Átrio dos Gentios

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CENTRO DE ESTUDOS DO HUMANISMO CRÍTICO Portugal & América Latina

Palavras Essenciais Volume 9

ATRIO DOS GENTIOS Conversas Em Torno Da Humanidade Em Sua Fé Religiosa



ÍNDICE APRESENTAÇÃO // ÁTRIO PARA UMA NOVA ORDEM MUNDIAL Maria C. Arruda OS CÂNTICOS DA EVANGELIZAÇÃO DA FÉ ESCRAVA Carlota M. Moreyra & Céline Abdullah UMA ‘QUAESTIO AD HOMINEM’ Manuel Reis PALAVRAS ESSENCIAIS QUE APONTAM PARA A LIBERDADE Marta Novaes NOTAS SOLTAS (Em nome do C.E.H.C.) em torno de ‘O Átrio dos Gentios’

Manuel reis

ÁTRIO DOS GENTIOS João Barcellos ÍCONES JUDAICOS NA EVANGELIZAÇÃO PAULINA DOS GENTIOS Johanne Liffey O POETA E A DESCRUZADA

Maria C. Arruda

//////// Colaboração Editorial: Lillian Reis //////// Coordenação: Maria C. Arruda /////// Compilação de Estudos: João Barcellos Obs.: alguns textos mantêm a ortografia portuguesa original.


APRESENTAÇÃO ÁTRIO PARA UMA NOVA ORDEM MUNDIAL Maria C. Arruda

“[...] onde irreais erramos, Dormimos o que somos, e a verdade, Inda que enfim em sonhos a vejamos, Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.”

Estes versos, do poema No Túmulo de Christian Rosencreutz, escritos por uma Pessoa de profunda sensibilidade social, política e religiosa, foram-me indicados (em sadia gozação intelectual) pelo jornalista João Barcellos, a propósito de um texto de Manuel Reis acerca dos eventos públicos da cristandade intitulados O Átrio Dos Gentios. Obviamente, os versos pessoanos dizem tudo e definem a igreja no seu perfeito estupor ideológico. A edição nº 9 da coletânea Palavras Essenciais é dedicada ao assunto Átrio Dos Gentios, e tão logo Barcellos recebeu o opúsculo de Reis imaginou, à luz do material que o grupo Noética já possuía, a partir de uma missiva de Carlota, que tudo convergia para mais uma ação literária e sociocultural do CEHC latino-americano, em São Paulo (Brasil). Imediatamente, em Paris (França), Carlota deu mais uns toques ao assunto, na companhia de Céline, e as abordagens chegaram para uma compilação que corrobora a busca de uma Nova Ordem Mundial e rejeita os embustes ideológicos dos poderes constituídos na linha religiosa-mercantil. Como costuma dizer Barcellos: Sacudam as almas e divirtam-se!


OS CÂNTICOS DA EVANGELIZAÇÃO NO TEMPLO DA FÉ ESCRAVA Carlota M. Moreyra & Céline Abdullah

A Propósito De ´O Átrio Dos Gentios´

De tempos em tempos a igreja-estado (todas elas) gasta uma súbita (mas velha) ladainha teológica para se recompor socialmente e chama isso de ´modernidade´, umas vezes, e de ´integração´, outras vezes. É um dramalhão... Que drama é este? O drama que envolve todas as religiões: a humanidade no seu intuito de civilizar, progredir. “Quanto mais a humanidade avança na sua identidade civil mais o escambo emerge das estruturas de onde falsos profetas da felicidade tentam escravizar o todo humano. E é troca por troca: um rebanho de gentes para uma igreja, outro para aquela, outro ainda para a que a seguir vier. E assim vai o ideal da fé escrava. Nenhuma igreja está interessada no desenvolvimento humano, apenas no status quo temporal em que estabeleceu o seu poder” [Moreyra, 2005].


Quantos mais templos e profetas-cantores feitos ídolos da crendice ignorante, melhor – e, melhor ainda, se as igrejas maiores (as que são fé e ao mesmo tempo negócio-estado) estiverem no suporte físico e moral desse espectro de moribundos místicos. Para cada templo um átrio apropriado à comunhão de crentes e não-crentes (raramente pagãos, porque preferem uma interface de religiosos à discussão aberta com pessoas notadamente em confronto com o igrejismo – termo do poeta J. C. Macedo – e que preferem a liberdade filosófica à escravidão da teologia dogmatizada). Mas, o átrio de um templo é e será sempre um território mental, não físico, e só se materializa no momento em que a fé transforma-se em cintilantes moedas para o exercício da hierarquia e na mensuração do rebanho humano. Como trazer ao átrio do templo os gentios que professam outras crenças? Nas entre palavras do cardeal Ravasi – um dos autores do opúsculo O Átrio Dos Gentios, frontispício gráfico das palestras/encontros subsidiadas pelo papa Bento 16 para uma nova evangelização através da juventude, escutei um cântico de lobo a encantar a raposa que procura uma voz amiga para falar de si ao mundo. Era a fé feita instrumento para encantar e tanger, não para civilizar, educar, fazer progredir. E logo em Paris que, apesar de todos os erros históricos que a cercam, ainda é a cidade que permite às pessoas o pensamento e a ação libertadora. Paris não é o Vaticano, as pessoas do mundo que fazem Paris não são o gentio que se prostra diante de uma igreja e de um religioso entronizado. As pessoas que num terreiro d´África soltam seus êxtases, diante do cosmo, não são as mesmas que fazem do átrio do Vaticano uma tocha de vaidades, porque o que move estas é a idolatria que sacia a ignorância, enquanto aquelas vivem no fundo d´alma o incenso de uma fé autêntica em cada dança telúrica, com entidades construídas olho no olho. Quando a humanidade está em primeiro plano, ela fala mais alto que qualquer entidade. “As religiões que viraram igrejas-estados conseguiram subverter as crenças diversas d´África, e outras d´Oriente, para estabelecerem o deus único? Não. Tiveram que se contentar em fazer conviver os átrios com os terreiros, mesmo com os chicotes coloniais estalando n´alma de cada africano, cada africana” [Abdullah, 1976].


O que existe de modernidade ou de integração quando as igrejas retiram dos seus baús bíblicos reforços retóricos para se fazerem notar nas sociedades? O professor Manuel Reis, a propósito da construção de uma Nova Ordem Mundial, explica: “Ora, para perceber e caracterizar adequadamente o moderno e a Modernidade é preciso observá-los, criticamente e por inteiro, a partir de fora desse odre temporal e sócio-histórico, que foi forjado – não esquecer – na história específica da Civilização/Cultura do Ocidente. Onde está esse fora? Nos espaços-tempos nossos contemporâneos que (em definitivo e abreviando o processus...) tem o seu início na última década do Séc. XX, nos novos tempos gerados pelo suposto Fim da ´Guerra Fria´. A estes novos tempos, o C.E.H.C. dá o nome (em termos holísticos e críticos) de Pós-Modernidade positiva e crítica. É imperioso evitar ilusões e embustes/armadilhas (activa e passivamente)”, ou seja, e aferindo com o nosso tema, é a ação alienante e objetualista que descarta as culturas nacionais e impõe uma política evangelizadora global no continente de cada religiãopoder. Como interagir num contexto político e belicista como este? Existe átrio com dimensões adequadas para abrir uma guerra ideológica e de interesses mercantis sem limites? Este contexto forjado pelas políticas fascistas do capitalismo selvagem, pelas quais sobrevivem as igrejas institucionalizadas, é o que Reis nos mostra em cada um dos seus livros e intervenções. Desde que o objetivo egípcio-mosaico foi projetado no seio judaico, forjaram um templo para escravizar a fé dos povos, mas esqueceram de avaliar quanto de paganismo existia/existe nesses povos – um paganismo puramente natural e pacífico – que se opõe, naturalmente, a estruturas políticas confessadamente intolerantes e desumanizadoras. Então, todo o cântico de evangelização do templo encontra barreiras quando tenta chegar à alma das pessoas que ´curtem´ a liberdade de viver e que têm – o que é mais importante do que qualquer igreja ou ´curral´ ideológico – no ritmo do cotidiano a dimensão de uma religiosidade que lhes orienta as adequadas vivências humanas e cósmicas. O que é religião? O constante aprendizado da vida na aferição de tudo e de todos, como ensinava


Sócrates. E o aprendizado da vida é o único átrio em que os gentios se sentem vivos!

Bibliografia & Notas

AS CRENÇAS E A VIDA – Opúsculo e palestra. Céline Abdullah, Coimbra. Edição da autora, 1976. Obs.: O poeta J. C. Macedo conheceu Céline Abdullah em Coimbra, quando a moçambicana (filha de muçulmano francófono, torturado e morto pela polícia política portuguesa) falava mais francês e arranhava algumas palavras em português. Em meados de Setembro de 1975 ela, a fugir dos horrores da guerra civil que já implodia a África lusófona, estabeleceu-se em Coimbra e aí frequentou palestras e saraus culturais e históricos orientados pelo poeta e jornalista. Na primavera de 1976 apresentou o tema “Croyances et la Vie” (As Crenças e a Vida), que o poeta transformou em opúsculo mimeografado nas instalações do quartel-general do exército para logo circular nas ´repúblicas´ coimbrãs. Até hoje a amizade entre Céline e o poeta Macedo é um elo que ultrapassa fronteiras. E foi por intermédio dele que ela se apresentou no meu apartamento, em Paris, para “uma conversa sobre o mundo”. Até hoje. E sempre. [Para esta anotação, agradeço a colaboração preciosa de Johanne Liffey, filha do poeta e ´dona´ de um impressionante baú de manuscritos.] NA ROTA DE UMA VERA NOVA ORDEM MUNDIAL – Estudo de Manuel Reis (a partir da Tese de Miguel Ferreira da Silva). Centro de Estudos do Humanismo Crítico (C.E.H.C.) e Lar de S. Vicente de Paula (Braga). Gráfica Covense, Portugal, 2012. O QUADRADO MENTAL QUE FAZ DA FÉ UMA OFERENDA CAPITALISTA – Estudo e opúsculo de Carlota Maria Moreyra. Paraty (Rio de Janeiro), Brasil, 2005. Obs.: Estudo elaborado após as palestras proferidas por João Barcellos em Paraty, subordinadas ao jesuanismo e divulgação das ações lítero-culturais do Grupo Granja, agora assimilado pelo Grupo de Debates Noética no âmbito do diretório latino-americano do Centro de Estudos do Humanismo Crítico.


