Viver História

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Centro de Estudos do Humanismo Crítico Portugal & América Latina

Grupo de Estudos Noética

DEBATES PARALELOS Volume 16

VIVER HISTÓRIA Parte 4 / 2021

Coordenação De

João Barcellos




ÍNDICE

Apresentação - Das Partes VIVER HISTÓRIA Que Nos Trazem Uma MEMÓRIA DE SÍTIO Registradas Literariamente | Tereza Nuñez

- Ferro e Américas | Joana d´Almeida y Piñon - Anotações Acerca Da Maniçoba | J. C. Macedo - Aleixo Garcia, marujo alentejano | Mariana d´Almeida y Piñon - Iguape: Guerra & Ouro | João Barcellos - Inconfidente, Geólogo, Têxtil & Vendedor De Panos... | João Barcellos - Sá e Faria / Uma História Latino Americana Pouco Conhecida | Tereza Muñoz - Res Pública: Uma República de Coronéis e a Política Escravocrata em Taubaté e Tremembé [Sécs XIX e XX]

| Ronaldo Messias

- Antes de 1500... João II, o Ramalho e o Bacharel | João Barcellos [Inclui observações de Ruy Hernández] - Ybiraçoiaba – Do Ferro & Da Economia | Céline Abdullah - Um dia de agosto de 1819, na Real Fábrica de Ferro de São João de Ipanema. | Fernando J. G. Landgraf - Sam Paolo Dos Campi de Piratininga A Falsidade Identitária | Mariana d´Almeida y Piñon e outros - Acerca Da Destruição Da Cultura Celta | Johanne Liffey - O Teomonismo Dos Celtas

| Manuel Reis

- Varnhagen: Historiador, Reinol & Luso-Brasileiro | Rosa Maria Malheiros e Joaquim Inácio de Castro e Souza - E Daí...? | Ruy Hernández - Mirandês: O Outro Portugal | Maria Augusta de Castro e Souza (´macs´)


APRESENTAÇÃO

Das Partes VIVER HISTÓRIA Que Nos Trazem Uma MEMÓRIA DE SÍTIO Registradas Literariamente A celebrar o professor e cientista Aziz N. Ab` Sáber

Tereza Nuñez c/ tradução do espanhol p/ Helena de Novaes

Não é todo o dia que temos a sorte de abrir a caixa onde o carteiro põe correspondência e dela puxamos um pacote com livros – livros que nos dizem “da identidade que somos a partir do sítio que nos foi berço”, como ensinava o cientista Aziz Ab´Sáber, que conheci em conversas na Granja Vianna, bairro de Cotia, na Grande São Paulo. É verdade, a frase de Ab´Sáber diz tudo e, inclusive, resume a sua tese apresentada na Universidade de São Paulo, que logo virou livro de referência para acadêmicos e profissionais de vários ramos de atividade. De tempos em tempos eu tenho essa sorte. Abro a caixa de correio e sei, pelo carimbo ou selo ´brasileiro´ que o pacote pode ser mais uma coletânea de história que só vive


quem gosta de estar na vida para a perceber como sua e dar-lhe divulgação sociocultural. O amigo e mestre João Barcellos definia o seu vizinho Ab´Sáber e parceiro de tertúlias intelectuais com o jornalista W. Paioli e uma ou outra vez com o professor Soares Amora, assim:

“Procurar o que não se sabe é criar o Mundo humano com poética Sabedoria. É assim que vejo Aziz Ab´Sáber e a sua Obra acadêmica de sítio em sítio para dar ordenamento à Nação”. Não tive essa sorte, apenas conversei com ele duas vezes. E dessas conversas tendo no meio o Mestre JB é que eu me interessei por historiografia, principalmente quando os dois trocaram dados acerca de um “...Sá e Faria, engenheiro-militar ligado ao Morgado de Matheus e de importância vital na governação daquele à frente da Capitania paulista”. E esse nome me era conhecido, quase familiar. Memorizei o painel conversado para mais tarde avançar com uma pesquisa própria, queria estar mais afinada com os grupos de estudos que o Barcellos (na América Latina) e o filósofo Manuel Reis (na Europa) tanto incentivam através da publicação de textos nas coletâneas e, muito especificamente, nas partes voltadas ao ´Viver História´ como ela é, sem o rebuço da ideologia institucional. Aprendi na praxe sociocultural de Barcellos, que me chegou pela professora e amiga Marta de Novaes, recentemente falecida, cuja filha Helena foi minha aluna e agora companheira de pesquisas, que “...a busca pelo Saber implica no intercâmbio de pesquisas para aferição de dados que resultam em Conhecimento para o todo, nunca para o mofo da gaveta que tem como fechadura e chave o ego da Ignorância que desconhece a Sociedade nas suas demandas educacionais”. As coletâneas Palavras Essenciais e Debates Paralelos são referências no meu aprendizado, e as três partes dos estudos e opiniões de Viver História são lições de leitura comparada, essa “...leitura comparada entre exercícios de pesquisa que permitem a aferição para uma história ser inteiramente legada à sociedade”, como escutei de Ab´Sáber. Quando o Mestre JB enviou cartinha eletrônica (e-mail) a solicitar uma apresentação para a Parte 4 de Viver História, espantei-me: “...li o teu ensaio acerca do engº-militar Sá e Faria e gostei. Quero publicá-lo no Volume 16 da coletânea Debates Paralelos. Ah, ilustre porteña, faz uma apresentação com a tua aventura historiográfica para a abertura...”, li. Li, reli e pensei: por que não? Sim, se ele, o Mestre JB gostou... “Sim, vou escrever, mas quero que seja uma celebração de Aziz Ab´Saber, um mestre de quem gostei muito”, respondi.

Tereza Nuñez Buenos Aires / Arg., 2021.


Ferro e Américas O complexo ferrífero da Família Sardinha Joana d´Almeida y Piñon (c/ participação de Johanne Liffey e Ruy Hernández)

A tecnologia que nos rodeia hoje (e já com a evolução da física quântica) deixa-nos entre a perplexidade e o quero-mais, imagine-se o que foi na América do arco-e-flecha e em pleno sertão guarani a oeste da Sam Paolo jesuítica alguém dizer “vou instalar forjas para produzir ferro”, mesmo sabendo-se que já na armada de 1530 [com Martim Afonso de Souza] vários especialistas em Montanística e em Siderurgia haviam sido desembarcados no litoral então na posse do Bacharel. E, na verdade, foi o que aconteceu lá pelos Anos 50 do Século 16: o ricaço, político e militar, explorador mineiro (ouro, prata, ferro) Affonso Sardinha, conhecido como ´o Velho´ (tinha ele um filho mameluco com o mesmo nome, conhecido por ´o Moço´, que o acompanhou nessa missão ´ferrífera´), adquiriu junto da Capitania de S. Vicente os direitos de explorar a região do ferro no coração do Cerro Ybiraçoiaba, região dada a conhecer pelo jesuíta Manoel da Nóbrega quando tentou levantar Maniçoba, uma aldeia para missionação naquelas trilhas sertanejas, e isso antes de mandar construir o Colégio na aldeia Piratininga, que se tornou a Villa Sam Paolo dos Campi de Piratinin. A amiga, poeta e médica Johanne Liffey, estudou no Iraque e em Angola “a forma ancestral legada pelos hititas para a produção de objectos de ferro” e disse-me que “...não conheci a mina e o arraial de ferro dos Sardinha, lá nos sertões das Yby Soroc (no geral, significa hoje ´sorocabanas´, ou terras rasgadas entre furnas), mas li o livro ´Do Fabuloso Araçoiaba Ao Brasil Industrial´ escrito pelo João Barcellos, e fiquei a saber que a civilização do metal iniciou-se ali com a forja catalã...”, quando conversei acerca de uma palestra que estava eu a preparar sobre “A importância do Ferro na civilização da América a partir de Sam Paolo”.

Forja Catalã [ilustrações na web s/ identificação]

Queria eu, e acabou por ser assim, mostrar à gente estadunidense como a América recebeu a Cultura do Ferro desde a experiência dos Sardinha com a Forja Catalã adquirida em Barcelona, transportada da região ibérica para o Porto das Naus (litoral na Serra do Mar) e dali a subir as serras para entrar no sertão: e só posso supor que foi utilizado o leito do Rio Anhamby para levar em canoas as pesadas peças (só o ´malho´


tinha um peso brutal) até o sopé do cerro Ybiraçoiaba, e daí..., daí no braço de escravos nativos e africanos. Em uma palestra orientada por Barcellos, no modo teleconferência [´noetica.com´, 2014], o mesmo afirmou que “...em relação às peças que compunham a Forja Catalã tenho a mesma opinião do professor Ab´Sáber, ou seja, é possível que tenham sido fabricadas algumas lá mesmo no Cerro d´Ybiraçoiaba, porque o ´velho´ Sardinha era militar com especialidade em Montanística (hoje, Geologia) e deveria ter conhecimentos sobre a forja da Catalunha que também era utilizada nas minas de ferro em Torre de Moncorvo e outros arraiais ferríferos portugueses”. Esta informação corroborou dados que me foram fornecidos pelo editor catalão Ruy Hernández no que toca à “Forja Catalã, cujos elementos podem ser facilmente fabricados havendo conhecimento técnico adequado” [´e-mail´, 2019]. “O ferro tem um ponto de fusão de 1.538ºC, e este tipo de forno/forja opera com 700ºC, então, não faz o material chegar ao estado sólido, porque é alimentada com madeira que não gera intensidade permanente; para se chegar ao ferro enquanto peça industrial, o refino é feito com um malho de estrutura física poderosa conectado a uma roda d´água. Dois riachos serpenteiam pelo Cerro Ybiraçoiaba: o Ipanema e o Ferro (anteriormente Rio das Furnas e vindo a ser chamado ´do Ferro´ porque foi esse curso d´ água que movimentou o malho da Forja Catalã), e por isso, também, é que se diz Real Fábrica de Ferro de São João do (Rio) Ipanema, na referência ao complexo construído para dar continuidade ao arraial ybiraçoiabano” [Barcellos apud J. Liffey]. Hernández esclareceu-me que “a estrutura é um forno de pedra com altura de +- 2 metros e foles de couro (insufladores) operacionalizados com trompas d´água, tudo a girar entre si e com a mão de obra escrava”. E assim foi que Affonso Sardinha (o Velho) logrou levar a Idade do Ferro a uma região inteiramente dominada por povos nativos ainda a vivenciarem a Idade da Pedra, ou seja, num ápice de tempo passaram a ter acesso à civilização dos objectos metálicos. A título de curiosidade lembro que a Idade dos Metais aconteceu entre 3.000 e 1.000 aec, e tem três eras distintas: do Cobre, do Bronze e do Ferro. As três tiveram importância fundamental na civilização, tanto para o ódio (guerras) como para o bemestar (desenvolvimento de peças e maquinários para o progresso das comunidades). Quando ao ferro, de um modo geral, abria-se uma cavidade num monte (encosta), escorava-se com pedras para ter forro e enchia-se com minério de ferro e combustível (podia ser carvão vegetal ou madeira), posto fogo em tudo isso aguardava-se a queimada findar para retirar a massa (lupa) para ser batida e logo formatada. Há quem confunda a produção de objectos de ferro com a ourivesaria e, se de certa maneira tem um procedimento análogo em certas etapas, por causa da fôrma que dará origem a um objeto de arte para contemplação, ou não, deve-se dizer que a ourivesaria não é um espaço oficinal na proporção industrial com dezenas de pessoas, e sim uma oficina de arte onde se funda, lamina, modela (martelagem) se dá acabamento (às vezes com solda), uma joia bruta (ouro, prata), cuja imagem final surge da fôrma que lhe enforma o estilo imaginado pelo ourives. O mesmo se passa com diamantes e outras pedras preciosas, laminadas até estarem com a forma indicada no desenho. A verdade é que quase todos os povos aprenderam, ou receberam de outros povos especialistas para isso, a trabalhar com o cobre e o bronze, e todos tinham maestria com objectos cerâmicos: da cerâmica à transformação de ligas metálicas em objectos foi um passo cultural. É isso que o Portugal colonial observa nos povos que domina e aos quais leva, como que num estalar de dedos, a tecnologia metalúrgica europeia e, a bordo dos navios negreiros, a tecnologia africana: aos nativos equatorianos restou uma adaptação lenta à era dos metais. “Tanto na região mesopotâmica como em Angola (a região do Povo Banto dita N´Gola), a utilização do Forno de Lupa vem dos tempos ancestrais: aquece-se o metal,


martela-se e tempera-se n´água. Neste processo o minério de ferro é reduzido directamente para se transformar numa massa (tipo esponja) de carbono e escória – a esta massa se dá o nome de ´lupa´ – que é extraída do fundo por um buraco e logo forjada (refinada); depois, vai a novo forjamento para ter a forma final. A produção é lenta e é pouca. Por isso, a invenção da Forja Catalã deu à siderurgia medieval outro alento comercial: é dez vezes mais eficaz. Uma evolução industrial que, então, sacode as nações ibéricas e logo chega à Europa...”, explicou-me Johanne Liffey que, perto de Luanda, foi levada a ver um Forno de Lupa em funcionamento, no momento sem objetivo de estudo, só curiosidade, mas ela anotou a jornada. A jornalista Cris Jordão, eterna descobridora de conteúdos tecnológicos apesar da sua juventude, esteve em Portugal e em Angola, e na passagem por Moçambique entrevistou a professora Céline Abdullah que, “Acerca do Ferro e do Mundo” [material apresentado ao Grupo de Debates Noética / ´noetica.com.br´, fev., 2021] nos diz que “...li teses académicas que apontam-nos terem sido os escravos africanos quem deu início ao processamento artesanal e industrial do ferro no Brasil e nas Américas, o que não é verdade, pois, os portugueses e os castelhanos levaram essa tecnologia do espaço ibérico para o espaço equatoriano. E é preciso conhecer a África para se falar de gente africana. E olhe, um livro muito importante é o ´Nas Entranhas Da África´ (do professor Masimo Della Justina), pela riqueza antropológica registada com óptima dose de historiografia, assim como os estudos de João Barcellos apresentados na conferência ´O Ferro, O Mundo, O Ybiraçoiaba´, assim como as pesquisas do professor Style Childs publicadas no Journal of Anthropological Archaeology acerca da siderurgia bantu [...]. É preciso ter cuidado quando se fala da África tendo apenas cartilhas escolares como ´fonte´, porque omitem na maioria das vezes a história africana: e, no caso da história do ferro, sabemos muito bem que os ibéricos levaram para as Américas tanto o Ferro como a Tipografia, a par da Escola Universitária...”.

Forno africano registado por Childs (1991) e material historiográfico de Della Justina (2020) e Barcellos (2017).

Essa esclarecedora entrevista deu-me a certeza de que “a rota histórica do ferro americano” observada por meu pai estava, como está, correcta. E creio, como já escreveu o poeta e jornalista J. C. Macedo (conhecedor das minas de ferro portuguesas e latinoamericanas), que “as academias serão obrigadas a breve prazo a reescrever as suas cartilhas historiográficas, pois, mais parecem estorinhas para político brincar de economia e deixar as gerações no escuro cultural”.


Africanos vendidos entre objecto em Nova Orleans (in Wilbeforce Museum)

Na verdade, pode-se também dizer que “a produção artesanal do ferro é uma ourivesaria, pois, depende muito do engenho d´arte de quem opera a forja e do tipo de forja”, dizia o poeta e jornalista J. C. Macedo após entrevistar ´ferreiros´ em fazendas de portugueses nas margens do Rio Ebola (1975: devido à peste ´ebola´ os jornalistas viram as suas máquinas fotográficas saqueadas por militares; sobraram imagens na memória. Quando retornou à região, 1981, Macedo não conseguiu rever a “arte d´engenho de ferro” por causa dos conflitos políticos e militares que assolavam os povos de religiões diferentes e nenhuma ideologia política, a não ser a ancestral obediência ao chefe tribal). É no bojo da escravatura africana levada ao norte da América que o ferro altera, também, a paisagem social nativa – como acontecia no Brasil, a partir do cerro Ybiraçoiaba e do esforço industrial de Affonso Sardinha –, porque a América tem um denominador comum no espaço-tempo colonial: a escravatura africana. O africano desterrado e levado para a América do norte é, primeiro, a mão de obra nas plantações de algodão e outras lavouras, depois e se especialista, acorrentado a outras. No entanto, o meu pai, jornalista durante muitos anos nos EUA e sempre interessado na ´coisa da história´, escreveu alguns artigos acerca de “[...] fornos tipo lupa abertos em Nova Inglaterra e em Ohio, ao tempo dos pioneiros irlandeses e castelhanos, mas já manuseados por africanos, no mesmo tipo de artesanato ferrífero que ainda se verifica em algumas regiões do Congo, Tanzânia e Angola”. Anotação: o Ferro (´Fe´) é um metal puro e assim é representado na tabela periódica; do Ferro chegamos ao “...Aço, que alterou sociedades e estilos bélicos no fio d´espada”, como diz o poeta J. C. Macedo. E o Aço é uma mistura de Carbono com minério de Ferro.

Portanto, a Idade do Ferro levou ao ´mundo novo´ as tecnologias artesanais da África a bordo dos chamados ´navios negreiros´; obviamente, a sociedade escravagista beneficiou-se, e muito, da mão de obra especializada na mineração ancestral, quando encontrada no ´curral´ colonial...

LEITURAS BARCELLOS, João – O Ferro, O Mundo, O Ybiraçoiaba (Dos Romanos Aos Ibéricos Com Ponto No Brasil): in Viver História, Parte 2, coletânea Debates Paralelos (Vol.12), Edicon, CEHC e Terranova Comunic, Brasil e Portugal, 2017. – Do Fabuloso Araçoiaba Ao Brasil Industrial. Edicon, CEHC, Terranova Comunic, Brasil e Portugal, 2011. CHILDS, S. T. Style – [Center for African Studies, University of Florida / USA] – Technology, and Iron Smelting Furnaces in Bantu. Speaking Africa, Journal of Antrhropological Archaeology, 1991. DELLA JUSTINA, Masimo – Nas Entranhas Da África (1988-2018). Ed Edicon, Brasil, 2020.


MACEDO, J. C – Do Rio Ebola, Do Ferro & Do Poder Tribal. Artigos jornalísticos (1975 e 1981), p/ ´Lumière et Idée´ (Canadá), revista ´Três Continente´ e ´Letras & Política´ (Portugal). AGRADECIMENTOS | Johanne Liffey, Céline Abdullah, J. C. Macedo, Cris(tina) Jordão, Centro de Estudos do Humanismo Crítico (CEHC, Portugal), Grupo de Debates Noética, Ruy Hernández (En Vivo y Art), que me incentivaram a organizar esta conferência e a fazer realizar novos estudos de campo.

Joana d´Almeida y Piñon | Física. Houston/USA, 2021


Anotações Acerca De

MANIÇOBA J. C. Macedo

A mina de ferro d´Ybiraçoiba anunciada na primeira entrada de Manoel da Nobrega entre Ibiturura e as yby soroc

Entre as pesquisas que fiz sob o título “Papéis do Brasil”, nos Anos 70, em Portugal [Lisboa, Coimbra, Évora], em Espanha [Barcelona, Sevilha] e Inglaterra [Londres e Southampton], para obter mais dados acerca de ´o Velho´ Affonso Sardinha e a expansão jesuítica, pela visão de Manoel da Nóbrega, encontrei referências a uma primeira aldeia feita ´posto avançado´ no sertão de Capitania de S. Vicente, a oeste do planalto de Piratininga.

Manoel da Nóbrega

Já nos Anos 90, no Brasil [Rio de Janeiro e São Paulo], busquei informações na literatura jesuítica dos Sécs XVI e XVII acerca de Maniçoba... Quando ao ponto geográfico, temos narrativas de ´90 milhas´ (+- 152 km), ´35 léguas´ (+- 210 Km) e “5 a 8 léguas” (o que teria caminhado Nóbrega desde Maniçoba a Piratininga), pelo que a mais sensata posição é a de 5 a 8 léguas no vale anhambyano e à sombra do Ibituruna, corredor estratégico para os povos nativos. Outra questão: a maioria das pessoas que pesquisam sobre Maniçoba têm em comum a afirmativa de que esta e Jupiuba são a mesma localidade, mas não, e até o mapa de Calixto (do qual tiram essa ´visão´) mostra Jupiuba como aldeia ao encontro de Araratiguaba e Maniçoba no ´corredor´ de Ibituruna. E sendo certo que esse ´posto avançado´ foi criado em 1553, na primeira ´entrada´ de Nóbrega a cerca de oito léguas no sertão para averiguar as condições de expansão para o sul, até aos guaranis do Paraguay, uma vez que nada na Capitania de S. Vicente interessava aos seus propósitos para a instalação de um novo império teocrático, eu


não encontrei referências geográficas exatas, embora o “Ribeirão do Collegio d´Arassaryguama no Ibituruna” possa ser a principal hipótese...; isso, talvez porque não sendo de utilidade imediata para os jesuítas, estes deixaram de mencionar dados específicos acerca de Maniçoba, ao contrário do que fizeram com outras aldeias, perfeitamente identificadas.

Estudo em traço de João Barcellos a contar com a opinião de Susumo Harada que coloca Maniçoba no certam guarani próximo às Yby Soroc.

A “Carta do Irmão Pero Correia que Escreveu a um Padre do Brasil, 1554” [in Cartas Jesuíticas 2, pp.163-164 / Cartas Avulsas, Azpilcueta Navarro e Outros; Ediç USP, 1988; publicação da Editora Itatiaia, RJ] é bem elucidativa quanto ao roteiro de Nóbrega nos certõens y mattos a oeste de Piratininga: “[...] depois de haver elle entrado cincoenta ou sessenta léguas [...] descobriria muitas cousas, as quaes (a gente guarani, ou karai-yo) não queria que eles conhecessem até agora porque não conheciam seu Creador, e agora, depois que começaram a ser christãos, há descoberto Nosso Senhor uma mina de ferro...”. Note-se que Nóbrega está entre Ibituruna e Ybiraçoiaba – ali, no meio das yby soroc e conhecendo a mina de ferro que, mais tarde, Affonso Sardinha (o Velho) arremataria em leilão oficial; ali, onde não estabelece pouso, o que faz no retorno para Piratininga apanhando o vale anhambyano via Ibituruna, a cerca de oito léguas do Jeribatyba.

MACEDO, J. C. – poeta e jornalista. Rio de Janeiro e Buenos Aires.


Aleixo Garcia Mariana d´Almeida y Piñon

Aleixo Garcia, marujo alentejano

Na Visão Do Pesquisador Susumo Harada no entorno do Peabiru e do Segredo d´Estado iniciado no socorro à Maniçoba com recortes pinçados da historiografia a respeito publicada pelo mestre João Barcellos

E afinal, que história temos que na luso-brasilidade parece desconhecida até hoje (e para o sempre...)? Até finais do Séc. 20 haviam ´pintado´ festivamente um infante Henrique como ´navegador´, até que o professor Alfredo Pinheiro Marques, da Universidade de Coimbra, foi fundo em pesquisas historiográficas e percebeu que, afinal, quem conduziu a odisseia marítima do quatrocentos foi o irmão dele, o duque e regente Pedro, depois dito o ´infante das 7 partidas´: odisseia continuada pelo seu neto e rei João II. Jornadas de conhecimento e trocas comerciais de costa a costa que, no quinhentos, o rei Manuel I trocou por puro banditismo colonial sob a benção da cristandade católica. Recentemente e retomando leituras de Assis Brasil, também eu mergulhei na odisseia de capitão Sancho Brandão, da marinha mercado ao tempo do rei Afonso IV, capitão esse que, em 1342, desembarcou na foz do Ryo Siará após uma prolongada tempestade que arremessou da costa africana: no retorno a Lisboa, desembarcou com nativos e muitas toras de ´páo vermelho´, vulgo, pau-brasil (e este ´pau-brasil´, extraído no oriente a preço de ouro)... Isso explica porque em 1500 o condestável Álvares Cabral (ele era cavaleiro e não marinheiro) seguiu as instruções do almirante Vasco da Gama e deixou em terra o simbólico ´padrão´ da conquista portuguesa além-mar, e logo continuou a viagem para a Índia... Não foi uma ´descoberta´ e sim o reconhecimento de


terra há muito tempo registrada por Afonso IV junto do papa Clemente VI, e nessa carta já registrando ´Terra do Brasil, ou Brandam´. O que espanta é que heróis da luso-brasilidade continuem desconhecidos, principalmente das cartilhas escolares de histórias. Um deles foi/é Aleixo Garcia. Aleixo Garcia, ao tempo do Bacharel que construiu Gohayó e o Porto das Naus, adentro o espaço platino e alcançou o eldorado, i.e., o império inca chefiado por Huayna Capac. Não sobreviveu à façanha pela qual percorreu cerca de 3.000 km a pé e em canoas rasgadas de trocos a cada novo rio que atravessava a malha do ´piabiyu´, a trilha sagrada dos guaranis, na verdade, etnia guardiã do império inca no já chamado ´brasil´. Mas, sabe-se, enviou peças de ouro e prata para a região de Meiembipe (´ilha do desterro´) e, por muitos anos, outros tentaram ´copiar´ essa odisseia piabiyuana sem êxito. Os atos de Aleixo Garcia deram-se a sul da Linha de Tordesilhas e tiveram o apoio tácito, em vários momentos, do Bacharel de Gohayó (ou da Cananeia), porque sem tal apoio poucos chegavam aos guaranis (ou ´kara-yós´) da Acutia, aldeia e ponto de encontro em Meiembipe. Mais tarde, Cabeza de Vaca refez o percurso e chegou ao ´eldorado´. Logo, o alemão Ulrich Schmidel fez o percurso de Asunción a Piratininga passando antes por Buenos Ayres e mostrou, definitivamente, que o Piabiyu (ou Peabiru) era a linha de ligação continental de que guaranis e tupis tanto falavam, sendo certo que ele fez a rota mais tarde também buscada pelos bandeirantes, e que, da região das ´yby soroc´ às ´itapevis´ passando por ´jandira´, conheceu a Serra d´Itaqui e os cais de ´carapocuhyba´ e de ´quitaúna´, o percurso que liga o ´anhamby´ e o ´jeribatyba´ ao topo da Serra do Mar por ´m´boy´(= Embu) e por ´tapiipisapé´ (= Itapecerica). A leitura que Susumo Harada faz da odisseia de Aleixo Garcia permite traçar com clareza as várias ´maniçobas´ que os jesuítas encontraram e tentaram, inclusive, domesticar; e, uma delas, uma ´maniçoba´ [segundo as Cartas Jesuíticas e outros relatos quinhentistas] a poucas léguas de Piratininga, onde o governador Martim Afonso de Souza já havia mandado erguer ´casa´ antes dos próprios jesuítas, para evitar uma invasão, não de nativos, mas de castelhanos... Era a ´maniçoba´ perto do Sítio dos Arassariz no Morro d´Ibituruna, onde ainda hoje temos a leitura memorial no Ribeirão do Colégio, pois, colégio não existiu, e sim uma primeira tentativa de Manoel da Nóbrega em adentrar o Piabiyu dos guaranis e com eles organizar um império teocrático jesuítico, algo que ia além da compreensão portuguesa e da cristandade, mas que aguçava a penetração castelhana. É este Segredo d´Estado que as pesquisas de Susumo Harada nos permitem visualizar agora. E com rara nitidez. É que a derrota do Bacharel judeu-castelhano na Guerra d´Iguape significou o primeiro passo para barrar os castelhanos no ponto sul da linha tordesilhana e, o segundo, reuniu até a família ´nativa´ de João Ramalho para fazer o mesmo adentrando certõens y mattos a oeste da Piratininga (na aldeia mandada erguer pelo governador, antes do colégio jesuítico) e, então, socorrendo até Manoel da Nóbrega e os seus padres na Maniçoba a ´8 legoas´ do planalto na linha QuitaúnaItapevi-Ibituruna, parte da velha Estrada d´Itu. O que estava em curso era uma arremetida certõens y mattos adentro, e quase suicida, dos castelhanos derrotados em Iguape, sendo que os jesuítas ´castelhanos´ estavam em ´diálogo´ teocrático direto com Manoel da Nóbrega. O que era isso? Montar a sul do ponto tordesilhano um império que era do interesse de Nóbrega (mas, não da Societas Jesu / SJ no seu todo) e que os castelhanos queriam aproveitar para dominar todo o sul guarani. Assim, quando o governador Martim de Souza mandou cortar os acessos ao Piabiyu isso foi uma tentativa de frear aquele ´diálogo´ e ganhar tempo para uma investida luso-católica de ´peso´ miliciano, o que, na verdade, só irá acontecer a partir da investida bandeirística de Antônio Raposo Tavares um século depois. Este pouco comentado Segredo d´Estado – e lembro de uma conversa com Hernani Donato e Aziz Ab´Sáber, quando abordamos o assunto por alto, em Cotia, em 1993, Donato dizia existir “uma história dentro da história que a academia ainda não pesquisou” – é, verdade seja dita, e o digo para aplaudir os esforços historiográficos de


Susumo Harada, um ´segredo´ que está sob o olhar de quem pesquisa, por um lado, o entorno da Guerra d´Iguape e as manobras ´castelhanas´ do Bacharel de Gohayó / Porto das Naus, e, por outro lado, a importância da odisseia de Aleixo Garcia no desbravamento do Piabiyu inca-guarani para o estabelecimento do Brasil-continental ´desenhado´ finalmente na derradeira bandeira de Raposo Tavares – bandeira essa, também um segredo reinol projetado entre ele o rei, em Lisboa, logo após a recuperação do trono português.

. MAyP Profª de Artes Visuais. Paris/Fr., 2018.

NOTAS GARCIA, Aleixo _ Não é conhecida a data de nascimento do marujo alentejano, o que não é novidade historiográfica pelo pouco que faz a Academia lusa pela História portuguesa. Sabe-se, entretanto, que conviveu com o judeu castelhano dito ´Bacharel de Cananeia´ ao tempo em que este edificava a aldeia Gohayó com os nativos guaranis após saírem de Ilha Comprida na direção norte, para um lugar de melhor acomodação rural e piscatória, e onde levantaram o Porto das Naus. Mais tarde, Gohayó foi tomada por Tomé de Souza que a transformou em Villa São Vicente e sede da Capitania após derrotar os castelhanos apoiados pelo Bacharel e dar fim ao ´ponto sul tordesilhano´. Cerca de 1524, Aleixo Garcia sobreviveu à investida de nativos que devoraram o castelhano Sólis e parte dos seus homens; e foi entre os guaranis que ele soube da ´cidade do ouro´ e com eles saiu de Meiembipe a caminho do Piabiyu (a malha de trilhas inca-guarani que levava ao Peru deste o Planalto de Piratininga passando por Meiembipe), sendo o primeiro europeu a ter contato com o Império inca. Após saques praticados em território inca, Garcia desceu para o litoral, mas foi atacado por nativos que não lhe perdoaram a afronta. O ataque fez o grupo naufragar no ´rio grande´ que passou a ser chamado de Rio do Prata pois, dizem, muita da prata saqueada veio na ser encontrada no leito, e do ´argentum´ (prata) nasceu a Argentina.

HARADA, Susumo – Artista plástico e pesquisador de história, é autor de “Peabiru” e de “1553, Ulrico Schmidil / Dossiê” entre outros livros e estudos


Iguape: Guerra & Ouro Do Ouro Da Lâmina D´Oceano Ao Ouro, Ferro & Prata de Serr´Acima Ou, de como a Guerra d´Iguape faz surgir um Brasil em economia liberal..., apesar da Lisboa da ´vida boa´.

