protestantismo, mas será um protestantismo ortodoxo e gradual, e já não um protestantismo violento, agressivo, revolucionário, insubordinado; será um protestantismo que não destruirá a continuidade apostólica do ministério eclesiástico, nem a própria essência do culto”.63

– George Tyrell64, famoso modernista e sacerdote jesuíta irlandês convertido do calvinismo, excomungado em 1907 e expulso da Companhia de Jesus no mesmo ano. Ele assim descreve o intento modernista de fundar uma nova religião: “Roma não pode ser destruída num só dia, tem de se dissolver em pó e cinzas de forma gradual e inofensiva. Teremos então uma nova religião e um novo decálogo”.65

vitandus em 1926. Presumivelmente autor do insolente Programa dos modernistas. Resposta à encíclica de Pio X Pascendi dominici gregis. São Pio X proibiu sua leitura sob pena de pecado mortal, excomungando seus autores e propagandistas. O Papa estabeleceu que no caso de o autor ser um sacerdote ficaria suspenso a divinis por toda a vida. (Julio Loredo, op. cit. p. 148 e Roberto de Mattei O Concílio Vaticano II – Uma história nunca escrita p. 98). 63 – Roberto de Mattei op. cit. p. 67. (Grifos nossos). 64 – Tyrell, Georges – (1861-1909). Começou a manifestar suas tendências modernistas em 1890 quando quis desmantelar a teologia escolástica reivindicando “um Tomás de Aquino simpático e de mentalidade liberal”. Morreu excomungado (1907) rejeitando aceitar o que chamava insolentemente “a heresia do Vaticano”. (Julio Loredo, op. cit. p. 147). 65 – Roberto de Mattei op. cit. pp. 67 e 68. (Grifos nossos).

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O mesmo Tyrell reconhecendo a fraqueza em que ficaram os modernistas após o golpe recebido por São Pio X define a tática a seguir: “Temos de esperar o dia em que através de um trabalho silencioso e secreto teremos ganhado para a causa da liberdade uma proporção muito maior de tropas da Igreja”.66

– Por sua vez o padre Alfred Loisy67, teólogo francês excomungado em 1908 e sob muitos aspectos uma das figuras mais representativas do modernismo escreve: “Eu não aceito nenhum artigo do credo católico, fora de que Jesus foi crucificado sob Pôncio Pilatos”. (Julio Loredo, op. cit. p. 165).

Concluímos, ainda que sucintamente, o que vimos tratando sobre o modernismo com a constatação da penetração dessa heresia na Igreja, feita por Mons. Luigi Carlo Borromeo68 durante o Concílio Vaticano II, no seu diário, em 3 de dezembro de 1962: “Estamos em pleno modernismo. Não se trata do modernismo ingênuo (sic), declarado, agressivo e combativo dos tempos de Pio X, não. O modernismo de nossos tempos é mais subtil, mais camuflado, mais penetrante e mais hipócrita. Não pretende provocar uma tempestade, pretende que toda a Igreja se torne modernista sem disso se aperceber. (...) Assim também, o modernismo de hoje salva todo o cristianismo, os seus dogmas e a sua organização, mas esvazia-o por completo e inverte-o. Já não se trata de uma religião que vem de Deus, mas de uma religião que vem diretamente do homem e indiretamente do divino que há no homem”.69 66 – Julio Loredo op. cit. p. 170. (Grifos nossos). 67 – Loisy, Alfred – (1857-1940). Figura paradigmática da heresia modernista. Segundo ele “os modernistas declarados formam um grupo bastante definido de homens de pensamento, unidos na intenção comum de alterar o catolicismo às exigências intelectuais, morais e sociais de hoje”. Sua finalidade era adaptar a Igreja, “sua constituição, suas doutrinas e seus ritos” ao “espírito moderno, à ciência moderna e à sociedade moderna”. Excomungado em 1908. (Julio Loredo, op. cit. pp. 146 e 149). 68 – Borromeo, Luigi Carlo – (1893-1975). Ordenado em 1918, bispo de Pesaro entre 1952 e 1975, membro da Comissão dos Religiosos. (Roberto de Mattei, op. cit. p. 176). 69 – Roberto de Mattei op. cit. p. 244. (Grifos nossos).

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Não sendo este trabalho sobre o modernismo, mas sobre Em Defesa da Ação Católica, pareceu-nos, entretanto, necessário expor alguns dados sobre a seita modernista, para documentar e tornar claro ao leitor a denúncia profética feita por Plinio Corrêa de Oliveira no seu livro, isto é, a ressurreição do modernismo na Igreja através dos elementos mais destacados da A.C.. E assim fazer compreender melhor o conteúdo da obra e a luta travada em torno dela, como também sua atualidade nos presentes dias.

4. A Ação Católica e o Movimento Litúrgico na América Latina A. Nexo entre ambos O centro de operações para os progressistas ou neomodernistas retomarem a ofensiva, especialmente na América Latina, era a Ação Católica e o Movimento Litúrgico, muito interligados como mostra o Pe. José Ariovaldo da Silva: “Promovem-se cursos, congressos, retiros e outras programações litúrgicas, sobretudo para a Ação Católica e com a colaboração efetiva dela. Promovem-se semanas da Missa para o povo em geral nas paróquias com a participação e colaboração da Ação Católica. Todas as promoções que se realizaram nos mais diversos pontos do país: no Rio de Janeiro, em Minas Gerais (Belo Horizonte, Juiz de Fora, Leopoldina, Uberaba, Poços de Caldas, Paraisópolis, etc) em Sergipe (Aracaju), em Pernambuco (Garanhuns), na Paraíba (Cajazeiras), em Belém do Pará, etc”.70

E noutro trecho afirma: “O entusiasmo pela Liturgia pega fogo! Forma-se no seio da Ação Universitária Católica (AUC), um Centro de Piedade, que logo passa a denominar-se espontaneamente Centro de Liturgia, o qual vem contribuir para um forte 70 – Pe. José Ariovaldo da Silva, OFM, op. cit. p. 202. (Grifos nossos).

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impulso na vida espiritual daquela entidade estudantil da Coligação Católica Brasileira”.71

No mesmo sentido se expressa o bispo progressista, Dom Clemente Isnard72: “... A simbiose era mais prática do que teórica. Mas quando se procurava definir a espiritualidade da Ação Católica, se dizia que a espiritualidade litúrgica era um de seus componentes. A Ação Católica se tornou assim elemento difusor do movimento litúrgico em vários pontos do país”.73

B. A A.C. e o M.L. precursores do Concílio Vaticano II E o mesmo D. Isnard sustenta que além da união entre a Ação Católica e o Movimento Litúrgico, ambos foram precursores das reformas promovidas pelo Concílio Vaticano II: “A Ação Católica e o movimento litúrgico, unidos, se tornaram junto com alguns mosteiros beneditinos os precursores no Brasil da renovação da Igreja que seria universalizada pelo Concílio Vaticano II”.74

O Pe. José Oscar Beozzo75, destacado líder da Teologia da Libertação, afirma o mesmo: “Notáveis também os suportes institucionais e movimentos que preparam o Concílio e que depois o aplicaram. No Brasil, inegavelmente, os movimentos de ação católica foram os precursores e os mais atentos e receptivos partidários dos caminhos abertos pelo Concílio. (...) Nutridos no

71 – Pe. José Ariovaldo da Silva, OFM, op. cit. p. 41. (Grifos nossos). 72 – Isnard, Dom Clemente – (1917–2011). Foi bispo, primeiro da Diocese de Nova Friburgo, RJ. Desde jovem foi ligado a Ação Católica. Tornou-se monge beneditino em 1937 e ordenado sacerdote em 1942. Em 1960, foi sagrado bispo da diocese de Nova Friburgo, onde permaneceu até 1992. Abraçou o progressismo católico e foi um dos responsáveis pelas reformas litúrgicas no Brasil. 73 – Bernard Botte, OSB O Movimento Litúrgico – Apêndice de D. Clemente Isnard, OSB, Paulinas, São Paulo, 1978, Coleção Igreja-Eucaristia, p. 216. (Grifos nossos) 74 – op. cit., p. 216 (Grifos nossos). 75 – Beozzo, Pe. José Oscar – (1941). Tido como um dos mais fecundos autores teológicos brasileiros. É teólogo e historiador da Igreja no Brasil. Um dois mais destacados partidários da “Teologia” da Libertação.

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movimento litúrgico e na teologia de Congar e de Rahner, o Concílio foi para eles o coroamento de uma estrada que já vinham percorrendo há muitos anos. (...) Se a Ação Católica preparou o Concílio, foram as CEBs uma das principais responsáveis pelo seu desabrochar. (...)”76

Por seu lado, Mário Bonatti77 sustenta:

“O movimento litúrgico no Brasil nasceu ligado a grandes nomes de nossa melhor inteligência católica, operando na Ação Católica... (...)78

Os textos citados nos parecem suficientes para mostrar o nexo entre A.C. e M.L. e assim documentar uma das teses que Plinio Corrêa de Oliveira sustenta, como constará na Parte IV de nosso estudo. C. Grupos de ‘iniciados’ introduziram o espírito revolucionário na A.C. e no M.L. Grupos de iniciados aí infiltrados, (no Movimento Litúrgico) introduziram o espírito revolucionário que São Pio X havia condenado. O caráter não espontâneo e iniciático tanto da Ação Católica quanto do Movimento Litúrgico fica evidenciado nas seguintes palavras do Pe. Ariovaldo da Silva: “Aqui tocamos num ponto que emerge sem dúvida como uma das principais características do Movimento Litúrgico no Brasil: a contínua e preocupada insistência quanto à instrução religiosa dos fiéis. Realmente, é impressionante como se insiste neste tema com tanta frequência. Com-

76 – Pe. José Oscar Beozzo, Herança Espiritual de João XXIII: olhar posto no amanhã Ed. Paulinas, São Paulo, 1993, pp. 164-165. (Grifos nossos). 77 – Bonatti, Mário é sacerdote salesiano, nascido em Santa Catarina em 1931, doutor em Linguística Antropológica, tendo lecionado na Universidade de Coimbra, no Centro UNISAL em Lorena, Etnolinguística no Programa de Mestrado em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina e Sociolinguística na pós-graduação na Universidade de Taubaté. É autor de diversos artigos e livros. 78 – Mario Bonatti, Liturgia-Comunicação e Cultura. Ed. Salesiana, São Paulo, 1983, p. 20. (Grifos nossos). NOTA: Cfr. também: Luiz Alberto Gómez de Souza, A JUC: Os Estudantes Católicos e a Política. Ed. Vozes, Rio de Janeiro, 1984, pp. 95-96.

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preende-se pelo baixo nível cultural brasileiro, ao qual, por diversos fatores histórico-culturais, se liga um catolicismo popular profundamente tradicional sustentado pelo devocionalismo em seus mais diversos matizes. Além disso, há que tomar em consideração a enorme distância que havia entre o altar e os fiéis. No entanto, a razão desta insistência parece-nos dever colocar-se não apenas na “ignorância” popular e na distância entre altar e fiéis, mas também em quem estava preocupado com a instrução do povo. E aqui se acrescenta outra característica do Movimento Litúrgico no Brasil; trata-se de um Movimento de elite. Trata-se de um Movimento que se implantou, se desenvolveu e teve sua maior força nos meios cultos (intelectuais e universitários), de pessoas “iniciadas” [AçãoCatólica] que, descobrindo o sentido da Liturgia, e assim percebendo a “ignorância” dos católicos brasileiros, se dispuseram a uma apaixonada luta em favor da instrução litúrgica da massa popular. Daí também a razão por que não se trata de um Movimento elitista (restrito a um grupo fechado em si), mas de elite, isto é, de elite que se dirige às massas para educá-las liturgicamente. Apesar de se ter movimentado e realmente entusiasmado massas populares em movimentos litúrgicos diocesanos e paroquiais, trata-se de um Movimento de elite, isto é, de um Movimento que parte não de uma espontânea reivindicação popular de transformação, mas que parte, se desenvolve e procura se aprofundar entre “iniciados” encarregados de “levedar” a massa”.79

O Pe. Ariovaldo relata que “os trabalhos do Centro de Liturgia” se inauguraram com um retiro que Dom Martinho Michler80 fez com um grupo de seis rapazes do mesmo Centro, numa fazenda do interior do Estado do Rio, de 10 a 15 de julho de 1933”81. (Sobre Dom Martinho Michler, ver Parte IV). 79 – Pe. José Ariovaldo da Silva op. cit. pp. 343-344. (Grifos nossos). 80 – Michler, Dom Martinho – (1901-1969). Beneditino em Neusheim, Maria Laach e Santo Anselmo em Roma. Recebeu a influência de Romano Guardini, de D. Beauduin e de Odo Casel. Exerceu grande influência no Movimento Litúrgico no Brasil a partir do Rio de Janeiro. Roberto de Mattei O Cruzado do século XX – Plinio Corrêa de Oliveira, p.119). 81 – op. cit. p. 41.

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E D. Isnard referindo-se ao mencionado retiro deixa patente o mesmo espírito de “iniciação” que citamos acima: “Na sala principal ele [D. Martinho] preparou um altar para a celebração da missa. Mas, para grande surpresa nossa, em vez de encostar a mesa na parede, ele a colocou no centro da sala e dispôs um semicírculo de cadeiras, dizendo que ia celebrar de frente para nós. Foi a primeira missa celebrada de frente para o povo no Brasil. Na sala de uma velha Fazenda do Estado do Rio! D. Martinho fez tudo isso com naturalidade, mas naquele momento ele consumava uma revolução dentro de nós, quebrava um tabu, e nos obrigava a segui-lo noutros passos que nos faria dar. Mas não parou aí a novidade. A missa foi dialogada. Em latim, sem dúvida. Todos rezávamos, pela primeira vez, as partes que cabiam ao coro ou aos cantores. Foi um deslumbramento! Era a primeira vez que, no Brasil, fora de um mosteiro beneditino se dialogava a missa”.82

D. Da A.C. à Democracia Cristã e desta à esquerda mais radical no campo espiritual e no temporal

E com mais energia que no tempo de São Pio X os neomodernistas levaram a cabo seu ataque pregando a igualdade entre a Hierarquia e os leigos, o liberalismo em matéria de costumes, um ecumenismo descabelado e todos os demais erros que hoje têm sua expressão mais radical na Teologia da Libertação e no ecofeminismo no plano religioso.83 Estes elementos que na Ação Católica baixavam as pontes levadiças que separavam a Igreja do mundo eram levados a aplicar os mesmos princípios revolucionários igualitários e liberais ao plano político. Com efeito, foi a partir daí que desejando comprometer de modo ideologicamente errado os católicos na política, os membros da A.C. sopravam por tubas misteriosas, sempre bem acolhi82 – op. cit. p. 42. (Grifos nossos). 83 – Julio Loredo op. cit. e Juan Antonio Montes Varas Desde la Teología de la Liberación, a la teología eco-feminista, Colección Acción Família, Santiago, 2011.

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das pela mídia, ideias renovadoras que estabeleceriam, segundo eles, uma ordem mais “justa” (entenda-se igualitária) sempre mal definida, a qual se concretizaria com a aplicação das Reformas de Estrutura. Reformas estas, que não eram outra coisa senão a implantação do comunismo por almas batizadas e dirigidas por mãos sagradas. Para operar esta imensa mudança era indispensável uma ruptura com o catolicismo tradicional. Este era, resumidamente, o programa que estava em germe, nos setores mais ativos e de maior projeção da A.C.. Com os leigos “comprometidos” fundariam correntes políticas como as Democracias Cristãs, as quais se encarregariam de destruir, no terreno temporal, a ordem harmonicamente hierárquica da sociedade. Das Democracias Cristãs nasceriam por sua vez movimentos mais radicais que, sempre “batizados”, chegariam a sustentar as teses revolucionárias mais avançadas. D. Amaury Castanho84, bispo progressista, emérito de Jundiaí (SP), por exemplo, mostra a relação entre A.C. e D.C.. “A organização do Partido Democrata Cristão (...) foi na década de 45 a 55 uma esperança... Os seus grandes líderes, quase todos saídos da Juventude Universitária Católica, a JUC85 ... prometiam dias melhores”.86

Entre muitos outros, Alfredo Gerland Barrón87 mostra que a D.C. nasceu da A.C.: “A Ação Católica se dedicará, a partir desse momento, [fim da II Guerra Mundial], a divulgar a doutrina social da 84 – Castanho, D. Amaury – (1927-2006). Foi bispo auxiliar da diocese de Sorocaba (SP), bispo de Valença (RJ) e bispo de Jundiaí (SP). Como jornalista colaborou no periódico O São Paulo, editado pela Arquidiocese de São Paulo. 85 – JUC – Juventude Universitária Católica. 86 – D. Amaury Castanho, Presença da Igreja no Brasil. Ed. Jundiaí Ltda., Jundiaí, 1998, pp. 193-197. (Grifos nossos). 87 – Gerland Barrón, Alfredo – Peruano. Depois de estudar Filosofía e Direito, dedicouse ao jornalismo. Com muitos artigos em revistas latino-americanas e livros publicados, versando sobre temas culturais, filosóficos, vida eclesial e existenciais.

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Igreja, lida sob a ótica distorcida da filosofia da história de Maritain88 e de Emmanuel Mounier.89 Dessa orientação leiga nascerá, posteriormente, a Democracia Cristã”.90

Seguindo o que afirmamos acima, continuemos o itinerário da A.C. em direção cada vez mais à esquerda. D. Amaury Castanho nos dá elementos muito claros nesse sentido: “Os estudantes universitários – afirma ele – se organizaram em torno (...) da UNE91, União Nacional de Estudantes. Filiados à UNE existiam certos estudantes simpáticos às ideias comunistas e, (...) até um tanto ligados a certas organizações comunistas internacionais. Entretanto, o que os estudantes da UNE queriam era uma reforma política estrutural, reforma esta também querida pela JUC... “A intenção da JUC era cristianizar a UNE [sic]! E como o Movimento objetivava transformar as estruturas não cristãs [baseadas certamente na propriedade privada, a livre iniciativa e as desigualdades sociais harmônicas] a partir de dentro, não foi nada difícil comungar com a UNE e ambas se deram a mão sem muita disputa de liderança”.

E continua mostrando os polos que se diferenciavam: “De um lado a Ação Católica, numa linha de frente, querendo levar adiante um programa transformador e, de outro, uma linha de direita que depois se radicalizou na TFP (...) uns de compatibilidade com o comunismo, outros de atrelamento ao capitalismo liberal”.

88 – Maritain, Jacques – (1882-1973). Discípulo do filósofo Bergson. Converteu-se ao Catolicismo em 1906. Depois de se ter aproximado de Maurras separou-se dele passando a ser considerado o ‘maître à penser’ do mundo católico. Foi embaixador da França junto à Santa Sé entre 1944 e 1948. Roberto de Mattei, op. cit. p. 114 89 – Mounier, Emmanuel – (1905-1950). Filósofo francês influenciado por Bergson, Maritain e Péguy, fundou a revista Esprit em 1932. Denunciando o capitalismo, ele lhe opõe seu “personalismo” que é uma síntese entre cristianismo e socialismo. 90 – Alfredo Garland Barrón, Como lobos rapaces. Ed. Sapei, Peru, 1978, p. 44-45. (Grifos nossos). 91 – UNE - União Nacional dos Estudantes.

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Finalizamos este texto com palavras muito significativas do Bispo: “No campo universitário a UNE levantava a bandeira vermelha e convivia pacificamente com a JUC”.92

E. D. Arns93 felicita calorosamente Fidel Castro no 30º aniversário da Revolução cubana

Chegando ao fim do percurso da A.C. à extrema esquerda, já diretamente comunista, citamos dois textos, apenas para exemplificar, pois a abundância deles nos coloca infelizmente num embaraço de escolha. Dom Paulo Evaristo Arns, então Cardeal de São Paulo, um dos purpurados mais revolucionários do Brasil, ligado com tudo o que ficou de pior na A.C., escreveu uma carta a Fidel Castro por ocasião da comemoração do 30º aniversário da Revolução cubana. Dela extraímos os trechos mais significativos: “São Paulo, Natal de 1988. Querido Fidel Paz e Bem! Aproveito a viagem de Frei Betto para enviar-lhe um abraço e saudar o povo cubano por ocasião deste trigésimo aniversário da Revolução. Todos nós sabemos com quanto heroísmo e sacrifício o povo de seu país resistiu às agressões externas e enfrentou o imenso desafio de erradicar a miséria, o analfabetismo e os problemas sociais crônicos (sic!). Hoje em dia Cuba pode sentir-se 92 – op. cit. pp. 98-101. (Grifos nossos). 93 – Arns, D. Paulo Evaristo – (1921). Foi Arcebispo de São Paulo em 1970. Recebeu o chapéu cardinalício em 1973. Desde o início fez da “Reforma Agrária” e dos “direitos humanos” a sua bandeira. Considerou “inevitável” a legalização do partido comunista e favoreceu a fundação do PT. Sempre apoiou os teólogos mais progressistas do Brasil e da América Latina.

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orgulhosa de ser em nosso continente tão empobrecido pela dívida externa, um exemplo de justiça social. A fé cristã descobre nas conquistas da revolução os sinais do Reino de Deus que se manifesta em nossos corações e nas estruturas que permitem fazer da convivência política uma obra de amor”. D. Arns continua fazendo uma descrição revolucionária da situação do Brasil para seguir: “Este é um momento de dor para quem faz de seu serviço episcopal um ato de efetivo amor para com os pobres. Contudo, confio em que nossas Comunidades Eclesiais de Base saberão preservar as sementes de vida nova que têm sido semeadas. Infelizmente, ainda não se deram as condições favoráveis para que se efetue o nosso encontro. Tenho a certeza que o Senhor Jesus nos indicará o momento oportuno. Tenho-o presente diariamente nas minhas orações, e peço ao Pai que lhe conceda sempre a graça de conduzir o destino de sua pátria. Receba meu fraternal abraço nos festejos pelo trigésimo aniversário da Revolução cubana e os votos de um Ano Novo promissor para o seu país. Fraternalmente, † Paulo Evaristo, cardeal Arns”. (Frei Betto O paraíso perdido – Nos bastidores do socialismo Ed. Geração Editorial, São Paulo, 1993, pp. 334-335. (Grifos nossos).

Sem comentários! Por fim é a vez do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

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“Na atualidade – afirma o PCB – surgiram, pois, em nosso país, imensas possibilidades de atrair a juventude para a luta pela paz, a democracia, a soberania nacional, pelos seus direitos e o socialismo. Além dos comunistas, lutam neste sentido, em diferentes níveis, ponderáveis setores da Igreja Católica (...). A Igreja Católica sempre atuou no seio da juventude brasileira, procurando ganhá-la para seus pontos de vista e suas organizações. É bem conhecida em todo o país a atividade juvenil desenvolvida pela JOC, JAC, JEC, JUC e pelos centros de ensino católicos (...). Em nossos dias as transformações profundas em que está passando a Igreja, dão a sua atividade entre nós um conteúdo novo e progressista, que abre ampla margem para um trabalho de conjunto e de unidade com os comunistas e diferentes correntes e personalidades católicas no seio da juventude brasileira. A unidade que se vinha processando com os católicos e importantes setores do clero adquiriu novo nível (...) quando das comemorações do primeiro de maio de 1968 (...)”.94

Do ponto de vista teológico, o padre Gustavo Gutiérrez95, Pai da Teologia da Libertação, nos dá elementos interessantes sobre o papel da Ação Católica brasileira na origem da Teologia da Libertação. Afirma ele: “Foi no Brasil e mais precisamente na JUC (Juventude Universitária Católica), no início dos anos 60, que muitas das intuições do que constituiria mais tarde a Teologia da Libertação latino-americana começaram a se concretizar”.96

Assim, segundo o padre G. Gutiérrez, a referida “Teologia” nasceu da JUC brasileira dos anos 60, do mesmo modo como esta 94 – Comitê Central do PCB, A política do PCB para a juventude, Edições SAP, 1968, Coleção Teoria e Prática, p. 19. (Grifos nossos). 95 – Gutierrez, Pe. Gustavo – (1928). Teólogo peruano considerado o pai da Teologia da Libertação. Formou-se na Universidade de Lovaina e foi durante muito tempo professor na Universidade de Michigan. Teve grande influência no mundo universitário norte-americano. 96 – Luiz Alberto Gómez de Souza, A JUC: os estudantes católicos e a política Ed. Vozes, Petrópolis, 1984 p. 9, Um Homem, uma Obra, uma Gesta, p. 33. (Grifos nossos).

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deu continuidade à JUC dos anos 30 e 40, cujos desvios já vinham sendo denunciados por Plinio Corrêa de Oliveira no Legionário e, depois no seu livro Em Defesa da Ação Católica.

5. Alceu de Amoroso Lima (Tristão de Athayde)97 Alceu de Amoroso Lima, cujo pseudônimo era Tristão de Athayde, foi um homem símbolo da rotação no Brasil do laicato católico, impulsionado por amplos setores da Hierarquia, para transformar o laicato na ponta de lança da Revolução. Este era o programa revolucionário a partir da Ação Católica e da Democracia Cristã. Vamos nos deter na figura de Tristão de Athayde e no seu itinerário de “direitista” até a mais extremada esquerda, não apenas para docuTristão de Athayde mentar o que afirmamos acima, mas também pelo papel que ele terá na História do Em Defesa da Ação Católica, exposta na Parte IV do nosso trabalho. A. Integralista A CNBB98 numa homenagem prestada a Tristão afirma: “A experiência política que o levou a tangenciar o Partido Integralista, creio, serviu-lhe de advertência para nunca mais aceitar envolvimentos partidários”.99

97 – Lima, Alceu Amoroso (Tristão de Athayde) – (1893-1983). Em 1928 se converteu ao catolicismo. Foi diretor do Centro Dom Vital e da revista A Ordem. Estreito colaborador do Cardeal Leme. Influenciado por Maritain retornou às concepções anteriores à conversão. Assim promoveu a organização do Partido Democrata Cristão (PDC). Saudou com entusiasmo o Concílio Vaticano II, aceitando a influência das novas tendências do progressismo católico. 98 – CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. 99 – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Comunicado Mensal, dez. 1993 p. 2241.

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B. Terceira via; CEBS; Opção pelos pobres; Visão “profética”

No mesmo texto se lê:

“Alceu posicionou-se inúmeras vezes e de maneira inequívoca contra os grandes sistemas que ameaçavam perverter o compromisso político dos católicos: o capitalismo liberal e o marxismo soviético”.100

Adiante veremos que essa posição ‘inequívoca’ aqui, é a D.C. e logo depois a esquerda mais declarada. E continua: “Em lindo artigo de 1979 defende as comunidades de base e a opção pelos pobres das acusações de inocentes úteis nas mãos dos marxistas (Folha de S. Paulo). Sobre o marxismo, no mesmo ano e no mesmo jornal, registra sua visão profética”.101

C. Democrata Cristão Continua a CNBB:

“Impregna-se Alceu (que era presidente da A.C. do Brasil) da doutrina e é já no Uruguai (em 1947) que a primeira reunião profética da democracia cristã conta com Tristão e Manuel Ordoñez, Eduardo Frei e Dardo Regules, e o chamado já de Montoro para o desdobramento dessa militância confessional de endereço certo: acatar a Ordem, renová-la de dentro, batizando-a, através da impregnação da doutrina social da Igreja. Dentro dela, afirmava-se uma perspectiva, de princípio necessariamente conciliatória nos conflitos entre o capital e o trabalho, na absoluta adesão à democracia representativa ... . “É um Alceu sempre à margem, e fora da política partidária que se transforma em instaurador da nossa democracia cristã”.102

100 – Idem. (Grifo nosso). 101 – Idem. (Grifos nossos). 102 – op. cit. p. 2227. (Grifos nossos).

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D. Extremos do Progressismo “Alceu... localiza-se por força e, basicamente, dentro do trabalho da Justiça e Paz, tão disseminado no Brasil, a partir sobretudo da pertinácia com que encarnaram tais ideias a Arquidiocese de São Paulo e o denodo de Dom Evaristo” [D. Paulo Evaristo Arns].

E a CNBB cita a seguir nomes dos mais radicalmente progressistas de São Paulo.103 E. Socialista. Marxista? Robison Cavalcanti descreve lucidamente a guinada dos católicos após a II Guerra Mundial, afirmando que: “O pensamento católico brasileiro passa por uma profunda mudança”. Mostra o surgimento das Juventudes – JUC, JOC, JEC, JIC – inspiradas no pensamento de Emmanuel Mounier, as quais “defendiam um reformismo progressista”. Relata que “alguns daqueles jovens terminaram por ingressar na vida religiosa” e outros terminaram “na vida partidária”. “(...) Alguns jovens das Js [Juventudes] ingressaram” na D.C.. “Uma ala dissidente e mais radical da JUC, por sua vez, organizou a AP (Ação Popular), advogando o diálogo e a colaboração com os marxistas” (...) “Essa guinada nós vemos na vida e na obra de um Alceu de Amoroso Lima ou na de um ex-integralista como D. Helder Câmara”.104

F. Mega-representante da esquerda e “totem da sociedade civil” No mesmo comunicado da CNBB, acima citado, os Bispos não escondem o caráter profundamente revolucionário de Tristão de Athayde, a quem eles tanto admiram: 103 – Idem p. 2230. (Grifo nosso). 104 – Robison Cavalcanti, Cristo na Universidade Brasileira? Tese apresentada à Fraternidade de Teólogos Latino Americanos- Editora Cruzada de Literatura Evangélica do Brasil; Recife – Porto Alegre; 1972 pp. 32-33. (Grifos nossos).

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“No país aflito e ameaçado só se trabalhou nessas décadas pelos grandes nortes ou pelos alinhamentos irrecusáveis, pelos quais Alceu se batia, encontrando os grandes nomes do marxismo e de nossas esquerdas clássicas. Estes, numa transferência de vozes, entregavam a Alceu a consciência de uma megarrepresantação: A proteção do grande pilar da Ordem, no quadro ortodoxo [sic] da Igreja, só faria Alceu desdobrar-se no clamor mais fundo pelos silenciados. É, por esse mandato aluvial, carregando tantas mensagens superpostas, que Alceu, o libertário, transforma-se também na voz e no totem da sociedade civil ao entrarmos nos 80”.105

G. “Profeta” e “Santo”, velado pelo chefe do comunismo brasileiro

“A partir de uma ótica teológica – afirma Leonardo Konder – impressiona em Alceu a coragem profética presente nas suas intervenções dos últimos anos. (...)”

E continua

– (...) “Alceu representa a consciência nacional, moral, humanista e cristã (...) não tolerando ser julgado por ninguém. É uma dimensão profética”.106

Por sua parte o Pe. José Oscar Beozzo considera Tristão como santo: “Procuramos também cuidadosamente colher a constante inspiração de João XXIII na vasta produção do Dr. Alceu Amoroso Lima, nos últimos 25 anos de sua vida de leigo comprometido e de intelectual cristão mais lúcido e santo que o país conheceu”.107

O beneditino D. Marcos Barbosa108, que fora intimamente 105 – op. cit. p. 2230. (Grifos nossos). 106 – Leonardo Konder, Marxismo e Cristianismo. Editora Civilização, São Paulo 1978 pp. 315-316. (Grifos nossos). 107 – Pe. José Oscar Beozzo, A Igreja do Brasil – de João XXIII a João Paulo II, de Medellín a Santo Domingo, Editora Vozes, Coleção ‘Igreja do Brasil’, Petrópolis, 1994 p. 16. (Grifo nosso). 108 – Barbosa, D. Marcos, OSB – nascido Lauro de Araújo Barbosa (Cristina, MG, 1915 — Rio de Janeiro, RJ, 1997). Durante a vida universitária, participou intensamente do Centro Dom Vital e da Ação Católica Universitária. Tornou-se secretá-

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ligado a Tristão, rememorando os últimos momentos dele, das medidas a tomar em seu velório e de quem celebraria a missa de corpo presente revela: “Mas preferi que o fizesse [a celebração] o próprio Dom Abade (D. Inácio Acioly), tratando-se de uma missa tão importante, que contou até com a presença de Luiz Carlos Prestes [chefe indiscutível do comunismo no Brasil]”.109

Eis traçada brevemente por admiradores, portanto pessoas insuspeitas, a trajetória de um homem símbolo da Revolução gnóstica e igualitária infiltrada no laicato católico brasileiro. Trajetória esta que facilitará ao leitor a compreensão dos comentários que a respeito de Tristão, como de outros personagens, eclesiásticos ou leigos, fez Plinio Corrêa de Oliveira, transcritos na Parte IV. Como também para mais bem entender a luta em torno de Em Defesa da Ação Católica. * * * O Dr. Plinio discerniu logo nas suas origens o espírito que animava os elementos da A.C. e o plano, sumariamente enunciado acima, e que hoje é revelado pelos próprios progressistas e comunistas como prosseguiremos dando provas. Nesse contexto era indispensável e urgente, para evitar a perdição de incontáveis almas, e impedir a queda do continente latino-americano no comunismo, cortar pela raiz esse passo à Revolução. Para isso se tornava necessário denunciar com toda energia, e em suas primeiras manifestações, os erros incubados em certos círculos da A.C. e assim abrir os olhos das bases em relação às cúpulas dirigentes. Foi esse, em poucas palavras, o papel do livro Em Defesa da Ação Católica. Sobre a eficácia da obra como instrumento de separação enrio particular de Alceu Amoroso Lima. Ao concluir o curso de direito, iniciou estudos em literatura classicista, que interrompeu ao entrar para a ordem beneditina em 1940, ordenando-se sacerdote em 1946. 109 – Sociedade Brasileira de Filósofos Católicos, D. Marcos Barbosa depõe, Editora Anais, Rio de Janeiro, 1996, Vol. 86 p. 26. (Grifos nossos).

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tre os setores comprometidos com a Revolução na Igreja e as bases fiÊis ao ensinamento tradicional e perene da Esposa de Nosso Senhor Jesus Cristo, trataremos mais detidamente na Parte VI.

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Parte III

Pré-História de Em Defesa da Ação Católica 1. Breve resumo da atuação de Plinio Corrêa de Oliveira entre 1928 e sua eleição como deputado em 1933 Embora este trabalho não seja uma biografia de Plinio Corrêa de Oliveira,110 é indispensável dar sucintamente alguns dados biográficos dele que explicam sua destacada atuação no movimento católico do Brasil, elemento fundamental para entender sua posição em face à A.C. e as razões que o levaram a publicar seu livro. Dr. Plinio entrou para o movimento católico em 1928, com 20 anos de idade incompletos. Fez-se logo congregado mariano na Congregação de Santa Cecília, em São Paulo, onde desde o começo se destacou por seu zelo pela doutrina católica, pelo brilho de sua inteligência e pela força de sua personalidade, o que o levou, em pouco tempo, a transformar-se no líder, primeiramente, dessa Congregação e depois de todas às de São Paulo, fato este testemunhado por diversos autores como veremos. A pujança e o prestígio do movimento católico e de modo especial das Congregações Marianas no Brasil nos anos 1930 eram imensos e muito compactos. O Dr. Plinio tornou-se logo conhecido em todo o país por sua combatividade em defesa da doutrina da Igreja, e contra os erros que a golpeavam. 110 – Como elementos da biografia de Plinio Corrêa de Oliveira consultar: O Cruzado do século XX Plinio Corrêa de Oliveira de Roberto de Mattei, Editora Civilização, Portugal; Um Homem, uma Obra uma Gesta...; e Encontro com Plinio Corrêa de Oliveira – Paladino católico em tempos turbulentos de Mathias Von Gersdorff, Artpress Indústria Gráfica e Editora Ltda., São Paulo, 2015.

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Além de muitas conferências que ia pronunciando em diversas partes do Brasil, começou em 1929 a escrever no jornal O Legionário, órgão oficioso da arquidiocese de São Paulo que ele transformou de folha quinzenal e sem muita expressão, em jornal semanal que em pouco tempo chegou a ser o jornal católico de maior prestígio no Brasil. Dr. Plinio escrevia pelo menos dois artigos por edição: um que ocupava a matéria central e outro que ficou conhecido como 7 dias em revista no qual fazia um balanço resumido da situação da luta da Igreja e da Civilização Cristã contra os seus inimigos. Em 1933 se tornou seu diretor, posição que ocupou até 1947 quando, pela ação de autoridades progressistas (entenda-se neomodernistas), O Legionário passou para outras mãos... No mesmo ano de 1933, o então presidente Vargas – que depusera pela força, em 1930, o presidente Washington Luiz, acabando assim com a República aristocrática para impor um regime populista – decidiu convocar uma Constituinte. Com a intenção de organizar os católicos para as eleições, Dr. Plinio idealizou a LEC (Liga Eleitoral Católica) em 1932, propondo sua ideia a D. Duarte Leopoldo e Silva111, Arcebispo de São Paulo, baseado em fato análogo do qual tinha tomado conhecimento: o general Edouard de Curières de Castelnau112 havia realizado isso na França a partir dos anos de 1925. D. Duarte concordou de modo enfático e Dr. Plinio tratou – por meio de dois militantes do movimento católico – Heitor da Silva Costa113 e Tristão de Athayde (na fase ‘direitista’ de sua 111 – Silva, Dom Duarte Leopoldo – (1867-1938). Recebeu a sagração episcopal das mãos de São Pio X em Roma. Elevado a Arcebispo de São Paulo em 1908 governou a Arquidiocese até o dia de sua morte. 112 – Curières De Casteleau, General Eduard de – (1851-1944). Foi um dos comandantes do exército francês durante a Primeira Guerra mundial. Ex-deputado, dedicou-se, a partir de 1925, à Federação Nacional Católica, da qual foi presidente até a morte, para promover uma ação cívica “no interesse da religião católica, da família, da sociedade e do patrimônio nacional”. Roberto de Mattei op. cit. p. 69. 113 – Silva Costa, Heitor da – (1873 – 1947). Foi engenheiro, professor da Escola Politécnica do Rio de Janeiro e autor de um dos maiores monumentos do Brasil,

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metamorfose) – da proposta da criação da LEC114 com o Cardeal Leme115, único cardeal do Brasil naquele tempo, que não só a aceitou, mas lhe deu todo o seu apoio. E foi assim que os católicos se uniram em torno das reivindicações da LEC para as eleições que se realizaram em 1933. O Arcebispo de São Paulo, D. Duarte, indicou o Dr. Plinio, então com 23 anos, como um dos quatro candidatos da LEC por São Paulo. O resultado da eleição foi brilhante para a LEC e de modo especial para o Dr. Plinio que se elegeu deputado com mais de 24.000 votos, sendo o mais votado do país e dobrando em quantidade de eleitores o segundo colocado no seu Estado. As Congregações Marianas tiveram papel fundamental na sua eleição por verem nele total desinteresse pessoal, a sua combatividade, além da completa autenticidade de sua fé. Assim, Dr. Plinio se consagrou como o líder de maior influência no movimento católico do país. A. Prestígio da LEC e de Plinio Corrêa de Oliveira Documentamos em seguida o que vimos afirmando com textos de autores imparciais ou ainda de inimigos ideológicos de Dr. Plinio. o Cristo Redentor. Dedicou-se à construção de vários edifícios, igrejas e monumentos religiosos; monumentos ao Barão do Rio Branco, Imperador D. Pedro II, Pasteur. Em Petrópolis foi responsável pela construção da Catedral São Pedro de Alcântara, da Capela do Colégio Notre Dame de Sion, no Rio, em 1940; do Trono de Fátima, em Petrópolis, inaugurado em 1947, entre outros. 114 – LEC (Liga Eleitoral Católica). Ideada por Plinio Corrêa de Oliveira e fundada pelo Cardeal Leme, nasceu com a finalidade de orientar o voto católico nas eleições para a Assembléia Nacional Constituinte de 1934. Esta apresentaria aos candidatos dos vários partidos um conjunto de exigências, denominadas “reivindicações mínimas”, para que se comprometessem a agir como católicos no Parlamento. 115 – Leme Da Silveira Cintra, Dom Sebastião – (1882-1942). Após completar seus estudos em Roma na Universidade Gregoriana, foi ordenado sacerdote em 1904. Em 1911 foi sagrado Bispo. Em 1921 foi nomeado arcebispo coadjutor do Rio de Janeiro. E em abril de 1930, foi elevado ao cardinalato.

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“Em São Paulo – afirma Américo de Paula e Silva – a LEC conseguiu mobilizar os recursos da Igreja para esta tarefa de alistamento. A base da Liga na cidade de São Paulo foram os Congregados Marianos (...). A Liga em pouco tempo conseguiu alistar mais paulistanos do que qualquer outra organização, aumentando com isto sua capacidade e possibilidades políticas”.

E prossegue informando a entrada da LEC na Chapa Única por São Paulo Unido116: “A proposta de aliança por parte dos partidos políticos vem fornecer nova alternativa para os católicos. Formada a “Chapa Única” com a Associação Comercial, a Federação dos Voluntários, o Partido Democrata e o Partido Republicano Paulista, a LEC foi convidada para entrar nesta coligação. Foi tirada uma comissão de cada “partido”, formando a chamada “Comissão dos Cinco”, sendo delegado da LEC, com os mesmos direitos dos outros partidos o Dr. Estêvão de Souza Rezende. A LEC apresenta quatro candidatos: Plinio Corrêa de Oliveira, Raphael de Sampaio Vidal, Alcântara Machado e M. Hypólito do Rego, sendo Plinio representante só da LEC, não estando inscrito em nenhum partido, recebendo os demais candidatos da “Chapa Única” o apoio católico”.

E por fim ressalta a superioridade em que ficou a Liga em relação aos demais componentes da chapa: “Quatro candidatos da “Chapa Única” foram eleitos pelo quociente eleitoral no primeiro turno: Plinio Corrêa de Oliveira, 24.327 votos, como candidato mais votado de todo o Estado; Alcântara Machado, com 12.483 votos (...). A LEC viu eleitos três dos quatro deputados que lhe couberam na “Chapa Única” colocando-se até em pé de superioridade sobre as entidades suas companheiras de chapa, conseguindo sozinha, quase a metade da votação alcançada pelas outras quatro juntas.

116 – “Chapa Única por São Paulo Unido” – Era formada pela “coligação de todas as forças políticas ou sociais de primeiro plano da vida paulista do tempo”. Faziam parte dela: o Partido Democrático, de tendência centrista: o PRP (Partido Republicano Paulista), conservador: a Associação Comercial; a Federação dos Voluntários e a LEC.

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Não há dúvida sobre o êxito alcançado pela LIGA no Estado de São Paulo em 1934”.117

O ex-ministro da Justiça Paulo Brossard118, colocado em posição ideológica, aliás bem diferente da de Dr. Plinio, reconhece a eficácia da LEC de modo categórico: “A LEC foi a organização extrapartidária que na história do Brasil exerceu a maior influência política eleitoral”.119

Por sua vez Oswaldo Aranha120, um dos mais importantes articuladores da revolução getulista de esquerda em 1930, que foi Ministro da Justiça e da Fazenda de Vargas121 e posteriormente presidente da Assembleia Geral da ONU, reconhece a força dos católicos em 1933: “Se os católicos não se tivessem congregado para interferir nas eleições de 1933, o Brasil estaria hoje [1936] definitivamente desviado para a esquerda”.122

D. Amaury Castanho, progressista, como dissemos, destaca também a força da LEC e reconhece a eficácia das Congregações Marianas lideradas em São Paulo pelo Dr. Plinio a quem elogia pelo seu prestígio e saber: 117 – Américo de Paula e Silva, A Igreja Católica e o Estado Autoritário Brasileiro: A LEC (1930-1950), São Paulo, 1980, pp. 141-143. (Grifos nossos). 118 – Paulo Brossard – (1924-2015). Jurista e político gaúcho. Cumpriu três mandatos como deputado estadual pelo Partido Libertador. Ingressando no MDB (Movimento Democrático Brasileiro) foi eleito deputado federal em 1967. Senador pela mesma legenda em 1974. Pregava a redemocratização do país. Ajudou a fundação do PMDB em 1978. Ministro da Justiça em 1986. 119 – Jornal de Minas, Belo Horizonte 3-7-86, in Um Homem uma Obra uma Gesta’ p. 29. (Grifos nossos). 120 – Souza Aranha, Oswaldo de – (1894 – 1960). Foi um dos mais importantes articuladores da revolução de 1930, tendo sido Ministro da Justiça e da Fazenda no governo Getúlio Vargas. Em 1947 presidiu a Assembleia Geral da ONU. Um Homem – Uma Obra – Uma Gesta Homenagem das TFPs a Plinio Corrêa de Oliveira p. 48. 121 – Vargas, Getúlio – (1883-1954). Conquistou o poder em 1930 e o exerceu de modo ditatorial até 1945, quando foi destituído por um golpe de estado incruento. No pósguerra foi senador e em 1950 foi eleito presidente da República. Suicidou-se em 1954. 122 – O Legionário Nº 223, 20-12-36, in Um Homem – Uma Obra – Uma Gesta… p. 28.

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“Em questão de meses a LEC expandia-se por todo o Brasil e, pinçando nos vários Partidos, poucos, na década de 30, os candidatos mais honestos, capacitados e sensíveis aos problemas sociais já emergentes, apresentou ao eleitorado católico, a lista dos sinceramente integrados na Igreja, adultos na própria fé e conhecedores da mensagem social do Evangelho. O resultado foi o melhor possível. A Constituinte de 1934 contou com católicos do porte (e) de grande prestígio como os paulistas Athaliba Nogueira, jurista, e Plinio Corrêa de Oliveira, professor universitário, líder das Congregações Marianas do Estado de São Paulo, muito fortes então. (...) Com o seu saber e liderança, eles conduziram à aprovação de todos os postulados católicos estabelecidos pela Liga Eleitoral Católica”.123

B. As reivindicações da LEC Como afirma D. Amaury Castanho, todos os postulados da LEC foram aprovados. Eram as chamadas reivindicações mínimas além do programa máximo. Segue sua enumeração: “Instalada a Constituinte em novembro de 1933, formou-se nela uma corrente de parlamentares católicos de grande influência, que levou a cabo a aprovação, pela Assembleia, não só das “reivindicações mínimas” da Liga Eleitoral Católica – a indissolubilidade do vínculo conjugal, o ensino religioso livre nas escolas públicas e a assistência religiosa facultativa às Forças Armadas – como também de outros pontos constantes do programa máximo da LEC: o direito de voto aos religiosos, o reconhecimento dos efeitos civis do casamento religioso, o direito ao descanso dominical, a faculdade de os sacerdotes prestarem o serviço militar obrigatório na condição de capelães das tropas. Além disso, invocava-se o nome de Deus no preâmbulo da Constituição pela primeira vez desde a proclamação da república”.124

123 – D. Amaury Castanho, Presença da Igreja no Brasil Ed. Jundiá Ltda, Jundiaí, 1998, pp. 193-197. (Grifos nossos). 124 – Um Homem uma Obra uma Gesta..., p. 29.

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C. Força das Congregações Marianas: seu espírito Nos textos que seguem nos deteremos mais especificamente na potência que representavam, no movimento católico do Brasil, as Congregações Marianas e o espírito tradicional que as animava. Se o movimento católico era enorme e compacto na década de 30-40, o torreão principal desse castelo eram as Congregações Marianas. Assim sendo, a Revolução infiltrada dentro da Igreja representada por elementos de destaque entre religiosos e leigos da A.C. fizeram uma terrível investida contra as Congregações Marianas para incutir no movimento católico o espírito novo que animava a A.C.. Aqui se situa o cerne da luta travada por Plinio Corrêa de Oliveira no seu livro, como passaremos a ver nas Partes seguintes. Para deixar bem clara a força e o bom espírito das Congregações Marianas e o espírito revolucionário de seus adversários transcrevemos os textos abaixo. Da obra acima citada de D. Amaury Castanho extraímos dados ilustrativos do que afirmamos: “Milhares e milhares de jovens dos dois sexos, engrossaram as fileiras das Congregações Marianas e das Pias Uniões das Filhas de Maria. Muitas não sobreviveram. Mas na década de 40 para 50, tiveram seu grande momento na vida católica brasileira. Os que já vivíamos nesses anos, certamente, nos lembramos das grandiosas concentrações de Congregados e de Filhas de Maria. Estas de vestido branco e laço azul, lembrando a Mãe de Deus e, eles, com a sua fita azul no peito. Liderados entre outros pelo jesuíta Pe. Cursino de Moura, até 10 mil congregados marianos participavam de retiros Espirituais, somente na cidade de São Paulo. Na quarta-feira de cinzas, concentravam-se coesos e vibrantes na Praça da Sé, coração da Pauliceia. Das Congregações Marianas saíram líderes católicos de grande prestígio em todo o Brasil. Lembrarei pelo menos os nomes do jurista Athaliba Nogueira e do professor universitário Plinio Corrêa de Oliveira. Ambos militaram

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na política, tornando-se deputados da Assembleia Constituinte do ano de 1934, tão decisiva para a inclusão, na nova Constituição, do nome de Deus em seu Preâmbulo, de reivindicações como o ensino religioso nas escolas públicas, a assistência religiosa às Forças Armadas e os efeitos civis para os casamentos religiosos. Foram eleitos pela Liga Eleitoral Católica – LEC, e distinguiram-se entre os maiores constituintes de 1934”.125

O Pe. Pedro Américo Maia S.J. ilustra o espírito que animava as Congregações Marianas: “A razão de ser de um órgão controlador de todo o movimento mariano no Brasil era expressa, em 1936, pelo Pe. Irineu Cursino de Moura, S.J. ‘O nosso programa é cerrarmos fileiras, pela realização dos nossos ideais! Forme-se o exército mariano da Virgem, para que do mesmo modo como na Idade Média, o anelo da conquista do Santo Sepulcro de Jerusalém levantou, por muitos séculos, populações inteiras da Europa toda, na formação das Santas Cruzadas, assim agora também se forme “A Cruzada moderna do exército de Maria” para a restauração das relíquias religiosas do nosso glorioso passado! E que a Pátria brasileira não desdiga do nome do seu batismo, das suas tradições, das tradições gloriosas de sua evangelização, da evangelização pregada pelos Nóbregas e Anchietas, pelos Vieiras e Monte-Alvernes, para termos um presente, que o seja, não marcado pelo pulular das seitas americanas aqui importadas, mas glorificado pelo apóstolos modernos da Terra de Santa Cruz (...) os deputados Mario Ramos e Plinio Corrêa de Oliveira, e tantos outros, que, como leões, se têm batido para que a nossa Constituição seja finalmente promulgada em nome de Deus todo-poderoso’”.126

Ao espírito de Cruzada que animava as Congregações Marianas deve-se acrescentar a sua pureza de doutrina e o seu caráter definidamente anticomunista e contra-revolucionário, fatores estes que não poderiam ser tolerados pelos membros mais ‘ini125 – op. cit. p. 62-63. (Grifos nossos). 126 – Pe. Pedro Américo Maia SJ, in Crônica dos jesuítas do Brasil Centro-Leste, Ed. Loyola, São Paulo, 1991 pp. 93-94. (Grifos nossos).

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ciados’ da A.C. o que os levaria a um irremediável confronto com as Congregações e com o Dr. Plinio como veremos nas memórias dele sobre essa época, das quais trataremos na Parte IV. Sobre a pureza de doutrina e o caráter contra-revolucionário das C.M. (Congregações Marianas) vejam-se os textos que transcreve Rodrigo Coppe Caldeira no seu livro Os Baluartes da Tradição: o conservadorismo católico brasileiro no Concílio Vaticano II. Ed. CRV, Curitiba 2011. Relata o autor: “O Dr. Joaquim Moreira da Fonseca, num de seus artigos na coluna Vida Católica do jornal belo-horizontino O Diário, exclama que as ‘Congregações marianas (...) são esta joia preciosa que representa a fina flor da juventude christã. Fonseca lembra que, em 1920, a Congregação do Santo Ofício exortava os bispos, encarecidamente, para que (...) (fundassem) em suas dioceses as Congregações Marianas para jovens, como melhor meio de preservá-los da contaminação dos erros que os cercavam e que os perseguiam (...)”.127

E mais adiante comentando aspectos da biografia de Dr. Plinio, Coppe Caldeira prossegue: “O forte viés anticomunista que o grupo de O Legionário assumia era uma nuance especial de toda a organização do movimento mariano do Brasil. De acordo com Maia (1992),128 as congregações marianas empenharam-se em cinco pontos de atividade que marcariam o perfil do militante católico: 1. atividades anticomunistas; 2. magníficas paradas de fé; 3. retiros fechados durante o carnaval; 4. atividades sociais e 5. congregações femininas (Maia, 1992, p. 66). Percebe-se que o anticomunismo é citado por Maia (1992) como o primeiro tipo de atividade do apostolado mariano, preocupação que, acredita-se, encontrava-se diluída em todas as outras. Como expressa o mesmo autor, era ‘a pressão azul (em referência ao manto de Nossa Senhora) contra as hostes vermelhas do comunismo ateu!’(p. 60)”.

127 – op. cit. pp. 92-93. (Grifos nossos). 128 – Refere-se a Pedro Américo Maia S.J., in História das congregações marianas no Brasil, São Paulo, Loyola, 1992.

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Para explicar ainda melhor o ódio e a consequente incompatibilidade dos inovadores da A.C. contra as Congregações Marianas transcrevemos o juramento do Congregado Mariano extraído da mesma obra de Coppe Caldeira citando como fonte o padre Maia: “1) Propagar as devoções ao Santíssimo Sacramento e a Nossa Senhora, quanto minhas forças o permitam; 2) Trabalhar seriamente na minha santificação, cumprindo as regras referentes à Comunhão geral e às praticas diárias de piedade; 3) Defender, seja a que preço for, a Santa Igreja com toda sua hierarquia, representada na Paróquia pelo Vigário; 4) Defender a Congregação Mariana e seus interesses, bem como qualquer irmão congregado em quaisquer circunstâncias de minha vida; 5) Evitar as más companhias, conversas, jogos, excesso de bebida, bailes e outras diversões quando não julgadas convenientes; 6) Jamais filiar-se à Seita Espírita, ou à Umbanda, frequentar Macumba, Legião de Boa Vontade; 7) Jamais consultar médiuns espíritas, cartomantes, benzedores, por doença ou outros motivos e permitir estas pessoas em minha casa; 8) Não consentir que pessoas de minha dependência se filiem a estas seitas, ou que consultem e abriguem espíritas e espiritistas como tais; 9) Jamais filiar-se à maçonaria, Rotary Club, Lions Club ou semelhantes ou ao comunismo, nunca dando apoio a quem pertença a estas entidades; 10) Aceitar os encargos que a Congregação Mariana, pelo seu Diretor ou Diretoria me impuser, esforçando-se por exercê-los com a máxima eficiência possível, porque o apostolado é essencial ao congregado’ (Maia, 1992, pp. 99-100)”.129

Continuamos a citar textos sobre a força do movimento mariano. Apesar de parecer excessivo, ficará evidente a sua utilidade para mais bem entender nas Partes subsequentes o ímpeto destrutivo dos agentes da A.C.. D. Clemente Isnard, bispo completamente engajado no Movimento Litúrgico desde os seus primórdios como também na 129 – Rodrigo Coppe Caldeira, in op. cit., p. 98. (Grifos nossos).

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A.C., relatando a ascensão de Getúlio Vargas e o risco que corria a Igreja daquele tempo pela tendência claramente revolucionária do presidente e sua equipe, afirma que para opor-se ao perigo que este representava, o Cardeal Leme promoveu grandes manifestações religiosas para que ficasse claro aos revolucionários o problema que deveriam enfrentar caso impusessem suas ideias ao país. É preciso ter presente que o Cardeal Leme era muito próximo do Getúlio, de onde se deduz que a reação por ele promovida vinha da exigência das bases católicas fortemente tradicionais e conservadoras. É o que reconhece Oswaldo Aranha no fim do texto que segue. Relata D. Isnard: “O perigo residia nas ideias que traziam os novos ocupantes do poder. Diziam-nas avançadas [sic]! Para prevenir o perigo extremista, o primeiro cuidado do Cardeal Leme (...) foi pôr diante dos olhos do Governo a força disciplinada e compacta da opinião pública católica. Num só ano – o de 1931 – organizou dois formidáveis movimentos de massas (...). O primeiro movimento deu-se em maio de 31, quando (...) Nossa Senhora Aparecida foi aclamada padroeira do Brasil. Aquela vinda de Nossa Senhora Aparecida ao Rio foi um poema à glória de Maria. (...) À tarde – uma tarde de maio, cor de pérola – houve a procissão. Dir-se-ia que o Rio de Janeiro todo enchia as calçadas das avenidas centrais e acumulava-se na grande esplanada da Consagração. Com o seu séquito imponente – militares, prelados, Cardeal – precedida por brancas coortes, a estatuazinha singela passou, por entre flores, súplicas e um enorme clamor de veneração. Era um delírio de amor que, através da imagem, atingia a Mãe Celeste, a Imaculada, cujo nome o Brasil gravara, desde sempre, nas mil igrejas e capelas do seu imenso território (...). O Chefe do Governo e as altas autoridades do país assistiram àquele espetáculo inaudito. Viram a figura majestosa do Cardeal, ajoelhada aos pés da imagem, consagrar à Virgem o Brasil inteiro. Ouviram as aclamações (...), as pre-

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ces (...) recitadas por dezenas de milhares de vozes. Era um verdadeiro plebiscito em favor de um Ser celeste. Aquele povo acreditava... Passaram-se alguns meses e, em outubro, com outras modalidades, afirmou-se a mesma unanimidade de crenças, ao inaugurar-se a estátua do Cristo Redentor no Corcovado. Oswaldo Aranha, o segundo homem do Governo, confessaria anos mais tarde ao Cardeal Leme: “Quando chegamos do Sul, nós pendíamos para a esquerda. Mas depois que vimos os movimentos religiosos populares, em honra de Nossa Senhora Aparecida e do Cristo Redentor, percebemos que não podíamos ir contra o sentimento do povo”.130

J. B. Libânio, teólogo da libertação, faz um depoimento interessante e verdadeiro da força, do apogeu e da decadência das Congregações Marianas e sua radicalização na TFP: “Já estamos assistindo ao desaparecimento de muitos movimentos que surgiram nos últimos 10 anos. Nascem e desaparecem com a maior facilidade. Falta, portanto, uma consistência, que fez uma Congregação Mariana subsistir mais de quatro séculos. (...)”.

E mais adiante: “Não podemos esquecer que, como terceira saída, para o impasse criado em 64, continua sendo a simples continuação [sic] da linha tradicional de movimentos, como as Congregações, Cruzadas Eucarísticas ou coisa semelhante. Sem dúvida, houve enorme decréscimo de tais movimentos. Quem conheceu nas décadas de 40 e de 50, o vigor e exuberância das Congregações Marianas e das Cruzadas, que promoviam enormes concentrações e congressos nacionais, pode dar-se conta da diferença. A Encíclica de Pio XII, “Bis Saeculari Die”, que reaprovou as Congregações Marianas, significava o brilho fulgurante de uma estrela a tal distância que já tinha deixado de brilhar no espaço sideral, ou pelo menos se reduzira em esplendor. Depois desse perío130 – Dom Clemente José Carlos Isnard, OSB, Magistério Episcopal-escritos pastorais, Nova Friburgo, pp. 283-284. (Grifos nossos).

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do de apogeu, começou a fase de descenso e de quase total esvaziamento. (...)

Depois afirma que o referido esvaziamento se deveu a que as Congregações Marianas foram minadas pelos elementos progressistas da A.C.. Concluímos a análise deste texto constatando que não deixa de ser interessante o fato de ele reconhecer uma diminuição da devoção a Nossa Senhora em toda a Igreja, e que algumas C.M. geraram a TFP: “Acrescente um decréscimo do culto e devoção marianos em toda a Igreja. Algumas organizações Marianas se radicalizaram numa posição reacionária, hostil à renovação da Igreja pós-Vaticano II, gerando a TFP”. 131

D. Isnard registra a opinião de alguns que afirmavam que a A.C. foi a razão da divisão nos meios católicos por opor-se às Congregações: “Antes de 1933 o panorama do pensamento religioso no Brasil era monolítico, os traços da espiritualidade dominante eram uniformes. Por incrível que pareça, o lançamento da Ação Católica, apesar de sua oficialidade, trouxe contradições. O movimento mariano havia crescido extraordinariamente no Estado de São Paulo: faziam-se concentrações que eram movimentos de massa nunca vistos. A alguns pareceu que o futuro estava nesse movimento, e que a Ação Católica representava uma danosa divisão de esforços. Contaram-me que um padre chegou a dizer que a Ação Católica era a maior desgraça da Igreja no Brasil, porque enfraquecia as congregações marianas, que eram a grande esperança da mesma Igreja. O raciocínio tinha sua lógica, embora repousando em premissas erradas [sic]! A confrontação no terreno associativo e apostólico não tardou. E como a Ação Católica levava em seu bojo o movimento litúrgico, também no terreno da espiritualidade, cedo apareceram tendências divergentes que culminaram no 131 – J. B. Libânio, O Mundo Dos Jovens, Ed. Loyola, São Paulo, 1983. Coleção: Teologia e Evangelização’ Vol. III pp. 28-31. (Grifos nossos).

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equívoco de uma oposição entre terço e missal, entre cristocentrismo e piedade mariana, sem falar no confronto entre “arte litúrgica” e “arte goffiné” [era a arte que representava a tradição em oposição aos inovadores]”.132 133

* * * Os textos acima citados nos parecem suficientes para deixar documentado, por autores insuspeitos, a força do movimento católico e de modo especial das Congregações Marianas como também o prestígio de que gozava Plinio Corrêa de Oliveira nesses meios no período aqui compreendido.

132 – op. cit. pp. 216-217. (Grifos nossos). 133 – Sobre as Congregações Marianas e sua expansão cfr. entre outros: Mario Bonatti, Liturgia – Comunicação e Cultura Ed. Salesiana, São Paulo, 1983, p. 20 e Damião Duque de Farias, Em Defesa da Ordem, Ed. Hicitec, São Paulo, 1998, pp. 150-151.

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Parte IV

A história do Em Defesa da Ação Católica relatada pelo próprio Autor 134

(Esta parte estava pronta – salvo algumas notas de rodapé – quando saiu a lume Minha Vida Pública – Compilação de relatos autobiográficos de Plinio Corrêa de Oliveira – Artpress Indústria Gráfica e Editora Ltda. Para complementar o exposto nesta Parte recomendamos a leitura de Minha Vida Pública).

A totalidade do que segue desta Parte foi tirada de memórias inéditas de Dr. Plinio não revistas por ele, relatadas em séries de conferências às diversas gerações que se sucederam ao longo dos anos, antes e depois de fundada a TFP. Às muitas séries de reuniões específicas sobre suas memórias se somam conversas, entrevistas, conferências, artigos de jornal nos quais o Dr. Plinio de um ou outro modo tratava de aspetos de sua vida e de sua luta contra-revolucionária. Tratando-se de material muito vasto, para a finalidade deste trabalho, escolhemos a época que vai do apogeu das Congregações Marianas até o lançamento de Em Defesa da Ação Católica e suas consequências. Além do que o Dr. Plinio relatou, nós intercalamos textos de autores, em sua maioria inimigos ideológicos dele, o que servirá para confirmar ou comentar o que ele irá expondo.135 134 – A divisão em capítulos, os títulos, os subtítulos, e os grifos do relato de Dr. Plinio são nossos. 135 – As memórias de Dr. Plinio estão registradas em vários milhares de páginas, copiadas diretamente de gravações de fitas magnéticas. Tratando-se de reuniões feitas

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Capítulo I Teoria geral da ofensiva contra o Movimento Católico – A sua força O Movimento Católico – afirma o Dr. Plinio – era uma potência. As forças do mal [Revolução] entenderam que era inútil atacar essa potência de frente, pois, quanto mais a atacassem de frente, mais ela se tornaria forte. E que era preciso, portanto, minar essa potência, dessorá-la, desviá-la, dividi-la. De maneira que ela caísse vergada ao peso de suas divisões internas e se deteriorasse. Este era o princípio de ataque da Revolução contra a Igreja. Esse princípio de ataque deu-se procurando minar o mais ardoroso dos movimentos católicos, que era o movimento dos congregados marianos. Como sempre, o ataque a Igreja começa por uma infiltração. Nunca, nunca, nunca a Revolução ataca a Igreja só de fora para dentro. Os adversários põem dentro da Igreja uns tipos podres que a apodrecem, ou uns traidores que metem ideias erradas na cabeça dos dirigentes dos movimentos católicos. A partir disso o movimento católico começa a errar e também a escandalizar pela má vida daqueles que o constituem. Aí começa a derrocada. Se eles organizam, além disso, um movimento de fora para dentro que começa a atacar, eles têm o seu ataque completo. ao longo de 50 anos, em circunstâncias muito diferentes, há muitas coisas que se repetem. O que citaremos em seguida foi extraído de um trabalho de um dedicado, metódico e estudioso membro da TFP que colocou em ordem cronológica e lógica, na medida do possível, parte desse vasto material. Para não cansar o leitor ao colocar as referências de cada reunião ao pé da página, as fontes estarão no apêndice III. Os textos de Dr. Plinio são transcritos ipsis verbis, adaptando o estritamente necessário para tornar a leitura fluente e sem repetições.

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* * * No período chamado ‘entre deux guerres’, de 1918 a 1939, o mundo gozou a vida e se divertiu o quanto pôde, sempre otimista. A maior parte dos homens se importava pouco com a religião e nessa posição eles viviam a vida como podiam. Isto era verdade, sobretudo, na burguesia média e na burguesia alta. Em parte da burguesia média, na burguesia baixa e no operariado, era o contrário. À medida que se ia descendo, ia se ficando mais católico, menos gozador da vida e mais preocupado com as coisas de religião. O povinho era bem religioso. Como toda a organização social é à maneira de um cone, quanto mais alta a classe, menos numerosa; a base, enorme, era católica; e apenas a ponta mais alta é que deixava muito a desejar debaixo do ponto de vista da Fé. Assim mesmo, os homens. Porque as mulheres, não. As senhoras, em geral, se diziam católicas e muitas delas eram católicas de fato. Isto formava uma potência católica. E uma potência católica que obrigava a pensar no futuro. Porque o Brasil, com a população crescendo, e ocupando gradualmente um território imenso, estava destinado a chegar um dia em que essa população católica tivesse ocupado todo esse território. Nesse dia o Brasil seria, forçosamente, uma das maiores potências do mundo. Isto, por causa das riquezas que todos sabem que há aqui, por causa da configuração do país, por causa de sua união, etc. O país é imenso, mas é muito unido, tem muita consciência de formar um só todo. A unidade nacional fez com que, diante de uma América Espanhola fracionada, o Brasil tenha um peso enorme. Portanto o Brasil seria a maior potência da América Latina, ao menos da América do Sul. 121


Por sua vez a América Latina é um continente todo católico também. E forma um bloco católico verdadeiramente colossal, que vai desde o Rio Grande, na fronteira do México com os Estados Unidos, até ao fim da Patagônia. Tudo isto do ponto de vista religioso é uma coisa só. É um mesmo Papa. São os Cardeais, os Bispos, a mesma organização. Quem quisesse perder o mundo de futuro, quem quisesse liquidar a Fé no futuro, esse tinha principalmente interesse em esmigalhar o Brasil. E, portanto, esmigalhar o Brasil católico, esmigalhar a Fé no Brasil. Nessa potência católica, entretanto, havia ainda outra coisa a considerar. Dos que eram realmente católicos, havia duas espécies de pessoas. Uma era as que levavam uma vida decente, decente nos seus negócios, decente nas suas vidas, tinham Fé, praticavam a religião. Mas a vida deles não girava em torno da religião. A vida deles tinha como objetivo ganhar a vida, para ter algum prazer, para ter alguma coisa, mas não girava em torno da religião. E por outro lado havia muitos católicos cuja vida girava em torno da religião. Quer dizer, os chefes de família, as donas de casa, por exemplo, tinham como líder natural o vigário. Todos se reuniam na paróquia e formavam uma espécie de mundo paroquial próprio. Todos comungavam diariamente, se confessavam, iam à novena, à Missa, às procissões. Cada paróquia era uma espécie de aldeia de um grupo de católicos verdadeiramente católicos dentro da cidade. Nesta descrição é preciso tomar em consideração a pujança enorme das congregações marianas. (...) O Reino de Maria136 no Brasil tinha condições ainda 136 – Sobre o Reino de Maria cfr. Juan Gonzalo Larrain Campbell, op. cit. Segunda Parte – B, pp. 183 a 193.

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de se implantar [sem que o País fosse castigado conforme Nossa Senhora anunciou em Fátima] desde que vencesse o seguinte: Nossa Senhora suscitou o movimento das congregações marianas com um impacto muito grande. E a visão do Movimento Mariano despertou nas almas dessa camada intermediária uma espécie de renascimento, um gosto, um entusiasmo: ‘Não críamos isso possível, que bom! olha lá como é isso!’ E muito mais gente começou a frequentar a Igreja, começou a praticar atos de piedade. Em muitos setores sociais os costumes começaram a ficar mais decentes, mais corretos e houve uma reação. E mesmo nos setores mais inesperados essa reação se deu. Em São Paulo, a Federação Mariana congregava e dirigia todas as congregações marianas. Mas não há dúvida de que o elã estava no Legionário. E que o Legionário representava de longe a aile marchante do Movimento Católico em São Paulo. Tinha-se como certo que o Movimento Mariano de São Paulo era muito mais caloroso, muito mais numeroso, muito mais importante do que o do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Rio Grande do Sul, enfim dos vários outros lugares do Brasil. D. Isnard vê-se obrigado a reconhecer a força do movimento mariano em São Paulo e a liderança de Dr. Plinio. Afirma ele: “Em São Paulo, o movimento mariano era muito forte, e dispunha de um órgão, ‘O Legionário’, jornal semanal, bem redigido e de grande irradiação. Quem orientava o jornal era Plinio Corrêa de Oliveira, atual chefe da TFP (Tradição, Família e Propriedade)”.137

137 – Bernard Botte, OSB, O Movimento Litúrgico – Apêndice de D. Clemente Isnard, OSB, Ed. Paulinas, São Paulo, 1978, Coleção Igreja Eucaristia, p. 220. (Grifos nossos).

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Eu – continua o Dr. Plinio – tinha enorme influência sobre todo o Movimento Católico (*). Minha influência se estendia de ponta a ponta do Brasil, apesar dos meios de comunicação naquele tempo. ----------------------------------(*) É preciso distinguir entre influência e notoriedade. No latim, “notus”, é conhecido. Notoriedade é o fato de ser conhecido. Notoriedade e glória o Tristão de Athayde tinha mais do que eu. Ele era mais velho do que eu uns 15 anos para mais. E também porque os meios de comunicação social eram abertíssimos a ele e totalmente fechados para mim. E Dom Leme o colocava num galarim, o que Dom Duarte não fazia comigo. Mas influência é uma coisa diferente. “Fluere”, fluir, fluente é correr, se diz de um rio que ele tem fluência. Influência é correr em. “Influire”, quer dizer, comunicar seu espírito a, persuadir, liderar. A influência é diferente da glória e da notoriedade. Creio que essa influência eu a tinha bem maior que a dele [Tristão]. ------------------------------------Estávamos nessas condições quando muito jeitosamente começou a infiltração da Ação Católica. Num país de grande maioria católica, o Movimento Católico era pujante especialmente pelo grande desenvolvimento das congregações marianas. Tal desenvolvimento por sua vez se tinha manifestado de um modo evidente, incontestável, pelo fato de minha eleição para deputado. (O Dr. Plinio se refere à sua eleição para a Constituinte de 1934). É um movimento que está na crista da onda, chefiando uma série de outros movimentos católicos. É uma grande avalanche que vai se estendendo por todo o Brasil. Esse movimento tomado na sua globalidade constitui um todo. 124


Nesse movimento estava na ponta da onda o grupo de “O Legionário”, semanário católico oficioso da arquidiocese [de São Paulo], mas com expansão no Brasil inteiro. Embora pequeno, era o jornal católico de maior prestígio no Brasil; e era muito polêmico, matracava firme, e fazia estremecer inimigos poderosos”. Que os inimigos eram poderosos e que estremeciam o reconhece D. Isnard. Escreve o Bispo: “O Arcebispo (de São Paulo) D. José Gaspar138, sem ter ligações com o movimento litúrgico, [o que não corresponde à verdade] andava bem preocupado com a atuação deste grupo [de Plinio Corrêa de Oliveira] que prenunciava o movimento mais tarde denominado “integrista” [entenda-se contra-revolucionário]. Composto de pessoas que se entendiam muito bem entre si, o grupo representava uma espécie de ponta de lança contra o movimento litúrgico. Quem quisesse sofrer, que esperasse a edição semanal de ‘O Legionário’, onde, podia sempre encontrar artigos contra o Movimento [Litúrgico] e suas manifestações, contra Maritain, contra os ‘desvios’ da Ação Católica, etc”.139

Note-se que D. Isnard foi altamente iniciado no Movimento Litúrgico, desde o começo deste, e inimigo declarado e público de Dr. Plinio, chegando a proibir por decreto na sua Diocese de Nova Friburgo (RJ) que fosse administrada a comunhão aos membros da TFP. Esta atitude lhe custou uma refutação-interpelação da parte de Dr. Plinio, em três artigos da Folha de São Paulo que o reduziram ao completo silêncio.140

138 – Affonseca e Silva, D. José Gaspar – (1901-1943). Segundo Arcebispo de São Paulo, ordenado sacerdote por D. Duarte Leopoldo e Silva em 1923. Em 1935 recebeu o cargo de auxiliar do Arcebispo de São Paulo. Com a morte de D. Duarte sucedeu-lhe como Arcebispo de São Paulo. Morreu num acidente de aviação em 1943. 139 – Op. cit., p. 221. 140 – “Folha de S. Paulo”: ‘Sobre o decreto anti-TFP de D. Isnard’, 27-5-1973; ‘Ainda o decreto anti-TFP de D. Isnard’, 3-6-1973; ‘D. Isnard: fim’, 10-6-1973.

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O Movimento Católico – continua o Dr. Plinio – era, numa população do Brasil quase inteiramente católica, o conjunto das pessoas que eram mais dedicadas, mais enérgicas, mais ativas no apostolado e mais perfeitas na vida interior. Era, portanto, constituído pelo conjunto dos católicos praticantes que: 1o) criam inteiramente na Igreja Católica Apostólica Romana; 2o) praticavam a Religião Católica; 3o) lutavam pela expansão da Religião Católica junto aos católicos tíbios, quer dizer, trabalhavam para que os não praticantes se tornassem praticantes; os praticantes se tornassem mais fervorosos; os fervorosos se tornassem apóstolos, e os apóstolos entrassem nas associações religiosas para atuar organizadamente sobre o público, cada qual na sua respectiva paróquia. Era uma elite, portanto, pertencente a paróquias das mais variadas classes sociais. Era um escol espiritual, um escol de zelo, um escol de fervor que tinha grande influência junto ao público. Foi o Movimento Católico no seu conjunto – como disse – que conseguiu para mim aquela espetacular votação para deputado. Eu era conhecido no Movimento Católico. Todo o pessoal que eu tinha conhecido antes de pertencer ao Movimento Católico era gente que não estava de acordo comigo, vivia de um modo diferente do meu, pensava de um modo diferente do meu. Um ou outro terá votado por simpatia, mas era uma insignificância de votos em comparação com a massa compacta de 24 mil votos que, para a população daquele tempo, era uma votação muito grande. Aquela votação foi obtida pelo fato de que eu era católico muito radical, muito entusiasmado, muito categórico. O que, a justo título, eles identificavam como bom católico. Bom católico é o que tem entusiasmo pela Igreja Católica, é aquele que execra o que é contra a 126


Igreja Católica e tem entusiasmo por tudo o que é a favor da Igreja Católica. E se entendia assim o bom católico.

1. Como a Revolução desarticulou o Movimento Católico Para desarticular isso era preciso minar pela base essa força católica, destruindo, sobretudo, o que ela tinha de melhor, que era essa aldeia de católicos girando em torno do vigário. Porque liquidado isso, o resto se desarticulava. Como é que isto se fez? Foi lançando, com o ar de ser lançada por católicos, uma espécie de luta de classes entre os leigos e o Clero, em nome de um princípio revolucionário, que era a liberdade. Tratava-se de estabelecer uma luta de classes entre o Clero e os fiéis, sob o aspecto de uma coisa nova e vital, capaz de dar à Igreja ainda mais vida, mais brilho, em nome do interesse da Igreja e da doutrina da Igreja. Este era o plano [da Revolução]. Estabelecida essa luta de classes, a Igreja ficaria desunida; ficando desunida Ela não pereceria, pois Ela não pode desaparecer, mas Ela chegaria tão baixo quanto fosse possível. Era este o plano que era sustentado.

2. A Revolução apaga a combatividade dos ótimos Eu alcancei os restos do tempo em que os inimigos da Igreja falavam contra a Igreja, queriam agredi-La, queriam fechá-La, increpavam, caluniavam de frente, caluniavam o clero, os bispos, os padres, debicavam dos sacramentos, queriam destruir as igrejas materiais, enfim, estavam numa oposição completa com a Igreja. Depois, deu-se o seguinte fato: 127


Em virtude de todo o Movimento Católico bom que houve no século passado: Imaculada Conceição, infalibilidade Papal, adoração do Santíssimo Sacramento, do pontificado de São Pio X, da comunhão precoce das crianças – na alma de uma criança que fez a primeira comunhão o demônio tem muito menos poder do que sobre a alma de uma pessoa que nunca comungou – enfim, em virtude de todas essas circunstâncias aconteceu que a impiedade compreendeu que não era de interesse dela avançar mais contra a religião sem máscara, mas que era vantagem se mascarar e iniciar uma conversa nova com os católicos. Essa conversa nova de início foi a seguinte mentira: Vede nós que levamos uma vida que não é católica. Nós não vos odiamos, não vos perseguimos. Nós, pelo contrário, temos por alguns lados, não em todos os pontos, uma tal ou qual simpatia para convosco. Tanto é que tratamos bem os vossos padres, vossos bispos, o Papa. Nós damos verbas para manter os edifícios religiosos que estão ameaçando desabar, nós garantimos a vossa integridade física e a integridade física do culto contra os agressores. Nós mudamos. E nós para vós temos um sorriso. Mas o muito difícil dessa situação é que isto que era uma mentira era também uma verdade. Porque, em virtude da reação católica, alguns maus começaram a ficar ‘menos maus’. E, portanto, nesse fenômeno geral, havia qualquer coisa de verdade. A par desse fenômeno de verdade, as forças do inferno [os agentes da Revolução] com isso procuravam esses que se convertiam para lhes dizer no ouvido com a voz do demônio: Olha, presta atenção no jeito dos católicos tratarem vocês. Eles já estão satisfeitos e já tratam vocês muito bem, já não têm a vocês o horror que tinham antigamente. Não é preciso que vocês fiquem integralmente católicos, basta que vocês fiquem a meio termo, 128


que já a Igreja toma vocês bastante bem, e à última hora vocês provavelmente se salvem. Não precisam melhorar. Isso ocasionou que esse grande movimento de melhora estagnou, porque os que começaram a melhorar se estagnaram na melhora e se sentiram dispensados de melhorar. E o demônio [a Revolução] disse aos católicos: Eu não acerto com eles. Eles estão começando a se aproximar. Se vocês forem exigir muita coisa há uma ruptura e nós voltamos à situação anterior. Vocês perdem o terreno que nós começamos a conquistar. E, por causa disso, não só vocês não apertem por eles, mas disfarcem um pouco aos olhos deles a severidade da Igreja Católica, porque essa severidade os afugenta. Mostrem da parte da Igreja apenas esse feitio risonho, acolhedor, afável. Não falem do passado da Igreja, das lutas da Igreja, das polêmicas da Igreja, não falem nada disso. Falem só da misericórdia de Deus. O resto virá por si. Eu alcancei exatamente, no meu tempo de jovem, o fim da era anterior e o começo dessa era. E ficava muito sem saber o que dizer, porque notava que nesse movimento de muitos, havia qualquer coisa de bom. Mas notava que esse movimento que tinha qualquer coisa de bom, apodrecia por dentro a Igreja. Isso durou mais ou menos assim até 1935, no Brasil. Nos outros países do mundo as cronologias evidentemente não são iguais, mas é por volta disso. Lembro-me do desconcerto que eu tinha quando – em 1932, 33, 34, 35 – fazia investidas e via o adversário que em 1930 me fazia caretas, agora me dizia: Sua lança não me machucou. Você faz isso porque não tomou em consideração que eu estou mudando, eu estou ficando outro. No fundo vinha o seguinte recado: Os séculos mudaram e a Igreja não vai mais ser assim; os inimigos d’Ela passaram a ser mansos e Ela também. E, para todo o sempre, 129


essa sua posição combativa deve ser não só posta fora de uso, mas esquecida. Uma nova era começou. Olhava em torno de mim e as pessoas que ainda um ano antes aplaudiam minha combatividade, olhavam com simpatia para o adversário. E ficava meio dado a entender que se insistisse na minha posição, eles me atacariam. Um dos líderes católicos desse tempo [Tristão de Athayde] era grande adepto dessa posição. Ele e eu tínhamos fricções violentas a esse respeito. O temperamento dele era de trato ameno, cordial, de homem fino muito interessante e de uma conversa muito agradável. Era o contrário do truculento, do enérgico. Ele só tratava de si e das coisas que davam impressões amenas. Era o literato do ameno, não era o literato do forte. E eu sou o entusiasta da virtude da fortaleza.

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Capítulo II Forças que minavam internamente o Movimento Católico 1. Alguns exemplos de agentes de amolecimento A. Monsenhor Pedrosa141 Monsenhor Pedrosa – prossegue Dr. Plinio – era um padre do clero secular de São Paulo, uns 20 ou 30 anos mais velho do que eu. Foi meu professor de Catecismo em pequeno. Como professor de catecismo era um professor delicioso. Ele era o vigário de Santa Cecília, portanto de minha paróquia. E era o tipo do padre modelado, no seu modo de ser, no seu modo de trajar, no seu trato, no seu modo de se apresentar, segundo o gênero em curso nos pontificados de Pio IX, Leão XIII e São Pio X.

a) Análise psicofísico e espiritual de Mons. Pedrosa Como era o físico do Monsenhor Pedrosa? Para aquele tempo, ele era um homem alto, sem ser um maciste. Era bem seguro de si. Sem ser propriamente fino – havia poucos padres com aquilo que o francês chama racé –, ele era um homem ad instar do racé. Quer dizer, ele era muito bem educado, tinha porte, agradável de apresentação, que se podia perfeitamente colocar num salão com gente racé. Ele faria bem o papel do vigário do lugar. 141– Pedrosa, Paulo Marcondes – (1881-1962). Ordenado Sacerdote em 1904, foi pároco, até 1932 da Igreja de Santa Cecília. Monsenhor e Camareiro secreto em 1920. Em 1932 entrou para a Ordem Beneditina no mosteiro de São Bento em São Paulo, do qual foi Prior.

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Imaginem um castelo da Europa em que houvesse vários nobres médios da região na sala do castelo e entrasse o vigário também. Se o vigário fosse Monsenhor Pedrosa, faria um papel razoável, um papel inteiramente decente. Era dotado de uma grande capacidade de atração. As pessoas se deixavam atrair muito por ele, e gostavam muito dele. O que tinha de especialmente atraente era o seguinte: sua fisionomia exprimia muita bondade, muita doçura. Era muito doce no trato e tinha uma espécie de benevolência contínua para com todo mundo. Dava sempre a impressão de que ele estava nadando nas consolações espirituais. E que a vida espiritual levada segundo suas concepções seria um verdadeiro paraizinho interior, discreto, luminoso, agradável, em que toda piedade era agradável. Quando falava de Nosso Senhor, se expressava com certa doçura como quem estivesse evocando uma meditação interna dele sobre a pessoa de Nosso Senhor, uma meditação agradável, deleitável. Com Nossa Senhora, os anjos, os santos também, tudo extremamente deleitável e atraente. O mesmo se dava quando falava da misericórdia de Deus. Uma misericórdia que se difundia e a respeito da qual, ouvindo-se, sentia-se certa tranquilidade, certa estabilidade, de maneira que, a seu modo, numa discreta medida, ele era um homem carismático. Saía, tinha gente que queria falar com ele. Entrava, tinha gente. E atendia uns e outros calmamente, mas com muito jeito. De maneira que dava uma palavrinha, um sorrisinho, estacava aquilo, ia embora e a coisa se resolvia. Era reputado por isso, por um largo círculo de católicos de São Paulo, de longe, o modelo número um do pároco da cidade. 132


No centro, Dom Pedrosa, com Plinio Corrêa de Oliveira (à esq.) e Svend Kok (à dir.)

b) Dois ‘Monsenhor’ Pedrosa Lembro-me que quando me convidou para ir ao Rio de Janeiro, para conhecer o Tristão de Athayde, em determinado momento disse: A gasolina do automóvel vocês não pagam. Essa precisão de que a gasolina a pagava ele me dava ideia de um conta-dinheiro sem largueza que não correspondia a tanta doçura. Chegamos ao Rio. Íamos almoçar e jantar juntos, mas no resto do tempo fazíamos programas diferentes, porque ele procurava pessoas do clero do Rio, e eu ia tomar contatos, conhecer isso, aquilo, aquilo outro ou falar com o Tristão e pessoas a quem o Tristão nos ia apresentando. Num desses almoços apareceu um padre do Paraná, amicíssimo de Monsenhor Pedrosa e que a gente via pela conversa que tinham tido um largo passado comum, colegas de seminário, etc. Tinha sido deputado pelo Paraná. Era desse tipo de padre político secularizado, que gosta de se meter com coisas de fora do ambiente eclesiástico, enquanto Monsenhor Pedrosa vivia inteiramente no ambiente eclesiástico. 133


Tratavam-se entre eles de você, o que entre padres fica muito feio. Para ser agradável a Monsenhor Pedrosa e elogiá-lo, ele mencionava lances da politicagem que Monsenhor Pedrosa tinha feito: Hein, Pedrosa, você quando jogou aquela, jogou bem jogada, hein! Aquela outra foi fina e dava risada. Eu prestando atenção, pensava: Como é que esse homem todo doce, todo ingênuo, é frenético deste jeito e politiqueiro desse jeito? E além do mais, era uma política onde não entrava interesse da Igreja em nada. Era promoção, remove aquele para poder pôr aquele, para não sei o quê, para fazer que um mais novo que era mais amigo pudesse passar na frente do mais antigo e ser promovido, só isso, esse jogo de xadrez de promoções. Eu via que Monsenhor Pedrosa era entendidíssimo disso e que sabia jogar nisso, que era um campeão e que não contava [suas jogadas]. E foi me dando a impressão de que havia dois ‘Monsenhor’ Pedrosa.

c) Esperto e otimista Por outro lado, o todo de Monsenhor Pedrosa era de um homem ao mesmo tempo esperto e otimista. São predicados que se excluem. Em geral o esperto não é otimista. Porque neste vale de lágrimas, que é a vida, o que vem de encontro a nós em geral não é bom. Mas ele tinha uma espécie de fundamental otimismo em relação ao caráter do homem. Era tendente a acreditar que os outros eram bons, que os outros eram amáveis, que os outros eram bem intencionados. E a minha tendência era bem diferente dessa. Ainda mais na época em que estávamos já com a Revolução muito adiantada. Esse e outros fatores faziam com que tivéssemos muitos desacordos. Nas fotografias dele, se vê que ele sorri para a vida, 134


espera coisas agradáveis. Olha para a vida despreocupado, muito satisfeito, contente, considerando as pessoas e as coisas. Qualquer fotografia minha não exprime sorriso para a vida. Exprime luta. Esse foi um, entre outros fatores, pelos quais acabamos nos desentendendo muito profundamente.

d) Resolve ser beneditino Foi fundador da congregação mariana de Santa Cecília onde eu entrei e devo a ele esse benefício. Era a coluna da congregação. Mas em certo momento parece ter tido dificuldades com o Arcebispo [Dom Duarte] e resolveu ser beneditino num dos fulcros do Movimento Litúrgico universal: a abadia de Maredsous na Bélgica. Nós vamos vê-lo reaparecer na cena profundamente influenciado pelas ideias liturgicistas dos beneditinos da Bélgica. Mas, como os fatos demonstram, Dom Pedrosa quando foi para lá já estava dominado por essa mentalidade liturgicista, que eu não sei como ele apanhou aqui. Mas ele, como vigário, não deixava transparecer isto. e) Nomeado para a abadia beneditina de São Paulo. Primeira decepção séria com Dom Pedrosa. De repente vem a notícia de que Dom Pedrosa seria removido para a abadia beneditina de São Paulo. Chegou num estado nervoso de dar pena e num estado geral que não era normal. Seu cabelo, quando padre secular, era um cabelo como se usava no tempo, com fixador, muito bem penteado, quase se poderia dizer que cada fio de cabelo tinha um nome, estava aquilo colecionado na perfeição. Voltando, tinha raspado a cabeça. Chegando a São Paulo, hospedou-se primeiro numa casa de uma família com quem tinha muitas relações. Não 135


foi diretamente ao São Bento, coisa que eu achei bem raro, e ali recebia visitas num estado emocional tão forte que quando as visitas chegavam, ele chorava. Vários congregados foram visitá-lo e ele chorava. Quando eu fui, não chorou; recebeu-me muito bem, conversamos, etc. Fiquei pasmo com uma coisa que havia observado e que mostrava o balofo de toda a ordem afetiva dentro da qual ele se movia na paróquia de Santa Cecília: pois quando foi fixar-se no mosteiro de São Bento, ele estava ao alcance de qualquer pessoa que quisesse procurá-lo, como qualquer monge; e era de se esperar que ele se tornasse ali o ponto de convergência de todos os antigos admiradores que tinha na paróquia. Não. Todo o pessoal tinha se esquecido dele. Após 25 anos de pároco e de uns meses de ausência, e de prantos na despedida, ninguém mais se lembrava dele. Eu tinha pena de Dom Pedrosa, porque imaginava que ele sentia muito isso. O tempo passava e não havia meio de ninguém se lembrar de aproveitar Dom Pedrosa para nada. Logo depois se formou em São Paulo um sindicato de jornalistas católicos. Percebi que Dom José Gaspar de Affonseca e Silva [Bispo Auxiliar de D. Duarte] apoiava muito esse sindicato e que queria meter “O Legionário” na dependência desse sindicato. Pensei: Vou propor ao Dom José Gaspar de nomear Dom Pedrosa para Assistente Eclesiástico desse sindicato. Assim Dom Pedrosa lá me ajudará. Mas receava que Dom José não quisesse Dom Pedrosa, e, portanto, que não fosse uma nomeação fácil. Mas fui e falei com Dom José Gaspar, o qual, com grande surpresa para mim, pegou o nome e disse: Ah! Dom Pedrosa? Está muito bom, aceito. Daí a pouco estava Dom Pedrosa nomeado. Com essa nomeação, veio a primeira decepção sé136


ria com Dom Pedrosa. Logo depois de nomeado, não se sabe que conversa teve com Dom José Gaspar, mas estava fazendo política totalmente contrária a mim. Quer dizer, eu tiro Dom Pedrosa do ostracismo, e ele se volta contra mim. Daí a algum tempo foi nomeado Assistente Eclesiástico das Filhas de Maria, mas nunca convidou nenhum dos membros do Legionário para fazer uma conferência, uma reunião, um discurso, nada. Nesse tempo nós éramos convidados para tudo. [Ele agiu] como se não existíssemos. Naquele tempo o José Pedro Galvão de Souza [membro do grupo do Legionário] era estudante de Direito; e, instigado por vários lados, fechou a AUC [Ação Universitária Católica] que eu tinha fundado e formado; e decretou que a JUC [Juventude Universitária Católica] precisava funcionar no mosteiro de São Bento sob a direção de Monsenhor Pedrosa. Eu achei aquilo esquisito, não disse nada, mas deu-se a mesma história: separação completa, a JUC florescia sem eu aparecer lá, não me consultava sobre nada, fazia tudo segundo a cabeça dele. Tudo isso eu perdoaria de bom grado, mas eu percebia que um espírito novo ia se introduzindo. Fiz um relatório para Dom Pedrosa sobre os erros que então notara no novo espírito que entrava no apostolado e na JUC. Dom Pedrosa chamou-me para conversar. Recebeume nervoso, segurando um lenço na mão numa saleta que era para pouca conversa, onde entrava gente a toda hora. E disse: Bem, eu recebi esse relatório aqui e li. Eu: E então? Dom Pedrosa: O que é que você quer que eu faça? A resposta era de desmaiar. Se ele fosse competente para o cargo que exercia, o normal era que extirpasse os erros. Eu disse: Eu não sei o que fazer. O senhor é quem 137


sabe. Deixo esse relatório em suas mãos, o senhor saberá o que fazer. Dom Pedrosa: Eu também não sei. O que equivale a dizer que não faria nada. Conversamos mais umas duas ou três banalidades e me retirei. Ficava patente que Dom Pedrosa estava conivente com os erros da JUC. B. Svend Kok Na minha vida não houve pessoa que me fosse tão nociva quanto um congregado mariano que eu vi nas fileiras da congregação quando eu ainda não era congregado mariano. Ele não tinha muita vocação, mas foi muito importante como fator demolidor nosso. (Cfr. Capítulo VII-2-A). Eu o conhecia de vista, frequentávamos o mesmo ambiente, tinha certas relações com ele, mas à distância, eu não tinha muita atração por ele, nem ele por mim. Não tinha a menor ideia que fosse uma pessoa católica, antes podia parecer meio ‘protestantoso’ pelo tipo racial dele. Chamava-se Svend Kok. Um dia, o vi nas fileiras dos congregados, se levantou, comungou e o exemplo dele foi o passo que me era necessário para eu resolver entrar na congregação. Quando acabou a Missa, me dirigi a ele e lhe disse: Svend, você quer me apresentar aqui? Porque eu quero entrar para a congregação. Ficou muito contente, me recebeu muito bem, me levou ao padre diretor, Dom Pedrosa, que já me conhecia. E eu entrei para a congregação. Comecei a frequentar a casa dele e ele a minha. Sua família era muito bem constituída, muito correta e de haveres, não propriamente rica, mas larga de dinheiro, vivia muito bem. 138


Nós dois estávamos em batalha com as respectivas famílias, discussões, etc, e nós nos ajudávamos. Quando eu ia à casa dele, o pessoal fazia investidas contra as congregações marianas e contra ele, eu entrava na luta e saía discussão. Quando ele ia a minha casa, também a mesma coisa. Éramos dois amigos ideais. Os familiares dele achavam bonito meu modo de falar. Meu pai era pernambucano. Os nordestinos ainda falam melhor do que os outros brasileiros, e eu metia o verbo, discutia.

a) A família o punha contra o Dr. Plinio Mas a família dele fazia uma confrontação entre nós. Na confrontação costumavam dizer para ele o seguinte: Você pensa que você vai aparecer e ter o realce que tem o Plinio. Mas você não é inteligente como o Plinio – eles me imaginavam muito mais inteligente do que sou – e não tem a facilidade de falar do Plinio. De maneira que você está destinado a ser a vida inteira um escudeiro do Plinio próprio para carregar as armas dele e servi-lo. O homem que vai para frente é ele, você é um serviçal dele. De fato, eu tinha muita influência sobre ele. Os senhores compreendem como isso belisca. Ele me contava dando risada, mas aquilo germinava na cabeça dele. Alguém dos círculos dele começou depois, com uma malícia e habilidade ainda maior, a fazer notar a ele o seguinte: Você passará na frente do Plinio se você mudar seu modo de ser. Não deixe de ser católico, mas deixe de ser combativo. Você seja amável com todo o mundo, não contrarie as opiniões dos outros como o Plinio contraria; pelo contrário, você entre numa ligação, num entendimento com todo o mundo e todo o mundo começará a gostar mais de você que do Plinio. Aí não adianta 139


nada o Plinio ter um pouquinho mais de inteligência do que você, porque você tem a simpatia. O jeito de você derrotar o Plinio é pôr do seu lado a simpatia. Então você seja católico da maneira nova que está aparecendo. Cordial com todos, nunca fale mal do protestantismo, nem da igreja ortodoxa, nem da maçonaria, nem de nada, seja um homem bonachão, amável, risonho para com todo o mundo e de que todo o mundo goste. Entrando em contato com você as pessoas pensarão: ‘Eu não pensei que a Igreja Católica fosse tão afável, tão acolhedora, tão amigona. Agora é que eu estou compreendendo como é bom ser católico’. Você vai ver como dentro de pouco tempo todo o mundo está fazendo cara feia para o Plinio e estará elogiando você.

b) Começa a mudar rumo à esquerda católica O meu amigo começou a mudar. Brincadeiras, afabilidades, trivialidades, e querendo até me forçar a seguir esse caminho. Eu não queria e disputávamos um com o outro rijamente. Ele sentiu – porque essas coisas as pessoas sentem no ar – que tomando essa atitude, no meio dos congregados marianos que eram fervorosos, que eram bons, ele estava perdendo a cotação, que estava ganhando a cotação no mundo e estava perdendo entre os bons. Afligia-o muito perceber que deixava de ser amigo dos bons para passar a ser amigo dos ruins. E precisava arranjar um jeito de provar que ele era melhor do que eu, além de ser mais simpático, pois desse modo ficaria com as simpatias inteiras dos bons e dos maus. Assim se foi aproximando gradualmente e cada vez mais da esquerda católica e se distanciando cada vez mais de mim. Mas com os meus amigos que eu queria levar para uma posição intransigente ele era todo amável, 140


todo gentil, porque queria levar embora os pouquíssimos que restassem em torno de mim. Queria me reduzir a um isolamento completo. Notando que não estava conseguindo isso resolveu ficar padre (*). Vejam os senhores o que é a cabeça de um homem, resolver ficar padre para levar a cabo um golpe desses. Depois resolveu ficar religioso (**) e depois resolveu ficar trapista (***). Mas sempre na ideia de me superar, me vencer e reunir em torno de si um gênero de admiração que ele queria reunir. ----------------------------------(*) Ainda (1988) me lembro, pelo ano de 1935, um dia de Corpus Christi, ele apareceu em casa, eu estava almoçando com pressa, para ir à procissão. Ele sentou-se à minha mesa e disse: Eu vou te contar uma novidade. Eu: Qual é? Ele: Eu vou me tornar padre. (**) Svend entrou para o Mosteiro de São Bento. Parecia-me que não era a vocação dele, que era um caminho errado o que ele estava seguindo. Passou a chamarse D. Teodoro. Dom Pedrosa também se tinha feito beneditino, e nesse momento era mestre de noviços. Em determinado momento se tornou penitente de Monsenhor Pedrosa. No Mosteiro de São Bento perdeu o contato comigo, porque seguia lá o caminho dele como seminarista. E deixamos de nos ver durante muito tempo. (***) Depois de beneditino, passou a trapista, mas de uma trapa norte-americana orientada por um padre Thomas Merton de tendências muito liberais, cujos livros ele leu e que o encantaram. Eu não era nada da orientação do padre Thomas Merton. ----------------------------------Certo dia me avisou que viajaria à Europa, para fazer estudos no famoso Colégio de Santo Anselmo, dos beneditinos em Roma. 141


Naquele tempo viajava-se de navio. E um trem especial era fretado pela companhia de navios, que saía de São Paulo e levava os viajantes até Santos. Nessa viagem de vagão, de São Paulo a Santos, sentamo-nos um em frente ao outro. Falamos e ele com aquele sorriso: – Então, Plinio? Sempre alegre, porque tudo ia dar provavelmente bem, etc. Eu já estava pensando no Em Defesa. Ele deu uma risada e disse: – Olhe, você está preocupadão, assim com esse jeito. Não tem razão para nada, Deus protege a todos os que O amam. E aos que O amam tudo corre bem. Eu fiquei com vontade de dizer para ele: Mas então Deus não amava Nosso Senhor Jesus Cristo? Nosso Senhor Jesus Cristo disse: Meu Deus, Meu Deus, por que me abandonastes? Como é que é essa história? Mas se dissesse isso, ele ficaria indignadíssimo e repetiria o que às vezes me dizia: Está vendo? É você com essa sua lógica inflexível. Não seja inflexível assim porque Nosso Senhor Jesus Cristo não foi assim. – Como não foi assim? Nós não estamos mais nos entendendo. E ele muito otimista me disse: Então, hein? Já vou para a Europa. Passaremos anos sem nos ver. Qual será a alegria quando nós nos revirmos? Eu disse a ele algo na seguinte linha, mas em termos diferentes: – Fulano, você não tenha ilusão, esta é a última conversa que nós temos como amigos. Quando você voltar da Europa nós seremos inimigos irreconciliáveis, não haverá mais remédio. Porque passando algum tempo sem estar em nosso meio, você não tem bastante perseverança para manter as nossas ideias, muda de mentalidade e de ideia; e você voltará nos odiando. Você 142


vai arranjar uma inimizade conosco para conseguir ser inteiramente amigo dos meus inimigos e festejado por eles. Quando ele voltou da Europa eu fui recebê-lo em Santos, fui muito cortês com ele, muito amável, e durante a conversa lhe disse: – O que é que você me conta da Europa? Como era a sua vida lá em tal Ordem Religiosa assim? – Ah, você não imagina, é uma vida esplêndida, muito boa, comida muito boa, toda a atmosfera muito boa. Depois a gente se distraía muito. – No que é que você se distraía? – Ah, você sabe, nós no seminário aprendemos latim, de maneira que eu hoje sei latim correntemente. Por causa disso faziam as leituras durante a refeição em latim. Nós todos do seminário pensávamos como um só homem, tínhamos as mesmas antipatias, as mesmas simpatias. – Por exemplo? – Por exemplo, São Jerônimo. Se você pudesse calcular a antipatia do seminário contra São Jerônimo... É uma coisa tal que eu tinha que me segurar na mesa para não explodir de raiva contra São Jerônimo. – Mas por quê? O que é que fez São Jerônimo? No fundo, eu pensava o seguinte: Ou São Jerônimo não era um santo ou era santo. Se era santo, você está errado; se ele não é santo, a Igreja Católica está errada. Mas você e a Igreja Católica estarem certos juntos é impossível, isso é uma lorota. Mas não disse, e lhe perguntei: – Mas o que é que fazia São Jerônimo? – Ele escrevia umas cartas contra os hereges do tempo dele, mas de um furor, de uma indignação, que nós ficávamos indignados. Aqueles pobres hereges ele poderia ter trazido para a Igreja pelo carinho e pela 143


bondade. Ele trouxe pela lógica implacável: ‘Olhe aqui, eu vou dar a você tal argumento, tal outro, tal outro’, e nós ficávamos indignados.

c) ‘Dele veio uma punhalada que o pior revolucionário não me deu’ Ele fez contra mim o discurso mais injusto possível. (...) Não havia recriminação que não pudesse ser feita pela atitude que ele tomou [quando, na semana de estudos do clero da Ação Católica, abusando da amizade de Dr. Plinio, o acusou de que se atrevia a imaginar que um bispo católico pudesse cair em erro de doutrina]. Esse erro doutrinário, que seria a infalibilidade dos bispos, foi energicamente refutado no ato por D. Mayer. (Cfr. Capítulo VII-2-A). Eu poderia dizer a ele as palavras do Profeta Davi: ‘Se um outro fizesse isto eu ainda suportaria. Mas que o tenhas feito contra mim, tu que és um outro eu mesmo e que sentado junto à minha mesa comigo comias doces frutos’. Tanto mais que numerosas vezes eu convidei para minha casa, numerosas vezes ele me convidou para a casa dele, mas dele veio uma punhalada que o pior revolucionário não me deu. Esta afirmação a fez o Dr. Plinio em janeiro de 1993. Ele era bom quando me ajudou a entrar para a congregação, mas depois decaiu completamente. No ponto em que ele decaiu nós entramos em desacordo, e nesse ponto ele me apunhalou. Se entre os sofrimentos que Nossa Senhora queria que houvesse na minha vida para eu expiar pela Santa Igreja, estava esse de ter de encontrar esse homem no meu caminho, eu não reclamo, seja feita a vontade d’Ela.

