Camelo ou Animal Politico?!...

Centro de Estudos do Humanismo Crítico [Portugal & América Latina] g.d. Noética

MANUEL REIS

CAMELO OU ANIMAL POLÍTICO?!...

Contribuição para a História do florescimento e emurchecimento do ’25 de Abril’

Edicon // TerraNova

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ANOTAÇÕES Sobre a edição de ‘Camelo ou Animal Político’

Chegou a estar em 2ª prova para uma edição programada na Liv.-Editora Ulmeiro, patrocinada pelo Editor José A. Ribeiro, em finais de 1976. O Grupo interessado perdeu a coragem, em virtude da nova ambiência político-ideológica, entretanto criada!...

Em 1983, Nov.-Dez., houve uma 2ª tentativa de edição, por parte das Edições Afrodite, iniciativa de Francisco Ribeiro de Melo, editor, que resultou igualmente gorada.

Em 1999, o Manuel Hermínio Monteiro (da Assírio & Alvim) telefonou-me para a minha casa em Guimarães, perguntando se eu não me importava de dar a público esse livro, então ‘meio-censurado’. Respondi que não iria publicar o livro, visto que tinha uma dimensão datada (ainda sobre problemas do PREC). E já tinha editado na Livraria Estante, de Aveiro, em 1990/1 dois livros sobre o balanço do ‘Socialismo Convencional’. E um terceiro que fazia parte da Trilogia, mas não foi editado: ‘Socialismo que Futuro?!’.

Os últimos títulos do Índice, a partir de: Pela causa da Revolução Socialista em Portugal, foram publicados, separadamente, em revistas e jornais; e, neste momento, não dispomos dos originais nem das publicações em referência.

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ÍNDICE Anotações …………………………………………………………………. p.

Prelúdio à Publicação Desta Colectânea ………………………………….. p.

INTRODUÇÃO …………………………………………………………………. p.

I. ─ Frontispício …………………………………………………………………... p.

II. ─ Textos Epigramáticos e Alguns Comentários ………………………………. p.

III. ─ Prefácio ……………………………………………………………………. p.

CONSCIENCIALIZAÇÃO POLÍTICA E SINDICAL ……………… p.

CURSOS DE ALFABETIZAÇÃO ……………………………………. p.

(Apontamentos para Monitores de Alfabetização) ………………………………. p.

I ─ Tópicos e Princípios Fundamentais de Orientação …………………………... p.

II ─ Princípios Essenciais sobre Pedagogia, Ensino e Educação ………………… p.

III ─ Natureza específica do Método dialógico-democrático ……………………. p.

IV ─ A Prática do Método e os Diversos Momentos do Processo ………………. p.

PARA A ANÁLISE DO MOMENTO POLÍTICO ACTUAL E PERSPECTIVAÇÃO DO PROBLEMA DO ENSINO ……………………….. p.

UNIDADE → UNICIDADE SINDICAL (UNIDADE NA LEI) …………. p.

I. ─ Alguns Princípios Fundamentais de Economia e Política …………………... p.

II. ─ Génese e Natureza dos Sindicatos …………………………………………. p.

III. ─ Características Essenciais dos Verdadeiros Sindicatos de Trabalhadores e Esboço das Principais Concepções Sindicalistas ……………... p.

Portugal 25 de Abril de 1975: RUMO À CONSTRUÇÃO DA NOVA SOCIEDADE ─ A SOCIEDADE SOCIALISTA (Algumas teses e reflexões prático-teóricas) ………………………… p.

Sobre a Necessária e Indispensável ‘Ditadura do Proletariado’ (Para a construção científica do Socialismo científico): Princípios Fundamentais ……………… p.

Viva Otelo: A Candidatura da Unidade Popular! …………………………………. p.

Teses para o 1º Congresso Nacional dos G.D.U.P.s e do M.U.P. ………… p.

I. ─ Parte Crítica e de Análise Global …………………………………………….. p.

II. ─ Alternativa Explicitada ……………………………………………………… p.

28 de Setembro de ‘74//28 de Setembro de ’76. A luta continua: e hoje, cada vez mais duramente! …………………………………………………. p.

Plano de Actividades Culturais dos G.D.U.P.s da Zona da Covilhã ……… p.

Teses Respigadas Criticamente Sobre o Congresso Nacional dos G.D.U.P.s (19-21 de Nov de ’76) ……………………………………………………. . p.

Hipotecas (Históricas) na Construção do Socialismo Científico. ─ Para a sua justa solução ……………………………………………… p. …………………………………………………………………………………………….

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Pela Causa da Revolução Socialista em Portugal Democracia e Ciência. Socialismo e Luta de Classes…..

Novo Processo da Ciência à Religião e o Futuro da Humanidade…

Caracteres Essenciais do Poder para Realizar o Social Próprio da Espécie Humana…

Ciência, Sim; Ideologia, Não…

Da Objectividade Social da Ciência …………………………………………………………………………………………….

Breves Notas de Política Internacional: Respigando o Caso da Polónia Algumas questões metodológicas, epistemológicas e, cumulativamente, políticas Sobre o Caso Polaco SOCIALISMO OU BARBÁRIE?!

Epitáfio//Epitalâmio ………………………………………………………….. p.

Carta a António Costa..........................................................................................

Nota: fotos inseridas nesta Obra foram captadas na Web onde se encontram em exibiçãopara livre consulta e publicação.

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PRELÚDIO À PUBLICAÇÃO DESTA COLECTÂNEA Os textos reunidos nesta Colectânea vão datados. Por duas ordens de razões: a) Porque foram, quase todos, preparados, sob directa estimulação externa, para intervenção em trabalhos de grupo; b) porque a sua tessitura releva, simultaneamente, da dimensão estrutural da análise social e da dimensão conjuntural do que se chamou no Portugal pós-25 de Abril ‘Processo Revolucionário em Curso’, ambas entrosadas uma na outra.

Com excepção do texto “Breves Notas de Política Internacional: Respigando o Caso da Polónia”, que data de Novembro de ’82 e resolvemos incluir por motivos óbvios, estava esta Colectânea de textos pronta para publicação em Abril de ’77.

Vicissitudes diversas foram protelando a sua edição… Surgiu, finalmente, a oportunidade no Verão de ’83.

O transcurso de seis anos trouxe-me hesitações em dar a lume estes textos tais como estavam concebidos e redigidos: no fundamental, por não se encontrarem actualizados conjunturalmente. Na verdade, perpassa, ao longo destes escritos, um certo pano de fundo de natureza cronical. Logo me apercebi, porém, de que, mais importante e decisivo que a crónica e a dimensão conjuntural, o que nestes textos refulgia era justamente o que das conjunturas passadas e das situações concretas ressumbrava para a análise das estruturas sociais de uma sociedade realmente ainda não ‘estabilizada’ (apesar do que se tem pretendido em contrário) e, por conseguinte, em necessária transformação. Sob este ponto de vista, não há dúvida de que a global situação portuguesa não sofreu alterações substanciais, a não ser o ainda iminente perigo da recaída no handicap neofascista, ─ espantalho que parece não ter sido definitivamente esconjurado…

Além disso, apresentam estes escritos reverberações de elementos de toda uma História nacional que cumprirá fazer no futuro, com mais serenidade e espírito científico do que os que são patenteados em muitos balanços do nosso passado recente. Nesta perspectiva, constituirão como que um ‘flashback’ do global processo político português a partir de 1974. Não será, pois, desprovida de interesse e significado a edição destes textos (de resto, ainda inéditos) em ’83’84. Com efeito, é imperioso e urgente que se aprendam de vez as lições do nosso passado recente. Como não cedemos ao empíreo-criticismo e às análises da sociedade em termos de ‘surface structure’, os parâmetros das análises efectuadas e a orientação das soluções apontadas mantem-se na sua substância. Com muito pesar do autor, para tudo quanto a Esquerda poderia ter feito e não fez… A Esquerda neste país ─ e falo da Esquerda como esse conjunto de forças partidárias de onde poderia surgir um verdadeiro Projecto nacional alternativo de sociedade outra ─ não tem desgraçadamente sabido unir-se no essencial.

As formações político-partidárias desta área, as grandes estanquizaram-se como partidos políticos em ‘democracia’ burguesa estabilizada fazendo contas quase tão-só com a implantação e o alargamento das suas clientelas eleitorais respectivas; as pequenas, ou se foram apagando, ou então pouco mais têm feito que imitar as grandes. E mais ou menos todas se foram digladiando ou deixando digladiar mutuamente mais por fantasmas do que por questões verdadeiramente reais. O povo, esse foi clientelizado partidariamente a golpes de camartelo! E a imperiosa, necessária e urgente unidade da Esquerda, pura e simplesmente, não se faz nem se lobriga quando se começará a fazer!... Até parece que é sorte fatal da Esquerda o ser forçada a unir-se tão-só negativamente pela Direita, nos períodos de fascização aberta e acelerada!...

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Ora, três coisas essenciais a Esquerda tem de saber quando se prepara para aceder ao Poder: 1. ─ A reivindicação da verdade e a denúncia cerrada da mentira na comunicação social, nas análises dos problemas da sociedade e na proposta de soluções. É por aí que começa a luta pela Justiça social, a nível da governação. Simultaneamente, o repúdio de toda a espécie de corrupção, activa ou passiva. 2.─ A recusa de jamais atraiçoar o povo, sobretudo mediante processos eleitorais. Implica isso, pelo menos, que os destinos do país e das populações locais não sejam conduzidos tão-só pelas cúpulas político-partidárias que decidem depois como se o povo lhes tivesse dado pelo voto um cheque em branco; implica isso também que o processo de democratização se vá alargando até ao campo da democracia directa e das soluções presencialmente discutidas por todos os interessados. Porque todo este processo não se compadece com a ineficácia, é preciso que os que assumem funções de liderança ou chefia tenham procedimentos correctos e evitem toda a manipulação demagógica. E sejam capazes de eficaz autocrítica e hétero-crítica. 3. ─ Contar com as próprias forças das comunidades locais e da Comunidade nacional. Sem a prática porfiada deste princípio, ver-se-á logo a política nacional atolada no pântano das subserviências ao estrangeiro e a pátria vendida aos interesses cúpidos do imperialismo (… por se ter perdido a placenta da mátria!). As cúpulas partidárias a conduzirem uma política sistematicamente mais norteada pelas orientações e interesses da macro-política (empíreo-criticista, por definição) dos grandes centros de decisão internacionais, do que submetida à realidade quotidiana e às necessidades vitais do povo. De ricochete, ver-se-á também, no âmbito dos problemas especificamente nacionais, que as sempre apregoadas demagogicamente descentralização e desconcentração dos serviços e da produção não passam de uma miragem para continuar a enganar o pobre povo.

Em suma, as diversas forças de Esquerda deste país deverão auto-expurgar-se, quer das ‘portuguesadas’ e da ‘marmelada nacional’ de que crítica e sarcasticamente falava Almada Negreiros, quer do velho pecado original (tão lusitano…) da visão metafísica da realidade, e esconjurar de vez os maniqueísmos com que reciprocamente se atacam. Recordando o velho adágio latino: ‘Verba volant, scripta manent, exempla trahunt’. As palavras, que voam, os escritos, que permanecem, ─ nada disso poderá ter densidade e valor se, no acompanhamento, não houver bons exemplos, de justiça e verdade, que atraiam as populações.

Por considerá-lo ainda muito pertinente, transcrevo parte do poema de Jorge de Sena titulado ‘NÃO,NÃO, NÃO SUBSCREVO’ (datado de Fevereiro de 1976): “Só há uma saída: a confissão (honesta ou calculada) de que erraram todos, e o esforço de mostrar ao povo (que mais assustaram que educaram sempre) quão tudo perde se vos perde a vós.

Revolução havia que fazer.

Conquistas há que não pode deixar-se que se dissolvam no ar tecnocrata do oportunismo à espreita de eleições.

Pode bem ser que a esquerda ainda as ganhe, ou pode ser que as perca. Em qualquer caso, que ao povo seja dito de uma vez como nas suas mãos o seu destino está e não no das sereias bem cantantes (desde a mais alta antiguidade é conhecido

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que essas senhoras são reaccionárias, com profissão de atrair ão naufrágio o navegante intrépido). Que a esquerda nem grite, que está rouca, nem invente as serenatas para que não tem jeito.

Mas firme avance, e reate os laços rotos Entre ela mesma e o povo (que não é aqueles milhares de fiéis que se transportam de camioneta de um lugar pró outro).

Democracia é isso: uma arte do diálogo mesmo entre surdos. Socialismo a força em que a democracia se realiza.

Há muito socialismo: a gente sabe, e quem mais goste de uns que dos outros. É tarde já para tratar do caso: agora importa uma só coisa ─ defender uma revolução que ainda não houve, como as conquistas que chegou a haver (mas ajustando-as francamente à lei de uma equidade justa, rechaçando o quanto de loucuras se incitaram em nome de um poder que ninguém tinha).

E vamos ao que importa: refazer um Portugal possível em que o povo realmente mande sem que o só manejem, e sem que a escravidão volte à socapa entre a delícia de pagar uma hipoteca da casa nunca nossa e o prazer de ter um frigorífico e automóveis dois.

Ah, povo, povo, quanto te enganaram sonhando os sonhos que desaprenderas!

E quanto te assustaram uns e outros, com esses sonhos e com o medo deles!”.

Saiba-se, desde já, que a luta de classes não poderá terminar com a conquista do Poder pela classe operária e suas aliadas, ─ o primeiro passo decisivo para a construção do Socialismo. Uma vez nesse patamar do processo sócio-político e histórico, a luta de classes apenas mudará de sinal, não de direcção. Por fim, se esta Colectânea de textos contribuir para vencer o empíreo-criticismo, a ‘Realpolitik’ e a superficialidade na análise social, para uma correcta e cada vez mais alargada luta de classes e a construção do Socialismo, tão necessário e urgente para este país estilhaçado e desnorteado, dar-me-ei por satisfeito com o dever cumprido.1 Manuel Reis (Verão de 1983) …………………………………….

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A propósito do recente ‘Congresso sobre a situação actual da Língua portuguesa no mundo’, Adriano Duarte Rodrigues e Emídio

Rosa de Oliveira (em artigo conjunto in ‘Diário de Notícias’ de 7.7. de ’83) escreviam, pertinente e sintomaticamente: “A língua, enquanto entidade abstracta identitária, é a insti-tuição social por excelência a que se recorre em momentos de crise e de fragmentação”. “Falar da língua, hoje, num contexto de fragmentação babelizante das linguagens e dos dialectos, equivale a escamotear o político sob as figuras retóricas da discursividade ética”. Quando as formas se volvem em conteúdos…

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INTRODUÇÃO I ─ FRONTISPÍCIO “L’homme est libre, comme la terre est immobile. Tout est combiné pour ces illusions.”

(Paul Valéry)

─ Até quando este desafio irónico-histórico há-de continuar a ressoar aos ouvidos dos homens deixando-os na condição de derrotados?!... ● “Na imortal declaração dos direitos do homem, feita pela Convenção nacional, encontramos claramente expressa essa verdade sublime, que a escravatura de um só ser humano é a escravatura de todos.” (Bakunine, referindo-se ao processo da Revolução Francesa de ’89). ● “Engels tem toda a razão quando afirma que o conceito de igualdade é um preconceito estúpido e absurdo, separadamente da abolição de classes (…). Só destruindo as classes haverá igualdade.” (Lenine) ● “A burguesia acreditará até no diabo se, sobre essa fé, lhe for possível construir um novo mundo burguês.” (Anatole France) ● Só o ignorante se zanga e exalta; o que sabe ver compreende. (Um oriental anónimo) ● “Jesus, disse: O homem velho não tardará a interrogar ao longo dos seus dias uma criança de sete dias acerca do lugar da vida e viverá, porque muitos primeiros serão os últimos e serão todos unificados” (Evangelho ‘apócrifo’ de S. Tomé)

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● “Vós que lá do vosso Império Prometeis um mundo novo, Calai-vos, que pode o povo Qu’rer um mundo novo a sério.

Que importa perder a vida Em luta contra a traição, Se a Razão mesmo vencida, Não deixa de ser Razão?”

(António Aleixo)

● Em vez de “Dois fundem-se em um” (a lei da morte, em última instância), “Um dividese em dois” (a lei da vida, em última instância).

“A união não confunde, diferencia.” (Teilhard de Chardin) ● Em verdade, não escolhemos aqueles a quem amamos, como não escolhemos aqueles a quem odiamos. Uns e outros impõem-se-nos objectivamente. Só será humanamente ‘de graça’ (oposto a mercenário e vil) o amor fundado na evidência e na razão.

II ─ TEXTOS EPIGRAMÁTICOS E ALGUNS COMENTÁRIOS a): ─ “A cidade é uma coisa natural e o homen é, por natureza, um animal político, e aquele que fosse naturalmente, e não por acaso, insocial seria menos ou mais do que homem (…). O homem é um animal social mais do que a abelha ou qualquer animal gregário (…). A cidade é, por natureza, anterior ao indivíduo: porque se o indivíduo separado não se basta a si próprio, será semelhante às outras partes em relação ao todo; e aquele que não pode viver em sociedade ou que não necessita de nada pela sua própria suficiência, não é membro da cidade, mas uma besta ou um Deus”. (Aristóteles, Política. O itálico é meu).

(Pequeno glossário para se entender correctamente o citado texto de Aristóteles: Cidade ou ‘Polis’: sociedade sócio-politicamente organizada. Animal político: animal social ou político ─ o que é o mesmo). b): ─ “Quanto mais remontamos na história, mais o indivíduo ─ e, por conseguinte, o indivíduo produtor igualmente ─ surge como um ser dependente, parte de um conjunto maior: em primeiro lugar e muito naturalmente, na família e no clã que é apenas um família alargada; mais tarde, nas comunidades de formas diversas, saídas do antagonismo e da fusão dos clãs. É apenas no séc. XVIII, na ‘sociedade burguesa’, que as diferentes formas de conexão social se

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apresentam ao indivíduo como um simples meio de atingir os seus fins pessoais, como uma necessidade exterior. No entanto, a época que vê nascer esta concepção é precisamente aquela em que as relações sociais (gerais, segundo este ponto de vista) atingiram o seu maior desenvolvimento. O homem é, no sentido mais literal do termo, um zóon politikón, é não apenas um animal social, mas um animal que só se pode individualizar na sociedade. A ideia de uma produção realizada por um indivíduo isolado, vivendo fora da sociedade ─ facto raro que pode acontecer a um homem civilizado perdido por acaso numa região selvagem e que possui virtualmente as forças da sociedade ─ não é menos absurda do que a ideia de um desenvolvimento da linguagem sem que haja indivíduos vivendo e falando juntos”. (Karl Marx, Introdução geral à Crítica da Economia Política ─ 1875 ─, 1ª produção. O itálico é meu). ● Comentários breves aos dois textos citados (a) e (b), respectivamente de Aristóteles e Marx: Distanciados de vinte e três séculos no tempo, os dois textos oferecem a mesma substância semântica e alimentam a mesma preocupação: definir e identificar cientificamente o social próprio da espécie humana.

Que é o Homem? ─ Animal social ou político (os dois termos são tomados um pelo outro), respondem ambos. Homem, portanto = animalidade X socialidade (ou politicidade). Não é outro o sentido normativo da ‘definição’ aristotélica, formulada por ‘género próximo’ e ‘diferença específica’, e explicada no Organon.

O Homem não é, por conseguinte, animal sem politicidade: deixar a política aos outros homens (deuses ou/e bestas)…

O Homem não é, por conseguinte, politicidade (socialidade) sem animalidade: abandonar a política aos outros (deuses ou/e bestas)…

Mas o Homem é animal social (político). Por isso, e só nessa medida, o Homem é animal racional (Ciência, Cultura); e animal falante (Linguagem, Arte). E uma coisa pela outra.

A Sociedade é anterior ao indivíduo, ─ estabelece cientificamente Aristóteles. E o Indivíduo, por sua vez, só se pode individualizar na sociedade, ─ estabelece cientificamente Marx. O segundo explicita e actualiza o primeiro. Homem/indivíduo/sociedade. Três nomes, mas uma só realidade! Homem e Sociedade são coetâneos e, como termos e noções, jogam-se em causalidade recíproca. Mas o Indivíduo, esse é posterior à Sociedade.

A mesma preocupação em Aristóteles e Marx: definir e identificar cientificamente (não mitológica ou ideologicamente) o social humano. Ora, à luz desses dois textos, o social humano nunca foi nem será a ‘soma dos indivíduos’; e a organização das sociedades humanas jamais será constituída pela ‘média aritmética’ das ‘opiniões’ ou ‘vontades’ somadas dos cidadãos. É, pois, recusada in limine toda a geometria política de constituição do Poder separado da sociedade; toda a organização política assente na trindade: Deuses/senhores/escravos. Mas, positivamente, à luz desses dois textos, o social humano é multiplicação (não soma) das acções sociais de indivíduos sociais que só por essa via se individualizam verdadeiramente.

Resistências a compreender esta concepção científica do social humano procedem inclusivamente dos velhos hábitos idealistas da Matemática que nos conduzem a percepcionar a ‘realidade’ dos numerais cardinais (os números como entidades metafísicas) antes da realidade dos numerais ordinais… Ora, a Psicologia genética da Inteligência e da percepção do real já nos advertiu hodiernamente desse erro.

Quanto ao processo de percepção do real, a prioridade é, incontroversamente, dos ordinais sobre os cardinais. A multiplicação (não a soma) dos indivíduos e suas acções é que

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produz a real e correcta ordenação (ordinais) da sociedade, a ordem social real (não alienante) em que o Poder nasce geminado no tecido social como função essencial e estritamente ao serviço da sua natural dinâmica e progresso. ● “As minhas investigações levaram-me à conclusão de que as relações jurídicas ─ assim como as formas de Estado ─ não podem ser compreendidas, nem por si mesmas, nem pela pretensa evolução geral do espírito humano, mas que, na verdade, elas se enraízam nas condições materiais de existência de que Hegel, a exemplo dos Ingleses e Franceses do século XVIII, designa o conjunto pelo nome de ‘sociedade civil’, e que a anatomia da sociedade civil deve ser procurada, por seu turno, na economia política. Tinha começado o estudo desta em Paris e, na sequência do mandato de expulsão do Sr. Guizot continuei-o em Bruxelas, para onde tinha imigrado. A conclusão geral a que cheguei e que, uma vez adquirida, serviu de fio condutor aos meus estudos, pode formular-se sumariamente do seguinte modo: Na produção social da sua existência os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade,─ relações de produção que correspondem a um determinado grau do desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção constitui a estrutura económica da sociedade, a base concreta sobre a qual se ergue a superestrutura jurídica e Política e a que correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é, pelo contrário, o seu ser social que determina a sua consciência. Num certo estado do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é mais do que a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade em cujo seio até então se moviam.

Estas relações transformam-se, de formas de desenvolvimento das forças produtivas que tinham sido até então, em entraves: abre-se, então, uma época de revolução social. A alteração da base económica modifica, com maior ou menor rapidez, toda a imensa superestrutura.

Quando se consideram essas alterações, é preciso constante-mente distinguir entre a transformação material ─ que pode ser verificada de um modo cientificamente rigoroso ─ das condições económicas de produção e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, ou numa palavra, as formas ideológicas com que os homens tomam consciência deste conflito e o conduzem até ao fim. Assim como não se julga um indivíduo pela ideia que ele tem de si próprio, não se julgará uma determinada época de revolução pela sua própria consciência de si; é preciso, pelo contrário, explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as suas relações de produção”. (K. Marx, Prefácio à Crítica da Economia Política. O itálico é meu). ● E não se diga que este texto de Marx é o pórtico tão só do ‘marxismo vulgar’ (e não do marxismo científico), como pretende, entre outros, Gurvitch, para logo acoimar Marx de sociologismo. Tal interpretação resulta de não se haver feito a exegese profunda do texto. Nem, de resto, este texto de Marx, como pretende o mesmo autor, é contrariado pelos esboços dos Grundrisse que o preparam. Tudo depende de se interpretar correctamente o marxiano conceito de ‘relações de produção’(existentes) em confronto com o de ‘forças produtivas’ (sociais). Tudo depende de se considerar ou não, cientificamente, marxianamente, o conceito de capital.

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Para Marx e Engels, o capital não é uma coisa (apenas), é (antes de tudo e acima de tudo) uma relação social determinada, ─ uma relação de produção cujo impulso inexorável é o de extorquir continuamente a mais-valia’ ilegitimamente adquirida e incessantemente acumulada pelo capitalista mediante o ‘sobre-trabalho’ do operário, que o primeiro extorque ao segundo através da compra dessa mercadoria especial e fundamentante que é a ‘força-detrabalho’, tratada como vulgar mercadoria entre as mercadorias. Força-de-trabalho que, naturalmente identificada em última análise com o Trabalho, não pode ser considerada como simples mercadoria, porque é afinal o próprio homem.

Fique bem claro que não partilhamos da ‘epistemologia’ (ideológica…) que estabelece uma ruptura ou ‘corte’ na obra de Marx, entre os chamados textos da juventude e os textos da maturidade. Resulta isso, em última instância, de uma concepção vesga, ideologizante e esoterizante da Ciência e do marxismo como ciência.

Uma Advertência, em nome deste horizonte, epistémico-metodológico, orientador. Em termos criticistas, o TRABALHO é a origem última de toda a espécie de Capital; e não o contrário, como tem acontecido, historicamente, até ao presente. Assim, é imperioso estar alerta, para entender bem a vera denotação marxiana da fórmula ‘ditadura do proletariado’ e sua autêntica semântica. Se toda a riqueza procede do TRABALHO e o Capital é, apenas, uma das suas expressões ou frutos, então, na base desta axiomática, há duas conclusões simétricas/opostas a estabelecer: A) A Democracia representativa/liberal, nas Sociedades de classes, é, no fim de contas, uma ditadura da burguesia (grande, pequena, média); B) a Ditadura do Proletariado, na semântica original de K. Marx, era, tão-só, a Democracia das classes trabalhadoras.

Corolário: Nas Sociedades modernas, as Revoluções tornaram-se, sócio-historicamente, necessárias e constituíram um imperativo categórico, porque o Capital, em confronto com o Trabalho, usou e abusou, sem dó nem piedade, das suas funções hegemónicas, no processo de produção da riqueza. ● “A procura incessante da humanidade, através das sociedades históricas, visando transformar os sucessivos sistemas de relações sociais, para os humanizar, para universalizar a liberdade e para se desfazer das alienações mais gritantes, está ─ apesar das aparências ─ em vias de chegar a um impasse. Este impasse deve-se, em primeira análise, à integração dos movimentos social-democratas, socialistas e comunistas ─ as grandes alternativas surgidas do movimento de resistência do operariado às alienações da sociedade capitalista clássica do século passado ─ nas estruturas e mentalidades de um novo tipo de civilização classista: a Civilização Organizacional ou Burocrática. Com efeito, as organizações de origem operária, ao pretenderem lutar com eficácia contra as estruturas capitalistas clássicas, dotaram-se a si mesmas de estruturas internas hierarquizadas e manipulativas. Estas estruturas não deixaram de se reforçar, consolidar e desenvolver com o tempo e sobretudo com a tomada do poder por algumas dessas organizações de origem operária. Por outro lado, outros sectores do movimento operário (por exemplo, grupos anarquistas), que negaram tais estruturas hierarquizadas e manipulativas, nunca conseguiram uma acção eficaz de reorganização dos sistemas sociais estabelecidos.

Por razões idênticas, as estruturas personalizadas (de carácter privado) e descoordenadas do capitalismo clássico, uma vez confrontadas com as tarefas cada vez mais complexas da acumulação do capital, com a desorganização global da economia e da sociedade através de crises económicas e sociais de crescente violência, e para evitarem o cataclismo da

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revolução, foram obrigadas a despersonalizarem-se e, ‘socializando-se’ e ‘colectivizando-se’, a integrarem-se, dando origem a sistemas burocráticos.

As sociedades ocidentais mais industrializadas conseguiram adaptar-se às novas exigências das forças produtivas e da consequente remodelação do modo de produção e das mentalidades. Diversas revoluções, guerras, grandes crises económicas e um movimento operário cada vez mais potente na sua acção anticapitalista a tanto obrigaram as elites do Poder e as classes dominantes. Assim, as sociedades ocidentais mais avançadas foram modificando profundamente as suas estruturas, ainda que frequentemente essas transformações se tenham feito sob o signo da eficácia e não de alguma ideologia agressivamente anticapitalista.

O mesmo não aconteceu em sociedades menos industrializadas, cujas elites do Poder e classes dominantes eram de mentalidades ainda tradicionais e semifeudais, tal como as relações socioeconómicas existentes. Estas sociedades eram, por outro lado, subjugadas pelas sociedades mais industrializadas. Nesses países formaram-se por vezes fortes movimentos revolucionários, a que aderiram fracções das classes dominantes, e, face à rigidez das estruturas e mentalidades existentes, adquiriram atitudes e estratégias de violência e de ruptura abrupta. Quando tais movimentos, devido em grande parte à sua eficácia organizacional, conseguiram tomar e consolidar o poder, tentaram varrer todos os vestígios institucionais e ideológicos do capitalismo clássico. Apesar de uma via de transformação social tão abrupta em comparação com a via histórica das sociedades ocidentais, que acima referimos, ambos os tipos de sociedade convergem hoje, no que diz respeito à estrutura social fundamental: uma estrutura cada vez mais despersonalizada, integrada e planificada. Embora sob um aspecto institucional e ideológico aparentemente muito diverso, ambos os tipos de sociedade convergem para estruturas muito semelhantes, nas quais as grandes organizações ─ económicas, políticas, sindicais, culturais, etc. ─ desempenham um papel predominante. Os aparelhos de gestão especializada que administram tais organizações tomam (gradual ou abruptamente) o lugar das velhas classes dominantes.

Há um terceiro tipo de sociedade que toma hoje a via da burocratização, embora por outras causas. São sociedades do chamado Terceiro Mundo, que, devido à sua situação económica, social e política de subjugação; à civilização de tipo tradicional que é ainda característica de vastas zonas; às dificuldades de acumulação de capital; à explosão demográfica e também à fraqueza de grupos sociais que poderiam eventualmente conduzir a uma via desenvolvimentista de cariz capitalista clássico ─ essas sociedades são obrigadas a adoptarem estruturas organizacionais comandadas por quadros de mentalidade industrial-burocrática.

Apesar da sua extrema diversidade, as sociedades contemporâneas estão em vias de convergir para estruturas sociais semelhantes que, à primeira vista, se caracterizam pela centralização, integração, planificação e despersonalização dos sistemas hierárquicos de autoridade e poder (...). Hoje em dia, as mais diversas organizações que reivindicam o socialismo não são mais do que meras formas concretas em que se manifesta uma transformação profunda embora multifacetada: a marcha para a civilização burocrática.

Dessas organizações, umas, mais estabelecidas no poder, tentam vias moderadas e de compromisso; outras, mais marginais, tentam vias revolucionárias e de ruptura. Tanto umas como outras têm objectivos, até mesmo declarados, que não divergem essencialmente (estatizar, socializar, colectivizar, organizar) e todas mantêm ou procuram desenvolver estruturas que não são senão de tipo burocrático (umas mais participativas, outras mais despóticas).

Apesar das suas diferenças, todas as estruturas burocráticas tendem a conservar o seu aspecto essencial: uma hierarquia delineada segundo uma competência, centrada fundamentalmente na divisão entre decisores e executantes. Essa dicotomia é a que caracteriza

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fundamentalmente a sociedade classista e é ela em último grau a raiz das suas alienações”.

(Editorial da rev. Raiz & Utopia, nº1, Primavera de 1977, pp.5-7). ● Transcrevemos este texto, porque ele constitui um exemplo da analítica preocupação indomável de ir em busca da Raiz. E a raiz de tudo ─ como o próprio Marx afirmou ─ é o Homem.

Não deixamos, contudo, de advertir, em linha geral, que é sempre conveniente e necessário a floresta espessa do que podemos chamar ‘males de civilização’ não esconder, pela sua magnitude e densidade, a árvore principal, ─ a árvore carcomida e putrefacta do capitalismo, que é preciso pôr abaixo, arrancando-a pelas raízes. Desejamos salientar, sobremaneira, a última tese do texto: a dicotomia entre decisores e executantes é a raiz em último grau das alienações da sociedade dividida em classes. É importante que se tenha presente esta tese e se a aprofunde marxianamente, porque há quem, muito ‘marxistamente’…, separe em compartimentos estanques a exploração (capitalista) e a opressão, e acabe por tratar (pretender tratar) ‘cientificamente’ a exploração (económica), remetendo a opressão (do modo de produção capitalista) para o rol das questões morais!... Ora, a razão radical da exploração (dita económica) na sociedade capitalista, é precisamente a hierarquia foncière das relações de produção capitalistas e a opressão estrutural e estruturante que nelas tem lugar, ─ opressão que se exprime nodalmente na ‘Máquina burocrática’ e na Ideologia dominante que incessantemente a alimenta.

De resto, já Marx e Engels haviam pressentido o processo de burocratização económica e social do capitalismo: não teorizaram eles, criticamente, a separação que o próprio capitalismo burguês criaria entre a propriedade e a gestão?! Fizeram saber, des-sa maneira, que mais fundamental e decisivo que o problema da ‘propriedade’ era o problema da ‘gestão’. Assim como o capitalista substituiu o proprietário fundiário na gestão social, assim o manager substituiu o capitalista na sociedade tecnoburocrática. (Mais uma vez, porém, que a floresta não esconda a árvore!...). O que revela bem que o capital, por Marx definido como ‘uma relação social determinada’, não é só mais-valia contabilizada microeconómica ou macroeconomicamente, mas, na sua fase imperialista tecnoburocrática, uma relação, estereotipadamente universalizada, de Poder soberano//submissão resignativa, relação cristalizada que resulta directamente da divisão social, considerada pura e exclusivamente técnica, no processo de trabalho entre decisores e executantes. Este novo estádio do constantemente fascizante capitalismo imperialista obriga, historicamente, a considerar a opressão, acima definida, como sobredeterminante da própria exploração, se se pretende efectivamente destruir o capitalismo sob todas as suas formas.

No seu livro Do Socialismo utópico ao Socialismo científico, Engels já deixou escrito: “Se as crises demonstraram a incapacidade da burguesia para continuar a gerir as forças produtivas modernas, a transformação dos grandes organismos de produção e comunicação em sociedades por acções e em propriedade de Estado mostra em que medida se pode passar sem a burguesia para esse fim. Todas as funções sociais do capitalista são agora asseguradas por empregados remunerados. O capitalista já não tem outra actividade social a não ser a de meter no bolso os rendimentos, cortar os seus cupões de dividendos e jogar na Bolsa, onde os diversos capitalistas se despojam mutuamente dos seus capitais. O modo de produção capitalista, que começou por pôr de lado operários, faz agora o mesmo com os capitalistas e, tal como com os operários, relega-os para a população supérflua, quando não imediatamente para o exército industrial de reserva da força-de-trabalho”.

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● Sobre o malogro conclusivo da situação pré-revolucionária rumo ao socialismo, vivida em Portugal ’74-75.

Quando um país inteiro, no último quartel do séc. XX, desperta do sono letárgico e letal do fascismo, o que procura naturalmente é um projecto socialista de organização progressiva e progressista da sociedade. E, no princípio, todos os cuidados são poucos, porquanto, como diz o adágio latino, ‘parvulus error in principio magnus in fine’.

Por isso, é de recomendar vivamente a leitura dessa obra incomparável no mercado livreiro nacional, que é o livro de João Martins Pereira: O Socialismo, a Transição e o Caso Português.

Transcrevemos um tracto bem significativo sobre o perfil do malogro. ● “Nunca uma situação pré-revolucionária desembocou numa ruptura revolucionária estando o partido revolucionário ─ a vanguarda das massas ─ integrado no Governo, representante da legalidade institucional. É, aliás, óbvio que, se em tais momentos se afrontam duas legalidades, em última análise dois poderes (um em total ‘crise de autoridade’, o outro fortalecendo-se gradualmente e pondo-se como alternativa, como o poder futuro), um partido revolucionário, que aspire à direcção política do movimento de massas, só pode estar incondicionalmente ao lado do segundo, melhor, fazer parte dele. É dentro desse campo, e não fora dele, que têm de ser equacionados os problemas da estratégia revolucionária, e nomeadamente a questão ─ que não subestimamos ─ do ‘ritmo’ e das ‘alianças’, cujo menosprezo pode precipitar de facto um abrupto regresso ao passado. É a presença do partido revolucionário no seio das massas, sem as limitações paralisantes de compromissos governamentais ou de aparelhos, que pode fortale-cer o novo poder nascente, dar-lhe a consistência de um ‘programa revolucionário’ fun-dado nos problemas concretos e não nas elaborações globalizantes de um mal definido ‘interesse nacional’. A não ser assim, é patente que o objectivo que se pretende atingir é uma ‘revolução de aparelhos’, é algo precisamente do tipo do que se levou a cabo nos países da Europa de Leste. O partido potencialmente revolucionário vai assentar então a sua estratégia na conquista dos aparelhos de poder de Estado, ou de poder institucionalizado. É evidente que, para a aplicação de tal estratégia, se torna particularmente vantajosa a participação no Governo. Ela permite, para além dos aparelhos sindicais (facilmente controlados pelos seus militantes, mas que o aparelho do Ministério do Trabalho ajuda a consolidar), uma gradual penetração nos aparelhos

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administrativo e ideológico (informação, educação). Mas, e a experiência dos países de Leste é neste aspecto muito elucidativa, tal estratégia, que privilegia o poder de Estado sobre o poder social ─ ou melhor, para a qual a conquista do poder político se traduz na substituição dos aparelhos de poder de Estado e não na imposição revolucionária de um novo poder ─ exige o domínio dos aparelhos militar e paramilitar. Em Portugal, devido à própria génese da crise prérevolucionária e ao papel que nela representaram as Forças Armadas, isso era não só tanto mais óbvio quanto mais fácil. De facto, a politização intensa das Forças Armadas, ou melhor, do aparelho militar, torna-se difícil em regimes de democracia bur-guesa, em que elas constituem um ‘corpo’ mantido ─ não por acaso ─ ‘à margem da política’. Convém recordar, de passagem, o exemplo chileno. Mas numa situação em que foram as próprias Forças Armadas a irromper pelo espaço político e a assegurar, em nome da legitimidade revolucionária (antifascista), o exercício de numerosas funções habitualmente do âmbito do poder político civil; mais, quando, dentro das F.A., se destaca, fundando-se nessa mesma legitimidade, uma espécie de ‘vanguarda’ (o M.F.A.), heterogénea, mas estruturada, que se constitui em autêntico aparelho político ─ então, estão reunidas excepcionais condições para um ‘proveitoso trabalho de ocupação do poder dentro do aparelho militar. Na lógica de uma estratégia deste tipo, compreende-se por que, até bem poucos meses antes do 25 de Novembro, quando já se começava a desenhar o seu fracasso, o interesse e a acção do partido que a adoptou se tenha centrado nas burocracias sindicais, negligenciando as comissões de trabalhadores, nas burocracias municipais, negligenciando as comissões de moradores, nos oficiais e sargentos, negligenciando os soldados.

Simplesmente, a luta de classes prosseguia o seu curso, ela trava-se a todos os níveis, à escala da sociedade como à da mais ínfima ‘comissão’. Não eram os discursos ‘tranquilizadores’ do poder que impediam os mecanismos capitalistas de se manter em ‘autodefesa’, e com isso ir aumentando o desemprego e todos os demais desequilíbrios económicos e financeiros ─ a classe dominante, como historicamente lhe compete, resistia. Nem era o controlo dos diversos aparelhos pelo dito partido ‘dos trabalhadores’ que impedia estes de prosseguir ocupações, lutas de empresa, acções de massa, de acelerar a articulação de tais lutas com a dos soldados ─ as classes dominadas, inelutavelmente, afirmavam-se como poder alternativo, formulavam alianças revolucionárias ‘parcelares’, que não encontravam eco numa ‘direcção política’ mais preocupada com outras coisas (e, pelo contrário, o facto de essa ‘direcção política’ potencial existir constituía obstáculo enorme a que outra, efectivamente revolucionária, emergisse das massas).

Já ambos os processos iam bem avançados, ambos entregues a uma ‘espontaneidade’ que tem por nome luta de classes ─ que não é um determinismo, mas uma neces-sidade que esmaga aqueles que a ignoram ─, já rompia o Verão de 1975,quando o enorme logro das ‘divisões partidárias’ produziu os seus inevitáveis efeitos. A mais primária visão das

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‘desigualdades sociais’ (de cuja dinâmica o conceito de ‘luta de classes’ mais não é do que uma elaboração teoricamente fundamentada) repousa na ideia vivida de uma hierarquia social, ou de uma pirâmide social, em que uma minoria ocupa os lugares cimeiros, e uma maioria as camadas inferiores. A inserção, entre estas, das ‘camadas’ intermédias, conduz-nos à expressão, facilmente apreensível, de ‘estratificação social’: as várias camadas ou estratos sobrepõem-se uns aos outros, como as formações geológicas sedimentares. Uma análise em termos de luta de classes consiste, então, para cada formação social, em tentar identificar as classes sociais ─ grosseiramente coincidentes com uma ou mais das tais camadas, se a ‘pirâmide’ estiver construída segundo um critério de domínio político-económico, e não segundo uma escala de ‘rendimentos’ ─ cujo antagonismo determina a dinâmica histórica dessa formação social, fundamenta o seu devir histórico. Tal análise deve ainda ser capaz de equacionar a forma como diversas classes ou fracções de classe se poderão associar ou articular, em particular nas fases de confronto decisivo. Estamos, pois, no campo da horizontalidade.

Ora o simples exame de um mapa de resultados eleitorais, com os partidos representados por colunas (imagem cómoda, mas em si não significativa, pois eles podem aparecer em linhas, que em nada altera a questão), dá-nos a sensação visual de uma verticalização da divisão social, totalmente oposta à divisão real. É claro que o que acontece é bem mais complexo: os partidos políticos não mobilizam os seus aderentes ou simpatizantes em função dos seus interesses de classe efectivos, mas por meio de motivações diversas que exploram quer interesses imediatos supostos, quer factores ideológicos que se assumem como persistentes (e que assim se contribui para reproduzir). Como o que interessa, acima de tudo, é o número de votos que, por qualquer meio, se poderá conseguir, nenhuma manipulação, nenhum truque, serão excluídos, nem se pouparão energias e meios financeiros. A massa de apoio partidário constituirá então uma ‘amálgama social’ podendo praticamente cada partido estabelecer a ‘hierarquia social’ dos seus próprios aderentes e militantes. É assim que o C.D.S. se pode gabar de ter nas suas hostes ‘assalariados’, ou mesmo ‘operários’ (se bem que, por certo, muito escassos). E que o P.C.P. contará com ‘empresários’ (ainda que em reduzida minoria). É óbvio que, muito grosseiramente, se podem escalonar os partidos, da extrema-direita à extremaesquerda, como se correspondessem à ‘hierarquia’ das classes sociais, mas não se deixará de constatar que os últimos, que deveriam corresponder à maioria que constitui a base (as ‘camadas’ mais exploradas) da tal ‘pirâmide social’, apresentam números francamente minoritários. Por isso, mesmo em fases de luta de classes muito aguda, em que o movimento social é muito violento e assume formas autenticamente subversivas, se pode chegar a resultados eleitorais altamente ‘civilizados’, indicando uma grande ‘moderação do eleitorado’.

A lógica eleitoral-vertical e a lógica luta de classes-horizontal são incompatíveis. Um processo revolucionário não pode assentar naquela lógica, mas sim no movimento social real ─ é para este que tem de encontrar respostas. O que não significa que não se possa, ou mesmo não se deva, tirar todo o partido possível dos actos eleitorais e das contradições que revelam no seio das classes dominantes”. (J. Martins Pereira, O Socialismo, a Transição e o caso Português, Liv. Bertrand, Lisboa, 1976, pp.198-203).

III ─ PREFÁCIO Leitor: o que irás encontrar nesta colectânea de ensaios, que vão datados, é o que se poderia chamar reflexão e análise ‘de estrutura’ e reflexão e análise ‘de conjuntura’ em fogo cruzado.

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Que ninguém venha com o sentido de encontrar nestes trabalhos ‘les ruses de la haute politique’. O que predomina absolutamente nas nossas preocupações é a análise científica; não a ‘estratégia’ e a ‘táctica’ com o primado que habitualmente lhes é concedido pelas ideologias.

Táctica e estratégia devem fluir da análise científica como a água da fonte; de contrário, colocam-se os pés no lugar da cabeça. Assim ─ sabemo-lo antecipadamente ─ algumas das afirmações que aí são feitas e teses que aí são defendidas aparecerão a muitos como ingenuidades. A isso respondemos com a ironia científica do científico Processo Histórico. São, de facto, ingenuidades, mas ingenuidades geniais, ditadas pela Ciência Social e verificadas ou verificáveis no ‘laboratório’ social das massas trabalhadoras. Não são, evidentemente, os dogmas ou os estereotipos (empireocriticistas) dos ‘condottieri’ de multidões. Falamos, cientificamente, de massas e de multidões e distinguimos qualitativamente os dois fenómenos, com a mesma diferença analógica que há, respectivamente, entre o vinho e a água.

Continuam, apesar de tudo, a parecer ingenuidades?!... Enquanto a política (prática e teórica) se mantiver prostituída pelo maquiave-lismo e pela demagogia, não haverá outro meio de proceder senão afirmar, protestar e repetir ‘ingenuidades’, em nome da Ciência! E acima de tudo, praticamente, promover a luta de classes, para que o Proletariado chegue à vitória final (sem perda de tempo nem desespero). ● Não me perguntes (metafisicamente) ‘que é a realidade social’, ‘que é a sociedade e o homem’. A resposta seria, em última análise, do dominium do dogma e da crença, não do domínio da ciência. Pergunta-me, isso sim, como se cria ou gera a realidade social, como se faz o homem e a sua sociedade ao longo do espaço-tempo, como se fizeram e estão fazendo.

Recusamos, cientificamente, o lógico sem história bem como o histórico sem lógica.

Em qualquer sistema social (histórico) é sempre falsa solução, quer atribuir a prioridade à totalidade quer atribuir a prioridade às contradições que têm lugar no todo. “A totalidade sem contradições é vazia e inerte, as contradições fora da totalidade são formais e arbitrárias” (Karel Kosik). Do ponto de vista da ciência e da totalidade concreta, é falso e errado, tanto hipostasiar (e mitologizar) o todo antes das partes como tratar avulsamente as partes e conceber o todo como a soma das partes. A concretização da totalidade não é apenas criação do conteúdo da totalidade, mas também criação do todo como tal.

A ciência e a dialéctica materialista exigem-nos uma perspectiva da totalidade de carácter genético-dinâmico. Só se pode detectar racionalmente o surgimento de uma nova qualidade ou propriedade à luz da concepção genético-dinâmica (a única científica) da totalidade. É essa concepção (e consequente metodologia) que Marx pratica modelarmente.

Exemplo prototípico, extraído dos Grundrisse (ed. francesa ‘Anthropos’, I vol., p.226): “É evidente que as forças produtivas e as relações de produção novas não surgiram do nada, nem do seio da Ideia que se afirma a si mesma: desenvolveram-se sobre a base de uma produção já existente e em oposição a relações de propriedade tradicionais solidamente enraizadas. Na sociedade burguesa desenvolvida, toda a relação económica pressupõe outras relações em forma burguesa e económica, condicionando-se umas às outras, como acontece em qualquer sistema orgânico. Este mesmo sistema orgânico, no seu conjunto, tem os seus pressupostos, e o seu desenvolvimento total implica que ele submeta a si todos os elementos constitutivos da sociedade ou que ele crie a partir de si mesmo os órgãos que ainda lhe faltam. É assim que ele se transforma historicamente numa totalidade. O devir rumo a esta totalidade constitui um elemento do seu processo, do seu desenvolvimento”.

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Foi, aliás, essa concepção genético-dinâmica da realidade sócio-histórica que permitiu a Marx descobrir e estabelecer cientificamente o capital não apenas como coisa (entre as coisas), como simples ‘meio de produção’ ─ o que o pensamento burguês, anticientífico, estabelece à superfície, na crosta do social, como dogma ─, mas, fundamental e decisivamente, como relação social, relação de produção baseada na exploração, na hierarquia opressiva e no princípio da supostamente congénita desigualdade social.

Cientificamente, pois, é errado e absurdo conceber (e praticar) o social humano como somatório das partes. É isso silurar a dialéctica materialista que opera natural e necessariamente na sua definição e identificação reais. Pelo contrário, o social humano é operação de multiplicação das acções dos indivíduos (e grupos) e dos próprios indivíduos, que só no conjunto do social se individualizam. ‘A união faz a força’ ─ diz o nos-so povo. Essa força da união não resulta, obviamente, da soma das acções parcelares dos indivíduos, mas da multiplicação das acções individuais, a qual faz do conjunto um conjunto unido e dinâmico (com activo sentido de totalidade).

Esboço dos pressupostos e/ou sequelas da falsa (cientificamente) concepção da sociedade como ‘somatório de indivíduos’: Inteligência e vontade cindidas; animalidade e racionalidade cindidas; trabalho intelectual e trabalho manual separados; ‘mandantes’ e ‘obedientes’ separados. O próprio indivíduo, esquizofrenado: psico-socialmente, interioridade e exterioridade (… vida privada e vida pública) estão separadas por muralhas; comunicação apenas através das guaritas e das ameias do establishment que o Poder isolado chancela soberanamente, e sob a condição de o mesmo Poder o permitir e legislar. Sócio-politicamente, o Fűhrer e a sua carneirada, no clímax do processo.

O ‘sufrágio secreto e universal’ é a panaceia. Nessa base, o Poder constitui-se, ‘matematicamente’, por média aritmética das opiniões dos cidadãos (supostos tão ‘opiniosos’ no político como acerca dos gostos: …non disputandum…)!... ─ Mas (o conceito contraditório deu à casca…), afinal, se, como se diz, o sufrágio é secreto, já não pode ipso facto ser objectivamente universal!... (E. Kant, ao falar dos princípios fundamentais e fundamentantes da Ciência e do conhecimento científico, assinalava dois: a objectividade e a universalidade. Nisso acertava. Errava, porém, ao definir estanque e dissociadamente os dois princípios; e, cumulativamente, ao definir a universalidade na base do ‘apriorismo’ dos ‘juízos sintéticos’, como se a universalidade do conhecimento cientí-fico não tivesse nada a ver com a sua socialidade, como se ela não fosse ─ como é, afinal ─ função da objectividade social da Ciência e do conhecimento científico.).

Estatísticas e mais estatísticas, que servem para iludir a opinião social, mantendo-a e afagando-a no reino petrificado da ‘opinionite’ (opinião social, que até inge-nuamente dizem ‘pública’, para avivar mais a contradição entre o público e o privado…), e para mentir-lhe desapiedada e muito ‘cientificamente’!...