UMA

‘QUAESTIO AD HOMINEM’ Que é a Questão Fundamental, em termos Psico-Sócio-Antropológicos: Por quê a crença no Deus criador do Universo e a implicada aceitação dogmática das Religiões Institucionalizadas, ao seu serviço?!...

Manuel Reis

1. ─ Por haver sido demasiado genérico e abstracto, K. Marx enganou-se, ao asseverar que ‘a religião é o ópio do povo’. O que é, efectivamente, o ópio do povo é a Religião institucionalizada, enquanto fenómeno inevitavelmente sustentado pela Cultura da Potestas-Dominação d’abord. Não falamos, aqui, das religiões, na acepção vesga de K. Marx nem no sentido certeiro de William Blake. Tratamos, aqui, das religiões institucionalizadas: de todas as religiões institucionalizadas. Enquanto tais, elas não emancipam nem


libertam os Humanos; elas é que estão nas origens do processus de alienação humana: limitam-se a submetê-los e a engaiolá-los, a metê-los numa prisão dourada… Por isso mesmo, todas as religiões institucionalizadas precisam ser dissolvidas e exterminadas, a bem das Sociedades humanas (da sua plena humanização) e da edificação de um Mundo vera e autenticamente humano (= pacífico). Com efeito, são elas que estão, inexoravelmente, ao serviço dos Poderes Estabelecidos, sponte sua, (como ocorre, actualmente, com a Igreja ortodoxa russa de Moscovo, que dá oficial-mente a sua bênção a W. Putin e considera uma graça do céu a sua ‘doutrina’ e o seu culto da personalidade, no estilo do ‘déspota asiático’ marxiano (cf. ‘Newsweek’, 3.12. 2012, pp.8-9)), ou são utilizadas pelos Poderes Estabelecidos, pelas mais diversas vias e sentidos. Porquanto, que representa o movimento do ‘rearmamento moral’, visando uma remotivação da actuação bélica pela ‘spiritual fitness’, posto em marcha pelo Pentágono, desde 2009, a não ser a utilização da religião institucionalizada (e indiscutida…), para fins militares, dentro da lógica de que os fins justificam os meios?!... (Cf. ‘Manière de Voir’, nº 126, p.30). 2. ─ Os Gnósticos judeo-cristãos primevos, da antiga ‘Escola de Alexandria’ (que teve a sua origem no grupo dos 72 sábios/anciãos, que levaram a cabo a tradução da Bíblia hebraica para o ‘koinèdiálektos’, na transição do séc. IV para o III a.E.C., e em cujo horizonte ideológico-mental se configuraram Figuras históricas como Sócrates e Jesus) não estabeleciam nem concebiam a sua Fé em qualquer Divindade criadora do Universo: ao ‘Deus’ criador do Universo, tal como foi configurado no Génesis, eles diziam Não; em seu lugar, institucionalizaram o chamado Demiurgo, que, para eles, estava nas origens de um Cosmos e um Mundo, onde há bem e mal à mistura, coisas boas e más enredadas umas nas outras. Na linguagem filosófica de hoje, os Gnósticos (de que falamos) enquadram-se, perfeitamente, no que hodiernamente chamamos de agnósticos ou ateus, na linha, v.g., de Bertrand Russell e de JeanPaul Sartre. Em contrapartida, os Gnósticos viam Deus presente, como coeficiente e âncora, no sacrário da Consciência de cada Ser humano. Foi nessa linha que eles e os jesuânicos (como Tiago, o irmão de Jesus) entenderam perfeitamente o nome de Pai, atribuído por Jesus a um novo ‘Deus’ em construção!... Foi nesta mesma óptica que Aurélio Agostinho, nas ‘Confissões’, deu o nome de Deus ao ‘intimior intimo meo’.


3. ─ Sejamos, definitiva e radicalmente, honestos e autênticos para com a Humanidade e os nossos semelhantes Humanos. É que só por essa via poderemos, igualmente, ser honestos para com as teologias e a existência de Deus, que têm sulcado e per-corrido as Sociedades humanas ao longo da História. Quer isso dizer que nos é imperioso, científica e eticamente, recolher as Grandes Lições da Astrofísica e da Evolução Cósmica, desde o Big-Bang de há ca. de 13.700 milhões de anos: inicialmente, considerando o entrosamento dos dois planos: Física Clássica e Física Quântica; depois, atendendo à trajectória de índole psico-física; e, por fim, considerando uma Viagem cósmica que se polarizou no Psico-Sócio-Ânthropos, com a implicada emergência evolucionária e respectiva actuação do que se chamou ‘Homo Sapiens//Sapiens’ (desde há ca. de 70 mil anos). 4. ─ Se, de facto, sabemos e reconhecemos (enquanto Espécie biopsico-antro-pológica), que nos encontramos integrados no caudal da Evolução cósmica (onde tomou corpo um ‘Ser que sabe que sabe’, ou seja, a Consciência Humana), então, constitui um postulado científico e um imperativo moral: recusar toda a sorte de Dualismos metafísico-ontológicos (que nos advieram, em termos culturais/civilizacionais, da antiga religião persa de Zoroastro e, depois, de Platão e de Saulo/Paulo); e, ao mesmo tempo, abraçar (sem hesitações e com todas as consequências) o Hilemorfismo de Aristóteles, ou seja, a Tese matricial da união indissolúvel de Espírito e Matéria (da qual se podem considerar dois exemplos icónicos a obra do jesuíta Teilhard de Chardin e o filme do cineasta Joaquim Sapinho, oximoricamente titulado ’Deste Lado da Ressurreição’). A semântica desta conclusão/posição crítica é tersa e clara: no Processo da Evolução cósmica e cultural/societária, é imperioso que os Humanos, qua tais, se situem a bombordo (lado Esquerdo) (e não a estibordo: lado Direito) da Aeronave cósmica, na nossa Via Láctea e no quadro da polarização no nosso Sol, a estrela que, em movimento centrípeto, sustenta, graviticamente os oito ou nove planetas (conhecidos), onde a nossa Terra aparece em 3º lugar descendente, a partir do Sol. 5. ─ Admitir e pressupor, hoje, uma Divindade (um Deus criador…) extrínseca e transcendente ao Universo é, prima facie, um non-sense, e, em última análise, um absurdo, uma cavilha quadrada, em buraco redondo!... Por isso mesmo, tanto o ‘Deus


sive Natura’ de Baruch de Espinosa como o ‘Deus Evolutor’ de Teilhard de Chardin, constituem, neste horizonte, as duas saídas logicamente admissíveis e legítimas. 6. ─ De resto, até no horizonte de uma Hermenêutica crítica sobre textos neo-testamentários, se pode evocar (entre outros) um contraargumento à Dogmática cristã tradicional, configurada na Cristologia (Deus uno e trino: Pai/Filho/Espírito Santo) e na Soteriologia (o sacrifício redentor do Filho de Deus, o Novo Adão) paulinas: por exem-plo, na carta aos Hebreus 2, 9, que não é de Paulo, mas da escola paulina, onde se afir-ma que Jesus ‘morre sem Deus’ (chorís Theou, no texto grego), nas versões bíblicas da ‘Vetera Latina’ e da ‘Siríaca’. Uma interpretação semelhante resulta nas versões neo-aramaicas A, B e C da antiga Igreja caldaica, designadamente no drama litúrgico cristão oriental, que dá pelo título: ‘O LADRÃO [o BOM] E O QUERUBIM’ (Pedra Angular, Lisboa, 2012, p.32; pp.3992) Ganha, assim, sentido real o lóguion proferido por Jesus agonizante na cruz, ao imprecar um Deus hipostático: ‘Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?’ (Mc. 15,34). Aqui, Jesus morre num suicídio exemplar, semelhante ao de Sócrates. Daqui se pode concluir que até uma boa e exigente exegese bíblica, a partir dos Textos canónicos do N.T., pode abrir, criticamente, as portas à perspectiva psico-sócio-antropológica de agnósticos e ateus modernos. O importante e decisivo é saber ler, com a Inteligência e com a Imaginação. … Para não ficarmos encerrados no Establishment!... 7. ─ Por que e como se chegou, em termos culturais e civilizacionais, a essa conceptualização de um Deus criador, extrínseco e transcendente ao Universo?!... Complexa embora nos seus meandros, a resposta resulta simples e clara se atendermos ao Esquema ideológico-cultural tripartido: a) predominância omnienvolvente da Cultura do Poder-Condomínio; b) Monismo epistemológico impenitente, que elimina, em absoluto, as práticas metodológicas da Dualidade Epistémica (que já procede dos Gnósticos), constituída pelas ciências físico-naturais, num hemisfério, e pelas ciências psico-sociais e/ou humanas, no outro hemisfério; c) o consequente Objectivo-Objec-tualismo, que, funcionando hoje como uma espécie de ‘religião laica’, corrompe e impede, não só o processus de humanização das Sociedades (porque as próprias ciências positivas e experimentais da