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C. Tristão de Athayde Se bem que algo já foi dito sobre Tristão, é necessário ir completando o quadro do papel que ele desempenhou, seguindo as memórias de Dr. Plinio. Tristão de Athayde era um literato de grande projeção no Brasil. Era o maior líder da direita católica, mas se transformou depois no maior líder da esquerda católica. (Cfr. Parte II - E). Homem muito fino, muito agradável, de muito boas maneiras, de uma presença, de um modo de falar de primeira ordem. De uma das primeiras famílias do Rio de Janeiro, frequentando a mais alta sociedade, e que de repente se converteu. A conversão dele causou muito barulho. Muito inteligente. Não era tanto capaz de descobrir coisas novas. A obra intelectual dele foi feita toda do resumo do que alguns grandes pensadores escreveram, e críticas à análise desses grandes pensadores. Uma coisa original, nova, feita por ele, assim eu não conheço. Mas os livros dele eram agradáveis de ler. Sua família era rica e tinha pagado para ele estudos em Paris. Veio da França falando um francês primoroso, o que naquele tempo era característica de todo o homem de uma formação intelectual de primeiro quilate. Tinha um vocabulário brasileiro muito bonito e expunha muito bem. Gesticulava com muita aisance, tornando a palavra dele ainda mais agradável de ouvir. Muito bom orador, um tom de voz muito agradável. Até os comunistas apareciam para ouvi-lo. No olhar dele a gente notava um fundo de ceticismo, um fundo de dúvida, como quem diz: Olhe, eu me reservo a mim mesmo para tomar minhas atitudes. Você não percebe bem o que eu quero, mas.... Assim, uma coisa qualquer fugidia. 145


Ao mesmo tempo intelectual de nome, escrevendo nos jornais principais do Brasil, era também industrial. O pai dele tinha morrido e ele tocava para frente umas fábricas de tecidos na estrada entre o Rio de Janeiro e Petrópolis. Morreu com uns 80 e tantos anos.

a) Dr. Plinio é apresentado a Tristão: Uma sondagem Um dia, em 1930, Monsenhor Pedrosa me disse: Eu estou para ir ao Rio de Janeiro e queria que meu irmão, você e o Svend Kok conhecessem o Tristão de Athayde. Monsenhor Pedrosa achava que o Movimento Mariano de São Paulo não podia deixar de ter contato com Tristão. Partimos cedo. À noite chegamos ao Rio. No dia seguinte fomos visitar Tristão. Entramos e, com surpresa para mim, em vez de encontrar um escritório bonito, tudo bem arranjado, de um intelectual, eu encontrei um escritório de fabricante português: uns fardos de pano numa espécie de gaiolas de ferro, formando pilhas, e ele numa escrivaninha alta, que nem se via quando se entrava. Entrou Monsenhor Pedrosa na nossa frente, depois entramos nós dois. E por detrás da escrivaninha ergueuse um homem jovem, simpático, agradável. Era o Tristão. Apresentamo-nos e conversamos. A primeira conversa foi logo muito amistosa. Tivemos duas ou três conversas consecutivas nessa estadia no Rio. Ele ficou muito amigo meu. Essa conversa foi uma sondagem, mas naquele tempo não percebi. Ele me deu uns estatutos para ler e me disse: Olha aqui, estou muito ocupado, mas eu recebi aqui da Associação Cristã de Moços – uma associação protestante – um documento muito interessante propondo uma colaboração com os congregados marianos. 146


Quando ele falou na colaboração com os protestantes eu não disse nada, mas me horrorizei. E continuou: Leia você o documento e veja até que ponto você acha que essa colaboração convém. No automóvel, na volta, vim lendo o documento, que era breve, e encontrei no documento cem coisas por onde o documento era objetável. Escrevi uma carta a ele – não me lembro se foi de Aparecida ou já de São Paulo – descascando o documento. Mas eu supunha que ele não tivesse notado. Eu acreditei que ele não tivesse lido e que estava me dando para ler. Escreveu-me uma carta em resposta um pouco brincalhona: que eu era um detetive, pescava tudo no ar, que foi bom, que era mesmo protestante, não sei mais o quê. Mas eu senti certa reserva na carta.

b) Relações que duraram anos Daí vieram algumas relações minhas com ele, que duraram anos. Cada vez que eu ia ao Rio de Janeiro, ele me convidava para jantar em casa dele. A senhora dele era muito simpática, muito fina, e os filhos dele ainda eram criancinhas. Era muito amigo de pessoas aparentadas comigo em São Paulo. E tudo isso formou assim certa relação. Quando vinha a São Paulo, ia jantar em casa, apresentei minha mãe, minha família, minha irmã, etc. E fizemos uma amizade íntima. Eu notava que quando saía com as minhas espadachinadas mais grossas, havia da parte dele um recuo. Quanto ao mais, muito amável. Mas nunca um elogio a mim, nunca uma manifestação efetiva de amizade e nunca um apoio nas horas difíceis. Gentileza, gentileza. Eu pensava: Ora, com gentileza eu não ando. Eu estou numa batalha e simples gentileza não me adianta 147


na batalha. Aí tem qualquer coisa que não soa bem. Eu não sei o que é, mas ainda aparecerá. Com o convívio definiu-se. Em 1931, Tristão foi convidado por nós para fazer conferências em São Paulo, sobre o problema da burguesia (*). Essas conferências marcaram época. O Teatro Municipal ficou à cunha do que São Paulo tinha de melhor. E foram conferências sensacionais, que deram ao Movimento Católico outro caráter, foi um triunfo. Foi um triunfo também do nosso Grupo. ----------------------------------(*) Em duas palavras era isto: uma história de economia em que ele mostrava que a burguesia pelo seu próprio desenvolvimento, por causa da hipertrofia, tinha que cair no comunismo. A tese era ortodoxa. As conferências eram, portanto, ultramontanas. -----------------------------------

c) Reticências cada vez maiores Ele não era um homem desses de feitio de espírito independente. Pense o meio o que pensar, ou está com a Igreja e é bom, ou está contra a Igreja e é ruim. E, portanto, ou aplaude muito porque é bom, ou mete o pé porque é ruim. Mas não fica neutro. Porque a neutralidade é uma atitude que o homem de valor não conhece, que um homem de Fé não conhece. A Fé não é neutra. Nada na vida de Nosso Senhor Jesus Cristo ensina a neutralidade. Ensina-nos, isto sim, a luta! E por causa disso, tudo quanto é movimento que tentava infiltrar-se no meio católico, vinha parar a mim pelas mãos dele. Ele apresentava, credenciava: Olha, é um movimento muito bom que está querendo aparecer. Veja se você apoia isso em São Paulo, etc. E eu, implacavelmente, se aparecesse uma coisa boa estava disposto a apoiar. Mas não sendo boa, não apoiava! 148


Ele, fervoroso entusiasta de Hitler e de Mussolini, alegando que era por serem contra o comunismo. Afirmava que Hitler e Mussolini eram anticomunistas. Eu: – Dr. Alceu, eles não são anticomunistas! Aquilo é um jogo. – Já vem você com suas coisas. – Mas Dr. Alceu, o senhor me dê argumentos! Eu estou dando argumentos. Não é só achar graça. Digame: eu estou errado em quê? – Nããão Plinio, quando você ficar mais velho, você entenderá. Eu pensava: Afinal de contas, São Tomás de Aquino não diria ao discípulo ‘quando você ficar mais velho você entenderá! A gente forma um discípulo dando argumentos. ‘Você verá’, verá o quê? Ele não sabe? Por que já não me diz agora? Será que eu, com os meus 30 anos, não sou um homem adulto para conhecer os seus raciocínios? Não dizia isso a ele. Mas era o que me ficava dentro da cabeça. Quer dizer, reticências cada vez maiores.

2. Os oportunistas falseando os movimentos sinceramente católicos a) Admissão e promoção dos oportunistas Eu conheci São Paulo de antes do tempo das Congregações Marianas: entendia-se que uma mulher comungar, ficava bem, mas que um homem comungar era ridículo, não tinha propósito. Quando as Congregações Marianas começaram a crescer, cresceram logo de uma vez com tal impulso que, na primeira etapa, esta gente que dava ideia de um paredão de anticatolicismo erguido no meio do sexo masculino contra a Igreja Católica, compreendeu que não valia a pena combater de frente, era melhor fingir que não via. 149


Então não se comentava as coisas das congregações marianas, não se falava de Movimento Católico, podia fazer uma procissão com alguns milhares de jovens católicos no centro da cidade, que ninguém comentava. Mas esse não comentar, substituía ao primitivo ridículo, e fazia notar que um progresso notório se registrava. Mais adiante, cresceu ainda mais o número de congregados e em certas rodas passou a ser bonito ficar congregado mariano. Quer dizer, nós temos no começo da evolução um ambiente contra, que tem uma parte de autêntico e uma parte de mentiroso. Quando a gente desmente a mentira, quando a gente prova pelo crescimento que aquilo não é assim, muita gente que teria simpatia, mas que chegava a fingir-se anticatólica adere ao Movimento Católico. Em certo momento até os oportunistas aderem. A adesão dos oportunistas é ao mesmo tempo a vitória e a derrota dos movimentos sinceramente ideológicos. Entra cada quinta coluna, cada sem vergonha... Foi o ocaso das Congregações Marianas. A admissão dos chefes de aventura que tinham apenas um pouco de elogio das mídias e que já os colocavam na direção. E o falso diretor cria o falso súdito, e o Movimento Mariano começou a se falsear. Começou nesta época a aurora de um novo líder católico, Manuel Vítor de Azevedo. Era locutor de rádio. Tinha uma sessão um pouco puxada a “Angelus” de Millet: “Seis horas – Ave Maria”. Depois, uma voz como a piedade brasileira, nas suas deformações, gosta muito. A coisa mais melosa que conheço em matéria de piedade. A piedade sentimental e adocicada dele era o caldo de cultura da popularidade de Dom José Gaspar. E ele 150


fazia propaganda de Dom José, o Arcebispo Seis horas – Ave Maria. Dom José o favorecia muito. Qual era a vantagem [para os progressistas]? É que começava aparecer um líder católico em São Paulo que não era eu. E tudo quanto não fosse eu, era muito bom para ser aprovado de qualquer jeito.

b) Admissão massiva de gente que não é íntegra e adoção de símbolos ridículos Em determinado momento começou a se espalhar uma ideia: ‘Que beleza o Movimento Mariano! Como o número dos congregados marianos impressiona! Para nós acabarmos de conquistar o Estado de São Paulo e o Brasil todo para Nossa Senhora, nós devemos admitir o maior número possível de congregados marianos, ainda que não sejam muito bons, ainda que não sejam muito direitos. O número impressiona, e eles arrastam!’ Eu toda a vida fui contrário a essa escola. Abel e Caim ofereceram sacrifícios a Deus. Abel ofereceu frutas boas, sadias, em boas condições. Ele pôs fogo naquilo e a fumaça subia em direção a Deus. Caim pegou frutas que não tinham valor e queimou essas para Deus – as outras ele ia comer –, mas o fogo não subia, saía horizontalmente. Deus não aceitava o sacrifício. Porque Deus não se contenta com o que é podre. Deus é infinitamente puro, absolutamente puro, Ele é a Pureza! E Ele não quer o sacrifício do homem impuro. Ele quer que o homem impuro fique puro, isto sim. Mas não quer que nós tenhamos gente impura, que não tem vontade de ficar pura e fica praticando a impureza nas fileiras da pureza. Isto Deus não aceita. E o apostolado dessa gente são os frutos podres de Caim. Não valem nada. Eu me opunha a isso: Não senhor! Nós devemos ter congregados marianos autênticos, em que se olhe e 151


se diga, ainda que fossem poucos: ‘Que puro!’ Isto sim. Agora, o número de impuros não vale nada. O que vale é a presença da graça de Deus naqueles que de fato se consagram ao serviço d’Ele. Isto é que vale! – Plinio, não seja intransigente, você é muito intolerante! A bondade não é essa. Olha o pai do filho pródigo! Eu respondia: Está ótimo para um filho que se arrependeu, que voltou para casa chorando, dizendo que tinha andado mal. Aí o pai recebeu-o bem, e até o acolheu com uma festa muito grande. Está bem. Mas para o que está na impureza viver no meio dos puros e dando mau exemplo aos puros, absolutamente, não! Lembro-me que se armou uma concentração mariana muito grande no pátio da igreja do Coração de Jesus. Estavam lá delegados de todos os lugares do interior do Estado de São Paulo, representações de outros Estados, mas não apareciam os congregados marianos de uma certa área de São Paulo. Em certo momento, quando a reunião já ia um pouco alto, se ouve uma fanfarra que procede da rua, entra no pátio: era a delegação dessa região de São Paulo, mas um número enorme de congregados marianos! Uma coisa espantosa! Ninguém sabia que fossem tão numerosos. Como se explica isso? Explicação: os encarregados tinham pagado jovens, que não eram congregados, para aumentar o número de congregados aparentes, e aparecerem com distintivo para fazer parte da concentração. Ou seja, uma fraude, uma coisa indecente! Ademais, outra coisa: a adoção de símbolos ridículos. Havia uma cobertura para a cabeça chamada “bibi”, que se caracterizava por ter duas pontas, não tinha aba. Inventaram que os congregados marianos usassem bibi de papel! E impresso em azul e branco, cores de Nossa Senhora. Uma coisa degradante, uma coisa humilhante! 152


Assim, uma porção de outras manobras que depreciavam a congregação mariana. Eu disse francamente: – Olhem, comigo os senhores têm contado para o que querem: as maiores provas de coragem, o maior trabalho, os maiores sacrifícios, evidentemente sem nenhuma remuneração, e é natural. Não contem comigo para usar bibi! Não vou fazer um papel de ridículo! De maneira que eu continuo a comparecer às reuniões marianas; se quiserem me convidar para ser orador, convidem. Mas eu pôr bibi, ainda que seja para fazer discurso, não contem comigo! – Mas, Plinio, não tome essas coisas assim. – Eu tomo. O que eu não quero para a minha cabeça, eu não quero para a cabeça dos outros. Eu não sou dos que dizem ‘bom, eu não vou usar bibi, fiquem com o bibi!’ Eu não quero o bibi para ninguém! Eu estou propondo a extinção do bibi! – Ah, não podemos. O povo gosta tanto de olhar para o bibi! – Não gosta nada. Fantasia. Com isso o Movimento Mariano parecia uma fruta quando vai ficando podre: cresce demais, se entumece e muda de aspecto. Assim o Movimento Mariano foi apodrecendo.

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Capítulo III Preparativos tendenciais para esvaziar o movimento católico 1. Coisas do clero que me causaram estranheza naquele tempo Quando ingressei na Congregação Mariana de Santa Cecília, percebi aquilo que no convívio geral com os meios católicos depois eu haveria de notar mais acentuadamente e que é o seguinte: A doutrina ensinada era ortodoxa, normal. Seu conteúdo era perfeito. Mas no modo de lecionar a doutrina eu senti certa estranheza. Porque me parecia que existindo a Revolução – que era o grande movimento que estava levando o mundo para o caos – seria normal que as verdades mais próprias a dar o espírito oposto à Revolução fossem ensinadas com mais insistência. Por exemplo, a respeito do Papado, da hierarquia, não dar apenas uma aula como muitas outras, ou ao lado das outras, mas insistir mais, desenvolver mais, fazer sentir o que há de contra-revolucionário, inculcar entusiasmo nessas matérias. Porque era por essa forma que se poderia evitar que as pessoas ficassem revolucionárias. Ora, eu notava que o ensino era feito pouco mais ou menos como se a Revolução não existisse. Era dado nas nuvens, como, aliás, eu creio que muitos dos senhores tiveram suas aulas de Catecismo. Quer dizer: Deus Uno e Trino, Padre, Filho e Espírito Santo, etc; depois: Jesus Cristo se encarnou, etc. Tudo aquilo neutro, como se fosse dado aos esquimós no século XV, ou aos turcomanos no século XVIII, tudo exatamente da mesma maneira. 154


E isto já era uma coisa que me causava certa estranheza, porque eu notava uma falta de visão, de percepção da Revolução. Ou uma vontade de condescender com a Revolução. Era, portanto, um primeiro ponto, não de atrito, mas um primeiro ponto de estranheza. Outro ponto de estranheza resultava do seguinte: Eu percebia que o mundo moderno era todo ele impregnado de espírito revolucionário em matérias que não tinham um sentido diretamente religioso, mas que elas acabariam por afetar de um modo ou de outro o espírito católico. A. A mania de velocidade Por exemplo, a mania da velocidade. As velocidades naquele tempo eram muito menores do que as velocidades no tempo de hoje [1973], mas já eram muito grandes. E havia um verdadeiro entusiasmo, uma verdadeira mania de velocidade. Ora, acontece que a velocidade não é intrinsecamente contrária à doutrina católica, mas ela tem o inconveniente muito grave de impedir o recolhimento e a pompa. Uma pessoa não se recolhe adequadamente num veículo que está se deslocando a toda velocidade. Imaginemos, por exemplo, a seguinte frase: São Bernardo estava num automóvel de corrida, compondo a Salve Regina num recolhimento extraordinário. Faz rir, porque a gente entende que não é possível. Como também a pompa. Toda a pompa da vida, toda a grandeza da vida é prejudicada pela velocidade. B. Transformações nos costumes Às vezes há transformações nos costumes marcadíssimas. Por exemplo, mais ou menos nessa época, os 155


homens sempre tratavam qualquer senhora que não fosse sua parenta chegada, de “senhora”, ainda quando fosse da mesma idade. E ela tratava o homem de “senhor”. Era o modo de estabelecer as diferenças entre os sexos. Agora, o que acontece? Passaram senhora e senhor a se tratar de“você”, sem o menor protesto da autoridade eclesiástica. Não tem nada contra o VI Mandamento. Mas era uma tradição antiga, preciosa, valiosa, que era oportuno não eliminar, não destruir, porque aumenta a distância entre os sexos. Pelo menos uma advertência poderiam ter dado: Agora que está entrando este costume, vocês cuidem de aumentar a distância entre os sexos. Porque, se cai uma barreira, ponhamos outra. Nada! Uma ignorância completa, uma indiferença completa com o que acontecia. C. Domingo de carnaval Outro exemplo: domingos de carnaval. As igrejas cheias. Na maior parte dos púlpitos não se falava do carnaval. Abria o Evangelho da semana. Vamos dizer que fosse o Bom semeador. Então, tatatá, lá vem a explicação. Fecha e vai embora. À noite aquela gente está saracoteando em festas de carnaval. Nenhuma palavra! A realidade contemporânea não existia. Mas o resultado é que ela ia entrando, ia devorando, ia alterando os costumes completamente. D. O homem se tornava mole Chamava-me também a atenção uma forma curiosa de compreender a religião pela qual o homem que ficasse religioso, com facilidade se tornava, não digo efeminado, mas mole, pouco combativo, pouco enérgico, pouco coerente. Tomava inflexões de voz: Ah, reverendíssimo 156


senhor vigário, Vossa Reverendíssima então quer taaal coiiisa, ééé? Todo cantante, todo dengoso. É uma coisa que não tem propósito, que história é essa? O esplendor do homem consiste em ser másculo, em ser aguerrido, em ser forte, em ser combativo! Assim, várias outras coisas. E. Eliminação da militância, de modo tendencial Estou falando da vida da Igreja. Por exemplo, qualquer um naquele tempo sabia quem era São Vicente de Paula, porque havia muitas imagens nas igrejas mostrando São Vicente sorrindo e dando pão para uma criança. Então as pessoas ficavam com a ideia de que era um homem muito bom, que arranjava pãezinhos e dava para as criancinhas. O que seria uma coisa muito boa. Não se contava nunca que São Vicente de Paula foi um herói na luta contra o jansenismo. Nunca! Outro exemplo, São Gregório VII142: nas histórias universais vinha São Gregório VII como tendo feito com que o Imperador lhe osculasse os pés e pedisse perdão. Mas não se rezava para São Gregório VII. Não havia um altar, não havia culto a São Gregório VII, nem jaculatórias, nada disso. Quase que os santos estavam divididos entre os santos que não eram meigos e os que eram meigos. E os santos que não eram meigos eram objeto de uma campanha de silêncio sistemática, para evitar que uma mentalidade verdadeiramente aguerrida se formasse entre os católicos. 142 – Gregório VII, São – (1020-1085). Papa de 1073 a 1085. Foi o principal promotor da reforma chamada gregoriana visando purificar os costumes eclesiásticos (contra o matrimônio dos padres) e emancipar a Igreja do poder temporal. Em razão “das querelas das Investiduras” excomungou o imperador Henrique IV desligando todos os seus vassalos do juramento de fidelidade. Estes entraram em rebelião contra o imperador o qual foi implorar perdão ao Papa em Canossa.

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2. O prestígio da causa anticomunista passa das mãos do movimento mariano combativo para às dos moles – Papel da autoridade eclesiástica Em 1935 estávamos no auge do nazismo, do fascismo, do salazarismo e do franquismo no mundo. É a época em que a reação anticomunista na Espanha empolgava. O nazismo vivia os dias mais gloriosos. Era um período em que a ideia de que o comunismo é um perigo grave e que só por meio de um regime forte se resiste a ele, estava cada vez mais acreditada e todo mundo achava razoável. Todos os brasileiros mais ou menos sentiam o perigo comunista, não um perigo próximo, mas um perigo possivelmente próximo de um momento para outro. Considerem um pouco a situação: 1935, movimento mariano pujante, movimento comunista se desenvolvendo. Qual era a esperança natural de todo o mundo? Que o Movimento Católico fornecesse os homens para enfrentar o comunismo, que o Movimento Mariano fosse a solução para o movimento comunista. Era o curso natural dos acontecimentos. Precisamente a essa altura, dão-se fatos que representavam o mais grave prejuízo para nosso o apostolado: Por exemplo, o Movimento Mariano começa a tomar diante do comunismo uma posição mole, proveniente infelizmente das autoridades eclesiásticas. Todo mundo sentia que as congregações só poderiam moverse pela direção da autoridade eclesiástica nesse terreno. Menciono dois fatos: A. Sabotagem por parte de Dom José a pedido de Dom Duarte Primeiro, em 1934 foi promulgada a Constituição 158


que incluía as emendas católicas. Era uma grande data católica. Para comemorar essa Constituição convocase em São Paulo uma concentração mariana monstro, na Praça da Sé. Foi precedida por três ou quatro dias de conferências solenes na igreja de São Bento, feitas por leigos, com uma afluência colossal. Com a igreja de São Bento repleta, começam a correr boatos de que os comunistas iriam entrar em choque com os congregados marianos. Dom Duarte estava assistindo a sessão solene na igreja de São Bento atrás do órgão, sem ser visto, por estar adoentado. O Armando Salles, Governador do Estado, mandou o Artur Leite de Barros, Secretário da Justiça e Segurança Pública, procurar Dom Duarte e dizer que o governo do Estado mandava pedir a Dom Duarte que impedisse os congregados marianos de desfilar em praça pública, com receio de um enfrentamento com os comunistas. E mandava acrescentar que se houvesse algum choque com os comunistas e morresse algum congregado, o governo de São Paulo lavava as mãos. Isto desceu como boato para todos os congregados que estavam reunidos na igreja de São Bento. Todos ficaram elétricos de contentamento de irem, mesmo sem armas, enfrentar os comunistas no Largo da Sé. Um velho Arcebispo de setenta e tantos anos, naturalmente pensando em razões sentimentais, e com a oportunidade de fazer uma gentileza ao governo do Estado, o que é que ele faz? Manda Dom José Gaspar, já Bispo Auxiliar nessa ocasião, dirigir-se aos congregados nesses termos: Meus caros congregados marianos, eu vou vos pedir um sacrifício tremendo, um sacrifício formidável: não fazer a concentração mariana no Largo da Sé, mas fazer no Liceu Coração de Jesus e depois nós faremos o desfile. 159


Os congregados marianos receberam essa comunicação com um desapontamento respeitoso, sem revolta, e com tristeza. E com a perspectiva do desfile, se conformaram com a ideia da concentração no Coração de Jesus. E a concentração foi transferida do Largo da Sé para o pátio do Coração de Jesus. No dia seguinte realiza-se a concentração. Uma imensidade de congregados marianos, uma das cenas mais bonitas que eu tenha visto em minha vida, porque era uma quantidade que correspondia ainda à ideia de qualidade, não era pura inflação. Foi o mais bonito episódio, esteticamente falando, do Movimento Mariano. Naquela efervescência, todo o mundo esperando o desfile, Dom José comunica outro desejo de Dom Duarte: que era preciso fazer um segundo sacrifício, isto é, que os congregados marianos não fizessem o desfile. Aquilo foi na concentração uma espécie de balde de água fria. Todo o mundo sentiu perfeitamente que no momento em que era preciso uma atitude máscula diante do comunismo, a autoridade eclesiástica queria uma atitude mole. E não era sob esta orientação que os congregados resolveriam o problema do comunismo como todo o mundo queria que ele fosse resolvido. Isto desacreditou o Movimento aos olhos dos melhores marianos, dos mais dedicados, daqueles que naturalmente seriam nossos amigos. Quer dizer, foi uma desmoralização das elites. Mas esse fato não seria suficiente para produzir esse efeito. Era toda a atitude da autoridade eclesiástica que estava nessa orientação. O fato referido acima, Dr. Plinio contou numa série de dez reuniões na década de 1950. É preciso ter presente que ele foi relatando suas memórias ao longo dos anos em reuniões, de modo improvisado, sem nunca ter utilizado documentos ou notas enquanto expunha. Eram me160


mórias dadas de memória, diria o Conselheiro Acácio... Ademais, não foram revistas por ele. Daí o interesse de introduzir certos textos de autores alheios às fileiras da TFP, que muitas vezes servem de comentário ou confirmação para o que o Dr. Plinio sustentava. Confirmação do dito por um “teólogo” da Libertação

Sobre a parte exposta acima, como também o fato que se seguirá, é muito eloquente e insuspeito o que afirma o historiador e “teólogo” da Libertação padre José Oscar Beozzo a respeito do amolecimento do Movimento Católico e do papel de altas personalidades da Hierarquia Eclesiástica nesse sentido. Afirma ele em 1984, portanto 54 anos depois dos fatos relatados pelo Dr. Plinio : “Tais reivindicações, bem como uma série de outras, foram incluídas na Constituição Federal, mas o problema do engajamento político volta novamente em 1935, ano da “Intentona Comunista”, e agora, de maneira crucial, para os militantes da Ação Católica. Muitos desejavam um engajamento na luta anticomunista, argumentando que as “milícias” da Ação Católica faziam péssima figura (...). “Novamente, o Cardeal Leme volta ao seu “não” categórico: para ele não se conquistam almas pela espada, mas pelo apostolado. “Não se trata de dominar, de esmagar, de vencer no sentido material. Os comunistas, os inimigos de Deus, os inimigos da Igreja são os que têm mais necessidade de contato com Nosso Senhor. Nossa missão é a de facilitar o encontro (22)”.143

Tristão: “uma extensão da pessoa do Cardeal Leme”

São também muito reveladoras – no sentido do que Dr. Plinio está comentando a respeito da posição da autoridade eclesiástica, 143 – Pe. José Oscar Beozzo, Cristãos na universidade e na política. Ed. Vozes, Petrópolis, 1984, pp. 32-33. A nota 22 se refere à Irmã Maria do Santo Rosário, OCD, in O Cardeal Leme (1882-1942), pp. 344-347. (Grifos nossos).

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enquanto favorecedora da Revolução – as relações entre o Cardeal Leme (já partidário do encontro com os comunistas) e Tristão de Athayde, relatadas pela Irmã Maria Regina do Santo Rosário. Tristão é apresentado “como uma extensão da pessoa do Cardeal Leme”. Sustenta ela: “Um auxiliar, entretanto, sobrelevouse a todos nessa emergência (da Constituinte de 1934), pela dedicação, capacidade e operosidade: foi Alceu Amoroso Lima [Tristão]. Sempre a postos, era como uma extensão da pessoa do Cardeal D. Leme quem nunca deixou de acompanhar pelo rádio as sessões Cardeal Leme mais decisivas da Constituinte. Ao pressentir perigo para a causa da Igreja, imediatamente chamava Amoroso Lima, punha-o a par do que se passava e dava-lhe instruções para agir. Compreendido a meias-palavras, obedecido sem vacilações, graças ao Secretário-Geral da LEC, D. Sebastião [Leme] multiplicava seu próprio poder de interferência e penetrava até onde, pessoalmente, não poderia ir”.144

B. Fraqueza de D. Duarte Segundo fato: como o clero desmoralizava o Movimento Católico: Lembro-me – continua o Dr. Plinio – que mais ou menos nessa ocasião fui procurado por um congregado de origem modesta, chamado Sarti, do qual perdi o traço depois, que trabalhava no presídio político e que já Dom Duarte tinha trabalhado conosco na LEC. Depois de me pedir mil e mil reservas, me contou que os comunistas [presos após a Intentona de 35] não estavam sendo julgados pelo governo. Eles estavam todos presos na cadeia, mas tinham a liberdade de se 144 – Irmã Maria Regina... op. cit., pp. 317-318. (Grifos nossos).

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comunicar entre si, sem que houvesse ninguém da polícia para espionar. Pior ainda, eles recebiam, como se fosse num hotel, todo o mundo que quisesse falar com eles. Tinham comida excelente à custa do governo e até as coisas menos prementes, menos urgentes. Contou-me um caso característico: Fulano de tal, um dos chefes do comunismo, começou a se queixar que ele não estava mais se ajustando bem com os óculos e mandou perguntar se era possível mandar vir um oculista com o aparelho necessário para fazer um exame na vista dele, para receitar óculos, para poder ler melhor, e para poder trabalhar melhor dentro da cadeia. Quer dizer, regime de pai para filho. Estou resumindo muito, de fato as informações eram muito mais numerosas do que estas que estou dando. Sarti me disse: Eu posso ser posto fora desse emprego que eu tenho se souberem que eu estou denunciando todas essas coisas, mas de outro lado eu não me sinto bem com minha consciência e venho contar ao senhor esse fato. Eu disse: Sarti, se você fizesse um negócio com a Cúria, ela é muito rica, poderia perfeitamente garantir a você um emprego razoável em qualquer coisa, para você subsistir caso fosse posto fora. Mediante essa promessa você me daria um relatório contando todas essas coisas. Eu pediria ao Arcebispo [D. Duarte] que levasse esse relatório ao governo do Estado e agisse. Se você for posto fora do cargo, você não perderia nada porque você tinha a promessa da Cúria. Ele me disse: Se o senhor Arcebispo, por seu intermédio, me prometer isso, eu lhe garanto que faço. Vou e procuro Dom Duarte. Ao falar com o Arcebispo, ele começou a se manifestar muito interessado, mas ao mesmo tempo fazendo 163


repetidas vezes sinal para eu baixar o diapasão de minha voz. Quando terminou tudo eu disse: Sr. Arcebispo, este rapaz, para dar o relatório, para resolver o caso, pede apenas isto. Se V. Exa. quiser, V. Exa. me autoriza a fazer essa promessa, ele dá o relatório, eu oriento bem. V. Exa. procura o Governador do Estado, e interpõe um protesto contra isto. O Arcebispo pensou um pouquinho e disse o seguinte: O senhor está vendo que nós estamos diante de uma trama que é muito maior do que a nossa força, porque em última análise o próprio governo do Estado é conivente com isto. Diante da gravidade desta trama, não é judicioso que o Arcebispo se coloque na questão. Chegará o momento em que os senhores leigos deverão levantar as pedras das calçadas e lutar. Então lutem. Mas eu acho que no momento não é prudente fazer nada. Diga a esse rapaz que eu não lhe dou nada e que não lhe garanto nada. O que equivale a dizer o seguinte: deixe o movimento comunista crescer até arrebentar uma revolta, quando ela arrebentar, reajam. Mas nós, congregados marianos, íamos reagir? Podíamos reagir? Não podíamos reagir quando a palavra de ordem era: Não se metam na política e não criem dificuldades. C. Tentativa de atordoar-me com o perigo comunista Lembro-me que durante este tempo procuraram me atordoar com a gravidade do perigo comunista. Eu fui visitado em casa, em 1935, por um conhecido, que me veio dizer que havia provas de um complô tremendo que estava sendo preparado para acabar com a Igreja em São Paulo. E que a minha cabeça era das primeiras que deveriam cair. 164


Eu já estava vendo o jogo, recebi com marcas de aflição mais extrema: Que coisa!, etc. Quando ele terminou, eu disse: Meu caro, você e eu temos uma responsabilidade gravíssima. É preciso absolutamente que você me dê as provas, que eu hoje mesmo tomo um trem, corro ao Rio e falo com o Cardeal Leme; falo antes com Dom Duarte: percorro todos os Bispos do interior, e garanto a você uma pastoral coletiva, de arrebentar, contra o comunismo. É um golpe contra ele que jamais se restabelecerá. O rapaz me olhou bem de frente e me disse: Você quer matar de vez o comunismo? E depois o que será de nós [falsas direitas] se o comunismo desaparecer? É um fato que eu posso jurar sobre o Santíssimo Sacramento. Ele acrescentou: Vamos combater o comunismo, mas devagar. É como o médico canalha que quer manter a doença para poder se justificar.

3. Alfredo Egídio de Souza Aranha A. Situação e psicologia de Alfredo Egídio. Tenta cooptar o Dr. Plinio. Ameaças.

Alfredo Egídio de Souza Aranha era de uma família tradicional. A mãe dele era Souza Queiroz [uma das melhores famílias de São Paulo]. O pai era Souza Aranha, político muito influente. O Alfredo Egídio era um homem muito representativo, e muito relacionado, tipo do viveur, do homem de clube, com algum dinheiro, corridas, vida fácil, mas ateu. Era advogado do Banco Francês Italiano para a America do Sul. Esse banco desenvolvia em São Paulo o melhor do movimento bancário da colônia italiana, num período em que a Itália estava já sob a direção do fascis165


mo e o banco levava a cabo uma atividade fascista muito forte aqui. Seu irmão era o representante no Brasil da casa Rothschild, uma das maiores potências econômicas do mundo. A senhora do Alfredo Egídio era muito católica, profundamente religiosa, de muito boa família, rica e bem mais velha do que eu. Era uma das senhoras que mais tenho admirado na minha vida. A família dela tinha relações muito chegadas com a minha, de maneira que eu a conhecia bem e ela a mim. O casal não tinha filhos, mas tinha como filho adotivo um sobrinho deles, Ângelo, que era congregado mariano de Santa Cecília e compunha nosso Grupo. Depois saiu, mas naquele tempo era um congregado mariano muito fervoroso, muito inteligente, uma inteligência absolutamente privilegiada, muito bom orador, estudante de Direito. Era mais ou menos de minha idade. Eu, ao entrar para a congregação, conheci-o e ficamos muito rapidamente amigos. Como era natural, o convidava para minha casa; ele para a dele. O Alfredo Egídio prestava muita atenção no que eu dizia. Às vezes tinha discussões violentas comigo; diziame algumas coisas, mas eu também lhe dizia outras “le bâton haut”. Uma vez, olhando-me, interrompendo a minha conversa com a senhora dele, me disse: – Se eu te convidasse para trabalhar no meu escritório de advocacia – eu estava para me formar – não trabalharia, não? Tirei o corpo. E ele acrescentou: – Eu sei bem por que você não trabalharia. Você quer trabalhar num bom escritório de advocacia. Mas você acha que eu sou ladrão, e por isso não quer perder sua alma e trabalhar no meu escritório. 166


Dei risada. E continuou: – Vou lhe dizer uma coisa: você não tem dinheiro e com essa sua honestidade imposta pela Igreja Católica, não tem outra saída senão, formando-se, ficar juiz. Ficando juiz, vai viver a vida inteira de um ordenadinho. O futuro que você terá é fazer um concurso, ser nomeado juiz para uma cidadezinha qualquer, lá passará dez anos, quando ficar velho você será promovido a desembargador. É o máximo que você atingirá. Você, portanto, vai ser um homem obscuro e apagado. Eu: – Dr. Alfredo, se isso acontecer, eu dou por bem acontecido, porque cumpri a Lei de Deus. Porque violar a Lei de Deus, eu não quero! Não há perigo. Em todo caso, Nossa Senhora me protegerá. Se for desígnio d’Ela, não será o futuro que vou ter. Ele deu uma risada e disse: – Isso... você e Nossa Senhora, Nossa Senhora e você... Chegada a hora “H”, você verá que Nossa Senhora não lhe protege porque Ela não existe. Eu contrapunha: Eu confio n’­Ela. O Sr. não confia. Trata-se de meu futuro, é o que eu vou fazer, como quem dissesse: Não se meta na minha vida, eu faço o que quero. Está acabado. Depois, percebi, em conversas, que ele andou tomando informações a meu respeito, porque chegava perto de mim e perguntava: Fulano de tal é seu primo, não é? Eram os ramos mais distantes da minha família, eu os conhecia de nome. Disse-lhe: É! Ele: Porque há tal coisa assim. Outra coisa: Tal senhor idoso, assim, que frequenta o Automóvel Clube de São Paulo, o que é que ele é de você? Eu: É Dr. Fulano, irmão de minha avó, é meu tio. Ele: Aquele leva um vidão. 167


Eu me dei conta que ele queria alguma coisa de mim, que não estava conseguindo. Daí a pouco fundaram um jornal. Era um jornal que tinha boas instalações, máquinas grandes. Ocupava um espaço de bom tamanho. Em cima, os escritórios. Havia dinheiro. De repente, apareceu um rapaz de uns cinco ou dez anos mais velho do que eu, vindo do Rio de Janeiro. Era inteligente e bem apresentado. Chamava-se Santiago Dantas. Depois foi Ministro da Justiça, teve grande repercussão na vida do Getúlio Vargas, pois aderiu a este ditador. Aí percebi o que ele tinham querido de mim: ser redador-chefe do jornal. Como eu não tinha cedido, [a posição político-religiosa dele] convidaram o Santiago Dantas. Disseram-me: Toda a redação de jornal é muito animada. Vêm amigos conversar. E nós quereríamos que você fosse conversar conosco à noite. Não ia deixar meu Grupo do “Legionário” para ir conversar no jornalão deles. Mas, enfim, aparecia às vezes. Seria natural que me pedissem para escrever um artigo ou outro. Nunca pediram. Quer dizer, como eu não tinha aderido, era bloqueado. Estava-se realizando o que o Alfredo Egídio me havia dito: posto de lado, bloqueado, reduzido a ficar um pequeno juiz no interior. B. Alfredo Egídio: getulista Quando o Getúlio subiu, o Alfredo Egídio aderiu ao Getúlio, apesar da coloração nitidamente socialista que o Getúlio deu ao seu governo especialmente em São Paulo. O Alfredo Egídio ajudou um Coronel Miguel Costa, da Revolução de 30, a fundar aqui uma Legião Revolucionária. E quis atrair para essa Legião Revolucionária o elemento católico, e, sobretudo nós, do nosso Grupo. 168


Um dia me reuniu em casa dele com outros amigos e propôs francamente: nós entrarmos na Legião Revolucionária, aceitarmos o programa que estava sendo elaborado. Deu-nos o programa para ler. Eu li, fiz objeções, recusei; meus amigos de Grupo recusaram também. Ele ficou muito desgostoso. Nós não entramos na Legião Revolucionária, apesar da pressão fantástica que sofremos. C. Era preciso pregar o verdadeiro heroísmo católico Minha ideia para combater o nazismo não era tanto de combatê-lo diretamente, mas era de responder o seguinte: A massa apodrecida no liberal-socialismo e apodrecida no burguesismo está numa dessas horas de saturação em que ela quer outra coisa. Em vez de eu combater o nazismo, o verdadeiro seria que eu apresentasse um Movimento Católico que, baseado no livro A Alma de todo Apostolado de Dom Chautard, fizesse a pregação do heroísmo, e com provas históricas, notícias de fatos heroicos da vida dos santos para provar que assim e só assim se chega a essa plenitude que eles pretendem conseguir sem isso. Se um livro assim pudesse sair, seria verdadeiramente o tiro de morte. Mas para que isto pudesse pegar não podia ser um mero livro. Eu teria que ter um livro e um movimento. Mas encontrei da parte da cúpula do Movimento Católico – da parte das autoridades e da parte dos dirigentes imediatos eclesiásticos ou leigos do Movimento Católico – a recusa mais completa.

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Capítulo IV Forças que minavam o movimento católico internamente no terreno teológico e eclesiástico: o Liturgicismo e a Ação Católica Eu deveria falar das forças que minavam o Movimento Católico no terreno propriamente teológico e eclesiástico. Pelos idos de 1935 eu já estava com sete anos de militância dentro do Movimento Católico e tinha naturalmente tomado parte numa série de mal-entendidos, e sempre uma coisa que me edificou muito até aquele momento era a facilidade com que esses mal-entendidos se dissipavam nos meios católicos. Às vezes era uma pequena concorrência entre uma associação e outra, uma pequena rivalidade, uma coisinha assim; não havia coisa mais fácil de dissipar. A concórdia que reinava entre os católicos era completa. O ambiente católico muito unido. Todos estavam unidos em torno da mesma doutrina católica, não havia ainda esquerda católica, não havia nenhuma dessas divisões. As crises internas da Igreja na Europa e um pouco nos EUA não tinham chegado ao Brasil. Nós vivíamos numa paz religiosa completa, numa confiança inteira de uns católicos com os outros, a concórdia das associações religiosas entre si era a maior possível. Não passava pela cabeça de nenhum católico que outro congregado mariano ou outra congregação, ou outra associação tivesse uma intenção desleal, malévola, anticatólica e que estivesse fazendo um trabalho de sapa. Inclusive não passava pela minha cabeça. 170


Na realidade esta grande concórdia dentro do Movimento Católico, não conhecendo inimigos internos, apresentava um quadro irreal, porque precisamente dos movimentos de esquerda católica da Europa começavam a vir propagandistas apoiados por pessoas de prestígio do Movimento Católico. Tristão de Athayde, Sobral Pinto e numerosos eclesiásticos mandavam vir esta gente. E esta gente vinha ao Brasil para fundar grupos que veladamente queriam espalhar as ideias da esquerda católica. O Movimento Litúrgico e a Ação Católica eram os grandes meios de penetração. Eram grupos instalados no Movimento Católico, dispondo de apoio e de forças católicas grandes. O Movimento Liturgicista e a Ação Católica eram movimentos visivelmente voltados para destruir aquele tom contra-revolucionário que o ambiente católico tinha e para transformá-lo num movimento revolucionário. De maneira que eu não só deixava de ter a liderança do Movimento Católico, mas o adversário penetrava-o ao se estabelecer nele. O Liturgicismo e a Ação Católica foram nascendo ao mesmo tempo em que o Movimento Católico foi decaindo. Além disso, existia a JOC – Juventude Operária Católica – um ramo da Ação Católica. Essa Juventude Operária Católica trabalhava a favor de uma modificação da organização social, no fundo para acabar com os ricos e com a propriedade privada, e fazer a igualdade completa das classes sociais.

1. Dr. Plinio inicia a especialização da luta contra os inimigos internos da Igreja Dr. Plinio relata a seguir como se deu uma de suas primeiras manifestações contra o perigo que começava a ameaçar o Movimento Católico: 171


Lembro-me que um dia estava jantando no restaurante Caverna Paulista com o Paulo Barros145 [membro do grupo do Legionário] e outras pessoas, e durante o jantar – segundo um costume que já então eu tinha e que de lá para cá não perdi – comecei a conversar, mas também a pensar em outra coisa. Lembro-me que em determinado momento devo ter feito uma cara muito zangada, porque o Paulo me perguntou no que é que eu estava pensando. Disse-lhe: Eu estou pensando numa coisa que é desde que eu estou militando no Movimento Católico, a que me tem alarmado mais e irritado mais. E confesso que estou com um furor tal, que se pudesse com um murro liquidar a situação que tenho diante de mim, eu liquidava. Mas é preciso por enquanto ficar quieto e não dizer uma palavra. O Paulo insistiu em saber o que era, mas julguei que não devia dizer nada. Nós estávamos com o inimigo dentro de casa e nós tínhamos que fazer face a uma luta de natureza diferente. A partir deste momento o nosso Grupo começou a se especializar na luta contra os inimigos internos da Igreja.

2. Gênese do Movimento Litúrgico e da Ação Católica A. Garric e as Equipes Sociais O primeiro passo para destruir o movimento das congregações marianas e, portanto, implantar o progressismo no Brasil foi mamãe quem me abriu os olhos. O Dr. Plinio se encontrava no Rio de Janeiro e recebeu uma carta de sua mãe, Dona Lucília. 145 – Ulhôa Cintra, Paulo Barros de – (1910-1990). Compunha o grupo de redatores do Legionário que além de Plinio Corrêa de Oliveira era formado por Fernando Furquim de Almeida, José Carlos Castilho de Andrade, José de Azeredo Santos, Adolpho Lindenberg, José Fernando de Camargo e José Gonzaga de Arruda.

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Ela tratava na carta sobre vários assuntos, e em certo momento ela disse: Agora sua mãe vai passar a outro ponto. Leia a notícia acima, é do professor francês fulano de tal. Era uma notícia dada como os jornais dão quando eles querem valorizar alguém: O tom era mais ou menos este: “Encontra-se no Brasil o professor Robert Garric146, notabilidade francesa que vem a São Paulo para lançar as ‘Equipes Sociais’, movimento que tem como objetivo interessar a juventude católica pelo destino dos operários e movimentar a fermentação das ideias sociais no Brasil”. Mamãe pôs-me na carta: Filhão, veja se isto não é feito para derrubar as congregações marianas e prejudicar você. Não sei como ela percebeu atrás disso que era uma coisa para acabar com as congregações marianas. A notícia, sem falar nenhuma palavra de congregado mariano, dava a entender que o apostolado das congregações ficava sendo uma forma caipira de apostolado em comparação com a grande novidade que vinha da França.

a) Encontro de Dr. Plinio com Garric Vim a São Paulo e recebi um telefonema: – Está o professor Garric no Hotel Terminus, e gostaria de travar conhecimento com o senhor, e falar das Equipes Sociais. – Pois não. Fui ao Hotel Terminus e tive uma conversa com ele. 146 – Garric, Robert – (1896-1967). Admitido em 1914 na Escola Superior francesa, foi professor adjunto (contratado temporariamente) de Letras em 1919 e, como tal, nomeado em 1928 assistente de Filosofia na Sorbonne. Fundou em 1920 as Equipes Sociais e fazia parte do meio católico reformista. (“Minha Vida Pública”..., p. 179).

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Sentamo-nos, começamos a conversar. Muito amável, ele disse que estava aqui por causa do movimento das Equipes Sociais, destinado a conglomerar os jovens, e capaz de fazer muito bem à juventude católica brasileira, porque a tirava da obsessão dos assuntos de piedade e ajudava a se preocupar também com as questões sociais. Não gostei nada, porque segundo a boa doutrina, o principal é a vida de piedade, a vida interior, a devoção; as outras coisas vêm depois em segundo lugar. O movimento vem para inverter a ordem. Perguntei-lhe: – M. Garric, o seu movimento é católico? – O sentido do movimento é cristão. – Eu queria saber o seguinte: é católico ou não é? – Não, os católicos devem tomar a dianteira para evitar que não fique católico. Pensei comigo: Há tanto movimento que não é católico aqui, para que deixar as congregações marianas, movimento brilhante, para ir se meter nisso? Significava deixar as congregações, porque não havia tempo para fazer as duas coisas. Pediu-me nomes de congregados marianos, como se fossem móveis que a gente dá de presente para alguém. Não pode ser assim. São entes vivos que não podem ser dados como quem dá dez laranjas. Eu naturalmente não dei. Contou-me que ele tinha participado da guerra de 14-18 e que com uma porção de companheiros tinham conhecido homens de classes sociais diferentes, e que eles viram como o convívio entre homens de classes sociais diferentes aproxima esses homens. E que era preciso continuar esse convívio depois da guerra, para estabelecer um vínculo entre as classes sociais. E isto se fazia assim: os estudantes iam aos bairros operários conversar com os operários. Aí era um aposto174


lado fantástico. Davam umas noções aos operários, ensinavam a ler e a escrever. Não falavam sobre religião. E depois os operários, comovidos com os estudantes, começavam a desconfiar que os estudantes eram católicos. Devia haver um ideal atrás disso, raciocinaria o bom operário. Então o operário, ao qual o estudante nunca devia falar de religião, um dia acabaria perguntando ao estudante: Mas o senhor é católico? E ele dizia: Sim, eu sou. Alguns se converteriam. Mas isto era fantástico. Era o que havia de melhor. Depois me explicou: As equipes vão para os meios operários, para ensinar-lhes a reivindicar os seus direitos, porque afinal não podia ser que eles ficassem dependendo dos bons patrões que quisessem dar-lhes o que eles tinham direito. O operário, ou arrancava seus direitos da mão do patrão que não queria reconhecer, ou nunca haveria operários bem instalados no mundo. E, portanto, era preciso ensinar-lhes esse senso de inconformidade. Perguntei-lhe: – Professor Garric, o seu movimento é bem visto na Igreja? – Ah, muito! Tais Arcebispos, Cardeais veem muito bem o meu movimento enquanto movimento leigo, enquanto movimento não oficialmente católico. Eu sou católico. Eu tenho vários jovens que são de comunhão diária. Mas isto não tem nada a ver com a Religião. Ora, na concepção contra-revolucionária, todas essas questões sociais são principalmente questões morais. E se se procura tirar isso da influência da Igreja, caminha-se para a Revolução. – Pois não, professor Garric, eu vou pensar. Depois, conforme for, comunico-me com o senhor. Até logo. Nunca mais nos vimos. Ele era um homem bem mais velho do que eu. 175


Garric apresentava-se como professor, uma espécie de agregé, ou algo assim da Sorbonne, e que veio para ser professor na Universidade aqui e fundar as Equipes Sociais. Ele veio contratado pelos que estavam dirigindo nesse momento a Universidade. Entraram alguns rapazes do Movimento Católico para essas Equipes. Dom Duarte não quis saber das Equipes. Os jesuítas gostaram muito. Apesar de Dom Duarte não querer essas Equipes e elas não terem sido fundadas em São Paulo, foram fundadas no Rio. Mas os rapazes em São Paulo que entraram para o movimento das Equipes passaram a constituir uma oposição liberal contra nós. Os rapazes do Rio vieram a constituir o elemento do movimento litúrgico do Rio. As Equipes Sociais foram promovidas pelo Tristão de Athayde, quem começou a estimular o movimento litúrgico, a Ação Católica e tudo aquilo que eu ataco no Em Defesa. Na carta de ruptura do Tristão comigo, a respeito do Em Defesa – que tenho no meu arquivo – ele se eriça, porque cada letra do livro contrariava as convicções dele, sobretudo o programa dele. (O relato acima é de 1982). As relações entre Tristão e Garric ficam confirmadas, por exemplo, pelos depoimentos de Dom Marcos Barbosa e da CNBB em 1996 e 1993 respectivamente: Depõe D. Marcos: “Um colega de pensão, Vicente de Oliveira Ramos, falou-me uma noite do Doutor Alceu, que fundara a Ação Universitária Católica, reunindo ‘antes mesmo da Ação Católica geral’ um grupo de estudantes que procurasse influenciar outros colegas, realizando o apostolado do meio sobre o meio. Convidou-me ele para participar de uma reunião na qual Doutor Alceu iria apresentar a um grupo de estudantes e operários o professor francês Robert Garric, que preten-

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dia lançar no Brasil o movimento das Equipes Sociais, visando à aproximação das duas classes”.147

E a CNBB declara:

“O reformismo ganha Alceu, às vésperas da II Guerra Mundial, na ilharga da reflexão maritainista e de um retorno às grandes perspectivas do cristianismo social, no qual, depois de Robert Garric e de suas equipes sociais, Tristão voltava à lição de De Mun e de Marc Sangner (...)”. [Este último condenado por São Pio X]148.

B. Em São Paulo: Liturgicismo e Ação Social para moças Em 1932 apareceu em São Paulo uma belga, Mlle. De Loneux149. Ela se apresentou de uma maneira estranha: solteira, um cabelo preto bem liso com um coque atrás, toda vestida de preto, sapatos sem salto, um ar muito misterioso, com uns olhos pseudo-cândidos, muito ruminativa, sempre mastigando, gorda, muito bem nutrida. Os olhos dela muito úmidos, mas no fundo da impassibilidade do olhar uma esperteza cintilava, mas creio que poucas pessoas percebiam porque todo o mundo gostava muito dela. Ela realizou uma série de conferências e eu deveria fazer umas duas ou três para o que era a nata dos cremes, a flor do movimento feminino católico em São Paulo. Lembro-me que durante minhas conferências, Mlle. 147 – Sociedade Brasileira de Filósofos Católicos, in D. Marcos Barbosa depõe, Ed. Anais, Rio de Janeiro, 1996, Vol. 86, p. 24. (Grifos nossos). 148 – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Comunicado Mensal, dez. 1993. (Grifos nossos). 149 – Loneux, Adèle de – (1886-1969). Em artigo de 16-8-2010, assinado pela assistente social baiana Talita Carmona Vieira, encontramos a seguinte informação: “Em 1932 o Brasil contou com a visita de Adèle de Loneux , trazendo novos ideais europeus acerca do Serviço Social por meio de diversas conferências que fez pelo país e ao retornar para a Bélgica levou consigo duas brasileiras, Maria Kiehl e Albertina Ramos, que ao se formarem sob influência europeia, voltaram ao país e fundaram a Escola de Serviço Social de São Paulo”. Minha Vida Pública... p. 183.

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Loneux ficava no fundo da sala ouvindo com uma curiosidade um tanto misteriosa. Mais ou menos nesse tempo já se começava a falar que um membro do nosso Grupo ia se tornar padre. E perguntaram a ela se eu não iria me tornar padre também. Fiquei sabendo que Mlle. Loneux fez o seguinte comentário, que achei um pouco esquisito: Ele é bom católico demais para se tornar padre. Coisa um pouco sinuosa, difícil de definir. Enfim, a coisa passou. Dez anos depois, soube, com toda certeza, pelo Arcebispo Dom José Gaspar e por uma moça, que Mlle. Loneux fundou aqui uma congregação religiosa secreta de freiras – para a qual essa moça tinha sido convidada – que deviam vestir-se de leigas, trajarem-se como leigas, mas ligadas pelo voto de obediência. Era uma congregação religiosa secreta fundada pelo Cardeal Mercier150 [belga] chamada “auxiliares do apostolado”; tinha dois ramos, um dos quais especialmente destinado a auxiliar os padres da Companhia de Jesus. Essas “auxiliares do apostolado” tomaram as moças diretoras deste grupo feminino e fizeram algumas delas passarem um, dois, três anos estudando numa Escola de Serviço Social de Louvain, para depois voltarem ao Brasil. Quer dizer, um verdadeiro noviciado, formação [iniciação], etc. Mas as famílias das moças não sabiam que elas eram religiosas, nem o público sabia, nem eu sabia. Nós temos aqui, para compreender bem a gênese do movimento liturgicista no Brasil, uma organização com muita influência no Movimento Católico de São Paulo, porque eram moças na sua quase totalidade ricas, das 150 – Mercier, Désiré, Cardeal – (1851-1926). Foi nomeado Cardeal em 1907 e presidiu as Conversações de Malines sobre o ecumenismo com uma delegação anglicana dirigida por Lord Halifax. Fundou na Bélgica uma congregação religiosa secreta chamada Auxiliares do Apostolado, que possuía dois ramos, um dos quais especialmente destinado a auxiliar os padres da Companhia de Jesus. Minha Vida Pública... p. 183.

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melhores famílias, inteligentes, capazes, sabendo dirigir muito bem e que recebem uma formação errada proveniente da Bélgica. Esta formação tinha como seu ponto principal de atração a ideia de serviço social. Aquilo era, e continua a ser, [em 1950] socialismo puro. Depois dessas conferências, Mlle. Loneux voltou para Bélgica e que eu saiba nunca mais retornou. As moças fundaram em São Paulo em 1933 o “Centro de Estudos de Ação Social”; em 35, a “Escola de Serviço Social”. Todo o elemento de esquerda do movimento feminino liturgicista recebia sua formação social – em última análise o socialismo – nessa “Escola de Serviço Social”. Essa escola foi o foco da Ação Católica e do maritainismo feminino em São Paulo. Também fundaram aqui o “Centro Leão XIII” e “A Lareira” que é uma espécie de Rotary feminino. Segundo me consta a “Escola de Serviço Social” do Rio de Janeiro também foi fundada por elas. Temos, portanto, no ano 32-33 a penetração do socialismo nos meios católicos de São Paulo, mas de um modo muito velado, muito indireto. Elas sabiam como era, mas tinham a tática modernista de divulgação de ideias: socialista naquele nucleozinho, mas não diz para fora; divulga apenas a meia palavra. De maneira que nós não percebemos logo como era a história. A Irmã Maria Regina do Santo Rosário, OCD, relata em 1962 como foi a penetração no Rio do mesmo espírito acima descrito pelo Dr. Plinio em reunião feita na década de 1950: “E a 25 de novembro de 1932, festa de Santa Catarina de Alexandria, na biblioteca do Palácio, o Cardeal Leme fundava, a título de experiência, o primeiro agrupamento de Ação Católica do Rio sob o título de Juventude Feminina Católica. Afluíram as jovens aos círculos de estudo. Eram em

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geral ex-alunas dos colégios religiosos, Filhas de Maria e Bandeirantes, mas havia também moças afastadas das práticas dos sacramentos e espiritualmente inquietas. Fazia-se assim, sem premeditação, ao mesmo tempo um trabalho nuclear e um trabalho de fronteiras. (...) Lia-se então avidamente Romano Guardini151, Karl Adam152, Pratt, Maritain(*), sem falar nas obras, tornadas clássicas, do próprio Padre Franca153. (...) Por outro lado, o curso intensivo, por meio de aulas especiais, fizera crescer o interesse pela liturgia e as católicas tomaram uma mais nítida consciência da majestade da oração oficial da Igreja. (...) No trabalho da mulher fora do lar crescia a preocupação do bom exemplo e do senso de solidariedade cristã. Despia-se o catolicismo brasileiro do comodismo individualista, que D. Sebastião [Leme] detestara e denunciara e encaminhava-se para o cor unum et anima una das comunidades cristãs fervorosas”.154

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(*) O espírito de si revolucionário dessas moças fica corroborado pelas próprias palavras de Maritain. Com efeito, quando o ex-presidente Democrata Cristão chileno, Eduardo Frei Montalva155 (1964-1970) deixava a França após uma visi-

151 – Guardini, Romano – (1885-1968). Teólogo e filósofo, de origem italiana. Caminhou ombro a ombro com teólogos progressistas como Henri de Lubac, Karl Rahner e Hans Urs Von Balthazar. É considerado um dos maiores protagonistas do movimento liturgicista e ecumênico, sendo sua doutrina apreciada tanto por protestantes quanto por católicos de ideias novas. Paulo VI quis fazê-lo cardeal em 1965, mas ele recusou. Em Tubinga foi professor do jovem Joseph Ratzinger, futuro Bento XVI. Minha Vida Pública.... p. 300). 152 – Adam, Karl Borromäus – (1876-1966). Teólogo, professor e escritor católico alemão. Ele lecionou nas Universidades de Munique, Estrasburgo e Tubinga. 153 – Franca, Leonel Edgard da Silveira – (1893-1948). Entrou para a Companhia de Jesus em 1908, ordenando-se sacerdote em 1923. Em Roma doutorou-se em teologia e filosofia pela Universidade Gregoriana. Em 1931 assumiu a vice-reitoria do colégio Santo Inácio (Rio de Janeiro). Teve papel destacado na fundação da Pontifícia Universidade Católica do Rio tornando-se o seu primeiro reitor. Minha Vida Pública... p. 56. 154 – Irmã Regina do Santo Rosario, OCD, O cardeal Leme (1882-1942), p. 307. (Grifos nossos). 155 – Frei Montalva, Eduardo – (1911-1982). Presidente do Chile de 1964 a 1970. Dis-

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ta oficial, se encontrou no aeroporto de Orly com Jaques Maritain que tinha ido lá para se despedir dele e “para lhe entregar o último livro que tinha publicado e lhe dizer que só havia em nosso século três revolucionários: ele mesmo, seu amigo Frei e o Padre Pierre Teilhard de Chardin”.156 157

----------------------------------C. No Rio de Janeiro: papel do mosteiro de São Bento e de Dom Martinho Michler. Primeiros contatos do Dr. Plinio com o Movimento Litúrgico. Continua Dr. Plinio : O Movimento Litúrgico é de origem alemã e francesa e nasce no Rio de Janeiro em 1935. Em termos mais precisos, o grupo de litúrgicos no Rio nasceu da convergência e da influência dos padres dominicanos de Toulouse, dos beneditinos de Beuron e de Maria Laach. O Rio era a cidadela do Movimento Litúrgico. Um bom número de monges do prestigioso mosteiro de São Bento e Tristão de Athayde – homem de confiança total do Cardeal Arcebispo do Rio, Dom Leme – apoiavam aquilo.

cípulo de Maritain e fundador do partido Democrata Cristão em 1957. Quis fazer uma “revolução em liberdade” pondo em prática uma Reforma Agrária socialista e confiscatória. Sua política, favorecendo sempre à esquerda lhe valeu o título de “Kerensky Chileno” dado por Fabio Vidigal Xavier da Silveira no seu livro “Frei, o Kerensky chileno” no qual o autor previu a entrega do poder ao marxista Allende. 156 – Geraldo Mello Mourão, in A invenção do saber – Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1983 p. 164. E in Juan Gonzalo Larrain Campbell, Previsiones y Denuncias en defensa de la Iglesia y de la civilización cristiana – Petrus Editora, São Paulo, 2009, p. 156. (Grifos nossos). 157 – Teilhard de Chardin, Pierre – (1881-1955). Jesuíta francês, ordenado sacerdote em 1911, foi repetidamente censurado pela Santa Sé pelas suas teses heterodoxas. Roberto de Mattei, Plinio Corrêa de Oliveira, profeta do Reino de Maria p. 131.

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a) Descrição psicofísica de Dom Martinho Michler O monge alemão que dirigia o Movimento Litúrgico era Dom Martinho Michler, do mosteiro de São Bento no Rio. Um dos homens mais atraentes que eu tenho conhecido. Alto, esguio, com um sorriso muito convidativo, maneiras muito afáveis que davam a gente vontade de estar de acordo com ele. Tinha um modo de ser que realmente encantava. Mas mentor de todas essas ideias com que não se podia estar de acordo. Havia um fluido qualquer dentro dele que lhe dava uma verdadeira graça. Muito inteligente e, sobretudo, muito enjôleur. Dom Martinho Michler Lembro-me que assisti a algumas conferências dele no Centro Dom Vital, no Rio, antes do divisor de águas. Ele dava impressão de uma extraordinária maestria em todos os seus movimentos. Todos os seus movimentos, mesmo os menores, eram bonitos: ele se dobra para apanhar um pedacinho de papel que caiu no chão, aquilo é feito com uma naturalidade, com uma beleza quase clássica; ele vai dar uma risada, a risada dele é uma risada linda; ele vai olhar, o olhar é um olhar aveludado, que agrada; ele está descansando, o repouso dele é comunicativo. Lembro-me do último encontro que tive com ele na vida. Os do grupo do Legionário tínhamos ido visitar Dom Mayer na Diocese de Campos. Estávamos andando por uma das praias daqueles arredores – tempo lindo, sol magnífico, praia enorme, areia estupenda, mar muito melhor do que a areia – conversando sobre várias coisas, quando vemos chegar de longe uma camioneta que se aproximava e uma pessoa que nos sorria. Mais perto percebíamos que usava batina. Eu, sem reconhecer bem – nunca fui bom 182


fisionomista – sorria amavelmente também. Quando cheguei perto, era Dom Martinho Michler. Eu já tinha escrito o livro Em Defesa, estávamos rompidos. Eu ainda olhei para ele e pensei: Mas como é um homem atraente e encantador! Passamos no meio das mostras da maior cordialidade e nunca mais nos vimos. Ele morreu e eu morrerei. E um dia prestarei as minhas contas a Deus, como ele prestou as dele.158

b) Caráter misterioso do Movimento Litúrgico Lembro-me que um dia, sendo deputado e estando no Rio, no prédio da Coligação Católica, me disseram meio misteriosamente: Dr. Plinio, o senhor vai assistir a uma coisa muito interessante. Mas é reservada. Essa história de “reservada” não gostei. Reservada por quê? Nosso Senhor recomenda que os filhos da luz proclamem do alto das casas o que fazem. Reserva para quê? Que negócio é esse? Diz a pessoa: Não, é uma coisa extremamente interessante! O senhor não quer ver? Eu respondi: Bem, ver é sempre bom, quero ver o que é. Entraram uns rapazes que eu não conhecia, não sou do Rio, mas rapazes bem educados, que me davam impressão favorável: boa conduta, um jeito direito, etc. E colocaram 158 – No apêndice X do livro O Movimento Litúrgico no Brasil, o Pe. J. Ariovaldo da Silva transcreve apontamentos pessoais de uma entrevista dele com o Pe. Orlando Machado de Belo Horizonte em 26-4-79 da qual extraímos os seguintes trechos: – “Dom Martinho Michler, crítico da escolástica, é que deu o impulso inicial (ao Movimento Litúrgico), arrastando a juventude, cativando com o carisma que lhe era próprio”. – “O Movimento deve ser visto como um todo: Movimento Litúrgico e Ação Católica”. – “Bispos que apoiavam: Dom José Gaspar (de) Fonseca (sic!) e Silva, Dom Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta, Dom Mario Vilas-Boas, Dom José Delgado, Dom Porto Carrero, Dom Cabral”. op. cit. p. 357. (Grifos nossos).

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dois bancos de um lado e do outro, como se fossem dois coros de um Ofício. E entraram em fila, mas com roupas comuns que usava um rapaz daquele tempo: paletó, gravata. Colocaram-se uns em frente aos outros, se saudaram mutuamente, depois todos pegaram os breviários e começaram a rezar a oração do padre: “Deus in adjuntorium meum intende, Domine ad adjuvandum me festina, Glória Patri”, etc. Bem, e tudo bem recitado, bem direito. Terminado isso, era natural que me apresentassem aos rapazes – eram quase de minha idade – e que conversássemos um pouquinho. Não. Os rapazes foram em fila para a outra sala e sumiram, evitando-se o contato comigo. – O que você achou? Perguntaram-me depois. – Bom, uma oração da Igreja, uma oração do breviário... Mas é um pouco curioso que os rapazes usem o breviário. – É, por que o senhor sabe? Isso corresponde a uma coisa nova. Um frade alemão que existe no Mosteiro de São Bento no Rio, está ensinando uma nova forma de piedade, que está se divulgando pelo mundo e que se chama Movimento Litúrgico. – Em que consiste? – Valorizar a Sagrada Liturgia, as pessoas gostarem do Ofício Divino. O senhor não acha isso bom? – É uma coisa excelente. Mas qual é a razão do caráter reservado? Uma coisa tão boa podia ser feita na frente de todo o mundo. – Não, não, porque não convém atrair muita gente. Eu achei a coisa meio esquisita: “Como não convém? Se é uma coisa muito boa, quanto mais gente entrar melhor é, por que panelinhas fechadas? Não senhor, abra esse negócio! Que negócio é esse?’ Depois percebi que era um movimento que vinha com doutrinas erradas, paralelas às doutrinas da Ação Católica. 184


D. Em Belo Horizonte: papel de Dom Antônio dos Santos Cabral

O Arcebispo de Belo Horizonte, Dom Antônio dos Santos Cabral159, tomou imediatamente partido pelas ideias novas, e passou a ser um dos propugnadores mais enérgicos dessas ideias, de maneira que Belo Horizonte se transformou numa espécie de Roma de movimentos liturgicistas dentro do Brasil. E. Na Diocese de Dom Epaminondas A Diocese de Taubaté era governada por um excelente Bispo, Dom Epaminondas Nunes de Ávila e Silva. Ele tinha muito clero. Era a única Diocese do Brasil que não só tinha clero suficiente para si, mas dava também clero para fora. Formou-se ali um grupo de sacerdotes moços que entraram para o Movimento Litúrgico freneticamente: o padre Ramón Ortiz, o padre Carlos Ortiz – que apostatou – e mais alguns outros. E constituíram uma célula liturgicista que teve muita importância no Brasil. (Estes padres os veremos figurar no Cap. V – 4 – B desta Parte, juntos com Dom José Gaspar). F. Posição da Ação Católica perante a Companhia de Jesus – posição dos jesuítas perante a Ação Católica Há uma entidade cuja posição diante das primeiras atitudes da Ação Católica não pode deixar de ser igno159 – Cabral, Dom Antônio dos Santos – (1884-1967). Primeiramente Bispo (19211924) e depois Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte (1924-1967). Tornou-se inimigo acérrimo de Plinio Corrêa de Oliveira depois que aderiu à corrente progressista. Consta que chegou mesmo a mandar queimar em reunião da Ação Católica o livro Em Defesa da Ação Católica. Minha Vida Pública... p. 162.

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rada para explicar os acontecimentos posteriores. É a Companhia de Jesus. Os litúrgicos, os maritainistas, o pessoal do Serviço Social, o pessoal da Ação Católica, começaram a atividade deles com uma propaganda violenta contra a Companhia de Jesus considerada em tese – não contra os homens da Companhia de Jesus – contra os Exercícios Espirituais de Santo Inácio, reputados antiquados, nocivos; contra a ascese inaciana; contra a espiritualidade dos jesuítas. Insinuando também que os jesuítas eram politiqueiros. E como as congregações marianas e as federações marianas em geral eram dirigidas por jesuítas, [eles] atacavam as congregações marianas, o espírito jesuítico, etc. Talvez porque eles tivessem atacado a Companhia, talvez por outras razões que eu ainda ignoro, entre as pessoas que se levantaram para combater esses erros não figurávamos apenas nós. Desde o início, figurou um jesuíta, o padre César Dainese160. Além dele levantou-se mais tarde outro jesuíta, padre Arlindo Vieira161, brasileiro, orador salivoso, verboso, muito gongórico, popular, boa alma dedicada e que fez umas conferências contra Bernanos162. E o padre 160 – Dainese, Pe. César – (1894-1986). Natural de Luvigliano, Pádua, Itália. Entrou para a Companhia de Jesus no Brasil, em 1912. Estudou filosofia em Roma, e teologia no Heythrop College, Inglaterra. Ordenado sacerdote em 1927, em 1930 voltou para o Brasil onde ocupou os cargos de Reitor do Colégio Anchieta em Nova Friburgo (1934-1935 e 1940-1945), do Colégio Antônio Vieira em Salvador (Bahia), onde foi provincial (1953-1957), e do Colégio Santo Inácio do Rio de Janeiro (1963-1964). Minha Vida Pública... p. 194. 161 – Vieira, Pe. Arlindo – (1897-1963). Nasceu em Capão Bonito (SP). Tendo ingressado na Companhia de Jesus, completou os seus estudos em Roma e Paray-le Monial, antes de voltar ao Brasil onde se dedicou ao magistério e depois às missões populares. 162 – Bernanos, Georges – (1888-1948). Romancista francês de orientação católica.

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Riou. Lembro-me muito bem dele, que Nossa Senhora tenha em bom lugar sua alma. Estes três jesuítas tomaram muito partido a nosso favor. Mas notem uma coisa curiosa: todos os outros jesuítas – com exceção ainda do padre Felix Pereira de Almeida e também do padre Mariaux163, cinco jesuítas ao todo – tomaram uma posição de indiferença soleníssima em relação a nós, uma indiferença que chegava às vezes até a hostilidade. A impressão que se tinha daquilo era de uma espécie de divisão dentro da Companhia.

3. Doutrina do Movimento Litúrgico e da Ação Católica O Movimento Litúrgico sustentava que os leigos participam do poder do Clero: todo leigo é, no fundo, um padrezinho, um ponto menor de um padre; e, portanto, deve santificar e deve ensinar ele próprio também, em alguma medida. E por isso, quando na Missa, que é o ato central da Fé católica, o padre consagra – é o ato central da Missa – e o fiel diz as mesmas palavras que o padre, ele, fiel tem uma parte no próprio operar a transubstanciação, diziam eles. Ajuda o sacerdote a operar a transubstanciação. E se em todas as orações, pedidos, súplicas, atos de adoração que o padre faz durante a Missa, o leigo diz junto, aquilo é como se se enxertasse nas palavras do padre. Morou no Brasil de 1938 a 1945 onde estreitou laços com Alceu Amoroso Lima, sobre quem teve influência. Em sua trajetória ideológica passou por variações e mutações análogas às de seu amigo carioca. Minha Vida Pública... p. 191. 163 – Mariaux, Pe. Walter – (1894-1963). Em 1913 entrou para a Companhia de Jesus e em 1926 foi ordenado sacerdote, iniciando o seu apostolado junto das Congregações Marianas em Colônia (1929) e em Münster (1933). A sua luta aberta contra o nazismo tornou impossível a sua volta à Alemanha. Assim, em 1940 foi encarregado de desenvolver o apostolado mariano no Brasil, onde, no mesmo ano, conheceu o grupo do Legionário e se ligou a ele. Roberto de Mattei, op. cit. p. 143.

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E por causa disso o leigo meio concelebra a Missa com o padre. Mas as leigas também. A leiga que entrasse para o Movimento Litúrgico ficava meio ‘padra’. E a velha proibição, que vem dos Apóstolos, de as mulheres ascenderem ao sacerdócio ou ao governo da Igreja, saltava pelos ares. Quer dizer, é a abolição da fronteira sagrada que separa os leigos dos padres. A mesma coisa acontece no que diz respeito à Ação Católica, não mais no santificar – na liturgia –, mas no governar. Eles sustentavam que é preciso tomar em consideração que São Pedro disse que nós, o povo católico, somos um povo sacerdotal e régio. Então, segundo o Movimento Litúrgico, nós somos co-sacerdotes; e segundo a Ação Católica nós somos co-reis, somos co-governadores. Em que sentido? A Ação Católica é a participação dos leigos no apostolado hierárquico da Igreja. O apostolado de um membro da Ação Católica vale, segundo eles, como o apostolado de um padre e participa das graças muito especiais que tem o apostolado de um padre164. No fundo, na Igreja não há uma diferença entre leigos e padres, o leigo vale tanto quanto o padre. E, portanto, vale a pena que o leigo, na Ação Católica, tome a direção e empurre o padre de lado: Acabou o tempo em que os padres, Bispos e Papas mandavam nos leigos. Nós chegamos numa época de liberdade, igualdade e fraternidade. E na Igreja deve reinar a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Nós agora traçamos o nosso caminho. Porque o tempo de hoje é o tempo do povo. E nós somos o povo dentro da Igreja. 164 – Sobre a importância da palavra participação, ver Parte V deste livro.

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Deveria continuar a haver padres, Bispos, mas com um poder puramente representativo, figurativo, que os leigos deveriam ter independência e resolver dentro da Igreja as coisas como quisessem. No sentido do que o Dr. Plinio está expondo é muito significativo o que afirma Tristão em entrevista gravada ao Pe. J. Ariovaldo da Silva: “Era o antiburguesismo que tinha diminuído totalmente o sentido da Igreja, no sentido festivo, exterior, e a Liturgia no sentido de participação litúrgica no sacerdócio. Como a Ação Católica diz que todos nós somos sacerdotes. Aí!, através da participação nas cerimônias da Igreja, que não são apenas cerimônias de salas de visitas, são vida! E ao mesmo tempo da ação, ação política inclusive”.165

A. Nazismo eclesiástico Por outro lado, os mentores da Ação Católica diziam que Pio XI, fundando a Ação Católica, tinha dado à Ação Católica um mandato para fazer apostolado. Em virtude desse mandato decorriam daí duas consequências: Primeiro, a Igreja tinha dado só a Ação Católica, e a nenhuma outra organização, a incumbência de fazer apostolado. Quer dizer todas as outras organizações que fizessem apostolado eram a título puramente auxiliar, e de nenhum modo fariam apostolado, porque só a Ação Católica tem o direito de fazer apostolado. E, portanto, todas as antigas associações religiosas – Congregações Marianas, Ordem Terceira do Carmo, Ordem Terceira de São Francisco, Apostolado de Oração, Filhas de Maria – tinham de ser substituídas pela Ação Católica, porque ela só valia mais do que todas as outras, e os seus membros participavam do apostolado do padre. Segundo, Pio XI tinha também dado aos leigos uma 165 – op. cit. p. 371, apêndice XVI. Entrevista gravada em fita cassete em Petrópolis, maio de 1979. (Grifos nossos).

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ordem de fazer apostolado na Ação Católica. De maneira que o leigo que ocupasse algo de seu tempo livre para fazer um apostolado de caráter particular fora da Ação Católica, era um indisciplinado. Ele devia entrar na Ação Católica e fazer o seu apostolado dentro da Ação Católica. O resultado é a ditadura da Ação Católica. Se só se pode fazer apostolado dentro da Ação Católica e na Ação Católica todo apostolado é dirigido, não se pode escolher uma atividade que esteja fora do programa da Ação Católica, e com isso ou se faz o apostolado esquerdista deles ou não se faz nenhum apostolado. É um perfeito nazismo eclesiástico. Eu naturalmente notei muito bem que eles queriam chegar a esse resultado que representava a morte das congregações marianas. Isto vem muito refutado no meu livro. Naquele tempo isso era muito moderno.166 Muitos anos depois Dom Clemente Isnard confirma o que o Dr. Plinio relatava em reuniões desde 1950. Escreve Dom Isnard: “D. Leme tinha da A.C. uma concepção estrita que refletia, aliás, a de Pio XI e que subsiste até hoje na Ação Católica Especializada. A Ação Católica, escreveu ele no Prefácio dos Estatutos, paira em esfera superior às associações. (...) Não se deve confundir, nem mesmo aparentemente, com qualquer associação ou obra de fins particularizados, por nobres que sejam”. E ainda: “A Ação Católica visa o apostolado universal, sem limites outros que os da própria missão hierárquica”. (…) No Rio, o Cardeal formou pessoalmente as primeiras levas de militantes e dirigentes do “apostolado organizado”. Comunicou-lhes a visão mística, a visão profética que dela tinha. À sombra do Cardeal Leme, a Ação Católica viveu os seus dias heroicos”.167 166 – Sobre a teoria do mandato, ver Parte V deste livro. 167 – Dom Clemente José Carlos Isnard, OSB, Magistério Episcopal – escritos pastorais, Nova Friburgo-RJ pp. 289-290. (Grifos nossos).

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a) “Não há pecado original” – Ecumenismo Essa doutrina – continua o Dr. Plinio – vinha acompanhada de outra. Uma vez que os leigos estavam sacralizados, tinham graças novas, e de tal maneira estavam justapostos à Hierarquia, que praticamente não havia mais possibilidade de eles pecarem. Eles, para conquistar o mundo moderno, não tinham que sair do mundo. As antigas associações religiosas recomendavam a seus membros saírem de dentro do mundo, para não se perderem. Mas os da Ação Católica pelo contrário, precisavam entrar no mundo, misturar-se, fingindo não ver o que o mundo tem de ruim, e meter-se dentro de todos os ambientes. Não há pecado original. Os homens, no fundo, não são maus. Eles são maus porque os bons desconfiaram deles. No dia em que o bom confiar no mau, o mau se converte e fica bom. Com o mau a gente deve conduzir a política da mão estendida. Deixe todos os homens fazerem o que quiser que acontecerá tudo bem. O apostolado devia ser ecumênico: discussões jamais, polêmica jamais, o sorriso é o veículo natural da graça de Deus. E se uma pessoa, em vez de sorrir e de ser amável, disser aos outros que eles estão errados, e discute com eles, essa pessoa rejeita o fiel de Cristo que quer vir ao Cristo. É preciso que jamais se diga a alguém: Você está no erro,você é herege, você não pode pensar assim, tal maneira de proceder é contra tal mandamento da Lei de Deus. Não. Sorrir! Somente sorrir. Em outros termos, era preciso acabar com a preocupação moralizante. A mania da Moral devia desaparecer. A Igreja existia, sobretudo, não para a Moral, mas para o apostolado. 191


Dr. Plinio mostra a seguir como era a doutrina que membros da Ação Católica seguiam em matéria de moral: Os homens deveriam comungar de manhã, durante o dia deveriam fazer um pouco de orações e à noite ir a lugares vedados para qualquer católico. Porque, diziam eles, de manhã tinham comungado e levavam Cristo consigo por toda parte. Na verdade, minutos depois de ter comungado, a presença real cessa em nós, não levamos Cristo, nós não estamos com Cristo realmente presente em nós. Ele está realmente presente na capela, no Sacrário, isto sim. Mas em nós não. Eles diziam: Não, mas está presente pela graça. – Está bem, mas a graça se perde. E se perde por meio do pecado. E basta um mau olhar, para um indivíduo cair em estado de pecado mortal e perder a presença da graça. – Não, isso é coisa antiga. A Ação Católica tem métodos novos, vão dançar nos cassinos, nos lugares vedados (aos católicos), dançar com mulheres de má fama. Elas saem convertidas. No fundo, no fundo, a Moral deixava de ter importância. Sobre a mistura dos sexos que conduz à decadência moral, e que, entre os católicos, começou na Ação Católica, é ilustrativo o que afirma em 1979, a freira progressista que fora uma das precursoras da A.C. feminina, Dona Luzia Ribeiro de Oliveira, OSB, Abadessa do Mosteiro Beneditino de Nossa Senhora das Graças (Belo Horizonte): “As moças e rapazes de Ação Católica tinham uma convivência muito espontânea e pura. Faziam até acampamentos, passeios, pic-nics juntos. Isto agravava as desconfianças. Pensavam que se tratava realmente de um grupo suspeito e degradante, imoral.

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E depois (Da. Luzia) se refere a um sermão que um padre claretiano fizera na sua presença em dezembro de 1939 atacando a Ação Católica. Afirmou o padre: “Esses jovens da Ação Católica, jogando pelas ruas, andando juntos moças e rapazes, querendo dialogar a Missa, pensando que já são iguais ao padre para concelebrar com ele. Como se eles é que celebrassem a Missa! Essas moças e esses rapazes que só pensam no absurdo da Missa versus populum. Só querem estas “heresias”. Moças e rapazes andando juntos, fazendo ‘pic-nic’juntos!”168

b) Ação Católica e Movimento Litúrgico: dois aspectos do mesmo erro Prossegue Dr. Plinio: E o próprio perfil do católico mudava também. Em geral, o católico do tempo em que fui eleito deputado timbrava por ser sério, em rir pouco, apresentar-se com gravidade, em dizer coisas que tinham importância, alcance, maturidade, pensamento. Para eles (da A.C. e do M.L.) não. O católico novo devia estar sempre rindo, sempre brincando, sempre gracejando, tomando ar de ingenuidade. A Ação Católica era em matéria de apostolado o que o Movimento Litúrgico era em matéria de piedade. Eram dois aspectos do mesmo erro. c) A JOC belga e o Pe. Cardijn169 Naquele tempo havia um movimento na Europa, sobretudo na Bélgica, que tinha um desenvolvimento extraordinário chamado JOC, Juventude Operária Católica. Era dirigido pelo padre Cardijn. 168 – Pe. J. Ariovaldo da Silva, in Apêndice VIII – Apontamentos pessoais – op. cit. p. 355. (Grifos nossos). 169 – Cardjin, Pe. Joseph-Léon – (1882-1967). Padre belga que fundou em 1925 a JOC (Juventude Operária Cristã) da qual ele foi capelão geral e propagandista até 1965. Foi perito conciliar, elevado a Bispo e depois a Cardeal em1965.

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Tinha eficácia, tinha precisão de movimentos, de atitudes e tinha um bom gosto no realizar as suas manifestações públicas que verdadeiramente entusiasmava. Lembro-me de ter visto álbuns com fotografias da JOC belga ocupando estádios colossais, com as famílias dos jovens operários católicos ocupando as arquibancadas e depois na arena do estádio os jovens fazendo exercícios, desfilando. As primeiras bandeirantes do progressismo em São Paulo sustentavam que a única coisa que valia a pena hoje em dia [anos 30-40] era fazer movimentos operários, porque as classes mais altas tinham perdido completamente o prestígio. E que, aliás, a existência de classes altas era uma espécie de bossa, de saliência errada, mais ou menos como é a corcunda no corpo de um homem, era, portanto, uma espécie de corcova de zebu da organização social, que era preciso acabar. Contra isso eu, entusiasta da JOC e dos movimentos que fazia, além do mais o número de jovens que recrutou, um número impressionante, quer na JOC masculina, quer na JOC feminina, naquele tempo ainda diferenciada em dois setores completamente distintos, me opus categoricamente sustentando que é fácil dirigir para o bem as classes populares quando as classes altas tomam a direção boa em relação à fé, à doutrina católica.

d) Era o começo da Revolução Francesa dentro da Igreja Isso tudo posto, os senhores estão vendo: – Que é uma religião nova, otimista, alegre, permissivista e satisfeita, do homem que, tendo inteira liberdade, se conduz bem. – Que assim como a lâmina de uma espada pode estar oculta dentro de uma bainha, assim eles queriam 194


ocultar dentro da bainha da verdadeira Religião Católica, a lâmina de uma religião anticatólica; – Que é outra igreja, metida dentro da Igreja; – Que estava sendo pregada uma Revolução. Aquilo vinha a ser, dentro da Igreja, o que a Revolução Francesa foi dentro do Estado. Exatamente a mesma coisa. E era um começo da Revolução Francesa a que se assistia. E que tudo isso dá, antes da Revolução da Sorbonne, na implantação na Igreja Católica de uma espécie de Revolução da Sorbonne, cujo lema é: ‘É proibido proibir’.

4. Caráter conspiratório desse Movimento A. Método de difusão do erro: através da confusão se criava uma nova religião

Essa doutrina não era dita com clareza. Isso era sussurrado. À surdina, dentro da obscuridade do meio católico, se fazia uma espécie de conspiração de um catolicismo de outro gênero. Um catolicismo que não era catolicismo, porque não há dois gêneros de catolicismo. Existe apenas uma só religião católica apostólica romana, e todo tipo de adaptação do catolicismo a uma mentalidade dita “nova”será uma deformação do catolicismo. Portanto, uma coisa que não se deve aceitar. Havia blocozinhos de pessoas que iam para a Europa, formavam-se nos movimentos europeus que tinham essa mentalidade, e depois voltavam para o Brasil para espalhar esse erro. Ou vinham pessoas da Europa com essa mentalidade, para incuti-la nos meios católicos brasileiros. Mas eram sempre católicos de comunhão diária, de aparência muito religiosa, muito católica, mas sabotando de todo modo tudo quanto havia de bom e de antigo, e pregando tudo isso de modo velado. 195


Notei que procuravam pôr em relevo aspectos legítimos da doutrina católica, mas postos de uma maneira exagerada. Isso era, portanto, uma conspiração velada. Velada por quê? 1o – Porque os núcleos eram articulados entre si, mas não pareciam. O geral dos católicos não percebeu – nós percebemos –, e foram na onda. 2o – Porque essa doutrina eles não davam claramente, eles davam de um modo confuso para, aos poucos, ir metendo a doutrina na cabeça das pessoas. O modo confuso utilizado era o que vou descrever agora: No Movimento Litúrgico: muita afinação, muita correção ao recitar o Ofício, tudo muito direito, só podia impressionar bem uma pessoa. Mas na hora em que eles explicavam por que eles faziam aquela oração, vinham os erros: as formas antigas de piedade devem ser substituídas, não mais rosário, não mais Via Sacra, não mais comunhão fora da Missa, reze a Missa com o padre e não se preocupe mais com piedade. Isto era dito assim: O leigo participa com o sacerdote da Santa Missa. Mas o que é ‘participar’? Nunca ficava claro. Eles davam a entender que era qualquer coisa de muito novo, de muito importante: – Você não sabe? Participar! Entenda bem, participar! A gente dizia: – Está bom, mas o que é participar? – É ter parte. – Que parte é essa? Defina essa parte! Quer dizer, vamos aos dois mais dois é igual a quatro. Que negócio é esse? – Há um desacordo grande entre os autores. Alguns 196


entendem de um modo, outros entendem de outro. Uns dizem que é ter uma parte, quer dizer, uma parte do sacerdócio reside em você. – Ah não! Quando eles notavam que a pessoa oferecia certa barreira, eles sabotavam. E só davam importância, lugares e honras, aos que engoliam o negócio.

a) Iam criando vazio em torno de Plinio Corrêa de Oliveira: um exemplo Simultaneamente comecei a notar que ia se fazendo vazio em torno de mim no meio católico. Notava que da parte dos católicos e de alguns daqueles que eu tinha em conta de bons católicos vinha uma série de pequenas picuetadas contra mim, na minha presença, que indicavam que havia uma conspirata qualquer para me afastar, me pôr de lado. Dou um exemplo característico. Lembro-me de uma sabotagem desse pessoal da Ação Católica, como eles faziam com todo o mundo. Eu dava aulas de História na Faculdade Sedes Sapientiae da Universidade Católica de São Paulo. Foi sempre a minha matéria predileta. E deitava um empenho enorme em ser claro. As alunas achavam que as aulas eram realmente muito claras. Uma freira, que não dizia que era freira, pertencia a uma ordem religiosa meio oculta, disse à Diretora da Faculdade: Eu gostaria de assistir às aulas do professor Plinio Corrêa de Oliveira. A Diretora veio me pedir licença, dizendo que estava uma compatriota belga dela ali presente que queria assistir a minha aula, porque tinha ouvido falar muito delas. Eu disse: Pois não, à vontade. Arranjem uma cadeira mais confortável para ela poder assistir à aula e eu tenho todo o gosto de dar a aula diante dela. 197


E eu pensando: A minha aula está clara. Mas essa mulher não é clara. O que é que ela está pensando da minha aula? Quando terminei, pensei que ela estivesse de pé na porta para me felicitar, porque era o normal uma vez que eu tinha dado licença para ela assistir à aula. Ela tinha sumido. Uns dias depois, a Diretora da Faculdade, conversando comigo me disse: O senhor sabe o que é que mademoiselle tal achou de sua aula? Eu disse: não, bancando um ostensivo desinteresse. Mas de fato com o ouvido afiado para ver o que é que vinha. – Ah, ela fez um comentário muito elogioso. Achei esquisito que o comentário elogioso não o fizesse para mim, mas para outra. Pensei: Aqui tem ronha. A Diretora da Faculdade continuou: – Ela disse que nós estamos lhe aproveitando mal. – Em que sentido? – Ela disse que lhe damos aqui uma função muito menos difícil do que aquela que o senhor é capaz de suportar. Que o senhor é um professor tão claro que o senhor não deveria ser professor de pessoas normais, mas de deficientes mentais. Porque sendo claro como o senhor é, nem os débeis mentais conseguiriam não entender o senhor. O senhor faria compreender as pessoas de pouca inteligência, imbecis, o que outros professores não fariam. É uma mordida da serpente. À primeira vista isso dá a impressão que é um grande elogio, mas não é isso. Isso é degradar um professor de um modo muito esquisito, porque não é degradar por um defeito, mas é degradar por uma qualidade. Quer dizer, a qualidade é tão grande que até merece ser degradado. Os senhores estão vendo como era a sabotagem: sob 198


o aspecto de amabilidade, me mandar junto aos imbecis e evitar que com minha influência eu pudesse fazer apostolado. Afastar um contra-revolucionário de várias cátedras, para ir lecionar a imbecis, era um modo de matar a Contra-Revolução.