Depois, a baba natural desse boi Apis que é a sociedade de classes com a sua inexorável concepção organizacional da ‘soma dos indivíduos’: ‘Eu’ e o ‘Público’…: ‘o público gosta de mim’… ‘eu gosto do público e faço tudo para lhe agradar’… ─ O inveterado vedetismo em todos os sectores da vida e da actividade sociais: desde a actriz de cinema ao ‘homem político’ e ao cientista de gé-nio!... ‘Eu e o meu partido’, com um discurso ‘para dentro’ (para os iniciados e os pro-sélitas) e outro ‘para fora’ (para a opinião pública), useiro e vezeiro desse manto de S. Francisco que é o ‘povo’ ─ entidade divinalmente abstracta e colectiva…─ De um lado do véu do Templo, a plateia e os espectadores; do outro, os actores e o palco…, ao ponto de o próprio Teatro de combate ter sérias dificuldades em cumprir a sua missão. É o reino dos substantivos abstractos, das

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entidades metafísicas ─ o ‘público’, a ‘opinião pública’, a ‘sociedade’, o ‘povo’, o ‘país’, a ‘nação’, o ‘Estado’ ─ que continuam, quais Divindades, a governar soberanamente as nossas vidas e a organizar soberanamente as nossas ‘sociedades do espectáculo’, esquizofrenando até à paranóia os indivíduos até ao último recém-nascido numa Terra cada vez mais selvagem e inóspita, e tentando ocultar e impedir o processo da luta de classes.

O Poder estabelecido, por seu turno, como o tocador de bombo, vai rufando na sua caixa de ressonância, a opinião pública e os ‘seus’ gostos que o próprio Poder modelou a seu gosto, opinião pública que o Poder domestica e arreia como qualquer besta de carga!...

● “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.

Muda-se o ser, muda-se a confiança; Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades”.

A temática da mudança dos tempos e das vontades, das sociedades e dos homens, a mudança como estrutural ao próprio mundo, o salto de alteração da qualidade, ─ quem conhece e, sobretudo, quem pratica hoje este tão lusíada Camões?!...

Dói-nos e revolta-nos continuarem a aproveitar o épico português para reforçar o nacional-chauvinismo; para o converter em estrela polar do tradicionalismo rotinado e doentio de ‘usos e costumes’ de todo um povo. É ainda a resistência à mudança que se celebra ao homenagear, em ’77, o Poeta como centro polarizador da ‘lusitanidade’ (e por cima, de uma certa lusitanidade…). Nunca o necessário alargamento da base social de uma Revolução socialista e a unidade nacional para o salto de qualidade se forjaram evocando insistentemente o passado como num espelho de contemplação narcisista. Sem ruptura com o passado não haverá surgimento de ‘novas qualidades’. A unidade nacional para a construção do Socialismo forja-se, no presente e rumo ao futuro, em torno de um projecto socialista cientificamente determinado, que não só a realidade nacional como a internacional impõem.

Desde o 25 de Abril de ‘74 e, sobretudo, entre 28 de Setembro de ‘74 e 25 de Novembro de ’75, vivemos em Portugal uma situação pré-revolucionária que, de seguida, se foi afundando a pique na mais espantosa crise de que há memória na história nacional: desintegração de palavra e conceito; problematização pânica da própria identidade nacional (se calhar, se alguma vez a tivémos ─ e descrer disso hoje seria trágico ─, nunca a buscámos pelo caminho certo, desde as tricas de D. Afonso Henriques com sua mãe D. Teresa, desde o premonitoriamente significativo ‘desastre de Alcácer-Quibir’, passando pelo processo histórico dos descobrimentos e da colonização em que, mais do que colonizadores directos e patrões, fomos capatazes dos interesses e dos capi-tais estrangeiros, até ao recente bem serôdio processo de descolonização que parece ter reduzido a metrópole e as ilhas a uma situação de não saber que fazer a não ser conti-nuar a gerir os capitais estrangeiros ‘emprestados’…); complexo de culpa de autonomia em casa própria; desconfiança congénita dos governantes nos portadores da nova sociedade ─ os trabalhadores assalariados e o proletariado. Um ‘bródio’ de sim e de não, de democracia e de fascismo, de progresso e de retrocesso, de socialismo e de capitalismo, numa espécie de malabárico jogo de trapézio! Crise de carácter, em suma, que o que recusa essencialmente é a ruptura, a mudança.

Ora, nem a social-democracia, nem os ‘socialismos-em-liberdade’, nem, obviamente, o capitalismo de Estado nos poderão conduzir à sociedade socialista, que, de resto, até a própria

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Constituição da República estabelece como orientação e meta a começar a erguer desde já (cf. e.g. artigos 1º, 2º, 3º,10º…). Em regime de ‘democracia política’ burguesa nunca se chegará lá.

A transição para o Socialismo pressupõe uma ruptura inicial (e decididamente continuada) com o sistema capitalista vigente e imperante. E essa ruptura tem um nome: a ditadura do Proletariado; ditadura do Proletariado que é já Democracia socialista, na sua primeira fase.

A social-democracia e os ‘socialismos-em-liberdade’ que a ela sempre se reconduzem, não passam de uma via pretensamente modernizada para o liberalismo social, económico e político; logo, para uma fase ultrapassada que o modo de produção capitalista, na sua actual fase paroxisticamente imperialista-monopolista, já de há muito destruiu e colocou em situação de beco sem saída.

Droga, prostituição (sob todas as suas formas), terrorismo fascista em todos os seus cambiantes, especulação nos preços, ‘mercado negro’, inflação crescente e impassível de estancamento, vaga de desemprego que não cessa de aumentar, marialvismo, paternalismos sem freio em todos os sectores da vida social, desde a família à empresa e à escola, expulsão ou fuga de casa de adolescentes e jovens, a escola como ‘creche’ (as creches como ‘armazéns de crianças’) e ‘vaca sagrada’ para plasmar ‘muito respeitadoramente’ os cidadãos de amanhã segundo os padrões ético-culturais, económicos e sociais da Ideologia dominante, ─ eis o que a ‘democracia política’ burguesa e a orientação social-democrata fomentam, directa ou indirectamente, e são absolutamente incapazes de debelar. A Humanidade precisa de uma sociedade cientificamente socialista, como de pão para a boca. É um rito de sobrevivência da própria espécie. A única via capaz de a salvar é a Austeridade social (que não tem nada a ver com a egoísta austeridade burguesa) e a Ciência socialista.

A Cíência é prostituída em Ideologia (dominante) pela burguesia e pelos inveterados hábitos burgueses. De Austeridade social e disciplina baseada na solidariedade e na igualdade, a burguesia e os hábitos burgueses nunca perceberam ponta de corno, nem poderão perceber. Em face disso, quem poderá deixar de pensar na necessidade histórico-civilizacional da ditadura do Proletariado, capaz, só ela, de impor a sã e social Razão humana, a Racionalidade social e a Socialidade racional?! Ainda na hipótese (que a História tem demonstrado contraditória e absurda, sem nenhuma excepção) de ser viável o parto (sem dor…) da nova sociedade a partir da velha sociedade sem ruptura, isto é, sem ditadura do Proletariado, ou seja, muito socialdemocraticamente (!...), ─ teríamos de pensar duas vezes no que estamos a propor e a pensar: A ‘sociedade nova’ sairia da ‘velha’ (sem romper a casca…) e cresceria…, tal como o indivíduo crescido e adulto que, por mais que cresça e se adultize, jamais deixará de ser, muito ‘pedagogicamente’…, o filho de sua mãe, de cuja madre jamais cortou nem será capaz de cortar o cordão umbilical!...

No que ao processo português diz respeito, pese isso embora a muitos, não é, decididamente, com os actuais partidos que se reclamam da classe operária e do proletariado, e com o seu estilo de organização e actuação, que se construirá o Socialismo neste país. Por seu turno, os G.D.U.P.s e o M.U.P., que surgiram um pouco como uma esperança já desesperada, mais não foram do que um balão de oxigénio que, por haver acreditado demasiado no processo eleitoral e por haver cedido à tentação do reformismo numa hipotética fase intermédia de ‘democracia burguesa avançada’, acabou por rebentar sem deixar rastro.

O movimento popular de massas, especificamente órgãos populares de base (C.M., C.T., C.A.) e o Movimento sindical, que constituem o calcanhar de Aquiles de qualquer processo revolucionário para a construção do Socialismo, foram ‘aproveitados’, miseravelmente instrumentalizados por partidos que, assim, caíram necessariamente nos vícios do sectarismo e do cupulismo, no espírito de seita e no chauvinismo partidário. E, entretanto, um Partido revolucionário dos trabalhadores assalariados e do proletariado, verdadeiramente de classe,

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capaz de organizar e galvanizar o movimento popular de massas, é absolutamente necessário para a construção do Socialismo. Só que, como dizia Marx, o próprio educador precisa ser educado. Eis por que a formação desse Partido tem de passar por um forte e cada vez mais alargado e unitário Movimento sindical, rigorosamente autónomo político-partidariamente. O trabalhador assalariado do sector produtivo que se esgota em tarefas de execução tem naturalmente o seu Partido; mas não lhe serve o pluralismo galante de partidos e, muito menos, a patidarite. ● Um dos pilares centrais do último estudo desta colectânea é a objectividade científica e do conhecimento humano em geral, ─ objectividade que é de natureza essencial e eminentemente social. É um tema candente na gnóseo-epistemologia hodierna e na problemática da classificação das ciências; e de repercussões incalculáveis, tanto na teorização (correcta) do processo revolucionário como na prática revolucionária. É preciso que a objectividade social do conhecimento científico (uma descoberta que já vem, em embrião, do último quartel do séc. XIX e cuja prática se torna dramaticamente im-perativa no último quartel do séc. XX) seja consequentemente praticada na escola e na aprendizagem em geral, na investigação científica, quando mais não fosse para a correcção e justa orientação da política sobre a divisão social do trabalho, cuja pauta, eufemisticamente dita apenas ‘técnica’, continua a marcar ferro em fogo a sociedade dividida em classes. É necessário, sobremaneira, que ela seja praticada na discussão política, sindical e sócio-profissional no seio da classe operária.

A objectividade do conhecimento científico é, por sua própria natureza, uma objectividade social. A tal ponto que, se não o é, não há aí objectividade verdadeiramente científica. Henri Lefèbvre e outros falaram já da ‘lei da objectividade aprofundada’ no processo do conhecimento científico. Ora é preciso dar o passo em frente e estabelecer, explicitamente e com todas as suas consequências, a lei da objectividade social do conhecimento científico.

Por que se encarniça a burguesia em limitar a Filosofia à teoria do conhecimento e, subsequentemente, em cientificar sofregamente as diversas ‘especialidades científicas’ que a mãe-Filosofia foi parindo? Explicação sumária: Os processos mentais lógicos decorrem dos aparelhos ideológicos dominantes e, no topo da hierarquia, do A.I.E. (Aparelho ideológico de Estado), os quais, por seu turno, têm como missão assegurar e defender a ditadura da burguesia e manter a sociedade classista. O testemunho vivo da realidade social capitalista, com todo o seu cortejo de misérias e contradições, não interessa obviamente à burguesia; as diversas ‘especialidades científicas’ encarregar-se-ão de o encobrir e ‘sublimar’. À burguesia e aos filósofos idealistas do establishment interessa tão-só que a filosofia ‘pense o pensar’, jamais que ela pense a realidade.

Os filósofos idealistas preocupam-se tão-só com o carácter abstracto de um discurso teórico; não podem preocupar-se, estruturalmente, com a praxis, isto é, com “a unidade complexa das práticas existentes numa sociedade deter-minada”, com “o espaço em que as práticas diferenciais se articulam de direito e de facto” (Lenine). E de tal maneira o fazem que pensamento do objecto e objecto do pensamento se confundem sem mais!...

Na raíz dessa putrefacta mundividência idealista, o modo de produção capitalista baseado na propriedade privada dos meios sociais de produção. O moderno liberalismo económico (expressão social e política do segundo) foi a razão histórica determinante do antropocentrismo moderno (expressão filosófica e cultural do primeiro) que reduziu o sujeito ao ‘Eu individual’ e de que fora cabouqueiro Descartes com o seu ‘Je pense, donc je suis’ (individualista, idealista, dualista). Não basta, por conseguinte, afirmar que o materialismo

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dialéctico é inseparável da ciência, que ele está integrado num processus que vai da natureza física à natureza viva e, desta, à sociedade humana; e concluir que, assim, ele é ‘essencialmente revolucionário’. Não basta dizer e repetir que a praxis é o ponto de partida e o ponto de chegada do materialismo dialéctico; e mesmo, que só a prática social dos homens pode constituir o critério da verdade dos conhecimentos que o homem possui do mundo exterior. Ou será que ‘mundo exterior’ e ‘mundo interior’ ainda têm de continuar dicotomizados, dualizados?!...

Ora, é preciso explicitar essa tese e estabelecer claramente a lei da objectividade social do conhecimento científico, objectividade social que, na praxis sócio-histórica, é de natureza essencialmente dialéctico-dialógica (não monológica como, apesar de tudo, continua sendo…).

Sabe-se que é na prática e pela prática que se enlaçam, unificam e sintetizam os vários aspectos que se prendem com o problema gnóseo-epistemológico do conhecimento humano (o das suas origens, o da passagem do sensível ao inteligível, o das relações entre a verdade relativa e a verdade ‘absoluta’ ou cada vez menos relativa-arbitrária). Sabe-se, por outro lado, que o processo do conhecimento é apropriação cognitiva do real; implicadamente e desde logo, sistema de apropriação social do real, rigorosamente datado e localizado. A apropriação cognitiva do real, no processo do conhecimento, releva directamente da apropriação social dos meios de produção e constitui a sua expressão especular. Sabe-se também que o pensamento do homem cresce na medida em que transforma a natureza, a sociedade e a história.

Sendo assim, duas perguntas recíprocas: ─ Como pode uma nova formação social (socialista) instaurar verdadeiras relações de produção socialistas e estabelecer uma apropriação social-colectiva dos meios de produção se o aparelho mental dos cidadãos continua a funcionar na matriz de uma apropriação cognitiva individual(ista) do real, se a lei da objectividade social do conhecimento científico não faz o seu caminho?! ─ Como pode persistir um pensamento ainda de matriz individualista, no seu modo de apropriação cognitiva do real, ancorado no ‘Eu individual’, e não obstante já enquadrado num novo sistema social de apropriação do real de natureza socialista?!

Ironicamente (a ironia da História) ter-se-á de brandir a interrogação: Por que é que os diversos projectos socialistas já em curso, e com anos ou décadas de experiência, se têm preocupado tão pouco com a destruição superadora dos velhos modelos antro-pológicocivilizacionais e dos seus aparelhos mentais?!...

Conclusão: necessidade de estabelecer (sobretudo, praticá-la) a lei da objectividade social do conhecimento científico na praxis sócio-histórica.

Não mais, por conseguinte, a ideológico-empírica antítese entre subjectividade e objectividade. Cientificamente (note-se que falamos da Ciência de corpo inteiro, saber-poder, saber que verifica e prospectiva, que denuncia o que é e aponta o que deve ser e o empreende praticamente), não há um ‘mundo subjectivo’ e um ‘mundo objectivo’: um mundo humano dicotomizado e esquizofrenado até à paranóia do dogma e da superstição. O que há cientificamente é a procura incessante da objectividade em tudo. Por sua vez, os caminhos da objectividade rasgam-se mediante a dialéctica materialista interindividual-socializante. Ao mesmo tempo, indivíduos, grupos e sociedade ir-se-ão curando das suas esquizofrenias e paranóias.

Objectividade social do conhecimento científico, pois. Que, pelo menos, os mais esclarecidos e avançados cientificamente lhe peguem desde já, com determinação e lucidez, ─ são os meus votos. E, sobretudo, que os homens políticos, reconhecidos como leaders pelas classes trabalhadoras, ajudem os trabalhadores na sua luta de classes a dar o primeiro pontapé de saída, mesmo nesse campo, que a estes ainda compete, abatendo a actual divisão social do trabalho e edificando uma nova divisão social do trabalho de natureza socialista e comunista. A evidência colectiva do objecto, que funda a objectividade crítica (não dogmática, individualista

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e esotérica), reclama-o. Tal como não há consciência (num indivíduo) sem consciência (noutro indivíduo), assim também não há ciência (num indivíduo) sem ciência (noutro indivíduo). Por isso, igualmente, não deve haver consciência sem ciência, nem ciência sem consciência. ● Abrir caminho a uma crítica radical dos tradicionais modelos antropológico-civilizacionais vigentes e ainda dominantes é outro dos nossos desígnios. Em busca do Humano e de uma Sociedade humanizada (que não apenas hominizada…) em que deixe de imperar a lei da selva, ─ Humano e Sociedade cientificamente definidos e prospectivados. É preciso cortar a amarra das ideologias tout court para poder destruir a Ideologia dominante da sociedade capitalista e burguesa. Ciência, pois, e ciência crítica, dialéctica e socializada, como bússola. A voz dos explorados e oprimidos da Terra ainda não se fez ouvir decisiva e definitivamente; e háde fazer-se ouvir como um trovão gigantesco de um pólo ao outro. Os antigos diziam-te, na sua ‘ordem’-desordem sócio-jurídica e economica estabelecida: ‘Qui tacet consentire videtur’, refrão que os moder-nos ensoparam com os condimentos do cartesiano ‘Cogito, ergo sum’, salgando-o até ao ponto de o referido refrão resultar totalmente absurdo e perfeitamente intragável! Quem cala consente… basta só que pense interior e subjectivamente para se saber existir… Depois nem é mesmo preciso pensar, porque os que mandam pensam por ele!...

Pois eu digo-te: Quem cala não consente, e o pensamento para existir precisa de falar; carece, pois, de uma exteriorização materialista. Se calou e podia falar, traiu a humanidade em si e nos outros; se calou porque não podia falar (física ou moralmente), foram outros os traidores da humanidade, e estes são os primeiros que precisam de ser incriminados e irradiados dos seus postos de mando. A ‘objectividade subjectiva’ é um mito e um absurdo. Para tanto, necessidade de uma Política científica até ao fim. Pois a Política está presente em tudo o que concerne a vida social dos Humanos, de alto a baixo, de norte a sul, de nascente a poente. Vida dos Humanos que é essencialmente social, porque fora do social não há vida humana humanamente possível.

Sempre presente como ‘leit-motiv’ o pensamento do velho Terêncio Varrão expresso na frase: “Homo sum; humanum nil a me alienum puto”. Em tradução livre: Tudo no mundo é humano e não posso deixar de me interessar por tudo o que é humano.

Lê-se muito (apesar disso, os analfabetos ainda são milhões…) e reflecte-se muito pouco. (‘Insondáveis’ malefícios da ‘civilização da escrita’, apesar de tudo!...). Depois…, ‘mass-media’ bem estereotipados e pasteurizados, papagueia-se: Dogma e opinião são as duas faces da mesma medalha. Pesquisar e realizar socialmente a verdade ─ não interessa, é demoníaco e subversivo!... Em contraste com isso e com o cada vez mais alargado comércio mercantil do livro, a turbamulta dos analfabetos, que nem sequer precisam pedir licença à ‘Inteligência dominante’ para ler!...

Tem-se chamado à nossa civilização a ‘civilização da escrita e do livro’. Mais recentemente chamaram-lhe também a ‘civilização dos áudio-visuais’ (para os que já sabem ler…). Mas… olha-se muito e continua a ver-se bem pouco!... Essa ‘nouvelle vague’, a institucionalizada aprendizagem (→ domesticação) pela imagem e pelo som, a que tem conduzido? ─ A que se reflicta cada vez menos e se papagueie cada vez mais; a que se faça passar gato por lebre: a objectividade social do conhecimento científico, que só se pode realizar na busca dialéctico-dialógica da verdade pelos indivíduos em situação, é traída e em substituição é oferecido o prato de lentilhas do ‘Objecto mítico’ e da ‘objectividade subjectiva’ que ele gera inelutavelmente!... (E, entretanto, os ‘áudio-visuais’ eram merecedores de outra sorte). Linguisticamente, sabe-se hoje sem controvérsia que o primado é da linguagem oral

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sobre a linguagem escrita. Mas isso é só para se ver escrito nos tratados e compêndios da especialidade, e para os professores ensinarem a alunos de bibe e calça rachada!... Depois, concluem os ‘doutores’ que a palavra (humana) nem sequer tem assento na assembleia par(a)lamentar da ciência a que dão o nome de Linguística… ● Que a História é e se constitui cientificamente como um Processus é hoje matéria incontroversa (nos domínios científicos). Os ‘Inquisidores-mores’, o conservantismo e os reaccionários, as ideológicas mentalidades fascistas e fascizantes foram já expressa e clamorosamente derrotados nesse pelouro cultural. Que o processo histórico é cerzido de racionalidades e irracionalidades (umas e outras a nível do consciente, do subconsciente e do inconsciente, colectivos e individuais), em busca incessante da Racionalidade humana em todas as coisas, ─ essa ques-tão é que ainda não se apresenta cientificamente como uma questão líquida. Razão disso: ─ Racionalidade humana é equivalente a Socialidade humana, e vice-versa. A prática sócio-histórica das duas exigências humanas recíprocas postula uma dialéctica materialista de carácter dialéctico-dialógico no Inter-humano e voltada para a ‘Natureza’, para o ‘Objecto’. Não pode bastar-se, por conseguinte, com uma dialéctica materialista polarizada na ‘Natureza’ e a funcionar ainda em esquema sócio-individualista. Daí a brecha (e a lacuna), no Processo histórico, da inconsequência da dialéctica materialista (e sua prática), a qual soçobra, muito frequentemente, em concepções filosóficas ou em modelos sociais que estabelecem uma racionalidade histórica de cunho idealista (e individualista) e pretendem preencher negativamente os conteúdos da racionalidade histórica apenas com as irracionalidades, deixando de rumar na busca incessante da igualdade de Racionalidade humana e Socialidade humana.

Ora esta segunda questão é preciso que se torne, cientificamente, cada vez mais líquida e incontroversa na prática sócio-histórica. As irracionalidades que o historiador e o analista social (hoje em dia, estas duas funções devem constituir uma e a mesma coisa) detectam, são, em última instância, ‘racionalidades’ atrasadas e regressivas. Por isso, a História é feita de contradições entre o progressivo e o regressivo, mais do que entre racionalidades e irracionalidades, susceptíveis ainda de consideração metafísica.

Eis por que a verdadeira Ciência histórica comporta necessariamente e de modo indissolúvel juízos de facto, juízos de valor e juízos de prospectiva, ─ aos quais se juntam, operacionalmente, juízos condicionais, normalmente pluricondicionais, e até futuríveis (no sentido moderno do termo). Recusado o teorema do raciocínio pró-fatalista do tipo “Não poderia ter sido de outra maneira…” ─ o qual deixa normativamente subentender uma concepção determinista-naturalista da História ─, e adoptando, em contra-ponto, a hipótese experimental do tipo “Que teria acontecido se?...”, o Processo histórico configura-se verdadeiramente como Ciência, e a História revela-se mesmo como ‘mestra de vida’ em sentido positivo-experimental, como histôr, ensinamento positivo, ─ o que já é significado pela sua raiz etimológica sânscrita.

Como crítico da sociedade que é, o historiador é um projectista, cujo ‘laboratório’ de análise e pesquisa é constituído, à superfície, pelos parâmetros das racionalidades e das irracionalidades, e, em profundidade, pelos parâmetros do progressivo e do regressivo, na busca incessante de uma Racionalidade-Socialidade humana cada vez mais elevada e alargada.

Racionalidades e irracionalidades, progressivo e regressivo que o historiador detecta, denuncia e projecta rumo ao futuro, sempre guiado pelo Sol da verdadeira Razão, sempre em busca de uma superior Racionalidade social e Socialidade racional, ─ que ele não se cansará de fazer que

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dissipem as trevas, a penumbra e a sombra do obscurantismo e do conservadorismo (a nível do consciente, do subconsciente e do inconsciente, colectivos e individuais). Sabendo sempre que é a própria História que o há-de julgar. ● ‘Socialismo de miséria’?! ─ Não… Quê então? ‘Socialismo de abundância’?! ─ Que abundância?!... A que é configurada e definida pela economia de mercado e caracterizada pelo modo de produção capitalista, com muita fome e miséria ao lado?! ─ A charlatanice do ‘Homo Sapiens’ da Ideologia burguesa e das ideologias tout court!...

Já em fins de 1917, ‘velhos do Restelo’, como o socialista francês Charles Rapoport, lançavam a reprimenda a propósito da Revolução de Outubro: “On ne socialise pas la misère!”.

Então que se pode socializar? ─ Apenas a riqueza, acumulada previamente pela burguesia, pela burguesia e pelo modo de produção capitalista ─ não se esqueça!... Sempre a malfadada lei do pêndulo ─ acrescente-se ─, enquadrada no mesmo ‘mostrador’!

A ideia de que “só se pode socializar a riqueza” tem a sua procedência ─ diz-se ─ na tese marxista (do chamado ‘marxismo ortodoxo’, não crítico, ajunte-se), que estabelece ser a revolução socialista o culminar (determinístico-fatalista) do desenvolvimento económico, até ao seu limite, do modo de produção capitalista e suas contradições internas, e na correlativa tese marxista (sempre na óptica do ‘marxismo ortodoxo’) de que o proletariado viria a conquistar o Poder em primeiro lugar nos países de capitalismo avançado. (Tese A).

Ora já a partir da revolução russa de 1905 começa a vingar outra tese no Processo histórico: a leninista teoria dos ‘elos fracos’ do sistema capitalista-imperialista, e que, pelo menos, também é marxiana, a qual postula o surgimento da revolução socialista mesmo nos países economicamente atrasados e de capitalismo ‘imaturo’, nos quais o proletariado conduz um processo revolucionário em aliança com outras classes (sub-classes ou ‘grupos sociais’), com vista à realização simultânea de um duplo projecto: a ‘revolução democrática’ e a ‘revolução socialista’. (Tese B) ─Implicações da Tese A: 1. Um rígido determinismo (naturalista) no Processo histórico, que acaba por colocar em segundo plano a luta de classes.

2. A irrupção da revolução socialista em vários países ao mesmo tempo (países de capitalismo avançado).

3. Irrupção em cadeia da revolução socialista como se o referencial das nacionalidades (o moderno princípio das nacionalidades) fosse, pelo menos, de importância secundária e nunca determinante impeditiva do alastrar internacional da revolução socialista.

4. Obliteração do imperativo social e da necessidade histórica da revolução permanente.

5. Separação histórica bem demarcada, no projecto revolucionário, de ‘revolução democrática’ e ‘revolução socialista’. ─ Implicações da Tese B: 1. O determinismo no Processo histórico não é da mesma natureza que o determinismo em ciências físico-naturais; não faz a ‘èpokhé’ husserliana, isto é, não põe entre parênteses o processo de libertação dos Humanos nem secundariza, por isso, a luta de classes.

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2. e 3. A irrupção da revolução socialista ao mesmo tempo em países de capitalismo avançado foi contraditada pela história do séc. XX e pelas revoluções socialistas a que este século assistiu, as quais tiveram lugar apenas em países de economia dependentes ou periféricas. Vingou, além disso, a tese do ‘socialismo num só país’ (‘uno alla volta…’), e o simples princípio das nacionalidades verificou-se que constituía, regularmente, uma barreira intransponível para o efectivo alastrar simultâneo da revolução socialista em cadeia.

4. Necessidade imperiosa da revolução permanente, para que o Poder de Estado e os aparelhos de Estado, resultantes da revolução, não cristalizem nas mãos da tecno-burocracia de uma ‘nova classe’ surgente.

5. No Processo histórico moderno, e em última instância, não há, em termos de projecto revolucionário socialista, separação historicamente demarcada entre ‘revolução democrática’ e ‘revolução socialista’, ─ o que não significa negação da periodização cronológica e processual no caso de o proletariado assumir o Poder de forma supostamente antecipada (!...).

O próprio conjunto dos acontecimentos revolucionários de 1789-94 em França, em que se embricam já claramente projecto de ‘revolução social’ e projecto de ‘revolução democrática’, constitui a primeira prova moderna disso. Não se esqueça ainda que, como reacção ao fatal colonialismo do capitalismo do ‘Velho Mundo’ e especificamente da ‘Velha Albion’, é precisamente no ‘Novo Mundo’, nos Estados Unidos da América do Norte (então os 13 neoEstados) de 1776, que se começa a ensaiar a Revolução Francesa de 1789.

A burguesia ascendente e triunfante (o ‘terceiro estado’), ao separar-se do ‘quarto estado’ (as massas populares, os ‘sans culottes’ e os operários) na segunda fase da Revolução (’92-94), massas populares que haviam contribuído decisivamente para a vitória da Revolução, mostrou-se absolutamente incapaz de realizar o projecto histórico da ‘revolução democrática’.

Sabe-se que a Revolução Francesa de ’89-94 teve o seu desfecho no Bonapartismo.

Pode até afirmar-se que o ‘fenómeno bonapartista’ exerceu uma enorme influência no processo da longa transição global da sociedade feudal para a sociedade capitalista já amadurecida (a superação definitiva do ‘capitalismo comercial’ pelo ‘capitalismo industrial’), ─ de tal sorte que caracterizou à partida, no período que se seguiu imediatamente à Revolução Francesa de ‘89-94, a moderna sociedade capitalista e as funções que o Estado e o Poder de Estado nela desempenham.

As ‘democracias’ burguesas tornaram-se necessariamente bonapartistas. Por seu turno, o projecto socialista, por reacção mimética a esse modelo político, foi errando pendularmente entre os movimentos ‘anarquistas’ e os movimentos do ‘socialismo autoritário’. Já esquecida a complexa odisseia da Revolução e, sobretudo, a união indissolúvel de projecto social e projecto democrático que ela encerrava à partida, o pesadelo moderno do bonapartismo fez ilusoriamente conceber e estabelecer na história moderna dois momentos distintos e estanquemente separados: o momento da ‘revolução democrática’ e o momento da ‘revolução socialista’, como se a burguesia triunfante tivesse realizado o projecto democrático!… O verdadeiro resultado histórico foi que nem sequer ‘metade’ da Revolução (do projecto revolucionário inicial) pôde ser realizada.

A grande lição histórica para o projecto das revoluções socialistas: Não se constrói a Democracia verdadeira e real sem edificar simultaneamente o Socialismo; e a ditadura do Proletariado, que não tem nada a ver com bonapartismos, constitui a primeira fase, necessária e indispensável, da Democracia socialista. É evidente que só se pode perceber tudo isso se tomarmos a História cientificamente, como processo histórico, com o seu determinismo próprio, acima definido, e não como o vago e subtil fio de Ariadne de uma narração sequencial de tipo puramente ‘événementielle’. Pois não é verdade que a História, cientificamente considerada, isto é, do ponto de vista da moderna classe

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explorada e oprimida, o proletariado, é um processus e não apenas uma sequência de acontecimentos, ideologicamente encadeados por falaciosos historiadores idealistas?!

Ora a Tese B é, incontestavelmente, mais marxiana que a Tese A. Mais: ela é muito simplesmente a única tese criticamente marxiana. Na verdade, segundo Marx, o capital é uma ‘relação social determinada’; e o desenvolvimento e maturação do capitalismo não se podem avalizar somente pela acumulação da riqueza, pela acumulação das ‘forças produtivas’ separadas das ‘relações de produção’ (o que, de resto, se afigura absurdo, na óptica científica de Marx). É tempo de o próprio marxismo chamado ‘ortodoxo’ fazer a sua metamorfose crítica rumo à correcta e marxiana cientificação da Economia política: Basta, pois, de economicismos (mais ou menos mecanicistas, naturalistas e idealistas). Já o velho Aristóteles denunciava toda a economia política que se apresentasse como pura ‘Khrematística’. A história do séc. XX demonstrou sobejamente que os ‘partidos social-democratas’ e os ‘partidos socialistas’, que se encontram na defesa da Tese A, não queriam nem nunca quiseram a revolução socialista. As alianças que fizeram aquando da eclosão da Primeira Guerra Mundial foram o seu primeiro desmascaramento rotundo e sem ambiguidades.

Ora, quando hoje, na década de ‘70, ‘partidos socialistas’ nos gritam aos ouvidos que não se pode empreender a revolução socialista porque “não se pode socializar a miséria”, não só já não têm desculpa nenhuma perante uma boa porção de revoluções socialistas vitoriosas em curso, como já não enganam ninguém sobre as suas intenções capciosas e súbdolas! Como se o capitalismo avançado na sua fase imperialista algum dia viesse a anular as largas manchas sociológicas de miséria e fome à superfície da Terra, ou, por simples colapso interno de autonegação e morte suicida, viesse a gerar, pelas suas simples negatividades e sem ruptura, a sociedade socialista. Por seu turno, ‘partidos comunistas’ têm-se esquecido de que a revolução socialista exige a prática dos processos democráticos até às suas últimas consequências; de que ela não se levará a bom porto sem luta de classes a actuar e a promover constantemente e sem consciência de classe a actuar e a promover continuamente, para que os representantes do proletariado no Poder não venham a atraiçoá-lo.

Toda essa problemática se reduz também a outra mais profunda: a das cumplicidades e traições de países socialistas vis-à-vis daqueles países que se lançam no processo de libertação do imperialismo; cumplicidades (com o capitalismo imperialista e a subjacente ‘política de blocos’ mal perspectivada) que têm lugar sobremaneira na prática corrente (capitalista) das trocas desiguais mantidas por esses países com os países irmãos empenhados no processo de libertação.

No célebre Discurso de Argel (Fev. de 1965), E. Che Guevara denuncia o facto nos seguintes termos: “De tudo isso devemos tirar uma conclusão: o desenvolvimento dos países que se lançam na via da libertação [do imperialismo] tem de ser pago pelos países socialistas.

Dizemo-lo sem qualquer intenção de chantagem ou de efeito espectacular, nem porque procurássemos nisso um meio fácil para nos aproximarmos de todos os povos afro-asiáticos, mas antes, porque é a nossa convicção profunda. O socialismo não pode existir se não se operar nas consciências uma transformação que provoque uma nova atitude fraterna para com a humanidade, tanto no plano individual dentro da sociedade que constrói ou construiu o socialismo, como, no plano mundial, em relação a todos os povos que sofrem a opressão imperialista.

“Cremos que é neste espírito que deve ser tomada a responsabilidade de ajudar os países dependentes e que não mais se deverá pôr a questão de desenvolver um comércio para

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benefício mútuo na base de preços viciados à custa dos países subdesenvolvidos pela lei do valor e pelas relações internacionais de troca desigual que esta lei implica.

“Com se pode chamar ‘benefício mútuo’ à venda a preços do mercado mundial de produtos brutos que custam aos países subdesenvolvidos esforços e sofrimentos sem limites, e à compra a preços do mercado mundial de máquinas produzidas nas grandes fábricas automatizadas actualmente existentes?

“Se estabelecemos este tipo de relações entre os dois grupos de nações, temos de convir que os países socialistas são, em certa medida, cúmplices da exploração imperialista.

“Alegar-se-á que o volume das trocas com os países subdesenvolvidos constitui uma percentagem insignificante do comércio externo desses países. É absolutamente verdade, mas isso não modifica em nada o carácter imoral dessa troca.

“Os países socialistas têm o dever moral de liquidar a sua cumplicidade tácita com os países exploradores do Ocidente. O facto de o comércio ser actualmente reduzido não significa nada. Em 1959, Cuba vendia ocasionalmente açúcar a um país do bloco socialista através de intermediários ingleses ou de outras nacionalidades.

“Hoje, 80% do seu comércio faz-se com o campo socialista; todos os produtos essenciais vêm-lhe do campo socialista e, de facto, ela faz agora parte dele. Não podemos dizer que estes rendimentos provêm de um simples crescimento do comércio, nem que o comércio aumentou em razão da destruição das antigas estruturas e do engajamento numa forma socialista de desenvolvimento; os dois extremos tocam-se e estão ligados entre si” (in Le Socialisme et l’Homme, pp.72-73. Os itálicos são meus).

Na página seguinte, definindo socialismo, escreve o mesmo Guevara: “Não há, para nós, outra definição do socialismo senão a abolição da exploração do homem pelo homem.

Enquanto esta abolição não se realizar, permaneceremos no estádio da construção da sociedade socialista, e se, em vez de se produzir este fenómeno, estacionar a tarefa da supressão da exploração, ou recuar mesmo, então nem sequer se poderá falar já de construção do socialismo”. ● Amigo leitor: apresento-te, finalmente, um pequeno teste-meditação para te ‘autoanalisares’ e (oxalá que o faças) discutires com outros em ‘hétero-análise’.

Num primeiro momento, convém que respondas o mais espontaneamente possível.

Num segundo momento, é bom que medites criticamente nas respostas dadas, procurando averiguar o seu carácter positivo ou negativo (progressivo ou regressivo) em função do que sabes dever ser a pauta do Humano.

I. ─ RELACIONAÇÃO: a) com um superior (X) b) com um inferior (Y) c) com um igual (Z) ─ Que tipo de relação preferes? ─ Que tipo ou tipos de relação predominam na nossa sociedade?

II. ─ A) Procuras dizer o que pensas?

R. = sim (1); não (2).

B) Gostarias de dizer o que pensas?

R. = sim (3); não (4).

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III. ─ Quando tens coisas a dizer, gostas mais de as comunicar a um homem ou a uma mulher?

R. = ─ H. = M. (1); H. (2); H. e M. (3). ─ M. = H. (1); M. (2); M. e H. (3).

IV. ─ Como encaras o trabalho: como ‘meio de vida’ (A); ou como ‘necessidade primordial da vida’? (B).

● Extractos de WANYA/Escala em Orongo (Texto de Augusto Mota; Desenho de Nelson Dias; Assírio & Alvim, Lisboa, 1973: (sketches): Cap. 2: ‘Augúrios da Inocência’ – “O Desejo, contudo, ultrapassa a Razão e volve-se em Luta:”//”Corpo a corpo se defendem os gestos e as honras, mas a carne faminta de juventude se remoça…”// //”Corpo a corpo se defendem os gestos e as honras, Mas a carne faminta de juventude se remoça…”// // “… E um novo homem nasce daquela vontade satisfeita, daquele subtil apaziguamento, como se um outro tempo viesse impor outra vida àqueles horizontes de medo e destruição.”

Cap. 3: ‘O espaço redimido’ – “Deslumbrada assiste Vania ao perpassar de toda uma história concentrada em imagens de ócio e de trabalho para, em breve, ser invadida pela estupefacção, quando as imagens de felicidade se fundem em bárbara aniquilação de todo um povo.”// //”Aprendendo a libertar as forças secretas da matéria, os homens de Orongo desencadearam uma operação-extermínio onde não houve vencidos nem vencedores, pois um dia a aliança obscena da Ciência e da Maldade de uma Raça desvirtuada iluminou todo o Planeta com os requintes de uma destruição que ficou na memória do povo como estigma da sua ignomínia.”// //”A própria Natureza sofrera acelerada mutação e varrido que foi o homem da superfície do Planeta apenas passou a habitar aquela atmosfera uma estranha raça de aves desesperadas, seres animados de inteligência destruidora e que por séculos ficaram como vigilantes aguerridos de uma desolação impestada de morte.”

Cap. 4: ‘O rosto dos dias’ – “Por amor à Ciência pura um homem de génio invulgar ia facilitando aos senhores da guerra a arma da destruição total, mas o equilíbrio das forças contrárias parece ter agido como moderador em benefício da espécie. Não precisámos, assim, de um cérebro todo-poderoso que agisse e proibisse. Hiroxima foi um aviso mais do que uma cidade destruída.”// // ”Embora ainda por alguns anos a Terra arrastasse consigo a pecha do ódio e da inveja alimentada pelos interesses dos grandes senhores da indústria da morte, conseguiu finalmente emergir de um ciclo difícil para ser hoje um Estado planetário feliz e consciente da sua finalidade última: perpetuar a construção de uma Sociedade humana sábia, satisfeita e harmonizada com as forças da Natureza.” Guimarães, Julho de 1977

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CONSCIENCIALIZAÇÃO POLÍTICA E SINDICAL I ─ Alguns Elementos de Teoria Política 1. ─ Democracia: exercício e controlo do Poder pelo Povo. Princípios essenciais da Democracia: a) divisão do Poder; b) princípio da representatividade; c) princípio da subsidiariedade; d) princípio da participação directa.

2. ─ Democracias formais ou puramente jurídicas, instauradas pela Revolução Francesa de 1789, próprias das sociedades burguesas e capitalistas.

3. ─ Democracias reais ou sócio-económicas instauradas pelas Revoluções de 1848, de inspiração e projecto socialistas. ‘Viver livres trabalhando ou morrer combatendo’ (os operários franceses em 1830).

4. ─ Atendendo às coordenadas sócio-históricas, sócio-económicas e políticas, uma Democracia que se instaura na segunda metade do séc. XX não pode ser uma Democracia formal-jurídica; tem de ser uma Democracia real, sócio-económica, de inspiração e projecto socialistas. Na verdadeira democracia, a sociedade predomina sobre o Estado, até acabar por destruí-lo.

5. ─ Existência e funcionamento de Partidos políticos constituem uma das provas mais importantes e decisivas dos regimes democráticos, na óptica da civilização ocidental e apenas na parte emersa do seu ‘iceberg’. Eis por que a teoria política do Ocidente tem recusado o monopartidismo e perfilhado o pluralismo partidista.

6. ─ Noções elementares de partido e sindicato: A) Partido: agrupamento de cidadãos, com uma ideologia e um programa político, e que tem por objectivo a conquista ou a participação no Poder.

B) Sindicato (de syndikos: advogado, defensor): associação e organização dos trabalhadores, para representação e defesa dos seus interesses comuns. Na sociedade burguesacapitalista, a sua finalidade é mais específica: representação e defesa dos interesses e bens dos Trabalhadores contra a dominação, a exploração e o ‘natural’ lucro do capital, a mais-valia de que fala Marx. Pois a riqueza de uma Nação é de quem a produz.

7. ─ Sindicalismo e partidos políticos: A) Sindicatos e partidos políticos como dois hemisférios de acção autónomos: é a corrente clássico-tradicional, que se apoia na concepção e estrutura dualista dos dois mundos ─ o económico e o político. É o sindicalismo reformista do ‘pão com manteiga’.

B) Sindicatos como organismos de transformação revolucionária da Sociedade, com a sua arma primacial que é a greve geral, e postergando toda a acção política dos Partidos. É a linha do Socialismo utópico. Visa a socialização sem a ‘estatização’ e não move acção política contra o Poder constituído. Essa corrente sindical é mais conhecida sob o nome de anarco-sindicalismo.

C) O Sindicalismo dos ‘Conselhos Operários’ (sovietes) de Pannekoek e de Gramsci, que elimina a separação entre acção política e acção sindical e pratica a democracia directa. É o sindicalismo revolucionário, que procede das análises do socialismo científico.

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D) Sindicalismo de Estado, fascista, nazista ou ‘bolchevista’, que abate os conflitos e dissipa a oposição entre patrões e operários, por decretos e leis estatais.

8. ─ Poder político, Classes sociais e categorias sócio-profissionais: A) O Poder político é sempre o Poder de uma classe para a opressão da outra ou outras.

B) Constitui erro grave confundir classes sociais com categorias sócioprofissionais. Mas há uma dialéctica real de clivagem entre categorias sócio-profissionais e classes sociais. A noção de classe social compõe-se de 3 elementos fundamentais: a) o papel desempenhado na produção, circulação e distribuição das riquezas; b) a participação na luta pelo Poder político, pela dominação do aparelho de Estado como órgão executivo da classe dominante; c) a tomada de consciência de classe, o que implica a elaboração de uma ideologia política e social própria.

II ─ Análise sumária do Momento Político actual (depois do 25 de Abril ’74) 1. ─ As actuais formações partidárias não podem esquecer, no seu processo de diferenciação e caracterização programática, a necessidade inelutável de manter a plataforma política da Frente Popular Unida, que deve neste momento concitar o primado das atenções. E isso tanto nas zonas mais populosas das grandes cidades, onde os partidos políticos se diferenciam a um ritmo maior, como na Província, onde eles se diferenciam a um ritmo menor.

2. ─ Essa Frente Popular Unida justifica-se: ─ não é uma atitude negativa puramente anti… ─ é uma atitude positiva contra os três monstros principais: o fascismo políticosócio-económico; o monopolismo da Finança e da Indústria, com a correspondente venda do País ao estrangeiro através das multinacionais do imperialismo capitalista; e a mistificação da política colonial com uma solução militar ‘per fas et nefas’.

3.─ Face à ignorância e absentismo político da maioria das populações portuguesas, seria um erro estúpido e grosseiro, na actual conjuntura da outorga (e conquista por parte das massas populares) das Liberdades fundamentais por parte do M.F.A, pensar politizar ‘d’abord’ partidariamente as camadas populacionais e actuar só em consequência disso. Se a Revolução é do Povo, como está a ser e tem mesmo de ser ─ e é ao Povo que devemos o nosso respeito e confiança ─, então o primeiro imperativo é o da consciencialização política de base, sem a qual não haverá Democracia mas Demagogia de mandarins ambiciosos, que não buscam outra coisa senão o poder e o penacho.

4.─ É indubitável e inevitável a necessidade de quadros nos Movimentos e partidos políticos que se estão a constituir. Mas não se poderá descurar a acção política concreta de esclarecimento e formação sócio-política de todos os estratos da população. É este um imperativo que nunca será demais salientar, atendendo à tendência generalizada, procedente da educação e cultura fascistas de 48 anos de trevas e terror, para os burocratismos de toda a espécie, a coberto da famigerada isenção técnica, sempre ambígua, e para os falsos e sedutores prestígios dos ‘penachos’. O momento é de prova real, de testemunho de Democracia na própria vida: ─ E como hão-de creditar-se junto do Povo e das classes trabalhadoras os doutrinadores da Democracia com ‘telhas de vidro’?!

III ─ Problemas Fundamentais do Sindicato de Professores

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1. ─ O Movimento associativo-sindical de professores parece ter surgido em Portugal depois das Conferências do Casino de 1871. O pontapé de saída fora dado com a ‘Questão do Ensino’ tratada por Adolfo Coelho, um professor autodidacta, nas Conferências Democráticas.

Os dois pontos fulcrais do seu ideário crítico eram: ─ o ensino como meio de o Povo tomar consciência dos seus destinos, responsabilizando-se activamente por eles; ─ o ensino como investimento económico, o primeiro dos investimentos.

2. ─ Sindicato corporativo (?... ─ fascista), ou sindicato livre segundo categorias sócioprofissionais conjuntas do mesmo sector de actividade, que nunca percam de vista a sua referenciação classista (opção de classe) nem escamoteiem os problemas políticos directa ou indirectamente implicados no seu organismo sindical?

3. ─ Nem associação, nem ordem, mas sindicato. Não é só uma questão de palavras.

4. ─ No processo de organização e funcionamento do sindicato nunca confundir entidades patronais e entidades sindicais.

5. ─ Por definição, o Sindicato dos Professores engloba todos os que exercem funções docentes.

6. ─ É de lutar por Sindicatos não-confessionais em todos os sectores da Actividade social.

7. ─ Se quisermos que a Máquina do Ensino, que forma professores e alunos em séries, através das suas instituições oficiais e exclusivistas, não venha a ser ‘a nova religião laica’, de que fala com razão Ivan Illich, temos de atribuir a prioridade valorativa à competência real dos docentes sobre a sua competência titular: temos de rever as funções das universidades e dos institutos superiores, as funções do Ensino Secundário, básico e primário; o problema da existência de Ensino oficial e Ensino particular; temos de rever a docimologia, a formação pedagógica, o problema dos vencimentos; e o próprio problema global do Ensino, suas estruturas e objectivos, numa Sociedade Democrática.

“Uma reforma radical não é talvez possível, toda a reforma não radical é inútil” (Adolfo Coelho, encerrando a sua palestra no Casino). Hoje, a realidade social impõe-nos reformas radicais, com a esperança e a certeza de que elas serão úteis.

Maio de1974.

Escola Técnica ‘Campos Melo’ da Covilhã.

(Textos para discussão e esclarecimento).

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CURSOS DE ALFABETIZAÇÃO APONTAMENTOS PARA MONITORES DE ALFABETIZAÇÃO

I TÓPICOS E PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DE ORIENTAÇÃO 1. ─ A ‘praxis’ ou prática social humana constitui sempre o ponto de partida e o ponto de chegada.

2. ─ Toda a Educação deve ser Libertadora: a) Numa ‘pedagogia da e para a Liberdade’, o mestre ou pedagogo só aceitará ser chamado professor se como tal for reconhecido, através do seu trabalho e da relação humana que alimenta, pelos educandos. Porquanto, professor é, antes de tudo, o que professa… o que humanamente professa a Verdade. b) Uma Educação Libertadora só se poderá realizar correcta e eficazmente na perspectiva do socialismo, da tomada de consciência de classe, com vista à total abolição da sociedade de classes e à instauração de uma Sociedade Nova, sem classes.

3. ─ A Política está presente em toda a acção e pensamento dos Humanos. Por isso, Educar é Politizar; alfabetizar é politizar. Pois Política é, em última análise, a acção social consciente dos cidadãos.

4. ─ A Democracia, ou seja, a participação activa dos cidadãos-trabalhadores nas decisões e no trabalho organizado é inseparável de todo o processo educativo como é inseparável também de todo o processo da produção.

5. ─ Quanto mais Democracia houver ─ Democracia dos Trabalhadores, que são os únicos com direito de cidade ─ mais Socialismo haverá.

6. ─ De tudo quanto o Homem pensa e faz, o mais importante e decisivo é a Acção. Esta acção, para ser verdadeiramente humana, tem de ser consciente, pensada. Mas é na acção, na

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prática social efectiva, que nasce o pensamento verdadeiro e eficaz, que aparecem as ideias justas. Por isso a boa teoria nasce da prática e é na prática que se forma e ajusta.

7. ─ No princípio era o Trabalho: o trabalho que é por natureza social; o trabalho que é o resultado da união indissolúvel do cérebro e da mão, e através do qual os seres humanos conseguem a sua subsistência e se emancipam e libertam da Natureza.

8. ─ Por isso, devemos lutar para abolir, na prática social, a separação e a distinção entre o trabalho intelectual e o trabalho manual. É esse o preço da instauração da Sociedade socialista, primeiro, e comunista, depois. A única sociedade capaz de desalienar e libertar definitivamente o Homem.

9. ─ Aprender e Produzir não são e não podem ser dois actos separados. Não se aprende ‘para saber, porque o saber não ocupa lugar’ ─ como continua a matraquear-nos uma cultura de marca burguesa. Aprende-se para produzir e para lutar melhor por uma Sociedade em que os Humanos não mais sejam explorados e oprimidos. Assim, produzir é já aprender, e a primeira e decisiva aprendizagem ─ é bom que não se esqueça ─ faz-se precisamente na produção.