Modernidade vão no seu atrelado…), como o próprio processo de crítica e desconstrução das religiões institucionalizadas. 8. ─ Por que e como se chegou, em termos psico-sócioantropológicos, a essa concepção de um Deus criador, extrínseco e transcendente ao Universo?!...A Consciência Humana, enquanto tal, acompanha sempre o Processo do Conhecimento hu-mano, mesmo quando é omitida ou auto-denegada. É, aí mesmo, que começa a pôr-se a indeclinável Questão das Identidades individuais-pessoais, e a correspondente assumpção (ou não…) das responsabilidades pessoais, decorrentes da intrínseca e natural Liberdade individual. A Consciência é um fenómeno que se afirma e desenvolve em Esquema triádico: a) Subjectus cognoscens; b) Objectum cognitum; c) a Consciência, enquanto testemunha desse conhecimento (Cum + scientia): o Sujeito humano da Espécie ‘Sapiens// //Sapiens’ é um Ser que sabe que sabe (com consciência psicológica e consciência moral). Desta sorte, quando as Sociedades humanas (a partir dos inícios do patriarcado, há 5.500 anos) começaram a organizar-se segundo a cartilha do ‘Homo Sapiens tout court’ (que ainda vigora hoje…), elas constituíram-se, inexoravelmente, como Sociedades di-vididas (como já lobrigara Marx): Senhores//Servos; Mandantes//Mandados; Ecclesia docens//Ecclesia discens. Ora, a concepção de um Deus criador, extrínseco e transcendente ao Universo é o resultado de uma depredação, um arrebatamento da Consciência dos indivíduos-pessoas, que foi operada pelas personagens constituídas em Poder, nas Sociedades hu-manas, através do enviezamento e da elisão do que era próprio de cada Sujeito individual, para o refundar e constituir no mundo dos Objectos, supostamente objectivos da Metafísica!... Qual era o objectivo supremo? Manter os súbditos (a plebe, a turbamulta) na Ordem: ‘Law & Order’!... A maior parte da Metafísica tradicional não passa de demagogia na linguagem, de mistificação e mistagogia no discurso humano, Até quando?!... 9. ─ Admitir e demonstrar a existência de Deus (na nossa Contemporaneidade) tornou-se, em termos filosóficos, um exercício intelectual sem sentido. É um processo que já não pode ser efectuado, criticamente, através das tradicionais ‘cinco vias’ de Tomás d’Aquino; e nem sequer em qualquer dos dois horizontes: o das ciências físico-naturais e o das ciências psico-sociais e/ou humanas. Até pela razão simples e fundamental: como nada se faz


a não ser dentro do odre do Monismo Epistémico e do Ob-jectivoObjectualismo, qualquer demonstração (filosófica ou científica) da existência de Deus converteu-se num non-sense. 10. ─ Hoje em dia, ao abrigo do Humanismo Crítico (próprio do C.E.H.C.), os clássico-tradicionais edifícios conceptuais da Metafísica terminaram e ruíram. De resto, como é sabido, o próprio Aristóteles nunca cunhou um tal termo com a denotação e a conotação que as filosofias e as teologias tradicionais lhes atribuem; para ele, o termo não existia. Foi o discípulo Andrónico de Rodes que atribuiu esse nome (ainda sem a carga semântica, que veio a tomar…) aos livros que, na bibliotecologia do Estagirita, se acharam arrumados ‘depois da física’. Depois da publicação das duas obras de I. Kant (‘Prolegómenos a toda a Metafísica Futura’, de 1784, onde o conhecimento metafísico foi dado como impossível, ao lado do conhecimento científico como possível e útil, e ‘A Religião dentro dos Limites da Razão Natural’, de 1793), as sortes da Metafísica clássico-tradicional na Cultura do Ocidente entraram em declínio acelerado. Hodiernamente, os chamados filósofos críticos, no horizonte da Desconstrução da Metafísica, à frente dos quais se deve colocar Jacques Derrida, estão a empreender o seu trabalho com proficiência assinalável. O que é de lamentar, até ao presente, é que os cientistas dos dois hemisférios referidos das ciências não tenham extraído as necessárias e adequadas consequências dos filósofos criticistas, e, por outro lado, os responsáveis políticos tenham parado no tempo, dando ra-zão a F. Fukuyama, no seu livro ‘O Fim da História e o Último Homem’. Por que é que a via continua a mesma?... Porque ainda não saímos do odre da Cultura do Poder-Dominação d’abord. O nosso Amigo e Companheiro de Missão, João Barcellos, acerta no alvo ao asseverar (em e-mail de 26 de Novembro de 2012): ‘Para mim, o evento ‘O Átrio dos Gentios’ é uma provocação de quem está a perder poder no interior do próprio Condomínio’. 11. ─ Num discurso radicalmente oposto à posição de Paulo e aos seus interlocutores, no Areópago de Atenas (como vem relatado nos Actos dos Apóstolos (o 2º evangelho de Lucas), 17, 16-34), l’uomo qualunque sobe ao pódio e dirige-se a todos os seus companheiros pagãos/gentios, numa exclamação/imprecação solene, que outra coisa não era senão a ‘quaestio ad hominem’ que faltava, na situação da tragicomédia anterior: “Não nos deixam reconhecer e aceitar o Deus que está dentro de cada um de nós, na


nossa Consciência… e, nesse lugar vazio (que deixou apagadas as últimas acenda-lhas do ‘espírito identitário’…), impuseram-nos uma prisão dogmática, incessantemente reinstaurada pelos Pontífices dos Poderes Estabelecidos do costume, expresssa na doutrina da Divindade, transcendente e extrínseca, criadora do Universo, ─ doutrina que não passa de uma (prima facie) controversa e (ultima facie) iníqua hipóstase supostamente objectiva mas, em verdade, objectualista de Deus, ditatorialmente estabelecida e instalada por uma qualquer Comissão Fabriqueira de Paróquia, à escala micro e à escala mega!... Até quando teremos de suportar este ’estaleiro societário’, que só alimenta e promove esquizofrenias e paranóias, a partir do motor central que é a Cultura do Poder-Condomínio?!... 12. ─ Em termos históricos e geodemográficos, convém não esquecer nem perder de vista (numa galáxia omni-toto-abrangente como é a do Humanismo Crítico) que foi precisamente nas áreas geográficas do Médio-Oriente, Egipto e Arábia que o Islão encontrou o seu berço a partir dos sécs. VI/VII, pela mão do Profeta Maomé (570-632) e do seu livro sagrado o Corão. Depois, em 4 séculos, ele propagou-se a uma veloci-dade de cruzeiro, pela Ásia, Europa e África. É absolutamente necessário reflectir, criti-camente, na emergência do fenómeno religioso do Islamismo, no quadro sócio-histórico e geográfico em que surgiu. Ele deu a resposta estruturada às principais heresias, que, no quadro anterior das Cristandades, haviam surgido nessas áreas geográficas, e logo haviam sido condenadas e anatematizadas em Concílios provinciais e, sobretudo, ecuménicos. A título de exemplo: Ario e o Arianismo, condenados no Concílio Ecuménico de Niceia (325) com a retoma e a reafirmação dogmática do ‘Símbolo de S. Atanásio’; os Macedonianos condenados no Concílio Ecuménico de Constantinopla (381); os Pelagianos condenados no Concílio de Cartago XVI (418); os Nestorianos condenados no Concílio de Éfeso (431); os Monofisitas (que não aceitavam as duas naturezas de Cristo), condenados no Concílio Ecuménico de Calcedónia (451); os Semipelagianos, condenados no Concílio de Orange II (529). No Concílio de Constantinopla II (553) foi reafirmada, solenemente, a Infalibilidade dos Concílios Ecuménicos, e anatematizados os que a puserem em cau-sa. Como se vê, o exercício (ideológico…) hegemónico da PotestasDominação d’abord, alavancado numa Doutrina absolutamente dogmática, tornou-se a chancela, a característica essencial e


decisiva do antigo Império Romano, agora cristianizado pela Igreja de Roma, falsamente dita ‘católica’. Nesse contexto sócio-histórico, era absolutamente imperioso pôr-se a Questão fundamental ad hominem. Em termos de probidade intelectual e decência no discurso, como se poderia aceitar e defender a divindade única de um Homem (igual aos outros… excepto no pecado, ─ como receitou Paulo!...), que implicava o pressuposto de um Deus uno e trino, mesmo que o seu comportamento e actuação se tivessem mostrado ímpares?! E como se poderia, como ultima ratio, admitir e aceitar uma tal Doutrina, sem, ao mesmo tempo, aceitar e defender a Mensagem de Jesus a cumprir, psico-societariamente, neste nosso Mundo terrestre humano?!... Eis por que, sob a bandeira do Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo, a I.C.R. e as cristandades, em geral, foram construindo essa miragem mistificadora da Metafísica… adiando, assim, a salvação da Humanidade para as calendas gregas da ‘2ª Vinda’ de Cristo na sua glória… Ao longo de dois milénios, muitos intelectuais e cientistas honestos (no próprio seio da Cristandade) recusaram (discretamente, como convinha!...) tal Teoria/Doutrina de endrominação e alienação ideológicas e culturais. Entre eles, contase justamente Isaac Newton. Afinal, o Corão respeitou e os muçulmanos reconhecem Jesus como um Grande Profeta, no ranking dos profetas véterotestamentários e dos neo-testamentários, onde figura Maomé, com toda a justeza no atinente a esta controvérsia.


PALAVRAS ESSENCIAIS QUE APONTAM PARA A LIBERDADE Marta Novaes

Tradução do espanhol: Maria C. Arruda.

“Aqui tens o opúsculo do Prof. Reis sobre o Átrio dos Gentios, para teu estudo e, se possível, relacioná-lo com o texto-base das palestras do teu avô, Figuera, e da avó Maria, na época de 1998...”

Assim recebi o texto e o recado. E respondi: “Já me impacientaram aqui, em Buenos Aires, com esse assunto de juntar crenças em torno da cristandade, mas, já agora te digo que o principal problema não está nas crenças e sim na própria cristandade – aliás, meu caro João Barcellos, como dizia o meu avô”. Vamos às questões que este texto me trouxe e me fez mexer novamente nos papéis amarelados dos meus avós...