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Capítulo V Desenrolar dos fatos até o momento em que Plinio Corrêa de Oliveira decide escrever o Em Defesa 1. Recados para abandonar a Congregação Mariana e embarcar na Ação Católica Lembro-me que um pouco antes da Ação Católica aparecer se deram comigo dois casos: – Uma boa senhora que eu respeitava muito, sem nenhum parentesco comigo, de muito boa família de São Paulo, era muito católica. E tanto quanto sua condição permitia, pessoa de sacristia. Muito mais velha do que eu. E muito influenciada por padres. Disse-me uma vez: – Plinio, você está satisfeito de ser congregado mariano? Você não queria alguma coisa a mais do que ser congregado mariano? – Se houvesse alguma coisa melhor, quereria. Mas o que pode ser? – Não. Ainda virá. Você vai ver. Com as viagens de tal e tal à Europa, virá coisa nova. É feita para você. A Congregação Mariana já fez o seu tempo, é coisa superada! – Mas, superada pelo quê? – Você vai ver. – Eh ... sim senhora. – Algum tempo depois, quando a Congregação Mariana estava em pleno esplendor, um padre – não era Dom Mayer nem Dom Sigaud – muito chegado a mim, que teve um papel muito grande na minha candidatura a deputado, era vigário geral de São Paulo e depois ficou bispo, diz-me: 200


– Então, Sr. congregado, como vai você? – Bem, e o senhor como vai? – Bem, obrigado. Ah! a Congregação Mariana, já fez seu tempo, hein! Já acabou o período. – Mas, acabou por que Monsenhor? – Mas tem que vir outra coisa. Isto não pode ficar eternamente Congregação Mariana. Roda, roda, roda... Congregação Mariana! Quase que lhe perguntei: Roda, roda, roda... e o senhor é padre sempre? Comigo, roda, roda, roda e sou batizado sempre. Não sou mais do que batizado. O que é que o senhor está querendo? Mas não disse, fiquei quieto para ver o que é que vinha. Por que tubulações chega a mim essa espécie de palavra de ordem? Qual é a emissora dessa palavra de ordem? O que essa palavra de ordem contém? Écoutons, parlons bas, marchons aux petits pas et ne faisons pas de bruits [Escutemos, falemos baixo, caminhemos a pequenos passos e não façamos barulho]. O que é que vai sair desse negócio? A. Aparecem as moças progressistas Em determinado momento, notei com muita simpatia que o ambiente católico de São Paulo se estava enriquecendo pela presença de um grupo de moças, mais velhas do que eu, umas dez mais ou menos, de boa sociedade, boa família, extraordinariamente capazes, inteligentes, e julguei que tinha aparecido mais uma força definida, decidida, capaz de lutar a favor da causa católica. Donde eu ter acolhido muito bem a elas e, guardadas as diferenças que naturalmente devem haver entre os sexos, ter feito com elas boas relações. Mas ao cabo de algum tempo, comecei a perceber que havia qualquer coisa nelas de meio esquisito, de 201


meio modernoso, meio arrojado, meio igualitário. Eu não tinha a sensação de que elas tivessem exatamente a mentalidade católica. Mas elas procuravam muito agradar o nosso grupo do Legionário, tentavam ter muito boas relações conosco. Eu ficava, até certo ponto, com um pé atrás, mas de outro lado achando que quem sabe se isto ainda se compunha, se um bom padre, um bom diretor espiritual daria a elas uma boa orientação, etc. Elas começaram a trabalhar em torno da Ação Católica e apresentavam a Ação Católica como ultra novidade de apostolado terrível, uma novidade que haveria de reformular completamente os métodos de ação da Igreja, e que teria uma capacidade de conversão extraordinária, uma espécie de raio lazer em matéria de apostolado. Eu achava aquilo uma coisa esquisita. Vi que estavam agradando muito a um rapaz, fulano de tal, dos mais moços do nosso Grupo. B. Ameaça da víbora de dentro da Ação Católica: ou Dr. Plinio muda de posição ou está perdido

Aquilo ia continuando quando essas moças da Ação Católica resolveram fazer um congresso na sede da Congregação Mariana de Santa Cecília, na Rua Imaculada Conceição. No andar térreo ficava O Legionário, que era o órgão da Congregação Mariana. No 2o andar era a Congregação Mariana. E todo o andar de cima era tomado por uma espécie de salão de conferências, de teatro, bem grande. Enquanto as moças realizavam o congresso em cima, eu estava embaixo trabalhando com os que estavam preparando o próximo número do jornal. A equipe do Legionário, formada por alguns elementos que foram mais tarde fundadores do Catolicismo, estava reunida 202


para uma noite de redação. Vários estudantes e outras pessoas que tinham alguma ilustração e cultura estavam sentados na sala de redação, diante de mesinhas, compondo notícias com matérias que lhes eram fornecidas. Enquanto na sala de redação do Legionário havia aquela quietude de trabalho e silêncio religioso, eu ouvia palmas, palmas e mais palmas da reunião progressista que se realizava em cima. Achava aquela coisa estranha, porque era um gênero de palmas frenético. O modo pelo qual a gente ouvia uma pessoa rir de uma piada imoral era o modo pelo qual se ria naquele andar de cima. Era tudo ao revés do que somos. Terminada a festa, vejo aquele mundo de gente que desce, e afinal aparece aquele rapaz que estava sendo atraído pelas moças, que era também redator do Legionário, mas que em vez de trabalhar conosco no Legionário, tinha ido participar da festa delas em cima. De fato estava meio noivo de uma delas, com quem acabou se casando. Ele foi para a sala da diretoria que era a minha, e ficou em pé, em frente a mim, assim como quem esfrega as mãos. Eu sentado, e ele me olhando assim meio de cima, e me disse: – Veja o salão de cima: cheio e com entusiasmo. Isso é um espírito novo que entra e um novo rumo que está sendo dado ao Movimento Católico. Você note a diferença entre os dois andares. Você embaixo com os seus jovens do Legionário representa a Igreja antiga, séria, que reza, que trabalha, que luta contra o adversário. Agora, quero chamar sua atenção: você não está acompanhando esse rumo; pelo contrário, se coloca de lado e não adere a esse novo espírito. O resultado é que se você não aderir a essa linha e mantiver o seu Legionário, a sua pessoa e suas coisas nesta linha antiga – gente toda de paletó e de gravata 203


diante de uma mesinha trabalhando – você fique sabendo que você está cancelado e sua carreira como homem público está cortada também. Vocês do Legionário ou mudam completamente seu método e sua doutrina de ação, ou vocês vão ficar completamente postos à margem. Porque a Ação Católica tomou um impulso que não vai mais com os métodos do Legionário. O Legionário está liquidado. Se você aderir à Igreja Nova, nós temos muita força política e não há cargo político a que nós não elevemos você. Mas se você continuar nessa situação que está, você será completamente posto de lado pela Hierarquia, e seremos nós que passaremos à sua frente. Eu compreendia bem que se tratava de um ultimatum, uma intimação, um recado vindo de mais altas paragens. Eu disse: – Fulano, espírito não se escolhe por política. Ou você me explica o que é esse espírito, eu analiso, estou de acordo e sigo, ou por política não vai, não espere que, por causa de um estardalhaço desse eu vá mudar de posição. – Nós em cima representamos a Igreja nova, que ri, que dança, que se diverte, que vai para a praia, que vai para a piscina, que vai para toda a parte levando o Cristo. Nós levamos o Cristo em nós. Resultado: o Cristo entra naqueles lugares e produz conversões. Eu disse: – É verdade, Satanás entra em vocês. Num lugar desses, qualquer homem normalmente constituído tem tentações, não é possível que vocês não tenham. Ou vocês foram concebidos sem pecado original? Se assim é e se me demonstram isso, presto minha homenagem, está aqui um vassalo disposto a admirá-los, mas demonstrem. – Não. Essas coisas não são assim. Se você entra lá procurando o mal que há lá, há mesmo. Se você pensa 204


lá nisso é claro que o mal lhe entra pelos olhos. Mas se você vai lá com a ideia de não ver o mal, o mal não te assalta, não veja o mal! – A mim assalta! Então você é muito mais virtuoso do que eu e todo mundo que está nesse andar desse prédio. Os de cima são imunes ao mal. Aqui não. Resultado: nós combatemos e vocês não combatem. Eu percebi que ele estava transmitindo coisas que se conversavam nas rodas confidenciais, e que era o momento de me informar do que é que diziam lá. Ele então me disse: – A questão é a seguinte: você representa aqui no Legionário um tipo antigo. Você é combativo. Você acha que a doutrina católica deve ser desfraldada por inteiro aos olhos dos outros, você acha que a discussão é um bom meio de firmar os princípios. Você acha que quando uma pessoa não anda bem na doutrina e nos costumes é preciso combatê-la, dizer isto de frente. Você acha que o tipo do homem e da moça deve ser um homem sério, uma moça séria, que pensa em coisas elevadas, que tem uma linguagem nobre e bonita. Não, acabou. Porque agora é uma era nova. Nós vivemos no mundo da igualdade, no mundo da Ação Católica. A Ação Católica é de fazer a Igreja lutar por uma revolução social. Acabar com as classes sociais, acabar com as desigualdades, acabar com a seriedade. Nós vivemos uma época de alegria, de despreocupação. A gente pensa nas alegrias de Cristo; as dores de Cristo passaram. Eu: – Ah, sei, sei. – Todo mundo tem medo de você, com suas certezas, com seu autoritarismo, com seu modo de discutir que vai empurrando a pessoa contra a parede, quando nós não estamos mais na época disso. – Perdão, nós estamos numa época de quê? 205


– Nós não estamos mais numa época em que um homem de aspecto aristocrático, com aspecto de professor de todo mundo, desce e resolve um problema, depois ninguém mais tem nada que dizer. Nós estamos na época dos círculos de estudos, na época em que ninguém é o mestre de ninguém para encontrar o caminho, mas todos fazem uma roda, cada um dá uma opinião amiga, desprevenida, dá um fragmento de opinião, como colaborador entre outros colaboradores, que não quer dizer mais do que os outros dizem, não quer demonstrar a ninguém que está errado, nem faz tanta carga nesta distinção entre o erro e a verdade, o bem e o mal, a ortodoxia e a heterodoxia. Não, caminham juntos procurando a verdade, a mão na mão, com caridade. Eu pensei: Aqui está a Revolução Francesa, aqui está a víbora contra a qual eu consagrei a minha vida, e depois de eu ter martelado esta víbora de todas as formas fora dos ambientes católicos, vejo que ela se faz de morta fora e entra por debaixo do assoalho e aqui está encarnada nesta coisa que tem mais o aspecto de uma minhoca do que uma víbora: o fulano que está na minha frente. Disse a ele: – Mas eu faltei com a atenção a alguém para meter medo? – Não, mas o seu modo anacrônico mete medo. – Mete medo a quem? – A mim e a todo o mundo. – Mas é curioso, aqui a sala está cheia de gente que não tem medo de mim. – É, mas é porque você não sabe, você precisa ver o vazio que está se cavando em torno de você. Você é muito afirmativo, hoje não se deve mais ser afirmativo, é uma época de liberdade de opiniões que tendem a se encontrar e se conciliar, e não de opiniões que querem 206


se apresentar por esta forma. De mais a mais, por que você não aceita colaboração feminina dentro do Legionário? Pensei: Ah, aqui está outro aspecto. Deixei-o falar: – Deve haver colaboração feminina, isso é muito mais interessante, os sexos hoje são iguais, e a gente não pode mais manter o sexo feminino assim de lado como uma linha auxiliar que você mantém, todos colaboram de igual a igual. Eu disse: – Você está querendo, afinal de contas, me comprar. Porque eu vejo que um companheiro de armas me pede para largar a luta, de me misturar com o adversário, de ser recompensado generosamente por todo tipo de promoções ou, senão, a rua. Bem, eu vou lhe dizer uma coisa – eu me levantei, eu falava cortesmente, mas firme –, eu prefiro tudo a vender-me. E você saiba que ainda que eu tenha de ser o último dos homens, eu serei o último dos soldados da Igreja tradicional, mas a Igreja tradicional nunca morrerá. Dizer que eu serei o último dos soldados é um modo de dizer, porque depois de mim virão outros que pensarão como eu, mas a Igreja não morre. A Igreja Católica nunca mudará e Ela nunca se venderá a si mesma, Ela nunca adotará uma modernidade falsa e contrária aos princípios d’Ela para que Ela se encontre bem nesse mundo. Ela está no mundo não para se reformar segundo o mundo, mas para reformar o mundo segundo Ela. Ou isso é assim, ou quem não pensa assim não pensa com a Igreja Católica. E eu prefiro tudo, prefiro ser cancelado, barrado, empurrado de lado, ignorado, caluniado, esquecido, eu prefiro tudo a trocar a verdadeira imagem da Igreja Católica que eu aprendi quando eu estudei o meu catecismo. 207


– Bem, você foi avisado. Depois não se queixe. – Eu só me queixaria se soubesse que Deus vai me abandonar na luta. Mas isso nunca acontecerá, porque eu tenho confiança n’Ele e confiança em Nossa Senhora. Eles não fazem isso, isso não acontecerá. Poderá ser que eu seja derrotado; outros virão que vencerão, mas eu não abandono a minha posição. A pré-TFP enunciava o seu projeto de sacrifício total, de renúncia total, desde que Nossa Senhora fosse servida até o fim. O fato é que esse jovem que me falava, que havia deixado as fileiras iniciais do antigo Legionário, rascunho do que deveria ser a futura TFP, este jovem entrou para o movimento progressista completamente, aderiu àquela espécie de fandango que se realizava no andar superior e que era um símbolo de um estado de espírito, de um modo de ser que chegou hoje ao seu auge. Este rapaz ficou nas posições mais brilhantes da vida política brasileira. Chegamos ao extremo em que não nos falamos nunca mais. Quando nos encontrávamos, nos cumprimentávamos com a cabeça, porque havia não um rio, não um fosso, não um mar, mas havia um firmamento que nos separava um do outro. Ele ajudou a conduzir o Brasil para a triste situação em que o Brasil está, numa situação de pré-comunismo [1992]. Nós ajudamos muitos brasileiros a se porem na brilhante situação em que eles estão. Que constituem uma minoria, mas uma minoria que diz energicamente não, que se fez conhecer pelo Brasil inteiro, porque não há no Brasil lugar onde não se saiba da existência da TFP. A intimação feita por aquele pobre jovem se realizou. Nós fomos relegados, fomos postos de lado, procuraram pôr-nos na penumbra. O rádio, a televisão, a imprensa diária ou as revistas, quando falam de nós é para 208


falar mal, e quando não falam mal é para adotar a nosso respeito o silêncio mais absoluto.

2. Tática adotada por Plinio Corrêa de Oliveira – perfil de Dom José Gaspar – Sua posição perante o Dr. Plinio, as congregações marianas e os inimigos da Igreja A conversa com esse rapaz me deixou intrigado. Dei-me conta que ele estava sendo mandado por um grupo de senhoras – que ele julgava não anacrônicas – mas que eram mais velhas do que eu. A chefe do clã era quarentona avançada, tendendo para os cinquenta. E pensei o seguinte: Nem esse rapazinho – ele tinha seis anos menos que eu – eu tinha nesse tempo 31 anos, [o episódio citado foi em 1939] – nem essas solteironas tinham forças para lutar comigo. Eles deviam se sentir apoiados por cima, para iniciar essa luta. Quem estava em cima que os apoiava? A primeira preocupação que tive, foi de não lutar, observar muito, aproximar-me muito dos ambientes que eles frequentavam e ouvir o que eles pensavam, etc. Resolvi o seguinte: Em vez de combater eu vou ouvir até que eu consiga saber o que está atrás da cabeça deles; vou fazer com que apesar do suposto medo de mim, eles digam o que é que está na ‘arrière pensée’ deles, e quando eu tiver apanhado bem o que é, aí eu tomo a providência que as circunstâncias possam comportar. A. Ecumenismo – colegialidade – queda da razão Um dia o meu vigário, chamado Luís, diz-me: – Plinio, haverá uma reunião da Ação Católica 209


aqui. Uma coisa extraordinária, você não quer comparecer? – Vou. Estavam presentes três moças de boa família, de trinta e tantos anos, mas com ares de moças. Vestidinhos com florezinhas claras. Eram do tipo de juventude induzida que ainda resiste durante uns quatro anos. – Então, haverá uma reunião aqui? – Eh! Mas não é na sala de reuniões, porque nós não fazemos reuniões. Nós fazemos círculos de estudos. Passou o tempo em que se fazia apenas a reunião em que um falava e outros ouviam – olhem a colegialidade – essas coisas passam. Na Europa ninguém aceita mais isso, não se tolera mais, nem nos Estados Unidos. E aqui no Brasil vai mudar também. Como eu era conhecido como orador, isso equivaleria ao dobre de finados para mim. Elas fizeram um círculo e disseram: Em vez de se apurar a verdade assim: – Entra um que conhece a doutrina, justifica por argumentos, e os outros têm que ficar quietos, nós vamos procurando os argumentos e cada um dá um fragmento da verdade, e daí, de fragmento em fragmento compomos uma verdade completa, sem polêmica, numa discussão de amigos. Trata-se de nós nos querermos bem e discutirmos com amor. O amor resolve tudo. Eu olhando aquilo e analisando. A ideia delas era que os processos muito amistosos, nhenhé-nenhé, nhenhé-nenhé, música, mudam um pensamento, e que há uma forma de adocicar os homens que os faz mudar de pensamento, faz com que o ecumenismo seja possível a partir desta ideia, que é a queda da razão. O que é evidentemente uma escola filosófica, mas que não vale nada. À noite, os congêneres dessa gente no Rio de Janeiro, iam assistir a Missa de Dom Martinho Michler, litur210


gicista, com oferendas de hóstia na mão e faziam todas essas coisas que já eram o prenúncio do que veio depois. B. O fio condutor da conspiração Não tardei a perceber: – Que a partir de uma espécie de ordem religiosa clandestina fundada na Bélgica e trazida para cá por Mademoiselle de Loneux, se tinha instalado aqui a mentalidade que era em matéria de Ação Católica a versão do que era em matéria litúrgica o Movimento Litúrgico no Rio. – Que essa gente da Ação Católica colaborava intimamente com as do Rio e que esses dois movimentos, liturgicismo e Ação Católica, constituíam o verso e o reverso de uma só coisa, embora uns não falassem muito a respeito dos outros. O que Dr. Plinio sustentava em 1968, o confirma taxativamente Dom Clemente Isnard dez anos depois. Escreve D. Isnard: “Bem cedo a Ação Católica caminhou unida ao Movimento Litúrgico. Talvez porque o berço da Ação Católica fora o Centro Dom Vital, a Ação Universitária Católica, o Instituto Católico de Estudos Superiores, enfim, o complexo de entidades reunidas sob a denominação de Coligação Católica, sob a chefia de Dr. Alceu Amoroso Lima [Tristão de Athayde], que foi o primeiro Presidente da Ação Católica Brasileira, e porque aí também nascera o Movimento Litúrgico Brasileiro, naturalmente, onde ia se iniciando a Ação Católica, junto com ela, pelo menos na área de influência do Rio, ia surgindo o movimento litúrgico”.170

– Havia certo número de padres e mesmo certo número de bispos que davam apoio a eles. Viam o que eles diziam e estavam de acordo. E por debaixo do pano até sopravam essas ideias. 170 – Bernard Botte, OSB op. cit. p. 215. (Grifos nossos).

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– Que essa gente, que era antigamente amiga do Legionário e minha, ia nos colocando à margem e colocando esse pessoal na direção. – Que se estava armando uma verdadeira conspiração para introduzir essas ideias novas em lugar das ideias antigas. – Que essa conspiração tinha caminhado muito e tinha galgado graus dos mais excelsos na hierarquia eclesiástica. – E que o principal patrono disso era um jovem, uns seis ou sete anos mais velho do que eu, um homem de uns 37 ou 38 anos mais ou menos, resplandecente, encantador. Era o Bispo Auxiliar de São Paulo: Dom José Gaspar de Affonseca e Silva. C. Perfil psicológico de Dom José Gaspar – Contraste com Plinio Corrêa de Oliveira O velho Arcebispo Dom Duarte Leopoldo e Silva, durante seu longo governo episcopal manteve a rédea firme em São Paulo. Como já estava idoso, a Santa Sé lhe deu como auxiliar o jovem sacerdote, padre José Gaspar de Affonseca e Silva, que ficando Bispo Auxiliar tomou como lema de seu brasão de armas ‘Ut omnes unum sint’ – ‘Para que todos sejam um’, que é um desejo expresso por Nosso Senhor no Evangelho, no sentido de que todos sejam católicos. Dom José era levado a entender a coisa no sentido ecumênico de hoje em dia, quer dizer, para que os católicos se confundam e se misturem Dom José Gaspar com os outros. Dom José Gaspar nasceu na cidade de Araxá-MG. Quando era diretor espiritual da Federação das Filhas de Maria de São Paulo, escreveu um prefácio 212


para o anuário delas, falando com grande entusiasmo e pela primeira vez da Ação Católica. Nesse mesmo ano [1935] foi nomeado Bispo Auxiliar de São Paulo. Tinha a intenção de fechar as congregações marianas e transformá-las em Ação Católica. Homem alto, sobrancelhas pretas, um pouco grossas, que terminavam num ponto meio indefinido. E com uns olhos pretos, meio aveludados, muito atraentes que davam à pessoa a vontade de concordar com ele. Com um ar muito sonhador, com uma espécie de olheiras. E um tom de voz que era também aveludado. Mas uma pessoa muito política, muito labiosa, extraordinariamente atraente, tinha uma presença muito agradável, muito afável, muito amável. E muito voluntarioso. O que ele queria ele queria. Bom orador, com ares de muito culto. Qualquer coisa de cultura que se falava diante dele, ele deitava um olhar de profunda compreensão, mas tomava o cuidado de não dizer nada. E depois, conforme fosse o caso, agia ou não. Quando fazia oposição era sempre suave, mansa, em geral com um gemido. Até o momento que ele foi Bispo Auxiliar [de D. Duarte], sempre que havia algum assunto católico importante, nosso Grupo era chamado e a Cúria evitava tratar com esses católicos suspeitos, liberais e de meias tintas, tudo isto estava à margem. Dom José Gaspar [como Arcebispo] tomou uma posição oposta que foi de se aproximar dos elementos que até então estavam à margem. O Dr. Plinio relata algumas conversas com D. José nas quais este lhe contava suas relações com ateus, adúlteros, etc (cujos nomes não é o caso de citar aqui) os quais – segundo ele – tratados com doçura se tornavam sensíveis à sua ação e ficavam com ‘inquietação religiosa’. O Dr. Plinio comenta que poderia se referir a dezenas de casos assim expostos a ele por D. José, pois ele queria 213


dar a impressão de uma espécie de Barão de Munchausen apostólico com a qualidade de converter os inconvertíveis. Isto mostra bem aos senhores – continua Dr. Plinio – o modo pelo qual o problema dos inimigos da Igreja se punha aos olhos dele. E com isto os senhores veem bem que era um homem feito para ver preto tudo quanto nós víamos branco e ver branco tudo quanto nós achávamos preto e querer sempre o contrário do que nós queríamos. Ele pegou um rapaz do nosso Grupo, pegou essas moças do Centro de Estudos de Ação Social e organizou. Depois nos convidou também para a Ação Católica. E começou a luta declarada contra as Congregações Marianas. Houve até uma solenidade de recepção de membros da Ação Católica em que ele fez um discurso tão violento contra as Congregações Marianas que chegou a provocar uma pergunta oficial da Nunciatura Apostólica: Qual era a razão disto?

3. Morte de Dom Duarte – Dom José Gaspar é nomeado Arcebispo de São Paulo

Imediatamente que soube da morte de Dom Duarte me compenetrei do que o acontecimento tinha de triste, de grave e de importante para nós, e me preparei para comparecer aos funerais. Quando nos pusemos em marcha para o cortejo enorme, e quando o cortejo começou a sair, os sinos do mosteiro de São Bento começaram a tocar o dobre de finados. E quando cheguei ao Largo de São Bento, olhei casualmente até o alto para um prédio, e aí percebi que o povo era tanto, que tinha conseguido dos zeladores dos vários prédios do percurso que o deixasse subir ao alto do teto, porque do contrário não cabia, e que era uma 214


manifestação de popularidade de Dom Duarte, uma coisa como não pensei que em São Paulo se pudesse dar para alguém. Era a popularidade deste alto respeito, dessa alta seriedade, desta consciência de sua própria dignidade que habitualmente o povo não elogiava, habitualmente o povo não estimava. Não tinha nada contra ele, não tinha nada pró ele, mas na hora de fazer falta no cenário, ele produzia um vazio imenso. E o povo todo comparecia como que para ver aquele vazio, e acompanhar ao menos com o olhar, a ida para a última morada de um Arcebispo, em louvor de quem as pessoas não fariam isso se não respeitassem muito. A. Dom José é afastado da Arquidiocese de São Paulo Cessadas as funções do Arcebispo, a sede arquiepiscopal de São Paulo ficou vacante. O grande problema para saber o prosseguimento dessa luta é quem seria o sucessor de Dom Duarte. A morte de Dom Duarte representou uma ducha de água fria no Movimento Litúrgico. Porque Dom José não era Bispo Auxiliar da sede, era Bispo Auxiliar do Arcebispo, de maneira que com a morte de Dom Duarte as funções de Dom José automaticamente cessaram. O cabido metropolitano deveria eleger o Vigário Capitular e não elegeu Dom José, mas um velho Monsenhor Martins Ladeira. Não é praxe eleger-se o Bispo Auxiliar, Vigário Capitular, mas é estilo. Foi considerada uma bofetada incrível em Dom José. Fizeram isso porque os padres velhos tinham certa queixa de Dom José por causa de seu brilho. Eles queriam ver se colocavam como Arcebispo um que fosse da ala velha deles. Então deram uma rasteira, e Dom José caiu no chão (*). 215


----------------------------------(*) Quando Dom José caiu, O Legionário publicou duas fotografias: uma do novo Vigário Capitular como homenagem, e também uma de Dom José como homenagem muito carinhosa. E naquela noite mesmo eu fui visitar Dom José no Seminário. Fui dar-lhe os pêsames. Ele estava abatidíssimo, no quarto percebia-se apenas uma luzinha. Recebeu-me envolto em crepes morais de tristeza. Levantou-se e me abraçou, eu o abracei, conversamos, ambos choramos sobre o acontecimento. E na hora da saída, em vez de ele dizer: Eu gosto do senhor, eu fico grato por isso, qualquer coisa, me disse uma dessas ambiguidades que ele me dizia: Plinio, o senhor creia que em qualquer lugar aonde eu vá eu nunca me esquecerei do Legionário. Uma coisa muito ambígua. Eu respondi no mesmo tom: V. Exa. creia que nós também nunca nos esqueceremos de V. Exa.. Despedimo-nos. Uma despedida muito amável, até afetuosa. ----------------------------------Dom José teve que abandonar a arquidiocese e durante todo o tempo da vacância da sede, perto de um ano, passou fora de São Paulo e todas essas questões que nos dividiam ficaram amortecidas. Nisto, morre Pio XI, que era quem podia nomear o sucessor de Dom Duarte. E ficaram vacantes ao mesmo tempo o Papado e a sede arquiepiscopal de São Paulo. Foi preciso eleger um Papa – Pio XII – e depois foi necessário esperar até a eleição do sucessor de Dom Duarte. Sendo São Paulo já naquele tempo uma grande sede arquiepiscopal, fazia parte do estilo da Igreja que para as grandes sedes episcopais se levasse muito tempo para preencher. Em parte porque a Igreja ouvia opiniões de todo lado, em parte também porque era bonito a Igreja mostrar a sua sabedoria sendo lenta nas grandes ocasiões. Ela in216


cutia confiança na maturidade de seus juízos, de maneira que se passaram muitos meses em que nós tínhamos essa interrogação: Quem seria o Arcebispo de São Paulo? É curioso que houve vários Arcebispos convidados para São Paulo. B. Dom José é nomeado Arcebispo de São Paulo: “Dias duros nos esperam”

Lembro-me que era o ano de 1939 e nós estávamos muito esperançados de um Arcebispo que corrigisse os erros do Liturgicismo, dissolvesse a Ação Católica e restaurasse as Congregações Marianas. Estávamos nessa esperança quando recebo um telefonema de um membro da Ação Católica comunicando-me radiante que Dom José tinha sido eleito Arcebispo de São Paulo. Eu fiquei, evidentemente, muito preocupado. Nós prestamos a Dom José todas as homenagens, todas as atenções, toda a cortesia, necessária, etc. Ele estava em Itanhaém passando férias. As moças da Ação Católica seguiram imediatamente para lá, para felicitá-lo. Resolvi descer também. Ele me acolheu muito bem, muito amavelmente, mas notei que toda a simpatia ia para o outro lado. Quando elas chegavam perto, ele ficava vivo, alegre, divertido. Quando eu estava perto com o pessoal do Legionário, ele tomava um ar tristonho, distante e cerimonioso. Quando entravam as outras: Rá, rá, rá! Quando saíam... Pensei: Dias duros nos esperam. Dom José veio para São Paulo e nós fizemos parte da comissão de recepção, mas eu senti que toda a nossa situação estava precária e abalada com a vinda dele. A respeito de sua chegada eu me lembro de que a Praça da Sé estava cheia de gente para festejá-lo, para homenageá-lo. Os congregados marianos, coitados, muito 217


entusiasmados porque não percebiam o que estava acontecendo. E as histéricas liturgicistas com umas boinas brancas gritando: Viva o nosso Arcebispo! Viva o nosso Arcebispo!, de um modo demagógico, indecente. Ele então se afastou do caminho, chegou até perto delas, deu uma bênção e prosseguiu. C. Plinio Corrêa de Oliveira nomeado Presidente da Ação Católica de São Paulo

Ao mesmo tempo notei que o Presidente da Ação Católica Brasileira, o Tristão de Athayde, que era meu fraternal amigo, com quem me correspondia – tenho em meu arquivo uma pilha de cartas do Tristão – começa a mudar também e a tomar as orientações, as diretrizes novas. Pensei: Eu ainda tenho importantes restos de prestígio, importantes restos de influência e uma grande nomeada. Eu queria lentamente ir abrindo os olhos dele, para que ele veja que espécie de coisas ele está apoiando involuntariamente. E para ver se assim através da autoridade dele eu contenho essa coisa que vem. Nessas condições fui à Cúria. O secretário de Dom José, Pe. Paulo Rolim Loureiro,171 depois Bispo de Mogi, me viu lá, veio sentar-se ao meu lado, e me disse: – Então, o senhor está contente com a nomeação de seu amigo o senhor Arcebispo, não? Eu disse: – Não, eu tenho no fundo muita queixa de Dom José. Eu não digo a ninguém, mas ao senhor que é tão 171 – Rolim Loureiro, Pe. Paulo – (1908-1975). Foi ordenado sacerdote em 15 de agosto de 1934 e bispo em 22 de maio de 1948, sendo designado bispo-auxiliar da Arquidiocese de São Paulo. Em 1962 foi designado para a Diocese de Mogi das Cruzes. Morreu em um acidente automobilístico na cidade de São Paulo.

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amigo dele, eu devo dizer: eu tenho muita queixa de Dom José. – Mas não diga. Qual é a queixa que o senhor tem dele? – Eu tenho a queixa seguinte: Dom José não me compreende. Dom José é um homem de um temperamento muito diferente do meu e por causa disso ele vive preocupado com os inimigos da Igreja e não cuida dos melhores amigos da Igreja. Nós, que somos fiéis a ele, nós que o estimamos, nós que somos verdadeiros católicos, ele nos põe constantemente de lado, enquanto aos inimigos da Igreja ele favorece constantemente e, na prática, o Movimento Católico de São Paulo está ficando um feudo dos inimigos da Igreja. Ele tem a impressão de que o mundo todo se conquista com um sorriso, e que todos os inimigos da Igreja, à força de bons agrados, passam a ser amigos. Quem tem a respeito dos inimigos da Igreja essa posição deve achar que um jornal combativo como O Legionário e um homem combativo como eu, estragamos tudo, porque exatamente nós azedamos aqueles que por meio de um sorriso poderia se conquistar. De maneira que eu compreendo que ele tenha a respeito de nós a mesma impressão de um homem que está recebendo visitantes e que tem um cachorro bulldog solto no jardim: para que a festa dê bom resultado, a primeira coisa é pôr focinheira no cachorro bulldog. Então a primeira preocupação dele deve ser acabar com a nossa combatividade. E acabando com a nossa combatividade, acabar conosco. Quer dizer, em última análise, eu tenho a impressão de que nós não temos mais nada a fazer debaixo do governo arquidiocesano dele. Agora, compreenda que eu não posso deixar de ver isso com muito pesar. O Pe. Loureiro ficou muito incomodado e disse: 219


Meu amigo, meu amigo, não pense assim; isso é uma coisa errada, eu vou falar com ele. Esta foi uma providência que tomei. A outra foi me aproximar muito de um jovem padre chamado Antônio de Castro Mayer, que era íntimo amigo do Arcebispo. Com jeito, chamei a atenção do padre Mayer a respeito das tendências da Ação Católica e das simpatias do novo Arcebispo para com a Ação Católica. Os dois padres falaram com o Arcebispo. Quando eu fui falar com Dom José – já tinha falado com ele algumas vezes depois de ter sido nomeado Arcebispo – ele estava açúcar e mel, querendo adocicar a situação. Daí a pouco o Arcebispo mandou-me um convite para falar com ele: – Dr. Plinio, eu queria constituir a Ação Católica em São Paulo, e queria que o senhor fosse Presidente da Ação Católica e que o senhor me indicasse os membros da diretoria – chamava-se Junta Arquidiocesana da Ação Católica. – Como não, Senhor Arcebispo. Com todo gosto. E indiquei o pessoal do Legionário: Presidente, eu; tesoureiro, professor José Benedito Pacheco Sales172; primeiro secretário, José Gonzaga de Arruda173; segundo secretário, professor Fernando Furquim de Almeida174. Dom José convidou o padre Mayer para ser Assistente Geral da Ação Católica e padre Sigaud foi nomeado Assistente Geral da JEC. 172 – Pacheco Sales, José Benedito – Membro do grupo de redação do Legionário. 173 – Arruda, José Gonzaga de – (1909-1992). Membro do grupo de redação do Legionário. 174 – Furquim de Almeida, Fernando – (1913-1981) Membro do grupo de redação do Legionário.

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De maneira que de um modo inteiramente inesperado nós ficamos colocados na direção da Ação Católica. No momento levei a sério a coisa. Hoje percebo que ele tinha algum jogo em vista. Íamos os dois, cada um com a intenção de converter o outro: eu ia com a esperança de mostrar a ele como aquele grupo andava mal, e ele com a esperança de me virar a cabeça. Tive com Dom José Gaspar várias conversas sobre o assunto nas quais ele manifestava uma tendência contemporizadora, não me desautorando, mas também não querendo desautorar a outra parte.

4. A luta com Dom José começa a se definir A briga ia começar dentro da Ação Católica. As moças revolucionárias faziam parte de Ação Católica feminina. Eu estava acima, pois dirigia a Ação Católica masculina e feminina. Dom Mayer estava acima de mim. Era Assistente Eclesiástico. Então começaram a se realizar reuniões da diretoria da Ação Católica. Íamos ao Palácio São Luís, que era então o Palácio do Arcebispo. Era uma grande casa senhorial, muito bonita. O Arcebispo nos recebia na saletinha dele: – Então, como vamos? – Vamos bem. – Então, que novidades trazem, que ideias trazem? – Senhor Arcebispo, nós viemos aqui trazer a V. Exa. um projeto de regulamento para a Ação Católica. – Ah, sei. – Aqui está o projeto: tem isso, tem aquilo, aquilo outro. E entramos no assunto modas: 221


– As saias têm que ser abaixo do joelho e as moças não podem deixar de andar com meias. – É verdade... O ‘é verdade’ que ele dizia é que não era verdade. Todo mundo na sala em suspense. – Nossa Senhora, entretanto, não usava meias... – É verdade, Senhor Arcebispo, Ela usava túnica até os pés. Ele: Suspiro profundo... Essas eram mais ou menos todas as reuniões: desinteligências e dúvidas. A. Declaração de princípios sobre a Ação Católica para Dom José aprovar

Em 1940, a luta entre nós dois estava já começando a se definir. Dom Mayer e eu levamos a ele uma declaração de princípios a respeito da Ação Católica pedindo-lhe para aprovar. Era no sentido de aprimorar a vida interior dos membros dela. Lembro-me que lemos o documento para ele numa reunião da Junta, com ambiente de muita cortesia, mas pesado. Nós fizemos esta proposta, e Dom José com o olhar perdido no vago disse para Dom Mayer: Bem, o senhor quer mesmo publicar isto aí?. Dom Mayer disse: Isto me parece uma coisa verdadeira – Se isto lhe parece assim, publique em seu nome. ‘Em seu nome’ quer dizer: aguente com as consequências, eu não tenho nada a ver com isto. É um modo de tirar o corpo e de fazer cair sobre nós toda a responsabilidade. Dom Mayer disse: Está bem, e no dia seguinte sai pelos jornais: ‘De ordem do Senhor Arcebispo Metropolitano’. 222


B. O Caso de Taubaté Havia em Taubaté um grupo de padres litúrgicos que levou a sarabanda a tal ponto que chegaram a fazer os atos de culto de um modo quase comunista [Ver Cap. IV-2-E]. Eles faziam cerimônias da seguinte forma: Não realizavam mais as Missas nos altares, mas pegavam uma mesa de copa e a colocavam no centro da nave, com todos os bancos afastados e cadeiras em volta, como numa refeição, e celebravam a Missa ali com todo o pessoal sentado em torno, para dar ideia de um banquete. Nenhuma imagem sobre a mesa, a não ser o pequeno crucifixo, porque o código de direito canônico obriga. A comunidade cristã reunida em torno do padre – deputado pela comunidade – para oferecer o sacrifício. E na hora da oferenda do sacrifício todos os que iam comungar levavam uma partícula na mão para que o padre consagrasse. E faziam disto um cavalo de batalha. Isto pôs Taubaté em polvorosa. As ideias dos padres litúrgicos repercutiram aí como uma verdadeira explosão. Havia também o namoro daqueles padres com as moças da Ação Católica. Além disso, os ditos incríveis dos membros da Ação Católica e as ideias de que todos eles deveriam frequentar lugares inconvenientes, loucuras de todo tamanho. O pobre Bispo Diocesano, Dom André Cavalcanti, já bastante doente, sofreu ao mesmo tempo um desfalque financeiro. Um padre fugiu com o dinheiro do Bispo. Tudo isto o obrigou a renunciar. Propriamente ele fugiu, partiu para a Nunciatura e deixou uma carta na Cúria. Reuniram-se os conselheiros da diocese e foi eleito, por coincidência, um amigo meu, Monsenhor João José de Azevedo, vigário de Pindamonhangaba. Monsenhor João de Azevedo era um homem de grande esta223


tura, já naquele tempo com os cabelos grisalhos, muito cabelo, óculos, traçados regulares, e o todo dele de um homem decidido; perspicaz, inteligente, cultura média de Taubaté. O braço direito de Monsenhor João era um padre de São José dos Campos, que merece ser descrito, o hoje [1950] Monsenhor Ascânio Brandão. Monsenhor João é um homem lógico e decidido, mas Monsenhor Ascânio era diferente. Um homem alto, muito sensível e muito de impulsos, de maneira que quando compreende uma coisa, lá vai, mas quando não compreende dá enorme trabalho. Já nos tinha dado muito trabalho no Legionário.Tinha uma restrição conosco: por que é que a Ação Católica, que era tão boa, moças com uma dedicação tão admirável, rapazes de um espírito apostólico tão indiscutível e tão constante, era tratada no Legionário com uma frieza que contrastava com o entusiasmo votado às congregações marianas? Ele não podia entender isso. Escrevi uma carta sem dizer nada, pois ele não tinha o preparo necessário para compreender a questão.

a) O primeiro golpe frontal contra o liturgicismo no Brasil Foi essa dupla – Monsenhor Ascânio e Monsenhor João – quem deu o primeiro golpe frontal no liturgicismo no Brasil. Eles têm essa glória que é preciso que lhes seja dada por justiça. A coisa foi assim: Monsenhor Ascânio era capelão de uma congregação religiosa feminina diocesana de Taubaté, irmãs ou irmãzinhas de Maria Imaculada, fundada por uma pessoa inteligente e com muita ascendência sobre Monsenhor Ascânio. Ela chamou Monsenhor Ascânio e disse se ele não estava percebendo que havia alguma coisa esquisita no grupo do padre Carlos Ortiz, etc, essa farândola toda, e 224


que analisasse isso e aquilo para ver. Isso caiu num bom momento: Monsenhor Ascânio viu, deu um lampejo, e ele começou a entender muita coisa com aquilo. Homem de consciência reta, espírito tradicional, em desacordo com os abusos que estavam sendo praticados, começou a intervir falando com um e outro daqueles padres, dizendo, vocês estão errados nisto, etc. Os padres iam afirmando a ele que não, que era assim que se deveria fazer. Em dado momento ele disse a um dos padres o seguinte: A prova que vocês estão errados é que Monsenhor Ramon Ortiz – que tinha esse título por ser Vigário Geral – é muito mais moderado que vocês. Responde o padre: Ora Ascânio! Você não vê o que é? Monsenhor Ramón tem a tarefa de se fazer moderado, pois assim ele é elevado a Bispo. Os outros, pelo contrário, fazem o jogo franco. Ele Bispo, depois fará os outros subirem. Fiat lux na cabeça do Monsenhor Ascânio, que imediatamente escreveu ao Núncio contando o caso. Na primeira reunião do Episcopado Paulista, Dom José não esperava que estourasse o caso. Monsenhor João comparece como Vigário Capitular e diz que tinha um caso para contar do Movimento Litúrgico na diocese de Taubaté. Pega uma carta em que Monsenhor Ascânio contava este e uma série de outros fatos, e lê na reunião. Criou-se um caso, um verdadeiro problema. Resolveram fazer o seguinte: como em Taubaté já tinha havido um escândalo com a saída do Bispo, decidiram não agravar as coisas. Fizeram apenas uma circular ao Clero da Província contando aos padres os abusos litúrgicos de Taubaté, mas recomendando que nada fosse dito aos leigos. Com isso punham uma pedra para evitar novos escândalos. Naturalmente foi evitado o pior, pois se Monsenhor João fizesse um decreto na diocese a situação ficaria pior. 225


Mas sempre esse documento servia para nós nas conversas com Dom José: Senhor Arcebispo, veja como foi bom. V. Exa. conseguiu atalhar isso na Arquidiocese com as medidas que nos permitiu tomar na Ação Católica. Isso foi uma coisa excelente. Ele não dizia nada. Esse fato também concorreu para preparar a mentalidade do Núncio a nosso respeito, para que compreendesse a gravidade do problema.

b) Erro crasso de D. José Mais interessante foi um erro de estratégia crasso que cometeu Dom José. Monsenhor João tinha resolvido tomar medidas enérgicas contra os padres que andassem errados. Dom José diz que era perigoso, pois esses padres poderiam chegar à apostasia. Era melhor mandá-los para São Paulo, que ele iria tratar de mudar-lhes a orientação. Foi muito bom para o liturgicismo, pois aqui esses padres começaram a prestar serviços para o pessoal da Ação Católica que estava no Centro Leão XIII e outras organizações do mesmo gênero. Mas péssimo para Dom José, pois muita gente ficou vendo que ele de fato estava protegendo essa corrente. Tanto mais que ele fez uma coisa ainda mais grave: tomou o ex-monsenhor Ramón Ortiz e o fez morar no próprio Palácio, incumbindo-o de uma tarefa de suma importância e responsabilidade: redigir o futuro Sínodo diocesano de São Paulo. Sendo o Sínodo uma assembleia de padres presidida pelo Bispo, para tomar as medidas necessárias para a organização da diocese, só pode ser planejado por um padre muito bom, observante, competente. Dar ao Monsenhor Ramón Ortiz essa tarefa era dar uma bofetada no Monsenhor João, era dar apoio à corrente nova. Isso produziu em São Paulo uma crepitação em muitos meios católicos contra Dom José. 226


5. Destituição da diretoria feminina da Ação Católica Nessas circunstâncias, tínhamos um problema diante de nós que era o seguinte: O Arcebispo simpatizando muito com o outro lado e muito frio em relação a nós. O outro lado levaria uma política de intrigas até nos derrubar. Quando eles nos derrubassem, estávamos liquidados, no chão e o caminho estava desobstruído diante dos outros. Como fazer para tocar as coisas para frente? Dom Mayer e nós fizemos um plano que executamos. E o plano consistia no seguinte: Chamamos os dirigentes dos setores da Ação Católica já existentes nesse tempo e dissemos que queríamos tomar conhecimento do que estava se passando na Ação Católica. Mas não queríamos apenas falar com altos dirigentes. Nós pedimos para falar também com as diretorias de nível médio, para ter esse contato rico, vital, que se deve ter entre pessoas que são irmãs de apostolado, etc. O pessoal de segundo grau contou algumas coisas que não se sabia. O carácter secreto do modo de proceder dos elementos mais entrosados da Ação Católica que o Dr. Plinio relata numa série de reuniões nos anos 50 é confirmado em 1960, pelo bispo progressista Bernardo Miele175. Confirma também a denúncia de Dr. Plinio sobre a mudança de mentalidade que a Ação Católica produzia. Afirma o Padre Miele: “Aí estão alguns dos grandes passos da A.C.B. [Ação Católica Brasileira]. Mas, por detrás de tudo isso, está a verdadeira história da Ação Católica em nosso país, aquilo que não podem registrar ou contar: a mudança de tantas

175 – Miele, Dom Bernardo José Bueno – (1923 - 1981). Foi Arcebispo da Arquidiocese de Ribeirão Preto - SP, entre os anos de 1972 - 1981. Em seu governo surgiram o Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto, a “Casa do Seminarista”, as Comunidades Eclesiais de Base, os Cursos de Formação para Leigos e Agentes de Pastoral.

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mentalidades, no sentido de um cristianismo autêntico; o trabalho difícil e escondido dos contatos pessoais”.176

Não deixa de ser significativo no sentido dos segredos que circulavam nos meios progressistas mais iniciados, o fato que D. Martinho Michler não publicasse nada. Com efeito, nos apontamentos pessoais do Pe. J. Ariovaldo da Silva de uma entrevista com Dom Martinho, podemos ler: “Perguntei a Dom Martinho Michler se tinha publicado algo. Disse-me que apenas um Prefácio ao livro de L. Beauduin, Vida Litúrgica, publicado no Rio em 1938. Informou que, por um princípio muito pessoal, preferiu não publicar [nada mais]”.177

Fizemos disso [do relatado nas conversas com o pessoal de segundo grau da Ação Católica] – prossegue o Dr. Plinio – um relato verbal para Dom José: Dom José não imagina o que aconteceu. A Ação Católica está toda infectada, está toda com gente assim, há tais erros assim. Nós tivemos tais informações. Contamos tudo quanto ouvimos que era muito grave. E depois Dom Mayer concluiu: V. Exa. veja: eu só saberei governar a Ação Católica se V. Exa. der-me a autorização de depor todas as diretorias e nomear diretorias novas. Se V. Exa. não der, eu não saberei como continuar. De maneira que V. Exa. veja o que quer fazer. Se Dom José mantivesse essas diretorias e nos pusesse fora, ele tomava um partido oficial pelo lado errado. E isto para ele seria uma coisa duríssima. Ele viu o grande prestígio de Dom Mayer, viu que se ele tirasse Dom Mayer era tirar a mim. E Dom Mayer e eu tínhamos muito prestígio e entendeu que manter as diretorias dele não dava certo. 176 – D. Bernardo Miele, in Boletim Ação Católica no Brasil, Ed. Baptista de Souza e Cia., RJ, 1960 p. 14. (Grifos nossos). 177 – Pe. J. Ariovaldo da S. op. cit , Apêndice II De uma entrevista com Dom Martinho Michler (Alemanha, 2-1-1978). Apontamentos pessoais, p. 351. (Grifos nossos).

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Então, com suspiros no coração, disse que Dom Mayer poderia depor essas diretorias, mas que esperasse que ele estivesse fora de São Paulo para fazê-lo. Fez uma viagem de 20 dias numa estação de águas. Quando saiu, Dom Mayer e eu estávamos devidamente habilitados. Dom Mayer reuniu as diretorias femininas e eu as masculinas, e comunicamos que Dom José destituía todas as diretorias. Depois publicamos uma notícia no jornal dizendo que as diretorias eram demissionárias e – com a autorização de Dom José – haviam sido nomeadas tais outras diretorias. As moças demitidas foram se queixar com Dom José quando voltou. Com uma perícia incomparável disse a elas o seguinte: Vocês estão depostas; eu tive um grande sofrimento, mas o padre Mayer, que era meu companheiro de seminário me pediu isso; eu não poderia desmoralizar um padre logo no início desta ação. Mas debaixo de minha autorização vocês fundam uma associação chamada Centro Leão XIII. E continuem o mesmo apostolado que eu não deixarei o padre Mayer mexer com vocês. Vocês têm toda a minha simpatia. Poucos dias depois elas promoviam uma homenagem a Dom José, publicada em todos os jornais, e que ele recebia carinhosamente. Era, portanto, a nossa desmoralização indireta.

6. Plinio Corrêa de Oliveira resolve sondar a Nunciatura Quando vi que a questão estava azedando cada vez mais, dei-me conta que eu devia sondar a Nunciatura Apostólica no Rio, para ver o que é que a Nunciatura pensava a respeito disso.

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A. Entrevista com o padre César Dainese – Descrição psico-física Aí se situa um dos episódios mais curiosos desse assunto todo. A sede da Ação Católica funcionava no mesmo prédio e no mesmo andar de meu escritório de advogado. De maneira que havendo alguma necessidade eu saía do escritório e ia atender lá. Lembro-me que uma noite eu estava na Ação Católica atendendo o expediente, quando entrou um padrezinho com uma maletinha. Pela roupa, por certo modo de cortar o colarinho, percebi que era jesuíta. Era o padre Dainese, italiano de Veneza, muito parecido com Santo Inácio de Loyola no físico. Baixinho, pequeno, pouco cabelo; um narigão comprido e uma cara em forma de ferradura. Um homem de 60 e tantos anos, bem mais velho do que eu, mas ainda na força do trabalho, da inteligência, da expressão. Com uns olhinhos pequenos, não propriamente vivos, mas muito matizados. Quer dizer, as coisas produziam efeitos nele, e ele não se movia. Mas o olhar matizava num jogo muito interessante. Cada um dos dois olhinhos dele em forma de meia-lua, em geral fechados, de vez em quando ele abria, olhava, fixava, pescava uma impressão que queria, depois com movimentos sucessivos recolhia aquilo tudo e fechava de novo os olhos. Com um hábito curioso de piscar sempre – talvez um tique nervoso – mas muito inteligente, muito vibrátil, de uma vibratilidade informativa. Em qualquer lugar que ele entra as vibrações dele o informam de tudo o que se está passando ali dentro. De outro lado, sabendo muito bem como tratar com as pessoas, dizendo as coisas acertadas no momento acertado, fazendo a política bem feita; um homem muito capaz. 230


Ele tinha um modo raro de falar, ele fechava os olhos dando ar de que pensava, depois abria de repente e fixava o interlocutor. Quando o interlocutor começava a falar, ele parecia que se transformava todo em ouvidos, captava as menores inflexões de voz, os menores entre tons, os menores matizes e constituía por isso um interlocutor comodíssimo, porque a gente não tinha que explicar muito; ele perguntava por meios tons, a gente respondia por meios tons e ele entendia perfeitamente. Jeitoso, cavador, todo feito de sutileza, todo feito de uma espécie de timidez, se encolhia, mas espertíssimo, agilíssimo, com aquela vivacidade e aquela capacidade de estar por toda parte, de se meter por tudo, de observar tudo, aquele brilho que muitas vezes as pessoas muito pequenas têm. Dava a impressão do jesuíta da escola clássica, do tempo de Santo Inácio de Loyola. Ele fez como se me conhecesse. – Ah, padre Dainese, como vai o senhor? – Plinio Corrêa de Oliveira, como vai? Passamos para a minha sala e para começar a conversa eu disse: Padre, eu estou às suas ordens, o que é que o senhor deseja? Ele sem me olhar de frente, perguntou o seguinte: – O senhor é Presidente da Ação Católica em São Paulo, não? – Sou sim, padre Dainese. – O senhor quereria me dizer bem exatamente o que é que o senhor tem em mente com toda a atuação que o senhor desenvolve à testa da Ação Católica? Porque é uma atuação que vai criando uma divisão dentro da Ação Católica Brasileira inteira, e eu quereria saber qual era o objetivo que o senhor tem em vista. Ouvi aquilo e pensei: Esse aí é mandado por ou231


trem. Ele não veio me fazer essa interpelação só da cabeça dele. Mas esse é muito esperto, muito experiente também. E a primeira coisa para esse homem poder me dar apoio, é eu não fazer o papel de bobo e perguntarlhe quem o mandou falar comigo. Ele vai me dar a entender aos poucos quem é que o mandou. Esse homem ou vem da parte do Geral da Companhia, ou vem da Nunciatura. Vale a pena eu abrir o jogo? Mas se até esses estiverem contaminados, a batalha está perdida; portanto, não há problema em eu expor. E se eles não estão contaminados, o único jeito é expor, quer dizer, abrir o jogo. Agora vou conversar com ele português claro. Eu disse: – Padre Dainese, eu vou ser franco com o senhor. A situação é esta assim, é uma doutrina errada, uma corrente errada, eles pretendem destruir toda a autoridade eclesiástica, pretendem destruir a moral tradicional da Igreja, pretendem destruir as devoções tradicionais da Igreja e colocar outra religião no lugar dessa primeira. É uma religião toda feita de pagodeiras, de toda sorte de prazeres, de concessões ao mundo, em última análise, é uma religião que reproduz o modernismo condenado por São Pio X. Eu me sinto profundamente chocado com isso e luto contra isso. Pode ser que eu seja esmagado nessa luta, mas eu lutarei até o fim porque essa é a luta pela Igreja Católica. Ele foi ouvindo tudo, e disse: – É, eu dou toda razão ao senhor. O senhor tem toda a razão e merece verdadeiramente apoio. O senhor nunca procurou informar a ninguém? Eu disse: – Padre Dainese, eu moro em São Paulo, e tenho pouca oportunidade de ir ao Rio. O meu informante natural seria o Núncio Apostólico, a quem eu dirigiria 232


minhas informações. Mas me falta quem sirva de instrumento de ligação ao Núncio Apostólico. – Algo eu posso dizer. – Então, padre, eu poderia fazer para o senhor um relatório? – Pois não. Depois, mais adiante ele solta uma frase assim: O Senhor Núncio, um dia, depois de confessar-se comigo disse tal coisa. Evidentemente não saiu nada do segredo da confissão, mas ficava entendido que ele era confessor do Núncio. A certa altura ele se levantou: Então, Dr. Plinio, até logo, etc. E saiu. Na manhã seguinte chamei Dom Mayer, comentei. Dom Mayer me explicou que ele era um jesuíta de alta categoria, e um homem tido como muito inteligente. Eu fiz o relatório. A partir desse momento – até o dia em que Dom Carlos Carmelo Vasconcellos Motta foi nomeado Arcebispo de São Paulo – pude contar com o apoio decisivo do padre Dainese. Apoio preciosíssimo porque ele nos obteve vantagens inestimáveis em vários terrenos. B. Entrevista de Dr. Plinio com o Núncio Dois ou três dias depois o relatório estava seguindo para o Rio pelo correio. Passado algum tempo veio um recado do padre Dainese: – Olha, aquele senhor gostaria de conversar com você. – Quando? – Ele passa essa semana toda aqui no Rio. O senhor pode vir quando quiser. Aí conheci pessoalmente o Núncio [Dom Bento Aloisi Masella] e a Nunciatura. O Núncio era um dos 233


homens interessantes que tenho conhecido em minha vida. Naquele tempo teria uns 60 e poucos anos. De família nobre da Itália, sobrinho de um Cardeal que tinha sido um grande teólogo. De altura mediana, claro, com um rosto um pouco quadrado, os traços muito regulares, cabelos já brancos, corado, atitudes muito distintas, e sumamente reservado. Era um aristocrata e um prelado da Igreja tradicional na força do termo. Muito bom diplomata e muito relacionado na alta sociedade do Rio de Janeiro. Fui apresentado pelo padre Dainese. Dom Bento Aloisi Masella Mas nada era por escrito. Toquei a campainha e disse: – Aqui está Plinio Corrêa de Oliveira querendo falar com o Senhor Núncio. – Ah, ele lhe espera. Entrei, havia uma sala de visita grande, toda dourada, com mosaicos, todo arranjado à maneira de um Palácio. Ele entrou muito jovial, muito amável, me deu o anel para beijar, e fez entrar para uma segunda sala de visitas menor, também bem arranjada, feita evidentemente para confidências. Sentou-se no sofá e me perguntou: – Caro Dr. o que é que o senhor tem para me dizer? Eu: pá-pá, aquela coisa toda. Ele me ouviu impassível durante o tempo inteiro. Sua fisionomia não mudou nada. Nem um gesto de aprovação nem de desaprovação. Um diplomata perfeito. Ele me tinha posto numa atitude de confiança, eu saí com meu jogo, ele não me contou o jogo dele. No fim ele disse: – É, precisamos rezar muito. O senhor reze muito, eu vou rezar muito também. Mas o que os lábios não diziam, o olhar dizia. E o 234


olhar era sumamente complacente, sumamente amável, e como quem me dava a entender, meio por debaixo do pano, que ele atuaria. Voltei para São Paulo, e tivemos uma série de novos encontros com o padre Dainese, novas informações, que iam naturalmente para a Nunciatura.

7. Situação de Dom Mayer – Frei Ângelo Maria do Bom Conselho – Traição de um amigo Estávamos nisso quando de repente, chega a notícia de que estavam tentando derrubar Dom Mayer do cargo de Assistente Geral da Ação Católica. Dom José estava preparando por detrás o nosso tombo. Era mais ou menos na véspera do Congresso Eucarístico de 1942. O Vigário Geral da Arquidiocese, Monsenhor Ernesto de Paula, aliás, era muito simpático a nós, havia sido convidado para Bispo de Jacarezinho. E Dom José já estava planejando a elevação de Dom Mayer ao cargo de Vigário Geral. Ele perdia assim o cargo de Assistente Geral da Ação Católica, para o qual Dom José nomearia um padre litúrgico. Eu como Presidente da Junta tinha que acabar-me demitindo. Dom Mayer ficava pairando nas nuvens, despachando papéis, e a Ação Católica tomava outro rumo. Telefonei ao padre Dainese. Contei o caso, ele me disse: – Está bem, vamos ver o que há para fazer. Um dia eu estava dando aula na Faculdade Sedes Sapientiae, quando vem, durante a aula, uma freira a me dizer que havia um padre, no Rio, querendo falar comigo com muita urgência. Fui voando. No telefone, ele, sem dizer o nome, pergunta: Como vai passando? Vi bem que não queria que desse o nome dele. Respondi: 235


– Bem, e o senhor como está? – Bem. Olhe aqui, se o seu amigo receber um convite para ser promovido, diga que não recuse. Não recuse. – Pode estar certo que eu digo para não recusar. Custei para dar o resto da aula. Contei para o padre Mayer. Ele também ficou com um caroço no pescoço. Dias depois sai a nomeação do Dom Ernesto como Bispo. Dom José convida Dom Mayer para Vigário Geral. Dom Mayer aceita o convite e nós pensamos: Agora estamos perdidos. Soubemos, de fonte limpa, que depois dele nomeado Vigário Geral o Núncio escreveu um cartão a Dom José, dizendo o seguinte: Felicito-o pela escolha de seu excelente Vigário Geral, mas não dispense os serviços dele na Ação Católica, tão preciosa é a sua colaboração. Dom Mayer era Vigário Geral e Assistente Geral da Ação Católica. O golpe estava frustrado e a coisa caminhou até o seu desfecho [como se verá adiante]. Os senhores estão vendo que foi um serviço inestimável que o padre Dainese prestou. * * * Em 1941 foi a nomeação de Dom Mayer para Vigário Geral, a chegada do padre Mariaux, e um amigo nosso – “Isidro”[pseudônimo] distanciou-se irremediavelmente do Legionário, e entra aqui uma personalidade que só merece ligeiros comentários: Frei Ângelo Maria do Bom Conselho, OFMC, de Taubaté. Frei Ângelo era um homem de atitude um pouco profética, mas que em linhas gerais defendia com muita lógica, calor, verve, as posições de bom espírito. Mas curto de vista, de uma curteza espetacular. Tinha uma personalidade muito marcante e muito frenética. Adquiriu um império absoluto sobre o rapaz que nos ia abandonar, “Isidro”. O que não era muito difícil de adquirir, pois o 236


“Isidro” tinha a energia dos moles, e encontrara exatamente um confessor que lhe recomendava o que era mais mole para fazer. Para um mole a quem se recomenda exatamente que satisfaça sua moleza, a partida está perdida. É o mesmo que ter uma bola, uma rampa, e empurrar a bola pela rampa. Nem é preciso perguntar o que acontece. Frei Ângelo recomendava muito ao “Isidro” que obedecesse ao pai, o qual tinha a seguinte objeção com o nosso Grupo: no Grupo [do Plinio] não se faz carreira. Por isso fazia uma política para afastar o filho de nós. O “Isidro” fez concurso para a Faculdade de Direito, para fazer carreira. Espetacular derrota. Depois fez uma coisa mais grave. Escreveu a Dom José um relatório, às nossas costas, e sem nós sabermos, falando muito mal de nós. Disse que nas reuniões conosco via que de nenhum peso era a opinião de Dom José.178 Dom José chamou Dom Mayer para exigir uma explicação sobre o fato. Dom Mayer leu e disse: Dom José, aqui há uma mentira: esta coisa do Legionário. Por isso ele não merece consideração. 178 – Foi precisamente a Isidro que o Dr. Plinio escreveu uma carta em 1929, com apenas 20 anos de idade prevendo o futuro que esperava a Igreja e a Cristandade. O caráter profético da mesma é inquestionável. Eis o texto: “Cada vez se acentua em mim a impressão de que estamos no vestíbulo de uma época cheia de sofrimentos e de lutas. Por todas partes, o sofrimento da Igreja se torna mais intenso, e a luta se aproxima mais. Tenho a impressão de que as nuvens do horizonte político estão a baixar. Não tarda a tempestade, que deverá ter uma guerra mundial como simples prefácio [a Segunda Guerra]. Mas esta guerra espalhará pelo mundo inteiro uma tal confusão, que as revoluções surgirão em todos os cantos, e a putrefação do triste ‘século XX’ atingirá o seu auge. Aí, então, surgirão as forças do mal que , como os vermes, somente aparecem nos momentos em que a putrefação culmina. Todo o ‘bas fond’ da sociedade subirá à tona, e a Igreja será perseguida por toda parte. Mas... ‘et ego dico tibi quia tu es Petrus, et super hanc petram aedificabo Ecclesiam meam, et portae inferi non praevalebunt adversus Eam’. Como consequência , ou teremos ‘un nouveau Moyen Age’ ou teremos o fim do mundo”. Cfr. Juan Gonzalo Larrain C., Plinio Corrêa de Oliveira: Previsiones y Denuncias en defensa da la Iglesia y de la civilización cristiana, Petrus Editora, São Paulo, pp. 173-174, 2009. (Grifos nossos).

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Capítulo VI O “Kamikaze” 1. Dr. Plinio decide escrever Em Defesa da Ação Católica – Redação do livro (1941-1942) Notava que cada vez mais a corrente oposta ia crescendo em São Paulo, no Brasil, penetrando nos seminários, tomando influência no Clero, enfim, entrando como uma torrente em todos os lados. E que a infiltração dos erros da Ação Católica era gradual, poderosa, mas muito prudente. Os meios católicos tradicionais eram muito mais poderosos, mas ingênuos, sem nenhuma prática da luta interna no meio católico, e por causa disso a léguas de admitir que um bispo pudesse favorecer essas ideias, ou de que essas ideias fossem ruins a partir do momento em que fossem pregadas por um eclesiástico. Um católico desse tempo, anos depois veio falar comigo na nossa Sede do Reino de Maria [Rua Maranhão, 341]. – Ele estava indignado porque seu filho tinha entrado no nosso movimento – e me disse: Olha, para mim é obrigação do católico sentire cum ecclesia, mas isso é sentir com o Romano Pontífice, é sentir com o bispo, é sentir com o pároco, é sentir com o sacristão. Para ter o sacristão como ordenação do próprio pensamento os senhores estão vendo até que ponto chegava essa ideia de disciplina. Bom, e a batalha não era a batalha da maioria tradicional contra a minoria nova, era da penetração da minoria nova nos meios tradicionais, mudando gradualmente a ideia dos tradicionais. 238


Ora, como eles eram muito ingênuos, era preciso que alguém lhes abrisse os olhos, dissesse não, e estivesse disposto a sofrer as perseguições, as calúnias, as detrações, a ser esmagado se fosse necessário, mas jogar-se como um Kamikaze contra os infiltrantes. Ficava criado um caso e daria no que fosse, pouco importava, iria para frente! Portanto, ou eu denunciava para a maioria ingênua o que estava se passando, e a maioria ingênua tomava a sério e esmagava pela recusa essa gente de ideias novas, ou se eu não fizesse uma denúncia, a maioria ingênua se deixava dominar completamente. E, portanto era preciso preparar uma denúncia monumental. Essa denúncia não podia ser um artigo de jornal, não podia ser um artigo de revista, tinha de ser um livro. Por quê? Porque era preciso mencionar tantos fatos para provar a esses ingênuos que isto era assim, era preciso tantos argumentos para provar que tal coisa é proibida, tal outra é permitida, etc, que era só mesmo fazendo um livro. Então pensei: Vou escrever um livro em que denuncio toda essa doutrina, ponho a doutrina a limpo inteiramente como ela é, ponho os pingos nos ‘ii’, e crio um escândalo. Criado o escândalo, muita gente vai ficar atemorizada e recuar, não vai aderir a nós, mas não adere a eles, fica com uma interrogação na cabeça. A minha posição de líder católico vai ficar arrasada. Mas se eu não der esse passo agora, eles avançarão mais adiante, porque como eu não estou disposto a ceder diante da Revolução, eles me liquidam de qualquer jeito. Então é melhor começar a batalha enquanto ainda tenho soldados. É melhor fazer isto do que iniciar o fogo e a batalha no momento em que tudo em torno de mim estiver gangrenado, em que eu não tiver ninguém que 239


tenha certo senso contra-revolucionário para acompanhar a boa orientação. No momento em que foi verificado o início de uma crise que ia alterar completamente o quadro interno da Igreja, no momento em que a alteração desse quadro ia transformar completamente as condições de funcionamento de nosso Grupo e determinar um caminho para ele com o qual não contava, e que era o caminho do futuro dele ao longo dessa jornada até nossos dias [1985], nesse momento resolvi lançar o Em Defesa. Dava-me bem conta de que o livro ia produzir um estouro do outro mundo e que era a obra do Kamikaze: quer dizer, eu ia destruir o adversário, mas ia me destruir. Dava-me perfeitamente conta que era uma autoimolação indo de encontro ao colosso que eu divisava, certo de que tudo explodiria, mas ao menos que muitas pessoas ficariam assustadas e que o gelo que viria depois haveria de conter o movimento da Ação Católica. (Sobre o estouro que o livro efetivamente produziu e a freada da A.C., ver Parte VI deste trabalho). Tinha certeza de que, não quero dizer enquanto homem, mas enquanto homem público estava amarrando a bomba no meu próprio corpo, que a bomba estouraria, mas que o meu corpo não se dilaceraria; e que quando os mares sossegassem, veriam que eu estava íntegro. Dava-me conta também que denunciado todo o mal que a Ação Católica estava fazendo, para o Brasil inteiro ficaria claro que nós éramos contrários a todo esse mal; e que nós, quando depostos, éramos imolados ‘in odium fidei’. De maneira que todo mundo que tivesse um pouco de espírito de fé compreendesse o que estava acontecendo e continuasse do nosso lado. Assim sendo, mesmo na oposição, nós continuaríamos a ter uma corrente. Do contrário ficaríamos completamente isolados. Quer dizer, eu quis aproveitar o cargo e as honras 240


de Presidente da Ação Católica, enquanto ainda os tinha, para dar um grande golpe antes de cair. Mandei vir a coleção de documentos pontifícios da Bonne Presse, de Leão XIII até Pio XI, inclusive. Tive de ler muitas coisas da corrente errada, jornaizinhos e coisas que eles publicavam, etc. E fiz o livro Em Defesa da Ação Católica em que trato ponto por ponto da doutrina errada deles. Isso me levou meses para preparar (*). Mas no maior segredo. Pus mais de 400 documentos indicando que a coisa estava errada. Tinha um fichário com todas as citações, etc. ----------------------------------(*) Começou a escrever o livro em 1941, em 1942 estava pronto. ----------------------------------Percebendo que ia cair o mundo em cima de nós, nem sabia quem é que iria ficar comigo, porque aqueles sete ou oito que perseveraram, não tinha certeza, no começo, se iriam ficar ou não. Quando vi a tempestade, e antes de a casa ter caído, precisava prevenir aos mais chegados a mim que a casa ia cair, para que soubessem se proteger contra os escombros que cairiam em cima deles, e soubessem assim permanecer firmes. E era preciso incutir nos meus companheiros a ideia da conspiração que estava sendo feita. E conspiração de homens de altar, o que há dois anos antes era uma blasfêmia imaginar. Mas não havia clima para se fazer uma reunião geral. Era preciso começar a conversar com um, com outro, etc. Assim, ao mesmo tempo em que ia lendo os documentos pontifícios para o livro, ia colhendo os fatos e falando com os mais íntimos para mostrar que nos sacrossantos meios católicos, na Cidade de Deus, na Igreja Católica, ali haveria de entrar uma coisa horrorosa dessas. 241


Os senhores não fazem ideia do trabalho que tive para persuadir disto os meus primeiros irmãos no Movimento Católico, porque o Movimento Católico era um manso lago azul e já era difícil falar de conjuração anticristã. Era um tempo em que a gente tinha que desenvolver uma perícia de argumentação extraordinária para provar que existia a conspiração revolucionária. Dirigi-me a inúmeros deles. E tiveram a glória de estar ao meu lado nas primeiras horas só aqueles que vieram a ser o elemento inicial do nosso grupo. Os outros tinham medo, fugiam, se dispersavam. Apenas esse punhado permaneceu fiel. Quando fiquei com toda a doutrina na cabeça resolvi passar um mês em Santos, para ditar o livro. A. Dr. Plinio resolve ditar o livro em Santos Pensei: O que devo fazer é ir a Santos, onde a viagem é barata, os telefonemas são baratos, vou para um hotel bom que tem em Santos perto do cais. Tem um braço de mar ali, e tem o movimento das docas, os navios estrangeiros que chegam ou que vão, as mercadorias que se descarregam, um trem que percorre as docas de ponta a ponta levando mercadorias, levando trabalhadores, é uma coisa que me distrai ver. O hotel é muito bom para comerciantes importantes, não tem nada de mundano, tem salões grandes, confortáveis onde posso trabalhar sossegadamente. Vou escrever esse livro lá. O Dr. Plinio levou para secretariá-lo o Dr. José Carlos Castilho de Andrade179, que era bem mais moço que ele, que ficou noutro hotel: o ‘Atlântico’. 179 – Castilho de Andrade, José Carlos – Membro do grupo de redação de O Legionário e posteriormente diretor de Catolicismo.

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Continua a narração: Todos os dias Dr. Castilho vinha à hora certa para eu começar a ditar. Aparecia com uma pasta enorme, com papéis, etc. Eu o levava para uma daquelas salas e todo mundo do hotel ficava vendo que era um secretário e que eu estava ditando a ele algumas coisas. Trabalhávamos umas duas ou três horas. Depois ele ia para almoçar. À tarde voltava, trabalhávamos mais umas horas; tomávamos uma refeição juntos, conversávamos placidamente depois do jantar – com frequência com amigos que desciam de São Paulo – para participar da conversa. Depois ele se despedia. Passamos nada menos que um mês inteiro em Santos ditando esse livro. Naturalmente o pessoal do Legionário descia até Santos, sobretudo aos sábados e domingos. Iam conversar. Íamos passear, fazíamos excursões em lancha naqueles canais de Santos, etc. B. Revisão do livro por Dom Mayer e Dom Sigaud – Opinião do padre Dainese – Prefácio do Núncio

a) Uma provação a mais?... Quando terminei o livro procurei atentamente quem é que poderia me apoiar, e só contava com o apoio de Dom Mayer, de Dom Sigaud e de três jesuítas – um dos quais eu conheci durante a batalha: o padre Walter Mariaux, o padre César Dainese e o padre Luís Riou. Procurei Dom Mayer e lhe disse: Monsenhor Mayer, aqui está esse livro. Ao Pe. Sigaud, que era muito amigo nosso naquele tempo: Aqui está o livro. Os senhores querem fazer o favor de ler e ver se o livro pode sair? Dom Mayer gostou do livro. Dom Sigaud não gostou; ele me disse o seguinte: – Olha, isso não chega a ser propriamente um livro. – Olhe, Pe. Sigaud, o senhor pode me dizer que do 243


lado da doutrina católica haja qualquer coisa que não está bem, eu acolho com toda a atenção. Diga-me o que é. Mas do lado intelectual sou bem seguro de mim e sei o que é um serviço bem feito ou mal feito. Como livro, é um livro bom. Se a doutrina não está boa, o senhor é teólogo, eu não sou. O senhor me diga, eu estou pronto a atender com toda a consideração. – Não, desse lado não tem nada. – Olha, então, do lado intelectual, pela minha fama de intelectual, cuido eu. Pela Igreja Católica cuidamos nós dois. O senhor como padre e eu como leigo.

b) Vinte anos depois Dom Sigaud afirma publicamente que Em Defesa foi ‘um livro graça’ Será que a afirmação de D. Sigaud não fez parte das incontáveis provações que o Dr. Plinio – por desígnio da Providência – teve de aceitar? Perguntamo-nos isto, pois quando se cumpriram 20 anos da publicação do Em Defesa, Dom Sigaud publicou em Catolicismo um artigo no qual considerava a obra de Dr. Plinio uma graça para o Brasil, qualificando-o como “livro graça”. Quem em 1943 dissera que o livro “não chega a ser propriamente um livro”, em 1963 escreveu: “Este livro foi uma graça que Deus concedeu ao Brasil. Como sói acontecer com as graças, muitos receberam com alegria o trabalho de Plinio Corrêa de Oliveira, e dele se valeram para aclarar os conceitos, ver os desvios, corrigir os erros, e imprimir à Ação Católica nova e segura orientação. Outros não concordaram com toda a doutrina sustentada nessas páginas, mas aproveitaram-se de inúmeras luzes, estímulos e diagnósticos, que deparavam nelas, para levarem a A.C. a boas paragens. Outros se fecharam ao livro, o vilipendiaram, e muitas vezes sem o lerem, o rejeitaram e condenaram. Contemplando estes vinte anos que se passaram desde a publicação desta obra notável, e considerando os frutos

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que teria produzido se tivesse sido completa sua aceitação, uma certa melancolia invade o coração, como nos invade a alma certa tristeza quando temos notícia de graças que Nosso Senhor outorgou a alguma nação, e que não houve a devida correspondência. “Em defesa da Ação Católica” foi uma graça para o Brasil”.

E no mesmo artigo Dom Sigaud coloca o Em Defesa junto às maiores obras que se produziram na Cristandade. Escreve ele: “Na história da Igreja Católica há livros que foram grandes graças concedidas por Deus ao seu povo. Não me refiro agora à Sagrada Escritura, que em matéria de livros é a graça das graças e, inspirada pelo Altíssimo, contém a sua revelação, aquele manjar do qual disse o Divino Salvador que dele vive o homem, porque é palavra que sai da boca de Deus. Refiro-me a livros escritos por autores humanos, em certas circunstâncias da vida da Igreja. Eles são graças, porque o seu conteúdo ilumina a inteligência com luzes extraordinárias. São graças porque estimulam a vontade de proceder de tal sorte que realize a vontade de Deus. Ao falarmos de livros que foram graças, lembramonos das Confissões de Santo Agostinho, da Cidade de Deus. Ambos os volumes famosos que veicularam torrentes de luz e santidade sobre o mundo. Foi graça a Imitação de Cristo. A quantas almas Deus já falou através daquele minúsculo livro! Foi graça o livrinho dos Exercícios Espirituais que às sombras da gruta de Manresa projetaram [luz] sobre quatro séculos de vida da Igreja. Foi graça o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem que brotou do coração de um São Luís Maria G. de Montfort como “fonte de água que jorra até a vida eterna”. Em nosso âmbito nacional, e guardada as proporções, pode-se dizer que “Em Defesa da Ação Católica” foi um livro-graça”.180

180 – Dom Geraldo de Proença Sigaud, in ‘Catolicismo’ nº 150, junho, 1963. (Grifos nossos).

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c) Pe. Dainese e o Prefácio do Núncio. Terminada a revisão por Dom Mayer e Dom Sigaud­ – prossegue Dr. Plinio – mandei uma cópia ao padre Dainese dizendo-lhe: Padre Dainese, eu estou com vontade de publicar esse livro, o senhor veja o que o senhor acha. Tempo depois, o livro me volta do Rio de Janeiro, restituído pelo mesmo padre. Folheei um pouco o livro e encontrei escrito numa tira de papel comprido, o seguinte: ‘Livro admirável, de uma utilidade incomparável para a Igreja no momento atual’, taratatá, os maiores elogios. Marquei um encontro com ele e lhe disse: – Pe. Dainese, não tenho a menor ilusão de que este livro vai ser uma explosão, e que com essa explosão eu me liquido. Eu estou disposto a essa liquidação se ela representasse uma bomba para o adversário. Porque eu me liquidar em vão, não. Eu me liquidar em proveito para a nossa Causa, com toda a alegria. Esse livro só sairá se tiver um prefácio do Núncio Apostólico. Com isto eu publico o livro. Daí uns tantos dias, chegou-me o prefácio que está no livro. Contém o mínimo para ser um apoio, mas tem todo o indispensável de um apoio. Peguei o prefácio, tirei uma cópia, e pensei: agora é preciso falar com o Arcebispo. Eu não posso publicar esse livro como Presidente da Ação Católica sem consultar o Arcebispo. Nós fomos estar com o Arcebispo.

2. Apresentação do livro a Dom José Gaspar e a Dom Pedrosa – Imprimatur do Em Defesa Pedi imediatamente uma audiência ao Arcebispo e lhe comuniquei que tinha o livro e que queria o imprimatur dele. Ele perguntou quando e por que eu o tinha escrito. 246


Eu disse: – Fiquei tão preocupado com o destino de nossa querida Ação Católica desde o momento em que foi preciso pôr fora aquelas diretorias eivadas de erro, que escrevi este livro aproveitando as horas livres, de modo que representa um trabalho insano que está posto aqui dentro. Eu cito 400 documentos. Entreguei uma cópia do livro. Era um desses classificadores enormes, porque um livro de 400 páginas enche um classificador. Ele, muito gentil, pegou o classificador e disse: – Que livro enorme, hein? Quanta dedicação, escrever um livro tão grande! Eu achei o elogio plutôt frio. Porque livro não é como o queijo, que a gente mede em parte pelo peso. Um livro tem o fator qualidade, que vale mais do que o fator quantidade. O fato de que seja grande é um elogio para uma lista telefônica, para um catálogo grandão, que contém muitos nomes, mas para um livro que trata de doutrina, podia-se fazer um elogio diferente. Mas ele estava vermelho. E continuou falando: – Muito bem. Vamos fazer uma coisa: eu vou lendo aos pouquinhos, e à medida que meus lazeres permitam, eu tenho muitas ocupações, vou lendo e pondo umas notas. Está bem? Eu disse que sim, e que queria que o livro saísse sendo eu Presidente da Junta da Ação Católica, e assinando o livro como tal. Ele muito amável disse: Está bem. Ficou tudo combinado e eu saí. Tal era o poder de sedução dele, que eu saí do Palácio alegre, sem perceber a cilada em que caíra. Saí pela Rua São Luís em direção à Rua da Consolação, e quando cheguei ao fim da grade do Palácio, parece que a ação de presença dele se desfez. Eu pensei: Meu Deus! Estou liquidado. Este negócio nunca mais sai. Esperei alguns dias, e tivemos outro encontro. 247


Recebeu-me mais amável do que nunca, dizendo que tinha visto o livro com o enorme interesse que consagrava à Ação Católica, que estava bem provado que com todas as minhas ocupações era uma grande dedicação ter expendido todo o esforço para escrever o livro, mas que ele, com a amizade que me tinha, devia dizer uma coisa: que o livro estava muito mal escrito, porque estava confuso, não se entendia bem o que queria dizer, depois um português muito ruim, e o pior é que o livro padecia de excesso de ideias. Tal quantidade de ideias que ele achava que não era possível publicar naquelas condições. Eu arranjei um doutor – não me disse o nome – que vai passar o livro por uma reforma completa de estilo e de tudo. Vai tomar aquele material, tirar muitas ideias, pôr aquilo num estilo claro, aproveita o essencial, e o senhor pode publicar em seu nome. Algum tempo atrás, Dom José comentando com Dom Mayer um artigo meu no Legionário lhe havia dito: Quando a gente lê os artigos do Plinio, a gente desanima de escrever. Porque é tanta clareza, tanta clareza que a gente depois fica com medo de escrever uma coisa que fique confusa. Os senhores estão vendo que é a maior injúria que se pode fazer ao autor de um livro. Tudo dito muito amavelmente. Respondi: – Senhor Arcebispo, o que V. Exa. me diz enche-me de surpresa, pois sou professor da Faculdade de Direito há uns 10 anos e nunca um aluno se queixou que minhas aulas fossem pouco claras. Sou professor na Sedes Sapientiae há cinco ou seis anos e idem. Nas reuniões católicas que eu faço, esta queixa também nunca houve. Nos meus artigos no Legionário, idem. De modo que eu não compreendo, mas a opinião de V. Exa. é muito abalizada. Eu não a contradigo, apenas fico tomado de 248


uma apreensão: esse doutor que vai reformar o meu livro quanto tempo demorará? – Ah, isso eu não sei. Naturalmente é uma coisa longa. Pedi para pensar um pouco e responder mais tarde, pois publicar com meu nome um livro feito por terceiro não é coisa muito fácil. Ele aceitou, disse que eu pensasse quanto quisesse. Evidentemente ele não tinha pressa. Um Cônego amigo contou que na noite em que meu livro deu entrada no Palácio, o Arcebispo passou a noite em claro, que ele notou que andou muito. De manhã encontrou o dossiê do livro aberto, ele mesmo tinha anotado as 20 ou 30 primeiras páginas, que tenho guardadas. Mas, tomado de perplexidade diante do caso, escrevi uma carta contando que estava em situação difícil, não me lembro, se endereçada ao Senhor Núncio ou ao padre Dainese, pedindo a ele que falasse ao Núncio. Sei que dias depois chegava ao Palácio São Luiz uma carta da Nunciatura mandando o Arcebispo entregar o livro à imprensa para ser publicado como estava. O Arcebispo chamou Dom Mayer e lhe disse: – Mayer, eu estive vendo aqui este livro. Vamos mandar publicá-lo. Você leu o livro? – Sim, Senhor Arcebispo. – Bem, se você leu, você dê o imprimatur. – Pois não. Dom Mayer chegou e bateu o imprimatur: “ex commissione reverendissimi excellentissimi Archiepiscopi – Monsenhor Antônio de Castro Mayer, Vigário Geral”. – Comentário malicioso de D. Isnard e D. Pedrosa No livro do padre J. Ariovaldo já citado se lê:

“Continua D. Isnard: ‘O pior é que o livro trazia um pre-

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fácio do Núncio Apostólico, D. Bento Aloisi Masella. Contoume D. Paulo Marcondes Pedrosa, O.S.B. , de São Paulo, como foi obtido esse prefácio: o Núncio não lera o livro, não tomara conhecimento de seu conteúdo (sic!) e agira confiando no Imprimatur dado por... Mons. Castro Mayer...”.181

Dom Isnard era das pessoas mais entrosadas no liturgicismo dentro do clero brasileiro e um dos Bispos mais revolucionários, pelo que deve ter percebido a força do golpe recebido com o livro. Sobre o entrosamento de Dom Isnard no Movimento Litúrgico, motivo pelo qual o citamos repetidas vezes neste trabalho, afirma Tristão em entrevista ao Pe. Ariovaldo: “E, sobretudo, uma pessoa com quem o Sr. deve conversar é com Dom Clemente [Isnard], se for possível. Porque ele é que foi o pai do grupo, de todos os participantes do Movimento Litúrgico”.182

Levado pelo desejo de proceder em tudo com cortesia – continua Dr. Plinio – e como ainda nossas relações eram perfeitamente cordiais, não só mostrei o livro a Dom José Gaspar, mas também a Dom Pedrosa para dar sua opinião sobre o mesmo. Pedi também a opinião do D. Teodoro [Svend Kok – posteriormente ‘Dom Beda’, quando se tonou trapista]. Algum tempo depois D. Teodoro me telefona: Sabe, lemos o seu livro e estamos prontos a opinar. Como Monsenhor Mayer é Vigário Geral, Dom Pedrosa declarou que ele preferia tratar do assunto na casa do Vigário Geral. Então manda propor um encontro em casa de Monsenhor Mayer. Nós dois, Monsenhor Mayer e você. Naquele telefonema percebi que estava dito o seguinte: Para você, Dom Pedrosa não dá satisfação nenhuma, mas para o Vigário Geral ele está disposto a dar uma satisfação. 181 – Pe. J. Ariovaldo... op.cit. p. 175. (Grifos nossos). 182 – op. cit. Apêndice XVI, Informações dadas por Alceu Amoroso Lima – Entrevista gravada em fita cassete – Petrópolis, maio de 1979, p. 368. (Grifos nossos).

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No encontro foram os dois amáveis, mas frios. No fundo uma pilha de nervos, sobretudo Dom Pedrosa. Dom Pedrosa disse com uma cara mortificada: Bem, eu li o livro, aqui está. Eu: O senhor teria alguma ponderação a fazer? Em geral quando se faz alguma ponderação, antes se diz alguma amabilidade. Nada, nada. Disse Dom Pedrosa: Bem, não teria nada de especial a dizer. E dirigindo-se a Dom Mayer: Monsenhor leu, não Monsenhor? Dom Mayer: Li. Dom Pedrosa: É, Monsenhor, com certeza está bem. Eu: Teria algum ponto que o senhor gostaria que alterasse? Dom Pedrosa: Bem, digamos tal ponto e tal ponto. Eram dois ou três pontinhos, sem nenhuma importância. Logo concordei, não discuti, eram coisas de forma, não diziam respeito à doutrina (*). ----------------------------------(*) Eu afirmava que os Exercícios Espirituais [de Santo Inácio] eram o modo próprio de meditar para todos os fiéis. Dom Pedrosa disse que era exagero. Eu disse que ele não havia reparado, pois a letra estava meio apagada, mas estava tudo entre aspas, e era uma citação de uma encíclica de Pio XI. Ele viu as aspas e disse: Não está aqui quem falou. Dom Teodoro fez uma objeção até boa. Porque eu escrevi que os padres não podem crismar na Igreja do ocidente; ele disse que a expressão era um pouco genérica e corrigi. ----------------------------------Dom Pedrosa pegou o livro, colocou em cima de uma mesinha e disse: Bem, então está tratado o nosso assunto. Como Dom Mayer era o dono da casa, voltei meus 251


olhos para Dom Mayer, pois não me competia continuar uma visita em casa de outro. Se fosse minha oferecia cafezinho, etc. Dom Mayer muito positivo, categórico e belicoso disse: Está bem! Os dois se levantaram, se despediram, estava encerrado o caso. Era visível que o livro tinha desagradado no mais alto grau. Como era visível também que não tinham nenhuma objeção a fazer e era visível também que eu estava combatendo contra uma doutrina que estava disposta a não discutir e a não se mostrar. (Ver Cap. VIII – 2 desta Parte: a atitude de D. Pedrosa advertindo D. Motta sobre “o problema Plinio Corrêa de Oliveira”).

3. Edição e difusão do livro Quando Dom Mayer deu-me o imprimatur, mandei tudo para a tipografia do Coração de Maria para ser impresso. Dentro de 20 dias ou um mês, não posso me lembrar, a tipografia me entregava os primeiros livros. Era uma edição de 2.000 exemplares, que para hoje seria insignificante. Mas queria que o livro só circulasse no meio católico, para não desedificar os meios não católicos. Custou cinco contos. Mas naquele tempo cinco contos era muito dinheiro e, sobretudo, era o único dinheiro depositado em banco que eu tinha. O doloroso é que eu era responsável pela subsistência de meus pais. De maneira que se uma doença ocorresse, eu não tinha dinheiro para resolver a situação. Mas confiei em Nossa Senhora e paguei o livro. Se não fosse um padre chamado Anastácio Vásquez, o livro não teria saído. Era o diretor da editora e amigo nosso. Contou que sofreu várias ameaças da parte do pessoal da Ação Católica para não publicá-lo. Já mor252


reu [1973]. Que Nossa Senhora tenha a sua alma em paz pelo bem que fez. * * * Estava prevendo que o livro iria ocasionar um caos, uma desordem, uma bagunça. E tinha os nossos pequenos dispositivos preparados para o combate. Pensei o seguinte: Vou antes mandar o livro exclusivamente para os amigos, para vir cartas de aprovação antes de arrebentar a polêmica. E depois distribuo para os inimigos também, para sair a polêmica! Portanto, o Legionário não publicará uma palavra sobre o livro enquanto eu não tiver recebido as cartas dos amigos. Escrevi para mais ou menos uns vinte arcebispos ou bispos. Mandei pelo correio com uma dedicatória para esses que eram muito amigos meus. Tudo bem arranjado e fiquei esperando tranquilamente as respostas. De todos aqueles a quem escrevi, recebi respostas boas. Algumas até entusiásticas, calorosas, manifestando todo o apoio ao livro. Quando recebi todas, soltei a ‘bomba’! O Legionário publicou uma notícia de que ia sair o livro, mas sem mostrar ainda o caráter pontudo dele: Um livro sensacional, muito oportuno, prefácio do Emo. Revmo. Senhor Dom Bento Aloisi Masella, Núncio Apostólico no Brasil, Imprimatur da parte do Arcebispo Metropolitano, aprovações dos senhores Arcebispos tais e Bispos tais. Quando começamos a anunciar o livro no Legionário, púnhamos o título Em Defesa da Ação Católica. Lembro-me que Dom Cabral e outros diziam que se devia chamar: “Indefesa Ação Católica”. Dois ou três do grupo ficaram incumbidos de procurar as principais livrarias católicas de São Paulo. Porque era uma coisa curiosa: livro bem católico só se vendia 253


em livraria católica. E livraria católica só vendia livro bem católico. Havia umas quatro ou cinco livrarias católicas em São Paulo, e que regurgitavam de livros e tinha muita gente que comprava. Esses livreiros, em geral, pertenciam ao Movimento Católico, eram conhecidos de todos os católicos praticantes. E o puseram à venda em várias livrarias. Todo mundo se atirou em cima do livro. Foi uma verdadeira bomba! Repercutiu nos meios católicos do Brasil inteiro. Um daqueles padres de Taubaté escreveu na “Ordem”, revista do Tristão de Athayde, um artigo com uma porção de inconvenientes de caráter doutrinário. E Mons. Rosalvo Costa Rêgo183, eleito Vigário capitular pela morte de Dom Leme, condenou o artigo. O Pe. Ariovaldo assim relata o fato, como também o sucesso que o livro de Dr. Plinio estava alcançando: “Morto D. Leme, o Vigário Capitular da Arquidiocese Mons. Rosalvo Costa Rêgo passa a tomar medidas que evidenciam uma atitude fortemente defensiva contra a presença de um perigo ameaçador. Com a “Instrução” de 31-5-1943, lança-se em enérgica defesa das práticas extra-litúrgicas contra os que as julgam não necessárias para a santificação (...). Evidentemente que o livro de P. Corrêa de Oliveira – com o prefácio do Núncio! – exatamente desta época e, portanto, já fazendo o seu furor (...), com toda a polêmica anterior de ‘Estrela do Mar’ (...), influenciou e encorajou certamente o Vigário Capitular a tal rígida tomada de posição (...). O mesmo se diga da “Instrução” de 4-6-1943, em que proíbe na Arquidiocese as Missas dialogadas”.

E em nota o autor afirma:

“O documento foi mesmo bastante explorado para se atacar [o Movimento Litúrgico]. Significativo, por exemplo, este texto de M.T.L. Penido; ‘Quanto ao Brasil, não me cons-

183 – Costa Rego, Mons. Rosalvo – (1891-1954). Foi vigário Capitular do Rio de Janeiro, vigário geral durante muitos anos do Cardeal Leme.

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ta ao certo qual a gravidade do mal. Que ele existe, faz fé a lúcida e firme “Instrução ao clero e aos fiéis sobre vida litúrgica e práticas extra-litúrgicas, baixada... pelo então Vigário Capitular do Rio de Janeiro”.184

Entre muitos outros, Dom Isnard passa recibo da bomba ao sustentar: “Até uma figura sob todos os títulos respeitável, como o Pe. Murilo Teixeira Leite Penido, (M.T.L.) escreveu contra o “liturgicismo” na Revista Eclesiástica Brasileira. “Liturgismo”ou “Liturgicismo” era alvo de ataques e suspeições vindas de muitas partes. Então ser beneditino era quase ser suspeito de heresia! Anos tenebrosos os de 1942 a 1944! Parecia que a garra do integrismo [leia-se antimodernismo] iria asfixiar por muito tempo a Igreja no Brasil”185.

Continua o Dr. Plinio: Aí eu comecei a receber repercussões do outro lado (*). ----------------------------------(*) Naquela época, havia entre os leigos uma tendência de fidelidade que eu não diria exacerbada, porque exacerbada é meio pejorativo – levada ao auge, isto sim, ao clero, ao Episcopado –, que caracterizava todo aquele movimento mariano no qual estavam os elementos primeiros de nosso movimento. Pelo contrário, no clero havia uma frieza para com essa situação. Uma frieza de fundo hostil. De maneira tal que quando foi possível [à Revolução] alterar essa situação a fundo, essa alteração foi recebida por ele [clero] com satisfação, com alegria, com desinibição completa. Por essa razão nosso principal adversário na luta a favor do clero foi o próprio clero. ----------------------------------184 – Pe. J. Ariovaldo, op. cit. p. 194. (Grifos nossos). 185 – Bernard Botte, op. cit. p. 221-222. (Grifos nossos).

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Um belo dia, para um lindo automóvel em frente da minha casa e entrega uma carta do Arcebispo agradecendo o exemplar encadernado que eu lhe tinha mandado com uma dedicatória fazendo votos para que meu livro aumentasse a unidade de espírito entre os cristãos, que já reluzia entre os cristãos das catacumbas, dos quais se dizia: Vede como se amam. A. Ruptura definitiva com Tristão Tristão de Athayde escreveu-me uma carta em que se queixava amargamente, dizendo que no meu livro, sob o pretexto de defender a Ação Católica, eu fazia denúncias injustificadas a personalidades respeitáveis. Que lamentava que eu desse o meu nome a essa campanha indigna que estava sendo feita. E cortamos relações. Só nos vimos em 1955, por ocasião de um Congresso Eucarístico que houve no Rio. Foi a primeira realização pública do nosso Grupo. Montamos um stand que teve grande expressão. E, de repente, nos encontramos no corredor do Palácio São Joaquim, depois de anos de relações rompidas. Ele foi muito amável comigo: Oh Plinio, como vai você? – Dr. Alceu, o senhor como está?, mas quase não paramos para nos falar. Apertamos as mãos e depois disso e até ele morrer não nos vimos mais. Acabaram-se as relações. Exatamente porque estava aberta uma cisão, estavam abertas as duas alas. Estava tudo mudado.

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Capítulo VII Tensão com Dom José – Congresso Eucarístico de 1942 – Represálias – Morte de Dom José Gaspar No colégio do Coração de Jesus, os salesianos têm um teatro. Realizaram uma cerimônia e pediram que eu comparecesse para fazer um discurso. Nunca fui muito pontual. Cheguei atrasado e entrei rápido pelos fundos do teatro subindo diretamente pelos bastidores até o palco. Quando entrei, o pessoal todo se levantou, bateu muitas palmas e notei uma coisa que nunca deveria ser assim. Na primeira fileira, sentados juntos, quatro Bispos. Ora, um Bispo nunca deveria se sentar em cadeiras comuns da primeira fileira. Deveriam ter colocado quatro poltronas para eles com saliência, fora do alinhamento das cadeiras comuns, e eles deviam estar sentados lá, e em certa distância um do outro. Mas vejam as desordens das coisas: eles ao mesmo tempo promovendo ficar no alinhamento comum, e querendo derrubar uma pessoa que, segundo eles, atentava contra a autoridade deles pelo fato de ser contrário à Ação Católica. Resultado: entrei, todo o mundo se levantou e eles ficaram sentados. Estavam no direito deles de ficarem sentados, porque um Bispo não precisa se levantar quando entra um leigo. Mas é uma questão de amabilidade, se todo o teatro se levanta, para não tomar um ar de protesto. Poderia se levantar um instantinho, bater palmas um instantinho, e sentar-se muito antes que todos. Mas tomarem um ligeiro traço de consideração. Nada! Quando entrei e vi aqueles quatro Bispos sentados, 257


pensei: É curioso, mas tem ar de uma fronda. Pouco depois a coisa começou.