II PRINCÍPIOS ESSENCIAIS SOBRE PEDAGOGIA, ENSINO, EDUCAÇÃO 1. ─ Toda a Pedagogia deve ser uma pedagogia da Libertação, ─ na medida em que é possível e legítimo educar e guiar uma liberdade concreta e situada!

2. ─ Os pedagogos clássicos e tradicionais, mesmo nas suas reformas mais avançadas, pouco mais têm feito que pedabobos, ─ macacos de imitação das suas intermináveis e autoritárias ‘Lições-mnemónico-retóricas’.

3. ─ Ensinar a aprender é a única forma de ‘ensino’ humanamente legítima e fecunda.

Como diz o adágio popular chinês: "em vez de lhe dares um peixe, ensina-o a pescar”. Eis por que, em vez da paternalista e burguesa preocupação com os ‘conteúdos de ensino’, é necessário que nos preocupemos com os conteúdos da aprendizagem,─ conteúdos que devem ser ditados pela prática crítica da vida. Só dessa forma os ver-dadeiros conteúdos surgirão: os do Trabalho (trabalho produtivo), e não os do ‘estudo’.

4. ─ Nunca metas na memória coisas que não tenhas entendido com a tua inteligência; de contrário, sairás domesticado, primeiro, e depois, serás presa fácil da robotização de qualquer tecnoburocracia.

5. ─ O importante e decisivo não é ensinar; é aprender. É por isso que o acto pedagógico deve ser destruído, para que possa surgir a verdadeira atitude pedagógica.

6. ─ Uma liberdade concreta e situada não se ensina: desafia-se, estabelece-se com ela um diálogo dialéctico progressivo e capaz de fomentar a união dos iguais. Pois só há união de iguais, visto que a união não confunde (por integração), diferencia.

7. ─ Toda a Educação que não tenha em conta esses princípios elementares não passa de uma domesticação ou domação de animais, seja ela expressa ou tácita.

8. ─ O importante de toda a Educação é despertar os educandos para a consciência crítica face à sociedade e ao mundo, e, por via disso, para a consciência de classe, sem a qual a consciência crítica pode permanecer ao nível ‘infantil’ das suas formas e comportamentos anárquicos.

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9. ─ O importante da aprendizagem ─ já não digo do ensino ─ é a formação para o exercício de uma actividade profissional, a qual, como é óbvio, só se realiza plena e eficazmente no seio da própria actividade profissional.

10. ─ Cuidado, porém, com as especializações nas actividades profissionais. Uma vez que elas se apresentam estruturadas segundo o aparelho tradicional da divisão social do trabalho numa sociedade ferreamente hierarquizada e dividida em classes, a sua função ‘natural’ é reforçar, estigmatizar e reproduzir a desigualdade social e contrariar ou destruir mesmo a solidariedade no processo de trabalho. Contra isso, deves imunizar-te; e a propósito, não te esqueças de aprender a lição do poema de Vinícius de Morais ‘O operário em construção’.

11. ─ Como a sociedade está dividida em classes ─ opressores/oprimidos, exploradores/explorados ─, a Educação, que tem por função a formação da consciência crítica e da consciência de classe, tem de visar também a aquisição gradual, a conquista e a defesa intransigente do Poder, o qual tem a sua fonte nas bases, nas massas populares, em cada trabalhador, em cada cidadão.

12. ─ Ninguém se liberta sozinho; mas também ninguém liberta ninguém. Os homens libertam-se unidos, em comunhão de tarefas e sentimentos, em comunhão de projectos.

13. ─ Assim, a Educação tem de ser uma educação de massas, porque não se pode agir ou decidir com eficácia individualmente. “Numa sociedade em que as mudanças mais importantes se produzem por meio da deliberação colectiva e onde as revalorações devem basear-se no consentimento e na compreensão intelectual, requere-se um sistema completamente novo de educação; um sistema que concentre as suas maiores energias no desenvolvimento dos nossos poderes intelectuais e dê lugar a uma estrutura mental capaz de resistir ao peso do cepticismo e de fazer frente aos movimentos de pânico quando soe a hora do desaparecimento de muitos dos nossos hábitos mentais” (Karl Mannheim, in Diagnóstico de Nuestro Tiempo, pp.31-32).

14. ─ É preciso banir todo o subjectivismo, que é idealista, mas não a subjectividade que dialecticamente se apresente como materialista. Não há homem sem homem; não existe um indivíduo sem os outros, mas as duas unidades em permanente interacção dialéctica. O que Marx criticou e destruiu cientificamente não foi a subjectividade, mas o subjectivismo, o psicologismo, o idealismo; foi, em suma, nas duas vertentes contrárias, o subjectivismo e o objectivismo mecanicista, ou seja, toda a dicotomização de sujeito//objecto. “A realidade social, objectiva, que não existe por acaso, mas como produto da acção dos homens, também não se transforma por acaso. Se os homens são os produtores desta realidade e se esta, na ‘invasão da praxis’, se volta sobre eles e os condiciona, transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens” (Paulo Freire, in Pedagogia do Oprimido, p.39).

15. ─ O medo quase instintivo que o oprimido tem ao opressor começa a desfazer-se, logo que o oprimido começa a aprender e a saber como são as coisas!... “O camponês sente-se inferior ao patrão porque este lhe aparece como aquele que tem o mérito de saber e dirigir” (de uma entrevista de Paulo Freire a camponeses). Compreende-se assim que a acção política junto dos oprimidos tem de ser acção cultural para a liber-tação, sob pena de se fazer demagogia e nada mais. “Precisamos de estar convencidos de que o convencimento dos oprimidos de que devem lutar pela sua libertação não é doação que lhes faça a liderança revolucionária, mas resultado da sua conscientização” (Paulo Freire, ibi, p.58).

16. ─ Duas concepções da Educação: a concepção ‘bancária’ burguesa, dos ‘depósitoscréditos’, que não sabe nem pode funcionar senão como instrumento ou aparelho de elitização e de opressão; e a concepção proletária, problematizadora por natureza. Aquela é incapaz de superar a contradição educador/educando; esta, pelo contrário, supera-a e sabe que o faz, porque

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sabe que ninguém educa ninguém, que ninguém se educa a si mesmo, e que “os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (P. Freire, ibi, p.63).

17. ─ A Educação proletária, problematizadora, libertadora, é por natureza uma educação científica (não ideológica), quer porque opera cientificamente, quer porque os seus conteúdos são científico-críticos, e não puramente técnico-pragmáticos. Nesta educação, é progressiva e consistentemente banido todo o pensamento mágico (religioso ou para-religioso) e dá-se livre curso ao pensamento científico, crítico e dialéctico.

18. ─ A Educação problematizadora e proletária é uma educação dialógico-dialéctica.

O diálogo começa logo na procura e definição do conteúdo programático ou do assunto da discussão. Desenvolve-se tendencialmente sobre os assuntos objectivos que estão para além da subjectividade do educador e do educando, e fomenta as relações Humanas ─ Mundo, que são os seus ‘temas geradores’, não as relações específicas educador-educando.

19. ─ O carácter dialógico e o carácter antidialógico, na educação, apresentam-se como matrizes de teorias e comportamentos antagónicos de acção cultural: a antidialogicidade serve a opressão, a dialogicidade serve a libertação. A teoria da acção antidialógica caracterizase pelo desejo de conquista, pela mania de dividir para dominar, pela manipulação incessante, pela invasão cultural ou colonialismo mental.

Pelo contrário, a teoria da acção dialógica caracteriza-se pela colaboração no trabalho, pela união das vontades e dos sentimentos, pela organização das tarefas e dos projectos comuns, pela síntese cultural que deve informar toda a acção colectiva. “A praxis revolucionária”, que resulta da acção dialógica, “somente pode opor-se à praxis das elites dominadoras. E é natural que assim seja, pois são quefazeres antagónicos” (P. Freire, ibi, p.146). É por isso que “uma liderança, que não seja dialógica com as massas, ou mantém a “sombra” do dominador “dentro” de si e não é revolucionária, ou está redondamente equivocada e, presa de uma sectarização indiscutivelmente mórbida, também não é revolucionária” (idem, ibi, p.147). E afirmava ainda Fidel Castro ao povo cubano, confirmando a morte de Guevara: “Se algum benefício se pudesse obter da dúvida, nunca foram armas da revolução a mentira, o medo da verdade, a cumplicidade com qualquer ilusão falsa, a cumplicidade com qualquer mentira”. ─ O obscurantismo, o “culto da ignorância nos outros…” e a absolutização metafísica da ignorância são precisamente as armas do autoritarismo, da opressão e do fascismo, as armas da acção anti-dialógica.

20. ─ Toda a verdadeira política de Esquerda se apoia nas massas populares e é da sua consciência que depende a realização e a eficácia daquela. É por isso que toda a Revolução autêntica se deve transformar em “revolução cultural”, para que o vampiro da burocracia e da tecnoburocracia contra-revolucionárias não venha sugar e catapultar as primícias da Revolução.

21. ─ “Quero aprender a ler e a escrever ─ disse uma analfabeta do Recife ─ para deixar de ser sombra dos outros”. O que nesta afirmação está em causa é precisamente a realização da primeira fase psicológica do processo de alfabetização, que con-iste em proporcionar a passagem da ‘consciência’ intransitiva para a consciência transitiva: o indivíduo que de ‘objecto’ se transforma em sujeito (moral).

Logo que a consciência passe à transitividade, surge normalmente a rebelião popular, como estado psicológico e social que se generaliza. Aparece então, nesta segunda fase, a necessidade de organizar essa rebelião popular: é a altura própria de promover intensamente a consciência de classe, para que a luta seja organizada, verdadeiramente de classe, e possa assim triunfar. O processo de alfabetização também estará ordenado, segundo essas duas fases, por estes dois tópicos: 1ª fase ─ polarização nas “palavras geradoras”; 2ª fase ─ polarização nos “temas geradores”.

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III NATUREZA ESPECÍFICA DO MÉTODO DIALÓGICO-DEMOCRÁTICO Os dois interlocutores do diálogo (ou conjuntos de interlocutores) devem aparecer sempre como integrados na e com a sua realidade objectiva e social. É o primeiro princípio a ter sempre presente, pois constitui o preço da formação de uma consciência crítica e criticizadora e do repúdio da consciência ingénua e da consciência mágica. A consciência crítica começa precisamente com a representação das coisas e dos factos tais como se dão ou verificam na experiência empírica.

O Método terá que ser, portanto, dialogal, activo e participante.

Que é o diálogo? (Esclarece P. Freire in Educação como Prática da Liberdade, p.107). “É uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade. Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso, só o diálogo comunica. E quando os dois pólos do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no outro, fazem-se críticos na busca de algo. Instala-se, então, uma relação de simpatia entre ambos. Só aí há comunicação”.

DIÁLOGO com “A ─ B = comunicação ↔ intercomunicação Relação de ‘simpatia’ entre os pólos, em busca de algo”.

Prossegue P. Freire: “O antidiálogo, que implica uma relação vertical de A sobre B, é o oposto a tudo isso É desamoroso. É acrítico e não gera criticidade, exactamente porque desamoroso. Não é humildade. É desesperançoso. Arrogante. Auto-suficiente. No antidiálogo quebra-se aquela relação de ‘simpatia’ entre os seus pólos, que caracteriza o diálogo. Por tudo isso, o antidiálogo não comunica. Faz comunicados” (ibi, p.108).

ANTIDIÁLOGO “Relação de A ‘simpatia’ (| quebrada (| sobre B = comunicado.

Matriz: Desamoroso, inumilde, desesperançoso, sem fé, sem confiança, acrítico”.

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IV A PRÁTICA DO MÉTODO E OS DIVERSOS MOMENTOS DO PROCESSO Painel de observações prévias: a) Este método e estas técnicas de alfabetização dirigem-se especialmente a adultos, mas não só. Podem perfeitamente (e deveriam) ser utilizados na Primária, com as devidas adaptações. b) Poderão utilizar-se meios técnicos, como cartazes, desenhos, improvisados ou não, slides, strip-filmes, etc.. Mas não são absolutamente indispensáveis. c) Poderá bastar quadro preto e giz, ou papel de cenário, para toda a turma e papel e lápis para cada alfabetizando. Dado que os alfabetizandos já dominam as palavras-sons e o seu sistema semântico normal ─ no caso dos adultos ─, que está em causa e constitui a nossa tarefa é o sistema gráfico: a aprendizagem da sua leitura e da sua escrita. d) Na aprendizagem da leitura e da escrita, convém utilizar o método sintético acompanhado do analítico, ao nível sintáctico (da frase), ao nível morfológico ou vocabular, ao nível fonémico. ─ Como a nossa língua materna é uma língua silábica, presta-se bem à utilização daqueles dois métodos, mesmo ao nível fonémico-silábico. e) A frase constitui a charneira e o tópos humano em que a linguagem é pensamento e o pensamento se torna linguagem. Por isso, toda a aprendizagem da leitura e da escrita deve partir da frase para voltar à frase, uma vez feito o percurso analítico.

Podemos agora esquadrinhar, resumindo e adaptando Paulo Freire (ibi, pp.112-122), os diversos momentos de aplicação prática do método: 1. ─ Uma vez reunidos numa sessão e já criada uma situação de relação humana descontraída e informal, faz-se o levantamento de algumas pequenas frases, o mais possível significativas em função dos problemas que as pessoas sentem e as rodeiam e inquietam.

Escolhe-se em seguida a que parecer mais carregada de significado à maioria, e sobre ela se enceta o estudo. As frases foram escritas no quadro à medida que foram sendo pronunciadas.

N.B. É obviamente necessário que o monitor conheça minimamente o vocabu-lário próprio dos seus alfabetizandos, o que implica um conhecimento elementar dos seus problemas e da sua vida quotidiana. Sem se conhecer previamente a comunidade dos alfabetizandos não se pode alfabetizar correctamente. Como também diria Mao: Sem inquérito não se tem direito a falar.

2. ─ Da frase seleccionada, escolhe-se a palavra com maior carga semiótica. Sobre ela se vai agora fazer incidir a análise. A seleccção dessa palavra deve obedecer aos dois critérios práticos principais: a) deve ser uma palavra pragmática e concreta (os substantivos abstractos são de percepção difícil; mas já não acontece o mesmo com as acções verbais); b) deve ser uma palavra geradora, isto é, uma palavra que, decomposta nos seus elementos silábicos, proporciona, pela combinação desses elementos, a criação de novas palavras. Se a palavra-

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geradora foi bem seleccionada, ela exprimirá, já por si, a situação existencial ou qualquer dos seus elementos que naturalmente constituem problema a resolver para os presentes. E acaso não aconteceu isso, evocam-se em debate alguns dados que possam ajudar a motivar e a constituir a situação problematizante.

3. ─ Procede-se, em seguida, à descodificação e recodificação da palavra, separando-a nas suas sílabas e associando, depois, os fonemas consonânticos dessa palavra aos cinco fonemas vocálicos principais. (Os outros quatro serão percepcionados por confronto e analogia com os primeiros). Detectam-se em seguida as palavras que surgiram formadas dessas unidades silábicas. Recodificam-se, depois, todas as palavras formadas através deste exercício, e tornam a escrever-se todas em caracteres maiúsculos e minúsculos.

4. ─ Reintegra-se a palavra estudada na frase e faz-se sentir que é no conjunto da frase ou oração que ela acaba por ter o seu pleno significado, tal como acontece, na vida real, com os objectos que nós vemos e nomeamos, ou com os indivíduos no seu grupo ou classe social.

5. ─ Após algumas sessões (meia dúzia, por ex., depois de dominarem mais ou menos a escrita do alfabeto), poder-se-á entrar na abordagem explícita das funções sintácticas que os vocábulos desempenham na frase. E assim daí em diante, conjugando análise morfológica e análise sintáctica: nível morfológico e nível sintáctico do uno e indiviso fenómeno da significação e da comunicação. A percepção natural (psicológica e social) dos encadeamentos sintácticos fará atentar primeiro nos encadeamentos sintácticos simples, e depois, nos encadeamentos sintácticos alargados: começa-se pela parataxe (coordenação) e passar-se-á depois à hipotaxe (subordinação).

N.B. Exemplificação: a) Da motivação resultante da conversa ou discussão iniciais saíu a frase e a palavrageradora. ─ ‘Soldada’, ‘jorna’, ‘salário’, ‘ordenado’, ‘vencimento’, é evidente que são palavras com conotações bem diferenciadas (mais ou menos) segundo as classes sociais e o processo dinâmico de estratificação social. Suponhamos que se escolheu a frase: ‘CASAS, SIM; BARRACAS, NÃO’. (casas, sim; barracas, não); e a palavra-geradora: ‘CASA’ (casa). b) Procede-se à decomposição da palavra, descobrindo os novos vocábulos e escrevendo-os sempre em maiúsculas e minúsculas.

CASA//casa CA─SA C: CA / CE / CI / CO / CU S: SA / SE / SI / SO / SU CÁ // cá CASO // caso SÁ // Sá CACO // caco SE // se SECA // seca SÉ // Sé SISO // siso SÓ // só SOCO // soco CÚ // cú SISA // sisa CACA // caca CUCO // cuco COCO // coco COSO // coso CÓCÓ // cócó CASAS, SIM; BARRACAS, NÃO. // casas, sim; barracas, não.

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Como se vê, numa primeira coluna dispuseram-se as sílabas que, só por si, constituíam palavras, ou as que, por simples repetição, formavam palavra. Numa segunda coluna, formaramse palavras pela reunião de sílabas diferentes. c) Num terceiro momento, passa-se à frase inicial que constitui o ponto de partida da análise. Reescreve-se atentamente toda a frase em maiúsculas e minúsculas. Procede-se à análise semântica global da frase e, em seguida, à elementar análise morfo-sintáctica, a qual deve ser apreciada como expressão da análise semântica.

Observações finais: Nunca esquecer, na análise sintáctica, que a sintaxe ─ ou código lógico de ligação das palavras na oração (ou proposição) ─ não é outra coisa senão a expressão escrita (ou oral) da lógica natural com que nós falamos para designar as coisas, os factos, as acções e as pessoas, e assim podermos comunicar. Surge assim a possibilidade (e a necessidade) de se começar a fazer filosofia na linguagem e com a linguagem. Ao mesmo tempo desabrocha o alfabetizando para a cultura. Uma cultura sempre em construção crítica. Posteriormente, terão pleno cabimento quadros, cartazes, slides ─ como expressões culturais as mais diversificadas ─ capazes de funcionar como imagens provocadoras de palavras-geradoras ou de temas-geradores (especialmente numa segunda fase, para estes), com o intuito de promover uma cultura crítica cada vez mais exaustiva.

Ao cabo de três ou quatro sessões, o monitor poderá promover entre os alfabetizandos a feitura de duas tábuas ─ uma para o alfabeto, outra para os números ─, que os alfabetizandos ─ cada um a sua ─ utilizarão daí em diante como tábuas de consulta permanente. Podem ser elaboradas em papel cartonado duro em forma de rectângulo: a tábua alfabética em quatro faixas paralelas (de cima para baixo: as letras em maiúsculas da caligrafia habitual; em maiúsculas de imprensa; em minúsculas de imprensa; em mi-núsculas da caligrafia habitual); a tábua dos números em duas faixas paralelas (algarismos árabes, algarismos romanos).

Covilhã, Setembro de 1974.

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PARA A ANÁLISE DO MOMENTO POLÍTICO ACTUAL E PERSPECTIVAÇÃO DO PROBLEMA DO ENSINO I Pontos fundamentais de ordem geral e da História política portuguesa do Liberalismo ao Republicanismo.

1. ─ “A Ciência política tem uma grande importância porque desmascara o que fica encoberto, porque desmistifica. Pode precisar quais são os termos verdadeiros das escolhas. Mas não pode escolher” (M. Duverger). Isso pertence à arte política, à estratégia e táctica políticas; é da competência dos cidadãos, dos partidos e dos governos. ─ Por enquanto… E até quando?!...

2. ─ Tudo, no universo humano, é suprema e basilarmente político. Por isso não há Ciência ou qualquer espécie de saber neutros. A Ciência que se aprofunda conscientemente, mediante a investigação e a comunicação social, descobre-se naturalmente política; a Política que se concebe, projecta e actua conscientemente descobre-se naturalmente científica.

3. ─ Toda a despolitização favorece o obscurantismo, o despotismo, a ditadura, a ordem estabelecida, a imobilidade e o conservadorismo.

4. ─ “O Estado ─ e, duma maneira geral, o poder instituído numa sociedade ─ é sempre, e em todo o lado, ao mesmo tempo, instrumento do domínio de certas classes sobre outras, utilizado pelas primeiras em seu proveito e em detrimento das segundas, e um meio de assegurar uma certa ordem social, uma certa integração de todos na colectividade, para o bem comum” (M. Duverger).

5. ─ “O que há de vivo na tradição não é no passado que existe, mas no presente” (Raul Proença). Ainda restarão dúvidas aos saudosistas da solução federalista (neocolonialista) para o Ultramar português?...

6. ─ “Ora, o que há de vivo na tradição do pensamento político português contemporâneo reside nessa consciência que vamos tendo, e que se alargará cada vez mais, de que se sem liberdade não tem sentido a condição humana, sem justiça social não há, nem pode haver, homens efectivamente livres” (Joel Serrão).

7. ─ O que ainda acontece actualmente, como sua consequência, é que, nos últimos três séculos, “gememos sob a fatalidade dos erros históricos” (Antero de Quental). “O cristianismo foi a Revolução do mundo antigo: A Revolução não é mais do que o Cristianismo do mundo moderno” (Antero de Quental).

8. ─ “A licença mata a Liberdade” (A. Herculano); “… Sem a virtude não poderá nunca existir a Democracia” (R. Ortigão). “O remédio para os erros da Liberdade é uma Liberdade mais bem entendida” (António Sérgio). “Eu só serei livre quando e na medida em que todo o meu semelhante for livre” (Bakunine).

9. ─ “A necessidade só é cega na medida em que não é compreendida… a Liberdade é a inteligência da necessidade”. (F. Engels), (na esteira de B. Spinoza).

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10. ─ A Sociedade está organizada contra a Consciência e contra a Ciência, quer dizer, a Liberdade encontra-se em conflito com a igualdade e com a Fraternidade. A Igualdade é puramente nominal (ou jurídica) e a Fraternidade não passa de um apelo místico da Religião…

Ora, “… a miséria só terá remédio, quando se removerem todas as causas que a produzem” (Henriques Nogueira); “as classes baixas têm grandes paixões, porque têm grandes necessidades” (D. Pedro V). “A Emancipação dos Trabalhadores deve ser obra dos mesmos Trabalhadores” (Antero de Quental, repetindo Karl Marx).

11. ─ Tentar instaurar uma Democracia, no último quartel do séc. XX, sem abrir caminho à instauração do Socialismo, é sepultar a curto ou a médio prazo a própria Democracia.

II Para a Análise do Actual Momento Político Português 1. ─ Nos acontecimentos de 27-29 Set. p.p. eclodiram 2 movimentos: o da autodenominada ‘maioria silenciosa’ e o da conspiração armada e assassina dos reaccionários fascistas. Que não eram 2 movimentos diferenciados mas apenas um só ─ provam-no o próprio desenrolar dos acontecimentos e os objectivos da conspiração armada. Faça a análise minuciosa de toda a trama e tire as suas conclusões.

2. ─ Recorda o discurso de renúncia do presidente Spínola: a) Tente caracterizar essa linha política; b) Falou o general Spínola de desvios ao Programa do M.F.A.: quais eram os desvios? Faça a sua crítica. c) Falou ainda o presidente Spínola do processo de descolonização e dos desvios a esse processo. Confronte as consequências que adviriam da adopção da linha spinolista quanto à descolonização e as consequências da adopção da linha M.F.A..

3. ─ Leu certamente o discurso do novo Presidente Costa Gomes: a) Afirmou o Gen. Costa Gomes que não há desvios nenhuns ao programa do M.F.A., e especificamente no que toca ao processo de descolonização. Analise e fundamente a afirmação. b) Em política não há posições absolutas e definitivas ─ foi outra ideia afirmada pelo Presidente Costa Gomes.

Analise o significado profundo desta tese e confronte-a com a tese spinolista.

4. ─Ouviu ou leu a entrevista do Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves: a) Reconstitua o elenco dos factos positivos que o M.F.A. e o 25 de Abril já nos trouxeram. b) Analise a ligação profunda e indissociável entre o processo de demo-cratização do país e o processo de descolonização do Ultramar. c) Prestou atenção à denúncia exacta e certeira que fez Vasco Gonçalves aos que interpretavam a actual conjuntura económica portuguesa em termos apocalípticos e de caos económico. Foi o primeiro homem que em Portugal teve a coragem de começar a desmistificar oficialmente essa lin-guagem burguesa dos economistas capitalistas que nos períodos revolu-cionários só sabem tocar o alarme do caos económico. Faça uma análise da posição do Primeiro-Ministro e da posição contrária dos apocalípticos em termos de Economia Política científica e não apologética.

III Perspectivação do Problema do Ensino 1. ─ Não é possível reformar eficaz e profundamente o Ensino e a Educação sem primeiro instaurar uma nova ordem política, social e económica para toda uma Sociedade.

Analise este postulado no laboratório que constitui a situação portuguesa, no fascismo e na situação criada depois do 25 de Abril.

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2. ─ Entretanto, numa Sociedade democrática, o Ensino e a Educação podem fa-zer muito pela transformação da própria Sociedade. Em que escala e sob que orientação?

3.─ Que entende por democratização do Ensino?

4. ─ Caracterize atitudes e procedimentos fascistas nos docentes.

5. ─ Como concebe e gostaria de ver realizado o diálogo entre docentes e discentes e o trabalho escolar?

6. ─ É preciso descolonizar a criança e o aluno, na família e na escola. A teoria do homúnculo (a criança como um pequeno homem) ainda preconizada por Rousseau, foi ultrapassada pela concepção da criança-criança… Analise as implicações e consequências destas teses tão actuais.

7. ─ Onde é que tem aprendido mais: na Escola ou na Vida?

N.B.: Se queres um país livre e verdadeiramente democrático, empenha-te a fundo, trabalha, estuda, comunica, fala, intervém, critica; assume as tuas responsabilidades que não são só individuais mas eminentemente colectivas. Larga o comodismo e a passividade, bota fora definitivamente o ‘salve-se quem puder’. Na conversa e no trabalho, intervém sempre e critica tudo o que achares mal e errado. Luta e não esmoreças. Não te esqueças que estamos embarcados numa situação pré-revolucionária, cuja sorte depende de cada um de nós. Sozinhos nada somos. Unidos somos Tudo.

Outubro de 1974.

Escola Técnica ‘Campos Melo’ da Covilhã.

(Texto para discussão e esclarecimento)

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UNIDADE → UNICIDADE SINDICAL (UNIDADE NA LEI): (QUI EN A PEUR?) / (WHO IS WORRIED?) QUEM TEM MEDO DELA? ─ O POVO, AS CLASSES TRABALHADORAS?!...

(Reflexões e Textos de enorme actualidade)

TEXTOS EM EXERGO ─ “Não há dúvida de que os sindicatos e as greves que eles empreendem têm uma importância fundamental, porque são a primeira tentativa feita pelos operários para suprimir a concorrência. Eles implicam efectivamente a consciência de que o domínio da burguesia assenta necessariamente sobre a concorrência dos operários entre si, isto é, sobre a divisão do proletariado e sobre a oposição entre grupos individualizados de operários. E se eles são tão perigosos para a ordem social estabelecida, é precisamente porque atacam ─ embora só obliquamente e de maneira muito limitada ainda ─ a concorrência, esse nervo vital da sociedade actual. Mas o operário não poderia atacar a burguesia e, com ela, toda a organização social existente, noutro ponto mais vulnerável” (F. Engels, A Situação das Classes Trabalhadoras em Inglaterra, 1844; o sublinhado é nosso). ─ “O capitalista não se preocupa com dar trabalho a todos, mas sim com retirar da classe operária o maior lucro possível” (Bukharin). ─ PREÂMBULO AOS ESTATUTOS DA 1ª INTERNACIONAL (texto elaborado por Marx em Setembro de 1864): “Considerando Que emancipação da classe operária deve ser obra dos próprios trabalhadores, Que a luta pela emancipação da classe operária não é uma luta por privilégios e monopólios de classe, mas pelo estabelecimento de direitos e deveres iguais, e pela eliminação de qualquer regime de classe; Que a sujeição económica do trabalhador aos detentores dos meios de trabalho, quer dizer, das fontes da vida, é a causa primeira da servidão sob todas as suas formas, da miséria social, do aviltamento intelectual e da dependência política; Que, consequentemente, a emancipação económica da classe operária é o grande objectivo ao qual todo o movimento político deve estar subordinado como meio;

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Que todos os esforços nesse sentido falharam até aqui, por falta de solidariedade e de unidade entre os trabalhadores das diferentes profissões no mesmo país e de uma união fraternal entre as classes operárias de diversos países; Que a emancipação do trabalho, não sendo um problema local nem nacional, mas social, compreende todos os países em que exista a sociedade moderna e necessita, para a sua solução, do concurso teórico e prático dos países mais avançados; Que o movimento que acaba de renascer entre os operários dos países mais industrializados da Europa, fazendo despertar novas esperanças, adverte solenemente que não se caia nos erros antigos e se unifique o mais cedo possível os esforços ainda dispersos; Por estas razões, foi fundada a Associação Internacional dos Trabalhadores”.

I ALGUNS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DE ECONOMIA E POLÍTICA 1. ─ Velhos demais de cem anos, os textos supracitados de Engels e Marx têm ainda hoje, na actual situação portuguesa e mundialmente, uma importância extrema e decisiva. Por quê? Porque o capitalismo, apesar de ou com todas as suas crises, depressões, recessões e ‘estagnaflações’, tem progredido tentacularmente, e não tem cedido nem cederá facilmente aos ‘colapsos’ que o atirem deterministicamente para a ruína fa-tal: de mercantil-comercial transformou-se em industrial, de industrial em financeiro (capital industrial + capital bancário), de financeiro em monopolista, de monopolista em monopolista-de-Estado, de monopolista-deEstado em imperialista-mundial e, finalmente, em social-imperialista-mundial. E porque a política e a cultura burguesas ou aburguesadas dominantes não perdem nenhuma oportunidade para dividir e opor, contra ela mesma, a classe operária em nome de liberdades metafísicas e religiosas, em nome de partidos aclassistas, em nome de sofisticadas diferenças de ideologia que não têm o seu alicerce na verdadeira diferenciação de classes.

2. ─ Lucro, juro, mais-valia, lei do valor e mercado, concorrência, monopólio (= assegurar a concorrência nos mais diversos ramos de actividade e escalões da produção e da troca), consórcios, trusts, cartéis, capital interminamente expansionista, economicamente explorador e politicamente opressor, regime de salariato como dogma-tabú de ‘direito natural’, exército industrial de reserva, desemprego crónico e crescente em função do aumento da produtividade técnica, emigração e malthusianismo demográfico, colonialismo e neocolonialismo económicos e culturais, estado de guerra permanente, produtos excendentários da ‘abundância’ que são destruídos para matar massas imensas pela escassez e pela fome, ─ tais são os alicerces, pilares e consequências essenciais do edifício capitalista e da sua evolução histórica; tais são os fundamentos sobre que assen-ta iniludivelmente toda a política económica e cultural da burguesia.

3. ─ A Economia política clássica e burguesa é uma pseudo-ciência e a Política económica da burguesia não passa de uma apologética religiosa: apologética fanática da exploração e opressão da classe dominante, e apologética religiosa, no sentido específico, porque não dispensa a religião e o apoio e protecção de todos os aparelhos ins-titucionais das igrejas.

Baseado no materialismo histórico e dialéctico, o Marxismo empreendeu e empreende continuamente a denúncia radical dessas mistificações. Reconheceu e inventariou, no processo histórico das formações sociais, a luta de classes (Marx não inventou a luta de classes; apenas se limitou a defini-la e a caracterizá-la cientificamente, e nisso foi o primeiro) e a existência das duas classes gerais antagónicas: os exploradores e os explorados; os opressores e os oprimidos;

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os detentores dos meios de produção (patrões, proprietários privados dos meios de produção em regime jurídico de propriedade privada ou ‘colectiva’) e os operários-proletários ‘senhores’ apenas da sua força-de-trabalho que têm de vender ao capital para sobreviverem. Pode assim apresentar-se, ele sim, como verdadeira Ciência, operando, implicadamente, uma autêntica revolução nas ciências tradicionais, mormente nos seus métodos de pesquisa, sem falar já na episte-mologia geral das ciências. É por isso que o Marxismo não é mais uma economia política, mais uma politologia (ou política de organização, direcção, conservação e defesa das sociedades), mais uma sociologia, mais uma antropologia ou mais uma filosofia na História Geral das culturas e das civilizações.

4. ─ A Cultura burguesa, tradicional e dominante, sempre cuidou primorosamente de distinguir e separar a Economia política, que considera como ciência, da Política do Estado (ou da política em geral) que define como acção governamental; a teoria da prática; a inteligência e a ciência da praxis social; o trabalho intelectual do trabalho manual; o cérebro da mão; a cidade do campo; os sábios dos ignorantes; os professores dos alunos. Sempre se preocupou com opor Liberdade e Determinismo, Liberdade e Necessidade, Vontade (voluntarismo) e Inteligência (intelectualismo), Liberdade e Lei, Direcção e Execução, Legalismo e Anarquismo, Democracia e Ditadura. Por quê? Por-que nunca soube funcionar senão em moldes abstracto-metafísicos, em moldes mani-queístas do ‘Bonum ex integra causa; malum ex quocumque defectu’ (o bom é bom totalmente, o mau é mau parcialmente que seja).

Ora são precisamente essas separações e oposições que o Marxismo, com o seu método dialéctico e histórico ─ o verdadeiro método científico ─ ancorado numa concepção cientificamente materialista do mundo, das sociedades e da história, destrói completamente.

5. ─ Para a cultura burguesa, valem mais os substantivos abstractos, dogmatizados e divinizados, maiusculizados ou não, do que as percepções concretas e situadas. O Marxismo, ao contrário, só legitima a abstracção e a generalização a partir da observação concreta, singular e comparada, a partir do inquérito à realidade (como diria Mao Tsé-Tung: só se tem direito à palavra depois de inquérito). O Marxismo pratica o método indutivo e experimental ─ o método primordial de toda a ciência verdadeira.

6. ─ O Marxismo dialectiza e relativiza o Saber em perfeita sintonia e adequação à Realidade, que é também relativa e dialéctica. Obriga-nos, cientificamente, a descobrir e a analisar os conteúdos dos nossos conceitos sob as suas formas gerais e abstractas. Assim por exemplo, os conceitos de Liberdade e Democracia. É a Liberdade um valor absoluto, susceptível de ser ‘divinizado’ e presidir a todos os outros valores da vida? ─ Não. Pois ela só existe realmente, só conta real e decisivamente enquanto concreta e situada num determinado contexto sócio-económico e político-jurídico da sociedade, que será sempre um contexto de classe, de dualidade opositiva de classes, enquanto a Liberdade social não se identificar finalmente com a Igualdade social, quer dizer, enquanto o proletariado mundial não se tiver apoderado definitivamente do Poder de Estado para instaurar o comunismo. É por isso que tem razão Bakunine quando afirma: Eu só serei livre na medida em que todos os homens, meus irmãos, forem livres!

Situado e concreto que é o conteúdo da Liberdade, o conceito de Liberdade implica que se seja livre de algo ou alguém para se fazer algo ou alguém. E desde logo se afigura óbvio que, em regime capitalista, a liberdade do operário é inteiramente diferente da liberdade do patrão! E no entanto, ambos são homens!...

Opõe-se a Liberdade ao Determinismo, à Necessidade, à Lei? ─ Não. Dialectiza-se.

Aparece-nos, deste modo, a Liberdade como a consciência do determinismo e da necessidade; a consciência da lei, dos seus objectivos e funções. ─ Conclusão: Nunca te deixes prender por esses substantivos abstractos como se pesca o peixe com a isca; mergulha-os na situação

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concreta sócio-económica e política, insere-os no processo histórico; nunca sobre eles emitas um juízo afirmativo ou negativo, antes de analisar na situação concreta os seus conteúdos. É ao nível dos conteúdos que tens que decidir-te e que o teu juízo pode ser correcto; não ao nível das formas abstractas e gerais. É só daí que arranca e toma forma o ‘concreto de pensamento’, que é o conceito verdadeiro.

Democracia. Opõe-se absolutamente a Democracia à Ditadura? ─ Não. Dialectiza-se.

Muita gente doutrinada nas escolas burguesas repudia ferozmente a ‘ditadura do proletariado’ simplesmente por ser ditadura e em nome da santa e sagrada Democracia! Não se apercebem de que estão a ser ‘levados’ por uma noção abstracta e metafísica, por uma noção falsa e alienante de Democracia. Não se dão conta de que essa famigerada Democracia é concretamente a ‘Democracia burguesa’ ─ a democracia interna de uma classe minoritária no Poder ─ e que essa ‘Democracia’, em relação à classe oposta, maioritária, dos trabalhadores, não passa da mais ampla e cruel Ditadura, tanto sócio-economicamente como sócio-politicamente.

Em contrapartida, a ‘ditadura do proletariado’, que àquela gente repugna tanto aceitar só por se chamar e dizer lisamente e sem batota o que é, constitui, na verdade, a mais ampla e aberta das democracias ─ a democracia socialista ou popular ─, e se tem de recorrer ainda a métodos ditatoriais é somente em relação àquela minoria de capitalistas burgueses que de todo em todo não querem integrar-se na Democracia do Povo.

Vê-se agora claramente que há democracia e democracia, assim como há ditadura e ditadura!

Já podes compreender agora, amigo leitor, três postulados importantes: A) As Revoluções democráticas-burguesas, que têm o seu protótipo na Revolução Francesa de ‘89 (tal como a história posterior a interpretou), apresentam-nos os seus três manda-mentos por esta ordem: 1º Liberdade, 2º Igualdade, 3º Fraternidade. As Revoluções socialistas-proletárias apresentam-nos os mesmos mandamentos, mas por ordem inversa: 1º Fraternidade, 2º Igualdade, 3º Liberdade. B) A História apresenta-nos esses dois tipos de Revoluções como realidades sociais e sócio-históricas distintas; mas a mesma História nos demonstra a sua imbrica-ção, no sentido de que é precisamente a Revolução socialista-proletária que leva até ao fim, pelos seus objectivos e funções, os imperativos de Democracia que a revolução democrática-burguesa não é capaz de conseguir. C) O verdadeiro motor materialista e histórico das Revoluções é a Igualdade (o conteúdo da Liberdade) e não a Liberdade: o ideal crescente da Igualdade, que resulta da dialéctica sócio-histórica desigualdade/igualdade. A percepção interindividual, inter-grupal, inter-classista da desigualdade é de facto primordial em confronto com a percepção da escravatura ou da servidão. A Liberdade é a arma que se brande, mas o ideal da Igualdade é o motor que tudo impulsiona.

7. ─ A aparente dualidade institucional Sindicatos/Partidos, como acontece nas ‘democracias pluralistas burguesas’, ou Sindicatos/Partido, como acontece via de regra em países ditos ‘comunistas’, nas sociedades modernas.

A cultura burguesa distingue, separa e divide para reinar. É esse o seu segredo de ofício!

Já nos démos conta em 4. Das distinções e separações que ela estabelece. Sabe-se bem que a Economia, nas sociedades democráticas burguesas, foi sempre e continua a ser política. Não obstante, a sociedade democrática burguesa tem todo o interesse em considerar Economia e Política como dois hemisférios distintos. E como essa sociedade se quer sempre pluralista politicamente, aí temos nós Partidos políticos de um lado e Sindicatos do outro, no hemisfério económico. Sabe-se que essa sociedade está sempre atenta e interessada em escamotear e não reconhecer as verdadeiras classes antagónicas e, muito menos, a luta de classes. É por isso que ela não se interessa (ou se interessa demasiado, mas disfarçadamente!...) pela constituição de Partidos com verdadeiro carácter de classe. Surgem, por essa via, os chamados ‘sindicatos

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paralelos’ aos Partidos (cada partido, seu sindicato!...); e os Partidos dirigirão e manipularão os seus respectivos sindicatos tanto mais quanto mais indiferenciados classistamente se apresentarem aqueles e quanto menos consciência de classe encontrarem nos filiados destes.

Verifica-se ainda uma dualidade semelhante Sindicatos/Partido nas próprias sociedades de transição para o Socialismo e até nas que já puseram de pé um determinado modelo de Socialismo. Isso mostra até que ponto a cultura burguesa impregnou e envenenou as sociedades modernas, até que ponto as distinções, separações e divisões referidas em 4. continuam a impedir a construção correcta do Socialismo. Tem ainda origem aquela dualidade na fictícia mas ostensiva díade Organizações económicas do Capital (produção, comércio, consumo)/Poder político administrativo do Estado. É que a cultura das democracias burguesas apresenta sempre estas entidades como duas realidades distintas, visto que considera o Estado como essa ‘terceira entidade’ neutral a funcionar como árbitro entre os patrões e os operários, entre os ca-pitalistas e os proletários. Mas sabe-se que esta é uma falsidade histórica e não passa de uma teoria para enganar mentecaptos e ingénuos!

Vê-se agora, de ricochete, a razão pela qual os verdadeiros Partidos marxistas, ou seja, da classe operária e do proletariado, se hão-de situar sempre na oposição em confronto com o poder político do Estado, que é e continuará a ser da burguesia ou da ‘nova classe’dos burocratas da administração managerial, enquanto a classe operária não se apoderar definitivamente do Poder de Estado.

8. ─ O que define precisamente, e em última análise, o proletariado como classe antagónica aos proprietários dos meios de produção é o regime de salariato. A dualidade aparente Partido/Sindicatos prossegue mesmo em sociedades actuais que afirmam haverem já implantado o Socialismo. A razão última disto não residirá exactamente no facto de essas sociedades, conquanto hajam posto a funcionar o Plano, não terem ainda abolido o regime de salariato, que é, afinal, o objectivo central da Revolução do Proletariado para a construção do Socialismo? É capcioso, desviacionista e errado continuar a tratar o capital tecnicamente (como afinal pretende fazer a burguesia na sua contabilidade), dividindo-o apenas em ‘fixo’ e ‘variável’, e invocando inclusive teses de Marx, interpretando-as erradamente, como a seguinte: “… o lucro da classe capitalista na sua forma concreta nunca pode ser superior à soma da maisvalia…”. A classe capitalista explora (economicamente) e oprime (politicamente) o proletariado, em perfeita simultaneidade, e a primeira coisa por causa da segunda.

II GÉNESE E NATUREZA DOS SINDICATOS Sobre este tema, leiamos um texto de Marx (por ele elaborado e adoptado no 1º Congresso da Internacional, Set. de 1866): “O capital é uma força social concentrada, ao passo que o operário apenas dispõe da sua força produtora individual. Deste modo, o contrato entre o capital e o trabalho nunca pode ser estabelecido em bases equitativas, mesmo dando à palavra ‘equita-tivo’ o sentido alterado que se lhe conhece numa sociedade onde as condições materiais estão de um lado, e a energia vital produtora do outro. Única força social que os operários têm é o seu número. Mas a força do número é anulada pela desunião. Esta desunião dos operários tem origem e é mantida pela concorrência inevitável que movem uns aos outros. Os sindicatos nasceram dos esforços espontâneos de operários em luta contra ordens despóticas do capital, para impedir ou, pelo menos, atenuar os efeitos desta concorrência para os operários movem entre eles. Queriam mudar os termos do

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contrato de maneira a que pudessem elevar-se pelo menos acima da condição de simples escravos.

O objectivo imediato dos sindicatos estava, no entanto, limitado às necessidades das lutas diárias, a expedientes contra a usurpação incessante do capital, numa palavra, às questões de salário e de horas de trabalho. Esta actividade é não só legítima como também necessária.

Não se pode renunciar a ela enquanto o sistema actual subsistir; além do mais, os sindicatos operários devem generalizar a sua acção, unindo-se em todos os países. Por outro lado, os sindicatos operários constituíram-se em centros organizadores da classe operária, da mesma maneira que as comunas e municipalidades da Idade Média o tinham sido para a classe burguesa. Se os sindicatos são indispensáveis na guerra de escaramuças do trabalho e do capital, eles são ainda mais importantes como força organizada para suprimir e substituir o sistema do trabalho assalariado”. (O sublinhado é nosso).

Ressalta clara a dupla função ou finalidade dos sindicatos: Reivindicações salariais e de melhores condições económico-sociais de trabalho e de vida, e luta política incessante com o objectivo da libertação total dos trabalhadores, da supressão do regime de salariato, da eliminação da sociedade de classes e instauração da sociedade sem classes. Marx explica-se, ele mesmo, sobre este assunto, noutro texto da mesma altura, articulando a acção sindical com a acção política do Partido da classe operária: “Além do seu fim primitivo, é preciso que os sindicatos aprendam doravante a agir de modo mais consciente, enquanto focos de organização da classe operária, no interesse da sua emancipação completa. É preciso que apoiem todo o movimento social e político que tenda para esse fim. Considerando-se eles próprios e agindo como pioneiros e representantes de toda a classe, conseguirão atrair necessariamente a si aqueles que se mantêm ainda fora do sindicato. É preciso que se ocupem cuidadosamente dos interes-ses das camadas operárias mais mal pagas. É preciso que inculquem a todos a convicção de que os seus esforços, muito longe de serem egoístas e interesseiros, têm, pelo contrário, por finalidade, a emancipação das massas oprimidas.

Considerando que contra a violência colectiva das classes possuidoras o proletariado como classe só pode intervir constituindo-se em partido político distinto, em oposição a todas as antigas formações de partidos das classes possuidoras, que esta constituição do proletariado em partido político é indispensável para assegurar o triunfo da revolução social e do seu fim último ─ a abolição das classes ─, que é preciso que a união das forças da classe operária, que já tem sido conseguida pelas lutas económicas, sirva igualmente de alavanca ao conjunto desta classe na sua luta contra a força política dos seus exploradores: a Conferência lembra aos membros da Internacional que, no estado da luta da classe operária, a sua actividade económica e política estão inseparavelmente ligadas”. (O sublinhado é nosso).

Atentemos nos princípios que aí vemos expressos ou simplesmente implícitos: 1. ─ Espoliada dos meios de produção pela acumulação primitiva e crescente do capital, face às classes possuidoras, a classe operária não tem outra arma decisiva para sair vitoriosa da sua luta senão a sua união, a unidade de todas as massas trabalhadoras. Qualquer dispersão ou desunião poderá ser fatal.

2. ─ Não possuindo outra mercadoria para vender ao capital senão a força-de-trabalho, é óbvio e lógico que o campo-base da sua luta é o campo económico. Compreende-se assim que os aumentos salariais constituam as suas primeiras reivindicações.

3. ─ Mas a Luta da classe operária não pode confinar-se no campo económico, sob pena de nem aí conseguir as migalhas que pretende. As classes possuidoras, a burguesia dominante, além do domínio económico capitalista que exercem sobre os trabalhadores, estão ligadas, até à

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identificação, com o aparelho político do Estado, que os seus partidos ou partido único (fascismo) sustentam. (É por isso que a burguesia contemporânea e os seus respectivos partidos se encarniçam em apresentar jurídica e politi-amente o Estado como uma terceira entidade neutral e funcionando como árbitro entre o Capital e o Trabalho; é por isso que a cultura burguesa porfia tanto em distinguir e se-parar, para plateia ver, a Economia e a Política, o Poder económico e o Poder político). Vê-se agora a razão por que a Luta da classe operária deve ser global, isto é, de-ve atingir os dois hemisférios, visto que actividade económica e actividade política estão inseparavelmente ligadas.

4. ─ Se a luta da classe operária não é global, isto é, simultaneamente económica e política, uma luta económica sempre perspectivada politicamente, acaba sempre por ser sabotada politicamente pela burguesia dominante e integrada economicamente pelas imensas potencialidades do capital explorador. É o que se passa com o reformismo das sociaisdemocracias burguesas.

5. ─ Se a Luta da classe operária é global, então será consequente e vitoriosa, e a Revolução socialista surgirá no horizonte com os seus postulados finais necessários: a abolição das classes e da sociedade de classes, a instauração da sociedade sem classes, a abolição do próprio regime de salariato e a extinção do Estado (na sociedade terminal ─ o Comunismo).

Nesta luta sem tréguas para a instauração de uma Sociedade Nova, o Proletariado revolucionário já não inscreverá hoje na sua bandeira a velha palavra d’ordem “um salário diário justo por um dia de trabalho justo”, mas estoutra: a abolição do regime de salariato, pois “a classe operária deve, ela própria, apropriar-se dos meios de trabalho, quer dizer, das matérias primas, das fábricas e das máquinas”. Se esta era a conclusão sócio-histórica e a nova palavra d’ordem proposta por Engels em Maio de 1881, com muito maior razão ela se impõe hoje, em 1975, tanto no nosso país como mundialmente, como estratégia e como verdade científica no Processo histórico, atendendo ao nível muito mais elevado da evolução paralela e contraditória do capitalismo e do socialismo.

6. ─ Há que banir cerce a concepção metafísica e maniqueísta da construção do Socialismo. Sociológica e historicamente, o Socialismo vai-se construindo dialecticamente, numa luta sem tréguas contra o capitalismo e as suas formas inovadoras ou larvares. A instauração política de uma Sociedade que se pretende socialista mediante a destruição e substituição do Poder de Estado da burguesia por parte da revolução socialista do Proletariado e do novo Poder de Estado da classe operária ─ não basta. Não basta substituir juridicamente a propriedade privada dos meios de produção do capitalismo pela propriedade ‘colectiva’ dos meios de produção do socialismo, a qual, não obstante, pode tomar inicialmente a forma de ‘propriedade do Estado’. É preciso atingir todo o mundo da Economia e, nesta, sobretudo a produção, visto que o Socialismo científico significa e postula precisamente um regime de produção novo em que se haja abolido o sistema do salariato, e que o Poder de Estado se extinguiu por se haver convertido no Poder dos produtores imediatos.

“Enquanto a sociedade estiver dividida em classes opostas ─ por um lado, os capitalistas que monopolizam a totalidade dos meios de produção, das terras, das matérias primas e das máquinas; por outro, os operários que trabalham e se encontram privados de qualquer propriedade sobre os meios de produção, e que só dispõem da sua força-de-trabalho ─, e enquanto subsistir esta organização social, a lei do salário continuará omnipotente e apertará cada dia mais as correntes que tornam o operário num escravo do produto das suas próprias mãos, produto que o capitalista monopoliza” (Engels, 1881).

Se este texto de Engels nos alerta para todas as reformas sociais da social-democracia e da chamada ‘tecno-democracia’ mais avançada, que não conseguem nem visam outra coisa senão tornar o operário assalariado num escravo satisfeito, há que estar igualmente em guarda

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contra aqueles modelos de sociedade ditos socialistas em que, apesar de se ter eliminado o desemprego e elevado o poder de compra das classes trabalhadoras, apesar de se terem reduzido os leques salariais a caminho da sua uniformização (…quando isso realmente acontece!...), não se haja alterado estruturalmente a instituição social do salariato.