Todo o conjunto bíblico conhecido dos judeus e vertido em diversas doses entre os cristãos e os islâmicos tornou-se uma mistura dogmática por pontes que ligam nada a coisa alguma... O imbróglio não é nem místico, é “uma porção de magia intelectual para demonstrar o nada como um todo plausível perante povos necessitados de idolatria como fuga ao holocausto próprio criado pela ignorância” [Novaes, 1963]. Neste altar sem símbolos, que é o paganismo das gentes que olham o universo através de si mesmas, encontra-se o fio da vida que alimenta as igrejas de trono divino, ou divinizado. E “[...] aquelas ancestrais assembleias de crentes pagãos em torno dos fenômenos da natureza existem agora na teoria e na especulação de filósofos/teólogos, porque se os movimentos ideológicos da Palestina pastoral lograram dar espaço e tempo a novas ideias e com elas guerrear regras estabelecidas em templos de hierarquia militarista, deixaram de ter serventia geosocial até para quem decidiu seguir os passos dos rabinos ultramontanos e dos paulinos politicamente exacerbados que, confrontando-se com a sabedoria pluralista exposta em Alexandria, cometeram os primeiros crimes em nome do deus cristão, tal como os judeus haviam feito em nome do seu deus, e sob o farol de Alexandria rasgaram-se rotas que catolicizaram a cristandade como igreja una, mas falha em si mesma por não conseguir oferecer a felicidade e o pão de cada dia aos povos já arregimentados” [Vidal & Novaes, 1998]. De fato, lendo e relendo os episódios de Alexandria (alguns com a ajuda preciosa de J. C. Macedo, via Web), acabei por entender o significado das rotas alexandrinas anotadas por meus avós. A magia intelectual utilizada pelos guardiões do templo transformou-se, no caso das três religiõeslivros, numa estrada que só conduz ao altar onde sacrificam a Verdade e a Felicidade dos povos que apenas pedem Pão e Amor. E retorno: uma mistura dogmática por pontes que ligam nada a coisa alguma... 2º Pergunto-me, às vezes, se eu e os meus avós estamos errados. Aquele retórica mágica dos ´doutores´ da igreja acaba quase por nos fazer acreditar que o dogma esconde uma verdade dita por um


deus, “...mas..., à parte a alta erudição (erudição para falar de deus?!) que faz e refaz os livros (ditos) sagrados pode-se verificar que tudo é um humano jogo de esconde-esconde e com estilos tais que volta e meia os dogmas transformam-se ´magicamente´ em armas e os sangues brotam para celebrar (ainda mais humanamente) o deus que é uno, mas com mil e tantas imagens a serem adoradas, pois, o ´ai, meu deus´ não é senão uma noção pagã universalmente aceita entre os povos, o que explica que existe, sim, salvação fora das igrejas e que o deus (ou a deusa) é a mais plural das coisas criadas pela humanidade...” [Macedo, 1982]. Esta posição frontal do poeta português é que me fez ver, hoje, tantos anos depois de ter sido escrita, que “vivenciar a religiosidade é estar humanidade conscientemente, pois, a mística é intima a cada pessoa e não uma verdade arremessada por cima de um altar para criar pessoas em cativeiro no pátio das igrejas” [idem], que me levou, pela segunda vez – a primeira foi com os meus avós – a questionar o batizado: a tradição é uma narração que se instala culturalmente nos povos, e a religião também é isso (uma narração), pelo que o batizado (o casamento nem tanto) é o elemento social de ligação. Entretanto, esta ligação tornou-se uma obrigação social cuja transgressão é logo ecoada pela família e pela comunidade... E assim sobrevive, inquisitorial e diabólica, a igreja do deus único. E todas as outras que se julgam no ´direito´ de ditar regras sociais nas comunidades e sobrepondo-se, na maioria das vezes, a culturas regionais e nacionais. 3º Pois bem, o intelectual português Manuel Reis, em suas “Notas Soltas (em nome do C.E.H.C.) em torno de ´Átrio dos Gentios´”, lembra-nos que o que sustenta a igreja (aqui, a Igreja Cristã e Romana / ICR) é “a sempiterna Cultura do Poder-Dominação d´abord... Com a agravante de a postura e o pensamento [...] se haverem constituído no padrão de funcionamento institucional, em todas as áreas da organização das Sociedades civis e políticas”. E mais adiante: “No mesmo horizonte, continua a indagar-se quais as balizas e os parâmetros dos ‘crentes’, por oposição, supostamente, aos ‘gentios’. É óbvio que, assim, continua, fatalmente, a


sempiterna mistificação de uns e outros, de ‘crentes’ e ‘gentios’, de ‘fiéis cristãos’ e ‘ateus’”. O que me faz retornar ao que me dizia a minha avó Maria Vidal: “Enquanto as pessoas não voltarem definitivamente para a liberdade pagã de viver a religião continuarão acorrentadas à bestialidade da oração paga em templos". Sim, e Jesus, assim como antes Sócrates, e Hepatia (ah, Macedo lembroume a filósofa aprisionada e arrastada pela ignorância cristã nas ruas de Alexandria onde foi esquartejada), e tantas outras e outros, pagaram com a vida a coragem de se confrontarem com os dogmas que protegem elites divinizadas a peso de ouro e muito sangue de gentios que acredita(ra)m no átrio da liberdade de expressão! E questiono com Reis: Que parâmetros são esses que elegem ´dignos´ senhores (senhoras não existem no patriarcado) e arrebanham gentios pela ignorância?... Na eterna cidade de Paris, a amiga e professora Carlota M. Moreyra escutou o cardeal Ravasi pedir à juventude, em nome do quase eterno Ratzinger, “coloquem deus de novo no debate público”. Aquele encontro vazio, entre crentes e ateus, no início de 2011, demonstrou que o átrio do papado da ICR continua a ser um território do deus uno que desconhece os gentios, assim como acontecia no átrio do templo judaico. É caso para se dizer: sou pagã com a graça de deus! A finalizar... O que precisamos, hoje? Precisamos, hoje, de uma intelectualidade apostada na Verdade, que faça valer o próprio sangue nessa estrada única para a Liberdade, porque Deus é a Consciência humana e civilizadora que cada Pessoa transporta. Assim, cada Pessoa é ao mesmo tempo o átrio da Vida e a fonte da Felicidade. Ainda precisamos de igrejas...?! Marta Novaes – Jornalista. Buenos Aires, Argentina, 2012.


Anotações A MAGIA QUE FAZ DAS ORAÇÕES ARMAS FATAIS – Opúsculo mimeografado com anotações de J. C. Macedo. Guimarães, Portugal, 1982. EL HOLOCAUSTO NO NECESITA MUROS O CRUCES – Ciclo de Palestras. Figuera de Novaes. América central e sul, 1963. NOTAS SOLTAS EM TORNO DE O ÁTRIO DOS GENTIOS – Opúsculo. Manuel Reis. Guimarães, Portugal, 2012. PALABRAS, PALABRAS Y PALABRAS. Y EL AMOR. ESTE ES EL SECRETO DE LA FELICIDAD! – Ciclo de Palestras. Maria Vidal & Figuera de Novaes. América central e sul, 1998.


NOTAS SOLTAS (Em nome do C.E.H.C.)

em torno de ‘O Átrio dos Gentios’ Movimento de Ideias e Discussões proposto e patrocinado pelo Vaticano/2012 (no suposto ‘ano da fé’)

Manuel Reis

● Na entrevista, dada ao ‘Guardian’, recentemente, por Hans Kűng, o que se propõe e defende é ‘uma sublevação [na Igreja] a partir de baixo’, ou seja dos leigos, dos detentores do ‘sacerdócio universal dos fiéis cristãos’, que é a base do próprio ‘sacerdócio ministerial’, de que se apropriou, abusiva e sobranceiramente, a I.C.R.. É óbvio que esta ‘sublevação de baixo’ é, forçosamente, uma iniciativa, um empreendimento, levado a cabo à rebelia da Hierarquia, enquistada e estereotipada no seu paternalismo, doentiamente intransponível. Onde está a vera e autêntica AUTONOMIA (= livre exame crítico e capacidade de deliberação) dos fiéis cristãos, enquanto Indivíduos-Pessoas/Cidadãos?! Entretanto, diz-se que padres e bispos são servidores do ‘Povo de


Deus’… Como ‘pastores do Rebanho’, estão ao seu serviço. ─ Tudo isto são posturas (ideológicas) e comportamentos, que só reforçam o carácter de ‘rebanho’, qua tal, do ‘Povo de Deus’. Não passam de puras falácias doutrinais!... Depois… os hierarcas, enquanto tais, ainda se arrogam os predicados da ‘Infalibilidade’, ‘in rebus de fide et moribus’. O odre em que se vive e funciona não é outro senão a sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord… Com a agravante estrutural de a postura e o pensamento da I.C.R. se haverem constituído no padrão de funcionamento institucional, em todas as áreas da organização e funcionamento das Sociedades civis e políticas. ● A Agência do Conselho Pontifício para a Cultura (sob a direcção do cardeal Gianfranco Ravasi) está a propor, na Europa, um movimento de ideias e debates sob o lema/guião: “’No Átrio’, quem ‘os gentios’, quem os crentes? E de que Deus?” Advertências críticas: A) Todo o molde da questionação e das noções utilizadas leva o estigma da atmosfera empedernidamente dogmática e do mais inveterado paternalismo. B) É conceptualizado, em termos gnóseo-epistemológicos, no horizonte do que o CEHC designa por Objectivo-Objectualismo. Os Sujeitos individuais-pessoais são, ipso facto, eclipsados, e a sua Consciência pessoal Autónoma foi, à partida, laminada e eliminada em todo o processus da Perquirição. Desta sorte, ao abrigo de um tal catecismo de pesquisa: 1º ─ Há dois espaços distintos: o da Igreja (que prossegue eclesiástica… e não eclesial, como postulou o Concílio Vaticano II) e o do ‘Átrio’ (espaço exterior… miscigenado, na melhor das hipóteses!...). 2º ─ E, objectivo-objectualmente, procura saber-se e discriminarse quem são ‘os gentios’, pressupondo, naturalmente, que as categorias noéticas do N.T. (paulino) sobre ‘gentios’ e ‘crentes’ continuam a ter, hoje, a mesma aplicação (denotação/conotação), que tinham há 2.000 anos.


3º ─ No mesmo horizonte, continua a indagar-se quais as balizas e os parâmetros dos ‘crentes’, por oposição, supostamente, aos ‘gentios’. É óbvio que, assim, continua, fatalmente, a sempiterna mistificação de uns e outros, de ‘crentes’ e ‘gentios’, de ‘fiéis cristãos’ e ‘ateus’. Em nome da cartilha do ObjectivoObjectualismo. 4º ─ É por isso que, no mesmo horizonte falacioso, se continua a perguntar: ‘… de que Deus’ eles se consideram adeptos?... Ora, aqui chegados, é preciso formular a denúncia solene: Toda essa mistagogia (ideológica) se configura no universo (perverso) do mais execrável Objectivo-Objectualismo (que, na linguagem vulgar, dá pelo nome de idolatria), onde os Sujeitos humanos, indivíduospessoas, só contam como fantasmas (abstractos), em última instância ou análise. N.B.: Evangelho de Mateus, 22, 21: na resposta de Jesus aos escribas e fariseus, que o interrogaram sobre a quem pertencia a moeda, o lóguion registou o seguinte: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Se a dualidade de Poderes pode aí encontrar o seu fundamento, essa dualidade pode também confirmar o Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo. Por outro lado, no Evangelho de Tomé (verso 100), pode ler-se outro parergo escriturístico, bem diferente, no seu conteúdo e sentido: “Dai a César o que é de César, a Deus o que é de Deus, e a mim o que me pertence”. O esquema é ternário; enquanto tal, ele tem o condão de expulsar, pela porta principal, todo o tradicional Dualismo metafísico-ontológico, platónico e paulino. Mais: há, aí, uma refundação de uma nova noção de Deus, que bem pode ser a configurada/identificada naquela frase de Aurélio Agostinho, nas ‘Confissões’: Deus como ‘o intimior intimo meo’, i.e., o tertium datur do Esquema triádico da Consciência humana individual-pessoal. As Divindades uranianas e transcendentes desapareceram… ─ todas elas. Ao abrigo da Gramática do Humanismo Crítico do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, proposto e ensinado na escola do C.E.H.C..