João Barcellos

No início do Séc. 16, o que leva um judeu apostasiado, ou cristão-novo, a incentivar uma tribo guarani da Maratayama [q.s. ´lagamar´] a largar a tradição e buscar uma região de melhor cultivo para sustento adequado (ou, no velho hebraico: ´gohayó´]...? Sabe-se que entre 1493 e 1499, tanto o português Duarte Pacheco Pereira (cosmógrafo do rei João II) como o castelhano Pinzon fazem prospecções numa tal de “Ilha do Brasil, ou Brandam”, registrada na Biblioteca Secreta do Vaticano em 1343 pelo rei Afonso IV, enquanto se discute o Tratado de Tordesilhas (1494) e, na mesma época, o rei João II autoriza portugueses a se deslocarem para a “ilha”, e um deles é João Ramalho, que escolhe a ponta sul. O castelhano Pinzon, que também participa da odisseia frustrada de Colombo (ele queria ir à Índia, mas foi aportar na depois chamada América, e por isso denominou os povos de “índios”), vai aportar primeiro ao largo da foz do Ryo Siará, o que indica ter tido conhecimento do “acaso de Sancho Brandam, da Marinha Mercante do rei Afonso IV...” [v. Barcellos]. Ouvidor na feitoria de São Tomé, no golfo guineense, Cosme Fernandes é um bacharel formado na Universidade de Salamanca, e quando decide ser ele-mesmo o


ponto sul da Linha de Tordesilhas o faz com a consciência de um castelhano que vai à luta por Isabel (a Católica) e não por João II, cuspindo no prato e na liberdade que dele recebera; mas, já está sob o mando de Manuel I e aproveita uma das embarcações que passa pelo golfo para embarcar ao final do Séc. 15 com outros marujos, entre os quais Aleixo Garcia. Não está só nem desembarca solitário frente à Maratayama. “Aqui serei senhor de mim”, deve ter pensado no deslumbramento da visão oceânica sobre o mar de morros. O certo é que pensa e assim o faz: em pouco tempo conquista as graças de caciques guaranis, de quem recebe filhas para ´cruzar´ sangues, e deles sabe do Piabiyu, a rota inca-guarani, das pedras que brilham nos riachos e de terras boas mais a norte, em outra enseada, na ponta da Paranapiacaba a tocar o Cubatão. E ali monta com os guaranis a Aldeia Gohayó e o Porto das Naus. E também recebe outra notícia: outro branco circula entre Cubatão e Piratininga. Percebe que o Porto das Naus é o ponto de intermediação com as embarcações castelhanas que circulam entre a Guanabara, a norte, e a Meiembipe, a sul.

´Gohayó´ _ tela de Gaspar Mariano

E que entre as aldeias Coacaya, na Paranapiacaba e na Jaguamimbaba, e outra além muito e a norte e perto do Ryo Siará, há um mundo imenso a percorrer nas encruzilhadas do Piabiyu.

[Cosme Fernandes, o Bacharel, em traço de João Barcellos]


Durante três décadas, o Bacharel torna-se o ´rei da ponta sul da Linha tordesilhana´, enquanto Ramalho é um lusitano integrado aos costumes tupi-guaranis serr´acima. Mas faz intermediação entre nativos e portugueses que desembarcam pelo Porto das Naus ou na ponta d´Itapema. Não se sabe os quês da designação ´cubatão´, que para os portugueses é ´vila fortificada´, mas o certo é que o governador Martim Afonso de Sousa faz doação de terras sesmeiras a um tal de Rui Pinto “na barra do Cubatão” [Carta de Terras, 1533]. Talvez porque a aldeia nativa ali tem a defesa natural da serra, ou ali já existam fogos d´assentamento português serr´acima.

Também, 30 anos depois do desembarque de João Ramalho e do Bacharel em locais diferentes do ponto sul da Linha tordesilhana, existem dois focos mamelucos: um serr´acima (filharada de Ramalho), outro na lâmina d´oceano (filharada do Bacharel e outros marujos). Cresce, então, a Raça Mameluca. Eis que não se pode estranhar que alguém solicite terras no Cubatão, pois, possivelmente casais mamelucos iniciam suas vidas também na região da barra. As habituais guerrilhas entre tribos nativas ainda atordoam os portugueses e a gente mameluca da Gohayó / Porto das Naus quando ao longe surge a armada de Martim Afonso de Sousa, fidalgo e, diz-se, amigo do rei. Corre o ano 1530. Entre os anos 1520 e 1530, o Bacharel estabelece uma rede mercantil, pelo Piabiyu serr´acima e pelos portos até Meiembipe, que o faz senhor da costa sul. Ele tem acesso às pedras que brilham entre o cascalho nos riachos acima da Maratayama e tem notícias de cavas que podem virar lavras d´ouro em vários locais percorrendo o vale imenso, mas a região é também ´habitat´ de onça pintada e só se chega aos locais com guia nativo. O fabuloso vale acima do lagamar dá embalo a feitos oníricos e, logo, animais monstruosos (com os quais também embarca o jesuíta Anchieta), mas o certo é que o ouro começa a ´enricar e deixar gente pançuda´.


Quem desembarca já sabe da notícia... Mas, também existem resistências às ações do Bacharel... Dois ´compadres´, insatisfeitos com o pouco-caso do chefe diante das famílias portuguesas e o bom trato dada às castelhanas, resolvem embarcar para Lisboa para tratar do caso no Paço Real: Henrique Montes e Pero Capico falam da serventia do Bacharel para com os castelhanos a sul da Maratayama, na verdade, pela Linha tordesilhana, área castelhana..., e é quando o rei João III ordena a formação da armada sob comando de Martim Afonso de Sousa para colonização definitiva da “Ilha do Brasil, ou Brandam” e sua divisão fundiária em capitanias hereditárias. O fidalgo Sousa toma Gohayó e o Porto das Naus e cria a Villa S. Vicente, em 1532, e já faz eleger a Vereança no modo republicano de eleição entre os ´homens bons´ da região, portugueses natos. E o Bacharel perde o seu principal ponto de apoio logístico enquanto vê ´o ouro do Ribeira enriquecer os portugueses e seus aliados´. Se algo ele sabe, e o sabe, é que não pode derrubar com arcos e flechas uma armada com canhões de boca larga. Por isso, atem-se ao significado igcoápé (que ele conhece como Iguape): caminhar por água no fundo... Já conhecedor de um trato castelhano para derrubar Portugal na ponta sul da Linha tordesilhana, o governador mostra-se um político astuto: sobre a serra e dialoga com as tribos nativas aliadas a Ramalho, ao perceber a Aldeia Piratininga como foco estratégico no planalto ordena que seja reforçada e manda dar atenção aos cais nativos da Carapochuyba e da Cutauna, acessos aos rios Anhamby e Jeribatuyba. A ordem parece ser “castelhanos não podem descer a serra”. E prepara o ataque ao Bacharel e aos amigos chefiados por outros guaranis e pelo castelhano Ruy Garcia Moschera, todos no silêncio estratégico de quem sabe caminhar n´água... Entre os anos 1534 e 36, e mesmo a vencerem corsários ingleses (na verdade, inimigos dos castelhanos e aliados dos portugueses), e além do apoio tático do cacique Piquerobi, os castelhanos são derrotados e retiram-se para a sulista Meiembipe e, logo, para Buenos Ayres. Em uma das incursões à Villa vicentina os castelhanos incendiaram habitações e roubaram o Livro do Tombo. Dois anos de lutas causam prejuízos enormes, sociais e econômicos, mas a Villa, e também sede da Capitania vicentina, tem gente brava para recomeçar. Entretanto, surge o alemão Heliodoro Eobanos, filho de conhecido intelectual de Essen, que desembarca na nova Villa S. Vicente. Em suas primeiras atividades, entre o ofício de feitor d´yngenho d´açúcar (dos irmãos Adorno) e o assentamento ruralpiscatório na lâmina oceânica, vai também na demanda do ouro e da prata de que tanto se fala e que rolam no leito do Rio Ribeira, a montante de Maratayama. Em meio à correria vale adentro, ele tem tratativas políticas e místicas na região e quase cria raízes, apesar de ser muito jovem. Por cerca de meio século é um dos colonos mais conhecidos da região e sobrevive aos efeitos socioeconômicos da recente Guerra d´Iguape..., tanto que, a partir da ponta d´Itapema vai à Guanabara, com o filho, prestar apoio a Estácio de Sá na expulsão dos franceses. E ´febre aurífera´ também o atinge... Heliodoro Eobanos começa a surgir com ouro nas mãos e uma capacidade de negociação invejáveis. Mas, rico com o ouro da Maratayama, decide subir a serra e desloca-se para sul e vem a ser um dos criadores da Villa de Curitiba (em 2 de julho de 1638). O alemão d´Essen é mais um que o Bacharel vê ´enricado´ nas suas minas e que se vai a alimentar outro mundo serr´acima, um mundo que não é a sua Espanha, mas ainda aquele ´...outro Portugal´. Protegido por parte da população espalhada entre Iguape e Cubatão, o já cansado Cosme Fernandes não sai da região. E vem a morrer por aqui, já idoso, onde batalhou por uma parte da Castela tordesilhana embutida na América Espanhola.


Ouro, Ah, o Ouro! Após a Guerra d´Iguape é lançada mais uma corrida aurífera, desordenada apesar da fiscalização reinol, mas, esta, também a braços com a corrupção que dilacera o Reino entre a velha Lisboa (´da vida boa´) e todas as posses d´além-mar.

O infinito eldorado ´do Ribeira´ tem rios e riachos que banham localidades como Xiririca, Iporanga e Apiaí, e aí faiscadores e mineiros adentram águas e lavras: sim, enriquecem alguns de um dia para o outro, a maioria nem tanto – ora, nem todos são ´abençoados´ como aquele alemão protestante –, mas o certo é que o Vale do Ribeira é um sonho atirado à alma de quem desembarca na nova Villa vicentina.

Uma Economia Liberal No Piabiyu Apesar Dos Quintos Reinóis

O trânsito mercantil no Piabiyu, de cais em cais, ou pelos ´certõens y mattos´ de serr´acima, ganha abundância com o ouro e a prata ´do Ribeira´ e mais ainda no momento em que, além Rio da Prata, o castelhano Pedro de Mendoza faz assentamento fortificado e designa o local como Real de Nuestra Señora Santa María del Buen Aire. Em pouco tempo, as trocas comerciais, agrícolas e artesanais, entre Asunción, Buenos Ayres e Sam Paolo, desenham o triângulo que possibilita uma economia liberal cujo desempenho privado pelos colonos fere a norma reinol das taxas devidas à soberania portuguesa. Em um primeiro momento litorâneo tudo acontece sob o olhar do Bacharel, mas no pós Guerra d´Iguape, a atividade do alemão protestante vira quase uma cartilha a que os ´enricados pelo ouro´ seguem sem dar ´cavaco´ aos ´sanguessugas´ do rei, na maioria judeus-contadores contratados e há séculos a serviço dos reinos europeus; o terceiro momento surge com Affonso Sardinha, colono com patente militar [alferes, segundo Taques], abastado, e que em Santos dá vida ao cais


modernizando-o com um trapiche (armazém d´estoque) para carga e descarga, no que retoma com maior eficiência o que havia sido feito no rudimentar Porto das Naus.

[Affonso Sardinha em traço de J. C. Macedo ao ler um calhamaço ´Papeis do Brasil´; Portugal, 1975]

Logo, o Piabiyu, a trilha inca-guarani, que liga pelos sertões a Serra do Mar aos Andes entre o planalto piratiningo e o Peru, leva Aleixo Garcia aos confins incas numa pilhagem que, mais tarde, os castelhanos vão dar sequência maior. Pela rota inca-guarani passam também Alvar Nuñes Cabeza de Vaca (1541) e Ulrich Schmidel (1553), pelo que a visibilidade das trocas comerciais pela rede logística guarani mostra o liberalismo econômico que ali congrega gentes nativas e ibéricas, mas também judaicas e germânicas, que geram grandes fortunas e prejuízos à fazenda reinol. E é tal a ´bagunça´ nas contas reinóis que mesmo quando a Capitania vicentina decide fechar o Piabiyu à circulação mercantil, tudo continua a ´rolar´ como pepitas em leito d´água, uma amostragem de que a colonização o é por definição político-militar, sim, mas mais por conta do esforço das pessoas na construção de um ´outro Portugal´, que não o d´elrey... Já o comerciante, minerador e político Affonso Sardinha havia subido a serra e casado na Sam Paolo piratininga e iniciara um novo ciclo de economia privada naquele triângulo piabiyuano. E tem o apoio jesuítico, ordem mística e miliciana à qual vai doando bens ainda em vida. E por isso tem autorização governamental para abrir trapiche nas margens do rio Jeribatyba (aportuguesado para ´pinheiros´), onde dá ´fábrica´ à sua primeira casa no Ybitátá, fazenda-sesmeira que se estende ao cais da Aldeia Carapochuyba e outras terras a sul por esbulho característico na ocupação feita pelos ´homens bons´ sob o negro manto jesuítico. A faiscagem nos ursos d´água que alimentam o Ribeira, na Maratayama, inicia-se com Francisco Chaves [ca. 1531, e já casado com uma filha do Bacharel], pelo que é errado apontar a exploração aurífera na região para depois da Guerra d´Iguape, ora, a riqueza do Bacharel – que logo impressiona o Martim Afonso de Sousa na chegada ao Porto das Naus – não está somente nas centenas de nativos que comanda e da gente mameluca ali gerada, está também na descoberta do ouro e ele – o Bacharel – é em si a ´casa da fundição´ que move o litoral sul.


A exploração aurífera e argentum tem como lastro o conhecimento das ´pedras que brilham nos rios´ dado aos portugueses pelos povos nativos, guaranis e tupis, um saber tribal que vai de Itapema (da Meiembipe) a Itapema (a norte da Gohayó /Porto das Naus) e sobe a Paranapiacaba até à Coacaya no sertão d´Itapecerica, e pela Cubatão até Piratininga e à Coacaya (dos Guaru e Maromomi) que tem rota entres as Ibiturunas a sul e oeste e, a nordeste, com a Coacaya além ryo Siará) e que, anos depois, alcança a montante a região do Paranapanema... Por isso é que, e o digo, a Capitania vicentina tem ainda uma história socioeconômica a ser contada no que ao fortalecimento do Brasil diz respeito e que das cartilhas acadêmicas não consta pela errônea valorização da casa-grande e senzala a norte e nordeste – e não que isso não seja importante, pois, existe um todo colonial, mas a parte vicentina-piratininga da colônia dá ao Brasil um eixo empreendedor único e a sinalizar a Nação emergente tanto pelo ouro da Maratayama como pelo ferro d´Ybiraçoiaba.

E então, desconhecer este pormenor geodemográfico e econômico, no sertão e no litoral, é desconhecer o Piabiyu na sua essência inca-guarani a acolher outros povos vizinhos (ditos de ´goyanazes´). Percebe-se que o Pibaiyu é uma malha logística


continental a demarcar o que foi o poderoso Império Inca que, agora, permite o assentamento de um ´outro Portugal´. Óbvio, a exploração aurífera, argentum e ferrífera, faz da Capitania vicentina o grande polo econômico da colônia, que tem na Bahia e em Pernambuco os polos agrícolas de maior densidade. Quando o irrequieto investidor Affonso Sardinha adquire direitos sobre as minas do Jaraguá, do Ibituruna (lugar d´Arassarys) e ainda em Ybiraçoiaba, a Capitania lança, em 1580, a ´fábrica´ da primeira Casa de Fundição, para o trato da fundição de ouro e prata dessas minas e outras –, sendo que as ´outras´ são as minas d´Iguape e Vale do Ribeira. E os tributos do ouro e prata ´oficiais´ fazem sorrir el-rey na Lisboa da ´vida boa´... De tal sorte que ainda assim ao contrabando piabiyuano continua forte e a ferir gravemente os cofres reinóis. Já o alemão protestante está a caminho da das regiões abaixo do planalto piratiningo quando a Capitania vicentina decide dar ´fábrica´ a outra Casa de Fundição, agora em Iguape.

[barras de ouro e a Casa de Fundição d´Iguape]

O ´anno 1630´ é quando se fecha, ou tenta fechar, o cerco necessário e urgente ao contrabando, uma vez que o ´fecho do Piabiyu´ um século antes resultou em nada. Já no Séc. 17 e 18, sabe-se que a mineração aurífera no Vale do Ribeira tem continuidade, embora as quantidades sejam bem menores, e podemos ler o cronista Pedro Taques a propósito: “Passou o Provedor da Fazenda, e Administrador Geral das Minas Pedro de Souza Pereira à Villa de Paranagôa e de Igôape, afazer exame destas Minas, e por conta do estado dellas ordenou por mandado seo, datado em Igôape, a 30 de abril de 1653, aos officiaes da Camara de S. Paulo fizessem descer a Villa da Conceição para onde vinha caminhando, e dispondo o que sobre o particular das Minas convinha ao serviço de S. Magestade as 3 Aldeas doseo Real Padroado, a saber: a de S. Miguel, a de Marueri; e a dos Pinheiros, com todos os Indios, e suas famílias” [v. Taques]. A montante do Vale do Ribeira abre-se novo fluxo aurífero no Séc. 18: descobrem-se veios que revelam grande quantidade de ouro no Vale do Paranapanema [v. Barcellos].


[mapa de d´Anvile, 1787]

Esta circunstância economicamente espetacular renova a força vicentina-piratininga como eixo do Brasil e mostra que tanto Brás Cubas como o Bacharel e Affonso Sardinha tinham razão na demanda pelas riquezas a oeste do planalto piratiningo e que, a certo momento, o jesuíta Manoel da Nóbrega havia sugerido também no retorno da [sua] malograda Aldeia Maniçoba. No início do Séc. 19, percebe-se que a gente poderosa ´do Ribeira´ vai às praças cariocas em demanda de escravos para a lavoura e a mineração [v. Maços da População de Xiririca, 1806], e se já contam com escravos ´brasileiros´ - ora, o primeiro navio negreiro a aportar em Santos é o ´capitam´ Gregório, sobrinho do ´velho´ Affonso Sardinha, ao final do Séc. 16... –, adquirem mais africanos da N´Gola, e do Congo, que também seguem para Cuba e Buenos Ayres. A corrida desordenada ao ouro provoca um esgotamento dos recursos em pouco tempo, embora se saiba que existam mais minérios na região, como prata, cobre, ferro e etc., e assim, o Vale do Ribeira adentra o Séc. 20 com minas d´ouro no modo arqueológico e turístico. A iniciar o Séc. 21, no ano 2012, o Vale do Ribeira tem nova corrida aurífera, com 113 pedidos de exploração e concessão de lavras entrados no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). A riqueza mineral do ´do Ribeira´ vai ser explorada, agora, no modo industrial e ambiental.

Notas & Bibliografia CACIQUES TUPI E GUARANI – Iguape vem de igcoápé que significa caminhar por água no fundo. Goyanaz não é tribo, significa gente do lado, gente vizinha. Do encontro realizado no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo / IHGSP, 2016. Esta informação dos caciques tem importância para os estudos que se desenvolvem no entorno da Casa da Memória da Fazenda Nacional de Ipanema, onde estão os restos do Sítio Affonso Sardinha e da Real Fábrica de Ferro. “Saber que ´goyanaz´ não é tribo, mas sinalização de povos vizinhos, dá mais ênfase às


pesquisas ´guaranis´ e ´tupis´ de João Barcellos que, no caso de Ipanema e de Iguape contou com informações preciosas do professor Aziz Ab´Sáber, nas conversas tidas na redação do jornal ´Treze Listras´, em Cotia” [notas da jornalista Cris Jordão para G. D. Noética, 2019, recolhidas no material do ´TL´ de 1991]. COACAYAS, IBITURUNAS, IPANEMAS & ITAPENAS – O percurso do Piabiyu inca-guarani pode ser observado do sul a e norte do Brasil. “Traçando-se linhas entre Itapema e Ibituruna (no sertão e no litoral da Meiembipe até à entrada do Sertão de Cataguaz), Acutia (Meiembipe) e Acutia (sertão carapochuybano), Coacaya (na Paranapiacaba) a Coacaya (na Jaguamimbaba) e Coacaya (além ryo Siará), entre outros exemplos, eis-nos a traçar a malha logística do Piabiyu que logrou dar assentamento colonial ao portugueses, além de pedras preciosas...” [Barcellos: in “Da Economia Liberal No Piabiyu”, palestras, de 1907 a 1916]. ACERCA DE EOBANUS (o ´alemão´) – Filho de Eoban Koch, historiador e poeta latinista, muito próximo à corrente cristã-protestante. Mas ele é católico e vê-se forçado a fugir das perseguições luteranas; refugiase em Genova, de onde sai para Portugal quando decide viajar para o Brasil e uma embarcação dos irmãos Adorno. Na região de Bertioga, e já feitor do Engenho d´Açúcar de São João (dos irmãos Adorno), ele conhece Hans Staden, também oriundo de Essen. Sabe-se da existência do ´segundo´ Eleonoro Eóbanos, o filho, e ambos ajudaram Estácio de Sá levando soldados e suprimentos na guerra contra os franceses, em janeiro de 1565. Logo, o filho tornou-se juiz ordinário na Vereança carioca. E existe um Ébanos português: embora as crônicas não sejam precisas, Eleodoro Ébanos Pereira nasceu em 1588, na vila-cais Viana do Castelo, neto do primeiro Eobanus...

A SAGA DE ALEIXO GARCIA: O DESCOBRIDOR DO IMPÉRIO INCA – Rosana Bond. Fundação Franklin Cascaes. Florianópolis/Brasil, 1998. APONTAMENTOS HISTÓRICOS DA PROVINCIA DE SÃO PAULO... – Manuel Eufrásio de Azevedo Marques. Ediç IHGB, 1879. DIÁRIO DE UMA VIAGEM MINERALÓGICA PELA PROVINCIA DE S. PAULO NO ANNO 1905 – Martin Francisco Ribeiro de Andrada. Revista do IGHSP, Vol. 9, 1847. DO FABULOSO ARAÇOIABA AO BRASIL INDUSTRIAL – João Barcellos. Ediç Edicon, Centro de Estudos do Humanismo Crítico, Terranova Comunic; Portugal e Brasil, 2011. ECONOMIA LIBERAL NO PIABIYU COM COSME FERNANDES [O BACHAREL] E AFFONSO SARDINHA [O VELHO], NOS SÉCS 16 E 17 – João Barcellos. Palestras proferidas entre 2009 e 2018. INFORMAÇÃO SOBRE AS MINAS DE SÃO PAULO – Pedro Taques de Almeida Paes Leme [1714-1777]. Livraria Martins Editora, Brasil, 1976. MORFOLOGIA E SEDEMENTOLOGIA AO LONGO DO SISTEMA PRAIA-DUNA FRONTAL DE ILHA COMPRIDA – Nascimento Júnior. Instituto de Geociências – USP, 2006. NA CAPITANIA DE SÃO VICENTE – Washington Luís. São Paulo, Brasil, 1954. PARANAPANEMA: CERTÕENS, MATTOS Y MYNAS – João Barcellos (estudos), de 1998 a 2014. PIABIYU, TROPEIROS & ESTRADAS REAIS – Marta Novaes e João Barcellos: in coletânea DEBATES PARALELOS (Vol.8), ´Viver História´, Vol.1; Ediç Ediç Edicon, Centro de Estudos do Humanismo Crítico, Terranova Comunic; Portugal e Brasil, 2012. POVOADORES DE PIRATININGA – Américo de Moura. Revista do IHGSP, Brasil, 1947. PLUTO BRASILIENSES / 2 Vols – Wilhelm Ludwig von Eschwege [1777-1855]. Ediç Itatiaia, Brasil, 1979. SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA DE IGUAPE – MINERAÇÃO DE OURO – Ernesto G. Young. Revista do IHGSP, Vol. 6, 1902. VIAGEM PELO BRASIL – Von Spix e Von Martius. Imprensa Nacional (Vol. 4); Brasil, 1938.


Inconfidente, Geólogo, Têxtil & Vendedor De Panos... A Outra Face Do Engenheiro Maciel No Após Inconfidência Mineira João Barcellos

O jovem da Villa Rica deambula por aqui e por ali entre nações europeias enquanto cursa Filosofia Natural na segunda Universidade de Coimbra (a primeira é de 1443, fundada pelo ´Infante das 7 Partidas´ e duque de Coimbra, derrubada pela elite eclesiástica católica), e vai dos confins têxteis da Serra da Estrela às minas de ferro de Moncorvo para ter conhecimentos da antiga Montanística, ciência mineralógica/geológica, e logo embarca para Birminghan, uma das regiões britânicas com unidades dos dois ramos (e conhecida como “the world´s workshop” / ´a oficina do mundo´) para ampliar os seus conhecimentos.

Maciel e o diploma de Coimbra

O ferro é, neste Portugal do Século 18, uma riqueza natural e com ancestralidade tecnológica anterior à presença colonial romana. É, pois, muito importante para muitas gerações de colonos portugueses no Brasil mineralógico, ter gente própria a estudar em Coimbra para dar continuidade técnica aos empreendimentos hereditários. Por isso, o Brasil torna-se um celeiro de bacharéis, nem sempre dispostos ao trabalho, já que o título acadêmico lhes basta para ´dizimar´ as fortunas na vida boa entre as elites escravagistas. 1 Ciente da importância do saber feito de experiência a juntar ao teórico, o jovem da Villa Rica arrecada o que pode de conhecimentos tecnológicos, tanto em Portugal como na Inglaterra, mas quando retorna à vila desentranhada (como outras vizinhas) na Serra do Espinhaço não é o mais o jovem em busca da aventura científica longe dos trópicos, é o homem com bagagem tecnológica em siderurgia e têxteis e..., o homem que bebeu na taça do idealismo dos masons e já vê a indústria em progresso como uma maneira de acabar com a escravatura e dar liberdade ao Brasil administrado pelo Reino português. 2


Filho de Maximiano de Oliveira Leite, guarda-mor das Minas do Carmo, Cavaleiro da Ordem (templária) de Cristo [e, mais importante na sua vida de reinol: neto de Fernão Dias Paes, o bandeirante paulista ´das esmeraldas´], o agora especialista em siderurgia e têxteis não é um burguês qualquer da Villa Rica, ele percebe-se tão importante como pai Maximiano e faz jus ao investimento acadêmico que dele recebeu para ser o que é. Nas rodas d´amizade nas elites que desentranham a Serra do Espinhaço ele divulga o que viu e leu e escutou na Coimbra de além atos curriculares e na Inglaterra acerca da República; no meio da produção do ferro e do algodão, produtos que geram grande riqueza no espaço mercantil do Mundo Novo, na interligação com a Europa, ele discute a importância de levar a colônia Brasil a outro patamar e a contar também com as riquezas auríferas e diamantinas: o Brasil como nação. 3 E percebe que não está só no sonho de “transformar o ´outro Portugal´ em um Brasil com identidade nacional, livre para estar entre as nações do mundo” [Barcellos, 1998]. Que, afinal, “o Brasil já respira como Nação e se exibe diante da petulância reinol portuguesa, que dificulta e divide para continuar a reinar nas posses ultramarinas” [Macedo & Abdullah, 2018]. José Álvares Maciel, o filho de Maximiano e bisneto de Fernão Dias Paes, conhece então outras personalidades e vai à casa de Tomás Antônio Gonzaga e de Cláudio Manoel da Costa, que é um tabernáculo republicano a discutir como e quando o Brasil deixará de ser colônia. É quando conhece a bandeira do movimento: um triângulo com a inscrição "Libertas Quæ Sera Tamen", pinçada de um poema do latino Virgílio: “Liberdade Ainda Que Tardia”.

Sente-se em ´casa´, mas sabe que o movimento inconfidente é um ato de lesamajestade que se pune com a morte... 4 Com ele estão padres, magistrados, militares, comerciantes, reinóis, intelectuais, advogados e mineradores – a saber: Domingos Abreu Vieira, José de Resende Costa e o filho, Luiz Vaz de Toledo Pisa, Joaquim Silvério dos Reis Montenegro Leiria Grutes, Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manoel da Costa, João Rodrigues de Macedo, José da Silva, Joaquim José da Silva Xavier (conhecido como alferes-tiradentes e o mais espalhafatoso do grupo, segundo as crônicas da época), Oliveira Rolim, Inácio José de Alvarenga, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, Carlos Correia de Toledo e Melo, entre outros. Ele entende a proposta e percebe que o movimento se articula politicamente, mas precisa de um aparato militar que, no momento certo, barre a resistência do poder colonial. Sem essa ´frente´ o sonho pode não acontecer, pois, não basta sonhar, é preciso organizar para realizar. Assim aconteceu com as colônias que hoje são nações: organizar para realizar. E, como acontece em quase todos os movimentos políticos, surgem pessoas que apenas querem aproveitar a oportunidade para se livrarem de empecilhos socioeconômicos e nem estão nem um pouco interessados em liberdade, ou coisa que o valha. Ainda nem a ´frente militar´ está organizada e um dos ´inconfidentes´ sai da ´vereda´ clandestina – o Silvério dos Reis, português oriundo de Leiria, coronel de cavalaria, dono de minas de ouro e fazendeiro. O que acontece? Apesar de rico e


poderoso, o militar e mercador vê que o movimento dos inconfidentes não passa de uma ideia sem respaldo bélico, e percebe a oportunidade de resolver um problema próprio: encaminhar denúncia do movimento ao poder colonial e negociar as suas dívidas quase impagáveis. A governança colonial tem então a oportunidade de dar uma lição exemplar a quem na Villa Rica sonha em ser brasileiro nato à revelia de Portugal, porque indícios de rebelião estão por toda a colônia. Dar uma lição aos autonomistas burgueses da Villa Rica é uma lição dada à colônia. Corre o ano 1789 quando a governança que chefia as atividades coloniais na Serra do Espinhaço manda a tropa avançar de casa em casa com uma ordem de serviço: prender os inconfidentes por crime de lesa-majestade.

Inconfidentes aprisionados

Uns são condenados à morte, mas isso só acontece com o alferes-tiradentes, outros a prisão, degredo ou a exílio temporário. Entre quem tem pena de morte comutada para degredo está José Álvares Maciel. No dia 21 de abril de 1792 o alferes-tiradentes, que assume a ´autoria´ da intentona, é enforcado e o corpo esquartejado para exposição a partir do Rio de Janeiro, como é práxis judiciária em todos os reinos absolutistas.

alferes-tiradentes antes do enforcamento

No mesmo ano, e após reconhecer que é um dos homens do movimento traído por Silvério, o montanístico e têxtil Maciel é embarcado para desterro definitivo e segue para Angola.

5 José Álvares Maciel não é mais o jovem a investir em conhecimentos científicos entre Coimbra e Birminghan, nem é mais o engenheiro da Villa Rica, e menos o libertário mason a sonhar com um Brasil republicano... Ele é ´algo´ no contexto colonial português que lhe nega a identidade, o eu-mesmo. É o que pensa ao desembarcar em Angola, desconhecido e sem posses.

5.1 Não lhe é fácil a adaptação ao ´algo´ que se desconhece em si. E pela área costeira passa a ganhar a vida com material que estudou e que agora lhe dá sustenta precário: o ramo têxtil. Da costa passa ao sertão e continua como “vendedor de panos”. Parece que a tragédia de Villa Rica não lhe tira a inquietude científica, pois, na região de Cathar


conhece vários sítios siderúrgicos em decadência, embora perceba que os fornos de lupa estão em atividade de roça em roça. É a luz. José Álvares Maciel dá trato a uma usina largada no sertão. Tira-lhe a poeira, azeitalhe as engrenagens e dá-lhes ´sopro´ o industrial que viu e apre(e)ndeu na “the world´s workshop”. Com o apoio da gente nativa faz o funcionar o seu engenho de ferro e produz para a comunidade... ...e, da comunidade, para outras partes! O sucesso do inconfidente brasileiro chega às repartições da governança colonial. “Temos ferro em produção lá em Cathar”, escuta-se em mensagem que vai de boca em boca. E ganha o apoio governamental que solicita a Lisboa material para ampliar a usina e a produção. O jovem da Villa Rica sente-se não o ´algo´, mas o eu-mesmo a concretizar a engenharia que produz progresso sob as barbas de quem lhe quis tirar a identidade. 5.2 Perambula eufórico pela região de Massangano no aguardo da remessa de material prometido e já despachado pelos reinóis de Lisboa. Ele é o homem e é o mundo na mais perfeita combinação telúrica e cósmica que se pode imaginar no roteiro civilizacional. E é assim que José Álvares Maciel, nascido na Villa Rica em 1760, encontra a paz em 1804, aos 44 anos de idade, no sertão de Angola. Não se sabe se alguém, ou outro ´algo´, vai dar continuidade ao ´engenho de ferro do inconfidente brasileiro´, mas enquanto ele inicia o seu naturalíssimo descanso, o material prometido em Lisboa é desembarcado no cais...

João Barcellos em Villa Rica

Notas ACERCA DA INCONFIDÊNCIA – João Barcellos. Palestra. Villa Rica / Ouro Preto, 1998. – VILLA RICA | Entre As Minas & O Algodão – João Barcellos. Palestra. Villa Rica / Ouro Preto, 2001. O FERRO DE CATHAR RESSURGE COM UM INCONFIDENTE BRASILEIRO – J. C. Macedo e Celine Abdullah. Estudos p/ Grupo de Debates Noética; Brasil e Moçambique, 2018. TIRADENTES: A ESPERA DA ESTRADA PARA A LIBERDADE – Luís Wanderley Torres. Edi Obelisco. São Paulo, 1965. UM SONHO DE LIBERDADE: A CONJURAÇÃO DE MINAS – Rubim Santos Leão de Aquino, Gilson Magalhães Domingues & Marco Antônio Bueno Bello. Editora Moderna, SP-Brasil, 1998.