7. ─ A instituição social do salariato só desaparecerá na fase final do Socialismo ─ o comunismo: quando houver uma quantidade suficiente de bens de consumo para satisfazer as necessidades de todos, segundo um postulado de produção e consumo que se pode exprimir classicamente assim: “de cada um segundo as suas capacidades a cada um segundo as suas necessidades”.

Isso, porém, não obsta, pelo contrário, exige ─ sob pena de o capitalismo se manter ou infiltrar numa sociedade socialista ─ que a natureza do salário seja profundamente modificada em regime socialista. Ora a diferença fundamental do salário em regime capitalista e em regime socialista é a seguinte: no capitalismo, o salário é o preço do trabalho, com todas as consequências desta sua definição; em regime socia-lista, o salário é apenas “um meio de participação nos objectos de consumo segundo a quantidade e a qualidade do trabalho efectuado” (Jean Baby). A desigualdade dos salários será ainda um facto, mas o salário assume um estatuto diferente como meio de repartir, à luz de uma consciência social cada vez mais alargada e rumo à sua total-dade, os produtos do trabalho. Presidirão, pois, à definição do estatuto do salário em regime socialista três coordenadas essenciais: a) a eliminação total do desemprego e da miséria; b) os produtores mais úteis à sociedade devem receber, em nome da justiça social e da equidade, a parte dos produtos que assegurará o melhor desenvolvimento de toda a vida social; c) o aumento do salário não terá limites, a não ser os da produção total de toda uma sociedade. É por isso que ele se faz automaticamente, à medida que cresce a quantidade dos bens de consumo produzidos e disponíveis. Visto que fora apeada a lei do valor do mercado com o seu implicado e essencial primado do valor de troca sobre o valor de uso, bem como a mais-valia de que se apropriava a classe inimiga ─ os capitalistas e o patronato ─, os trabalhadores sabem que todo o aumento de produção se vai traduzir, para eles, num aumento de valores de uso, que o seu salário lhes permitirá adquirir.

Quando, por conseguinte, uma ‘nova classe’ de administradores burocratas se apropria, política e economicamente, do Poder de Estado e dos meios de produção, em vez de o entregar aos produtores imediatos associados (como tem acontecido, por exemplo, na U.R.S.S.), o que então tem lugar é precisamente uma extracção de mais-valia e uma acumulação capitalista que se introduzem disfarçadamente nos mecanismos de uma sociedade que se diz política e socialmente socialista.

8. ─ Sendo o centralismo democrático o pilar número 1 da construção do socialismo num dado país, e sendo indiscutível que as nacionalizações ou estatizações (não confundir as duas coisas) das empresas constituem um primeiro passo essencial e decisivo para a edificação do socialismo, ─ não se pode, por outro lado, esquecer, sob pena de ser incorrecta e falsa a caminhada, que uma sociedade socialista significa e postula a progressiva extinção do Poder centralista do Estado e a sua devolução aos produtores imediatos associados, limitando-se então o Poder central a ‘dirigir’ por coordenação e orientação os diversos sectores e actividades da economia nacional. Tenha-se em conta o que já em 1864 escrevia Marx numa Comunicação da Assembleia Internacional dos Trabalhadores: “Por mais excelente que seja em princípio, e útil na prática, o trabalho cooperativo, se ficar circunscrito a um sector restrito, ligado a tentativas e esforços iso-lados e dispersos de trabalhadores, nunca será capaz de parar a progressão geométrica dos monopólios, nem de libertar as massas, nem mesmo de aliviar de maneira sensível o peso da miséria”. É que o cooperativismo sem mais confina-se numa actuação económica e a sua política não passa de uma política de integração no sistema capitalista.

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9. ─ Sobre o carácter político das lutas sindicais e a necessidade de um Partido político dos Trabalhadores, que sustente e fomente a globalização político-económica das lutas dos trabalhadores, ouçamos ainda Marx em carta a F. Bolte, de 23/XI/1871: “O objectivo final do movimento político da classe operária é naturalmente a conquista do poder político em seu benefício, o que implica necessariamente que, antes de mais, nasça e cresça uma organização suficientemente desenvolvida da classe operária, a partir das suas próprias lutas económicas. No entanto, para se tornar político, um movimento deve opor os operários, agindo como classe, às classes dominantes para as fazer ceder por meio de uma pressão do exterior. Assim, quando os operários tentam por meio de greves, etc., numa só fábrica ou mesmo num só ramo da indústria, obter dos capitalistas privados uma redução do tempo de trabalho, a agitação é puramente económica; em compensação, é política, quando conseguem à força uma lei que fixe em oito o número de horas diárias de trabalho, etc.. É desta maneira que, de todos os movimentos económicos isolados dos ope-rários, se desenvolve por todo o lado um movimento político, ou, por outras palavras, um movimento de classe com vista a efectivar os seus interesses sob uma forma geral que tenha força suficiente para se impor a toda a sociedade. Estes movimentos pressupõem uma organização prévia ao mesmo tempo que são, por sua vez, um meio de desenvolver essa organização.

Nos sítios onde a classe operária não tem uma organização suficientemente avançada para lançar uma campanha decisiva contra a violência colectiva ─ o poder político ─ das classes dominantes, é preciso que seja educada neste sentido por uma agitação incessante contra a política hostil das classes dominantes. No caso contrário, não passará de um brinquedo nas mãos destas”, como sucede em todas as sociais-democracias, em todas as ‘tecnodemocracias’, em todas as democracias partidisticamente pluralistas, onde naturalmente, para os sindicatos, não se defende outra tese senão a do pluralismo sindical ─ pluralismo ideológico-partidário, como é óbvio. É por isso que uma luta sindical global, consequente e eficaz, pressupõe e exige: não só uma Central sindical una e única de todos os trabalhadores, mas também um verdadeiro Partido uni-ficado da classe operária.

10. ─ A díade institucional Partido/Sindicatos dos trabalhadores.

Sabido que as multinacionais têm precisamente por função e objectivo abater as nacionalidades e actuar económica e politicamente em benefício do imperialismo sem pátria e sem fronteiras, é óbvio que não se pode realizar a independência política de um país sem levar a cabo, simultaneamente, a sua correlativa independência económica. Vê-se aqui, mais uma vez, a necessidade sócio-histórica da união indissolúvel dos Sindicatos e do Partido dos trabalhadores, bem como a justificação sócio-política dessas duas realidades. Note-se que a união não confunde, diferencia; para que a dualidade Partido/Sindicatos não seja aparente, mas real!

Enquanto os povos se mantiverem à face da Terra repartidos por nacionalidades, a bem conhecida tese da ‘coexistência pacífica entre as nações’, proposta por Krushtchov a partir de 1957, (não confundir com a questão da ‘Passagem pacífica ao Socialismo’) tem a sua função positiva que importa salientar: funciona como verdade sócio-jurídica, isto é, como herança institucional indestrutível da cultura e da sociedade burguesas, enquanto o Socialismo não estiver implantado à escala mundial; e funciona como estratégia capaz de permitir a salvaguarda e a defesa da independência económica a par da independência política de uma nação ou país.

Permite assim essa tese que a luta pela independência (nacional) não se verifique somente ao nível de uma luta sindical que, no contexto mundial das nacionalidades, resultaria puramente económica. É por isso que, nesse contexto, o Partido político da classe operária, mantendo e reforçando embora as suas alianças com os partidos irmãos de outras nações, deve ser predominantemente nacional. ─ Vê-se aqui, uma vez mais, a necessidade sócio-histórica da união

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indissolúvel dos Sindicatos e do Partido dos trabalhadores, bem como a justificação sóciopolítica dessas duas realidades.

Enquanto não surgir finalmente a sociedade sem classes ─ o que não acontecerá por via reformista ou de compromisso de classes ─, enquanto não for abolido definitivamente o regime de salariato, a organização da Sociedade, mesmo em sistema socialista, apresentará como distintas estas três realidades: o operariado assalariado, o patronato capitalista ou os administradores com tendência a transformarem-se numa ‘nova classe’ de burocratas, e o Poder de Estado. A construção correcta e eficaz do Socialismo exigirá, pois, que o Poder de Estado se vá extinguindo pela sua transição dialéctica para as mãos dos produtores imediatos associados, ou, por outras palavras, que as massas trabalhadoras impeçam que o Poder de Estado e o Partido, que se dizem dos trabalhadores, se transformem num novo aparelho burocrático de dominação de classe. A construção correcta e eficaz do Socialismo postulará, assim, que, mesmo numa sociedade que se reclama de socialista, não se deve confundir os Sindicatos dos trabalhadores com o Partido dos trabalhadores, enquanto perdurar o Poder de Estado; e postulará, implicada-mente, que aos Sindicatos dos trabalhadores seja atribuído e garantido o direito à greve (como muito recentemente se está a verificar na China com a nova constituição políti-ca). O direito à greve tem, efectivamente, estes 3 significados principais: a) a não-confusão ou não-identificação de Sindicatos e Partido; b) a não-identificação do Partido e do Poder de Estado num aparelho central monolítico de carácter puramente administrativo-burocrático susceptível de prosseguir com a marca da dominação de classe; c) a devolução do Poder político-económico à sua verdadeira fonte: os trabalhadores, os produtores imediatos associados, visto que nem o Estado nem o Partido constituem a verdadeira fonte do Poder.

Em Portugal, a Frente Socialista Popular vê claro e certo quando escreve, na sua ‘Declaração de princípios e objectivos’, o nº 8: “A desmontagem do aparelho de dominação burguesa pela classe trabalhadora não deve significar apenas a estatização desse aparelho, sob pena do aparecimento de uma nova classe social dominante que, pela via do centralismo burocrático, retiraria toda a iniciativa e todo o poder à classe trabalhadora, ainda que agindo em seu nome”. É que o grande problema central do Socialismo reside precisamente no projecto e na preocupação constante de realizar a Democracia Económica até ao fundo! Uma Economia do Trabalho e não do Capital, ─ aí não poderá haver compromissos nem alianças. Mas sem que a resolução dos problemas económicos possa distrair ou vir a conflituar com a satisfação dos imperativos fundamentais da democratização da vida social. Em resumo: Socialismo é, fundamentalmente, Economia socialista; e Democracia política socialista é Democracia económica socialista, e vice-versa.

Testemunhando uma forte e crescente corrente no interior do Partido Comunista da União Soviética (P.C.U.S.) ─ a corrente dos chamados ‘democratas do Partido’ ─, mas sem a possibilidade de se fazer ouvir publicamente na sua pátria, visto que o seu livro foi publicado em edição original em Amsterdão-1972, Roy A. Medvedev escreve a propósito em Da Democracia Socialista (Estúdios Cor, Lisboa, p.289): “Sem a democracia interna da nossa economia, é impossível ultrapassar aquilo a que podemos chamar ‘a irresponsabilidade da direcção’ ─ esse estado de espírito em virtude do qual os operários, os empregados, os kolkhosianos e mesmo uma parte dos dirigentes das em-presas industriais ou agrícolas não têm a sensação de serem os seus dirigentes. Lembra-se que no Plenário de Dezembro de 1969 da Comissão Central do P.C.U.S. aquele estado de espírito foi apontado como sendo a principal razão do atraso da nossa econo-mia.

Actualmente, os problemas da economia socialista e da democracia socialista estão tão intimamente ligados que já não é possível abordar uns sem referência aos outros. Se não se resolver as questões económicas, não se pode abordar a solução das questões da democracia

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social, e inversamente, sem enfrentar os diversos problemas da democracia socialista não é possível resolver os que dizem respeito à economia socialista”.

Sobre este mesmo assunto, Medvedev cita em nota um excerpto de um artigo do economista soviético A. Birman, que pela sua importância transcrevemos também: “Em certos países socialistas, utiliza-se a expressão ‘estabelecimentos administrativos’. Isso significa que o estabelecimento não foi fundado por ser economicamente necessário, mas simplesmente porque a sua fundação era desejada por certos dirigentes pelas mais diversas razões.

A possibilidade de ver a planificação conduzir ao voluntarismo foi já notada por Kant que escrevia: Fazer planos é um trabalho fácil e vão que permite que nos vejamos como génios criadores e pelo qual se exige dos outros o que não se pode corrigir e se oferece o que não se consegue encontrar.

Felizmente, a economia socialista planificada possui um poderoso antídoto para o voluntarismo: é o democratismo, parte integrante do sistema socialista e da ciência. A discussão dos projectos, as conferências científicas, as reuniões largamente abertas, os concursos, etc., tais são os meios eficazes de combater o voluntarismo” (ibi, p.325).

Mais adiante, escreve ainda Medvedev: “A centralização reforça o perigo da burocracia. (…) É preciso realizar uma combinação maleável e inteligente da centralização e da descentralização, do plano e do mercado, da disciplina e da autonomia, da submissão às ordens e da iniciativa” (p.312). Só que aqui, é preciso estar em guarda para corrigir: Combinar centralização e descentralização, numa economia que se pretende socialista, não se pode traduzir na preocupação de combinar plano e mercado. O mercado deve ir-se extinguindo através da sua absorção pelo Plano. Se a descentralização significar ainda mercado, é porque o Plano não é socialista consequentemente, é porque o capitalismo continua ainda a infiltrar-se nas malhas da supostamente nova sociedade.

Haverá ainda socialistas capazes de pensar que a economia socialista (nacional) se define muito simplesmente pelos parâmetros da centralização administrativa, das nacionalizações e estatizações das empresas, do aumento da produção e da produtividade, sem o qual não haverá riqueza nacional suficiente para distribuir socialmente, dessa corrida desenfreada ao desenvolvimento tecnológico mais avançado, supondo que o segredo do socialismo reside numa tecnologia de vanguarda e na elevação do índice técnico da produtividade, e esquecendo que o aumento da produtividade no capitalismo avançado continua a trazer consigo a avalanche de desemprego, a elevação da taxa de crescimento do lucro dos capitalistas (contra o que pensam alguns marxistas apressados) e o poder cada vez mais incontrolável dos gestores?!...

“Tomar a agricultura como base e a indústria como factor dirigente” e “andar com as duas pernas” ─ de modo que o crescimento da indústria obedeça também às necessidades da agricultura, de modo que o centralismo dos planos de produção nacionais, prioritariamente industriais e por isso mais orientados para o mercado e menos para os valores de uso, não prejudique as iniciativas e a própria planificação das cooperativas e das empresas a partir das bases, segundo o princípio da descentralização administrativa e das decisões do Plano, que por natureza pode prestar maior atenção à produção de valores de uso e de bens de primeira necessidade, de modo que, numa economia planificada como é por natureza a socialista, haja um desenvolvimento equilibrado entre as duas secções marxianas da economia: a produção dos meios de produção e a produção dos bens de consumo. Parece serem esses os princípios gerais que orientam o desenvolvimento da economia chinesa. E não será esse o caminho a trilhar como sendo o mais correcto e eficaz (ainda que menos deslumbrante!) para a construção do socialismo?

11. ─ O pluralismo sindical nas ‘democracias burguesas’ e nas ‘sociais-democracias’ e o seu significado.

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Já se viu claramente a justificação da díade Sindicatos/Partido da classe trabalhadora em regime socialista, isto é, a justificação da não-confusão de Sindicatos e Partido ou da existência de duas entidades distintas. De facto, essas duas realidades sociais permanecerão distintas, na construção histórica do Socialismo, até à sua fase final ─ o comunismo. Deverão realmente permanecer distintas enquanto o Poder de Estado não estiver definitivamente extinto, enquanto o Poder político-económico de toda uma Sociedade não estiver efectivamente nas mãos dos trabalhadores, quer dizer, nas mãos dos produtores imediatos associados.

Impõe-se, por conseguinte, ‘a fortiori’ aquela díade nas sociedades de transição do capitalismo para o socialismo. Especificamente por quê? ─ a) Porque nessas sociedades o poder económico e o poder político, rumo ao Socialismo que devolverá o Poder total à classe trabalhadora, ainda não estão identificados, mas somente a caminho da sua identificação; b) porque, no caso de nessas sociedades haver pluralidade de Partidos políticos e não podendo ser estes Partidos como tais rigorosamente marcados por uma pertença de classe (classe antagónica em última análise, visto que na histórica luta de classes, a clivagem das diversas classes ─ subclasses ─ conduz-nos apenas a duas classes antagónicas: capitalistas e patrões, de um lado, e proletários-operários do outro, ex-ploradores e opressores de um lado, e explorados e oprimidos do outro), mais se impõe Sindicatos de trabalhadores verdadeiramente politizados e autónomos em relação aos Partidos políticos, sempre atentos e pressurosos em tentar manipular os trabalhadores em seu benefício. A autonomia dos Sindicatos dos trabalhadores é tanto mais necessária e urgente quanto mais se verifique na cena política pluralidade de partidos que preten-dam, todos eles, reclamar-se da classe operária e das massas trabalhadoras. Pois só a classe operária e as massas trabalhadoras bem como a sua luta sindical político-económica deverão julgar e escolher em última instância o Partido que verdadeiramente defenda os seus interesses e esteja efectivamente ao seu lado, e de modo algum os caciques burgueses ou pequeno-burgueses de Partidos que outra coisa não fazem senão enganá-las.

Posto isto, podemos agora perguntar: Que significa o pluralismo sindical ou sindicalismo pluralista e o que pretendem todos aqueles que defendem semelhante tese? Sabese já que o pluralismo sindical se enquadra, como peixe na sua própria água, precisamente nos regimes políticos definidos como ‘democracia burguesa’ ou ‘social-democracia’, a qual não passa de uma ‘democracia burguesa’ para todos os efeitos, ─ democracia essa, não se esqueça, que é precisamente a ditadura da burguesia sobre a classe operária, sobre a grande massa dos trabalhadores. ‘Democracia burguesa’ ou ‘social-democracia’ significa economicamente capitalismo, progressão e expansão do capitalismo em formas consideradas cada vez mais abertas e avançadas socialmente (por exemplo, segurança social, participação dos operários nos lucros das empresas, pseudo-cogestão das empresas, etc.), mas sempre em função e benefício dos patrões, dos detentores dos meios de produção e do capital. É por isso que a ‘socialdemocracia’ tenta escamotear sempre por todas as formas e feitios o reconhecimento histórico das duas classes antagónicas, a luta de classes e as suas consequências, e adopta sempre como estratégia político-social a tese da conciliação das classes antagónicas.

Compreende-se claramente a razão por que a ‘social-democracia’ luta desesperadamente pela tese do pluralismo sindical, isto é, pela existência de vários sindicatos e Centrais ou Confederações sindicais diversificados(as) segundo as várias filiações ideológicopartidárias. O processo é simples: escamoteou e tentou ocultar a luta a luta das classes antagónicas e bateu-se pela tese da conciliação (valeu-se, para isso, do estratagema de distinguir e separar a luta económica, sindical, da luta política, partidária, como se na realidade os partidos burgueses da ‘social-democracia’ não se interessassem pelos problemas económicos!...); instituiu uma pluralidade de partidos em nome da ‘democracia’, alguns dos quais se dizem até defender (ilusória e falsamente) os interesses da classe trabalhadora; instituiu, correlativamente,

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uma pluralidade de sindicatos de trabalhadores, onde se pode meter tudo no mesmo saco (jornaleiros, pequenos, médios e grandes-proprietários agrícolas, operários, empregados, profissões liberais e até patrões, capatazes e gerentes de empresas), ─ e isso igualmente em nome da ‘democracia’, como se o capital e o capitalismo pudessem algum dia funcionar democraticamente!... Surgiram assim os chamados ‘sindicatos paralelos’ da ‘democracia burguesa’ e da ‘social-democracia’: sindicatos que não passam de cavalos-de-Tróia e de puros es-pantalhos nas mãos manipuladoras dos partidos burgueses ou aburguesados e de pontas de lança no mundo do trabalho para a dominação da burguesia capitalista.

O pluralismo sindical, ou seja, a pluralidade de associações sindicais diferenciadas ideológica e partidisticamente só conduz à dispersão e à inoperância, ao esfacelamento e à manipulabilidade da luta da classe trabalhadora (e do Partido que a ela está verdadeiramente ligado) contra o capital e o patronato, em favor da classe dominante.

Se vemos partidos, que se reclamam das massas trabalhadoras, a defender ‘per fas et nefas’ o pluralismo sindical, em nome da ‘democracia’, da ‘liberdade de associação sindical’, e até em nome de uma insistente e pertinaz ‘autonomia’ (mentirosa e falsa) da actuação sindical face à actuação dos partidos políticos (é o cúmulo!), há que estar em guarda, pois esses partidos não passam de partidos burgueses encapotados, e a famigerada ‘autonomia’ sindical não passa de uma mistificação, punhados de areia atirados aos olhos dos trabalhadores. A verdadeira autonomia dos Sindicatos e da sua luta político-económica em relação ao Partido da Classe trabalhadora já se viu atrás qual era. Vanguarda e massas trabalhadoras não se confundem; assim, Partido da Classe trabalhadora e Sindicatos de trabalhadores não devem confundir-se. A sua união não confunde, diferencia-os e estabelece a sua correcta ligação. A verdadeira vanguarda só existe enquanto gerada pelas massas trabalhadoras e suas organizações sindicais, en-quanto sua expressão viva e directa.

Porfiam esses partidos burgueses em defender que todas as decisões sindicais, a constituição dos delegados e dos órgãos directivos, e o próprio estabelecimento da Lei Sindical Nacional se processem à boa maneira democrático-burguesa do sufrágio secreto e universal, quer ao nível das bases dos sindicatos, quer ao nível do Parlamento. Como se alguma vez esse sufrágio secreto da democracia burguesa houvesse sido universal, no sentido intensivo, isto é, da sua radicação à verdadeira condição de classe do votante, e não apenas no sentido puramente extensivo. Ora o sufragismo (e o eleitoralismo) é a arma mais poderosa da democracia burguesa e dos partidos políticos burgueses, pela sua imensa capacidade de enganar legalmente os incautos e os ingénuos. Essa arma é preconizada e utilizada com mais pertinácia e habilidade precisamente nas situações e nas sociedades de transição do capitalismo para o socialismo. Há que pôr-lhe cobro, desmitificando-a, e gritar bem alto que não há mudança verdadeira de uma socie-dade para outra sem Revolução, sem actuação revolucionária. É por isso que o M.F.A. tem inteira razão ao proclamar bem alto que, na actual situação portuguesa, os verdadeiros democratas são os democratas revolucionários e não, podíamos concluir, os democratas sufragistas e eleitoralistas.

Mas a acção revolucionária não se dá sem uma actuação político-económica, global e portanto revolucionária, dos sindicatos dos trabalhadores; e essa actuação global e revolucionária não será eficaz e consequente sem um verdadeiro Partido da classe trabalhadora, como já se viu atrás, ─ Partido que funciona como vanguarda política da luta sindical dos trabalhadores e, em certos momentos de crise, como vanguarda orga-nizadora da própria luta político-económica dos sindicatos. Compreende-se a razão por que o reformismo das ‘sociaisdemocracias’, que surge sobretudo no domínio político e muito especialmente nessa obsoleta instituição social burguesa que se chama o ‘Parlamento’, e o anarquismo sindical ou anarcosindicalismo, também chamado ‘sindicalismo revolucionário’, que rejeita toda a acção ‘política’

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e pensa operar uma transformação revolucionária da sociedade somente através da luta sindical reduzida ao simples campo económico, ─ se apresentam de facto como dois irmãos gémeos que é muito fácil confundir: é que ambos têm em comum o facto de negarem a necessidade, real e actual, de uma política independente e antiburguesa do proletariado.

Pensar, como fazem os ‘sindicalistas-revolucionários’, que o fortalecimento crescente do poder operário pelos e nos sindicatos é capaz de provocar automaticamente o enfraquecimento crescente do poder económico e político da burguesia sob a pressão da actividade sindical ─ é um puro logro, é o mito soreliano e bakuninista do séc. XIX, que o Processo histórico já se encarregou de desmitificar. Efectivamente, “o apolitismo dos ‘sindicalistas-revolucionários’ não quer considerar os operários senão como produtores e como sindicalizados. Se isto significasse apenas que, como eleitores, eles só podem deixar-se enganar pela burguesia, estaria muito bem. Mas isto é esquecer que as manifestações políticas supremas não são de modo nenhum (…) as eleições (como o proclamam os reformistas), mas as guerras e as revoluções. O mais belo ‘apolitismo’ do mundo cai perante este simples facto de que são principalmente os operários que fornecem os efectivos dos exércitos imperialistas, e que são eles que fazem as revoluções” (Roger Dangeville, Sindicalismo I, K. Marx F. Engels, Porto, ’74, p.14, nota).

12. ─ Ainda sobre a relação Sindicatos de classe dos trabalhadores/Partido do proletariado.

Em 1847, Marx e Engels escreviam no Manifesto: “Por vezes os operários vencem, mas o seu triunfo é efémero. O verdadeiro resultado da sua luta não é o sucesso imediato, mas a união crescente dos operários”. É que ─ repetia Marx desde 1847 ─ “mais que do seu pão, o proletariado tem necessidade da sua coragem, da sua confiança em si, do seu orgulho e do seu espírito de independência”. E por quê? ─ Para não se amofinar pela satisfação imediata das suas reivindicações económicas e para levar a bom termo a sua luta global pela instauração de uma sociedade nova sem classes. Fomentar essa luta e corrigi-la sempre que for necessário, dimensionar e perspectivar cor-rectamente o processo revolucionário, de modo que nunca se perca a atenção à meta final ao longo das etapas a percorrer, ─ tais são as funções essenciais do Partido da classe trabalhadora.

“Se o partido de classe deve exercer uma influência política e revolucionária sobre o movimento económico do proletariado, o movimento económico do proletariado deve constituir a base vital do partido político de classe” (R. Dangeville, ibi, p.12). Poder-se á, pois, comparar a relação Sindicatos/Partido à relação motor/bússola do navio em viagem no alto mar.

Assim, “o partido revolucionário não suscita as lutas dos operários: a origem e a causa da luta de classe encontram-se espontaneamente nas contradições económicas e sociais do modo de produção e distribuição capitalista. Em contrapartida, o sucesso destas lutas está condicionado essencialmente pela organização da classe vinda do próprio seio dessas lutas, isto é, pelo nível de consciência e pelas directrizes políticas, tácticas e sociais. Que o partido do proletariado seja ou não revolucionário, isso determinará o resultado final das lutas de classe ‘espontâneas’. Por outras palavras, as lutas do prole-tariado não seguem um impulso acidental, intemporal e racional, obedecem a factores ao mesmo tempo económicos e políticos, a factores produtivos como a factores de consciência, de método e de organização, que o partido político concentra e assegura ao má-ximo” (R. Dangeville, ibi, pp.13-14).

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III CARACTERÍSTICAS ESSENCAIS DOS VERDADEIROS SINDICATOS DE TRABALHADORES E ESBOÇO DAS PRINCIPAIS CONCEPÇÕES SINDICALISTAS A luta de classes não é um facto histórico episódico e conjuntural, mas o facto histórico por excelência; ─ Facto histórico que constitui a própria lei permanente e constante do Processo histórico e que por isso desempenha o papel de motor da História. Daí que nenhum cientista social, com espírito e método objectivos, nenhuma análise sócio-histórica e nenhuma análise política o possam ignorar ou iludir.

Verdadeiros Sindicatos de Trabalhadores são, pois, organizações sócio-económicas e políticas dos trabalhadores que se constituem para defesa comum dos interesses colectivos da classe operária e do proletariado em geral contra a classe patronal e os capitalistas em geral, no campo da luta sem tréguas entre o Trabalho e o Capital, e com o objectivo político da instauração de uma sociedade em que os trabalhadores sejam efectivamente os seus dirigentes, uma sociedade sem classes onde já não existam exploradores e explorados, opressores e oprimidos.

Assim, os verdadeiros Sindicatos de Trabalhadores apresentam as seguintes características essenciais: a) São organizações em movimento, que funcionam lutando contra o capital e a sociedade da exploração e da opressão; não são, por conseguinte, associações estáticas de uma suposta ‘sociedade da ordem estabelecida’. A greve, que é a sua arma principal, define bem o carácter dinâmico dessas organizações. b) São organizações de classe; o carácter de classe é essencial e decisivo. Por isso, o critério de caracterização e distinção de classe em confronto com a classe antagó-nica ─ o patronato e os capitalistas ─ é absolutamente prioritário, em relação, por exemplo, à distinção e agrupamento segundo categorias sócio-profissionais. É por isso que relevam de superficialidade, insensatez e traição aos trabalha-dores as Convenções da Organização Internacional do Trabalho, que pretendem ser aclassistas do princípio ao fim. Por exemplo, a Convenção nº 87 sobre a Liberdade Sindical e a Protecção do Direito Sindical, de 17/VI/1948, não se cansa de repetir a ex-pressão: “As organizações de trabalhadores e de patrões…”; e, a rematar a I Parte, exara no art. 10: “Na presente convenção, o termo ‘organização’ significa toda a organização de trabalhadores ou de patrões que tenha como objectivo promover e defender os inte-resses dos trabalhadores e dos patrões”. Não aparece a mínima referência à diferenciação de classe. Que se escreve e ou ou dá no mesmo, como prova qualquer análise semântica de texto e contexto. Escamoteia-se sempre a expressão que seria normal nesta matéria: ‘organização sindical’, apesar de o título desta convenção como de outras

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da O.I.T. apresentar o termo ‘sindical’. Em suma, metem-se operários e patrões no mesmo saco!... Em resumo, é o resultado da análise da ‘composição orgânica do capital’ no sistema capitalista!... Não se poderia esperar outra coisa, sabendo-se como foi preparado esse cozinhado histórico da O.I.T. após a II Grande Guerra Mundial! c) São organizações de massas: o seu carácter massivo não se compadece com os métodos do sufragismo secreto e universal da democracia burguesa, mesmo para a eleição dos delegados sindicais e dos órgãos directivos, e muito menos para as decisões colectivas imediatas e para as actuações espontâneas. d) São organizações unitárias: se têm força capaz de promover e desencadear acções colectivas de massa, como por exemplo as greves, é justamente porque mantêm uma unidade psico-sociológica motora de tais acções. É por essa razão que toda a dis-persão da organização sindical dos trabalhadores por diversos blocos sócio-políticos ou sócio-religiosos, toda a divisão interna da organização sindical, só podem contribuir para o esfacelamento e a derrota da luta dos trabalhadores contra o seu inimigo comum de classe. e) São organizações democráticas: constituem-se efectivamente por processos democráticos em todos os seus escalões, através de plenários e assembleias gerais; e evitam ainda os vícios e os ‘pró-formas’ típicos dos processos democrático-burgueses. f) São organizações arreliosas e apartidárias: esta é uma exigência que procede da natureza da sua luta e das suas finalidades e constitui precisamente o aval do seu carácter unitário. O sindicalizado poderá ter a sua religião e o seu partido político ─ o que evidentemente couber dentro das suas preocupações sindicais de luta; mas a organiza-ção sindical como tal não tem outra preocupação senão fazer uma política consequente de classe. É insensato e apoucador da luta sindical dos trabalhadores organizados como classe supor que eles se vão deixar domar e arregimentar por um partido, sobretudo quando esse partido ainda não é precisamente o seu! E mesmo quando o for, tal não deverá acontecer.

Esboço resumido das principais concepções sindicalistas: É óbvio que falamos dos Sindicatos de Trabalhadores. Os ‘sindicatos de patrões’ sdesignam-se, em linguagem correcta, por outro nome, para não haver confuões!... Podemos alinhar as principais concepções de sindicalismo em 4: 1) a concepção ‘anarco-sindicalista’ ou também conhecida por ‘sindicalismo revolucionário’; 2) o sindicalismo ‘de conciliação’ ou reformista; 3) o sindicalismo ‘corporativo-fascista’; 4) o sindicalismo de classe, marxista, consequentemente revolucionário. Antes da fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores em 1864, a movimentação e organização sindical dos trabalhadores procediam e tomavam corpo em associações profissionais de resistência ou em agrupamentos de trabalhadores que se atrelavam à política de partidos liberais ou de tendências socializantes. É neste contex-to ─ deve observar-se cuidadosamente ─ que Marx convence o Congresso de Haia da Internacional a aceitar a ideia do Partido operário como instrumento necessário da conquista do poder político e da construção de uma sociedade socialista. É importante atentar nesse contexto, para verificar o que há de positivo na concepção anarco-sindicalista e, no extremo oposto, o que há de negativo no pluralismo dos partidos da classe operária.

Posteriormente ao desaparecimento da 1ª Internacional, generalizou-se em diversos países a formação de vários ‘partidos operários’. Esta proliferação de partidos que se reclamavam da classe operária significou ‘ipso facto’ a castração da luta revolucionária global, simultaneamente económica e política, dos trabalhadores: a prioridade das atenções prestada às formações políticas e respectivos programas sobre a verdadeira luta global da classe operária; a implicada separação estratificada entre a luta política e a luta económica; a pluralização das organizações sindicais a par da pluralização dos partidos políticos, transformando estes aquelas em puras correias de transmissão da sua actuação; o voluntarismo dirigista dos partidos que

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acaba por negligenciar e postergar a análise e a programação políticas objectivas e científicas; o mandarinato e o dirigismo cupulista, em parcial ou total cisão das massas, tanto das direcções dos partidos como das centrais sindicais; a demagógica corrida às eleições e a confiança inabalável na pedra filosofal do Parlamento; o santo-e-sanha das coligações políticas ou governamen-tais; em suma, o reformismo político e a teoria da conciliação político-económica entre as duas classes sociais antagónicas, bem como o revisionismo desse método e dessa ciência que é o Marxismo, verdadeiro ‘guia da acção proletária’.

O esquema revolucionário correcto e consequente será, por conseguinte: uma só Organização sindical dos trabalhadores, dirigida pelos próprios trabalhadores desde a base ao topo; um só Partido da classe trabalhadora. Só assim poderá haver verdadeira autonomia da Organização sindical e a desejada união revolucionária de Sindicatos e Partido, porquanto a união não confunde mas diferencia. O Sindicato será o motor, o Partido a bússola. O que nunca pode acontecer é que o Sindicato ande a reboque do Partido.

Quando os partidos que se dizem dos trabalhadores se situam no governo ─ a menos que se esteja decisivamente perante um salto qualitativo para a sociedade socialista com uma constituição política socialista ─, eles devem saber que põem ‘ipso facto’ na oposição a Organização sindical dos trabalhadores, à qual fizeram promessa de estar unidos. É por isso que o verdadeiro Partido de classe dos trabalhadores se deve situar na oposição até que tal possa acontecer. Se, ao contrário, o partido dito da classe operária se situa no governo antes de tal acontecer, deve saber ao menos que se vê obrigado a ‘aceitar a ordem democrática estabelecida’, ou seja, a ordem capitalista e burguesa (o P.C.P. reconheceu-o claramente no seu último Congresso Extraordinário de Out./74, correndo necessariamente os seus riscos).

Negativamente, os anarco-sindicalistas rejeitam a necessidade do partido político para a conquista do Poder e bem assim a necessidade da ditadura do proletariado para assegurar o triunfo da revolução. Porfiam em pensar e actuar como se a acção ‘sindical’ possa ser só por si revolucionária. Ora se não há Revolução sem acção de massas e sem consciência de classe, não só ‘em si’ mas também ‘para si’, as massas não se põem em movimento com verdadeira e plena consciência de classe sem a acção da vanguarda revolucionária. E essa vanguarda revolucionária é constituída precisamente pelo partido da classe trabalhadora.

De resto, a história das revoluções socialistas têm provado sobejamente a necessidade do Partido político revolucionário da classe trabalhadora para a conquista do Poder em benefício das massas trabalhadoras. Isto percebe-se perfeitamente se tivermos em conta que a gestação e a consolidação da sociedade socialista se processam dialecticamente a partir da sociedade capitalista e burguesa, cuja estrutura cultural separa em dois hemisférios o político e o económico e cuja estrutura político-social estabelece como entidades distintas (ainda que só para a plateia…) sindicatos e partidos. Quanto à ditadura do proletariado, supomos que os anarco-sindicalistas esclarecidos já possuam um conceito crítico e não ingénuo dessa instituição sócio-política. Ela não significa senão a democracia dos trabalhadores, a democracia popular.

Era correc-ta e fecunda a palavra d’ordem ‘todo o poder aos sovietes’, isto é, todo o poder aos conselhos do povo, da ditadura do proletariado implantada na U.R.S.S. pela Revolução de Outubro de 1917. Se essa ditadura acarretou consigo uma grave degenerescência na realização do socialismo na União Soviética, não foi por causa dela mesma, mas por causa dos ‘ditadores’ que exerceram a projectada democracia popular, entre outros fac-tores mais complexos…

Concluindo: os anarco-sindicalistas, ou se confinam numa luta reivindicativa meramente económica, ou, quando assumem uma actuação revolucionária, não têm meios de serem consequentes e eficazes, no processo revolucionário. Na melhor das hipóteses poderiam chegar a um ‘socialismo’ cooperativista, que de socialismo só tem o nome; não é sem razão que os anarco-sindicalistas repudiam por norma a estatização ou a nacionalização seja de que

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empresa for. O sindicalismo ‘de conciliação’ entre a classe trabalhadora e a classe patronalcapitalista ou também chamado sindicalismo reformista, democrático-formal e parlamentarista, é o tipo de sindicalismo preconizado e defendido pertinazmente pelas sociais-democracias e por aqueles partidos que se reclamam das massas trabalhadoras mas que se aburguesaram, adoptando a linha revisionista. É evidente que esta concepção da organização sindical dos trabalhadores não é efectivamente dos trabalhadores; posterga a existência das duas classes antagónicas e está sempre solícita a eliminar a luta revolucionária de classe dos trabalhadores; presta mais atenção às categorias sócio-profissionais dos trabalhadores e à sua diversidade hierarquizada do que às comuns raízes de classe dessas categorias profissionais. É neste contexto que surgem os chamados ‘sindicatos paralelos’ que já analisámos atrás. “Os chefes sindicalistas reformistas tornam-se no movimento operário os porta-vozes da burguesia, segundo a qual a classe operária e os patrões estão da mesma forma interessados na produção e o movimento grevista pre-judica na mesma medida o operário e os dirigentes das fábricas. É uma grande misti-ficação e um dos principais slogans da diversão ideológica e política que os revisio-nistas e os reformistas desenvolvem no seio da classe operária” (in Albanie d’aujourd’hui, Maio-Junho de 1974).

Em resumo, o sindicalismo ‘de conciliação’ ou reformista é um sindicalismo aclassista, não-revolucionário, e a sua ‘contestação’, visto que acaba por ser puramente económica, integra-se maravilhosamente na ‘ordem-desordem estabelecida’ do capitalismo. Vejam-se os chamados sindicatos ‘de controle’, como existem nos E.U.A., onde as organizações sindicais nem sequer promovem a contestação do sistema económico em si mesmo.

O sindicalismo corporativista ou ‘corporativo-fascista’ ‘corrige’ e acrescenta ao sindicalismo ‘de conciliação’ ou reformista 2 notas diferenciantes: exclui por completo, político-juridicamente, a luta de classes; integra, ainda formalmente distintas no sindicalismo ‘de conciliação’, as organizações dos operários e dos patrões em corporações únicas, legalisticamente estatuídas e impostas pelo Poder de Estado e asseguradas pelas forças policiais. Se alguma distinção aceita, nessa brutal e despótica unicidade organizativa, é tão só a das categorias profissionais, e somente na medida em que elas pos-sam fomentar o elitismo, as desigualdades rivalizantes, e a rígida hierarquia social desde a base ao topo. Nos seus alicerces, está a teoria de organização da sociedade que dá pelo nome de biológico-organicista, historicista, totalitária.

Covilhã, Janeiro de 1975 (segunda quinzena).

(Texto preparado para discussão e esclarecimentoem Comissões de Trabalhadores e Sindicatos).

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PORTUGAL 25 DE ABRIL DE 1975: RUMO À CONSTRUÇÃO DA NOVA SOCIEDADE ─ A SOCIEDADE SOCIALISTA

ALGUMAS TESES E REFLEXÕES PRÁTICO-TEÓRICAS 1. ─ SOCIALISMO significa e postula, essencialmente, que a produção, circulação, distribuição e consumo dos bens, tanto materiais como mentais, estão nas mãos dos trabalhadores directos associados; e que, por conseguinte, a Sociedade Socialista terá de inscrever, nos seus objectivos primordiais, não só a eliminação de todas as espécies de lucro capitalista e de todas as hierarquias formais, como também e sobretudo a promoção da Organização da produção, distribuição e consumo pelos próprios Trabalhadores associados.

2. ─ A SOCIEDADE SOCIALISTA terá de eliminar, portanto, todas as formas de parasitismo ─ económicas, sociais, culturais e políticas ─ dos mal chamados ‘traba-lhadores indirectos’, quer aquelas se apresentem dentro dos mais variados modelos do capitalismo liberal, quer dentro dos modelos do pseudo-socialismo capitalista de Estado que implicaram inevitavelmente a formação de uma nova ‘classe média’ de burocratas da administração e dos quadros. É por isso que o rumo indefectível da Sociedade Socialista e a prova decisiva da sua autenticidade são precisamente a construção da Sociedade-sem-Classes, no Comunismo.

3. ─ Não há Revolução Cultural possível e eficaz sem Revolução política e sócioeconómica. Mas uma autêntica Revolução para a instauração de uma Sociedade socioeconomicamente socialista não se poderá levar a efeito sem uma profunda Revolução Cultural. Pretender construir o Socialismo sem uma transformação revolucionária na Cultura significa sepultar a Revolução socialista, se não a médio pelo menos a longo prazo. “A coincidência da modificação das circunstâncias e da actividade humana ou automodificação só pode ser considerada e compreendida racionalmente enquanto praticamente revolucionária” (K. Marx, Teses sobre Feuerbach, III). Simultaneidade de transformação de estruturas e instituições da vida em sociedade e do comportamento psico-sociológico dos Humanos como agentes da História ─ é isso mesmo a Revolução, o núcleo do Processo revolucionário. E como esse momento revolucionário está longe de detonar para todos ao mesmo tempo, apesar das

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alterações de estruturas e instituições impostas pela vanguarda revolucionária, é óbvio que a Revolução Cultural e a sua necessidade se vêm a fazer sentir sempre no Processo histórico da Revolução, sob pena de esta estabilizar e retrogradar. E sempre que a Revolução socialista estabilize ela abre o caminho ipso facto ao processo contrarrevolucionário.

Mas importante e decisivo na transformação revolucionária da Cultura dentro do Processo global da Revolução socialista é que essa transformação seja operada, não sectorialmente ou por ‘via paralela’ à transformação das estruturas económicas e políticas, não por pressão política-arregimentadora e gregarizante, não de modo paternalístico, mas a partir das próprias zonas socioeconómicas que são prioritárias para a reprodução da vida humana, dimensionada pelo modelo da nova Sociedade a instaurar que serão totalmente abolidas a exploração e a dominação do homem pelo homem.

4. ─ Apesar do justo, estrategicamente acertado e fecundo grito de Marx e Engels ‘Proletários de todos os países: uni-vos!’, o facto sócio-histórico irrecusável é que, desde que, nos inícios da Idade Moderna, o Velho Mundo acordou do sono e do sonho da Idade Média para a descoberta dos Novos Mundos, desde que a velha Europa se constituiu em unidades nacionais autónomas e soberanas para marchar logo e impli-cadamente em demanda da colonização de novos países já descobertos ou a descobrir, o internacionalismo proletário e o seu justíssimo projecto de construção imediata de uma Sociedade socialista-Comunista mundial se viram desde logo confinados à necessidade de ter de construir primeiro o Socialismo à escala das unidades nacionais.

Significou isso que a História impôs, deterministicamente, que a realização do Socialismo e do Comunismo à escala mundial tivesse que passar pela construção do Socialismo dentro das diferentes unidades nacionais. E nem sequer o contemporâneo capi-talismo tentacular das multinacionais conseguiu alterar esse processo histórico, pelo lado negativo da exploração e opressão multinacionais do proletariado, apesar de utilizar e manipular os Governos das nações satelitizadas como ‘cavalos de Tróia’ ou simples fantoches. Ganha assim um sentido histórico incontroverso a famosa tese de Lenine contra Trotsky: a construção do Socialismo num só país.

Aquele, realista, este, romântico. Mas o primeiro país socialista ─ a União Soviética ─, também ele começou a satelitizar novos países que acediam ao Socialismo, em última análise porque o que imperava e ainda impera à escala mundial é o modo de produção capitalista e a economia de mer-cado.

A política nacional e internacional dos chamados ‘países não alinhados’, que nascera na Nova China de Mao e na Jugoslávia de Tito devido aos confrontos e divergências, teóricos e práticos, com o paradigma do socialismo soviético de Estaline, e que se alargou depois a outros países nas Conferências de Bandung e Belgrado ─ política essa que se definiu por oposição simultânea aos dois blocos em confronto (os países capitaneados pelos U.S.A. e os capitaneados pela U.R.S.S.) ─, veio confirmar e fortale-cer aquele parâmetro na construção do Socialismo: o primeiro projecto da Construção do Socialismo tem de realizar-se à escala nacional, no quadrante da unidade nacional. Assim, o Projecto Socialista é, antes de tudo, um Projecto nacional, capaz de respeitar a identidade de cada nação e exigindo, consequentemente, a autonomia nacional e bem assim a independência da nação sob todos os pontos de vista: geográfico, militar, económico, social, político e cultural. Nesta óptica, a independência nacional constitui mesmo a tese primordial e a pedra de toque da possibilidade e capacidade de realizar o Socialismo à escala de cada nação. Não farão, pois, sentido, cópias ou decalques de modelos estrangeiros.

5. ─ Não é livre o Povo que oprime outros Povos. Das relações dialécticas recíprocas entre o país colonizador e os países colonizados: ─ Foram as nossas ex-colónias e os seus Movimentos de Libertação nacional que nos impeliram historicamente a derrubar e destruir o

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fascismo e a dominação colonial, inseparável daquele. A dominação e colonização fascistas colonizaram também, no sentido real, o Povo português. Colonizados os povos das colónias e igualmente colo-nizado o povo da metrópole ─ é nesta situação dramática, já de todo em todo in-sustentável (o fascismo caiu de crapulosamente podre), que surge o M.F.A, naturalmente aliado aos Movimentos de Libertação das colónias, como incarnação da Vontade e do Projecto de Libertação nacional de todo um Povo.

A dominação colonial portuguesa sobre os territórios ultramarinos caracterizou--se sobretudo, a partir das últimas duas décadas, pela sua função de ‘cães de guarda’ do capitalismo internacional e do bloco imperialista norte-americano. A metrópole colonizadora nada ou quase nada retirava dessa dominação. Ao contrário, esbanjava na guerra colonial 50 % do orçamento nacional. Como seria então possível uma solução neo-colonialista para os problemas da Descolonização?! Só na hipótese aberrante e antinacional de o capital estrangeiro continuar a colonizar a metrópole. Desta situação decorrem vários postulados: 1º o ‘status’ económico e social da metrópole e das ex-colónias é análogo, nas suas linhas de fundo; 2º num lado e no outro, face a uma economia capitalista em ruínas, a solução correcta e viável não pode ser outra senão a do Socialismo consequente; 3º tanto num lado como no outro, a independência nacional não se construirá senão na base da independência económica, e esta não será realidade, nos dias de hoje, senão em sistema socialista; 4º a sorte da metrópole joga-se nas novas nações e a sorte destas joga-se naquela, numa íntima reciprocidade de acção. É neste painel histórico que podemos reconhecer uma das mais típicas originalidades, quer de um novo processo de descolonização quer de um golpe de Estado antifascista (25 de Abril de ’74) que, a partir do 28 de Setembro virou em exigência de Revolução socialista, para, a partir do 11 de Março de ’75, a começar seriamente a concretizar como primeira determinação sociológica. Processo de descolonização completa nas ex-colónias e Revolução socialista na metrópole que constituem a mesma e indissolúvel realidade, sob a mesma ideia-motriz: a completa independência nacional. E dois corolários resultaram deste duplo e recíproco processo: a) alianças privilegiadas da me-trópole com as novas nações de expressão lusíada; b) e a natural política internacional de ‘não-alinhamento’, quer para Portugal quer para as novas nações.

6. ─ Socialismo ‘de escassez’ ou Socialismo ‘de abundância’? É sabido que o Socialismo, além da democracia política, implica necessariamente a democracia social e, fundamentalmente, económica, quer dizer, a democracia da produção e do consumo. É igualmente sabido que a implantação e construção do Socialismo não é apenas o resultado ou a solução determinística de condições caóticas ou caotizantes da economia, ─ o resultado fatal do ‘colapso’ de um capitalismo em ruínas. Essa é a concepção falsa, porque economicista, do Socialismo e das suas condições históricas de implantação e construção! A construção do Socialismo implica necessariamente uma decisão, um propósito deliberado, alargado e organizado à mais ampla escala de toda uma sociedade, um Projecto consciente de edificação de uma Sociedade inteiramente Nova.

Pretender reafirmar com Marx a inviabilidade e a impossibilidade de construir o Socialismo sobre uma economia de penúria ou escassez é fazer uma leitura mecanicista do Marxismo. Conhece-se bem a polémica de Marx e Engels com os socialistas utópicos: estes preconizando a construção do Socialismo mesmo sobre uma economia de escassez e miséria e apontando modelos como os falanstérios de Fourier ou as ‘comunas' de Owen, aqueles defendendo o socialismo científico. Mas, uma leitura correcta e completa do Marxismo não nos pode levar à admissão da tese de que só seja possível construir o Socialismo sobre uma economia ‘de abundância’. Os exemplos de revoluções socialistas que a História tem registado, desde a Rússia, à China, a Cuba, até têm demonstrado precisamente a tese oposta.

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Os pontos fundamentais e decisivos que opõem o socialismo científico aos utópicos não se situam aí, no dilema entre ‘economia de penúria’ e ‘economia de abundância’ como pontos de partida para a implantação do socialismo, mas em perspectivas mais amplas: ─ Enquanto os utópicos pensam a economia socialista sobre o ‘pivot’ da distribuição igualitária da riqueza, escamoteiam a luta de classes, pregando religiosamente a conciliação de classes, invocam os imperativos paternalísticos da caridade e do bem-fazer e se socorrem dos exemplos das ‘comunidades’ religiosas da antiguidade, argumentando com uma fraternidade mistificada, e nada mais conseguem, na melhor das hipóteses, senão pequenas ilhas ‘socialistas’ de autogestão comunitária no ‘mare magnum’ da exploração capitalista; os socialistas científicos concebem a economia as-sente no ‘châssis’ da produção associada dos bens, praticada segundo o princípio ‘a trabalho igual salário igual’, verificam e reconhecem em toda a sua amplitude a luta das duas classes antagónicas, invocam os princípios da Justiça social e da Igualdade real entre os homens, promovem uma Fraternidade e uma Liberdade reais, instauram a auto-gestão dos Trabalhadores não só ao nível das unidades empresariais mas também à escala nacional (mediante um Governo Popular), promovendo assim a realização do Socialismo à escala internacional e mundial (Solidariedade internacional de todos os proletários).