1. Congresso Eucarístico de 1942 – Hostilidade de Dom José 1942. Ano do Congresso Eucarístico. O Congresso Eucarístico teve um brilho extraordinário. Durante esse Congresso deram-se também outros fatos que provam bem a tensão em que nós estávamos. O Congresso tinha muita solenidade. O Presidente da República não estava, mas tinha todo o resto: o Episcopado, tudo, tudo presente. Numa tribuna estava o Interventor Federal – que equivalia a Governador hoje em dia – membros do governo, o Arcebispo Dom José Gaspar, o Núncio Apostólico – depois Cardeal Masella – que como Legado do Papa tinha honras especialíssimas. Estavam com as costas voltadas para uma espécie de altar, depois havia uma mesa pequena com alto-falante. Estávamos sentados. À minha direita Dom Pedro Gastão de Orleans e Bragança, eu no centro e, à minha esquerda, o Tristão de Athayde. Sobre o brilho do Congresso e seu sucesso depõe D. Amaury Castanho: “Em 1943, um doloroso e trágico acontecimento, um desastre de avião, vitimaria o jovem, culto, zeloso e ativo Arcebispo de São Paulo, Dom José Gaspar de Affonseca e Silva. Havia ele realizado em São Paulo, no ano de 1942, mais um Congresso Eucarístico Nacional. Tendo participado dos preparativos e da realização do mesmo, posso afirmar, tranquilamente, que ultrapassou tudo que dele se poderia esperar. A capital paulista não tinha ainda seus três milhões de habitantes e deles pelo menos 1 milhão participou do grandioso Congresso Eucarístico confessando-se e comungando em Missas celebradas no imenso Vale do Anhangabaú, no centro da capital paulistana. Sucederam-se,

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dia após dia, multidões de crianças e moças, jovens, homens e mulheres, em comunhões coletivas impressionantes. A organização impecável envolveu, direta ou indiretamente toda a população, culminando o Congresso na Procissão Eucarística triunfal pelas ruas e praças da capital paulista”.186

Prossegue Dr. Plinio: Lembro-me que o discurso que fiz foi precedido de um atrito com Dom José muito sério. Dom José convidou-me para ser orador da 3ª Sessão solene. Eu devia fazer a saudação às autoridades. E Dom José mandou dizer que não queria que nenhum orador improvisasse, queria que todos os oradores fizessem seus discursos por escrito para ele poder ver antes. Escrevi meu discurso e mandei a ele. Quando chego, à noite, para falar com o discurso no bolso que, aliás, não pretendia ler porque nem sei ler discursos, mas diria o que estava no papel, Dom Dr. Plinio discursa no José se aproximou de mim muito Congresso Eucarístico amável: Dr. Plinio, há um ressentimento muito grave de diversos Ministros de Estado contra o Congresso Eucarístico, porque ninguém até agora fez elogio ao Dr. Getúlio – ele gostando muito do Getúlio – e eu queria pedir ao senhor que faça uma homenagem calorosa ao Dr. Getúlio Vargas e exprima toda a simpatia e apoio que o Congresso tem pela proteção que ele tem dado ao Congresso. E o Dr. Getúlio – ele dizia Dr. Getúlio – tinha sofrido pouco tempo atrás um acidente na estrada de Petrópolis e estava com uma das 186 – Dom Amaury Castanho, Presença da Igreja no Brasil, Ed. Jundiaí Ltda., Jundiaí, 1998, pp. 193-197. (Grifos nossos).

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pernas encanada. Exprima toda a alegria pelo fato do restabelecimento dele. Eu lhe respondi: – Mas Senhor Arcebispo, V. Exa. me manda alterar o meu discurso agora, diante de todo este mundo? V. Exa. calcule, 500.000 pessoas aqui e 500.000 pessoas ouvindo pelo rádio e eu improviso um discurso assim? – Além do mais, Dr. Plinio, eu queria lhe fazer outra recomendação. Como eu mandei falar alguns oradores fora do programa, eu quero que o senhor faça um discurso bem rápido: uns 10 minutos no máximo. Era uma vergonha. Ele queria me pôr mais ou menos como um menino que a gente manda dar o recado. O único orador nessa noite que falava 10 minutos era eu. Eu lhe respondi: – Mas Senhor Arcebispo, eu calculei o meu discurso para muito pouco tempo: uns 15 minutos no máximo. – É, mas aquele seu discurso está muito longo. Leva muito mais do que 15 minutos. O senhor escreveu um discurso muito longo, Dr. Plinio, o senhor abrevie este discurso de qualquer maneira. De fato, o meu discurso não estava muito longo. – Bem Senhor Arcebispo, vou fazer o que for possível, mas não lhe garanto o que posso fazer. Ele ficou com as autoridades numa mesa, eu na mesa dos oradores. Nesta noite deveríamos falar o Tristão, o Bispo de Kansas City, que não entendia uma palavra de português, e eu. Eu com uma cara amarrada, mas intencional, de fúria. O Tristão me passou a mão por detrás do Bispo e disse: O que é que você tem?– Eu tenho que Dom José fez assim, assim comigo e isto é uma coisa que não se faz. Diz o Tristão: Mas não tem nada. Você se arranja de qualquer jeito e às vezes estes improvisos saem os melhores. Eu: É uma falta de consideração, etc. Chegou a minha vez de falar. O locutor anunciou e 260


falei exatamente o discurso que tinha redigido e levou no máximo uns 10 minutos. O discurso foi totalmente impessoal. O discurso não tem um elogio ao Getúlio. Digo que ele tem em torno de si uma equipe de propaganda enorme. E que à glória de ter essa propaganda se juntava uma glória que era a unanimidade dos brasileiros no que diz respeito à luta contra o estrangeiro. Mais nada. Realmente na luta contra o estrangeiro, ainda mais contra o nazismo, é claro, estávamos de acordo, isso é fora de dúvida. Mas o resto, quando não é brutal, é de uma frieza completa. [O Brasil estava em guerra contra o eixo]. O que me salvou foi o seguinte: o representante do Getúlio era o Interventor em São Paulo, Fernando Costa187, muito apreciador de oratória. E vendo um orador falar depressa, sem ler, e sem se atrapalhar nem um pouco, Fernando Costa ficou literalmente maravilhado. Ele acompanhava com os olhos encantados, embora o discurso fosse o mais frio possível em relação ao governo. Ele estava encantado com o malabarismo que eu estava fazendo. Uma vez até interrompeu puxando as palmas. E os outros políticos vendo o Interventor contente... ficavam contentes também. O Legado Papal, o Núncio Masella: impassível. Aliás, ele era um homem de uma grande presença aristocrática, era nobre e além do mais muito bonito, tinha a catadura de um ancião venerável e diplomático que ficava olhando para um ponto vago ruminando algum problema diplomático. E Dom José Gaspar que era muito fino, muito político, vendo o efeito do discurso, estava um pouco mais serenado. 187 – Costa, Fernando – (1886-1946). Político brasileiro. Ministro da Agricultura de Getúlio Vargas em 1937 e interventor federal no Estado de São Paulo entre 1941 e 1945.

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Quando terminei, passei em frente do Interventor do Governo, para ir ao lugar dos oradores e fiz uma inclinação diante dele, como faziam os outros. Ele se levantou para me abraçar. Eu o abracei. Dom José estava bem longe, por causa do protocolo, e quis também entrar na onda, sorrindo para mim. Eu, imperturbável, sentei no meu lugar. Logo que sentei, o Tristão me disse por trás do Bispo americano antes de ser chamado: Seu improviso foi bem bonzinho. O Tristão é chamado e começa a falar. Não estava numa de suas noites mais felizes, que já iam se tornando raras nessa ocasião. Decaiu bastante como orador. Modorra no público... O Fernando Costa às vezes olhava para mim, sorria; eu sorria para ele. Dom José tentava sorrir para mim. Eu firme. (A íntegra do discurso figura no Apêndice II.)188 Dias depois, tive de comparecer a um almoço no qual estava Dom José. Durante o almoço achei melhor amaciar um tanto a situação, e comecei a conversar um pouco com ele, e as relações se regularizaram em algo. Na saída, ele me pegou pelo braço e disse: Meu Presidente da Junta Arquidiocesana ainda está muito zangado comigo? Respondi: Não Senhor Arcebispo. A gente se esquece de tudo com o tempo. Ele “mineirou” em cima do assunto, o incidente se deu por encerrado. Mas o incidente prova 188 – “A truculência do discurso – afirma Dr. Plinio – era por causa do seguinte: Em 1942, o Brasil estava começando a entrar na guerra e a polêmica era o tipo habitual de confrontação de ideias. De maneira que em vez da cordura kennediana e rooseveltiana de hoje [1981], o embate era enérgico e esse tipo de impacto – forte para hoje em dia a ponto de a gente se perguntar se eu não era muito moço e se tinha medido bem minhas palavras – passava por tão ameno que cheguei a reler o discurso mais de uma vez para me perguntar se não era doce demais”.

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bem como por trás da amabilidade aparente, a tensão era grande.

2. A tensão chega ao auge: Pastoral de Dom Cabral, semana de estudos do Clero e deslealdade de um amigo Quando escrevi o Em Defesa ignorava que Dom Cabral tinha preparado uma pastoral sustentando o contrário de meu livro. Ela saiu mais ou menos ao mesmo tempo. Pouco depois se realizava uma semana de estudos para o Clero regular e secular de São Paulo, no espaço térreo do prédio pegado à igreja da Ordem Terceira de São Francisco, sob a presidência do Arcebispo. Estavam presentes os Vigários Gerais, todo o Clero e muitos padres de fora da arquidiocese. Quando se realizou a semana, o livro e a pastoral faziam todo o barulho e a polêmica era virtual em virtude da efervescência dos dois documentos. Neste sentido o Pe. Ariovaldo afirma: “‘Estrela do Mar’, como vimos, no intuito de defender a Liturgia, acabou atacando o Movimento Litúrgico. Pelo menos assim pensavam cartas enviadas àquela revista (…). P. Corrêa de Oliveira, no intuito de defender a Ação Católica, acabou também por atacar o Movimento Litúrgico de pacto com as heresias modernistas. Acabaram atacando, no sentido de – com o estilo agressivo e hostil contra os erros e exageros – criarem um clima de suspeita contra o Movimento. A situação torna-se crítica. O Movimento Litúrgico arriscava cair em descrédito. Devia, pois, aparecer alguma reação em sua defesa. E aparece. Em O Diário, o dominicano Frei Boaventura escreve advertindo para não exagerar o valor e o alcance do livro Em defesa da Ação Católica, nem de querer tomá-lo como ma-

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nual de Ação Católica. Adverte os leitores de Belo Horizonte que o que deve prevalecer na Arquidiocese é a orientação dada pela pastoral de D. Cabral”.

O mesmo autor, em nota na mesma página transcreve um texto de Dom José Gaspar extraído de uma Circular ao clero de 25 de abril de 1943 na qual, entre outras coisas, diz: “Poder-se-ia ainda objetar à organização da Ação Católica na Arquidiocese os pretensos ou reais abusos, talvez algures cometidos em seu nome. Abusos ou excessos, se os houve, contra as diretrizes pontifícias, condenamo-los com toda energia e coragem, sem nos esquecer, porém, que tanto ou pior mal pode causar a hostilidade ou reservas a este movimento providencial… [itálicos do original]”189.

Na sessão do primeiro dia – prossegue Dr. Plinio – tinha sido distribuída a pastoral de Dom Cabral anonimamente. Quando os padres entraram na sala, viram a pastoral em cada cadeira. Houve o protesto contra esse meio de ação clandestina de um padre. A. Deslealdade de D. Teodoro Aí entra um novo acontecimento, e passamos a olhar para um novo setor da Ação Católica, a JUC. Foi o primeiro setor da Ação Católica em São Paulo, fundado ainda quando Dom José era Bispo Auxiliar. Foi desde logo entregue ao Assistente Eclesiástico Dom Paulo Pedrosa, OSB. Os membros da diretoria foram indicados por mim. Acontece que Dom Pedrosa tinha uma orientação profundamente oposta à nossa, mas era coisa virtual e implícita nele, ele não revelava claramente. Mas os atritos entre ele e nós tinham sido muito numerosos durante todo o tempo em que ele era Assistente Eclesiástico. 189 – Pe. J. Ariovaldo, op. cit. p. 179. (Grifos nossos).

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É preciso dizer que eu estimava sinceramente Dom Pedrosa e o tratei com a maior consideração que se possa tratar uma pessoa. Nunca publiquei como Presidente da Ação Católica um ato sem levar a ele para perguntar o que achava – se bem que sem a mínima obrigação – pois ele era Assistente Eclesiástico de um setor, e eu Presidente da Junta Arquidiocesana. Lembro-me que quando os mal-entendidos entre nós estavam se avolumando, com algumas intrigas pelo meio, combinei com ele e com outro amigo, D. Teodoro, que nunca um de nós tomasse atitude contra o outro sem antes avisar e consultar para ver se a coisa podia se desfazer. Um dia eu ia a Campinas fazer uma conferência para os salesianos, e como queria fazer apostolado com D. Teodoro, pedi a Dom Pedrosa para levá-lo comigo. Na viagem quis esclarecê-lo sobre a situação toda, e com jeito e baseado na amizade que ele continuava a me demonstrar, e no fato de que ele me contou vários abusos litúrgicos que observou no Colégio Santo Anselmo de Roma, de onde vinha terminando os estudos, lhe contei várias das impressões e mesmo alguns fatos relativos ao andamento do liturgicismo aqui, inclusive de Dom José. Contei na ida. Fiz a conferência e, pela manhã, depois de acordar, encontrei-o. Perguntei maquinalmente como passou. Ele disse: Eu não pude dormir depois do que você me contou, pois fiquei tão impressionado com a situação que custei a conciliar o sono. Então, haverá um Bispo nos dias de hoje capaz de ter uma doutrina oposta ao Papa? Isto é uma coisa que me deixa arrasado, eu não posso compreender isto. Mas não como quem objeta contra mim, mas como quem deplora a situação. Conversamos um pouco sobre isto e depois viemos de trem conversando sobre outras coisas. Qual não é a nossa surpresa quando, no segundo 265


dia da semana de estudos do Clero de Ação Católica, D. Teodoro se levanta e faz um discurso denunciando-nos, a todo o Clero reunido, como conspiradores: Eu tenho uma acusação a fazer. Eu viajei com o Dr. Plinio de São Paulo a Campinas, e ele durante a viagem me disse que há Bispos que têm doutrinas erradas em matéria de Ação Católica. Eu nem vou dizer quais são os nomes dos Bispos que ele indicou, porque neste ambiente causaria um verdadeiro horror. Mas eu venho fazer aqui um protesto contra a insolência desses elementos do Legionário, que se atrevem a imaginar que um Bispo católico possa cair em erro em matéria de doutrina. Acrescentou que eram pessoas que julgavam tudo por seus próprios conceitos, que isto era uma falta de humildade. Dom José sabia de antemão que esse golpe ia ser dado. Estava presidindo a sessão e assistindo à explosão, combinada com ele – como depois nós tivemos a certeza por todos os fatos que se seguiram. Ele ali presente, e à direita dele, Dom Mayer, como vítima, porque evidentemente falar de nós era falar de Dom Mayer. Terminado o discurso de D. Teodoro, um escândalo na sala, uma coisa tremenda, impressão profundamente contrária a nós, membros da Junta Arquidiocesana da Ação Católica, portanto pessoas de confiança de Dom José Gaspar. Apesar de tudo, delinearam-se também entre muitos padres atitudes e opiniões a meu favor. Dom Mayer levantou-se e disse o seguinte: Nós temos que salvar os princípios. Foi afirmado nesta sala que um Bispo nunca pode cair num erro de doutrina. Ora, esta sala está cheia de gente que estudou Teologia, e todos sabem que um Bispo pode cair em erro de doutrina. E este princípio precisa ser salvo aqui dentro. Nós não podemos aceitar a doutrina da infalibilidade dos Bispos. 266


D. Teodoro tinha dito também que nunca um leigo podia criticar um Bispo. Dom Mayer disse: Eu discordo. Há casos em que um leigo pode e até deve criticar um Bispo. E isto é preciso sustentar. Com a grande autoridade de teólogo que Dom Mayer tinha, foi tal o impacto, e estabeleceu-se tal confusão, que Dom Mayer saiu mais simpatizado do que nunca da sessão, embora as opiniões fossem muito contrárias a mim pessoalmente. De tal maneira Dom Mayer se houve bem. Aí vocês veem Dom Mayer inteiro: lealdade, coragem, inteligência, e entrando inteiro dentro da luta. Porque aquela era uma situação em que, dando um passo errado, ele estava eletrocutado para a vida inteira. É Daniel na cova dos leões e puxando o bigode do leão. Dom José encerrou a sessão com palavras muito anódinas. D. Teodoro fez na reunião ainda uma coisa horrorosa. Começou a falar a respeito da humildade, e ele, padre recém-ordenado, disse: Eu não me lembro dos trechos da Sagrada Escritura sobre a humildade, mas posso citar trechos da Regra de São Bento. E começa a citar trechos da Regra de São Bento. Dom José disse qualquer coisa sobre concórdia, ou coisa parecida. D. Teodoro anunciou que falaria no dia seguinte de novo. Terminada a sessão, Dom Mayer desceu do estrado, dirigiu-se ao D. Teodoro e lhe disse: Teodoro, o senhor amanhã não fala de novo, ou se falar, tem que mostrar seu discurso, porque o senhor não é homem que possa falar sem que se veja antes o que o senhor escreve. D. Teodoro gaguejou, ficou lívido, e depois Dom Mayer teve a audácia –dessa audácia que é preciso ser ele para ter – de dizer a Dom José que ele tinha proibido D. Teodoro de fazer discurso sem que ele [Dom Mayer] visse antes. Depois veio uma carta de D. Teodoro para Dom 267


Mayer, e o discurso. Dom Mayer leu e aprovou. Era um discurso anódino, que não tinha mais nada, e o incidente ficou encerrado. Dom Mayer e Dom José como que não comentaram entre si o incidente. Trocaram alguns comentários que eram como que não comentar. E a coisa ficou assim no ar.

3. Represálias tomadas pelos liturgicistas A. Quanto ao relacionamento com Dr. Plinio O incidente acima descrito produziu um efeito tão profundo, que eu estava convidado para fazer um discurso em Campinas, e dias depois recebo uma carta do Bispo de lá comunicando que estava adiado sine die o meu discurso. E começo a notar vários padres que mudaram, desde esse dia, completamente a sua atitude a meu respeito. E praticamente, em todo o meio eclesiástico de São Paulo, quer dizer, o meio de padres de São Paulo, porque no laicato isso nunca repercutiu muito, se minha cotação antes disso não era cem, mas oitenta, desceu a oito ou talvez tenha descido a menos de oito. Foi uma baixa vertiginosa. Quando publiquei o Em Defesa, certo número de Bispos apoiou. Mas quando eles começaram a ver que os Bispos verdadeiramente novos e influentes no Brasil eram contrários a nós, eles foram tirando o corpo. Quando o meu livro saiu, o Provincial dos jesuítas, padre Riou, tomou uma atitude muito favorável. Muitos jesuítas foram contra. E ficou entre eles uma atitude de polêmica. E quando houve o escândalo contra mim, promovido por D. Teodoro, a massa dos jesuítas afastou-se de mim, continuando comigo apenas o padre 268


Riou, o padre Dainese, o padre Arlindo Vieira e um pouco, o padre Achotegui e o padre Mariaux. Além desses, ficaram conosco apenas o grupo do Legionário – os que não morreram, pertencem à TFP, são os mais antigos – e dois sacerdotes que depois ficaram Bispos: o então simples padre secular, Antônio de Castro Mayer e o jovem sacerdote mineiro, de uma ordem religiosa alemã, padres do Verbo Divino, padre Geraldo de Proença Sigaud. Havia muito oportunismo, mas nossa situação ficou péssima, literalmente péssima. A partir desse momento houve uma alteração na situação de nosso Grupo: antigamente estava no candelabro, foi posto no alqueire e nós passamos por um período que se pode chamar de clandestinidade, de maquis; porque passamos de situação para oposição, e de governo para o que os ingleses chamam de governo de sombra, quer dizer, uma situação muito cruel. Havia uma atitude tremenda solta contra mim em toda a Arquidiocese de São Paulo e em todo o Brasil. Ninguém mais me convidava para nada. Fui completamente posto à margem, como um exilado e um réprobo. Em 20 dias a minha situação mudou inteiramente, como eu, aliás, imaginava. Tinha baixado uma ordem extraoficial de não me convidarem mais para nenhuma, mas absolutamente nenhuma ocasião de falar em público para nenhuma reunião católica (*). E essa ordem se realizou ao pé da letra e com todos os pormenores – exceto em duas ou três ocasiões (**). E isto dura de 1943 a 1995, quer dizer, 50 anos mais ou menos de perseguição assim: cortado, feito silêncio e acabou, não se fala mais dele. ----------------------------------(*) O livro saiu em 1943. Eu tinha 35 anos e era um dos oradores mais frequentemente convidados para fazer 269


toda espécie de discursos em São Paulo, e muitas vezes em outras cidades. Tão verdade era isto que, algum tempo depois de publicado o Em Defesa, a ‘Folha de São Paulo’ fez uma espécie de inquérito para saber qual era o orador mais apreciado em São Paulo. Parece que eles tinham uma lista de cinco ou dez nomes e eles perguntavam quais eram os principais oradores. Publicados os resultados, dava como consequência que o segundo, tido pela maioria dos habitantes de São Paulo, era eu. O que quer dizer que de fato ganhei, porque aquilo tudo [a campanha de desprestígio] foi feito contra mim. E não se passa da condição de segundo orador de São Paulo, para um homem que nunca fala em público – os senhores nunca me ouviram dizer que eu tenha falado em público para alguma organização católica depois desse período – de um momento para outro, sem uma ordem. Isto é uma manifestação da energia com que eu fui combatido. (**) Se não me trai a memória, [Dr. Plinio está falando em 1995] durante todo esse tempo, fui convidado umas duas ou três vezes para falar em cerimônias da Universidade Católica e aceitei. Mas aí a situação era outra. Não dependia de nenhuma ordem secreta da Cúria. Qual era a situação? Era simples: a Universidade Católica é uma entidade autônoma e as congregações que compõem os corpos docentes das várias faculdades têm o direito de designar certos membros seus para dirigentes da congregação e também para aprovar a escolha dos paraninfos feita pelos alunos. Umas duas ou três vezes aconteceu de eu ter sido escolhido para paraninfo e aí a Cúria não tinha o direito de proibir, nem ela podia obrigar os meus colegas professores a não votarem em mim. Mas, enfim, era uma 270


garantia dada pela lei e aceitei essa minúscula possibilidade de atuação que assim se me abria para que não se pudesse dizer que eu fiz o papel de émigré à l’interieur, como que dizendo: Eu também não quero saber disso, etc. Pelo contrário, tomei parte naquilo que me pediram. O que não fiz foi porque não me pediram. Esses convites indicavam uma popularidade subcinerícia. “Cinerício” vem de cineris, em latim cinza. Subcinerícia é por debaixo das cinzas. ----------------------------------Dentro dessa reclusão, nós tomávamos os restos do desastre e com os fios que restavam da bandeira estraçalhada procurávamos tecer outra bandeira, ou tecer todo um estandarte. Dos pequenos elementos que nos restavam de cá, de lá e de acolá, tentamos reconstituir um ambiente em torno de nós, aproximando vários antigos amigos que tiraram o corpo dessa reaproximação, amedrontados e apavorados pelas sanções de que tínhamos sido objeto. Pior do que amedrontados e apavorados, até mesmo postos em dúvida cruel, porque uma vez que aqueles que falavam em nome de Nosso Senhor tomavam essa atitude conosco, é porque, diziam eles de si para consigo, que não éramos quem eles imaginavam. Ou então, ao pé da letra, o medo vil, covarde. Lembro-me de uma cena quando publiquei o Em Defesa. Meu escritório de advogado era na Rua Quintino Bocaiuva, uma rua perto da catedral. O ônibus que me levava de casa até lá tinha seu ponto terminal no Largo da Sé, de maneira que eu ia a pé depois do Largo da Sé até a Rua Quintino Bocaiuva. Esse era naquele tempo o centro vivo de São Paulo, frequentado pelos elementos exponenciais da vida cultural, política, econômica e social. Eu encontrava vários conhecidos que me abraçavam e diziam baixinho no ouvido: Plinio, muito bem, continue, como quem diz: Plinio, leve na cabeça para 271


ver se salva a causa de que eu gosto, mas eu – com você – não assumo outro compromisso senão um abraço rápido e um elogio cochichado. E tal era a necessidade de conservar a simpatia em torno de nós, que era obrigado a agradecer a essa gente. Essa era ao menos uma meia simpatia que ficava cintilando em meio às trevas e da qual se podia tirar um meio aplauso ou meio proveito numa situação crítica.

a) Popularidade em Santos Havia por cidades do interior, um ou outro amigo que também se afastou. Um deles chamava-se Reinaldo. Era católico militante em Santos. Esse homem se aproximou de mim mais ou menos nesse período. Era um fogosíssimo entusiasta de nossas atividades e um propagandista de primeira ordem. Reinaldo era também muito amigo do Ablas190 [membro do Grupo do Legionário, que morava em Santos]. Creio que o Ablas era até padrinho de um dos filhos dele. Mas o Reinaldo era mais atuante, mais dinâmico, era desses tipos propagandísticos. O Ablas era mais um intelectual. O Reinaldo promoveu uma série grande de conferências minhas em Santos. Em São Paulo eu estava completamente no ostracismo; meu nome era proibido. E havia em Santos, no centro da cidade, num prédio, um salão muito grande, chamado Humanitária. Acho que devia ser um sindicato. E ele organizava conferências que lotavam literalmente o auditório. Todos os jornais de Santos davam notícias. Ele me convidava para falar nas rádios. Não havia TV naquele tempo. E o bispo, Dom 190 – Ablas Filho, Antônio – Presidente da Junta Diocesana da Ação Católica de Santos. Membro do grupo do Dr. Plinio. Batalhador, chefe de família modelar, cirurgião exímio, admirado por toda a cidade de Santos, professor universitário saliente e pai dos pobres.

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Idílio, ia sempre, sempre muito amável, às vezes, eu fazia uma ou outra visita a ele para agradecer sua atenção. De maneira que era uma situação paradoxal: nós afundando de todo lado e com uma popularidade extraordinária em Santos. O que aumenta de algum modo o mal estar da situação em que nos encontrávamos. Quer dizer, quase um verdadeiro prestígio eleitoral em Santos, criado por esse homem, que depois se afastou de nós também, premido pelas circunstâncias que os senhores podem imaginar [pressões].

b) Em Taubaté Eu tinha também um suporte, de certa utilidade, mas menor, em Taubaté. É um senhor Evandro que quando saiu a briga toda da Ação Católica ficou com medo que eu estivesse tomando o caminho anticatólico e afastouse completamente de mim sem dizer-me uma só palavra. Administrava um semanário da diocese chamado ‘O Lábaro’. Soube que depois foi eleito vereador em Taubaté. Em 1971 ou 72 [praticamente 30 anos depois de publicado Em Defesa] recebi uma carta dele dizendo que reconhecia que me tinha julgado mal, e que pela onda do progressismo ele, hoje, compreendia que eu tinha andado bem, e restabeleceu as relações comigo. Naturalmente lhe escrevi uma carta muito amável, porque o próprio do católico é perdoar essas coisas, não guardar ressentimentos, aproveitar todo mundo que seja aproveitável. B. Quanto à Presidência da Ação Católica Eu estava passando alguns dias de férias com o grupo do Legionário numa fazenda muito agradável que os jesuítas tinham em Itaici. Hoje se realizam ali as reuniões do Episcopado nacional [CNBB]. 273


Estávamos andando no parque, quando recebo um telefonema de Dom Mayer avisando-me que tinha recebido uma carta de Dom José dizendo que quando nosso mandato terminasse ele quereria que saíssemos da direção da Ação Católica, mas dando a Dom Mayer a liberdade de escolher outros para a direção da Ação Católica. Os senhores estão compreendendo muito bem que Dom Mayer não tinha quem escolher: ou ele trabalhava conosco, ou não tinha com quem trabalhar. Era, portanto, praticamente, um primeiro passo para fazer Dom Mayer sair da Ação Católica. C. Quanto à minha situação econômica: sou ameaçado de perder a advocacia para a Cúria. Vou lecionar no Colégio Roosevelt – ‘De torrente in via bibet’ A nossa situação foi agravada por duas circunstâncias de caráter pessoal, mas que mostram o pungente de nossa situação. Eu era advogado da Cúria, e tinha praticamente com a Cúria dois contratos. Dom José mandou-me um recado através de Monsenhor Consentino: O Senhor Arcebispo manda avisar ao Dr. Plinio que ele vai ser advogado da Cúria apenas até o fim do mês. No fim do mês, tiram-lhe o serviço. Ele perde os ordenados. E sem esses ordenados, eu morria de fome. Tinha ainda uns 20 dias para viver. Não contei nada a meus pais, mas, sobretudo, me rachava a alma olhar mamãe tão tranquila, sem imaginar nada disto. Daí a 20 dias era miséria. Eu teria que fechar a casa e dizer que ela fosse para um asilo, que meu pai fosse para outro, e eu ia morar numa pensão. Porque está acabado o dinheiro. Pronto. Note-se que o homem [Dom José] que me estrangulou desta maneira, sem piedade, pregava a tolerância 274


e a bondade com todos os inimigos da Igreja levada a um grau inimaginável. Tanto a deslealdade de D. Teodoro, combinada com Dom José, quanto a perseguição radical promovida por este contra o Dr. Plinio apresenta muitas similitudes com as represálias que São Pio X afirma que os hereges modernistas faziam contra os intelectuais ou homens de destaque que se lhes opunham, o que confirma indiretamente a tese de Dr. Plinio de que os erros da Ação Católica e do Liturgicismo correspondem à ressurreição da heresia modernista. Afirma São Pio X: “ ... Não é de maravilhar que os modernistas invistam com extremada malevolência e rancor contra os varões católicos que lutam valorosamente pela Igreja. Não há nenhum gênero de injúria com os quais não os firam; mas a cada passo os acusam de ignorância e obstinação. E se temem a erudição e força de suas refutações, procuram tirarlhes a eficácia opondo-lhes a conjuração do silêncio. Esta maneira de proceder contra os católicos é tanto mais odiosa, porque ao mesmo tempo levantam sem nenhuma moderação, com perpétuos elogios, a todos aqueles que com eles consentem; os livros destes, cheios por todas partes de novidades, os recebem com grande admiração e aplauso”.191

Continua Dr. Plinio: Além disso, outra coisa: estávamos numa ditadura, e inexplicavelmente saiu um decreto do governo do Estado fechando o Colégio Universitário – o decreto foi pedido por Dom José ao Governador do Estado de quem ele era muito amigo – e determinando que quando acabasse o número de anos que tinha, isto é, dali a dois anos, o Colégio se dissolveria e seus professores pode191 – Encíclica Pascendi Dominici Gregis, 8-IX-1907 p. 806, Colección Completa – Encíclicas Pontificias – 1832-1965, IVa Edición, corregida y aumentada por el P. Federico Hoyos, SVD – I Tomo, 1832-1939, Editorial Guadalupe, Buenos Aires. (Grifos nossos).

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riam ser aproveitados em cadeiras no interior. Se não quisessem aceitar isso, seriam aposentados com vencimentos proporcionais. Eu era professor novo, tinha apenas 10 anos de serviço; era, portanto, a terça parte dos vencimentos. Praticamente ficaria na miséria com essas duas providências [tomadas por Dom José]. Terminado o Colégio Universitário, fui chamado com outros professores do mesmo Colégio à diretoria de ensino, na Rua Ministro Godoy. Cheguei lá, era período de férias. Para não dar o braço a torcer, eu ia com a cara completamente normal, disposto a qualquer formalidade banal. Apareci e disse: – Eu sou o Professor Plinio Corrêa de Oliveira, e quero saber a que sala devo me dirigir para tal coisa. Era uma fila enorme de professores, esperando a vez deles. – Entre no fim da fila. Era isso ou era a fome. Entrei no fim da fila. No fundo do corredor vejo um professor de semi-analfabetos, sentado numa mesinha – ele transbordava da mesinha – gordíssimo, com um jeito muito pacífico, dois olhinhos de cobra, e que de vez em quando olhava e continuava a tomar nota de cada um do que fazia, não fazia, etc. Parece que já me conhecia. Era um funcionário de tão pequena qualidade que atendia no corredor, não tinha sala para atender. E era diante desse homem que eu tinha de enfrentar fila. Ele me viu ali, mas não se moveu. Pensei: Bem, não posso morrer de fome. Vou entrar na fila e vou chegar até onde ele está. O que não posso é diminuir o meu padrão. A vergonha pela qual estou passando aqui, ninguém vê a não ser esses que estão aqui dentro. E se eu ficar com a subsistência prejudicada, toda São Paulo vai ver. Isso não pode acontecer. 276


Entrei na fila e aguardei pacientemente. E o homem atendia sem pressa nenhuma. Quando cheguei até ele, o homem tomou a iniciativa de me dizer sorrindo: – Então, Dr. Plinio, um homem ilustre como o senhor veio parar aqui, no meio desse ensino de criançada, não? Como a vida muda, não? – Mas, professor Fulano, muda contra a lei. Eu sou professor vitalício e inamovível da Faculdade de Direito, e sai esse decreto do governo me mandando lecionar para meninada? – É verdade, Dr. Plinio. O senhor tem razão. Mas o que o senhor quer? Nós estamos na ditadura. Agora vamos ver o que o senhor prefere: lecionar em algum ginásio aqui na capital, ou prefere ir para o interior? Se o senhor não quiser, o senhor não precisa nem lecionar para a meninada. O senhor pede demissão. Eu disse que por uma questão de apostolado eu ia continuar a lecionar, e preferia ficar na capital (*). O fato é que eu precisava do dinheiro. Mas era uma capitis diminutio pavorosa. ----------------------------------(*) Quando Dom José me mandou esse aviso, estava em vias outra reforma de ensino, em que para mim o caminho era o interior ou o olho da rua. Mas consegui, por meio de ação junto a um conhecido, evitar que tivesse de ir para o interior. Tinha que me agarrar a São Paulo, e ocupar uma situação pessoal, humana, que me desse o nível de falar com todos num pé de igualdade. Se não fosse isso, os meus elementos de influência para fazer Contra-Revolução desapareceriam. ----------------------------------O secretário já tinha o nome do colégio e disse: O Sr. vai lecionar no Colégio Estadual Roosevelt, da Rua São Joaquim. O Sr. vá dentro de três dias se apresentar 277


ao diretor, que vou mandar o bilhete dizendo que o Sr. foi lotado lá. E o Sr. então vai lecionar lá. Sorrisinho... e pronto. Professor no Colégio Estadual Roosevelt. Logo Roosevelt! Quer dizer, tudo corria de molde a me espicaçar para ver se perdia a cabeça e fazia alguma coisa que me colocasse na rua. Fui para o Colégio Roosevelt pensando: Lá preciso andar na corda bamba, porque senão falarão mal e perderei isso também. Lá devo me relacionar bem com os professores. Esperava um colégio secundário normal. Não me lembro se o colégio estava na Rua Conde de São Joaquim, ou na Rua de São Joaquim. Era uma construção enorme, na qual estava escrito Grupo Escolar não sei o quê. Pensei: Será que me mandaram para um grupo escolar, para lecionar a crianças? Subi e perguntei: Aqui é o Colégio Estadual Presidente Roosevelt? E me disseram: Não, o colégio é nos fundos do grupo. Não podia ser menos. Um colégio instalado nos fundos de um grupo escolar. E realmente uma construção péssima: o chão ordinário, paredes ordinárias, tudo ordinário. Uma salinha dos professores abaixo da crítica. Não se podia diminuir mais um homem, do que encafuá-lo para lecionar ali. Um dos prédios mais sujos e mais feios que vi em São Paulo. No primeiro dia, na sala dos professores noto que todos são pessoas já sem muita esperança de subir na vida, gente triste que eu tinha de entreter para eles não falarem mal de mim. E começam as conversinhas para agradá-los. Havia um largo corredor no colégio por onde se saía para a rua. Estava saindo e ouvi atrás o passo de alguém que acelerara para se pôr junto de mim. Era um professor 278


que eu conhecia. Disse-me: Eu não sei o que o Sr. faz neste colégio. Com as relações que o Sr. tem e sendo o Sr. quem é, o Sr. nunca deveria estar aqui. Isto era bom para mim, não para o Sr.! Era uma evidente provocação para me enxovalhar e para dizer: Você fique sabendo que há pessoas que comentam e que o veem numa posição humilhante, e não faça esses seus ares de quem não está humilhado, porque você está sofrendo uma humilhação. Esfregue seu rosto no chão. Era um cutucão para ver se eu estava sentindo bem a situação e para ver se arrancava de mim a revolta que me levaria para o precipício. Então... a luta: esforço com os professores, esforço com os alunos, as aulas bamboleantes, pois a cada momento poderia vir um aviso de que tinha perdido aquilo. Cada ida ao colégio era o comparecimento a uma maratona. Um diplomata que comparecesse à ONU para dar uma votação refletia menos do que eu em cada passo que tinha que dar no colégio. Por quê? Porque sabia que todo o futuro do apostolado estava relacionado com isso. Não podia me deixar cair na miséria. Há uma frase profética na Escritura que fala de Nosso Senhor Jesus Cristo: De torrente in via bibet, propterea exaltavit caput – Ele bebeu da água da torrente e por isso levantou Sua cabeça. Simbolizando a humilhação de Nosso Senhor com a Sua Paixão e depois a glória da Ressurreição, dizia a Escritura que Ele iria – falava do passado, mas se referia ao futuro – beber da torrente, quer dizer, beber da água do mendigo, humilhando ao máximo a Sua cabeça. E por isso, Deus, depois exaltaria essa cabeça. E eu pensei com os meus botões: De torrente in via bibet, eu beberei da torrente do caminho. Se exaltarei a minha cabeça, não sei. O que eu quero é servir a Deus. 279


Vamos tocar para frente! D. Enquanto isso acontecia, o Em Defesa estava produzindo estampidos Enquanto isso acontecia, o livro estava pipocando por aí, estourando de todo o jeito. Gente que felicitava, gente que protestava, reclamações, visitas, aplausos, estampidos de todas as formas. O Pe. J. Ariovaldo relata resumidamente a situação e o sucesso que o livro estava produzindo: “O próprio Arcebispo de São Paulo, D. José Gaspar, conforme testifica D. Isnard, andava preocupado com a atuação do movimento liderado por P. Corrêa de Oliveira, pelo Pe. Geraldo de Proença Sigaud e Mons. Castro Mayer, sem dúvida apoiados pelo Núncio Apostólico (…). O livro de P. Corrêa de Oliveira fazia sucesso, espalhando desconfiança em relação ao trabalho que o Movimento Litúrgico desenvolvia no Brasil”.192

Prossegue Dr. Plinio: E os membros do Grupo encarregados de fornecer às livrarias começavam a me comunicar cada vez mais que outras livrarias se recusavam a vender o livro, porque era um livro de oposição ao Arcebispo (*). ----------------------------------(*) O Clero trancou o livro. O Clero espancou o Em Defesa, que era a defesa deles contra o que estava acontecendo. ----------------------------------Só a Livraria Catedral, que ficava perto da Catedral, continuou a vendê-lo. Em algumas semanas foram vendidos mil e tantos exemplares, sendo que a edição era de dois mil. Eu não conhecia o dono da Livraria, mas mandei 192 – op. cit. p. 195. (Grifos nossos).

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um recado muito amável a ele dizendo que eu apreciava a coragem dele. E este homem, até o fim, enquanto houve leitores em São Paulo para o livro, vendeu. Fiquei apenas com uma centena de exemplares guardados. Pensei: Não sei o que vai acontecer com os livros. Deus sabe. Eu guardo aqui. Mas esperando o fim do fim daí a alguns dias.

4. Morte de Dom José Gaspar Já estava respirando pelo menos de poder viver na capital, mas muito preocupado com a falta que me faria o ordenado de Dom José que daí a 15 dias iria perder, quando fui dar uma aula nos fundos do grupo escolar. Durante a aula sou chamado ao telefone. Disseram-me que era coisa urgentíssima. Era o Lessa, redator chefe do Legionário, que com uma voz cava me disse: – Plinio, eu queria avisar a você que está correndo o boato de que o avião que levava Dom José Gaspar ao Rio de Janeiro caiu e que ele morreu. Morreu o secretário dele, padre Nelson, morreu o Reitor do Seminário, Monsenhor Alberto Pequeno, que viajavam com ele. Monsenhor Alberto Pequeno era um homem de grande influência pessoal junto à Nunciatura. E toda a equipe que ia lá, ia para nos atacar. E até foi encontrado o caderninho de Dom José, que era a agenda dos encontros que ele deveria ter naqueles dias no Rio. Tinha encontros com quase todos os nossos amigos no Rio que era exatamente para nos destruir. Uma coisa com a qual ninguém contava foi o desastre de avião em que ele morreu. Eu fiquei muito espantado. Voltei para dar a aula. Mas aquela impressão começou a se tornar diante do meu espírito tão clamorosa que interrompi a aula. Tomei um táxi e passei em frente à 281


agência da Vasp. Cheguei lá e encontrei um aviso: Temos o pesar em informar que faleceram Dom José Gaspar e o Sr. Cásper Líbero193. Parei um minutinho, olhei e ordenei ao taxista para ir ao meu escritório de advogado. Mandei fechar as portas para deitar-me um pouco no sofá. Estava muito emocionado e, pela única vez em minha vida, tomei um calmante. O mundo dos calmantes era tão distante de mim, que eu nem sabia que calmante me conviria, mas me lembrei de que minha velha avó tomava um chamado Água das Carmelitas. Então, mandei comprar um vidro de Água das Carmelitas, tomei um pouco e deitei-me. Uma das razões pelas quais fiquei muito impressionado foi exatamente porque lembrei-me da cena que havia tido algum tempo antes com o Arcebispo. Houve umas solenidades na Cúria e ia haver uma reunião. Estávamos os dois em pé conversando coisas do Movimento Católico. Ele, não sei por que, disse uma coisa qualquer e depois acrescentou o seguinte: Nos poucos anos de vida que me restam, ainda conto fazer tal coisa. Quando disse: ‘Nos poucos anos de vida que me restam’, ele, que estava casualmente olhando para o chão, levantou os olhos e olhou no fundo dos meus. Nossos olhares se cruzaram. Percebi perfeitamente que ele tinha razão e que ele ia viver pouco tempo. O pior da crise tinha passado, porque quem ficava substituindo a ele na Cúria, Monsenhor Consentino, era muito meu amigo, e nem se falou na minha demissão. Ele nem me disse que não ia ser demitido. Por outro 193 – Líbero, Cásper – (1889-1943). Formou-se pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Dois anos mais tarde, fundava o jornal Última Hora, na cidade do Rio de Janeiro. Mais tarde tornou-se diretor e proprietário do vespertino A Gazeta. Em 1932 foi um dos líderes da revolução. Presidiu, entre 1940 e 1941, a Federação Nacional da Imprensa (FENAI-FAIBRA). Morreu no acidente aéreo no qual também faleceu o então arcebispo de São Paulo, Dom José Gaspar d’Afonseca e Silva.

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lado, ao menos um galho onde me sentar no Colégio Estadual eu tinha. Outro efeito da morte de Dom José foi a diminuição, um pouco, das oposições que se faziam a mim, tanto mais quanto nós preparamos um número do Legionário muito funerário. Eu prestei todas as honras fúnebres que de estilo deveriam ser prestadas. – Futuro que o clero progressista prognosticava para Dom José Gaspar A morte de D. José, como não podia deixar de ser, causou grande pesar nas hostes progressistas que esperavam dele um grande futuro. Ouçamos, por exemplo, o que escreve Dom Amaury Castanho: “O falecimento do Cardeal Leme, do RJ, (em 1942) e, logo em seguida o acidente fatal que levou, prematuramente o Arcebispo de São Paulo Dom José Gaspar de Affonseca e Silva, deixaram vacantes as duas mais importantes sedes arquiepiscopais do Brasil. Dom Leme já cumprira em seu episcopado de 1930 a 1942, a missão que Deus lhe reservara. Dom José Gaspar de Affonseca e Silva seria, naturalmente, quem com toda certeza o substituiria na liderança da Igreja e do Episcopado do Brasil. Mas os desígnios insondáveis da Providência divina deram, prematura e inesperadamente, fim à sua vida. Não tenho receio de dizer que a história da Igreja no Brasil seria outra se o grande metropolita paulista tivesse tido mais uma década em seu pastoreio. As multidões que se concentraram na Praça da Sé, no centro de São Paulo e na ainda inacabada mas grandiosa Sé Catedral, chorando a sua morte tão trágica, captaram, por assim dizer, a irreparável perda e falta que Dom José Gaspar de Affonseca e Silva faria a São Paulo e ao Brasil”.194

194 – Dom Amaury Castanho, op. cit. pp. 193-197. (Grifos nossos).

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A. Balanço da luta com Dom José Dom José – continua Dr. Plinio – estava metido numa campanha tão formidável contra nós que tinha empreendido uma visita junto a todos os Bispos da província eclesiástica de São Paulo para falar mal de nós e para recomendar que não nos convidassem para nada e nos mantivessem no ostracismo mais completo. De tal maneira ele estava empenhado na luta contra nós. Isto nós soubemos depois de sua morte. Tanto mais que ele havia tido um desapontamento. Tinha passado uma circular comunicando que eu deixara de ser Presidente da Junta Arquidiocesana da Ação Católica. E os bispos mandaram uma circular muito corriqueira agradecendo a comunicação. Uma resposta inteiramente burocrática, quando ele esperava perguntas: Por quê? Mande informações. E alguns desses bispos com quem ele foi falar o receberam muito mal. O velho Bispo de Ribeirão Preto, Dom Alberto José Gonçalves, disse a ele: Senhor Arcebispo, V. Exa. é moço e eu sou velho. Cuidado! O caminho da heresia é o que V. Exa. está seguindo. O Bispo Auxiliar era Dom D’Elboux que também disse a Dom José umas coisas muito pesadas. Dom José estava tão certo que a campanha nossa sobre o livro estava tendo sucesso que ele até fez uma coisa curiosa. Foi visitar Dom Cintra, o atual Bispo de Petrópolis, [1950] que era Reitor do Seminário e lhe perguntou: Cintra, você também é dos que acham que eu sou herege?. Dom Cintra respondeu: Senhor Arcebispo, eu não acho isso de V. Exa., mas eu acho que V. Exa. protege os hereges, e que infelizmente a sua atitude não é boa. Ele respondeu: ‘Solum mihi superest sepulcchrum’. É uma frase de Jó que significa: Diante de mim só existe o sepulcro. 284


Falando depois a meu respeito para Dom Cintra, D. José disse: O Plinio não tem mais razão de ser nesta vida. A única solução para ele é morrer. O fato é que isso prova bem como nós, apesar de precipitados de uma situação brilhante, ainda deixávamos muita coisa de nosso lado. A realidade era: muita gente conosco, muita consciência alertada, muita gente que continuava a lutar de nosso lado. E, portanto, se nós caíamos, nós arrastávamos o inimigo na nossa queda também. Ele não perdeu o cargo, eu perdi, mas nós dois perdemos o prestígio. Essa é bem a definição do problema. Eu costumo comparar a nossa posição a um grupo de gladiadores romanos que vi uma vez, e era assim: um gladiador daqueles armados com couraça que derrubou o outro. O outro estava deitado no chão, e o gladiador vencedor com um pé no pescoço do vencido, mas o vencido deitado e com o tridente no pescoço do vencedor. Um é vencido, o outro vencedor, mas os dois pescoços estão atingidos. Não é uma situação tão fácil de definir. Portanto, dentro de nossas desgraças, nós tínhamos feito, até certo ponto, o papel de Sansão. A coluna estava derrubada e o nosso cadáver atravessado na estrada impedia o inimigo de continuar. Quer dizer, o sacrifício tinha sido útil. O Pe. J. Ariovaldo faz um balanço significativo sobre a eficácia da combatividade do Dr. Plinio na luta travada contra o liturgicismo na defesa da ortodoxia contra D. José, embora no texto que segue não os cite pessoalmente: “No entanto, desta linguagem fortemente hostil e agressiva, deste comportamento adverso ao Movimento Litúrgico (…), emerge também um dado sem dúvida interessante, sobretudo para quem estuda o complexo fenômeno cultural da religiosidade popular no Brasil: (…) É impressionante como esta gente defende “com unhas e dentes” uma tradição que de repente se vê ameaçada. Defen-

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de-se a todo custo um tipo de moral e ascese. Defendese apaixonadamente a piedade extra-litúrgica nas suas mais variadas formas. Defende-se com paixão as Escolas de Espiritualidade, sobretudo a dos Jesuítas (…). Defendese a própria unidade e ortodoxia da Igreja (…). Defende-se a própria Liturgia... Mas, defendem atacando... este foi o mal que ameaçou a própria credibilidade do Movimento Litúrgico. (...) Da parte dos acusadores, embora não condividamos com o método usado, digno de nota, repetimos, é a paixão com que se procura salvaguardar uma tradição popular de piedade sem dúvida tipicamente brasileira (…), que se sentia fortemente criticada e ameaçada pela “invasão” do litúrgico oficial que o Movimento Litúrgico queria evidenciar. (…) As controvérsias em torno do Movimento Litúrgico no Brasil mostram como foi difícil combinar as novas ideias litúrgicas com as tradições locais de um catolicismo tipicamente tradicional”.195

B. Mudança do Núncio Continua Dr. Plinio: Quando o Núncio Apostólico veio a São Paulo para o enterro de Dom José, notei nele uma mudança, embora Dom José não tenha conseguido falar com ele. Fui visitá-lo no Mosteiro de São Bento, onde estava hospedado. Recebeu-me amavelmente, e depois me disse que ele, como Embaixador do Santo Padre, não podia aprovar que eu tivesse ideias tão desfavoráveis a respeito de um Arcebispo. E de mais a mais, tinha constado a ele que eu tinha falado mal de Dom José e que queria saber se eu poderia provar. Respondi-lhe: Não Senhor Núncio. O que eu disse a respeito de Dom José é o que V. Exa. já sabe, porque eu lhe encaminhei por meio de relatórios de tais datas. E não fui 195 – Pe. Ariovaldo, op. cit. pp. 198-199. (Grifos nossos).

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dizer a qualquer um. Eu disse a um padre amigo meu que é o D. Teodoro. E esse padre teve a indiscrição de revelar o que eu contei a ele, o que é uma coisa muito diferente. Quando ele viu que eu mantinha as minhas acusações e que me mantinha de cabeça em pé, recuou: Não, tará-tatá. Despedimo-nos bem, mas notei a atitude dele mudada. Continuou a ter certo fundo de simpatia por nós. C. Em meio ao ostracismo Dr. Plinio é convidado para ir a Porto Alegre – Relações tensas com Dom Scherer Por volta de 1945-1946, quando as devastações produzidas pelo Em Defesa contra a minha própria situação pessoal estavam no auge, por essas ou aquelas circunstâncias fortuitas, a campanha de silêncio lançada sobre mim não foi tão grande que impedisse a Universidade Católica de Porto Alegre de me convidar para fazer uma conferência lá. Aceitei prontamente a oportunidade, porque nunca deixei passar uma ocasião para furar essa cortina de silêncio. Fui recebido gelidamente pelo Arcebispo que era Dom Scherer196, mas com muito interesse pelos jesuítas, que, ao que parece, estavam naquele momento numa tensão interna. Após ter estado com Dom Scherer, simpatizantes da ala que me tinha dado apoio, conseguiram que eu fosse convidado a São Leopoldo, que não é longe de Porto Alegre, Dom Scherer onde há um grande seminário jesuíta. Aceitei. 196 – Scherer, D. Alfredo Vicente – (1903-1996). Foi Arcebispo de Porto Alegre entre 1946-1981. Na Revolução de 1930, acompanhou como capelão as tropas revolucionárias de Getúlio Vargas. Paulo VI o elevou ao cardinalato em 1969. Minha Vida Pública..., p. 283.

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Havia naquele tempo um padre jesuíta chamado Santini, que tinha publicado um livro sobre a Ação Católica, e esse livro, assim de passagem, tinha uma bordoada pequena, com um bordão forrado de veludo, por cima da Ação Católica. E por causa disso a Ação Católica moveu algum rumor contra o padre, e o padre foi posto de lado, foi trancado nesse seminário como professor, sem nenhuma ação externa. Por uma conjunção curiosa de horários, antes ou depois de fazer a conferência, não me lembro bem, os padres me convidaram para ir tomar lanche. Levaramme ao refeitório e estava mais ou menos entendido que o lanche era mais uma ocasião para conversar com os membros do corpo docente do seminário que estivessem presentes. Mas o padre que me conduzia teve algum erro de horário e chegou algum tanto antes da hora do lanche. E encontrei lá o padre Cândido Santini tomando lá o lanche dele. Quando entrei, ele se levantou visivelmente chocado, me cumprimentou e me abraçou. Eu também abracei a ele. Sentamo-nos, ficamos uns instantes sós no refeitório. O outro padre saiu. Naquele momento o padre Santini, talvez por se sentir só, me disse assim à queima roupa: O senhor tem o dom de romper as estagnações, quebrar as indiferenças e mover as águas paradas. Mas ele disse como um homem que estava numa situação muito desagradável, perseguido, oprimido, que fazia o desabafo com alguém capaz de compreendê-lo e que só tinha uma palavra para dizer entre a entrada de um ou de outro sacerdote. Morou e morreu naquele seminário o padre jesuíta Reus197, que não conheci pessoalmente. Fui largamente 197 – Reus, Pe. João Baptista – (1868-1947). Em 1883 tornou-se sacerdote jesuíta e veio para o Brasil em 1900. Morreu com fama de santidade. Seu processo de beatifi-

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contemporâneo dele. Era mais velho que eu. Foi só um pouco antes de ele morrer que me falaram dele. Pouco depois de sua morte me mostraram a fotografia dele. Ou eu me engano enormemente, ou esse padre foi um grande santo. A sepultura dele no cemitério de São Leopoldo é visitada continuamente por pessoas que depositam flores, pedem graças. Não há gente amiga nossa que vá ao Rio Grande do Sul que eu não recomende de ir à sepultura dele. Na minha caixa de relíquias, eu tenho uma relíquia indireta dele, um pano que tocou nele. Eu osculo metódica e diariaPe. João Baptista Reus mente cada uma das minhas relíquias, e quando chega à vez da do padre Reus, osculo com uma particular piedade. A respeito da entrevista com Dom Scherer nessa ocasião dou mais detalhes: Pouco tempo depois de publicado o Em Defesa ele foi nomeado Arcebispo de Porto Alegre. Com o Arcebispo anterior, Dom João Becker, eu tinha relações razoáveis. E como eu costumava fazer naquele tempo, quando era nomeado um Arcebispo ou um Bispo novo, mandava felicitações, ainda que não o conhecesse, com um exemplar do Em Defesa com dedicatória. Mandei para Dom Scherer e ele me respondeu numa carta, em termos crus, mais ou menos o seguinte: O Sr. deve estranhar a minha demora em responder-lhe. Não há razão para estranheza porque eu não quero o Sr. presente nos assuntos do Rio Grande do cação, aberto em 1958, sofreu uma pausa em 1974, em parte devido à resistência do Cardeal Dom Vicente Scherer, que enviou carta a Paulo VI desaconselhando a beatificação. Em 1993, Dom Scherer mudou de ideia e julgou melhor apoiar uma carta de 26 Bispos gaúchos pedindo essa beatificação. (“Minha Vida Pública”, p. 284).

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Sul, nem quero que o grupo de pessoas constituídas em torno do Sr. tenha qualquer presença no Rio Grande do Sul. Por causa disto, eu lhe recomendo de não fazer aqui a propaganda de seu livro e de não procurar entrar no Rio Grande do Sul por nenhum pretexto que seja. [Note-se que Dom Scherer era tido como muito “direitista”. É essa precisamente a atitude das falsas direitas em relação ao Dr. Plinio. São esquerdistas disfarçados para enganar as bases bem intencionadas]. Pouco tempo depois, quando me chegou a carta da reitoria da Universidade Católica de Porto Alegre – que era naquele tempo entregue a irmãos maristas – convidando-me para fazer a conferência lá, lembrei do cartão de Dom Scherer, mas pensei: Eu não sou padre e não preciso do uso de ordens para falar. Um leigo vai a qualquer lugar e fala qualquer coisa. A universidade tem a ele como grão-chanceler. Convidou-me para esse ofício, eu devo supor que ele deu o placet. Ainda que não tenha dado o placet , que se arranje como puder, como souber e como quiser, eu chego e faço a conferência. Cheguei e com surpresa para mim encontro os jesuítas todos alvoroçados com a minha presença. O que é que ia acontecer, com Dom Scherer de tal maneira inimigo da minha presença lá? Era necessário que fizesse uma visita de cortesia ao Arcebispo e era preciso que o Pe. Laubmann, que era um jesuíta muito graduado, estivesse presente a essa visita. Não sei se os Srs. percebem quanta coisa de arrièrefond tem nisso. Por que era necessário fazer a visita a Dom Scherer depois dessa torrente de desaforos que ele me fez? Entrei. Dom Scherer estava com cara de um homem que tomou um beliscão. Fui muito cortês, conversamos durante uns vinte minutos sobre chuva e bom tempo, de290


pois me levantei e fui embora. Ele também se levantou, acompanhou-me um pouquinho no caminho e a coisa se encerrou. D. Período da vacância da Sede Arquiepiscopal de São Paulo Após a morte de Dom José Gaspar estava vaga a Arquidiocese novamente. Foi eleito um Vigário Capitular que não era nosso amigo nem inimigo: Monsenhor José Maria Monteiro. Dom Mayer foi convidado por Monsenhor José para ser pró-Vigário Geral e continuar na Junta de Ação Católica, e o autorizou a nos manter na Junta Arquidiocesana até que viesse o novo Arcebispo. Não perdi meu cargo de advogado na Cúria, e nós tivemos alguns meses de tranquilidade. De maneira que a situação se prolongou ad interim, e durante este tempo o meu livro continuava a sair e a polêmica continuava a ferver. Pe. Ariovaldo mais uma vez reconhece – em razão das polêmicas que o livro suscitava – o cuidado que o Episcopado passou a tomar depois do Em Defesa: “Quanto ao Episcopado Nacional em geral, no Concílio Plenário Brasileiro, sabemos da extrema cautela com que os Bispos do Brasil se apresentaram diante do Movimento Litúrgico. É que as polêmicas litúrgicas por essa época já eram grandes e quentes [cita em nota o artigo de Dr. Plinio no Legionário intitulado ‘Armistício’]. E isto certamente influenciou o Concílio. Daí a sua medrosa prudência pastoral em falar mais diretamente do assunto, para não produzir mais confusão. Preferiu limitar-se ao incentivo da instrução religiosa do povo. De maneira geral, como vimos em capítulo anterior, o Episcopado brasileiro manteve grande reserva diante do Movimento Litúrgico neste período de 1934 a 1947. Não se

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encorajou muito a promover um movimento em torno do qual se faziam tantas polêmicas. Aliás, muito sintomáticas são as “aprovações e encômios” de pelo menos 23 Arcebispos e Bispos ao Em Defesa da Ação Católica de Plinio Corrêa de Oliveira (...). Um deles, após elogiar o “brilhante livro”, chega a exclamar: “Já era tempo de serem rebatidos... os graves erros, que, sem culpa dela, se estavam introduzindo nos conceitos da Ação Católica, deturpando-lhe a finalidade. Estão vingadas as salutares práticas, que o mágico liturgicismo pretendia substituir (Cf. carta de D. José Maurício da Rocha, bispo de Bragança, com data de 2-7-1943 publicada em Corrêa de Oliveira, op. cit., pp. 9-10)”.198

Prossegue Dr. Plinio: Neste período de vacância de sede, Dom Jaime Câmara199 já tinha sido nomeado para o Rio de Janeiro. Antes de sair a nomeação, o padre Dainese me tinha dito que Dom Jaime seria o substituto de D. Leme. O Legionário já no tempo de Dom José tinha iniciado uma polêmica a respeito de Maritain que continuou durante a vacância da sede. Essas polêmicas enchiam páginas inteiras do jornal e contribuíam para nos afastar ainda mais do Tristão de Athayde e desse grupo todo. – Maritain: ídolo infalível Acima, no Capítulo IV-2- B desta Parte, mostramos que as jovens progressistas, formadas por Dom Leme no primeiro agrupamento experimental da Ação Católica, liam com avidez Maritain, segundo palavras da Irmã Maria Regina do Santo Rosário. Chegava haver verdadeiro fanatismo por Maritain, que, como citamos, se considerava a si mesmo um dos três únicos revolucionários do século XX, junto com Teilhard de Chardin e o 198 – Pe. J. Ariovaldo, op. cit. pp. 195-196. (Grifos nossos). 199 – Câmara, D. Jaime – (1894-1971). Cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro em 1946. Exerceu as funções de legado pontifício no Congresso Eucarístico Nacional em 1948. Foi presidente da CNBB.

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ex-presidente chileno Eduardo Frei Montalva, o “Kerensky chileno” (1964-1970)200. Portanto, Dr. Plinio não podia deixar de combatê-lo pelas páginas do Legionário como afirma acima. Tanto mais que – como sustenta D. Odilão Moura O.S.B. – Maritain era considerado infalível. Seguem suas palavras: Formaram-se, então, os partidos pró e contra Maritain. Compreende-se a veneração que os maritainistas tinham para com o Mestre. Formados quase todos sob a inspiração da cultura francesa, pouco acostumados às especulações filosóficas, sem antes terem conhecido uma doutrina católica mais profunda, vivendo em clima intelectual no qual a obra elementar do Pe. Leonel Franca era tida como o ponto máximo do pensamento filosófico entre nós, era natural que as inteligências sedentas de saber ficassem enlevadas pelas ideias de um francês, pensador claro e profundo, católico convicto. Maritain tornou-se um ídolo. A sua palavra, a expressão infalível da verdade”.201

Pouco depois de Dom José morrer – continua Dr. Plinio – aconteceu uma coisa muito boa para nós: saiu a encíclica “Mystici Corporis Christi”.202 Nela eram condenados alguns dos erros de que eu falava em meu livro. Ora, a ofensiva feita pelos nossos adversários contra o livro dizia que ele relatava erros que não existiam e era uma campanha muito bem feita, porque a maioria desses erros era de difusão oral, eu não tinha documento escrito. 200 – Kérensky, Alexander Fyódorovich (1881-1970). Líder revolucionário russo. Desempenhou papel primordial na queda do regime czarista e, no governo provisório que então se estabeleceu, foi primeiro ministro durante menos de quatro meses, período em que preparou a ascensão do comunismo ao poder por meio dos bolcheviques de Lenine. Minha Vida Pública..., p. 532. 201 – D. Odilão Moura – O.S.B., As ideias Católicas no Brasil Ed. Convívio, São Paulo, 1978, p. 107. (Grifos nossos). 202 – A Encíclica foi publicada em 29-6-43, mas devido as dificuldades de comunicação em plena Segunda Guerra Mundial, o texto oficial em português teve a primeira publicação só no dia a 5 de outubro de 1943 pelo Jornal do Comércio, do Rio. Por tanto depois da morte de D. José, que foi em agosto. Cfr. Pe. Ariovaldo op. cit., p. 183.

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A encíclica “Mystici” denunciando os mesmos erros, dava-me naturalmente muito mais base, e o Legionário fez orquestração em torno dessa encíclica, o que favoreceu ainda mais o nosso jornal. Dr. Plinio relatava isto numa reunião na década de 1950. A respeito da difusão não escrita e de boca a ouvido dos erros da Ação Católica, ver a confirmação no texto do padre Miele transcrito no Capítulo V – 5, Parte IV. Trinta e três anos depois, em 1983 o Pe. Ariovaldo confirma o que Dr. Plinio relatava sobre a orquestração de O Legionário a respeito da Encíclica. Seguem alguns textos: “Apesar de todas as explicações possíveis apresentadas em defesa do Movimento Litúrgico, a polêmica ainda persistiu. Ela esquentou, sobretudo, com o aparecimento da encíclica “Mystici Corporis Christi” de Pio XII, (...) a qual deu base para se prosseguir nos ataques contra o Movimento Litúrgico. (...) Nas páginas do Legionário saíam faíscas contra os chamados “pseudo-liturgistas”. O Pe. Ascânio Brandão, na secção “Pregando e martelando” deste jornal, falava mal dos extremismos “lamentáveis e desastrosos” de uns grupinhos fanáticos, de “igrejinhas do peixe”, que só pensam em Liturgia, que condenam a oração particular, que zombam das devoções já consagradas e multisseculares da Igreja. E após mostrar que a “Mystici Corporis Christi” é contra os que dizem que as orações particulares não valem, brada: “Ouviram, seus pseudo-liturgistas!”203 O Pe. José Fernandes Veloso (também no Legionário em 30-4-1944) tenta provar que, embora o “liturgismo” não conste no texto oficial da “Mystici Corporis Christi”, contudo este é claramente condenado pela encíclica. 203 – O Pe. Ariovaldo explica a expresão ‘igrejinhas do peixe’ afirmando que : ‘Trata-se de uma ironia contra os “arquelogistas” litúrgicos que buscan restaurar simbolismos litúrgicos do passado e impô-los aos outros a toda força. “Falam disso com um diletantismo insuportável”. Por exemplo, querem introduzir paramentos góticos. Além disso, “por um snobismo substituem o crucifixo pelo símbolo peixe... O peixe e o gótico nos altares arquelógicos, modelados nas catacumbas e outras originalidades do Cristianismo das eras primitivas querem eles dominem tudo”’.

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O Pe. Ascânio Brandão volta à carga, desta vez contra os “Falsos Profetas”. Parte de um artigo de Mesquita Pimentel, que aponta L. Bloy, Péguy, Tolstoy, Dostoiewski, Mauriac e outros como “falsos profetas” do mundo moderno. Pois bem, o Pe. Ascânio toma a liberdade de acrescentar mais três nomes: Bernanos, Maritain e a gente de “igrejinha do peixe” e do “liturgismo de má lei condenado pela ‘Mystici Corporis Christi’”. São uns grupinhos de fanáticos que andam por aí, que se arrogam em donos da verdade, que se julgam verdadeiros profetas “reformadores até do Papado”, mas que não passam de “francos profetas do mal”, gerando “confusão e dúvida”..., “criando uma mentalidade nova e perigosa”’.

Depois de dar outros exemplos o Pe. Ariovaldo afirma: “Eis, pois, alguns exemplos de como as polêmicas em torno do Movimento Litúrgico, e suas ideias, ainda prosseguiram, desta vez suscitadas pelas “condenações” da Encíclica “Mystici Corporis Christi”. “Porém dizer que os seus adversários [do Movimento Litúrgico] também não exageraram, seria uma mentira muito maior. Ora, sob pretexto de salvaguardar a ortodoxia, a harmonia e a unidade na diversidade, sob pretexto de defender a piedade extralitúrgica e o próprio Movimento Litúrgico – e, por incrível que pareça, aproveitando-se das “condenações” da “Mystici Corporis Christi”, às vezes lida de antemão com preconceitos – usaram de um estilo de tal maneira hostil e agressivo que arriscaram comprometer o próprio Movimento Litúrgico”.204

204 – Pe. J. Ariovaldo, op. cit. pp. 183 a 185 e 192. (Grifos nossos).

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Capítulo VIII Dom Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta, novo arcebispo de São Paulo: inimigo pessoal de Dr. Plinio 1. Perplexidade com a notícia – Posição do Núncio Eu atravessava o Largo de São Francisco – prossegue Dr. Plinio – preocupado como os senhores podem imaginar, e encontro um membro graduado da Ordem Terceira de São Francisco – o que equivale ao Prior na Ordem do Carmo – chefe leigo, esperto, vivo, muito informado, simpático a nós em algumas coisas, que me chamou e me disse o seguinte: Plinio, informações absolutamente seguras me dizem que Dom Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta205, Arcebispo do Maranhão, vai ser nomeado Arcebispo de São Paulo. Amigo íntimo de Dom Cabral, ele vem executar em São Paulo a política de Dom Cabral, e já está decidido que o primeiro golpe dele será contra os senhores. Respondi-lhe: Nós estamos nas mãos de Nossa Senhora. Nossa Senhora fará ou permitirá o que entender. Nós vamos continuando a viver. Eu tinha feito em Barra Mansa, no Congresso Eucarístico, uma conferência presidida por Dom Jaime Câmara: ele no centro, à direita o Tristão e à esquerda eu – éramos os dois oradores do Congresso. 205 – Motta, D. Carlos Carmelo de Vasconcellos – (1890-1982). Arcebispo de São Paulo (1944-

1964). Elevado ao cardinalato em 1946, sua trajetória foi marcada por forte tendência esquerdista, tendo ele favorecido amplamente o progressismo dito católico. Assumindo o governo da Arquidiocese de São Paulo, tomou posição de franca hostilidade contra o Dr. Plinio e o grupo do Legionário, sumariamente afastados das funções que exerciam na Arquidiocese. Por fim, tirou-lhes o próprio Legionário. Essa hostilidade não cessou nem mesmo quando Roma elogiou o livro Em Defesa da Ação Católica. Minha Vida Pública...”, pp. 26-27.

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De Barra Mansa fui para o Rio de Janeiro, convidado pelo padre Dainese para fazer uma conferência no Teatro Municipal do Rio para uma reunião mundial dos congregados marianos. O Teatro Municipal do Rio é o maior e o mais bonito do Brasil, segundo a opinião de muitos. Falar no Teatro Municipal do Rio era reputado como uma coisa muito honrosa, era próprio para grandes oradores. Eu era ainda bem moço naquele tempo. Evidentemente que o padre Dainese queria fazer com isso uma gentileza para mim, em virtude de todas as lutas em que tínhamos estado. Cheguei ao teatro, como é de hábito, improvisando o que ia dizer. E tinha uma mesa de honra colossal. Estavam o padre Riou, o Núncio Apostólico, o padre Dainese, e uma série de personalidades políticas, intelectuais, entre os quais o Chefe da Casa Militar do Getúlio Vargas, general Bina Machado, tido como muito católico. Colocaram-me na mesa. Começa, música, etc e depois o orador do dia tem a palavra para fazer o discurso. Fiz o discurso. Mas no discurso crivei o outro lado [Ação Católica, liturgicistas, etc] de indiretas e de farpas de toda ordem. Olhei para o Núncio, cara impassível. Olhei para o Bina Machado, sorrindo. Olhei para o padre Dainese, impassível. Toquei fogo e fiz um longo discurso. Terminado, foi uma verdadeira ovação! O General Bina Machado saiu do lugar e veio me abraçar efusivamente, dizendo-me ao ouvido: Eu trago para o senhor as felicitações do Presidente da República. No dia seguinte tinha que fazer uma conferência em Nova Friburgo, no seminário dos jesuítas. Quando me preparava para pegar o trem, me telefona um membro de nosso grupo de São Paulo com a noticia: O novo Arcebispo de São Paulo é Dom Carmelo! Eu sabia que ele era intimíssimo amigo de Dom José Gaspar. E tive a impressão de que o Núncio sabia 297


quem é que vinha. E para me afagar um pouco ele promoveu esse discurso no Teatro Municipal. Porque o padre Dainese dias depois me disse que viu o Núncio andando nervoso e dizendo a ele: O Arcebispo que vem para São Paulo é inimigo pessoal de Dr. Plinio; vem com intenção de demolir o Dr. Plinio e o seu Grupo. É uma tristeza, mas não tem remédio. Coitado do Plinio Corrêa de Oliveira, coitado do Plinio Corrêa de Oliveira! Eu fiquei tão, tão aborrecido [com a nomeação de Dom Motta] que, à noite, quando cheguei a Nova Friburgo, tinha a impressão de que estava com uns 40° de febre, tal o sofrimento moral que aquilo me causou (*). ----------------------------------(*) Quando tomei o trem para Nova Friburgo ia preocupadíssimo, preocupadíssimo com a notícia da eleição de Dom Carmelo. Dom Carlos Carmelo Chego ao seminário dos jesuítas e o de Vasconcellos Motta Reitor me diz: Dr. Plinio, eu queria prevenir ao senhor que entre outras notabilidades presentes para colação de grau, está o pastor protestante de Nova Friburgo. De maneira que, quando o senhor saudar as várias personalidades presentes, eu pediria para o senhor não deixar de fazer uma saudação ao pastor protestante também. Era tudo me caindo em cima. Todos os grandes e pequenos aborrecimentos se confluíam. Vespas e moscas, tudo esvoaçando em torno de mim. Pensei: Eu vou arranjar isso. Pouco antes de entrar na sala, chamei o padre – que era muito solícito e meio quadradão – e lhe disse: – Padre Fulano, acho que, ou o meu discurso é impossível, ou o senhor faz sair esse pastor protestante de dentro da sala. 298


– Mas como? Eu já convidei o homem, ele está aí dentro. – Mas eu também estou convidado. E o senhor quando me chamou não me disse que ia estar um pastor protestante aqui. E preparei um discurso elogiando a ação da Companhia de Jesus contra o protestantismo; é, portanto, uma desancatória no protestantismo. De maneira que, ou sai ele, ou saio eu. Não tem remédio. Mas eu acho muito natural. Se o senhor quiser ficar com esse homem aqui dentro, é muito natural. Eu saio. – Eu não sei verdadeiramente como arranjar o seu caso. – Bem, mas então como fazemos? – Entre, e quando chegar a sua vez, vá à tribuna. Eu até lá terei arranjado o seu caso. – Bom, mas o senhor saiba que, eu falando, eu desanco o protestantismo! E comecei o discurso. Mas enchendo um pouco o tempo, para dar ao padre a oportunidade de resolver o caso. Em certo momento vejo o padre sair do lugar dele, vai por trás, para o lugar do pastor e lhe diz qualquer coisa. Vejo o pastor fazer um gesto, como quem diz: Não tem dúvida. Levantou-se, saiu! Pulou fora. E sapequei o protestantismo! Era um discurso meio prelúdio das três Revoluções. Não tinha sido publicado [o livro] Revolução e Contra Revolução mas era aquela ordem de ideias. À noite fui dormir. Não consegui. Agitação medonha. Sentia que devia estar muito resfriado, com febre ou alguma coisa parecida. Não sei o que era, mas estava numa indisposição medonha. Até se deu aí uma coisa curiosa: eu tinha levado para ler durante a viagem um livro que se tinha publicado recentemente de pensamentos de Napoleão. Havia comprado para atacá-lo. O trecho que li foi mais ou menos o seguinte: 299


Antes de se fazer coroar imperador, ele encontrou a França convulsionada por uma revolta monarquista a favor da restauração de um dos irmãos de Luís XVI ao trono. Estava sendo muito duro dominar essa revolta, executada e guiada por uns camponeses da zona da França chamada Vendée. Napoleão, que era o grande general, e do qual se poderia esperar que com facilidade derrotasse essa gente, entendeu que o único jeito que tinha era conseguir um acordo com a Santa Sé; desse modo os revoltosos perde­riam as razões religiosas da revolta e ficariam só com as razões políticas; e em consequência, cairiam, porque eles eram principalmente católicos e não principalmente monarquistas. Napoleão fez uma concordata com o Papa Pio VI que foi um desastre para a Igreja. Ele desenvolvia a seguinte tese: não adianta ter armas nem nada, se não tivesse o apoio da Igreja, porque Esta vale mais do que qualquer arma. Eu saí de lá pensando nisso. Leio-o na noite em que se torna claro que o peso d’Ela todo vai jogar-se contra nós. Uma coisa horrorosa, mas simplesmente horrorosa! ----------------------------------Quando Dom Carmelo foi nomeado, encontravame em Santos e estava muito na dúvida do que é que eu faria, pois ainda era diretor do Legionário e ficaria mal não ir visitá-lo. Passei para ele um telegrama felicitando-o, dando a entender que não vou fazer-lhe uma visita porque estou em Santos passando uma temporada etc. Não foi um telegrama amável demais, nem podia ser. Mandou-me uma resposta amabilíssima, que publiquei no Legionário, dirigida a mim como Presidente da Junta Arquidiocesana, saudando o “ilustre líder católico”, uma porção de coisas assim. Até hoje não sei por que ele passou esse telegra300


ma. Um secretário distraído não faria isso; a coisa estava muito quente demais no Brasil para fazer isso.

2. Primeira Carta Pastoral de Dom Motta – Suas primeiras atitudes em relação ao Dr. Plinio Dom Carlos Carmelo veio de avião do Maranhão para o Rio de Janeiro, avião da FAB, com todo o apoio do Getúlio. E fez uma Carta Pastoral de saudação, dizendo que ele saudava o Getúlio como o homem de Deus para o Brasil, como o homem da legislação social. Esta Carta Pastoral foi um tiro contra nós. De princípio a fim pode ser qualificada de um libelo contra nós. Mas, mistérios da Providência, ele não me tirou o lugar de advogado da Cúria. Soube, com toda certeza, que um eclesiástico residente em São Paulo [Dom Pedrosa] tinha tomado um avião, ido até o Maranhão, para indispor ainda mais Dom Carmelo contra nós. E que essa Pastoral tinha sido conseguida pela manobra dele. Sobre o papel de Dom Pedrosa aqui descrito depõe Dom Polycarpo Amstaldem O.S.B.: “Morre Dom José Gaspar em acidente aéreo, indo de São Paulo ao Rio de Janeiro. Vem então Dom Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta. Dom Paulo Pedrosa, Abade do Mosteiro de São Bento, logo advertiu Dom Motta a respeito do problema “Plinio Corrêa de Oliveira e o grupo ligado a seu livro Em defesa da Ação Católica”206.

Dom Carmelo dizia na Carta Pastoral – relata Dr. Plinio – que os católicos não devem estar divididos. Os católicos devem estar unidos. As polêmicas procedem do demônio e são sempre más. A verdade sem a caridade 206 – Pe. J. Ariovaldo, op. cit. Apêndice IV, p. 352 – De uma entrevista com Dom Polycarpo Amstaldem O.S.B. (...) 12-5-79. Apontamentos pessoais. (Grifos nossos).

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não adianta nada; a caridade deve primar por cima da verdade. E por isso ele condenava, censurava, verberava, reprovava, discrepava das polêmicas havidas até então entre católicos, e dava uma ordem formal: cessar todas as polêmicas, porque dentro de dois anos haveria uma reunião de todo o Episcopado Nacional, e que nessa ocasião o Episcopado reunido julgaria as doutrinas que circulavam aqui no Brasil sobre a Ação Católica. Dom Carmelo nos pôs na posição mais humilhante em que uma pessoa possa ficar: réus que daqui a dois anos vão ser julgados. Quer dizer, ele vai fazer uma devassa – ele não disse isso, mas se entende – durante dois anos para, armado de todas as provas, esmagar aquele que ele está denunciando. Foi aí que eu escrevi no Legionário aquele artigo, “Armistício” comentando a Pastoral de saudação e elogiando. “Como é sábia a Pastoral! Afinal, nos promete uma decisão. Que coisa boa! Nós não queremos outra coisa senão decisão; nós vamos nos calar porque temos a perspectiva de uma decisão, e essa decisão, nós a acataremos com todo o coração”. Mandei isso com uma carta muito respeitosa a ele e não obtive resposta. No dia da posse fui visitá-lo. Recebeu-me muito amavelmente, fez-me até sentar ao lado dele. Alguns dias depois, Dom Mayer, Dom Sigaud e eu, como setor de homens da Ação Católica, fomos fazer-lhe uma visita, e ele ainda nos recebeu muito amavelmente.

3. Atitudes de Dom Motta em relação a Dom Mayer, Dom Sigaud e à Diretoria da Ação Católica Dias depois, Dom Mayer organizou uma homenagem da Juventude Feminina da Ação Católica a ele. Dom Motta chegou muito mal-humorado, nem 302


queria ir, e afinal obteve-se que fosse. Fez um discurso que foi um libelo contra Dom Mayer, sem mencioná-lo diretamente. Afirmou que ele [D. Motta] era uma pessoa muito reta e detestava os subterfúgios, que detestava também gente que falasse mal dos outros, e que a doutrina dele era a paz, paz, paz. Que ele vinha aqui para pregar o amor. E acabou dizendo que ele era como uma locomotiva, que ia cortando tudo pelo caminho, e que não admitia qualquer réplica, e que estraçalharia qualquer pessoa que resistisse a ele como uma locomotiva estraçalha os objetos no caminho. E, quanto ao Papa, que essa mania de falar no Papa, Papa, que isso também tem limite; que do ponto de vista da hierarquia de ordem, o bispo e o Papa valem exatamente a mesma coisa; do ponto de vista da hierarquia de jurisdição, sim, o Papa era o fiscal dos bispos. Isso é contrário à doutrina católica. O Papa não é um mero fiscal dos bispos; o Papa é o Pastor dos Pastores, ele governa os bispos. Dom Mayer, muito habilmente, muito maciamente, fez um discurso de agradecimento. As moças todas bateram palmas, serviram champanhe e acabou a festa. Pouco tempo depois, Dom Sigaud, cuja mãe conhecia muito Dom Motta, foi lhe fazer uma visita no Palácio Pio XII. Encontraram-se quando Dom Sigaud subia uma escada interna do Palácio e ele descia. Conversaram no patamar. Dom Sigaud explicou que ele era padre, Assistente Geral da JEC, que vinha apresentar suas homenagens, que ele trabalhava com Dom Mayer; para ver se, como conterrâneos [Dom Motta era mineiro], havia uma possibilidade de uma cordialidade. Dom Motta o recebeu muito friamente, a visita não adiantou absolutamente nada. As coisas estavam nesse pé, quando, depois de um retiro do Clero, Dom Motta chamou Dom Mayer, no seminário arquidiocesano, e passou em Dom Mayer 303


a repreensão mais violenta, mais apaixonada e mais injusta que um homem possa passar em outro. Disse que estava muito desgostoso com a Ação Católica; que ele absolutamente não queria saber de a Ação Católica continuar em mãos de Dom Mayer; que ele destituía Dom Mayer do cargo de pró-Vigário Geral; que ele cassava todos os poderes de Dom Mayer, reduziria Dom Mayer a simples vigário; e que, de mais a mais, ele tinha a dizer a Dom Mayer que se ele estivesse aqui no momento em que Dom Mayer declarou que um bispo podia errar que ele teria suspendido Dom Mayer de ordens. Coisa muito bem feita da parte dele, porque se Dom Mayer entabulasse uma discussão com ele, ele diria: Está vendo? Revoltoso, orgulhoso, herege, etc. Como Dom Mayer ficou quieto, observou o silêncio mais modelar, ele disse a Dom Mayer: Bem, e outra coisa: eu ouvi dizer que esse imprimatur que figura no livro de Plinio Corrêa de Oliveira foi dado sem autorização de Dom José Gaspar, e eu portanto quero provas de que esse imprimatur foi dado com autorização de Dom José Gaspar. Dom Mayer respondeu: Não costuma haver prova, porque não há na Cúria documento escrito por onde habitualmente o Arcebispo manda dar ‘imprimatur ex comissione’. Mas que o Arcebispo viu o livro do Plinio Corrêa de Oliveira e até corrigiu, eu tenho provas, porque nós temos as primeiras páginas do rascunho do livro anotadas pela mão do Arcebispo. Diz ele: Mande-me trazer amanhã essas provas aqui, porque eu vou pedir a polícia para fazer um exame de letra, para efeito de instaurar um processo-crime, caso essa letra esteja falsificada. Dom Mayer – vejam bem a grandeza de Dom Mayer –, o homem cuja audácia nós tivemos ocasião de ver quando o D. Teodoro fez aquela denúncia, soube ficar quieto e não disse uma palavra. 304


No fim, Dom Motta disse a ele: Bem, o senhor tem duas paróquias para escolher: o senhor vai ser vigário do Ó, ou vai ser vigário do Belenzinho; escolha a paróquia. Dom Mayer disse: Senhor Arcebispo, eu não tenho escolha; V. Exa. me diga. Para onde V. Exa. mandar eu vou. Ele: Eu acho a paróquia do Belenzinho melhor. Dom Mayer: Está bem, então eu aceito a paróquia do Belenzinho. Dom Mayer falou comigo e lhe recomendei: Não mande os originais do livro a Dom Carlos Carmelo, porque se formos mandar os originais para ele, e isso vai ser examinado pela polícia, começam as dúvidas: ‘um especialista achou que é a letra de Dom José, e outro achou que não é’, e fica uma interrogação que a vida inteira paira sobre nós. Fique quieto, e se ele vier falar de falsificação, eu entesto com ele, porque aí eu faço o contrário: eu digo a ele que me dê ordem por escrito para que eu apresente esses documentos, e quando ele der ordem, eu apelo para a Santa Sé. Dom Mayer não deu os documentos, e ele também não falou mais nisso, mas disse a Dom Mayer que ele pensava em instaurar contra nós um processo canônico por difamação contra Dom José Gaspar, porque tínhamos dito que Dom José Gaspar tinha erros de doutrina. No dia seguinte, ou dois ou três dias depois, não posso me lembrar bem, saiu um edital da Cúria Metropolitana, declarando dissolvidas todas as diretorias e juntas da Ação Católica e nomeando novas juntas e diretorias, do modo mais injurioso possível a nós. O Arcebispo tinha um documento pronto, no qual declarava que Dom José nunca teve erro algum de doutrina, para Dom Mayer assinar. Dom Mayer teve uma saída mais ou menos assim, muito bem feita. O caso era 305


de não encrencar: Eu não posso dizer que ele nunca disse, porque eu não passei a vida inteira ao lado dele; eu posso dizer que eu nunca ouvi. O que é muito bem feito, porque ouvir, ele não ouviu. Outra acusação de Dom Motta foi que Dom Mayer tinha obtido meio fraudulentamente a nomeação para Vigário Geral. O que é inteiramente falso. A. Sucessão de catástrofes. Impressão de que Deus abandonou o apostolado do Dr. Plinio.

a) Dom Mayer: Vigário de Belenzinho Sob o peso de tudo isso, empurrados violentamente para fora da Ação Católica, e, portanto no cúmulo do desprestígio, a maior parte das pessoas que nós tínhamos expulsado da Ação Católica voltou para os cargos. Padres e leigos eram todos litúrgicos. Deu-se então a nomeação de Dom Mayer para Vigário de Belenzinho. Foi uma coisa tristíssima a gente ir a uma paroquiazinha suburbana para assistir à posse de um homem do valor de Dom Mayer; uma festinha para paroquianos, etc. Chovia horrivelmente naquele dia. Aquilo coincidiu com uma série de outros acontecimentos muito tristes para nós: despedida de pessoas simpáticas a nós na Cúria, o José Gustavo de Souza Queiroz207 teve uma recaída da doença, da qual morreu um ano ou dois depois. b) Dom Sigaud transferido para Espanha Depois destes fatos, veio outra coisa em cima de nós. Dom Sigaud foi transferido para a Espanha. Já an207 – Queiroz, José Gustavo de Souza – (1915-1946). Filho das mais antigas e ilustres famílias paulistas, ingressou muito cedo na Congregação Mariana de Santa Cecília, onde estreitou laços com o grupo do Legionário. Minha Vida Pública..., p. 297.

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tes da guerra, ele tinha sido chamado para ir para lá e a guerra sobreveio no momento em que sua ida estava sendo preparada. Então a adiaram. Terminada a guerra, os superiores o chamaram. Lembro-me de que nós fizemos uma despedidazinha a Dom Sigaud nos crepes do luto mais profundo. E fui acompanhá-lo até o Rio de Janeiro. O lugar onde eu me despedi dele, com uma tristeza enorme, foi num ponto de ônibus perto da igreja de São Francisco de Paula. Ônibus Rio de Janeiro–Juiz de Fora. Eu o abracei, e no momento em que eu voltava, pensei: Um capítulo da minha vida que está encerrado, é o padre Sigaud; ele agora vai para a Europa e está acabado.

c) Morre José Gustavo de Souza Queiroz Dom Sigaud vai embora e nós ficamos aqui no vale mais profundo do nosso apostolado. Com a circunstância triste de que nas vésperas de Dom Sigaud partir para a Europa, no dia em que nós íamos oferecer a ele um jantar, morreu o nosso querido José Gustavo de uma hemoptise. Mas há uma coisa bonita aí a contar: Dias antes de ele morrer, eu estive no hospital; sabia-se que estava tuberculoso em estado sério, mas não havia razão para recear que morresse logo. Estava conversando comigo sobre o estado geral da Igreja e me disse o seguinte: Eu ofereci a Nossa Senhora minha vida, se for necessário que eu morra como holocausto para que o nosso apostolado não morra no meio de tanta infelicidade. Eu estarei perfeitamente de acordo com vocês, eu dou minha vida. Achei sua disposição bonita, mas a tomei como uma dessas coisas que um doente às vezes pode dizer. Não tomei tão a sério. Dias depois, de repente, numa hemoptise fulminante, o José Gustavo morria. 307


Não sei se os senhores fazem perfeitamente ideia da impressão que representa um apostolado que Deus parece ter abandonado. Depois de graças e graças que chegam ao auge, tem-se a impressão de um inverno em que todas as folhas vão caindo. A gente tinha a impressão de que Deus se voltou contra nós com todas as suas armas para nos esmagar. Não teria havido algum defeito moral nosso, alguma falha na nossa vida espiritual que teria sido a causa de Deus nos abandonar? Quem poderia saber? Esta incerteza era o pior. Porque não basta dizer: Deus tem os seus caminhos, durma em paz. Sim, mas isso quando aparece um anjo para a gente e diz: Você não tem culpa. Mas onde está esse anjo? Aí está a questão. Eu confesso que o sofrimento dessa ocasião foi uma coisa de escalpelar. Contra nós se verificava um velho provérbio que o meu pai costumava citar: ‘Contra os apedrejados correm as pedras’. O sentido do provérbio é: Quando alguém é apedrejado, todos os outros também lançam pedras nele. Parecia que o esmagamento inglório seria o fim único de tudo quanto tínhamos feito até aquele momento.

d) Ameaça de Dom Pedrosa Outra vez eu estava muito cansado e resolvi passar dois ou três dias em Santos. E combinei com alguns membros do Grupo de descerem comigo. Mas eles não puderam ir, a não ser um. E combinei com esse que desceria no dia seguinte. E toquei para Santos. Quando saí de casa, olhei instintivamente para a caixa de correio. E vi uma carta na caixa. Não estava esperando nenhuma carta, mas tive a curiosidade de ver aquela, porque morava sozinho com minha mãe, e ela tinha muito pouca correspondência, portanto mais provavelmente seria para mim. Tirei a carta, tomei o táxi e fui para a Estação da Luz. 308


Enquanto estava no táxi, li a carta. Era a mais ameaçadora possível para os nossos interesses. Era assinada pelo Dom Pedrosa. Pensei voltar a São Paulo para dar alguma providência. Mas cheguei à conclusão de que não havia providência a tomar. Segui para Santos. Mas carregando o espantalho daquilo, que era realmente péssimo. Chego ao hotel: Estão chamando o senhor de São Paulo. Era o rapaz que tinha ficado de descer que avisava ter havido qualquer coisa na casa dele, e que não podia vir. Pensei: Bem, então vou passar três dias aqui sem fazer nada, com essa preocupação na cabeça girando e gastando dinheiro nesse hotel? Não vou ficar. Vou para São Paulo amanhã. E em São Paulo tinha que ver o caso de Dom Pedrosa, antes de Dom Sigaud ir para Espanha, que foi o seguinte: Dom Sigaud era um colaborador de confiança do Legionário. Seus artigos saíam sem assinatura. Era hábito redatorial. Mas de fato, num jornal, quando um artigo sai sem assinatura, o responsável pelo artigo é o Diretor – eu, portanto. E, muitas vezes, acontecia que os artigos dele eram publicados sem lermos antes. Entrava nisso o respeito que se tinha pelo clero antigamente, mas também o fato de se saber que ele não escreveria um artigo heterodoxo. Ele escreveu um artigo contra o liturgicismo e fez uma descrição da arte sacra dos progressistas, muito parecida com a arte sacra com que está pintada a igreja de São Bento. E Dom Pedrosa lendo aquilo, ficou indignadíssimo. Ele era abade do São Bento nessa ocasião. Reuniu o Capítulo e no Capítulo assentaram de exigir que o Legionário publicasse um protesto deles. E ao mesmo tempo ele me declarava desligado da condição de advogado do São Bento, uma vez que eu estava escrevendo tanto contra a própria Ordem Religiosa da qual eu era advogado. 309


Logo, era preciso dar uma réplica. Se o Legionário não publicasse a réplica dele, ele iria aos tribunais para exigir que publicasse. Isso seria um escândalo medonho para nós. Achei que o melhor meio era dizer a verdade, a política da verdade sempre. E resolvemos com Dom Mayer ir falar com Dom Sigaud, no convento dele, em Santo Amaro, para pedirlhe que fizesse uma carta ao Legionário, dizendo que ele tinha escrito o artigo e dando a interpretação que ele quisesse. Nós ficávamos de fora do problema. E evitava o que estavam querendo produzir: uma trombada minha pessoal com o São Bento. Eu ficava de fora. Era um padre, tão padre como os beneditinos, que entrava em trombada com eles. Não éramos nós. Dom Mayer e eu fomos falar com Dom Sigaud. O convento dele era propriamente no campo, a cidade não tinha crescido ainda para o lado de lá, e a gente tinha que andar talvez umas cinco quadras ou seis, a pé, em estrada de terra, até chegar ao convento. Nós o chamamos e ele foi corretíssimo. Viu a situação, escreveu a carta, pondo os pingos nos ‘ii’ inteiramente. Acho que tinha que mostrar ao superior. Mas ele não disse. Demorou algum tempo. Suponho que o superior tenha aprovado. Desceu e entregou a carta, toda escrita da mão dele. E publicamos no Legionário, junto com a carta do São Bento, e com um comentário nosso, dizendo que eu pessoalmente não tinha nada que ver com isso, porque a tramitação desse caso era assim como estava relatado – aliás, creio que Dom Sigaud também dizia isso na carta dele. Isto fez com que eles ficassem com a boca tapada. Mas não houve meio, a relação ficou rompida.

