Textos críticos a partir de capítulos selecionados do livro "O Mundo Codificado", de Vilém Flusser

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Universidade Federal do Rio de Janeiro Escola de Belas Artes

´ Flusser O Mundo Codificado: Vilem

por uma filosofia do design e da comunicação

Textos críticos a partir de capítulos selecionados Comunicação Visual Design 2013.2 Nicole Soares de Souza - DRE: 113132223


O que é Comunicação? Ao procurar explicar o que é a comunicação, deve-se primeiro interpretar o por quê a usarmos. Qual o motivo para estarmos sempre procurando saber cada vez mais, obter mais e mais informação? E por que sentimos a necessidade de transmitir esse conhecimento, compartilhar e discutir esses dados? A nossa liberdade deve-se ao fato de termos consciência da nossa morte. Logo, estamos livres para procurar nos abstrair dessa condição inevitável, entra aí o artifício da comunicação. Uma tentativa de superar a solidão e a falta de sentido em se viver, sabendo da morte. Compartilhando nossas opiniões, interpretações e conclusões, através de um discurso, podendo assim gerar diálogos. Havendo o equilíbrio desses dois fatores, pode-se assim atingir o propósito da comunicação. E para todo tipo de informação, há várias maneiras de se entendê-la e transmití-la, baseado em duas formas de observação: a das ciências naturais (exatas) e das “ciências do espírito” (humanas). As ciências naturais buscam explicar os fatos com base em dados concretos e provados, logo será dificilmente questionada, a não ser que tal afirmação se mostre equivocada ou incompleta, neste caso esta não será simplesmente substituída por outra, e sim atualizada com dados mais precisos que provem sua veracidade. Por sua vez, as “ciências do espírito” visam interpretar as significações em jogo, usando artifícios diversos, podendo também se valer de opiniões e impressões diversas, tornando essa uma forma mais participativa de análise, que com o tempo não é trocada por outra, mas evolui. Seguindo nessa linha de raciocínio, de ouvinte passivo e ativo, vêm a questão do discurso e diálogo. Num discurso, capta-se informações somente, mas assim passa-se a obter repertório para possíveis diálogos, no qual há troca de informações. Exatamente por conta dessa interação do diálogo, formam-se e modificam-se opiniões sobre determinados assuntos. Logo, percebe-se que nas ciências naturais predomina o discurso, assim como nas “ciências do espírito” faz-se uso maior do diálogo. Então, para uma melhor e mais ampla definição do ato de comunicar-se, o uso das “ciências do espírito” é o mais indicado, pois gera mais diálogos, possibilitando maior interação entre as pessoas, afinal uma comunicação mais produtiva deve-se mais à interação do que à pura transmissão. ***


O Mundo Codificado Atualmente, vivemos num mundo cheio de atrativos, com suas cores e formas que nos induzem a obter muitas coisas, seja por aparente necessidade, status, gana ou até sem motivo aparente, apenas possuir mesmo. Somos programados por isso, esses códigos – porque por trás dessas cores e belezas, há inúmeras significâncias, que não interpretamos de imediato, mas automaticamente captamos, inconscientemente – nos sugerem soluções, sensações, estilos de vida, formas de pensar e por aí vai. E estamos indo em direção a novos códigos, programados pelas imagens eletrônicas, cujas mensagens transmitidas nossa geração desconhece. Estas novas imagens tem a intenção de induzir, com seus conceitos, à perda da crença nos antigos e recorrentes programas de escrita, como a filosofia e a ciência, nos esvaziando, pois não haverá novos programas com a descrença destes. A decadência do alfabeto traz consigo o fim da história, ou consciência histórica. Por isso é de suma importância se adaptar e aprender o uso desses novos códigos tecnológicos, para evitar esse esvaziamento. Isso nos faz acreditar que seria o momento certo para retornar às antigas imagens e suas intenções. Procurava-se entender o 'mundo', hoje interpreta-se as teorias que o explicam, uma revolução, pois é uma ‘interpretação da interpretação’. Antes da escrita, as imagens eram formas únicas para transmissão de mensagens, fala e gestos são efêmeros, logo buscou-se a interpretação do mundo através de imagens. Que por sua vez são circunstâncias captadas pela imaginação, condensadas em cenas. Fazendo com que estas sejam posteriormente decodificadas novamente em acontecimentos, pois o símbolo tem esse papel de compensar a ausência da coisa em si, explicando-o de maneira figurativa ou abstrata. Nos distanciamos tanto do real e puro, que necessitamos dessa mediação do símbolo para entender o ‘mundo’. Com o início da invenção da escrita, as imagens ainda predominavam, sejam elas em vitrais, mosaicos, pinturas, etc. Estas imagens, anteriores à imprensa, não se assemelham com nossas imagens atuais, elas provém de obras de arte. As atuais são produtos da tecnologia, pode haver toda uma teoria por trás delas, o que não acontece com uma imagem renascentista, em que também há mensagens a serem transmitidas, porem não há nenhuma intenção de manipulação ou indução, somente transmissão. Somente com a criação da imprensa que a escrita passou a se impor de forma significativa, e com a intervenção da tipografia, fez com que houvesse a inserção da consciência histórica nas massas. No período anterior à 2ª Guerra Mundial, as cores não tinham importância, algo transmitido tinha o mesmo efeito independente da cor ou da forma, pois a questão era o símbolo em si. Com o tecnicolor, os códigos bidimensionais ganharam mais importância, os unidimensionais por sua vez, perderam espaço. Mas vale lembrar que os tipos podem ser interpretados como imagens bidimensionais porque, apesar de se tratar do unidimensional, do alfabeto, esta é uma forma bidimensional de se representar esses símbolos, logo há a união do bidimensional com o unidimensional.