Sá e Faria Engenheiro-Militar e Político

Uma Obra Latino Americana Pouco Conhecida Tereza Nuñez

Ele é um militar com especialidade em engenharia de fortificações e já em Portugal se destaca de tal maneira no traço cartográfico que a alta autoridade militar e administrativa o colocam entre a vanguarda tecnológica do Século XVIII. Nasceu português cerca de 1710 e morreu latino-americano em 1792 diante da incompreensão política dos reinóis entorpecidos na Lisboa ´da via boa´. Uma história que vos direi mais à frente.

O reino o consagrou E o matou. E mesmo exilado na outra banda Do Prata Achou que a Portugal não deveria guerrear Que da injustiça a história diria a verdade, Não fora instruído para matar, sim para civilizar! O reino porteño o louvou E se disse ´Eu sou´ Homem honrado na outra banda Do Prata “Celebrando Sá e Faria, o ibero-americano”. MACEDO, J. C., 2011.

PARTE BRASILEIRA Ele é José Custódio de Sá e Faria, e é chamado a fazer parte da Comissão Demarcadora com função cartográfica e geossocial de registrar os territórios de fronteiras entre Brasil, Uruguay e Argentina, segundo a diplomacia anotada no Tratado de Madrid (em 1750). Na ordem de serviços “...ele tem que ir aos rios Paraguay e Paraná, a meio caminho planejar a Colônia de Sacramento a par do Forte de Nª Sª d´Igatimí para a defesa da fronteira diante do Paraguay. É o que faz de 1753 a 1754, algo assombroso e que só um engenheiro de alto gabarito poderia fazer; na verdade, só não o fez em período mais curto porque se viu obrigado a usar a espada em vez do esquadro e do prumo...” [Barcellos, 2011], quando percebeu que em meio à colonização


o fio de prumo mais utilizado é o fio da espada até em defesa da própria vida. E ainda tem que se deslocar ao Rio de Janeiro para acertar edificações militares. Entretanto, nos Anos 60 do Século XVIII chega ao Brasil o fidalgo Luís António, 4º Morgado da Casa de Matheus, para comandar a Capitania paulista à luz da Reforma Pombalina [território, urbanização, educação e defesa militar]. Na ´corte´ paulista Sá e Faria sente-se em ´casa´, uma vez que a conversa política é feita no tom ´castrense´ erudito. Obs.: O meu pai, médico-militar e muito ligado à pintura de ambientes naturais, dizia que “se uma casa deve estar na conformidade da linha dos cerros que abraçam a vila, o forte de defesa deve oferecer a paisagem do conforto para os de dentro, e a do medo, para os de fora. É a estética urbana do engenheiro militar quando afeito a tanger a vera cultura castrense erudita, não a da reles caserna” [Buenos Aires, 1997].

Com o governador-morgado ele demarca as possibilidades de navegabilidade do Anhamby (rio Tietê) e dá luz cartográfica a vilas históricas entre a Sam Paolo jesuítica, os certõens do litoral e os certõens y mattos do Piabiyu que atravessa as Yby Soroc para o sul até o Rio Grande (Porto dos Casais) e o oeste ao largo de Cuiabá.

Cartografia do Rio Grande e Croqui do Forte d´Igatimí, por Sá e Faria

É no espaço riograndense e, então, com o cargo de governador, que Sá e Faria demonstra a sua erudição de agente público e ajuda a elevar o espírito de urbanização, como que a ´copiar´ ato de governança do morgado, com a diferença de que ele, o engenheiro, traça e ergue. Por onde ele passa deixa um rastro de inovação que garante, a quem quiser aproveitar, uma cidadania precária, sim, mas uma cidadania em pleno trato societário escravagista. O esforço civilizatório de Sá e Faria é tão colossal que desenha e faz construir catedrais ao mesmo tempo em que vê os fortes surgirem ao olhar aterrorizado de quem ousa enfrentar Portugal. E tem. Tem quem ouse. “Tropas d´Espanha tentam tomar o território riograndense e falham, como haviam falhado na Guerra d´Iguape, no Séc. 16” [Barcellos, palestras]. É quando ele retorna a Igatimí para ultimar o forte que tantas vidas custa a paulistas. “A continuar assim”, diz-se, “vai virar túmulo e não um forte”. Já o governador-morgado havia dado a sua estadia de governança por encerrada e retorna ao morgadio, quando a Espanha, em 1777, toma a praça de Santa Catarina e Sá e Faria se vê obrigado à rendição enquanto governador do Rio Grande. Ele sabe que qualquer rendição diante de Espanha será castigada com a morte, mas também sabe que os políticos da ´Lisboa da vida boa´ não têm noção da força militar organizada pelo reino espanhol na ´sua´ América. O esforçado e nada reconhecido engenheiromilitar Sá e Faria aceita um acordo: “Rendo-me na condição de nunca guerrear contra


Portugal e podendo viver a minha profissão na América espanhola”, escreveu o poeta J. C. Macedo a propósito da circunstância que alterou os destinos sulistas do Brasil.

PARTE NA AMÉRICA ESPANHOLA Derrotado, mas honrado pela parte do reino da ´outra banda do Prata´, Sá e Faria logo se torna uma das figuras mais requisitadas no âmbito do planejamento urbanístico, civil e religioso.

Casas Redituantes / Buenos Ayres

O que Portugal e o Brasil perderem por não terem um estilo diplomático à altura das questiúnculas d´alcova que volta e meia assolam os reinos ibéricos? Perdem Sá e Faria como cidadão de grande estatura na erudição castrense e civil, e a Argentina, em particular, e as regiões da outra banda do Prata, ganham um serviço público de urbanização nunca visto com tanta qualidade pela primeira nas colônias da América. Um dos trabalhos que se propõe fazer ao conhecer a realidade urbanística porteña é redesenhar o sítio porteño para lhe dar espaço natural e vivência de capital política, e vê nos conjuntos habitacionais para aluguel [ditas ´casas redituantes´] e nas reservas minerais de apoio sanitário um plano para tirar o vínculo aldeístico que estagna Buenos Aires. Portos e catedrais estão no mesmo traço. O traço que no Ano 21 do Século XXI ainda temos que celebrar como o traço da magia arquitetônica do “...engenheiro-militar José Custódio de Sá e Faria, o português que preferiu viver civilizando e não dar guarida à ignorância das políticas falhas da Lisboa da vida boa”, como costuma dizer João Barcellos.

Do Legado Qual é o legado de Sá e Faria, no Brasil e na América Espanhola? Segundo uma “Tábua d´Obras de Sá e Faria” que me foi fornecida por Barcellos, para comparação com registros existentes:


Igreja de Nª Sª da Conceição / Viamonte Fortificações na ilha de Santa Catarina Igreja da Nossa Senhora do Bom Jesus / Triunfo Paróquia de São José de Taquarí Fortificações no Rio de Janeiro / Baía da Guanabara Igreja de São Bento [reconstrução] / São Paulo Igreja da Santa Cruz dos Militares / Rio de Janeiro Forte de Nª Sª dos Prazeres d´Igatimí Edificação da sede da 1ª Gráfica em Buenos Aires Casas Redituantes, estando no projeto as da Universidade de Buenos Aires Redefinição urbana na Manzana de las Luces" Casa de Comedias Edifício Capitular Catedral de Buenos Aires (iniciada pelo mestre d´obras Manuel Álvares da Rocha) Real Renta de Tabacos Noviciado do Convento de São Francisco Armazém e Quartel do Retiro Praça de Touros de Montserrat Catedral de Montevidéu Templo de Guadalupe / Canelones, Uruguai Igreja Matriz de Maldonado / Uruguay.

Da Vida 1 As notícias acerca das obras gizadas pelo ibero-americano Sá e Faria circulam entre as colônias e as capitais ibéricas e a classe tecnológica mais erudita sabe que Portugal perdeu um dos seus cidadãos mais criativos. Foi a vida que ele escolheu e, ao fazê-lo, não deu as costas a Portugal, continuou a ser “o português no mundo” [Barcellos, idem], porque sabia que a instituição reinol portuguesa tinha alicerces na barbaridade, depois que as elites feudais (fidalgas e clericais) derrubaram a universidade científica erguida pelo duque de Coimbra, ainda no Século XIV, uma página estranha e negra que a história nunca negará. 2 Formado em 1745 pela Academia Militar das Fortificações de Portugal, Sá e Faria morre em 1792 na região argentina de Luján, para onde se retirara um ano antes, já bastante cansado. Com honras de ilustre pessoa que contribuíra para a cidadania de outras pessoas, é enterrado no Convento de Santo Domingo, na capital porteña. 3 É difícil acreditar que um homem dedicado ao seu ofício de urbanizar, de dar civilização, tenha sido “amortalhado em vida pela nação pela qual dera a vida e todo o seu conhecimento” [Barcellos, ibidem]. Mas a verdade é a América espanhola, a da outra banda do Prata, dá em 15 anos a Sá e Faria o que Portugal se recusou a ver pela trama política: honrar o seu estatuto castrense e civil. Ele não teve acesso à pedra fundamental da Universidade de Coimbra, fundada pelo Infante das 7 Partidas, em 1443, só recentemente achada e divulgada pelo Centro de Estudos do Mar e das Navegações [Figueira Foz, Portugal], na qual o grande e viajado reinol legou “[...] odeio os homens estúpidos, e as suas obras ignorantes [...], ou nas


quais não se encontra qualquer utilidade”, se dela tivesse conhecimento saberia que outras pessoas já antes dele ousavam a cidadania que “liberta as mentes por um olhar urbano de paisagens várias”, como dizia meu pai.

Tereza de Muñoz

NOTAS ARAÇARIGUAMA / DO OURO AO AÇO – João Barcellos. Edit Edicon, São Paulo, 2007 [30º Prêmio Clio de História, 2007] GENTE DA TERRA (romance historiográfico) – João Barcellos. Edit Edicon, São Paulo, 2007. NOTAS SOBRE SÁ E FARIA PARA O ROMANCE ´GENTE DA TERRA´ – João Barcellos. Araçariguama, Santos e Porto Alegre / Porto dos Casais (Brasil), Montevidéo (Uruguay) e Buenos Ayres (Argentina), 2006. SÁ E FARIA / ENGº-MILITAR & REINOL – J. C. Macedo, in PALAVRAS ESSENCIAIS, Vol.6, 2011, pp. 93-98 (tema HUMANISMO, EDUCAÇÃO &... JUSTIÇA HISTÓRICA). Edit Edicon + Centro de Estudos do Humanismo Crítico; Portugal e Brasil, 2011.


Res Pública: Uma República de Coronéis e a Política Escravocrata e m Taubaté e Tremembé [Sécs XIX e XX] O Casamento dos Coronéis no Vale do Paraíba [genealogia]

Ronaldo Messias

Lítero-historiografia a partir de Taubaté e Tremembé; pesquisas e [re]leitura da Coleção Oficial das Atas do Conselho de Intendência e Atas da Câmara Municipal de Taubaté de 1890 a 1926, compreendendo o último quartel do séc. XIX e início do primeiro quartel do séc. XX. Muitas palavras encontradas neste trabalho, conservam sua forma original de escrita, de acordo com as Atas e outros documentos pesquisados, para o conhecimento e preservação do bem cultural.

“O ter muita fazenda cria comumente nos homens ricos e poderosos, desprezo da gente mais pobre...Quem chegou a ter título de senhor, parece que em todos quer dependência de servos.” Antonil [SJ], 1711

Agradecimentos A todos os meus companheiros pesquisadores, que diariamente se doam para a manutenção da história verdadeira, deixo um forte abraço. Ao empenho e dedicação com a preservação da memória e cultura, bem como com as questões socioeducacionais, do Dr. Vanderlan, diretor do DMPAHT (Divisão de Museus, Patrimônio e Arquivo Histórico de Taubaté) que, em 2016, não mediu esforços para colocar à minha disposição as principais obras intelectuais da “Coleção Taubateana”, com mais de quarenta livros, muitos deles contendo edições fac-símile de documentos


do séc. XVII, os quais não existem mais, tudo para a fundamentação das minhas pesquisas. Parabéns Dr. Vanderlan, a história e a Memória Nacional vêm agradecê-lo. O Autor

Prefácio

Prof. Carlos A. da Silva “O Poder Coronelista e Partido Republicano Paulista, marcaram a relação entre o Poder Estatal e o interior do Estado de São Paulo”, in Nilo Odalia, USP .

“Res Pública – Uma República de Coronéis” é uma obra de pesquisa líterohistoriográfica do pesquisador Ronaldo Messias. Nessa obra é feita uma (re)leitura documental e histórica dos municípios de Taubaté e Tremembé entre 1890 e 1926, permitindo um aprofundamento nas obscuridades históricas do passado dessa importantíssima região brasileira que, entre tantas outras características marcantes, foi o berço da política coronelista no início do período republicano do país. Neste sentido, a linha de pesquisa vivida pelo autor segue o caminho da intermediação necessária entre a história documentada, seja cultural ou social, e a função precípua do historiador de fazer, e (re)fazer a história de forma ética, fidedigna e comprometida com a verdade, entendendo dessa forma, e que somente dessa forma, será possível compreender o nosso hoje e almejar o nosso amanhã através da ciência do nosso ontem. Com base na pesquisa de documentos oficiais, como as Atas do Conselho de Intendência e das Atas da Câmara de Taubaté, Ronaldo faz emergirem informações, fatos, curiosidades e dados estatísticos que surpreendem pela riqueza de detalhes, bem como pela transparência e isonomia com que são apresentados, colocando a termo diversos questionamentos, argumentações e denúncias que fazem refletir sobre a verdade histórica sociopolítica que permeia a história de Taubaté e Tremembé. Localizados no Vale do Paraíba e possuindo importante papel no processo de ocupação do território brasileiro, Taubaté e Tremembé eram comandadas por “Coroneis”, poderosos fazendeiros escravagistas que centralizavam o poder político e econômico da região, a chamada “República Taubateana”. A emancipação políticoadministrativa de Tremembé foi marcada, conforme a pesquisa, pelo jogo de interesses dos chefes do “mandonismo local”, e sua concretização foi bastante conturbada, com eleições tendenciosas “curralismo político”, desaparecimento de registros e documentos, inclusive através incêndio, descumprimento de lei federal, além de diversas outras obscuridades apontadas pelo autor. Traz também sobre a questão sanitária pela qual passou Taubaté naquele período, conforme relatos das Atas da Intendência Municipal, onde constam os enfrentamentos de doenças, pestes, endemias e pandemias. Outro tema abordado neste estudo é o da região na Primeira Guerra Mundial, através dos relatos nos documentos da Câmara de Taubaté. Também dispõe acerca da abolição da escravatura pela Câmara de Taubaté, em 1887, sobre a educação escolar e a sociedade taubateana. A obra expõe a íntima e perniciosa relação entre o coronelismo e a política local, mostrando, através de dados e informações a inserção e a perpetuação dos “Coronéis” no direcionamento das ações político-administrativas dos municípios de Taubaté e Tremembé, influencias que perduram desde s primeira “vereança” até os dias de hoje. Carlos Antônio da Silva Pesquisador (formado pela UFMS)


Apresentação Rogério Pereira Nascimento Com o objetivo de desvencilhar verdades ou de preencher lacunas de nossa história é que historiadores e pesquisadores como Ronaldo Messias, dedicam anos de suas vidas a pesquisas lítero-historiográficas para, ao final, desfrutarem do prazer de torná-las obras verossímeis e acessíveis a todo tipo de público. Embora o acervo usado em suas pesquisas, elas se resumem a documentos ditos públicos, o presente trabalho exigiu uma exploração minuciosa e detalhada de conteúdos robustos e complexos, que somente é possível com a contribuição de pesquisadores apaixonados e comprometidos com a arte historiográfica e com a verdade em toda sua essência. Esta obra, Res-pública uma República de Coronéis, é mais uma etapa de um trabalho que começou em 2016 com a (re)leitura de documentos oficiais, tais como Atas das Intendências Municipais e atas das Câmaras de Vereança dos municípios de Taubaté e Tremembé de meados de 1890 a 1926. Ronaldo, nesta obra, expõe fatos que não são encontrados em livros ou enciclopédias e que agora estarão ao alcance de todos. Taubaté e Tremembé, municípios de grande importância do Vale do Paraíba, eram governados por “Coronéis”, e, apesar de haver pleitos eleitorais, o que realmente vigorava era a transferência de cargos e postos de serviços por afinidade, nepotismo ou conveniência. A interferência militar “feudal” e da Igreja era, via de regra, absoluta. Entre tantas ações por conveniência destacou-se a libertação dos escravos, antes mesmo da promulgação da Lei Áurea, que aboliu a escravatura. Mas, o que realmente chama a atenção são os reflexos do coronelismo que são evidentes nos cenários políticos até os dias atuais. O autor interpenetrou-se entre o passado e o presente destes dois municípios e, com muita responsabilidade e uma linguagem acessível, promoveu a todos o acesso à fatos e curiosidades que certamente permitirão ao leitor formar novos conceitos e opiniões acerca de nossa história. Rogério Pereira Nascimento (Bacharel em Direito e pesquisador)

A Res Pública A res pública, a “Coisa Pública”, ainda que concebida sob os preceitos medievais, remonta a 387 a.C., ano que Platão funda a Academia de Atenas, que inicialmente vem difundir a importância da ética na busca do conhecimento e na política, sendo a prefiguração da República Moderna. Para Platão, a República contemplava uma ampla reforma social baseada numa sofocracia (“poder da sabedoria”), e que todo o trabalho seria dividido de maneira racional, ou seja, o que cabe a cada um segundo a razão. Contudo Platão (aluno de Sócrates) não consegue efetivar seus ideais político republicano, haja visto não conseguir mudar as condutas políticas viciadas das ditaduras de sua época, o autoritarismo despótico. A República não era para ser um antro pernicioso onde vegetam aventureiros. A República do Brasil é este pedaço de terra Sul Americano que sempre deve imporse pela sua pujança, pela sua riqueza física e moral, que com pouco mais de cinco séculos digna de melhores dias, por ter sido abalada por insubmissos das leis, pelos


gananciosos, pelos exibidores, pelos usurpadores, principalmente por uma organização criminosa, que foi extirpada do poder pela via constitucional, qual havia formado uma militância danosa ao país, levando o Brasil ao caos desde 2003, e o pior, com o seu dinheiro, o dinheiro público. Ouvimos a voz espontânea das nossas almas, e o bater eloquente dos nossos corações, que sempre escudou pelos princípios da Ordem e do Progresso*, firmados no ideal sublime do engrandecimento da República, embora tão mal compreendida, e hoje ela ganhava nova roupagem institucional e democrática, não devendo mais ser de transmissão hereditária, não devendo ser de famílias, não devendo ser dos chefes do mandonismo local, nem dos detentores do poder militar, como ainda ocorre, Brasil República. “O problema prioritário no Brasil é sair do autoritarismo, e completar a democratização e para conseguirmos isso, temos primeiro que limpar o entulho autoritário que está entupindo os canais de participação política em vários níveis...quanto limpeza do entulho autoritário, só vai se completar com o novo congresso que virá investido com poderes constitucionais.” [In Fernando Henrique Cardoso, senador, 1985 PMDB, A Nova República, Editora Brasiliense, pp.54 e 55].

A Manchester Sul Americana, Estado de Vanguarda, cujo progresso emergente ocasiona invejas, desperta cobiças, e hoje esvai-se num doloroso sofrimento, e a ferida hodierna que sangra golpeia nossas consciências, contudo, não varreu nossas esperanças e quiçá o amanhã nossa pátria seja terra de prosperidade, que é para isso que trabalhamos a historiografia, compreendendo o ontem, para que possamos produzir uma sociedade mais humana, solidária e justa para se viver; e essa historiografia, a taubateense e tremembeense, é antiga, está nos livros, nas Cartas de Forais, nas Atas da Câmara e Intendência, nos alvarás, nas provisões, nas Cartas Régias, nas Cartas Sesmarias, nos Inventários, nos Testamentos, nos Testamentos in Sertam, nos documentos das Capitanias, nos Pelouros, e essas são as fontes primárias para uma investigação de superfície, essas são as chaves para a compreensão de toda a verdade Após chegar à profundidade com a releitura do espaço geográfico, para resguardo da veracidade de toda fonte documental. É neste sentido que o historiador deve servir de intermediário entre o patrimônio histórico cultural de determinado meio social, com as pessoas que integram esse patrimônio, promovendo assim a renovação líterohistoriográfica; esta [re]leitura que venho fazendo, digo, que fiz, relendo cada Atas da Coleção Oficial do Município, Atas do Conselho e Intendência e Atas da Câmara Municipal de Taubaté, leia-se, São Francisco das Chagas, pois Taubaté é a aldeia guaianá Taba-ybaté, esta releitura é a segunda parte de um trabalho percursor que iniciou-se em 2016, com o título “Tremembé e S. Francisco das Chagas”, “Teremembé e Primeiro Núcleo, a “Tabibate de Yaques Feles.” “A Escravidão no Valle Parahyba”. “(...)A falsificação do passado assiste-nos na existência e na necessidade desta escolha”, ou seja, quando vemos os esforços de Barcellos e Ronaldo Messias, entre outros, em prol de “uma linha líterohistoriográfica paralela as instituições corporativas e governamentais” como sempre observa a professora Carlota M. Moreyra CEHC, vemos que existe a possibilidade de remar contra a burocracia que impõe obstáculos à cultura e à história...não existem limites para a pesquisa histórica, porque “tantos são os campos em aberto, e maiores ainda (porque aprofundados nas trevas dos porões) aqueles entre as porteiras institucionais, que viver a história é uma missão optima a celebrar hoje o que ontem fomos (1). “Os militares, a Igreja, os partidos, os empresários tem em suas mãos a solução da crise brasileira, pois controlam as principais forças que atuam na política ou na economia, mas eles não têm necessariamente as melhores ideias sobre os caminhos a seguir” (2) – [Celso Furtado-ex-ministro do Planejamento do Brasil, e embaixador do Brasil junto ao Mercado Comum Europeu; Entrevista 1985, “A Nova República por Lourenço Dantas Mota, Ed Brasiliense].


1 In Celine Abdulla, profª na apresentação acerca de Barcellos e Ronaldo Messias, in Coletânea internacional viver História / Debates Paralelos, parte 2, volume 12/2017, pelo CEHC- Centro de Estudos do Humanismo Critico de Portugal e América Latina + Noetica + Edicon e TerraNova Comunic 2 23ª Sessão Ordinária do Conselho da Intendência de 12 de fevereiro de 1891

As referidas Atas, foram compiladas entre 1999 e 2002 pelo ilustre historiador taubateense Jose Bernardo Ortiz; a família Ortiz está na política taubateense desde fevereiro de 1891, com o Major José Ramos Ortiz 2 que foi vereador, e atualmente, o prefeito do município de Taubaté é o Sr. José Bernardo Ortiz Junior e o nobre historiador vem nos ensinar que: “A imprensa é muitas vezes tendenciosa e inverídica; destarte o que fica gravado nos jornais não pode ser, via de regra, encarada como documento histórico. As notícias e opiniões emitidas pela mídia em todas as épocas, vem frequentemente eivada de pontos de opiniões, muito pessoais, conceitos distorcidos , lançados com sensacionalismo, sem profundidade e justiça, frutos da desinformação, falta de cultura e por vezes até de má fé de quem os emite ou ainda de rivalidades políticas, étnicas e religiosas, e também do desejo de vender ...não é só, entretanto, a leitura de textos tendenciosos, ou de falsos documentos que podem levar os afoitos (e como são muitos) a auferir títulos e louros, tem levado muitos estudantes de história a escrever inverdades e a emitir conclusões erradas. Corrigir erros da memória tradicional é dever de todo historiógrafo do presente, mas inventar coisas, interpretar mal, usar informações erradas e não analisar com profundidade a documentação disponível é charlatanismo.” E a antropóloga Celine (a falsificação do passado) e o veterano Ortiz, estão cobertos de razão, e vou além; e cada registro vivo que localizamos, anulam-se as invencionices institucionais e místicas (o cavalo branco do Imperador, o grito do Ipiranga) - in Fê Marques, e os motivos, entre eles, a perpetuação de muitas estórias que transformamse em verdades oficiais, muitas delas fundamentadas em pressupostos inválidos e subjetivos, e a grande dificuldade e o desinteresse em levar adiante estudos baseados em novas evidências documentais, pois sempre há o cuidado para não tirar o crédito da história “decretada” por algum “especialista”, o desconforto e o prejuízo que isso causaria, então muitas vezes é cômodo deixar a história quietinha como está; outra coisa são os ultrajes históricos e acadêmicos repletos de montagens sociopolíticas, como as presenciadas na questão da formação de Tremembé e Taubaté, aludida no meu primeiro trabalho, o mimetismo dos pesquisadores, e daqueles que tiveram o acesso físico aos documentos, pelos quais tinham o dever ético e histórico de transcrevê-los na sua integridade e da maneira mais fidedigna possível e não o fizeram, pior ainda são aqueles que ultrajam a memória e a história, a troco de um cargo político ou institucional (3), por isso estamos aqui, para denunciar e refazer a história, pois ela se renova e muitas vezes atiramos na lata do lixo rascunhos oficiais e apontamentos, começamos do zero; o mais importante é que em história, não há perdedores nem vencedores, e sim, pessoas comprometidas em fazer história de maneira transparente.

O Valle do Parahyba Em que pese o Valle do Parahyba ser o maior centro difusor do bandeirantismo conhecido no cenário histórico nacional juntamente com “Sam Paolo dos Campi d´ Piratinin”, é em Teremembé e Pindamonhagava (4) que tudo se inicia, após , vem São Francisco das Chagas, e é aqui em S. Fco que se concentra o maior número das fazendas tidas como núcleos escravagistas dos poderosos coronéis, que de um total das 112 fazendas, Taubaté abrigava 12, era o município do vale que mais possuía fazendas com seres humanos escravizados, e dessas doze, oito delas sobreviveram muitas são mencionadas nas Atas da Intendência e Vereança, como a Fazenda Pedra Branca; do Visconde de Tremembé, entre outras, portanto Taubaté é o berço da política


coronelista logo no início do período republicano, 1889-1890, a República Velha como veremos a seguir, e reler as atas da vereança (legislativo) é uma viagem pelo desconhecido de nossa história, ai descobrimos que pouco sabemos, e o que sabemos está intimamente relacionado com o nosso passado. No Brasil, a Ata de instalação da Primeira Vereança e Câmara Municipal (também chamada da Casa do Conselho) deu-se no segundo quartel dos quinhentos, e até hoje a Câmara é local por onde passam todas as questões de ordem sociopolítica, administrativa, de saúde, educação, segurança, lazer, econômica, entre outras, e relendo referidas Atas da Câmara é que descobrimos quem somos pelo o que fomos e, que o cenário 3 In Barcellos, palestra no Núcleo de Estudos Históricos e Ambientais (Centro de Memória) da Floresta Nacional de Ipanema, quando do lançamento da Coletânea Viver História Vol.8/ 2012 4 Escrita original da Carta de Sesmaria dada em Angra dos Reis em 21 de novembro de 1628 pelo capitão-mor da Donataria Condessa de Vimieiro(D. Mariana de Sousa da Guerra) e um dia após em 22 de novembro na Villa de Angra dos Reis, e Taubaté não existia, tão somente a Aldeia(Tapera) Taba-ybate ou Tabebate. Carta dada a Jaques Felix e seus filhos, para construir fazendas e benfeitorias.

político social de hoje, é o mesmo de ontem, é aí que descobrimos que a propina era instituída por lei na Câmara e obrigatória (uma gratificação) e que não havia eleição para prefeitos, estes eram escolhidos entre os vereadores eleitos, no dia da posse da vereança e que os oficiais militares superiores e intermediários eram os “chefes” do mandonismo local, e na maioria das vezes quando ocupavam o cargo de Presidente da Câmara, Intendente ou vereador, não eram tratados pela patente militar, e sim pela segunda natureza da ocupação, como lavrador, comerciante, negociante, professor, farmacêutico entre outras, mas quando em diligências policiais, eram chamados pela patente Coronel, Tenente Coronel, Major, Capitão e Tenente, notamos também neste início de República que a presença de membros do clero era frequente na vereança, então podemos dizer que o desenvolvimento regional não era somente social, política, mas também religioso, a Igreja e seu clero eram muito respeitados tinham representatividade e expressividade, mas nem sempre foi assim.

As Atas e a República Taubateana Em relação à República vale ressaltar um apontamento historiográfico pouco observado entre os pesquisadores a partir de 1889: o Brasil teve 12 Estados de Sítio, 17 Atos Institucionais (auge do AI-5, em 1979); 6 Dissoluções do Congresso, 3 Renúncias Presidencialistas, 19 rebeliões de militares, 3 Presidentes impedidos de tomar posse, 4 Presidentes depostos, 7 Constituições diferentes, 2 longos períodos de ditadura, 9 governos autoritários com grandes volumes de cassações, banimentos, exílios, torturas, insurreições, intervenções violentas, censuras e muitas outras arbitrariedades, os dois presidentes impedidos de governar e 18 revoluções como Canudos e Contestado, e nestes primeiros 36 anos (1890-1926), tivemos os seguintes presidentes: Floriano Peixoto e seu conturbado governo, Prudente de Morais; Campos Sales e Rodrigues Alves (5), Afonso Pena, Nilo Peçanha, Hermes da Fonseca, Venceslau Brás, Delfim Moreira, Epitácio Pessoa, Artur Bernardes (6) e o ultimo Washington Luís à partir de 15 de novembro de 1926; e apraz-nos saber que em Taubaté e Tremembé os principais personagens desse início de República, ocupando o cargo de Presidente da Câmara, Intendência e Vereança, de 1890 à 1926, os militares que passo a relacionar, lembrando que nesse período de 36 anos o último deles foi o Major Bernardo Ambrogi, que exonerou-se logo na 1º sessão ordinária em 1925, era realmente a reabertura à democracia, mas não durou muito. 5.Campos Sales e Rodrigues Alves visitaram Taubaté 6. Arthur Bernardes em 1922, ordenou o bombardeio terrestre e aéreo sobre a cidade de São Paulo. Em decorrência da rebelião oriunda do Movimento Tenentista, iniciada pelos jovens oficiais de escalão intermediário, Miguel Costa, Juarez Távora e Miguel Gomes, deixando um saldo de 700 mortos, 5000 mil feridos e 1800 prédios viraram ruinas. A Ata nª 4


da Sessão Ordinária de 16 de janeiro de 1924, a Câmara de Taubaté, envia “moção de apoio” a Arthur Bernardes quanto nova rebelião que estoura em São Paulo. Bernardes foi aclamado pelos jornais “Nero ridículo de Viçosa”.