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4. Reunião do Episcopado para julgar o Em Defesa – Plinio Corrêa de Oliveira inaugura a Contra-Revolução dentro da Igreja A. Dom José Maurício da Rocha – Dr. Plinio pede para ser julgado pelo Episcopado – Dom Cabral chora Das relações do tempo em que nosso prestígio estava alto ficou-me uma, com Dom José Maurício da Rocha, Bispo de Bragança Paulista. Era um alagoano muito tradicional; muito amigo meu; um homem que mantinha com destaque a pompa episcopal, o decoro episcopal. Rígido, decidido, de estatura alta, cabelo branco, que ele penteava com certo cuidado, solidéu, e usava um dos mais bonitos rubis que eu tenha visto em minha vida. Eu gosto enormemente de pedras preciosas, sobretudo rubis, e não tardei a notar a lindíssima pedra que ele apresentava para o ósculo quando se ia falar com ele. No meio daquela degringolada, continuei sempre a ter boas relações com ele, mandava telegramas de boas festas, de bom ano novo, de aniversário, ele também mandava para mim, bilhetinhos etc, que era para entreter aquela palhazinha que ainda queimava para alguma coisa que pudesse servir. Uns dois anos depois que Dom Motta foi nomeado para governar o arcebispado de São Paulo, chegou a vez de a palha pegar fogo numa acha de lenha: Os jornais começaram a publicar que iria haver uma reunião de todo o Episcopado no Rio de Janeiro, que era a capital do país naquele tempo, com o objetivo de cuidar da Ação Católica. Percebi que eles queriam ver se davam indiretamente uma fechada no meu livro – que não tinha sido aprovado ainda pela Santa Sé. 311


Não tive dúvida e pedi ao Dr. Paulo Barros [membro do grupo] – exímio negociador político – que levasse uma carta a Dom Maurício da Rocha explicando o que eu queria. Junto ia uma carta minha ao Episcopado Nacional muito respeitosa dizendo que eu osculava a sagrada púrpura, pedia a bênção deles e pedia vênia para expor o que estava na carta. Dizia resumidamente que Dom Motta, em tal data, na Circular dele, tinha publicado tal texto. Que se bem que o meu nome não fosse mencionado, eu não podia ter a menor dúvida que aquilo se referia a mim. Que seguindo o exemplo de Nosso Senhor, que ‘como a ovelha foi conduzida à morte, e não abriu a sua boca’, durante dois anos eu deixei cair sobre a minha cabeça essa suspeita sem me defender. Quando seria fácil defender-me, não me defendi à espera que, como ele prometeu, o Episcopado todo reunido julgasse o meu caso. E que eu estava pronto para ser julgado. Que se o Episcopado reunido tomasse uma atitude condenando o meu livro, eu estava disposto até a fazer penitência de vela benta na mão, na escadaria da Catedral e a tributar à decisão do venerando Episcopado toda a medida de obediência prescrita pelo Direito Canônico. O Direito Canônico dá o direito, quando o fiel se julga objeto de uma injustiça, de recorrer a Roma. E eu estava com respaldos na Santa Sé. E eles sabiam disso muito bem. Pedi a Dom Maurício apenas uma coisa: que se levantasse na reunião, lesse a minha carta em voz alta para todos e dissesse que eu, submetendo-me de tal maneira ao juízo da Igreja, ele propusesse então que começasse o debate sobre o meu livro. Era um desafio do outro mundo! Mas como alguém podia falar com Dom Maurício para não fazer isso, eu combinei com o Dr. Paulo Barros 312


de Ulhoa Cintra o seguinte: Você organiza a distribuição dessa carta a todos os Bispos no Rio. Dr. Paulo fez maravilhas: os endereços dos Bispos eram desconhecidos; ele conseguiu no Palácio Episcopal, tomou o automóvel, distribuiu para todo o mundo, e ainda conversou com vários deles. No dia, ele foi visitar Dom Maurício para saber como tinha sido a reunião. Dom Maurício disse que a coisa passou-se assim: Que ele se levantou, logo no começo da reunião e leu minha carta. Todos os bispos a tinham no bolso. E os principais opositores do meu livro eram Dom Motta e Dom Cabral, então Arcebispo de Belo Horizonte. Este último tinha mandado queimar o Em Defesa numa reunião da Ação Católica. Dom Motta fez uma cara iracunda e furiosa. Muito mais hábil, o Arcebispo de Belo Horizonte, começou a chorar. As lágrimas corriam de vez em quando dos olhos dele. E perguntavam para ele: – Senhor Arcebispo, mas por que V. Exa. chora? – Porque quem vai ser julgado sou eu. – Mas como é que V. Exa. vai ser julgado? – Mas V. Exas. não percebem? O Dr. Plinio inverteu a situação. Ele estava colocado no banco dos réus e nós éramos os juízes. Agora, como eu condenei o livro de Dr. Plinio, quem vai ser julgado sou eu e não ele. E para mim, isso é uma humilhação. Um velho Arcebispo ser julgado por todos os seus pares! Não imaginam que coisa dolorosa! Para comprender melhor a atitude de D. Cabral, relatada acima, é conveniente ter presente alguns dados a respeito da posição tomada pelo Arcebispo de Belo Horizonte desde certo tempo antes, a respeito do Movimento Litúrgico e da Ação Católica. Como fonte, servimo-nos do livro do Pe. Ariovaldo: 313


“Quase um ano e meio após a Pastoral Coletiva (do Episcopado da Província Eclesiástica de Belo Horizonte) que acabamos de tratar – afirma o Pe. Ariovaldo – saiu a Pastoral do Arcebispo de Belo Horizonte D. Antônio dos Santos Cabral sobre a Ação Católica (com data de 14-4-1943), considerada “um dos mais profundos documentos eclesiásticos” que “quase se poderia comparar a uma encíclica”, [palavras de Tristão] na qual se nota bem mais ampliada a adesão ao Movimento Litúrgico.208 D. Cabral – continua o Pe. Ariovaldo – em sua famosa Carta Pastoral de 14-4-1943, falando à Ação Católica encoraja: “Não vos atemorizem os pretensos ou reais abusos que se atribuem ao movimento da Ação Católica e ao movimento litúrgico”. Ora, exatamente por esta época havia saído o Em defesa da Ação Católica de P. Corrêa de Oliveira, atacando o Movimento Litúrgico. (...) Sabe-se que D. Cabral sofria muito por causa do Movimento Litúrgico. Os grupos da Ação Católica que ele apoiava, eram continuamente taxados de hereges em questões de Liturgia, até mesmo em púlpito de igreja. A pressão era grande. Pressionava certa literatura que criava um clima forte de suspeita sobre o valor do Movimento Litúrgico que D. Cabral tanto amava. Pressionava o Núncio Apostólico Mons. Aloisi Masella, que não tolerava inovações. Enfim, basta dizer que o próprio Congresso Litúrgico que D. Cabral, em sua Pastoral, prometeu realizar, não se celebrou por falta de suficiente apoio.209 (...) Pois bem – afirma o Pe. Ariovaldo – a certa altura do documento [a Pastoral], falando da formação dos membros da Ação Católica, D. Cabral se propõe “acrescentar algumas palavras sobre o chamado movimento litúrgico que tem empolgado as almas, sobretudo os meios mais cultos, e que ocupa uma larga parcela na formação integral da A. C.”. Partindo do princípio de que a formação integral da Ação Católica “não pode prescindir da vida litúrgica da Igreja”, o Arcebispo passa a dar amplo apoio ao Movimento 208 – O que está entre aspas corresponde a palavras pronunciadas por Tristão na abertura do Primeiro Congresso de Ação Católica da Província Eclesiástica de Belo Horizonte, em A Ordem 30/9/1943, 292. J. Ariovaldo op. cit. pág 132. (Grifos nossos). 209 – op. cit. p.193. (Grifos nossos).

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Litúrgico que, segundo ele, vem plenamente ao encontro dos ideais da Ação Católica, pois procura “levar o povo a penetrar mais intimamente os sagrados mistérios pela piedade teocêntrica”, pela oração vivida comunitariamente, pois prepara a alma popular a perceber-se mergulhada no mistério da graça que atua na comunidade dos fiéis reunidos em Cristo formando a Igreja, pois procura fazer o fiel participar ativa e intimamente da Fonte Primeira da santificação da Igreja, o único Sacrifício Sacerdotal (o de Cristo) perfeito que na Missa se faz presente. Um dos modos de participação melhor na Missa, naturalmente é a realização, cautelosa, e nos meios convenientemente preparados, da Missa dialogada que, pelas experiências já tidas, “só poderá ser fonte de inestimáveis benefícios”. Eis, em poucas palavras, um grande sinal de adesão plena da Arquidiocese de Belo Horizonte aos ideais do Movimento Litúrgico implantado no Brasil havia já bem 10 anos. Tal era a adesão que D. Cabral ainda deixa no fim manifesta uma “nobre aspiração” sua: realizar na Arquidiocese um “Congresso Litúrgico” que venha especialmente focalizar e esclarecer aos diocesanos o tema importante da Liturgia”.210

Congresso este que não se celebrou por falta de suficiente apoio... Continua Dr. Plinio: Decidiram submeter à votação: se o meu livro devia ser julgado ou não. A resposta: Não! E se a minha carta devia ser respondida: vários bispos e arcebispos opinaram: Deve. Eles disseram: Os que quiserem responder, respondam. Nós não proibimos, nós não obrigamos. De maneira que vários me escreveram pela bonita atitude, edificante, por exemplo, o Primaz da Bahia, Dom Álvaro Augusto da Silva, sem falar do meu livro, sem comprar briga, mas me felicitando. Não publiquei nada. 210 – op. cit. pp. 132-133. (Grifos nossos).

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Isso tinha, por sua vez, uma vantagem enorme: é que essa atitude me dava a liberdade de dizer para todo o mundo que eu tinha feito isso, e que eles tinham recuado. Portanto, nós não nos esquecíamos da luta externa. Ela era tocada em pontos mínimos que tínhamos: uma relação com o padre Mariaux, que conhecia o padre Leiber211, que conhecia Pio XII; um Bispo de Bragança, Dom José Maurício da Rocha. Mas nós tínhamos conservado todas as sementes. Das sementes renasciam os arvoredos. Assim, ao mesmo tempo em que estávamos solidificando o Grupo, estávamos inaugurando a Contra-Revolução dentro da Igreja. Dr. Plinio mostra a amigos italianos que o visitaram em 1992 a importância que pode ter um pequeno grupo contra-revolucionário: Após o kamikaze [Em Defesa] nós começamos com um pequeno grupo de seis pessoas que sobraram, sem fazer discursos contra os bispos solidários com os erros da Ação Católica, mas vivendo a nosso modo, segundo nossa consciência. Não desobedecendo a eles, mas obedecendo à Igreja, enquanto eles faziam coisas que eram contrárias às máximas da Igreja. Um dia eu falava de questões de direito com um Monsenhor de São Paulo. Ele ficou em silêncio. E me disse: O senhor sabe que o Cardeal [Motta] está contente com sua conduta? Porque o senhor tem deixado as coisas de lado, sem lhe fazer oposição, e que o senhor é muito discreto, e que o senhor não faz nenhum esforço no sentido de levantar as pessoas contra ele. Eu lhe disse: Eu fico contente que o Cardeal faça justiça a meu senso de ordem e de disciplina. Ele me 211 – Leiber, Pe. Robert S.J. – (1887-1967). Padre jesuíta alemão, Professor de História da Igreja na Universidade Gregoriana em Roma, de 1930 a 1960. Foi o mais próximo conselheiro do Papa Pio XII e também seu confessor.

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respondeu: Sim, mas o Cardeal tem uma objeção a lhe fazer. Ele sabe que a conduta do senhor é absolutamente legal, mas o senhor aparece em público em geral com um grupo de amigos seus e vai a restaurantes, vai a lugares onde as pessoas passeiam, e todo o mundo diz: olha lá o grupo do Plinio. Isso representa, apesar de tudo, um fermento de oposição. Sabe-se que o senhor mantém seus princípios e que o senhor não quer mudar. Mas o Cardeal aurait n’importe quelles bonnes affaires à vous présenter (vos ofereceria tudo) se o senhor dissolvesse esse último grupo. Eu lhe disse: Ah Monsenhor, neste caso as coisas são diferentes. Porque o que se quer é que eu renuncie a meus princípios e a meus amigos. Primeiro, quanto aos princípios, absolutamente jamais. Eu farei qualquer coisa antes de renunciar a meus princípios. Quanto a meus amigos, eu não permito a ninguém de impor-me a renúncia a amizades privadas que não têm nenhuma relação com os assuntos da Igreja. Eles são amigos privados – nós nos reunimos em nossas casas, ou numa pequena casa que nós alugamos para estar à vontade – e não formamos uma associação. Minha vida privada não pode ser contrariada, salvo que se tenha a fazer alguma objeção aos meus bons costumes ou à minha boa doutrina. Nesse caso eu serei um filho obediente da Igreja. Tudo o que a Igreja me indicar eu obedecerei. Não neste caso. Qualquer que seja o preço monetário desta composição, eu não o aceito. Vejam até onde um pequeno grupo incomodava.

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Capítulo IX Reviravolta da situação. Somos reabilitados e passamos à contra-ofensiva Depois de tudo isso começaram os lados bons, fatos auspiciosos a aparecer. Esses fatos eram das mais variadas ordens. Mas notem que isso levou anos para se dar.

1. Dom Sigaud é nomeado Bispo de Jacarezinho – Publicação da Encíclica Mediator Dei – Liquidação de O Legionário Uma noite, em 1947, chegando à nossa Sede da Rua Martim Francisco, encontro o nosso pessoal, uns cinco a oito, que me esperavam. Por uma coincidência qualquer, cheguei um pouco mais tarde do que de costume. Eles num alvoroço, numa alegria enorme. Eu lhes disse: – O que é que houve? – O padre Sigaud foi nomeado Bispo. – Como assim? Ele foi expulso aqui de São Paulo por D. Motta, foi mandado pelos superiores para Estela, um lugar na Navarra que eu nem sabia que existisse. Está lá exilado, como nós estamos aqui, e agora é Bispo? D. Geraldo de Em geral, a nomeação de um Bispo era Proença Sigaud publicada pelos jornais. Essa não tinha sido publicada por nenhum jornal brasileiro, mas pelo rádio. Ficamos desconfiados que houvesse alguma jogada. E para tirar bem a limpo, telefonamos para Estela. Naquele tempo, para se obter uma ligação para a Europa era dificílimo, e sobretudo muito caro. Nosso dinheiro para lá de escasso. Dom Sigaud veio ao telefone. Mas não sabia quem 318


estava falando. A telefonista não dizia. Soube somente que do Brasil o estavam chamando. E do outro lado do fio do telefone eu dizia: – Padre Sigaud! Padre Sigaud! Eu ouvi de longe: – Quem é? – É Plinio quem fala! – Ah, Plinio ! Como vai você? E eu apressando-me, com medo que a ligação caísse de um momento para outro, perguntei-lhe: – Queria saber se é verdade que o senhor foi nomeado Bispo de Jacarezinho. – Quéeee? – O senhor foi nomeado Bispo de Jacarezinho ou não foi? – Fui sim. Estou preparando minha volta para o Brasil. Grande alegria, porque era a vitória, uma confirmação da Santa Sé pela boa orientação do Em Defesa. Lembro-me que fomos ao Rio de Janeiro esperar o navio espanhol que vinha da Europa. Viemos com Dom Sigaud para São Paulo. Pouco depois foi a sua sagração. Dom Sigaud convidou o Núncio para sagrante, porque não queria convidar o Cardeal, e desejava fazer a sagração aqui em São Paulo, na Basílica do Carmo. O Núncio veio, fez a sagração de Dom Sigaud tendo como consagrantes Dom Maurício da Rocha e Dom Ernesto de Paula. Nessa ocasião, o Núncio estava na nossa sede na Martim Francisco, a convite de Dom Sigaud, e lá, em uma cadeira que tem hoje uma pequena placa de prata com as letras HIC, o Núncio recebeu o juramento de fidelidade à Santa Sé feito por Dom Sigaud. Ali o Núncio foi apresentado a Dom Mayer. Disse ele: Eu conhecia o milagre, mas não conhecia o santo. 319


Foi muito amável, mas nós não chegamos a perceber se ele conhecia ou não o Cônego Mayer. Publicamos a sagração nos jornais. Todo mundo ficou entendendo que a Santa Sé estava querendo nos reabilitar. Em 1947 tivemos outra grande vitória: foi publicada a encíclica Mediator Dei. E esta encíclica nos era muito favorável, muito mais que a Mistici Corporis [que fora publicada em 1943]. Dom Sigaud escreveu no Legionário um artigo dizendo que a encíclica era uma aprovação de todo o nosso apostolado, e uma aprovação indireta do Em Defesa. No número seguinte do Legionário, o Castilho foi à oficina levando toda a matéria composta, e foi notificado que o Legionário não mais ia aparecer, pois havia sido entregue à Cúria. Foi, portanto, fechado porque publicamos comentários e notas sobre a encíclica Mediator Dei. Nós aproveitamos o Legionário para dar todo o realce à encíclica. Telefonei então a Dom Loureiro e perguntei o que havia com o Legionário. Ele me disse que não sabia de nada, mas que talvez fosse alguma coisa do Senhor Cardeal, que tinha ido a Belo Horizonte. Eu lhe disse: O senhor fique sabendo do seguinte: em relação aos que são hereges, esse Cardeal não é pai, mas é mãe. Em relação àqueles que têm a doutrina da Igreja, esse Cardeal não é pai nem é padrasto, mas é carrasco. Porque desde o dia em que ele pisou em São Paulo, até agora ele não teve nenhum gesto de pai, ele só teve crueldade de carrasco. Esta é a verdade, e a razão do fechamento do Legionário é sermos nós favoráveis à doutrina da Santa Sé. Transmita isso a ele de minha parte... O cônego Loureiro me disse: Meu amigo, eu não posso aceitar isso. 320


O Castilho recolheu um depoimento dos empregados da oficina de que o Legionário deixava de aparecer por ordem do encarregado e nós nos documentamos muito bem no sentido de que o Legionário não foi fechado por nós. A própria matéria havia sido composta pela metade e todas as provas já compostas foram recolhidas. Na noite de Ano Bom, quando eu estava jantando, o Cônego Loureiro me telefona dizendo que o Cardeal tinha chegado inesperadamente de Minas e me mandava dizer que estava à minha disposição se eu quisesse falar com ele. Acabei de jantar, tomei o automóvel e parti para o Palácio. Ele me recebeu em companhia do Cônego Loureiro, dizendo que tinha trazido o Cônego Loureiro para presenciar a nossa conversa. – Eu queria dizer ao senhor que o encarregado do Legionário me procurou espontaneamente para oferecer o jornal, como liquidante da sociedade, e não fui eu que dei ordem para o jornal fechar. Como ele me entregou o jornal e eu não quero que o senhor continue na direção, eu lhe tirei o jornal. D. Isnard, como temos demonstrado, foi um bispo profundamente revolucionário e de grande influência no Movimento Litúrgico. Assim sendo, não poderia deixar de manifestar sua alegria quando D. Motta tirou o Legionário das mãos de Dr. Plinio. Ao fazê-lo não consegue evitar de reconhecer a eficácia do Legionário como órgão Contra-Revolucionário, “que alimentava um clima de suspeita e oposição ao Movimento Litúrgico”. Seguem suas palavras: “D. Carlos Carmelo [Motta] talvez não imagine o serviço que prestou à Igreja no Brasil com as atitudes que tomou: resumindo, ele limpou o campo. É constrangedor falar desse assunto quando muito dessas pessoas ainda estão vivas. Como fruto imediato de sua atuação saneadora basta mencionar a transformação de O Legionário. Acabou aquela

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histeria semanal de ataques, que alimentava um clima de suspeição e oposição ao movimento litúrgico”.212

O auge da hostilidade de D. Isnard contra o Dr. Plinio será visto logo adiante.

2. Dom Mayer é nomeado Bispo de Campos Um ano depois mais ou menos – prossegue Dr. Plinio –, no carnaval, fomos fazer um passeio a São Pedro. Na volta, estávamos visitando o salto de Piracicaba, quando comentávamos com Dom Mayer que a situação estava humanamente perdida, mas nós iríamos até o fim do caminho, ficaríamos na nossa posição até a morte. Dias depois, Dom Siqueira, visitando Dom Mayer no Belém, ofereceu seus préstimos para efetivá-lo na paróquia. Dom Mayer tinha nesse momento no bolso um convite para Bispo coadjutor de Campos. Ele não disse nada a Dom Siqueira e se despediu. Foi uma tarde ao meu escritório e começou a conversar e me perguntou: Se eu fosse convidado para Bispo, você acha que eu deveria aceitar qualquer diocese do Brasil? Fiquei com muita pena de Dom Mayer, pensando nesses assuntos naquela situação miserável em que nos encontrávamos. Em todo caso, providencialmente, lhe respondi: Marque uma periferia que para o norte não passe de Campos, mais distante do que Campos não convém. Ele conversou mais um pouco e se despediu. Um dia, quando eu chegava à nossa sede na Martim, encontrei o Pacheco, elétrico, dizendo: Episcopus habemus, numa tal vibração que pensei que tivesse sido nomeado algum padre péssimo. Ele me disse: Dom Mayer foi eleito Bispo Auxiliar de Campos! A seguir, chegaram 212 – Pe: Bernard Botte, OSB, op. cit., p. 223. (Grifos nossos).

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os outros do grupo. Esperamos por todos e fomos ao Belenzinho em três táxis. O José Fernando de Camargo213 [membro do grupo] telefonou a O Estado de São Paulo, pedindo a publicação do fato para o dia seguinte. A notícia saiu na seção religiosa. E nós antegozamos o efeito da bomba no Palácio do Cardeal. Pela manhã o Cardeal mandou o seu secretário, Cônego Guzzo, ler os jornais. Este leu a notícia da nomeação. Aquele estava tão pouco informado sobre a nomeação, que perguntou: Será notícia oficial? Quem terá feito esta nomeação? Não sabemos. O Núncio havia sido muito cordial com Dom Sigaud, quando este chegou da Europa. Mas por ocasião da sagração de Dom Mayer, o Núncio começou a tomar D. Antonio de Castro Mayer uma atitude francamente hostil. Dom Mayer foi ao Rio convidá-lo para a sagração e foi recebido por este com quatro pedras na mão, porque Dom Mayer teria sido muito grosseiro, não indo comunicar pessoalmente a sua nomeação ao Cardeal. Ele fazia questão fechada que Dom Mayer fosse visitar o Cardeal. O gesto do Núncio foi tal que Dom Mayer não lhe deu explicação alguma. De volta a São Paulo, ainda no Belém, quando Dom Mayer se dispunha a sair para ver o Cardeal, recebeu a visita de Dom Aguirre. Este se ofereceu para ir ao Palácio junto com Dom Mayer, que já estava com o táxi parado na porta. A ida de Dom Aguirre foi providencial. Bispo, já idoso, foi um excelente balde de água fria. A visita correu muito seca. 213 – Camargo, José Fernando de, (1918-2005). Membro do corpo de redação do Legionário.

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A seguir houve a sagração de Dom Mayer, no dia 23 de maio de 1948. Festa ainda muito maior que a de Dom Sigaud, porque veio todo o pessoal de Dom Sigaud, e o pessoal do Belém. Sagrante, o Núncio; consagrantes, Dom Sigaud e Dom Ernesto. O Núncio cordial, mas frio. Com a sagração de Dom Mayer, muitas coisas subiram de ponto. Tudo isto animou o Grupo. Fomos acompanhar Dom Mayer até Campos onde tomou posse. Ele não foi nomeado imediatamente Bispo de Campos. O Bispo de Campos era um velho conhecido meu, Dom Otaviano Pereira de Albuquerque, gaúcho. Um homem de uma grande estatura, imponente, bonitão, mas que já estava muito velho e meio doente. Dom Mayer devia reger a diocese até que ele falecesse, mas com plenos poderes de Bispo.

3. Carta da Santa Sé aprovando o livro Em Defesa da Ação Católica Um belo dia, Frei Jerônimo, que se tinha aproximado de nós no período da desgraça – 1946 ou 47 – me telefonou na hora do almoço dizendo o seguinte: – Eu recebi uma carta vinda de Roma dirigida ao senhor. É da Secretaria de Estado da Santa Sé, mas está fechada. O senhor quer que faça o quê? – Leia a carta. Ele leu e era a aprovação total do Em Defesa. Era um triunfo enorme. Era um triunfo que deixava nossos adversários completamente moídos. Além do mais implicava numa censura ao Cardeal de São Paulo. Eu caí de várias nuvens e disse a ele: Frei Jerônimo, isso é fantástico! Nem almocei, fui diretamente de automóvel pegar a carta com ele. 324


Segue o texto da carta: SECRETARIA DE ESTADO DE SUA SANTIDADE Palácio do Vaticano, 26 de fevereiro de 1949. Preclaro Senhor, Levado por tua dedicação e piedade filial ofereceste ao Santo Padre o livro “Em defesa da Ação Católica”, em cujo trabalho revelaste aprimorado cuidado e aturada diligência. Sua Santidade regozija-se contigo porque explanaste e defendeste com penetração e clareza a Ação Católica, da qual possuis um conhecimento completo, e a qual tens em grande apreço, de tal modo que se tornou claro para todos quão oportuno é estudar e promover tal forma auxiliar do apostolado hierárquico. O Augusto Pontífice de todo o coração faz votos que deste teu trabalho resultem ricos e sazonados frutos, e colhas não pequenas nem poucas consolações. E como penhor de que assim seja, te concede a Bênção Apostólica. Entrementes, com a devida consideração me declaro teu muito devotado (a) J. B. MONTINI Subst. Monsenhor Montini era nesse momento Substituto da Secretaria de Estado de Sua Santidade Pio XII. A situação em que eu estava – prossegue Dr. Plinio – quando essa carta foi recebida, seria mais ou menos a de um navio que afundou e tocou o fundo do mar. Está cheio de água e de parasitas marítimas. E lá do alto vem um pouquinho de luz que é a esperança em Nossa Senhora, que nunca nos abandona. E quanto ao mais, as perspectivas eram as mais negras possíveis, pois não havia esperança de nada. 325


A carta veio com a seguinte instrução: Que se o documento junto chegasse estragado ou dilacerado, pedisse quantos exemplares quisesse. Ao receber a carta fiquei muito contente, senti um alívio como se uma série de pressões me descomprimisse. E resolvi imediatamente tirar da carta toda a vantagem possível. A primeira era animar e entusiasmar o nosso Grupo, que estava internamente muito abatido. Era preciso estimular a alegria deles e para isso organizei naquela noite mesmo um jantar de todos num bom restaurante de São Paulo. Também quando chegamos à sede, antes ou depois, não me lembro bem, grandes orações a Nossa Senhora para agradecer a Ela. No dia seguinte, pensamos em tirar o proveito prático da carta. E o proveito prático era duplo: O primeiro era de entregar à imprensa. Nós não tínhamos serviço de imprensa organizado, não tínhamos nada, porque com dez membros não se pode falar em serviço organizado. Eram dez solitários que se encontravam todas as noites para conversar, mais nada. Redigi uma notícia e distribuímos para todos os jornais de São Paulo. Uns dois ou três publicaram uma notícia pequena, dando um resumo da carta. Foi o que nós pudemos fazer como publicidade, mas ela teve bastante repercussão. Foi uma bomba! Ninguém imaginava isso. Mas antes de publicar a aprovação pelos jornais, mandei uma carta ao Cardeal, comunicando o seu recebimento e me colocando inteiramente à disposição dele. Carta esta que ficou sem resposta. (* ver p. 330) Por outro lado escrevi uma carta ao Monsenhor Montini agradecendo. Para medir a significação da carta da Santa Sé é preciso pensar o que seria a situação do livro Em Defesa se não tivesse havido aquela carta. 326


Porque o livro, combatido do jeito que estava, era muito difícil pelo mero raciocínio que depois da primeira grande saída [antes de ser combatido, sobretudo, pelas autoridades eclesiásticas] as pessoas o lessem e se convencessem de que eu estava certo. Era, portanto, até então uma derrota enorme pela preguiça das pessoas de lerem uma coisa raciocinada e séria. Bem, entretanto, se transformou numa vitória aos olhos de todo o mundo pelo fato de ter aquela carta. Portanto, foi uma coisa de uma importância extraordinária. Aquilo deu uma grande solidez ao primeiro marco de nossa história pública. A partir desse momento, a nossa expansão ficava facilitada. A todo mundo que nos perguntasse: Por que vocês estão nesse ostracismo, estão mal vistos?, nós podíamos apresentar o livro e a aprovação, dizendo: Olhe, o caso é este. O livro diz que há irregularidades [na Ação Católica]; essas irregularidades não foram punidas, os punidos fomos nós. Vejam agora: Dom Mayer foi elevado a Bispo, Dom Sigaud foi elevado a Bispo, o livro foi aprovado. A partir da aprovação do livro, completava-se o sistema de defesa e nós estávamos com uma face à luz do sol. E, com uma possibilidade de lutar. Se o livro não tivesse sido louvado pela Santa Sé, a nossa reputação teria tornado difícil o nosso apostolado. – D. Isnard recorre à calúnia Como dissemos acima, Dom Clemente Isnard, tinha baixado um decreto na sua Diocese proibindo ao clero de dar a comunhão aos membros da TFP que se encontravam em campanha contra os Cursilhos de Cristandade. Contra esse injusto e arbitrário decreto o Bispo foi objeto de uma enérgica interpelação de Dr. Plinio em três artigos da ‘Folha de S. Paulo’ ante a qual o prelado manteve 327


silêncio. Disto tratamos na Parte IV – Cap. I. Ante a carta da Santa Sé aprovando o Em Defesa, o referido Bispo depois de ter sido reduzido ao silêncio pelo Dr. Plinio recorre diretamente à calúnia e à detração contra ele, desprestigiando ao mesmo tempo a Santa Sé. Com efeito, a respeito da carta de Monsenhor Montini dirigida ao Dr. Plinio, D. Isnard escreve: “Mais tarde, o mesmo livro, prefaciado pelo Núncio e oferecido ao Santo Padre Pio XII pelo autor, dava ocasião a Plinio Corrêa de Oliveira de receber uma carta da Secretaria de Estado, assinada por Mons. Montini, agradecendo e abençoando. Para avaliar o alcance desta carta é bom lembrar que, poucos anos antes, um pastor protestante de Curitiba havia mandado ao Vaticano um livro provando que o Papa era o Anti-Cristo, e recebeu semelhante resposta, dando muito trabalho ao padre Leonel Franca, S.J., para explicar o equívoco... Por pouco a carta da Secretaria de Estado não era apresentada como aprovação ex cathedra do livro [Em Defesa] e de suas teses”214

A equiparação entre a carta de Mons. Montini ao Em Defesa – que aborda de modo sintético, mas profundo, o conteúdo do livro – com a resposta a um protestante, provavelmente de caráter exclusivamente protocolar é absolutamente improcedente e mostra a parcialidade e malevolência de Dom Isnard. De qualquer maneira, como este trabalho pode cair em mãos de algum revolucionário da família de almas de D. Isnard, citamos a seguir as palavras que Monsenhor Montini disse pessoalmente ao Dr. Plinio quando ele, um ano depois de recebida a carta, o visitou no Vaticano. Relata Dr. Plinio: Em 1950, eu acabava de receber a carta assinada pelo Monsenhor Montini, felicitando-me a respeito de meu livro. Indo eu a Roma era normal, era curial, que fosse visitá-lo e apresentar minhas homenagens, uma vez que essa atenção, da qual ele tinha sido canal, era de 214 – Botte, B., O.S.B. op. cit., pp. 221-222. (Grifos nossos).

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tal maneira recente. De outro lado, Dom Mayer estava em Roma também e queria ir. Fomos juntos. Enquanto esperávamos para ser recebidos em audiência veio o camareiro dizendo que Monsenhor Montini, sabendo da grande amizade entre nós dois, se propunha a nos receber juntos, caso cada um de nós não tivesse um fato particular para expor a ele. Mandamos dizer que sim, e entramos juntos. Recebeu-nos muito amavelmente. Sentamo-nos. Dom Mayer lhe disse que tinha ido fazer uma visita, uma homenagem. Eu disse mais ou menos a mesma coisa. No final da audiência na qual não se trataram assuntos religiosos nem muito menos os referentes ao Em Defesa, ele me disse: Olhe, Professor, eu queria que o senhor soubesse, e tomando o senhor Bispo aqui como testemunha do que eu digo, que a carta escrita ao senhor foi escrita pesando palavra por palavra, intencionalmente. E não foi uma carta dessas protocolares, mas foi uma carta feita com intenção de dizer o que dizia. (Grifos nossos). Como se vê, é bem precisamente o contrário da afirmação injuriosa de D. Isnard na qual tenta diminuir o alcance da referida carta. Para encerrar esta Parte referente à carta da Santa Sé elogiando o livro Em Defesa, aplicamos ao Bispo de Nova Friburgo – silenciado pelo Dr. Plinio em 1973 – o seguinte princípio exposto em Revolução e Contra-Revolução: “O revolucionário, em via de regra, é petulante, verboso e afeito à exibição, quando não tem adversários diante de si, ou os tem fracos. Contudo, se encontra quem o enfrente com ufania e arrojo, ele se cala e organiza a campanha de silêncio. Um silêncio em meio ao qual se percebe o discreto zumbir da calúnia, ou algum murmúrio contra o “excesso de lógica” do adversário, sim. 329


Mas um silêncio confuso e envergonhado que jamais é entrecortado por alguma réplica de valor. Diante desse silêncio de confusão e derrota, poderíamos dizer ao contra-revolucionário vitorioso as palavras espirituosas escritas por Veuillot em outra ocasião: “Interrogai o silêncio, e ele nada vos responderá”215 (*) Foi visto no início da página 326 que D. Motta não respondeu a carta que Dr. Plinio lhe enviara a propósito do apoio de Pio XII ao Em Defesa, por meio de Mons. Montini. D. Motta, cardeal profundamente revolucionário, que se apresentou no início de seu ministério em São Paulo como o homem que iria introduzir a “paz”, deixou cair completamente a máscara com a posição que tomou a favor da Reforma Agrária socialista, no início de 1960. Nessa época tinha sido publicado o best seller “Reforma Agraria Questão de Conciência” (RAQC) escrito pelo Dr. Plinio com a colaboração de D. Sigaud e D. Mayer, além do economista Luiz Mendonça de Freitas. O conhecido historiador progressista e “Teólogo” da Libertação, Enrique Dussel mostra a posição agro-reformista, e pró Goulart216 de D. Motta: “O mesmo cardeal de São Paulo, C.C. de Vasconcellos Motta, propõe a Goulart uma reunião no instituto católico Frente Agrária para estudar a distribuição de terras aos que não a têm”.217

Na grande batalha ideológica travada em torno da Reforma 215 – Plinio Corrêa de Oliveira, Revolução e Contra Revolução, Parte II, Cap. V, 3-B. (Grifos nossos). 216 – Goulart, João – (1919-1976) – Presidente do Brasil entre 1962 e 1964. Pregava reformas de estrutura no sistema bancário, na administração pública, nos impostos e “a grande aspiração brasileira, a reforma agrária” que ele descreve como “uma ideiaforça irresistível”. “A Reforma Agrária não poderá jamais ser protelada (...)”. “A preocupação dele era a reforma agrária. Vivia com isso na cabeça. Era realmente sua ideia fixa”, recorda a viúva Maria Teresa Goulart. 217 – Enrique Dussel, Historia de la Iglesia en América Latina, Ed. Nova Terra, Barcelona, 1974, Coleção El sentido de la Historia, Vol 5 p. 279. (Grifos nossos).

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Agrária e do livro RAQC àquela época, o Cardeal Motta se colocou declarada e publicamente a favor da primeira e contra o segundo. Na obra Um Homem, uma Obra, uma Gesta já citado, se lê à página 69: “O Sr. José Bonifácio Coutinho Nogueira (Secretário de Agricultura de São Paulo) considerava a difusão do livro, neste Estado ‘inoportuna desde que poderá causar trauma ideológico no espírito dos católicos. Somente D. Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta está autorizado a falar em nome da Igreja em São Paulo e a ele cabe a última palavra sobre o assunto. Sabemos que a opinião de Sua Eminência é favorável ao projeto (de Revisão Agrária), conforme manifestação anteriormente feita, bem assim como de outro príncipe da Igreja, D. Helder Câmara, do Rio de Janeiro”.

Ainda o mesmo livro, na página 71 informa: “A imprensa diária publica o comunicado O livro Reforma Agrária –Questão de Conciência e o Episcopado Nacional (…) no qual o Arcebispo de Diamantina e o Bispo de Campos refutam declarações do Cardeal Motta, Arcebispo de São Paulo, feitas contra RA-QC na imprensa internacional (‘Informations Catholiques Internacionales’, Nº. 158, 15-12-61). (Grifos nossos)”.

Referindo-se ao mesmo fato e dando mais detalhes interessantes o Pe. Charles Antoine escreve: “Nota 25. Ver a declaração do cardeal Motta na revista Informations Catholiques Internationales de 15 de dezembro de 1961 a propósito da “opinião dissonante de dois bispos”, e a resposta destes em “Secção Livre” do jornal O Estado de São Paulo de 12 de abril de 1962. Sem dúvida o episódio pode ser visto como a fonte da crescente hostilidade de certos setores católicos de São Paulo contra o Cardeal Motta. Com efeito, este é violentamente atacado em 1963 e 1964 a propósito do semanário católico de esquerda ‘Brasil Urgente’ e em razão do apoio prestado ao Ministro da Educação, Paulo de Tarso. Algumas semanas após o golpe de estado de 1º de abril de 64, exatamente em 25 de abril, o

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Cardeal Motta deixa a sede de São Paulo pela de Aparecida, santuário mariano do Brasil”.218

Assim, 25 dias depois da intervenção militar de 1964 contra o Presidente filo–comunista João Goulart, D. Motta solicitou sua transferência da Arquidiosese de São Paulo para a recente diocese de Aparecida, da qual ele era administrador provisório, ficando como Arcebispo de Aparecida do Norte até sua morte. – Um fato significativo: destino da vítima e do carrasco Quando o Dr. Plinio completou 60 anos, em 1968, a TFP em peso foi com ele a Aparecida do Norte. Enquanto centenas de membros da TFP portando seus estandartes vermelhos com o leão dourado, postados em frente à antiga Basílica, agradeciam a Nossa Senhora o aniversário de seu fundador, pôde-se ver que por trás de uma janela do Palácio Episcopal, o cardeal Motta corria um pouco a cortina – contrafeito como se poderia imaginar – para constatar o resurgimento de quem fora sua vítima e, ao mesmo tempo, o ocaso daquele que fora seu verdugo.

4. Clarinada da contra-ofensiva: Interpelação ao Assistente Eclesiástico da Ação Católica no Rio de Janeiro e Pastoral de Dom Mayer A. Carta a Dom Helder Câmara Quando nossa situação começou a se recompor – prosegue Dr. Plinio – o problema com que eu tive que me defrontar foi especificamente esse: Nós ruímos, mas percebia-se que restava alguma coisa da glória de outrora, como a luz de um pôr de sol. Percebia-se que muita gente não tinha ideia da crise me218 – Pe. Charles Antoine, O Integrismo Brasileiro, Ed. Civilização Brasileira, 1980, pp. 27-31. (Grifos nossos).

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donha que lavrava dentro da Igreja, e que portanto não estava cumpliciada com essa crise. E que se nós agíssemos, ainda podíamos salvar boa parte dos contingentes perdidos. E podíamos fazer aos que eu chamaria aqui de católicos intermediários o convite de São Luís Grignion: Quem é de Deus, una-se a nós! Era preciso fazer isso. Agora, como fazer? Um dos primeiros passos para levantar o estandarte foi dar uma clarinada, para dar a entender ao público que todos os ideais defendidos e sustentados no Em Defesa continuavam de pé. E que aquela corrente, a nossa, já agora em novas fortificações, oferecia um reinício de batalha. Para isso foram adotadas duas medidas: Uma era a declaração de guerra ao outro lado [os progressitas]. Porque era bom que o outro lado sentisse que havia começado a guerra. E depois o seguinte: O Dr. Ablas era Presidente da Ação Católica de Santos, e era muito meu amigo. Eu ia com certa frequência a Santos, e todas as noites, íamos a casa dele. E sem ter que fazer rodeios, porque a posição dele conosco era muito leal. Propus-lhe: – Ablas, você podia nos prestar um favor, que é o seguinte: você escreve um ofício da Ação Católica de Santos a Dom Helder Câmara, Assistente Eclesiástico da Ação Católica no Rio, dizendo a ele que tinha chegado tal aprovação da Santa Sé para o meu livro e que você, de outro lado, tinha ouvido falar muito mal desse livro, e queria saber da Ação Católica do Rio, caput et mater de todas as demais – uma vez que era da capital federal – o que é que deveria achar desse livro, e se seria conveniente que a Ação Católica de Santos fizesse propaganda do livro. O Ablas gostou muito da ideia e dentro de poucos dias a carta estava em mãos de Dom Helder, que não respondeu, mas ficou sentindo. 333


Foi como naquelas batalhas medievais em que um de cada lado saía, cantava um hino e depois começava a guerra. Assim também levantamos a luva. B. Pastoral de Dom Mayer De outro lado, Dom Mayer lançou uma pastoral como Bispo, defendendo todas as teses do Em Defesa. Assim, a carta da Santa Sé apoiando o meu livro, mais um Bispo que retoma aquelas teses todas, era uma coisa arrasadora. Ainda mais por isto: naquele tempo considerava-se medonho dizer que havia cisão no Episcopado. Aliás, é uma coisa feia mesmo. Hoje [década de 80 e 90] nós estamos super habituados, mas naquele tempo era medonho. E eles o evitavam quanto possível. Dom Mayer corajosamente tomava a seguinte posição: eu penso assim, se alguém ousar dizer que não pensa assim nas fileiras do Episcopado, eu brado: olha a cisão! Imprimiu-se a Pastoral de Dom Mayer intitulada “Carta Pastoral sobre Problemas do Apostolado Moderno” e a pequena pré-TFP começou a fazer propaganda por vários lados, na Universidade Católica, etc. Na Universidade Católica, antes e depois das aulas, eu encontrava o creme do outro lado. E via as caras desapontadas. Não ousavam me dizer nada. Porque se dissessem eu responderia: É um Bispo diocesano, que para sua diocese lança a pastoral que quiser. – Não, mas aqui em São Paulo não pode ser. – Ah! Então uma pastoral de um Bispo não pode circular na diocese do outro? É gravíssimo! Dê-me isso por escrito que eu vou consultar a Nunciatura. Naturalmente nossos meios de difusão eram pequenos, mas esses nós dominávamos, porque nós sabíamos 334


bem em que mãos colocar essa pastoral para sensibilizar os meios católicos de São Paulo, do Rio, de Belo Horizonte, etc. De fato, a colocamos, e a efervescência continuou. Quer dizer, nós saímos de nossas matas diretamente para a guerra, e dissemos como quem toca um clarim: Aqui está a bandeira da Rainha. Está de pé de novo! Lutemos, pois! Qual não foi a nossa surpresa agradável quando Dom Mayer recebe, de repente, pelo correio, sem mais nada, a pastoral dele traduzida para o italiano por um Arcebispo, Monsenhor Roberto Ronca219, Arcebispo efetivo de Pompeia, a antiga Pompeia dos romanos, nas adjacências da qual se foi construindo uma aldeinha. Monsenhor Ronca apenas embrulhou e enviou sem dizer nada. Dom Mayer escreveu a Monsenhor Ronca contando que arranjamos um jeito de publicar que tinha saído na Itália, por iniciativa do Senhor Arcebispo de Pompeia, uma tradução italiana. E eles [os progressistas] levando na cabeça sem poder dizer nada. Nossa situação era muito mais forte porque, de onde podiam nos expulsar? Nós éramos donos das nossas sedes. Não era como o porão do Legionário que era propriedade da paróquia de Santa Cecília. Aqui não: casas alugadas por nós. Não éramos uma associação religiosa dependente da Arquidiocese. Pelo direito canônico não dependíamos deles para nada. Fazíamos todas as coisas direito. Eles: bocca chiusa! Então, lentamente, lentamente, lentamente a batalha se tinha invertido. E a contra-ofensiva começava, em 219 – Ronca, Mons. Roberto – (1901-1977). Arcebispo titular de Lepanto e Prelado de Pompeia, na Itália. Traduziu por sua conta a Carta Pastoral de D. Mayer e a editou na Itália. Era direitista e dirigia o serviço de capelania de todas as prisões da Itália. Minha Vida Pública... p. 427.

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posições menos dominadoras, mas mais seguras, tratavase de subir. Muito poderíamos escrever sobre a Carta Pastoral de D. Mayer. Citamos a seguir, em nota, somente um texto do Pe. Ariovaldo.220 220 – “V. Uma Pastoral de D. Antônio de Castro Mayer, como um ‘Catecismo de verdades oportunas que se opõem a erros contemporâneos’. ‘Para se perceber melhor ainda a linha e a orientação do grupo de Catolicismo (sucessor do Legionário), torna-se realmente interessante a leitura de uma significativa Carta Pastoral de seu líder religioso, o Bispo de Campos, Dom Antônio de Castro Mayer (nota 99). Além disso, trata-se de um exemplo de posição cerrada (de direita conservadora) dentro do próprio Episcopado brasileiro, contra os erros ‘liturgicistas’ e ‘protestantes’ (nota 100). O próprio título da Pastoral já indica o seu espírito cerrado, apologético-combativo: Carta Pastoral sobre problemas do apostolado moderno contendo um Catecismo de verdades oportunas que se opõem a erros contemporâneos (N. 101). Neste documento, no capítulo que trata da Liturgia, em 13 proposições – seguindo uma explanação após cada uma –, Dom Castro Mayer opõe (em paralelo) 13 verdades ‘oportunas’ a 13 erros ‘liturgicistas’ (N. 102). Por exemplo, a primeira proposição, tratando da questão da ‘concelebração’ do fiel na Missa: Errado: ‘O fiel quando assiste à Santa Missa, e pronuncia com o celebrante as palavras da consagração, coopera para a transubstanciação e o sacrifício’. Certo: ‘O fiel é incapaz de concelebrar com o sacerdote, cooperando para a transubstanciação, porque lhe falta o Sacramento da Ordem que comunica tal capacidade’. Na segunda proposição aborda ainda o mesmo problema. Errado: ‘O fiel concelebra com o Padre o Santo Sacrifício da Missa’. Certo: ‘O fiel participa do Sacrifício da Missa’. Na terceira proposição trata da questão do uso do Missal pelos fiéis. Errado: O fiel, com o Missal, participa, sem o Missal apenas assiste à Missa. A este erro Dom Castro Mayer opõe a verdade ‘oportuna’: ‘A participação do fiel no Santo sacrifício da Missa consiste na união com as intenções do Sumo Sacerdote, Jesus Cristo, e do Sacerdote celebrante. Qualquer método – Missal, Terço, Meditação, etc – será perfeito se for eficaz para produzir esta união’. Na quarta proposição segue tratando ainda da questão do Missal, colocando como proposição errada esta afirmação: Na Missa devem-se excluir as orações privadas (Terço, Meditação, etc). A assistência à missa só deve ser feita “seguindo as palavras do Missal” e, “só a missa dialogada e ‘versus populum’ é coerente com a posição do fiel no Santo Sacrifício”. Como proposição certa, oposta a este erro, a Pastoral diz que o fiel tem toda a liberdade de escolher os métodos aprovados pela Igreja e que melhor contribuem para a sua participação no sacrifício. Porque aprovados pela Igreja, ‘são inteiramente coerentes com a posição do fiel no Sacrifício. Qualquer exclusivismo, neste ponto, é reprovável’. Na quinta proposição trata da questão do ‘altar em forma de mesa’:

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Outros textos figuram na Parte Sexta deste livro. Errado: ‘O altar deve ser em forma de mesa que lembre a Ceia Eucarística’. Certo: “‘Está fora do caminho quem quer restituir o altar a antiga forma de mesa’ (Mediator Dei, A. A. S. 39, p. 545)”. Vê-se como a “Mediator Dei” vai sendo encarada antes como um código de normas de organização do culto e de defesa da ortodoxia, do que propriamente como um corpo teológico-pastoral positivo. O sexto erro que se impugna refere-se à supressão paulatina da Comunhão extra-Missam e de todas as outras formas de piedade eucarística, por serem extra-litúrgicas. Dom Castro Mayer, na proposição certa oposta a este erro, responde: “Todas as formas de culto ao SS. Sacramento constituem preciosas formas de piedade e como tais devem ser encorajadas. Embora se deva aconselhar a Comunhão intra-Missam, a recepção da SS. Eucaristia fora da missa é um meio de participar regularmente do Sacrifício Eucarístico”. O sétimo erro impugnado reza que “a celebração simultânea de várias missas rompe a unidade do Sacrifício social”. A resposta é um categórico “não”. Aqui certamente Dom Castro Mayer exagera (extrapola) a possível expressão “não explicita o sentido social do Sacrifício” para “rompe a unidade do Sacrifício social”. O oitavo erro impugnado reza que “nos altares não deve haver imagens, além do Crucifixo”. A resposta igualmente é um “não”: não há nenhum inconveniente, desde que as imagens “não ocupem o lugar reservado àquele” (o Crucifixo). Nota 99: O documento é de 6-1-1953. Para referência bibliográfica, cf., supra, p. 293, nota 96. É opinião comum hoje no Brasil de que Dom Castro Mayer é o Bispo mais tradicionalista do país. Nota 100: No índice analítico da obra, sob o verbete “liturgicismo”, exatamente, vem o subverbete “renovação de erros protestantes, jansenistas, com indicação para as páginas “27 a 39” (exatamente as páginas de todo o Capítulo sobre a Liturgia!) (...). Nota 101: A pastoral é longamente exaltada pelo Catolicismo como um valoroso documento de combate a infiltração do liberalismo e do jansenismo no Brasil (cf. Carta Pastoral sobre problemas do apostolado moderno”, Catolicismo 31 (julho 1953), 1-2). O artigo aproveita para citar ainda outros significativos documentos que, como diz, são testemunhas da “efervescência” do liberalismo e do jansenismo no Brasil: a famosa “Instrução” do Mons. Rosalvo Costa Rêgo sobre “Vida litúrgica e práticas extra-litúrgicas”, de 17-10-1942 (cf. supra, p. 149-150), a Circular Coletiva do Episcopado Paulista sobre a questão litúrgica, de 27-11-1941 (cf. supra p.142-144), o Livro Em Defesa da Ação Católica, de P. Corrêa de Oliveira (sobre este assim fala: “Esta efervescência se manifestou também por polêmicas de vários órgãos de imprensa católica. Muito característico de tal situação foi que em 1943 o então Presidente da Junta Arquidiocesana de Ação Católica de São Paulo, Plinio Corrêa de Oliveira, tivesse publicado todo um livro sobre numerosos pontos controvertidos em matéria de A.C., livro este que deu ocasião aos pronunciamentos mais díspares, sendo de um lado elogiado pelo Emmº. Revmo. Sr. Cardeal Aloisi Masella, na ocasião Núncio Apostólico, e aprovado por numerosos Srs. Arcebispos e Bispos, e de outro lado valorosamente atacado por numerosos elementos católicos de realce. E ainda mesmo

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5. Morte de Dom Cabral O fim de Dom Cabral – prossegue Dr. Plinio – foi muito triste. Teve um derrame cerebral, e não se sabia se estava lúcido ou não. Não falava; se lhe davam comida ele engolia, se lhe davam água, bebia. Perdeu também o senso da direção, de maneira que se o levavam para andar, para fazer um pouco de exercício, andava cambaleando no jardim do Palácio dele. E a única distração que tinha durante o dia era fumar um charuto que lhe punham aceso na boca, porque era fumante. Quando lhe acendiam o charuto e o punham na sua boca, começava a sorver e a expelir a fumaça. Era sinal de que estava querendo aquilo. Davam-lhe um charuto por dia para fumar, não fazia mais nada. Não dizia uma palavra, não se movia. Estava como um morto, embora sentado. Ficou alguns anos assim e morreu.

depois da carta de louvor que, em nome de Sua Santidade, o Exmo. Revmo. Mons. J. Montini, então Substituto da Secretaria de Estado, escrevendo ao autor, a discussão a propósito do livro não cessou inteiramente” – “Carta Pastoral sobre problemas do apostolado moderno”, art. cit., 1) e a “admirável” Carta da Sagrada Congregação dos Seminários aos Bispos do Brasil. Cita ainda outros documentos, como a conferência do Mons. Castro Mayer em Piracicaba, a 9-12-1948 (cf. supra, p. 327, nota 75), uma Circular do Bispo de Campos antes de Dom Mayer, Dom Octaviano P. de Albuquerque, na qual, entre outras coisas recomenda a leitura do livro de P. Corrêa de Oliveira; e um discurso de Dom Geraldo Sigaud, numa concentração mariana em Porto Alegre em 1948 (a estes últimos não nos foi possível acesso). Nota 102: Na verdade, o documento é atraente pela sua clareza de exposição”. Pe. Ariovaldo op. cit. pp. 330-332. (Grifos nossos).

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Capítulo X Alcance da luta travada contra a Ação Católica 1. O papel do Em Defesa Em 1972 o Dr. Plinio afirmava o seguinte: A Revolução na Igreja no Brasil estourou por volta de 1935-40, e tomou continuamente certa nota ideológica, de cúpula a cúpula, com a base se movendo muito mais tendencialmente. Por quê? Como se tratava de incutir uma heresia – a heresia progressista – essa heresia tinha que se formular dentro da Igreja em termos doutrinários ideológicos ou não existir. Porque como todo mundo tinha aprendido o catecismo, isso supunha uma obra de demolição doutrinária. O papel do Em Defesa foi o seguinte: Havia uma minoria conservadora que notava o perigo progressista e que queria reagir. E uma grande mole compacta, regada a água benta, consuetudinária, mas com intenção de se conservar ortodoxa, conhecendo o catecismo e com a intenção de ser fiel ao catecismo. Bem, esta base vendo aparecer o pessoal da esquerda, começava a aderir, mas vendo aparecer gente de cúpula que prevenia contra a esquerda, eles se encolheram. Quer dizer, eles pararam e não aceitaram nem uma coisa nem outra, e com isto a Revolução estancou durante muito tempo. Até que viesse o pontificado de João XXIII, o Concílio e a difusão no Brasil de uma organização que são os Cursilhos de Cristandade, que fizeram a obra que a Ação Católica fez. Essas três influências conjuntas produziram uma evolução de boa parte dessa mole para a esquerda. 339


Dr. Plinio fazia esta afirmação numa reunião em 1972, como dissemos. O efeito do livro Em Defesa e a reação que provocou como freio à Revolução é reconhecido por adversários do Autor. [Ver Parte VI]. De qualquer maneira, algo podemos adiantar ao leitor com o seguinte depoimento de Tristão feito em 1980. Em carta dirigida ao Pe. Ariovaldo assim ele se expressa: “1. Realmente os dois cardeais com quem tive certa/ ou muita, no caso de Dom Leme, intimidade, tiveram medo ou aversão ao movimento litúrgico. Dom Leme. Dom Jaime. Acredito que seja pelo mesmo motivo de temor de inovar, que lhes ficou da reação antimoderna/ou antimodernista de Pio X. Nossos bispos, em sua maioria, eram extremamente conservadores. E consideraram o movimento litúrgico, como um... modernismo. Só o Concílio Vaticano os despertou, tanto para a renovação litúrgica como para o movimento social. Hoje a C.N.B.B. está totalmente imbuída (totalmente não, mas ‘pluralisticamente’), como acaba de escrever o Papa [João Paulo II] em seu depoimento a jornal de Cracóvia”.221

Sigamos com Dr. Plinio: Por volta de 1937-38, o clero, em linhas gerais, se tinha em conta de ultramontano e apoiava bastante nossas atitudes. Quando começamos a luta contra a Ação Católica, padres que passavam por zelosos, direitistas, se distanciaram de nós sob pretexto de que “o senhor Arcebispo está sofrendo muito por causa do Mayer e do Plinio”. Não se analisa o lado teológico, o lado doutrinário, não se analisa nada. É preciso não entristecer o senhor Arcebispo. Então, todo esse clero decente não aderiu à Ação Católica, nem a esses erros progressistas, mas também 221 – Pe. Ariovaldo, in Apêndice XV, Carta de Alceu Amoroso Lima de Petrópolis, 2-880, op. cit. p. 367. (Grifos nossos).

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não aderiu ao nosso lado. Depois, lentamente, foi aderindo ao progressismo. Todos eles estão colocados nesses erros. Não são da esquerda católica, mas são do centro complacente, são da terceira-força. Em 1994, Dr. Plinio afirmava: Propriamente a denúncia do Em Defesa não foi a seguinte: Nós publicamos e todos disseram: Ah, é verdade. Nós publicamos e eles criaram em torno de nós uma atmosfera de caluniadores da autoridade eclesiástica, rebeldes contra a autoridade eclesiástica, infectados de heresia, e em relação aos quais era preciso, portanto, que todo bom católico se afastasse quanto possível. Mas uma coisa ficou de pé: quando eles estavam apenas começando, nós demos a paulada. Como foi isto? Muita gente não acreditou na autenticidade dos fatos que nós denunciamos, mas à medida que eles [os “católicos” revolucionários] iam para frente eram obrigados a fazer o que estava previsto. Quer dizer, o verdadeiro alcance do Em Defesa não foi o seguinte: Vocês não poderão ir para frente. Foi outro: Vão para frente, que no fim do caminho vocês estão desmascarados por nós. Porque dadas as ideias que vocês têm, vocês não podem deixar de manifestar essas ideias para propagá-las. Quando vocês se manifestarem, aqui está o livro escrito com 20 anos de antecedência e que amarra vocês. Então a denúncia foi mais sutil do que essa pura denúncia assim: Aqui está e os outros dizem: É verdade. Não, foi um longo tempo de isolamento nosso e de perseguição contra nós. O verdadeiro foi a atrapalhação nas bases depois de nós termos aguentado um silêncio que parecia a derrota completa, certos de que quando eles tivessem 341


percorrido aquela etapa do caminho eles estavam liquidados.

2. Aquilo que parecia uma derrota foi uma vitória No fim da década de 80, sempre fazendo o balanço de sua luta contra a A. C., Dr. Plinio sustenta: A minha vida tem um roteiro na realidade e outro na aparência. Anos e anos de isolamento, de esmagamento, de nulidade de ação, de falta de horizontes abertos para qualquer lado. De repente, como certos fogos de artifício, aquilo sobe, sobe, sobe e chego até deputado federal, com votação assombrosa. Dir-se-ia: Tudo se realizou. Em certo momento a Providência pede: Olhe, eu lhe dou isso e agora faça o que Abraão fez com Isaac. Mate a sua criança! Ofereça, queime. Você vai escrever um livro em que você vai ser jogado ao que você era no começo, [antes de entrar no Movimento Católico] e até pior do que era no começo. Pegue a sua obra e queime! Eu quero para mim o incenso de suas esperanças destruídas. Foi isso! E então entro nos subterrâneos que não acabam mais. Mas aquilo que parecia um zero, parecia um suicídio, um kamikase, foi uma vitória. No momento de escrever o Em Defesa da Ação Católica, pensei o seguinte: Se eu escrevo esse livro, eu vou voltar para o período do isolamento. Porque esses cinco ou seis companheiros que eu tenho, são de uma firmeza muito discutível. Eles são novos ainda, não experimentaram nada que eu passei, não conhecem nada. De maneira que eles se desgarram de mim na primeira ocasião, e eu vou voltar para a estaca zero. Então, tudo foi um imenso desapontamento, um 342


imenso naufrágio no começo222; depois, de repente, uma glorificação em que eu vou para as estrelas223; e depois, de repente, eu sou jogado do alto das estrelas para o fundo do mar224. Quais serão os desígnios de Nossa Senhora com isso? Que desígnios Ela tem comigo? Mas o que eu quero não é mais nem menos para mim, o que eu quero de um querer querido, de um modo acharné, é a destruição da Revolução e a vitória da Contra-Revolução. Se para isso for necessário que eu me ofereça desta maneira, eu me oferecerei [como vítima expiatória], não tem dúvida. Mas não me parece que isso seja o caminho. Tudo dentro de minha alma fala num sentido contrário. Eu vou andando e agora vou imergir novamente no silêncio, ignorado por todos, decadente e jogado num canto. Eu vou entrar por aí e vou ter que restituir tudo quanto Nossa Senhora me deu. Deus deu, Ele tirou, Ele que seja louvado! Vamos embora para o fundo – nesse momento queria dizer para baixo – para a escuridão. Não faltou quem, entre meus amigos, me dissesse nesta ocasião das coisas mais duras. Enquanto atravessávamos a pé o Viaduto do Chá, um me disse: Você se dá conta que você foi um homem célebre, mas não é mais? Eu notava que existia um enorme zunzum em torno de mim, dizendo: O Plinio decaiu. Eu respondi para ele, mas certo que não estava fazendo um jogo de palavras, eu estava certo que dizia a verdade para ele: Eu sei que eu sou célebre pelo fato de ter perdido a celebridade. 222 – Trata-se do período de completo isolamento do Dr. Plinio, prévio ao ingresso nas Congregações Marianas. 223 – A eleição de Dr. Plinio, aos 23 anos de idade, como deputado para a Constituinte. 224 – As represálias sofridas por Dr. Plinio pelo fato de ter escrito o Em Defesa.

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Ele não soube como responder, resmungou qualquer coisa e continuamos a andar.

3. Na aparência, os irremediavelmente derrotados éramos nós; na realidade era a Ação Católica Dr. Plinio segue mostrando que com o livro Em Defesa começou a denúncia da crise na Igreja: Pode ter havido pelo mundo um ou outro indivíduo que tenha reagido contra um ou outro aspecto da crise da Igreja. Houve gente na Austrália, por exemplo. Mas a questão é a seguinte: é num ponto. De repente, um se insurge contra danças, outro protesta contra não sei o quê. Essas coisas assim. Mas tomar como um bloco, e no caso da Ação Católica já exprimir tudo, e iniciar uma luta total, e difundir pelo mundo 15 organizações postas nessa luta total, isso só fez a TFP! De maneira tal que teria sido uma coisa desconcertante ao máximo que tudo isso se passasse com essa gravidade, sem que da Igreja tivesse partido alguém que desse um brado. Agora, o brado foi dado, tão pequeno, que foi por um grupo numericamente pequeno, gravemente prejudicado no seu prestígio e na sua capacidade de ação pelas derrotas que sofreu, posto no canto, e esmagado, mas que deu o brado total! Para dizer como foi a realidade inteira: o Grupo no seu pináculo, ainda com todo o seu prestígio, recebeu um ultimatum daquele amigo que me veio ameaçar, [a quem nos referimos na Parte IV, Cap. 5 – B], que evidentemente era um recado, e eu declarei: Eu prefiro me liquidar a pactuar, e vou dar o brado! Aí o brado foi dado heroicamente. E de fato a Ação Católica desapareceu no Brasil e foi murchando no mundo. Ela murchou. Na Parte VI deste trabalho transcrevemos textos de adversá344


rios do Dr. Plinio que confirmam o fracasso da Ação Católica no Brasil e no mundo após o lançamento do Em Defesa. Especialmente significativas são as palavras de Tristão de Athayde, como se poderá ver. O Progressismo – continua Dr. Plinio – recomeçou com outros aspectos, mas não é o que teria sido se a Ação Católica tivesse dado resultado. E isso é com o sacrifício de tudo, e passando pela provação de parecer já derrotado irremediavelmente.225 Em Defesa da Ação Católica foi o primeiro toque de clarim que ecoou nos ares do Brasil como advertência da catástrofe progressista que ia começando e que levou a Santa Igreja de Deus ao estado de ruína. Ruína que não é completa só porque a Igreja é imortal, porque Ela tem da parte de Nosso Senhor a promessa da imortalidade. Com pouco mais de mil exemplares vendidos nas livrarias, a Ação Católica emperrou! Em menos de meio ano depois de sua publicação, Em Defesa da Ação Católica tinha dividido a opinião católica brasileira da cabeça até a base: Bispos e clérigos manifestaram‑se publicamente a favor ou contra o livro, e a Ação Católica, transformada numa fortaleza de ideias progressistas, sofreu um golpe do qual ela jamais se recobrará. Entre as dezenas de documentos que temos em mãos mostrando a divisão da opinião católica brasileira depois do Em Defesa, citaremos nesta parte tão-só quatro autores, deixando outros para a Parte VI. A – O brasilianista progressista norte-americano Ralph Della Cava226 se pergunta: “Quando começou a divisão? [no clero]”. 225 – Palavras ditas pelo Dr. Plinio em 1988. 226 – Della Cava, Ralph – (1934). Historiador, antropólogo e escritor norte-americano. Co-diretor do programa de pesquisa sobre Catolicismo e Sociedade no Brasil do pós-guerra. É pesquisador do Instituto de Estudos Americanos da Universidade de Colúmbia e especialista em história moderna do Brasil. Em 1969 acertou a criação

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Depois de dar a opinião de outros autores que a situam nos anos 60, ele emite a sua: “A verdade do assunto é que os bispos discordantes de 1960, [com setores do Episcopado por ocasião da Reforma Agrária], Dom Antonio de Castro Mayer, de Campos, e Dom Proença Sigaud, de Diamantina, e o fundador leigo da TFP, Professor Plinio Corrêa de Oliveira, tinham previamente unido as forças como militantes da Ação Católica nos últimos anos da década de 30. Em 1943, os três denunciaram a Ação Católica Brasileira (ACB) por “modernismo” (…) e em 1951 fundaram e colaboraram no semanário católico conservador, “Catolicismo” (…). Se a rachadura se originou nos últimos anos da década de 30, então duas outras perguntas merecem ser feitas. As diferenças no episcopado dos anos 60 poderiam ter começado como diferenças políticas nos anos 30”.227

B – Por outro lado, o padre francês Charles Antoine, também brasilianista e progressista coloca as origens da divisão na mesma época, por ocasião da luta em torno da Ação Católica: “A evolução dos espíritos, provocada em e pela Ação Católica é de tal importância que se compreendem as reações violentas no seio mesmo da Igreja. É a época de germens promissores de renovação e de encarnação da fé. É também aquela de sementes de divisão. Os primeiros conflitos internos não tardaram.O Cardeal do Rio, Dom Jaime Câmara proibiu a Ação Católica em sua diocese. O grupo de católicos que pensou limitar a Ação Católica a um movimento de “espiritualidade” [uma das teses de Em Defesa] começou a se inquietar. O exemplo típico é o do intelectual católico, Gustavo Corção cuja influência tinha sido tão forte nas décadas precedentes e que vai virar cada vez mais para o integrismo. Alceu Amoroso Lima: Tristão de Athayde, da mesma geração, é outro grande nome da inteligência católica vai, ao contrário, acompanhar e sustentar a evolução provocada pela Ação Católica. Quanto aos integristas, [leia-se

do American Committee for Information on Brazil, locado no Conselho das Igrejas, que deveria organizar denúncias e preparar dossiê sobre o regime militar. 227 – Ralph Della Cava, Catholicism and Society in twentieth Century Brasil, Editora: Latin American Studies Association-University of North Carolina, Cidade: New York, 1975. Coleção: Latin American Research Review, p. 34. (Grifos nossos).

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anti-modernistas ou seguidores do Dr. Plinio], eles se separaram ruidosamente deste esforço pastoral e fundam em São Paulo, em 1960, um movimento para conservar os valores tradicionais e contra o reformismo social. As opções se definem e as primeiras linhas de ruptura apareceram”.228

C – Os Padres “Teólogos” da Libertação, Francisco Catão e Magno Vilela, consideram também que a ruptura nos meios católicos se deu por ocasião das controvérsias em torno da Ação Católica. Com o subtítulo ‘Sinais de ruptura’, afirmam: “Havia no ar sinais de ruptura entre as várias correntes católicas brasileiras. D. Leme (1882-1942), à época cardeal do Rio de Janeiro, não queria um “partido católico” nem expedições guerreiras contra os comunistas. “Nossa missão é facilitar o encontro”, dizia ele. Sob sua respeitada orientação moderadora, a Ação Católica conseguiria guardar um espaço próprio de expressão do ideário religioso e apostólico, que a animava. Para tanto, criou revistas de informação e debates, assim como institutos de estudos superiores, promovendo inclusive renovações litúrgicas. Descontentes, os seus militantes extremados partiram ao ataque. Entre eles, havia padres e leigos que sabiam poder contar com o apoio de alguns bispos. A título de exemplo, mencionemos o caso do jesuíta Pe. Arlindo Vieira. Em nome do que julgava ser a sã ortodoxia católica, ele iniciou uma polêmica mal humorada contra o filósofo e leigo católico Jacques Maritain, cuja obra inspirada no pensamento de Tomás de Aquino vinha servindo de respiradouro para muitos intelectuais cristãos. (…) Mas a polêmica continuaria sob outra forma, pois, o que [...] realmente visava eram as posições assumidas pela Ação Católica brasileira, combatida também por alguns de seus membros. Assim ocorreu com (…) Plinio Corrêa de Oliveira (...) atualmente chefe do grupo integrista TFP, àquela época ele era o Presidente de uma seção da Ação Católica.

228 – Pe. Charles Antoine, L’Eglise et le pouvoir au Brésil, Editora Desclée de Brouwer, Paris, 1971, p. 47-48. (Grifos nossos).

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Para consagrar a ruptura, ele lançou um livro, por antítese, intitulado Em Defesa da Ação Católica. Desde então foi amparado por alguns Bispos e Padres. Passou a ter, a seu pleno dispor, uma plêiade de discípulos fiéis e obedientes. (…) Mas aqueles tempos eram certamente de turbulência e prenúncio de rupturas. Algumas personalidades evoluíam do integralismo para posições progressistas ou de esquerda, levando consigo ou deixando pelos caminhos as convicções religiosas. Outras faziam o itinerário inverso, rejeitando o comunismo e convertendo-se ao catolicismo.

Mais adiante os mesmos padres continuam, agora tratando da JEC, da JUC e da Ação Católica, deixando evidente a ruptura produzida: ‘(…) Ação Popular [movimento socialista] era o nome dado ao movimento político organizado por parte de militantes da JEC e da JUC, para servir de continuação à luta começada no âmbito da Igreja e da Ação Católica. As contradições se haviam aguçado a tal ponto que o espaço religioso já não parecia capaz de dar guarida a tantas manifestações e anseios (…). Preocupados com a politização crescente dos movimentos de Ação Católica, vários bispos brasileiros procuraram retomar o controle da situação. Para tanto, afastaram ou demitiram assistentes religiosos. Tentaram influir nas pautas de discussão. E fecharam suas dioceses à penetração da JUC e da JEC (...). O movimento da Ação Católica continuaria ainda por algum tempo, mas as rachaduras não eram só de fachada. Uma voz episcopal, a de D. Cândido Padim, assistente nacional da JUC, levantou-se em defesa do movimento e de seus militantes. Mas, ressalvadas as exceções, o episcopado brasileiro não estava disposto a dar continuidade ao “mandato” que tinham outorgado aos leigos católicos. (…).’

E referindo-se ao golpe de 64 afirmam: Na realidade, o problema era social e político, e não meramente militar. Diante dele, a Igreja, enquanto conjunto de cristãos estava dividida”.229 229 – Francisco Catão e Magno Vilela, in O Monopólio do Sagrado, Editora Best Seller, São Paulo, 1994, pp. 179-181, 198, 200. (Grifos nossos).

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Sobre a doutrina do “mandato” ver Parte que segue.

4. O Em Defesa é o nosso maior título de glória Continua Dr. Plinio: O Em Defesa tem todo o aspecto de um pulo taticamente errado, que trouxe nossa derrota. Mas analisando o II romano da história, o Em Defesa é hoje [1994] o nosso maior título de glória. Mais do que o Livro da Nobreza [‘Nobreza e elites Análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza Romana’], mais do que ‘Revolução e Contra Revolução’, no seguinte sentido: está ali no [Em Defesa] profetizado tudo quanto depois aconteceu. O mais importante do livro não é aquela argumentação contra os erros do modernismo, mas ter denunciado o renascimento do modernismo, o que é que ele queria, e aonde por meio das reformas iniciais, ele queria chegar. E a reforma completa que ele [modernismo] está levando a cabo agora.230 Nesse sentido, os autores da Revolução se desmascararam todos quando se atiraram em cima de nós. Porque ficou claro que os feridos eram eles. E haverá um momento em que o Em Defesa vai ser o nosso maior título de glória. [13-10-94].

5. Na aparência travávamos uma batalha de sacristia, mas mudamos o curso da história Pouco tempo depois que a Ação Católica se funda, começa o recesso das congregações marianas. E eu percebo que toda aquela gesta de que eu me entusiasmara, 230 – Sobre isto tratamos na Parte que segue, ao fazer um resumo do livro.

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estava sendo metralhada a partir do Ministério [eclesiástico] e não a partir do adversário. E que ali onde eu pusera toda a minha confiança de filho, todo o meu afeto de servidor, dali vinha o golpe. Uma coisa é disparar [ideologicamente] contra um comunista, outra é entrar em desacordo com seu próprio Pastor. Batalha sim, mas sem campo de batalha, batalha de sacristia. Batalha feita não de polêmica, mas de palavrinha dita ao ouvido, de pequenas manobras daqui, de lá e de acolá para deslocar aquilo, para retificar aquilo outro. Uma batalha que me fazia lembrar o horror que eu tivera quando, pelo fim da Primeira Guerra Mundial, me contaram que a guerra tinha mudado de aspecto, e que ao contrário do que eu pensava, tinha começado a guerra das trincheiras e que os soldados passavam grande parte do tempo da luta dentro da trincheira, na lama. E que as trincheiras eram o paraíso das baratas, dos ratos e de coisas desse gênero. E que o soldado enquanto não saía da trincheira para ir matar, ficava lutando contra as pulgas, ratos e baratas dentro da própria trincheira, na lama, na fome e na inércia. Às vezes meses sem fazer nada, perguntando-se do que é que servia. Tinha pensado comigo: Eu me encontro na guerra de trincheira. Ratos, baratas, pulgas de toda a ordem, por assim dizer, me cobrem o corpo. Tomam-me o tempo e entro na guerra suja, feia, úmida, da trincheira. Quer dizer o quê? Dentro dos meios católicos muito fechados de então, uma batalha interna disputando pessoa por pessoa, alma por alma, posição por posição, medindo palavra por palavra nas polêmicas do Legionário. Mas era uma guerra de milímetros, de semi-vocábulos, de matizes, de nuances, continuamente ajeitadas porque senão se perdia a batalha. E assim mesmo, apesar de tudo, a batalha 350


ia sendo cada vez mais perdida, cada vez mais perdida, mais perdida. Até que tomou tal vulto que eu julguei ser preciso publicar o Em Defesa da Ação Católica. O Em Defesa da Ação Católica está escrito e concebido no estilo das velhas batalhas. É um livro peremptório, claro, que diz o que eu acho que devo dizer. E invocando a doutrina católica, eu com apoio nessa doutrina, faço um desafio. E o desafio é este: Se a doutrina católica não é esta, condenem-me; se a doutrina católica é esta, condenemse! Um dos dois lados não pode ficar em presença do outro. Vamos! Bem, sai o livro e eu tinha a sensação que tinha saído da trincheira. Qual não foi a minha surpresa quando vejo que as coisas correm de outro jeito e que eu, que saíra da trincheira e dera uns passos, era obrigado a afundar numa trincheira ainda mais profunda. De repente me chega da Santa Sé um elogio para o livro. Digo: Bom, ganhei a batalha! Silêncio. Eu não tinha dinheiro para publicar a carta em seção livre. Dois ou três jornais deram noticiazinhas. Quer dizer, uma grande vitória depois da difamação. Era a guerra feia, a guerra suja que começava. De lá para cá quase exclusivamente tivemos isso.

6. Uma consideração final Antes de encerrar esta Parte nos perece de grande utilidade para medir todo o alcance do Em Defesa da Ação Católica transcrever um balanço feito por Dr. Plinio a respeito da eficácia do livro tomando o conjunto da luta Revolução e Contra-Revolução no Brasil, na América do Sul e sua consequência no plano mundial. 351


São palavras dele extraídas de uma reunião do dia 2 de dezembro de 1991: Tenho como certo que se não tivesse sido publicado o Em Defesa da Ação Católica, a heresia que acabou penetrando por toda parte, teria penetrado muito mais e seria senhora do País. E se é verdade que ela se espalhou pelo Brasil de um modo tremendo, é verdade também que ela caminha limitada, mal à vontade, e com o passo cambaleante, porque houve algo que a freou. Disso eu tenho certeza. Há outro aspecto da questão, que é consequência disso. O livro Reforma Agrária – Questão de Consciência, [publicado em novembro de 1960], foi um tiro [ideológico] de tal eficácia, que a Reforma Agrária não se implantou.231 E não se implantou num momento no qual, se o fizesse, o comunismo tomava conta do País. Por quê? Porque o Presidente da República – João Goulart – era filocomunista. Os ministros eram esquerdistas. Os militares em evidência eram em boa parte também esquerdistas. Imaginem que a Reforma Agrária fosse aplicada no País nesse clima: tornar-se-ia ou não comunista o Brasil? Tornar-se-ia. Há vários autores alheios às fileiras da TFP que sustentam o que Plinio Corrêa de Oliveira acaba de afirmar. Antes de citar dois deles é preciso deixar bem claro que em incontáveis ocasiões Dr. Plinio afirmou, privada e publicamente, que a TFP não teve parte na intervenção militar de 1964. O que ela fez, foi uma grande campanha nacional contra 231 – A não implantação da Reforma Agrária à qual o Dr. Plinio se refere em 1991 continua até hoje. É o que afirma o líder máximo do agro-reformismo no Brasil, João Pedro Stédile, na seguinte declaração: “ ...a reforma agrária clássica, baseada em invasões, acampamentos e distribuição de terras, pela qual o movimento [MST] lutou por três décadas, está ultrapassada e perdeu a oportunidade histórica”, in iG São Paulo, 17-2-2014. (Grifos nossos).

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a Reforma Agrária – proposta pelo governo – a partir de 1960, difundindo o livro Reforma Agrária – Questão de Consciência, mostrando que a Reforma Agrária era de caráter socialista e confiscatória e contrária à doutrina social da Igreja, especialmente por violar dois mandamentos do Decálogo: “Não roubarás” e “Não cobiçarás os bens alheios”. Assim se criou um problema de consciência nos católicos, que teve como consequência a criação de um clima psicológico que revitalizou as forças anticomunistas dos mesmos. Seguem as citações: O Dr. David Allen White, na sua obra The Mouth of the Lion, faz uma longa descrição sobre a vida e obra de Plinio Corrêa de Oliveira e da TFP. Extraímos aqui só a parte que interessa para ratificar o que o Dr. Plinio afirma. “Deste debate [sobre a Reforma Agrária no início dos anos 60] surgiu um novo grupo (…) que haveria de exercer grande influência no futuro do Brasil: a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, mais frequentemente chamada Tradição, Família e Propriedade, ou, abreviadamente, TFP. Esta nova instituição tinha sede em São Paulo, mas logo encontrou simpatizantes em todo o país e, pouco depois, expandiu-se em nível internacional. O principal porta-voz e os membros mais conhecidos do novo grupo eram Plinio Corrêa de Oliveira, Dom Geraldo de Proença Sigaud, o Bispo de Jacarezinho que logo haveria de ser elevado a Arcebispo de Diamantina, no estado de Minas Gerais, e Dom Antônio de Castro Mayer, Bispo de Campos, no estado do Rio de Janeiro. O movimento tinha evidentes raízes católicas. Os três homens que eram os principais porta-vozes da organização em seus primeiros anos deixaram bem claro como ela era inteiramente católica. (…) A TFP saiu a público em forte oposição ao movimento favorável à reforma agrária. Sua mais poderosa arma apareceu em forma de livro, concebido por Plinio e escrito com a assistência dos dois bispos e de um economista brasileiro, Luiz Mendonça de Freitas. Recebeu o título de Reforma Agrária - Questão de Consciência.

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(…) Plinio e os dois bispos continuaram a batalha nas páginas de Catolicismo e alhures. Seus esforços foram incessantes e sua influência profunda. Eles haviam provocado tal reação em todo o país que logo o movimento pela implantação das medidas socialistas tornou-se impossível. (…) O crédito pela derrota desse movimento [socialista] no Brasil vai para a forte aliança formada entre as forças (…) leigas da TFP e a inflexível visão católica de eclesiásticos firmes. Anos mais tarde o Arcebispo Marcel Lefebvre232 diria: ‘Devemos reconhecer que foi a TFP quem salvou o Brasil do comunismo’”.233

Por seu lado o padre francês, Charles Antoine, sustenta a mesma ideia: “Antes de 1964, a questão reforma agrária constitui a principal preocupação dos responsáveis da TFP. Receiam eles que a tendência “socializante” do governo Goulart possa recolocar fundamentalmente em causa o estatuto agrário. Contrapõem-se assim à corrente católica de esquerda favorável a uma reforma agrária do tipo socialista e representada principalmente pelo sindicalismo cristão do Nordeste. A discórdia que então se estabelece entre os católicos atinge o seu ponto culminante em 1963, por ocasião da discussão no Congresso de um projeto de lei nesse sentido, e na época em que o episcopado nacional dá oficialmente o seu apoio ao programa governamental das “reformas de base”.

Depois de fazer uma lista das principais atividades da TFP entre 1961 e 64, o Pe. Antoine conclui: “Os dirigentes da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, da Família e da Propriedade têm motivos para es232 – Lefebvre, Mons. Marcel – (1905-1990). Ordenado sacerdote em 1929. Em 1930 entrou para a Congregação do Espírito Santo. Sagrado Bispo em 1947, nomeado delegado apostólico para a África francófona e, em 1955, Arcebispo de Dakar. Deixou este cargo em 1962 e assumiu o título de Arcebispo de Tulle. De 1962 a 1968 foi superior geral da sua Congregação. Constituiu, em 1970, a Fraternidade Sacerdotal São Pio X na diocese de Friburgo, Suíça. Roberto de Mattei, op. cit. p. 304. 233 – Dr. David Allen White, The Mouth of the Lion Editora Angelus Press. Cidade: Kansas City, 1993, pp. 80-84. (Grifos nossos).

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tar contentes: obraram bem para impedir que o regime resvalasse para a esquerda”.234

Mas – continua Dr. Plinio na mesma reunião – se o comunismo tivesse se implantado no Brasil, muito provavelmente teria contagiado pelo menos vários países sul-americanos, senão todos. Pois bem, imaginem a Rússia, com a crise pela qual passa, mas contando com toda a América do Sul, é ou não verdade que estaria muito mais desafogada, e os comunistas não teriam entregado os pontos como entregaram, e toda a situação do mundo seria diferente? Toda essa crise do comunismo se deveu que, a partir da TFP, houve um lance contra a Reforma Agrária que... Não preciso contar o resto. Portanto, a atual crise do comunismo existe, porque nós impedimos que toda uma linha auxiliar do comunismo [o clero progressista] andasse e colaborasse com ele, a qual o teria tirado da difícil situação em que se encontrava. Além do mais não foi só Reforma Agrária – Questão de Consciência, senão tudo o que foi feito pelas várias TFPs [que se poderia chamar de especializado, denunciando sistematicamente a penetração da Revolução nos meios católicos]. Tudo isso é um fluxo que impediu e coarctou a expansão do comunismo enormemente. Os senhores calculem o proveito que o comunismo teria tirado de uma América do Sul comunista, considerando quanto proveito ele tira de uma Cubinha comunista. Está aí! O proveito que eles [comunistas] tiram de Cuba está patente aos olhos de todo o mundo. Bem, se isto é assim, imaginem com toda a América do Sul até onde as coisas teriam andado... E, se [o 234 – Pe. Charles Antoine, O Integrismo Brasileiro, Editora Civilização Brasileira, 1980, pp. 37-31. (Grifos nossos).

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comunismo] não chegou até lá, foi porque a TFP fazia essa força. Mas a TFP teve força porque o Episcopado não podia se declarar comunista, por causa do tiro anterior do [livro] Em Defesa da Ação Católica.235 Quando eu escrevi esses livros, [Em Defesa, e Reforma Agrária – Questão de Consciência] não estava prevendo uma concatenação assim. Tinha uma ideia vaga. Sabia que era meu dever escrevê-los. O resultado é que nós sem percebermos bem – vou dizer mais, tomando isto como um sonho, se fosse dito na época em que os livros saíram; parecia um sonho – olhando retrospectivamente, compreendemos o que se passou. Então temos diante de nós isto: nós lutamos para mudar o curso da História. E, com o favor de Nossa Senhora, mudamos! Isso nós devemos evidentemente a Ela. Mas podemos dizer que fomos os instrumentos d’Ela para isso. E que, portanto, damos graças a Ela por ter querido servir-se de nós. Mas em algo correspondemos à graça e a tarefa está feita. * * * Damos aqui por terminada esta Parte, composta de uma concatenação de extratos de algumas reuniões nas quais Plinio Corrêa de Oliveira relatou a história de Em Defesa da Ação Católica e as citações e comentários que colocamos para completar o quadro. No Apêndice V publicamos trechos do Dr. Plinio que, de um ou outro modo, dizem respeito ao mesmo tema.

235 – Para confirmar o que Dr. Plinio está sustentando ver Parte VI deste livro.

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Parte V

Em Defesa da Ação Católica Nesta Parte, passamos a transcrever os trechos do Em Defesa que despertaram mais odio nos revolucionários e que, ao mesmo tempo mostram, após mais de setenta anos, a atualidade da obra – especialmente tendo em vista a era pós-conciliar, e de modo particular o pontificado de Francisco I – evidenciando assim a caráter profético da obra. É muito difícil resumir o pensamento de Plinio Corrêa de Oliveira, posto que ele exprimia suas ideias com muita clareza e de modo sintético. Assim sendo, pareceu-nos melhor transcrever diretamente os textos que selecionamos do próprio livro, conscientes de que tornam mais longo o trabalho, mas dada a importância para o presente e para o futuro do assunto aqui tratado, seria o mais razoável que poderíamos fazer. Levou-nos a esta decisão o fato da matéria ser muito delicada e cheia de matizes, razão de nosso receio em não expô-la de modo preciso, o que poderia conduzir o leitor à certa confusão.236

Prefácio do Núncio Apostólico ao livro Em Defesa da Ação Católica Uma vez que acima figura a carta da Santa Sé elogiando o livro, veremos a seguir a íntegra do Prefácio do Núncio Apostólico Dom Aloisi Masella. Segue o texto:237 “Certo escritor moderno definiu a Ação Católica “uma es236 – A íntegra do Em defesa da Ação Católica está no site pliniocorreadeoliveira.info 237 – Grifos nossos.

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pécie de Universidade popular em que se aprende a amar e a fazer amar Nosso Senhor Jesus Cristo, o Papa e a Igreja. A definição é ao mesmo tempo sugestiva e feliz, porque focaliza, em poucas palavras, o ponto capital da Ação Católica. Se de um lado estimamos e amamos a Ação Católica pelo bem que já produziu, muito mais ainda a estimamos e amamos por ter saído do coração do Papa e por continuar a pertencer integralmente ao Papa. Aos que desejam saber porque a Ação Católica, à semelhança do grão de mostarda da parábola evangélica, estendeu em poucos anos suas frondosas ramagens sobre todos os campos da Igreja, fazendo desabrochar uma floração maravilhosa de corações e de almas, podemos dar esta resposta clara e precisa: – o segredo da Ação Católica é “o amor ardente ao Sumo Pontífice e a união com ele por meio da Hierarquia. Convém, pois, é até necessário, que todos se lembrem de que o reino de Cristo não pode separar-se do Papa e da Hierarquia. Sozinhos nada somos e nada podemos, mas unidos ao Papa tudo somos e tudo podemos, porque temos a Jesus Cristo. Nós lançamos mão dos meios indispensáveis da oração, da ação e do sacrifício, e Cristo salva as almas. Alegramo-nos, portanto, ao verificar que cresce cada dia mais, no Brasil, o interesse pela Ação Católica, como o está a demonstrar o número sempre maior de livros, revistas e estudos dedicados a este assunto. É um fato que nos enche o coração de alvissareiras esperanças, muito especialmente quando estes escritos têm o cuidado de expor, inculcar e aprofundar os genuínos e tradicionais princípios da Ação Católica contidos na mina preciosa dos documentos pontifícios, como precisamente se propôs Plinio Corrêa de Oliveira, digno Presidente da Junta Arquidiocesana da Ação Católica de São Paulo, na obra intitulada “EM DEFESA DA AÇÃO CATÓLICA”. Sendo sempre útil e proveitoso estudar e meditar essas verdades, estamos certos que este livro, escrito por um homem que sempre viveu na Ação Católica e cuja pena está inteiramente ao 358


serviço da Santa Igreja, fará muito bem às almas e promoverá a causa da Ação Católica nesta terra abençoada de Santa Cruz”. Rio de Janeiro, 25 de Março de 1943 – Festa da Anunciação de Nossa Senhora. † Bento Arcebispo de Cesareia Núncio Apostólico

INTRODUÇÃO238 Seguem textos de Dr. Plinio extraídos da Introdução de sua obra (As frases ou parágrafos que a continuação estão com este mesmo tipo de letra são do Autor):

a) – a desorganização dos Estados liberais A Revolução Francesa foi a primeira confirmação destas previsões [refere-se à desagregação social de que tratam os documentos pontifícios nos duzentos anos anteriores à publicação do livro], e introduziu no terreno político uma agitação devoradora e progressiva, que abalou as mais sólidas instituições até então existentes, e impediu que elas fossem substituídas por outras igualmente duráveis. O contágio desse incêndio político passou da esfera constitucional para o terreno econômico e social, e teorias audaciosas, apoiadas por organizações de âmbito universal, solaparam completamente todo o sentimento de segurança, na Europa convulsionada. Eram tais as nuvens que se acumularam nos horizontes, que Pio XI dizia já ser tempo de se perguntar se esta aflição universal não pressagiava a vinda do Filho da Iniquidade, profetizado para os últimos dias da humanidade: ‘Esse espetáculo (das desgraças contemporâneas) é de tal maneira aflitivo, que se poderia ver nele a aurora deste início de dores, que trará o homem do pecado, 238 – Todas as Partes, Capítulos, Títulos e Subtítulos são do Dr. Plinio. Os grifos são nossos, salvo quando indicado o contrário.

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elevando-se contra tudo quanto é chamado Deus e recebe a honra de um culto’. ‘Não se pode verdadeiramente deixar de pensar que estão próximos os tempos preditos por Nosso Senhor’: ‘e por causa dos progressos crescentes da iniquidade, a caridade de um grande número de homens se esfriará’ (Pio XI, Encl. “Miserentissimus Redemptor”, de 8 de maio de 1928). b) – o pânico universal Com efeito, a conflagração mundial dissipara os últimos resquícios de otimismo da era vitoriana, e pusera a nu as chagas hediondas que, como uma lepra, de alto a baixo cobriam a civilização contemporânea. Os espíritos que, enganados pela aparência falaciosa e brilhante da sociedade de “avant-guerre”, ainda dormiam despreocupadamente sobre suas ilusões liberais, despertaram bruscamente, e a todos se patenteou a necessidade de medidas de salvação ingentes e drásticas, que evitassem a ruína iminente. c) – as ditaduras Surgiram então os grandes condutores de massas humanas e começaram a arrastar atrás de si as multidões postas em delírio pelo terror, e a lhes prometer os remédios fáceis das mais variadas reformas legislativas. d) – a suprema catástrofe Estava precisamente aí a tragédia do século XX. Os Papas haviam proclamado reiteradamente que só o retorno à Igreja salvaria a humanidade. Entretanto, procurou-se a solução fora da Igreja. Em vez de promover a reintegração do homem no Corpo Místico de Cristo, e implicitamente sua regeneração moral, procurou-se “defender a cidade sem o auxílio de Deus”, tarefa vã, cujo insucesso nos arrastou aos transes mortais da presente conflagração [II Guerra Mundial]. Esta procura frenética, desordenada, alucinante, de uma solução qualquer, sempre aceita, por mais dura que fosse, desde que não fosse a solução que é Cristo, foi a 360


última catástrofe desta cadeia de erros que, de elo em elo, nos conduziu das primeiras negações de Lutero até a amargura dos dias de hoje. Será difícil fazer previsões sobre o futuro, e não é este o objeto do presente livro. Da exposição até aqui feita, retenhamos apenas esta noção: a procura ansiosa e alucinada de uma solução radical e imediata foi a grande preocupação, que, consciente ou inconscientemente, a todos nos empolgou, nas duas últimas décadas deste terrível século XX [1920 a 1940]. Como náufragos, os homens procuram agarrar-se até à palha que flutua sobre as ondas, supondo nela virtudes salvadoras. O delírio do naufrágio não tem por único efeito suscitar nos náufragos a ilusão de se salvarem agarrados à palha. Quando lhes são oferecidos meios de salvação adequados, precipitam-se loucamente sobre eles, utilizam-nos mal, destroem-nos por vezes com sua imperícia e soçobram finalmente entre os destroços dos barcos, em que se poderiam ter salvado. Pio XI funda a A.C. – Esperanças e triunfos Foi o que, em medida infelizmente não pequena, sucedeu com a Ação Católica.

Exageros A certeza de que A.C. oferecia remédio aos males contemporâneos, a iminência e o vulto das perspectivas que um triunfo universal da A.C. entreabria, tudo isto bastou para que, numa época convulsionada pelo mais fundo abalo moral, muitos entusiasmos se manifestassem de modo menos equilibrado do que fora de desejar. Suscitaram-se messianismos de alta tensão nervosa, uma paixão pela ação absoluta e por resultados imediatos, que desterrou o bom senso para muito longe de certos ambientes, animados de um fervor aliás generoso pela A. C.. Seria difícil dizer até que ponto a semeadura de joio do “inimicus homo” concorreu para desviar para o campo dos erros já condenados pela Encíclica “Pascendi” e pela Encíclica contra “Le Sillon” tantos espíritos 361


animados das mais louváveis intenções. O fato é que um messianismo malsão começou a fazer delirar em certos espíritos os princípios fundamentais da A. C.. E como as verdades que deliram estão prestes a se transformar em erros, não tardou que muitos conceitos novos assumissem um caráter ousado, para acabar tornando-se indiscutivelmente errados.

Erros: a) – quanto à vida espiritual Daí, um conjunto de princípios, ou melhor, de tendências que, em matéria de piedade, diminuem ou extinguem o papel da cooperação humana, sacrificando-o a uma concepção unilateral da ação da graça. b) – quanto ao apostolado (...) Sob pretexto de romper com a rotina, falou-se em “apostolado de infiltração”. A necessidade deste apostolado é premente. Não obstante, nada autoriza a que, sob o rótulo desta verdade, posta como as outras em franco delírio, se faça uma condenação radical de todos os processos de apostolado desassombrados e de viseira erguida. Dir-se-ia que o respeito humano, que nos leva a calar a verdade, a adocicá-la, a fugir de qualquer luta e de qualquer discussão, passou a ser a fonte inspiradora de uma nova estratégia apostólica, a única a ter curso oficial na A.C. segundo os desejos de certos círculos. A par disto, começou a formar-se um espírito de concessão ilimitada diante do surto das novas modas e novos costumes. Isto se disfarçou aliás sob o pretexto de uma obrigação grave de fazer apostolado nos ambientes cuja frequência a Teologia Moral declara vedado a qualquer católico que não queira decair da dignidade sobrenatural que Lhe foi conferida pelo Batismo. c) – quanto à disciplina (...) Daí uma série de preconceitos, de sofismas, de exageros cuja consequência sistemática é o alijamento da influência do Pa362


dre na A.C.. Quanto coração sacerdotal sangrará com dolorosas reminiscências ao ler estas linhas! Nosso douto e piedoso Clero bem merecia a honra se se Lhe reconhecer que o erro só pôde desenvolver-se sobre os destroços de sua autoridade e de seu prestígio. Razão deste livro (...) Pareceu-nos conveniente que, para honra e defesa da A. C., procedesse de um leigo uma reivindicação clara e filialmente entusiástica dos direitos do Clero, e, implicitamente do Episcopado. Assim se demonstrará, com a eloquência dos fatos, que a A.C. é, e quer continuar a ser, entusiasticamente dócil à Autoridade, e que as singularidades doutrinárias, que refutamos, encontrarão unidos a Hierarquia e os fiéis na mesma repulsa. Como se vê, este livro não foi escrito para ser um tratado sobre a A. C., destinado a dar uma ideia geral e metódica sobre o assunto. É ele, antes, uma obra feita para dizer o que a Ação Católica não é, o que ela não deve ser, o que ela não deve fazer. Assumimos voluntariamente esta penosa tarefa, já que os mais ingratos encargos são os que, com maior amor, devemos abraçar na Santa Igreja de Deus. Espírito com que o escrevemos Porque chamamos a nós este penoso encargo? Entre as múltiplas razões que nos decidiram a isto, figura a esperança de afastar do erro tantos entusiasmos, que se extraviaram; tanto zelo, que se desperdiça; tantas dedicações, que nos causariam a mais ardente satisfação, se fossem postas ao serviço da ortodoxia. É, pois, com palavras de amor que terminamos esta introdução. Ainda que os cardos nos dilacerem as mãos, ainda que recebamos só ingratidão da parte daqueles a quem quisemos estender, por entre os espinhos dos preconceitos, o pão da boa doutrina, de tudo nos daremos por amplamente compensados, se o valor do sacrifício, 363


que fizemos, for aproveitado pela Providência para a união de todos os espíritos, na verdade e na obediência: “Ut omnes unum sint”. (...) * * * Verdades suaves, verdades austeras Não quereríamos encerrar esta introdução sem um esclarecimento de importância capital. Os erros que combatemos no presente livro se caracterizam, em grande parte, por seu unilateralismo. Na doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo, apraz a muitos espíritos ver apenas as verdades doces, suaves e consoladoras. Pelo contrário, as advertências austeras, as atitudes enérgicas, os gestos por vezes terríveis que Nosso Senhor teve em sua vida costumam ser passados sob silêncio. (...) Unilateralismo perigoso Quem poderia admiti-lo? Expulsemos para muito longe de nós toda e qualquer forma de unilateralismo. Vejamos Nosso Senhor Jesus Cristo como no-Lo descrevem os Santos Evangelhos, como no-Lo mostra a Igreja Católica, isto é, na totalidade de seus predicados morais, aprendendo com Ele, não só a mansidão, a cordura, a paciência, a indulgência, o amor aos próprios inimigos, mas ainda a energia por vezes terrível e assustadora, a combatividade desassombrada e heroica, que chegou até o Sacrifício da Cruz, a astúcia santíssima que discernia de longe as maquinações dos fariseus e reduzia a pó suas sofísticas argumentações. Este livro foi escrito precisamente para – na medida de suas poucas forças – restabelecer o equilíbrio rompido em certos espíritos, a respeito deste complexíssimo assunto. (...) Caráter desta obra (...) Feito para combater um unilateralismo, não quereria este 364


livro cair no extremo oposto. No entanto, como nem o espaço nem o tempo nos permitem escrever uma obra sobre o amor e a severidade de Nosso Senhor; como, por outro lado, as verdades suaves e consoladoras já são muito conhecidas, chamamos a nós apenas a tarefa mais ingrata e mais urgente, e escrevemos sobre aquilo que a fraqueza humana mais facilmente leva a massa a ignorar. É em consequência desta ordem de ideias, e só dela que nos preocupamos exclusivamente com os erros que temos diante de nós, e não pretendemos defender aquelas das verdades “suaves” que os partidários destes erros aceitam... e exageram: é supérfluo lutar por verdades incontroversas.