Duas Teses-essenciais, ao abrigo do C.E.H.C., que decorrem, a partir das observações e advertências críticas, supra-referenciadas, ou nelas se acham implicadas: A) A Modernidade Ocidental despontou, há cerca de 5 séculos, a partir dos Descobrimentos transoceânicos (empreendidos pelas duas Nações vanguardistas ibéricas) e das novas Ciências positivas e experimentais, encetadas pelo Reino Unido e pelas Nações centrais da Europa. Entretanto, a Economia política, ao longo dos 5 séculos (e sobremaneira depois da cartilha oficial de Adam Smith/1776), nunca foi capaz de abandonar o catecismo do Objectivo-Objectualismo: crescimento económico objectualista, medido em termos matemáticos e financeiros (puramente financeiros…). Neste contexto (e com este balizamento) não é possível, absolutamente, pôr em marcha uma Economia política, ao serviço dos indivíduos-pessoas/cidadãos, uma Economia política digna do nome: onde toda a população humana de um dado País é atendida, nas suas justas necessidades e reivindicações; onde a pobreza foi banida, porque a riqueza está adequadamente distribuída; onde o pleno emprego da população activa é a regra, e não a excepção. Assim, a gramática da Modernidade ocidental revelou-se tão contraditória, que já não resta qualquer interesse em invocá-la. Eis por que é mister entrar, decididamente, no que o CEHC chama a Pós-Modernidade positiva e crítica. B) Em termos filosófico-críticos, a atmosfera ideológica e a doutrina do Objectivo-Objectualismo pagam o seu pesado tributo à sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord; e, eo ipso, incensam e promovem (como ou sem consciência disso) a doutrina do Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo, assegurado por todas as religiões institucionalizadas (de modo expresso, como acontece nas 3 de ‘O Livro’ e, de modo implícito, como ocorre nas restantes…).

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● O Movimento, que dá pelo título ‘Átrio dos Gentios’ (fazendo a evocação dos três espaços distintos do Templo dos Hebreus: o sancta sanctorum’, o espaço dos crentes hebreus, e o espaço dos não-judeus ou descrentes: goyim ou gentiles), a avaliar pelo opúsculo que o lançou em Portugal, de Fevereiro de 2012, está marcado, a um só tempo, por um inveterado paternalismo sobranceiro (que nunca questiona a Hierarquia da Igreja/I.C.R. e os próprios agentes em causa) e pelo estafado ‘método moderno’ que tudo vê em compartimentos estanques. Convém lembrar que o Movimento (lançado pelo Conselho Pontifício da Cultura, presidido pelo cardeal Gianfranco Ravasi) dimana e tem o aplauso do papa Bento XVI, que aniquilou, nos espaços da I.C.R., o que restava da ‘Doutrina Social da Igreja’ (na encíclica ‘Charitas in Veritate’ de 29.6.2009), e atingiu o paroxismo no repúdio e ignorância das doutrinas do Concílio Vaticano II (19621965). A boa ‘doutrina social da Igreja’ não se pode confundir com os sistemas corporativos e corporativistas, como ocorreu durante a época da ditadura de Salazar e do seu ‘Estado Novo’: com essa versão falaciosa foram cúmplices os bispos portugueses, em geral, que anatematizaram a famosa Carta do bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, ao ditador António d’Oliveira Salazar, em 1958, e pactuaram com o seu exílio forçado, a partir de 1969. Uma sujeira, ao abrigo da suposta Concordata de 1940. Os teólogos da Teologia da Libertação dos anos ’60-’90 do séc. XX (sobretudo na América Latina), esses sim, estavam na trilha da Doutrina Social da Igreja confirmada e proclamada no ‘Vaticano II’. Agora, é um agente do Vaticano de Ratzinger, o cardeal Ravasi, que vem, de luva na mão, propor um diálogo sobre interrogações radicais… “um diálogo que não hesite, também, em aventurar-se nas altas veredas da transcendência e do mistério, onde surge a questão extrema sobre o Ignorado, o Desconhecido, o Deus que ‘é conhecido em Judá’, ou seja para o crente, como diz a Bíblia” (no editorial do opúsculo cit.). Sempre a perspectiva fixista do ‘objectivoobjectualismo’ historicista… E até se dá ao luxo de escrever o que segue: “Como escrevia um filósofo contemporâneo, ‘o que mais


admira não é a nossa dificuldade em falar de Deus, mas a nossa dificuldade em estar calados sobre ele’”. E ainda (ibidem): “Um escritor católico francês, Pierre Reverdy, estava convencido de que ‘existem ateus ferozes que se interessam por Deus, mais do que certos crentes frívolos e ligeiros’, e crentes que se interessam pelo ser humano e pelo mundo, muito mais do que certos ateus banais e sarcásticos”. Na p. 4 do citado opúsculo, pode ler-se um pequeno resumo historicista (!...), epigrafado como segue: ‘Apontamento histórico’ → Da interdição ao convite!... ─ É gente empedernida no paternalismo e na Potestas d’abord, a tal ponto que são incapazes de perceber a missiva clara e resoluta de Antonio Machado: ‘Caminero no hay camino; se hace camino al andar’! Eles nunca abandonaram a Cultura do Ter e do Poder d’abord… Assim, como é possível dar-lhes crédito, quando fazem apelo ao Diálogo e aos Encontros entre crentes e descrentes, e propõem o desenvolvimento de temas como os da liberdade e da solidariedade, acentuando os domínios da consciência e da nossa experiência de vida espiritual (pp.6-7), quando, por outro lado, não se afligem nem parecem fazer caso da miséria e da fome endémicas, em tempo de crises inéditas, das altíssimas percentagens de desemprego e do número crescente de suicídios no mundo?!... Que sentido pode ter, para essa gente, evocar, v.g., a tese (luminosa e crítica) de Simone Weil (in ‘Opression et liberté’/1934): “Não há senão uma única e mesma razão para todos os homens; tornam-se estranhos e impenetráveis uns aos outros, quando se fecham” (p.8)? Simplesmente patético… E, agora (ibidem), uma citação de Bento XVI (11.5.2010): “Nos séculos de dialéctica entre Iluminismo, secularismo e fé, nunca faltaram pessoas, que quiseram estabelecer pontes e criar um diálogo, ainda que, infelizmente, a tendência dominante foi a da contraposição e da exclusão de um e de outro. Hoje vemos que justamente esta dialéctica é uma chance; que devemos encontrar uma síntese e um diálogo profundo e de vanguarda”. Afinal, o papa Ratzinger continua a saga (mortífera) da dialéctica hegeliana, segundo as regras de estrita observância, ditadas pelo


catecismo do Objectivo-Objectualismo… Os Sujeitos humanos, individuais-pessoais, qua tais, são simplesmente elididos e iludidos, absolutamente ignorados, em suma. É um modo de pensar parcialista e obtuso, esquadriado dentro do ângulo raso (180 graus). Onde está o pensamento vivo e fecundo, que só no âmbito da circunferência ou da esfera se pode obter?!... O enigma da Humanidade: Um Quadrinómio baralhado: 1. Dualismo metafísico-ontológico; 2. Dualidade epistémica; 3. Potestas (sacra) d’abord; 4. Monismo epistémico. Os Gnósticos judeo-cristãos primevos, na esteira da escola de Alexandria, ensinaram-nos a base indestrutível da Dualidade Epistémica (o que sempre foi repudiado, ao longo de 2 milénios, na Cultura/Civilização do Ocidente), e um conceito da Divindade germinada na noção terrena de pai ou mãe, comum a toda a Espécie Humana. O Deus criador da Bíblia (Génesis) era por eles tomado como um Demiurgo fabriqueiro, que fez o universo e o mundo bom e mau. A inteligência e o discernimento da Espécie é que tinham que resolver os problemas. Liberdade Responsável como a do Homo Sapiens//Sapiens era a sua exigência fundadora. Que fez a Cultura/Civilização Ocidental sobre este painel?! Em nome da Potestas sacra d’abord (articulada com o ‘Deus criador do universo’, na linha da Bíblia), fundou o Monismo epistémico (rechaçando a Dualidade epistemológica) e instaurou, no mesmo golpe, o Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo. Ao mesmo tempo institucionalizou as religiões como Poder sacro separado da Sociedade civil/política, mas com a possibilidade de exercer influência sobre os poderes constituídos nesta. Para que o estratagema resultasse como estratégia assegurada, estabeleceu, ao longo de 2 milénios, a ideologia falsa e errónea de que os Gnósticos (judeo-cristãos primevos), esses é que eram dualistas metafísicos, segundo o catecismo dos maniqueístas, que tomava a matéria e o corpo como intrinsecamente maus e o espírito como coisa boa!... Foi com estas linhas que o império e o imperialismo se foram cozinhando e tecendo ao longo dos séculos,


repudiando e abominando a democracia e a Liberdade Responsável dos Humanos e instaurando a cartilha do Objectivo-Objectualismo.

Guimarães, 12 de Novembro de 2012. Manuel Reis.

Nota Bibliográfica: sobre a Questão do Gnosticismo, vd.: Debates Paralelos: Q Jesuânica, vol. 5, do Centro de Estudos do Humanismo Crítico & Terra Nova Comunic, Edicon, São Paulo, 2009. Debates Paralelos: A Palavra Jesuana, Textos Gnósticos & Outras Opiniões, vol. 4, do Centro de Estudos do Humanismo Crítico, Grupo Granja, TN Comunic Jeroglifo, Eintritt Frei, Edicon, São Paulo, 2007.