Se Marx e Engels rejeitaram a hipótese da ‘economia de penúria’ como ponto de partida histórico para o Socialismo, não foi por terem admitido como única hipótese possível, no dilema em causa, a ‘economia de abundância’, mas por terem verificado, no seu tempo, a hipótese da ‘economia de penúria’ intrinsecamente enquadrada na concepção e no modelo de Socialismo preconizados pelos utópicos. Por outro lado, Marx alimentou a esperança e a previsão (‘quod volumus facile credimus’) de que a Revolução socialista havia de explodir no país mais rico e industrialmente mais avançado (a Grã-Bretanha), visto que era aquele onde o proletariado era mais numeroso e consciente, irradiando daí, como num processo em cadeia, para os outros países mais atrasados. Ora não foi isso que aconteceu historicamente. ─ Aqui, pensamos que o que fez gorar a previsão de Marx foi precisamente o não ter prestado atenção ao condicionamento limitativo da dimensão das unidades nacionais na implantação e construção do Socialismo.

Portugal actualmente: ─ Numa economia arruinada como a nossa e já afectada pelo bloqueio internacional (continuamos a importar e a consumir mais de metade do que produzimos), pretenderem os assalariados uma fatia cada vez maior de um bolo cada vez mais pequeno, através de greves ou outros processos reivindicativos, pode constituir um facto grave e desviante no Processo revolucionário: significa isso sucumbir à falseante preocupação distribucionista dos utópicos. A construção do verdadeiro Socialismo está a exigir, neste momento em Portugal, como preocupação prioritária, o aumento da produção e o reforço da utilização das capacidades de produtividade. Mas não só. É preciso também ─ e isso é decisivo ─ que a Produção, organizada nacional e localmente (nacionalizações, Plano económico, coordenação nacional e regional, gerência e administração das unidades empresariais por Comissões de Trabalhadores), passe verdadeiramente para o controlo dos Trabalhadores. É condição indispensável para que se active o renascimento da actividade económica num rumo socialista correcto.

Industriais da C.I.P. e agentes estrangeiros do capital imperialista dizem que “seria sem dúvida mais fácil inventar em Portugal um novo mecanismo de iniciativa privada que organizasse um capitalismo de Estado original” (in Le Monde, transc. em Diário de Lisboa, 28/IV/75). Também eles sabem que o Socialismo é precisamente a via mais difícil; também eles sabem que a ‘economia d’abundância’ como desejo social prioritário pode destruir ou desviar o caminho para o Socialismo; também eles sabem que o capitalismo de Estado é uma esfinge capaz de servir à partida Gregos e Troianos!... No último quartel do séc. XX, em que já dobra

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a finados o mito das ‘economias d’abundância’, a falsa alternativa entre ‘socialismo de penúria’ e ‘socialismo de abundância’, que tão fanaticamente começa a ser matraqueada neste país, conduzirá, isso sim, e inevitavelmente, à recuperação capitalista da economia nacional, à recolonização do país por parte do capital estrangeiro (e nacional) das firmas multinacionais.

‘Socialismo de penúria’ ou ‘socialismo de abundância’ é, por conseguinte, uma falsa alternativa, que resulta sempre da mesma e errada concepção economicista da construção do Socialismo.

Escreve atiladamente Charles Bettelheim (in Révolution Culturelle et Organisation Industrielle, p.105): “O desenvolvimento das forças produtivas não determina nunca directamente a transformação das relações de produção; esta transformação passa sempre pela intervenção das classes em presença, isto é, pela luta de classes. A luta pela transformação socialista das relações de produção não poderá ser conduzida em nome do ‘desenvolvimento das forças produtivas’. Importância decisiva, pois, da concomitante revolução cultural e da luta de classes, capaz de fomentar e desenvolver a consciência de classe do proletariado, elevando-lhe o nível. É que o Socialismo autêntico é Organização dos Trabalhadores e Produção em solidariedade, necessariamente planificada. Razões sócio-económicas e culturais podem obrigar historicamente a construção do Socialismo a passar pelo capitalismo de Estado. (Foi o que aconteceu na Rússia de Lenine, após a Revolução de Outubro de ‘17). O desvio começa quando a inércia bate à porta do Poder político da Revolução e o Processo revolucionário cristaliza. Já se vê, portanto, que a Revolução Socialista se tem de considerar sempre aberta a novas fases, em última análise, aberta ao Poder dos Trabalhadores-assalariados-directos-associados que constituem a última fonte da soberania.

7. ─ ‘Socialismo democrático’, ‘Socialismo em liberdade’. Ditadura e Democracia.

‘Democracia pluralista’.

Não te deixes iludir, camarada! Todos esses dirigentes de partidos que te falam tão insistentemente de ‘socialismo democrático’, de ‘socialismo em liberdade’ ou são impostores, ou ingénuos, ou demagogos ordinários. Esses partidos, que se reclamam da classe operária e se mostram escrupulosamente preocupados em acrescentar os apelativos de ‘democrático’ e ‘em liberdade’ ao Socialismo ─ o que pretendem, em última análise, é a conciliação de classes, a atenuação e a eliminação da luta do proletariado, a traição à classe dos trabalhadores assalariados. Pretendiam esses partidos, quando foi discutida a Lei sindical, os chamados sindicatos ‘livres’, quer dizer, paralelos, isto é, transformados em simples correias de transmissão de correspondentes partidos políticos.

Ora, os qualificativos de ‘democrático’ e ‘em liberdade’ acrescentados ao Socialismo não passam de uma repetição ou tautologia daquilo que é o autêntico Socialismo. A realização exaustiva da Democracia e da Liberdade só tem lugar numa Sociedade socialista. Só a luta de classe e a Revolução do proletariado, cujo objectivo é a construção da Sociedade socialista sem classes, podem efectivamente pôr de pé a verdadeira Democracia e dar o verdadeiro conteúdo humano à Liberdade. Numa sociedade de classes antagónicas como é a sociedade burguesa, a Demo-cracia e a Liberdade estão sempre limitadas às suas respectivas condições opostas de classe. É por isso que todos os regimes democráticos burgueses são democracia para a classe dominante e, simultaneamente, ditadura para a classe dominada, o proletariado. Numa sociedade de classes antagónicas não há democracia sem ditadura (o verso e o reverso da mesma medalha). Compreende-se agora bem a tese seguinte: num regime de transição para o So-cialismo, enquanto perdurar a oposição de classes, a Democracia do Proletariado e dos trabalhadores assalariados que se constitui não pode deixar de exercer a ditadura sobre a classe que anteriormente os oprimia e dominava.

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A Liberdade só existe realmente, com conteúdo prático na vida social, dentro da solidariedade com a classe a que se pertence. É por isso que na praxis social concreta, a Igualdade constitui um valor matricial e a Liberdade um valor funcional. Eu só sou efectivamente livre se e na medida em que for livre o da minha igualha, o meu próximo, o meu semelhante. O conceito de Liberdade tem de formular-se sempre a partir da praxis social concreta. Não passam de mistificações, alienações e falsidades todas as outras noções de Liberdade: a noção escolástica e medieval de liberdade como ‘immunitas a vinculo’, isenção de coacção; a noção moderna, individualista e burguesa, de liberdade como ‘livre arbítrio’, que me diz que “a minha liberdade acaba onde começa a liberdade do outro”. Esta é uma liberdade excedental, do luxo, dos gastos perdulários, que em vez de assentar na base da Solidariedade e nos critérios da Igualdade, assenta na base da concorrência infrene e nos critérios das desigualdades e das hierarquias ferozes.

Assim como um País não é realmente livre sem uma independência nacional completa, quer dizer, não só política, mas também económica e social, assim também não há liberdade pessoal senão na base da Igualdade com os outros; e esta igualdade com os outros tem a sua coordenada definitória decisiva nos critérios económico-sociais de classe.

A ‘democracia pluralista’ entendida habitualmente como ‘necessária pluralidade de partidos’ é outro slogan para enganar incautos. A cultura e a ideologia burguesas marcaram de tal modo a prática e a teoria políticas do ‘Ocidente’ que tanto os homens políticos como os politicólogos não são capazes de pensar a democracia pluralista senão dentro do quadro do ‘pluralismo de partidos’. Que pelo menos haja dois partidos (a teoria minimal do bipartidismo, de remota tradição inglesa) ─ é a exigência mínima.

Ora, antes de mais, ‘democracia pluralista’ é uma expressão tautológica: a Democracia é pluralista por definição; é capacidade de discussão e de diálogo dialéctico, é processo de decisão que não é de um só, mas da maioria e da totalidade, em última instância (decisão unanimista).

Por que insistem tanto os políticos e os politicólogos burgueses na democracia pluralista configurada no ‘pluralismo de partidos’? ─ Porque privilegiam absolutamente os Partidos no processo de formação e actuação política do Poder governamental; e entendem pressupostamente, como não podia deixar de ser, os partidos sem a sua natural referenciação à base sócio-económica de classe que lhes dá origem. Precisamente porque pretendem escamotear a natural natureza de classe dos partidos e o alinhamento definitório destes segundo as duas classes antagónicas da sociedade (alargando até o leque das classes sociais para melhor sustentar a ilusão do não-antagonismo…), eles só vêem o problema em termos de alternativa dilemática entre a democracia e a ditadura e, por isso, se encarniçam desde logo em exigir o acrescen-tamento do qualificativo de ‘pluralista’. Só que tal exigência é apreciada exclusivamente do lado da burguesia! E tanto é assim que, no seio do processo revolucionário, se o proletariado amaina a sua luta, a famigerada ‘democracia pluralista’ aclara-se e volve-se imediatamente em poder ditatorial e fascista sobre a classe trabalhadora (como esteve para acontecer no processo revolucionário português, no golpe Palma Carlos, no 28 de Setembro e no 11 de Março).

8. ─ Alianças de classe ou não no Processo revolucionário versus Socialismo?

Na sociedade capitalista, há duas classes antagónicas ─ os detentores dos meios de produção, sobretudo a grande burguesia, e os que não possuem outra coisa senão a sua força-detrabalho para vender, o proletariado ─ que se apresentam nos dois extremos opostos; no meio, existem as chamadas classes intermédias (ou sub-classes, para sermos mais precisos), que se aglutinam na classe exploradora ou na classe explorada, consoante a conjuntura política e os seus interesses económicos e sociais. É importante sabermos isto, quando nos empenhamos no Processo revolucionário versus Socialismo. Só um exemplo: se o nazismo se implantou na

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Alemanha, foi, em última análise, porque a classe operária e as suas organizações de esquerda jogaram, no campo da luta, segundo a palavra d’ordem estaliniana de ‘classe contra classe’, sem cuidar da necessidade de alianças, no processo revolucionário, com as subclasses intermédias. O mes-mo sucedeu na Espanha com a implantação da ditadura franquista.

É evidente que essas alianças têm de ser procuradas e estabelecidas com um grande sentido de estratégia e táctica. De modo nenhum se pode incorrer no logro de alargar essas alianças a ponto de estabelecer a conciliação de classes (a via do reformismo) e anular a luta das classes antagónicas. É, pois, evidente que os pequenos industriais e os pequenos comerciantes (e alguns dos médios), os trabalhadores assalariados do campo, os pequenos agricultures e os intelectuais progressistas poderão perfeitamente alinhar com a classe operária no processo revolucionário. A necessidade inelutável de o proletariado industrial e os trabalhadores assalariados do campo se aliarem às classes potencialmente amigas, contra o inimigo comum (os monopolistas e os latifundiários), resulta, em última instância, de um facto bem simples: o facto histórico, geodemográfico e político, de a Revolução Socialista se ter de operar dentro do quadrante da unidade nacional. São importantes os apoios externos de organizações, partidos e nações revolucionários, mas o que é verdadeiramente decisivo, na Revolução, é o que realmente se faz ou não dentro do quadrante da unidade nacional.

9. ─ ‘Socialismo autoritário’ ou ‘Socialismo democrático’!... Os equívocos malintencionados dos teóricos e políticos burgueses.

Os que falam tão preocupadamente de ‘socialismo democrático’ e de ‘socialismo em liberdade’ são habitualmente os mesmos que falam de ‘democracia pluralista’ e identificam pura e simplesmente o socialismo com a ‘ditadura do partido único’. São os que esquecem intencionalmente (!) que o pluralismo, na sociedade capitalista, não passa de uma armadura de defesa da dominação dos monopólios, e que, na construção do Socialismo, as classes trabalhadoras exploradas não podem ser complacentes com os seus antigos exploradores; ─ e sobre estes, uma vez colocados nas mãos dos Trabalhadores, a Autoridade tem de ser firme e o Governo forte. São esses ideólogos e políticos burgueses, ‘travestis’ de socialistas, que não se dão conta do pleonasmo que é falar de ‘socialismo democrático’, e que não se querem aperceber de que a Democracia Socialista (a expressão exacta e científica a usar nesta questão) tanto se pode realizar em regime de ‘partido único’ como em regime de pluralidade de partidos, desde que estes sejam efectivamente das classes trabalhadoras e alimentem a mesma luta contra o

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inimigo comum ─ a burguesia e o capitalismo. São esses mesmos que concebem o socialismo somando nacionalizações mais eleições! E eleições burguesas, porque não conhecem outras. ─ Ora o Socialismo é essencialmente a soberania das massas populares e a sua construção não se levará a cabo sem as classes trabalhadoras organizadas. Isto é o B-A-BA do Socialismo.

Os verdadeiros problemas que podem estar em causa no dilema em epígrafe são bem outros: ─ A) Enquanto não se verificar a fusão do político no económico (e isso só acontecerá definitivamente no Comunismo e será preparado por um processo que atribuirá cada vez mais poder directo aos produtores socialmente organizados tanto no político como no económico), o Socialismo não se realizará sem uma Planificação central da economia; e o Plano central, devendo ser realista e democraticamente elaborado, não pode deixar de ser imperativo, porquanto a função essencial do Poder de Estado socialista é precisamente a de guia e motor da economia e de todas as actividades nacionais. Já se vê, portanto, que um socialismo autogestionário de empresas e cooperativas (tipo Jugoslávia) sem um Plano verdadeiramente coordenador e imperativo de toda a economia nacional acaba por se confinar nos limites de uma social-democracia capitalista, porventura tão só mais exigente. A autogestão tradicional não constitui nenhuma panaceia para a realização do Socialismo, porque não são normalmente as empresas auto-geridas, no período inicial da construção do Socialismo e portanto na fase de transição do capitalismo para o regime socialista de produção, que se vão preocupar com a defesa intransigente da independência económica nacional; mas o Plano centralizado e imperativo da economia nacional sem uma transformação revolucionária das relações de produção nas unidades empresariais também não constitui nenhuma pedra filosofal para a realização do Socialismo.

Segue-se daí que um Socialismo consequente nunca poderá perder de vista as duas dimensões que devem manter-se inseparáveis: a do Plano central imperativo no Poder de Estado e a das novas relações de produção socialistas nas unidades empresariais. Assim, a solução de autogestão para as empresas nacionalizadas está no caminho certo e é de se pôr em prática logo e sempre que possível. (A relativização que aqui faço desta tese é o resultado da atenção que há que prestar à não diminuição da produção e à possível desorganização da produtividade da empresa na fase de transição).

B) A batalha da produção e da reconstrução da economia é sempre a mais decisiva da Revolução socialista. É na óptica dessa batalha central que se apresentam normalmente duas opções em alternativa: ou caminhar rapidamente para o socialismo e então as privações serão mais duras e a disciplina social mais apertada; ou caminhar mais lentamente mas de modo menos doloroso. ─ Mas esta perspectivação ainda não atinge a realidade profunda do Processo revolucionário versus Socialismo; muito espe-cialmente quando as duas opções dilemáticas são entendidas, a primeira como autoritá-ria e a segunda como libertária!

A construção do Socialismo na U.R.S.S., a partir da Revolução de Outubro de 1917, assentou em três pilares fundamentais: o capitalismo centralizado do Estado, em que Lenine reconhecia a via mais rápida para o socialismo, porque o considerava como o último estádio, mas indispensável, antes do advento do socialismo; o primado atribuído, na economia, à indústria pesada; e a concepção leninista do Partido da vanguarda do Proletariado.

Relativamente ao controlo da produção pelos operários, Lenine temia os desvios ‘operariadistas’, de tendência economicista, privilegiando as reivindicações salariais e, portanto, de inspiração egoísta, que podiam sapar o futuro da Revolução. Pressupunha, entretanto, Ulianov que o aperfeiçoamento da gestão nas empresas conduziria gradualmente à passagem para o socialismo.

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Se bem que Lenine tenha condenado severamente a burocracia, o que veio a surgir posteriormente no processo histórico da primeira Revolução socialista foi precisamente uma ‘nova classe média’ de administradores-burocratas. Isto porquê? Fundamentalmente porque a concepção leninista do Partido, fortemente disciplinado segundo o princípio do centralismo democrático e concebendo-se como a vanguarda substantiva do Proletariado, fomentava a criação de um biombo entre a suposta e ‘indiscutível’ vanguarda (os quadros do Partido) e as massas, que assim eram inibidas na sua iniciativa e condenadas a ir a reboque do Partido; pressuposto dessa razão ideológico-processual-organizativa: a Revolução, política e económica, não foi acompanhada desde o início por uma verdadeira revolução cultural, capaz de operar a transformação revolucionária das mentalidades e instaurar decisivamente novas relações de produção. Assim se explica que aquele ‘aperfeiçoamento da gestão’ em que tanto confiava Lenine para a passagem ao socialismo tenha resultado num malogro, no concernente ao controlo e apropriação da produção por parte dos trabalhadores organizados.

Meditemos nestes dois excerptos de E. Egnell e M. Peissik(1): “O slogan de Lenine ‘a fábrica para os operários’, lançado nas horas decisivas da revolução de Outubro, depressa se revelou significar apenas a transferência de todos os meios de produção para o novo Estado socialista, o qual é o representante de toda a …………………….

(1)

In A empresa na União Soviética. Pub. Eur.-América, Lisboa, 1975, p.18, p.28. A edição original é de1974 (du Seuil).

classe operária. Os sovietes de trabalhadores de empresas despareceram rapidamente perante uma hierarquia administrativa centralizada. A necessidade de associação dos trabalhadores às decisões relativas à actividade da empresa foi formalmente reafirmada pelo estatuto de 1965.

Apesar disso, a empresa socialista soviética permanece um organismo do Estado. “Vê-se como Lenine está nos antípodas dos esquerdistas do movimento revolucionário, que pretendem entregar directamente o poder dentro da empresa aos operários, fazendo administrar cada empresa por um conselho nascido do colectivo. Lenine considerava que entregar as fábricas aos operários, confiando-lhes a respectiva propriedade e autoridade, era fazer correr um risco mortal à revolução. Com isso multiplicar-se-iam os centros de interesses divergentes, em vez de se reunirem todos os trabalhadores num esforço comum. Os operários, logo que garantidos, colocariam a salvaguarda do seu património acima da defesa do poder soviético. Por outro lado, e porque não são técnicamente competentes para assegurar o bom funcionamento da produção, assistir-se-ia a uma desorganização generalizada. O poder operário na empresa, diz em resumo Lenine, não é socialismo, é a difusão entre a classe operária do espírito pequeno-burguês”.

A Revolução proscreveu na União Soviética a propriedade capitalista dos bens de produção, isto é, aquela propriedade susceptível de proporcionar ao seu detentor a mais-valia, ou seja, o enriquecimento sem trabalho. Ora esse enriquecimento sem traba-lho e, por conseguinte, a mais-valia marxiana não desaparecem em toda uma sociedade nacional em que a propriedade de exploração é atribuída ao Estado e se mantêm dife-renças de categorias salariais notáveis bem como o privilegiamento, nessas categorias salariais, do trabalho improdutivo burocrático. É por esse processo que o Estado ‘socialista’ se torna capitalista e monopolista sem o saber! O mecanismo desse processo foi simples: a Democracia dos Trabalhadores foi subvertida pela ditadura do Partido!...

C) Mas há ainda outros problemas bem mais profundos sob esses dois pseudo-teoremas de um socialismo polarizado na Liberdade ou de um socialismo polarizado na Autoridade.

Sabe-se que o segundo se alicerça num capitalismo centralizado de Estado que naturalmente

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vem a transformar-se em capitalismo monopolista de Estado; e que, muito embora se tenha admitido ─ como pensou Lenine ─ essa fase inicial como transitória, o que historicamente tem acontecido é que logo que o Processo revolucionário estabiliza nessa fase a passagem para o socialismo não se verifica e a Revolução cristalizou. Sabe-se que o primeiro, pretendendo alterar as relações de produção capitalistas nos ‘colectivos’ das empresas e das cooperativas agrícolas concebidos como unidades socioeconomicamente autónomas, deixa intacta a grande estrutura da economia nacional que permanece capitalista, sem planificação imperativa, e não consegue, mesmo ao nível microeconómico das empresas e das cooperativas, instaurar novas relações de produção socialistas.

O Socialismo autêntico e consequente exige um verdadeiro salto qualitativo em relação ao anterior modo de produção capitalista: exige planificação central e imperativa da economia e transformação real das relações de produção, de capitalistas em socialistas, ─ e isso em implicação recíproca. Quer isso dizer que não são só as relações de produção que têm de ser transformadas, mas o próprio circuito económico na sua totalidade ─ circulação das mercadorias (produtos do Trabalho), distribuição e consumo. Significa isso que um Processo revolucionário, que justamente começou a chamar-se socialista, tem de manter a sua rota aberta (jamais deixar-se cristalizar em etapas iniciais, pois ‘corruptio optimi pesima’) em direcção à futura realização do Comunismo.

Há em Marx um certo dualismo maniqueu na concepção da mais-valia, que pode muito bem ser cúmplice da formulação daqueles dois falsos teoremas em alternativa para a construção do Socialismo. “As ideias de Marx sobre a apropriação da mais-valia têm como pressuposto que a mais-valia de que um capitalista se apodera é fundamentalmente produzida pelos operários da empresa de que é proprietário”(2). É, pois, a partir daí ─ polarizadas no sector da produção em sistema capitalista ─ que se definem, personificam e generalizam as duas classes antagónicas: os capitalistas e os operários. E na circulação e na distribuição das mercadorias não haverá nova acumulação e apropriação de mais-valia?! Na sua concepção da mais-valia, pensamos que Marx acabou por ser vítima das suas magníficas e clarividentes análises da Lei do Valor, que é bem o suporte e o centro de toda a estrutura teórica do modo de produção capitalista. Note-se, porém, que na história da moderna economia política burguesa, a insistência de Marx na tese de que a mais-valia nasce e toma corpo no sector da produção foi (polemicamente) necessária e fecunda.

Na análise do capitalismo, a mais-valia toma o seu corpo adulto precisamente no fenómeno social da circulação das mercadorias, na operação da Troca, que é sempre uma ‘troca desigual’. É certo que a apropriação de mais-valia começa no sector da produção, mas ela está longe de se confinar aí. O capitalista ‘produz’ precisamente para o Mercado, onde reina absolutamente a Lei do Valor. Imaginemos o exemplo: o empresario capitalista (industrial) A vende a mercadoria X ao grossista B; este vende-a ao retalhista C; e, por sua vez, o retalhista C vende-a ao consumidor D. Não houve uma acu-mulação crescente e uma apropriação respectiva de mais-valia ao longo do circuito? E essa diversa apropriação é igualmente ‘legitimável’ nas várias fases do circuito?... E na formação acabada da mercadoria, desde o produtor ao consumidor, incorporam os di-versos intermediários a mesma percentagem de mais-valia? E percentagem equivalente ao produtor primeiro?... Por que é que os industriais capitalistas modernos ‘verticalizam’, mediante a cartelização, as suas empresas, no sector da produção?!

Porque sabem que é precisamente neste sector que se pode apropriar mais-valia, em maior percentagem. E por que é que os mesmos industriais se empenham tanto igualmente em ‘horizontalizar’ suas em.………………

(2) João Bernardo, Para uma Teoria do modo de produção comunista, Edições Afrontamento, Porto, 1975, p.23.

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presas, de modo a cobrirem todas as fases da circulação das mercadorias, desde o primeiro produtor até ao retalhista (caso dos super-mercados) que a entrega pronta ao consumidor?...

Porque eles sabem muito bem que na circulação das mercadorias há muita mais-valia (muitas vezes mais, somados todos os escalões dos intermediários, do que a que é realizada na ‘primeira produção’) de que eles se podem apropriar e que egoisticamente não querem deixar a outros.

Claro que Marx sabe perfeitamente que é mesmo na Circulação das mercadorias que a mais-valia toma corpo e adquire a sua dinâmica própria. E pode até considerar-se que aquela segunda vertente ─ a que surge especificamente no Comércio como sector autónomo da economia em relação ao sector da produção (recorde-se que essa autonomia se consolidou a partir do predomínio do capital financeiro na indústria) ─ da realização e acumulação de maisvalia foi por ele tratada na chamada ‘reprodução alargada’, em contraposição à ‘reprodução simples’ que ele define muito justamente como aquela em que “a mais-valia produzida e realizada periodicamente numa ou mais rotações por ano é consumida a título individual, isto é, improdutivo, pelo seu proprietário, o capitalista”(3). Mas essa análise resultou de algum modo obnubilada pela sua preocupação científica (o que lhe exigia uma óptica mais versus passado do que versus futuro) em definir historicamente a formação do Capital, o qual, na sua tese central, e muito jus-tamente, não é senão Trabalho cristalizado (na mercadoria ─ não se esqueça ─ cuja finalidade essencial é precisamente ser vendida), e por ter considerado sempre a Produção como o ‘pivot’ da sua análise crítica e esconjuradora do capitalismo, o que é também inimpugnável.

Ora, “mesmo abstraindo do processo de distribuição e, portanto, da forma de aquisição da mais-valia, não é difícil compreender que não há realização de mais-valia sem venda do produto. Se a mais-valia incorporada num produto não se realiza na venda, ela é, para o capitalista, um zero económico. Para o capitalista, a mais-valia começa a existir quando, para o proletariado, deixou de existir. O operário realiza imediata-mente a mais-valia do capitalista no processo material de trabalho porque, para ele, a mais-valia é uma categoria negativa, uma alienação. Para o capitalista, a mais-valia começa a existir quando o operário a aliena mas, porque ela é agora, sob este novo ponto de vista, uma categoria positiva, exige uma realização independente da sua realidade material no processo de trabalho. Exige o seu reconhecimento social e, porque reconhe-cer significa equiparar, selar algo como igual a outro, a realização da mais-valia no re-conhecimento social significa a sua troca por algo que lhe é equiparado. É este um dos aspectos da contradição social que fundamenta o modo de produção capitalista. O processo de produção capitalista é um processo de incorporação de mais-valia, um processo de produção de valores de troca. Mas os valores de troca só o são se a troca se puder efectuar, se eles forem para isso reconhecidos como valores de uso. O consumo é ………………..

(3) K. MARX, Le Capital, Liv. II, T.I, p.302 (Édit. Sociales, Paris. 1960). o reconhecimento do produto enquanto tal, o seu reconhecimento como não-zero eco-nómico. É esta a aleatoriedade do modo de produção capitalista: os produtos são pro-duzidos como valores de troca para serem realizados como valores de uso. Trata-se de um duplo critério, que mede o objectivo da produção por uma bitola (os valores de tro-ca) e o êxito desse objectivo por outra (os valores de uso). Esta cisão entre o objectivo e o êxito do objectivo, esta verdadeira duplicidade estrutural, é característica do capitalis-mo como modo de produção” (4).

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Nos caps. XX e XXI, T.II, Liv. II, da sua obra O Capital, Marx classifica as mercadorias (o produto total da sociedade) em duas categorias distintas: os meios de produção e os objectos (ou meios) de consumo. Desenvolvendo a sua análise macroeconómica, Marx cataloga a produção dos meios de produção no que chama a ‘Secção I’. ─ Estabelecida segundo o critério do emprego das mercadorias, é óbvio que aquela classificação se baseia no valor de uso das mercadorias. Mas não é para o mercado que o capitalista produz? Não é precisamente o valor de troca das mercadorias que constitui o objectivo essencial e decisivo do modo de produção capitalista?! Não subalterniza este modo de produção o valor de uso ao valor de troca?! É evidente que existe uma relação necessária de grandezas e de natureza dos produtos entre a ‘Secção I’ e a ‘Secção II’. É óbvio que as relações entre a ‘Secção I’ e a ‘Secção II’ se modificam consoante haja reprodução simples ou reprodução ampliada. As marxianas leis da reprodução podem formular-se claramente como segue: “Para a reprodução simples, é preciso que a quantidade de capital variável e da mais-valia da Secção I seja igual ao capital constante da Secção II. Para a reprodução ampliada, é preciso que a quantidade de capital variável e da mais-valia da Secção I seja maior que o capital constante da Secção II” ( 5).

Poder-se-ia pensar que estas leis da reprodução (e a sua concepção envolvente) se limitam apenas a exprimir a lógica do sistema capitalista. Mas não. Elas constituem uma análise macroeconómica notável e inteiramente nova e ainda hoje reconhecidamente científica. O desenvolvimento da produção social, ou seja, o seu cumprimento equilibrado só é realmente possível em regime socialista com economia planificada. O que as referidas leis permitem revelar, quanto ao sistema capitalista de produção, é o caos económico que ele fatalmente engendra, a obtenção do lucro como único fim da produção, a produção de mercadorias essencial e exclusivamente destinadas à Troca, a produção criteriada apenas pelo mercado e pelos ‘valores de troca’, o absoluto e anárquico império da Lei do Valor e do Mercado. Ora, para que aquelas leis tenham efectiva execução, é preciso que se conheça a natureza e as quantidades das mercadorias que se produzem em cada uma das duas secções; e é preciso igualmente conhecer a grandeza dos salários bem como a grandeza da mais-valia que se destina à acumulação, ou seja, à …………………

(4) João Bernardo, ibi, pp.28-29.

(5) (Jean Baby, Leis fundamentais da Economia Socialista ‘Cadernos Textuais’, Porto,p.135.

reprodução ampliada. E isso só é realmente possível em regime socialista de economia planificada e imperativa e sob a condição essencial de o ‘valor de uso’ das mercadorias assumir o primado absoluto sobre o ‘valor de troca’. O que também significa a destruição da mais-valia como tal.

10. ─ Democracia dos Trabalhadores (ou Popular) e Ditadura do Proletariado ─ duas noções que devem constituir a mesma realidade sociológica, sociopoliticamente, socioeconomicamente, culturalmente.

Covilhã, Abril de 1975.

(Texto preparado para discussão e esclarecimento em Comissões de Trabalhadores e Sindicatos).

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SOBRE A NECESSÁRIA E INDISPENSÁVEL DITADURA DO PROLETARIADO (Para a construção científica do Socialismo científico)

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS (Algumas Verdades simples mas ignoradas por muitos e por muitos votadas ao ostracismo)

1. ─ Vigilância, muita vigilância sobre os substantivos abtractos, e sobre os substantivos em geral. Os termos (e conceitos) categoremáticos (substantivos) devem passar pelo crivo dos termos ou expressões sincategoremáticos (adjectivos) e sua adequação crítica ao real, para se poder julgar da sua verdade ou falsidade. O pensamento verdadeiro tem de buscar o concreto-abstracto concreto real. A teoria justa e verdadeira é a que arranca da prática social concreta e aí se forma crítica e dialecticamente.

2. ─ Ditadura do Proletariado é a ditadura de uma classe social ─ o Proletariado ─ sobre a sua classe antagónica ─ a burguesia capitalista. A ditadura do Trabalho contra a ditadura do Capital, até que este seja finalmente superado e destruído. Evocar, pois, a ditadura do Proletariado, é falar da natureza de classe de um Poder revolucionário de Estado. “O conteúdo fundamental da diferença entre um aparelho de Estado proletário e um aparelho de Estado burguês é a não-separação do aparelho de Estado proletário em relação às massas, a sua subordinação a estas, portanto, o desaparecimento daquilo a que Lenine chamava ‘um Estado no sentido próprio’ e a sua substituição pelo ‘proleta-riado organizado em classe dominante’” (C. Bettelheim e P. Sweezy, A Transição para o Socialismo, Edições 70, Lisboa, p.83).

3. ─ Ditadura de classe que é, e ela é, real e cientificamente, de natureza especial, pois que o proletariado é a classe social cuja missão histórica fundamental consiste precisamente em eliminar a divisão da sociedade em classes e preparar a instauração da sociedade sem classes (o Comunismo). “A ditadura do proletariado tem essencialmente como efeito permitir o estabelecimento de determinadas condições políticas requeridas para que os produtores directos possam dominar colectivamente, quer dizer, à escala social, os seus meios de produção e as suas condições de existência" (ibi, p.82).

4. ─ É a ditadura conjunta e solidária da classe operária e das subclasses trabalhadoras sobre a classe dos capitalistas; do Trabalho (única fonte verdadeira de riqueza) sobre os detentores do Capital e a sociedade que eles organizam inelutavelmente em esquema de relações capitalistas. ─ Recorde-se que o Capital é, antes e acima de tudo, como escreveu Marx, uma ‘relação social determinada’.

5. ─ É, por sua natureza, uma ditadura com carácter transitório historicamente. O que implica também uma profunda alteração no horizonte sócio-humano versus Futuro: não mais o espectro do ‘encerramento’ e do eternismo das posições e dos regimes políticos que, para variar…, se vão sucedendo em esquema cíclico de ‘eterno retorno’; mas Abertura e responsabilidade colectiva perante o Futuro. A História deixou de ser o ‘Conto do Vigário’ para ser tratada e encarada humanamente como ciência. Sendo embora a ditadura do proletariado uma ditadura com carácter históricamente transitório, não se deve esquecer que constitui “uma grave ilusão acreditar que a luta de classes ‘termina’ com a tomada do poder pelo proletariado e a estatização ou a colectivização dos meios de produção. Esta luta não termina assim; toma simplesmente novas formas” (ibi, p.101).

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6. ─ Ditadura como categorema ou substantivo em geral não significa coisa nenhuma. É o mais sincategoremático de todos os termos que exprimem sistemas ou regimes políticos.

Por isso, só se pode entender correctamente com o seu genitivo de objecto: ‘ditadura do Proletariado’, ‘ditadura da burguesia’, etc..

7. ─ Assim, a mais democrática das ‘democracias’ burguesas com mais propriedade se chamará ditadura do que a ditadura do Proletariado (cf. tese 3.). De resto, quem não vê que, numa ‘democracia burguesa’, a Classe trabalhadora é muitíssimo mais numerosa e volumosa, e portanto maioritária potencialmente em termos de Poder político, do que os detentores do Capital?!

8. ─ Ditadura do Proletariado é, pois, Democracia dos Trabalhadores, democracia operária (operário-camponesa), democracia popular (do ‘Quarto Estado’, para melhor identificação social vigente na época da ‘Revolução Francesa’ de ’89). Só nessa medida poderá ser com verdade e eficácia ditadura sobre a classe capitalista e a bur-guesia com a sua concepção metafísica e hierárquico-dominadora do mundo.

“Com efeito, nas formações sociais em transição, além do proletariado e da burguesia, continuam a estar presentes, durante todo o período, outras classes e forças sociais, em particular as diversas classes populares, como os pequenos e médios camponeses. A solidez do poder do proletariado exige que esse poder assente em relações democráticas com estas classes populares. Em consequência, a própria unidade do proletariado e das outras camadas populares (unidade sem a qual a ditadura do proletariado é impossível) exige que o proletariado respeite a especificidade dessas camadas a fim de as guiar na via do socialismo, que, como se sabe, é também a via da sua própria liber-tação. Nada se pode obter neste sentido pela coerção: o recurso à coerção só serve para dividir as forças populares, isolar o proletariado e, portanto, conduzir à sua derrota. Isto é tão verdade nos países industrializados como nos países subdesenvolvidos, nos quais o proletariado é pouco numeroso” (ibi, p.99).

“A expressão, justa de um ponto de vista científico, ‘ditadura do proletariado’ chegou a fazer perder de vista que nenhuma ditadura deve ser exercida sobre as diversas classes populares. O termo ‘ditadura do proletariado’ designa, com efeito, a relação de dominação política que deve ser exclusivamente exercida contra a pequena minoria constituída pela burguesia; esta expressão não poderá em caso algum caracterizar as relações que devem existir entre o proletariado e as classes populares. Se, em certos momentos, estas se enganam, é preciso ajudá-las a rectificar os seus erros, e não reprimi-las” (ibidem).

9. ─ Todo o Poder corrompe e o poder absoluto, próprio das ditaduras, corrompe absolutamente!... Daí a razão do especial cuidado que deve ter a ditadura do Proletariado no exercício do Poder. (Articulação com a tese 8.).

10. ─ Se, por conseguinte, a ditadura do Proletariado não consegue ser uma ‘ditadura’ diferente por ser simultaneamente, nos seus conteúdos sócio-políticos e na sua intenção e projecto políticos, Democracia de todos os Trabalhadores, ─ ela não conseguirá justificar-se ética e historicamente como ditadura, que deve ser, sobre os capitalistas e a burguesia. Não se justificará perante a História.

11. ─ A ditadura do Proletariado assim definida é um instrumento político necessário e indispensável para a construção científica do Socialismo científico. A razão histórica e sócioeconómica dessa necessidade e indispensabilidade reside na divisão da sociedade em classes ─ o ponto de partida ─ e na luta de classes como facto social (tanto na micro-sócio-política como na macro-sócio-política) cientificamente verificado na sociedade (dividida em classe) e objectivamente indesmentível.

12. ─ Na ditadura do Proletariado, os poderes ditatoriais devem ser exercidos (progressivamente) em regime de democracia directa, e não por poderes puramente ‘re-

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presentativos’ que não se cansarão de falar ‘em nome do povo’, ludibriando-o e traindo-o. Esta é ainda ─ não se esqueça ─ a velha concepção de democracia da cultura burguesa, núa e abstractamente identificada com o ‘voto’ do cidadão, do ‘cidadão estatístico’, que não do real.

13. ─ Ditadura do Proletariado é do proletariado, e não do Partido como vanguarda mais ou menos separada dos trabalhadores. Para se entender e articular correctamente a relação entre Partido e classes trabalhadoras, pode ter-se presente o esquema análogo da união indissolúvel entre ‘espírito’ e ‘matéria’ nos Humanos: matéria que individualiza e caracteriza os ‘factos espirituais’; massas que individualizam e caracterizam a vanguarda.

Sem a adopção e a prática porfiada de uma ‘linha de massas’, o Partido proletário e dirigente, que deve ser o instrumento de unificação das massas, tanto da sua acção como da sua ‘ideologia’, a breve trecho deixará de ser “o instrumento da ditadura e da democracia proletárias, pois a existência do poder proletário joga-se, em última análise, ao nível das relações do partido com as massas” (ibi, p.91). Sempre que a ditadura do Proletariado se transforma em ‘ditadura do Partido’, ela não cumpre a sua missão histórica. A breve trecho se montará como ditadura sobre o povo trabalhador, obstruindo (e impedindo-a de se concretizar) a Democracia dos Trabalhadores. É assim que surge a chamada (impropriamente) ‘nova classe social’, essa ‘terceira’ classe dos burocratas de administração e dos tecnoburocratas da industriali-zação, enfim, dos quadros dirigentes todo-poderosos que outra missão não saberão realizar senão a da ‘quadratura do círculo’!...

Para que, então, a ditadura do Proletariado possa cumprir a sua missão histórica, é preciso que, tanto no ‘período de transição’ como na ‘primeira fase da construção do Socialismo’, tenha lugar a luta de classes, isto é, não seja amordaçada ou peada pelos órgãos do Poder, mas, antes, tenha livre curso e seja cada vez mais alargada e reforçada.

14. ─ Sem Partido revolucionário não haverá Revolução socialista que vingue. Essa organização política deve constituir-se como um ‘intelectual colectivo’ (Togliatti). Mas para que isso se realize, é preciso que a ‘luta pela hegemonia’ de que fala Gramsci preceda a luta pelo Poder político, ou seja, o projecto político revolucionário deve ser apresentado, não ideologicamente dentro das ideologias mais ou menos consentidas pelo Poder de Estado e pelo aparelho ideológico dominante, mas científica e culturalmente (Revolução cultural a operar constantemente).

Por que é prioritária a consecução da ‘hegemonia’ gramsciana? Por duas razões fundamentais: a) Porque é preciso, como diz Gramsci, “desagregar a sociedade civil, subtraindo as classes subalternas à influência ideológica das classes dirigentes” (sobretudo em países sócioeconomicamente ‘intermédios’ no quadro do sistema capitalista mundial, como é o caso de Portugal); b) porque o projecto da Revolução socialista, mesmo depois da tomada do Poder, não se levará a bom termo sem uma profunda Revolução cultural, a qual já deve estar claramente presente no projecto revolucionário da tomada do Poder (princípio universalmente válido).

15. ─ Guerra e violência, como aliás tudo, devem ser julgadas dialecticamente; não metafisicamente. Defender pela guerra (ou pela ‘guerrilha') e pela violência (activa ou passiva) o direito de viver em paz, sempre que se é (está sendo) vítima de guerras e violências de agressão, é não só um direito como até uma obrigação ética e política fundamental.

Não se pode esquecer o papel da violência na História. O que, de resto, continuará a acontecer na história, enquanto não for suficientemente libertada a racionalidade humana do magma irracional da história passada (e com ela, o social próprio da espécie humana) e não se verificar o advento da consciência crítica colectivamente responsável e livre para cidadãos que com-vivam co-responsavelmente num social humano. Nos últimos dois séculos acabou por perder-se definitivamente o ‘paradigma da natureza humana’; e jamais alguém o reencontrará na óptica metafísica e dos chamados ‘valores perenes’, ou ‘Philosophia perennis’. Um novo

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social está a nascer: o social crítica e objectivamente humano. O social que resulta, não da soma dos indivíduos que qualquer ‘marionetista’ organiza e põe a funcionar, mas da multiplicação das acções dos indivíduos e dos próprios indivíduos.

16. ─ A extinção do Estado, ou seja, a ‘anarquia’ científica (não a ideológica, evidentemente), não se conseguirá historicamente sem a ditadura do Proletariado correctamente definida e praticada.

17. ─ A tese da edificação do ‘socialismo num só país’, que, apesar de tudo, tomou curso na história, constitui inegavelmente um coeficiente de reforço e prova da ditadura do Proletariado e sua necessidade histórica. A história não se encaminhou na prospectiva de Trotzky. Isso tem a ver com a natureza do capitalismo, sobretudo na sua fase imperialista; como numa operação de clepsidra, os ‘países ricos’ ou ‘hiperdesenvolvidos’ precisam dos ‘países pobres’ ou ‘subdesenvolvidos’ para subsistirem como tais… É exactamente o que fundamenta, no período do capitalismo imperialista, a leninista teoria dos ‘elos fracos’. Aquela tese, porém, não impede de se verificar historicamente (a nível das hipóteses de trabalho sobre o laboratório da história) que tal facto histórico (a construção do Socialismo em cada país, mas ‘uno alla volta’…) implicou e implicará, a curto e a médio prazos, naturais e necessárias vicissitudes e deficiências na construção do Socialismo à escala mundial. Mas a História são, antes de tudo, os factos com o seu significado, não as hipóteses. De contrário, nem sequer teria a História ─ como dramaticamente encerra na realidade ─ feição trágica!

18. ─ A História política, económica e social acabou, assim, por fazer jus ao princípio da soberania política das diversas nacionalidades na construção do Socialismo. Quer isso dizer que: a) a nacionalidade surge como quadrante limitativo, estabelece a abcissa e a ordenada para qualquer projecto socialista; b) o internacionalismo proletário, nos momentos cruciais em que tem mesmo de ser eficaz na sua ajuda fraterna, acaba por ter de passar pela ‘Alfândega’ desse quadrante limitativo.

19. ─ A missão do Proletariado, que é a de construir a sociedade sem classes, focalizase sócio-economicamente na edificação da sociedade em que os Trabalhadores-produtores directos serão colectivamente os senhores dos seus próprios produtos, e em verdade também individualmente porque colectivamente. Esse carácter colectivo da apropriação socialista (e da acumulação socialista primitiva) por parte dos trabalhadores-produtores somente à escala nacional se pode verificar no seu primeiro grau, onde tem lugar e se define decisoriamente a soberania política. A comprovar isso, o facto, essencialmente característico de qualquer processo revolucionário, da ‘dualidade do Poder’ e que tem naturalmente a duração efémera das rosas de Malherbe: o Poder revolucionário com algumas novas instituições que põe em marcha, ou vence e destrona o Poder estabelecido e tudo o resto poderá continuar a avançar, ou é derrotado e as poucas inovações institucionais também elas começarão a ser marginalizadas e depois anuladas. Essa tese é tanto mais verdade historicamente quanto mais o capitalismo vai avançando na sua fase imperialista através das multinacionais.

20. ─ Se, portanto, o ‘capitalismo de Estado’ não constitui, como degenerescência no topo que é, caminho nenhum para o Socialismo, da mesma maneira também não é caminho nenhum para o Socialismo o clássico e tradicional esquema da auto-gestão, por mais generalizada que seja. É a degenerescência na base.

21. ─ Controlo operário e assunção e exercício do poder político e económico por parte dos representantes dos trabalhadores e apenas enquanto seus representantes, primeiro, e depois, por parte dos próprios trabalhadores, constituem as passadas certas. Isso, porque o objectivo é a Democracia directa e a Planificação político-sócio-económica democrática.

22. ─ No Socialismo, é preciso combinar, numa unidade indivisa, o Plano económico com o seu carácter imperativo e o movimento de apropriação social, cada vez mais colectiva,

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dos produtos do trabalho por parte dos Trabalhadores. Eis por que o Plano deverá ser elaborado e executado democraticamente; eis por que o controlo operário deverá ser superado pelo que podemos chamar heterodoxamente ‘auto-gestão’, no sentido terso e exclusivo de gestão colectiva da unidade empresarial por parte dos próprios trabalhadores-produtores, não evidentemente como auto-apropriação micro-económica da propriedade da empresa. A gestão colectiva da unidade empresarial por parte dos trabalhadores-produtores e o seu grau de verdade e eficácia, funcionam como meio e índice de apropriação colectiva, que se estende numa corresponsabilidade alargada a nível nacional (depois, mesmo internacional), onde só aí a propriedade colectiva se define, mas com o corpo que foi crescendo e ganhando, ao longo do percurso, mediante a apropriação socialista. É preciso que a propriedade colectiva nacional dos meios de produção não seja apenas uma figura jurídica, mas a realidade resultante do processo de apropriação socialista. Se acontecer o processo descrito, estaremos perante o sintoma feliz de que o Plano é elaborado e executado democraticamente, ainda e precisamente porque assume carácter imperativo. É evidente que essa ‘auto-gestão’ nada tem a ver com a noção clássica de auto-gestão, a qual não passa de um disfarce, a nível das relações de produção, dentro e sem-pre dentro dos esquemas do modo de produção capitalista. Esta autogestão não passa de uma apropriação (muito parcialmente) ‘colectiva’ privada, a qual não ultrapassará no âmbito macroeconómico, quanto ao efectivo regime de propriedade no processo de produção, os consabidos esquemas das ‘sociedades por acções’ ou, na melhor das hipóteses, das cooperativas. Pelo contrário, a ‘autogestão’ de que falo, num sentido positivo, significa tão-só o oposto da ‘hétero-gestão’, mesmo que seja esta a dos representantes (separados) dos trabalhadores-produtores, os quais, precisamente enquanto separados, se transformam em agentes burocratizados funcionando autonomamente e com tendência inelutável para fundarem novo título de propriedade, contraditório com a própria gestão colectiva na unidade empresarial em causa e com o primado absoluto da gestão (colectiva) da produção sobre a simples propriedade dos meios de produção, ─ o que de facto constitui a via da construção dinâmica e real do Socialismo, que não a sua edificação por simples diploma legal.

Se, finalmente, a propriedade colectiva nacional dos meios de produção não aparecer como resultado de um processo dinâmico e cada vez mais alargado e aprofundado de gestão colectiva da produção, onde os representantes dos trabalhadores-produtores agem somente como representantes em estreita ligação de participação com os primeiros, mas acontecer a inversão desse esquema, ─ não haverá Socialismo; o ‘capitalismo de Estado’ será o resultado fatal desse processo invertido, e uma suposta (no fim de contas real…) ‘nova classe média’, que a tecnoburocracia tornou omnipotente, sur-girá no horizonte. Por outras palavras, se a socialização dos meios de produção não resultar de um processo de efectiva apropriação social de sinal colectivo, mas for apenas imposta como determinação da propriedade jurídica pelo Poder de Estado, ainda que de sinal ‘colectivista’, ─ o que quer dizer que se mantém a dicotomia entre Poder de Estado e poder das massas trabalhadoras e se eliminou sôfrega e precipitadamente a luta de classes ─, não haverá Socialismo científico nem para ele se caminhará.

Covilhã, Fevereiro de ’76.

(Texto para discussão na Escola Técnica, num grupo de professores).

VIVA OTELO / A CANDIDATURA DA UNIDADE POPULAR ‘Unidos, contando com as nossas próprias forças, podemos vencer’ (Disc. da Unidade).

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Depois do ’25 de Abril’, puseram-se em marcha dois movimentos que não foram convergentes nem afinal o podiam ser: o Movimento Popular de massas com sinal revolucionário e o movimento de formação ou alargamento de um leque enorme de partidos políticos. O movimento popular de massas foi o primeiro a nascer: já se afirmara com a sua determinação, acompanhando como coisa sua os vitoriosos acontecimentos do ’25 de Abril’; mas foi no glorioso ‘1º de Maio’ de ‘74’ que ele tomou um corpo adulto e respirou a plenos pulmões. Foi ─ dizíamos ─ o primeiro movimento a nascer, até por força do seu carácter espontâneo. Era a primeira resposta autónoma e a céu aberto que as classes trabalhadoras davam a 48 anos de fascismo, de refinada exploração e opressão capitalistas. Ora este movimento popular acabou por ser contrariado e esfacelado pelas diversas formações políticas que, só depois, vieram a assumir a batuta da orquestra política.

Os partidos políticos, num leque plural que assustou, enganou e dividiu as classes trabalhadoras, constituíram-se ─ como não podia deixar de ser ─ sobre a plataforma da ‘democracia política’ e com o objectivo fisgado de eleição de um Parlamento à boa maneira burguesa. Nesse vício incorreram ─ ainda que às vezes involuntariamente ─ os partidos de esquerda, como não podia deixar de ser também. A ideia central era erguer um regime pluripartidário, segundo os clássicos esquemas políticos do pluralismo de-mocrático sempre assentes nos partidos como últimos e decisivos órgãos do Poder e com os implícitos receio e recusa do partido único. O Movimento Popular foi asfixiado e os partidos, num plural que não foi nada majestático, tornaram-se todo-poderosos. A política de massas ─ a verdadeira ─ começava a ser substituída pelas políticas de corredor, pelas políticas de gabinete.