Primeira Parte

Natureza jurídica da Ação Católica Capítulo I Doutrina sobre a A.C. e o mandato da Hierarquia (...) Natureza jurídica da A.C.: o mandato da A.C. Qual a natureza jurídica (*) das organizações da A.C.? Costuma-se afirmar que, ao criar estas novas e importantíssimas organizações de apostolado leigo, e ao convocar todos os fiéis para que nelas se inscrevessem, Pio XI formulou um mandato inequívoco e solene, que conferiu ao laicato inscrito na A.C. uma posição nova dentro da Igreja. (...). Sempre que empregamos a expressão “natureza jurídica”, fazemo-lo no sentido de “constitutivo formal”. 365


b) – quanto à Hierarquía (...) 1 – Entendem uns que a palavra “participação” deve ser tomada em seu sentido mais exato e estrito, e que o mandato outorgado pelo Santo Padre Pio XI incorporou os membros da A.C. à Hierarquia da Igreja; 2 – Entendem outros que os membros da A.C. não participam da Hierarquia, mas do apostolado da Hierarquia, ou que, em outros termos, sem pertencer à Hierarquia exercem funções de caráter hierárquico, assim como, por exemplo, o sacerdote que recebe o poder de crismar exerce funções episcopais, sem entretanto, ser Bispo; 3 – Em uma e outra opinião se têm fundado muitos comentadores para sustentar que a A.C. ficou investida em uma autoridade tal, que os leigos a ela filiados dependem diretamente dos Bispos, de quem receberam mandato, e de nenhum modo dos Párocos ou Assistentes Eclesiásticos, que não têm poder de conferir cargos hierárquicos. Na Itália, houve quem sustentasse que, outorgado pelo Sumo Pontífice o mandato, só dele e não do Episcopado dependiam os membros da A. C., que recebiam suas ordens da Junta Central Romana, que funciona sob a autoridade imediata do Santo Padre. (...).

Capítulo II Refutação das doutrinas errôneas (...) O mandato é mera forma de outorga de poderes que nada tem que ver com a natureza e extensão dos poderes outorgados. A esse propósito devemos acentuar que erram os que presumem que, tendo o Santo Padre tornado obrigatória a inscrição de todos os leigos nas fileiras da A.C. é daí que lhes provêm o mandato ao qual atribuem efeito tão maravilhoso. Demonstramos que o mandato não possui tal efeito. (...) Há outras obras dotadas de mandato, às quais nunca se atribuiu essência jurídica diversa das obras leigas sem mandato. 366


A esta altura, podemos chegar a considerações do mais palpitante interesse. Se é certo que a A.C. tem a obrigação imposta pelo Santo Padre, de realizar o apostolado, não é certo que em outras obras estranhas aos organismos fundamentais da A.C. e a ela anteriores, também não se encontre um mandato, isto é, uma obrigação absoluta e taxativa, de realizar determinada tarefa de apostolado. (...) Muitas outras obras eretas por iniciativa particular, com simples aprovação eclesiástica, receberam posteriormente ordens para realizar determinadas tarefas impostas pela Hierarquia (...). Jamais, entretanto, se pretendeu que estas obras, dotadas de um evidente e incontestável mandato, colocassem seus realizadores leigos em situação jurídica essencialmente outra. Mais ainda. O Concílio Plenário Brasileiro, depois de organizada entre nós a A. C., tornou obrigatória a fundação de Irmandades do Santíssimo Sacramento em todas as Paróquias, e incumbiu imperativamente estas Irmandades da tarefa gloriosa entre todas, de velar pelo esplendor do culto. É um mandato. Quem ousará, entretanto, afirmar que isto mudou a natureza jurídica destas antiquíssimas Irmandades? (...) Negando à A.C. uma natureza jurídica que ela não possui, não podemos, por isto, deixar de acentuar que ficam intactos em toda a nossa argumentação os direitos expressamente conferidos à A.C. pelos Estatutos da Ação Católica Brasileira atualmente vigentes. Prerrogativas estas que, elevando a A.C. à dignidade de máximo órgão do apostolado leigo de modo algum lhe tiram a qualidade de súdita da Hierarquia. (...) Pelo contrário, nós lhe prestamos um serviço de suprema importância, procurando evitar que ela abandone seu glorioso papel de serva da Hierarquia e irmã conspícua de todas as outras organizações católicas, a fim, de se transformar em um câncer devorador e gérmen de desordens. (...) Resumindo estas considerações, devemos concluir que a A.C. tem efetivamente um mandato imposto pela Hierarquia, mas que este mandato não lhe muda a essência jurídica que é idêntica à 367


de numerosas outras obras anteriores ou posteriores à constituição dos atuais quadros jurídicos da A.C. (...) Textos Pontifícios Aliás, o Santo Padre Pio XI outra coisa não afirmou quando, em reiteradas ocasiões, insistiu na identidade da Ação Católica de seus dias com o apostolado leigo ininterruptamente existente na Igreja, desde os seus primeiros tempos, e designando a A.C. dos tempos apostólicos com o mesmo nome (e com as mesmas letras maiúsculas) da de nossos dias. Ouçamo-lo, dirigindo-se às operárias da J.O.C. feminina italiana, em 19 de março de 1927: “A primeira difusão do Cristianismo em Roma se fez com a A. C.. E poderia ela fazer-se de outra maneira? O que poderiam ter feito os Doze, perdidos na imensidade do mundo, se não tivessem chamado em torno de si colaboradores?”. (...) Como para bem acentuar a inteira, e aliás gloriosa identidade, entre a A.C. de seus dias e a dos primeiros tempos, escreve Pio XI as palavras Ação Católica com letras maiúsculas em ambas as alusões e, no discurso aos Bispos e peregrinos da Iugoslávia, em 18 de maio de 1921, ele acrescenta: “A A.C. não é uma novidade dos tempos presentes”. (...) Convocações e mandatos anteriores à criação da atual estrutura da A.C. (...) Com efeito, qual o historiador da Igreja que ousaria afirmar que houve um século, um ano, um mês, um dia em que a Igreja deixasse de pedir e utilizar a colaboração dos leigos com a Hierarquia? Sem falar nas cruzadas, tipo caraterístico de Ação Católica militarizada, solenissimamente convocada pelos Papas, sem falar na Cavalaria andante e nas Ordens de Cavalaria, em que a Igreja investia de amplíssimas faculdades e encargos apostólicos os cavaleiros, sem falar nos inúmeros fiéis que, atraídos pela Igreja para as associações de apostolado por ela fundadas, 368


colaboravam com a Hierarquia, examinemos outros institutos em que nossa argumentação se torna particularmente firme. Como ninguém ignora, existem na Igreja várias Ordens Religiosas, e Congregações que só recebem pessoas que não tiveram a unção sacerdotal. Neste número estão, antes de tudo os institutos religiosos femininos, bem como certas Congregações masculinas, como por exemplo a dos Irmãos Maristas. Em segundo lugar existem os muitos Religiosos não Sacerdotes, admitidos a título de coadjutores nas Ordens religiosas de Sacerdotes. Não se poderia negar sem temeridade que, de um modo geral, têm vocação do Espírito Santo os membros destas Ordens ou Congregações. Filiando-os aos respectivos institutos, dá-lhes a Igreja oficialmente o encargo de fazer apostolado, isto é, agrava com penas mais fortes as obrigações que como fiéis já tinham de fazer apostolado e lhes torna obrigatória a prática de certos atos apostólicos. Tudo isto não obstante, há quem entenda que o misterioso e maravilhoso efeito do mandato da Ação Católica coloca os membros desta muito acima de quaisquer Religiosos que não tenham Ordens Sacras. Por quê? Em virtude de que sortilégio? Se jamais se consideraram elementos integrantes da Hierarquia estes Religiosos, que são na Igreja meros súditos, por que entender o contrário em relação à A.C.? Como se vê, nenhuma razão há para que se atribua a convocação feita por Pio XI, em si mesma considerada, alcance maior do que as que fizeram seus predecessores. Conclusão [Os grifos dos dois parágrafos que seguem são do Autor].

(...) Citemos alguns textos pontifícios conclamando os fiéis ao apostolado, e mandando até, que o façam: Pio IX disse que “os fiéis devem tirar os infiéis das trevas e trazê-los para a Igreja” (Carta “Quanto Conficiamus”, 10 de agosto de 1863). E o Concílio Vaticano [I] dá este soleníssimo mandato a todos os fiéis: “Desempenhando o dever do nosso supremo 369


cargo pastoral, conjuramos, pelas entranhas de Jesus Cristo, todos os fiéis de Cristo, e lhes ordenamos pela autoridade deste mesmo Deus, nosso Salvador, que empreguem todo seu zelo e cuidados em afastar da Santa Igreja estes erros, e propagar a luz da mais pura Fé (Constit. “Dei Filius”)”. E a isto Leão XIII acrescenta: “Queremos também que exciteis a todos em geral (...) a que sob vossa direção e auspícios atuem com maior ímpeto para favorecer os interesses católicos” (Carta aos Bispos da Hungria, “Quod Multum”, de 22 de agosto de 1886). E na encíclica “Sapientiae Christianae”, de 10 de janeiro de 1890 o Santo Padre acrescenta: “É missão da Igreja arrancar do erro as almas. Mas quando as circunstâncias o tornam necessário, não é só aos Prelados, mas, como diz Santo Tomás, a todos, que incumbe manifestar publicamente sua fé, seja para instruir e estimular os fiéis, seja para repelir os ataques dos adversários”. (...)

Capítulo III A verdadeira natureza do mandato da Ação Católica Há diferença essencial entre o mandato dado à Hierarquia por Nosso Senhor e o mandato dado pela Hierarquia à A.C.. Como vimos nos capítulos anteriores, o mandato recebido pela Ação Católica não origina qualquer diferença entre sua essência jurídica e a das outras organizações de apostolado. (...) Caraterísticas do mandato recebido pela Hierarquia. (...) Daí decorre que só a Sagrada Hierarquia é distribuidora dos frutos da Redenção, que em nenhuma outra igreja, seita ou escola se podem encontrar. E é nesta verdade que se funda a afirmação, que em todas as veras de nossos corações de fiéis devemos 370


reverenciar e amar: fora da Igreja não há salvação. (...) [Grifos do Autor]. Há na Igreja mandatos além daquele que a Hierarquia recebeu? (...) Aliás, se bem que este mandato direto tenha Deus por Autor, deve ser exercido sob a direção, autoridade e desvelos da Hierarquia. Assim, à pergunta: “tem a A.C. mandato”, respondemos: 1 ) – Sim, se por mandato entendermos uma obrigação de apostolado imposta pela Hierarquia; 2) – Não, se por mandato entendermos que a A.C. é elemento de qualquer maneira integrante da Hierarquia e tem portanto parte no mandato direta e imediatamente imposto por Nosso Senhor à Hierarquia. (...)

Capítulo IV A definição de Pio XI Mais um argumento em favor da essência hierárquica do apostolado da A.C.: a definição da A.C. por S.S. Pio XI. ção.

A essa altura é que podemos situar o problema da participa-

Os doutrinadores de Ação Católica que sustentam possuir esta uma situação jurídica essencialmente diversa das demais obras de apostolado fundam-se sobre um duplo argumento. Até aqui examinamos o primeiro e demonstramos que não tem valor: trata-se do mandato. O outro argumento se funda em que o Santo Padre Pio XI definiu a Ação Católica como participação do laicato no apostolado hierárquico da Igreja. Afirmam aqueles doutrinadores que, enquanto as demais organizações são meras colaboradoras, a A.C. é participante do próprio apostolado hierárquico, pelo que tem essência jurídica própria, e diversa das outras obras. (...) 371


Os termos da questão (...) Vimos, no capítulo anterior, que existe uma diferença essencial entre os poderes impostos pelo Divino Salvador à Hierarquia da Igreja e os encargos cometidos pela Hierarquia aos fiéis. Aqueles são direitos próprios, e de governo, estes são encargos de súditos. Nisto se funda o princípio definido pela infalível autoridade do Concílio do Vaticano I (c. 10): – “A Igreja de Jesus Cristo não é uma sociedade de iguais, como se todos os fiéis tivessem entre eles os mesmos direitos; mas ela é uma sociedade desigual e isto não somente porque, entre os fiéis, uns são clérigos e outros leigos, mas ainda porque há na Igreja, por instituição divina, um poder de que uns são dotados em vista de santificar, ensinar e governar, e de que outros não são dotados”. E o Concílio acrescenta (c. 11): – “Se alguém diz que a Igreja foi divinamente instituída como uma sociedade de iguais... seja anátema”.239 (...) No que erram particularmente os que sustentam que a A.C. participa da Hierarquia Sabemos que, na Santa Igreja, as mulheres não são capazes de pertencer à Hierarquia, isto é, nem à de Ordem, nem à de Jurisdição. Ora, tanto as mulheres quanto os homens foram chamados à A.C., e nenhum tópico de documento pontifício se pode apontar, em que se especifique uma diversidade essencial de situação jurídica entre o homem e a mulher na A.C.. (...) Logo, a situação que o homem tem na A.C. é idêntica à que uma mulher pode receber na Santa Igreja. Logo, não é uma situação que o integre na Hierarquia, onde a mulher não pode ter acesso. (...) Convém lembrar que a Santa Igreja determina que, “nas associações eretas para incremento do culto público, com o nome especial de confraternidades” (Canon 707, §1), “as mulheres só podem se inscre239 – A respeito desta frase do Concílio Vaticano I, ver a nota que figura no final dos textos do Em Defesa apresentados nesta Parte V.

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ver para o efeito de lucrar as indulgências e graças espirituais concedidas aos associados” (Canon 709, §2). Que diria São Paulo, se ouvisse falar dessa ideia de uma incorporação das mulheres na Hierarquia, ele que escreveu a Timóteo (1ª 2, 11-15): “A mulher aprenda em silêncio com toda a sujeição. Não permito à mulher que ensine, nem que tenha domínio sobre o homem, mas esteja em silêncio”! E que acrescentou, escrevendo aos Coríntios: “As mulheres estejam caladas nas igrejas, porque não lhes é permitido falar, mas devem estar sujeitas, como também ordena a lei... Porque é vergonhoso para uma mulher o falar na Igreja” – I, 14, 34-35. Isto posto, é fácil compreender como contraría o espírito da Igreja e a índole da legislação eclesiástica o exercício de um poder de natureza hierárquica por mulheres. (...) Relação entre o apostolado hierárquico e o apostolado leigo Examinemos o primeiro sentido. – Qual a missão que Nosso Senhor deu à Hierarquia? Como vimos, é a distribuição dos frutos da Redenção. Nesta tarefa, há certamente funções que podem, a título meramente instrumental, ser exercidas pela massa dos fiéis, e, como vimos, toda colaboração instrumental e meramente instrumental que ela assim prestar à Hierarquia será legítima. (...) Em outros termos, a missão dos fiéis consiste em exercer, na missão da Hierarquia, a parte de colaboradores instrumentais, ou seja, os fiéis participam do apostolado hierárquico como colaboradores instrumentais, já que “ter parte” é, no sentido mais próprio da palavra, participar. [Grifo deste parágrafo é do Autor]. Assim, tomadas as palavras “apostolado” e “participação” em seu sentido natural, sem atormentar qualquer vocábulo da definição pontifícia, sem qualquer contorção de significados, chegamos à conclusão de que, afirmando que a A.C. é uma participação no apostolado hierárquico, quis Pio XI dizer que ela é pura e sim373


plesmente uma colaboração, obra essencialmente instrumental, cuja natureza em nada diverge, essencialmente, da tarefa apostólica exercida pelas organizações estranhas ao quadro da A.C., e que é esta uma organização súdita, como toda e qualquer organização de fiéis. Aliás, afirmou-o o próprio Pio XI, quando disse, em discurso aos Bispos e peregrinos da Iugoslávia, de 18 de maio de 1929: – “A A.C. não é uma novidade dos tempos presentes. Os Apóstolos lançaram-lhe as bases em suas peregrinações”. Em outros termos, disse o Papa que a essência da A.C. é absolutamente a mesma que a essência da colaboração leiga desde os primitivos tempos da Igreja. (...) O que tudo quer dizer que a definição clássica de Pio XI se deve entender como participação dos fiéis no apostolado da Igreja, o qual é hierárquico, e não no sentido de participação dos fiéis na autoridade e funções apostólicas que, na Igreja, só a Hierarquia pode exercer. (...) A definição de Pio XI: verdadeiro sentido (...) Assim, ainda que aceitássemos para a palavra “apostolado” o sentido que aqui, “argumentandi gratia”, aceitamos, a sã lógica nos levaria a entender que a “participação no apostolado hierárquico” é uma mera “colaboração”. Com efeito, no pensamento e na pena de Pio XI, os termos “participação” e “colaboração” se equivalem. Di-lo um dos mais eruditos pesquisadores e comentadores dos textos pontifícios sobre Ação Católica. Tratando da questão, Monsenhor Guerry, em seu conhecidíssimo trabalho “L’Action Catholique” (p. 159), acentua que o “Santo Padre emprega em suas definições as palavras colaboração e participação, às vezes na mesma frase, porém mais frequentemente separadas e indistintamente uma pela outra”. (...) Escrevendo sobre A.C. seria supérfluo acentuar a autoridade de Mons. Civardi, que é mundial. O ilustre autor do “Manuale di Azione Cattolica” faz notar, no artigo citado, (Cf. 374


Boletins da A.C., novembro de 1939) que em mais de um documento pontifício a palavra “participação” está substituída pela de “colaboração”. Mas, se Pio XI não fez distinção entre ambos os termos, com que direito haveremos de estabelecer nós tal distinção, fazendo em torno de suas palavras preciosismos de argumentação, com o intuito de fixar entre elas uma diferença de significado que evidentemente não estava na mente do Papa? “Onde a lei não distingue, a ninguém é lícito distinguir”. E por isto diz com toda a razão Mons. Civardi (op. cit.), a palavra colaboração nos serve para medirmos o alcance da palavra “participação” na pena de Pio XI. (...) Esclarecimento oficioso da definição de Pio XI Ascendendo ao Trono de São Pedro, o Santo Padre Pio XII (...), pronunciou há mais de dois anos uma alocução publicada em “L’Osservatore Romano”, órgão oficioso da Santa Sé. Por mais de doze vezes, referiu-se o Santo Padre à A.C., empregando exclusivamente a palavra “colaboração” ou “cooperação”, e omitindo a palavra “participação”. Se o Papa tivesse querido evitar qualquer interpretação abusiva da palavra “participação”, não teria agido de outra maneira, e tanto basta para que se compreenda o que tem em mente o Vigário de Cristo. Não se limitou a isto o Santo Padre, e, recomendando a máxima harmonia entre a A.C. e as organizações de piedade anteriormente existentes, afirmou: “A organização da Ação Católica italiana, embora seja órgão principal dos católicos militantes, não obstante, comporta a seu lado outras associações também dependentes da Autoridade Eclesiástica, das quais algumas que têm fins e formas de apostolado bem se podem dizer colaboradores no apostolado Hierárquico”. Em outros termos, é o próprio Papa quem afirma a identidade de posição de ambas, A.C. e associações auxiliares, ante a Hierarquia, como colaboradoras, e esclarece implicitamente que Pio XI, falando em “participação”, não deu a esta palavra senão o sentido de “colaboração”. (...) 375


Seria uma injúria à Santa Igreja supor que Pio XII houvesse querido desmentir ou corrigir Pio XI, tanto mais quando o próprio Pontífice reinante declarou que não queria ser senão um fiel continuador da obra de Pio XI, em matéria de A.C. (...). A “participação” perante o Direito Canônico (...) Caso o mandato, ou participação concedidos por Pio XI tivessem o sentido que impugnamos, implicariam na derrogação de numerosas e importantes disposições do Direito Canônico, que estabelecem (Canon 108) a impossibilidade de acesso dos leigos ao poder hierárquico, hoje em dia. (...) Conclusão De tudo isto ressalta que, ainda que o Santo Padre tivesse querido alterar a essência jurídica do apostolado leigo na A.C., não o fez. Advertimos o leitor de que, como ficou dito, aceitamos a afirmação de que a A.C. tenha um mandato e uma participação, mas sustentamos que estes termos em seu legítimo sentido não significam senão “colaboração” e não implicam no reconhecimento à A.C. de qualquer natureza jurídica diversa das outras obras de apostolado leigo. (...)

Capítulo V Erros fundamentais (...) Se insistimos tão longamente sobre nossa tese, de que o mandato da A.C. e a participação que ele traz para os leigos no apostolado hierárquico da Igreja implicam única e exclusivamente em uma colaboração com a Hierarquia, colaboração dócil, filial, submissa, praticada sem qualquer espécie de pesar ou de376


sagrado, tínhamos para tanto motivos de uma importância capital. Com efeito, não nos alarmam somente os erros doutrinários contidos nas teses que refutamos, mas ainda as deplorabilíssimas ocorrências de ordem prática a que elas têm dado motivo ou pretexto. Consequência dos erros que refutamos Pretendeu-se que a A.C., conferindo a seus membros uma dignidade nova, os colocava em situação canônica radical e essencialmente diversa da que têm os leigos nas associações anteriores à A.C. ou estranhas ao quadro das associações fundamentais desta. Situação do Clero até aqui Como ninguém ignora, nas associações de apostolado o Sacerdote ocupa sempre o lugar de maior relevo, não apenas do ponto de vista meramente protocolar, mas ainda por sua autoridade da qual dependem, e sob a qual funcionam, em última análise, todos os organismos ou departamentos das entidades religiosas. Em outros termos, o Sacerdote, na associação, representa a Santa Igreja, e os dirigentes leigos são seus instrumentos, tanto mais meritórios quanto mais dóceis, na consecução das finalidades sociais. (...). Como se pretende amesquinhar e por fim destruir esta situação Ora, com fundamento nessa “participação”, com base nesse “mandato”, tem-se pretendido que os leigos se aviltariam, obedecendo inteiramente ao Assistente Eclesiástico, e que os dirigentes da A.C. têm uma autoridade própria que faz do Assistente mero censor doutrinário das atividades sociais. Assim, enquanto qualquer atividade nada tiver de contrário à Fé ou aos costumes, 377


o Assistente deve calar-se. Não se distingue, em geral, entre Assistente-Pároco e Assistente não-Pároco. Quanto aos Religiosos que não são Sacerdotes, ou às Religiosas, devem simplesmente retirar-se e calar-se. (...) Como a razão para tão temerárias afirmações era a modificação introduzida na A.C. pelo mandato ou pela participação, provado que nem aquele nem esta trouxeram alterações substanciais, ruem por terra as consequências. Não é ocioso, entretanto, imaginar a que catástrofes estas consequências nos conduziriam na prática. (...) Voltaremos ao tempo das Confrarias maçonizadas? O leitor já terá notado a analogia existente entre a situação que se pretende criar para o Assistente Eclesiástico na A.C. e a da Autoridade Eclesiástica nas antigas confrarias maçonizadas. (...) É a esta tristíssima condição que ameaçam de nos reconduzir os erros que atualmente se difundem acerca da A.C.. Que caricatura do grandioso sonho de Pio XI! Desaparecerá com nosso aplauso uma de nossas mais belas tradições? Desde que ao Sacerdote só caiba a função de censor, é óbvio que sua posição muda radicalmente dentro do ambiente paroquial. Com efeito, até aqui os hábitos e piedosas tradições de nosso povo têm reservado sempre ao Sacerdote uma situação ímpar, em qualquer ambiente em que se encontre. (...) O que nossos maiores perceberam, o que se percebe hoje até em ambientes onde não sobrevivem senão vagas e raras tradições religiosas, não o percebem certos doutrinadores modernizantes da A.C., e um deles já nos causou o dissabor de elogiar, em termos rasgados, certo país europeu, em que o sacerdote ocupa, no protocolo das solenidades da A.C., não mais o lugar central, mas o de obscuro e longínquo comparsa. 378


Ficará mutilada a autoridade do Pároco e diretores de Colégios? (...) O mesmo fenômeno se dá nos Colégios e Associações. Conhecemos o caso concreto de uma obra, na qual se fundaram, clandestinamente, núcleos da A.C., porque “talvez” não quisesse seu Diretor Eclesiástico consentir em que se instalassem imediatamente. Um venerando e ilustre sacerdote, diretor de um Colégio, contou-nos haver recebido, certa vez, a visita de um adolescente, que lhe veio comunicar a fundação da JEC no estabelecimento. O respeitável diretor ponderou que seria necessária uma licença, que ele não se sentia inclinado a dar a um desconhecido. A resposta foi pronta: “Sr. Padre, tenho o mandato da A.C.”. A “fortiori” este é o tratamento dispensado aos Religiosos, que não são Sacerdotes. (...) Conhecemos o caso concreto de um congresso feminino de A.C., reunido em um colégio de Religiosas, que exigiu a retirada de todas as Religiosas do recinto, como condição para o início dos trabalhos. Está precisamente nesse “self-governement”, consequência do mandato próprio à A.C., segundo tais doutrinadores, a diferença essencial entre a A.C. e as associações como Pias Uniões, Congregações Marianas, Ligas “Jesus Maria José”, etc. (...) Não queremos sair, neste livro, do tema essencial que nos propusemos, isto é, a A.C.. Não seria supérfluo lembrar, entretanto, que a interpretação audaciosa e infundada do que certos Teólogos escreveram sobre o “sacerdócio passivo” dos leigos, concorre não pouco para criar estes desvios. Tudo isto encontra sua fórmula geral na seguinte afirmação, que bem poderia servir de lema para tais doutrinas: é preciso que a A.C. não seja uma ditadura de Padres e Freiras. Ao que ficará reduzida a autoridade dos Bispos? (...) Os exageros doutrinários a que nos referimos há pouco, concernentes ao “sacerdócio passivo” dos leigos abalou ou de379


formou profundamente em certos espíritos a noção do respeito devido aos Bispos. O Boletim Oficial da Ação Católica Brasileira, Rio de Janeiro, junho de 1942, narra o caso típico de um jovem que escreveu a um venerando Prelado: “aceite, Sr. Bispo, um abraço do seu colega no Sacerdócio”. Não seria preciso dizer tanto, para se compreender que a doutrina de incorporação dos leigos à Hierarquia, ou a funções hierárquicas, por meio de outorga do mandato da A.C., contém em seu bojo consequências de uma incomensurável importância, e, por sua própria natureza, facilita, lisonjeia e estimula o natural pendor de todos os homens para a rebeldia. No dia em que este veneno penetrar nas massas e as conquistar, será fácil extirpá-lo? Quem ousaria alimentar semelhante ilusão? (...).

Segunda Parte

A A.C. e a vida interior Capítulo I Graça, Livre Arbítrio e Liturgia Se bem que sejam numerosos e complexos os problemas suscitados, a respeito da A.C. e suas relações com a Hierarquia, é bem certo que não são menores as questões relacionadas com a A. C e a vida interior. Liturgia e vida interior (...) Seja como for, afirma-se, sustenta-se, propaga-se a boca pequena que a prática da vida litúrgica, uma certa graça de estado própria à A.C., bem como a ação empolgante da grandeza dos ideais da A.C. fazem calar, no íntimo dos membros desta, a sedução natural para o mal e as tentações diabólicas. 380


Isto implica em uma ascese inteiramente nova (...) Pretende-se, em última análise, que a participação nas funções da Sagrada Liturgia proporciona ao fiel a infusão de uma graça tão especial que, desde que ele se porte de modo meramente passivo, santificar-se-á, porque calarão no seu interior os efeitos do pecado original e as tentações diabólicas. Assim, a Sagrada Liturgia exerceria sobre os fiéis uma ação mecânica ou mágica, de uma fecundidade toda automática, que tornaria supérfluo todo o esforço de colaboração do homem com a graça de Deus. (...). A ascese tradicional Admitida esta intrincada ordem de ideias, toda a concepção da vida interior se altera. Precisamente por isto milita-se nos círculos dominados por tal doutrina, assídua e efetivamente, contra todos os meios tradicionais de ascese que procedem do reconhecimento dos efeitos, que a Igreja aponta no pecado original. (...) Nesse sentido, não foram poupadas censuras e ásperas críticas aos retiros espirituais, pregados segundo o método de Santo Inácio, que foram apontados como odiosos e retrógrados. (...) Também a meditação individual é concebida como mera iluminação. Estes erros repudiam o exame de consciência, o exercício da vontade, a aplicação da sensibilidade, os chamados tesouros espirituais, a que, tudo, apontam como métodos decrépitos, torturas espirituais, etc. A obra da Contra-Reforma É óbvio que grande número desses desvios doutrinários já tentaram, em séculos passados e especialmente na Pseudo-Reforma, infiltrar-se na Igreja. O esmagamento dessas tentativas foi, por excelência, obra do Sagrado Concílio Tridentino, das belíssimas correntes de espiri381


tualidade nascidas na Contra Reforma, e dos grandes Santos que elas produziram. (...) Desagradam-se também [elementos da A.C.] das Missões Redentoristas, pregadas segundo o método de Santo Afonso, bem como de muitas obras desse autor, particularmente quanto a certos capítulos de Moral e Mariologia. Ridicularizam as Ordens contemplativas, por viverem, dizem eles, uma vida contemplativa mal orientada. Levam a ridículo as obras místicas de S. João da Cruz, que chamam de “truque”. (...) A autoridade da Santa Sé Em sua carta “Com particular complacência”, o Santo Padre Pio XII desmentiu essa opinião, louvando dois frutos típicos do espírito inaciano, as Congregações Marianas e os Exercícios. (...) Ainda nesta ordem de ideias, combatem os inovadores da A.C. ativamente o Rosário e a Via Sacra, devoções que, exigindo o esforço da vontade, são por isso mesmo consideradas antiquadas. Origem destes erros Não é difícil ver que todo este encadeamento de erros provém, em última análise, do espírito de independência e prazer, que procura libertar o homem do peso e das lutas que o trabalho de santificação impõe. (...) Por isto, os que assim pensam evitam, e chegam a desaconselhar, a meditação dos episódios dolorosos da vida do Redentor, preferindo vê-lo sempre como vencedor cheio de glória. (...) As regras de modéstia cristã Uma camaradagem completa nivela sexos, idades, condi382


ções sociais, em uma igualdade apresentada como a realização da fraternidade cristã. Não espanta que, considerando supressos os efeitos do pecado original – “... os sentidos e os pensamentos do coração do homem são inclinados para o mal desde a sua mocidade” (Gen., VIII, 21), adverte entretanto a Escritura –, e das tentações diabólicas, desprezem e se riam de muitas das barreiras, que uma tradição cristã introduziu entre os sexos, na sociedade. (...) Esses elementos, sob o especioso pretexto de que a infração desses costumes não é intrinsecamente imoral, não só toleram mas aconselham que os membros da A.C. os ponham de lado. (...) Ninguém ignora os múltiplos perigos, que os bailes trazem consigo. Tais bailes, entretanto, não são tolerados mas recomendados, não são recomendados, mas até impostos: os retiros espirituais durante o carnaval, são considerados uma deserção, pois que o membro da A.C. deve fazer apostolado nas festas pagãs do carnaval. Houve quem pretendesse que, indo a lugares suspeitos e escandalosos, faria apostolado, levando ali “o Cristo”. Vacinados contra o pecado, pelos efeitos maravilhosos da Liturgia e do mandato da A.C., pretenderiam, certos membros desta, como salamandras instalarem-se em pleno fogo, sem se queimar. Agasta-os tudo que, lembrando a delicadeza feminina, acentua a diversidade dos sexos. Combatem, por exemplo, o uso de véus nas Igrejas. Não censuram o uso de calças masculinas para as mulheres, nem o do cigarro. (...) Tudo quanto signifique combate direto e de viseira erguida contra as modas indecentes, as más leituras, más companhias, maus espetáculos, passa, muitas vezes, sob o mais profundo silêncio.(...).

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Capítulo II Semelhança com o “modernismo” Sistema doutrinário completo Era preciso que fizéssemos uma exposição conjunta de todos estes princípios errados, para que se percebesse claramente estarmos em presença, não de erros esparsos, mas de todo um sistema doutrinário baseado em erros fundamentais, e muito lógico em professar todas as consequências daí decorrentes. (...).

Por motivo dos métodos de difusão que adota Dolorosa, esta situação, entretanto, não é nova. O modernismo, condenado por Pio X na Encíclica “Pascendi Dominici Gregis” de 8 de setembro de 1907, contém doutrinas e métodos quase idênticos aos que agora descrevemos, e a bem dizer podíamos fazer com a Encíclica em punho, toda a descrição do presente movimento. Assim, diz o Santo Padre, a tática dos modernistas, tática, aliás, muito habilidosa, “consiste em jamais expor suas doutrinas metodicamente e em seu conjunto, mas em as fragmentar de certo modo e as disseminar aqui e lá, o que dá a impressão de que elas são variáveis e indecisas quando suas ideias, pelo contrário, são perfeitamente nítidas e consistentes; importa pois, e antes de tudo, apresentar estas mesmas doutrinas sob seu aspecto unitário e mostrar o nexo lógico que prende umas às outras”. É esta, a tarefa que nos propusemos realizar com o neo-modernismo, consagrando-lhe toda a segunda parte deste trabalho. (...) Dando uma formação litúrgica errônea É vão, e destoa dos ensinamentos da Igreja, o propósito de ver na Sagrada Liturgia uma fonte de santificação automática, que dispensa o homem de qualquer mortificação, do esforço da vida interior, da luta contra o demônio e as paixões. (...) 384


É óbvio que, pondo em circulação semelhantes ideias, com que ousam “reformar”, servidos por seus métodos de propaganda eficacíssimos, o conceito da piedade cristã e uma de suas mais salientes caraterísticas, que é o amor ao sofrimento, tais elementos da A.C. causam, ainda que sem o saber, um mal muito maior à Igreja do que inimigos declarados; e precisamente por isto, a eles se aplica o que dos modernistas disse Pio X: “Falamos, veneráveis irmãos, de um grande número de católicos leigos... que, sob pretexto de amor à Igreja, absolutamente faltos de filosofia e teologia sérias, impregnados, pelo contrário, até a medula dos ossos, de erro... se colocam, violando, assim, toda a modéstia, como renovadores da Igreja” (Pio X, Enc. citada). (...)

Terceira Parte

Problemas internos da A.C. Capítulo I Organização, Regulamentos e Penalidades Novas concepções sobre o movimento do laicato católico Se analisarmos a fundo as críticas feitas, em certos círculos da A.C., à organização, bem como aos métodos de formação e apostolado dos sodalícios religiosos até aqui existentes, notaremos que elas se podem dividir em dois grupos. Algumas atingem defeitos extrínsecos (...). Outras críticas, entretanto, atingem a própria estrutura e fins da associação, e, ferindo precisamente o que a autoridade aprova, ferem implicitamente a própria autoridade. O que estas últimas críticas têm de particularmente perigoso é que elas implicam na afirmação de que a Ação Católica deve evitar cuidadosamente idênticos “erros”. Ora, esses “erros” não são muitas vezes senão precauções altamente salutares, de 385


que a sabedoria da Igreja cercou as associações anteriores à A.C. e que esta deverá conservar, se não quiser morrer torpedeada pelo modernismo. Depois de Dr. Plinio ter transcrito um documento sobre modas que deveria reger as Filhas de Maria, continua:

(...) Finalmente, só se admitirmos a ação mágica ou mecânica da Sagrada Liturgia poderemos conceber que jamais membro algum de tais associações transgrida a modéstia do traje ou do procedimento. De que maneira se defenderá a associação, senão punindo o membro faltoso? Como estabelecer uma punição sem lei prévia? Exageramos? Então exagerou conosco a Santa Sé. A Sagrada Congregação do Concílio, no pontificado de Pio XI em documento de 12-1-1930 decretou que: “I – Os párocos e pregadores, quando se lhes oferecer ocasião insistam, repreendam, ameacem, exortem os fiéis, segundo as palavras de São Paulo, a fim de que as mulheres se vistam de um modo que respire o pudor e seja o ornamento e a salvaguarda da virtude; (...) VIII – Nas associações piedosas de mulheres, não se admitem as que se vestem sem modéstia; se os membros da associação são repreensíveis neste ponto, sejam repreendidos e, caso não se penitenciem, sejam excluídos”. (...) e) – quanto à aplicação de penalidades aos sócios faltosos Já que tratamos destas espinhosas questões, não queremos esquivar-nos ao penoso dever de mostrar até que extremos de coerência no erro podem levar certas paixões. Já vimos sustentada a estranha doutrina de que não é próprio à A.C. excluir, suspender, ou aplicar qualquer penalidade a seus membros faltosos. No documento há pouco mencionado verificamos como a Sagrada Congregação do Concílio prescreveu às associações religiosas o dever de fulminar tais penas, e o fez em termos tais, que a A.C. de nenhum modo se poderia eximir da mesma obrigação, com o que indiretamente condenou a Sagrada Congregação do Concílio a 386


afirmação, que ora refutamos. [Grifos do Autor]. Não será supérfluo, porém, que a este argumento de autoridade, o qual aliás deveria ser suficiente, acrescentemos outros. O repúdio das penalidades decorre diretamente da negação da legitimidade ou conveniência de existirem regulamentos para as associações religiosas e para a A.C.. Demonstrada há pouco a legitimidade de tais regulamentos, caem por terra as consequências pendentes da tese contrária. (...) Punir é faltar com a caridade? (...) A estas razões, os novos erros sobre a A.C. vieram acrescentar outras. A A.C. não deve ter penalidades em seu regulamento, para não afastar de si as pessoas interessadas em obter inscrição, e porque é humilhante e contrário à dignidade humana, que o homem se oriente pelo temor e não pelo amor. Dotada a Ação Católica de processos de apostolado irresistíveis – e isto no sentido mais estrito e literal da palavra – por que usar penas que serão sempre inúteis? (...) E não são poucos, infelizmente, hoje em dia, os sodalícios em que, na mesma paz, vivem lado a lado “oves, boves... et serpentes”. E tudo isto por quê? Simplesmente porque um falso sentimentalismo religioso desarmou muitas vezes os braços dos dirigentes leigos que deveriam mover-se para, sob as ordens da Autoridade Eclesiástica, evitar que “Jerusalém se transformasse em uma cabana para guardar frutos”. Panorama real Para que compreendamos bem a necessidade de figurarem penalidades nos estatutos particulares a cada ramo da A.C., bem como de serem essas penalidades aplicadas na prática, é preciso, antes de tudo, que nos persuadamos profundamente de que não existem métodos de apostolado irresistíveis. Nosso Senhor Jesus Cristo, o Modelo Divino de apóstolo, encontrou resistências das mais cruéis, e foi de junto d’Ele, depois de ouvir por muito 387


tempo Suas adoráveis doutrinações, e de contemplar Seus exemplos infinitamente perfeitos, que saiu, de coração enregelado e alma negra, um malfeitor que não foi um criminoso qualquer, mas precisamente o maior dos malfeitores de toda a História, até que venha o Anticristo. (...) A impunidade sistemática é uma falta de caridade: a) – para com a sociedade (...) Não sabemos por que os resquícios desta mentalidade [romântica] errônea, frivolamente sentimental e claramente anticatólica, banida hoje do espírito de todas as leis, se foi aninhar precisamente em certos ambientes católicos, produzindo por vezes como consequência a manutenção, dentro de nossas organizações, de um ambiente e de métodos dilatórios tipicamente liberais, hoje proscritos de todas as nações inclusive as democráticas – e de todas as organizações particulares de fins profanos, convenientemente estruturadas. Por que foi o erro refugiar-se precisamente em alguns dos arraiais onde se combate pela Verdade? Os motivos que nos levam a reputar censurável, absurda, anárquica, a inexistência de penas efetivas e capazes de incutir temor, nas sociedades profanas, devem levar-nos a reconhecer que elas também são indispensáveis nos sodalícios religiosos. Entretanto, não é isto que se pensa ou se pratica em certos setores de nosso laicato. (...) O Espírito Santo descreveu admiravelmente a conduta perversa das almas que desprezam os justos castigos que merecem, e o fez de modo a indicar claramente que esse endurecimento era uma consequência diante da qual não deveria recuar sistematicamente o juiz. Assim, diz Ele que “aquele que abandona a disciplina experimentará a indigência e a ignomínia” (Prov., XIV, 18). E acrescenta: (...) É próprio de “homens corrompidos não amar quem os repreende” (Prov. XV, 12). Por isto, é “bem-aventurado o homem que está sempre com temor, mas o que é de coração duro cairá no mal” (Prov. XXVIII, 14). Este não 388


poderá queixar-se legitimamente do castigo que merece, já que “o açoite é para o cavalo, o freio para o asno e a vara para as costas do insensato” (Prov., XXVI, 6). Aliás, que vantagem pode auferir uma associação religiosa, conservando em seu grêmio membros tais? De que maneira podem servir? Diz o Espírito Santo: “O homem apóstata é um homem inútil, que caminha com boca perversa” (Prov., VI, 12). E acrescenta: “Com depravado coração maquina o mal, e em todo o tempo semeia distúrbios” (Prov., VI, 14). Seu apostolado é estéril: “nos frutos do ímpio não há senão turbação” (Prov., XV, 6). (...) b) – para com os que merecem a punição (...) A Providência Divina tem trazido, geralmente, por via da penitência e da punição, os maiores pecadores ao bom caminho, a tal ponto que bem podemos considerar as maiores desventuras como as mais preciosas das graças que Deus faz ao pecador. As próprias almas justas só progridem a custas das purgações espirituais, por vezes atrozes, de seus defeitos, e muita razão teve a alma piedosa que chamou ao sofrimento o oitavo Sacramento. Assim, será o caso de perguntar-se, quando erigimos em método a perpétua inaplicação de penas, se não roubamos às almas faltosas um precioso meio de emenda. (...) Na realidade, é tão precioso o efeito da pena sobre o delinquente, que “aquele que poupa a vara a seu filho odeia seu filho” como dizem os Provérbios (XIV, 24). Se a A.C. poupar a seus membros punições que forem realmente indispensáveis, odeia-os. (...). d) – para com os bons Finalmente, ainda por outro título faltamos com a caridade mantendo dentro da A.C. ou das associações auxiliares um ambiente de perpétua impunidade. Conservar dentro de uma associação elementos maus é transformá-la, de meio de santificação, em meio de perdição, expondo a perigos espirituais aqueles que à sombra da associação se tinham acolhido precisamente para fugir 389


deles. (...) E por isto a Escritura nos adverte: “não acompanhes o insensato, para que não sejas contaminado com seu pecado” (Eclesiástico, XII, 14-15). Ora é precisamente essa perigosa companhia de insensatos que se pretenderia, sob pretexto de caridade, impor a todos os membros da Ação Católica! (...) Quanta crise interna, quanta desordem, quanta divisão de espíritos seria possível evitar às vezes, se um golpe solerte libertasse determinados ambientes de elementos que deveriam já ter saído espontaneamente, por serem pessoas das quais diz a Escritura: “o homem apóstata é um homem inútil, que caminha com a boca perversa” (Prov. VI, 12). São essas as pessoas que “com depravado coração maquinam o mal, e em todo tempo semeiam distúrbios”. (Prov., IV, 14). Aliás, esses distúrbios são muitas vezes ocasionados pelo contato entre mentalidades diversas, uma ortodoxa, reta, amiga da Verdade e do Bem, e outra heterodoxa, disfarçadamente acumpliciada com todos os erros, e de antemão disposta a todas as complacências, recuos e transigências com o mal. Como evitar, neste caso, o entrechoque? Com efeito, a presença de tais elementos deve molestar os elementos sadios, (...) Serão vãos, nestes casos, todos os incitamentos à concórdia: eles terminarão inevitavelmente por uma derrota dos representantes da boa mentalidade, se o sodalício não for liberto da influência dos maus. As penas não desfalcam a A.C. de auxiliares úteis (...) É, pois, com muita razão que se deve temer a falta de energia: “Aquele que absolve o réu e o que condena o justo, AMBOS são abomináveis diante de Deus” (Prov., XVII, 15). E, por certo, “não é bom termos considerações com a pessoa do ímpio, para não nos desviarmos da verdade do julgamento” (Prov., XVIII, 6). (...) Evitemos qualquer unilateralismo Dr. Plinio advogando austeros princípios afirma que não é seu

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desejo esquecer a brandura evangélica, como afirmado na Introdução. Mas devido que sobre esta se tem insistido muito, é preciso restabelecer o equilíbrio, lembrando as verdades austeras.

“(...) Para que se veja a situação de horror em que a Igreja lança o excomungado “vitando”, note-se o seguinte: caso um indivíduo que tenha incorrido nesta pena entre numa Igreja onde se esteja celebrando o Santo Sacrifício da Missa, deve o celebrante parar até que o excomungado seja expulso do recinto.(*). (*) É este o sábio ensinamento de Vermeersch-Creusen, no seu “Epitome Juris Canonici”, tomo III, nº 469. – 1º: “O excomungado vitando deve ser expulso, se quiser assistir passiva ou ativamente aos ofícios divinos, excetuando-se a pregação da palavra divina. Se não puder ser expulso deve-se cessar o ofício desde que isso possa fazer-se sem grave incômodo” (c. 2259). “Se o vitando não quiser sair ou não puder ser expulso, o Sacerdote deve interromper a Missa, desde que não tenha começado o Canon; depois de ter começado o Canon, e antes da Consagração, pode, mas não deve continuar; depois da Consagração, deve continuar até a segunda ablução, para terminar o resto do ofício em um lugar decente e contíguo a Igreja. Cf. S.Afonso, Teologia Moral, VII, nº 177. – Os outros assistentes, com exceção do Ministro, devem retirar-se desde o momento em que se lhes tornou manifesta a pertinácia do vitando em continuar presente”. (...) Com efeito, – continua o Dr. Plinio – o justo, isto é, aquele que tem “o temor do Senhor, odeia o mal, detesta a arrogância e a soberba, o caminho corrompido e a língua dupla” (Prov. VIII, 13). Por isto, no trato com os inimigos da Igreja, e sobretudo os inimigos internos, sem jamais violar a caridade, “o homem sábio é forte e douto, robusto e valente” (Prov., XXIV, 5). Pelo contrário, que impressão penosa deixa certos “recuos estratégicos” dos bons, recuos estes que são quase sempre menos estratégicos do que se pensa: “Como uma fonte turbada com o 391


pé, e como uma veia de água corrompida, assim é o justo que cai diante do ímpio” (Prov, XXV, 26). (...) Em uma afirmação notável, que podemos repetir baseados na autoridade de seu grande nome, dizia o ínclito D. Antonio Joaquim de Melo, um dos maiores Bispos que teve o Brasil, que “a Misericórdia de Deus tem mandado mais almas para o inferno do que sua Justiça”. Em outros termos, afirmava o grande Prelado que a esperança temerária de salvação perderá maior número de almas, do que o temor excessivo da Justiça de Deus. Do mesmo modo é indiscutível que a excessiva benignidade na aplicação das penas, que ora se observa em muitas associações religiosas, e a inteira carência delas em certos setores da A.C., têm depauperado mais as fileiras dos filhos da luz, do que os atos de energia inconsiderados e talvez excessivos, eventualmente levados a cabo. (...)

Capítulo II Admissão de novos membros Se considerarmos as ideias em voga, em certos círculos da A.C., sobre o critério a seguir, para recrutar novos membros, encontraremos ainda aí um efeito desastroso das doutrinas sobre a ação mágica da participação litúrgica e da graça de estado na A.C.. Recrutamentos tumultuários (...) Fala-se muito em apostolado de infiltração. Não se pensa que nossos adversários estão na prática secular deste hábito? O ínclito bispo D. Vital, reinante Pio IX, publicou um opúsculo em que informava que certos adversários da Igreja passaram muito tempo comungando diariamente das mãos do Pontífice, a fim de lhe captar a confiança. 392


Pensem na gravíssima responsabilidade que sob todos os pontos de vista lhes cabe, os que advogam a admissão, em massa, de membros na A.C.. De certo modo, dirige-se aos que recrutam tumultuariamente os colaboradores da Hierarquia o que o Apóstolo advertia: “Não te apresses em impor as mãos a ninguém, e não te faças participante dos pecados dos outros” (I, Tim., 5, 20). (...) Esse erro se repete com crescente frequência em muitos círculos de estudos, e daí nasceu a perigosíssima doutrina de que na A.C. devem ser recebidas a esmo quaisquer pessoas, e, a breve espaço, admitidas a prestar compromisso; (...). São improfícuos (...) Ademais, a que resultados concretos chegaremos com esses recrutamentos em massa, já que os mesmos elementos que os aconselham se mostram infensos a que a A.C. determine expulsões e imponha penas? Tem-se a impressão clara de um conjunto de preceitos tão desassisados que, se tivessem sido calculados para pôr a pique o movimento católico, não poderiam realmente ser mais funestos.

Capítulo III As Associações Auxiliares – O “Apostolado de conquista” (...) Outro problema capital A mesma sede imoderada de expansão, que tem levado a A.C., em certos círculos, ao grave erro dos recrutamentos tumultuários, também gerou um estado de espírito pouco equitativo, quanto ao problema de se saber se a A.C. deve, de preferência, cuidar da santificação dos fiéis, ou da conversão dos infiéis. (...)

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A ordem na caridade manda que: (...) Acima de tudo, se deve desejar a santificação e perseverança dos que são bons; em segundo lugar, a santificação dos católicos afastados da prática da Religião; finalmente, e em último lugar, da conversão dos que não são católicos. a) – acima de tudo cuidemos da santificação e perseverança dos bons (...) Se é mais importante haver um grupo de apóstolos sacerdotais verdadeiramente santos, do que um Clero numeroso, há de ser logicamente mais importante haver um grupo de apóstolos leigos verdadeiramente interiores, do que uma inútil multidão de membros da A.C. (...). b) – Reintegremos, em segundo lugar, na vida da graça, os pecadores Os argumentos precedentes servem também para provar que mais importante é reintegrar na plenitude da lei da graça os católicos que abandonaram a prática da Religião, do que converter os infiéis. (...) Por esta razão, somos obrigados a consagrar nosso tempo, de preferência do que à conversão do infiel, à conversão do católico pecador. Com toda a propriedade se aplica aí a palavra terrível da Escritura, saída dos dulcíssimos lábios do Salvador: “Não se atira aos cães o pão destinado aos filhos”. (...) São Paulo recomenda expressamente: “Enquanto temos tempo façamos bem a todos, mas principalmente aos irmãos na Fé” (Gal. 6, 10). E, escrevendo a Timóteo (I, 6, 1-2), recomenda que, se os servos tiverem amos católicos, os sirvam melhor que aos não católicos, “porque são fiéis e amados (de Deus) e participantes do beneficio (da Redenção)”. (...) “Apostolado de conquista” (...) Por aí se compreende como é infundado interpretar num sentido exageradamente literal a expressão “apostolado de con394


quista”, muito frequentemente empregada para designar, com um entusiasmo unilateral e exclusivo, as obras de conversão dos infiéis, enquanto este título é desprezivelmente negado às obras de preservação e santificação dos bons. (...) A conversão dos infiéis é por certo uma obra empolgante, e tudo quanto dela se pudesse dizer em matéria de encômios ainda ficaria aquém da realidade. Não façamos, porém, delirar esta nobre verdade. Infelizmente, este delírio existe, e é dele que provém a paixão pelas massas e o menoscabo das elites, a monomania dos recrutamentos tumultuários, o descaso implícito ou explícito quanto às obras de preservação, etc, etc. E é ainda a esta ordem de ideias que se filia um estado de espírito curioso. Em certos círculos, há um entusiasmo tão respeitoso pelos convertidos, que, segundo a expressão de um observador muito penetrante, os que sempre foram católicos “têm uma certa vergonha de jamais haverem apostatado, a fim de poderem converter-se”. (...) A preocupação, ou antes, a obsessão do apostolado de conquista gera outro erro que mencionamos simplesmente aqui, e a respeito do qual em ulterior capítulo nos estenderemos mais. Consiste em ocultar ou subestimar invariavelmente o que há de mal nas heresias, a fim de dar ao herege, a ideia de que é pequena a distância que o separa da Igreja. Entretanto, com isto, esquecese que se oculta aos fiéis a malícia da heresia, e se aplainam as barreiras que os separam da apostasia! É o que sucederá com o uso em larga escala, ou exclusivo deste método. (...) Por isto, limitar-nos-emos a dizer que a Santa Igreja exige dos Clérigos, e até dos Bispos, que mantenham uma vida interior tanto mais intensa, quanto mais absorventes forem suas obras. (...)

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Quarta Parte

Atitudes da Ação Católica na expansão da doutrina da Igreja Capítulo I Como apresentar a Doutrina Católica Há uma grande diversidade de almas. (...) E implicitamente deve haver uma grande variedade de atitudes no apostolado. (...) Enquanto algumas [almas] se movem sobretudo pela doçura, outras se movem principalmente pelo temor; enquanto umas se sentem tocadas pela simplicidade, outras se empolgam pelo fulgor do gênio unido à Santidade; enquanto, a umas, Deus chama à conversão pelo sofrimento, a outra Deus atrai pelo caminho das honras e das consolações. Se, obedecendo às tendências modernas de padronização e de racionalização, quisermos ter apenas apóstolos de um só feitio, teremos fracassado lamentavelmente. Porque a riqueza da obra criada por Deus não se deixará comprimir nem depauperar pelas elaborações arbitrárias de nossa imaginação, e pelo panorama subjetivo que tivermos feito da realidade. Errará a “técnica de apostolado” que não tomar em consideração esta verdade fundamental. Entretanto, é a este erro, [padronização das almas] que arrastam certas concepções por demais estreitas, que, da técnica do apostolado, correm em alguns círculos da A.C.. Aceitando-se os métodos preconizados em tais círculos, dir-se-ia que a imensa variedade das almas existentes fora da Igreja se reduz a um só tipo de pessoas, idealmente bem intencionadas e cândidas, em cujo interior nenhum obstáculo voluntário se ergue contra a Fé, e que um simples equívoco de ordem meramente especulativa e sentimental mantém afastadas da Igreja. (...). 396


O “recuo estratégico”, único processo de apostolado Daí decorre toda uma tática que, uma vez adotada oficialmente na A.C., seria a canonização da prudência carnal e do respeito humano. O primeiro princípio da sabedoria consistiria em evitar sistematicamente qualquer coisa que, legitimamente ou não, pudesse causar a menor diversidade de opinião. Colocado em um ambiente acatólico, deveria o membro da A.C. salientar apenas, e sobretudo no começo, os pontos de contato entre ele e as demais pessoas presentes, calando cautelosamente as divergências. Em outros termos, o início de qualquer manobra de apostolado consistiria em criar largas zonas de “compreensão recíproca”, entre católicos e não católicos, situando-se ambos em terreno comum, neutro e simpático, por mais vago e largo que este terreno fosse. Como assaz frequentemente os incréus não professam senão um minimum muito reduzido de princípios comuns com os nossos, mandariam a caridade e a sabedoria que em nossas obras se ocultasse o cunho religioso, atraindo-os assim de modo sub-reptício à prática da Religião. Exemplifiquemos. Seria preferível falar, nos documentos de propaganda da A.C., simplesmente em “verdade”, “virtude”, “bem”, “caridade”, em sentido absolutamente a-religioso. Se, em certas situações, for possível avançar mais, deverse-á falar em Deus, mas sem pronunciar o nome adorável de Jesus Cristo. Sendo possível, falar-se-á em Jesus Cristo, mas sem mencionar a Santa Igreja Católica. Falando-se em Catolicismo, dever-se-á fazê-lo de maneira a dar ideia de que se trata de uma Religião acomodatícia e de contornos doutrinários imprecisos, que não acarretam uma profunda separação de campos. O que, tudo, implica em dizer que a linguagem agnóstica do Rotary, a linguagem deísta da Maçonaria, a linguagem pan-cristã da Associação Cristã de Moços são outras tantas máscaras, de que a A.C. se deverá servir conforme as circunstâncias, considerando-as mais eficazes para o apostolado do que uma linguagem desassombradamente católica. Como consequência rigorosa, repelem certos elementos, de 397


modo formal, passam sob silêncio, parecem esquecer e ignorar, todas as passagens da Sagrada Escritura, todas as produções dos Padres e Doutores, todos os documentos pontifícios, todos os episódios da hagiografia católica, de que ressalte a apologia do denodo, da energia, do espírito de combatividade. Procura-se ver a religião com um olho só, e quando o olho que vê a justiça se fecha para deixar apenas aberto o que vê a misericórdia, este imediatamente se perturba, e arrasta o homem à temerária presunção de se salvar, a si e aos outros, sem méritos. A Cruz de Cristo não afugenta os neófitos da A.C. Outra grande preocupação consiste em ocultar tudo quanto possa dar ao não católico ou indiferente a ideia de que a Igreja é uma escola de sofrimentos e sacrifícios. As verdades austeras são rigorosamente proscritas. Não se fala de mortificação, nem de penitência, nem de expiação. Só se fala nos deleites da vida espiritual. Por isto, reputa pouco hábil, para não dizer inteiramente inábil, tentar obter a simpatia dos incréus narrando-lhes, por exemplo, a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. O que desejam é que se fale única e exclusivamente do Cristo-Rei, do Cristo Glorioso e Triunfante. As humilhações do Horto e do Gólgota afugentariam as almas. Só as delícias do Tabor poderiam efetivamente atrair. Certo Sacerdote narrou-nos, uma vez, que na Sacristia de uma velha Irmandade ainda semi-maçonizada encontrou afixado o seguinte cartaz: “É proibido falar do Inferno”. A mesma proibição vigora nesses círculos (*). É por isto também, que tendem a considerar a Semana Santa muito mais como uma comemoração gaudiosa que faz prenunciar os triunfos da Páscoa, do que um conjunto de cerimônias destinadas a fazer compungir os fiéis, na compaixão com o Redentor, e na lamentação dos próprios pecados.

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Essas doutrinas são errôneas porque pressupõem um panorama falso (...) E por isto é falsa a ideia de que só um método de apostolado pode servir à A.C., isto é, o método das meias verdades, das meias tintas e das meias palavras. (...) (*) É importantíssimo notar que o Sagrado Concílio Tridentino ensina (c. 818) que: “Se alguém disser que o medo da gehena, pelo qual choramos os pecados e nos refugiamos na misericórdia de Deus e ao mesmo tempo nos abstemos do pecado, constitui um pecado, ou torna piores os pecadores: anathema sit”. Este texto não tem uma aplicação imediata em nosso caso, mas o modo pelo qual o mesmo Concílio define a verdade oposta a tal erro constitui um desmentido indireto à afirmação de que não se deve pregar sobre o inferno e as punições que esperam o pecador depois da morte. Diz o Concílio: “...pecatores... a divinae justitiae timore... utiliter concutiuntur” (C. 798). Assim, ninguém pode negar que seja “útil comover os pecadores por meio do temor da justiça divina”. Isto posto, como proibir ou de qualquer maneira se desaconselhar que tal se faça nos meios católicos, desde que, evidentemente, não se passe de um extremo para outro, isto é, de uma exclusiva contemplação da bondade de Deus, para uma exclusiva apreensão de sua severidade? Não contestamos, é evidente, que a meditação sobre as penas eternas seja desigualmente útil, de sorte que, proveitosíssima para uns, seja menos proveitosa para outros. De um modo geral, porém, e feita exceção de certos estados espirituais especiais, ou de casos patológicos, esse assunto tem sempre utilidade, e deve sempre ser tratado de modo claro e forte. (...) Daí, nas pugnas apostólicas, um ambiente de luta que, vivida de nossa parte santamente, e por vezes satanicamente da parte de nossos adversários, existirá até a consumação dos séculos. Com efeito, diz a Escritura que “os justos abominam o ho399


mem ímpio, e os ímpios abominam aqueles que estão no caminho reto” (Prov., XXIX, 27). (...) E por isto excluem o emprego de recursos de importância relevante Ora, quando a vontade por esta maneira se aferra ao próprio erro, é muito frequente verificar-se que só uma descrição objetiva e apostolicamente franca da fealdade de seus atos pode chegar a produzir o efeito desejado. Neste sentido, os exemplos são inúmeros na Sagrada Escritura, e as objurgatórias dos Profetas contra os pecados de Babilônia, de Nínive e do próprio povo de Deus, longe de procurarem “um terreno comum” constituem uma terrível separação de campos, em que, à claridade deslumbrante da verdadeira moral, se contrapõe, em contraste cruel, toda a abjeção do paganismo ou todo o negrume da ingratidão dos filhos de Deus. Seria um grave erro pretender que o Novo Testamento suprimiu estas manifestações cruas da verdade. Aos que lhe vieram pedir o caminho da virtude, não respondeu São João Batista procurando criar o famoso “terreno comum”. Pelo contrário, lhes disse: “Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira futura? O machado já está perto da raiz das árvores. Toda a árvore, pois, que não dá bom fruto será cortada e lançada no fogo” (S. Math. III, 7, 10). A Herodes disse francamente São João Batista o famoso “non licet tibi”, que lhe custou a vida. Era nociva esta tática? Não. (...) De que Nosso Senhor se utilizou Também Nosso Senhor, se açoitou os vendilhões do Templo, fê-lo no interesse de suas almas, e quando aos fariseus chamou de raça de víboras e sepulcros caiados, teve a intenção de causar benefícios a estas almas transviadas. O mesmo se deu com os escandalosos, dos quais disse, certamente no misericordioso intuito 400


de deter alguns à beira do pecado, que melhor seria que lhes fosse amarrada uma mó ao pescoço, e fossem atirados ao fundo do mar. E quando encheu de ameaças as cidades ingratas de Jerusalém, Corozaim e Betsaida, fê-lo com o intuito de precaver todos os povos futuros contra o mesmo pecado de ingratidão. Quanto à Apologética, basta folhear as grandes páginas dos Padres e Doutores, basta examinar por exemplo a magnífica sobranceria com que Santo Agostinho põe a ridículo todas as misérias do paganismo, na “Cidade de Deus”, para que se compreenda como a sabedoria dos melhores apologetas tem julgado indispensável este método, certamente muito diverso da criação de um “terreno comum”, para a conveniente defesa da Santa Igreja. Como em geral as Escrituras, e particularmente o Novo Testamento, costumam ser lidos com deplorável unilateralidade, citaremos no último capítulo desta obra uma série de textos que constituem um repúdio do uso sistemático da famosa tática do “terreno comum”. (...)

Capítulo II A tática do “terreno comum” A tática do “terreno comum” e o indiferentismo religioso Nunca será demais acentuar que a tática acima descrita é preconizada, não somente para uso em palestras individuais, como ainda para os jornais, revistas, conferências, cartazes e, em suma, para toda propaganda da A.C.. Subestimando, em benefício do chamado “apostolado de conquista”, o apostolado de afervoramento dos bons e o combate preventivo contra o erro nos ambientes ainda preservados, preocupam-se certos círculos da A.C. exclusivamente com o efeito de suas palavras sobre as almas situadas fora do grêmio da Igreja. (...) 401


A “tática do terreno comum” e os católicos fervorosos Quanto aos ambientes que já são católicos, o mais importante consiste em ensinar a verdade e não em combater o erro. Em outros termos, mais vale um sólido conhecimento do catecismo do que certo adestramento nas lutas da apologética. Entretanto, pode-se aliar perfeitamente uma vantagem à outra, e será sempre digno de louvor quem se empenhar em mostrar aos filhos da luz toda a tenebrosa abjeção intelectual e moral, que impera no reino das trevas. Quanto filho pródigo renunciaria ao abandono criminoso do lar, se um conselheiro prudente lhe advertisse dos riscos sem número, a que se expõe deixando os domínios paternos! É imenso o abismo que separa a Igreja da heresia, o estado de graça do pecado mortal, e será sempre uma obra de misericórdia das mais eminente, mostrar aos católicos despreocupados a temível extensão deste abismo, a fim de que não se atirem inconsideradamente em suas profundezas. Tudo isto posto, e já que, segundo demonstramos, os mais altos interesses da Igreja e as mais graves imposições da caridade nos levam a agir de preferência sobre os irmãos na Fé, chegamos à conclusão de que, fazer da famosa tática do “terreno comum” a nota dominante e a bem dizer exclusiva da propaganda da A.C., implica em grave erro. (...) A verdadeira atitude Nesse terreno, como nos demais “oportet haec facere et illa non omitere”. É preciso sobretudo e antes de tudo ser objetivo e verdadeiro. Não ocultemos o abismo que separa tudo quanto é católico do que não o é, abismo imenso, profundo, que seria mortalmente perigoso não ver. Por outro lado, não rejeitemos também os resquícios de verdades nossas que possam sobreviver nos erros do adversário. Mas guardemos sempre em nossa linguagem a preocupação de jamais tomar, a pretexto de conquista dos maus, atitudes que prejudiquem a perseverança dos bons e seu horror à 402


heresia. Aliás, é muito menor do que se pensa o valor de alguns fragmentos de bem ou de verdade que entre os hereges se podem conservar. Neste sentido vejamos, por exemplo o que S. Tomás nos ensina acerca da Fé. – Podem os infiéis fazer atos de fé? – Não Senhor, porque não creem na Revelação, ou seja, porque ignorando-a não se entregam confiadamente nas mãos de Deus, nem se submetem ao que deles exige ou porque, conhecendo-a, recusam prestar-lhe assentimento. (X). – Podem fazê-los os ímpios? – Tão pouco, porque, se bem que têm por certas as verdades reveladas, fundadas na absoluta veracidade divina, a sua fé não é efeito de acatamento e submissão a Deus, a quem detestam, ainda que com pesar seu se vejam obrigados a confessá-lo (V. 2. ad 2). – É possível que haja homens sem fé sobrenatural, e que creiam desta forma? – Sim Senhor, e nisto imitam a fé dos demônios (V., 2). – Podem crer os hereges com fé sobrenatural? – Não Senhor, porque, embora admitam algumas verdades reveladas, não fundam o assentimento na autoridade divina, senão no próprio juízo (V, 3). – Logo, os hereges estão mais afastados da verdadeira fé que os ímpios e que os mesmos demônios? – Sim Senhor, porque não se apoiam na autoridade de Deus. – Podem crer com fé sobrenatural os apóstatas? – Não Senhor, porque desprezam o que haviam crido por virtude da palavra divina (XII). (...) Cfr. P. Tomás Pègues, O. P. – “A Suma Teológica em forma de Catecismo”, páginas 92 e 93 da edição brasileira. Desse livro escreveu o Santo Padre Bento XV em carta ao autor que este soube “acomodar ao alcance de sábios e ignorantes os tesouros daquele gênio excelso (Santo Tomás de Aquino), condensando em fórmulas claras, breves e concisas, o que ele com maior amplitude e abundância escreveu”. É, pois, um resumo 403


de grande autoridade, que nos dispensa de fazer uma citação mais extensa, de S. Tomás. (...). Não ocultemos a austeridade de nossa Religião (...) Poder-se-ia objetar que a oratória e o apostolado, sendo feitos para atrair, não devem tratar de assuntos que por sua própria natureza repelem. Errôneo argumento, rejeitou-o a Sagrada Congregação Consistorial, por resolução de 28 de junho de 1917: “O pregador não deve ambicionar os aplausos de seus ouvintes, mas procurar exclusivamente a salvação das almas, a aprovação de Deus e da Igreja. Dizia São Jerônimo que o ensino, na Igreja, não deve suscitar as aclamações do povo, mas seus gemidos, e as lágrimas dos ouvintes são os louvores do pregador”. Parecenos que a ninguém seria possível exprimir-se com mais clareza. Em outros termos, nunca se deve deixar de pregar a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo “por quem o mundo está crucificado para nós, e nós para o Mundo” (Gal. 6,14). (...) A Igreja não despreza a popularidade nem a rejeita (...) Longe de nós a ideia blasfema de que a Igreja deva cultivar a impopularidade, e distanciar-se desdenhosamente das massas. Mas daí a fazer da popularidade o fruto exclusivo do apostolado, há uma distância muito grande, que o bom senso se recusa a transpor. (...) Mas não faz dela a meta de seus esforços E se porventura a malícia dos homens semear de ódios os caminhos trilhados por nossa inocência, consolemo-nos com os Santos. De São Jerônimo disse Bento XV: “Um zelo tão ardente em salvaguardar a integridade da Fé o atirava em veementíssimas polêmicas contra os filhos rebeldes da Igreja, que ele considerava seus inimigos pessoais: “Ser-me-á suficiente responder que 404


jamais poupei os hereges e que empreguei todo o meu zelo em fazer dos inimigos da Igreja meus inimigos pessoais”; em uma carta a Rufino ele escreveu: “Há um ponto em que não poderei concordar contigo: poupar os hereges, não me mostrar católico. (...) Já sabemos, Veneráveis Irmãos, que profundo respeito, que amor entusiástico ele votava à Igreja Romana e à Cátedra do Pescador. Sabemos com que vigor ele combatia os inimigos da Igreja. Aplaudindo seu jovem companheiro de armas, Agostinho, que sustentava os mesmos combates, e felicitando-se por haver como ele atraído sobre si o furor dos hereges, ele lhe escreveu: ‘honra à tua bravura!’ O mundo inteiro tem os olhos postos sobre ti. Os católicos veneram e reconhecem em ti o restaurador da antiga Fé, e sinal ainda mais glorioso [grifo no original], todos os hereges te amaldiçoam e me perseguem contigo com um ódio igual, matandonos pelos seus desejos, na impossibilidade de nos imolar sob seus gládios”. Este testemunho se acha magnificamente confirmado por Postumianus em Sulpício Severo: “Uma luta de todos os instantes e um duelo ininterrupto com os maus concentravam sôbre Jerônimo os ódios dos perversos. Nele, os hereges odeiam aquele que não cessa de os atacar; os clérigos, quem lhes recrimina a vida e os crimes. Mas todos os homens virtuosos sem exceção o amam e admiram. (...)” ( Encíclica “Spiritus Paraclitus”, de 15 de setembro de 1920). (...) A caridade não pode obnubilar a verdade Confirmando tudo quanto acabamos de ver, mencionemos, finalmente o conselho que, na magistral Encíclica sobre S. Francisco de Sales, escreveu Pio XI: “O exemplo do Santo Doutor lhes traça (aos jornalistas católicos) uma linha de conduta bem clara: – estudar com maior cuidado a doutrina católica e possuí-la na medida de suas forças; evitar que a verdade seja alterada, atenuada ou dissimulada sob pretexto de não ferir adversá405


rios. Saber, quando um ataque se impõe, refutar os erros e se opor à malícia dos operários do mal”. Desde os primeiros tempos da Igreja, tem sido esta a sua linguagem (nota 1). Se algum jornal católico dissesse, falando de hereges, que são “como animais irracionais, destinados por natureza a serem capturados e mortos” a indignação seria imensa em alguns de nossos círculos. São Pedro, entretanto, o disse (II, 12). (Nota 1: A este respeito, leia-se a obra magnífica de Sardà y Salvani, “El Liberalismo es pecado”, donde extraímos a maior parte das citações que damos a seguir.) (...) Na linguagem dos Santos encontramos expressões idênticas. Santo Inácio de Antioquia, mártir do século II, escreveu antes de seu martírio várias cartas a diversas Igrejas. Nestas, lemos sobre os hereges as seguintes expressões: “bestas ferozes” (Ephesios, VII), “lobos rapaces” (Fil. II, 2), “cães danados que atacam traiçoeiramente (Ef. VII), “bestas com rostos de homens” (Smirn. IV, 1), “hervas do diabo” (Ef. X, 1), “plantas parasitas que o pai não plantou” (Tral., XI), “plantas destinadas ao fogo eterno” (Ef. XVI, 2). Um dos mais diletos discípulos do Apóstolo do Amor foi sem dúvida São Policarpo, por intermédio de quem soube Santo Irineu que, indo certa vez o Apóstolo aos banhos, retirou-se sem se lavar, porque aí vira Cerinto, herege que negava a Divindade de Jesus Cristo, “com receio dizia, que o prédio viesse abaixo, pois nele se encontrava Cerinto, inimigo da verdade”. Pode-se imaginar que Cerinto não se sentiu satisfeito! O próprio São Policarpo, encontrando-se um dia com Marcião, herege docetista, e perguntando-lhe este se o conhecia, respondeu: “Sim, sem dúvida, és o primogênito de Satanás”. Aliás, nisto seguiam o conselho de São Paulo: “Ao herege, depois de uma ou duas advertências, evita, pois que já é perverso e condena-se por si mesmo” (Tito, III, 10). O mesmo São Policarpo, se casualmente se encontrava com hereges, exclamava tapando os ouvidos: “Deus de bondade, por 406


que me conservastes na terra a fim de suportar tais coisas?” E fugia imediatamente, para evitar semelhante companhia. No século IV, narra Santo Atanásio que Santo Antônio Eremita chamava, aos discursos dos hereges, venenos piores do que o das serpentes. Santo Tomás de Aquino, o plácido e angélico Doutor, qualificou da seguinte maneira Guilherme do Santo Amor e seus sequazes: “inimigos de Deus, ministros do diabo, membros do Anti-Cristo, inimigos da salvação do gênero humano, difamadores, réprobos, perversos, ignorantes, iguais a Faraó, piores que Joviniano e Vigilância”, que eram hereges contrários à Virgindade de Nossa Senhora. São Boaventura, Doutor Seráfico, chamou Geraldo, seu contemporâneo, “protervo, caluniador, louco, envenenador, ignorante, embusteiro, malvado, insensato, pérfido”. S. Bernardo, o Doutor Melífluo, disse de Arnaldo de Brescia, que era “desordenado, vagabundo, impostor, vaso de ignomínia, escorpião vomitado de Brescia, visto com horror em Roma, com abominação na Alemanha, desdenhado pelo Romano Pontífice, louvado pelo diabo, obrador de iniquidades, devorador do povo, boca cheia de maldição, semeador de discórdias, fabricador de cismas, lobo feroz”. Contra João, Bispo de Constantinopla, disse São Gregório Magno, que tinha “um profano e nefando orgulho, a soberba de Lúcifer, fecundo em palavras néscias, vaidoso e escasso de inteligência”. Da mesma forma falaram os Santos Fulgêncio, Próspero, Sirício Papa, João Crisóstomo, Ambrósio, Gregório Nazianzeno, Basílio, Hilário, Alexandre de Alexandria, Cornélio e Cipriano, Atenágoras, Irineu, Clemente, todos os Padres enfim da Igreja, que se distinguiram por suas virtudes heroicas. O princípio em que se inspira o procedimento de tantos Santos, condensou-o de modo admirável o suavíssimo Bispo de Genebra, São Francisco de Sales, nas seguintes palavras: “Os inimigos declarados de Deus e da Igreja devem ser difamados tanto quanto se possa, desde que não se falte a verdade, sendo obra de caridade gritar: Eis o lobo, quando está entre o rebanho ou em 407


qualquer lugar onde seja encontrado” (Filotéa, Cap. XX, da parte II). É claro que não preconizamos o uso exclusivo desta linguagem. Mas não achamos justo que ela seja acusada de contrária à caridade de Nosso Senhor Jesus Cristo. (...) Não fazemos comentários nem aplicações sobre a atualidade de todos os erros até aqui denunciados pelo Dr. Plinio no seu livro, como nos que se seguirão, pois a evidência salta aos olhos. Se bem estes erros existissem semi-ocultos em 1943, foram todos espalhados pelo mundo inteiro no pós-Concílio Vaticano II. E até “canonizados”, segundo Dom Isnard. Ouçamos o que afirma ele, em 1978, lembrando um fato já no fim da Primeira sessão do Concílio: “Mas gostaria de concluir relembrando uma cena para mim inesquecível. Na manhã de 4 de dezembro de 1963 ia ser promulgada a Constituição Sacrossanctum Concilium, sobre a liturgia. Milhares de bispos estavam chegando à Basílica de São Pedro. No momento em que eu, comovido, ia transpondo os portões de entrada, encontro providencialmente no pórtico o abade D. Martinho Michler, OSB. Eu vinha da “Domus Mariae” e ele do Colégio Santo Anselmo, e ali nos encontramos, nos abraçamos e nos felicitamos. O que ele havia ensinado em 1933, sua definição de liturgia, sua visão da integração da liturgia na vida da Igreja, tudo estava lapidarmente formulado no texto que foi aprovado por 2147 bispos contra 4 e promulgado pelo Santo Padre. A Igreja dava um passo além da Mediator Dei. Quantos pontos que os inimigos do Movimento haviam condenado como “liturgismo” ou “liturgicismo” iam ser canonizados pela Constituição conciliar! Que confusão para aqueles que haviam duvidado da ortodoxia de D. Martinho, que haviam atirado pedras no movimento, que haviam acoimado os beneditinos de hereges! Não creio que o Cardeal Bento Aloisi Masella tenha se lembrado naquela manhã do prefácio que escrevera para o livro de Plinio Corrêa de Oliveira. Mas o sorriso de D. Martinho era a expressão do gáudio, dom do Espírito, que

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tudo fazia esquecer para apenas agradecer aquele dia de alegria e vitória”.240

E na mesma obra D. Isnard escreve: “É curioso acompanhar a evolução dos acontecimentos: o grupo [do Dr. Plinio] é mais ou menos o mesmo, hoje (1978) como em 1942-1943. As ideias também não mudaram, apenas se radicalizaram. O Catolicismo repete O Legionário. Mas o mundo mudou e a Igreja se renovou. Alguns supercatólicos daquela época hoje estão à beira do cisma... [sic!] E os acoimados de heresia viram seus princípios canonizados num Concílio Ecumênico”.241

Vitória, sem dúvida, mas da Revolução através duma Igreja “renovada”, entenda-se “nova” e não da Igreja de sempre representada pelos que “não mudaram”. Ao escrever as palavras acima, 35 anos depois da publicação do Em Defesa, Dom Isnard se lembrou do Prefácio do Núncio Dom A. Masella ao livro de Dr. Plinio, mas não teve a coragem de se lembrar da carta de Mons. Montini escrita como Substituto da Secretaria de Estado do Vaticano, em 1949, aprovando o livro em nome de Pio XII. Seria muito pedir isso a Dom Isnard, pois deixaria a nu a contradição entre Mons. Montini e… Paulo VI. O que implicaria em desmascarar demais a Revolução. Portanto… silêncio.

Capítulo III O “Apostolado de infiltração” “Apostolado de infiltração” (...) Como os termos mostram, o “apostolado de infiltração” é uma forma de proselitismo que consiste em esgueirar-se o 240 – Bernard Botte, op. cit .p. 230. (Grifos nossos). 241 – op. cit. p. 223. (Grifos nossos).

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apóstolo nos ambientes não católicos, e ali trabalhar para a conquista das almas. (...) Depois de descrever, nas suas variedades, os ambientes em que uma pessoa se pode encontrar, Dr. Plinio passa a fixar “os primeiros princípios para qualquer solução”. Dos onze elencados por ele, extraímos os que seguem, mesmo assim resumidamente: Pluralidade de atitudes I – Segundo a magistral doutrina desenvolvida por D. Chautard em “A Alma de Todo Apostolado”, a primeira preocupação de quem se entrega a obras deve ser, antes de tudo, sua própria santificação. (...) Sempre que, pois, o exercício do “apostolado de infiltração”, ainda que realizado em ambientes inofensivos, implique para o membro da A.C. na necessidade de sacrificar de modo ponderável este insubstituível meio de formação [a frequência a ambientes católicos], deve-se entender que o “apostolado de infiltração” não deve ser posto em prática. III – (...) Assim, como para homens de uma emotividade normal a frequência dos ambientes claramente não familiares e dos ambientes semi-familiares de qualquer matiz acarreta causa próxima de pecado, daí decorre que a frequência a tais ambientes é inteiramente proibida aos membros da A.C.. IV – É um gravíssimo erro pretender-se que a A.C. imuniza, por certa misteriosa graça de estado, os seus membros, contra as tentações. (...) V – Dir-se-á que tal restrição à liberdade de movimentos da A.C. estancará a sua fecundidade. Mas a A.C. não é um jogo de loteria ou de roleta, em que se expõem algumas almas para ganhar outras. (...) VIII – (...) Fulminam as autoridades eclesiásticas a frequência dos lugares suspeitos, as diversões pagãs, etc. – Certas camadas da população, mais dóceis à voz da Igreja, 410


ou mais apegadas às suas tradições, relutam ainda em se conformar com os costumes novos, e para tanto se expõem à risota dos conhecidos, e ao sacrifício, que naturalmente significa qualquer diversão a que se renuncia. Qual é, sobre tais ambientes, o efeito que causa a notícia de que os membros da A.C. não só podem, mas devem aí comparecer, participando de todas as diversões, e não se recusando a si mesmos a fruição de quanto a Hierarquia condena? Aquela mesma Hierarquia, de que muitos se supõem tão orgulhosamente participantes, e implicitamente mandatários! E estes, que se creem mandatários, agem contra as intenções do mandante! Assim, ainda mesmo que algum membro da A.C. pudesse alegar que pessoalmente não lhe faz mal o comparecimento a certos locais, sua própria dignidade de membro da A.C. lhe vedará aí o acesso. (...)

Capítulo IV As associações neutras Em próxima conexão com o assunto anteriormente tratado, está o problema das associações interconfessionais ou neutras. Os termos do problema Como ninguém ignora, certas associações de classe, como sindicatos, obras de assistência, etc, podem tomar dois aspectos diversos, manifestando-se claramente católicas, ou diluindo seu caráter católico atrás de algum rótulo meramente temporal. (...) De que modo resolver o problema? Qual o tipo de organização a que se deve dar preferência? Como se vê, é ainda o problema da tática do “terreno comum”, e do “apostolado de infiltração” que aí se coloca de modo particular. Conhecemos pessoas que levam tão longe seu liberalismo neste assunto, que chegam a preferir que não se 411


fundem sindicatos católicos, para que os católicos possam infiltrar-se nos sindicatos comunistas a fim de ali converter os respectivos membros! A solução À luz dos princípios que expusemos, a solução deve ser a seguinte: I – Será sempre preferível fundar obras nitidamente católicas. Ainda que daí devessem decorrer alguns prejuízos muito sérios, as vantagens espirituais compensariam largamente estes inconvenientes. (...) III – De qualquer maneira, dar preferência às associações neutras sobre as associações oficialmente católicas, em paridade de condições, é índice de mentalidade liberal e naturalista. Com efeito, esta preferência provém quase sempre de um zelo imoderado pela solução de problemas sociais de caráter sobretudo econômico (...) É a estes objetivos que se sacrifica o caráter confessional do movimento, na esperança de encontrar maior apoio financeiro em certas esferas. (...) Também o Santo Padre Pio X desenvolveu a mesma doutrina (de Leão XIII): “(...) Segue-se daí ser necessário estabelecer e favorecer de todas as maneiras este gênero de associações confessionais católicas, nas regiões católicas, e também em todas as outras regiões, por toda a parte em que parecer possível atender por meio delas as necessidades dos associados. “Se se tratar de associações que se relacionem direta ou indiretamente com a Religião e a Moral, não seria de modo algum possível aprovar-se que nos países acima mencionados se propagassem e favorecessem associações mistas, isto é, constituídas de católicos e não católicos. Com efeito, e para nos limitarmos a este ponto, são incontestavelmente graves os perigos a que as associações desta natureza expõem ou podem certamente expor a integridade da Fé e a fiel 412


observância das leis e preceitos da Igreja Católica” (Pio X, Encicl. “Singulari quadam”, de 24 de setembro de 1912). (...) Para os espíritos serenos e imparciais, o caso é outro: “Roma locuta, causa finita est”. E as palavras do Apóstolo jamais perdem seu valor: “Foge do homem herege... sabendo que um tal homem está pervertido e peca, como quem é condenado pelo seu próprio juízo” (Tit. 3, 10-11). É este o sentimento que deve dominar todo o verdadeiro católico, neste assunto. Quão diferente deste sentimento é um desejo obsedante de colaborar com os maus, que frequentemente se nota em certos ambientes! (...)

Capítulo V Os “Círculos de Estudo” A doutrina que refutamos Na Encíclica em que condenou a associação católica de jovens chamada “Le Sillon”, depois de expor o caráter igualitário e liberal das doutrinas dessa agremiação, o Santo Padre Pio X mostrou as repercussões dessa tendência nas várias esferas de atividade da referida associação. Quando tratou dos métodos de formação intelectual empregados por “Le Sillon” para a formação de seus membros, mostrou Pio X o seu sentido nivelador, inspirados na doutrina do sufrágio universal, com as seguintes palavras: “Com efeito, não há hierarquia em “Le Sillon”. A elite que o dirige se desprendeu da massa por via de seleção, isto é, impondo-se por sua autoridade moral e suas virtudes. Entra-se livremente ali, e com a mesma liberdade se sai. Os estudos se fazem sem professor, e quando muito, com um conselheiro. Os círculos de estudos são verdadeiras cooperativas intelectuais, onde cada qual é ao mesmo tempo mestre e aluno. A camaradagem mais absoluta reina entre seus membros e põe em contacto suas almas. Daí a alma comum do “Sillon”. O próprio 413


Sacerdote, quando aí entra, rebaixa a eminente dignidade de seu Sacerdócio e, pela mais estranha inversão de papéis, se faz aluno, se põe no nível de seus jovens amigos, e não é mais senão um camarada” (Carta de 25-8-1910 ao Episcopado Francês). Lido com atenção este texto pontifício, vemos que o Santo Padre condena, nesse processo didático, os seguintes erros: I – A abolição da função de professor, reputada anti-igualitária; II – Em consequência disto, o ensino perde seu caráter tradicional, passando a constituir uma pesquisa de verdades cujos resultados são sancionados, não pela autoridade e prestígio do professor, mas, à moda democrática, pelo sufrágio e consenso dos alunos autodidatas. Em outros termos, uma anarquia pedagógica radical. (...) Conscientemente ou não, o resultado a que tais erros conduzem é sempre uma diminuição da autoridade. Não podiam, pois, os elementos dominados por tal mentalidade deixar de cair, de modo mais ou menos completo, no erro de “Le Sillon”, e por isto já ouvimos, com grande frequência, a afirmação de que aulas, cursos, etc, representam métodos antiquados de formação moral e intelectual, pelo que a A.C. não os deve utilizar de modo assíduo, nem deve fazer deles o processo principal do exercício de sua função instrutiva. Pelo contrário, apenas uma ou outra vez durante o ano se devem ou se podem realizar “semanas” com tais conferências. O círculo de estudo é o substituto jovem, interessante, democrático e atraente, dos velhos métodos didáticos rançosos, sisudos, monótonos e anti-igualitários. Em que consistem os círculos de estudos, como assaz frequentemente se realizam em certos setores da A.C.? Ainda aqui, façamos uma enumeração: I – O auditório deve ser normalmente limitado, não contando mais de uma dúzia de pessoas, entre as quais uma, com o nome de dirigente ou monitora, orienta os trabalhos. O dirigente ou 414


monitor deve tanto quanto possível ser da mesma idade e nível intelectual das demais pessoas; II – Em seu modo de agir, de falar, de orientar os trabalhos coletivos, deve o dirigente excluir cuidadosamente qualquer manifestação que o coloque na posição de um professor ou de pessoa no exercício de função que, direta ou indiretamente, implique em superioridade ou preeminência. Precisamente como um chefe de célula comunista, deve ele ser o mais acessível, o mais abordável e o mais despretensioso “camarada”, das demais pessoas presentes. O dirigente deve mesmo apagar-se de tal forma, que se suspeite o menos possível, ser ele quem, hábil e disfarçadamente, dirige o curso das ideias. (...) IV – Enquanto qualquer aula bem preparada comporta normalmente a definição clara dos termos do problema a ser estudado, a enumeração dos princípios aplicáveis ao assunto, a exposição das várias opiniões que sobre a matéria têm sido formuladas, sua crítica, o enunciado da opinião do professor e sua fundamentação; no círculo de estudo, pelo contrário, o dirigente deve ocultar cuidadosamente sua opinião pessoal, e suscitar, por meio de perguntas feitas aos presentes, que as vão ventilando sucessivamente, os vários aspectos da questão. (...) V – Ao cabo de certo tempo, se o dirigente for hábil, terá sabido encaminhar indiretamente os espíritos à posse da verdade, e isto de modo imperceptível, sendo tanto mais hábil o dirigente quanto mais espontâneos houverem parecido os debates. Não falta quem dê um cunho acentuadamente anti-intelectualista aos círculos de estudo por achar que as conclusões surgem menos do raciocínio concatenado do que da espontaneidade vital, que resultou da “comunidade”, e das várias “presenças”, que daí surgiram. (...) VII – Cada setor da A.C. deve ter um círculo para dirigentes, feito de preferência por pessoa da direção central da A.C.. Estes, por sua vez, repetem os círculos em cada paróquia da cidade e da diocese. 415


O que ela tem de bom e de mau Como, em geral, nas doutrinas que temos refutado, encontram-se aí algumas verdades, algumas utopias, e muitos erros: (...) IV– Tocamos aqui em um dos maiores erros que cometem os partidários da eliminação da aula como método de ensino. Todo ensino correto não deve apenas proporcionar ao aluno a posse da verdade, mas educá-lo para o esforço intelectual, habituar sua inteligência ao panorama largo das exposições doutrinárias de grande fôlego, aos vastos sistemas de ideias encadeadas entre si e constituindo estruturas ideológicas imponentes e fecundas. Ora, enquanto a aula bem dada proporciona este fruto ao aluno diligente e capaz, pelo contrário, o círculo de estudos, pelo seu aspecto fragmentário, tem que representar normalmente o caos. (...) VI – (...) Na prática, o cuidado de fazer círculos de estudos tem sido confiado muitas vezes a pessoas ainda na adolescência, ou de uma cultura tal, que lhes falta toda a aptidão para o assunto. (...) Por outro lado, como esperar que nosso douto e zeloso Clero possa comparecer aos inúmeros círculos, que grupinhos de dez pessoas fariam dentro da paróquia, e como esperar que a ortodoxia se mantenha, sem a presença do Sacerdote, em todos os círculos tão numerosos? De tudo quanto dissemos se deduz que o desígnio de erigir os círculos de estudos em processo exclusivo ou capital para a instrução religiosa e orientação geral dos membros da A.C. é inaceitável, do ponto de vista didático, e só pode resultar de preconceitos e tendências que não podem encontrar guarida em um católico bem formado. (...)

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Quinta Parte

A confirmação pelo Novo Testamento Capítulo único Importância deste capítulo Temos tido ocasião de citar reiteradamente, no decurso de nossa exposição, as Sagradas Escrituras, mas o leitor terá notado que as citações do Antigo Testamento têm aparecido com muito mais frequência nesta obra, do que as do Novo Testamento. (...) Fazemos a apologia de doutrinas de luta e de força, luta pelo bem é certo, e força a serviço da verdade. Mas o romantismo religioso do século passado [XIX] desfigurou de tal maneira em muitos ambientes a verdadeira noção de Catolicismo, que este aparece aos olhos de um grande número de pessoas, ainda em nossos dias, como uma doutrina muito mais própria “do meigo Rabi da Galileia” de que nos falava Renan, do taumaturgo um tanto rotariano por seu espírito e por suas obras, com que o positivismo pinta blasfemamente Nosso Senhor, parecendo ao mesmo tempo enaltecê-lo, do que do Homem-Deus que nos apresentam os Santos Evangelhos. Costuma-se afirmar, dentro desta ordem de ideias, que o Novo Testamento instituiu um regime tão suave nas relações entre Deus e o homem, ou entre o homem e o seu próximo, que todo o sentido de luta e de severidade teria desaparecido da Religião. Tornarse-iam assim obsoletas as advertências e ameaças do Antigo Testamento, e o homem teria ficado emancipado de qualquer obrigação de temor de Deus ou de luta contra os adversários da Igreja. (...) Ele [Nosso Senhor Jesus Cristo] pregou certamente a misericórdia, mas não pregou a impunidade sistemática do mal. No Santo Evangelho, se Ele nos aparece muitas vezes perdoando, 417


aparece-nos também mais de uma vez punindo ou ameaçando. Aprendamos com Ele que há circunstâncias em que é preciso perdoar, e em que seria menos perfeito punir; e também circunstâncias em que é preciso punir, e seria menos perfeito perdoar. Não incidamos em um unilateralismo de que o adorável exemplo do Salvador é uma condenação expressa, já que Ele soube fazer, ora uma, ora outra coisa. (...) Se a Misericórdia ampliou no Novo Testamento a efusão das graças, a justiça, por outro lado, encontra na rejeição de graças maiores, crimes maiores a punir. Entrelaçadas intimamente, ambas as virtudes continuam a se apoiar reciprocamente no governo do mundo por Deus. Não é exato, pois, que no Novo Testamento só haja lugar para o perdão, e não para o castigo. Os pecadores antes e depois de Cristo (...) A graça santifica os que a aceitam, mas a rejeição da graça fará um homem pior do que ele era antes de a receber. É neste sentido que o Apóstolo escreve que os pagãos convertidos ao Cristianismo e depois arrastados pelas heresias se tornam piores do que eram antes de ser cristãos. (...) Assim, a Santa Igreja tem de se defrontar no seu caminho com homens tão maus ou ainda piores do que aqueles que, vigente o Antigo Testamento, se insurgiram contra a lei de Deus. E o Santo Padre Pio XI, na Encíclica “Divini Redemptoris” declara que em nossos dias não só alguns homens mas “povos inteiros se encontram no perigo de recair em uma barbárie pior que aquela em que jazia a maior parte do mundo ao aparecer o Divino Redentor”. Neste Capítulo do Em Defesa, Dr. Plinio cita e comenta cerca de 140 textos do Novo Testamento nos quais Nosso Senhor ou os Apóstolos usam linguagem severa e increpatória. Citaremos uns poucos que servem para fundamentar o acima exposto, deixando ao leitor a possibilidade de lê-los todos adquirindo a obra ou consultando-a no site: pliniocorreadeoliveira.info (Os números são nossos). 418


A “astúcia da serpente” 1 – Comecemos pela virtude da argúcia, ou, em outros termos pela virtude evangélica da astúcia serpentina. São inúmeros os tópicos em que Nosso Senhor recomenda insistentemente a prudência, inculcando assim aos fiéis que não sejam de uma candura cega e perigosa, mas façam coexistir sua cordura com um amor vivaz e diligente, dos dons de Deus; tão vivaz e tão diligente que o fiel possa discernir, por entre mil falsas roupagens, os inimigos que os querem roubar. Vejamos um texto. “Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós com vestidos de ovelhas, e por dentro são lobos rapaces. Pelos seus frutos os conhecereis. Porventura, colhem-se uvas dos espinhos, ou figos dos abrolhos? Assim toda a árvore boa dá bons frutos, e a árvore má dá maus frutos. Não pode uma árvore boa dar maus frutos nem uma árvore má dar bons frutos. Toda a árvore que não dá bom fruto será cortada e lançada no fogo. Vós os conheceis pois pelos seus frutos” (S. Mateus, VII, 15 a 20). Este texto é um pequeno tratado de argúcia. Começa por afirmar que teremos diante de nós não só adversários de viseira erguida, mas falsos amigos, e que portanto nossos olhos se devem voltar vigilantes não só contra os lobos que de nós se aproximam com a pele à mostra, mas ainda contra as ovelhas, a fim de ver se em alguma não descobriremos sob a lã alva o pêlo ruivo e mal disfarçado de algum lobo astuto. Quer isto dizer em outros termos que o católico deve ter um espírito ágil e penetrante, sempre de atalaia contra as aparências, que só entrega sua confiança a quem mostrar, depois de exame meticuloso e arguto, que é ovelha autêntica. Mas como discernir a falsa ovelha da verdadeira? “Pelos frutos se conhecerão os falsos profetas”. Nosso Senhor afirma com isto que devemos ter o hábito de analisar atentamente as doutrinas e ações do próximo, a fim de conhecermos estes frutos segundo seu verdadeiro valor e de nos premunirmos contra eles quando maus. Para todos os fiéis esta obrigação é importante, pois que a 419


repulsa às falsas doutrinas e às seduções dos amigos que nos arrastam ao mal ou que nos retêm na mediocridade é um dever. Mas para os dirigentes de Ação Católica, aos quais incumbe, a título muito mais grave, vigiar por si e vigiar por outrem, e impedir, por sua argúcia e vigilância, que permaneçam entre os fiéis, ou subam a cargos de grande responsabilidade homens eventualmente filiados a doutrinas ou seitas hostis à Igreja, este dever é muito maior. Ai dos dirigentes em que um sentido errado de candura faça amortecer o exercício contínuo da vigilância em torno de si! Perderão com sua desídia maior número de almas do que o fazem muitos adversários declarados do Catolicismo. Incumbidos de, sob a direção da Hierarquia, fazer multiplicar os talentos, que são as almas existentes nas fileiras da Ação Católica, não se limitariam eles entretanto a enterrar o tesouro, mas permitiriam por sua “boa fé” que ele caísse nas mãos dos ladrões. Se Nosso Senhor foi tão severo para com o servo que não fez render o talento, que faria Ele a quem estivesse dormindo enquanto entrava o ladrão? Mas passemos a outro texto. – “Eis que vos mando como ovelhas no meio de lobos. Sede pois astutos como as serpentes, e simples como as pombas. Acautelai-vos, porém, dos homens, porque vos farão comparecer nos seus tribunais, e vos açoitarão nas suas sinagogas; e sereis levados por minha causa à presença dos governadores e dos reis, como testemunhos diante deles e diante dos gentios”. (S. Mateus, VII, 16 a 18). Em geral, tem-se a impressão de que este texto é uma advertência exclusivamente aplicável aos tempos de perseguição religiosa declarada, já que ele só se refere à citação perante tribunais, governadores e reis, e à flagelação em sinagogas. À vista do que ocorre no mundo, seria o caso de perguntar se há um só país, hoje em dia, em que se possa ter a certeza de que, de um momento para outro, não se estará em tal caso. De qualquer maneira, também seria errado supor-se que Nosso Senhor só recomenda tão grande prudência diante de perigos ostensivamente graves, e que de modo habitual pode um 420


dirigente de Ação Católica renunciar comodamente à astúcia da serpente, e cultivar apenas a candura da pomba. 2 – (...) Infelizmente, cria-se com tudo isso, muitas vezes, um ambiente em que o “sensus Christi” desaparece por completo e em que apenas os rótulos conservam aparência católica. Contra isto deve ser vigilante, perspicaz, sagaz, previdente, infatigavelmente minucioso em suas observações o dirigente da Ação Católica, sempre lembrando de que nem tudo que certos livros ou certos conselheiros apregoam como católico o é na realidade. “Vede que ninguém vos engane: porque muitos virão em meu nome, dizendo: Sou eu; e enganarão muitos” (S. Marcos, XIII, 5 a 6). (...) Procedimento evangélico para com os homens de má doutrina 3 – (...) Com efeito, nesta tristíssima época de ruína e de corrupção não seria explicável que não existissem, como no tempo dos Apóstolos, “falsos apóstolos, operários fingidos” que se infiltram nas fileiras dos filhos da luz e “se transformam em apóstolos de Cristo. E não é de admirar, visto que o próprio Satanás se transforma em anjo de luz. Não é pois muito que os seus ministros se transformem em ministros de justiça; mas o seu fim será segundo as suas obras” (2 Cor. 11, 13-15). Contra êstes ministros que outra arma há, senão a argúcia necessária para saber pelos atos, pelas doutrinas distinguir entre os filhos da luz e das trevas? (...) A tática do terreno comum 4 – (...) Há em nossos dias muitos espíritos tão contentáveis, que consideram católicos, apostólicos, romanos dos mais autênticos e dignos de confiança a quaisquer políticos que falem em Deus em um ou outro discurso. É a tática de só ver o que nos une e não o que nos separa. Quem diria a um desses vagos “deístas”, em certos círculos liberais, estas terríveis palavras de S. 421


Tiago: “Tu crês que há um só Deus; fazes bem; também os demônios o creem e temem” (Tg. 2, 19)? (...) Como Nosso Senhor, não recuemos diante de um aparente insucesso na prática da franqueza apostólica. 5 – (...) Como Nosso Senhor, a Igreja tem no mais alto grau a capacidade de se fazer amar por indivíduos, famílias, povos e raças inteiras. Mas por isto mesmo tem ela, como Nosso Senhor, a propriedade de ver levantar-se contra si o ódio injusto de indivíduos, famílias, povos e raças inteiras. Para o verdadeiro apóstolo, pouco importa ser amado, se esse amor não é uma expressão do amor que as almas têm ou ao menos começam a ter a Deus, ou, de qualquer maneira, não concorre para o Reino de Deus. Qualquer outra popularidade é inútil para ele e para a Igreja. Por isto disse São Paulo: “Porque, em suma, é a aprovação dos homens que eu procuro ou a de Deus? Porventura é aos homens que pretendo agradar? Se agradasse ainda aos homens, não seria servo de Cristo” (Gal. 1, 6-10). (...) A pregação das verdades severas 6 – Certos espíritos profundamente penetrados de liberalismo, têm pretendido que os fiéis, imitando o dulcíssimo Salvador, não deveriam inserir em seus incitamentos ao bem qualquer espécie de ameaças de penas futuras, pois que uma linguagem cheia de advertências desta natureza não é própria de arautos da Religião do amor. Evidentemente, não se deve fazer da apreensão das penas futuras o único móvel da virtude. Esta reserva feita, não vemos de onde tiraram aqueles liberais a ideia de que é faltar contra a caridade, falar do inferno. (...) Quanto ao inferno, ouçamos as palavras do dulcíssimo Mestre: (...) “Não vos admireis disso, porque virá tempo em que todos os que se encontram nos sepulcros ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que tiverem feito obras boas, sairão para a ressurreição 422


da vida (eterna); mas os que tiverem feito obras más, sairão ressuscitados para a condenação” (S. João, V, 28 a 29). (...) A fortaleza e a perspicácia no Novo Testamento 7 – (...) As alusões individuais são sempre consideradas censuráveis por certas pessoas. São Paulo não generalizou tanto: “Conserve a forma das sãs palavras que ouviste de mim, na fé e no amor em Jesus Cristo. Guarda o bom depósito por meio do Espírito Santo, que habita em nós. Tu sabes isto, que se apartaram de mim todos os que estão na Ásia, entre os quais estão Figelo e Hermógenes” (2 Tim. 1, 13-15). “Evita as conversas profanas e vãs, porque contribuem muito para a impiedade; e a sua palavra lavra como gangrena; entre os quais estão Himeneu e Fileto, que se extraviaram da verdade, dizendo que já se deu a ressurreição, e perverteram a fé de alguns” (2 Tim. 2, 16-18). “Alexandre, o latoeiro, fez-me muitos males; o Senhor lhe pagará segundo as suas obras. Tu também guarda-te dele, porque opõe uma forte resistência às nossas palavras” (2 Tim. 4, 14-15). (...) 8 – Vimos o que de Creta disse o Apóstolo. Para converter os gregos e judeus, julgou úteis essas palavras: “Porque já demonstramos que Judeus e Gregos estão todos no pecado, como está escrito: Não há nenhum justo; não há quem tenha inteligência, não há quem busque a Deus. Todos se extraviaram, todos a um se tornaram inúteis, não há quem faça o bem, não há sequer um. A garganta deles é um sepulcro aberto, com as suas línguas tecem enganos. Um veneno de áspides se encobre debaixo dos seus lábios; a sua boca está cheia de maldição e de amargura; e os seus pés são velozes para derramar sangue; a dor e a infelicidade estão nos seus caminhos; e não conheceram o caminho da paz; não há temor de Deus diante dos seus olhos. Ora, nós sabemos que tudo aquilo que a lei diz, o diz àqueles que estão sob a lei, para que toda a boca 423


seja fechada e todo o mundo seja digno de condenação diante de Deus” (Rom. 3, 9-19). (...) 9 – S. Pedro lhe deu [a Nosso Senhor] uma sugestão por demais humana, aconselhando-O que não fosse a Jerusalém onde O quereriam matar. A resposta foi majestosamente severa: “Ele, voltando-se para Pedro, disse-lhe: “Retira-te de mim, Satanás; tu serves-me de escândalo, porque não tens a sabedoria das coisas de Deus, mas das coisas dos homens” (S. Mateus, XVI, 23)”. (...) Aqui terminam os textos que escolhemos como exemplo, entre os 140 citados pelo Autor, sobre a severidade no Novo Testamento. Antes de passar à conclusão do livro nos pareceu necessário transcrever os textos que seguem e com os quais ele finaliza o mesmo Capítulo.