ÁTRIO DOS GENTIOS No Foco Que Não Desconhece As Periferias

João Barcellos

As antigas assembleias populares que reuniam religiosos (ainda não igrejistas, mas pastores de uma fé humana e universalista) para o debate público, antes, durante e depois de Sócrates e de Jesus, foram o foco filosófico e religioso que nunca desconheceu a realidade das periferias socioculturais – aliás, ninguém caminha entre gentios sem lhes conhecer as raízes, pois, como diz Antonio Machado, citado por Manuel Reis, filósofo e teólogo português, Camiñero no hay caminho; se hace caminho al andar... Ou seja: ninguém pode fazer da vivência dos outros uma bandeira própria para estar (de alguma maneira) Poder, usurpando-lhes a liberdade de ser. É o que acontece com a igreja quando esta passa de um simples átrio de convivências para o patamar de uma corporação hierarquizada, logo, burocrática e financeira: o átrio transforma-se num palácio animado com uma população residente que obedece a leis próprias e um trono ideológico que desconhece a fé universal para ser foco do dogma que atribuiu às periferias (gentios) a tarefa de sustentar toda essa patética e inútil parafernália igrejista, dita de fé no vigário de deus.


Não estamos nos velhos tempos dos filósofos gregos nem nos tempos da Palestina das muitas seitas místicas (como a de Jesus), que percorriam os desertos em busca de um nicho para se amortalharem no final dos tempos que, então, anunciavam entre as tempestades de areia. Datando-se o quadrado ocidental (agora é parte da esfera, finalmente...) a partir dos eventos jesuanos, estamos em 2012, no Século 21. Dois milênios separam-nos das assembleias populares fomentadas por essas seitas, que ´dinamitaram´ ideologicamente a Palestina ainda ao tempo do Império Romano e do Rabinato todo-poderoso e, nesse átrio de míticos e místicos, surgiu da Palavra Jesuana um evento produzido por alguém que nunca a escutou: a Igreja cristã. Através das cartas de Paulo (ou Saulo) aos seus pares e aos gentios (Jesus só reunia com e entre judeus, apesar do universalismo da sua mensagem) nasceu o Cristianismo que, mais tarde, sob o comando do imperador romano Constantino, vai tornar-se religião oficial do império e, logo, tende a verter em si o ideal imperialista para virar uma corporação católica [ou, imperialmente global]. Um milênio depois, as cartas paulinas [e não propriamente a Palavra Jesuana] chegam a outros mundos através dos marujos portugueses e castelhanos e a sangria pela evangelização torna-se uma guerra santa entre cristãos, judeus e islamitas... até hoje, sendo que a velha Palestina lá continua como eixo desta guerra santa já agora estendida à Terra ´redondamente´ descoberta. Aquele átrio onde a fé humana e universal tinha vez, não existe mais. Mas existem o Judaismo, o Cristianismo e o Islamismo. As três igrejas/livros que se afirmam detentoras de uma verdade divina só conhecida entre elas, pois, os gentios/povos, esses, só são chamados para pagar as contas da guerra santa, na maioria das vezes com o próprio sangue! O igrejismo age como um poder monárquico absolutista em todas as suas esferas teológicas e quando alguém, entre os seus pares, quer discutir tal circunstância ideológica e mercantil, o dogma (a lei que protege o que não existe) fala mais alto. Assim como Paulo/Saulo bloqueou Jesus para divulgar o que lhe interessava para construir um Poder igrejista, hoje, o papado cristão quer fazer crer ao mundo que o que interessa é a fé no dogma que ergueu e


sustenta o igrejismo, não a fé na humanidade, portanto, acena com a possibilidade de um diálogo entre crentes e não-crentes no átrio que a ideologia paulina destruiu em prol de um mercantilismo religioso. Continua a aberta a saga da cruzada pela guerra santa e as seitas-poderes acomodam-se politicamente em quartéis-generais erguidos precisamente naqueles lugares que foram átrios da palavra universal pela paz e o amor. Quando recebi o texto Notas Soltas em torno de O Átrio dos Gentios, de Manuel Reis, lembrei imediatamente uma anotação de Carlota Maria Moreyra, feita na Paris de 2010 e acerca de um pronunciamento do arcebispo Giampaolo Crepaldi, de Triestre, sobre o mesmo assunto: O papa quer que os gentios, antes eram os não-judeus e agora são os não-cristãos, reúnam-se em átrios para uma aproximação com deus, partindo da fé e nunca da razão, mas, que eu saiba, foi a razão que levou Paulo a discordar de Jesus e criar uma igrejapoder, tanto que entre a cristandade católica se fala de deus e raramente de Jesus, se fosse pela fé esse Paulo (desconhecido de Jesus) teria seguido a trilha judaico-apocalíptica do homem que guiava a seita Nazàri. Entretanto, o papa é o papa, e só isso, uma vez que o papa não dirige mais cruzadas nem inquisições em prol da guerra santa. Ele está isolado no seu trono dourado no centro do Vaticano, a sede do Poder da cristandade católica. A amiga e também professora brasileira Mariana d´Almeida y Piñon enviou-me hoje, e li, a interpretação que Giampaolo Crepaldi faz de o Átrio dos Gentios, o novo capítulo intelectual de um Vaticano isolado e exuberantemente fascista. Crepaldi anuncia que a proposta é nova, porque o papa quer que os gentios se aproximem de deus, mesmo sendo esse deus desconhecido. E se deleita ao afirmar na irreligiosidade moderna, o homem é entregue de novo – como os gentios nos tempos de Israel – aos mitos e aos ídolos; novos mitos e novos ídolos, muito secularizados, mas igualmente irracionais, que consistem em seguranças contra nossos medos. E ele nomeia os novos mitos: o ecologismo, o vitalismo, o cientificismo, o materialismo, o psicologismo, o


desenvolvimentismo, o terceiro-mundismo, o pauperismo, a ideologia de gênero, a ideologia da diversidade, e economicismo, o inclusivismo, o narcisismo e todas as formas de reducionismo. Parece o eco da voz de Ratzinger, o papa. Esse Átrio dos Gentios, ora pinçado na história judaica (e nem poderia ser outra, pois ela é a fonte da cristandade e do islamismo), era um espaço no interior do templo, então, um espaço nãoprofano, mas no qual se permitia a linguagem dos gentios diante do deus [sempre] desconhecido e acortinado por dogmas. Agora, Ratzinger, ou papa Bento 16, na voz de Crepaldi, diz que reunir os gentios em torno do desconhecido é uma resposta à insegurança das pessoas cercadas pelo terrorismo doentio do paganismo. Obviamente, nem Ratzinger nem Crepaldi falam dos próprios medos (quem tem medo são os gentios, não a elite de deus), da “falência da igreja-poder, que ainda é uma grande e abusiva herdade das cruzadas e da inquisição” [Macedo, 2003]. E o interessante é que Crepaldi lembra que os ídolos são fabricados pelos homens! Se ele, como voz do papa e o próprio papa, querem que os gentios adorem um deus desconhecido, em que cosmovisão estamos?! Por que não conversar universalmente sobre a Palavra Jesuana no ponto em que Paulo a traiu? Educada em convento cristão, no Brasil, Carlota M. Moreyra não deixa nada ao acaso quando o assunto é igreja-poder. Na época, respondi: Ao fabricar o Átrio dos Gentios, enquanto papel doutrinador, o Conselho Pontifício da Cultura (órgão do Vaticano), dirigido pelo cardeal Gianfranco Ravasi, produziu uma palermice teológica que beira o riso vicentino, pois, Átrio dos Gentios não é mais que uma encenação intelectual para fomentar a discórdia e aprofundar o fosso entre essa igreja e os povos... Ora, quem é senhor por herança feudal nunca abandona o cajado do poder! [Óbvio, Gil Vicente diria/cantaria isto de maneira espetacular, como o fez em outras circunstâncias.]


Na verdade, e o digo, a carta-palestra de Manuel Reis é um tiro de canhão na água-benta ratzingeriana, tanto mais que, mesmo convidado, não o deixaram participar da ´conversa´ em torno do Átrio dos Gentios [em Braga, Portugal; 2012]. O papa Ratzinger e o opúsculo Átrio dos Gentios falam da irreligiosidade atual, mas não é de religião que aqui se trata, e sim de igrejismo – esse corporativismo paulino que, milênio após milênio, encobre a Palavra Jesuana e apregoa o pragmatismo plutocrático em torno do trono divinizado. Sabe-se que “[...] os Gentios não são irreligiosos, eles têm fé em si e é dessa fé humaníssima (mas não crítica, infelizmente e até um dia...) que é feita a argamassa que sustenta o trono no Vaticano, mas também o Poder das sinagogas e o das mesquitas, ou aquele entronizado elo divino que perpassa os gentios africanos e orientais em seus terreiros” [Liffey, 2011]. E isto, porque existem dois espaços que o Átrio dos Gentios não põe em discussão – a saber: “[...] o da Igreja (que prossegue eclesiástica... e não eclesial, como postulou o Concílio Vaticano II) e o do ´Átrio´ (espaço exterior... miscigenado, na melhor das hipóteses!...), como ensina Reis em suas Notas Soltas. Objetualista e mercantilista, a igreja-poder dita cristandade celebra-se como ´átrio onde recebe todas as gentes´, mas nunca como ´gentio entre os gentios´! Então, “o deus da cristandade paulina não é o mesmo do verbo jesuano, pois é um simulacro do idealismo monetário, aquele que Jesus combateu na sinagoga” [Barcellos, 2009], e não mais que isso. A ideia que tenho sobre tudo isto, após tantas leituras ´religiosas´ em livros oficiais e não-oficiais, é que o foco da igreja-poder assenta no capitalismo selvagem e colonial, logo, desconhece as periferias socioculturais da religiosidade pagã. E enquanto isto acontecer, a guerra santa vai continuar a minar os gentios a partir daquele átrio ideologicamente imperial e fascista. Por isso, e Reis tem razão, o opúsculo O Átrio Dos Gentios é uma pouca vergonha intelectual e uma patética odisseia que conspurca as boas intenções/ações geradas no Concílio Vaticano II...!


João Barcellos – jornalista. Brasil, Nov. 2012.

NOTAS BARCELLOS, João – in O TEXTO PAULINO E A PALAVRA DE JESUS / CONFRONTOS IMEDIATOS PELA VERDADE. Palestra. Embu das Artes / Brasil, 2009. CREPALDI, Giampaolo – in “ATRIO DOS GENTIOS” E DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA. Artigo. [zenit.org] 26.1.2010. LIFFEY, Johanne – in RELIGIOUS ARE WAYS AND CHURCHES ARE DITCHES WHERE PEOPLE DIE [As Religiões São Caminhos e as Igrejas São Valas Onde os Povos Morrem]. Article. London/UK, 2011. MACEDO, J. C. – in AS RELIGIÕES-LIVROS DO DOGMA QUE NOS ASFIXIA. Palestra; Rio de Janeiro / Brasil, 2003. REIS, Manuel – in NOTAS SOLTAS (EM NOME DO CEHC) EM TORNO DE ´O ÁTRIO DOS GENTIOS´. Palestra. Guimarães / Portugal, 2012.