1234567891011121314151617181920212223242526272829303132333435363738-

Cel. Antônio José Malheiro Junior; Cel. Antônio Moreira Leite; Ten. Cel. Augusto Cesar Monteiro; Ten.Cel. Antônio Monteiro Patto; Cap. Alexandre Monteiro Patto; Ten. Cel. Antônio Marcondes de Moura; Cap. Antônio Affonso Moreira; Maj. Antônio Candido Ribeiro Porto; Cap. Antônio Felício de Moura Cap. Antônio Lopes Motta; Maj. Antônio Pereira de Barros Cap. Antônio José Oliveira Cezar; Ten. Arthur Vieira; Maj. Antônio G.S. Penna;(Barão de Pedra Negra); Cap. Emygdio P. da Silva; Cap. Eusébio Affonso Vieira; Cap. Francisco Eufrásio Toledo; Cap. Francisco Moreira Damasco; Maj. Francisco Gomes Vieira; Ten.Cel. Francisco Cortez Toledo; Ten.Cel. Francisco Moreira Mattos; Cap. Francisco Lobato de Moura Sobrinho; Ten. Hermínio Cardoso Cunha Coimbra; Maj. Ignácio M. Amaral Sobrinho; Ten.Cel. José Gomes Nogueira; Cel. José Benedicto Marcondes de Mattos7 Ten.Cel. José Francisco de Moura; Ten.Cel. José Pedro Machado Roza; Major José Ramos Ortiz; Cap. José Maria da Costa Toledo; Cap. José Moura da Costa Toledo; José Machado Filho; Cap. José Cyrillo Lobato; Cap. José Felix Bernasconi; Cel. José Benedito Marcondes do Amaral; Maj. José Rabello Ten. José Gomes de A. Camargo; Maj. José Bonifácio de M. Sobrinho;

7– Foi vereador durante 17 anos e Deputado Estadual;

39 - Ten. Cel. João Batista Alves Mourão; 40 – Cap. José Affonso Moreira; 41 – Cel. José Pereira de Barros; 42 – Cap. João de Mattos; 43 – Major João Bonifácio Bernardo Ambrogi; 44 – Leopoldino Martinho de Abreu; 45 - Major Laurindo Ferreira Oliveira; 46 – Ten. Leopoldo Moreira de Mattos; 47 –Ten.Cel. Luiz Moreira da Silva; 48 – Luiz José da S. Guimarães (8); 49 – Cap. Mathias Affonso Viana; 50 – Cap. Manuel Gomes Vieira; 51 – Ten. Cel. Malhado Roza; 52 – Cel. Pedro Gonçalves Dente; 53 – Cel. Victoriano Moreira da Costa; 54 – Cel João Affonso Vieira; 55- Major Francisco Fernandes de Oliveira; 56 – Cap. Fernando de Mattos; 57 – Cap. José Augusto Marcondes de Mattos 58 - Cel. José Francisco Monteiro – Coronel da Guarda Nacional, Barão e Visconde de Tremembé*;


Obs: A maioria desses militares pertenciam à loja maçônica “Triunfo, Honra e Verdade”, referida loja mantinha estreita relação com o Centro dos Operários Livres e “Centro dos Operários Católicos” do Vigário Antônio Nascimento Castro; outra parte adotava as ideologias do Positivismo de Augusto Comte. Podemos notar que muitos deles são parentes, como o caso da família Patto, Moura, Affonso Vieira, Monteiro, Sobrinho, evidenciando a transmissão familiar, hereditária, ainda nos moldes das primeiras Capitânias Hereditárias (as primeiras divisões administrativas do Brasil); os mandatos desses camaristas9 durava 3 anos e no fim de cada triênio, no mês de outubro eram realizadas novas eleições e na primeira semana de janeiro próximo eram empossados, a nova vereança taubateana e também os novos Intendentes e prefeito, os suplentes assumiam os cargos de secretários, médicos; e um fato inusitado, no período de 1890 a 1895, o zelador e o coveiro do cemitério eram empossados solenemente prestando juramento, dada a extrema importância de seus trabalhos, pois 8 – Possuía título de Comendador; *Foi vereador de 1861 a 1865; depois de 1865 a1869; de 1869 1873; de 1881 a 1883; era membro da loja maçônica ‘Triunfo, Honra e Verdade há 40 anos; em 1902 foi levado a júri popular por tentativa de assassinato contra Augusto Kreye (membro da loja maçônica); qual desferiu um tiro na cabeça de Kreye que pegou de raspão cortando a região occipital (abaixo e atrás da cabeça. Foi absolvido pelo júri; foi execrado pela imprensa e maçonaria; 9 – Oficiais da Câmara (Intendentes, Presidente e vereador).

diante de tanta precariedade social da época, as diversas pestes, epidemias, ceifavam a vida de dezenas de pessoas diariamente como veremos logo mais. Um exemplo clássico da instituição do “curral eleitoral” inaugurado lá no século XVI, é a apuração para a vereança de Tremembé, em 30 de outubro de 1904 (Sessão Especial), presidida pelo coronel (Presidente da Câmara) José Benedicto Marcondes de Mattos, apurou-se que o Major Alexandre Monteiro Patto (lavrador) foi eleito em primeiro lugar com cento e vinte e quatro votos, entendendo melhor, no período de 1899 a 1904 houveram 12 eleições, e para que elas ocorressem foram instaladas de oito a catorze Sessões Eleitorais nos municípios e distritos, e em Tremembé todas as sessões foram instaladas nas Fazendas (casa) do seu irmão Coronel Antônio Monteiro Patto (lavrador), obviamente Alexandre seria o primeiro colocado. Nas demais localidades do município, as sessões eram instaladas em prédios da administração pública, mas também houveram outros casos da instalação das sessões eleitorais nas fazendas de militares em localidades diversas, é o “curral”, é o “voto de cabresto”, e hoje não é muito diferente, porém com outros nomes. Obs.: “A origem da Família Pato (no Brasil adotaram os dois ´t´ / Patto) é anterior à formação do Condado Portucalense, que resultou no Reino de Portugal: os Pato, sicilianos, integraram-se à Península Ibérica com as legiões romanas e fixaram-se na região de Conimbriga como artesãos e agricultores” [João Barcellos – in “São Roque: da Uva dos LusoPaulistas e o Poder político-fundiário do Vaz Guassu’”. 2ª Ediç., Edicon e Terranova Copmunic, 2019].

Outro exemplo, na eleição para vereador de 1904 (10), apurou-se o seguinte: Em 1º lugar Dr. Rebouças Carvalho com 796 votos; 2º lugar Cap. Jose Cyrillo Lobato com 785 votos; 3º lugar Dr. Felix Guisard com 784 votos; 4º lugar Dr. Bento Eneias de Souza Castro com 781 votos; 5º lugar Dr. Alfredo Candido Vieira 772 votos; 6º lugar Dr. Alfredo Moreira Silva (Intendente Municipal) com 745 votos; em 7º lugar Ten. Cel. Francisco Moreira Mattos com 736 votos; 8º lugar Cap. Francisco Lobato de Moura Sobrinho com 726 votos, e em último lugar o Visconde de Tremembé que obteve apenas 1 voto, o dele. Embora os resultados fossem claros e colocassem os doutores civis à frente da Câmara, isto não ocorreu, foram os militares que continuaram a encabeçar a administração municipal e ficou assim: Para presidente da edilidade Cap. Francisco Lobato de Moura Sobrinho (eleito em 8º lugar); Ten. Cel. Francisco Moreira de Matos (eleito em 7º lugar) e posteriormente o Dr. José Rebouças de Carvalho “assume” a presidência. Ainda no mês de novembro de 1904 (11), durante outra apuração verificou-se que mais uma vez os militares continuavam a liderar a Câmara, em 1º lugar Major Alexandre Monteiro Patto, em 2º lugar Ten. Hermínio Cardoso. Outro dado, Taubaté e Tremembé possuíam seis juízes de Paz sendo três para cada município, cinco eram militares oficiais superiores e um do clero: Major José Ramos Ortiz; Major Antônio G. S. Penna


(Barão de Pedra Negra); Major José Rabello; Ten. Cel. Antônio Monteiro Patto; Ten. Cel. Augusto Cesar Monteiro e Padre Antônio Nascimento Castro. Voltando em 1901 na apuração para a vereança de Taubaté (12), dos oito vereadores para composição da câmara, cinco eram oficiais militares, é a 10 –Ata Especial de apuração para vereador da Câmara de Taubaté para o triênio de 1905 a 1908 ocorrida em 3 de novembro. A eleição teve 6537 votantes, dela participaram fora os militares, nove doutores e dez pessoas do povo, consideradas “comuns”. Quanto ao Visconde de Tremembé na eleição de 6/11/1898 para o mandato à partir de janeiro de 1899, ele já havia perdido, tendo apenas um voto, o dele, ele se candidatou a juiz de paz de Taubaté, a eleição obteve 11272 eleitores. 11 – Ata da Sessão Especial para apuração de vereança da eleição ocorrida em 30 de outubro último, para o Distrito de Paz de Tremembé e sua respectiva câmara, com total de 743 votos; 12 – Eleição realizada em 16.de dezembro de 1900, apurada em 26 /12, para início do mandato em 1901, com 7717 eleitores, com oito candidatos militares, nove doutores, treze do povo e um do clero;

res pública que não é pública, e sim de um seleto grupo, na sua maioria coronéis; e as lambanças são as piores possíveis, numa determinada Sessão Ordinária13 é indagado ao Intendente Municipal, que o motivo de se pagar 30$000 (trinta mil reis) o milheiro de tijolos para a rede de esgotos, sendo que o mesmo milheiro, no mesmo fornecedor custa 23$430? O intendente disse que não poderia responder de pronto, mas na próxima Sessão responderia. Na sessão seguinte, o Intendente Cap. Fernando de Mattos responde que tal preço é porque ele compra tijolos queimados, aproveitando apenas a metade de cada Jornada, devendo o fornecedor vender a outra metade (que ele tem vendido), e continua a vender a preços inferiores como lhe aprouver. Mas a pior delas é a ocorrida durante a sessão ocorrida em 1905 (14), o Coronel José Benedicto de Mattos (aquele que foi vereador por 17 anos e Deputado) apresenta um orçamento exorbitante na Câmara Municipal, de 1:600$000 (um conto e seiscentos mil reis), uma fábula em dinheiro para a época, para poder realizar publicações para a Câmara pelo Jornal de Taubaté, do qual era ele o proprietário, e os outros concorrentes apresentam valores bem abaixo, como o jornal “O Norte” 100$000 (cem mil reis), “Jornal Taubateano” 100$000 mensais do qual seria deduzido 40$000 para o asilo ou hospital do município. Mas não teve jeito, o Jornal do Coronel ganha o “processo licitatório”, além de ser o mais caro, de se espantar, fecha a proposta com o “Jornal de Taubaté” e tudo ratificado pelos outros vereadores, sendo Cap. José Cyrillo, Tenente Coronel Francisco Moreira de Mattos, Cap. Francisco Lobato de Moura Sobrinho; Dr. Felix Guisard (personagem enaltecido até os dias atuais, inclusive com Instituto Histórico que leva seu nome) e Dr. Affonso Moreira da Silva (existe outros oficiais por Affonso Moreira); é o coronelismo puro; e nos dias atuais, esses “coronéis” possuem outros nomes; durante as pesquisas das Atas existem outros casos e alguns deles meio engraçados, como a questão da “caça aos ratos” com premiação em dinheiro (15) o qual veremos posteriormente. Mas o que sabemos é que até a última Sessão Ordinária do ano de 1911 a Câmara de Taubaté era constituída por quatro oficiais superiores: Presidente Cel. José Gomes Nogueira, Ten. Cel Antônio Felício de Moura, Majores José Benedicto de Moura Sobrinho e Bernardo Ambrogi, sabemos também que a partir de outubro de 1914 os oficiais superiores deixam de compor a presidência da Câmara, mas continuam na vereança. 13 – 13ºsessão ordinária em 15 de julho de 1902; 14 – 2ª Sessão Ordinária de 19 de janeiro de 1905 15 – 40ª Sessão Ordinária de 21 de janeiro de 1904

A Colônia e a República Entendendo a res publica há grande diferença entre o sistema político do período Brasil-Colônia para a República. No primeiro, era a época das Capitânias Hereditárias, e após vieram as Capitanias Régias (a Coroa e El Rey foram comprando uma a uma e


restituindo seus domínios), na colônia os cargos e demais funções públicas eram divididas em seis grupos: Executivo, Legislativo, Judiciário, Fazendária, Defesa e Eclesiástica. Nas capitânias os donos eram os donatários (16), mas quem de fato governava eram os Capitães-Mores: Cap.-mor; Cap.-mor da Companhia de Ordenanças e Cap.-mor Toco Tenente; no âmbito dos “municípios” havia o Alcaide (17), o Ouvidor (1534), o Meirinho, o Juiz Ordinário (prefeito) que representava o Poder Executivo; Juiz de Vintena; Juiz de Garantias; Juiz Almotacé; Juiz da Alfândega; Juiz de Órfãos (18); Juiz dos Feitos da Coroa e do Fisco; Juiz da Chancelaria; Juiz de Fora; Juiz da Fazenda, Desembargador dos Agravos e Apelações; Desembargador Extravagante; Quadrilheiro19, Distribuidor; Contador dos Feitos e Custas; Inquiridores, Solicitadores; Escrivão de Almotaçaria; Feitor, Vereador, Procurador do Conselho; Escrivão da Câmara posteriormente aparece a figura do Governador Geral do Brasil (20), Intendente do Ouro, dos Diamantes, das Minas, uma gama complexa de cargos e funções totalizando uma centena entre os seis grupos. Com a chegada da República houve o enxugamento e redirecionamento de cargos e funções e neste início houve a convocação para as eleições de deputados e senadores estaduais, e o prefeito era retirado do meio dos vereadores no dia da posse na câmara após o Juiz Estadual empossar o novo Presidente da Câmara, e este último conduzia as eleições para Prefeito, Intendente e demais Secretários, tudo era realizado em menos de dez minutos; e após instalada a nova vereança, o prefeito obrigatoriamente participava de todas as Sessões Ordinárias (a cada 15 dias) ou extraordinárias (à qualquer momento). Em Taubaté os oficiais superiores e intermediários lideravam os assentos das autoridades com poder de decisão sobre o cidadão e as questões político administrativas para o bem comum e progresso do município. Esses chefes do mandonismo local eram latifundiários, proprietários de grande escravaria e abastados em bens, possuíam forte influência política junto ao governo Estadual e Federal; Diferente não ocorria nas Minas Gerais dos Cataguases e nem na Bahia, muitos desses personagens protagonizaram grandes novelas de época e seriados 16 – Taubaté pertencia a Capitânia de Itanhaem, da Donatária Condessa de Vimieiro, sobrinha do colonizador Martim Affonso de Sousa; 17 – Alcaide-menor: era escolhido pela câmara; o alcaide-mor era escolhido pelo administrador da capitânia; o menor exercia a função de meirinho ou oficial de justiça; o mor exercia a função de defesa militar e segurança do termo judiciário (município); 18 – Juiz Responsável pelos inventários, testamentos e questões correlatas; 19 – Cargo de natureza policial; 20 – E foi o 7º Governador Geral do Brasil – Dom Francisco de Sousa “o Marques de das Minas”, a quem ordenou expedições para realizar a devassa completa no vale do Paraíba no século XVI (1599) Bandeira de André Leão, â mando de D. Francisco, que também era conhecido como D. Francisco “das manhas”.

na TV aberta, e vários cronistas de época como, Gilberto Freyre (21) em Casa Grande e Senzala e Sobrados e Mucambos, vieram retratar essa odisseia, digamos que “sociocolonial”. Outros personagens que compunham a edilidade eram doutores, advogados e médicos, os clérigos como padres, arcediagos, cônegos, compunham, além da vereança, o cargo de Juiz de Paz, mas em menor quantidade; e por último, as ditas pessoas do povo, como comerciantes, professores, negociantes, lavradores e outros; um pequeno número de pessoas com títulos de nobreza como Barão, Visconde, Comendador concorriam à edilidade e à Juiz de Paz. As Atas não mencionam com detalhes como se dava o pleito eleitoral, mas sabemos que eram cédulas, ou seja, somente quem soubesse ler ou escrever participavam do eleitorado; um fato interessante do período colonial, era o sistema de “pelouro”, diferente de pelourinho, o pelouro consistia em uma bola de cera que no seu interior eram guardados os papelzinhos com os nomes das pessoas a concorrerem à edilidade; outros pelouros eram sacos de pano contendo papelzinhos com o nome dos eleitos para o ano seguinte e este era encerrado no interior de um cofre que possuía três chaves, cada uma ficava com um vereador diferente, do modo que só os três juntos pudessem acessar o pelouro.


Tremembé Alguns apontamentos em relação à questão da formação de Tremembé no campo político; vale observar, perante a releitura das Atas, que há alguns pontos controversos os quais merecem atenção e esclarecimentos, O Brasão Municipal de Tremembé ostenta duas datas, sendo uma 20 de fevereiro de 1866, referente a elevação de povoado à categoria de freguesia22, que mais ou menos em 1868 foi rebaixada a povoado; e a data é 26 de novembro de 1896, marcando a elevação de Tremembé a município, e a conquista da sua autonomia político-administrativa pela Lei Estadual 458 (23), promulgada pelo Presidente do Estado Manuel Ferraz de Campos Sales. Bem, para que isso acontecesse teria ocorrido o desmembramento da cidade de Taubaté, e na ocasião, teria ocorrido a instalação da primeira câmara e sua vereança, através dos atos oficiais e seus registros. Assim exigia a lei, mas será que isso aconteceu de fato? Em 19 de agosto de 1890 Tremembé torna-se Distrito Policial; no ano de 1896, em sessão (23) presidida pelos militares coronéis José Benedicto Marcondes de Matos, Gomes Vieira, Augusto Monteiro e Major Sousa Penna, os moradores de Tremembé (que era distrito de paz) desejavam elevar Tremembé à categoria de Villa e Município; na sessão de junho (24) o Dr Pereira Corsino mostra-se favorável que se aprove a elevação de Distrito 21 – O sociólogo dos poderosos, dos coronéis, que com Casa Grande e Senzala, em terrível demonstração de clareamento da história, só conta a visão dos vencedores; 22 – Por lei provincial de 20 de fevereiro de 1866 23 – Sessão Ordinária nº 7 de 7 de maio de 1896 – Salão das Sessões 24 – Sessão Ordinária nº 9 de 4 de junho de 1896 – Salão das Sessões.

para Villa e futuro Município, e assim foi feito. Em 26 de novembro de 1896, Tremembé foi elevado a município, como já informado no esclarecimento das duas datas do Brasão de Tremembé; ocorre que no rol de todas as Sessões Ordinárias e Extraordinárias oficiais da Prefeitura Municipal de Taubaté (25), não existem as Atas que elevaram Tremembé à Distrito, nem para Distrito de Paz e nem para o desmembramento de Tremembé de Taubaté e elevação a Município; se existe as atas por qual motivo elas foram suprimidas? As únicas encontradas referem-se à 20ª e 21ª sessões, a 19 de novembro de 1896 e 3 de dezembro de 1896, as quais nada falam sobre esses eventos importantes. O que teria acontecido? Outro apontamento estranho localizado na Ata da Sessão Especial (26) para apuração dos votos para vereadores e juízes de paz para o Distrito de Paz de Tremembé e sua respectiva Câmara, em 1904. Sabemos que quem convocou essa eleição foi o coronel José Benedicto Marcondes de Mattos em sessão especial de 10 de outubro de 1904, a qual alegou estar em conformidade com o decreto nº3 do corrente mês de Outubro e ofício do senhor doutor Secretário do Interior da mesma data, não citando o nome do tal secretário. Sabemos também que essa eleição se deu em Tremembé, na casa do Tenente-Coronel Antônio Monteiro Patto, como de costume, ocasião que seu irmão Alexandre Monteiro Patto, Major, foi eleito em primeiro lugar com cento e vinte quatro votos, também já relatado aqui. Mas como aconteceu tudo isso? Como eleição para vereança e juízes de Distrito sendo que Tremembé já era um município com autonomia político administrativa desde 26 de novembro de 1896 (27) quando da sua elevação à categoria de município. “Ainda em vistas do resultado, o Sr Presidente Cel.José Benedicto M. Mattos proclama os vereadores da nova vila de Tremembé, os seis** cidadãos mais votados”; que vila? Desde quando vila tem autonomia político administrativa? E outra Tremembé já é município, já é emancipado há oito anos, 1896; Como eleição para Distrito de Paz de Tremembé, sendo que o mesmo já e município?


A Câmara de Tremembé segundo sessão ordinária (27) do início de 1905, tem autonomia e legitimidade para resolver os seus problemas, mesmo antes de ser instalada oficialmente em 7 de janeiro de 1905; sendo que na sessão de 5 de janeiro um cidadão de Tremembé procurou a Câmara, de Taubaté para pedir permissão de poder cercar um terreno situado na frente da sua casa, o qual também é seu, e a comissão dá o seu parecer que ele dirija-se a Câmara de Tremembé e não em Taubaté; e na mesma Sessão da Câmara de Tremembé (antes de ser instalada) enviou oficio a Câmara de Taubaté, queixando dos impostos lançados sobre os veículos de Tremembé que adentraram o município de Taubaté, na mesma sessão Tremembé enviou outro oficio noticiando a sessão de posse para a sua vereança em 7 de janeiro próximo, são apontamentos históricos e historiográficos difíceis de entender, haja vistas, as fontes de pesquisas estarem incompletas. 25 - Impressos pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo; 26 –Sessão Especial de 7 de novembro de1904; 27 – 60ªsessão Ordinária de 5 de janeiro de 1905 da Prefeitura de Taubaté; ** 1º Major Alexandre Monteiro Patto; 2º Capitão José Cyrillo Lobato; 3º Felix Guisard; 4º Bento Eneas de Souza Castro; 5º Alfredo Candido Vieira e 6º Dr. Affonso Moreira Silva (Intendente Municipal); os militares encabeçam os altos cargos da vereança.

Perguntemos novamente, o que aconteceu com a emancipação político-administrativa de Tremembé em 1896, não houve? Não deixaram? A Lei 458 do Presidente do Estado Campos Sales não valeu? Os coronéis não permitiram a emancipação “de fato” e a instalação da devida Câmara de Vereança? Lembrando que, uma vila para se tornar município precisava atender alguns quesitos como: o número de eleitores, a renda do futuro município, os limites geográficos, comprovar a existência de prédios para a Câmara e cadeia; e se Campos Sales promulgou a lei 458/1896 (emancipação) do município de Tremembé, certamente a villa preenchia os requisitos para a conquista da sua independência, que sabemos agora não ter ocorrida de fato; ainda pasmem na Segunda Sessão Ordinária (28), da Câmara de Taubaté, é noticiada em ofício recebido de Tremembé, agradecendo o valioso auxílio desta câmara na causa da emancipação administrativa daquela vila. Temos aqui mais uma vez, um grande ultraje histórico, uma grande afronta a memória, à autonomia política administrativa, uma grande falta de respeito, discriminação, submissão dos cidadãos de Tremembé (Oficiais militares) em relação aos coronéis de Taubaté, quando dos seus anseios em elevar Tremembé a município desde 1896, reforçando o que Tremembé sempre foi “Primeiro Núcleo de Europeus”, “Primeiro Polo da Irradiação dos Desbravadores”, ponto de apoio a outras tantas ações expedicionárias; local onde Jaques Felix chega um pouco antes de 1628 com grande escravaria de negros índios (povos nativos) para laborar nas minas, fazendas e fazer entradas nos sertões, que em 21 de novembro de 1628, ele recebeu carta de sesmaria, para ele e seus filhos constituíram as primeiras fazendas em “teremenbé” e “pindamonhagava”, e na “tapera do gestio” (29), localidades essas já possuíam seus topônimos e expressividade, e já era de conhecimento da Condessa de Vimieiro (30) e de seu capitão mor Joao de Moura Fogaça, e assim Jaques permanece em Tremembé por 12 anos, construindo suas benfeitorias e fazendas, senzalas, pelourinho e ermida (31), pois é impossível que permanecessem todo esse tempo em Tremembé, sem que fossem erigidas a ermida para “se dizer as missas” e o dito pelourinho, pois naquele núcleo já se encontrava toda estrutura do expansionismo geossocial e sociopolítico, bem como o militar e o religioso; então onde estão os apontamentos históricos desses acontecimentos? Principalmente do erguimento da primeira ermida e pelourinho? Após isso Jacques foi tratar de iniciar a povoação em taba-ybaté, onde conseguiu outra carta, a de Provisão em 1636, ratificada em 1639; e depois recebeu nova Provisão em 1641, para Villa de São Francisco das Chagas na paragem de tabebaté (na localidade da aldeia guaianá que vem do tupi taba = aldeia, ybaté = pico) aldeia elevada à 500 metros do morro, atualmente conhecida como Morro do Cristo, onde futuramente nasceu São Francisco das Chagas; não tendo como discutir que na ultrajada Tremembé foi o início de tudo


28 – Sessão Ordinária em 19 de janeiro de 1905; 29 – Tapera:aldeia abandonada, a aldeia guaiana Taba-ybaté, ou tabibate, tabibaté, que inicialmente foi fundada e batizada como São Francisco das Chagas (Tabibate);obs:a tabibate era uma paragem, uma localidade dentro de São Francisco das Chagas ; 30 - Donatária da Capitânia de Itanhaém, Mariana de Souza Guerra; sobrinha de Martim Afonso de Sousa; 31 – ermida: Capela, igrejinha, simbolizava o “marco-zero”, o inicio da Civilização e Colonização.

Taubaté e as Questões de Saúde e Sanitária Fatos curiosos foram revelados pelas Atas da Intendência Municipal que ocorreram desde início de 1890 até 1895, um deles é que o coveiro e o zelador do cemitério eram empossados solenemente prestando juramento dados a extrema importância dos seus trabalhos, que diante de tanta precariedade social, as pestes, epidemias e pandemias assolaram todo o país e que o Vale Parahyba, não escapou, de maneira que era comum diariamente morrer dezenas de pessoas. A Sessão Ordinária de 15 de fevereiro de 1890 veio retratar um pouco das dificuldades e precariedades com as questões sanitárias e de saúde. Aparece aí a figura do Intendente de Higiene e Delegado de Higiene; constitui-se uma comissão, a qual elabora uma resolução; que no primeiro parecer da Comissão de Obras Públicas, considera que a limpeza pública é insuficiente e mal feita, que a conservação das ruas e praças é imperfeita, que vários quintais e casas particulares não são conservados em devido estado de asseio, que sumidouros e latrinas precisam ser desinfectados convenientemente... Ai cria-se um Código de Posturas Municipal com sua fiscalização de posturas; interessante observar que atualmente morrem no mundo todo milhares de pessoas por diarreia; a dengue voltou, até o sarampo ameaçou assolar a população novamente, e agora a pandemia do novo coronavírus (COVID 19) , percebemos que toda essa deficiência está atrelada a graves problemas de desigualdade social e a falta de uma educação de qualidade; ainda centenas de milhares de crianças não possuem o quadro completo de vacinas contra as principais epidemias e pandemias que assolam o mundo, a fome e a miséria ainda são muito grande entre populações menos favorecidas, e lá no século XIX, não era diferente. Em 1891, a Câmara Municipal alerta que durante 112 dias de lazareto (32) aberto, este tratou 33 casos de varíola e seis morreram; em casas particulares, das 15 pessoas tratadas, três crianças morreram, inclusive o Delegado de Polícia do Município apontando, também, quatro casos no bairro Padre Eterno e na Fazenda Pedra Branca, (hoje esse local é um ponto turístico).Dos 58 casos notificados, 16 vieram a óbito, mas não para por aí, a desinfecção dos logradouros particulares e públicos, das servidões, era prevista em Ata desde fevereiro de 1890, inclusive com a recomendação do uso do cloreto de cálcio para os 1480 fogos (33). Quanto ao Código de Posturas (34), este era instituído por lei e tornou obrigatória a limpeza de quintais e vias públicas, sujeitos a multa pelo descumprimento. Nos dias atuais o Código de Posturas é novidade, e muitos municípios ainda não possuem, outros 32 – Casa para tratamento de leprosos e tuberculosos, também acolhiam os portadores de Varíola e outras doenças, os lazaretos eram muitos e neles se amontoavam milhares, a Sessão Ordinária de janeiro de 1897 aponta para novembro de 1896, noventa mortos em Taubaté, e dezembro, 122 mortos; 33 – Fogos: pequenos núcleos familiares de até 5 pessoas, era despendido 1$000 (hum mil reis) para desinfecção de cada fogo; 34 – Código de Posturas – Sessão ordinária de 1º de marco de 1890.

começaram implantar a partir do ano 2000. A Sessão Ordinária (35) apontou que a varíola, a peste bubônica* e a tifo assolaram Taubaté; a Associação Paulista dos


Sanatórios Populares (37) considerava a tuberculose a doença mais mortífera das pandemias do mundo, e que assolava Taubaté e Tremembé, e continuou por mais uma década; as mortes foram tantas que os cadáveres eram transportados em redes sustentadas por varas de bambu, e só em 1917 fica proibido esse tipo de transporte (37), obrigando a municipalidade a adquirir três féretros (caixão longo para transporte de pessoas, inclusive dos indigentes.) Sabemos também que a prefeitura foi obrigada a adotar medidas para debelar a gripe que assolava todos os Estados do Brasil (38), entra em ação o Código de Posturas Municipal, que não se limitava somente a questões de obras públicas, saúde e sanitárias, mas também abrangia a questão ambiental, que ganhou uma lei própria, a nº188 de 1918, orientando as queimadas para o plantio, sendo controladas e conscientes, a exigência de pessoas preparadas, a obrigatoriedade os aceiros e dos rescaldos possuía um diferencial, quem flagrasse um infrator de incêndio criminoso ou conseguisse comprovar a autoria delitiva era recompensado com 200$000 (duzentos mil reis). E hoje as questões ambientais não deixam de ser de saúde pública, pois se a terra, o meio ambiente adoece, os seres humanos também adoecem, a qualidade e a perspectiva de vida diminuem consideravelmente, e o mundo de hoje clama por desenvolvimento sustentável, por preservação ambiental. Quando, eu disse na apresentação da República, cujo progresso emergente cobra seu preço. A ambição desenfreada, a cobiça pela qual o Brasil República esvai-se num doloroso sofrimento, e a ferida hodierna que sangra, aberta pelo desenvolvimento predatório que vem matando o meio ambiente, levando o solo a exaustão, ocorrendo sua saturação pelas práticas desumanas pelo uso de produtos não naturais que só visam o lucro rápido e o enriquecimento de poucos. Esse é o nosso atual sistema capitalista.

(*)Na 40ª Sessão Ordinária de 21 de janeiro de 1904, o inspetor sanitário Francisco Ferreira Pinto oficia o Sr. Intendente de Higiene, que tendo em vistas a peste bubônica em Pindamonhangaba, faz julgar como medida profilática a extinção dos ratos, oferecendo um prêmio aos portadores, por cada animal morto “A fim de evitar a propagação desse mal levantino” seria cômico se não fosse tão trágico 35 - Sessão Ordinária de 24 de julho de 1891; 36 - 4ª Sessão Ordinária 20 de fevereiro de 1902; 37 – 8ª Sessão Ordinária de 16 de agosto de 1917; 38 – 7ª Sessão Ordinária de 5/12/1918

Taubaté e a Primeira Guerra Mundial Na 12ª Sessão Ordinária de 5 de dezembro de 1917, a Câmara Municipal enviou aos Governos Federal e Estadual, um “Moção de Confiança, Apoio e Solidariedade”, após o Brasil ter declarado guerra com a Alemanha. Inicialmente o Brasil assumiu posição neutra, isso em 20 de julho de 1914; em maio de 1916 submarinos alemães afundaram navios mercantes brasileiros a caminho de portos europeus, em 11 de abril de 1917 o Brasil rompeu relações diplomáticas com a Alemanha, a causa imediata foi o afundamento, alguns dias antes, de um vapor brasileiro, o “Paraná”, que navegava relativamente de acordo com leis internacionais de embarcações neutras. Com essa guerra, os trabalhos de ampliação e modernização da rede telefônica do município ficam seriamente prejudicadas e a câmara notícia, na 5ª sessão ordinária em 5 de setembro de 1918, que o navio veleiro Max King partiu de Nova York transportando materiais para as linhas telefônicas de Taubaté, foi colocado a pique por torpedos, e a nova aquisição desses materiais ocorreu somente um ano depois. Em 2 de janeiro de 1919, a Câmara informou sobre a vitória das nações aliadas e fez o convite para a solenidade do término da 1º Guerra, marcado para o dia 31 de dezembro o “Te Deum” e a missa solene. O tratado de Versalhes deixou para o Brasil parte das setenta embarcações alemã que a Marinha capturou durante o conflito.


Notícias da abolição da escravatura pela Câmara “hoje as dependências das empregadas são resquícios das senzalas eternizadas pela arquitetura, as babas que vestem branco são as mucamas do séc.XXI.”

Taubaté orgulha-se de ter eliminado o “elemento servil” antes da Lei Aurea. É o fato é pauta da 6ª Sessão Ordinária de 4 de março de 1903, relembra a data memorável em que Taubaté abole o “elemento servil” e enaltece os grandes abolicionistas Conde de Santo Agostinho e Dr. João Malta; lembrando que Tremembé aboliu antes de Taubaté, quando em 1887 o Barão de Tremembé anunciava a libertação de noventa seres humanos escravizados de sua propriedade. Lamentável que a “canetada” foi mais política humanitária; e a 6ª sessão ordinária de 15 de marco de 1913 institui uma lei para o fechamento do comercio após as 15 horas no dia 4 de março, em comemoração a data da liberdade da “raça preta” no município. Mesmo tendo sentido pejorativo e preconceituoso, como os termos “negro”, “negrinho” criado pelos senhores (coronéis) das grandes fazendas, é sim, datas a serem comemoradas e lembradas, mas fica aqui a nota repúdio, que jamais se deve utilizar o termo (*) acima (hoje oficiais) para designar pejorativamente os seres humanos de origem africana; fazer o contrário é perpetuar a República coronelista discriminatória, que marginaliza. Não se utiliza cor de pele como elemento identificador de seres humanos. (*)Termo estes(negro, negrinho, negrinha, negra) para designar os seres humanos da África e as universidades propagaram e perpetuaram esses termos e a palavra mulata que é repetida com elogio, vem de mula + ata, animal infértil fruto do cruzamento do burro com a égua.