25 de Junho de 1975: ─ O Documento-Guia da Aliança Povo/MFA foi uma luz verde que já brilhou num túnel!... Pretendia ele recuperar o Movimento Popular de Massas e ultrapassar os partidos burgueses, seja os que o são por sua própria natureza, seja os que por força das circunstâncias políticas se estavam a aburguesar. Mas pouco ou nada se conseguiu, já porque os partidos de esquerda estavam sectarizados e incapazes de se unir, já porque a divisão partidária e o eleitorialismo na própria Assembleia do MFA havia atingido o Movimento das Forças Armadas. Neste contexto, o 25 de Novembro de ’75 foi um golpe de direita, bem orquestrado, com aparências de esquerda!... Aparências que foram o cavalo de Tróia para a justificação da política nacional posterior. Tudo isso facilmente se explica, tendo em conta a real divisão que havia nas forças de esquerda, tanto civis como militares. E agora? ─ Temos uma Constituição Política claramente progressista, mas que é ainda acentuadamente ambígua nalguns pontos. Ela pode ser utilizada revolucionariamente, mas também pode começar a ser driblada reaccionariamente. E acabará por ser interpretada e utilizada reaccionariamente, se não a curto pelo menos a médio prazo, se o Movimento Popular de massas não tomar a dianteira na condução do processo. ─ O significado essencial da candidatura Otelo perante as actuais eleições presidenciais é, pois, o seguinte: a garantia de relançar e alargar o Movimento Popular de massas, a Unidade Popular, em suma.

Reconstituir e reforçar o Movimento Popular de Massas e unir, a partir das bases, as classes trabalhadoras, é, por conseguinte, o nosso objectivo. A candidatura Otelo apresenta-se, assim, como uma candidatura unitária: a preocupação central é unificar as classes trabalhadoras, todos os oprimidos e explorados contra todos os opressores e exploradores. Trata-se, portanto, de forjar a unidade da classe operária e dos camponeses, das suas lutas, sentimentos e ideias contra a classe capitalista e burguesa. Mais, e aqui está outra dimensão importante e decisiva da candidatura Otelo: Uma nova, grande e global, força política está em transe de se constituir ou reconstituir, para além das confusões e enganos provocados, voluntária ou involuntariamente,

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pelo baralho tão baralhado dos partidos. E essa nova Força Política tem de ser construída sob o signo da Unidade Popular. É a esta nova Força que aderimos e por que nos empenhamos.

O processo português, que quisemos e queremos revolucionário, só sairá do ponto morto em que actualmente se encontra e das ameaças iminentes da recuperação capi-talista e fascista, se o próprio Congresso Nacional dos Sindicatos começar seriamente a construir a Unidade sindical de todos os trabalhadores e se as organizações populares de base se reerguerem e alargarem de modo a exigirem e construírem um tipo novo de Poder: o poder dos trabalhadores baseado na união de operários e camponeses.

A sorte vitoriosa do nosso processo revolucionário passa pela reconstrução e alargamento das Comissões de trabalhadores, de moradores, de assembleias de Aldeia; passa pela unidade dos trabalhadores nas suas organizações sindicais. Face a este projecto, os partidos políticos (falo evidentemente dos de esquerda) tais como se encontram actualmente constituídos e a funcionar terão de resignar-se com um lugar subalterno e de atenção expectante. É o mínimo realista que se lhes deve exigir.

Continuarão úteis e necessários, mas terão de acertar a Bússola e a agulha.

No actual momento político, perante o grassar da droga e do ‘dolce far niente’, o vandalismo, os assaltos à mão armada, de cunho fascista, as bombas em sedes de Associações de Amizade com países progressistas como recentemente na Casa de Moçambique em Lisboa, por um lado, e a necessidade que muitos começam a sentir de um governo autoritário e repressivo face a uma situação cada vez mais caotizante, social, política e economicamente, ─ perante essa alternativa, companheiros e camaradas, a solução correcta e eficaz é só uma: A Democracia dos Trabalhadores, todo o poder aos trabalhadores e aos moradores organizados. E isso porquê? ─ Porque não há pactos possíveis a fazer entre a classe operária e a burguesia, entre os explorados e os exploradores. Essas tentativas de pactos, no actual momento português, lembram-me logo os que embrulhadamente acabou por fazer Hitler na Alemanha e Mussolini na Itália com as forças da social-democracia e os aparelhos sindicais, por causa da omissão e cumplicidade das forças verdadeiramente socialistas e comunistas.

O Poder corrompe; e quanto mais absoluto, separado e afastado ele estiver em relação às massas trabalhadoras, mais a sua corrupção se faz sentir e aumenta como a bola de neve. É o que nos ensina a crítica Filosofia política de todos os tempos. Eis a razão por que um Poder que se quer revolucionário tem de nortear-se sempre pela maior aproximação e identificação possível com as massas trabalhadoras e o Povo. Quer dizer: tem de pugnar o mais possível pela democracia directa, sem sofismas nem subterfúgios, e evitar o mais possível o alargamento das escalas hierárquicas da representatividade da democracia indirecta.

O Movimento da Unidade Popular deve pugnar verdadeiramente pelo autêntico Poder Popular, pela Revolução Socialista, pela Democracia dos Trabalhadores, pelas Liberdades para o Povo. Nunca esquecer: cada um de nós só é livre na medida em que os seus semelhantes e iguais forem livres! Sabemos que a independência nacional é possí-vel, contanto que se ponha em marcha o projecto do Movimento da Unidade Popular. Pois este Movimento sabe que é o Povo-classe trabalhadora que tem de resolver concretamente os seus próprios problemas; que ninguém lhos vem resolver por ele. Sabemos, em resumo, que temos de contar com as nossas próprias forças e recursos, e que todas as ‘ajudas’ alheias, sobretudo se predominantes no quadro da economia nacional e mui-to especialmente as dos países ricos e capitalistas, não passam de pura mentira e de sabotagem da independência nacional. Isto compreende-se bem se pensarmos na teoria da bola de neve.

Os Sindicatos estão a tentar reforçar a sua unidade real e o seu poder combativo. Mas as forças de direita e fascizantes, a CAP, a CIP, a ‘CAP’ dos pais no ensino, não desarmaram, bem como os sectores reaccionários e conservadores da Igreja. Latifundiários e capitalistas ─ uns já regressaram, outros estão à espera, a ver onde param as modas. É também nesta perspectiva que

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assumem toda a sua importância os GDUPs (os Grupos Dinamizadores da Unidade Popular).

Cada um de nós terá de ser uma pedra viva na construção desses grupos. É preciso e urgente ultrapassar as disputas partidárias e as especulações demasiado teóricas que acabam por ser sempre metafísicas, individualistas e egoístas. Felizmente já vemos neste país muitos exemplos salutares desta nova orientação.

Nem capitalismo de Estado, nem capitalismo privado; ─ o Socialismo é, essencialmente, organização e união dos trabalhadores; exactamente o contrário da consequente hierarquização rígida de funções no processo de trabalho e concomitante formação e aumento de mais-valia e capital. O Socialismo constrói-se com as Comissões de trabalhadores e moradores, com Sindicatos unidos e revolucionários, com as massas populares a edificarem uma economia nacional como coisa própria. E as Massas ─ note-se bem ─ não são multidões à mercê dos caciques e dos demagogos, como querem fazer crer os doutrinários metafísicos. As massas têm uma bússola e um norte.

Eanes, o recém-chegado homem público que tem preferido falar de democracia para evitar falar de socialismo, lançou o slogan: ‘Um socialismo à medida do homem português’…

Tal slogan, camaradas, não passa de uma impostura. Porque a construção do socialismo é inseparável da autêntica democracia; porque a construção do socialismo tem as suas leis históricas universais; porque esse slogan até já foi e continua a ser apadrinhado pelas formações políticas de direita e pelos próprios fascistas; porque é sinónimo de voluntarismo político, que é sempre mau conselheiro. Por muito boa vontade que houvesse, os homens políticos não são o que querem ser nos seus projectos pes-soais, mas aquilo em que a situação os transforma. E, tudo pesado, no actual momento político português, Eanes está a ser, queira-o ou não, o candidato da burguesia, da recuperação do capitalismo, dos partidos de direita e até fascistas. O próprio camarada Octávio Pato já afirmou em entrevista recente: “Eanes tem apoios mais do que suspeitos”!... Mas a personalidade de Eanes, começa ele próprio a defini-la: Em entrevista recente, disse que se o Major Otelo fosse eleito, sairia do país; e esclareceu depois que aquele facto significaria que o povo português havia perdido o seu “extraordinário bom senso”, a sua “incomparável intuição política”. E mais disse que esse povo que eleger Otelo já não era o povo que ele conhecia e no qual se sentia integrado; por isso sairia do país… O mínimo que por ora se pode dizer, companheiros e camaradas, da posição do General Ramalho Eanes é que ele põe a sua vontade acima da vontade do Povo, e julga o povo segundo o padrão do seu pensamento.

Tem-se ouvido ultimamente conversas deste teor: O candidato Fulano divide os trabalhadores. ─ Não, de forma nenhuma, respondem outros; o candidato Sicrano é que divide os trabalhadores. E onde estará a verdade?! ─ É tão fácil descobri-la!... O pluralismo e a dispersão, o sectarismo e a fanatização, a preocupação de controlar e dirigir paternalisticamente as classes trabalhadoras por parte de partidos de esquerda ou ditos tais é que, desde o início do processo, provo-caram a divisão no Movimento Popular e nas classes trabalhadoras em geral. Já

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não falamos no caciquismo e na demagogia típicos dos partidos de direita e fascistas, aos quais, evidentemente, não se pode assacar a responsabilidade directa daquela dessagregação.

Eis as razões por que a candidatura de Otelo não pode de modo algum ser acusada de divisionista: Porque ela assenta, em última análise, na perspectiva do único caminho objectivo e científico para a construção do Socialismo neste país, aqui e agora. E hoje, é para nós, portugueses, uma questão de vida ou de morte a necessidade do Socialismo.

Otelo pode constituir, neste momento, a mola propulsora e o centro polarizador do relançamento e alargamento do Movimento Popular de Massas revolucionário; e por via disso, o antídoto contra a recuperação capitalista em esquema de ‘democracia’ política burguesa, o antídoto contra a reinstauração do fascismo a breve prazo. O diapasão por que nos devemos afinar é a Unidade Popular. Com ela, será possível a independência nacional e a reconstrução da economia nacional na perspectiva da realização efectiva do Socialismo.

Entretanto, e mais uma vez, cuidado, muito cuidado com o eleitoralismo e o messianismo sebastianista de qualquer personagem carismática, que deixaria as massas em atitude passiva e de subordinação servilista, satisfeitas que ficassem com a vitória eleitoral. A Revolução socialista está ainda para começar activamente. Otelo não é Humberto Delgado. Os trabalhadores de ’76 não podem ter as ilusões e as fraquezas dos de ’58. O Movimento Popular de Massas conclui-se que é a única alternativa para um processo que é e se quer revolucionário, não contra-revolucionário.

Estamos hoje perante esta alternativa: Ou deixar que as classes trabalhadoras fiquem amarradas à estratégia do mercado parlamentar das cúpulas dos partidos ─ e far-se-á a contrarevolução ─, ou relançar e organizar o Poder dos moradores e o Poder dos trabalhadores num grande movi-mento unitário de operários e camponeses, ─ e continuaremos a Revolução. ● Face às presidenciais, Otelo é, por conseguinte, a única solução justa e o voto certo. É o homem do celebérrimo discurso da unidade, proferido por ele recentemente no Porto por ocasião das comemorações dos “50 anos de Resistência antifascista”.

A candidatura Otelo é o voto certo, porque o ex-Comandante do COPCON é o candidato à Presidência por imposição da vontade popular; porque Otelo é o candidato que se apresenta com um programa de Unidade Popular e de unificação dos trabalhadores, por cima das divisões partidárias e geográficas, demarcando-se bem das forças de direita e fascizantes, que pretendem a todo o preço a recuperação do capitalismo e a re-instauração do fascismo neste país. Porque Otelo é a candidatura da unificação de ope-rários e camponeses, de Norte e Sul, do Continente e Ilhas. Essas divisões são os reaccionários e os fascistas que as fomentam; nunca o povo trabalhador. Otelo é o voto certo, porque o estratega do ’25 de Abril’, que já deu sobejas pro-vas de alinhar incondicionalmente com os explorados e oprimidos deste país, não consentirá que as classes privilegiadas, que ainda detêm o Poder, venham a anular as conquistas alcançadas pelos trabalhadores; bater-se-á pela Reforma Agrária, pelos direitos dos pequenos e médios rendeiros e pequenos e médios agricultores, e exigirá a rigorosa aplicação da lei do arrendamento rural. Pugnará pelo controlo operário da produção e da distribuição por parte das classes trabalhadoras. Promoverá a planificação da economia nacional, desde já a partir das empresas e sectores nacionalizados sob controlo dos trabalhadores. Já nos disse no seu Manifesto que as classes trabalhadoras não hão-de pagar a crise económica e financeira que os latifundiários e capitalistas provocaram.

Defenderá a liberdade de expressão de ideias, de reunião e de associação, desde que não fomentem práticas fascistas ou fascizantes. Defenderá Sindicatos independentes do Estado e dos Partidos; Comissões de Trabalhadores, de Moradores e Conselhos de Aldeia, não só como base

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para a Resistência, mas também como força propulsora rumo ao Socialismo. Incentivará a cultura popular e a reestruturação do ensino.

Defenderá intransigentemente a independência nacional contra a ingerência e a dominação de potências estrangeiras, tantas vezes veiculadas pelos próprios partidos.

Pugnará por que o processo de descolonização se conclua na base do anti-imperialismo e se venham, assim, a estabelecer relações privilegiadas com os novos países africanos. O problema dos Retornados encontrará desse modo a sua justa solução em duas coordenadas: relações fraternas com os novos países africanos e criação, no terri-tório nacional, de novos postos de trabalho. Jamais permitirá que a repressão se abata sobre os trabalhadores. As Forças Armadas nunca poderão ser mercenários profissionais, pois elas são o próprio Povo fardado, devendo, por isso, apoiá-lo activamente.

O Socialismo só se constrói com a mobilização e a luta de todos os trabalhadores; sob o signo da Unidade Popular e da união das classes trabalhadoras.

No momento actual do processo português, a construção da Democracia é inseparável da construção do Socialismo. É esta verdade histórica que não querem ou não podem ver os donos das fábricas, os grandes senhores da terra e os donos da inteligência, política, económica ou cultural. É por essa verdade histórica, companheiros e camaradas, que temos de lutar, porque, ao fim e ao cabo, só seremos explorados e oprimidos se nos deixarmos explorar e oprimir.

Trabalhadores, em frente com Otelo p’ra Presidente.

VIVA PORTUGAL INDEPENDENTE E LIVRE.

Covilhã, 7 de Junho de ’76.

(Discurso proferido aquando da passagem do candidato por esta cidade).

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TESES PARA O 1º CONGRESSO NACIONAL DOS G.D.U.P.S E DO M.U.P.

I (Parte crítica e de análise global) 1. ─ 29 meses volvidos de processo político, revolucionário e contrarevolucionário, após o glorioso 25 de Abril de ’74, a actual situação política e sócio-económica do país continua a definir-se irrecusavelmente pela seguinte alternativa: Ou o plano inclinado de um regime social-democrata que, sem bases económicas e empresariais nacionais, não poderá deixar de vender o país ao estrangeiro (às multinacionais) e será forçosamente transitório, para entregar de seguida a curto ou a médio prazo o Poder e o Governo à extrema-direita e ao fascismo,/Ou a urgente construção corajosa da sociedade socialista.

O discurso do Primeiro Ministro de 9 de Setembro insere-se na primeira parte da alternativa supra: é um projecto social-democrata; é um discurso de recuperação capitalista em cheio: as conquistas da Revolução não serão salvaguardadas, os direitos e interesses dos trabalhadores e do povo pobre, dos grupos sociais mais desprotegidos e explorados, não serão acautelados e defendidos. É, em resumo, um discurso anti-operário e anti-massas populares.

2. ─ A grave crise económica do país, avolumada pela depressão mundial de que o capitalismo internacional e sem pátria ainda não saiu, ─ já os actuais governantes convergem e consentem em proclamar que ela pode pôr seriamente em causa a democracia muito simplesmente. Os sentidos de verdade e de mentira desse consenso e da verificação da realidade também que ele constitui: A) Correrá risco a ‘democracia política’ burguesa, porque o plano inclinado do aparelho económico exige, por si mesmo, na óptica capitalista, não uma socialdemocracia em que não poderá recompor-se e relançar a economia, mas um regime político de força e repressão, em suma, a forma fascista ou fascizante. É esse risco que, ilusoriamente, o dilema de Mário Soares e do Governo P.S. pretende exprimir, ─ dilema que surge como pano de fundo nos bastidores do discurso de 9 de Setembro: Ou este projecto (condensado no discurso)

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ou o Chile!... B) Correrá risco, à fortiori, a democracia socialista, ou seja, a democracia dos Trabalhadores, porque os partidos ‘maiores’, que se dizem ou querem de esquerda, não têm contado decididamente com o apoio popular, não o têm preparado pedagogicamente, e as suas alianças preferenciais no Governo têm sido com a burguesia e a classe capitalista.

O P.C. tem jogado oportunisticamente no reformismo, com altos e baixos; em raras ocasiões tem assumido posições revolucionárias consequentes, e não se pode ilibar de acusações tais como as de ‘golpismo do Partido’. O P.S., que nem sequer se apresenta como um partido marxista do teor do P.S. de Salvador Allende, não tem sido capaz de oferecer uma alternativa ao que acusa de ‘social-fascismo’ no projecto e comportamento do P.C.. (É evidente que falamos, nesta análise, das direcções e cúpulas dos partidos). Em resumo: Mantendo-se as anteriores e actuais posições e comportamentos destes partidos (pós-25 de Abril), a democracia socialista ou democracia dos Trabalhadores e o verdadeiro Governo do Povo não se construirão neste país através dos canais de liderança tanto do P.C. como do P.S..

3. ─ Clivagem geral nas FF.AA.: O M.F.A. dissolveu-se. As FF.AA., como suporte e alargamento do mesmo M.F.A., sofreram uma clivagem geral e profunda. Proclamada a Constituição Política, logo viram aí o marco histórico para abandonarem a iniciativa política e colocarem-se a reboque dos grandes partidos, especialmente a reboque do partido do 1º Governo cons-titucional. A própria prática política do actual Conselho da Revolução não desmente nem contraria este facto. Tudo isso em nome da ‘democracia’ e do princípio eleitoralista da burguesia. A ‘profissionalização’ estrita das FF.AA. e a implicada disciplina das suas hierarquias clássicas não foram senão a consequência directa daquele estado de coisas. A prova de tudo isso está, por exemplo, no facto de o inicial impacto político do chamado ‘grupo dos nove’ se ter vindo a desbotar até se encontrar actualmente anulado ou quase anulado. Se, historicamente, é sempre um perigo a neutralidade e a ‘profissionalização’ estrita das FF.AA., o perigo eleva-se no processo político português em que, decisivamente, a iniciativa revolucionária partiu do M.F.A.. (É a lei do pêndulo na corporação militar!)

4. ─ Relegadas para segundo plano do processo as organizações populares de base (especialmente, as Comissões de Trabalhadores nas fábricas) e as próprias organizações sindicais enquanto disputadas partidariamente, os partidos políticos no Governo (ou na oposição) entraram logicamente no palco como os únicos agentes de doutrinação e liderança e centros exclusivos de decisão.

A ‘Assembleia da República’ transformou-se num Parlamento propriamente dito, isto é, no seu genuíno sentido de instituição burguesa. As novas autarquias locais (e regionais), uma vez eleitas, não deixarão de ser correias de transmissão do Governo, da Assembleia Nacional e dos partidos ‘maiores’. Em suma, a época de transformações revolucionárias, que se abrira com o Documento-Guia da Aliança M.F.A./Povo de 25 de Junho de ’75, e com o Documento do COPCON de Agosto do mesmo ano, os quais colocavam em primeiro plano o poder e a iniciativa das organizações populares de base, Comissões de Trabalhadores e Comissões de Moradores, e bem assim das organizações sindicais democráticas e revolucionárias, foi implacavelmente encerrada.

5. ─ O novo enquadramento: Partidos no plural e acima de tudo, Assembleia Nacional com a clássica corrida eleitoralista a um Poder irremediavelmente repartido por classes sociais opostas, ─ isso trouxe consigo estes dois factos: a) ficaram escancaradas as portas para a actuação livre e indemne das forças de direita e mesmo fascistas; b) revolução (sua continuação)… projecto revolucionário… ─ só pela via reformista!... Sem isso, não haveria pluralismo político… ─ logo se apressam sofregamente a observar os partidos maioritários. Em primeiro lugar o P.S. que, como partido eleitoralmente maioritário, é o grande culpado de neste

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país se ter confundido pluralismo político com pluralismo partidário. Oportunisticamente, o P.C. também não enjeitou essa tese.

Mas é ainda mais grave e tenebroso o que no fundo deste cenário se passa: Apesar de se dizerem ou quererem de esquerda e de pretenderem apresentar-se como defensores das classes trabalhadoras, os partidos ditos da classe operária ou actuando realmente em seu favor constituídos em tal cenário não poderão deixar de oferecer uma estrutura organizativa, um comportamento e um projecto político e cultural incapazes de romperem as malhas da sociedade burguesa e dos interesses do capital. Isso mesmo independentemente do que alguns desses partidos de melhor possam fazer pelas classes trabalhadoras e independentemente da linha justa que preconizem para o processo revo-lucionário. A questão é global: refere-se ao xadrez político pluripartidário, muito sim-plesmente, que a burguesia conseguiu impor. Na verdade, porque é que alguns desses partidos, nas suas análises e orientações políticas, atribuem o primado ao diapasão da ‘alta política’ das alianças internacionais ou de blocos, em nítido contraste com a posição de displicência e desprezo para com os problemas reais das populações e das massas trabalhadoras em nome das quais se julgam constituídos e se permitem falar?! Porque é que preferem atitudes de dirigismo e cupulismo (decisões de gabinete, inclusive) a um comportamento liso de ajuda, ensino pedagógico das massas e hétero- e auto-crítica?! Porque é que umas vezes contam com as massas populares e dos trabalhadores, outras não?!

Aquela modelação dos partidos ditos ou realmente de esquerda no xadrez global do pluripartidarismo imposto pela burguesia, a que leva? ─ Simplesmente a isto: à postergação e passagem a segundo plano da inevitável luta de classes, com a correspondente sectarização entre os referidos partidos. Esses partidos acabam por polarizar (e esgotar…) as suas atenções, esforços e preocupações nas pequenas lutas inter-partidos, cada um na mira de alcançar a sua hegemonia sobre os outros. Nas suas preocupações e projectos, a luta de classes ─ e há só duas, em última análise: a dos capitalistas e burgueses, e a dos trabalhadores assalariados (o proletariado) ─ passa a segundo plano (quando não é totalmente esquecida). Pelo menos no que toca o volume e o alargamento reais que a luta de classes assume. Esta não encontra, por isso, a solução maximalista que naturalmente postula. Ora, é isso mesmo o que a burguesia e o patronato aguardam: a sectarização entre os vários partidos de esquerda num xadrez político pluripartidário. Classe dominante, a sua cultura é hegemónica, por definição, sobre toda a sociedade (aos dois níveis: nacional e mundial). E alguns desses partidos nem sequer cavaram a ruptura com esse bloco histórico-cultural, em função da sua correcta constituição e funcionamento. Caíram como tordos nas armadilhas político-culturais da classe dominante!...

6. ─ Basta com as pequenas lutas e conflitos entre partidos que se querem efectivamente de esquerda e se reclamam das classes trabalhadoras. Estamos ou não empenhados, todos, numa Grande Luta que é de Classes?! De classes sociais opostas e antagónicas. Há ou não um inimigo que é comum?! Lutemos, isso sim, todos juntos, contra a classe adversária ─ os capitalistas e os patrões (da economia como da cultura), e todos os seus lacaios da educação e da cultura, da administração, da ciência e das técnicas. Todos juntos e bem unidos, porque a luta é de grande envergadura. Todos ainda somos poucos!

Só dois casos exemplares: O P.P.D. já anunciou recentemente que iria concorrer sozinho, sem coligações, às próximas eleições para as autarquias locais. Procederia ele da mesma forma se as forças de esquerda estivessem unidas e coesas?... O C.D.S. já se dá ao luxo e ao despudor de declarar que a ameaça actual à estabilidade do Governo e da situação política não advém da esquerda, mas da extrema-direita!...

Elucidativo, não? ─ Deveras.

7. ─ Os sectarismos e os divisionismos nas forças de esquerda são absolutamente incompatíveis com um processo que é, objectivamente, e se quere, subjectivamente,

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revolucionário: o processo, como se sabe, de transição e de transformação da sociedade capitalista para a sociedade socialista. Mesmo na sua fase pré-revolucionária.

8. ─ ‘A esquerda faz o jogo da direita’. De onde procede ordinariamente o mote tão glosado? ─ Dos partidos da direita e dos fascistas?... Esses não o dizem sequer!... Procede precisamente de partidos e ‘forças de esquerda’ de sinal reformista. Procede daquelas posições filosóficas e políticas, desesperadamente metafísicas, que supõem, ou que o movimento é tudo e a meta não interessa, ou que o movimento não interessa e a meta é que é tudo (Bernstein e Rosa Luxemburgo encontram-se!). Procede, enfim, do oportunismo na estratégia e na táctica.

Pressupor que a Revolução aconteça, ou mercê do determinismo fatalista das simples forças produtivas em marcha, ou por obra e graça do espontaneísmo das massas em movimento, ─ situam-se, ambas as posições, no mesmíssimo pé, face à determinação e realização históricas do processo revolucionário. Nada de miragens, pois. Acaso existe, a nível antropológico da evolução cósmica e biológica, espírito sem matéria ou matéria sem espírito, pensamento sem acção ou acção sem pensamento?! O conclamado espontaneísmo das massas outra coisa não é senão, em última análise, o eco fiel de todos os vícios e contradições da classe dominante, que ela mesma impôs cristalizadamente através da sua posição hegemónica na cultura. Há que abrir bem os olhos para isto.

As forças reformistas, todas elas, passam uma tangente ao círculo globalizante do processo revolucionário. O oportunismo é o seu alimento, na estratégia e na táctica, como não pode deixar de ser. As forças e organizações revolucionárias, pelo contrário, têm sempre a meta bem presente e é em função da meta que traçam o caminho justo. Porque ‘compañero, no hay camino’! Há que rompê-lo e traçá-lo. Estratégia e táctica definem-se, assim, como meios para atingir o fim; a oportunidade e a historicidade de tácticas e estratégias têm então o seu pleno cabimento e justificação. Privilegiando as análises de situação em função somente do que chamam forças políticas em presença, e estas ainda criteriadas em última análise pelas alianças internacionais existentes, os reformistas esquecem a meta e absolutizam estratégia e táctica. A ausência de acção cultural revolucionária de massas e o cupulismo da direcção política são os seus corolários.

De onde provém, na história política, o reformismo? Em que patamar se situam esses partidos que se querem de esquerda mas são reformistas, que estão constantemente a martelar aos ouvidos das massas trabalhadoras o mote da precaução: ‘A esquerda faz o jogo da direita’; ou mais incisivamente: ‘a extrema-esquerda está a fazer o jogo da direita’?

Antes de mais, convém notar: se, num dado xadrez político-partidário global, há organizações autónomas de extrema-esquerda, é porque há igualmente em presença organizações autónomas de ‘esquerda reformista’. Mas, então, deve afirmar-se claramente: Quem faz o jogo da direita são, antes de mais, os partidos reformistas ─ e isso, institucionalmente e não apenas pontualmente ─, os quais escamoteiam a Revolução com as suas alianças de cúpulas com os partidos burgueses e, por isso, com a passagem a segundo plano da luta de classes. Na história política moderna, e valendo-nos de uma simples apercepção empírica da vida política quotidiana, a tentação reformista procede dos seguintes factos comezinhos: Há uma sociedade burguesa omnienvolvente; nessa sociedade há partidos políticos, no plural, como convém a uma ‘democracia política’ burguesa; no tablado dos partidos, há os que se reclamam da ‘ordem estabelecida’ (e do capital), (sob a forma da ‘economia nacional e seus interesses’), e os que se reclamam dos trabalhadores e da classe operária. Por força da hegemonia cultural, política e jurídica (sem falar já da económica, na infraestrutura) da classe dominante, os partidos que se reclamam dos trabalhadores, sobretudo se oficiais (não clandestinos), ainda que na oposição, têm tendência a edificar-se, pela lei da inércia social, sobre o mesmo patamar constitucional e político que os partidos da burguesia e do capital. É fácil assim sucumbirem a procedimentos

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análogos aos dos partidos burgueses: eleitoralismo, política de gabinete, dirigismo cupulista, prevalência da ‘política de blocos’ e de ‘alianças internacionais’ sobre os problemas reais das massas trabalhadoras, etc.. É fácil, muito fácil, cederem aos mesmos processos da conquista do Poder que utilizam os partidos da classe dominante, e tentarem apenas reformas para uma sociedade que, na sua raiz, permanece sempre a mesma.

Que se passou? A luta de classes e o projecto da nova sociedade a construir passaram a segundo plano ou diluíram-se por completo; e para primeiro plano saltaram os conflitos entre partidos. Diversificação das ideologias e conflitos entre ‘ideologias partidárias’ sobrepuseram-se à Ciência política. Os reformistas acabam, assim, por aceitar o imperativo categórico da cultura e da sociedade burguesas: partidos de direita e partidos de esquerda são seriados no mesmo rol!... Política partidária acima de tudo, não a política de classes, ─ eis o lema dos reformistas.

A conotação de ‘extrema-esquerda’ ou ‘esquerda revolucionária’, que eles imputam a organizações políticas à sua esquerda tem aí o seu início pragmático.

Conclusão A): Se os partidos que se reclamam da classe operária e dos trabalhadores em geral atribuíssem o primado absoluto à análise e à actuação em termos de luta de classes ─ o que implica, negativamente, que tais partidos não atribuam a prioridade aos conflitos e divergências entre partidos do ‘mesmo pai’ (o proletariado) ─, não haveria reformismo nem partidos reformistas (a reclamarem-se dos trabalhadores, na luta contra o capital); reunir-se-iam as condições históricas para a formação de um só Partido (revolucionário) dos trabalhadores assalariados, do proletariado, em suma, e a alvorada da nova sociedade socialista não se faria esperar muito.

Conclusão B): A precaução matraqueada aos ouvidos das massas trabalhadoras, expressa no mote ‘A esquerda faz o jogo da direita’, denuncia, por si mesma, a índole reformista do partido ou partidos que o proferem. Além disso, deixa assomar claramente aquela precaução a incapacidade desse ou desses partidos para aglutinar todas as massas trabalhadoras e forças revolucionárias. Na análise e na actuação científicas (não ideológicas) da luta de classes, um só galo basta numa capoeira; e não é bom que haja pluralidade de galos: ─ A capoeira divide-se…

9. ─ A classe operária e todos os trabalhadores assalariados (o proletariado e inclusive os diversos graus de ‘lumpen-proletariado’, a massa de desempregados e semi-empregados) precisam efectiva e iniludivelmente de um grande Partido. De contrário, o processo revolucionário não será preparado, não se erguerá impetuosamente como um só homem no momento decisivo da tomada do Poder, e, sobretudo, não se consumará. A Revolução não é só um acto político-militar que se realize pontualmente num dado momento da história. Um processo revolucionário socialista não tem por missão apenas destruir, negativamente, os velhos poderes políticos e a velha, anquilosada e contraditória sociedade capitalista; mas também construir, positivamente, os novos poderes e a nova sociedade socialista, ─ taco a taco. Nesse processo, não se destrói verdadeiramente o velho sem se construir, simultaneamente, o novo: É a própria lei da Dialéctica que no-lo esclarece.

10. ─ Um amplo movimento das massas trabalhadoras que na experiência concreta da luta começa a organizar-se, sempre numa perspectiva de luta de classes, fácil e normalmente se transforma no grande Partido da classe operária e de todos os trabalhadores assalariados. Esta é a lei sociológica ordinária para a fundação e formação do Partido. (Foi o que ocorreu com a formação da A.I.T. do tempo de Marx e Engels; foi também o que se passou, tudo sopesado, com a formação, nada precipitada, do P.C. de Cuba).

Quando se passa o contrário, isto é, quando histórico-politicamente é o partido, já formado (e relativamente dogmatizado), que precede a movimentação revolucionária das amplas massas trabalhadoras, é fácil e natural incorrer-se em dois géneros de vícios e desvios: a)

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O partido, normalmente constituído, nos seus dirigentes, por intelectuais, elementos que são ordinariamente de extracção pequeno-burguesa, embrulha-se em comportamentos e actuações de carácter dirigista e cupulista, desligando-se, assim, ele que deve ser a alma, do corpo que são as massas trabalhadoras, as mais amplas possíveis. De resto, a condição de intelectuais orgânicos (os intelectuais perfeitamente identificados com os direitos e interesses da classe trabalhadora e seus porta-vozes), que aqueles dirigentes devem possuir, por contraposição à de ‘intelectuais tradicionais’, dificilmente se pode assegurar com determinação e eficácia naquele esquema de formação do partido. b) Formado desse modo, o partido cede facilmente à tentação do hege-monismo e das políticas de gabinete, fomentando, assim, o surto (como cogumelos) de outros pequenos partidos que procuram actuar mais consequentemente, evitando o reformismo, em defesa das classes trabalhadoras.

Em resumo, pela sua própria estruturação, organização e funcionamento, o partido que devia ser verdadeiramente das classes trabalhadoras e por conseguinte revolucionário, deixou-se homologar, dentro do cenário político global, no rol dos partidos burgueses; e um partido que devia ser de massas e com carácter de classe, volveu-se em partido interclassista, em partido de personalidades e de actuação cupulista (o que é essencialmente característico dos partidos burgueses). Há, pois, que estar bem atento para não pôr o carro à frente dos bois! Alerta: os Trabalhadores não conspiram na sombra, organizam-se e lutam à luz do dia, a céu aberto! Já Marx o afirmava solenemente na A.I.T..

Num verdadeiro partido das classes trabalhadoras, não existe (não pode existir) relação do tipo: a banda passa e toca e a multidão comparece e amontoa-se, para depois dispersar!...

Aliás, quando se fala de partido de massas e de classe, deve saber-se que massas não são multidão. O Partido da classe trabalhadora tem duas funções gémeas de que nunca pode abdicar: a função de direcção (política) e a função de educar e ensinar as massas trabalhadoras. Se ele constitui a consciência colectiva e perdurante do prole-tariado, isso não é apenas (não pode ser) para o exercício (cupulista e hierarquicamente estratificado) da função de direcção política.

Aqui também, continua válido o que Marx escreveu nas Teses sobre Feuerbach: ‘O educador precisa de ser educado’. Ao longo destes dois anos e meio do nosso processo revolucionário e contra-revolucionário, a segunda função de que se fala tem sido quase totalmente preterida, ─ e nos dois sentidos seguintes: a educação das massas por parte dos dirigentes e a educação dos dirigentes por parte das massas. Por isso se assistiu à proliferação de partidos de esquerda, à importância extrema e absoluta conferida aos partidos em geral, a qual se fez acompanhar da monomania enlouquecedora do pluralismo partidário, ─ como se este fora a última e decisiva caução política de um regime e vida democráticos!... Por isso, se fez, em suma, o jogo querido da burguesia e da falsa ‘democracia política’ da classe dominante. E nos conflitos que surgiram entre os diversos partidos de esquerda, assim constituídos, e que, não obstante, se reclamavam e reclamam das classes trabalhadoras, todos esses partidos acabaram, em maior ou menor grau, por reivindicar a sua qualidade exclusiva de vanguarda da classe operária e dos trabalhadores em geral… E, no fim de contas, a Revolução perdeu-se, ou está em vias de se perder, relegada para os grandes ritmos seculares da História.

Ou estará a pressupor-se, porventura, que os capitalistas e seus lacaios façam a Revolução socialista dos trabalhadores assalariados?!... O acto crítico e o acto criador são estruturalmente inseparáveis, na arte como na ciência, na economia política como na cultura.

Conhecer o que se critica é, simultâneamente, conhecer, pelo menos em projecto já presente, o que se pretende criar. Exprime isto uma verdade comezinha: A luta de classes abarca toda a realidade social e penetra-a até à raiz. Dissociar sistematicamente e processualmente que seja aqueles dois actos, trará em última análise como consequências: a prática e a teoria políticas da

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conciliação de classes; a errada concepção da Revolução socialista reduzida à simples acção polí-tico-militar da tomada do Poder.

11. ─ Um só Partido, amplo e autêntico, das classes trabalhadoras é necessário, e a sua falta tem-se feito sentir gravemente no processo político português.

Esse Partido, porém, não surgirá (não poderá surgir) de novas alianças cupulistas do tipo da F.U.R.. Não poderá surgir também por força da hegemonização de um partido de esquerda sobre os restantes.

Especificamente, por força da hegemonização do P.C., ─ mantendo-se, evidentemente, este partido tal como se tem apresentado até à data.

O verdadeiro Partido das classes trabalhadoras terá que dirigir e educar (e ser educado pelas massas). Só dois pontais seguram o toro, na serração manual. Um só deixa-o cair.

Direcção e educação ─ as duas funções gémeas ─, significa isso que não basta a simples actuação pontual na luta de classes, a qual, como vimos, é globalizante e total. Significa isso a necessidade de uma educação permanente das massas (e dos dirigentes): actividades culturais revolucionárias (culturais, no sentido crítico e mais amplo da palavra: descobrindo-se aí o elo de ligação entre ‘infra-estrutura’ e ‘superes-trutura’, é aí também que as massas se podem esclarecer e elevar a sua consciência de classe), criteriosamente planificadas e organizadas na sua execução. Não se esqueça que a Escola da burguesia nunca ensina a Revolução! ─ Apontar tão-só para actuações pontuais (ainda que verdadeiramente revolucionárias numa dada situação) é consentir, em última análise, nos vícios do dirigismo e do cupulismo estruturais, cavando assim o fosso entre dirigentes e massas e atenuando ou extinguindo a força revolucionária que das massas tem que partir para que a Revolução possa vingar.

12. ─ Um só Partido das classes trabalhadoras é necessário em Portugal (e é possível).

Mas nada de pressas sôfregas a nível da actividade conciliatória de cúpulas dos partidos de esquerda. Sincretismos e conciliarismos a nada levarão. No estrito patamar de actividades e esforços conciliatórios das cúpulas dos partidos, essa conciliação não só seria mais um malogro como também, para alguns partidos, se não para todos, um sonho de noite mal dormida.

Antes de tudo ─ convém advertir ─, há-de ser o próprio movimento organizado das massas trabalhadoras que, alargando o seu volume e aprofundando as suas motivações, há-de criar, por exigência própria e natural, o verdadeiro Partido revolucionário da classe trabalhadora no seu conjunto. Assim formado, esse Partido nunca esquecerá a meta a atingir; e porque não esquece a meta, será capaz de abrir e traçar, passo a passo, luta a luta, o caminho justo. Nessa perspectiva, põem-se agora duas questões candentes e de extrema actualidade para o processo político português, pelo que concerne ao relançamento da ‘revolução dormente’ e à formação do futuro Partido unitário das classes trabalhadoras: a) Uma é a questão sindical. b) A outra é a da promoção e criação das organizações populares de base (CC.TT. e CC.MM.) com carácter unitário e revolucionário, isto é, sempre atentas à defesa dos interesses dos grupos e camadas sociais mais desprotegidos e explorados.

A) Questão sindical: É indiscutível que precisamos de uma C.U.T. (Central única de Trabalhadores). Essa Central terá que ser a expressão, no topo, correcta e exigentemente democrática da unicidade (unidade na lei) e da unidade de facto dos sindicatos e dos trabalhadores. Isso consegue-se, ─ desde que, nos sindicatos, esteja sempre presente a óptica de classe nas suas análises e actuações, e não a óptica deste ou daquele partido. Face ao Congresso nacional dos Sindicatos que se realizará dentro em breve e do qual esperamos que resulte a decisão da C.U.T. acima definida, os aparelhos partidários terão que ‘largar o osso’, não se imiscuir, não mais tentar a manipulação. A C.U.T. não pode ser a ‘correia de transmissão’ deste ou daquele partido. O que decidida e decisivamente deve estar em causa nesse Congresso, não é uma ‘política de partido’, situada inevitavelmente num xadrez de pluralidade de partidos de esquerda (e até de direita…)

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que se reclamam dos trabalhadores; o que deve estar em causa é uma política de classe: a dos trabalhadores assalariados contra o capital e seus interesses. É preciso que, no Congresso nacional, os Sindicatos saibam politizar classistamente e não partidariamente, toda a matéria sindical em que estão envolvidos.

Constituiu sempre um erro de graves consequências históricas distinguir e separar, como muitas vezes se tem feito, o domínio sindical e o domínio político-partidário. Tanto mais grave quando partidos que se reclamam da classe operária aceitam passivamente esse estado de coisas que a burguesia lhes impõe. Pois, não é no domínio sindical e do trabalho (salários/preços, lucros ← mais-valia) que a luta de classes se faz sentir mais aguda e fragorosamente?! Conduziu isso a despolitizar as questões sindicais, a ceder à social-democracia primeiro, e depois, às formas fascistas de Governo; levou isso à situação em que o Partido que se reclama dos trabalhadores pactua, não só pontualmente, mas também institucionalmente, com os interesses do capital e seus lacaios. Conduziu isso ao empolamento do Partido dito dos trabalhadores ─ a rã da fábula, ao desafiar o boi, inchou tanto que rebentou… ─ e ao consequente enfraquecimento e castração do Movimento sindical. Conduziu isso à triste ‘necessidade’ (!...) da manipulação dos sindicatos pelo partido (ou partidos) dito dos trabalhadores. E não se esqueça o seguinte: Quando e se essa manipulação surge como ‘necessidade’, é porque o Movimento sindical foi castrado e porque não há em presença um só Partido das classes trabalhadoras mas vários, que entre si disputam a condição de vanguarda das massas trabalhadoras.

O Congresso nacional dos Sindicatos é tão importante que é por ele que passa a vertebração de um Movimento sindical unitário, de visão classista e revolucionário, reforçado e alargado, actuando no estilhaçamento dos espartilhos partidários. E na actual conjuntura económica, social, política e militar do processo português, que se iniciou em 25 de Abril de ’74, é por esse Movimento sindical, unitário e revolucionário, que passa, essencial e decisivamente, a formação futura do verdadeiro e único Partido das classes trabalhadoras. Ou ficarão as forças de esquerda deste país à espera de se unirem quando o fascismo de novo nos bater à porta?!... (É a outra alternativa que só o sarcasmo da história, ancorado na inépcia, estupidez e dogmatismo de posições sectárias nos pode oferecer!...).

B) Organizações Populares de Base: Nas suas análises e actuações, as Comissões de Trabalhadores e as Comissões de Moradores têm de se constituir e funcionar como expressão genuína da democracia directa, e tendo sempre presente uma nítida marca de classe. Serão indispensáveis ao processo revolucionário. Quando os partidos de esquerda as abandonaram, depois de as haverem tentado manipular, os G.D.U.P.s foram a única organização política que as ajudou e assistiu, promovendo ainda a sua multiplicação. Bom sintoma da determinação revolucionária dos G.D.U.P.s!.

As próximas eleições para as autarquias locais são importantes. Delas poderá depender, em boa parte, uma alteração gradual que reponha em dia o imperativo do processo revolucionário (o que, de resto, já está a ser urgido objectivamente pelo estado catastrófico da economia e seu funcionamento). Mas uma questão-charneira se deve pôr desde já: Na actual situação política, será possível que as próximas eleições para as autarquias locais consigam abalar suficientemente o actual cenário político saído das últimas eleições parlamentares e, sobretudo, das presidenciais? Outra questão com esta conexa: Os futuros órgãos (referimo-nos mais aos homens do que às respectivas instituições definidas na Constituição Política), resultantes dessas eleições, serão susceptíveis de funcionar em compatibilidade com as organizações populares de base, caracterizadas, como se impõe, pela sua marca de classe e pela sua natural democracia di-recta? (De desejar seria que aqueles as incentivassem e promovessem

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a sua multiplicação! ─ Mas isto não passa de uma tirada de humor…). A primeira questão tem a sua resposta provavelmente negativa nas posições já anunciadas pelos partidos maioritários de concorrerem separadamente. Com o seu constante e bem típico eleitoralismo de ultimato, o P.S. já declarou (na entrevista de 19 de Set. a ideia não foi desmentida) pela voz do PrimeiroMinistro que estaria disposto a abandonar o Governo caso não atingisse as percentagens das eleições parlamentares… A segunda questão tem a resposta negativa que a própria Constituição, híbrida como ainda é, lhe dá.

13. ─ Entretanto, e a propósito da segunda questão, um problema prático de grande alcance se levanta: o de saber se os G.D.U.P.s vão alargar decididamente as percentagens obtidas aquando da candidatura Otelo. Pelo menos, é duvidoso. Não obstante, é de empreender todos os esforços para que essas percentagens se alarguem significativamente. (É claro que este juízo, um tanto pessimista, parte da actual situação política).

A razão principal dessa luta na frente eleições para as autarquias locais reside no facto de os G.D.U.P.s (e mais largamente, o M.U.P.) constituírem ainda neste país o que podemos chamar a coluna dorsal de um processo que é objectivamente e se quere subjectivamente revolucionário. Neste sentido, M.U.P. e G.D.U.P.s podem ser a esperança que ainda resta. Daí as suas enormes responsabilidades.

14. ─ Mas, um M.U.P. revolucionário não pode, no actual contexto político-partidário, sucumbir à tentação de endossar precipitadamente a condição de partido para concorrer que seja às próximas eleições para as autarquias locais. Colocar-se desde já no tablado do pluralismo partidário, rivalizando forçosamente com os outros partidos de esquerda, poderá ser o desastre para a missão histórica (assim o podemos considerar objectivamente) que lhe incumbe.

Se, pelo contrário, se pretende que a sua actuação seja consequentemente revolucionária ─ o que se poderá concretizar polarmente em dois pontos: a intransigente perspectiva de classe e a prática da democracia directa ─, a sua acção terá que desdobrar-se em quatro frentes principais: a) frente sindical: em todos os escalões, desde a base ao topo, os militantes do M.U.P. deverão estar presentes e actuar revolucionariamente para que se estabeleça, sem ambiguidades, no momento que se avizinha, uma C.U.T. democrática e revolucionária (não se esqueça que a frente sindical é decisiva); b) frente das organizações populares de base: sem nunca perder de vista o princípio da democracia directa e a perspectiva de classe; sobremodo as CC.TT. deverão ser acarinhadas e multiplicadas; c) frente das eleições para as autarquias locais: agindo porém segundo processos e tácticas que, por certo, não vão ser utilizados pelos partidos maioritários (mesmo de esquerda): referimo-nos fundamentalmente ao levantamento, em assembleias populares, dos ‘cadernos reivindicativos’ das necessidades e carências das populações; em vez de se elaborarem listas de nomes, de personalidades, passando-se-lhes depois um cheque em branco, elabora-se o rol das necessidades e carências: através desse processo, surgem naturalmente as pessoas mais empenhadas e reco-nhecidas por todos ou por uma maioria efectiva; quer dizer, não se passa cheque em branco; d) frente dos militares suprapartidários e revolucionários provadamente ligados ao povo pobre, oprimido e explorado.

15. ─ G.D.U.P.s e M.U.P.. As três componentes de que se tem falado e ainda o esclarecimento da tese anterior. O M.U.P. ─ salientou-se no Plenário nacional de 1 de Agosto ─ é integrado por três componentes: Os G.D.U.P.s, as organizações populares de base, os militares revolucionários empenhados na defesa dos direitos e interesses do povo pobre e oprimido.

Esquecer estas três componentes para reduzir o MUP aos GDUPs é um erro que, antes de mais, enfraquecerá inevitavelmente o MUP. Sendo embora, actualmente, a componente GDUPs a mais importante do ponto de vista organizativo, a identificação pura e simples do MUP com os GDUPs e a transformação dos GDUPs (ou do MUP) em partido ─ transformação que se julga

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precipitada e sem sentido no actual momento político ─ conduziriam a uma situação em que os GDUPs ou o próprio Movimento de Unidade Popular (por diástole) facilmente viriam a ser conotados como ‘mais um partido entre os outros’. Estes são dois riscos graves que os GDUPs e o Movimento de Unidade Popular não podem correr na actual situação política. Se, desde o princípio, houve a preocupação de não reduzir o MUP aos GDUPs, mas, pelo contrário, a preocupação de considerar as três componentes no MUP, isso deveu-se também, e fundamentalmente, ao imperativo de não criar ‘mais um partido’ na cena política nacional. Ora esse imperativo mantem-se actualmente.

O Movimento de Unidade Popular pretende ser um largo movimento de massas: trabalhadores, moradores, sindicatos, militares revolucionários; movimento revolucionário e de constante e exigente marca de classe, nas análises e actuações a empreender. Por isso mesmo, ele não pode deixar de contar com o Movimento sindical: E agora, face ao Congresso nacional dos sindicatos que se avizinha, o MUP tudo deverá fazer para, em todos os escalões sindicais, promover, antes, no e depois do Congresso, a unidade de facto e a unicidade (= unidade na lei) de todos os sindicatos. O MUP pouco ou nada será no futuro sem uma C.U.T. verdadeiramente de classe e revolucionária. Assim, falamos claramente de uma quarta componente do MUP ─ a das orga-nizações sindicais e da C.U.T., a qual não é, por certo, a menos importante. Ela constitui, até, no actual momento político, a mais decisiva para reerguer o ímpeto de um processo global que não pode deixar de ser revolucionário.

16. ─ Eleições para as autarquias locais. ─ Legalização dos GDUPs ou do MUP como partido, por causa das eleições para as autarquias locais?! As próximas eleições para as autarquias locais irão demonstrar as seguintes alternativas que vamos alinhar em dois quadros (o segundo dependerá do primeiro): A) Ou os novos organismos administrativos vão ser preenchidos por gente progressista e revolucionária, capaz de defender os direitos e interesses do povo pobre e das massas trabalhadoras,/ou vão ser ocupados pelos velhos caciques do fascismo ou por novos caciques sem escrúpulos ou com eles; ou vinga o progresso e o desenvolvimento económico e social, a seriedade e a democracia na gestão local,/ou vingará o atraso e a estagnação, a corrupção e a política de privilégios e compadrios; ou vinga uma ampla e democrática participação popular para se construir efectivamente uma vida e uma sociedade novas,/ou vingará o velho ou novo caciquismo, sempre reaccionário; ou se fomentará a descentralização efectiva e a autonomia administrativa, local e regional,/ou se impedirá, muito simplesmente, que o regime democrático seja realidade em todo o país.