Sigamos sem restrições a lição do Evangelho Aí estão exemplos graves, numerosos e magníficos, que nos dá o Novo Testamento. Imitemo-los, pois, como imitamos também os exemplos adoráveis de doçura, paciência, benignidade e mansidão que nos deu nosso clementíssimo Redentor. Para evitar todo e qualquer mal entendido, mais uma vez acentuamos que não se deve fazer desta linguagem severa a única linguagem do apóstolo. Pelo contrário, entendemos que não há apostolado completo sem que o apóstolo saiba mostrar a divina bondade do Salvador. Mas não sejamos unilaterais, e não omitamos, por preconceitos românticos, comodismo, ou tibieza, as lições de admirável e invencível fortaleza que Nosso Senhor nos deu. Como Ele, procuraremos ser igualmente humildes e altivos, pacíficos e enérgicos, mansos e fortes, pacientes e severos. Não optemos entre umas ou outras dessas virtudes; a perfeição consiste em imitar Nosso Senhor na plenitude de seus adoráveis aspectos morais. (...) O povo brasileiro tem tal tendência para a prática das virtudes que decorrem de sentimentos delicados, que seu grande peri424


go não consiste, em via de regra, nas tendências exageradas para a crueldade e a dureza, mas para a fraqueza, o sentimentalismo e a ingenuidade. Exageros de virtude, por isso mesmo que exageros, são defeitos que cumpre à Ação Católica combater e vencer. (...) O Brasil só será o país que almejamos que ele seja, isto é, um dos maiores países de todos os tempos, se ele não se detiver na contemplação dos reflexos de ouro que existem nos traços dominantes de sua mentalidade, mas se, resolutamente, os despir da ganga que evita que este ouro brilhe com mais força e mais pureza. Isto tudo não obstante, nunca nos esqueçamos de que, na Religião Católica, nada, mas absolutamente nada se faz sem o amor, e que, portanto, ainda mesmo a severidade imposta pelas exigências da caridade deve ser exercida com olhos fitos nos limites que a circunscrevem, a ela também. (...)

Conclusão

(Do Em Defesa da Ação Católica) Desenvolvendo a longa enumeração de doutrinas, que aqui ficaram expostas, quisemos pôr em relevo o nexo íntimo que as prende, fazendo delas um só conjunto ideológico. Todas elas se ligam, próxima ou remotamente, aos seguintes princípios: uma negação dos efeitos do pecado original; uma consequente concepção da graça, como fator exclusivo da vida espiritual; e uma tendência de prescindir da autoridade, na esperança de que a ordem resulte da conjugação livre, vital, e espontânea das inteligências e das vontades. A doutrina do mandato, sustentada aliás por autores europeus, dos quais muitos são dignos de consideração por vários títulos, encontrou um terreno fértil em nosso ambiente, onde deitou frutos que muitos de seus autores não previam, e outros que, talvez, até nem se pudessem logicamente dela deduzir. (...) 425


Mas, dir-se-á, se é certo que estes erros existem, não é também certo que nosso livro, preocupando-se exclusivamente em refutá-los, revelou uma tendência unilateral para uma ordem de verdades, com olvido de outras? Voltemos mais uma vez ao que dissemos na Introdução. A doutrina católica compõe-se de verdades harmônicas e simétricas, e a perfeição do senso católico consiste em que saibamos abraçá-las todas de tal maneira que, em lugar de se comprimirem ou diminuírem umas às outras, pelo contrário se harmonizem em nosso espírito como se harmonizam na mente da Igreja. Assim, estas verdades, como as ondas de uma melodia bem executada, devem vir cada qual no lugar próprio, na ordem conveniente, e com a sonoridade adequada. Se este livro tivesse por objetivo dar uma ideia panorâmica do que a A.C. deve ser, certamente seria unilateral. Mas, como já dissemos, nossas pretensões são mais modestas. Não pretendemos executar toda a melodia, mas acentuar simplesmente certas notas, que não têm sido tocadas, e cancelar outras, que prejudicam a harmonia do conjunto. (...) Os eventuais contendores que encontrarmos poderão tomar diversas atitudes. Uns dirão que não pensam assim, que exageramos e que nosso zelo nos levou a ver com cores negras o que terá sido uma realidade inócua. A estes, pedimos desde já que, com a clareza de quem ama a verdade, e a exatidão de quem ama a clareza, digam precisamente o que pensam sobre o assunto, e que formem ao nosso lado, calorosamente, para o combate às ideias que não professam. Outros, certamente, discordarão de nós de modo claro. Não lhes pedimos senão que externem inteiramente seu modo de pensar, “ut revelentur ex multis cordibus cogitationes”. Será o maior serviço que prestarão à verdade. Outros, finalmente, perseverarão no erro, mas procurarão mudar de fórmulas e, até certo ponto, de doutrinas, porque o erro é necessariamente 426


um camaleão, quando procura medrar à sombra da Igreja. Mas nossas palavras terão servido ao menos de aviso para os espíritos argutos. De qualquer maneira, o que acima de tudo desejamos é que a diletíssima A.C. possa prosseguir na realização dos desígnios providenciais que sobre ela tem a Igreja, imaculada na doutrina, ilibada na obediência, invencível na luta e gloriosa na vitória”.

LAUS DEO VIRGINIQUE MARIAE O livro traz dois apêndices, sendo o primeiro uma carta de S.E. o Cardeal Piazza, Patriarca de Veneza e Membro da Comissão Cardinalícia para a A.C. Italiana, na qual S.E. confirma a tese de Dr. Plinio a respeito da verdadeira interpretação a ser dada ao termo “participação” (no apostolado hierárquico da Igreja), mostrando que esta palavra deve ser entendida como colaboração ou cooperação. O segundo Apêndice é a transcrição na íntegra da Carta Apostólica de São Pio X sobre “Le Sillon”, movimento condenado pelo

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Santo Pontífice que continha erros análogos em muitos aspectos aos da A.C.. Transcrevemos a seguir a nota colocada pelo próprio Dr. Plinio a que nos referimos na Parte V, Cap IV deste livro e na p. 55 do Em Defesa a respeito de uma citação do Concílio Vaticano I.

NOTA Acerca dos textos do Concílio Vaticano I, citados à p. 55 [Do “Em Defesa”] [Primeira Parte, Cap. 4], deve ser feita uma elucidação. Aqueles textos definem, de modo lapidar, doutrina comum a todos os Teólogos, isto é, que a Santa Igreja, por instituição divina, é uma sociedade desigual, na qual há uma Hierarquia incumbida de santificar, governar e ensinar, e o povo fiel, que deve ser santificado, governado e ensinado. Esta doutrina comum da Igreja, assim a exprime, com sua habitual clareza, o Pe. Felix M. Cappello, insigne professor da Universidade Gregoriana, na sua “Summa Iuris Publici Ecclesiastici”, no 324: “Todo o corpo da Igreja, por divina instituição, se divide em duas classes das quais uma é o povo, cujos componentes se chamam leigos; e a outra, cujos membros se chamam clero, à qual incumbe a realização dos fins próximos da Igreja, ou seja, santificar as almas e exercer o poder eclesiástico (can. 107; Conc. Trid. Sess. XXIII, de ordine, can. 4. Cfr. Billot, Tract. de Ecclesia Christi, p. 269 ss. ed. 3ª; Pesch, Praelectiones Dogmaticae, I n. 328 ss; Wilmers, De Christi Ecclesia, n. 385 ss, Palmieri, De Romano Pontificae – Proleg. de Ecclesia, § 11)”. Melhor não se poderia afirmar a distinção entre Hierarquia e povo, governantes e governados. E, tratando-se de doutrina comum na Igreja, pacífica entre os Teólogos, como revelada, a nenhum fiel é lícito negá-la. Assim, toda a argumentação que estabelecemos em torno dos mencionados textos do Concílio Vaticano se estriba em fundamento doutrinário indiscutível. 428


Entretanto, cumpre declarar que os textos do Concílio Vaticano [I], ao contrário do que afirmamos, por engano à p. 55, não foram objeto de definição por parte dos Padres Conciliares. Tratase não de matéria definida, mas de um esquema apresentado no Concílio, que, devido à interrupção daquela augusta assembleia, não chegou a ser proposta à deliberação dos Padres. Assim, pois, a negação da doutrina contida nestes textos pelo que acima expusemos, se insurge contra uma verdade, na Igreja sempre tida como revelada. Aliás, quanto ao caráter de organização súdita, em que se encontra a Ação Católica, que existe para auxiliar a Sagrada Hierarquia em sua função docente, há textos muito concludentes dos Sumos Pontífices. Falando do apostolado dos leigos em geral, o Santo Padre Leão XIII, na encíclica “Sapientiae Christianae”, de 10 de janeiro de 1890, depois de lembrar que a função docente pertence à Hierarquia, por direito divino, diz: “Todavia, deve-se evitar com cuidado a ideia de que seja proibido aos particulares cooperar, de certa forma, neste apostolado, sobretudo quando se trata de homens a quem Deus outorgou os dotes da inteligência e o desejo de se tornarem úteis. Todas as vezes que a necessidade exigir, estes podem, facilmente, não apropriar-se a missão de doutores, mas comunicar aos outros o que receberam, e ser assim eco do ensino dos mestres”. Em outros termos, o Santo Padre, Pio X, definiu os mesmos princípios, na encíclica “Vehementer”, de 11 de fevereiro de 1906: “A Escritura nos ensina e a tradição dos Padres no-lo confirma que a Igreja é o Corpo Místico de Cristo, corpo dirigido por Pastores e Doutores – sociedade, portanto, de homens, na qual alguns presidem aos outros com pleno e perfeito poder de governar, ensinar e julgar. É, pois, esta sociedade por sua natureza, desigual; isto é, compreende uma dupla ordem de pessoas: os pastores e a grei, ou seja, aqueles que estão colocados nos vários graus da Hierarquia e a multidão dos Fiéis. 429


E estas duas ordens são de tal maneira distintas que só na Hierarquia reside o direito e a autoridade de orientar e dirigir os associados ao fim da sociedade, ao passo que o dever da multidão é deixar-se governar e seguir com obediência a direção dos que regem”. E nem se diga que neste sentido as diretrizes de Pio XI introduziram qualquer inovação. Em seu discurso aos jornalistas católicos, de 26 de junho de 1929, o Papa exprime o desejo de que a A.C. “não somente auxilie, de modo poderoso, à Boa Imprensa, mas, pela própria força das coisas, faça desta uma das mais importantes funções, atividades e energias da própria A.C”. – Em outros termos, o apostolado da Imprensa é um apostolado típico da A.C.. Ora, para Pio XI, este apostolado pertence claramente à Igreja discente: “Os jornalistas católicos são assim preciosos portavozes para a Igreja, para sua Hierarquia, para seu ensino: por conseguinte, os porta-vozes mais nobres, mais elevados, de quanto diz e faz a Santa Madre Igreja. Desempenhando-se desta função, a Imprensa Católica, por isso, não passa a pertencer à Igreja docente; ela continua a permanecer na Igreja discente; e nem por isto deixa de ser, em todas as direções a mensageira da disciplina da Igreja docente, desta Igreja incumbida de ensinar às nações do mundo”. Assim, quanto à Hierarquia em geral, e em particular quanto ao Magistério que pertence à Hierarquia, a doutrina dos Pontífices e o ensino comum dos Teólogos confirma plenamente a proposta feita no Concílio Vaticano [I], e a argumentação que desenvolvemos à p. 55 [do livro Em Defesa] se funda em verdades que a ninguém é lícito negar, sob pena, se não de heresia, ao menos de erro na Fé. * * * Aqui terminam os textos que quisemos publicar do livro Em Defesa da Ação Católica. Continuamos a seguir com a Parte VI e última de nosso trabalho.

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Parte VI

A eficácia de Em Defesa da Ação Católica reconhecida por adversários ideológicos de Plinio Corrêa de Oliveira Capítulo I Depoimento de vários autores Como afirmamos no início deste trabalho, deixaríamos na pena de adversários ideológicos de Plinio Corrêa de Oliveira o reconhecimento da eficácia de seu livro, sob o risco de se pensar que aquilo colocado por nós correspondesse a um movimento filial, sem fundamento na realidade histórica. Além das consequências que Em Defesa trouxe para o bem da Igreja e do Brasil, que o próprio Dr. Plinio relata nas memórias que transcrevemos na Parte IV, pareceu-nos indispensável para provar a total imparcialidade de seu testemunho – especialmente em se tratando de pessoa muito conhecida, mas artificialmente “ignorada” pela mídia – confirmar a eficácia da obra com palavras de seus adversários. Mostraremos esta eficácia, sobretudo, provando o prejuízo que Em Defesa causou à Revolução no âmbito eclesiástico, ao estagnar ou diminuir o ímpeto da Ação Católica e do Movimento Litúrgico, ou ao retardar durante décadas o caminhar do processo revolucionário no Brasil. É o que se verá nos documentos que seguem. 431


A. Tristão de Athayde: Depois do Em Defesa, “a Ação Católica morreu no Brasil e... no mundo”. Em certo sentido o ataque central de Dr. Plinio no seu livro é dirigido àqueles neomodernistas que, desfigurando a expressão de Pio XI sobre a “participação” no apostolado hierárquico da Igreja, pretenderam interpretá-la como uma incorporação dos leigos da A.C. à própria Hierarquia. Era este um dos aspetos que mais marcavam a ideologia igualitária dos elementos de maior destaque do clero e leigos da A.C. dentro da organização. O Autor dedica toda a Primeira Parte de seu livro (70 págs.) para desfazer essa interpretação errada, provando que não se trata de participar, mas sim de cooperar ou colaborar como instrumentos no apostolado da Hierarquia. Quem melhor explicitou o núcleo do ataque de Dr. Plinio foi Tristão, como se vê nos depoimentos que seguem: “Rio, 22 de janeiro de 1960

– Importância da palavra “participação” “... Naquele mesmo sobrado dos fundos da Catedral, que pisei muitas vezes, nos tempos áureos da Ação Católica, dessa mesma que nasceu liturgicamente ali na Catedral, quando Dom Leme a lançou em 1935, e que hoje mudou tanto e está tão dividida em pequenos órgãos e serviços ativos, sem a mais leve sombra daquele espírito que, Dom Leme à testa, quiséramos imprimir, naqueles tempos pré-históricos e que se podia exprimir na importância que dávamos (ou pelo menos que julguei poder dar) ao termo participação. É engraçado. Logo no início, quando senti o choque da Ação Católica e pensei que ela ia ser uma nova era na vida da Igreja – e foi isso que coincidiu com o 15 de agosto [data da conversão dele em 1928] e me fez realmente jogar tudo na grande parada da conversão – impressionou-me profundamente o emprego da palavra participação na definição de Pio XI: Ação Católica “participação dos Leigos no Apostolado Hierárquico da Igreja”. Foi uma revelação para mim.

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– Substituída por “cooperação” Pois bem, pouco depois, a princípio sem dar importância ao fato, mas pouco a pouco percebendo que o esquecimento, o desuso do termo participação, e a sua substituição por cooperação, não era fortuito, tive um choque às avessas. Mas de certo modo ainda no subconsciente. Senti que, ou eu tinha exagerado a importância da palavra [participação] como sinal da nova importância do leigo na Igreja, ou então as autoridades recuavam, e recolocavam os leigos em seu lugar.

– A A.C. começou a morrer Desde então, a Ação Católica começou a morrer... Morrer em mim, sobretudo. Mas também morrer em si mesma, sendo substituída por outras coisas, que assegurassem mais a autoridade do clero. Era uma reação contra a exagerada intromissão dos leigos na vida da Igreja. Desde então senti o regresso, a decadência da Ação Católica em todos os países do mundo. Não quero exagerar. Tanto mais quanto poderão dizer, com alguma razão, que estou confundindo meu caso pessoal com o da própria Igreja. Reconheço isso. E por isso prefiro não pensar muito no assunto. (…) Mas não posso evitar a evidência. E esta é que a Ação Católica como tal, como corpo organizado autônomo, não militarizado e centralizado, como uma polícia especial para prender os hereges ... mas como um fermento na massa, como uma nuvem de dedetização. ... Isso, esse recuo, essa desimportância (como diria o Mário de Andrade) do que de início pareceu ser um novo estatuto do leigo, no próprio código de Direito Canônico, tudo isso foi sumindo, sumindo, e hoje só resta de tudo isso quase que só uma lembrança histórica... No campo da Ação Católica, os Bispos é que voltaram a agir diretamente, em geral em contato direto com o Estado, com os Governos, e o povo continuou, ou voltou a ser de novo, o rebanho passivo que comparece às procissões, às audiências e aos congressos, como às missas, apenas para ouvir, para receber, para constar. Quando penso nisso, sinto um verdadeiro frio na espinha. Será para isso que se falou tanto em “exército pacífi-

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co”, na “mobilização dos leigos” no “apostolado leigo”, etc, etc? Será que realmente essa “maioridade” dos leigos (o termo foi expressamente rejeitado por Pio XII) era apenas um desejo e um mito de nossa imaginação de cristãos-novos?” Rio, 27 de janeiro de 1960

– A palavra “participação” está na origem da crise da A.C. “Em suma, a palavra participação está na origem da crise da A.C., que começou quando trocaram a palavra pela de cooperação. Tudo voltou ao Passado. Os leigos voltaram a ajudar (cooperação) e com isso a se considerarem quites com pouca coisa, e os padres, por sua vez, ficaram tranquilos porque os leigos não se metiam mais a dar regras. E tudo pareceu voltar à rotina e à vida sem problemas. Mas o mundo marcha e o drama da miséria não pode esperar. E a Igreja se vê cada vez mais entre os dois caminhos: ou se fecha, como vem fazendo, preocupada apenas em se defender contra as novidades e os perigos das heresias e dos tempos novos – ou se abre e exerce realmente o papel que lhe cabe. Em suma, ou se contenta em ser um desinfetante ou se dispõe a ser um fermento. Esse o drama do cristianismo em nossos dias e da Igreja em particular.

– Temor de Tristão

Outro sentimento que sinto em mim, junto ao remorso, é o temor de tomar qualquer atitude. Consequência do espírito do anátema, do anátema sit... que o nosso boníssimo João XXIII permite que domine para que não se diga que é um Papa frouxo... Ou então, outro sentimento que hoje senti ao entrar na matriz: tudo nos seus lugares, tudo igual, nada muda, a igreja como um pique, um refúgio, uma sala com ar refrigerado, no meio do incêndio do mundo”.242

242 – Alceu Amoroso Lima, João XXIII, Ed. José Olympo, Rio de Janeiro, 1966, pp. 34-36. (Os grifos e subtítulos são nossos).

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– Tristão deixa a A.C. por incompreensão do papel do leigo na Igreja É o que em breves palavras relata D. Isnard: “Quando deixou a Presidência da Ação Católica Brasileira, por não ter sido compreendida por quem de direito, a posição do Leigo na Igreja, [entenda-se “participação” no apostolado Hierárquico] Alceu perdeu uma influência direta na linha diretiva, [sic!] de que antes gozava (…) Já não era mais Bispo do RJ o Cardeal Leme…”.243

Era justamente a posição que Dr. Plinio refutava no Em Defesa: O papel igualitário do leigo em relação à Hierarquia. B. Participar no apostolado hierárquico é integrar-se no ministério santificador da Hierarquia na Liturgia O Pe. J. Ariovaldo da Silva nos dá um texto que confirma a posição de Tristão quanto ao termo participação, o que faz compreender ainda uma vez mais a razão do desânimo dele quando fora substituído por cooperação. “No Rio de Janeiro, sabe-se de um curso de Ação Católica para dirigentes da Ação Católica Brasileira, dado por Mons. Leovigildo Franca (Assistente Eclesiástico), e por A. Amoroso Lima (…) a 11 de novembro de 1938. Diga-se de passagem: Mons. Franca foi também um grande batalhador pelo Movimento Litúrgico, no Rio de Janeiro. E o característico deste curso é que as palestras dadas pelo Mons. Franca basearam-se no recém-publicado livro de Beauduin, Vida Litúrgica. “Não poderia fazer melhor escolha”, comenta A Ordem, “do que a desse ‘livro de ouro’, para usar a expressão do próprio Mons. Franca”. E continua A Ordem, resumindo o tema geral das palestras: “A Ação Católica... não é uma simples coordenação de associações, mas a própria vida católica, a vida divina comunicada aos homens por intermédio do Cristo na Litur243 – Dom Clemente José Carlos Isnard, OSB, Magistério Episcopal-escritos pastorais, Nova Friburgo, p. 261. (Grifos nossos).

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gia. Participar do apostolado hierárquico não é apenas auxiliar o clero nas obras exteriores, mas sobretudo integrar-se organicamente no ministério santificador da Hierarquia, realizado nos Atos litúrgicos. Daí a importância real que o conhecimento da vida litúrgica da Igreja assume para os membros da A.C., como para os católicos em geral”.244

C. O conflito ideológico era irreconciliável Uma das principais metas de Dr. Plinio com o seu livro foi dar um brado de alarme aos católicos desprevenidos contra os erros da A.C. e do Movimento Litúrgico desmascarando-os, e assim dividir os campos entre católicos verdadeiros e neomodernistas. Com isso pretendeu criar um conflito irreconciliável. Nesse sentido é elucidativo o que escreve o progressista Luiz Alberto Gomes de Souza245: “A Ação Católica seria cenário de várias disputas de orientação. Seu presidente nacional na primeira etapa, Alceu de Amoroso Lima (…) estava ligado ao pensamento neo-tomista de Jacques Maritain, muito atacado, por setores tradicionalistas. Em São Paulo, o dirigente leigo da Ação Católica, Plinio Corrêa de Oliveira, era de tendência oposta, apoiado pelo vigário geral da arquidiocese, Pe. Castro Mayer. Plinio escreveu o livro, Em Defesa da Ação Católica (1943), para denunciar os erros liberais e modernistas, opondo-se a Amoroso Lima que publicara seu “Elementos de Ação Católica” (1938). De um lado, [de Tristão] era um esforço para entender o mundo contemporâneo, repensar o problema da liberdade, da democracia e da participação social, e de outro [do Dr. Plinio] a atitude de rejeição a tudo o que era moderno e considerado anticristão. O modelo e referência destes últimos era a velha cristandade medieval, sobre a qual Corrêa de Oliveira ensinava na Universidade. Frente a ela, Maritain, em seu livro Humanismo Integral de 1936, falava da Nova Cristandade, numa 244 – José Ariovaldo da Silva, OFM, op. cit. p. 100. (Grifos nossos). 245 – Gomes de Souza, Luiz Alberto – Sociólogo e ex-funcionário das Nações Unidas, é diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião da Universidade Cândido Mendes.

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sociedade pluralista. O conflito ideológico era profundo e irreconciliável. Cruzava-se também com a discussão sobre a liturgia, a direção nacional, com Tristão de Ataíde à frente da reforma litúrgica que tinha como centro o Mosteiro de São Bento, no RJ, sob a influência de mosteiros europeus como Maria Laach”.246

D. A campanha contra a A.C. “atingia seu ponto culminante” com Em Defesa. Grande controvérsia. O caráter militante da Igreja contra todos os seus adversários, externos ou internos, foi sempre defendido pelo Dr. Plinio que via já naquele tempo (fins dos anos 30) o amolecimento ecumênicopacifista dos católicos em face dos inimigos da Igreja. Seu livro é por um lado, como vimos, uma denúncia à posição entreguista dos católicos, e de outro, um incentivo enérgico para que estes compreendessem e retomassem o espírito militante da Igreja. Estando os católicos trabalhados pelo espírito de concessão incutido até por altos dignitários eclesiásticos, o livro entrava dividindo os campos. Ouçamos o que a este respeito nos diz o Pe. José Oscar Beozzo: “Novamente, o Cardeal Leme volta ao seu “não” categórico: para ele não se conquistam almas pela espada, mas pelo apostolado. “Não se trata de dominar, de esmagar, de vencer no sentido material. Os comunistas, os inimigos de Deus, os inimigos da Igreja são os que mais necessidade têm de contato com Nosso Senhor. Nossa missão é de facilitar o encontro”(22). Se havia os que acusavam a Ação Católica de não ir muito longe no combate religioso e político, mais numerosos eram, talvez, os que a consideravam “criptocomunista”, maculada de heresia, destruidora dos princípios de autoridade na Igreja. A controvérsia acerca de Maritain

246 – Gomes de Souza, Luiz Alberto, ACB – O Despertar da Consciência Histórica na Prep. Medellin, ed. Unisinos, Porto Alegre, 1994, pp. 184-185. (Grifos nossos).

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oferecia o pretexto de uma vasta campanha orquestrada contra a Ação Católica, na qual um dos pivôs era o jesuíta de Recife, vindo de Goa, Pe. Antonio Ciríaco Fernandes. A campanha atingia seu ponto culminante com o livro de Plinio Corrêa de Oliveira, então presidente da Junta Arquidiocesana de Ação Católica, intitulado “Em Defesa da Ação Católica”. Na verdade, ele se insurgia contra os esforços de adaptação da Ação Católica à realidade brasileira. Num espírito centrado “sobre a exatidão doutrinal”, ele atacava posições, que para eles eram frutos do liberalismo, do modernismo e de outras heresias. (…) O livro se prestou a uma grande controvérsia, devido ao fato de vir acompanhado do selo quase oficial, prefaciado que foi pelo Núncio Apostólico, Mons. Aloisi Masella”.247

E. Em Defesa: peça fundamental da resistência conservadora disseminava por todo canto desconfianças contra o Movimento Litúrgico Como Dr. Plinio relatou nas suas memórias, de um lado era preciso desmascarar os elementos neomodernistas infiltrados nos meios católicos através da A.C. e do Movimento Litúrgico, e de outro, fortificar a resistência dos católicos conservadores fiéis ao ensino tradicional da Igreja. Criando desconfiança nos referidos meios contra esses dois movimentos, o livro paralisava o empuxe revolucionário que eles tinham no início, como o reconhece Tristão no texto transcrito acima. Também confirma, nesse sentido, a eficácia do livro, o que escreve o progressista Faustino Luiz Couto Teixeira248: “Em São Paulo, o movimento mariano reforçava-se cada vez mais. Para sua expansão contava com a publicação 247 – Pe. José Oscar Beozzo, Cristãos na universidade e na política, Ed. Vozes, Petrópolis, 1984, pp. 32-33. (Grifos nossos). 248 – Couto Teixeira, Faustino Luiz. Nasceu em 1954. Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma), professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora (Minas Gerais), pesquisador do CNPq e consultor do ISER Assessoria (Rio de Janeiro).

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de um jornal “O Legionário”, semanal, sob a orientação do conhecido integralista (sic!) Plinio Corrêa de Oliveira. O grupo ligado ao jornal “O Legionário” constituía uma espécie de ponta de lança contra o movimento litúrgico. Plinio Corrêa de Oliveira chegou a lançar um livro intitulado Em Defesa da Ação Católica (…) Este livro, de 1943, constitui-se numa das peças fundamentais de apoio à resistência conservadora contra a Ação Católica e o movimento litúrgico. Trazia o prefácio do Núncio Apostólico, Mons. Aloisi Masella, que não tolerava inovações. Na realidade o núncio não havia lido o livro, tendo assinado o Prefácio confiando no Imprimatur dado por Mons. Mayer. O mesmo livro recebeu “aprovações e encômios” de pelo menos 23 arcebispos e bispos, espalhando por todo canto fortes desconfianças ao processo desencadeado pelo movimento litúrgico”.249

F. Em Defesa: fator de crise na A.C. No mesmo sentido do que vimos tratando sobre o obstáculo criado pelo livro de Dr. Plinio à revolução eclesiástica no Brasil, vejamos o que escreve o D. Bernardo Miele: – Em Defesa cria ambiente apologético Justamente nessa época os neomodernistas, inimigos das posições definidas, queriam acabar com a apologética para introduzir a era do diálogo irenista e ecumênico. Afirma o D. Miele: “Uma reflexão sobre a experiência e os estudos da Ação Católica Brasileira neste período, [fim dos anos 30 e início dos 40] leva-nos a admitir uma grande preocupação de adaptar a A.C. à realidade brasileira e, também, em alguns lugares, um interesse pelo estudo teológico, jurídico e pelos problemas de estrutura da Ação Católica. Isto se acentuou, de maneira mais profunda, em São Paulo, criando um ambiente de apologética da Ação Ca-

249 – Couto Teixeira, Faustino Luiz. A gênese das Cebs no Brasil – elementos explicativos, Ed. Paulinas, São Paulo, 1988. Coleção: Fé adulta, p. 266. (Grifos nossos) .

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tólica. Culminou com a publicação do livro “Em Defesa da Ação Católica”, do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, presidente da Junta Arquidiocesana de São Paulo. A preocupação, legítima, aliás, por uma Ação Católica extremada na exatidão doutrinária, levou o autor a versar muitas questões controversas, e generalizar alguns abusos surgidos aqui e acolá, posições que decorriam dos erros do liberalismo, do modernismo ou de outras heresias.

– Criaram-se discussões Segue o Pe. Miele:

“A crise provocada por essas discussões, levou a Ação Católica Brasileira a uma reflexão mais profunda.

– A finalidade da A.C. era mudar as mentalidades A tese de que uma das finalidades da A.C. era mudar a mentalidade do meio católico, fiel ao ensino tradicional da Igreja, foi sempre sustentada pelo Dr. Plinio. O Pe. Miele confirma e conclui: “Com a crise deste fim de período aparecia claro que a solução não era a polêmica ou a alta investigação intelectual e se aprofundar e integrar a pedagogia da “formação pela ação e na ação”. Dar sentido apostólico aos leigos, mudando-lhes a mentalidade”.250

G. Luta de morte. O que seria de nós? Descrevendo a luta levada a cabo pelo Dr. Plinio contra a A.C. e o M.L., D. Isnard não esconde o medo, o que reflete também a eficácia do Em Defesa. Afirma ele: “No momento decisivo, em que uma luta de morte se travara contra o movimento litúrgico e a Ação Católica, se levantaram alguns bispos que tomaram sua defesa, com maior ou menor ousadia. D. Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta já foi mencionado. Pela importância de sua Sé Metropolitana, sua

250 – Miele, D. Bernardo Boletim. Ação Católica no Brasil, 1960 pp. 8-10. (Os subtítulos e grifos são nossos).

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intervenção se revestiu de grande importância. Se o integrismo [entenda-se anti-modernismo] se apossasse de São Paulo, o que seria de nós?”251

H. A divisão no clero do Brasil se produziu em fins dos anos 30 ou em 43 com Em Defesa O Dr. Plinio mostrou nas suas memórias a importância e a necessidade que teve a divisão do clero no Brasil, para o bem da Igreja a da Civilização Cristã, uma vez que a maioria do laicato católico era fiel ao ensinamento tradicional da Igreja, mas que estava sendo baldeado, sem o perceber, para uma posição progressista por meio da A.C.. Para evitar que o referido laicato e parte do clero não aderissem à Revolução, foi que ele lançou o brado de alerta publicando o Em Defesa. O conhecido escritor norte-americano brasilianista e progressista Ralph Della Cava faz um interessante estudo sobre a origem da divisão ou ruptura que houve no Episcopado Brasileiro. Ele dá as diversas conclusões de diferentes autores por ele estudados sobre o assunto. Em resumo, segundo uns ou outros a ruptura se teria dado ou nos últimos anos da década de 30, ou em 43 ou em 60 ou em 63-64. Embora o texto que segue tenha sido citado na Parte IV – Cap. X 3-A, convém lembrá-lo neste conjunto. Em todas essas hipóteses, Plinio Corrêa de Oliveira figura como protagonista principal. Devido ao longo vai e vem das opiniões, as omitimos aqui citando somente a do autor, na qual destaca o papel de Dr. Plinio, sejam quais forem as datas em que a frincha se deu. Sustenta ele: “A verdade do assunto é que os bispos discordantes [com a orientação do Episcopado em matéria de reformas de estrutura e de modo especial sobre a Reforma Agrária] de 1960, Dom Antonio de Castro Mayer, de Campos, e Dom Proença Sigaud, de Diamantina, e o fundador leigo da TFP,

251 – Bernard Botte, OSB in op. cit. p. 224. (Grifos nossos).

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Professor Plinio Corrêa de Oliveira, tinham previamente unido as forças como militantes da Ação Católica nos últimos anos da década de 30. Em 1943, os três denunciaram a Ação Católica Brasileira (ACB) por “modernismo” e em 1951 fundaram e colaboraram no semanário católico conservador, “Catolicismo” (…). Se a rachadura se originou nos últimos anos da década de 30, então duas outras perguntas merecem ser feitas. As diferenças no episcopado dos anos 60 poderiam ter começado como diferenças políticas nos anos 30, (...). Estas primeiras divisões poderiam explicar a hostilidade posterior de alguns hierarcas em relação a Dom Helder Câmara (...) e depois, como capelão da ACB, juntou-se às opiniões de Maritain? Respostas satisfatórias têm que esperar pesquisas futuras”.252

I. A divisão nos meios católicos foi produzida pelo Dr. Plinio com o Em Defesa Como foi visto na Parte IV, o Dr. Plinio relata que com a publicação do Em Defesa recebeu uma carta de Tristão rompendo relações com ele, por discordar das teses do livro. Como ambos eram os homens símbolos do catolicismo, essa ruptura foi vista por alguns historiadores, com razão, como o início da divisão do meio católico. É o que escreve Américo de Paula e Silva que coloca a divisão em 1945, mas na realidade esta se deu em 1943: “As transformações da sociedade brasileira e mesmo do Catolicismo só levam a reforçar esta perspectiva de mudança. O exemplo do movimento católico leigo poderá esclarecer esta questão: em 1934, os leigos estavam unidos em torno de uma mesma proposta; em 1945, o grupo já estava se dividindo devido à discordância sobre assuntos religiosos e a diferença de interpretação da relação Igreja e sociedade; as facções passam a representar perspectivas po252 – Ralph Della Cava, Catholicism and Society in twentieth Century Brasil, Ed. Latin American Studies Association-University of North Carolina, New York, 1975, Coleção: Latin American Research Review, p. 34. (Grifos nossos).

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líticas diferentes, onde, por exemplo, um Alceu não mais concordava com as mesmas ideias do deputado católico mais votado em São Paulo, Plinio Corrêa de Oliveira”.253

J. O Legionário: “Ponta de lança contra o Movimento Litúrgico” O M.L. foi descontínuo no Brasil desde a sua criação na década de 30 até o Concílio Vaticano II, devido às oposições que encontrou, especialmente por parte de Plinio Corrêa de Oliveira e do Legionário. É Maria Carmelita de Freitas quem o afirma: “O movimento litúrgico atuante no Brasil a partir da década de trinta constitui, no início dos anos sessenta, uma autêntica força de renovação da Igreja. (…) Contudo, o caminho da renovação litúrgica no Brasil, no pré-Concílio, não se processou sem oposições e conflitos. Um dos pontos de atrito foi, precisamente, a introdução, por D. Martinho Michler, da missa dialogada e de frente para o povo. Essa forma de celebração constituía, na época, verdadeira novidade e esbarrou na resistência de não poucos bispos, o que levou à descontinuidade da prática, até os anos do Vaticano II. Mas a polêmica foi mais longe. Em São Paulo, o grupo ligado ao jornal O Legionário, que tinha como um dos seus expoentes Plinio Corrêa de Oliveira, tornou-se uma espécie de ponta de lança contra o movimento litúrgico. No Rio, um artigo do Padre Arlindo Vieira comparava o movimento litúrgico ao nazismo”.254

Essa descontinuidade de 30 anos, desde a década de 30 até o Concílio Vaticano II produziu um desgaste no processo revolucionário nos meios católicos no Brasil, que teve muita repercussão na divisão do Episcopado e do laicato em geral, como veremos no Capítulo II desta Parte. 253 – Américo de Paula e Silva, A Igreja Católica e o Estado Autoritário Brasileiro: A LEC (1930-1950), São Paulo, 1980, p. 137. (Grifos nossos). 254 – Maria Carmelita de Freitas, in op. cit. p. 260. (Grifos nossos).

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K. A massa não acompanha a Revolução pós-conciliar Embora o texto que segue do Pe. Oscar Beozzo não cite Em Defesa nem o seu Autor, é interessante lê-lo no contexto que estamos tratando, pois reconhece a reação sadia da massa católica frente às reformas conciliares. Escreve o Pe. Beozzo: – A Revolução Conciliar “Leigos foram atraídos principalmente pela eclesiologia do povo de Deus e da vocação batismal de cada cristão e por toda a revolução da Gaudium et Spes, no sentido de aceitar a bondade do mundo e o sentido salvífico das tarefas temporais, a autonomia do temporal e a reconciliação da Igreja com a modernidade: a ciência, a técnica, a democracia. Nutridos no movimento litúrgico e na teologia de Congar e de Rahner, o Concílio foi para eles o coroamento de uma estrada que já vinham percorrendo há muitos anos.

– Reação das massas populares Não era esta a situação das grandes massas populares, alimentadas numa piedade tradicional, ancoradas na devoção aos santos, nas procissões, numa teologia tirada diretamente do catecismo e traduzida numa religião mais doméstica e pouco sacramental, apoiada nas promessas e pontuada pelas grandes celebrações coletivas nas festas e nas romarias. Concílio e reforma litúrgica, teologia da secularização e ecumenismo abateram-se sobre elas como algo incompreensível. Enquanto em nível de ação católica e dos responsáveis das Igrejas a aproximação se dava com as Igrejas saídas diretamente da reforma: luteranos, anglicanos ou com o protestantismo de missão, de origem norte-americana: metodistas, presbiterianos; na área popular, o duro confronto dava-se com as Igrejas pentecostais e com seitas de todo tipo, em franca atividade proselitista e imbuídas de ânimo anticatólico.

– Abre-se uma ferida profunda na alma popular A onda iconoclasta [pós conciliar], retirando os santos das Igrejas, suprimindo procissões e proibindo manifes-

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tações populares – como congadas e reizados, dissolvendo associações e irmandades e ridicularizando devoções tradicionais, inaugurou um conflito agudo e abriram uma ferida profunda na alma popular. Só o tempo, (…) estão permitindo superar o que poderia se tornar um dos mais trágicos equívocos da recepção do Vaticano II: o afastamento das classes populares da sua compreensão e recepção”. 255

L. Aos movimentos de juventude lhes falta a dinâmica da antiga A.C.. Os autores do texto que segue, “católicos” profundamente revolucionários, declaram, noutra parte de seu trabalho, uma odiosa animadversão a Plinio Corrêa de Oliveira por sua posição radicalmente contra-revolucionária. Seu estudo é patrocinado pelo Instituto de Pesquisas Ecumênicas de Estrasburgo. Não podemos deixar de ver no texto que segue uma confirmação da opinião de Tristão sobre a morte da A.C. devido a supressão da palavra “participação”. “Tentativas de reconstrução de movimentos católicos universitários não especificamente ligados à hierarquia (como no caso da Ação Popular) acabaram no abandono explícito do seu catolicismo. No momento atual, a desestruturação da base laical do catolicismo brasileiro é visível.

E prosseguem:

“Entre os movimentos de juventude, há no catolicismo brasileiro atual um verdadeiro despertar (…), mas falta à força progressista, a presença marcante da Antiga Ação Católica”.256

255 – Pe. José Oscar Beozzo, “Herança Espiritual de João XXIII: Olhar posto no amanhã”, Ed. Paulinas, São Paulo, 1993, pp. 164-165. (Grifos e sub títulos nossos). 256 – Walter Altmann e Bertholdo Weber, “Desafio às Igrejas – Diálogo ecumênico em tempos de mudança”, Ed. Loyola, São Paulo, 1976, pp. 38-39. (Grifos nossos).

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Capítulo II Depoimentos do Pe. José Ariovaldo da Silva Reservamos um capítulo inteiro para transcrever alguns textos do Pe. José Ariovaldo da Silva tirados de seu livro O Movimento Litúrgico no Brasil – Estudo Histórico, devido ao fato de ele ter discorrido longamente na sua obra sobre o Em Defesa, mostrando tanto a força de impacto do livro como a sua eficácia no sentido de retardar a Revolução no terreno eclesiástico no Brasil e a reação vinda de Roma contra o M.L., causada por Plinio Corrêa de Oliveira. Deixamos a palavra com o Pe. Ariovaldo.257 A. Em Defesa deu muito que falar e ameaçava a credibilidade do M.L.. “Cumpre-nos agora considerar especialmente – afirma o Pe. Ariovaldo – um tema sem dúvida interessante, mas também sumamente difícil para ser tratado com imparcialidade: Controvérsias em torno do Movimento Litúrgico no Brasil. Trataremos do assunto seguindo esta linha: Iniciamos apontando algumas controvérsias surgidas já nas origens do Movimento Litúrgico no Brasil, para abordarmos então uma controvérsia típica que se dá entre a revista da Confederação das Congregações Marianas do Brasil (Estrela do Mar) e a revista do Centro D. Vital (A Ordem). Passamos a abordar um livro tipicamente polêmico, Em Defesa da Ação Católica, que deu muito que falar, e que obrigou – como já as controvérsias anteriores – a algumas atitudes decididas e públicas em defesa do Movimento Litúrgico ameaçado na sua credibilidade”.258

257 – Os subtítulos são nossos. 258 – op. cit. p. 163. (Grifos nossos).

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B. Em Defesa fazia furor “Morto D. Leme, o Vigário Capitular da Arquidiocese, Mons. Rosalvo Costa Rêgo passa a tomar medidas que evidenciam uma atitude fortemente defensiva contra a presença de um perigo ameaçador. Com a “Instrução” de 31-5-1943, lança-se em enérgica defesa das práticas extra-litúrgicas contra os que as julgam não necessárias para a santificação (…). Evidentemente que o livro de P. Corrêa de Oliveira – com o prefácio do Núncio! –, exatamente desta época e, portanto, já fazendo o seu furor (…), com toda a polêmica anterior de “Estrela do Mar”, influenciou e encorajou certamente o Vigário Capitular a tal rígida tomada de posição (…). O mesmo se diga da “Instrução” de 4-6-1943, em que proíbe na Arquidiocese as Missas dialogadas”.259

C. Em Defesa influencia moderação do Episcopado e o divide Como se verá ao longo de textos citados adiante, o Pe. Ariovaldo deixa claro o papel do Em Defesa no sentido de moderar o Episcopado e muitas vezes de fazê-lo recuar ante à revolução litúrgica. Como consequência, o clero e o laicato não acompanharam, com o ímpeto desejado pela Revolução gnóstica e igualitária, o avanço das modificações neomodernistas, obrigando a Revolução a se desmascarar anos depois, mas tendo perdido já muito terreno. Vejamos o que sustenta Pe. Ariovaldo: “Quanto ao Episcopado Nacional em geral, no Concílio Plenário Brasileiro, sabemos da extrema cautela com que os Bispos do Brasil se apresentaram diante do Movimento Litúrgico. É que as polêmicas litúrgicas por essa época já eram grandes e quentes (…). E isto certamente influenciou o Concílio. Daí a sua medrosa prudência pastoral em falar mais diretamente do assunto, para não produzir mais confusão. Preferiu limitar-se ao incentivo da instrução religiosa do povo. 259 – op. cit. p. 194. (Grifos nossos).

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De maneira geral, como vimos em capítulo anterior, o Episcopado brasileiro manteve grande reserva diante do Movimento Litúrgico neste período de 1934 a 1947. Não se encorajou muito a promover um movimento em torno do qual se faziam tantas polêmicas. Aliás, muito sintomáticas são as “aprovações e encômios” de pelo menos 23 Arcebispos e Bispos ao Em Defesa da Ação Católica de Plinio Corrêa de Oliveira (…). Um deles, após elogiar o “brilhante livro”, chega a exclamar: “Já era tempo de serem rebatidos... os graves erros, que, sem culpa dela, se estavam introduzindo nos conceitos da Ação Católica, deturpando-lhe a finalidade. Estão vingadas as salutares práticas, que o mágico liturgicismo pretendia substituir” (Carta de D. José Maurício da Rocha, bispo de Bragança, com data de 2-7-1943, publicada em Corrêa de Oliveira, P., “Em Defesa”, pp. 9-10). Como se vê, falando das Autoridades eclesiásticas brasileiras e as polêmicas litúrgicas, há quem tenha sofrido fortes pressões por causa de seu apoio e incentivo ao Movimento Litúrgico. Há quem tenha se apresentado quase hostil às inovações, a começar pelo Núncio Apostólico D. Aloisi Masella. Há quem tenha mantido uma atitude estritamente defensiva ou apenas reservada. Há quem teve que lutar para apaziguar os ânimos. Enfim, há os que se limitaram em bater palmas aos ataques desferidos contra os que trabalhavam pela restauração litúrgica. Numa palavra, as Autoridades eclesiásticas brasileiras não estavam concordes entre si quanto ao Movimento Litúrgico. Divergiam entre si quanto à maneira de encará-lo”260.

Lembramos que foi D. José Maurício quem leu a carta enviada pelo Dr. Plinio na reunião do Episcopado, pedindo para que o seu livro fosse julgado. [Cfr. Parte IV, Cap. VII]. D. Algumas Pastorais tratam do M.L. de passagem, outras até o desconhecem Confirmando o exposto no texto acima, o Pe. Ariovaldo constata: 260 – op. cit. pp. 195-196. (Grifos nossos).

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“Já abordamos especificamente quatro Cartas Pastorais. Vejamos aqui outras mais, a fim de completarmos melhor nossa pesquisa sobre a renovação litúrgica buscada pelos bispos do Brasil. Algumas Pastorais trataram do assunto apenas de passagem, outras até o desconheceram”.

Entre muitas Cartas Pastorais que o Pe. Ariovaldo enumera para exemplificar o que afirma, citamos apenas as que seguem: “Outros [bispos], quando poderiam ou deveriam falar de Liturgia, nem tocam no assunto! (…); cf. Imperativos da atualidade. Vigésima Carta Pastoral de Dom João Becker, Arcebispo Metropolitano de Porto Alegre, (…) em que fala amplamente da oração (ibid., pp. 119-126), mas não fala da Oração como tal, a litúrgica; cf. Carta Pastoral de D. Frei José de Haas, OFM., Bispo de Araçuaí, (…) em que fala da caridade, do começo ao fim, mas não fala absolutamente nada da Liturgia; cf. Dom Francisco de Aquino Corrêa S.S., Arcebispo de Cuiabá. Oportet semper orare. Carta Pastoral sobre o dever da oração, São Paulo, 1943, de 2-2-1943, onde fala o tempo todo da oração, sem tocar na oração por excelência, por exemplo, o Ofício Divino e a Santa Missa”.261

E. Dom Cabral: surgem dias de “mormaço” e “calmaria” Lembramos que D. Cabral, Arcebispo de Belo Horizonte, foi dos mais ardorosos defensores do M.L. e da A.C. e que chegou a chorar quando Dom José Maurício da Rocha leu a carta do autor de Em Defesa dirigida ao Episcopado Nacional. Antes desse fato, mas depois da publicação do livro de Dr. Plinio, D. Cabral reconhece que na A.C. surgiram “dias abafados de mormaço e calmaria”. “Menção especial merece aqui a realização do Primeiro Congresso Provincial de Ação Católica de Belo Horizonte, com cerca de 4 mil participantes inscritos. Realizado de 7 a 12 de agosto de 1943, liderado pelo Arcebispo D. Antonio 261 – op. cit. pp. 148-149. (Grifos nossos).

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dos Santos Cabral, comunicado oficialmente em sua Carta Pastoral de 14 de abril do mesmo ano e inspirado nesta, este Congresso surgiu num momento importante, num momento em que a Ação Católica necessitava de uma apresentação clara e firme de seus princípios, diante das críticas e suspeitas que se investiam contra esta e o Movimento Litúrgico (…). Como afirma D. Cabral no discurso inaugural: “Ei-lo que se vai efetuar numa atmosfera de grande espectativa e de não menores reservas (cf. “Primeiro Congresso da Ação Católica da Província Eclesiástica de Belo Horizonte”, ‘A Ordem’, n. 30, set., 1943, p. 289. Todo o discurso vem ai registrado (…). Seguiremos o texto de ‘A Ordem’).

bral:

Sobre a atmosfera da Ação Católica, acrescenta ainda D. Ca“Com efeito, após os entusiasmos tumultuares e, por isso mesmo, ineficientes, que se seguiram à veemente conclamação do Santo Padre Pio XI, às vigorosas prescrições do Episcopado Nacional transfundidas posteriormente nos Cânones do 1º Concílio Plenário Brasileiro – inoperantes ainda em grande parte – surgiram os dias abafados do mormaço e calmaria. Manifestara-se a estagnação e, para logo, as dúvidas e suspeitas que envolveram os objetivos. Os moldes e até a própria estrutura essencial da sadia organização da Cruzada da Ação Católica, como a delineara o Chefe Supremo Pio XII. Muitos espíritos, ainda entre os mais vigorosos, sentiram-se desalentados” (A Ordem, op. cit. p. 290)”.262

Embora nem Dom Cabral nem o Pe. Ariovaldo citem neste texto o Em Defesa é impossível não ver nas “reservas”, “abafamentos”, “mormaço”, “calmaria”, “estagnação” e “desalentos” no M.L. e na A.C., o efeito do livro. F. A grande força e influência de Plinio Corrêa de Oliveira se faziam ouvir em Roma Em 1947, Pio XII publicou a Encíclica Mediator Dei que 262 – op. cit. p. 102. (Grifos nossos).

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confirmava muitas das denúncias feitas por Dr. Plinio no Em Defesa, o que deu ocasião ao Legionário para mostrar o acerto do livro. A esse propósito o Pe. Ariovaldo dedica um subtítulo de sua obra, do qual extraímos o que segue, continuando assim com a finalidade deste Capítulo que é a de mostrar a eficácia do Em Defesa. O Pe. Ariovaldo, como todos os progressistas, nunca escondeu sua alergia à polêmica, optando sempre por uma atitude dialogante e ecumênica para com os inimigos da Igreja, mas jamais contra os seus verdadeiros defensores, como é o caso do Dr. Plinio. Daí as referências contínuas do Pe. Ariovaldo ao caráter polêmico dos inimigos da A.C. e do M.L.: “Enfim da pena do Bispo Dom Geraldo Sigaud sai expresso o sentimento de “uma grande consolação”: o polêmico livro de P. Corrêa de Oliveira, Em defesa da Ação Católica, é visto como uma espécie de precursor da “Mediator Dei” no Brasil, na luta contra os “erros e desatinos do Liturgicismo”. Segundo Dom Sigaud, o livro “preparou” no Brasil muitos corações “para receberem com docilidade a palavra infalível do Papa na ‘Mediator Dei’”. Portanto, como já tivemos também ocasião de acenar, este grupo [do Legionário] apresenta uma imediata leitura sem dúvida unilateral [sic!] da Encíclica de Pio XII. Não queremos duvidar de sua boa fé nesta luta pela Verdade. Mas o que estranha é esta preferência praticamente exclusivista pelas “condenações” de Pio XII ao chamado “liturgicismo”. Não se sente necessidade de sublinhar o conteúdo doutrinário e pastoral da Encíclica. Esta é vista praticamente só sob o ângulo “condenador”. Além disso, chama atenção a insistência com que este grupo toma as “condenações” para justificar e reforçar seu conhecido método polêmico de encarar os ideais e os esforços do Movimento Litúrgico no Brasil. Enfim, trata-se de um grupo representativo de toda uma linha de grande força e influência no Brasil, fazendo inclusive chegar até aos ouvidos da Santa Sé os “abusos

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litúrgicos” existentes no Brasil. E, realmente, não demorou muito para aparecer, da parte de Roma, uma advertência a todos os Bispos do Brasil, como veremos a seguir”.263

G. Plinio Corrêa de Oliveira toca fortemente a trombeta de alarme e Roma responde Referindo-se aos diversos modos pelos quais foi recebida a Encíclica Mediator Dei, o Pe. Ariovaldo afirma: “Numa terceira ala [a Encíclica] foi encarada sob um ângulo meramente “condenador” de abusos e heresias litúrgicas. Assim, sobretudo os “integristas” [entenda-se antimodernistas] ligados ao antigo O Legionário, aproveitando-se das “condenações” feitas por Pio XII encontraram apoio na própria Encíclica para esbravejar agora “com autoridade” contra seus inimigos “liturgicistas” e, ao mesmo tempo, justificar sua própria batalha anti-”herética”. Trata-se de todo um grupo muito influente desta linha. Um grupo que tudo procurava fazer para realmente levar a morte, ou, pelo menos, neutralizar os esforços do Movimento Litúrgico no Brasil, o que se deduz do próprio fato de este grupo não mostrar nenhuma preocupação em acentuar – pelo menos acenar – os valores positivos deste Movimento (Congressos, Semanas Litúrgicas, publicações, etc). Não que não tivesse havido exageros e imprudências. Mas, identificar simplesmente o Movimento Litúrgico que se desenvolvia no Brasil com o Jansenismo, parece também muito exagerado! Tratava-se de um grupo muito influente, dizíamos, e seu intento era “sanar” pela raiz a doença do “Liturgismo”, isto é, “moralizando” o próprio clero. Tão influentes eram seus membros, tão fortemente soaram a trombeta de alarme, que a própria Santa Sé resolveu intervir através da Sagrada Congregação dos Seminários, com uma carta dirigida a todos os Bispos do Brasil, advertindo-os para a vigi263 – op. cit. pp. 313-314. (Grifos nossos).

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lância na formação dos seminaristas quanto ao “gosto exagerado e pouco prudente por toda e qualquer novidade””.264

H. A carta da Santa Sé apoia os tradicionalistas “Vem a carta da Sagrada Congregação que, justamente, chama a atenção para, na formação dos futuros padres, não desmerecer a importância dos valores tradicionais prezados pela Igreja nesta formação. No entanto, metodologicamente a carta não foi muito feliz [sic!]. Atendo-se exclusivamente aos valores tradicionais de formação e espiritualidade, e censurando o “Liturgismo”, seguramente deu a entender que apoiava a ala dos tradicionalistas com uma tradição de luta anti-liturgicista, de vários anos, e desmerecia – pelo menos ignorava – a causa pela qual lutavam os simpatizantes do Movimento Litúrgico”.265

I. A carta da Santa Sé: “Um dos golpes mais fortes que levou o Movimento Litúrgico no Brasil em toda sua história”.266 A Carta da Sagrada Congregação dos Seminários ao Venerando Episcopado Brasileiro aqui referida, e da qual trataremos com pormenores mais adiante, é datada de 7 de março de 1950. Ela foi precedida pela Constituição Apostólica “Bis Saeculari Die” de 1948. Com as Encíclicas “Mystici Corporis” de 1943 e a “Mediator Dei” de 1947, “esses três documentos enunciavam, refutavam e condenavam os principais erros sobre os quais versava o livro (Em Defesa)”. (Cfr. Em Defesa da Ação Católica Ed. de 1983 p. XVII). A esses três documentos se somaram a Carta aos Bispos do Brasil, e, um ano antes, a Carta de Mons. Montini Substituto da Secretaria de Estado do Vaticano, em nome de Pio XII, dirigida a Plinio Corrêa de Oliveira, aprovando seu livro. 264 – op. cit. pp. 335-336. (Grifos nossos). 265 – op. cit. pp. 336-337. (Grifos nossos). 266 – op. cit. pp. 340-341. (Grifos nossos).

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É preciso ter presente, para entender os textos que seguem do Pe. Ariovaldo, que a Carta da Santa Sé aos Bispos do Brasil foi enviada depois que Dom Motta havia expulsado arbitrariamente o Dr. Plinio e o seu grupo do Legionário e da A.C., devido a posição claramente revolucionária do Arcebispo, como ficou dito nas memórias de Dr. Plinio. Mas eles continuaram a luta no ostracismo, e depois com as nomeações de Dom Sigaud e de Dom Mayer, bem como pelas páginas do jornal Catolicismo, em 1951. Continua o Pe. Ariovaldo: “Enfim, não podiam faltar de novo as controvérsias! E aqui chama a atenção em primeiro lugar a instrumentalização da Encíclica “Mediator Dei” feita pelos adversários do Movimento Litúrgico para golpeá-lo e ao mesmo tempo justificar a “nobreza” de seus golpes. Isso se nota nas páginas do antigo O Legionário. Isso se observa no jornal Catolicismo, da Diocese de Campos. Isso se percebe na própria Pastoral do Bispo de Campos, Dom Castro Mayer de 6-1-1953 [Refere-se à ‘Carta Pastoral sobre Problemas do Apostolado Moderno’ na qual Dom Mayer confirma as teses de “Em Defesa”]. Certamente tinham razão em chamar a atenção para o perigo dos abusos do exclusivismo litúrgico. Mas o fato de desconhecerem qualquer ponto positivo do Movimento Litúrgico no Brasil é muito significativo: o Movimento na verdade não lhes parecia mais do que um ninho de heresias destruidoras do verdadeiro catolicismo brasileiro. Realmente, os adversários faziam grande alarde. Ameaçavam. Tanto que em São Paulo o Cardeal Motta teve que intervir para defender a paz, a concórdia, a Ação Católica e o próprio Movimento Litúrgico na sua Arquidiocese [sic!]. Eram influentes. E o Movimento Litúrgico foi por eles tão negativamente pintado que mereceu uma advertência da própria Santa Sé, na carta que a Sagrada Congregação dos Seminários enviou aos Bispos do Brasil. (…) A carta da Sagrada Congregação dos Seminários propôs uma solução: acentuar a tradição, e acabar com o Liturgismo. A solução dada pela Santa Sé é válida. Mas falhou metodologicamente [sic!]. Pelo seu exclusivismo em favor da tradição e contra o Liturgismo, desconhecendo os valores positivos do Movimento Litúrgico no Brasil, deixa a

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entender ter sido muito parcial [sic!]. Deixa a entender que apoiava exclusivamente as reivindicações dos adversários do Movimento, deixa a entender que apoiava toda a guerra destes contra o Movimento, deixa a entender que dava toda a razão aos adversários do Movimento. Este foi certamente um dos golpes mais fortes que levou o Movimento Litúrgico no Brasil em toda sua história”.267

J. A carta da Santa Sé reprime os erros neomodernistas apontados no Em Defesa A referida Carta da Santa Sé e os comentários a ela feitos pelo Pe. Ariovaldo falam por si a respeito do que nos interessa nesta Parte. A ressonância que a luta de Plinio Corrêa de Oliveira teve em Roma e suas consequências no Brasil relatadas por um liturgicista que estudou a fundo a questão, como o Pe. Ariovaldo, dispensam comentários nossos. O texto é realmente longo, além de recorrente em certos pontos, mas dada a sua importância resolvemos colocá-lo quase na íntegra no Apêndice IV. * * * Como já alertamos, preferimos deixar a prova da eficácia do Em Defesa na pena dos adversários de Dr. Plinio para evitar interpretações nossas, legítimas, mas que poderiam ser consideradas como fruto de entusiasmos, portanto “descolados da realidade”. Com os documentos citados nesta Parte VI e última, estamos seguros que qualquer suposição de parcialidade filial nossa cai por terra. Para relatar o impacto do livro do Dr. Plinio e o efeito causado de que tratamos aqui, sobretudo no sentido de frear a Revolução, esfriando o entusiasmo pela A.C. e M.L. durante anos no Brasil, lembramos as palavras finais de Tristão ao Pe. Ariovaldo 267 – op. cit. pp. 340-341. (Grifos nossos)

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em carta de 2-8-80 na qual reconhece implicitamente a eficácia do Em Defesa pelo menos até vinte e poucos anos depois da publicação do livro. Depois de afirmar que os Bispos, em sua maioria, consideravam o M.L. como um modernismo e que eram conservadores, escreve: “Só o Concílio Vaticano [II] os despertou, tanto para a renovação litúrgica como para o movimento social”.268

268 – op. cit. p. 367. (Grifos nossos).

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Considerações Finais As seis Partes deste livro constituem um todo que mostra o caráter profundamente revolucionário dos elementos mais influentes e poderosos – eclesiásticos ou leigos – infiltrados na Ação Católica, e a intenção dos agentes da Revolução de destruir, em toda a medida que lhes fosse possível, a própria Igreja Católica. O Em Defesa foi um brado de alerta contra-revolucionário que, como Dr. Plinio afirmou nas suas memórias, desmascarou o clero progressista no Brasil, o qual era a principal esperança da Revolução para levar o Brasil e a América do Sul ao comunismo. * * * No início da década de 1970, Dr. Plinio manifestou a intenção de escrever outro livro com base no noticiário da triste situação em que se encontrava a Igreja, mostrando como tudo o que ele denunciara em 1943 no Em Defesa tinha se realizado. Infelizmente, não lhe foi possível concretizar este seu desejo devido aos trabalhos crescentes na direção da TFP brasileira e nos conselhos que lhe eram pedidos por outras TFPs e entidades afins existentes mundo afora. “A Igreja do Silêncio no Chile...” No entanto, algo do que desejara, ele concretizou no livro A Igreja ante a escalada da ameaça comunista – Apelo aos Bispos Silenciosos – A Igreja do Silêncio no Chile: A TFP andina proclama a verdade inteira, editado em junho de 1976, no qual ele endossava a obra publicada pela TFP chilena em fevereiro daquele ano, La Iglesia del Silencio en Chile: La TFP proclama la verdad entera. 457


Dr. Plinio dedica mais da metade de seu livro a transcrever um resumo da obra chilena. Nesta, a TFP andina denunciava com mais de 200 documentos a atitude da maioria dos Hierarcas e Sacerdotes demolidores daquele país, encabeçados pelo Cardeal Raúl Silva Henríquez, que não só facilitaram a queda do país no comunismo, mas que o ajudaram a sustentar-se nele. Na referida obra, a TFP chilena fazia um apelo aos católicos – lastreado em sólida fundamentação teológica – a “cessar a convivência eclesiástica” com os referidos Bispos e Sacerdotes, que além de terem apoiado explicitamente a candidatura à presidência do Democrata Cristão Eduardo Frei Montalva (1964-1970), ‘O Kerensky Chileno’ (ex membro da A.C.), tomaram análoga atitude frente à do marxista-leninista Salvador Allende, usando para isto sobre as almas, toda sua influência de pastores. Depois da forte reação anticomunista que se produziu no Chile, especialmente a partir das classes populares e que teve como resultado a intervenção militar de 1973 para evitar uma guerra civil, os mesmos Hierarcas e grande parte do clero andino não duvidaram em utilizar todo seu poder junto aos fiéis para, opondo-se ao Governo, reconduzir o país ao regime deposto. Foi nessa triste situação que a TFP Chilena se viu na obrigação de consciência de publicar e difundir o livro acima mencionado. Livro este revisto nos pontos mais candentes, a pedido dos autores, pelo Dr. Plinio Corrêa de Oliveira e que, meses depois, recebia o seu aval ante o público brasileiro com a publicação de A Igreja ante a escalada da ameaça comunista... O apelo da TFP chilena que acima nos referimos foi feito nos seguintes termos: “c) Assim sendo, e salvo melhor juízo, afirmamos que cessar 458


a convivência eclesiástica com tais Bispos e Sacerdotes é um direito de consciência dos católicos que a julguem insuportável. Isto é, daninha para a própria Fé e vida de piedade, e escandalosa para o povo fiel”.269 A Igreja do Silêncio no Chile… foi publicado em todos os países onde havia TFPs na época, com prólogos adotados às semelhantes situações de cada nação. Na Espanha, mil sacerdotes assinaram o prólogo da edição daquele país. Relatamos resumidamente estes fatos para provar que 33 anos depois da publicação do Em Defesa, os erros ali denunciados se difundiam pelo mundo católico inteiro, deixando patente assim o caráter profético do livro de Dr. Plinio. Calaminades na fase pós-conciliar da Igreja A Igreja entrou no pós-Concílio, conduzida por grande parte da Hierarquia do mundo inteiro, no sinistro processo de autodemolição (*) anunciado por Paulo VI em 7 de dezembro de 1968, e viu-se penetrada pela “fumaça de Satanás” segundo palavras do mesmo Pontífice pronunciadas na alocução “Resistite fortes in fide”, de 29 de junho de 1972. ----------------------------------(*) Afirmamos que a autodemolição foi conduzida pela Hierarquia, pois nenhuma instituição hierarquicamente constituída, sobretudo como a Igreja Católica, se autodemole a não ser a partir da cúpula. ----------------------------------Levando em conta que este processo chega hoje (2017) a uma etapa tão avançada – talvez ainda não seja a última – e que está patente aos olhos de todos os católicos, não nos pareceu necessário provar aqui com fatos o cumprimento, passo a passo, dos erros denunciados por Plinio Corrêa de Oliveira com mais de 70 269 – La Iglesia del Silencio em Chile – La TFP proclama la verdad entera, Impresos Esperanza y Cia. Ltda., Santiago 1976 , p. 394. (Grifos nossos).

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anos de antecedência no Em Defesa. Basta pensar no calamitoso pontificado de Francisco I para confirmar a evidência. O que se tornou evidente não precisa de provas. O papel do Em Defesa não foi eliminar a Revolução dentro da Igreja, mas sim frear o ímpeto desta, como mostramos nas Partes IV e VI deste livro. * * * Caos e sufrágio popular na Igreja Não temos a menor dúvida que, apesar do Concílio Vaticano II – sobre o qual o Dr. Plinio emitiu justo e severo juízo que transcrevemos na Parte I – a falta de persuasão de amplos setores da massa católica às teses eclesiásticas mais revolucionárias, se deveu em grande parte ao Em Defesa e a luta que a partir de então o Dr. Plinio levou a cabo contra o progressismo até 1995. Frente a essa falta de persuasão a respeito das últimas consequências do neo-modernismo, os agentes da Revolução decidiram lançar o caos na Igreja. Caos este que não é apenas uma mera confusão do entrechoque de progressistas e conservadores, como em geral se pensa, senão uma estratégia lucidamente planejada nos antros revolucionários mais iniciados e conduzida metódica e sistematicamente para levar a Santa Igreja ao estado igualitário-tribalista que Plinio Corrêa de Oliveira prevê em Revolução e Contra-Revolução que citamos na Parte I, na atualização que ele fez em 1992, mas que convém relembrar no contexto que estamos tratando. Escreve Dr. Plinio: Nesta perspectiva, que tem algo de histórico e de conjectural, certas modificações de si alheias a esse processo poderiam ser vistas como passos de transição entre o status quo pré-conciliar e o extremo oposto aqui indicado. Por exemplo, a tendência ao colegiado como modo de ser obrigatório de todo poder dentro da Igreja e como expressão de certa ‘desmonarquização’ da au460


toridade eclesiástica, a qual ipso facto ficaria, em cada grau, muito mais condicionada do que antes ao escalão imediatamente inferior. Tudo isto, levado às suas extremas consequências, poderia tender à instauração estável e universal, dentro da Igreja, do sufrágio popular, que em outros tempos foi por Ela adotado às vezes para preencher certos cargos hierárquicos; e, num último lance, poderia chegar, no quadro sonhado pelos tribalistas, a uma indefensável dependência de toda a Hierarquia em relação ao laicato, suposto porta-voz necessário da vontade de Deus. ‘Da vontade de Deus’, sim, que esse mesmo laicato tribalista conheceria através das revelações ‘místicas’ de algum bruxo, guru pentecostalista ou feiticeiro; de modo que, obedecendo ao laicato, a Hierarquia supostamente cumpriria sua missão de obedecer à vontade do próprio Deus.270 Reino do demônio na Igreja e no mundo? Neste sentido é elucidativo o artigo publicado por Alejandro Ezcurra Naón em 26 de março de 2015, difundido pela Agência Boa Imprensa, onde noticia o culto aos deuses pagãos praticado por parte do Episcopado chileno, encabeçado pelo Cardeal de Santiago Mons. Erzati e pelo Núncio de Francisco I, D. Ivo Scapolo. Segue a íntegra do artigo intitulado Assombro, Confusão, Desconcerto: “Ninguém ignora que a Igreja Católica vive hoje dias tormentosos, marcados por perseguições cruentas na Ásia e na África, e incruentas, mas não menos implacáveis, no Ocidente laicizado. Tal quadro é agravado por sérias dissenções internas como as ocorridas no último Sínodo Extraordinário de Bispos, realizado no mês de outubro de 2014, em Roma. Somam-se a esse quadro as atitudes e condutas com270 – Revolução e Contra-Revolução, Parte III, Cap. III, 2, E. (Grifos nossos).

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pletamente contraditórias de autoridades eclesiásticas em relação à sua missão de orientar o rebanho de Jesus Cristo, causando confusão, desconcerto e escândalo entre os fiéis. Uma deplorável amostra disso ocorreu no dia 17 de janeiro último no Chile, por ocasião da sagração do novo bispo diocesano de Arica, Dom Moisés Atisha.

No final da ceremônia, diante da catedral e na presença de todos os bispos assistentes – entre eles o Núncio Apostólico e o Cardeal-Arcebispo de Santiago –, realizou-se um estranho ritual pagão executado por um bruxo. Tratou-se de uma oferenda às deidades Pachamama (a terra), Tatá Inti (o sol) e os Malkus (espíritos das montanhas). Em um “altar” improvisado sobre um tapete colocado no chão, o xamã ofereceu folhas de coca, sementes, água e chicha fermentada. Em seguida, impôs colares de papel colorido ao novo bispo e ao prelado consagrante, Dom Cristian Contreras, os quais depois se ajoelharem diante do “altar” idolátrico para recolher algumas folhas de coca “bentas” pelo bruxo, parecendo que também as ofertavam. A imprensa evitou noticiar o insólito fato, mas fotografias tiradas na ocasião se difundiram nas redes sociais, causando nos fiéis estupor e repúdio generalizado.

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Tal reação de espanto é mais do que justificada. “Todos os deuses dos gentios são demônios”, adverte o Espírito Santo pela boca do salmista (Ps. 95,5). E o reitera por meio de São Paulo, quando este previne os Coríntios: “Meus queridos, fugi da idolatria”, advertindo-os de que “os pagãos oferecem seus sacrifícios aos demônios e não a Deus”. Tomado de santo zelo, o Apóstolo acrescenta: “Eu não quero que vocês entrem em comunhão com os demônios. Vocês não podem beber do cálice do Senhor e do cálice dos demônios; tampouco podem sentar-se à mesa do Senhor e à mesa dos demônios”. (I Cor.10,14ss)

* * * Alguém poderá objetar – continua o artigo – que exageramos o alcance do fato, que a oferenda desse xamã não foi um ato religioso, mas cultural, folclórico, próprio de uma pessoa ignorante em matéria de fé. Tal hipótese poderia talvez ser admitida no caso do bruxo, mas jamais no dos ministros de Jesus Cristo, bispos da Santa Igreja! Estes sabem muito bem que cultos como o da “pachamama” são formas da velha gnose panteísta, a superstição diametralmente oposta à fé católica. Dita crença nega a existência de um Deus único e pessoal, Criador de todas as coisas, e em seu lugar atribui qualidades divinas às criaturas, considerando-as fragmentos de um “deus cósmico” disseminado pelo Universo, com o qual se confundem. Este erro possui mil variantes, sendo uma delas a idolatria da Terra como um ser vivo e dotado de espírito. Cabe então perguntar: ajoelhar-se diante da “pachamama” não é propriamente “sentar-se à mesa dos demônios?”

A referida situação, utilizando-se do caos nos termos acima apontados, não teria outra finalidade que implantar na Igreja e no mundo o Reino do demônio, se a isto não se opuserem as infalíveis palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo prometendo a São Pedro que as portas do inferno não prevalecerão. No sentido do alcance de até aonde pode chegar a ação do demônio na perspectiva tribal-estruturalista afirma Dr. Plinio: 463


‘Omnes dii gentium dæmonia’, diz a Escritura (*). Nesta perspectiva estruturalista, em que a magia é apresentada como forma de conhecimento, até que ponto é dado ao católico divisar as fulgurações enganosas, o cântico a um tempo sinistro e atraente, emoliente e delirante, ateu e fetichisticamente crédulo com que, do fundo dos abismos em que eternamente jaz, o príncipe das trevas atrai os homens que negaram Jesus Cristo e sua Igreja? É uma pergunta sobre a qual podem e devem discutir os teólogos. Digo os teólogos verdadeiros, ou seja, os poucos que ainda creem na existência do demônio e do inferno. Especialmente os poucos, dentre esses poucos, que têm a coragem de enfrentar os escárnios e as perseguições publicitárias, e de falar. (*) [“Todos os deuses dos pagãos são demônios”– Sl. 95,5].271 * * * Ressaltamos que ante este intento revolucionário, há amplos setores de católicos que, mais bem acomodados e, muitas vezes, amedrontados e que não lutam, também é verdade que não se deixaram persuadir pelos erros diabólicos da Revolução. E não era outro o objetivo esperado por Dr. Plinio ao publicar o Em Defesa, e nas denúncias que coerentemente com o seu primeiro livro ele fez durante os 52 anos que se lhe seguiram. Se o clero, de alto a baixo, tivesse dado ouvidos à voz profética que se levantou em 1943, a situação da Igreja e do mundo seria diametralmente oposta à atual, evitando os terríveis castigos que cairão sobre a humanidade. A estes nos referiremos na Conclusão. – “É a Santa Igreja Católica Apostólica Romana que vive em mim” Terminamos estas considerações afirmando que tudo, abso271 – op. cit. Parte III, Cap. III, 2-A. (Grifos nossos).

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lutamente tudo, o que Plinio Corrêa de Oliveira fez foi por exclusivo amor à Santa Igreja, alma de sua alma, e que se tragédias já vimos, vemos e veremos ainda maiores na própria Igreja, só não se poderá acusar Dr. Plinio, que desde sua primeira infância até o seu último suspiro fez um contínuo e sempre crescente ato de amor à Igreja Católica Apostólica Romana. Como era o vínculo espiritual que ligava Plinio Corrêa de Oliveira à Igreja? Leiamos suas palavras de resposta emocionada a uma homenagem de seus discípulos por ocasião do sexagésimo nono aniversário de seu batismo, proferidas no dia 7 de junho de 1978: Eu amo desmedidamente pertencer à Igreja, recompensa demasiadamente grande, que me foi dada antes de eu merecer. [Dr. Plinio pronuncia algumas palavras, muito emocionado]. Meus caros, há vários aqui que eu conheço há 30 anos e há mais do que 30 anos. ... Conheço talvez há 50 anos... A eles todos, continuamente, não tenho feito outra coisa senão dizer: Amai a Santa Igreja Católica Apostólica Romana... ... Aquela Igreja a quem amo tanto, que fico até incapaz de falar sobre Ela. Isto que os senhores viram [soluços] neste momento de atitude de minha alma em relação à Igreja, não é apenas a atitude deste momento. Este é um momento de emoção. Esta é a atitude de minha alma em todos os dias, em todos os minutos, em todos os instantes: procurar com os olhos a Igreja Católica e estar imbuído do espírito d’Ela, tê-La dentro de minha alma, ter-me inteiro dentro d’Ela. E se Ela for abandonada por todos os homens, na medida em que isto seja possível, sem que Ela deixe de existir, tê-La inteira dentro de mim. Viver só para Ela, de tal maneira que eu possa dizer, ao morrer: “Realmente, eu fui um varão católico e todo apostólico, romano! Romano e romano!” Apesar de todas as misérias, de todas as tristezas que a palavra romano hoje comporta. 465


Se os senhores querem conhecer-me, querem seguir-me, procurem ver de que maneira é que existe na minha alma o espírito da Igreja. (...) Em mim, uma só coisa é desejo fundamental, só uma coisa quereria dos senhores: que os senhores procurassem, em mim, ver o que tenho de católico; o que é que é a Santa Igreja em mim. O batismo, que recebi há tantas décadas, que marca deixou em mim; como foi desenvolvido ao longo da vida; por onde pertenço à Igreja; por onde reflito a Santa Igreja Católica Apostólica Romana e a amo ao ponto que os senhores acabaram de ver. (...) São assim todos os instantes de minha vida. Estes são todos os instantes de minha vida. Eu posso dizer que, com a graça de Nossa Senhora, não há um só instante de minha vida – mas instante, hein!, eu entendo por instante fragmento de minuto – em que nem sequer dormindo meu amor à Igreja Católica é menor do que neste momento em que os senhores acabam de ver. [De emoção]. Como poderia este amor ser como é, sem que eu visse a Igreja de um determinado modo? Aquilo que se ama, ama-se porque se viu. Ama-se, porque se compreendeu. Ama-se, enfim, porque se aderiu de toda a alma. Ama-se de modo tal que a palavra aderir é fraca. Se entranhou! Penetrou! Deixou-se penetrar! Estabeleceu um conúbio de alma, tanto quanto a fraqueza humana permite, indissolúvel e completo, para a vida e para a morte, para o tempo e para a eternidade. É isso que é a nossa pertencença à Igreja Católica. Pode-se dizer, de algum modo, dessa pertencença, o que São Paulo falou a respeito de Nosso Senhor Jesus Cristo: “Já não sou eu quem vive, mas Jesus Cristo vive em mim!” Em nós, nós somos chamados a que isso se realize 466


desta maneira: “Já não sou eu que vivo, mas a Igreja Católica Apostólica Romana que vive em mim”. É a Santa Igreja Católica Apostólica Romana que vive em mim, como vive em cada um daqueles que queiram abrir-se para Ela inteiramente. Este é o modo de Nossa Senhora viver em mim! Nossa Senhora é mãe da Igreja Católica. Se eu quiser que Nossa Senhora viva em mim, é fazer o espírito da Igreja viver em mim, e Nossa Senhora viverá em mim. Ela é o Templo do Espírito Santo. Se eu quiser que Nosso Senhor Jesus Cristo viva em mim, é fazer com que o espírito da Santa Igreja Católica Apostólica Romana viva em mim. E quando digo que já não sou eu que vivo, mas a Igreja Católica que vive em mim, eu digo implicitamente que são Nossa Senhora e Nosso Senhor Jesus Cristo que vivem em mim. A todos continuamente, não tenho feito outra coisa que dizer: amem à Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana! É este o ideal de minha vida espiritual, de minha vida intelectual, de meu apostolado, o substrato de toda minha existência. Eu contemplo continuamente a Santa Igreja, e do fundo de minha alma irrompe continuamente esta consideração: Enquanto houver Ela na Terra, a minha vida tem razão de ser. Se algum dia, Ela tiver que morrer, eu morreria dando a Ela um amor que participa de algum modo da adoração. Mas quando eu a visse morrendo, quereria morrer, porque minha vida já não era mais nada. Os meus ossos se desligariam, todo meu ser se desarticularia, porque o sol d’Ela não estava mais presente: a Santa Igreja Católica Apostólica Romana! A respeito da união transformante com a Igreja a que certas almas podem chegar e que encontra consonância com as palavras 467


acima pronunciadas por Dr. Plinio, transcrevemos em nota272 o que nesse sentido afirma de si mesmo o Beato Francisco Palau i Quer, O.C.D. (1811-1872), cujo segundo centenário se comemorou em 2011, para o qual – como dissemos na Parte I – o Arcebispo de Barcelona, Cardeal Luis Sistach inaugurou solenemente o Ano Jubilar Palausiano. Quando Dr. Plinio tomou conhecimento da eclesiologia do Beato Palau i Quer, o colocou entre os padroeiros da TFP nas orações oficiais. Desafio de Plinio Corrêa de Oliveira a seus adversários É com trasbordamento de alegria e de gratidão ao Dr. Plinio por ter iniciado com o livro Em Defesa da Ação Católica a Contra-Revolução na Igreja que concluímos estas considerações finais com um desafio feito por ele mesmo a seus adversários. Com efeito, em reunião de 6 de fevereiro de 1982, ao cumprir-se sete anos do desastre de au272 – Escreve o Beato Palau: “Vendo que as forças humanas não bastam para por freio aos gravíssimos males que afligem à Igreja, em certas ocasiões me retiro a uma ilha (...) do mar Mediterrâneo ficando aí por alguns dias para unir-me com Deus e sua Igreja em fé, esperança e amor, e para seguir suas ordens. (...). A presença da Igreja em mim, em fé, e amor, em forma e figura, na minha alma e em meu corpo, numa palavra na minha pessoa, me tem transformado n’Ela. (...) Tenho sido transformado na Igreja”. “Tenho-me despojado de mim, fazendo um dom à Igreja e dizendo-lhe: ‘Recebe, ó Igreja santa, aceita, ó Virgem bela, este sinal de meu amor por ti em sacrifício sobre este altar. E tu, altar, sejas testemunha que eu não sou mais meu, eu já não pertenço a mim mesmo. Sou propriedade e herança de minha amada Igreja’ (...) Tenho me unido com Ela e Ela comigo num verdadeiro matrimônio espiritual, de tal maneira que a carne e o mundo não conhecem. Quem poderá compreender este mistério?” – (Cfr. revista Tradizione Famiglia Proprietà, março de 2011, p. 23 e Mis relaciones com la Iglesia, in Obras Selectas, Editorial Monte Carmelo, Burgos, 1988, pp. 356, 381-382, 560.) (Grifos nossos).

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tomóvel que o Dr. Plinio sofreu em 1975, algumas horas depois de ter feito o oferecimento de um grande sacrifício a Nossa Senhora pela Igreja e pela Contra-Revolução, os seus discípulos mais jovens lhe pediram filialmente que relatasse algo sobre o referido desastre. Faziam esse pedido elogiando a integridade de alma que ele revelou na ocasião, mesmo nos momentos em que ficara inconsciente. Fato este presenciado por alguns membros da TFP que o auxiliaram e acompanharam nesse transe durante os dias no período de sua recuperação. Na resposta, Dr. Plinio, depois de fazer comentários profundos a respeito da grandeza da morte, perto da qual se encontrara, atendeu ao pedido com as seguintes palavras: Os Srs. sabem meu passado [pelas memórias que ele relatou ao longo dos anos]. Eu posso dizer que aos olhos dos homens – eu não ouso dizer aos olhos de Deus – mas aos olhos dos homens que é um passado solidamente estruturado. Coerente, lógico, limpo, rumando continuamente e abnegadamente para um mesmo fim. Eu senti um frêmito quando eu era mocinho e li numa daquelas conferências da revista ‘Université des Annales’, que Bayard273, o discutível, mas magnífico cavaleiro do tempo de Francisco I e de Carlos V, era chamado “le chevalier sans peur et sans reproche”. Eu volto a dizer, eu não ousaria dizer de mim isto aos olhos de Nossa Senhora, mas aos olhos dos homens, sim! Eles não têm coragem de negá-lo! Porque a respeito de meu passado os lábios deles só destilam a calúnia, a meu respeito só destilam o silêncio. Porque se eles me increpassem eu lhes perguntaria: “Quando me viram ter ‘peur’ e quando é que me puderam fazer um ‘reproche’? Apontem!” À parte mais militante deles, eu diria: “Vocês me conhecem desde menino! 273 – Bayard – (1475-1524). Valente cavaleiro francês que lutou sob os reinados de Carlos VIII, Luís XII e Francisco I. Passou para a legenda com o nome de “Chevalier sans peur et sans reproche”.

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Falem!” E é porque eles sabem que essa seria a resposta, que eles ficam quietos. Este é o significado do silêncio deles. É um comentário, é um atestado do passado.

Conclusão Referimo-nos há pouco a terríveis castigos. Ante os fatos narrados neste livro não podemos ser otimistas em relação ao futuro tanto da Igreja quanto da ordem temporal. Fora das incontáveis revelações privadas que nos falam de um castigo apocalíptico que terminaria com três horríveis dias de trevas, as quais não citamos aqui para não alongar a conclusão, transcrevemos alguns textos do Antigo Testamento e um de São Paulo, que se torna difícil não interpretá-los como referentes à parte final do longo castigo que já estamos vivendo. É necessário notar que em vários dos textos que seguem, além do castigo de Deus, os Profetas apontam para uma era de perdão, o que confere inteiramente com as palavras de castigo e misericórdia proferidas por Nossa Senhora em Fátima, como veremos mais adiante.274 – Zacarias (XIII, 8): “E acontecerá que em toda a terra – diz o Senhor – serão exterminados os dois terços, e perecerão, mas será preservado um terço”. “E naquele dia não haverá luz. Será único esse dia, conhecido do Senhor. Não haverá nem dia nem noite; à tarde haverá luz”. (id.14, 6-7)

– Isaías (XIII, 9-11): “Vede que se aproxima o dia do Senhor, e cruel, com cólera e furor ardente, para fazer da terra um deserto e ex274 – Os referidos textos são tirados da “Sagrada Bíblia – Versión directa de las lenguas originales”, por Nacar y Colunga, 36ª Edición, Madrid, 1977. (Grifos nossos).

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terminar os pecadores. As estrelas do céu e seus luzeiros não darão sua luz; o sol se esconderá ao nascer, e a lua não fará brilhar sua luz. Eu castigarei o mundo pelos seus crimes, e aos malvados pelas suas iniquidades. Eu farei cessar a insolência dos soberbos e abaterei a altivez dos opressores”. (XXIX,5-6): “(...) E virá isto de repente num momento. Serás visitada da parte do Senhor dos exércitos com trovões, estrondo e grande ruído, com furacão, tempestades e chama de fogo devorador”.

– Sofonias (III, 8-9): “Por isso, diz o Senhor, esperai-me para o dia em que me levantarei como testemunho. Porque é o meu propósito reunir as gentes e juntar os reinos para derramar sobre eles a minha ira, porque a terra toda será consumida pelo ardor de minha cólera. Então eu devolverei aos povos lábios limpos para que todos invoquem o nome do Senhor e servi-Lo com um só ombro (ou jugo)”.

– Jeremias (IV, 23, 27): “Olhei a terra e (tudo) era vazio e confusão; e (olhei) os céus, e não havia luz”. “Pois assim diz o Senhor: Toda a terra será um deserto, mas não consumarei a destruição”. “Eis aqui que se desencadeia o torvelinho da ira do Senhor e uma tormenta furiosa descarrega sobre a cabeça dos ímpios. Não recuará a ira do Senhor até que execute e cumpra os desígnios de seu coração”. (id. XXIII, 19,20)

– Ezequiel (XXX, 1-3): “Foi-me dirigida a palavra, dizendo: Filho do homem, profetizai e dizei: Assim fala o Senhor, Deus: Vocifera: Maldito dia! Porque se aproxima o dia do Senhor, dia tenebroso; chega a hora das nações”.

– Joel (I,15): “Ai aquele dia, pois o dia do Senhor está próximo! Virá como espantosa tormenta do Todo-poderoso”.

– Malaquias (IV, 1-3): “Pois eis aqui que chega o dia ardente como forno, e os soberbos e obradores de maldade serão então como palha,

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e o dia que vem lhe acenderá fogo, diz o Senhor, de sorte que não lhes ficará nem raiz nem folhagem. Mas para vós, os que temeis meu nome, se levantará um sol de justiça que trará nas suas asas a saúde, e saireis e brincareis como bezerros (que saem) do estábulo, e pisoteareis os malvados, que serão como pó sob a planta de vossos pés, o dia que eu preparo, diz o Senhor dos exércitos”.

Concluímos com estas palavras de São Paulo citando Isaías: (Romanos IX, 27): “E Isaías clama de Israel: ‘Ainda que o número dos filhos de Israel fosse como a areia do mar, só um resto será salvo’”.275

* * * Desde 1929, quando Plinio Corrêa de Oliveira começou a militar no Movimento Católico e a escrever em o Legionário ele nunca deixou de referir-se insistentemente ao grande castigo que Deus enviaria à humanidade, mas também desde a mesma época (muito antes de tomar conhecimento da mensagem de Fátima) apontava para uma restauração da Igreja e da Cristandade. * * * Concluímos com as palavras relativas ao castigo, pronunciadas por Nossa Senhora em Fátima, dando-nos maternalmente a certeza de que após a Justiça Divina cair sobre os homens, raiará a Misericórdia de seu Sapiencial e Imaculado Coração, iniciando assim a bendita era do Reino de Maria.276 Na terceira aparição, a 13 de julho de 1917, Nossa Senhora profetizou:

275 – (Grifos nossos). 276 – Sobre alguns textos publicados pelo Dr. Plinio referentes ao castigo divino e ao Reino de Maria ver Juan Gonzalo Larrain Campbell, op. cit. pp. 171 a 192. Também se encontram em: www.pliniocorreadeoliveira.info.

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“Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz; se não, espalhará seus erros pelo mundo [referência ao comunismo], promovendo guerras e perseguições à Igreja; os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas; por fim o meu Imaculado Coração triunfará”.277

Juan Gonzalo Larrain Campbell São Paulo, 11 de janeiro de 2017 277 – Cfr. Antonio Augusto Borelli Machado, As aparições e a mensagem de FATIMA conforme os manuscritos da Irmã Lúcia, p. 47. Editora Vera Cruz Ltda., 31ª edição (30.000 exemplares) – São Paulo, novembro de 1991. (Grifos nossos).

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Apêndice I Carta do Pe. Anastasio Gutiérrez, C.M.F. sobre Revolução e Contra-Revolução A carta que segue foi dirigida pelo Pe. Anastasio Gutiérrez278 ao Sr. Juan Miguel Montes, representante do Bureau das TFPs em Roma, em 8 de setembro de 1993.

“Li com sumo interesse, com sumo prazer e com sumo proveito a obra do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, no exemplar castelhano a mim dedicado com expressões de grande afeto e simpatia, que agradeço quanto merecem. Revolução e Contra-Revolução é uma obra magistral, cujos ensinamentos deveriam ser difundidos até fazê-los penetrar na consciência de todos os que se sintam verdadeiramente católicos, eu diria mais, de todos os homens de boa vontade. Nela, estes últimos aprenderiam que a única salvação está em Jesus Cristo e na sua Igreja, e os primeiros se sentiriam confirmados e robustecidos em sua fé, e prevenidos e imunizados psicológica e espiritualmente contra um processo astuto que se serve de muitos deles como inocentes-úteis companheiros de viagem. A análise que faz do processo revolucionário é impressionante e reveladora por seu realismo e pelo profundo conhecimento da História, a partir do fim da Idade Média em decadência, que prepara o clima ao Renascimento paganizante e à Pseudo-Reforma, e esta para a terrível Revolução Francesa e, pouco depois, ao Comunismo ateu. Tal análise histórica não é apenas externa, mas é também 278 – O padre Anastasio Gutiérrez C.M.F. (1911-1998), foi reputado canonista em Roma. Recebeu o doutorado na Universidade Lateranense de Roma, da qual foi decano da Faculdade de Direito Canônico. Colaborou em numerosos organismos da Cúria Romana; fez parte da Pontifícia Comissão para a revisão do Direito Canônico; advogado da Sacra Congregação para a Doutrina da Fé; consultor, entre outras, das Sagradas Congregações para o Clero, para as Igrejas Orientais, para a Causa dos Santos, para a Educação católica, para os Bispos e para os Institutos de Vida Consagrada.