Outro apontamento que não poder ser esquecido...é que em 1890, numa atitude insana e débil mental, na tentativa de abolir do Brasil o estigma da escravidão e tornar branca essa página da história, o iluminado Rui Barbosa ordena que se incinerem nas caldeiras da alfândega do Rio de Janeiro, todos os registros possíveis e imagináveis da escravidão; arquivos do mercado escravista, origens, dados familiares, de maneira que os seres humanos escravizados nunca mais poderão reconstruir suas origens, suas histórias, suas raízes familiares/genealogias; livres mas sem passado, e hoje tentam reconstruir sua identidade cultural pela via religiosa. A partir de atitudes medonhas, como do brilhante jurista e político baiano Rui Barbosa, é que se instalou no Brasil uma economia especulativa tão prodigiosa e lucrativa para os grandes senhores (Coronéis, Barões, Viscondes) demonstrando o “parasitismo sangue-suga” que queimaram como “carvão humano” na fogueira do “ato civilizatório” e do “desenvolvimento”, algumas centenas de milhares de seres humanos escravizados sob o chicote sanguinário do Senhor, em nome do Império do Brasil; em nome da Colônia Brasil. Ainda, o Sr. Iluminado Rui Barbosa emite o Parecer 48, no seu art. 3º diz: “o escravo mesmo liberto tem que permanecer por 5 anos no seu domicilio (município) sob condição de ser declarado vagabundo, ser apresentado pela polícia e conduzido para a Colônia Agrícola ou trabalhos públicos.” Mesmo liberto era obrigado a trabalhar por 3 anos aos seus expatrões, e eram e eram eles quem estipulavam as condições de trabalho, salário, carga horária, alimentação e moradia.

As Atas e o Ensino Escolar Dizem os antigos das décadas de 1960 e 1970, que o sistema de ensino era melhor, mais eficiente, que aprendiam de verdade. Existe ainda um dizer popular que a escola pública não presta. Será que tudo isso é verdade? Deixo as respostas para os


professores, educadores e outros especialistas, mas uma coisa é certa, embora existam as deficiências do sistema educacional, desconhecimentos, entraves, falta de incentivo, é preciso que aprendamos que só a solidariedade faz a felicidade e o progresso harmonioso entre as pessoas, entre as nações. Impressiona, neste início do século XX, a quantidade de professores encaminhando ofícios e pedidos ao Presidente da Câmara, solicitando a exoneração dos seus cargos públicos, e maior ainda são os pedidos de afastamentos médicos para tratamento de saúde, prorrogação de licenças. E hoje em pleno século XXI, não é muito diferente. Sabemos que até 1918 (39), o ensino público era chamado de “Escola de Primeiras Letras” e “Ensino Preliminar”, era obrigatório a todas as crianças de todo o município, portanto ficaram isentas dessa obrigatoriedade os meninos que residissem a mais de 3 km da escola, e as meninas que residissem a mais 2 km da escola; os matriculados em idade escolar que não comparecessem à escola em 3 dias, cujos pais e responsáveis não justificassem em 5 dias, seriam penalizados com multa de 10$000 (Dez mil reis), e aos reincidentes, dobra-se; a não entrega das notas e grade disciplinar, multa aos professores 39 - 4ª Sessão Ordinária de 18 de abril de 1918;

de 50$000 (cinquenta mil reis); os maiores de 15 anos, que trabalhavam em comércio, indústria ou agricultura, deveriam frequentar escola noturna, o não cumprimento, implicava em multa de 50$000, imposta aos proprietários de estabelecimentos. Um dado importante em prol da educação e cultura, é que em 1916 é criado o Gabinete de Leitura Municipal (40), porém, sabemos através de outras fontes, que estes eram frequentados mais pelos acadêmicos e restringindo-se a entrada de negros e pessoas menos favorecidas. Ainda hoje são raros os municípios que possuem ambiente para leitura, era realmente um grande avanço para a época.

Informações Diversas da Sociedade Taubateense (41) Um dos fatos que merecem destaque durante a releitura das Atas do Conselho de Intendência da Câmara Municipal, é a proibição em 1890 das casas de divertimento chamados Jongos ou Tambaquis dança anterior ao samba conhecida como caxambu, seriam de origem dos povos africanos. Essas danças e outras atividades recreativas para a preservação daquela cultura, que foi um dos pilares-base da formação do Brasil, que sofreu e ainda sofre a tentativa de erradicação, através da propagação de outras culturas, como a europeia, a aculturação a ferro e fogo, como ocorre desde século XVI. Nesta época as casas de Bingo e Loto foram autorizadas pelas Posturas, mas como haviam muitos problemas de ordem pública, com roubos, brigas e algazarras, o Delegado de Polícia publicou um edital proibindo todos os jogos, inclusive a tômbola, víspora (bingo) e a multa aos donos das casas eram estipuladas em 20$000 (vinte mil reis); contudo esses documentos não mencionam a mando de quem houve a proibição. Havia também o clube da Associação do Empregados do Comércio, e nele foi autorizado a construção de stand de tiro, de acordo com as exigências da Confederação de Tiro Brasileiro. Em 1914, a Câmara pede a criação de uma guarda noturna para o policiamento à noite, o qual deveria trabalhar em conjunto com a Delegacia de Polícia, apoiando, reforçando policiamento estadual, e assim ficou criada pela Lei 158/1915, e pouco mais de um ano; em relação aos encarcerados, estes eram separados em três categorias: sentenciados, pronunciados e presos à espera de pronúncia (presos em flagrante); para a primeira e segunda categoria, o Estado fornecia alimentação,

para o terceiro não, 40 – Criada ´pela lei 172 na 4ª sessão ordinária de 18 de maio de 1916. Obs: o Liceu Taubateano foi criado em 1817, por ato da Assembleia Legislativa Provincial, era Colégio Público, às expensas do Governo da Província, lecionava Filosofia, História, Geometria, Frances e Latim, funcionou até 1852 seu primeiro diretor foi o Padre Manoel Munis Simoes, fechou a unidade de ensino e até hoje ninguém sabe declinar o motivo da época.


41 – Sessão Ordinária de 20 de setembro de 1890; 17ª Sessão Ordinária de 19 de agosto de 1890; 20ª Sessão Ordinária de 1 de novembro de 1890; 9ª Sessão Ordinária de 17 de setembro de 1914, 9ª Sessão Ordinária de 7 de Outubro de 1915, 8ª Sessão Ordinária de 16 de agosto de 1917; 3ª Sessão Ordinária de 3 de junho de 1919.

havia fornecimento de alimentos, ficando estes à mercê da caridade de alguém. Então o Promotor José P. Corsino intercede junto ao Intendente Municipal através do oficio, para que a municipalidade “assistam a esses miseráveis que passam fome.” Outro fato interessante é que todos os veículos eram registrados e emplacados na prefeitura, e a Carta de Condutor (hoje CNH) também era emitida pela prefeitura, após o condutor comprovar ser maior de 21 anos, não tem passagem na Polícia e nem ser portador de qualquer moléstia contagiosa, bem como, ser aprovado nos exames teórico e prático. A partir de 1924, a idade mínima exigida para conduzir automóveis baixou para 18 anos, havia também uma legislação municipal de trânsito, espécie de Código de Trânsito Brasileiro, com multas, suspensão, proibição de conduzir veículos; os coches condutores de carros de boi, charretes eram obrigados a pagarem taxas à municipalidade e ter autorização especial para transporte de pessoas. Localizada a ata da vereança de 5 de setembro de 1796; “Termo de Vereança para a Correção Geral Dentro e Fora da Villa”; nela encontramos um fato muito curioso e usualmente familiar, a propina. Segundo o historiador Rocha Pombo (1857-1933) Coletânea a História do Brazil – anno 1926, Livro 2, “Todos os Juízes e Oficiais, além de ordenado, recebiam “propina”, excepto os escrivães que percebiam as custas”, ex: o Governador Geral do Brasil recebia 900$000 de propinas por ano, o chanceler recebia 700$000 e 600$000 de propinas; os membros do tribunal, além do ordenado e mais 300$000de propinas. Aqui no Valle do Parahyba não foi diferente, na Casa do Conselho de São Francisco das Chagas (Câmara de Vereadores) a propina era normal e tida como qualquer provento em dinheiro que os oficiais da Câmara ganhavam, por ex., por apenas elaborar uma lista com nomes de comerciantes (autônomos) que pagariam as taxas e tributos para aquisição do Alvará para vendas e outros ofícios de profissional liberal veja: “(...) na mesma se mandou passar mandado para o Procurador do Conselho pagar doze mil reis (12$000) de presente Correição aos oficiais dela, de suas propinas...” in termo de vereança de 5 de setembro de 1796, hoje a prática da propina é imoral, tida como um suborno, troca de favores, entre outros. Está aí, a propina de hoje tem suas raízes no Brasil Colonial; o que era uma gratificação legal, tornou-se uma prática para comprar pessoas, principalmente na administração pública.

O Cunhadismo – A Genealogia Vale do Paraibana, Taubaté Da mestiçagem pretendida para a formação do Brasil, a forma utilizada era o “cunhadismo”, que é considerado como uma “grande odisseia” sócio-sexual, onde inicialmente casavam-se o branco colonizador com as filhas dos caciques para se tornarem parentes, aumentando seus poderes e posses, tornando-se os chefes do mandonismo local; e após, o casamento entre outros membros da família. E João Ramalho é exemplo desse espetacular cunhadismo, inaugurada nas malhas do sertam d’piratinim, e por outras, no Valle do Parahyba; Ramalho era casado com a filha do chefe da aldeia guaianaz no planalto Piratininga, sendo a Bartira ou [Mbicy], filha do cacique Tibiriça da aldeia Inhapuambuçu; da forma que quando da chegada no Brasil de Martim Affonso de Sousa (1532), Ramalho já havia fundado São Bernardo da Borda do Campo e correu para o litoral visando defender Martim (Governador Geral do Brasil) e sua comitiva, pois iriam ser dizimados pelos Tamoios e Tupinambás, e com esse cunhadismo pretendido, Ramalho gozava de grande poder e prestigio perante todas as principais lideranças nativas neste início da colonização e aqui no Valle do Parahyba não foi diferente, o casamento entre pessoas da mesma classe com grande poder, dominado em determinado local ou região.


Em relação aos casamentos em Taubaté, o Coronel Manoel Marcondes Amaral contrai matrimônio com a sua prima Emília Marcondes do Amaral Toledo e depois casase com a filha de Emília, Anna Rosa Marcondes de Palma, citada na historiografia como prima de Manoel Marcondes, que na verdade era sua enteada; o capitão Cândido Marcondes Ribas, casa-se com sua parente, Anna Rosa Marcondes do Amaral; o capitão João Baptista Marcondes do Amaral, casa-se com sua sobrinha Cândida Marcondes Ribas, ele é tio materno de Cândida, todos eles são parentes entre si, o comendador Antônio Moreira da Costa Guimarães casa-se com sua prima-irmã Escholástica Marcondes do Amaral. Antônio Marcondes do Amaral casa-se com sua sobrinha Mariana Amélia Marcondes (ele é tio materno dela); o tenente José Augusto Moreira da Costa casou-se com sua sobrinha Izabel Maria Marcondes do Amaral (ele é tio materno dela); o militar oficial Manoel Moreira de Mattos, casou-se com sua prima Cândida Augusta Marcondes; Francisco Moreira da Costa casou-se com sua prima Francisca Moreira de Mattos; o Major Francisco Fernandes Oliveira casou-se com sua prima Maria José Augusta Moreira da Costa; o Coronel Manuel Inocêncio Moreira da Costa casou-se com sua sobrinha Rosina Moreira da Costa; o Tenente Coronel Antônio Moreira da Costa casou-se com sua sobrinha Benedicta Roldana de Almeida; o Major Joaquim Antônio de Camargo Ortiz, contraiu matrimônio com sua prima Theodora Ortiz Monteiro (parenta do Visconde de Tremembé); e assim se deu e se dá o mais espetacular cunhadismo entre os poderosos coronéis, casavam-se entre si; com juízes, promotores e doutores, uns casavam com a mãe e com filha da mãe; e nos dias atuais não é diferente, o cunhadismo ainda permanece entre as classes mais abastadas; são centenas de casos desta vasta genealogia vale paraibana, a qual merece um trabalho historiográfico específico, diante da vastidão do assunto. E falando em genealogia, é um interessante ramo da história que tem sido muito incompreendida através dos tempos, embora seja um capítulo dessa ciência que mais próximo toca a todos nós, faz nos descobrir coisas boas e coisas ruins; a genealogia abre-nos muitos horizontes, pois é através das famílias que inicia a sociedade, as histórias regionais, que como um todo, vem construir a nossa pátria; e cultuar a memória daqueles que de certa forma fizeramnos legatários de seu sangue, é manter viva a memória e a cultura de um povo, e só assim compreendemos o presente pelo passado, quem somos, pelo que fomos.

O Partido Republicano Paulista O “compromisso coronelista” e o “Partido Republicano Paulista” marcavam a relação entre o Poder Estatal e Poder Privado dos Coronéis do interior do estado de São Paulo - Nilo Odália-USP

No ano de 1872 nasce o PRP – Partido Republicano Paulista* representado pelas classes dominantes de São Paulo, era composto por membros da “elite cafeeira”, a qual era favorável à manutenção da escravidão, em que a propriedade escrava era a base de todo o crédito e a forma dessas elites obterem dinheiro dos banqueiros, usuários e exportadores, o escravo, leia-se: seres humanos escravizados era a principal garantia hipotecária. E quando surge o “Primeiro Congresso Republicano” da província de São Paulo em 1873, o PRP resiste a qualquer simpatia pela liberdade dos seres humanos escravizados, pois estariam contrariando seus próprios interesses “de fazendeiros”; é claro que uma minoria era abolicionista, porém radical, como Bernardino de Campos e Luís Gama; mas em linhas gerais o PRP mantém sua postura defendendo o terrorismo que foi o escravismo no Brasil e no Vale do Paraíba. Diante do fato consumado, em 1887 o PRP adere ao abolicionismo. Neste período, o partido era apenas um grupo de pressão representando os “interesses paulistas” deles dentro da política imperial, já que o PRP era incapaz de mexer no centro nervoso, na espinha dorsal do Regime Monárquico, e a escravidão. Foi preciso que outros grupos


preparassem o caminho para a sua futura ascensão política: os grupos abolicionistas radicais, representados pelos líderes José do Patrocínio, Antônio Bento, Bernardino de Campos, Silvia Jardim, entre outros, ao incentivar a fuga em massa das fazendas, e a formação de quilombos, tirando a base de sustento do Regime (neste período houve verdadeiros massacres aos quilombos; o Exército se recusava a caçar os escravizados) forçando a Princesa Isabel a assinar a Lei Áurea que ocorreu em 13 de maio de 1888. É evidente que a “canetada” foi mais política, pela pressão, do que humanitária. Com a implantação da República em 1889, a estratégia dos “paulistas” nesse período inicial, e ao mesmo tempo consolidar seu poder regional e o principal era intervir na política federal para garantir reformas que beneficiassem a “Elite Cafeeira Paulista” (obs: mais tarde, em 1893, é criado o Partido Republicano Federal, o mais forte e sólido da elite política brasileira cafeeira), e o presidente Marechal Deodoro da Fonseca colocou Rui Barbosa (aliado da burguesia bancária do Rio de Janeiro, bem como, do banqueiro e conselheiro do Estado Francisco de Paula Mayrink) numa posição privilegiada em relação aos outros ministros, e lhe deu carta branca para realizar uma política financeira desagradável junto a seus colegas, prova dessa conduta impopular, é que Rui imediatamente lança Decreto, aos 17 de janeiro de 1890, à revelia dos outros ministros, tratando logo de indenizar (42) com cifras astronômicas os antigos proprietários de seres humanos escravizados, a elite cafeeira, os poderosos coronéis e barões. 42 – Como falei anteriormente; a propriedade escrava era a base de todo o crédito e, portanto, o desaparecimento dos escravos, significou a perda de valor dos títulos de propriedades acumulados pelos bancos em troca de empréstimos aos proprietários de escravizados.

Um dos mais fortes golpes contra o “Poder Privado dos Coronéis” que vinha explicitamente limitar as arbitrariedades do “mandorismo” local no campo político, foi a promulgação da Lei 979, de 23 de dezembro de 1905, instituindo a Polícia Civil de Carreira, que significou tirar do âmbito municipal e dos coronéis o controle sobre importantes instrumentos de poder e depositá-los nas mãos do Estado; o fortalecimento do “Poder Público” perante o “Poder Privado” dos coronéis, como aludi no epígrafe, e transferir para as mãos do Estado o controle da Polícia Civil; a Polícia Judiciária era uma necessidade, abolir o antigo chefe de polícia e criar os delegados de carreira 43, subdelegados e seus suplentes passaram a ser nomeados pelo livre convencimento do presidente (Governador) do Estado; mas é claro que esse processo de centralização da Polícia Civil, de imediato, não aboliu as práticas coronelistas tão recorrentes na política paulista, mas seus agentes seriam, de agora em diante, submetidos, a um Estado que reivindicava com êxito cada vez maior o monopólio do uso da “violência física legitima”. A presente lei foi instituída no governo Jorge Tibiriçá, Governador do Estado por dois períodos (1890-1891 e 1904 a 1908) não esquecendo que Tibiriçá fazia parte da comissão executiva do PRP por dezessete anos, permanecendo até 1924 no cargo. Segundo adorno 1988, pp. 73-4, “não só os ‘fazendeiros’ evocavam para si funções policiais e judiciárias, como, outrossim, mantinham controle quase absoluto sobre o veredicto do Júri e sobre as decisões judiciárias, e durante todo período imperial houve uma ‘verdadeira conexão’ entre os juízes e os ‘fazendeiros’ do interior, a ‘origem dual’ do poder, sendo difícil decidir qual fonte de poder (a pública ou a privada) era verdadeiramente responsável pela dependência judicial.”

A Questão da Terra no Inicio da República A Posse, o Domínio, e a Propriedade da Terra: Antecedentes. “A Constituição republicana de 1891 estabeleceu que as terras públicas passariam a propriedade dos Estados em que estivessem situadas, contribuindo assim para a apropriação das mesmas pelos coronéis que, com seus currais eleitorais, elegiam


deputados, senadores e os governadores. Assim, ao invés de trazer uma contribuição a solução do problema agrário a fim de atenuar a pressão das classes menos favorecidas, que necessitavam de terras para cultivar, a constituição dificultou o acesso à propriedade da terra às mesmas” [In Manuel Correia de Andrade – Fundação Joaquim Nabuco]. A República proclamada em 1889 herdou do Império um sistema fundiário que se consolidara desde a invasão do Brasil pelos portugueses. Esta invasão, que se dera nos primeiros anos do século XVI, segundo consta a história tradicional, quando os delegados (43) comunidade, visando o abastecimento imediato, não se preocupavam em acumular alimentos. 43 – Os delegados precisavam ser bacharéis em Direito, tendo plano de carreira de 1ª à 6ª classe, iniciando com a 6ª classe, ia progredindo, não podiam mudar de classe sem antes trabalhar um certo período na classe em que estavam habitantes primitivos do Brasil viviam num estágio de desenvolvimento em que não conheciam a propriedade privada da terra, então os portugueses foram se estabeleceram nas terras que iam dominando, porém, a legislação portuguesa nem sempre era adaptada as condições locais.

Os povos nativos eram nômades, viviam em tribos, afeitos a caça, pesca e ao plantio em comunidade, visando o abastecimento imediato, não queriam acumular, a plantação era somente para sobrevivência, ainda que rudimentares possuíam algumas técnicas para conservação de alimentos, principalmente carnes, a produção agrícola e extrativa não era predatória, não havia estimulo para o comercio da região, contudo, já praticavam a técnica da produção agroflorestal, que nos demoramos séculos para compreender e desenvolver. A história oficial contemporânea que só com o início do povoamento da colônia, com a expedição de Martim Affonso de Sousa (1530-1533), é que começaria o processo de apropriação de terras e o início do comercio de produtos florestais, sobretudo, o paubrasil, utilizando a força de trabalho dos povos nativos a serem escravizados; mas na realidade a história verdadeira é outra; na chegada de Martim Affonso em 1532, um personagem que se fizeram apagar sua odisseia sociocolonial é Joao Ramalho, que já se encontrava aqui e já gozava de muito prestigio e poder, e há muito havia fundado Santo André da Borda do Campo, mas logo a força jesuítica iria contrapor a força de Ramalho uma forte consciência no controle das aldeias e dos nativos; pois os jesuítas atribuíam para si o direito de liderar de forma absoluta esses aldeamentos em nome da fé cristã, Ramalho era um imperador local com mais poderes que El`Rey. Quanto a invasão do Brasil nos primeiros anos do século XVI (44), a história segundo pesquisas recentes, é que o Brasil foi descoberto em 1342 pelo capitão da marinha mercante de Portugal Sancho Brandão, que adentra a “insulla (do Brasil)”pela foz do Rio Siará galgando a koty: ponto de encontro do tupi e Itapema: pedra quadrada do tupi, ambos aldeamentos; logo Lisboa passa a ser a capital “terra do novo mundo” ( que depois de 150 anos passa a ser chamada América), com amostras de madeiras que solta tinta vermelha embarcadas por Sancho. Em 1343 o Rei de Portugal Affonso IV enviou uma carta régia ao papa Clemente VI (localizada na carta régia) noticiando o achado da “Insulla (do Brasil)” nas “terras do novo mundo”, retratando detalhes dos assentamentos dos povos nativos, em 1500 Vasco da Gama ordena que Cabral desvie a rota e ocupe definitivamente o território já com rota pré-determinada desde 1342, e olha que Gama nunca esteve no Brasil; 150 anos após Cristóbal Cólon (Cristovão Colombo) (45) que 44 - Notícias do descobrimento do Brasil in archivio Segreto Vaticano Reg. Vat 138 FF 148r e 149r; Coletânea do Centro de estudos do humanismo critico de Portugal e América Latina, Debates Paralelos Tema Viver História, Vol.12 2017, parte 2 por João Barcellos e Ronaldo Messias, Johanne Liffey, Hugo Augusto Rodrigues, Celine Abdullah, Carlota M, Moreyra, Maria Augusta Castro e Souza (a Mac´s); 45- Navegador Genovês a serviço do rei de Castela

estava a serviço do rei da Espanha (Castela), nomeia todos os povos nativos abaixo da linha do Equador como índios, pois na sua imensa ignorância, achou ter chegado nas Índias e passado a “perna” em El´Rey, as universidades da Espanha propagaram isso,


de tal maneira que hoje tem nativo que diz: “Mim índio, eu índio”, um grande ultraje histórico e acadêmico presente até hoje como verdade oficial. Quanto ao processo de apropriação de terras, ditas devolutas, o Rei de Portugal D. Fernando cria a Lei de Sesmarias promulgada em 26 de maio de 1375, em um dos artigos possuía a finalidade de localizar colonos cristãos em terras conquistadas. Como o território “Insulla do Brasil”, era colônia do Portugal e pertencia à “Ordem de Cristo”, ao criar as capitanias hereditárias, sendo as primeiras divisões administrativas do Brasil, o Rei estabeleceu nas “Cartas de Forais” destinada aos donatários que eles poderiam reservar apenas uma porção de terras, devendo doar a pessoas da religião cristã e com capacidades financeiras, além disso o sesmeiro tinha a posse da terra, mas não tinha o domínio e deveriam pagar o dizimo à Ordem de Cristo. Vejamos parte da Carta de Sesmarias do ano de 1628 que localizei no ano de 2017, acerca da formação de Tremembé e São Francisco das Chagas (Taubaté): “João de Moura Fogaça, cavaleiro folgado da casa de sua majestade, capitãomor da capitania de São Vicente e nella procurador bastante e lugar-tenente da Condessa de Vimieiro, dona Mariana de Sousa Guerra, donatária perpetua da dita capitania (...) por devolutas e desaproveitadas (...) e mister que V.M. lhe dê em nome da senhora condessa como seu capitão-mor e procurador a cada um deles meia légua de terras de Pindamongava até Teremembé e logo meia légua partindo com ele Jaques Felix e seu filho Belchior Felix que pedem a V.M.(...) para que as ditas datas (pequenas porções de terras) saiam em quadra cada uma...” [Angra dos Reis 21 nov. 1628]. E quanto ao passamento da Sesmaria, este se deu um dia após, vejamos: “Por virtude do dito despacho conforme dado nelas lhes deu a dita terra e lhe hei por dadas, por devolutas e desaproveitadas, assim e da maneira já declarada. Com todas as entradas e saídas, logradouros para eles suplicantes e seus herdeiros, foros e livres de todo o tributo e pensão, somente o dízimo ao Nosso Senhor e para que conste em todo o tempo em como por mim lhe foi feita e será registrada nos livros do tombo e nos registros e alfandega de sua majestade e onde as tem, e esta carta se irão registrar. Dada nesta villa de Angra dos Reis aos 22 do mês de novembro de 1628, a qual vai por mim assinada e selada com o selo judicial e notas desta villa de Angra dos Reis a fiz por mandado pelo escrivão dos dotes não estar na villa, Joao de Moura Fogaça...” Então, a doação de terras em sesmarias, embora não desse o domínio, mas somente a posse ao seu titular, provocou um processo de ocupação e apropriação das mesmas, sob a égide da grande propriedade, e definiu um processo de dominação do latifúndio que até hoje permanece no Brasil, principalmente nos períodos da implantação da canade-açúcar e do café originando uma civilização patriarcal, que Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala classifica como latifundiária, monocultura e escravocrata, dando origem a uma oligarquia que, durante o período Colonial e Imperial, do alto de seus casas-grandes, ditavam as normas da vida política brasileira. Durante três séculos, os donatários e os Governadores Geral do Brasil distribuíam sesmarias, até nos rincões mais remotos do Brasil, a pessoas “grandes” e influentes, e que participavam, direta ou indiretamente da ação da conquista do território através da apropriação das tribos indígenas. Interessante saber que, a Lei de Sesmarias sempre foram burladas, a ponto de formarem grandes latifúndios com dezenas de léguas de extensão em terras continuas, um exemplo disso é a capitânia de Itanhaém possuía aproximadamente 600km de extensão incluindo seus certoes com seus padrões (marcos divisionários) ostentando, esculpindo as armas de Portugal, nasce aí o Império dos coronéis latifundiários. Ao lado do “processo legal” de apropriação de terras pela doação de sesmarias, ocorria também a apropriação por parte de pessoas de menor poder aquisito e prestigio, que se instalavam em áreas menos acessíveis, implantando roças e currais, eram chamados e ainda hoje são chamados de posseiros e grileiros; estes ao terem suas terras apropriadas por senhores do prestigio junto ao governo colonial, tinham que se


submeter e acabam se tornando foreiros ou fugiam para terras distantes, pois os latifundiários possuíam suas milícias armadas. A crise no sistema colonial, ocorrida nos fins do século XVIII, provocou naturalmente, problemas que demandavam medidas renovadoras, tanto de ordem política, como econômica, mas só em 1822, quando já estava adiantado o processo de separação política do Brasil e Portugal (46) foi extinto o sistema de sesmarias (após 447 anos), estabelecendo a aquisição da propriedade pelo “Reconhecimento da posse da terra” Com esse reconhecimento do decreto de posse, os pequenos posseiros teriam direito a fixarem nos locais que exploravam, mas sempre não possuíam condições de fazerem valer o seu direito perante os grandes senhores e ás autoridades. Para tentar minimizar a situação durante o império, o governo criou a concessão de pequenos lotes de terra, as “datas”, mas só para estrangeiros que viessem para formar colônias, como italianos e alemães, muitas vezes a concessão se dava em áreas isoladas e próximas às tribos indígenas, tratava-se de uma ocupação bem diferente daquelas feitas para as áreas cafeeiras, que visavam garantir a força de trabalho nos cafezais, no entanto ocorria para garantir a ocupação “portuguesa”. 46 – Erro comum é que os historiadores juntam os dois acontecimentos, a Independência e a separação do Brasil de Portugal, que foi propagado maciçamente em montagem sociopolítica até se tornar verdade oficial. 1º A independência do Brasil já está proclamada desde janeiro de 1808 quando a expedição da Carta Régia franqueando a abertura dos portos por D. Joao VI, e não em 1822; tanto em 1811 todos os cronistas já falavam de suas publicações, sobre a Independência do Brasil frente à balança comercial internacional , frente as questões bíblicas (RFFY) de minerais religiosas, de caráter nacional, a Imprensa Régia fala sobre a bravura do soldado brasileiro (lapidadas nos últimos 300 anos de colonização); 2º Em 4 de janeiro de 1816 o Brasil deixa de ser colônia e foi elevado a reino, ainda que unido politicamente a Portugal tem a sua sede/trono aqui, nesta data o Brasil subiria a metrópole independente, enquanto Portugal era rebaixado a colônia. 3º D. Pedro I não foi o proclamador da Independência e não criou a proclamação e sim, foi reivindicador para que se completasse a efetiva “separação política” do Brasil de Portugal; mas na verdade o maior reivindicador e proclamador, foi o Regente Imperial Padre Diogo Antônio Feijó, que faz das Cortes de Lisboa palco para manifestar um Brasil independente reafirmando assim a sua independência conquistada, em 1808 e sacramentada em 1816, e isso ocorreu num momento em que Portugal tentava reverter a situação através de uma recolonização, ai efetivou-se a definitiva separação política. In Celso Vieira, IHGB – Instituto Histórico e Geográfico do Brasil – publicações da Academia Brasileira de Letras, RJ 1941

Com esses fatos e a defesa dos “direitos” da elite latifundiária, determinaram a promulgação da Lei de Terras (nº641 de 18 de setembro de 1850) qual estabelecia o processo de compra e venda para aquisição de propriedades; o impedimento do acesso a terra a posse da terra por parte da população rural pobre, criou entre os proprietários e não proprietários, que já eram muitos no início do século XIX, e que tenderiam a acentuar mais ainda com a abolição da escravatura, então políticos mais abastados a mudanças e reformas propuseram a realização de uma política de democratização da terra, como Joaquim Nabuco, que defendia a reforma agraria já em 1884, (e até hoje a questão da reforma agraria é uma pedra no sapato do governo brasileiro); como André Rebouças, que falava de uma política da escravatura com desapropriação, para a colonização de terras situadas às margens do rios navegáveis e das ferrovias a serem construídas. Ao ser proclamada a República em 1889, o novo governo procurou fazer algumas modificações, visando o desenvolvimento da industrialização, dando autonomia às antigas províncias, transformadas em Estados, mas o problema do acesso a propriedade da terra piorou, o acesso foi freado, impedindo que a grande massa pobre alcançasse o status de cidadania, e isto se deu porque essas massas não estavam organizadas para pressionar os “poderosos”, e porque o Partido Republicano esteve sempre ligado aos grandes fazendeiros de café e aos senhores – de engenho de açúcar, não tendo lutado, na última década do império pela abdicação. Com a constituição republicana de 1891, em seu artigo 64, estabeleceu que as terras públicas passavam à propriedade dos Estados em que tivessem situadas, contribuindo assim para a apropriação das mesmas pelos “coronéis” que, com seus “currais eleitorais” elegiam os deputados, senadores e governadores. Assim, ao invés de trazer uma contribuição à solução do problema agrário, a fim de atenuar a pressão das classes


menos favorecidas, que necessitavam de terras para fazerem seus alimentos, a constituição dificultou o acesso a propriedade da terra às mesmas. Durante a Primeira República (1889 – 1930) os governos permaneceram indiferentes às pressões populares a favor de uma reforma agrariam, enquanto as oligarquias mantinham “a ferro e fogo” o contra de qualquer tentativa de reforma; as massas populares espoliadas não se organizaram para obter o acesso a terra, vivendo a mercê dos grandes proprietários e dos grandes posseiros, daí a origem dos conflitos entre os proprietários de terras e os posseiros, materializados em confrontos pessoais com destruição de bens e assassinatos, ora através dos movimentos populares, ora acobertados por posições messiânicas como a Guerra de Canudos (1896/97) na Bahia, onde o Estado não soube como resolver a situação, e o ódio e o medo propagado pela imprensa, Exercito, Igreja, e pelo governo contra os seguidores de Antônio Conselheiro chegou ao paroxismo da perversidade onde todos os Contendores foram exterminados na mais espetacular carnificina, e como na Revolta do Contestado (1912-1916) no Paraná e Santa Catarina. Assim, a luta entre os grandes beneficiários do sistema tomou forma, as mais variadas nos diferentes pontos do país, deixando para a Segunda República a responsabilidade de começar a discuti-lo, mas que até hoje não foi solucionado Boas reflexões a todos. Ronaldo Cesar da Silva Messias Pesquisador da Geo-História Regional Sorocabana e Vale-Parahybana.