B) Ou as listas de candidatos vão ser elaboradas num processo de amplas assembleias populares, onde se faça o rol de todas as principais carências e necessidades da população, e, em tal caso, o que primeiro deve contar não é a composição da lista segundo filiações partidárias ou independentes, mas os programas de luta e reivindicações das próprias assembleias populares,/ou as listas de candidatos vão ser elaboradas segundo critérios de prestígio, escolha de personalidades, e, nesse caso, far-se-ão apenas comícios para solicitar a assinatura de cruz das populações, os programas de luta não existirão ou passarão a segundo lugar. O caciquismo prosseguirá e a ampla participação democrática do povo, prevista até na Constituição, não se efectuará.

Neste contexto, e tendo em conta outras dimensões políticas que há que conjugar, entendemos, face às eleições para as autarquias locais, especificamente, assembleias e câmaras municipais (que é o caso pendente), que nem os GDUPs nem o MUP se devem legalizar como partido a fim de poderem concorrer. Quanto à coligação dos partidos integrados nos GDUPs, achamos que essa solução constitui ainda um risco que não se deve correr. Isto mesmo em função do que justamente pretende ser o MUP no momento histórico que atravessamos. Esta

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solução poderia certamente considerar-se um mal menor, ─ mas, não convém adoptá-la no momento presente. Tudo somado, foi positivo e fecundo que o MDP/CDE se houvesse transformado em partido para concorrer às primeiras eleições parlamentares?!... Ressalvando a considerável desigualdade das situações, convém recordar essa lição. Face às eleições para as autarquias locais, a questão central está noutro patamar: serem ou não os partidos a concorrerem a elas. Boa parte do nosso povo e um largo sector de homens progressistas e revolucionários estão saturados da ‘guerra dos partidos’. Não deveriam, por conseguinte, ser os partidos a concorrer, mas grupos de cidadãos e, no que toca a organizações, somente as sindicais (unitariamente), as comissões de trabalhadores e as comissões de moradores. Esta deveria ser a nossa luta para já.

Decisivo é que não sejam os partidos a concorrer. Por isto se deveria bater desde já o MUP e os GDUPs, actuando junto dessas organizações e fazendo valer perante a opinião pública e as autoridades constituídas a verdade desta tese. A partidarização infrene da vida política nacional (sobretudo no leque dos partidos de esquerda ou que se dizem tais) a isto nos levou: a chapinharmos na lama e a desconfiarmos uns dos outros; cada partido pontificou na sua capela! E a mais nos levou: a não sabermos pensar nem agir senão dogmaticamente; dir-se-ia religiosamente! E há quem chame democracia ou vida democrática a este montão de cidadãos emparedados a que, contrarrevolucionariamente, o processo português nos conduziu!... A Dialéctica foi soterrada. Ora, essencial à dialéctica é conhecer e praticar o princípio: Toda a acção tem duplo efeito. Exemplo significativo: Manter afastados dos quartéis, em situação de liberdade condicional e marginalização, após o 25 de Novembro, militares decididos a lutar contra a conspiração fascista em curso,/e fomentar positivamente essa mesma conspiração fascista, ─ são dois efeitos da mesma acção dos actuais governantes e de que eles são, em absoluta paridade dos dois efeitos, os primeiros responsáveis. Pretender uma coisa e não a outra é transplantar-se angelicamente para a ‘inocência do paraíso’; é negar a inteligência e iludir a realidade!

II (Parte positiva da análise)

ALTERNATIVA EXPLICITADA 1. ─ Plano inclinado para o fascismo a curto ou a médio prazo (neofascismo de demagogia ‘socializante’, que procurará assentar num capitalismo de ‘primeira ordem’, como convém a uma metrópole que perdera as colónias, ─ mas em vão, por causa do reduzido volume de recursos e forças produtivas nacionais…),/ou construção corajosa do Socialismo com as classes trabalhadoras. Eis o dilema em que nos envolve e aperta, cada dia mais fortemente, o processo político e sócio-económico português. Apesar de tudo, a situação internacional favorece cada vez mais a solução socialista. Contra o que ilusoriamente alguns já pensam, a recente crise mundial do capitalismo ainda não foi ultrapassada. Tentar, internamente, uma solução de social-democracia significa não resolver a crise nacional, que é bem mais grave do que alguns fazem crer, preocupados que andam tão só com a contabilidade do input e output.

Abram-se os olhos somente para as relações (sociais) de produção (fazem parte integrante da economia, mesmo em termos de contabilidade): em muitos sectores da economia nacional, elas encontram-se literal-mente num beco sem saída.

2. ─ O Governo constitucional P.S. (não se esqueçam todos os anteriores governos provisórios, à excepção do IV e sobretudo do V, que foram de prioritária orientação P.S.) não

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tem conseguido, até à data, nem conseguirá a estabilização pretendida em ‘democracia política’ burguesa. O apaziguamento das ‘tensões sociais’, de que recentemente falou o PrimeiroMinistro, também não o conseguirá, porque elas já se anicharam, a nível económico, nas próprias relações de produção. A crise económica é já, deliberadamente e sem disfarce, crise política, mesmo para os que, por princípio, separam o político e o económico. A não ser com um forte aparelho repressivo, tanto legal como policial e armado, que, em troca do aumento da produção (para os interesses do capital), instaure a condição de escravos para os trabalhadores, ─ o Governo P.S. não vencerá a crise.

Pois, que tem feito o Governo P.S. senão abrir as portas aos interesses da C.I.P., da C.A.P., do PPD e do CDS?! O adiamento do julgamento dos Pides, dos fascistas notórios e da imprensa reaccionária ─ em que está a resultar senão num abrir de comportas a todas as espécies de terrorismo e de golpismos fascistas?! Que podem esperar os trabalhadores de um Governo destes senão que ele próprio venha proximamente a caucionar (sozinho… ou em coligação com partidos da direita e fascizantes) um regime de exploração e de repressão (policial e outras) sobre o povo?! Um Governo que está a fazer todas as cedências à direita reaccionária e aos fascistas!... Um governo que, para a solução da grave crise económica, apresenta medidas como: baixar os salários e subir os preços e os impostos, trabalhar mais para aumentar os lucros de quem não trabalha; perante a miséria e o desemprego alarmante, estabelece um ‘pacto social’ para obrigar os trabalhadores a colaborarem na sua própria exploração. Um governo que anuncia leis contra o Movimento sindical ─ desde logo a revogação da unicidade ─, sem esperar pela tomada de posição dos trabalhadores; um governo que está tentando sabotar, através de agentes com pés de lã e com ditos demagógicos afirmando o contrário, a realização a tempo e horas do Congresso democrático de todos os Sindicatos; que está a dividir despudoradamente o Movimento sindical tentando domesticá-lo e manipulá-lo a seu bel-prazer. Que terá de socialista e de democrático esse governo?!... Não estará ele, antes, a actuar já de modo pró-fascista?!

3. ─ Os dirigentes do P.S. e o Governo P.S. têm vindo a trair constantemente, não só o seu Programa de Partido como a própria Constituição Política. O que se vê claramente e dispensa comentários. O comportamento das cúpulas P.S. e do Governo P.S. têm, assim, evitado, ao longo destes 29 meses, que se pusesse uma das grandes questões de fundo da situação política portuguesa pós-25 de Abril: Como articular a criação de condições para o exercício do poder democrático dos trabalhadores com a lógica parlamentar e com o papel e jogo burgueses dos partidos. O P.S. foi mesmo o primeiro responsável deste círculo quadrado que a própria Constituição Política acabou por consignar.

4. ─ Sendo clara a alternativa para o processo político português ─ a construção séria e corajosa da sociedade socialista ─, pergunta-se: Por que canais organizativos ela vai passar? ─ a) Pelas organizações políticas (partidos) que defendam intransigente e consequentemente os interesses e direitos das massas trabalhadoras na sua luta de classes; b) pelas organizações sindicais que, através da sua C.U.T. democrática e revolucionária, desenvolvam uma verdadeira política de luta de classes para a construção do Socialismo; c) pelas Comissões de Trabalhadores e Comissões de Moradores actuando democraticamente e com carácter revolucionário.

5. ─ Os partidos de esquerda, que pretendem defender as massas trabalhadoras e o povo, encontram-se ainda divididos e sectarizados. Nas suas bases, e até nas de partidos da direita, há trabalhadores em grande escala que continuam ou confundidos ou enganados com este estado de coisas. E todos eles, uma vez esclarecidos, poderão alargar a massa de apoio social de um processo revolucionário. Sabendo que a unidade (de classe) se constrói na prática da luta de classes, e não simplesmente com discussões ideológicas entre os dirigentes

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dos vários partidos, ─ é evidente que essa unificação política (de classe) dos vários partidos de es-querda tem de passar, na actual situação, pelas Organizações sindicais, pelas Comissões de Trabalhadores e Comissões de Moradores, actuando democraticamente e com marca de classe, por todos os homens progressistas até agora confundidos ou enganados.

Entretanto, as divergências ideológicas entre os vários partidos de esquerda podem entravar e impedir a construção, na prática da luta de classes, da união e da unidade de um amplo Movimento democrático e revolucionário das massas trabalhadoras e do Povo para a edificação do Socialismo. Este é um facto irrecusável. É nessa perspectiva que, atribuindo-se o primado ao factor prática para a construção, na luta, da união e da unidade, não se pode descurar, no entanto, o esforço a exigir aos dirigentes e militantes dos respectivos partidos para, a nível ideológico, superarem as divisões e os sectarismos. Um dado é incontroverso: a união e a unidade não se construirão pelo simples somatório dos diversos enquadramentos ideológicos e doutrinários dos partidos de es-querda, ─ os quais, cada um por seu lado, tentariam comandar fracções ou sectores das organizações sindicais e das organizações populares de base; mas sim, e efectivamente, pela superação fecunda das diversas forças de esquerda enquanto organizações políticas autónomas.

Outro dado incontroverso: a união e a unidade não se construirão eficaz e consequentemente com uma simples (mas complexa…) acareação e fusão frentista das cúpulas das diversas forças de esquerda; mas a partir das amplas massas trabalhadoras e da sua prática na luta de classes. Não obstante, atenção: A falta de esforço de união ebntre os dirigentes das várias forças de esquerda pode catapultar a construção da unidade daquele vasto Movimento. Em primeiro lugar ─ ponto decisivo ─ é preciso que as direcções das várias forças de esquerda não se hostilizem, não rivalizem em busca da hegemonia, mas se sintam mobilizadas num projecto comum; quer dizer: comecem de-cididamente a dessectarizar-se e se sintam empenhadas, analisando e actuando, numa luta comum que é de classe contra classe (o trabalho contra o capital). É preciso que cada uma dessas direcções morra como vanguarda (única) da classe operária e dos trabalhadores em geral; só em seguida se poderá começar a edificar a verdadeira van-guarda das classes trabalhadoras.

Há, de facto, uma plataforma comum a todas as forças de esquerda: a análise e a actuação de classe. É daí que se tem de partir, quer para a actuação unitária das massas, capaz de forjar ─ ela em primeiro lugar ─ o amplo Movimento de que se falava, quer para o esforço de unificação a desenvolver pelas várias direcções das forças de esquerda.

Esse esforço de unificação não pode temer a discussão entre dirigentes dos vários partidos de esquerda. Só que essa discussão tem de ser sempre pautada, para ser eficaz, pela análise e actuação de classe. Se qualquer direcção partidária se mostra incapaz dessa discussão, revelará ipso facto que não assume como critério soberano a prática e a luta de classes: deixará assomar, dessa forma, o seu enfeudamento ao uni-verso burguês do pensamento e da acção.

6. ─ Assim, as diversas forças de esquerda (partidos, sindicatos e independentes) perguntam-se: Organizar, para quê? ─ Para a construção do Socialismo (científico). Esta é a resposta evidente. O amplo Movimento de que se fala, ainda não tem a sua vanguarda homogenea-mente definida. E essa vanguarda é absolutamente necessária. Ela outra coisa não expri-me senão que há Direcção política (homogénea) para o Movimento e procedente do próprio Movimento de massas. É preciso edificá-la, antes que seja tarde. A Unidade desse amplo Movimento tem de se afirmar, como é evidente, a partir das próprias massas organizadas nos seus locais de trabalho e de habitação. É isso mes-mo que sempre deve estar presente na mente e na acção dos embrionários vanguardistas da unidade desse amplo Movimento que procura empreender a construção da sociedade socialista. Portanto, é de uma unidade de facto que se trata, e não puramente teórica ou de dirigentes cupulistas. A unidade teórica, porém, tem de ser

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construída concomitantemente com a prática das massas; ─ porque há, de facto, necessidade de Direcção política, isto é, de vanguarda.

7. ─ O M.U.P., no actual momento do processo político português, pode e deve constituir o caminho para a formação de uma vanguarda ou Direcção política, capaz de encaminhar seguramente o processo para a construção do verdadeiro Socialismo. O Movimento, porém, terá de contar com as suas quatro componentes (GDUPs, organizações populares de base, associações de militares nos quartéis e fora, organizações sindicais). Agindo unitariamente rumo à construção decidida do Socialismo. A vanguarda a edificar progressivamente será o Movimento como tal que a há-de sancionar no momento oportuno. Movimento de Unidade Popular para o Socialismo, de seu nome e conteúdo, ele procurará preparar e definir, desde já, a sua Direcção política (Orientação), sem a qual se esfrangalhará.

8. ─ Assim, é necessário que do Congresso nacional dos GDUPs saia reforçado, unitário e homogéneo (tanto na vertente da ligação às massas como na vertente das discussões e do esforço de unificação entre dirigentes dos partidos apoiantes), um Movimento de unidade popular para o Socialismo, dotado de uma constante marca de classe e carácter revolucionário nas suas análises e actuações, capaz de produzir uma Direcção política bem definida e firme que saiba preparar pedagogicamente as massas trabalhadoras para a construção revolucionária da sociedade socialista. (A própria ‘ditadura do proletariado’ é ─ deve ser ─ essencialmente pedagógica).

9. ─ Para isso, é preciso e urgente que os partidos que integram os GDUPs sejam capazes de desaparecer como estruturas partidárias autónomas. O que a própria prática de luta das massas trabalhadoras e populares já está a impor desde há tempo! Resumindo, estamos perante este dilema: Ou os partidos que apoiam e integram os GDUPs se mantêm autónomos/e os GDUPs não passarão de um manto envolvente, expressão apenas da tentativa de aglutinação de boas vontades mais ou menos conver-gentes politicamente (e sempre em risco de desintegração); //ou os ditos partidos se fundem, superando a sua autonomia individual, num único movimento unitário, homogé-neo e reforçado na sua actuação revolucionária,/e então o M.U.P. poderá definir clara-mente uma Direcção política unitária e homogénea, firme.

A prática de luta das massas trabalhadoras e populares já demonstrou o que se impõe actualmente: o alargamento e reforço do Movimento de Unidade popular para o Socialismo, e não a sua restrição e enfraquecimento que viria a desembocar muito provavelmente na subsistência dos partidos apoiantes, os quais, perante as grandes lutas que se aproximem, a breve trecho se mostrariam impotentes. Uma vez feita a superação da sua condição de partidos, as referidas organizações políticas poderiam continuar a existir como ‘escolas do socialismo e da prática revolu-cionária’, desde que, evidentemente, a Direcção política do M.U.P. se mantivesse, para todos, unitária e homogénea.

10. ─ Outra questão distinta da anterior (embora com ela conexa) é a de saber se, face às eleições para as autarquias locais, o MUP e especificamente os GDUPs se vão transformar em partido, ou, no caso contrário, se os três (agora dois) partidos se vão coligar para o efeito.

Consideramos um erro pôr a questão neste pé. É uma alternativa que a táctica conjuntural poderá ditar (o que é ainda apressado, porque duvidoso, neste momento), mas que a natureza e as estruturas organizativas do Movimento de Unidade Popular para o Socialismo não podem aceitar. A) A que levaria a solução em alternativa da coligação dos dois partidos? ─ À restrição, primeiro, e depois à desintegração dos GDUPs e do próprio MUP. B) A que levaria a outra solução em alternativa? ─ À transformação dos GDUPs (e do próprio MUP) em ‘mais um partido’ que, ao lado dos outros, concorreria a eleições num cenário político burguês. E por essa via, a sorte do próprio MUP seria muito provavelmente a curto prazo a sua auto-dissolução. A

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solução positiva e fecunda, para este problema conjuntural das eleições para as autarquias locais, já foi suficientemente definida ao longo das teses.

G.D.U.P.s/Movimento de Unidade Popular para O SOCIALISMO. Comissão de zona da Covilhã. 20 de Setembro de 1976.

(O texto foi preparado por Manuel Reis, depois discutido colectivamente e aprovado, com ligeiras alterações, tal como consta supra, pela Comissão de Zona).

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28 DE SETEMBRO de ‘74//28 de SETEMBRO de ‘76 A LUTA CONTINUA: E HOJE, CADA VEZ MAIS DURAMENTE! Que foi o 28 de Setembro de ’74, companheiros e camaradas? ─ Negativamente, uma tentativa de golpe fascista, por parte de Spínola e dos spinolistas, apoiados pela chamada ‘maioria silenciosa’, todos eles conluiados com as empresas multinacionais e o grande capital; pretendiam eles manter este país na miséria e na opressão e, para as ex-colónias, procuravam uma solução federalista que as impedisse de aceder à plena independência política e económica. ─ Positivamente, foi o primeiro passo decisivo de uma série de vitórias dos trabalhadores e do povo pobre: passo positivo que permitiu pôr em marcha o projecto de plena independência para as ex-colónias e, cá dentro, permitiu criar condições para se poder começar a pensar na única solução correcta e eficaz para este país: o Socialismo.

Trabalhadores e Povo estavam então mobilizados e organizados como um só homem!

Tal como no 1º primeiro de Maio. Por isso mesmo, foi possível barrar o caminho ao fascismo e vencer.

1ª Lição dos factos: Companheiros e Camaradas, só unidos e organizados poderemos continuar a vencer. Fora com os divisionismos nas forças de esquerda. E lutemos todos pela linha justa. ─ UNIDOS e ORGANIZADOS VENCEREMOS. Dois anos passados, a que assistimos neste país?

1. ─ Otelo e os militares revolucionários, que se haviam colocado ao serviço do Povo, foram reduzidos ao silêncio. Spínola e os ‘pides’ foram postos em liberdade; o seu julgamento continua adiado para o dia de S. Nunca. As actuações fascistas campeiam em quase todos os sectores da vida nacional.

A reestruturação da crise militar, que se abriu mais dramaticamente depois do 25 de Novembro de ’75, mostrou já os seguintes sintomas alarmantes: instituição da Brigada da NATO com 2500 portugueses em armas a soldo do imperialismo norte-americano; militares e civis fizeram e fazem estranhas ladaínhas de romagens a Pires Veloso, ─ visitas que foram disputadas pelo comando da Brigada da NATO. Os comandos da Amadora continuam a fazer as suas provocações: ─ No bairro da Boavista, onde se verificara uma grande percentagem de votos em Otelo, apareceram lá num dia de festa, e uma testemunha narra o seguinte: “Eles apareceram de jeep. Eram aí uns doze, e actuaram num estilo operacional. Rodearam a gente que estava na festa e vá de apalpar. Incluindo as mulheres. Teoricamente estavam à procura de armas. Se reagíssemos, o que poderia acontecer?” A entrada de armas ligeiras, pelo Norte, destinadas a forças de extrema-direita e reuniões clandestinas de elementos fascistas (entre os quais se incluem filiados da ex-ANP e ‘pides’) constituem novo sinal de alarme. A Direita não desarmou. Terrorismo e rede de bombistas são comandados por Organizações dentro e fora de Portugal. As polícias judiciárias (militar e civil) investigam; mas, no seu legalismo e pretenso rigor, limitar-se-ão a caçar o ‘peixe-miúdo’. O graúdo ─ esse continua à solta.

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2. ─ Nos domínios económico e social, a Direita e o fascismo levantam de novo a cabeça e avançam a passos apressados: O C.D.S. fala como se o futuro lhe pertencesse; a CAP, outra vez impante, já se permite exigir a demissão de Lopes Cardoso no Ministério da Agricultura e Pescas; em contrapartida, o MARN não é atendido nas suas reivindicações legais e constitucionais. Os Patrões estão de novo na ofensiva: despedem ou suspendem dirigentes e de-legados sindicais; e agora, a coberto da legislação governamental, despedem e substituem trabalhadores sem ser por justa causa; adiam ‘sine die’ as negociações dos contratos colectivos de trabalho; não pagam os retroactivos; furtam-se às contribuições para a Previdência; sonegam carteiras de encomendas para precipitar o caos económico e apressar, desse modo, a ditadura fascista. Os trabalhadores deste distrito conhecem bem o que se está passando actualmente nos Lanifícios, por exemplo.

Os patrões têm agora novo processo de dividir os trabalhadores por causa do emprego: Recebem um punhado de desempregados (uma pequena parcela, pois eles atingem mais de meio milhão!...) como trabalhadores eventuais, ao sábado e domingo ou em período de férias dos permanentes. Muito generosos ─ diga-se com ironia ─, eles atiram, assim, os permanentes contra os eventuais. (É o que se está a passar, por exem-plo, na Companhia União Fabril Portuense). Em suma, e não tenhamos dúvidas, essa é precisamente a táctica capitalista para resolver a crise da grande massa de dessempregados. Não fazem justiça social ─ são incapazes disso ─, dividem, isso sim, os trabalhadores por causa do emprego e baixarão globalmente os salários reais de todos os trabalhadores. Aos capitalistas nunca interessou a política do pleno emprego e o trabalho a pleno tempo; nunca lhes interessou a expansão concertada da economia nacional e o inves-timento sério na produção. Quando há crise mais acentuada e profunda ─ como é a nossa ─, a política do capital tem só uma palavra a dizer: ─ São sempre os trabalhadores que têm de apertar o cinto, porque os preços vão subindo sem parar, e para quê?, ─ para encher cada vez mais os bolsos dos capitalistas.

Companheiros e camaradas, há uma só solução para tudo isto: construir, abnegada e decisicvamente, a sociedade socialista.

2ª Lição dos factos: Trabalho eventual, não; trabalho permanente e a pleno tempo para todos, sim. ─ TRABALHO EVENTUAL, NÃO; TRABALHO PERMANENTE, SIM. Mas esta política do pleno emprego só o Socialismo a poderá pôr de pé. ─ SOCIALISMO, SIM; CAPITALISMO, NÃO. 3. ─ Enquanto se arrasta a questão dos bombistas, o Primeiro-Ministro faz o discurso a que podemos chamar com propriedade da ‘crise do Poder’. Quer isto dizer o seguinte: a gravíssima crise económica que atravessamos, é económica, sem dúvida; mas ela é, sobretudo e essencialmente, política. Que política económica nos apresenta o Governo P.S.? Antioperário e de inteira recuperação capitalista (note-se que a própria Constituição estabelece a solução socialista como caminho a percorrer para o nosso país), o discurso de Mário Soares promete o seguinte: (Veja-se bem o contraste): A) No quadrante dos trabalhadores, o que é que ele promete? Redução drástica dos salários reais, ou seja, do poder de compra e do nível de vida: ─ aumento das contribuições para a Previdência; ─ ‘revisões’ de preços, desde já o aumento dos transportes; ─ diversas limitações aos aumentos salariais; ─ 13º mês parcialmente em títulos; ─ revisão da lei das rendas de casa. Aumento do desemprego, liberalização nos despedimentos: já se pode ir além da ‘justa causa’; além disso, promete: disciplina nas empresas, eventual racionamento, despejos, desocupações de terras, fiscalização rigorosa das unidades agrícolas colectivas. B) No quadrante dos chamados eufemisticamente empresários e gestores, ou seja, as ‘classes mais favorecidas’, ─ que promete ele? ─ Devolução de empresas intervencionadas, e

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mesmo se for caso disso, de empresas abandonadas pelos patrões; ─ não mais intervenções, não mais nacionalizações; ─ ‘revisões’ de preços; ─ contenção salarial; ─ liberalização dos despedimentos; ─ não pagamento dos dias de greve; ─ respeito pela hierarquia e restauração da disciplina nas empresas; ─ combate ao absentismo e à ‘preguiça’; ─ horário de trabalho mínimo. Além disso, promete-lhes ainda: indemnizações aos ‘expropriados’, revisão da lei das rendas, ‘mecanismos de compensação’ para senhorios de casas ocupadas, pagamentos de impostos em acções. Companheiros e camaradas, que é isto senão uma política económica de inteira recuperação capitalista?! Resumindo: a) o aumento dos salários (eles já estão a ser reduzidos com o semi-congelamento do 13º mês) não poderá, de forma alguma, acompanhar a incessante subida dos preços; b) essencial no discurso de Mário Soares é o ataque político que ele desfecha contra os trabalhadores: dividindo-os entre ‘atrasados’ e ‘avançados’, e opondo os que supostamente ganham muito aos ‘verdadeiros’ explorados.

Ora essa é, precisamente, a lógica capitalista em período de crise: dividir os trabalhadores, atirar a pequena burguesia (‘quadros’, trabalhadores de carteira, empregados dos serviços, da administração, do ensino, etc.) para as mãos da Direita. Exactamente o contrário de uma política económica que abra caminho para o Socialismo, como prescreve a própria Constituição. O Ministério do Trabalho, por seu turno, não quer saber de uma verdadeira e democrática participação dos trabalhadores e seus Sindicatos, na legislação que está a elaborar sobre as condições de trabalho. Só como exemplo: 15 dias bastam-lhe, para que os Sindicatos se pronunciem!... Quer dizer: Tudo se conjuga para enrolar os trabalhadores e esmagar seus direitos e interesses!... No M.E.I.C. e nas escolas, faz-se a depuração de homens progressistas e instala--se a política obscurantista pró-fascista, para agradar ao C.D.S.. Conclusão: o chamado 1º Governo constitucional continua a trair o programa do seu próprio Partido e, agora, a rasgar muitos artigos da Constituição. Não será prova do que afirmamos o próprio facto de se ter formado recentemente um Grupo de Defesa do Programa do P.S., nas próprias fileiras deste partido?!

Mas os trabalhadores não se consideram derrotados ─ como demonstraram os resultados das eleições presidenciais. Eles sabem, agora, pela prática das suas próprias lutas, que é possível e indispensável realizar a aliança entre a pequena burguesia e a classe operária, entre os operários da cidade e os trabalhadores do campo; em suma, realizar a Unidade Popular para a construção do Socialismo.

Assim, se a aplicação das medidas preconizadas pelo Primeiro-Ministro contém sérios riscos de regresso próximo da Direita autoritária ao Poder, ela oferece também a possibilidade de se construir uma aliança popular, capaz de proporcionar uma solução económica que não consista apenas em mais sacrifícios para os trabalhadores. “Uma solução socialista e popular, que ponha à frente o aumento da produção, contando com as nossas próprias forças, que altere os padrões insustentáveis de consumo capitalista pela vontade livre e soberana do poder dos trabalhadores. Uma solução, enfim, que rejeite a redução do consumo dos trabalhadores como forma de ‘resolver’ a crise. Uma solução que dê real prioridade à independência nacional, começando por aumentar a produção de alimentos, libertando os camponeses das forças que os exploram. Uma solução que fortaleça a democracia, barre o caminho ao fascismo e permita a construção do socialismo, segundo a única forma possível: contando com a unidade organizada de todos os trabalhadores, rejeitando a política de dividir os trabalhadores e ceder aos capitalistas, a fim de ‘evitar’ que os capitalistas tentem restabelecer um regime repressivo e autoritário” (L. Salgado Matos). Os capitalistas não respeitam a democracia; eles nunca a respeitaram nem respeitam quando os seus interesses estão em jogo!

Mas só venceremos ─ nunca o esqueçamos ─ se estivermos unidos e organizados.

Como a sanduíche, estamos apertados entre a ameaça do fascismo e a construção do socialismo.

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Para sairmos do túnel, companheiros e camaradas, a 3ª Lição dos factos: contar com as nossas próprias forças; e construir a Unidade Popular para o Socialismo. ─ UNIDADE POPULAR PARA O SOCIALISMO Para finalizar, gostaria de abordar, ainda que sumariamente, a actual questão sindical.

Para construir efectivamente essa Unidade Popular rumo ao Socialismo, precisamos absolutamente de pôr de pé uma Central Sindical Única. Sem isso, não se edificará uma decisiva Unidade Popular. Avizinha-se o Congresso Nacional dos Sindicatos. Nas nossas organizações sindicais, companheiros e camaradas, temos de lutar, tenaz e pacientemente, a todos os níveis, para que vingue uma Central Sindical Única, de prática democrática e verdadeira marca de classe. A alternativa, de que agora se fala, entre ‘unidade’ e ‘unicidade’ é um disfarce. O que ela esconde é o dilema entre uma Central Sindical Única e o pluralismo de várias Centrais sindicais, como acontece na França e na Itália. E há novamente por aí grupos estrangeiros, convidados pelos partidos social-democratas, a pretenderem ensinar sindicalismo aos nossos trabalhadores!... Também se enganam os que pensam que a solução para impedir os divisionismos e a cisão no Movimento Sindical, consiste em fazer aliança nos gabinetes entre par-tidários da ‘unidade’ e partidários da ‘unicidade’. Seria isso um armistício sem realismo nem eficácia.

O problema essencial é bem outro e, de igual modo, a solução para a actual questão sindical: ─ Direito de tendência quer dizer, muito simplesmente, direito de fracção; e este, de imediato, pluralismo de centrais sindicais. Por sua vez, um sindicalismo de direcções sindicais, que se bate acerrimamente pela ‘unicidade’, mas que funciona desvinculado das massas trabalhadoras, isto é, que não promove assiduamente plenários gerais de trabalhadores, para tomar as decisões que os próprios trabalhadores democraticamente impõem, acaba por trair as classes trabalhadoras e adoptar uma política sindical reformista, quer dizer, de conciliação com os patrões. Pode dizer-se que ambas as posições se encontram à mesma distância do charco ─ o pluralismo das centrais sindicais!... Porque, na verdade, é o conflito recíproco entre as duas posições que conduz em linha recta à cisão no Movimento Sindical e à instauração de várias centrais sindicais. O verdadeiro problema da actual controvérsia sindical concentra-se nestes dois pontos: 1) Haver ou não haver democracia operária (ampla participação dos trabalhadores nas decisões sindicais) no Movimento sindical e suas organizações; 2) Haver ou não haver perspectiva e critério de classe nas análises e actuações do Movimento sindical e suas organizações. É por estes dois pontos essenciais que o M.U.P. se bate e convida instantemente todos os trabalhadores, com consciência de classe, a baterem-se. Estes devem esclarecer pedagogicamente os outros. Sem polémicas partidárias.

(CENTRAL SINDICAL ÚNICA, SIM; PLURALISMO DE CENTRAIS SINDICAIS, NÃO. UNIDADE POPULAR: UMA SÓ CENTRAL SINDICAL).

O fascismo avança e espreita o golpe. “Um Chile podre, tecido a meias pela inconsciência, a ilusão democratista, o oportunismo, o gosto da política pela política, sem falar na lógica mais insidiosa e potente de interesses ameaçados, não seria um fim menos melancólico para as ‘grandes esperanças’ do 25 de Abril que a sua decapitação brutal e culposa” (E. Lourenço). Quando o Gov. P.S. acusa as forças de esquerda e as lutas dos trabalhadores de ‘desestabilizarem’ a situação, pretendendo tomar a posição de árbitro entre as duas classes

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antagónicas ─ os capitalistas e a classe operária ─, mas fazendo realmente a política da Direita, esse Governo está efectivamente a conduzir, nesta hora de intensa luta de classes, uma política suicida. Está a autodestruir-se como Poder e a escancarar as portas a uma ditadura de Direita. É que a burguesia não actua nem actuará com escrú-pulos ‘democráticos’. Por isso também, os trabalhadores, pela sua parte, ao lutarem até onde for necessário pelas suas conquistas (nomeadamente a reforma agrária), não estarão a ‘desestabilizar’ coisa nenhuma: estarão somente a tomar a parte que lhes cabe, na luta de classes.

Companheiros e camaradas. Unidos e organizados na luta, venceremos a ameaça do fascismo e construiremos o Socialismo. (CONTRA O FASCISMO, CONSTRUÇÃO DO SOCIALISMO!).

Covilhã, 28 de Setembro de ’76.

COMISSÃO COORDENADORA PROVISÓRIA DA ZONA DA COVILHÃ M.U.P. (MOVIMENTO DE UNIDADE POPULAR) PLANO DE ACTIVIDADES CULTURAIS DOS G.D.U.P.s DA ZONA DA COVILHÃ I Sector ALFABETIZAÇÃO (de Adultos) N.B.: Este Sector organizar-se-á, simultaneamente, a partir do centro e da periferia: no centro da Covilhã, realizar-se-ão os cursos para monitores de alfabetização; localmente (e na própria cidade) os G.D.U.P.s procederão ao levantamento dos alfabetizandos. Pretende-se estruturar uma rede de acção recíproca entre a ‘periferia’ e o ‘centro’, ─ o que será também altamente proveitoso e fecundo para o desenvolvimento e organização dos outros sectores.

1. ─ OS DOIS ESCALÕES DE ALFABETIZANDOS: A. Integrar-se-ão no escalão A os Adultos que nunca frequentaram a primária. Objectivos deste escalão: Aprendizagem elementar da leitura, da escrita e das contas. Segundo o método de Paulo Freire, criticamente adaptado. Insistência (psico-peda-gógica) na dimensão político-cultural, até porque os cursos de alfabetização em que nos empenhamos são dirigidos a Adultos. B. Destina-se o escalão B aos Adultos que já frequentaram a primária, mas que, por razões bem objectivas e sociais (!...), perderam os hábitos da leitura e da escrita. Âmbito deste escalão: Sessões de leitura e de escrita comentadas e discutidas. (É da discussão que nasce a luz!). Incidência especial na formação do espírito crítico (e da consciência de classe). Leitura, escrita e discussão em voz alta e com carácter colectivo. Acentuar a dimensão política e cultural, antes de tudo pela escolha pertinente dos as-suntos mais prementes e do interesse das pessoas.

2. ─ ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO: Levantamento dos alfabetizandos, para o escalão A e o escalão B. Poderão fazer-se relações de alfabetizandos

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constituídos em grupos de 10 aproximadamente. Verificar com eles quando estão mais disponíveis; combinar horas e local para o curso de alfabetização. O levantamento será promovido ou realizado pelos G.D.U.P.s: no caso de haver Comissões de Trabalhadores, Comissões de Moradores ou Colectividades culturais e recreativas que se empenhem nisso, o referido levantamento poderá somente ser incentivado e orientado pelos GDUPs; caso contrário, terão de o fazer directamente os GDUPs. Paralelamente ao levantamento, realizar-se-ão na sede dos GDUPs na Covilhã cursos para monitores de Alfabetização (escalão A e B). Há professores já preparados para os poderem realizar e que estão dispostos a colaborar. É de toda a conveniência que os delegados dos GDUPs, uma vez elaboradas as relações dos alfabetizandos, acompanhem, na medida do possível, toda a acção.

O Monitor desempenhará o papel de animador cultural, sobretudo no escalão B pela sua própria natureza.

Completada a aprendizagem no escalão A, os alfabetizandos desse escalão passarão naturalmente para o escalão B. II Sector ESTUDOS DE ECONOMIA SOCIALISTA e HISTÓRIA E FILOSOFIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO N.B.: Promovido e dinamizado pelos GDUPs e seus delegados, este sector começará a erguer-se a partir de um grupo de voluntários, especialistas e não-especialistas, o qual funcionará, numa primeira etapa, a nível do centro de zona. Numa segunda etapa, através da rede criada pelos delegados dos GDUPs, os membros deste grupo de estudos estarão em condições de fazer ‘extensão cultural’ e prestar assistência técnica localmente sobre problemas reais que surjam ou ainda ajudar a erguer cooperativas, etc..

Os trabalhos deste sector desenvolver-se-ão em regime de seminários. Em função da continuidade e da perseverança, os seminários funcionarão com inscrições, apesar de sempre abertas. Os temas serão propostos e escolhidos colectivamente, a partir da realidade vivida com os seus problemas, antes de mais local e zonalmente; a escolha dos temas prestará atenção, simultaneamente, aos mais prementes problemas nacionais ─ economia, acção sindical, linhas e forças políticas em presença, etc.. Para essa escolha, serão mais úteis e decisivos os jornais e os meios de infor-mação em geral (a imprensa escrita séria que nos pode ajudar) do que os próprios livros. Razão: não queremos estudo livresco! Não esquecer, também, os ‘cadernos reivindicativos’ ou inquéritos de carências e necessidades de toda a sorte que os GDUPs vão elaborando.

III Sector ESTUDOS DE SEXUALIDADE E COSTUMES, HIGIENE E SAÚDE; DROGA, ALCOOLISMO, DESEMPREGO; DIREITO AO TRABALHO E À HABITAÇÃO; REGULAÇÃO DA NATALIDADE E POPULAÇÃO, PLANEAMENTO FAMILIAR: NA PERSPECTIVA DO CONFRONTO ENTRE A SOCIEDADE CAPITALISTA E A SOCIEDADE SOCIALISTA. N.B.: Como o anterior, este sector começará a erguer-se a partir de um grupo de voluntários, especialistas e não-especialistas, o qual se constituirá no centro de zona on-de promoverá as suas sessões. Numa segunda etapa, e através da rede dos GDUPs, lançar-se-á na ‘extensão cultural’.

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O grupo funcionará em regime de seminários, com inscrições, apesar de sempre abertas.

Nesses seminários poderão começar a formar-se equipas de esclarecimento e dinamização que, através dos GDUPs locais e com a sua colaboração, irão irradiando toda uma acção progressista nestes domínios.

IV Sector TEATRO, POESIA, JOGRAIS; CANTO LIVRE: CANTO POPULAR E REVOLUCIONÁRIO; MÚSICA E DANÇA. N.B.: É um sector onde se poderão constituir desde logo vários grupos. Consti-tuídos no centro, procurarão irradiar a sua acção, logo que possível, para a periferia, através da rede dos GDUPs e com a sua colaboração.

CONSIDERAÇÕES NECESSÁRIAS E ALGUMAS SUGESTÕES: Teatro popular, progressista e revolucionário: Nada de lições de moral; a personagem testemunha. A palavra tem a dupla função de verificação e denúncia. O resto é metafísica e só serve a contra-revolução. Atenção: não há espectáculos recriativos isentos e neutros; tudo é, básica ou su-premamente, político. É pela desumanidade, denunciada, que se chega à humanidade, projectada e ve-rificada; é pelo desespero que se chega à esperança; é pelo irracional que se chega ao Racional! A Razão humana é vermelha! Teatro, pois, que contrarie a ‘engrenagem’, ou ‘establishment’, o ‘status quo’, a lei e a ordem estabelecidas. É preciso compreender tudo, ─ mas, compreender tudo não é perdoar tudo (como quer o naturalismo). A fonte do teatro é a própria vida. A primeira e última forma de teatro é a arte de viver por parte dos que vivem: o teatro quotidiano (cf. B. Brecht, Estudos sobre teatro). Exemplos desse teatro que floresce na vida quoti-diana: O Senhor Puntila e o seu criado Matti, a Mãe Coragem, as Espingardas da Mãe Carrar, de Brecht; Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto; a Traição do Padre Martinho, de Bernardo Santareno.

Ao lado deste teatro de discurso longo, podemos criar e realizar teatro popular de discurso curto, à base de ‘sketches’, isto é, representativo de quadros da vida real. (Recorde-se a tradição vicentina dos ‘autos’). Nesta perspectiva, temos ainda o teatro de fantoches. Tem este teatro, de discurso curto, o mérito de não embrenhar as pessoas num enredo complicado; bem como o de contrariar a típica intemporalidade do teatro burguês, que gosta muito do discurso longo, de armar ao drama emocional ou divertir alienadoramente. O teatro de discurso curto tem uma ‘acção’ bem localizada e identificada, e permite que as pessoas pensem criticamente.

Muito afins ao teatro de discurso curto, são as jograladas, que tanto poder têm de incentivar a plateia para o diálogo e a prática quotidiana da dialéctica. Na poesia, temos autores como António Aleixo, Daniel Filipe, Pablo Neruda, Thiago de Melo, Vinicius de Morais (vid. O Operário em construção). A par do que podemos fazer com a prata da casa, podemos convidar grupos progressistas de teatro popular para actuar na nossa região (exs. GETAC, CITAC, TUP, GRUPO DE TEATRO DE MEM MARTINS, etc.). No domínio do Canto livre, temos o GAC. Podemos promover festas-convívio com baladeiros e cantores revolucionários, de fora e de dentro da ‘casa’. Não esquecer o grupo de danças e cantares regionais. Podemos ainda promover audição comentada e discutida de discos seleccionados (ex. Jesus Christ Super Star).

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V Sector de IMPRENSA E ANÁLISE POLÍTICA No centro, na Covilhã, constituir-se-á um grupo de voluntários, relativamente disponíveis para poderem acompanhar criticamente a Imprensa falada e escrita (sobretudo jornais e boletins). Objectivos: Recortando textos, reunirão num dossier ordenado os assuntos mais significativos ou que tenham tido projecção e influência na opinião pública.

Periodicamente (por ex., de mês a mês), em plenário de GDUPs, esse grupo, com base na documentação reunida, fará um balanço crítico da Imprensa e procederá à análise política da situação: uma espécie de ‘revista da Imprensa’. Como centro de documentação, o trabalho deste grupo será muito útil aos outros sectores. O grupo poderá empenhar-se na ideia de um jornal ou boletim. Tendo já sido aventada a ideia de um jornal ou boletim dos GDUPs a nível distrital, bom seria que em cada secretariado concelhio dos GDUPs houvesse um sector de Imprensa: esses sectores concelhios de Imprensa fariam o jornal ou boletim e encarregar-se-iam de o distribuir alargando cada vez mais a sua venda.

VI Sector de CINEMA, SLIDES; EXPOSIÇÕES DE HISTÓRIA REVOLUCIONÁRIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO (E CAMPONÊS) E DO SOCIALISMO. Constituir-se-á centralmente um grupo de voluntários em colaboração com os delegados dos GDUPs para levar a cabo localmente as suas sessões. Longas-metragens e, sobretudo, curtas-metragens e slides. Exs.: sobre o julgamento do Zé Diogo, sobre a ocupação de terras, sobre cooperativas; ‘a Coragem do Povo’, ‘Quando o Povo acorda’, ‘Deus, Pátria e Autoridade’, ‘Terra Prometida’. Não esquecer os filmes revolucionários de temática religiosa. Exposições à base de cartazes com textos tipo legenda a acompanhar os cartazes.

Para tudo isto podem ser extremamente úteis os contactos com as Associações de Amizade que já existem entre nós com os países socialistas.

Este Plano de Actividades Culturais, que é quase um projecto de ‘universidade operária’, constitui um ponto de partida. Cada grupo ou equipa constituídos nos respectivos sectores procurará estabelecer o seu programa de actuação. “Segundo Gramsci, não pode haver luta política real e eficaz se não se verificar, correlativamente, a elaboração de uma ‘nova concepção do mundo’, isto é, se não houver uma revolução do senso comum que o faz tornar-se filosofia proletária, ‘filosofia da praxis’” (Grisoni e Maggiori).

Observações sobre o Plano de actividades Culturais: 1. ─ Sentido e razão de ser do Plano: Articula-se com o Documento guia da definição política e organização dos G.D.U.P.s. Como se articulam corpo e vestuário, soldado e armadura.

2. ─ Com este Plano não se pretende fazer nenhuma ‘gdupada’!... Os G.D.U.P.s estão ao serviço dos órgãos populares de base, Comissões de Trabalhadores e Comissões de Moradores, Colectividades de cultura e recreio, etc.. Sem esquecer a acção sindical unitária e de classe.

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3. ─ Por isso, os G.D.U.P.s que se constituam segundo a esquemática do Plano, não só se formarão de especialistas e não-especialistas como também de delegados dos G.D.U.P.s já existentes e não-delegados de G.D.U.P.s.

4. ─ Quem pretende, do ponto de vista económico, conservar as coisas (instituições, pessoas, poder de compra e condições de vida diferenciadas em classes) tal como estiveram e ainda se encontram; e, do ponto de vista político, manter as relações de submissão e dependência dos explorados e oprimidos face aos exploradores e opressores, donos da sociedade?! ─ São, evidentemente, os fascistas e os reaccionários, todos os partidos e forças de direita e do capital. Ora nós queremos uma revolução económica e política, quer dizer, uma revolu-ção global da sociedade portuguesa. E uma revolução global não se faz sem uma revolução cultural, que tem de ser empreendida simultaneamente. Por isso, nos empenhamos neste programa de actividades culturais.

Nunca foi nem será a escola, instituição da sociedade capitalista que ainda é realmente a nossa, que se empenhou ou empenhará nisso antes da ruptura necessária para a instauração da sociedade socialista. Além disso, a nova cultura da nova sociedade tem de ser uma cultura polarizada na produção, devolvida finalmente aos trabalhadores em todos os seus aspectos.

Tem, pois, de nascer e instaurar-se nas fábricas, nas oficinas, nas unidades colectivas de produção, nas cooperativas do campo e da cidade.

5. ─ Hoje, já não basta gritarmos slogans e palavras d’ordem anti-fascistas. Para os braços do ‘simples antifascismo’ nos atiraram, de ricochete e muito empiricamente, 48 anos de fascismo. Hoje, temos de organizar-nos, para empreender a revolução proletária-socialista, implantar a ‘auto-gestão’ generalizada dos trabalhadores contra a ‘hétero-gestão’ da burguesia capitalista, exigindo que o Poder de Estado se coloque ao serviço das classes trabalhadoras e que os trabalhadores (da produção, em primeiro lugar) assumam o poder em todos os sectores da vida nacional.

(O texto foi inicialmente preparado por Manuel Reis, delegado para o efeito pela Comissão de zona da Covilhã, depois discutido em Plenário de G.D.U.P.s e aprovado tal como se transcreve).

Covilhã, Set.-Out. de ’76.

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ALGUMAS TESES DE EXTREMA ACTUALIDADE (Respigadas sobre o Congresso Nacional dos G.D.U.P.s ─ 19-21 de Nov. de ’76 ─ a que assisti como delegado de zona da Covilhã.)

1. ─ Nacionalizações importantes e decisivas foram feitas (na legislação), mas as relações de produção capitalistas continuam, na realidade, a imperar na sociedade portuguesa.

2. ─ A partidarite é burguesa. Quando vemos formações políticas de esquerda sectarizarem-se reciprocamente no mesmo campo de luta da esquerda, não podemos deixar de ver aí o sintoma e a marca do espírito burguês que ainda persiste nos seus comportamentos e mentalidades. A necessária aliança das sub-classes, que tem lugar na sociedade capitalista, à classe operária e ao proletariado, para empreender a revolução socialista, nunca foi nem será uma simples ‘compra de clientelas’.

3. ─ A alternativa verdadeiramente revolucionária neste país passa, indubitavelmente, pelo espaço político do M.U.P., como charneira de confluência e unificação.

4. ─ Não há processo revolucionário sem organização, programa e projecto polí-tico bem definido. Impõe-se, pois, a necessidade histórica do Partido de tipo novo.

5. ─ Partido de tipo novo. A questão essencial: linha de massas, e quadros em função da luta travada pelas massas, sentindo-as como o peixe na água. Quadros, pois, que nascem nas massas e se mantêm sempre ligados a elas. Constituir-se-á, assim, a Frente unitária de massas, não uma frente de quadros!... Exigências fundamentais: democracia dos trabalhadores constantemente praticada e alargada; e a democracia participativa directa.

6. ─ O tarefeirismo, o contar só, perante as massas, com as ‘lutas concretas’ mas dispersas e mal organizadas, pressupõe e reforça o ‘Partido de quadros’, separado das massas e com tendência constante a controlá-las.

7. ─ Necessidade de direcção política autónoma, em esquema de exigente democracia dos trabalhadores. Direcção política autónoma em função de um projecto político revolucionário. Não há direcção política autónoma sem organização. E para que a organização e a direcção sejam correctas, devem os quadros manter-se sempre ligados às massas e apoiados numa linha política de massas. As massas é que conduzem, na sua luta real, o processo, em última instância. É o único caminho capaz de impedir a queda no reformismo e na conciliação de classes.

8. ─ Não há direcção política autónoma sem um projecto político revolucionário bem definido. Essa autonomia define-se em confronto com a classe dominante ─ a burguesia capitalista e as subclasses que a servem ─ e o princípio da não conciliação das duas classes antagónicas (a burguesia e o proletariado).

9. ─ Não há verdadeira democracia fora do socialismo. Não há, historicamente, duas fases autónomas distintas e estanques: 1º ─ a ‘revolução democrática e popular’; 2º ─ a ‘revolução socialista’. Isso é distorcer o processo histórico; e aceitar, em última análise, o reformismo como solução para as contradições do capitalismo ao nível das grandes linhas da História. É, por último, a readopção da perspectiva bernsteiniana. Socialismo é um projecto unitário e incindível. Surgindo do cemitério capitalista, nasce e toma forma como antisociedade e anti-cultura em confronto com a sociedade capitalista e a cultura burguesa, para, depois, por superação dialéctica, se afirmar em toda a sua positividade nova.

‘Democracia popular’ só tem sentido dentro de um processo revolucionário decidida e claramente socialista:

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e como primeira fase ─ pedagógica, não antipedagógica ─ da construção do socialismo em confronto com a outra ‘solução’ degenerativa do ‘capitalismo de Estado’ como via para a edificação da sociedade socialista.

10. ─ Não se é verdadeiramente antifascista se não se é anticapitalista consequente, isto é, socialista de verdade e construtor activo da sociedade socialista. Mais uma vez, não há duas fases distintas e autónomas: 1º ─ construir a democracia; depois, o socialismo. Porque não há democracia sem adjectivação: ou é burguesa ou é socialista. E a ‘democracia’ burguesa já se sabe que não passa de um fantasma para enganar os pobres de espírito!

11. ─ Afirmar que só a luta concreta ─ mas forçosamente apenas pontual ─ das massas é que poderá unificar os partidos que integram os G.D.U.P.s, é iludir o sectarismo e o cupulismo existentes e alimentar uma hegemonia interna no M.U.P. de um ou de outro partido, conseguida por maiorias aritméticas no interior dos quadros. É continuar a dicotomizar massas e quadros e esperar ingenuamente pelo milagre das pedras transformadas em pão!... Mais uma vez, a partidarite é burguesa. E atingiu desgraçamente até à loucura os partidos de esquerda deste país.

Esperar tranquilamente que os militantes revolucionários, invadidos pela partidarite, venham a superar as suas actuais posições somente por obra e graça de largos movimentos de massas ─ é o mesmo que persistir contu-mazmente nos erros sem dar ouvidos à hétero-crítica e praticar apenas a ‘autocrítica’ de confessionário! É, em suma, não ser revolucionário.