ÍCONES JUDAICOS NA EVANGELIZAÇÃO PAULINA DOS GENTIOS Johanne Liffey

Uma Realidade Que Choca Suor, sangue e assassinatos. Pese o emblemático pacifismo que envolve a comunidade, a história judaica foi, e assim é hoje ainda – o genocídio de palestinos sob as armas e as torturas das tropas israelitas é apenas um exemplo da velha união da sinagoga com o imperialismo (antes o de Roma e agora o do eixo WashingtonLondon) – uma história de suor, sangue e assassinatos, que o mundo ocidental não quer contar nem atacar. Não existe uma única faceta da historiografia judaica que não nos aponte traições e assassinatos em nome do poder tribal, como hoje, pelo poder israelense colonialmente expansionista em terras palestinas, debaixo da óptica dos fundamentalistas sanguinários que incensam as sinagogas e a ignorância popular.


Numa palestra feita no âmbito do Grupo Granja, em 1998, a professora Joana d´Almeida y Piñon dizia que “precisamos desiconizar o ícone para podermos perceber a realidade social judaica e mostrar que esse povo é tão sanguinário diante da sua ânsia colonial quanto os velhos algozes nazis, da mesma maneira que se desvencilhou das seitas místicas antigas (mas judaicas) com guerras intermináveis e sempre com apoio de potências imperialistas. É um povo que de pacífico nada tem...”. O pseudo pacifismo judaico tornou-se um ícone político principalmente a partir da não-resistência à aberração racial nazista. O certo é que – e vários estudos actuais mostram-nos isso – os judeus preferem estar sob um tecto imperial a manifestarem a sua própria expressão, pelo que assim lavam as mãos dos eventos que se seguem e se apresentam como coitadinhos universais; como acontece, agora mesmo, quando sacrificam o povo palestino para darem cobertura à expansão dos seus colonos fundamentalistas. Isto é anti-judaísmo? Não. É dizer simplesmente “[...] o que é o povo judeu na sua raiz social e religiosa, e em tudo capitalista. Ou será que o judeu Jesus se afastou da sinagoga (sem negar o seu judaísmo, diga-se) apenas por capricho sectário de messias sem igreja?...”, como afirma o poeta J. C. Macedo. Por outro lado, ´coitadinhos universais´, que se lamentam misticamente num muro enquanto constroem outro muro para separar israelenses e palestinianos, mas este muro da vergonha fica dentro do território palestino... Entretanto, quem defende os palestinos deste holocausto contínuo...?! Falar de pacifismo na história judaica é falsear a verdade historiográfica, porque o que está gravado é uma história sanguinária em prol de um deus único importado da mística egípcia (leia-se Freud com atenção) e escondido no templo até para os seus seguidores.

Senhores do Templo e Gentios Os fluxos de informação e conteúdo dão-nos conta que “Israel quer ser o templo único do deus que só conhece Israel, por isso


anuncia ´visite Israel, antes que Israel o visite´. A prepotência política e igrejista é revoltante, tanto mais que é Israel a fonte alimentadora das múltiplas igrejinhas evangélicas que abrem portas e lavagem de dinheiro em todas as esquinas do mundo, no que não é diferente do pensamento e da ação católica”, na análise do professor e jornalista brasileiro Carlos Firmino. Esta análise foi feita para o fórum “No Pátio Da Velha-Nova Guerra Santa” que teve coordenação de Maria C. Arruda, no Brasil. É quase chocante verificar que ela utilizou o termo “pátio”, que posso também traduzir por “átrio” – o átrio do templo judaico que a cristandade reutiliza agora para possibilitar aproximações religiosas e mascarar a realidade do seu tamanho corporativo. Naquele pátio/átrio do templo judaico existia a possibilidade (sempre difícil...) para o encontro com outras crenças, desde que não discutissem o deus único e o capitalismo que oleava as juntas da máquina hierárquica. Como agora. Nada mudou. É este conceito de igreja-banco para todos que a cristandade quer restaurar na sua insana demanda por recursos físicos e humanos, demanda que leva o nome de Átrio dos Gentios. Nada mais historicamente romântico e tolo. Na verdade, tal como o ´visite Israel, antes que Israel o visite´, o ´átrio dos gentios´ é uma cruzada publicitária decalcada nas velhas mensagens paulinas que circularam entre os gentios e os judeus, mas já a informar a guerra contra aqueles que haviam gerado um Jesus que nunca se negou judeu, e também, a buscar uma integração política com a potência romana. Lembro que “O que verdadeiramente importa, em primeira e última instância, é o Humano, sua emancipação e libertação”, máxima de Manuel Reis em toda a sua obra teológica e literária, e particularmente no livro “As Máscaras de Deus...”. Posto isto, urge dizer ainda que “a igreja não é uma opção das ou para as pessoas pobres, a igreja-poder é um antro mercantil que só assimila a massa da ignorância que lhe dá cor e dinheiro. De resto, a igreja (todas as igrejas fundadas no espírito da hierarquia plutocrática, na sinagoga e no acto paulino) é o tambor que clama constantemente por ódios e sangues”, como já afirmava a artista plástica Tereza de Oliveira em famosa palestra no Grupo Granja e que Figuera de Novaes incorporou no seu opúsculo “Los Camiños


de la Libertad sólo existe en la Religón pagana del Amor y de la Conciencia de la Fraternidad”. E assim, de Reis a Novaes eis a chave que permite elucidar a patética acção de evangelização/publicidade intitulada Átrio Dos Gentios! Permito-me escrever o que escrevi depois de ver muita dissidência político-religiosa, muito ódio e muito sangue nos territórios que foram a base do judaísmo, do cristianismo e do islamismo, e porque no Oriente no Ocidente impera uma palavrachave: hipocrisia. A intensa circulação de conteúdos pelas diversas plataformas da actual Comunicação Social, ao contrário do mercado literário, permite dizer o que deve ser dito com todas as letras, e não me permiti ficar de fora da conversa agora reiniciada pelo professor Reis sobre a questão Átrio Dos Gentios, opúsculo que me chegou pela revista electrónica Noética. Johanne Liffey – médica. London/UK, 2012.

NOTAS AS MÁSCARAS DE DEUS... DEUS EXISTE COMO?! – Manuel Reis. Estante Editora, Aveiro / Portugal, 1993. ÁTRIO DOS GENTIOS – Acção sociocultural lançada em 2010 pelo papa Ratzinger (Bento XVI) e que percorre o mundo cristão numa cruzada evangelizadora. DESICONIZAR O ÍCONE – Palestra apresentada no âmbito de estudos sobre A Essência Judaica Da Guerra Santa, em 1998, coordenados por Tereza de Oliveira, descendente de judeus ibéricos, para assinalar as origens belicistas que movem as religiões corporativas. A professora Joana d´Almeida y Piñon é brasileira, também descendente de judeus, e lecciona actualmente em Paris. GRUPO GRANJA – Grupo de debates estabelecido em 1996, na casa da artista plástica Tereza de Oliveira, no bairro Granja Vianna (em Cotia, Brasil), com o poeta e jornalista João Barcellos, e meses depois alargado a vários intelectuais e artistas da Europa e das Américas. O GG acabou diluído, em 2008, no grupo de debates NOÉTICA, que mantém uma revista electrónica (web / noetica.com.br) e participa da publicação das colecções literárias DEBATES PARALELOS e PALAVRAS ESENCIAIS, entre outras iniciativas socioculturais no âmbito do CENTRO DE ESTUDOS DO HUMANISMO CRÍTICO (dirigido em Portugal por Manuel Reis e a partir do Brasil por João Barcellos, Maria C. Arruda e Carlos Firmino) e da EDITORA EDICON (São Paulo, Brasil).


INFORMAÇÃO E CONTEÚDO POLÍTICO NAS IGREJAS – Intervenção do professor e jornalista Carlos Firmino para o fórum No Pátio da Velha-Nova Guerra Santa, sob coordenação de Maria C. Arruda, para a revista electrónica Noética (Julho de 2012). LOS CAMIÑOS DE LA LIBERTAD SÓLO EXISTE EN LA RELIGIÓN PAGANA DEL AMOR Y DE LA CONCIENCIA DE LA FRATERNIDAD – Texto-base de várias palestras de Figuera de Novaes, em 1998 e 1999, no Chile, no Equador e na Colômbia. MATERIALISMO E IGREJA. A FÉ É UM INVESTIMENTO?... – Palestra de Tereza de Oliveira no âmbito dos estudos sobre A Essência Judaica Da Guerra Santa, evento coordenado por ela mesma e secretariado por João Barcellos. MESSIAS SEM IGREJA – Palestra sobre “a oportunidade criada por Jesus para que Paulo desencadeasse a construção da igreja cristã”, apresentada por J. C. Macedo (Porto/Portugal, 1983). E “o evento criou dificuldades ideológicas no seio do movimento otelista, porque o otelismo estava assente em bases da juventude operária católica que não aceitava discutir os dogmas”, conforme explicou mais tarde o autor. “Tal ignorância cultural levou, em 1984, ao fim do movimento otelista. Se assim não fosse, mais uma monstruosidade política poderia ser gerada na ibérica península”. MOISÉS E O MONOTEÍSMO – Estudos de Freud, 1939. [Meu pai, o poeta J. C. Macedo, costuma dizer que “não precisamos de psicólogos quando achamos em nós mesmos o significado do que somos e do que fazemos. Talvez por isso, Freud foi fundo na sua pesquisa sobre o espectro mosaico e achou aí a essência do monoteísmo que tantas guerras provoca a partir da ignorância igrejista que tanto rejeita a sabedoria pagã”. E foi depois dessa leitura que meu pai decidiu ser um intelectual no mundo e não um português sitiado. Algo que ele nunca datou nos seus rabiscos, mas que me confirmou recentemente.]