POSFÁCIO “A principal razão que leva as pessoas a enfrentar as dificuldades do desconhecimento da história está no fato de que as mesmas passam anos na escola aprendendo o superficial. O abnegado pesquisador coletou informações detalhadas e dispersas em diversas fontes, condensando-as nesta obra, para propiciar aos leitores o conhecimento que não é ensinado nos bancos escolares.”

Referências Bibliográficas • • • • • • • • •

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Antes de 1500... João II, o Ramalho e o Bacharel. João Barcellos

Isto mesmo: antes de 1500... Em carta de fevereiro de 1343 ao papa Clemente VI, o rei luso Afonso IV anunciava a descoberta, em 1342, de uma ilha grande por Sancho Brandão, capitão da Marinha Mercante, e a essa ilha deu ele o nome Ilha do Brasil, por causa da grande quantidade de toras de pau-brasil desembarcadas na maravilhada Lisboa. No âmbito do Plano da Índia, gizado pelo rei João II, um século depois, sabia-se mais do que foi registrado nos arquivos do Estado monárquico. A saber: dando continuidade à odisseia atlântica do avô Pedro, duque de Coimbra e Regente, João II permitiu que cristãos-novos deixassem o reino para fazerem pesquisas em terra d´além-mar, entre eles, um João Ramalho, de Vouzela (região de Vizeu), e um castelhano dito Cosme Fernandes, bacharel de Salamanca e ouvidor na Feitoria da Mina, no golfo guineense. Ramalho e Fernandes seguiram para além de Cabo Verde, em datas diferentes, mas o primeiro se fez ao largo da Linha tordesilhana e, logo, serr´acima para adentrar os ´certõens y mattos´ de Piratininga [do tupi-guarani, q.s., peixe para secar], enquanto o segundo ficou como pé-de-serra na Maratayama (do guarani: entre a terra e o mar] para logo levar os guaranis mais para o norte e erguer a aldeia Gohayó [do hebraico: ponto de abastecimento] e o Porto das Naus.

João II, Ramalho e Fernandes [o Bacharel]

Ambos receberam carta reinol de ´privilégio´, i.e., permissão para representar el-rei João II nas terras descobertas e a descobrir. Ramalho recebeu a sua em 3 de abril de 1487, o que fundamenta a minha defesa historiográfica: “[...] os portugueses, depois do acaso de 1342, estão no Brasil desde cerca de 1490, no ponto sul da Linha de Tordesilhas”. A ´carta de privilégio´ assinada por um monarca nomeia a pessoa agraciada como cavaleiro do reino, e é o que consta da história de João Ramalho registrada em Vouzela, sua terra natal. Já o Fernandes castelhano e judeu, seguiu para a Casa da Mina. Como foi? Ou foi indicado pela Ordem de Cristo, ou o donatário [Álvaro de Caminha] o era –, mas, não existem evidências quanto a isto. Já no caso da feitoria de São Jorge da Mina, a região e a cidadela estão sob a jurisdição da Ordem [templária] de Cristo, entre 1482


e 1514, logo, o ilustrado Cosme Fernandes é designado sob os bons ofícios templários. Como judeu apostasiado e degredado, Cosme Fernandes não pode ter poderes de decisão nem ocupar o cargo de Ouvidor, mas ele é um ilustre bacharel e o reinado joanino não despreza mão-de-obra especializada, muito menos os feitores originários daquela instituição: e foi por vontade própria, segundo documentos da feitoria, que Fernandes deixou o golfo guineense e se deslocou para o sul da Linha tordesilhana acompanhado de um punhado de marujos lusos. Vem este assunto a propósito de uma reportagem do jornal Diário do Grande ABC, em Santo André, que revela pesquisas de Andreia de Jesus Cintas Vazquez e Damiana Rosa de Oliveira para a publicação do livro A Fantástica História (Ainda não Contada) da Tradução no Brasil, um trabalho para celebrar o ´língua´: “Queríamos mostrar que o tradutor, apesar de nunca lembrado, sempre fez história”. No que as duas pesquisadoras têm razão. Antes da odisseia jesuítica orientada por Manoel da Nóbrega ao sul tordesilhano, os línguas, digo, os que traduziam a linguagem dos povos nativos, eram, serr´acima o Ramalho e no pé-da-serra o já então denominado Bacharel de Cananeia.

Observação Historiográfica Acerca Do Bacharel Para Uma Melhor Leitura Da Época Leiam a carta sesmeira vicentina de 1542: “[...] faço saber ao que esta minha carta de confirmação de sesmaria virem, como por Pedro Correia, morador nesta vila de São Vicente me foi feita uma petição em que diz que por Gonçalo Monteiro, que aqui foi capitão, lhe foram dadas umas terras da outra banda desta vila, que é o Porto das Naus, terra que era dada a um Mestre Cosme, Bacharel” [in “Esboço Histórico da Fundação da Cidade de Iguape”, por Ernesto G. Young, 1896]. Tal documento tem origem nas terras onde viviam os guaranis, que deram guarida o Bacharel que fora Ouvidor na feitoria de São Tomé, no golfo guineense, e de lá decidiu largar tudo e seguir para o ponto sul tordesilhano para ser o ´ponto humano´ a representar, não Portugal, mas Espanha. Na região da Ilha Comprida [Cananeia e Iguape] teve o Bacharel terra abundante antes de conseguir levar os guaranis para terras de melhor cultivo, onde fundou Gohayó e o Porto das Naus. Aquelas terras passaram aos seus herdeiros e um deles era o capitão Francisco Álvares Marinho. Em suas pesquisas nos arquivos de cartórios de Iguape, Young conseguiu dar visibilidade ao bacharel e dar à luz historiográfica um nome: Cosme Fernandes Pessoa – o Mestre Cosme.

O Bacharel em traço de João Barcellos


É este Bacharel (de Cananeia), já calejado na sua função reinol de Ouvidor a serviço do rei João II, que o recebeu como cristão-novo fugido da Inquisição incentivada pela rainha Isabel, fanática e criminosa católica, que vai desencadear a partir de Maratayama o ciclo mameluco ibero-guarani mais robusto a gerar uma nação nos limites teopolíticos da Linha de Tordesilhas.

João Barcellos Sam Paolo dos Campi de Piratinin, 2018

Em Tempo

| Ruy Hernández

[Das observações públicas via teleconferência pela revista ´noetica.com´; fev. 2021. Anotação da jornalista Cris Jordão.]

Em reeencontro com textos de leitura paralela gerados nas meticulosas observações do artista plástico e pesquisador de história Susumo Harada em pleno Piabiyu (ou, como ele escreve: Peabiru, no aportuguesamento geral), na região de Itapevi, outrora território da Paróquia de Nossa Senhora de Monte Serrat d´Acutia, percebo que o documento achado pelas pesquisadoras Andreia e Damiana, do ´ABC´ paulista, não só sublinha a falta de estudos na Alta Autoridade Acadêmica portuguesa (e não da brasileira, pois que as ´fontes´ estão na sede da administração do espaço ultramarino colonizado), como demonstra que as pesquisas de Harada devem ser continuadas, o que também fazem raros historiadores dentro das limitações existente num Brasil que sangra e nega a sua história própria. Harada, de quem recebi dois livros preciosos enviados pela saudosa Marta de Novaes, redesenhou o percurso de Schmdil [in “1553, Ulrico Schmdil. Dossiê”, e “Pequeno Ensaio do Peabiru”] e deu-nos uma imagem mais aproximada dos acontecimentos da “época em que Ramalho e o Bacharel


dominavam os nativos tupis e guaranis além Serra do Mar e no litoral entre Ubatuba e Maratayama” [Barcellos, livros diversos]. Conheci o Brasil da ´gente paulista´ quando fui conhecer o ´Sítio Arqueológico dos Fornos Catalães montados por Affonso Sardinha no Século XVI´, no Cerro Ybiraçoiaba, acompanhado por dois ´monstros sagrados´ da história local: Aziz Ab´Sáber e João Barcellos. Jornada inesquecível. Logo depois, conheci o artista Harada, no “percurso inca-guaran Itapevi, Jandira Ibituruna e Ybiraçoiaba” (como Barcellos define). Então, deram-me a conhecer a história de Ramalho e do Bacharel (sim, Bacharel, formado nas Escuelas Técnicas da Universidade de Salamanca) e, agora, recebo a notícia desse documento achado acerca da autorização dada pelo rei João II para Ramalho viajar à ´Ilha do Brasil´, bem antes do reconhecimento da terra feito por Álvares Cabral, na segunda viagem à Índia, inclusive, interrompendo-a e logo a retornar à mesma. Esse documento mostra também como o rei João II tinha perfeito conhecimento das terras já tocadas em 1342 pela marujada mercante do rei Afonso IV, ou, pelo menos, delas estava ciente, ou nem permitiria a aventura de Colombo, que por ali arribou pensando estar na ´India, como também observou o professor Alfredo Pinheiro Marques [in “A Maldição Da memória Do Infante Dom Pedro...”, livro referência acerca das navegações portuguesas dos Séculos XV e XVI).

Ruy Hernández Revista ´En Vivo y Art´ Barcelona / Espanha, 2021

NOTAS ÁLVARO DE CAMINHA, CAPITÃO-MOR DE ILHA DE SÃO TOMÉ – Humberto Baquero Moreno, ensaio _ in Congresso Internacional “Bartolomeu Dias e a Sua Época” | Actas; Universidade do Porto, 1989. DO BACHAREL A AFFONSO SARDINHA (O VELHO) PELO PIABIYU – João Barcellos. “Estudos Piabiyuanos”; palestra/opúsculo _ Cotia, São Paulo, Itapecerica da Serra, São Vicente, Cananeia | Brasil, 2010. O MANUSCRITO DE VALENTIM FERNANDES – Torre do Tombo, edição da Academia Portuguesa de História; Lisboa, 1940. O PRÍNCIPE PERFEITO JOÃO II E O OUTRO PORTUGAL D´ALÉM-MAR A PARTIR DA CASA DA MINA – João Barcellos, palestra/opúsculo. Buenos Aires (Arg.) e Paraty (Rio de Janeiro, Br.), 2000. OS DECOBRIMENTOS PORTUGUESES [Vol.3] – J. M. da Silva Marques, in “Livros das Ilhas” (Torre do Tombo); Lisboa, 1971. REY & MAÇON – João Barcellos. “Estudos acerca de Cosme Fernandes, o Bacharel” _ Cananeia, São Vicente e São Paulo | Brasil, 2008.


YBIRAÇOIABA Do Ferro & Da Economia Céline Abdullah

“O ouro, a prata e o diamante foram importantes para enriquecer Portugal e a Igreja, mas o ferro teve importância econômica e social desde Affonso Sardinha (o Velho) até à vinda do Morgado e, depois, na abertura da Real Fábrica de Ferro de Ipanema, no mesmo perímetro do arraial mineiro do Sardinha, para o Brasil que já se mexia com identidade.” Prof. Aziz Ab´Sáber em comentário aos estudos ybiraçoiabanos de João Barcellos, 2011.

O que se inicia com a exploração ferrífera no Cerro Ybiraçoiaba, sob a batuta do político, fazendeiro e minerador Affonso Sardinha (o Velho), é o que Barcellos sintetiza em alguns estudos (e diz em palestras): uma economia liberal debaixo das barbas dos reinóis lusos que tentam impedir o escambo da época nas milhares de milhas entre Buenos Ayres e Asunción através do Piabiyu com partida em Sam Paolo. Seria como tentar impedir os bantus, os iorubas e outras tribos de circularem nas trilhas africanas pelo comércio dos objectos de ferro saídos dos seus fornos de lupa... Claro, os invasores tentaram, mas só tentaram. Por outro lado, é da história e o sabemos, “...nenhum português conseguiu ir às minas d´ouro africanas e, por isso, também, os sobas-reis d´ África resistiram com cultura própria aos principais ataques coloniais de Portugal tendo que ficar pelo contacto mercantil. O mais que chegaram perto, lá no quinhentos, foi aos fornos de ferro montados nas roças e aos prisioneiros da guerra nativa que ali eram adquiridos para o Brasil. Mas para os portugueses o ferro não era interessante, sim, os ferreiros-artistas...” [in – ´Aerogramas da África Portuguesa, do furriel Murta para o poeta J. C. Macedo´, série de 9 cartas, 1976]. Por isso, no Brasil, a orientação do tio Affonso ao sobrinho Gregório deve ser, então, ´quero escravos, mas gente que saiba d´arte de fazer ferro é melhor, e paga o dobro´. Pois que, para ele, Affonso, não é tempo de ensinar nem montanística nem fazer ferro e, sim, produzir ferro.


Uma das orientações de Sardinha a Gregório é, então, encontrar especialistas da “[...] região de Monomotapa, o chamado ´império das minas de ferro e ouro´, já conhecido ao tempo de Vasco da Gama, e incluído na Rota da Índia pelo rei João II. A região que sobrevoei está os rios Zambeze Limpopo e era a mais importante de Moçambique com muitos artesãos ferreiros” [Murta, idem].

Império Monomotapa, entre Limpopo e o Zambeze, mais o mapa das minas.

Sublinho aqui, que tais aerogramas, ou cartas entre militares portugueses, ´que levaram Macedo a buscar mais informações ´ferríferas´ até chegar na potência colonial que é, na Sam Paolo, o ainda quase desconhecido Affonso Sardinha. E por isso, também, é que N´Gola / Angola e Moçambique são referências de suma importância numa época em o ferro é tão importante quanto o ouro, e porque Sardinha se interessou tanto pelo ferro de Ybiraçoiaba para engrossar a sua investida económica no Piabiyu de maneira liberal, ou, como diz Barcellos no contexto anti reinol, “um acto económico deliberadamente libertário e em prol de uma colónia com identidade a apontar para uma nova nacionalidade”. Com a notícia de leilão reinol para concessão de minas para exploração, “o economicamente barrigudo Sardinha adquire a mina de ouro no Ibituruna e a de ferro no Ybiraçoiaba, enquanto ataca (como ´capitam das gentes da Villa) o gentio que ocupa, naturalmente, o Pico do Jaraguá, atalaia primordial para a defesa nativa por dominar a entrada e a saída de gentes para o litoral e os sertões” [Barcellos, 2010/11]. A actividade nos arraiais de mineração de Sardinha (às vezes com o filho, ´o Moço´) dominam a sociedade Piratininga e a política municipal, como se lê nas actas da vereança de São Paulo e de Santo André. Testamentos e inventários mostram grande volume de comércio feito por Sardinha com vários povos nativos (e até escravizando-os), corsários ingleses e castelhanos, entre o litoral e os sertões na vasta malha de comunicação continental que é o Piabiyu. A sua movimentação mercantil entre 1570 e 1609 (o filho morre em 1604 no sertão e ele muda-se para a fazendo-mina do Pico do Jaraguá, onde morre em 1614) é o foco que garante aos luso-paulistas fazer frente ao acontecimento político de 1580, quando Portugal perde o trono para a Espanha. O principal produto que tem em mãos, então, como objecto de utilidade geral a gerar no meio rural economia é o ferro – o ferro de Ybiraçoiaba. Entre os Séculos 16 e 17 o Brasil vive também um tipo de Economia do Ferro, tanto que o próprio Affonso Sardinha faz escambo com o filho do Governador Souza, na época de 1602, e fornece-lhe um dos fornos de Ybiraçoiaba para equipar o Yngenho de Ferro de Santo Amaro do Birapuera, circunstância pouco estudada academicamente e


que Barcellos levantou em 2011 ao aferir os ´corredores´ objectuais da economia liberal que se fazia no Piabiyu.

[fole de ferreiro em fazenda com ´escravos-de-ferro´]

Gerações de africanos vivem e revivem a arte ferrífera na região de Yby Soroc, que tem como centro o Ybiraçoiaba, tanto assim que já no Séc. 18, o Morgado de Matheus recebe a notícia de “um africano muito habilidoso com o fazer-o-ferro perto da mina que foi do Sardinha”, e isso a anima ainda mais no projecto de refazer o arraial da mina de ferro lá Yby Soroc, e o que serve de passagem no tempo que leva não ao sítio do Sardinha, mas a um terreno vizinho escolhido no Século 19 para a construção da Real Fábrica de Ferro servida pelo leito do Rio Ipanema... Mas, antes, entre os Séculos 17 e 18 o Brasil-colônia sofre alterações sócioeconómicas de grande relevância, principalmente após o Tratado de Madrid, que é quando o centro da continental colônia começa a ser povoado pelos portugueses e, em tal acto, escorraçam os espanhóis que acabavam de ali descobrir vários minérios. Importância vital é aqui o transporte fluvial (na verdade, imitam os povos nativos que se comunicam na bacia do Rio Paraguay desde que o alemão Schmidl percorreu e registou o caminho dos guaranis – o Piabiyu (ou Peabiru), de Asunción e Buenos Ayres até à Piratininga dos jesuítas para descer a serra até Santos, bem antes de Affonso Sardinha assumir a gestão e exploração da mina de ferro de Ybiraçoiaba, noticiada por Manoel da Nóbrega, e adquirir navio para o sobrinho Gregório e fazê-lo capitão em jornadas de transporte de negros africanos, tanto prisioneiros de sobas-reis na N´Gola de guerrilhas tribais, como capturados pelos portugueses. Pelo definitivo Tratado de Madrid, em 1750, o embaraço político e colonial entre as duas nações ibéricas fica resolvido (o Tratado de Tordesilhas nem sequer é mencionado por ser, então, somente um traço no papel) e tudo o que se faz na região da bacia do Paraguay tem mando português, mas tem que ceder a Espanha o território de Sacramento, que logo transforma-se em nova nação: o Uruguay. Já no comando da Capitania de São Paulo, entre 1765 e 1775, o fidalgo Luís António de Sousa Botelho Mourão, o 4º morgado da Casa de Mateus, determina a reabertura dos trabalhos siderúrgicos em Ybiraçoiaba com a contratação de especialistas e de alguns africanos que seguem o ritual do fazer-o-ferro na origem artesanal. Ele aproveita a abertura política que chega do Tratado de Madrid para dar dinamismo econômico à vastíssima Capitania. E o ferro é, para ele, o que foi para Sardinha, e o que foi é para a gente africana: um objecto de interesse social para ser tratado no sentido de favorecer a ascensão da economia além da agropecuária e do algodão. Se ao fim dos seu mandato, que foi de uma década, ele consegue dar urbanidade com novas vilas e tratos de indústria à região, a mineração de ferro tem resultados fracos.


* Deve-se dar memória a actos do post Levante de Minas Gerais, Século 18, no Brasil, quando um militar (´o Tiradentes´) foi levado à forca e os demais penalizados com degredo: alguns desses inconfidentes ´mineiros´, da classe judiciária e mineradora com formação académica em Coimbra, são então embarcados para a África em processo de colonização intensiva; e, um deles, José Álvares Maciel, estabelece-se na N´Gola e vem a ser uma espécie de capataz de minas, o que aproveita para desenvolver industrialmente a produção de ferro na região de Cathar. Deve-se a esse inconfidente os primeiros empreendimentos para industrializar o ferro angolano. *

É em cima dos resultados quase pífios do Século 18 que se pensa na Real Fábrica de Ferro e a aproveitar o Rio Ipanema, mas, a estrutura é outra na dinâmica conhecida das unidades siderúrgicas portuguesas de (Torre de) Moncorvo, onde também se encontra Volfrâmio (em 15,9%) e Estanho (14,9%), sendo o Ferro 13,6% o produto menor, o que se pode averiguar ainda no Século 21, segundo as estimativas oficiais (2015). Faço de Moncorvo, terra de amêndoas e vinho, referência, por serem as minas ferríferas locais trabalhadas desde os tempos da Lusitânia (e as que visitei, depois das de São Paulo). Assim, nos Séculos 19 e 20, entre os anos 1810 e 1926, vem a funcionar a Real Fábrica de Ferro de São João do (Rio) Ipanema, cuja segunda etapa logrou a instalação de altos fornos ampliando o arraial industrial.

Real Fábrica de Ferro / Imp. Larmoureux, Paris

É da Real Fábrica de Ferro que se chega à pujança siderúrgica no polo erguido em Volta Redonda, no Rio de Janeiro, referência econômica para o Brasil republicano. Assim como no Brasil, a produção de ferro na África ´lusófona´ segue os mesmos passos que levam do artesanal ao industrial, mas não se pode comparar a estrutura industrial brasileira (independente desde 1822) com a desta parte da África (independente desde 1975). O certo é que o Ferro, como objecto civilizatório no campo da tecnologia, nunca deixou de estar presente na memória luso-afro-brasileira, de Moncorvo ao 4º Morgado de Matheus passando por Affonso Sardinha e a Real Fábrica de Ferro lá de Ipanema, nas Yby Soroc.

ABDULLAH, Céline | bioquímica Moçambique, 2019.


Agradecimentos Aziz N. Ab´Sáber, pela ciência e o acto de ensinar João Barcellos, por tudo e não engavetar os seus conhecimentos e estudos Johanne Liffey, pelo acesso ao ´baú´ do pai J. C. Macedo Susumo Harada, pelos dados acerca do Piabiyu / Peabiru

Notas A FÁBRICA DE FERRO DE S. JOÃO DE IPANEMA: ECONOMIA E POLÍTICA NAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO SEGUNDO REINADO (1860-1889) – Nilton Pereira dos Santos. Ediç Multifoco; Rio de Janeiro, Brasil, 2013. ACTAS DE VEREANÇA / Sorocaba, São Paulo e Santo André da Borda do Campo – registos lidos em 2013 por Celine Abdullah orientação de João Barcellos, após visita ao Cerro Ybiraçoiaba e Mina d´Ouro de Arassariguama (Ibituruna). ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO – Leituras, idem. BIBLIOTECA A NACIONAL / TORRE DO TOMBO (Lisboa) – Leituras, ibidem. BOLETIM DE MINAS – Ediç Direção Geral de Energia e Geologia. Vol 50, nº2; Lx./Portugal, 2015. DA ESTRATÉGIA DO CAPITAM AFFONSO – João Barcellos. Palestras na Real Fábrica de Ferro de São João do (rio) Ipanema, 2010 e 2011. DO FABULOSO ARAÇOIABA AO BRASIL INDUSTRIAL – João Barcellos. Edicon + Centro de Estudos do Humanismo Crítico (CEHC, Guimarães-Portugal) + Terranova Comunic, 2011. MORGADO DE MATHEUS – João Barcellos. 4ª Ediç., Edicon + Centro de Estudos do Humanismo Crítico (CEHC, Guimarães-Portugal) + Terranova Comunic, 2017. NOTÍCIAS DAS MINAS DE SÃO PAULO E DOS SERTÕES DA MESMA CAPITANIA [desde 1597] – Pedro Taques de Almeida Paes Leme. Edi Livraria Martins Fontes, c/ introdução e notas de Afonso Taunay; SP, 1954.


Um dia de agosto de 1819, na Real Fábrica de Ferro de São João de Ipanema.

Fernando José Gomes Landgraf

Já deve ser hora de vazamento. O tenente-coronel do Real Corpo de Engenheiros, Frederico Varnhagen, tinha acordado fazia um tempo. O filho, Francisco, com três anos, chorava muito de manhãzinha. Enquanto olhava, da janela, a represa em frente, Frederico pensava se tinha sido correta a decisão de mandar prender o médico João Rennow no mês passado e de não liberar o mestre fundidor para ir a São Paulo executar a fundição do sino da Catedral, como o bispo pedira em janeiro. No mês anterior, havia chegado a carta do governador João Carlos de Oeynhausen, datada de 19 de junho de 1819, informando o desligamento do médico dos serviços da fábrica. Sentiu um alívio ao ler que o governador tinha parado de cobrar a liberação do mestre fundidor. Como fazer isso, em plena campanha de operação do alto-forno? Nem o bispo nem o governador entendiam a dificuldade de pôr em execução uma campanha assim, contando apenas com dois ferreiros suecos, o mestre carpinteiro e alguns negros. O tal fundidor francês só serviu para tomar conta do carregamento do forno. Na carta, o governador prometera visitar, em breve, a fábrica; aí, sim, ele vai ver a correria que é isso aqui. Frederico gostava de apreciar a vista da represa. Lembrava algo da Waldeck natal, de onde tinha saído há dezesseis anos. O antecessor sueco tinha feito muita coisa errada na fábrica, mas esta casa do diretor, onde agora morava, estava bem feita. Frederico deu início a mais uma caminhada ao prédio do alto-forno, onde tinha de observar se os sinais da hora de vazamento estavam dados; se a escória líquida estava chegando ao nível da ventaneira. Conforme se aproximava, prestava atenção na fumaça que saía da chaminé do alto-forno e no rangido das rodas d’água, dos foles, cada um com um ruído e uma vibração diferentes, bombeando vento para dentro do forno pelo algaraviz. Frederico gostava desse nome que os portugueses davam para o tubo que levava ar para dentro do forno. Algaraviz. Os sons estavam normais; que bom. Frederico entrou no salão, sentiu aquele sopro quente e foi, logo, para o arco de vazamento.


Ouviu do mestre Lourenço, capataz do forno, que já vinha retirando escória pela pedra da dame, há mais de duas horas. Lourenço orientou o escravo a puxar mais escória e ver se o nível do ferro líquido estava no ponto certo. A escória escorreu mais ou menos fluida como queriam, mas, depois de fria, estava muito escura. Frederico praguejou. Será que ainda estamos carregando pedra verde demais? O escravo passou a enfiar o gancho e puxar aquela escória um pouco viscosa. Deve ter puxado uns 100 quilos de escória por sobre a dame. Frederico conferenciou com Lourenço: já estava na hora de vazar o ferro líquido? O canal estava preparado no piso do salão de vazamento. Desta vez eles não tinham peças fundidas a produzir, só pães de ferro gusa, que depois seriam usados ou para fundição ou para fazer ferro batido. O canal avançava por dois metros em linha reta, a partir da boca do forno e, depois, derivava em vários braços. Frederico imaginava ter uns 500 quilos para vazar, o que significava uns 65 litros de ferro. Daria uns 100 pãezinhos de gusa, para juntar e enviar ao Arsenal da Marinha, na Corte. Hora do vazamento: correria no salão do alto-forno. Lourenço e os escravos em posição para os últimos preparativos. Frederico dá a ordem: abram o furo da dame. Ele ainda usava o nome alemão daquela pedra na frente do cadinho. O escravo enfiou a barra no furo de argamassa e o ferro líquido começou a esguichar para fora do cadinho, escorrendo ao lado do plano inclinado da dame, correndo para dentro dos canais. Aquele líquido quentíssimo, amarelo brilhante, vinha enchendo o canal, o escravo abrindo a passagem por uma derivação para encher os moldes abertos dos pãezinhos. Completado o enchimento daquela derivação, o escravo abria o canal e o gusa corria até a outra derivação e assim por diante. Os escravos tinham que tomar cuidado para andar pelo salão, já que depois de solidificar e esfriar o gusa, ficava difícil saber onde estava quente ou não. Um passo em falso e a queimadura no pé era horrenda. Pior ainda agora: sem médico. Frederico e Lourenço também tinham que andar com cuidado, mas, pelo menos, estavam de botas. Horas depois, Frederico não se aguentava a esperar que o gusa esfriasse. Pela experiência, com certeza já estava sólido. Mandou um escravo quebrar um segmento com três pãezinhos e mergulhou na água, para acelerar o esfriamento. Levou os exemplares até a morsa e ordenou uma marretada certeira num dos pãezinhos. O pedaço de ferro quebrou e Frederico logo pegou para examinar a fratura. A fratura ainda está muito branca, comentou com Lourenço. Já tinham passado dez semanas de operação, sempre fazendo experiências a cada semana e não conseguiam acertar a fabricação de gusa de fratura cinzenta, como quer o Arsenal. “Vamos aumentar a proporção de escória de alto-forno na carga e diminuir a proporção de pedra verde. Acho que aí conseguiremos.” Lourenço não concordava. Desde o começo, ele achava que tinha de aumentar o vento. Frederico tinha começado com cinco golpes por minuto, na máquina de soprar. Nas últimas semanas, tinha aceitado aumentar para seis, até sete golpes por minuto, mas Lourenço queria aumentar mais ainda. Frederico concordou que, na próxima semana, iriam aumentar para oito. Será que o fole suportaria esse batimento? O procedimento para aumentar o número de golpes da máquina de vento seria aumentar a velocidade de rotação da roda d’água. Os cames fixados no eixo da roda d’água fariam o embolo subir, empurrando a tampa móvel do caixote do fole, soprando o ar pelas mangueiras que desembocam na ventaneira, no algaraviz. Para aumentar a quantidade de vento tinham que ampliar a vazão de água no canal da roda para o altoforno, fazer a roda girar mais depressa. Talvez fosse necessário interromper a operação do refino do ferro, fechar a saída de água para a roda da forja de refino e, assim, sobrar mais água para o alto-forno. Ainda mais que já estavam no meio de junho, as chuvas tinham acabado e Frederico queria operar mais uns cinco meses, pelo menos, contanto que houvesse água suficiente para isso na represa. Frederico estava preocupado com outra coisa. Nunca havia colocado tantas cargas no alto-forno como naquela semana. Será que isso tinha a ver com o aumento dos golpes da máquina de vento? Em algumas ocasiões, o alto-forno parecia um ser vivo


que geme, resfolega e pede as cargas. Não vá você maltratar que o aparelho reage muito mal. Engasga, entope, pode até explodir. Lá em Waldeck falavam que isso já tinha acontecido. O encarregado das cargas, lá no topo do forno, entorna camadas de carvão e lenha, camadas de mistura de minério, pedra verde, cal, um pouco de areia e de escórias. Cada carga com uma proporção certa, seguindo a receita ordenada toda a semana pelo diretor Frederico. O encarregado carregava, mais ou menos, uma carga por hora, mas quem determinava o momento da carga era o próprio forno. O encarregado enfiava um apetrecho de ferro em formato de letra L dentro do forno. Segurava o braço curto do L na horizontal e enfiava o lado longo na vertical dentro do forno e, com isso, media o quanto a carga já tinha baixado. Não dava para olhar para dentro da goela do forno, pois dali saía muita fumaça e uma enorme chama. A goela tinha quase um metro de diâmetro. Quando percebia que a carga tinha baixado o acertado com Lourenço, o encarregado da carga colocava mais uma. Sempre em camadas. Primeiro uma camada de minério e fundentes, depois a camada de carvão e cavacos de madeira. Eram mais ou menos 120 quilos de minério e fundentes e, depois, 260 quilos de carvão e cavacos. Segundo a tabela que Frederico estava preenchendo, naquela semana foram 171 cargas, ou seja, pouco mais de uma por hora. Sem parar, 24 horas por dia. Há dez semanas estavam operando sem parar. Lourenço não entendia essa insistência de Frederico em usar cavacos. Nunca, na experiência de anos operando o alto forno de Hagelsrum, na Suécia, tinha usado cavaco. Sempre fora carvão. É verdade que os carvoeiros daqui não conseguiam entregar a quantidade de carvão necessária. O único que entregava regularmente era um conterrâneo sueco que morava nas redondezas. Assim, com a falta de carvão, usavam essa mistura de cavaco e carvão, na proporção três para um. Sempre assim. Isso criava uma fumaceira enorme na goela do forno, mas Frederico nunca ia lá mesmo. Quando Lourenço falava que esses cavacos prejudicavam a operação, Frederico dizia que os suecos não usavam cavaco por não ter peroba na Suécia. E que, era bom ele saber, o barão de Eschwege insistia, nas cartas, que deviam usar cem por cento de cavaco. Para não deixar Lourenço muito nervoso, Frederico fazia essa mistura de três para um. É verdade que, na Alemanha, nos poucos meses que Frederico trabalhou nos altos-fornos do príncipe, só usavam carvão. Foi em Portugal que Frederico e o chefe, barão de Eschwege, começaram a usar cavacos. Frederico gostava de lembrar daquele tempo. Ostentava uma medalha que ganhara do príncipe lusitano pela produção de ferro em Foz D’Alge no centro de Portugal. O contrato que assinou, aos vinte anos de idade, dizia que ele deveria ir a Portugal e, se preciso, ao Brasil, para produzir ferro, acompanhando o chefe Eschwege. Nunca imaginou que, de fato, viria ao Brasil. Chegando em Foz D’Alge, ficou conhecendo o cientista brasileiro que era metido a saber produzir ferro, por ter estudado na Escola de Minas de Freiberg: José Bonifácio de Andrada e Silva. Muito sabido, Bonifácio precisou entregar a reforma dos fornos ao inglês que lá estava e partiu para Coimbra. Frederico tinha muito orgulho de ver como a fábrica de ferro que ele projetou e construiu à margem do rio Ipanema, perto de Sorocaba, tinha ficado mais bem feita do que aquilo que os portugueses chamavam de ferraria de Foz D’Alge. A ideia de fazer dois altos-fornos gêmeos, um grudado no outro, ele tirou de Foz D’Alge. Se fosse preciso produzir canhões grandes, em caso de guerra, era possível operar os dois fornos ao mesmo tempo. Em Portugal isso não tinha dado certo. A política atrapalhara. Quando Napoleão Bonaparte começou a pressionar Portugal para ficar contra os ingleses, o ministro português, que apoiava os ingleses e, ao mesmo tempo, apoiava os gastos na ferraria de Foz D’Alge, foi destituído. Os ministros do contra forçaram o abandono do projeto e a ferraria parou de funcionar. Frederico ficou um tempo sem serviço, mas, quando foi preciso combater os franceses, logo se engajou no exército português. Um ano depois de o príncipe levar a corte para o Rio de Janeiro, Frederico e o barão de Eschwege foram chamados ao Brasil. Eram muitas as lembranças, mas o que parecia importante, naquele momento, seria superar a dificuldade em produzir gusa de fratura cinzenta. Não era só a fratura do gusa