12. ─ Passando a charneira do processo revolucionário português pelo M.U.P., este jamais se erguerá como força unitária e motora do processo, se nele não se integrarem as forças políticas do P.C.P. e da esquerda do P.S.. Quer dizer, o M.U.P. não será aquilo que historicamente é preciso que seja, contra o P.C.P. e a esquerda do P.S.. Não se construirá o socialismo neste país contra o P.C. e o P.S. de esquerda, mas para além do P.C.P. e do P.S., bem como do actual M.U.P..

13. ─ É preciso desde já que um amplo movimento de massas populares se mobilize em torno da imperiosa e urgente necessidade de julgar o fascismo, começando nas suas estruturas sociais e acabando nas pessoas que as sustentaram.

Covilhã, fins de Novembro de ’76.

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HIPOTECAS (HISTÓRICAS) NA CONSTRUÇÃO DO SOCIALISMO CIENTÍFICO ─ PARA A SUA JUSTA SOLUÇÃO 1. ─ Materialismo histórico-dialéctico. É a única concepção verdadeiramente científica simultaneamente do Mundo e da Sociedade humana. Sua condição de fecundidade: não ficar encerrada em dogmatismos.

Marxistas fazem a separação entre materialismo histórico e materialismo dialéctico, como se de dois universos distintos se tratasse… ─ É o que a cultura dominante da burguesia pretende: Dicotomicamente, de um lado a Filosofia, a Antropologia, a Sociologia, do outro a Economia política; de um lado a Ciência, do outro a Política; de um lado tudo isso, do outro a real luta de classes que se pretende iludir. A Ciência é prostituída pela Ideologia; e quando essa prostituição é demasiado clamorosa e desesperante para a burguesia, logo se sana a situação com o pluralismo e o Poder de Estado burguês aceita a ‘ciência’ do proletariado no quadro pluralista (!...) das ideologias, mas sob a condição de a Ciência tout court se apresentar com um estatuto de isenção e neutralidade.

Grita-se depois com os slogans: ‘Socialismo só de abundância’; ‘não se pode distribuir mais riqueza sem aumentar a riqueza’. (Pergunta-se ironicamente. Quem a vai ‘distribuir’?). No fundo o economicista ‘mito da riqueza’ que a cultura burguesa forjou; e uma filosofia social idealista que considera as hierarquias institucionalizadas como invioláveis.

A hegemónica cultura da burguesia dominante é capaz de aceitar uma concepção do Mundo (físico) (na medida em que isso é possível), mas recusará sempre uma concepção científica da Sociedade humana e do Processo histórico, porque isso a conduziria a ter de abrir os olhos para a anarquia institucionalizada do sistema capitalista. É que a burguesia é conservadora e eternista por definição; e a Ciência é pro-gressista por sua própria natureza.

Da evidência dessa anarquia resultaria desde logo revolucionário o simples eco de todos os explorados e oprimidos, porque se poderia fazer ouvir. Não precisaríamos de ciências sócio-humanas se a todos os Humanos houvesse chegado a iluminação e as potencialidades efectivas das ciências físico-naturais (parafraseando F. Bacon). Como isso não aconteceu no processo histórico, precisamos de muita ciência no hemisfério das sócio-humanas, mas de verdadeira ciência, não de ideologia.

2. ─ A Luta de classes não é um ‘dogma marxista’, como a ideologia burguesa pretende. É a iniludível e implacável realidade do processo histórico, analisada e comprovada cientificamente. Pois se a História da Humanidade tem sido a história da luta de classes!... Se a Sociedade se apresenta dividida em duas classes antagónicas: de um lado, os exploradores e opressores, do outro os explorados e oprimidos!... Se a propriedade jurídica não se apresenta identificada com a efectiva e justa apropriação social dos produtos do trabalho por parte dos trabalhadores directos!... Se ainda há e haverá Revoluções!... São, por isso, falsas soluções para uma sociedade dividida em classes, todas as que postergam ou pretendem anular a luta de classes: a cogestão; a autogestão micro-económica da empresa por mais generalizada que se pretenda; e o capitalismo de Estado do qual hoje em dia se terá que dizer que é pior a emenda que o soneto. O Socialismo científico é o que é construído pelos próprios trabalhadores di-

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rectos, na base de uma luta de classes sem entraves nem diques, por parte de um Poder de Estado que já se reclame e seja dos trabalhadores.

3. ─ O capitalismo atingiu a sua fase imperialista e avassalou o mundo. Justamente porque o Processo histórico se realiza via superação (‘Aufhebung’) e não via anulação, ─ extinção e não destruição ─, uma luta de classes sempre aberta, cada vez mais alargada e consequente, é o caminho para a construção do Socialismo. Não obsta isso ─ antes pelo contrário ─ a que, em termos do processo histórico global de trans-formação das sociedades modernas nos encontremos de facto perante dois sistemas que se defrontam qua sistemas: o capitalismo e o Socialismo; ─ sistemas que têm a sua forja nas duas classes sociais antagónicas da sociedade capitalista: a burguesia//o proletariado, classe dominante//classe dominada. Essa dualização de opostos é tanto mais forte quanto mais o capitalismo imperialista pretende cobrir o planeta com a sua dominação.

Daí mesmo o postulado da dimensão internacionalista da Revolução socialista consequente e até ao fim, e, ao mesmo tempo, os ‘naturais’ defeitos na construção do socialismo demarcada pelas fronteiras de um país. Mas daí mesmo também o postulado de que a interpretação pseudo-marxista e a estratégia das soluções social-democratas para a transformação reformista da sociedade capitalista rumo ao socialismo não passam de uma panaceia mentirosa que só redunda em favor da progressão do capitalismo, não são científicas: relevarão do empíreo-criticismo (pequeno-burguês) e o que fazem é tão só vestir o lobo com a pele do cordeiro. Sistema totalitário e totalizante (totalizante porque totalitário), o capitalismo só poderá ser contrariado e superado por outro sistema totalizante (que não totalitário): o Socialismo como Weltanschauung: Como filosofia proletária da prática social omni-envolvente, como (re-)Organização das sociedades nacionais anárquicas, como são as capitalistas, e sobre as quais tripudia o capitalismo internacional e sem pátria. Assim, o Socialismo a edificar à escala planetária, mas sem de nenhum modo esquecer o quadrante nacional onde concretamente ele tem de começar a tomar corpo, ou alimenta a vocação de abarcar realmente, e não apenas em boas intenções, todos os povos e nações, ou acabará inexoravelmente por ser arrastado para a órbita do sistema capitalista ainda imperante.

Nesse contexto, e tendo a história do séc. XX comprovado a tese leninista da construção do Socialismo mesmo num só país, tornou-se mais candente a questão da escolha das alianças internacionais para a construção do Socialismo dentro dos quadrantes nacionais; por sua vez, o internacionalismo proletário verificou o diapasão em que deveria actuar. A própria ditadura do Proletariado, universalmente indispensável e necessária para a construção do Socialismo, encontrou no facto-necessidade histórica da construção do Socialismo em cada país, ‘uno alla volta’, um poderoso coeficiente de justificação sócio-histórica.

4. ─ Contencioso entre Lenine e Trotzky, depois da vitoriosa Revolução de Outubro, no concernente ao Projecto socialista: Apesar de tudo, construir o socialismo mesmo num só país, ─ era a tese de Lenine, justificada pela objectiva e crítica teoria dos ‘elos fracos’ do capitalismo na sua fase imperialista. Aguardar que o proletariado dos outros países (Europa, principalmente, e a Alemanha em primeiro lugar) se mobilizasse para a Revolução, para começar depois a edificar o Socialismo à escala internacional, plurinacional, ─ era a tese de Trotzky. Advirta-se que a posição de Trotzky se volveu na teoria da ‘revolução permanente’, ─… para fugir às soluções reformistas que a sua tese naturalmente poderia implicar. Moral da história (não da ‘story’, evidentemente): Feito o balanço das diversas experiências (e modelos) socialistas até hoje realizadas, poder-se-á concluir que ambos tinham razão: Lenine ao nível do sócio-histórico com a sua imperiosidade inadiável; Trotzky ao nível dos grandes ritmos da história.

5. ─ A europeização do Mundo ou ocidentalização (colonização económica e cultural) do planeta, que havia começado decisivamente com os descobrimentos dos ‘novos mundos’ nos

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sécs. XV e XVI, e que veio a ter a sua crisma no Congresso de Viena de 1814-15, o qual pretende ‘refazer a Europa’, depois da Grande Revolução de 1789 que veio a resultar somente burguesa (não popular ou do ‘Quarto Estado’…), seguida do tempestuoso império napoleónico, ─ essa ocidentalização levou o capitalismo europeu (sobretudo nas suas fases históricas do monopolismo e do imperialismo) a todos (ou quase) os países do mundo, atingindo todas as esferas de acção: economia, cultura, educação e ensino, modelo antropológico, modelo civilizacional. A colonização económica e cultural do planeta tornou-se um facto consumado.

Tudo isso sob a égide do ‘Velho Mundo’.

6. ─ Na mesma barca foi o estereotipo (novo no séc. XVI) das ‘nações-nacionalidades’; e com ele, o princípio positivo-jurídico da nacionalidade = princípio da soberania nacional. Soberania nacional: Direito, por parte do Estado e do Governo do Estado, que em última análise é direito de vida ou de morte sobre os seus cidadãos, constantemente assegurado pela gendarmaria.

O princípio das nacionalidades e o princípio da soberania nacional ─ que, não se esqueça, são de inspiração nitidamente burguesa na história moderna, a burguesia era a classe social em franca ascensão ─ irão marcar indelevelmente, não só os caminhos do capitalismo moderno, como as próprias revoluções socialistas e mesmo o Projecto histórico de construção do Socialismo. O novo tipo de ‘Estado’ adquirira a sua marca indelével: Estado-Nação, nacionalidade, soberania estatal-nacional. O capitalismo moderno terá de contar com os diques das nacionalidades. Isso, porém, não o perturbará: facilmente os rebenta, porque o capital, no seu processus de-senfreado de exploração e de acumulação supra-nacionais e internacionais, não tem pátria nem nacionalidade. Tal situação fará com que os novos Estados nascentes se transformem desde logo em meros guardiães da expansão e dominação universal do capital; ─ o que acontece sobremaneira na primeira fase do capitalismo moderno, capitalismo liberalista e concorrencial, mas não deixará de acontecer, antes se intensificará, nas fases ulteriores do capitalismo moderno, capitalismo monopolista de Estado e imperialista em que as multinacionais e as ‘economias de escala’ não deixarão de servir-se dos Estados como lacaios para a expansão anárquica e a exploração incessante e universal do capital.

Obviamente e por seu turno, o caminho da construção do Socialismo não poderá deixar de ter em conta as barreiras procedentes do princípio das nacionalidades: Esse princípio marcará de ‘naturais’ deficiências e possíveis desvios pragmáticos a cons-trução do Socialismo nos quadrantes nacionais e fará sentir intensamente a necessidade histórica inelutável da prévia tomada do Poder de Estado pelas classes trabalhadoras e de uma democrática ‘ditadura do Proletariado’, para se poder pôr consequentemente em marcha a construção de uma sociedade socialista. Concomitantemente, é afectado o Internacionalismo proletário e o seu inicial projecto teórico de construir o Socialismo em muitos países ao mesmo tempo: a suprema instituição política do Estado nacional condicioná-lo-á face ao projecto de construção do Socialismo em vários países simulta-neamente.

Princípio das nacionalidades, Internacionalismo Proletário e Movimentos de Libertação nacional.

Na segunda metade do séc. XVIII, começa o que se costuma designar por ‘Segunda Idade Moderna’, ─ a época em que se iniciam, na história do Ocidente, em vias de crescente mundialização, as revoluções propriamente ditas. (Não, evidentemente, as ‘revoluções’ astronómicas dos movimentos esferóides, as quais, transpostas para o universo da Cultura, levam inelutavelmente a marca do ‘eterno retorno’; mas as revoluções em que os Humanos se consideram e são objectos e autores responsáveis de uma História aberta para o futuro).

O modo de produção capitalista generaliza-se e pretende de facto recobrir todo o planeta. Mas ele mesmo traz no seu ventre, contraditoriamente, o imperativo humano e

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científico da construção de um novo modo de produção: o modo de produção socialista. O princípio das nacionalidades levava já dois séculos de crescimento e de maturação progressiva.

Ora, na ‘Segunda Idade Moderna’, há um acontecimento que é historicamente estrutural, não conjuntural: Movimentos de libertação nacional surgem diacronicamente no plural. Sob esse quadrante, o movimento geral de libertação nacional sobrepujou o movimento universal da luta do proletariado contra as burguesias ou aristocracias (mais ou menos feudais) nacionais dominantes. Esse acontecimento histórico estrutural constitui o parâmetro histórico da moderna luta de classes e do próprio caminho das revoluções. Nesse quadrante, ficaram definidas as condições históricas estruturantes da construção da nova sociedade ─ a sociedade socialista: a) necessidade de respeitar o princípio das nacionalidades; b) necessidade de situar e concretizar nacionalmente o movimento do internacionalismo proletário, impedindo que a teoria socialista definhe e estiole na especulação bizantina, no imperialismo político e na falsa universalidade, e obrigando o in-ternacionalismo proletário a radicar-se na prática histórico-social concreta da luta entre as duas classes antagónicas. Quer dizer: estas duas constantes do Processo histórico mo-derno fundam-se reciprocamente. E é essa fundação recíproca que fundamenta e assegura a via correcta da edificação do Socialismo às escalas nacional e planetária. Implica isso, fundamentalmente, a verdade importante e decisiva de que o novo Poder social a construir não pode ser o resultado de uma substituição dos antigos senhores por novos senhores. Eis o que essencialmente significa, em lição clara e evidente, a História moderna que entrosa, objectiva e iniludivelmente, o princípio das nacionalidades e o princípio do internacionalismo proletário.

Esse entrosamento na história moderna não postula a necessidade histórica (falsa) de, por princípio, se ter de empreender primeiro a revolução de libertação nacional e só depois a revolução socialista. Essa é uma óptica teórico-metafísica. O que implica é que o Proletariado, uma vez conquistado o Poder num determinado país por aí se haverem reunido as condições históricas, sócio-económicas e políticas favoráveis, tem de contar, por exigência da sua própria fraternidade internacionalista em relação aos camaradas de outros países, com o princípio das nacionalidades e das consequentes alianças nacionais (necessárias para a construção do Socialismo) a constituir em pé de igualdade e não de hegemonia. O que, de resto, também é exigido pelo facto de a classe social sua inimiga, a burguesia e o capitalismo, não terem pátria nem nacionalidade.

O princípio das nacionalidades, ou seja, o direito de autodeterminação nacional dos povos, é, sem dúvida, historicamente, um produto político-cultural da burguesia e da formação social que dá pelo nome de capitalismo moderno (na sua fase ascensional).

O movimento emancipalista (com raiz no próprio liberalismo económico-mercantil e na comunidade linguística) de autodeterminação nacional (princípio das nações-Estados) constitui mesmo um dos princípios essenciais do capitalismo moderno. “No mundo inteiro, a época da vitória definitiva do capitalismo sobre o feudalismo ficou ligada a movimentos nacionais” (Lenine); ─ e de tal sorte que o Estado nacional se tornou a ‘norma’ do capitalismo, ao passo que o Estado de composição nacional hetero-génea se volveu em excepção ou sinónimo apenas de uma fase sócio-economicamente atrasada. Mas o reconhecimento pleno do direito de autodeterminação nacional dos povos, o qual implica (e se implica verdadeiramente…) um movimento nacional de libertação político-económica consequente, assume, indiscutivelmente, uma dimensão realmente proletária e socialista. Eis a razão (negativa) por que, ao interpretarem o princípio da livre determinação política dos povos, ou seja, o direito de se constituírem em Estados nacionais autónomos, os liberais e os próprios sociais-democratas sempre tiveram tendência para confundir esse direito com a simples separação e o separatismo! O direito de auto determinação nacional dos povos constitui, por conseguinte, um dos princípios essenciais do

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capitalismo moderno, independentemente de se saber ─ óptica da burguesia ─ se a coroação final da revolução democrática burguesa se define pela separação da nação colonizada em confronto com a nação colonizadora ou pela igualdade de direitos da primeira em relação à segunda. Mas o desenvolvimento e a evolução do capitalismo não despertam forçosamente todas as nações para uma vida de Estados independentes. Por paradoxal que pareça, foi o mercado que gerou o monopólio e foi a moderna acumulação capitalista bem como a concentração desenfreada do grande capital que geraram a díade antitética nações-Estados colonizadores e nações-(‘Estados’) colonizadas.

Por isso, é da natureza do capitalismo moderno o princípio do seu desenvolvimento desigual. Por isso, igualmente, a construção (mundial) do socialismo é de sua norma o irromper precisamente nos elos mais fracos da cadeia capitalista-imperialista. Por isso ainda, face à 'questão nacional’, as atitudes da burguesia e as do proletariado são bem diferentes, mesmo que por vezes possam coincidir conjunturalmente. Perante a questão da auto determinação nacional: para o proletariado, o que importa acima de tudo é desenvolver e consciencializar a sua própria classe, para a bur-guesia, o que interessa é entravar de todos os modos esse desenvolvimento e secundarizar sempre os objectivos do proletariado da sua respectiva nação.

A burguesia procura sempre isolar e individualizar as reivindicações do proletariado; ao ver-se forçada a encarar a possibilidade (e a necessidade) de realização desta ou daquela reivindicação da classe operária, recorre desde logo à sua fatídica e perpétua política de transacções (e dependências… sempre que necessário) com a burguesia das outras nações, obviamente em prejuízo do proletariado e da sua luta. (A ‘independência nacional’ da sua própria nação passará mesmo a segundo plano, para a burguesia). Em contrapartida, os interesses do proletariado consistem em reforçar e alargar a própria classe contra a burguesia, através da educação de massas e da luta pela apropriação social-colectiva dos meios de produção no espírito da democracia consequente e do socialismo. Não é, pois, sem uma razão táctica que a burguesia das nações oprimidas e colonizadas, no seu processo de emancipação e autodeterminação nacional em confronto com a metrópole colonizadora, não deixa de concitar o proletariado dessas nações a manter sem reserva as suas aspirações. O proletariado, em contrapartida, reconhecendo plenamente às nações oprimidas e colonizadas o direito de se separarem e constituírem em Estado nacional, estabelece acima de tudo a aliança (de classe) dos proletários de todas as nações, e é sob o ângulo da luta de classes dos operários que define toda a rei-vindicação nacional bem como toda a separação nacional. Eis por que o proletariado, ao defender a autodeterminação nacional da nação oprimida em relação à opressora, o que ele estabelece como seu objectivo próprio é a igualdade de direitos entre as duas nações-Estados.

“Igualdade completa das nações; direito de as nações disporem de si próprias; união dos operários de todas as nações” (Lenine): eis, em resumo, o que o marxismo propõe aos operários sobre a ‘questão nacional’.

Assim, num processo de emancipação e autodeterminação nacional, o proletariado da nação oprimida inscreverá no seu programa, com toda a seriedade e con-vicção, o princípio da separação e da independência nacional em relação à metrópole colonizadora; e fá-lo-á mais consequentemente que a burguesia da nação oprimida. De resto, se não procedesse assim, o proletariado faria o jogo da própria burguesia, dos feudais e da hegemonia da nação opressora.

Em todo o nacionalismo burguês de qualquer nação oprimida, há, por conseguinte, um conteúdo democrático geral contra a opressão da nação colonizadora e contra a opressão em geral. O nacionalismo chauvinista (exclusivista e hegemónico) é burguês; mas é proletária a reivindicação da independência nacional das nações dependentes e oprimidas e o princípio da igualdade de direitos de todas as nações, ─ porquanto um povo (ou nação) não pode ser livre enquanto oprime outros povos (ou nações). O norte, para o proletariado, na ‘questão nacional’:

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assegurar a igualdade dos direitos dos proletários de todas as nações, e bem assim, a efectiva igualdade de direitos de todas as nações-Estados. Nesta perspectiva histórico-científica, o reconhecimento por parte do proletariado do direito de livre determinação das nações oprimidas e colonizadas não equivale, de modo nenhum (como erradamente supunha Rosa Luxemburgo), a sustentar e caucionar o nacionalismo burguês das nações oprimidas e colonizadas.

Assim, “os interesses da classe operária e da sua luta contra o capitalismo exigem uma solidariedade completa e a mais estreita unidade dos operários de todas as nações; exigem que uma réplica seja infligida à política nacionalista da burguesia de qualquer nacionalidade que seja” (Lenine). O ‘Congresso Internacional socialista dos partidos operários e dos sindicatos’, realizado em Londres, de 27 de Julho a 1 de Agosto de 1896, ao proclamar o direito de autodeterminação de todas as nações, não se esqueceu, muito significativamente, de fazer simultaneamente um veemente apelo aos operários de todas as nações para realizarem a unidade internacional da sua luta de classes, rumo à construção do socialismo.

Nação-Estado (colonizador) que oprime um povo-nação (colonizada) não é livre. Não é o movimento nacional burguês da nação oprimida que traz consigo o fruto da verdadeira independência nacional da nação oprimida ou colonizada, mas é, com efeito, o movimento de libertação nacional da nação oprimida, ancorado nas suas classes trabalhadoras e geminado com o movimento operário no seio da nação opressora que traz consigo, qual fruto sazonado, a verdadeira independência nacional da nação oprimida ou colonizada. Tomar como um absoluto os movimentos nacionais constitui o erro (estratégico-histórico) e a intenção súbdola das burguesias nacionalistas. Só a vitória do proletariado e a sua unidade internacional de classe poderão libertar completamente todas as nacionalidades.

7. ─ Articulação das três problemáticas fundamentais: confronto armado/luta de classes/socialismo antes ou depois da tomada do Poder pelas classes trabalhadoras no quadrante nacional, ou seja, a necessidade permanente da Revolução socialista e de uma Revolução socialista permanente. Charneira determinante da interligação correcta das três problemáticas é a arti-culação do confronto armado e da luta de classes. Sobre este assunto é bom recordar as teses de Marx expendidas por ex. em A Guerra civil em França, e não as desvirtuar, porque elas ainda hoje são válidas.

1) Construir o Socialismo é levar a luta de classes até ao fim; uma luta de classes que se verifica indelevelmente na sociedade capitalista, que é fontalmente produzida pelo capital explorador e opressor, que se agudiza e alarga nos períodos de crise do sistema, momentos de crise profunda que são de periodicidade cada vez mais curta, até se poder afirmar hoje que a crise do sistema capitalista é permanente. O período de transição do capitalismo para o socialismo numa dada sociedade nacional terá o seu desfecho positivo (e não negativo) condicionado por essa abcissa. A construção do Socialismo vai-se, pois, preparando decisivamente na sociedade capitalista antes da tomada do Poder pelo proletariado. Só, porém, após a tomada do Poder é realmente possível o projecto global socialista para toda uma sociedade nacional.

2) Poder-se-á dizer, por conseguinte, que Lenine e Trotzky, ambos tinham razão, sob aspectos diferentes. Os erros e a degenerescência da Revolução soviética começa-ram a tomar corpo na ‘Economia de guerra’, para se concentrarem seguidamente no estalinismo e na ‘guerra fria’ desencadeada pelo capitalismo imperialista.

3) A coexistência pacífica (entre Estados-nações-povos) joga indiscutivelmente a favor da intensificação e alargamento da luta de classes e da construção do Socialismo.

4) Luta de classes e confronto armado: a) duas realidades relativamente autónomas; b) a classe operária e o proletariado, como classe que eliminará a sociedade dividida em classes, só pegarão em armas para derrubar a classe dominante burguesa, na defensiva, e perante a ofensiva

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expressa e formal da burguesia e seu exército; c) quanto mais se alarga e intensifica a luta de classes a céu aberto, menos razão histórica haverá para a classe operária e o proletariado pegarem em armas para derrubar a burguesia dominante, menos necessidade terá o proletariado do confronto armado. d) Primeira Grande Guerra (imperialista) mundial: uma lição histórica a extrair: Quando, em 1914, estoira a guerra, na Inglaterra a luta de classes atingia o clímax susceptível de meta-morfosear a situação nacional em ‘guerra civil’ que podia perfeitamente não ser uma guerra clássica de exércitos. Os governos europeus da burguesia, aliados, impuseram desde logo a internacionalização do conflito. Foi a solução (da luta de classes) pela tangente e não pela secante. O essencial e decisivo para a burguesia consistiu, assim, em impedir, por todas as formas (e acima de tudo pela internacionalização do conflito), a entre-ajuda do internacionalismo proletário na internacionalização clara e expressa da luta de classes. ─ O que sempre acontece nas guerras provocadas e conduzidas pelas burguesias nacionais e seus governos.

8. ─ ‘Guerra fria’ ou Coexistência pacífica entre os Estados-Nações, para que a luta de classes se possa desenvolver plenamente, alastrar a todos os povos e abrir firmemente caminho à instauração do Socialismo à escala do planeta? A resposta é óbvia pelo que atrás já foi referido.

Construção internacional do Socialismo sob a tutela e a satelitização de um EstadoNação (guardião) ─ o primeiro a surgir: a URSS ─, ou num quadro de paridade plurinacional de países socialistas?! Construção internacional do Socialismo num quadro de monocentrismo matricial ou num quadro de policentrismo nacional?! Para além da política internacional de blocos que até pode ser justificada, do lado socialista, pela necessidade de os países do campo socialista se defenderem contra o campo capitalista, o simples facto de historicamente se haver posto a questão denuncia uma problemática bem mais profunda: a problemática sócioeconómica (que constitui um escândalo e uma terrível ironia) das ‘trocas desiguais’ entre países socialistas irmãos! A superação da ‘guerra fria’ (entre as duas superpotências, em primeiro lugar, os USA e a URSS) pela solução da coexistência pacífica e o consequente surgimento do ‘Terceiro Bloco’, o dos ‘não-alinhados’, depois das Conferências de Belgrado e de Bandung, constituíram sem dúvida ventos alíseos para a construção internacional (e nacional) correcta do Socialismo. Por outro lado, porém, criaram uma situação histórica em que a teoria socialista de científica (em Marx, Engels e Lenine) se volveu facilmente em pragmatista. Começou a falar-se em ‘diversos socialismos nacionais’, com laivos de pretensa ciência (empíreo-criticismo, de novo). É preciso denunciar isso.

Nessa orientação, não poderá deixar de reconhecer-se a poderosa influência da abcissa das nacionalidades e das soberanias nacionais na construção mundial do Socialismo.

Por outro lado, o Movimento operário internacional beneficiou largamente com a tese da coexistência pacífica: concomitantemente, reforçou-se o internacionalismo proletário de sinal autónomo e criador face às suas anteriores veiculações pelos canais dos ‘Estados socialistas’, e foram atenuadas as forças envolventes dos Estados nacio-nais. Atenuado o poder dos Estados nacionais, e sua esfera de influência, os povos e a luta de classes em especial viram o seu espaço de acção mais desimpedido. (Recorde-se que a URSS, entre as duas Guerras, não deixou de sofrer influências e inspirações do ‘nacional-socialismo’ alemão…).

A curto, médio e longo prazos, a solução da coexistência pacífica joga positivamente no Processo histórico: construção do Socialismo e progressivo enfraquecimento do capitalismo. Mas esse parâmetro significa: nem monocentrismo matricial nem poli-centrismo nacional pragmatista, mas reforço do internacionalismo proletário entre os povos e alargamento e intensificação da luta de classes.

O desanuviamento entre as duas superpotências (entre o Pacto de Varsóvia e a OTAN) implicará, por sua natureza, um crescimento da luta ‘ideológica’ e da ciência do proletariado,

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em suma, da luta de classes, mesmo nas sociedades nacionais ditas pluralistas. São os próprios especialistas da NATO que falam dessa tendência e a atribuem à concepção de desanuviamento da URSS. Esta tendência não está directamente dependente da política de Pequim em re-lação a Moscovo. A previsão de uma possível aproximação da China em relação à URSS, por obra dos ‘moderados’ de Hua Kuo Feng não constituirá factor determinante, positiva ou negativamente, dessa tendência, uma vez que, mais fundamentalmente, ela representa uma lei sociológica que resulta directamente da teoria científica do Socia-lismo e é mesmo a bússola da sua construção progressiva à escala mundial.

A construção internacional do Socialismo não pode deixar de passar pelo quadrante (condicionante) das nacionalidades, ─ eis o facto sócio-histórico que não se pode ignorar. Isso, porém, não pode significar a pragmatização dispersiva (e idealista) dos ‘diversos socialismos’.

O que positivamente deve significar é que o Socialismo, antes de tudo, se constrói, em cada país, contando cada Povo com as suas próprias forças (princípio que Mao esclareceu). Ainda sobre o princípio das nacionalidades (soberanias nacionais), a construção nacional e internacional do Socialismo e a luta de classes.

Em jeito de resumo... Socialismo científico, correcto e consequente até ao fim, constróise à escala internacional-plurinacional-mundial, sob a avalanche robusta e esplendorosa do internacionalismo proletário efectivo. “Proletários de todos os países univos”, ─ assim terminava o Manifesto Comunista de 1847-48, de Marx e Engels. O internacionalismo proletário não é, pois, um grito de boas intenções, um alarme moral, mas uma estratégia real de guerra de classe universal que procura concretizar o seu objectivo, ─ uma guerra de classe universal que o Poder de Estados nacionais sempre preferirá manter na ganga das confusões de classes. Essa era, em última análise, a previsão científica de Marx, que Lenine esteve longe de rejeitar no plano da teoria científica do Socialismo e face inclusivamente à prática inicial da construção do Socialismo na URSS. Nessa medida, o princípio das nacionalidades e as correspondentes soberanias nacionais constituem um entrave e um foco polarizador de desvios e adulterações na construção do Socialismo. Mas, simultaneamente, como abcissa nacional necessária e indispensável que são da construção do Socialismo, constituem o antídoto contra a tentação (pseudo-científica) de adoptar, na construção do Socialismo, as teses bernsteinianas e as soluções da social-democracia. Porquanto, Socialismo não é o simples crescimento mais expedito e acelerado das forças produtivas num quadro novo, ─ forças produtivas que as relações de produção capitalistas haviam bloqueado. Daí também que não se tenha de esperar por um determinado nível de crescimento das forças produtivas capitalistas à escala mundial ou no quadro de uma dada nação, para se iniciar a construção do Socialismo num determinado país.

O que aqui é decisivo é o grau atingido pela luta de classes e a impotência do capitalismo nacional para vencer a crise.

Efeito principal do princípio das nacionalidades: manter em sístole a luta de classes em cada país. As soberanias nacionais têm o duplo efeito de: a) atenuar e, se possível, iludir a luta de classes ─ das duas classes opostas e antagónicas, a burguesia/o proletariado ─ no seu vector universalista e de acção expressa e efectiva; b) reduzir os antagonismos e a correlativa demarcação opositiva das duas classes opostas mercê da chaveta envolvente dos chamados ‘interesses nacionais’, expressão directa do princípio das nacionalidades. Prova disso: Quanto mais ‘fraco’ é o Poder de Estado num dado país, quanto mais ele cede à ‘democracia política’ burguesa ou a isso é forçado pelo ímpeto da luta de classes, tanto mais se faz sentir a diástole da luta de classes nesse país abrindo-se aí espaço para o apoio activo e reforçado do internacionalismo proletário; ─ o que, por sua vez, já é efeito da coragem e intrepidez da classe operária e dos traba-lhadores em geral nesse respectivo país. Eis a razão por que a coexistência pacífica, como estratégia político-militar internacional, joga positivamente a favor da intensifi-

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cação, alargamento e internacionalização efectiva da luta de classes, bem definida e sem confusões mistificadoras.

Quanto mais se atenua o princípio das nacionalidades e o correspondente Poder de Estado, tanto mais a classe operária e o proletariado de um dado país se diferenciam em confronto com a classe antagónica, a burguesia desse país, tanto mais a sua consciência de classe ‘em si’ se volve transitivamente em consciência de classe ‘para si’, tanto mais a classe operária desse país se reconhece unida na mesma luta, e no mesmís-simo lado da barricada, à classe operária dos outros países. E concomitantemente, surge de ricochete o outro efeito: tanto mais o Estado omnienvolvente e apesar de tudo totalitário (mesmo o mais ‘politicamente democrático’) da burguesia dominante se confunde com os outros Estados da burguesia dominante.

Uma analogia significativa. O dissexualismo é o próprio dos Humanos. A homossexualidade surge por efeito da incompreensão e da repulsa do sexo oposto. A di-léctica fecha-se e surge o princípio omnienvolvente e totalitário da integração por sub-jugação do mais fraco ao mais forte. A antropologia que, no campo da sexualidade, separa procriação e amor para criar ‘carne para canhão’, é a mesma que, no campo sócio-político, opõe, absurdamente, a construção mundial do socialismo monocêntrico e a concomitante continuação do capitalismo sob as formas sofisticadas da ‘social-demo-cracia’ ou da ‘demotecnocraica’.

Estratégia internacional para a construção do Socialismo na base da necessária e indispensável abcissa do princípio das nacionalidades. Princípio fundamental: Cooperação entre os países socialistas irmãos; não integração em blocos… No universo capitalista ─ não se esqueça ─ a ‘cooperação’ é sempre integradora em blocos ou bloco. No campo socialista não deverá ser assim. De contrário é o jogo do sistema capitalista que se está fazendo.

A cooperação entre países socialistas irmãos implica autonomia económica (nacional) e a recusa do monocentrismo nacional na construção mundial e nacional do Socialismo; implica um esquema mundialmente imperativo de ‘trocas iguais’ entre países socialistas. Autonomia económica socialista implica planificação imperativa e democrá-tica da economia e da população nacionais. Quem e quantos produzem, quem e quantos consomem: eis os dois pólos sobre que deve assentar uma economia socialista plani-ficada, ─ o que já tem de começar a realizar-se à escala de cada nação. Uma profunda ironia trágica: planificar o ‘quantum’ populacional dos explorados e dos miseráveis de que o sistema capitalista carece para se manter e perdurar!... Eis a coerência maquiavélica e apocalíptica do ‘quanto pior melhor’ que o capitalismo não tem por definição, porque é um sistema anárquico… Se não o faz, é porque, no mundo humano, a mente estúpida e crápula não acompanha a maldade até ao fim, o que é condição para se poder falar expressamente de absurdo; expondo-se a esse ponto, o sistema não se aguentaria nem mais um dia… ─ Ora, um vez que o Socialismo constitui a total inversãorevolucionarização do mundo capitalista, é preciso que ele se preocupe seriamente com a planificação da população. De contrário, regressar-se-á, a médio ou longo prazo, ao modo de produção capitalista. A Revolução será traída pela contrar-revolução.

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EPITÁFIO//EPITALÂMIO Foi dito, com alguma ênfase, que os textos reunidos na colectânea (que é todo este livro) são datados: estão, pois, marcados com a sua circunstância sócio-histórica. Apesar disso, enquanto esquemas/projectos historicamente semânticos, necessários e indispensáveis, eles mantêm-se vivos e actuais. Porquanto, a vera História (criticamente) real e verdadeira é, precisamente, a que é balizada e orientada pelo Povo (positiva ou negativamente…) de um dado Estado/Nação: na sua Luta interminável por uma Vida melhor, uma Vida decente! Ora, essa História reduplicada (com as faces positivas e as negativas, em dialéctica de superação) é que constitui a vera e autêntica Lição, que fecunda a Vida psico-sócio-humana e o Processo psicosócio-histórico, no seu conjunto.

Se, no período de 1974-1976, Portugal precisava, absolutamente, de cumprir bem a tríade anunciada pelo M.F.A. (os 3 Dês: Descolonização, Democracia e Desenvolvimento), hoje (Maio de 2014), o País (um Estado/Nação, de quase nove séculos de existência, na Europa e fora do continente europeu), subjugado e apalermado por uma situação de ‘protectorado’, durante 3 anos, imposto pelo Directório da U.E. e do F.M.I., nunca precisou tanto de recorrer às soluções da Via humanizadora, facultadas pelo Pro-jecto do vero e autêntico Socialismo (contra os caminhos errados, que a História re-gistou).

Mas deve saber-se: este constrói-se a partir dos Sujeitos humanos, e não a partir dos objectos e das coisas, segundo a cartilha do Objectivo-Objectualismo.

Crises do déficit orçamental e da Dívida soberana… a pauperização crescente, a pobreza e a miséria que alastram, sem dó nem piedade, segundo os Dictaten do ‘estado de excepção’… Desemprego, no último ano, entre 15% e 20% da população activa, com incidência especial entre os jovens, ─ o que lhes dá a percepção de uma sociedade bloqueada, em estado de sítio… a dependência dos países ricos da U.E…. a condição fatal de país periférico… Como poderá Portugal recuperar a sua autonomia de País soberano e a sua independência nacional?!...

Enquanto a U.E. se mantiver organizada, segundo a cartilha do Imperialismo capitalista, (que hodiernamente é assumido numa atmosfera ideológica fascistóide), e utilizando a linguagem falaciosa e embusteira do ‘Federalismo’ (que já não discerne entre os dois modelos políticos distintos: a Federação e a Confederação!...), ─ a Nação/Estado lusa não terá outra solução a não ser: saída do Euro, instaurar uma moeda nacional (o ‘novo escudo’); e recuperar, de novo, a via (abandonada…) da construção do vero e autêntico Socialismo.

O Neoliberalismo capitalista global das últimas três décadas gerou e espalhou, por toda a superfície do Planeta, uma atmosfera (ideológica) de Mediocridade intelectual e de estupidez natural, nunca antes vista, que atingiu, mortalmente, tanto os aparelhos da Governação como as Academias e Universidades e os Sistemas de Educação em geral. Deve advertir-se que o Capitalismo é um sistema selvagem e desumanizador, muito particularmente nesta sua derradeira fase do Neoliberalismo globalizado: com as suas inevitáveis crises cíclicas e implementado pela Tecnociência de Aparelho (que ele mesmo pariu), ele encontra-se em condições de destruir e aniquilar a vida no Planeta e exterminar a própria Humanidade. Não se tem feito quase nada para resistir às ‘Alterações Climáticas’, procedentes do Antropoceno (= da Civilização…); os organismos geneticamente modificados e as clonagens emergem como uma praga bíblica. Começa-se a aceitar o axioma moral (errado!...) de que ‘os fins justificam os meios’!... Dir-se-ia que nos encontramos no ‘Inverno do Mundo’, à espera do ‘Apocalipse final’!... Uma tal situação é percepcionada e sentida, como uma encruzilhada ou como um túnel

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sem luz ao fundo; só há o ‘Muro das Lamentações’ do ‘Inverno do Mundo’, porque ‘o fim da História’ está aí (como profetizou o 1º F. Fukuyama).

Por que não se juntam e aliam as diferentes Forças/Partidos de Esquerda, para gerar e erguer uma vera Alternativa socialista e ‘verde’, capaz de superar e vencer (nestas eleições europeias de 25 de Maio próximo) as sempiternas alternâncias, nos Poderes governamentais, que estão sempre (por definição sócio-estrutural) ao serviço dos Par-tidos representativo-liberais das classes sociais da Burguesia?!...

Sabe-se que este não é um empreendimento fácil, como tem sido comprovado e é manifesto, nos múltiplos trabalhos (Livros e Artigos) editados pelo CEHC e EDICON (Guimarães/Pt, São Paulo/Br). É que, na verdade, a História das Civilizações e das Sociedades ditas humanas não sabe o que são e quem são os Humanos… É o ‘Homo Neanderthalensis’ (a subespécie inicial do ‘Homo Sapiens’) que vigora e impera everywhere, onde Liberdade e Poder se acham separados por uma ‘Muralha da China’. Eles têm sido entendidos e assumidos segundo o catecismo do ‘Homo Sapiens tout court’… Do outro lado, estão as Divindades uranianas e as elites possidentes e governantes, onde o Poder estabelecido foi sempre ditado e debitado às massas como de origem divina!... Mesmo em regimes ditos democráticos, onde a complexa Burocracia do Aparelho político-administrativo impõe, à ‘Máquina societária’, o funcionamento dos Poderes de cima para baixo… Eis por que, nesse horizonte, os humanos não podem descartar a sua ontológica condição de servos… obedientes e humilhados.

Ora, o C.E.H.C. (Centro de Estudos do Humanismo Crítico) tem outra concepção, bem distinta do ‘Homo Sapiens’, facultada pelas ciências da EVOLUÇÃO. Trata-se do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, dotado de consciência reflexiva e crítica, cujo padrão se encontra, precisamente, no chamado ‘Homem de Cro-Magnon’, do qual descende toda a Humanidade, desde há ca. de 70.000 anos, na Psico-Sócio-Antropogénese.

Assim, os Humanos são Seres compostos numa tripartição que é do seguinte teor: Soma (corpo), Psique (alma/espírito), Imaginatio (mundo da Imaginação e das Utopias). A tríade seguinte também é verdadeira e faz todo o sentido: Animais falantes/Animais racionais/Animais Políticos. Integrados numa unidade indissolúvel.

● “O teste de uma inteligência de primeira ordem é a aptidão para manter duas ideias opostas no espírito ao mesmo tempo, e ainda assim conservar a aptidão para funcionar.

“Deveríamos […] ser capazes de ver que as coisas não deixam esperanças e, contudo, estar determinados a modificá-las”. (F. Scott Fitzgerald in ‘Crack-Up’) ● “O conflito é um sinal de que existem verdades mais amplas e perspectivas mais belas”.

(A.N. Whitehead)

Guimarães, 13 de Maio de 2014.

Manuel Reis (Presidente do CEHC)

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PORTUGAL Ontem & Hoje

Já os grupos tinham feito as suas leituras quando recebemos cópia de uma carta cuja importância política se enquadra nas celebrações ideológicas dos 40 Anos do golpe militar de 25 de Abril de 1974, porque existe um Portugal antes e outro depois de Abril...

TERTÚLIAS DE GUIMARÃES Carta a António Costa

Guimarães, 4 de Junho de 2014.

Caro Dr. António Costa: Estamos com a sua Candidatura a Secretário-Geral do Partido e, implicadamente, a Primeiro-Ministro pelo P.S. renovado.

Enquanto Presidente do CEHC (Centro de Estudos do Humanismo Crítico), não posso deixar de o aplaudir e louvar pela sua Inteligência política criticista, pela coragem e ousadia pessoais, assumidas na presente situação portuguesa, que decorreu das eleições de 25 de Maio p.p. e do positivo/mas enfermiço score eleitoral/sufragista do P.S., nesta tragicomédia farsesca, que vivemos desde a tomada de posse do actual Desgoverno da República, em ditadura, em Terras lusas. Este desabafo (incontido…) da minha Consciência acabou reforçado, esta manhã, pelo impulso de Fernando Martins Fernandes, meu velho Discípulo e Amigo e Companheiro de jornada na Luta do CEHC, como capitão de equipa das Tertúlias de Guimarães (suas homónimas), desde a sua origem, no encalço da Queda do Muro de Berlim (em Novembro de 1989) e consequente Colapso da U.R.S.S. (em fins de Agosto de 1991).

Teve, então, início uma Nova Era, a que nós démos o nome de Pós-Modernidade positiva e crítica, para não haver confusões. Surgiu, então, a Oportunidade Psico-SócioHistórica de erguer a nova Mundividência Crítica da Cultura Ocidental (não dogmática e

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imperialista, mas científico-criticista), ancorada, principalmente, na sempre esquecida e dada como herética (desde Averróis) Dualidade Epistémica, e no correspondente combate estratégico ao Objectivo-Objectualismo, que tem estigmatizado (desde há dois milénios) toda a Cultura do Ocidente (a oficial, das Academias e das governanças…), e que já estava julgado e condenado no Exodus: 32, 1-6.

O CEHC pôde, então, constituir-se como uma vera Cultura Crítica de Alter-nativa, em termos substantivos, à velha Ordem sócio-política baseada na Potestas-Dominação d’abord (vd. Rom. 13,1), da qual o Ocidente nunca saíu, mesmo nas épocas, moderna e contemporânea, dos chamados regimes políticos das democracias representativas e liberais.

Tudo, afinal, funciona, aí, segundo a cartilha do Objectivo-Objectualismo. A Liberdade Responsável (primacial e primordial) dos Indivíduos-Pessoas não existe… só conta a lei do pêndulo de Foucault que é o ‘livre arbítrio’ e a Potestas d’abord!...

O CEHC, na última década do séc. XX e na 1ª do séc. XXI, trabalhou, em colaboração estreita, com uma dezena de Grupos culturais/críticos do Brasil (protagonizados, em São Paulo, pelo Grupo Granja, dinamizado pelo escritor e poeta João Barcellos et alii), difundindo mensagens de Renovação pelo Velho Mundo e pelo Novo Mundo e África, mensagens perfeitamente convergentes com as nossas. Em Maio de 2007, todos esses Grupos decidiram confluir e juntar-se sob a Bandeira comum do C.E.H.C. (de Guimarães/Pt.). Actualmente é o CEHC/América Latina que difunde, para o Mundo, as Mensagens e as obras do Humanismo Crítico, mediante o site seguinte: noética@uol.com.br.

Ora, nas tertúlias do Humanismo Crítico, o que se pensa (na nossa contemporaneidade) dos Partidos políticos tradicionais, oriundos da Rev.Francesa e dos seus tópoi/ /lugares físicos no hemiciclo do Parlamento/Assembleia Nacional (Esq.//Centro//Dir.), é que eles estão esgotados… chegaram ao fim; ─ desde logo, pela razão estruturadora de que teses e programas partidários já não podem ser, exclusivamente, caracterizados e distribuídos segundo o catecismo objectivo-objectualista. ‘Aux Armes, Citoyens!’ ─ dizemo-lo nós, agora, desarmados (!...), mas com as ‘armas’ da Argumentação e do Pensamento (honesto, sério, verdadeiro). Desta sorte, o que o Humanismo Crítico diz e proclama, hoje, é que só acabam por fazer sentido Partidos Humanistas e/ou Partidos Anti-humanistas (v.g., os que defendem o ‘Super-Homem’ e o Trans-humanismo de F. Nietzsche, através do Desenvolvimento Tecnológico, de mãos dadas com a Violência e o Militarismo). Os primeiros apostaram na vera Evolução da Espécie para os padrões do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. Os segundos ficaram parados, como ‘estátuas de sal’, nos padrões tradicionais do ‘Homo Sapiens tout court’. Por isso, eles mantiveram a Auréola da sacralidade do Poder Estabelecido.

Eu e o Fernando Martins Fernandes (das Tertúlias de Guimarães do Humanismo Crítico) tivemos a lembrança de lhe escrever esta Carta, tão só para o APOIAR na sua actual Decisão difícil (humanamente falando!...), e por termos verificado, ambos, num mail divulgado por Amigos comuns, há cerca de ano e meio/dois anos, que, do rol das informações que, sobre esta desgraçada matéria problemática da Crise da Dívida soberana (portuguesa), o Dr. António Costa nos havia surgido como uma das pouquíssimas pessoas, que haviam alcançado o âmago de toda a problemática; ─ não só quando lembrou o modo como foi paga a dívida alemã, no pós-IIª G.M. (só 1/3 foi pago; os 2/3 foram perdoados pelos Aliados, seus adversários; e o pagamento aconteceu num período tão longo que foi desde 1953 a 1995, e sem prejudicar o modus vivendi dos alemães, como fora por eles invocado). Mais: no Mail, enviado por Fernando Fernandes, em 30.5. 2014, o que o ex-ministro e presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, diz e proclama, no programa ‘Quadratura do Círculo’, constitui todo um Plano esclarecido e um vero programa indiciado de uma Governação criticista, para o País, que de modo algum é lícito ignorar ou desconhecer.

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António Costa pensa e opera, num horizonte de HUMANISMO CRÍTICO, ─ que é, hoje, a única Via justa e acertada para reconstruir o nosso triste e amargurado presente luso; a única Via capaz de se projectar num Futuro digno e esperançoso.

Ao mesmo tempo, é só ao abrigo dessa Bandeira do Humanismo Crítico que se podem projectar e iluminar os balanços e as avaliações sócio-económicas, conjuntas, que a U.E. e, em particular, os 17 Países da Zona Euro, precisam de empreender, com urgência, se quiserem manter a Casa (monetária) comum e um estado satisfatório de uma vera Economia Social, para toda a União: capaz de pôr pessoas e cidadãos em 1º lugar, não as mercadorias e o lucro d’abord.

Na verdade, é só ao abrigo dessa bandeira do Humanismo Crítico, que é possível, atribuindo o primado ao político e ao sócio-cultural (aos Valores civilizacionais comuns), configurar o vero e autêntico Modelo geométrico que, historicamente, é imperioso adoptar e estabelecer: o da Confederação de Estados-Nações em-pé-de-igualdade; e não o Modelo do Federalismo, simpliciter, de que se tem falado… Este segundo modelo só sabe dar serventia ao Imperialismo economicista, que é o catecismo implícito do Neoliberalismo capitalista global (tecnocrático e fascistóide), ainda em curso.

Os regimes democráticos do Ocidente estão em frangalhos… A Democracia, ou se aprofunda e fortalece, ou, muito simplesmente, morre!... O Socialismo autêntico é a partir dos Sujeitos humanos, livres e responsáveis, que se edifica; não a partir de programas objectivoobjectualizados, balizados e estabelecidos por directórios políticos. Os ditos socialismos, construídos ao longo do séc. XX, não passaram da sub-categoria de ‘capitalismo monopolista de Estado’ (J.K. Galbraith dixit, já na década de ’60 do séc. XX).

Com efeito, na vera Confederação de Estados ─ que não abdicaram da sua autonomia e soberania recíprocas ─ as políticas económicas, quando bem concebidas e arquitectadas, obedecem, sistematicamente, a dois princípios incontornáveis: em 1º lugar, o de contar, primacialmente, com as suas próprias energias naturais e recursos humanos, com as habilitações que detêm; em 2º lugar, virá o princípio do Import/Export, com expressão decisiva na Balança Comercial externa de cada País. A inversão desses dois princípios constitui um Erro grosseiro (como aconteceu com o cavaquismo…), ─ que se virá, inevitavelmente, a pagar, ou com a ditadura, ou com a dependência do exterior. Não foi essa a gramática adoptada pela Alemanha do pós-IIª G.M., para pagar a sua dívida soberana?! Por que não hão-de adoptar a mesma gramática os actuais países com dívida soberana, na U.E.?!...

No concernente aos programas de Austeridade, adoptados e impostos pela Troika nas situações acima referidas, deverá saber-se (e nesta Questão, estão connosco os Prémios Nobel da Economia!) que tais soluções nunca resolveram, adequadamente, crises financeiras soberanas; pelo contrário, multiplicam-nas e agravam-nas, até ao infinito. ‘Ad impossibilia nemo tenetur’! Leia-se o cap. 15 do Deuteronómio, o último dos 5 Livros da Tôrah hebraica.

Nunca é demais Lutarmos pela VERDADE e pela JUSTIÇA. Com as mais vivas saudações e os Votos necessários para um Bom e Auspicioso Futuro.

Manuel Reis (presidente do CEHC).

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