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explicada e revelada em suas ações e reações com os elementos que a psicologia humana proporciona, tanto a psicologia individual quanto a psicologia coletiva das massas. Contudo, é preciso reconhecer que há alguém dirigindo essa descristianização de fundo e sistemática. É verdade, sem dúvida, que o homem tende ao mal – orgulho e sensualidade –; mas se não houvesse quem tomasse em mãos as rédeas dessas tendências desordenadas e as coordenasse sagazmente, não dariam elas provavelmente o resultado de uma ação tão constante, hábil e sistemática, mantida tenazmente, aproveitando inclusive os altos e baixos provocados pelas resistências e pela natural “reação” das forças contrárias. A Obra prevê também, ainda que com cautela em seus prognósticos e por via de hipóteses, a possível evolução próxima da ação revolucionária e depois, por sua vez, a da ação contra-revolucionária. Abundam pensamentos e observações perspicazes de caráter sociológico, político, psicológico, evolutivo ... semeados ao longo de todo o livro, dignos, não poucos, de uma antologia. Muitos deles apontam as “táticas” inteligentes que favorecem a Revolução, e as que podem ou devem ser utilizadas no âmbito de uma “estratégia” geral contra-revolucionária. Em suma, atrever-me-ia a dizer que é uma Obra profética no melhor sentido da palavra; mais ainda, que seu conteúdo deveria ensinar-se nos centros superiores da Igreja, para que ao menos as classes de elite tomem consciência clara de uma realidade esmagadora, da qual – acredito – não se tem clara consciência. Isso, entre outras coisas, contribuiria para revelar e desmascarar os inocentes-úteis companheiros de viagem, entre os quais se encontram muitos eclesiásticos que fazem, de um modo suicida, o jogo do inimigo: esse setor de inocentes aliados da Revolução desapareceria em boa medida. Na segunda Parte se expõe muito bem a natureza da Contra-Revolução e a tática corajosa e “agressiva” que é preciso adotar, evitando excessos e atitudes impróprias ou imprudentes. 475


Ante tais realidades, fica-se em dúvida se na Igreja há uma verdadeira “estratégia”, como existe na Revolução; encontram-se, sim, muitos elementos, ações, instituições .. “táticas”; mas parece que agem isoladas e às vezes com espírito de campanário e de contra-altar, sem consciência do conjunto. O conceito e a consciência de atuar uma Contra-Revolução poderia unificar e até dar um maior sentido de colaboração na Igreja. Não me resta senão congratular-me com a Instituição TFP por ter um Fundador da altura e qualidade do Prof. Plinio. Prevejo para a Instituição, e desejo com toda a minha alma, um vasto desenvolvimento e um porvir cheio de êxitos contra-revolucionários. Concluo dizendo que impressiona fortemente o espírito com que a Obra está escrita: um espírito profundamente cristão e amante apaixonado da Igreja. A Obra é um produto autêntico da sapientia christiana. Emociona também ver em um leigo ou pessoa secular uma devoção tão sincera à Mãe de Jesus e... nossa: sinal claro de predestinação: “Incertos, como todo o mundo, sobre o dia de amanhã, erguemos em atitude de prece os nossos olhos até o trono excelso de Maria, Rainha do Universo. ... Aceite a Virgem, pois, esta homenagem filial, tributo de amor e expressão de confiança absoluta em seu triunfo” (pp. 137, 139)”. (Grifos nossos). Roma, 8 de setembro de 1993 Festa da Natividade de Nossa Senhora Pe. Anastasio Gutiérrez, CMF

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Apêndice II Discurso de Plinio Corrêa de Oliveira no Congresso Eucarístico de 1942, em São Paulo Saudação às autoridades civis e militares Contemplando por vários dias os esplendores desta cena que hoje se desenrola pela última vez diante de vossos olhos como diante dos olhos deslumbrados de nossa piedade, e pensando por certo nas emoções que sentiria o coração paternal do Sumo Pontífice se aqui estivesse, é possível que por uma natural associação de ideias vossa imaginação, vagueando, conduzida pelas saudades através dos salões do Vaticano tivesse estabelecido uma analogia entre a imortal obra prima de Rafael, na Stanza della Signatura, em que o grande pintor figurou a “Disputa do Santíssimo Sacramento”, e o quadro esplêndido, que, não em pintura, nem em imaginação, mas em realidade e vida, agora se contempla neste local. O certo é que a analogia é frisante e as diferenças de personagens passam quase despercebidas ante a identidade do ato místico e sobrenatural que naquela pintura e nesta hora de glória e de vida se celebra. Figurou Rafael uma larga esplanada de mármore tendo ao fundo um panorama risonho da Itália, e ao centro sobre alguns degraus, um altar com a Sagrada Eucaristia. De um e de outro lado, em afetuosa e animada porfia os maiores potentados da Cristandade: papas, imperadores, reis, cardeais e doutores, contendem entre si, louvando cada qual o Diviníssimo Sacramento segundo toda a medida de seu fervor. Pairando sobre nuvens, as figuras mais excelsas da Igreja Gloriosa, no Antigo e Novo Testamento, coros inumeráveis de anjos, o próprio Padre Eterno, e o Espírito Paráclito figuram de 477


forma a atribuir o lugar central ao Divino Redentor. É a glorificação do Sacramento do amor por todos os filhos de Deus, isto é, por todos aqueles que souberam ouvir o apelo austero e divinamente suave das bem-aventuranças. Que importa que as figuras terrenas que aqui temos não sejam as mesmas que as da Stanza della Signatura? É sempre a mesma Igreja de Deus, é o mesmo o Sacramento que adoramos, e do mais alto dos Céus, são o Padre, o Filho e o Espírito Santo, a Rainha do Céu, as incontáveis multidões angélicas, os mártires, as virgens, os confessores e os doutores que nos contemplam. E como os atos de piedade praticados pelos fiéis sob o bafejo do Espírito Santo valem infinitamente mais do que a melhor das obras de arte produzidas pelo engenho humano, força é reconhecer, que há algo de mais e infinitamente mais precioso do que o inestimável quadro de Rafael o que aqui temos. Estes grandes dias que estão prestes a se escoar foram luminosos instantes de Tabor na história brasileira. E se no Tabor o tempo correu tão rápido que os apóstolos entenderam de poder apreciar plenamente suas delícias ali fixando morada, mandaria a lógica que também aqui aproveitássemos avidamente os minutos, na tarefa santamente silenciosa, da adoração. Entretanto, ordena a sagrada autoridade do Exmo. Revmo. Sr. Arcebispo Metropolitano que as nossas atenções se desviem por alguns minutos da Custódia Sagrada e, cessados por instantes os louvores eucarísticos, se faça uma saudação ao Chefe da Nação, e demais representantes do poder temporal aqui presentes. E fez bem. Não são apenas aqueles que dizem “Senhor, Senhor” que tem o reino de Deus, mas ainda os que ouvem a vontade de Deus e a cumprem. E é tão velho como o Catolicismo o preceito da obediência sobrenaturalmente respeitosa e filial, não apenas àqueles que têm o poder e o encargo de reger os interesses temporais da Cristandade. Permita, pois, Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor Legado Pontifício que as homenagens e as saudações de toda esta multidão subam agora, até àqueles que, encarnando a autoridade 478


natural do Estado, aqui representam a venerável soberania do poder temporal, e, com ela o próprio Brasil. Exmo. Sr. Dr. Fernando Costa, DD. Interventor Federal; Exmo. Sr. General Maurício Cardoso, DD. Comandante da II Região Militar; Exmos. Srs. Presidente do Departamento Administrativo e Secretários do Governo; Exmo. Sr. Prefeito Municipal. Não seria preciso que ouvísseis estas palavras, para que notásseis que, no curso já quatro vezes secular, da história do Brasil, jamais se reuniu assembleia mais solene e ilustre que esta. No momento em que a vida nacional caminha para rumos definitivos, quis a Divina Providência reunir em pleno coração de São Paulo, os elementos representativos de tudo quanto fomos e somos, de todas as glórias de nosso passado e de nossas melhores esperanças para o futuro como uma afirmação brilhante dos altos e amorosos desígnios que tem sobre nós. Aqui está a Santa Igreja Católica. Em outros termos aqui está a própria alma do Brasil. Aqui estão sob a augusta presidência do Legado Pontifício aquele Episcopado e aquele clero que desde os nossos primeiros dias, ministrando os Sacramentos, e ensinando a palavra de Deus, conservaram o Brasil verdadeiramente brasileiro, conservando-o fundamentalmente católico. Há quanto tempo, a conjuração de todos os meios de descristianização desde os mais poderosos aos mais sutis, se estabeleceu nesta Terra de Santa Cruz, a fim de arrancá-la ao regaço da Igreja. Mas enquanto quase tudo que no sentido humano da palavra pode chamar-se glória, poder, riquezas, se mobilizou no sentido de assim cometer esse estranho e tenebroso crime de matar a fogo lento a alma de um país inteiro – enquanto isto a Igreja estava vigilante, e, depois de perto de 40 anos de um agnosticismo desdenhoso e de uma luta insana, de norte a sul do país soprava uma verdadeira primavera, e o renascimento religioso provoca a estruturação de um apostolado tão vigoroso e tão coeso, tão sedento de ortodoxia de doutrina e pureza de vida que, hoje já o podemos afirmar, o movimento de leigos católicos, coesos e disciplinados, militantes e valorosos, já constitui por si uma vitória de imensas 479


consequências e um penhor de que a Providência nos está armando para triunfos ainda maiores. Digamos tudo em uma só palavra: a Ação Católica, na solidez de suas organizações fundamentais e na sábia e justa policromia de suas associações auxiliares, é hoje uma potência ideológica de primeiro valor, que conta, na realização de suas finalidades, não só com o concurso apaixonado de quanto nela se inscreveram, mas ainda da própria massa do povo brasileiro. Vós o sentistes, Senhores representantes do Poder Temporal, e vossa gratíssima presença entre nós constitui a afirmação tangível de que cessou para o Brasil a era do laicismo desdenhoso e artificial. Para explicardes vosso comparecimento em caráter oficial nestas solenidades, não vos seria necessário alegar convicções particulares nem pendores pessoais. Todo o mundo sentiria que diríeis uma grande verdade, afirmando que é hoje tal a pujança do movimento católico no Brasil, que governo algum o poderia ignorar, apegando-se às fórmulas decrépitas de um laicismo formalista. Pois este magnífico reerguimento da alma nacional, no que ela tem de mais genuíno, isto é na Fé, é obra desse Episcopado e desse Clero que, pobre embora de todos os dons que devem fazer grandes as obras dos homens, soube vencer o deslumbramento de todos os artifícios com que se costuma fascinar as multidões. Como não bastasse, para completar esse quadro tão evocativo das lutas passadas ou recentes de nossa História aqui se encontra também, cercado de nosso respeitoso carinho, o representante de uma família cujo nome não se pode pronunciar sem fazer vibrar todas as páginas de nossa História: é Dom Pedro de Orleans e Bragança, cuja presença lembra o heroísmo do brado do Ipiranga, a sabedoria do governo de Dom Pedro II, os louros da guerra do Paraguai e a figura radiante de piedade da Princesa que soube quebrar as algemas da raça negra. Se alongarmos mais nossos olhares, veremos os vultos claros e alguns tanto indecisos, dos arranha-céus que a Paulicéia construiu. Moldura esplêndida deste quadro, ela nos fala das possibi480


lidades de nossa grandeza temporal e nos traz a garantia de que por mais que o Brasil cresça no sentido espiritual, terá riquezas suficientes para crescer proporcionalmente no sentido material. E, neste momento, os olhares de todos estes Prelados, as vistas de todas estas multidões, a atenção dos milhares de espectadores que para além do vale, do alto dos arranha-céus ou até onde as ondas do rádio puderem chegar em terras brasileiras acompanham esta solenidade, se volta para vós. Para vós cuja presença, como acabamos de ver, tanto significa e tanto realce dá a estas glorificações de Cristo-Eucarístico. Para vós, cujo comparecimento constitui a homenagem oficial do Brasil ao seu Divino Rei, que é Cristo, para vós que recebeis a demonstração inequívoca da satisfação que vossa presença nos causa. Os aplausos que neste momento chegam até vós, são o de todo apoio que em todos os tempos a Igreja sempre tributou aos detentores da autoridade temporal. A magnífica cena que tendes diante dos olhos, está longe de ser inédita nos fastos da Cristandade. Ela não tira seu valor do fato de ser uma novidade sensacional, mas, pelo contrário, da extraordinária continuidade com que se tem repetido. Às margens do Jordão como do Nilo, à sombra das colunas clássicas de Atenas como nos esplendores da grande metrópole de Cartago, no fastígio do poder da Idade Média como nas lutas tormentosas contra o proto-totalitarismo josefista ou pombalino, sempre que assembleias como esta se têm reunido, a Igreja repete ao Poder Temporal com uma constância e uma uniformidade impressionante, a mesma mensagem de paz e aliança, em que para si reserva tão somente o reino do espiritual, ciosa de respeitar a plena soberania do Poder Temporal em todos os outros terrenos, dele pedindo tão somente que ajuste suas atividades aos preceitos evangélicos, ou seja aos princípios que constituem o fundamento da civilização cristã católica. Essa mensagem é eco fiel do divino preceito: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Pelos aplausos dessa multidão, a vossos ouvidos chega agora esse eco, poderosa 481


afirmação de princípios que as vicissitudes dos tempos, em todas as épocas não puderam aluir. Poucas vezes, no curso de História brasileira, se tem erguido em torno de uma figura, com acerto tão generalizado, de louvores e admiração, do que em torno de S. Exa., o Sr. Presidente da República, Dr. Getúlio Vargas. Será supérfluo, neste momento, acrescentarmos a tantos louros, mais um. A situação de beligerância em que nos encontramos fez erguer-se em torno de S. Exa., todos os brasileiros, de todos os quadrantes geográficos e ideológicos do país. Esse apoio unânime ao governo de S. Exa., é hoje um imperativo patriótico, em cujo cumprimento os católicos reclamam para si a primeira linha, no terreno do devotamento e da disciplina. Mas há uma afirmação sobremaneira importante a fazer aqui. Mil e mil vezes tem sido dito a S. Exa. os motivos pessoais que em torno de sua figura tem congregado tanta solidariedade. É preciso que o intérprete da opinião católica afirme que a disciplina dos católicos ao Poder Temporal firma suas raízes mais no fundo, e que, abstração feita das considerações de ordem pessoal, sua obediência aos poderes públicos se baseia na convicção de que obedecem assim à vontade do próprio Deus, conhecida pela luz da razão natural e pelos esplendores da revelação cristã. Católicos, não somos nem podemos ser partidários da doutrina da soberania popular, e por isto mesmo recusamo-nos a ver a augusta autoridade do Poder Temporal firmada sobre a areia movediça entre todas, da popularidade. Ela se crava na rocha firme das nossas consciências cristãs, e faz, de nossa submissão e de nossos propósitos de ardente colaboração convosco, nas sendas da civilização cristã e na realização da grandeza da Terra de Santa Cruz, um fundamento inabalável que as tempestades da adversidade contra as quais ninguém está garantido – jamais poderão destruir. Isto não impede, entretanto, que depois de termos prestado homenagem ao Chefe da Nação, símbolo em tempo de guerra mais do que nunca, da unidade e grandeza pátrias, de público 482


agradeçamos também a V.Exa. Sr. Interventor Fernando Costa, toda a cooperação que V.Exa. prestou para o êxito desse grande congresso. Essa vossa conduta simpaticíssima, de que as homenagens ao Cristo Eucarístico receberam tanto esplendor, foi seguida também por vosso ilustre secretariado, que aqui associamos o preito de reconhecimento que nesse momento prestamos a V. Exa. Na mesma homenagem de reconhecimento envolvemos a figura respeitável do Sr. Comandante da 2a. Região Militar, General Maurício Cardoso, no qual comprazemos em aplaudir neste momento todas as glórias do Exército Nacional; o Exmo. Sr. Dr. Godofredo da Silva Telles, Presidente do Departamento Administrativo do Estado, figura característica e brilhante do patriciado paulista; o Exmo. Sr. Dr. Prestes Maia, Prefeito Municipal, e todos quanto, mostrando compreender admiravelmente com isto o significado que para o povo católico do Brasil tem este Congresso, tanto concorreram para seu esplendor e grandeza. Senhores, é hoje o dia 7 de setembro, a data é expressiva, e estou absolutamente certo de que um imenso clamor se levantará neste glorioso dia, transpondo os limites do Estado e do País para notificar ao mundo inteiro que como um só homem, o Brasil se ergue ao lado do Exmo. Sr. Presidente da República, Dr. Getúlio Vargas, contra o imperialismo nazista pagão que trama sua ruína e parece ter chamado a si, exatamente como seu sósia vermelho de Moscou, a diabólica empreitada de destruir a Igreja em todo o mundo. Contra os inimigos da Pátria que estremecemos, e de Cristo que adoramos, os católicos brasileiros saberão mostrar sempre uma invencível resistência. Loucos e temerários! Mais fácil vos seria arrancar de nosso céu o Cruzeiro do Sul, do que arrancar a soberania e a Fé a um povo fiel a Cristo, e que colocará sempre seu mais alto título de ufania em uma adesão filialmente obediente e entusiasticamente vigorosa à Cátedra de São Pedro. Mas esta saudação por demais longa não seria completa se não lhe acrescentássemos uma última palavra. É próprio do feitio que 483


Deus deu ao brasileiro, que a suavidade de um ambiente de família impregne todos os atos de nossa vida e perfume sem os deslustrar até mesmo os mais solenes. A despeito dos esplendores desta noite, estamos pois em família, e o ambiente é propício para que se desatem em confidências as esperanças que abrigamos em nós. Produto da cultura latina valorizada e como que transubstanciada pela influência sobrenatural da Igreja, a alma brasileira resulta da transplantação, para novos climas e novos quadros, destes valores eternos e definitivos que, precisamente porque definitivos e eternos, podem ajustar-se a todas as circunstâncias contingentes, sem perderem a identidade substancial consigo mesmo. A perfeita formação da alma brasileira comporta, pois, duas tarefas essenciais, uma que mantenha sempre intactos os fundamentos de nossa civilização cristã e ocidental e outra que ajuste esses fundamentos às condições peculiares a este hemisfério. Nossos maiores executaram com evidente êxito e indomável valentia a primeira parte dessa ingente tarefa. Depois de quatrocentos anos de luta, de trabalho, aqui floresce este Brasil que é para a civilização ocidental um motivo de esperança, e para a Santa Igreja de Deus uma causa de júbilo. Mas esse esforço de conservação, que ainda é e continuará a ser sempre necessário, foi até aqui tão observante que relegou para o segundo plano o problema da adaptação. Esmagava-nos a desproporção entre nossos recursos materiais que do seio da terra desafiavam nossa capacidade de produção, e a insuficiência de nossos braços, de nosso dinheiro e de nossas energias para os explorar. A terra brasileira apresentava-se cheia de possibilidades fabulosamente vastas, de riquezas inesgotavelmente fecundas, que se adivinhavam e se sentiam mesmo antes de qualquer demonstração técnica e científica. E o mesmo se poderia dizer de nossa história, toda tecida até aqui de acontecimentos políticos de alcance meramente ocidental e transcorrida quase toda ela em um tempo em que não estava na América o centro da gravidade do mundo. 484


Bem estudada e despida das versões oficiais de um liberalismo anacrônico, aí podemos ver claramente, na fidelidade de Amador Bueno como no espírito de Cruzadas dos heróis da reconquista pernambucana, na fibra de ferro deste grande martelo da pior das heresias, que foi Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira, como no coração maternal e suave da princesa Isabel, as expressões rútilas de um grande povo que, ainda nos primeiros passos de sua História, já dava mostras de ser um povo que Deus criou para grandes feitos. Esta predestinação se afirma na própria configuração de nossos panoramas. Talvez não fosse ousado afirmar que Deus colocou os povos de sua eleição em panoramas adequados à realização dos grandes destinos a que os chama. E não há quem, viajando por nosso Brasil, não experimente a confusa impressão de que Deus destinou para teatro de grandes feitos esse País cujas montanhas trágicas e misteriosas penedias parecem convidar o homem às supremas afoitezas do heroísmo cristão, cujas verdejantes planícies parecem querer inspirar o surto de novas escolas artísticas e literárias, de novas formas e tipos de belezas, e na orla de cujo litoral os mares parecem cantar a glória futura de um dos maiores povos da Terra. Quando nosso poeta cantava que “nossa terra tem palmeiras onde canta o sabiá, e que as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá”, percebeu, talvez confusamente, que a Providência depositou na natureza brasileira a promessa de um porvir igual ao dos maiores povos da Terra. E hoje, que o Brasil emerge de sua adolescência para a maturidade, e titubeia nas mãos da velha Europa o cetro da cultura cristã, que o totalitarismo quereria destruir, aos olhos de todos se patenteia que os países católicos da América são na realidade o grande celeiro da Igreja e da Civilização, o terreno fecundo onde poderão reflorir com brilho maior do que nunca as plantas que a barbárie devasta no velho mundo. A América inteira é uma constelação de povos irmãos. Nessa constelação, inútil é dizer que 485


as dimensões materiais do Brasil não são uma figura de magnitude de seu papel providencial. Tempo ouve em que a História do mundo se pôde intitular “Gesta Dei per Francos”. Dia virá em que se escreverá “Gesta Dei per brasilienses”[As ações de Deus pelos brasileiros]. A missão providencial do Brasil consiste em crescer dentro de suas próprias fronteiras, em desdobrar aqui os esplendores de uma civilização genuinamente Católica, Apostólica Romana, e em iluminar amorosamente todo o mundo com o facho desta grande luz, que será verdadeiramente o “lumen Christi” que a Igreja irradia. Nossa índole meiga e hospitaleira, a pluralidade das raças que aqui vivem em fraternal harmonia, o concurso providencial dos imigrantes que tão intimamente se inseriram na vida nacional, e mais do que tudo as normas do Santo Evangelho, jamais farão de nossos anseios de grandeza um pretexto para jacobinismos tacanhos, para racismos estultos, para imperialismos criminosos. Se algum dia o Brasil for grande, sê-lo-á para bem do mundo inteiro. “Sejam entre Vós os que governam como os que obedecem”, diz o Redentor. O Brasil não será grande pela conquista, mas pela Fé; não será rico pelo dinheiro tanto quanto pela generosidade. Realmente, se soubermos ser fiéis à Roma dos Papas, poderá nossa cidade ser uma nova Jerusalém, de beleza perfeita, honra, glória e gáudio do mundo inteiro. Aqui mesmo encontrais disto, Senhores, um formoso símbolo. Pela primeira vez arderá em uma cerimônia pública o incenso nacional. Pela primeira vez órgão inteiramente nacional tem deliciado nossos ouvidos. Mas esse incenso queimará nos altares de uma Religião que é Universal, e esse órgão fará ecoar as melodias da Igreja na língua-mater de toda a cultura do mundo. Nada poderia dizer melhor do verdadeiro sentido de nosso nacionalismo, ou, posta de lado essa palavra tantas vezes mal empregada, de nosso patriotismo. “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. 486


Explorai, Senhores do Poder Temporal, as riquezas de nossa terra; estruturai segundo as máximas da Igreja, que são a essência da civilização cristã, todas as nossas instituições civis. Auxiliai quanto em Vós estiver, a Santa Igreja de Deus e que plasme a alma nacional na vida da graça, para a glória do céu. Fazei do Brasil uma pátria próspera, organizada e pujante, enquanto a Igreja fará do povo brasileiro um dos maiores povos da História. Na harmonia desta mesma obra está a predestinação de uma íntima cooperação entre dois poderes. Deus jamais é tão bem servido, quando César se porta como seu filho. E, Senhores, em nome dos católicos do Brasil, eu vo-lo afianço, César jamais é tão grande, como quando é filho de Deus. Nessa colaboração está o segredo de nosso progresso e nela vossa parte é verdadeiramente magnífica. Trabalhai, senhores, trabalhai neste sentido. Tereis a cooperação entusiástica de todos os nossos recursos, de todos os nossos corações, de todo o nosso fervor. E quando algum dia Deus Vos chamar à vida eterna, tereis a suprema ventura de contemplar um Brasil imensamente grande e profundamente cristão, sobre o qual o Cristo do Corcovado, com seus braços abertos, poderá dizer aquilo que é o supremo título de glória de um povo cristão. Executai o programa de Governo que consiste em procurar antes o reino de Deus e sua justiça, que todas as coisas lhes serão dadas por acréscimo. Em um Brasil imensamente rico, vereis florescer um povo imensamente rico, vereis florescer um povo imensamente grande, porque dele se poderá dizer: Bem-aventurado este povo sóbrio e desapegado, no esplendor embora de sua riqueza, porque dele é o reino dos céus. Bem-aventurado este povo generoso e acolhedor, que ama a paz mais do que as riquezas, porque ele possui a terra. Bem-aventurado este povo de coração sensível ao amor e às dores do Homem-Deus, às dores e ao amor de seu próximo, porque nisto mesmo encontrará sua consolação. Bem-aventurado este povo varonil e forte, intrépido e cora487


joso, faminto e sedento das virtudes heroicas e totais, porque será saciado em seu apetite de santidade e grandeza sobrenatural. Bem-aventurado este povo misericordioso, porque ele alcançará misericórdia. Bem-aventurado este povo casto e limpo de coração, bem aventurada a inviolável pureza de suas famílias cristãs, porque verá a Deus. Bem-aventurado este povo pacífico, de idealismo limpo de jacobismos e racismos, porque será chamado filho de Deus. Bem-aventurado este povo que leva seu amor à Igreja a ponto de lutar e sofrer por ele, porque dele é o reino dos céus.279

279 – Grifos nossos.

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Apêndice III Neste Apêndice constam as datas das conferências, reuniões, conversas, das quais foram extraídos os textos das memórias de Plinio Corrêa de Oliviera que figuram na Parte IV deste livro. Elas serão divididas por capítulos, conforme se encontram na Parte respectiva e como mesmo título do capítulo. E serão classificadas por: conferências, reuniões e conversas. As conferências se referem a um ciclo de dez que Dr. Plinio fez na década de 1950, relatando pela primeira vez de modo metódico suas memórias aos membros da pré-TFP da época. As reuniões são exposições feitas por ele a grandes auditórios da TFP em diversas épocas e para diferentes gerações. As conversas são exposições feitas também por ele a pequenos grupos como comissões de estudo e trabalho. As reuniões e conversas citadas não tinham, na maioria das vezes essa finalidade expressa, mas tratando, com toda naturalidade, dos mais variados assuntos, o Dr. Plinio para exemplificar sua exposição, citava dados de sua vida. A maioria das vezes o fazia respondendo a pedido expresso de seus discípulos que desejavam conhecer os diversos episódios de sua vida e de sua luta Contra-Revolucionária. CAPÍTULO I Teoria geral da ofensiva contra o Movimento Católico – A sua força Reunião 18-6-88; idem 25-6-88; idem 17-6-93; idem 8-4-87; idem 2-7-88; idem 25-6-88; idem 14-6-82. CAPÍTULO II Forças que minavam internamente o Movimento Católico Reunião 19-6-82; idem 6-8-88; Conferência 1950 (II); Conversa 26-1-93; idem 4-8-87; idem 20-6-93; Reunião 8-4-87; Conferência 1950 (III); Conversa 2-1-93; Reunião 8-7-83; Conferência 1950 (II);

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Conversa 17-9-91; Reunião 18-6-88; Conversa 4-4-92; Reunião 14-682; idem 23-4-93. CAPÍTULO III Forças que minavam o Movimento Católico internamente e no terreno teológico e eclesiástico: o Liturgicismo e a Ação Católica Conferência 1950 (V); idem (IV); Reunião 16-6-73; idem 2-7-88; idem 18-6-88; idem 16-4-94; Conversa 10-6-82; Reunião 26-11-88; Conferência 1950 (II); Reunião 17-9-88; Conferência (III); idem (IV); Reunião 18-6-88; Conferência 1950 (V); Conversa 13-11-91; Reunião 25-6-88; Conversa 2-2-93; idem 17-8-93; Reunião 14-10-94; idem 6-888; Conversa 23-11-90; Reunião 28-2-95;Conversa 5-8-94. CAPÍTULO IV Desenrolar dos fatos até o momento em que o Dr. Plinio decide escrever o “Em Defesa” Reunião 23-11-85; idem 16-6-73; idem 28-2-95; idem 5-8-90; Conversa 19-6-82; Reunião 8-11-92; Conversa 17-8-83; Reunião 8-668; Conversa 17-8-93; idem 24-7-95; Reunião 2-7-88; Entrevista 21-690; Conferência 1950 (III); Reunião 6-8-88; idem 9-7-88; Conferência 1950 (IV); Conversa 19-9-94; Conferência 1950 (V); Reunião 8-6-88; Conversa 8-4-87. CAPÍTULO V O “Kamikaze” Reunião 16-6-73; idem 2-7-88; idem 8-6-68; idem 11-5-85; Reunião 24-3-95; Conferência 1950 (VI); Conversa 8-4-87; Conversa 4-887; Conferência 1950 (VII); Reunião 9-7-88; Conversa 19-6-82; Entrevista 21-6-90 ; Reunião 8-6-88 ; Conversa 11-12-92. CAPÍTULO VI Tensão com Dom José – Congresso Eucarístico de 1942 – Represálias – Morte de Dom José Conversa 19-8-83; Conferência 1950 (IV) ; Reunião 11-7-81; Conferência 1950 (VII); Reunião 16-6-73; idem 18-6-88; idem 4-1-95;

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Conversa 4-8-87; Reunião 14-4-79; idem 7-7-73; idem 9-7-88; Conversa 23-8-91; idem 9-11-90; idem 15-6-82; Reunião 18-2-89; Conversa 9-8-92; idem 8-12-90; idem 7-11-92; Reunião 9-7-88; Conversa 17-295; idem 12-6-82; idem 9-12-93; idem 8-4-93. CAPÍTULO VII Dom Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta, novo Arcebispo de São Paulo: “inimigo pessoal do Dr. Plinio” Conferência 1950 (VIII); Reunião 16-7-88; Conversa 8-4-87; Reunião 16-7-88; idem 8-4-89; Conversa 30-6-92; Reunião 16-6-73; Conversa 31-12-93; Reunião 15-12-73; Conversa 9-4-87; idem 7-4-89; idem 13-2-95; idem 16-6-82; idem 17-8-93; idem 26-3-92. CAPÍTULO VIII Reviravolta da situação, somos reabilitados e passamos à contra-ofensiva Conversa 9-4-87; idem 7-3-95; Conferência 1950 (IX); Reunião 17-6-89; idem 16-6-73; idem 4-11-72; Conversa 17-6-82; Reunião 4-11-72; Reunião26-2-89; Conversa 26-2-89; idem 17-6-93; Reunião 14-7-88; Conversa 30-6-92; Reunião 16-7-88. CAPÍTULO IX Alcance da luta que o Dr. Plinio travou contra a Ação Católica Reunião 3-10-93; idem 18-8-72; idem 30-6-72; Conversa 1011-94; idem 18-4-95; idem 7-3-95; idem 10-11-88; Reunião 8-11-92; Conversa 8-12-90; idem, sem data; idem 13-10-94; Reunião 11-6-83; Conversa 2-12-91.

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Apêndice IV Carta da Sagrada Congregação dos Seminários ao Venerando Episcopado Brasileiro Os subtítulos e grifos são nossos: Escreve o Pe. Ariovaldo:

“II. Uma carta da Santa Sé aos Bispos do Brasil, advertindo sobre a reta formação dos seminaristas maiores. “No âmbito das controvérsias em torno do Movimento Litúrgico no Brasil, torna-se realmente interessante abordarmos uma significativa carta enviada pela Sagrada Congregação dos Seminários e Estudos Universitários aos Bispos do Brasil, com data de março de 1950, advertindo os Bispos à vigilância na formação dos futuros sacerdotes. Na abordagem deste documento, primeiro apresentamos o conteúdo do mesmo, depois buscaremos situá-lo dentro do contexto histórico geral do Movimento Litúrgico sob polêmicas e controvérsias no Brasil e, enfim, faremos uma avaliação do mesmo.

1. Conteúdo do documento a – Rejeita o “gosto exagerado e pouco prudente por toda e qualquer novidade” O motivo da carta é o de chamar a atenção para “o perigo mais urgente” que não é o “apego demasiado rígido e exclusivo à tradição, mas principalmente o de um gosto exagerado e pouco prudente por toda e qualquer novidade que apareça”. Portanto, chama-se a atenção para não se infiltrar nos Seminários do Brasil o “gosto exagerado e pouco prudente por toda e qualquer novidade”. 492


b – Recomenda a “doutrina tradicional” que se evite “beber em fontes envenenadas” O documento passa logo em seguida, a acentuar a necessidade de, na formação dos futuros sacerdotes, “seguir Santo Tomás”, seguir o “pensamento da Igreja”, seguir o “método escolástico”, seguir a “doutrina tradicional”. Sobre este último ponto diz: “Se o professor tiver aprofundado a doutrina tradicional, e estiver entusiasmado por ela, também os discípulos haverão de saboreá-la, sem necessidade de irem beber em fontes envenenadas. Se, pelo contrário, o professor, sob o pretexto de filosofia modernizada ou de teologia ‘viva’ procura ensinar com sentenças oratórias e com expressões peregrinas as novidades da moda do dia, deformará as inteligências e comprometerá o futuro da Igreja em todo o campo das influências de seus alunos”. Portanto, fala-se também do “perigo” de “fontes envenenadas”, fala-se de uma “filosofia modernizada ou de teologia ‘viva’”, fala-se de “novidades da moda do dia”. São expressões que achamos por bem sublinhar logo, para nos ajudar num posterior comentário crítico.

c – Denuncia “erros ocultos sob a aparência de verdade” Em seguida o documento elenca alguns “erros ocultos sob uma aparência de verdade, e mui frequentemente, com uma terminologia pretensiosa e obscura”, suscitadas pelo “ ‘snobismo’ das novidades”. São erros relativos ao Milagre, à Graça e ao Pecado Original. “Que se quer fazer apologética sem falar do milagre, nem refutar os erros, apresentando unicamente a vida íntima da Igreja; que se exalta a grandeza do homem, deixado na sombra o pecado original e as suas consequências; que se comtempla a glória 493


da Ressurreição do Redentor sem meditar sobre a Sua Paixão; que se magnifica a onipotência da graça, sem falar da necessidade da cooperação por parte do homem”. O conteúdo deste texto já nos parece bastante familiar, de quando escutávamos as investidas dos “polêmicos” em relação ao Movimento Litúrgico no Brasil antes do advento da “Mediator Dei”. Mas deixamos os comentários para depois.

d – Afirma que abusos apontados na ‘Mediator Dei’ “não parece tenham desaparecido inteiramente” Após chamar a atenção a respeito de “teorias arriscadas” sobre a criação do homem, passa-se a um ponto que interessa mais diretamente ainda ao historiador do Movimento Litúrgico no Brasil. A carta chama a atenção para alguns “perigos ... no campo da vida espiritual”. Após referir-se ao fato de a “Mediator Dei” ter assinalado e reprovado “certos abusos, que alguns estavam introduzindo, sob pretexto de uma Liturgia mais pura”, eis como o documento especifica os “abusos” do chamado “Liturgismo”, em torno da Eucaristia e da Oração, no Brasil: “Assim, falava-se contra a Adoração do Santíssimo, que, diziam, se conservava somente para o viático a ser levado aos doentes; falava-se contra a ação de graças prolongada por algum tempo depois da Comunhão e da Santa Missa; falava-se contra a Bênção Eucarística tida por inovação irracional. Alguns iam mais longe, reprovando a representação de Jesus Crucificado, por ser menos conforme às suas concepções sobre a vida mística; outros não admitiam senão a oração litúrgica ou desprezavam a meditação particular, os Exercícios Espirituais, os exames de consciência. Erros, esses todos, opostos à tradição mais sadia e constantemente aprovada pela Santa Sé, e que também depois da Encíclica, não parece tenham desaparecido inteiramente, muito embora hajam sido aberta e explicitamente atingidos por aquele documento”. 494


É de se notar que, dirigindo-se aos Bispos do Brasil, o documento adverte que “não parece tenham desaparecido inteiramente” tais “abusos”.

e – Adverte contra os “erros funestos” que colocam em perigo a disciplina da Igreja Em seguida, após advertir para o perigo do “espírito de novidade” alimentando o “espírito de crítica”, após advertir para o perigo do “laicismo”, do “liberalismo”, do “esquerdismo”, após advertir para a necessidade da “vigilância” dos Bispos nos seus respectivos Seminários, e após chamar a atenção para a necessidade de, antes da teologia, ensinar nos Seminários “uma boa e sã filosofia, isto é, a filosofia tradicional, seguindo os princípios de Santo Tomás, passa-se a falar de um outro ponto que nos interessa, porque se relaciona de certa maneira também com o Movimento Litúrgico entre as polêmicas e controvérsias. Fala-se da “formação à virtude”. Trata-se, portanto, do conhecido problema da ascese. Nesse sentido, eis o que, textualmente, diz o documento sobre a “humildade, a abnegação da vontade própria, a obediência”: “Alguns dizem que estas são virtudes ‘passivas’, que tiveram sua eficácia no passado, mas que não correspondem mais às exigências da sociedade moderna. Hoje, segundo eles, devem exercitar-se as virtudes que denominam ‘activas’ (ação, apostolado, organização). São, por conseguinte, favoráveis às Ordens e Congregações de vida ativa e menosprezam as de vida contemplativa. Acrescentam que tanto os sacerdotes, como os simples fiéis, devem gozar da mais ampla liberdade individual, seja no pensamento como na ação sendo o Espírito Santo, mais do que a Hierarquia quem age diretamente na consciência de cada um”. São todos “erros funestos” com colorido “protestante”, que colocam em perigo de “desagregação” a multissecular disciplina da Igreja de Cristo – confirma o documento. 495


f – A finalidade do documento é acentuar o valor praticamente absoluto da tradição Daí, insiste-se que “pesa sobre os Superiores e os Diretores Espirituais” a “grave responsabilidade” de formar jovens clérigos para a abnegação de si mesmos, para a humildade e para a obediência, formação esta que mostra ser boa através de alguns sinais típicos: “Então aparecem os sinais de uma boa formação clerical, sinais que são os seguintes: uma sólida piedade mantida pelos exercícios comuns e pelas devoções tradicionais ao Santíssimo Sacramento, à Sagrada Paixão, ao Sagrado Coração de Jesus, à Santíssima Virgem, a São José, aos Santos Patronos da juventude eclesiástica”. Aí está, portanto, o conteúdo da carta que a Sagrada Congregação dos Seminários enviou aos Bispos do Brasil, orientando sobre a reta formação dos seminaristas. Como se vê, o documento não fala da importância da Patrística na formação dos jovens clérigos. Sua finalidade é antes chamar a atenção para o valor do tomismo, da escolástica, do Magistério e da “doutrina tradicional”. Não fala do valor positivo do Movimento Litúrgico. Apenas chama a atenção para os perigos do “Liturgismo”. Não fala da importância da Liturgia, da vida litúrgica, na formação dos jovens clérigos. Sua finalidade é recalcar sobre o valor das devoções extralitúrgicas e dos exercícios de ascese e moral. Numa palavra, a finalidade do documento é acentuar o valor praticamente absoluto da tradição, e frear perigos exagerados de algumas novidades, na formação dos jovens brasileiros candidatos ao sacerdócio. Perguntamo-nos: Por que o documento optou por este estilo de orientação, excluindo as outras alternativas que colocamos? Para respondermos a esta pergunta, requer-se que o situemos dentro do contexto histórico geral do Movimento Litúrgico no Brasil sob polêmicas e controvérsias no Brasil. 496


2. Situação do documento no contexto histórico geral do Movimento Litúrgico sob polêmicas e controvérsias no Brasil Para tal situação a que nos propomos, seguiremos duas etapas: primeiro, apresentaremos uma série de coincidências entre vários conteúdos do documento e os conteúdos de acusações contra os chamados “liturgicistas” no período anterior à “Mediator Dei” (…). Coincidências entre vários conteúdos do documento e os conteúdos de acusações contra os chamados “liturgicistas” no período anterior à “Mediator Dei”.

a – A Carta da Congregação coincide em vários pontos com os tradicionalistas: “seguir Santo Tomás”, o “pensamento da Igreja”, o “método escolástico”, a “doutrina tradicional” Acabamos de apresentar acima o conteúdo da carta da Sagrada Congregação dos Seminários aos Bispos do Brasil. Ora, lendo o documento percebe-se que uma série de expressões suas já nos são familiares, ou, pelo menos, nos conduzem à lembrança de dados por nós já conhecidos, de quando, no Cap. IV da Parte I, tratamos das controvérsias em torno do Movimento Litúrgico no Brasil, especialmente quando líamos as investidas dos “polêmicos” em relação ao Movimento. Daí, aliás, também a razão por que tratamos deste documento neste capítulo, e não em outro. Em primeiro lugar chamamos a atenção para a insistência do documento no sentido de “seguir Santo Tomás”, seguir o “Pensamento da Igreja”, seguir o “método escolástico” e seguir a “doutrina tradicional”. Ora, já tivemos ocasião de observar que uma das acusações que se colocava a adeptos do Movimento Litúrgico ia exatamente no sentido de se dar importância exclusiva à Patrística e à Litur497


gia, desprezando o Doutor Angélico e a escolástica, e que se dava mais importância a autores modernos que ao “Pensamento da Igreja”, e a “doutrina tradicional”. É uma primeira coincidência.

b – Confirma a posição do o Legionário e de D. Mayer Outras expressões que nos chamam a atenção: “fontes envenenadas” e “filosofia modernizada”. Ora, tais expressões nos levam a recordar, por exemplo, os fortes ataques feitos por M. Pimentel e Mons. A. Brandão (em ‘O Legionário’) aos brasileiros simpatizantes dos “falsos profetas” da era moderna, entre os quais consta o nome de J. Maritain, muito lido pelos adeptos do Movimento Litúrgico. Aliás, as supracitadas expressões do documento da Sagrada Congregação dos Seminários, como ainda veremos, foram seguramente interpretadas no Brasil como referindo-se também a Maritain. Sabemos que professores do Seminário de B. Horizonte foram duramente repreendidos porque davam aulas sobre este autor. O documento fala também de “teologia viva”, e “que se quer fazer apologética sem falar do milagre, nem refutar os erros, apresentando unicamente a vida íntima da Igreja”. Ora, uma das grandes acusações contra o entusiasmo dos adeptos do Movimento Litúrgico no Brasil está exatamente no fato de haver descoberto a “vida íntima da Igreja”, isto é, da Liturgia. Daí também o entusiasmo por uma “teologia viva”, isto é, inspirando-se na “vida íntima da Igreja” que é litúrgica, com a consequente necessidade da passagem de uma religião por demais individualista, moralista e apologética para uma vivência mais mística da religião, entusiasmo este que não deixou de ser duramente atacado pelos “polêmicos” em relação ao Movimento Litúrgico, exatamente porque, segundo eles, “sob pretexto de uma teologia ‘viva’”, desprezava-se Santo Tomás e o método escolástico. (1) 498


c – Confirma a posição de Dr. Plinio O documento chama a atenção para o “erro” da exaltação da “grandeza do homem, deixando na sombra o pecado original e as suas consequências”, e “que se magnifica a onipotência da graça, sem falar da necessidade da cooperação por parte do homem”. Estamos diante da célebre questão da ascese e Liturgia, um dos pontos pelos quais simpatizantes do Movimento Litúrgico no Brasil também foram fortemente acusados de “heresia”. (2) O documento fala do “erro” em que “se comtempla a glória da Ressurreição do Redentor sem meditar sobre a Sua Paixão”. Trata-se da famosa questão do Cristo Glorioso. Na verdade, logo depois, chama-se a atenção para um dos “abusos” do “Liturgismo”: “Alguns iam mais longe, reprovando a representação de Jesus Crucificado, por ser menos conforme as suas concepções de vida mística”. Ora, tal advertência nos faz lembrar novamente os ataques dos “polêmicos” contra os simpatizantes do Movimento Litúrgico no Brasil, no sentido de que, com a introdução da imagem do Cristo Glorioso, estes tenderiam (a) eliminar a Imagem do Cristo Sofredor, tentariam ignorar as dores atrozes do Crucificado. (3)

d – Lembra os ataques de Plinio Corrêa de Oliveira referentes à Ação Católica e ao Movimento Litúrgico contra as “heresias modernistas” Passa-se então a apontar concretamente alguns “erros” ou “abusos” do chamado “Liturgismo”, frisando que tais “abusos” “não parecem tenham desaparecido inteiramente”, apesar dos mônitos da “Mediator Dei”: falava-se contra a adoração do Santíssimo, ... contra a ação de graças ... depois da Comunhão e da Santa Missa, ... contra a Bênção Eucarística”, reprovava-se a representação do Cristo das dores, admitiam apenas a oração litúrgica, desprezando a meditação particular, os Exercícios Espirituais, os exames de consciência. E, citando um texto da “Mediator Dei”, o 499


documento recomenda a reverência ao Santíssimo no Tabernáculo e a devoção à Virgem Santíssima sobretudo através do Rosário. Novamente estamos diante de questões amplamente debatidas e polemizadas no Brasil, dados estes (“heresias”) dos quais adeptos do Movimento Litúrgico e da Ação Católica foram duramente atacados com métodos sem dúvida discutíveis. Numa palavra, trata-se da célebre acusação de “exclusivismo litúrgico” com o consequente desprezo da devoção e dos exercícios extralitúrgicos e ascéticos (devoções eucarísticas, meditação, Exercícios Espirituais, exame de consciência, Rosário, Via-Sacra, etc), atirada (bem entendido) contra o próprio Movimento Litúrgico no Brasil. Neste sentido, lembramos apenas os ataques de Estrela do Mar abrindo uma acirrada discussão com A Ordem. Lembramos os ataques de Plinio Corrêa de Oliveira contra estas “heresias modernistas”. Lembraríamos a célebre advertência do Vigário Capitular da Arquidiocese do Rio de Janeiro, Mons. Rosalvo Costa Rego, na instrução de 21-5-1943, lançandose em enérgica defesa das práticas extralitúrgicas contra os que as julgam não necessárias para a santificação. Lembramos as defesas de F. Alves Ribeiro contra as acusações. Lembramos os duros ataques do Pe. M.T.L. Penido contra o “totalitarismo ‘religioso’” de “alguns asseclas do chamado movimento litúrgico”, como ele diz, abrindo discussão com o leigo F. Alves Ribeiro.

e – Lembra acusações de Plinio Corrêa de Oliveira no Em Defesa relativas a “os vacinados contra o pecado” Enfim, um último ponto a ressaltar e que também coincide de certa maneira com antigas polêmicas em torno do Movimento Litúrgico no Brasil, é a questão da “formação à virtude”: O documento recrimina os “erros funestos” de “alguns” que menosprezavam virtudes como “a humildade, a abnegação, a vontade própria, a obediência”, por serem virtudes “passivas”; dá-se maior valor as virtudes “ativas”, mais correspondentes “às exigências 500


da sociedade moderna”; consequentemente são “favoráveis às Ordens e Congregações de vida ativa e menosprezam as de vida contemplativa”; enfim, apelam para a ampla liberdade individual de todos no pensar e no agir, alegando que o Espírito Santo age mais diretamente do que a Hierarquia na consciência de cada um. Estamos de novo diante da célebre questão da ascese, ou melhor ainda, estamos diante de erros chamados “funestos”, “modernistas”, “protestantes”, dos quais os chamados “liturgicistas” não deixaram de ser também acusados com os métodos que já nos são bem conhecidos. Isto é, “vacinados contra o pecado” pelo poder da vida litúrgica, não restaria aos “liturgistas” senão a ação, o apostolado, em plena liberdade e consciência individual, com o consequente estabelecimento de contradições entre as diferentes Ordens e Congregações, ou Escolas de Espiritualidade. (4)

f – As coincidências “quase nos fazem crer, à primeira vista, que (a Carta da Santa Sé) endossa e apoia (…) toda aquela luta dos anti-liturgicistas” São todas interessantes coincidências entre os conteúdos da citada carta da Sagrada Congregação dos Seminários e os conteúdos das acusações, movidas contra os chamados “liturgistas” no período anterior à “Mediator Dei”, coincidências estas que quase nos fazem crer, à primeira vista, que o citado documento da Santa Sé endossa e apoia indiretamente toda aquela luta dos anti-“liturgicistas”, que inclusive coloca em perigo de credibilidade o próprio Movimento Litúrgico. ... Mas ainda é precipitado darmos uma justa avaliação do mesmo. E aqui é preciso lembrar que o documento se propôs como finalidade chamar a atenção, não para o “perigo” das novidades como tais, mas para o comportamento “exagerado” e “pouco prudente” de alguns na aceitação das novidades que apareciam. Ora, sabemos muito bem que houve exageros, imprecisão de linguagem e imprudências por parte dos adeptos do Movimento Litúrgico no Brasil antes da “Mediator Dei”. É outra coincidência! (...) 501


Notas: (1) Cf. supra, p. 318, nota 29. Significativa é a advertência feita pelo Côn. A. de Castro Mayer aos brasileiros sobre o perigo da “Nova Teologia” (Cf. CASTRO MAYER, A., “Nova Teologia”, REB 7 (1947), 793-817. Fá-lo baseando-se em dois artigos do dominicano R. Garrigou-Lagrange: “La nouvelle Théologie où va-t-elle?”, Angelicum 23 (1946), 126-145, e “Verité e immutabilité du Dogme”, Angelicum 24 (1947), 124-139). (2) Lembremo-nos dos ataques de P. Corrêa de Oliveira, contra os “vacinados contra o pecado” pela ação mecânica da Liturgia” (cf. supra, p. 176s); cf. também a defesa de F. Alves Ribeiro, no artigo “Em torno do Movimento Litúrgico” (cf. supra, p. 180). (3) Como diz CORRÊA DE OLIVEIRA, P., Em Defesa da Ação Católica, op. cit. 97 (cf. supra, p. 177) “... evitam e chegam a desaconselhar a meditação dos episódios dolorosos da vida do Redentor, preferindo vê-lo sempre como vencedor cheio de glória”. Cf. defesa de F. Alves Ribeiro, em “Em torno do ‘movimento litúrgico’”, art. cit. 120-121 (cf. supra, p. 180). Cf. Apêndices VI, VII e X. (4) Para este ponto, recordamos a conhecida “carta de um congregado” em Estrela do Mar (cf. supra, p. 167, nota 16) CORRÊA DE OLIVEIRA, P., Em Defesa da Ação Católica, op. cit., 95-100, 107 ss. (cf. supra, p. 175-178, in specie (176-177), PENIDO, M.T.L., “Corpo Místico”..., art. cit..280

280 – op. cit. pp. 314 a 321. (Grifos nossos).

502


Apêndice V Neste Apêndice colocamos alguns episódios narrados por Dr. Plinio que se relacionam com as suas memórias, mas que postos na Parte IV poderiam fazer perder o fio da exposição.

1. Na aparência, a luta do Em Defesa foi uma lutazinha aviltante, na realidade uma guerra colossal dentro da Igreja Comentário de Dr. Plinio em conversa para membros da TFP em 1987:

Durante algum tempo, antes de eu conhecer as linhas gerais da Revolução e da Contra-Revolução, eu tinha impressão de que esse movimento de balança – R e CR – consistia, sobretudo, nas ocasiões em que uma parte e outra conduziam uma contra outra a guerra declarada. E que passada a guerra declarada, havia períodos de paz, de inércia, de tranquilidade profunda, em que a maior parte das pessoas nem cogitava dos problemas que tinham ocasionado a como que guerra anterior. De fato, conheciam, mas aquilo não tinha vida. Depois, por razões x, y, z, aquilo retomava vida e continuava a batalha anterior. Na São Paulinho daquele tempo – isto é, de 1920 até 35, 40 –, no Brasilzinho daquele tempo, quase me atreveria a dizer no mundinho daquele tempo, parecia evidente que naquele ponto ambos os lados estavam parados. E notava que nesses períodos de paz, como esse que eu estava atravessando, [antes de entrar no Movimento Católico] havia em todos os sentidos uma contínua erosão dos campos da Contra-Revolução (CR) para os campos da Revolução (R). Quer dizer, não só muitos CRs iam ficando menos CRs, mas um certo número deles – não torrencial – migravam diretamente 503


para o campo da R. E que os filhos dos CRs iam sofrendo um processo de diminuição de densidade, por onde eles eram sempre menos CRs do que os pais. De maneira que ao cabo de algum tempo a R. teria vencido. No total isso me parecia que era o resultado da última vitória alcançada pelo lado oposto, mas eu não imaginava uma ação metódica desenvolvida nesse período de paz para preparar a guerra, [ideológica ou religiosa] e a existência de uma guerrilha larvada nesse próprio período de paz. Quer dizer, esse período de paz era um período de luta com outro aspecto. Disso eu não me dava conta. A primeira vez que me dei conta disso foi analisando o Movimento Católico, o movimento da Ação Católica. Todas as circunstâncias me fizeram ver, de repente, a conspiração. E daí veio a ideia de que naquela modorra profunda se preparava uma coisa que parecia ser um fato comum da vida da Igreja: o aparecimento da Ação Católica. Mas que era de fato uma Revolução. Uma Revolução que pretendia consumar naquele tempo – anos 35, 40 – no Brasil a Revolução que o Sínodo dos Leigos, que se reunirá em outubro de 1987 em Roma, parece chamado a fazer (*). ----------------------------------(*) O Sínodo dos Leigos visa dar uma participação colossal aos leigos no próprio ofício da Missa. Ainda não é a participação na Consagração, mas na cerimônia, no sermão, leigos com o direito de falar, leigas também, etc. E depois a instauração do sistema democrático de governo na Igreja. ----------------------------------Vi que se estava fazendo uma conspiração; e que se essa conspiração tivesse resultado, tornava dispensada uma futura guerra [ideológico-religiosa]; que ela era feita para fazer uma transformação sem guerra; que se viesse uma guerra, ela teria pré-julgado o resultado da guerra, colocando durante a paz o maior número possível de circunstâncias favoráveis para que aquela corrente [progressista] vencesse. Entrementes aconteceu que eu era Professor Catedrático de 504


História da Faculdade de São Bento, cargo que tinha me sido dado durante o meu apogeu como deputado. Depois que cessou o mandato de deputado eu peguei esse cargo. Mas a situação no São Bento era tão tensa que eu não pedi o cargo lá. Mas tinha que indicar alguém como meu assistente: indiquei o Pacheco Sales que era membro de nosso grupo. E o Pacheco teve que fazer uma espécie de concurso, uma espécie de prova. Tomou como tema a história do jansenismo. Pegou dois ou três livros da História da Igreja, mais ou menos profundos, e armou uma tese. Levou talvez seis meses, talvez um ano preparando a tese. E na confecção da tese ele ia me pondo ao corrente, nas conversas à noite, na sede, do que é que ele estava vendo. E se percebeu que o jansenismo estava para a ortodoxia no período que vai entre o protestantismo e a Revolução Francesa – quer dizer, duas revoluções declaradas –, como a Ação Católica estava para a ortodoxia no nosso período. As mesmas doutrinas veladas, as mesmas tendências, os mesmos métodos de ação, os mesmos grupinhos clandestinos. Era a mesma coisa. Lembro-me que naquela ocasião estudamos também a história da Inglaterra, no período em que mediava entre São Thomas Becket e Henrique VIII. Víamos também que era a mesma coisa, quer dizer, aquela queda simultânea de todo o episcopado inglês, aquela prevaricação ao mesmo tempo, etc, isto era porque no período de intervalo tinha sido preparado. Uns dois ou três anos depois do “Em Defesa”, verifiquei que nós estávamos numa guerra portentosa, com todos os aspectos da vidinha, e que se tratava de uma revolução colossal dentro da Igreja, mas durante a qual tudo era em clima de otimismo, despreocupação e paz. E na minha ótica as duas coisas coincidiam: o clima de otimismo eufórico e esse verme roedor que queria implantar no Brasil, trazidas da Europa para cá, a Ação Católica e a Democracia Cristã. A Ação Católica era trazida para ser o viveiro dos jovens 505


católicos mais fervorosos, mais entusiasmados das congregações marianas, que iriam entrar na revolução religiosa. Revolução religiosa essa que faria para a Democracia Cristã, por sua vez, o papel de viveiro. Porque os melhores da Ação Católica seriam – como foram – transferidos depois para a Democracia Cristã, os quais, depois, em parte passaram para o comunismo. Bem, e quase todos os Bispos, padres, políticos da ordem de coisas anterior a isso, no fundo iam favorecendo essa baldeação com ares de quem não percebe, absorvidos nas suas querelazinhas, nos seus problemas. Os jornais falando pouco de Ação Católica, Democracia Cristã com o intuito de fazer com que veladamente se desse essa baldeação. A maior dificuldade que tive de enfrentar durante esse tempo foi, primeiro ponto, a aparente paz que dava a impressão que toda essa batalha que conduzíamos era uma lutazinha de sacristia, sem importância, até aviltante, e que não tinha importância nenhuma, e que nós estávamos combatendo dentro de um formigueiro as formigas, quando nós deveríamos combater num campo de batalhas como cruzados. E, de outro lado, uma espécie de glasnost, Tratado de Yalta, desmobilização de espíritos, rotarianização pacinista [pacifismo cínico] caminhando para um estado de espírito ecumênico. Quer dizer, isso tudo era uma torção violentíssima que me tornava cada vez mais inexplicável dentro do panorama. Tomem a mim do tempo do Legionário antes do Em Defesa e comparem com a lutazinha de formiga na aparência que eu era obrigado a conduzir: eu que me sentia feito para grandes batalhas, era obrigado a lutazinhas de subtilezas e coisinhas, de luta de cortesão de baixo império. A posição mais contrafeita que se possa imaginar, porque me tornava inexplicável debaixo de todos os pontos de vista. Eu, que fora o inimigo detestável e o líder ovacionado, passava a ser o homem inexplicável.

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2. Fundação da Democracia Cristã Quanto à Democracia Cristã, aconteceu o seguinte: O PDC foi fundado no Brasil por volta de 1944 ou 1945. Naquela época, o que nós chamamos progressismo existia dentro da Ação Católica, mas fora dos muros dessa organização não existia ainda. O progressismo é a transformação da Igreja numa sociedade laica e igualitária. O pedecismo é a transformação do Estado numa sociedade laica e igualitária. O que um pedecista pensa em matéria de religião é idêntico ao que um progressista pensa em matéria de religião. Em sentido contrário, o que um progressista pensa em matéria de política é idêntico ao que um pedecista pensa em matéria de política. De maneira que o pedecismo e o progressismo não são senão o verso e o reverso da mesma medalha, os dois aspetos, os dois perfis de um mesmo rosto. O progressismo é a religião dos pedecistas, e o pedecismo é a sociologia dos progressistas. As primeiras démarches para a fundação do PDC em São Paulo estiveram sob o bafejo do professor Cesarino Junior281, catedrático de Legislação do Trabalho na Faculdade de Direito. Falando em termos de uma democracia parlamentar, eu era então o Primeiro Ministro de um partido em decadência e o Cesarino era o líder da oposição em ascensão. Eu era Presidente da Junta Arquidiocesana da Ação Católica, e quase todos os membros do nosso grupo eram membros da Junta Arquidiocesana da Ação Católica. Nós representávamos a velha tradição católica. Mas era notório a todos que tivessem um pouco de finura que eu tinha incorrido no desagrado do Arcebispo Dom José Gaspar, cuja simpatia 281 – Cesarino Junior, Antônio Ferreira – (1906 – 1992). Jurista e professor da Universidade de São Paulo (USP). Foi precursor do Direito do Trabalho no Brasil, com a publicação dos primeiros livros sobre o tema. Fundou o Partido Democrata Cristão brasileiro em 1945. Mais tarde abandonara essa ideia, arrependendo-se de seu envolvimento com a política.

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ia toda para núcleos de jovens opostos aos nossos e que eram em matéria de religião, progressistas, e em matéria de política pedecistas. O Cesarino era em São Paulo o líder dessa corrente. Quando havia conferências, discursos, atos públicos oficiais do Movimento Católico até há pouco fora eu o principal convidado. E naquele momento [pouco depois] quem me convidasse passava por atrasado, retrógrado, que não compreendia que outras modas sopravam e outros valores estavam em voga. Eu fazia o papel da garrafa de champanhe aberta na véspera e ele fazia o papel da garrafa de champanhe aberta no dia com toda a espuma e com toda a vitalidade. Depois morreu Dom José Gaspar e veio Dom Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta, que nos expulsou com a máxima brutalidade dos cargos que ocupávamos. Eu estava no fundo do vale quando começou a constituição do PDC com o Cesarino e sob o bafejo de Dom Carmelo. Junto com eles estava um senhor que tinha uma grande voga nos meios conservadores xaroposos, não nos meios conservadores belicosos que eu liderava, que se chamava Manuel Vitor de Azevedo. Era locutor de rádio em São Paulo, tinha uma voz muito harmoniosa, muito conciliador, muito afável, com uma ligeira melancolia. Para uma senhora que gosta de ficar melancólica às seis da tarde, ele é o locutor ideal. Ele tinha um programa “Seis horas Ave Maria”, uma coisa assim, que alcançava para ele uma popularidade fabulosa. Também esteve incumbido da fundação do PDC um padre jesuíta brilhante, chamado Saboia de Medeiros282. Era um homem bonitão, muito bem apessoado, de minha idade, nós éramos moços naquele tempo, e que tinha um cabelo à la cavalgata das 282 – Saboia de Medeiros, Pe. Roberto – (1905-1955). Qualificado por Alceu de Amoroso Lima como “uma ponta de lança nas conquistas sociais”. O site da Fundação Educacional Inaciana Padre Saboia de Medeiros afirma que “sua grande preocupação era a questão social” e informa ter sido ele “ardoroso adepto do filósofo francês Maurice Blondel e leitor assíduo de Aldous Huxley”, tendo mantido correspondência com ambos. Minha Vida Pública... p. 195.

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Valquírias, uma coisa bem arranjada, com uma mexa branca, lembrava algo de um faisão. Tinha um sotaque carioca, com inflexões muito variadas e um pouco do encanto carioca, da sedução carioca, de que eu sou tão falho. Ele sabia resolver as coisas pelo lado ameno, pelo lado gentil, à primeira vista ele não tinha nada de um batalhador. Esses três senhores eram muito amigos de um industrial riquíssimo que havia em São Paulo chamado Roberto Simonsen283, o qual era muito amigo dos dois Arcebispos sucessivos de São Paulo, primeiro de Dom José Gaspar e depois de Dom Carlos Carmelo. Era riquíssimo, um verdadeiro nababo, financiava as iniciativas de que ele gostasse. E ele gostava das iniciativas do padre Saboya, do Sr. Cesarino e do Sr. Manuel Vitor de Azevedo. Eles andavam dando um balanço nas coisas e parece que chegaram à conclusão que por mais que eu e meus amigos estivéssemos prostrados no chão, entretanto eles não conseguiriam equilibrar ainda um partido que atraísse todo o eleitorado católico sem que eu estivesse dentro. O resultado é que Cesarino me procurou e me pediu para eu participar das conversações para a fundação de um Partido Democrata Cristão. Era evidente que o que ele queria era um resto de eleitorado e de prestígio que eu ainda tinha. Numa certa cúpula católica de São Paulo sabia-se de minha situação, mas nas bases ainda não se sabia, e na base católica de São Paulo e de todo o interior a minha conceituação como líder católico, desde que eu fui eleito deputado, era enorme. E aceitei. Começamos a negociação. Houve umas duas ou três reuniões, mais ou menos, realizadas alternativamente no meu escritório e na casa do Cesarino. 283 – Simonsen, Roberto – (1889-1948). Industrial, historiador e político. Fundou em 1912 a Companhia Construtora de Santos, participando desde então da direção de várias companhias industriais. Deputado pelo Partido Constitucionalista à Assembléia Nacional Constituinte (1934-1935). Deputado federal pelo PSD paulista em 1945. Foi senador em 1946.

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Eles queriam fazer todo o possível para que eu dissesse sim, mas punham dentro uma cláusula por onde eu teria forçosamente que dizer não. Depois descobriu-se o que era: eles tinham receio que fundando uma DC em cuja direção eu estivesse, eu tornasse muito difícil consolidar o prestígio deles e ficasse eu com a direção da DC. Em pouco tempo eu teria feito da DC um movimento reacionário. Sobretudo o professor Cesarino – que era um porta-voz do padre Saboya, com quem eu não tratei diretamente o caso, mas estava por detrás – impunha condições que eu não podia aceitar, por exemplo o Estado leigo, participação obrigatória dos operários na propriedade, nos lucros e na direção das empresas e outras coisas assim. Eu: – Se não tirar isso do programa, eu não aceito. – É, mas Plinio, veja, porque não sei o quê, porque isso, aquilo. Eu dizia: Não, cortesmente, dava sugestão. Eles recusavam, estava encerrado o caso. Lembro-me que na última vez que nos encontramos eu estava dando aulas na Faculdade de Direito e o Cesarino também. E combinamos de sair juntos de táxi da Faculdade. E no táxi fomos conversando, ele mais alguém e eu, não me lembro de quem era o outro: – Bem, Dr. Cesarino, em resumo tais coisas assim eu não aceito, são contra a doutrina católica. – Contra a doutrina católica? O senhor tenha a paciência, o senhor não pode saber mais do que o Arcebispo Dom José Gaspar, do que o Arcebispo Dom Carlos Carmelo, do que o Padre Saboya, que é um grande teólogo; eles me dizem que pode estar tranquilo com isto e o senhor me levanta esta objeção, que é uma objeção de consciência? O senhor é leigo, eles são bispos, de que valor pode ser essa objeção, como elemento de uma conversação política, Plinio? – Tem o valor de minha consciência. O senhor está me per510


guntando. Se essas personalidades quiserem conversar comigo para apresentar as minhas objeções, eu estou à disposição. E eu não só tenho essas objeções de consciência, mas eu estou tão seguro delas que nem sequer imagino a possibilidade de mudar de ideia, porque eu cheguei ao óbvio a respeito disso, e a evidência não se muda. Quer dizer, para mim é óbvio que isto é contra a doutrina católica, tem encíclicas, tem isso, tem aquilo. Eu estou com o meu ponto de vista formado. – Bem, mas o PDC faz questão que o senhor mude de ideia e sem isso não há negociações. Quando o táxi chegou à esquina da Alameda Barros com a Avenida Angélica, eu disse a ele: – Professor Cesarino, neste caso não adianta eu perder o meu tempo e o senhor o seu, eu nem sequer vou a sua casa, porque nós não temos mais o que conversar. O senhor encosta aqui o automóvel, porque eu moro aqui perto e vou para minha casa. Ele encostou, nós nos despedimos e não nos vimos mais. Os senhores estão vendo aí uma coisa combinada para me dar esperança, e para me cortar o caminho se eu não aceitasse essa condição. Daí eles fundaram uma DC. A DC oficialmente deveria englobar todo o Movimento Católico. Mas não deu nada. Quase ninguém entrou para ela, e não teve expansão. Ao que parece o padre Saboya e o Cesarino desagradaram a quem mandava, porque pouco tempo depois o Cesarino começou a entrar em decadência, se falava cada vez menos dele nos meios católicos. E nos meios profissionais ele também era cada vez menos mencionado. E terminou num tal esquecimento que, para encher o tempo, se formou em Medicina, já sendo catedrático de Direito. O padre Saboia entrou também em decadência. Falou-se cada vez menos dele, e acabou como mero assistente ou diretor de uma Faculdade de Engenharia Industrial que ele tinha fundado, ele que fora um pregador famoso em São Paulo inteiro. 511


O senhor Roberto Simonsen morreu na Academia Brasileira de Letras, da qual ele era membro, quando estava pronunciando um discurso em honra de um estadista socialista belga. Anos depois nós estivemos no sul com um padre jesuíta alemão que vinha da Europa chamado Godofredo Schmieder. E conversando com amigos nossos naquela ocasião, ele disse: Foi um erro não ter admitido o Plinio Corrêa de Oliveira no PDC, porque era com a presença dele que a contenda ideológica da qual o PDC vive poderia ter tomado calor. Ele deveria ter dirigido a ala direita do PDC. Exatamente por não ter estado lá este homem, o PDC nunca tomou porte ideológico, e o resultado é que se arrastou como um partido sem significação. Assim fica tudo claro. O Roberto Simonsen provavelmente queria que eu entrasse na DC para os efeitos que o padre Schmieder formulou. Mas o Cesarino e o padre Saboya desobedeceram isso, por não entenderem toda a importância da jogada.

3. Outras reminiscências a respeito deste período A. Numa conversa com o Padre Dainese, este anuncia o avanço do igualitarismo no campo temporal e no campo eclesiástico após a II Guerra Mundial Quando estava para terminar a II Guerra Mundial o Pe. César Dainese, conversando comigo disse: Olha, haverá umas modificações muito importantes no mundo depois da II Guerra Mundial. Uma das modificações será na estrutura internacional do mundo, que vai ser dividido em duas esferas de influência: a russa e a norte-americana; essas esferas de influência vão absorver o resto das nações que vão ficar reduzidas a uma condição de minoridade em relação a esses dois grandes blocos. Outra coisa é uma reforma na Igreja por onde, por exemplo, o Sacro Colégio vai acabar ou vai diminuir muito as suas prerrogativas, além de uma série de outras coisas que iriam mudar. 512


Uma vez que o golpe nazista não deu resultado, então precisa haver um golpe igualitário que se processe por vias democráticas na estrutura do mundo e da Igreja. Aos do nosso grupo contei essa conversa com Pe. Dainese. B. Episódio no qual Dr. Plinio percebeu os primeiros sintomas do advento da mentalidade ecumênica Mais ou menos pelo ano 35, eu morava perto do apartamento em que moro hoje [1991], e frequentava muito aquele barbeiro do Salão Ideal, na Avenida Angélica, com o qual, posteriormente, eu rompi. Encontrava sempre lá, sistematicamente, um senhor muito amável. Conhecia parentes dele e ele conhecia parentes meus. Era extremamente expansivo, alto, gordo, com uma voz sonora: Oh, Plinio! Como passa? Nós nos tratávamos muito bem. Mas eu sentia que nós dois havia certa nuvem, certa pelica, que vinha do fato de que ele era um homem corrente, comum, e eu era um contra-revolucionário. O que ele, esperto, sabendo bem onde meter a ponta do nariz, percebia bem. Tratava-me bem, mas havia uma coisa qualquer que, no meio das gentilezas, ele como que dizia: Este é um carola. E ele sentia que no meio de meu modo de agir havia uma coisa que dizia: Ele é ele mesmo. Sem embargo do que, por temperamento, por tudo o mais, tínhamos esse mútuo relacionamento amável. Um dia cheguei lá e percebi, de repente, que essa pelica tinha desaparecido. Ele me recebia sem que a pecha de carola estivesse presente no espírito dele e me tratando como si se tratasse de um irmão dele. Eu respondi muito amável, mas não o tratei como si se tratasse de um irmão meu. Ele foi chamado para uma cadeira de barbeiro em um lado do salão, eu do outro, e começamos ambos a cortar o cabelo, a nos barbear, etc. Pensei: este homem é muito ele próprio. Esta abolição da pelica é tão sensível que eu posso deduzir daí que tudo quanto 513


separa, hoje em dia, o clero e o movimento católico, do comum das pessoas, no trato civil, desaparecerá. Vai haver uma reconciliação que já foi estudada e que agora desce para ser executada. A palavra ecumenismo não me veio ao espírito, porque ela era muito pouco usual. Mas o que era ecumenismo se apresentou claramente no meu espírito. Enquanto o barbeiro fazia a barba e eu ia cogitando minhas impressões – às vezes fechando os olhos para o barbeiro entender que não queria conversar com ele, que tinha mais coisas em que fixar minha atenção – comecei a pensar nas consequências. Cheguei à seguinte conclusão: A maior parte dos que são nossos amigos é amiga porque, quando atacada, nós estamos sempre na estacada ao lado deles. Mas se esta pelica cessar, eles não precisarão mais de nossos préstimos. Vão ficar amigos de nossos inimigos, vão nos empurrar de lado e até fazer uma frente única com os inimigos contra nós. E nós, que somos a favor de uma conduta beligerante da Igreja dentro do mundo moderno, vamos ser abandonados, porque estes só lutam quando são atacados. E lutam só na defesa própria. Hoje em dia não atacam mais. Se cessar o ataque, cessa a luta. Se cessa a luta, cessa para eles a nossa razão de ser. Portanto, comecei a sentir um vazio frio em torno de mim, embora o dia fosse quente. Mas um vazio frio que me estarreceu. De 1935 até hoje [1991] todas as coisas se passaram de maneira a fazer uma paz completa, um inter-relacionamento completo e a nulificação, o completo exílio para as margens da Igreja, e para o território extrínseco à Igreja, de tudo aquilo que outrora era militante. Este fato é, entretanto, um fato primordial na vida da TFP e na história do mundo. Porque, por exemplo, o modo de ver os Papas, o modo de se referir a eles, o modo de tratar os bispos e arcebispos, o modo de tomar contato com tudo quanto diz respeito à sociedade civil na sociedade eclesiástica e na sociedade civil, da sociedade eclesiástica, de lá para cá não tem feito senão mudar enormemente. 514


Isto foi de uma importância enorme para a História da Igreja, pelas influências nefastas que a penetração do espírito do mundo – já visto sem reservas, numa mera preocupação de colaboração – teve nos meios católicos. E depois, em sentido oposto, uma influência muito singular no meio propriamente não católico, no meio laico: deixar entrar torrencialmente tudo quanto fosse católico, desde que não fosse combativo. O mundo estava aberto para os católicos não combativos. Os católicos combativos estavam postos de lado. Então, como consequência, uma camaradagem, entre padres, freiras, etc. A mídia apoiou esse movimento com toda energia. A mesma mídia, que naquele tempo tratava as notícias religiosas com um pouco caso extraordinário, na pior página do jornal. Notas do Apêndice V Este Apêndice foi tirado das seguintes fontes: Conversa 17-7-87; Reunião 7-7-73; idem 22-7-70; 2-9-73; 31-8-91.

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Índice Analítico Prólogo................................................................................................................7 Parte I – Plinio Corrêa de Oliveira e a Revolução............................................13 Parte II – Fundo de quadro em torno de Em Defesa da Ação Católica...........73 Parte III – Pré-História de Em Defesa da Ação Católica..............................105 Parte IV – A história do Em Defesa da Ação Católica relatada pelo próprio Autor.............................................................119 Capítulo I – Teoria geral da ofensiva contra o Movimento Católico – A sua força.................................120 Capítulo II – Forças que minavam internamente o Movimento Católico......................................................131 Capítulo III – Preparativos tendenciais para esvaziar o movimento católico.......................................................154 Capítulo IV – Forças que minavam o movimento católico internamente no terreno teológico e eclesiástico: o Liturgicismo e a Ação Católica.....................................170 Capítulo V – Desenrolar dos fatos até o momento em que Plinio Corrêa de Oliveira decide escrever o Em Defesa......................................................................200 Capítulo VI – O “Kamikaze”..........................................................238 Capítulo VII – Tensão com Dom José – Congresso Eucarístico de 1942 – Represálias – Morte de Dom José Gaspar........257 Capítulo VIII – Dom Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta, novo arcebispo de São Paulo: inimigo pessoal de Dr. Plinio.............................................296 Capítulo IX – Reviravolta da situação. Somos reabilitados e passamos à contra-ofensiva...........................................318 Capítulo X – Alcance da luta travada contra a Ação Católica.......339 Parte V – Em Defesa da Ação Católica...........................................................357 Primeira Parte: Natureza jurídica da Ação Católica......................365 Segunda Parte: A A.C. e a vida interior..........................................380 Terceira Parte: Problemas internos da A.C. ................................385

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Quarta Parte: Atitudes da Ação Católica na expansão da doutrina da Igreja.........................................................396 Quinta Parte: A confirmação pelo Novo Testamento...................417 Conclusão........................................................................................425 Parte VI – A eficácia de Em Defesa da Ação Católica reconhecida por adversários ideológicos de Plinio Corrêa de Oliveira............431 Capítulo I – Depoimento de vários autores....................................431 Capítulo II – Depoimentos do Pe. José Ariovaldo da Silva............446 Considerações Finais.....................................................................................457 Apêndice I......................................................................................................474 Apêndice II.....................................................................................................477 Apêndice III...................................................................................................489 Apêndice IV....................................................................................................492 ApêndiceV......................................................................................................503 Índice Onomástico.........................................................................................519

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Índice Onomástico A Abel, (Antigo Testamento), 151 Ablas Filho, Antonio, 272, 333 Abraão, (Patriarca), 35, 219 Acioly, Inácio, (Dom), 103 Adam, Karl Borromaus, 180 Albuquerque, Otaviano Pereira de, (Dom), 324, 338 Alexandre de Alexandria, 407 Alexandre, “o latoeiro” 423 Allende, Salvador, 181, 458 Almeida, Felix Pereira de, Pe., 187 Almeida, Fernando Furquim de, 172, 220 Ambrósio, (Santo), 407 Andrade, José Carlos Castilho, 172, 242, 243, 320, 321 Andrade, Mário de, 434 Anet, Claude, 25 Antioquia, Inácio de, (Santo), 406 Antonio, (Santo, Eremita), 407 Aquino, Tomás de, (Santo), 87, 149, 347, 403, 407 Aranha, Oswlado Euclides de Souza, 109, 115, 116 Arnaldo de Brescia, 407 Arns, Paulo Evaristo, (Dom), 96, 97, 101 Arouet, François Marie, (Voltaire), 32 Arruda, José Gonzaga de, 172, 220 Atanásio, (Santo), 407 Atenágoras, 407 Athayde, Tristão de (Alceu Amoroso Lima), 99, 100, 101, 102, 103, 149, 162, 176, 177, 187, 211, 250, 256, 340, 346, 435, 436, 443, 508 Atisha, Moisés, (Dom), 462 Azeredo Santos, José de, 172 Azevedo, João José de, (Mons.), 223 Azevedo, Manuel Vitor de, 150, 508, 509

B Babeuf, François-Noel, 23 Bakounine, Mikhail, 26 Barbosa, Marcos (Dom), 102, 103, 176, 177 Barrón, Alfredo Garland, 94, 95 Barros, Artur Leite de, 159 Basílio, (São), 407 Batista, João, (São), 400 Bayard, 469 Beauduin, Lambert, (Dom), 92, 228, 436 Becker, João, (Dom), 289, 449 Becket, Thomas, (São), 505 Bento XV, (Papa), 22, 403, 404 Beozzo, José Oscar, (Pe.), 90, 91, 102, 161, 438, 444, 445 Bernanos, Georges, 186, 295 Bernardo, (São), 155, 407 Berthe, Augustin, (Pe.), 21 Billot, Louis (Cardeal), 428 Bina Machado, José, (Gen.), 297 Blondel, Maurice, 508 Bloy, L., 295 Boaventura, (São), 407 Bom Conselho, Ângelo Maria do, (Frei), 235, 236 Bonaparte, Napoleão, 70, 71, 299, 300 Bonatti, Mário, 91, 118 Bordonove, Georges, 69,70 Borromeo, Luigi Carlo, (Mons.), 80 Botte, Bernard, (OSB), 90, 123, 211, 255, 322, 328, 409, 441 Bragança, Pedro Gastão de Orleans e, (Príncipe), 258 Brandão, Ascânio, (Mons.), 224, 294, 295, 498 Buonaiuti, Ernesto, 86, 87

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C Cabral, Antonio dos Santos, (Dom), 183, 185, 253, 263, 264, 296, 311, 313, 314, 315, 338, 450, 451 Caim, (Antigo Testamento), 151 Caldeira, Rodrigo Coppe, 113, 114 Câmara, Helder Pessoa, (Dom), 101, 331, 332, 333, 442 Câmara, Jaime de Barros, (Dom), 292, 296, 346 Camargo, José Fernando de, 172, 323 Cappello, Felix M., (Pe.), 428 Cardijn, Josef-Leon, (Mons.), 193 Cardoso, Maurício, (Gen.), 479, 483 Carducci, Giosuè, 34 Carlos V, (Imperador), 469 Carlos VIII, (Rei), 469 Carlos X, (Rei), 69, 71 Casel, Odo, (Dom), 92 Castanho, Amaury, (Dom), 94, 95, 109, 110, 111, 258, 259, 283 Castelnau, Edouard de Curières de, (Gen.), 106 Castro, Fidel, 96 Catão, Francisco, (Pe.), 347, 348 Cavalcanti, André, (Dom), 223 Cavalcanti, Robison, 101 Cerinto, 260 César, (Imperador), 310, 313 Cesarino Junior, Antônio Ferreira, 507, 508, 509, 510, 511, 512 Chautard, Jean-Baptiste, (Dom), 169, 410 Christo, Carlos Alberto Libânio, (Frei Betto), 96, 97 Churchill, Winston Leonard Spencer, 79 Cintra, Manuel Pedro da Cunha, (Dom), 284, 285 Cintra, Paulo Barros de Ulhôa, 172, 313 Cintra, Sebastião Leme da Silveira, (Cardeal), 99, 107, 115, 116, 124, 161, 162, 165, 179, 180, 181, 190, 254, 283, 292, 340, 347, 432, 433, 435, 438, 447 Cipriano, 407

Civardi, (Mons.), 374, 375 Claret, Antônio Maria, (Santo), 18-19 Clemente, 407 Congar, Yves Marie Joseph, 91, 444 Conselheiro Acácio, 161 Consentino, (Mons.), 274, 282 Cornélio, 407 Corrêa, Francisco de Aquino, (Dom), 449 Costa, Fernando, (Interventor), 261, 262, 479, 483 Costa, Miguel (Cel.), 168 Crisóstomo, João (São), 61, 62, 407 Cruz, João da, (São), 382

D D’Elboux, Manuel da Silveira, (Dom), 284 d’Arc, Joana (Santa), 63, 64 d’Artois, (Conde), 69 Dainese, César, (Pe.), 186, 230, 231, 232, 233, 234, 235, 236, 243, 246, 249, 269, 292, 297, 298, 512, 513 Daniel, (Profeta), 267 Daniele, Leo Nino Foscolo, 60, 65 Dantas, Francisco Clementino Santiago, (Min.), 168 Davi, (Profeta), 144 De Mun, 177 Delassus, Henri, (Mons.), 22, 24, 25 Delgado, José, (Dom), 183 Della Cava, Ralph, 345, 346, 441, 442 Dell’Acqua, Ângelo, (Mons.), 28 Dostoiewski, Fiódor, 295 Dussel, Enrique, 82, 330

E Engels, Friedrich, 25, 26 Erzati, (Mons.), 461 Evandro, 273 Ezcurra Naón, Alejandro, 461 Ezequiel, (Profeta), 471

520


F

Henríquez, Raúl Silva, (Cardeal), 458 Hermógenes, 423 Hilário, (Santo), 407 Hillaire, A, (Pe.), 20, 21 Himeneu, 423 Hitler, Adolf, 79,149 Huxley, Aldous, 508

Farias, Damião Duque de, 118 Fernandes, Antonio Ciríaco, (Pe.), 438 Figelo, 423 Fileto, 423 Fogazzaro, Antonio, 86 Fonseca, Joaquim Moreira da, 113 Franca, Leonel Edgard da Silveira, (Pe.), 293, 328 Franca, Leovigildo, (Mons.), 436 Francisco I, (Papa) 10, 83, 357, 460, 461 Francisco I, (Rei), 469 Freitas, Luiz Mendonça de, 330, 353 Freitas, Maria Carmelita de, 443, 444 Frénilly, François-Auguste Fauveau, (Barão), 69 Fulgêncio, 407

I Irineu, (Santo), 406, 407 Isaac, (Patriarca), 342 Isabel II, 19 Isabel, (Princesa), 485 Isaías, (Profeta), 470, 472 Isnard, Clemente José Carlos de Gouvea, (Dom), 81, 90, 93, 114, 115, 116, 117, 123, 125, 190, 211, 249, 250, 255, 280, 321, 322, 327, 328, 329, 408, 409, 435, 441

G Garric, Robert, 172, 173, 174, 175, 176, 177 Garrigou-Lagrange, Reginald, (Pe.), 502 Gaume, Jean Joseph, (Mons.), 23 Gedeão, (Juiz, Antigo Testamento), 75 Geraldo, 407 Gonçalves, Alberto José, (Dom), 284 Goulart, João Belchior Marques, (Jango), 330, 332, 352, 354 Goulart, Maria Teresa, 330 Gregório VII, (São), 157 Guardini, Romano, (Pe.), 92, 180 Guerry, (Mons.), 374 Gutiérrez, Anastásio, (Pe.), 474, 476 Guzzo, Cônego, 323

H Habsburgo-Lorena, Maria Antonia Josefa Joana (Maria Antonieta, Rainha, 67 Haas, José de, (Dom Frei), 449 Henrique IV, (Imperador), 157 Henrique VIII, 505

J Jeremias, (Profeta), 471 Jerônimo, (São), 143, 404, 405 Jó, 61, 284 João Paulo II, (Papa), 102, 340 João XXIII, (Papa), 10, 14, 91, 102, 339, 435, 445 José, (São), 496 Joviniano, 407

K Kiehl, Maria, 177 Kok, Svend, ou Kok, Teodoro, (Dom), 133, 138, 141, 146, 250, 251, 264, 265, 266, 267, 268, 275, 287, 304 Konder, Leonardo, 102 Kossuth, Lajos, 23

L Ladeira, João Batista Martins, (Mons.), 215 Lafargue, Paulo, 25 Leão XIII, (Papa), 16, 34, 131, 179, 226, 229, 241, 370, 412, 429

521


Lefebvre, Marcel, (Mons.), 354 Leiber, Robert, (Pe.), 316 Libânio, João Batista, (Pe.), 116, 117 Líbero, Cásper, 282 Lima, Alceu Amoroso (Tristão de Athayde), 81, 99, 100, 101, 102, 103, 106, 124, 130, 133, 145, 146, 148, 161, 162, 171, 176, 177, 181, 189, 211, 218, 250, 254, 256, 258, 260, 262, 292, 296, 314, 340, 345, 346, 432, 435, 437, 439, 442, 445, 456 Lindenberg, Adolpho, 172 Loisy, Alfred, 88 Loneux, Adèle de, (Mlle), 177, 178, 179, 211 Loredo, Julio, 17, 86, 87, 88, 93 Loureiro, Paulo Rolim, (Dom), 218, 219, 320, 321 Lubac, Henri de, 180 Luís Filipe, (Rei), 71 Luís XII, (Rei), 469 Luís XVI, (Rei), 69, 300 Luís XVIII, (Rei), 69 Lutero, Martinho, 26, 32, 361

M Machado, Antonio Augusto Borelli, 473 Machado, Antônio de Alcântara, 108 Machado, Orlando, (Pe.), 183 Magno, Carlos (Imperador), 63 Magno, Gregório (São), 407 Maia, Pedro Américo, (Pe.), 112, 113 Maia, Prestes, 483 Maistre, Joseph-Marie de, 21 Malaquias, (Profeta), 471 Marat, Jean-Paul, 23 Marcião, 406 Marcos, (São), 421 Mariaux, Walter, (Pe.), 187, 236, 243, 269, 316 Maritain, Jacques, 95, 99, 125, 180, 181, 292, 293, 295, 347, 436, 437, 438, 442, 498 Marx, Karl, 25, 26, 32

Masella, Bento Aloisi, (Dom), 10, 233, 234, 250, 253, 258, 261, 314, 357, 408, 409, 438, 439, 448 Mateus, (São), 61, 62, 419, 424 Mattei, Roberto de, 10, 14, 15, 24, 86, 87, 88, 92, 95, 105, 106, 181, 187, 354 Mauriac, François, 295 Maurras, Charles, 95 Mayer, Antonio de Castro, (Dom), 144, 182, 200, 220, 221, 222, 227, 228, 229, 233, 235, 236, 237, 243, 246, 248, 249, 250, 251, 252, 266, 267, 268, 269, 274, 280, 291, 302, 303, 304, 305, 306, 310, 319, 320, 322, 323, 324, 327, 329, 330, 332, 334, 335, 336, 337, 338, 340, 346, 353, 437, 439, 442, 454, 498, 502 Mazzini, Giuseppe, 23 Melo, Antonio Joaquim de, (Dom), 392 Mercier, Désiré-Félicien-FrançoisJoseph, (Cardeal Mercier), 178 Merino, Gustavo Gutiérrez, (Pe.), 98 Merry del Val, Rafael (Cardeal), 22, 66 Merton, Thomas, (Pe.), 141 Michler, Martinho, (Dom), 92, 181, 182, 183, 210, 228, 408, 443 Miele, Bernardo José Bueno, (Pe.), 227, 228, 294, 439, 440, 441 Millet, Jean-François, 150 Moisés, (Profeta), 61 Montalva, Eduardo Nicanor Frei, 100, 180, 293, 458 Monteiro, José Maria, (Mons.), 292 Montes, Juan Miguel, 474 Montfort, Luís Maria Grignion de, (São), 245, 333 Montini, João Batista, (Mons.), 10, 325, 326, 328, 329, 330, 338, 409, 454 Montoro, André Franco, 100 Motta, Carlos Carmelo de Vasconcelos, (Dom), 28, 183, 233, 252, 296, 298, 301, 302, 303, 305, 306, 311, 312, 313, 316, 318, 321, 330, 331, 332, 441, 454, 455, 491, 508, 517 Mounier, Emmanuel, 95, 101

522


Moura, Irineu Cursino de, (Pe.), 112 Moura, Odilão, (Dom), 293 Mourão, Geraldo Mello, 181 Mussolini, Benito Amilcare Andrea, 149

N Nazianzeno, Gregório, (São), 407 Nelson, (Pe.), 281 Noé, (Patriarca), 61 Nogueira, José Bonifácio Coutinho, 331 Nogueira, José Carlos de Athaliba, 110, 111

O Oliveira, Armando Salles (Gov.), 159 Oliveira, Luzia Ribeiro de, (Abadessa), 192 Oliveira, Vital Maria Gonçalves de, (Dom), 392, 485 Ordoñez, Manuel, 100 Orléans, (Duque de) Felipe Egalité, 67 Ortiz, Carlos, (Pe.), 185, 224 Ortiz, Ramon, (Mons.), 185, 225, 226

P Palau i Quer, Francisco, (Beato), 19, 468 Paula, Ernesto de, (Dom), 235, 319 Paula, Vicente de, (São), 157 Paulo VI, (Papa), 10, 14, 51, 52, 68, 180, 287, 289, 409, 459 Paulo, (São), 61, 394, 423 Pedro II, (Dom), 107, 480 Pedro, (São), 188, 406, 463 Pedrosa, Paulo Marcondes (Mons.), 131, 132, 133, 134, 135, 136, 137, 138, 141, 146, 246, 249, 250, 251, 252, 264, 265, 301, 308, 309 Pègues, Tomás, (OP), 403 Péguy, Charles, 95, 295 Penido, Murilo Teixeira Leite, (Pe.), 254, 255, 500 Pequeno, Alberto, (Mons.), 281 Piazza, Giovanni, (Cardeal), 428

Pimentel, Mesquita, 295, 498 Pio IX, (Beato), 13, 14, 15, 22, 24, 32, 131, 369, 392 Pio X, (São), 8, 9, 17, 22, 66, 83, 86, 87, 88, 91, 93, 106, 128, 131, 177, 232, 275, 340, 354, 384, 385, 412, 413, 428 Pio XI, (Papa), 17, 75, 189, 190, 216, 241, 251, 359, 360, 361, 365, 366, 368, 369, 371, 373, 374, 375, 376, 378, 386, 405, 418, 432, 433, 450 Pio XII, (Papa), 10, 18, 22, 70, 116, 216, 294, 303, 316, 325, 328, 330, 349, 375, 376, 382, 409, 434, 451, 452, 454 Policarpo, (São), 406 Porto Carrero, (Dom), 183 Postumianus, Gaius Junius Faustius, 405 Pratt, 180 Prestes, Luiz Carlos, 103 Próspero, 407 Proudhon, Pierre-Joseph, 26

R Rafael, (Pintor), 477, 478 Rahner, Karl Josef Erich, 91, 180, 444 Ramos, Albertina, 177 Ramos, Mário, 112 Ramos, Vicente de Oliveira, 176 Ratzinger, Joseph, (Cardeal) (Bento XVI), 180 Rego, Manuel Hypólito do, 108 Rêgo, Rosalvo Costa, (Mons.), 254, 337, 447, 500 Regules, Dardo, 100 Reinaldo, 272 Reus, João Batista, (Pe.), 288, 289 Rezende, Estevão de Souza, 108 Ribeira, Amador Bueno de, 485 Ribeiro, F. Alves, 500, 502 Riou, Luís, (Pe.), 187, 243, 268, 269, 297 Robespierre, Maximilien François Marie Isidore de, 23, 32

523


Rocha, José Maurício da, (Dom), 292, 311, 312, 316, 319, 448, 450 Ronca, Roberto, (Mons.), 335

S Saboia de Medeiros, Roberto, (Pe.), 508, 511 Sales, Francisco de, (São), 405, 407 Sales, José Benedito Pacheco, 220, 322, 505 Sangnier, Marc, 17, 177 Santini, Cândido, (Pe.), 288 Santo Amor, Gulherme do, 407 Santo Rosário, Maria Regina do, (Irmã), 162, 179, 292 Sardà y Salvani, Felix, (Dom), 406 Sarti, 162, 163 Scapolo, Ivo, (Dom), 461 Scherer, Alfredo Vicente, (Dom), 287, 289, 290 Schmieder, Godofredo, 512 Sebastião, (Rei de Portugal), 64, 65 Ségur, Luis Gaston de, (Mons.), 23, 24 Severo, Sulpício, 405 Sigaud, Geraldo de Proença, (Dom), 200, 220, 243, 244, 245, 246, 269, 280, 302, 303, 306, 307, 309, 310, 318, 319, 320, 323, 324, 327, 330, 338, 346, 353, 442, 451, 454 Silva Costa, Heitor da, 106 Silva, Américo de Paula e, 108, 109, 443 Silva, Duarte Leopoldo e, (Dom), 106, 107, 124, 125, 135, 136, 158, 159, 160, 162, 163, 165, 176, 212, 213, 214, 215, 216 Silva, Epaminondas Nunes de Ávila e, (Dom), 185 Silva, José Ariovaldo da, (Frei), 80, 81, 89, 90, 91, 92, 183, 189, 193, 228, 249, 250, 254, 255, 263, 264, 280, 285, 286, 291, 292, 293, 294, 295, 301, 313, 314, 336, 338, 340, 435, 436, 446, 447, 448, 449, 451, 452, 454, 455, 456, 492

Silva, José Gaspar de Affonseca e, (Dom), 125, 136, 137, 150, 151, 158, 159, 160, 178, 183, 185, 209, 212, 213, 214, 215, 216, 217, 218, 219, 220, 221, 222, 225, 226, 228, 229, 235, 236, 237, 246, 248, 250, 257, 258, 259, 260, 261, 262, 264, 265, 266, 267, 268, 274, 275, 276, 277, 280, 281, 282, 283, 284, 285, 286, 291, 292, 293, 297, 301, 304, 305, 311, 316, 450, 490, 507, 508, 509, 510, 517 Silveira, Fabio Vidigal Xavier da, 181 Simonsen, Roberto, 509, 512 Siqueira, Antonio Maria Alves de, (Dom), 322 Sirício, (Papa), 407 Sistach, Luis Martinez, (Cardeal), 19, 468 Soares, Idílio José, (Dom), 273 Sobral Pinto, Heráclito Fontoura, 171 Sofonias, (Profeta), 471 Souza Aranha, Alfredo Egídio de, 165, 166, 168 Souza Aranha, Ângelo, 166 Souza Pinto, Paulo Brossard de, (Min. Justiça, 109 Souza Queiroz, José Gustavo de, 306, 307 Souza, José Pedro Galvão de, 137 Souza, Luiz Alberto Gómez de, 91, 98 Souza, Washington Luiz Pereira de, 106 Stédile, João Pedro, 352

T Taine, Hippolyte, 24 Talleyrand-Périgord, Charles Maurice (Príncipe), 71 Teilhard de Chardin, Pierre, (Pe.), 181, 292 Teixeira, Faustino Luiz Couto, 439 Telles, Godofredo da Silva, 483 Tiago, (São), 422 Timóteo, 373, 394 Tolstoy, Liev Nikolayevich, 295

524


Trotsky, Leon, 25 Tyrell, George, 87, 88

U Ulyanov, Vladimir Llyich, (Lenine), 32, 293

V Varas, Juan Antonio Montes, 93 Vargas, GetĂşlio Dorneles, 109, 115, 168, 259, 261, 287, 297, 301, 482, 483 Vermeersch-Creusen, 391 Vidal, Raphael de Sampaio, 108 Vieira, Arlindo, (Pe.), 186, 269, 347, 444

Vieira, Talita Carmona, 177 Vigilância, (herege), 407 Vilas-Boas, Mario, (Dom), 183 Vilela, Magno, 347, 348 Von Balthazar, Hans Urs, 180 Von Gersdorff, Mathias, 105

W White, David Allen, 353, 354 Wood, Edward Frederick Lindley, (Lord Halifax), 178

Z Zacarias, (Profeta), 470

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526


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528


Juan Gonzal o La í ra in C a mp b ell

Papa Pio XII

SEO RETERIA DI STATO

.,

SUA SANTITÀ Er Atelfbu.s Vatlcanl&, dte 26 februarii 1949. Praeclare Vtr, FllU studto et pietote permotau Beotl,,l'!lo Patrl volumett ~no dedlsti, cul lrucrlptl<> ''Em defe$a da Ação

cat6Uca". a ,e s.tdul.1 cura ei d.f-utunta amoentlti e.ta.

ratum, Sa.ncma, .Sua gaudet

tit1f, qu(>d

· Acttonem cathoUcam.

Q&iam ptnit1Cs 11ovi,ti et magni aestimCt$, a.cute et dberte ur,lallâsli et defend-i.fti, ita ut om11ibu.r summop,ere opor. tere apparea.t ht.dusmodl h-ierarch-id apostolatu.1 au:rflla.

,em foNnam aeque perpenai et prQothf.

Augustu8 ronttJex ex anhno vota /acit , ul e labore tuo dtvftes. mat·urescant Jructus et haua paroa et pau.ca $Olalia collirras; hoc at1tcm fn auspicium tibi ApOst.olio.:rm Se11edictio,u:m impert.lt , hiterea q ua par e:it obftrvantia me p ro/iteor

Tibi add.ictis3i,n um.

Carta de encômio, em nome de Pio XII, enviada ao Prof. Plinio Corrêa de Oliveira por seu livro Em Defesa da Ação CetóHca, assinada por Mon s. J. B. Montini, Substituto da Secretaria de Estado de Sua Santidade.

ISBN97-885-7206-257-2

J!UIILII


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