mas, sim, a relação entre a fratura cinzenta e a resistência do ferro. Um gusa cinzento podia ser derretido de novo e vazado em moldes de areia, para produzir panelas, grades e chapas de fogão. Quando a fratura ficava brilhante, de cor metálica, quase branca, a refusão não dava certo; o ferro não preenchia bem os detalhes do molde e, além disso, o ferro ficava frágil. Se caísse no chão, quebrava. Ele tinha que fazer gusa de fratura cinzenta. Na quarta semana de operação, até teve êxito, mas depois piorou e não conseguiu mais. Na primeira campanha, encetada em novembro do ano anterior, Frederico se saiu bem em algumas corridas de gusa cinzento a ponto de produzir chapas para fogão. Acreditava que isso tinha grande valor às casas do interior brasileiro. No litoral, existiam fogões de ferro importados, mas era impossível levar esses aparelhos de cozinha para o interior, em lombo de burro. A melhor solução ainda era fazer um fogão de barro coberto com uma chapa de ferro com três ou quatro orifícios, sobre os quais se podiam colocar panelas de ferro. Isso era melhor do que cozinhar em caldeirões pendurados em trempes. O povo ainda estranhava e não era fácil vender essa nova ideia, mas Frederico acreditava que isso poderia mudar. E, para isso, carecia de gusa cinzento. Não bastasse essa dificuldade, havia ainda outra. De vez em quando, sem motivo claro, o vento se desregrava, parecia que a ventaneira entupia, dava um enorme trabalho para recolocar o forno operando com regularidade. Nessas horas, Lourenço ficava bufando, dizendo que a causa disso era a inclinação da rampa, dentro do forno. Frederico ria. Não aceitava e, também, naquela hora nada podia ser feito, ninguém ia parar o forno. Talvez no ano que vem, na reforma antes da próxima campanha. Agora, a questão era manter o forno funcionando de forma regular. Frederico sentia falta de ter operários alemães, gente com experiência para as várias tarefas. Lourenço era um bom capataz, mas, se ele se ausentava, a coisa não funcionava bem. E tinha que funcionar 24 horas por dia, sem parar. Alguns escravos, como Antônio Francisco, até que aprendiam bem o serviço, mas o trabalho era muito pesado. Antônio era um negro fulo, tinha uns vinte oito anos de idade e era bom fundidor. No começo Frederico achou que seria impossível operar os fornos sem os operários alemães que ele tanto pedia. Já tinham chegado três franceses que não haviam dado certo. Eschwege não emprestaria o auxiliar Schönewolf. Chegou a ir à Corte para insistir nisso, mas percebeu que não estava fácil e que alguns nobres até diziam que era desculpa, que o antigo diretor sueco tinha razão: altos-fornos não servem para o Brasil. Frederico voltou do Rio de Janeiro decidido a botar os fornos para funcionar nem que fosse apenas para demonstrar que era capaz disso. Quando, no final de 1818, chegou à sede do reino a notícia de que Frederico estava operando um altoforno, de forma contínua, há dois meses, foi uma surpresa geral. Como um golpe de mestre, enviou à Corte uma réplica de ferro da coroa do rei dom João VI, fundida em Ipanema. Faltava acertar o controle da cor da fratura e conseguir refinar o ferro na forja para produzir barras que pudessem, depois, ser trabalhadas pelos serralheiros e até pela turma de fabricantes de espingarda que estavam instalados em São Paulo, no quartel perto da praça da Sé. Refinar era uma tarefa difícil. O barão de Eschwege tinha até publicado um artigo, em 1812, na revista da Academia Real das Ciências de Lisboa, sobre quão fora difícil acertar a empreitada em Foz D’Alge. Entretanto, Frederico Varnhagen tinha motivos para estar orgulhoso daquele contrato. Afinal, tinha construído dois altos-fornos e duas salas de refino; tinha resolvido o problema de escolher um material refratário para resistir na parte mais quente do forno; a ferragem de amarração do forno tinha funcionado bem, pois o forno não tinha trincado nem desmoronado durante a operação e, o mais importante, tinha produzido 66 toneladas de gusa naquelas dez semanas, o que dava quase uma tonelada por dia. Aquela quantidade, um número comum de altos-fornos daquele tempo significava muito para o Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarves que se juntava ao seleto grupo de nações que conseguiam produzir “ferro em grande”, como se dizia. Hoje, na América, só nós e os Estados Unidos conseguíamos produzir ferro-.


Terminado o vazamento, a lide do forno voltava ao normal. Continuar carregando minério e carvão a cada hora. Controlar a água para manter os foles trabalhando a sete golpes por minuto. Lourenço podia cuidar disso. Frederico foi até o depósito de modelos, para escolher qual peça fundiria semana que vem, se afinal conseguisse chegar na fratura cinzenta. Poderia ser o baixo relevo da ceia de Da Vinci ou o busto do Goethe. Que orgulho ele teria, se esses objetos pudessem chegar nas casas de Sorocaba, São Paulo ou até na Corte. Entardecia. Hora de recolher as informações do Lourenço, voltar para casa e fazer as anotações do dia: quantas cargas, quantos vazamentos. Quando terminassem essa campanha ele iria fazer um relato detalhado para o barão de Eschwege. Ele gosta dessas cartas bem técnicas.

Fernando José Gomes Landgraf São Paulo, 7 de julho de 2021


Sam Paolo dos Campi de Piratininga Ou: a Falsidade Identitária Mariana d´Almeida y Piñon c/ João Barcellos e W. Paioli

[Do bate-papo entre MAyP, JB e WP, acerca da Sam Paolo jesuítica que gerou um sítio societário sob falsa identidade teo-política. – mgCastro. Brasil, 2013]

A partir de 1954, quarto centenário de São Paulo, a capital da gente paulista, que agrega gentes de todo o Brasil e latino-americana, a literatura passou a registrar com molduras douradas algumas cartilhas que merecem referência historiográfica, outras podem ser simplesmente queimadas pela falsidade que estampam por direcionarem a história no sentido da estória que interessa à política identitária. Em meados de maio de 2013, João Barcellos apresentou Mariana d´Almeida y Piñon (irmã da física Joana) ao jornalista Waldemar Paioli, na sede do ´Gazeta

Barcellos e Paioli, jornalismo e história

de Cotia´, redação que também serviu para o ´Treze Listras´, jornal que Barcellos ajudou a fundar com o casal Kruman e Wilma Frossard, que circulou entre 1990 e 1993 para tratar da ´coisa paulista´, e muitas conversas com o professor Aziz Ab´Sáber. Professora especializada em Artes Visuais e a lecionar em Paris, MAyP é uma atenta observadora dos sinais culturais piratiningos e valente defensora da retirada (no Museu Paulista) da “pintura de Pedro Américo sobre o tal ´Grito d´Ipiranga´, que é a cópia de uma pintura sobre Napoleão, só mudam as fardas, os perfis e os cavalos, que na maioria eram mulas”, como ela diz e defende. Mas, naquele momento de 2013, ela queria, como piratininga nativa, saber mais da identidade geossocial da Sam Paolo dos Campi de Piratininga...


Do meu pai, que foi muito cedo para os EUA e ali ficou como jornalista, sempre escutei que “essa São Paulo fundada pelo Anchieta é uma farsa, quem a mandou erguer foi o superior dele, o Manoel da Nóbrega”. E assim ela apresentou-se a Paioli que, como era sua praxe, elogiou-lhe primeiro a beleza, e depois entrou no assunto, sob risada do Barcellos. E eu, só escutando com um pequeno gravador de mini cassete. Na verdade, observou Barcellos, a pintura de Pedro Américo é o que hoje podemos chamar de ´uma scanner com pinceladas de photoshop´ da tela “1807, Friedland”, na qual o artista Jean-Louis E. Meissonier retrata Napoleão a celebrar a vitória sobre os russos. Esta pintura de Pedro I a gritar alguma coisa no sertão beijado pelo rio Ypiranga é alvo de contestação há muito tempo, mas..., ora, ora, é preciso dar cores e imagens à nacionalidade reinol do Brasil. Assim como incensaram a fundação da Sam Paolo nas mãos do jesuíta Anchieta... E aqui, a jovem e bela Mariana fixou os olhos em Paioli: E você acha que se deve deixar em branco a verdade histórica para que surja uma página de identidade mística?!... Ao que Paioli, sempre na sua serena paz de ´coroinha´ católico, respondeu: Olhe, minha linda, se o hino nacional já é uma farsa, por que iriamos mexer na pintura do nosso imperador primeiro que chegava ao Yipiranga depois de uma boa trepada com a sua doce Domitila...? Barcellos entra de novo na conversa para dizer que em 1554 o noviço Anchieta, então com 19 anos, ou seja, sem poderes para decidir fosse o que fosse, registrou em carta a sua epopeia acima da Serra do Mar: “[...] e alguns Irmãos mandados para esta aldeia, que se chama Piratininga, chegamos a 25 de janeiro [...]”, ora, a aldeia já existia e o colégio já estava em edificação por ordem do Provincial da Ordem (Manoel da Nóbrega), pelo que, até no registro anchietiano verifica-se que Nóbrega é o fundador da aldeiacolégio à qual dá o nome de “Sam Paolo dos Campi de Piratininga”. “Brasileira... de Piratininga” Mariana aproveita a ´deixa´ historiográfica de Barcellos e diz que se sente bem melhor, como “cidadã brasileira nascida em (Sam Paolo dos Campi de) Piratininga, quando pensa que a sua cidade é Piratininga (como Cotia é Cotia, Jandira é Jandira, ou Itapevi é Itapevi), na preservação da identidade tupi-guarani que lhe é própria; ou, mais recentemente, como Blumenau é Blumenau (em homenagem ao cientista que a fundou na serra catarinense). “Puxa, o que é que eu tenho a ver com o Saulo que se converteu como Paulo à cristandade em 25 de janeiro?...”, desabafa, e vê que Paioli abre os braços a dizer “é o que temos”. E ele acena com a sua sabedoria enciclopédica: sim, eu li as ´cartas jesuíticas´, o que o Barcellos falou está tudo lá, mas o que nos adianta agora alterar esse tipo de referência histórica?... Ah, tudo, tudo, responde ela, e tudo, porque para mim, a identidade que se deve atribuir a mim é que eu sou brasileira de Piratininga! No ano 1553, a 12 de fevereiro, Nóbrega escreve de São Vicente, nome que substituiu Gohayó / Porto das Naus; “[...] assentamos ir 100 léguas daqui a fazer uma casa, e nela recolher os filhos dos gentios”, ideia que o fidalgo-governador Martim Afonso de Souza não quis apoiar para não despovoar a sede litorânea da Capitania, mas vai se concretizar um ano depois. E ainda em 1553, Nóbrega profetiza: “É por aqui a porta e o caminho mais seguro para entrar nas gerações do sertão” [carta ao rei João III]. E em 29 de agosto ele visita Piratininga para onde já enviara as crianças nativas para ficarem, aí, “em casa de seus pais”.


Nóbrega, em traço de J. M. Pimenta, e símbolo de “la villa de sanpablo en el brazil”

Então, pode-se dizer que a data de nascimento da aldeia-colégio Piratininga é 29 de agosto de 1553, embora que celebrada eucaristicamente em 25 de janeiro de 1554 com a presença de mais jesuítas, incluindo o noviço Anchieta.

Agradecimentos ao serigrafista e fotojornalista Mário G. de Castro por ter transcrito na época o áudio da k7.

NOTAS [de João Barcellos] ACERCA DE MAyP – Professora de Artes Visuais, casada com um industrial calçadista de Campinas, interior de São Paulo, é docente universitária convidada em Paris-Fr., e em Buenos Aires - Arg., membro do Grupo de Debates Noética, mas vinda do Grupo Granja que deu origem àquele. Irmã da física Joana d´Almeida y Piñon, hoje nos EUA, e também ´noética´. ACERCA DE MURTA ANCHIETA [Joseph de Anchieta: 1534-1597] – jesuíta espanhol, que acompanhou as decisões de Manoel da Nóbrega na fundação da Aldeia-Colégio Sam Paolo dos Campi de Piratininga e também relacionado à fundação de São Sebastião do Rio de Janeiro, onde Nóbrega foi conselheiro espiritual e militar contra os franceses. Nóbrega decidiu pela aldeia nativa já registrada por Martim Afonso de Souza na defesa do planalto e o fez logo após a derrota na Maniçoba, a aldeia que erguera no certam y mattos a oeste pelos


caminhos dos guaranis (´carijós´), e onde conheceu a existência da mina de ferro d´Ybiraçoiaba e que o ´velho´ Affonso Sardinha iria arrematar e transformar no primeiro polo siderúrgico da América. Anchieta, hoje um santo no panteão católico, foi beatificado em 1980 pelo papa João Paulo II e canonizado em 2014 pelo papa Francisco. A escolha de Anchieta, entre os jesuítas, se deu pela proximidade (mais) eucarística junto do ´rebanho´ nativo: tudo em nome da sustentação da cristandade no Brasil, uma vez que tal ´celebração´ deveria ser feita em torno de Nóbrega, embora a sua atividade fosse mais de miliciano, ou de bandeirante (como diria João XXIII). DOMITILA [Domitila de Castro do Canto e Melo: 1797-1867] – amante do Pedro I, que a nomeou Marquesa de Santos em 1826, enquanto espancava a esposa, a Imperatriz Leopoldina [segundo as cartas dela para a irmã, esposa de Napoleão]. HINO DO BRASIL – A música, de Francisco Manoel da Silva (1830) é mais antiga que a letra ´republicana´. A letra de 1831 foi escrita pelo juiz-desembargador e poeta piauiense Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, substituída em 1841 pela de um autor desconhecido (...?), até que em 1922 (...até para acompanhar a Semana de Arte de São Paulo) a presidência da República escolheu, em meio a alguns golpes politiqueiros, uma letra que Joaquim Horácio Duque-Estrada havia escrito em 1909. Pela leitura de documentos que ´jazem´ no Congresso Nacional (arquivos do Senado e da Câmara dos Deputados) percebe-se que muita celeuma correu antes que o Brasil pudesse, na Monarquia imperial e na República, escutar e cantar o Hino escolhido pelas elites, ora, que o Povo, esse, só precisa trabalhar... NÓBREGA [Manoel da Nóbrega: 15017-1570] – dito ´o bandeirante de Cristo´ pelo papa João XXIII, Nóbrega saiu das margens do Douro para fazer do Brasil, primeiro, uma colônia portuguesa assente no catolicismo; segundo, transformar a colônia numa teocracia jesuítica paralela ao papado do Vaticano tendo os guaranis (e a sua mística) como base social. Ele foi o místico e o guerreiro, de norte a sul, mas encontrou (apesar do João XXIII) nos bandeirantes os seus maiores opositores. Os relatórios (´cartas jesuíticas´) de Nóbrega (assim como os de Anchieta) aos seus superiores e ao rei formam uma informação historiográfica que revela o Brasil na sua identidade geossocial própria. Uma observação historiográfica interessante: Nóbrega estudou tendo como mestre Azpilcueta Navarro, na Universidade de Salamanca, a mesma em cujas Escuelas Técnicas se formou Cosme Fernandes, o judeu castelhano dito ´Bacharel de Cananeia´. Nóbrega foi o sustentáculo da estética católica até perceber que a Societa Jesu (S.J.) poderia ser maior que o papado romano organizando-se societariamente na América do Sul e na mistura do cristianismo paulino com as crenças inca-guaranis presentes em todo o continente. Só não combinou com a ganância mercantil dos bandeirantes e da fidalguia ansiosa por títulos em meio à abundância fantástica de ouro, prata e esmeraldas!... QUADRO ´INDEPENDÊNCIA OU MORTE´ – Pintura encomendada por Joaquim Ramalho, conselheiro imperial, em 1886, ao artista brasileiro Pedro Américo [1843-1905], o que o levou a buscar referências em especialistas que haviam celebrado grandes acontecimentos bélicos, entre eles o pintor francês Meissonier,

O quadro do falsário Américo e a arte original de Meissonier

autor da obra que celebra a vitória de Napoleão sobre a Rússia. Mas o brasileiro não pinçou referências pictóricas ou técnicas, simplesmente copiou e trocou as mulas por cavalos, os personagens e as fardas, e até a paisagem é a mesma na sua topografia ´entre morros´ e... uma choupana! O quadro do falsário Américo é uma vergonha para a história do Brasil e uma afronta à inteligência de quem, hoje, visite o Museu do Ipiranga.

LEITURAS A FUNDAÇÃO DE SÃO PAULO PELOS JESUÍTAS – Hélio A. Viotti (S.J.). Ediç Revista de História: nº 17, São Paulo, Brasil, 1954.


ATAS DA CÂMARA DE SÃO PAULO (Sécs 16 e 17) – Arquivo da Vereança. ATAS DA CÂMARA DE SANTO ANDRÉ DA BORDA DO CAMPO – Arquivo Municipal, São Paulo. CARTAS JESUÍTICAS [Cartas Avulsas 1550-1568] – Azpilcueta Navarro e outros. Ediç Itatiaia e USP, 1988. HISTÓRIA SEISCENTISTA DA VILA DE SÃO PAULO (4 Vols) – Afonso D´Escragnolle Taunay. MORGADO DE MATEUS [Um Fidalgo Português Na Casa Bandeirante] – João Barcellos. 3ª Ediç, Edicon; São Paulo, Brasil, 2004. NÓBREGA, FUNDADOR DE SÃO PAULO – José de Melo Pimenta. Ediç DIMEP, SP-Paulo, Brasil, 1990. NOVAS CARTAS JESUÍTICAS (de Nóbrega a Vieira) – Serafim Leite (S.J.). Cia Editora Nacional, São Paulo, Brasil, 1940.


Acerca Da Destruição Da Cultura Celta Johanne Liffey

A era persa das grandes conquistas levou à queda gradual da Roma imperial com a prisão e a humilhação até de um César, além da escravização de milhares de legionários que antes haviam assolado as partes europeias; o mesmo que Roma fez com o Povo Celta na região ibérica onde nasceram duas nações: Portugal e Espanha. Se um povo ataca outro e o humilha com a obrigação de o fazer trocar de Língua e de costumes, mesmo que a absorver alguns costumes nativos, o que está concretizado aí é o crime de lesa-humanidade. Assim dizia, também, o poeta e jornalista anarquista J. C. Macedo em memorável palestra para intelectuais da região ibérica minho-galaica, vamos ler parte do que Hanne Liffey, minha mãe, registou então para o opúsculo mimeografado: “[...] Quando os persas fizeram ajoelhar os romanos, os súbditos de César perceberam que ser império não era o bastante e que a diplomacia seria o melhor caminho para tratar com outros povos. Era tarde. Os próprios persas provaram do mesmo remédio [...]. No entanto, os romanos, que haviam sido escorraçados da Britânia pelos povos, incluindo o Celta, conseguiram dominar os celtas em seus castros ibéricos e, logo, outro império emergido da decadência bélica romana, tomou as rédeas do mundo ocidental e sequestrou o todo da Cultura Celta e suas manifestações sociais e místicas, que passaram para o panteão da Cristandade, o novo império que se dizia religioso no fio d´espada e pela tortura inquisitorial...” [Macedo, 1981]. Este foi “o quadro sócio-político que o rei primeiro de Portugal conheceu e por ele teve que guerrear a própria mãe para iniciar o reino entre a Galícia e a Lusitânia, a partir de Guimarães, mas..., teve que se ajoelhar ao novo império: o papado romano, que só na segunda metade do reinado apontou poder reconhecer a nova nação...” [Macedo, idem].

O Portugal De Afonso Henriques: Um Exemplo De Celtidade E De Resistência... Cercado por castros celtas, a região da Família Vimara (Condado Portucalense), por isso Vimaranaes, hoje, Guimarães, onde ergueu a Torre/Castelo que viria a ser o centro das circunstâncias políticas que engendraram a guerra familiar e fez de Afonso Henriques o rei de Portugal, a reinar (de ´jure´) desde 5 de outubro de 1143, pois, só foi ´aprovado´ pelo papado do império da cristandade pela bula ´Manisfestis Probatum´, de 23 de maio de 1179.


A bula papal (Alexandre III) de 1179 que ´autoriza´ o Reino de Portugal a existir como ´quintal´ do Vaticano...

Castro celta perto de Guimarães, cruz ´céltica´ e Afonso Henriques

O que isso significou? Em anotação de minha mãe Hanne, “...o Império da cristandade paulina, deixou seguir em frente a Nação portucalense e o fez, também, para calar de vez a voz celta que deu apoio a Afonso [...]; já sufocada pelos romanos, a voz celta passou a ser para os cristãos uma gaita-de-foles a soar no toque do tambor bodhrán no deserto de um tempo perdido, mas continuado como base das manifestações ´santificadas´ pelo papado, como as festas do natal e ano novo, páscoa (solstício da primavera) e solstício de verão (festas das colheitas), tudo uma nova versão da cultura celta...”. Silenciar a sociedade e a mística do Povo Celta foi para o Império da Cristandade a maior vitória que poderia alcançar para cimentar a colonização na Península Ibérica. Fazê-lo através de uma nova Nação e de um rei que resistiu até onde poderia resistir a tamanha tortura política, provou que nenhum império se ergue sem sangue alheio na sua mundialização agressiva e anti-humana.


Os “celtas ibéricos foram dizimados no seu existencialismo castrense” [Hanne, 1981], mas nem Roma nem o Vaticano calaram a sua cultura milenar, pois, e principalmente o Vaticano, foi obrigado a sequestrar-lhe os valores espirituais que druidinas e druidas haviam perpetuado. Como ensina o filósofo Manuel Reis, “...A entidade que agora preside ao processus organizacional-societário da dialéctica inclusão//exclusão, já não é o Estado-nação, mas, outrossim, o Mercado”, porque a Igreja tornou-se com Saulo/Paulo um altar mercantil de ganância corrosiva contra a Palavra de amor e fraternidade lançada por Jesus. E se todos os impérios caem, o império da igreja paulina haveria de cair, como caiu, e só a espiritualidade sequestrada à Cultura Celta lhe deu, e dá, reserva societária, até cair de vez! A questão é: nem politicamente nem eclesiasticamente se pode propor o domínio e a humilhação de outros povos sequestrando as suas terras, as suas crenças e suas maneiras de viver, só porque que queremos ´reinar´ na Terra à imagem de uma divinização colonizadora que nós, gente humana, criamos para nós! E por ter sido tão criminosa acção do Império da cristandade contra outras crenças é que a Cultura Celta lhe sobrevive a lembrar que a espiritualidade não se sequestra nem compra... Quando li os estudos do filósofo Reis acerca da “mundialização do poder mercantil, político e místico tendo a moeda como altar” (como anotou Macedo), lembrei dos três dias de retiro espiritual que passei com o meu pai na Serra do Gerês, ali mesmo, onde eles (João e Hanne) me geraram em acampamento de verão: foi nesse retiro que conheci a essência luso-céltica que carrego em minh´alma e faço lembrar a cada igrejista católico que se ache dono do mundo na minha frente. LIFFEY, Johanne | médica e poeta, editora do HighTech Journal. Dublin/Ie, 2015

NOTAS BODHRÁN | O TAMBOR CELTA – Johanne Liffey: in Viver História, Parte 2 / coletânea Debates Paralelos, Volume 12. Centro de Estudos do Humanismo Crítico [CEHC, Guimarães/Pt], Terranova Comunic & Edicon, Brasil, 2017. APONTAMENTOS IBÉRICOS – Hanne Liffey. Anotações e intervenções em palestras orientadas pela professora Maria Augusta de Castro e Souza (MACS). Braga e Guimarães / Portugal; Vigo e Sant´Iago / Galícia, de 1972 a 1981. IMPÉRIOS AJOELHADOS, OU, A ESSÊNCIA DO CRIME SOCIAL NA PERSPECTIVA DO CERCO À CULTURA CELTA – J. C. Macedo. Palestra e opúsculo (mimeografado pela médica e professora Hanne Liffey, em actividade socio-cultural e em defesa da Cultura Celta). Vigo/Galícia e Viana do Castelo / Portugal, 1981. MANIFESTO PARA UMA NOVA IDADE DO OCIDENTE E DA HUMANIDADE – Manuel Reis. Centro de Estudos do Humanismo Crítico [CEHC, Guimarães/Pt], Terranova Comunic & Edicon, Brasil, 2003.


Em demanda da correcção dos Dualismos metafísicos do Ocidente e seus terríveis efeitos cráticos.

O teomonismo dos Celtas Manuel Reis Essa espécie de armadura psíquica/religioso-cultural do Ocidente dissolveu e destruiu por completo a autêntica Mensagem sócio-antropológica do Jesus histórico. Com que razão e fundamento concluía Nietzsche que o Cristianismo (doutrinal e histórico) não passa de um Platonismo para consumo do povo!... Todavia, nem tudo está perdido para a Cultura e a Civilização Ocidentais, se houver um eficaz harakiri, que implicará ‘morte e ressurreição’. Com efeito, em alternativa ao Cristianismo doutrinal e histórico (que procede do Apóstolo Paulo), a Mensagem original do autêntico Jesus histórico foi logo prontamente assumida pela Cultura da gloriosa e tão esquecida Civilização Celta, que a Romanitas imperialista se empenhou em cilindrar por completo. A Cultura dos Celtas gerou um vero Cristianismo alternativo, o Cristianismo Celta (vd. a obra homónima de Jean Markale, Ésquilo, Lisboa, 2002). A sua mais sistemática expressão cultural no Ocidente deve-se ao monge bretão/inglês Pelágio (360-422) e ao Pelagianismo, — heresia fortemente atacada por Santo Agostinho, mas que a Igreja de Roma, dita cristã e católica, nunca foi capaz de anatematizar oficial e completamente, pela simples razão de que o Pelagianismo (como o Priscilianismo ibérico) e o Cristianismo Celta constituem um vero e autêntico Cristianismo Alternativo. O contraste entre os dois percebe-se muito bem, a partir de duas perícopas do jansenista Blaise Pascal (op.cit., nº131 (434)), que passamos a citar: “Estes fundamentos solidamente estabelecidos, sobre a autoridade inviolável da religião, levam-nos ao conhecimento de que há duas verdades de fé igualmente constantes: Uma, que o homem no estado da criação, ou no da graça, é elevado acima de toda a natureza, tornado como semelhante a Deus e participante da divindade. A outra, que no estado da corrupção e do pecado, ele caiu desse estado e tornou-se semelhante às bestas. Estas duas proposições são igualmente firmes e certas”. “A partir daí, parece claro que o homem, pela graça, tornou-se como semelhante a Deus e participante da sua divindade, e que sem a graça ele é julgado semelhante às bestas brutas” (idem, ibidem). O texto citado dá para perceber que o Cristianismo doutrinal-histórico (que é o de Paulo, de Agostinho, de Jansénio, de Pascal, bem como das Igrejas cristãs tradicionais, seja a dita católica, sejam as ortodoxas, sejam as reformadas) se encaixa às maravilhas dentro da sempiterna Cultura do Poder-dominação d’abord, e daí não arreda pé. Por isso, tal Cristianismo é metafisicamente dualista e carece de toda a soteriologia paulina para sobreviver. O horizonte sócio-antropológico e teológico do Cristianismo Celta configura-se nos antípodas; e os caminhos que ele procurou (e procura, ainda hoje) abrir, são, efectivamente, os da Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. Para os Celtas, o monoteísmo (melhor: o teomonismo, segundo a melhor tradição do hebraísmo clássico) é uma tese fundamentalíssima e inviolável. Não há, aí,


possibilidade de qualquer dualismo metafísico e antropológico. Alegoricamente, poderse-á dizer que a Divindade (com vertentes mais femininas que masculinas) é a sombra de mim mesmo. Na Cultura Céltica, o regime de matriarcado leva a melhor sobre o patriarcado. O Sol é dito com vocábulo feminino, e a Lua com masculino. Ama-se a Paz e detesta-se a Guerra. Aprecia-se imensamente a Amizade, a tal ponto que ela era celebrada, liturgicamente, em refeições solenes e festivas. Será muito difícil (em termos de génese cultural...) compor todo o quadro hermenêutico da ‘instituição da Eucaristia’, caracterizado por Paulo e pelos evangelistas, sem trazer à colação as suas raízes fortes na tradição céltica; as tradições hebraicas não são suficientes!... Na perspectiva céltica, “a fé em Deus passa pela fé no Homem, de que o pelagianismo é um testemunho comovente, ainda que nem sempre tenha sido compreendido no seu verdadeiro alcance, ainda que tenha sido combatido. A salvação em Cristo passa pela salvação individual, e a salvação individual só pode ser realizada pelo poder da vontade humana: daí, o heroísmo dos santos celtas, que apenas se limitaram a dar continuidade ao heroísmo das personagens da mitologia pagã. O rigor e a intransigência do cristianismo celta são apenas o resultado do lento trabalho de gestação empreendido pelos Druidas, eles próprios herdeiros de antigas crenças e antigos rituais, que faziam do ser humano um participante potencial na grandeza divina” (Jean Markale, op.cit.). “Jesus é o Homem Futuro, aquele que se eleva ao estado divino, o Herói sublimado pelas tradições épicas. É Deus sem dúvida, mas é também cada um de nós: é o que sobressai de todo o comportamento e de toda a meditação da parte de um celta. O espírito celta é essencialmente religioso, e realiza-se na evocação das relações entre os dois mundos, tanto no nemeton druídico como na capela bretã rodeada de grandes árvores ou no recinto paroquial munido de um pórtico triunfal” (idem, ibi). Queda, pecado original (que depois se transmite a todos os descendentes de Adão e Eva...) são questões que não existem, por definição, para Pelágio e para o Cristianismo celta. Adão e Eva foram criados por Deus à sua imagem, como seres livres, embora obviamente enquanto seres mortais desde o princípio. Segundo a fórmula do próprio Pelágio (in ‘Lettre au pape Innocent II’, 14: cit. ibi): “Todo o bem ou mal de que nos podemos louvar ou culpar é consequência dos nossos actos e não nasce connosco. Somos concebidos sem méritos e sem pecados, e antes da acção da nossa Vontade pessoal não existe no homem mais do que o que Deus estabeleceu para ele”. Que se pode inferir desta moldura? “O reconhecimento de que o ser humano é absolutamente livre nos seus actos: pode comprometer-se com o que quiser, na direcção do bem ou na direcção do mal, porque Deus criou-o de tal maneira que não é bom nem mau, quer dizer, é as duas coisas. É um refúgio puro e simples do dualismo, uma negação do maniqueísmo. Está em conformidade perfeita com o que pensavam os druidas: nos celtas o dualismo não existe e a questão do bem e do mal [hipostasiados] não se põe. Em última instância, não existe pecado. E efectivamente Pelágio nega que o pecado de Adão se repercuta nos seus descendentes” (idem, ibi). Com efeito, entre o Cristianismo doutrinal-histórico e o Cristianismo celta, a opção é absoluta: se escolhes um, rejeitas o outro, e vice-versa. Trata-se de duas mundividências (sócio-antropológicas e teológicas), rigorosamente opostas. O primeiro não sai da sempiterna Cultura do Poder condomínio; o segundo pressupõe e abre caminho à Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. “Não era possível conciliar duas atitudes tão contraditórias como a céltica que reconhecia a liberdade total do ser humano, dando lugar a um Deus bom e mau ao mesmo tempo, ausente e presente, e a uma procura permanente do absoluto em si, e por outro lado a romana, com a sua crença na fragilidade humana devida ao pecado original, fragilidade superável unicamente pela ajuda (a graça) de um Deus unicamente bom — ainda que justo, logo terrível, segundo a posição augustiniana — e que, sempre presente, intervém na vida dos humanos. [Evoque-se o Panóptikon de M. Foucault ou o Big Brother de G. Orwell]. De facto, trata-se de duas religiões muito diferentes e de duas concepções opostas da Divindade. Ao longo dos séculos tem-se tentado vencer essa oposição, mas na prática tem-se asfixiado a tendência céltica reduzindo-a ao