Sobre a palavra Design Ao decompor uma palavra, para nós tão conhecida, Flusser nos mostra que talvez podemos não conhecê-la tão bem assim. Revela o que somos, ou seremos, quem são os que nos inspiram e o que eles de fato nos ensinam. Um artista recria a sua realidade, tornando-a lúdica e melhor, pelo menos aos olhos de sua própria percepção. Fazendo isso, ele interpreta algo já existente que, por sua vez, já é uma criação, um projeto. A sociedade e a civilização já são uma criação, tudo o que há nela, sejam regras, a ética, as diferentes morais, a cultura ou as criações tecnológicas são modos de projetar, manipular, enganar as condições naturais. Ao projetar algo estamos de certa forma mimetizando algo já existente, pois ao se basear em um amontoado de coisas já existentes – projetadas anteriormente¬ –, mesmo com a finalidade de aprimorar ou recriar um objeto ou conceito, não estaríamos consequentemente fazendo com que estes fiquem mais artificiais ainda? Unindo a arte à técnica, estamos fazendo com que algo artesanal seja produzido e transmitido em massa. Daí vem a “desvalorização de todos os valores”, como foi exemplificado no texto, na produção de canetas. ”Essas grandes ideias por trás das canetas são tratadas com o mesmo desdém com que se trata seu material e o trabalho necessário para produzi-las.” p. 185 Não só passa a ser quase ignorado o material e o processo de fabricação – realizada por máquinas totalmente automatizadas – quanto o próprio design, que viria a ser o diferencial deste produto de material tão barato que é distribuído quase de graça. Quando criamos algo como designers, distorcemos uma realidade, enganamos a natureza e a tornamos mais atraente e mais prática, porém falsa. Nessa hora entra uma das origens da palavra, que é impostor. Pensando por este modo, estamos criando cópias cada vez mais fajutas de outras cópias já existentes. Por exemplo: quando temos a ideia como ponto de partida, o modo como ela está em nossa mente por vezes é melhor do que acaba sendo passado pro papel e por sua vez executado. Isso vale para qualquer projeto, seja ele de engenharia, arquitetura, audiovisual ou puramente gráfico. Logo, a realidade que temos conhecimento já é uma representação infiel das ideias e soluções perfeitas. Somente em nossa imaginação algo pode ser plenamente perfeito, quando isso se torna matéria, perde-se boa parte do seu valor. 'Perfeição' algo que talvez nunca seja totalmente aplicado ao mundo material, mas é justamente essa ilusão que é frequentemente transmitida num discurso sobre tal objeto/produto. Em contrapartida disso, há a arte contemporânea, que é geralmente de mais difícil compreensão do expectador por não ser algo de um conceito óbvio, algo mais a ser percebido, talvez em um segundo olhar, pois o objetivo direto não é a compreensão e sim a crítica em si, a exatamente esse modelo de 'fabricação de arte'. Há também a arte abstrata, que cria algo novo a partir de um gesto, remetendo unicamente a si, e não a algo já existente. Outros textos explicativos sobre design poderiam seguir a analise do que é signo e símbolo, procurando ocultar essa parte mais 'assustadora' da palavra. Mas apesar de, no caso, o design ter sido criado para não transmitir essa parte, ele acaba inevitavelmente passando a ideia do enganar, pois a função de um símbolo é 'tampar o buraco' causado pela ausência do seu significado.


O Modo de Ver do Designer Segundo Angelus Silesius, nossa alma tem dois olhos, cujo primeiro enxerga o tempo e o segundo, olha em direção à eternidade. O que será discutido aqui porém, será somente esse segundo olhar, a capacidade de conseguir ver através do tempo, encontrando formas eternas. Ao observar com atenção o mundo ao redor, deduzem-se fatos, criando assim teorias, que na condição de ideias são imutáveis, logo eternas. Estas formas, enquanto presentes nessa eternidade, na condição de teoria, são perfeitas para aquele que a criou. Mas ao tentar tornal isso real, trazer para o ‘mundo’, ela se torna imperfeita, não é fiel a sua forma imaginária. Se olharmos pelo lado platônico da questão, constatamos que nunca iremos descobrir a verdadeira forma eterna e perfeita para poder projetá-la no mundo real, no tempo. Só estaremos criando teorias que já são conclusão de coisas imperfeitas: o ‘mundo’ é imperfeito, pois sua origem está nas ideias, se ele existe e pode ser visualizado por todos nós, ele já não é perfeito porque está no material, no tempo. Por outro lado, teorias e formas podem ser vistos como produtos humanos, datados na história e no tempo, e nascidos e crescidos do mundo. Nesse caso não há nenhuma perfeição existente que o transcenda e sirva de base para chamar quaisquer de nossas criações de "imperfeitas". E é nessa linha de que nossas obras são funcionais para determinado propósito, em que não há a necessidade de serem perfeitas em mais nada além dele, deixando de lado essa busca do inatingível presente na eternidade, que o designer se impõe. Ele projeta coisas, que quando vão para o físico não são mais tão perfeitas quanto eram em sua mente, mas que ainda assim passam a mensagem certa e exercem a função desejada. Logo, esta é a habilidade de deduzir um fato na eternidade e procurar disformar, adaptar para assim desenvolvê-lo, de modo que seja aplicável no primeiro olhar, na realidade. Criar, mesmo que haja referências reais para que exista essa criação, é um ato comparado ao ato de Deus, por isso a comparação de um designer à Deus. Porém, isso não é privilégio do designer, outros profissionais também podem adaptar a realidade atual para mudar o modo de pensar das pessoas. Por exemplo, um psicólogo ao analisar um paciente pode mudar o seu modo de ver o mundo, assim como através da mídia, um cineasta, um publicítário ou um jornalista também fazem o mesmo. ***


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