O POETA E A DESCRUZADA Maria C. Arruda

A primeira vez que escutei a fala dele foi quando coordenou uma feira de livros num sarau cultural divido entre vários grupos de estudos e escolas, e com ele a explicar a História Luso-Brasileira e A Importância da Literatura na Formação de Cada Pessoa. Na sua concepção, “a res publica é a peça de aferição mais valiosa que a humanidade possui, pois, aí está a mãe d´água que alimenta e faz seguir em frente a democracia sublimada em cada ato social e político, mas também no ato religioso, quando este é fruto da consciência mística que liberta, não a que encarcera e mata”. Dos seus estudos historiográficos, e são muitos, interessei-me pela reconstituição que fez do Primeiro Engenho Metalúrgico d´América Que Affonso Sardinha (o Velho) Estabeleceu No Cerro Byraçoiaba, pelo qual pude, então, conhecer os meandros coloniais e políticos que deram origem à indústria brasileira e sulamericana, e também pela funda investigação Acerca Da Cruzada Místico-Bélica Dos Jesuítas No Brasil, que me mostrou como “a evangelização católica foi instrumento de terrorismo sádico na destruição das línguas e dos povos locais, porque se o colonobandeirante era analfabeto e queria apenas a riqueza e levantar outro Portugal, já os padres (os jesuítas e os de outras corporações da igreja romana e católica) transformaram-se em matadores iluminados..., o que não consta da história oficial, mas está no registro eterno dos povos reduzidos a quase nada”. O interessante é que a birra dele em torno da luso-brasilidade começou quando leu as façanhas coloniais de um tal Affonso Sardinha (de quem fez um retrato a lápis que hoje circula em vários


documentos) nos Papeis do Brasil, guardados na Torre do Tombo em Lisboa, no verão de 1975, e, no mesmo ano, com leituras reiniciadas em Coimbra. Já em 1989, em Buenos Aires, argumentava que “O poderio colonial português, ao tempo de Manuel I, que herdou de mão beijada os preparativos para a Viagem à Índia, de João II, foi executado tão sanguinariamente que essa página negra da história humana só tem paralelo nas Cruzadas (e delas fez parte por desejo de Manuel I, que, louco fundamentalista, queria reconquistar Jerusalém) e na Inquisição católicas [...], e toda a ação colonial manuelina foi de confrontação com terror, ao contrário da ação mais mercantil e menos bélica do João II, que permitiu uma evangelização de contato e não de canhão e espada. O que é hoje o Brasil não teve o mesmo destino porque, entre 1500 e 1540, foi colonizado por degredados e políticos fugidos da ação inquisitorial, e foram esses colonos que deram origem a um Brasil assente no conceito de res publica, e não de império monárquico, pois, a partir de Piratininga reocuparam o Piabiyu para comerciar com Buenos Aires e Asunción, o que limitou, inclusive, a ação das corporações fradescas e do próprio rei no âmbito da linha tordesilhana”. Dito isto, senhoras e senhores, lembro que estou a falar e a reproduzir partes de palestras e de textos do poeta e jornalista português J. C. Macedo, cujos estudos em historiografia lusobrasileira fizeram dele uma referência para outros estudos e ensaios. Se é certo, e é ele que o diz, que só tardiamente teve acesso à verdadeira história [leia-se Alfredo Pinheiro Marques e Manuel Reis a propósito] da saga dos descobrimentos portugueses, ele aproveitou os novos dados e documentos para mergulhar ainda mais fundo na temática reconstituída primeiramente pelo matemático-historiador Luis de Albuquerque. A desconstrução do ideal henriquino (o infante Henrique sempre foi apontado oficialmente como “o cara das navegações”) fez emergir historicamente o Infante das 7 Partidas (o duque de Coimbra Pedro, mais tarde regente do Império, e avô do rei João II, que vingaria exemplarmente o seu assassinato na contenda de Alfarrobeira). Esse novo olhar, emblemático na obra de Pinheiro


Marques, que pude ler em 2011, catapultou J. C. Macedo na demanda das glórias fabricadas em torno do Gama e de Albuquerque, e mais profundamente nos “atos dos religiosos que abençoaram o terrorismo manuelino nos mares que a outros povos pertenciam”. E chego ao que queria dizer-vos, senhoras e senhores: Intolerante e bestial, a cristandade quis se apossar do mundo depois de negar a sua mátria raiz judaica e, logo, negar também a possibilidade de outras religiões a partir da mesma matriz (é o caso do islamismo). E esta odisseia de insanidade mental dura até hoje. O que nos diz J. C. Macedo a propósito? “Fecharam o templo que era simples e humildemente a Palavra de Jesus e, a partir das cartas de Paulo, desdenharam do próprio Jesus e do seu judaísmo para arquitetarem uma igreja universal (= católica) com poderes políticos e judiciais sobre os crentes e os não-crentes. E a própria cristandade, já no Século 20, percebeu que havia perdido espaço na sua temporalidade. Por isso, no Concílio Vaticano II quis reedificar algumas das suas estruturas e ganhar de novo a intelectualidade (muita dela formada a partir do vaticano), mas isso não deu certo porque a saga sanguinária da elite católica (branca e que fez desenhar um Jesus branquela e de olhos azuis para o Ocidente...) não aceitou ser despojada das suas riquezas, e daí surgiu a Teologia da Libertação, com padres e freiras, intelectuais e artistas, e o povo..., sim, o povo, de mãos dadas em prol de uma igreja para todos. Também não resultou. Aquela elite capitalista, terrorista e racista (os povos de cor sempre foram tidos como nãocristãos), aliou-se aos caudilhos fascistas europeus e americanos para decapitar as boas intenções de uma evangelização libertadora. Ou seja: o templo que era a Palavra de Jesus, ou a luz jesuana, como gosta de dizer o filósofo português Manuel Reis, continua fechado ao mundo no quadrado metropolitano dito Vaticano, e não por acaso, na Roma imperial...”. Quando me pediram para falar acerca de Colonialismo, Raça Negra e Religião eu comecei a escrever um texto geral, mas, e ainda a alinhavar o texto, recebi pela Web (Internet) a incumbência de coordenar mais um encontro para o Grupo de Debates Noética, precisamente sobre a temática Átrio Dos Gentios, que é um ciclo


de palestras do Vaticano direcionado ao mundo cristão e nãocristão. Incluindo, creio, todas as raças. Mas é “coisa” que não vai adiante por causa do ostracismo doentio em que a elite católica mergulhou aquele átrio universal tão acalentado por Jesus. Um texto do poeta em visita mostra-nos o que aconteceu entre a Índia e o Brasil: “A doença terrorista da cristandade era tão crítica na Carreira da Índia que a soldadesca-marinhagem portuguesa entrava nos portos do Oriente a cortar narizes e orelhas após lançar na praia restos de corpos de outras chacinas para amedrontarem os locais. E tal como na África, na Índia os povos negros foram sacrificados em nome de um Jesus que nada tinha a ver com o assunto. Pode-se dizer: era assim que se pensava e agia na época. Não. Assim pensava e agia a cristandade, porque outros povos e outras crenças tentaram, sempre, o diálogo, e nem na retomada de Jerusalém os islâmicos foram sanguinários (permitindo a saída dos cristãos), como dizem as crônicas. Já na Colonização do Brasil os padres do Vaticano e os colonos propriamente ditos lucraram financeiramente com a escravização dos africanos e dos negros da terra, conforme se lê em diversos registros. E quando o louco e fanático cristão Manuel I recebeu das mãos do Gama uma enorme porção de objetos de ouro saqueados na Índia, esses objetos foram imediatamente derretidos para um ourives produzir uma joia a ser depositada no altar de uma igreja de Lisboa. Portugal?, o que é Portugal?, aqui fala-se da Coroa, não da Nação... Os padres do Vaticano quiseram saber como foi esse ouro adquirido? Não. Ontem, como hoje, o que interessa à cristandade católica é a riqueza que sustenta a temporalidade da sua elite pançuda, não a Palavra de Jesus, não o átrio universal que ele abria em cada caminhada entre judeus e gentios”. Portanto, senhoras e senhores: aqui está “o incenso da intolerância que a cristandade continua a soprar para um mundo que lhe é cada vez mais adverso”.


É para se dizer, e não posso deixar de o dizer, também, que o átrio do templo judaico agora cooptado (catapultado, talvez seja a melhor expressão) para as ações culturais do Vaticano não despe os padres das suas riquezas, mas (e tem razão o poeta na sua ´descruzada´) quer apenas reforçar o modo capitalista de exercer uma fé que considera os gentios como peças dessa engrenagem. Tenho dito.

Brasil, 20 de Novembro de 2012. Dia da Consciência Negra

BIBLIOGRAFIA

A MALDIÇÃO DA MEMÓRIA DO INFANTE DOM PEDRO E AS ORIGENS DOS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES. Alfredo Pinheiro Marques. Centro de Estudos do Mar, Figueira da Foz, 1994. AS ETERNAS ELITES PANÇUDAS DA IGREJA DOS RICOS. J. C. Macedo. Palestra e opúsculo (do Autor). Buenos Aires (Argentina), 1991; Petrópolis, Rio de Janeiro (Brasil), 1991. AS MÁSCARAS DE DEUS... DEUS EXISTE COMO?!. Manuel Reis. Estante Editora. Aveiro, Portugal, 1993. COMO FAZER TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO. Leonardo Boff e Clodovis Boff. Ed Vozes. Brasil, 1986. DÚVIDAS E CERTEZAS NA HISTÓRIA DOS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES. Luis de Albuquerque. Volume I / Ed Veja. Lisboa, 1990. Citado por Alfredo Pinheiro Marques. LIBERDADE: DA TORTURA INQUISITORIAL À TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO. J. C. Macedo. Opúsculo e palestra. Ediç do Autor. Guimarães/Portugal, 1983. O MUNDO DE DEUS SÓ É DO POVO QUANDO O POVO LHE É ESCRAVO?... J. C. Macedo. Opúsculo mimeografado. Porto/Portugal, 1973. REGIONALIZAÇÃO: O QUE NÃO FOI DITO! Manuel Reis. Estante Editora. Aveiro, 1997. SERVIDÃO: QUANDO A FÉ ATERRORIZA O POVO. J. C. Macedo. Opúsculo mimeografado. Guimarães/Portugal, 1973.


CENTRO DE ESTUDOS DO HUMANISMO CRÍTICO Guimarães / Portugal & São Paulo / Brasil Grupo de Estudos NOÉTICA

www.noetica.com.br


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