estado inconsciente. Talvez isso se deva ao facto de ser demasiado perigoso enfrentála abertamente” (idem, ibi, p.123). É claríssimo como água pura esse espectro do Cristianismo celta (as versões, mais idealistas/individualistas, do Cristianismo dos Gnósticos são seus parentes), que percorre marginalmente, qual Adamastor, a História do Ocidente cristão, ao longo de dois milénios!... É óbvio que os Poderes estabelecidos têm um medo pavoroso desse Cristianismo: ele é subversivo, por natureza; implica toda uma Mudança verdadeira de mundos; é todo Outro Mundo humano-social-societário, que surge, no horizonte, como Alternativa absoluta ao que há, na galáxia do Establishment. Mas ainda não é tudo, no hodierno horizonte crítico a partir do Cristianismo celta. É que “a promessa de uma vida eterna numa nova encarnação, que preserva o eu individual e o sublima, como demonstrava o exemplo de Cristo ressuscitado, animando um corpo idêntico ao de antes, mas sublimado, glorioso” (idem, ibidem), não pode quedar-se confinada no plano de uma qualquer religião institucionalizada, que transformou as metáforas/alegorias da Ressurreição em pressupostas ‘realidades metafísicas’, consagradas pelo metafísico Dualismo platónico. O que há a fazer (até para preservar e tornar fecunda a energia do Eu individual-pessoal) diz respeito às Mudanças radicais dos modelos psico-sócio-antropológicos e à Alternativa radical (absolutamente necessária e indispensável, como questão de vida ou de morte para a Espécie humana, qua tal), para os vigentes modelos contraditórios e absurdos do Establisment. Assim, nesse horizonte, não será despiciendo esboçar algumas linhas de orientação, quase ao jeito de carta geográfica, para indiciar a caminhada. Desde logo, é necessário nunca confundir ou identificar a intuição ou o sentimento religioso com a religião institucionalizada, qualquer que ela seja, supostamente melhor que ela seja em confronto com as restantes. Face ao Infinito, que é representado por cada IndivíduoPessoa/Cidadão(ã), singular e concreto, toda e qualquer religião societariamente institucionalizada é um facto/fenómeno relativo e contingente, o qual deve ser assumido por todos (inclusive para os próprios fiéis em causa), enquanto tal: portanto, ao serviço dos Sujeitos Pessoais, e não submetendo-os e escravizando-os. Numa entrevista ao jornal ‘Libération’, o Dalai Lama afirmava, judiciosamente, a propósito das religiões: “Todas as religiões são meios auxiliares, caminhos possíveis para chegar à espiritualidade. Mas não são o único caminho”. Nesta ordem crítica de ideias, o importante e decisivo não é cada Indivíduo-Pessoa ter esta ou aquela religião, ou até integrar-se numa dada religião porque a considera melhor que as outras; o importante e decisivo é procurar a espiritualidade, a tolerância e a compaixão para com o próximo e todos os semelhantes da mesma Espécie, em suma, a bondade humana em acção (e não apenas no discurso retórico). Nas chamadas Sociedades pré-modernas do Ocidente, a dialéctica político-societária da inclusão//exclusão foi operada, fundamentalmente, pela religião institucionalizada, e, na maioria dos casos, pela Igreja, que desempenhava essas funções através do diapasão da comunidade da fé. Brandia-se o axioma de que todos eram criaturas de Deus ou irmãos em Cristo, e a partir daí eram reconhecidos e integrados no corpus societário. A aplicação do axioma também conduzia à marginalização ou ‘ghettização’ dos ‘infiéis’ ou de membros de outras religiões, em suma, à sua exclusão efectiva ou até à sua perseguição e matança, como nas Cruzadas e na Inquisição e nas diversas formas de colonização dos novos territórios descobertos, depois dos Descobrimentos transoceânicos dos sécs. XV e XVI. Nos sécs. XVIII-XIX-XX, os operadores daquela dialéctica de inclusão//exclusão passaram a ser os chamados Estados-nações emergentes (através do processus doloroso das ‘guerras de religião’) e depois consolidados. A grelha que pauta, agora, a inclusão é compósita. As pessoas que integravam um dado Estado-nação, em geral, possuíam em comum: território, linguagem, religião, grupo étnico, história). Ora, o que se verifica, é que, tanto na primeira fase das sociedades pré-modernas, como na


segunda das modernas, infiéis e apátridas são, inevitavelmente, empurrados para as margens da Sociedade e, efectivamente, excluídos dela... O processo dialéctico da inclusão//exclusão, e, nomeadamente, a bitola da inclusão, foram postos em marcha, naquelas duas fases, sobre a base do que as pessoas partilhavam ou tinham em comum. Este processus sócio-histórico e organizacional conduziu, inevitavelmente, às mais diversificadas formas de exclusão social, económica, política e sócio-cultural. As formações societárias marcadas pelo capitalismo ou pelo ‘socialismo real’ (= capitalismo de Estado) tinham de produzir, forçosamente, os seus efeitos deletérios. Na hodierna terceira fase, balizada pelo advento da ‘Sociedade do Conhecimento’ e pelo movimento correspondente do ‘Conhecimento’ ao nível dos Estados-nações, em direcção ao global/local (ou ‘glocal’...), os trabalhadores e os sistemas educativos e escolares nacionais são constrangidos a orientar-se, prioritária e exclusivamente (!...), para a chamada construção das ‘competências’ (depois da II Guerra Mundial, a retórica era a ‘educação por objectivos’, ter-minologia extraída do mundo da economia; agora, para a ‘Sociedade do Conhecimento’, a retórica substituiu ‘objectivos’ por ‘competências’, para tudo ficar, qualitativamente, na mesma...). O destino das ‘competências’ é só um: produção ou consumo!... A entidade que agora preside ao processus organizacional-societário da dialéctica inclusão//exclusão, já não é o Estado-nação, mas, outrossim, o Mercado neoliberalista global. As instituições culturais e a própria escola pública estão em vias de ser totalmente apropriadas pelo Mercado e pela suprema lei do Lucro!... E, não obstante, tem de perguntar-se à puridade: Qual é a competência que o Mercado possui, para definir a norma da inclusão?!... “Rejeitamos totalmente a ideia de que a inclusão se desenvolva na base da exclusão, segundo a lógica de que quem não é consumidor é excluído. De facto, é na base da diferença, não na base da sua homogeneização (promovida quer pela igreja, quer pelo estado, quer ainda pelo mercado), que se pode encontrar uma alternativa para o desenvolvimento de uma sociedade eventualmente mais inclusiva. Por outras palavras, as identidades individuais e grupais podem constituir, numa sociedade onde a produção é cada vez mais baseada no conhecimento e na informação, uma base para a organização da sociedade” (António M. Magalhães e Stephen R. Stoer, in ‘A Página’, Julho de 2003, p.7). Entretanto, paradoxalmente, a ideologia dominante, nesta terceira fase, utiliza sistematicamente uma retórica que leva o Mercado a surgir (qual cavalo de Tróia!...) como motor da ‘sociedade inclusiva’, no que é chamado a ‘Sociedade do conhecimento’. São manifestos os efeitos perversos (e perversores) desta linguagem (para os inteligentes, pelo menos...). Com efeito, em tal sentido, “a inclusão pode ser vista como um dos discursos que permite ao mercado desterritorializar as relações sociais ao nível do estado-nação para as re-territorializar depois, a um nível supranacional. Assim, em vez de regular práticas de exclusão, foi-se criando um espaço global onde todas as pessoas, independentemente das suas diferenças, são incluídas como consumidores” (idem, ibidem).

in MANIFESTO PARA UMA NOVA IDADE DO OCIDENTE E DA HUMANIDADE (pp 70-76). Centro de Estudos do Humanismo Crítico [CEHC, Guimarães/Pt], Terranova Comunic & Edicon, Brasil, 2003.


VARNHAGEN

Historiador, Reinol & Luso-Brasileiro Rosa Maria Malheiros | Joaquim Inácio de Castro e Souza

Não sei de mim Sei do sítio Onde vi o mundo Flor que s´abre não ao luto Mas ao despertar do sítio Que é mundo em mim Canto em mim Os mundos que vivo na história De cada sítio

BARCELLOS, João In ´Poema à Epopeia de Varnhagen: o Luso-Brasileiro´, Cerro d´Ybiraçoiaba, 2016.


A “...pessoa que se faz historiadora tem habitualmente um traço com alguma história que lhe é próxima, ou viveu uma ou mais circunstâncias – sim, incluindo as académicas – que deixaram uma ´janela´ aberta para a pesquisa sobre si mesma e sobre as outras pessoas que fazem a humanidade, nesta ou naquela nação...” [Macedo, 1989]. “Entre documentos históricos, do ferro ao café passando pela ciência e as belas artes, e etc., já falei acerca do pioneirismo civilizatório da gente alemã no Brasil, e então um nome aflorou: Varnhagen” [Barcellos, 2011]. Os Varnhagen... O pai, Friedrich Ludwig Wilhelm Varnhagen, engenheiro alemão, contratado para levantar a Real Fábrica de Ferro de São João do (Rio) Ipanema e dar continuidade ao histórico arraial ferrífero de Affonso Sardinha (o Velho), ali ao lado, no Cerro d´Ybiraçoiaba, e o filho, nascido ali mesmo, Francisco Adolfo de Varnhagen.

Os Varnhagen: pai e filho

Ora, Adolfo, o filho do engenheiro especialista em siderurgia, nasceu em berço d´história, viveu-a por dentro e dela fez a sua vida. E se algumas pessoas tornam-se elas mesmas a história, Adolfo Varnhagen é uma delas.

Da Educação É verdade que Adolfo, com o mesmo nome do avô alemão, nasceu do ventre de Maria Flávia de Sá Magalhães na casa grande que dava apoio estrutural à família Varnhagen em meio à fábrica de ferro: o que aconteceu em 17 de fevereiro de 1816. Por ali estudou as primeiras letras, quando o pai, novamente em Lisboa no ano 1825, chamou-o para estudos superiores na capital do reino. E foi um estudante aplicado no Real Colégio Militar da Luz, que já dera engenheirosmilitares como o grande José Custódio de Sá e Faria; fez estudos em Matemáticas, Diplomática (na Torre do Tombo), Fortificação e Artilharia. A sua formação académica e militar deu-lhe o perfil de estar-português na sua plenitude política, o que o levou a se integrar como alferes (2º Tenente) de artilharia, nas fileiras bélicas para apoiar o Pedro IV na rixa com Miguel I – as famosas ´guerras liberais´, que iriam dilacerar mais um pouco a alma lusitana, pois, ainda estava viva a passagem napoleônica por ali, embora os vinhos já estivessem desenterrados e as tripas não eram mais o prato único.

Da Personalidade Intelectual E foi em ´campus bellicus´ que se iniciou a história de um português nascido no Brasil. A formação militar integrou-o na sociedade reinol, como se não bastasse a educação familiar com um pai em alto posto no oficialato das forças armadas portuguesas.


Mas havia em Afonso um quê de viés para pesquisa, para adentrar a história, quiçá, a sua história era já a do Brasil em formatação, uma vez que saber a de Portugal era, inexoravelmente, fazer a ligação imediata com a do Brasil. Ainda oficial em ascensão na carreira militar, publicou o ensaio historiográfico ´Notícia do Brasil´, em 1838, e no mesmo ano conheceu o grande historiador Alexandre Herculano, que o convidou para escrever no jornal ´O Panorama´. Com tal honra, o jovem militar e historiador percebeu-se, súbito, intelectual entre personagens do meio académico português. E o era. Adolfo Varnhagen passou a ser não um nome, mas o guerreiro-intelectual a adentrar a história.

Da Integração Acadêmica 1 Entre os anos de 1835 e 38 foi a campo pesquisar assuntos que lhe caíram no colo entre conversas e leituras, e dos artigos para ´O Panorama´ herculaniano viu-se qual arqueólogo diante do túmulo [´perdido´: e este ´perdido´ é em história coisa normal na terra lusa] do cavaleiro e inventado ´marujo´ Pedro Álvares Cabral. Não bastou escrever artigos jornalísticos, a Academia exigia o esforço da pesquisa, por isso, decidiu apresentar um manuscrito que lhe passou pelas mãos na Torre do Tombo: ´Reflexões críticas sobre o escripto do seculo XVI impresso com o titulo de Noticias do Brazil´, a sua tese para admissão na Academia de Ciências de Lisboa. E o mesmo estudo abriu-lhe as portas do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro, poucos anos depois. 2 A perspectiva imagética que dá moldura estética ao propósito de vida na pessoa que é “Afonso é a vivência de uma portugalidade que desconhece espaços ultramarinos, i.e., é ele o brasileiro nascido em berço colonial português e o seu ´sítio´ é essa dimensão quase alquímica a tanger a abstração de uma equação em tempo indefinido” [Barcellos, idem]. Assim é que ele, mais tarde, vai solicitar a ´cidadania brasileira´ ao novo mando imperial que se consolidou após as ´guerras liberais´, e isso sem jamais deixar de ser a alma lusa da história comum com incensos muitos à autocracia monárquica. “Quando se debruça sobre o Brasil como história política e social ele é o luso-brasileiro no traço reinol que lhe foi escola e vida” [Barcellos, ibidem]. Logo, a criação do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro serve-lhe de cais adequado sob o olhar solene e imperial. É como que uma geometria planejada como estrutura que se apoia em vários continentes com linguagens afins, mas diversas na sua miscigenação oral e literária. Então, a perspectiva do militar, do intelectual e do projectista, sobrevive na dupla sustentabilidade da língua portuguesa em que se estrutura o próprio discurso histórico imperial e nele se materializa... ele-mesmo, Afonso, como parte indissolúvel dessa história.

Da Pessoa & Da Sociedade O militar e o académico finalmente encontraram-se no mesmo ´sítio´ em divulgação da pura história luso-brasileira. Isso, sob os auspícios, ainda, de algumas cartilhas reinóis de duvidoso conteúdo e mais para estória do que para história nas quais o próprio Afonso bebeu. Por isso, entende-se a sua ´fome´ de encontrar material ´vivo´ para abrir e temperar com estudos mais adequados ao que a diplomacia pede pelo fervor da educação que civiliza. No entanto, e não sendo mais o jovem ´faminto´ dos tempos de ´O Panorama´, e apesar disso, ele preferiu o traço do beija-mão, como Camões já havia


feito na sua epopeia manuelina e vascaína ao sabor da rota da Índia. Ora, o Povo, esse é sempre uma entrelinha na epopeia das elites. 1 Quando solicitou a ´nacionalidade brasileira´ ele não estava em diáspora, não era o português fora de Portugal, mas o brasileiro que não havia tomado conhecimento do Brasil Imperial, por isso o imperador do Brasil concedeu-lhe por decreto a ´nacionalidade´ que já lhe era nata... Ora, tinha ele mãe lusa e pai alemão naturalizado luso, e ele nascido em território luso d´além-mar. Afonso, o filho do engº-militar Varnhagen, era o ´corpus´ de um ´outro Portugal´ embarcado que até ´desconhece´ amiúdas vezes..., o Portugal miscigenado na expansão ultramarina. Por isso é que Afonso Varnhagen herda, de certa maneira, a epopeia camoniana, que fala do Portugal em si-mesmo pel´alma reinol e só aborda o todo social pelo sangue derramado entre a ilha e a maresia, embora tenha ido mais longe do que Camões ao vasculhar a diplomacia historiográfica. 2 A perspectiva no desenho historiográfico de Afonso Varnhagen era aquela geometria estruturada para destacar o aspecto reinol autocrático e, em suma, para dizer-nos de um Portugal que se expandiu e gerou um ´outro Portugal´ ultramarino –, o sítio d´alémmar que passa também por uma África lusófona e partes d´Oriente. E por aí fica a cartilha. O que parece é que a roda da história estagnou no império da “Lisboa da vida boa” e no império dos “trópicos d´escravos ainda na volta grande do navio negreiro além Cabo Verde”, enquanto o tempo abstratamente galgou outras gerações: as novas gerações que leem além das cartilhas académicas e bebem o princípio da ´res publica´ pela liberdade de pensar a própria história e não a das ´encomendas´ imperiais. O tempo é outro e a história se renova em leituras sociais e documentais que lhe tiram o mofo acartilhado, qual navio negreiro que se recusa a aportar no cais após a tortuosa travessia.

Varnhagem Em Seu Tempo De Nação Brasileira Entende-se que, pela sua educação castrense e cívica entre elites, Afonso não interpretou socialmente a nova Nação d´além-mar que, em Império decadente, corria para a República já exposta pela Inconfidência Mineira e por Bárbara de Alencar nos sertões nordestinos. Inexorável, o tempo movia outra história. Afonso bebia a máxima ´cujos regio, ejus religio´ [´a religião do príncipe é a do povo´], como se nem revolução industrial estivesse em curso ou colónias não tivessem caído nas mãos de escravos, pior, como se cabeças reinantes não tivessem sido decapitadas. Como intelectual ´lusófono´ Afonso nada tinha a acrescentar a Portugal, mas como brasileiro nato nascido em arraial de mineração ele sabia de si como Brasil em tempo próprio, por isso, dar ao Brasil a compreensão histórica no contexto do desenlace com Portugal, mas na mesma rota monárquica, seria e, quiçá, pensou assim mesmo..., ´feci quod potui, faciant mellora potentes´ [´fiz o que pude, façam melhor os que puderem´], porque diante do Brasil ele poderia, e o fez, desenhar uma história própria, de enredo tropicalíssimo, e foi o que aconteceu ao apresentar a sua ´História Geral do Brasil´, já com o título de Visconde de Porto Seguro. Tudo o que um intelectual da monarquia aspirava: um título de nobreza.


“Se à mística do príncipe se devia a orientação do todo que em torno dele circulava, Afonso Varnhagen interceptou esse Brasil subjugado entre muitas linguagens e cores apenas para aferir o que de Portugal já sabia: os ´velhos do restelo´ não se fizeram ao mar para perderem a majestade, mas para lançarem novas majestades pela mesma linhagem” [Barcellos, 2015]. Tal a leitura varnhageniana legada às gerações brasileiras e sem a intensidade d´epopeia que as camonianas alcançaram na outra banda atlântica. E mesmo assim, aclamado academicamente. Não se lhe retira a importância da escrita nem o esforço intelectual de dar ´vida´ histórica a uma Nação que nascia entre estórias do acartilhado em mente colonial. Ele estava no seu ´tempo brasileiro´ e o que a su´alma acalentou em tal berço deveria ser dito e publicado. A fortuna crítica? Ora pois, a cada intelectual o seu naco de glória que, sendo pela Nação, deve merecer a honra da posteridade. Mesmo porque Adolfo Varnhagen soube como poucos construir a sua memória e por ela projectou uma história do Brasil, que é ele mesmo.

– in “A História de Varnhagen Em Bate-Papo Noético”, c/ Rosa Maria Malheiros (Brasil, jornalista) e Joaquim Inácio de Castro e Souza (Portugal, geólogo e professor; companheiro de vida militar do poeta e jornalista J. C. Macedo, em Lisboa. Macedo fez o retrato antes de Joaquim cortar os bigodes ´hussardos´ para assentar praça) tendo duas palestras e ensaios historiográficos de João Barcellos em pauta. Registro de Cris Jordão. Revista eletrônica ´noética.com.br´, 2019.

Notas A FÁBRICA DE FERRO DE SÃO JOÃO DE IPANEMA: Economia e Política nas Últimas Décadas do Segundo Reinado )1860-1889) – Nilton Pereira dos Santos. Ediç Universidade de Sã Paulo, 2009. A ODISSEIA DO MILITAR-INTELECTUAL VARNHAGEN COMO LUSO-BRASILEIRO – J. C. Macedo. Palestra. Rio de Janeiro e Niterói (Brasil), 1989. DO FABULOSO ARAÇOIABA AO BRASIL INDUSTRIAL – João Barcellos. Estudos gerais compartilhados incluindo a peça ´Varnhagen: Sorocabano, Diplomata, Historiador e Visconde´. Ediç Centro de Estudos do Humanismo Crítico (CEHC) + Edico + G. D. Noética. Portugal e Brasil, 2011.


ENGº VARNHAGEN – Friedrich L. W. Varnhagen [1783-1842], alemão de Arolsen/Hesse, filho de luterano e pesquisador de história, naturalizou-se português e casou com uma fidalga ´alfacinha´, em Lisboa. Fez carreira militar até ao posto tenente-coronel. Ainda jovem, nas suas pesquisas na Usina de Ferro Neubauer/Waldeck, Alemanha, ele estudou com W. Eschwege, e foi quando ambos foram convidados para trabalharem em Portugal nas Minas de Ferro de Figueiró dos Vinhos. Quem convidou? O notável cientista José Bonifácio, que acabara de dinamizar a Academia portuguesa com os seus estudos em Mineralogia. No ano 1809, já com vasta experiência no meio siderúrgico, o reino português contratou-o para desenhar e construir altos-fornos na Real Fábrica de São João do (Rio) Ipanema, no Cerro Ybiraçoiaba, termo do sítio-siderurgia de Affonso Sardinha (o Velho). [Nota: o termo ´sítio-siderurgia´ é aqui assim referido para celebrar o Prof. Ab´Sáber, que várias vezes ´resmungou´: “Deve-se referenciar sempre o ´sítio´ em pesquisas científicas e historiográficas”] / Anotação de João Barcellos. FRANCISCO ADOLFO DE VARNHAGEN / a tradição germânica de construir civilização – João Barcellos [palestras na Fazenda Ipanema-RFFSJI]: – ANTROPOLOGIA, Vol. 11 da coletânea PALAVRAS ESSENCIAIS. Ediç Centro de Estudos do Humanismo Crítico (CEHC) + Edicon + G. D. Noética. Portugal e Brasil, 2015. PIONEIROS ALEMÃES NO BRASIL / do ancestral Piabiyu guarani ao Basil industrial – João Barcellos [palestras na Fazenda Ipanema-RFFSJI]: – ANTROPOLOGIA, Vol. 11 da coletânea PALAVRAS ESSENCIAIS. Ediç Centro de Estudos do Humanismo Crítico (CEHC) + Edico + G. D. Noética. Portugal e Brasil, 2015. TRATADO DESCRIPTIVO DO BRASIL – Gabriel Soares de Sousa [1540-1591]. Ediç de Diogo Barbosa Machado, Volume 2 / Bibliotheca Lusitana, para Cristóvão de Moura, datada de 1 de março de 1587.


E daí?... (Ou: Da Importância da Investigação Histórica em Campo) Ruy Hernández

[Tradução do catalão: Tereza Nuñez]

O acto de ´fazer´ tem lastro de sabedoria, mesmo nos momentos em que “...sem ´achismo´ buscamos a história por ela mesma, pedra a pedra, porção de poeira a porção de poeira, ou folha a folha em calhamaços da crónica antiga”. Esta interpretação é do amigo e poeta e pesquisador J. C. Macedo, que anotei no caminho que fizemos, no verão de 1977, de Alcabre (Vigo), na Galícia, à Alis Ubbo (agora, Lisboa) passando pela Serra do Gerês, Bracara Augusta e Conimbriga – marco miliar a marco miliar –, como haviam feito as legiões da Roma imperial na sua marcha ibérica. E é verdade: só “...sabemos o que somos quando nos encaramos como pedras rolantes a vivenciar um presente que é passado com gostinho de amanhã”, escreveria ele mais tarde em crónica jornalística para os jornais ´O Povo de Guimarães´ e ´Barcelos Popular´, e que eu publiquei também no ´Viu i Art´.

marco miliar romano a sinalizar a estrada ibérica para as legiões

Diante da nossa jornada e já na Alis Ubbo (que para os fenícios era ´porto seguro´), alguns docentes locais de história vieram até nós e conferenciamos às margens do Tago (agora, Rio Tejo). Havíamos feito um desvio em nossa jornada na passagem do Gerês: fomos conhecer a Mina de Jales, no alto trasmontano, de onde as legiões levaram muito ouro e muita prata para Roma. Ao mostrarmos o registo e os desenhos de toda a jornada fomos questionados: “E daí...?!” E dissemos, ainda incrédulos: “As legiões levaram para os cais de Alcabre e os cais da (sua) Olisipo ouro e prata, riqueza ibérica logo embarcada para Roma, esse foi o sentido da nossa investigação, e queríamos chegar à fenícia Alis Ubbo


com a mochila histórica completa”. Mas, persistiu aquele “E daí...?”. E desistimos da conversa. “Quando docentes tangem a história com o cú acomodado em fofas poltronas académicas, a história é para eles uma crónica já alinhada às cartilhas, e pronto. Para que vasculhar entre os restos fenícios, celtas e romanos, o que sabemos que somos como ibéricos?” (Macedo, idem). Aqueles cinco docentes (eram três professoras e dois professores) perceberam que estavam em rota pedagógica equivocada, mas preferiram silenciar, não criar ruptura entre as cartilhas que dizem de “uma história ibérica tão política quanto de alcova” (Hernández). Não entenderam que somos como pedras que se juntam para sinalizar caminhos novos e, às vezes, as pedras são como rostos que a natureza telúrica e cósmica nos apresenta para novas reflexões filosóficas.

Pedras que ´falam´ / de Ilan Adar

Macedo havia observado, durante uma palestra em Braga (a velha Bracara Augusta), ministrada pelo professor Santos Simões, que “todos somos antropólogos e filósofos quando queremos o Saber colhido nos trabalhos de investigação” [que ele publicou no jornal académico ´Tempo d´Educar´, Lx., 1975). E de facto, não existe outra óptica historiográfica para se levantar a ´poeira´ da ancestralidade que nos acompanha, que não seja a da investigação em campo. Por isso, a nossa jornada galego-portuguesa para conhecimento do que somos, por Saber próprio, esbarra na percepção equivocada de quem expressa “E daí...?” diante da História para se situar no campo da Ignorância.

Ruy Hernández Editor de ´Viu i Art´, Barcelona/Cataluña.


MIRANDÊS O Outro Portugal

Maria Augusta de Castro e Souza

Quando escutamos castanholas, paus, bombos e gaita-de-fole, e vislumbramos trajes típicos em caimento serrano galego-português, eis “o povo mirandês em sua tradição e linguagem próprias na Terra de Miranda, a montante do rio Douro” [Macs / Alex: panflo TJIA, novembro de 1973]. Deslumbrada. Sim, deslumbrada. Neste verão de 2018, em Berlin, relembro “o outro Portugal” [idem] que fui descobrir em terras trasmontanas. É o que posso dizer após assistir a dois adolescentes, tipicamente trajados e com castanholas e paus nas mãos – primeiro o som de umas e depois o bate-bate deles, sob uma gravação instrumental (gaita-de-foles e tambores) –, enquanto desenvolviam uma dança rústica. Fiquei arrepiada. Pois, muitos anos atrás, subi a Serra do Marão, com o jovem poeta e jornalista J. C. Macedo, seguindo de Vila Real para uma pesquisa sobre o Mirandês, lá nas terras da linha geográfica e cultural asturiana-galega-mirandesa. Tremíamos de frio dentro do meu Citroen ´2 Cavalos´, mas, chegamos lá..., com pedaços de chouriço, broa e goles de chá quente na garrafa térmica (foi a ´receita´ que nos deu o Sr. Macedo, o pai dele, que havia trabalhado na construção da Barragem do Picote). Queríamos mostrar, naquele ´cinzento´ Portugal de 1973, que existia [e existe] outro Portugal: o Portugal do Mirandês e o Portugal do português assinalado como geral, que tenta tapar o sol com uma peneira de políticas educacionais que conspiram contra a portugalidade, ela mesma. O que se passava, então? Buscávamos referências acerca do poeta e dramaturgo Gil Vicente nos arquivos da Sé bracarense quando nos deparamos com “mirandum”, dois cadernos de anotações em galego. Sobre a vida do mestre Gil já tínhamos visto ´tudo´, embora que sem acesso aos arquivos da Inquisição, confabulamos acerca dessa Língua que interferia na portuguesa de um jeito directo. “Eu tenho como descobrir mais: o meu pai adquiriu dois opúsculos do professor Leite Vasconcelos, vou pedir emprestados e estudaremos o caso. Ora, nada como abordar a Política através da Cultura...”, lembrou ele, mas a expressão era de desafio. Após a leitura da questão glotológica decidimos, como era praxe do nosso grupo, ir em frente com uma investigação em campo natural. O meu ´2C´ era a ´carroça´ que levava todos e a todo o lugar. Mas, como aguentar o frio no começo do inverno e a subir a Serra do Marão? Bem, recebemos a ´receita´ do Sr. Macedo e lá fomos nós. A professora Inês Barbosa ficou encarregada, em Vila Real, de pesquisar a relação de


Lisboa (entenda-se: governo) com a região, por isso deixámo-la num hotel central, para a recolhermos na volta. A cordilheira, com as suas nascentes, atravessa o nordeste português vinda do noroeste espanhol, nas bandas asturianas e a passar pelas galegas. A paisagem é bela e aterrorizante: “a ´Miranda de I Douro´ deslumbra quem passa, mas é sítio para quem daqui é e fala a linguagem nativa, como a dizer ´eu sou o outro Portugal´ que vos saúda” [ibidem]. Como era do seu labor, ´Alex´ fez um mapinha com a linha asturiana-galegamirandesa [que reencontrei junto ao carbono do mimeógrafo, recentemente], o que muito nos ajudava nas palestras. Das crónicas e estudos, e principalmente das

conversas com anciãs e anciões mirandeses, ficamos a saber que “...sim, sim, falamos mirandum e somos portugueses desde os tempos em que Afonso Henriques deu-nos foral. E vejam bem, quem tentou vir pela Galícia para dizer não a Portugal teve que recuar: aqui não, aqui somos a fronteira da Nação nova e já éramos independentes com celtas e romanos, porque tínhamos língua nossa..., pois, ainda se diz, uma fala que ía daqui ao Gerês”, o que eu mesma, pela informação inusitada, anotei no verso do papelucho em que ´Alex´ fez o mapinha. No entanto, nunca conseguimos aferir essa linha Miranda-Gerês. Pode ser que um dia a história contemple a nossa sede de conhecimento na abertura de um caderno perdido em bibliotecas raramente exploradas.

Miranda do Douro e grupo de Pauliteiros

Entre celtas, fenícios e romanos, o mundo ibérico foi um mapa de línguas diversas que, com a colonização romana e a colonização cristã passou a ter o latim como ´língua´ oficial. Mas, o certo é que na redacção do nosso ´panflo´, de 73, publicamos somente uma certeza: “...Portugal convive com duas Línguas (a oficial e a da terra mirandesa) que devem ser estudadas e preservadas”.


Deve-se muito ao Prof. Leite Vasconcelos a amostragem de um outro Portugal pelos estudos que fez e que, felizmente, publicou no seu tempo. Estudos que se juntaram aos de outros estudiosos, galegos e asturianos. Mirandum é uma Língua dividida em subgrupos com gramática e dicionário – e vamos lá: ´sendinês´ (meridional, nativo do povoado de Sendim), central e raiano (setentrional), embora a massa falante de poucos milhares de pessoas disponha das quatro línguas para se comunicar e, com isso, não permitir o isolamento da linguagem tradicional. Este é o registo que faço após ver e escutar os ´jovens pauliteiros´ luso-berlinenses e que me levou a buscar nos ´guardados mimeografados´ a jornada mirandesa de uma Nação com duas Línguas...

Maria Augusta de Castro e Souza Berlin/De, 2018.

Notas ESTUDO ETHNOGRAPHICO [Ornamentação dos jugos e cangas dos bois nas províncias portuguezas do Douro e Minho] – J. Leite Vasconcelos. Ediç Jornal d´Agricultura, Porto, 1881. PORTUGAL E O MIRANDÊS | NÓS, PORTUGUESES, VIVEMOS EM GLOTOLOGIA: NÃO SOMOS LÍNGUA ÚNICA, MAS DIVERSIDADE LINGUÍSTICA – Maria Augusta de Castro e Souza (´macs´) e João Carlos Macedo (alex´). Panflo mimeografado da Turma de Jovens Intelectuais Anarquistas (´tjia´), Apúlia/Portugal, 1973. O DIALECTO MIRANDEZ [Contribuição para o estudo da dialectologia romanica no dominio glottologico hispanolusitano] – J. Leite Vasconcelos. Ediç Clavel, 1882.


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