História de Caucaia do Alto

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CAUCAIA DO ALTO do Polo de Assentamentos e Abastecimento à Urbanidade Rural-Industrial com Progresso Sustentável para ser Cidade & Estância Eco-Turística

Dos Estudos De [1991 a 2013]

João Barcellos



Índice Em Jeito De Agradecimento... Apresentação / Marta Novaes Parte 1 / Povos de Serr´Acima Pelo Piabiyu Costeiro Parte 2 / Formação Geossocial Da Gente Caucaiana 2.1 Dos Tupi-Guaranis Aos Portugueses 2.2 Sobrevivência Na Serra Com Madeira, Argila & Fibras 2.3 Caucaia Antes De Cotia Parte 3 / Desenvolvimento 3.1 Dos Fogos Aos Ranchos, Olarias, Plantas & Flores 3.2 Bacias Do Rio Cotia & Soroca-Mirim Parte 4 / Tábua Cronológica Parte 5 / Movimentos Emancipatórios Parte 6 / Apoios Institucionais Parte 7 / Anotações, Bibliografia & Outras Fontes

Obs. Editorial: Ilustrações com fotos e mapas do Autor e de Famílias Caucaianas, particularmente a Família Vaz Coelho; fotos de Firmino ´Paparazzo´, fotos e mapas disponíveis na Web para consulta e livre impressão.


E em jeito de agradecimento...

Este livro, com a maioria dos conteúdos pinçada de expedições e anotações de 1988 e de 1991, teve início em conversas com Francisco de Assis dos Santos [o “saínha”] e Décio Lemos Leite, ideia logo acarinhada pelo empresário Adilson Lima, proprietário da viação Valli, cuja formação familiar se confunde com a história recente da região cotiana. E logo, o advogado e ilustre defensor das liberdades políticas Gilberto Capocchi, e também a editora Valentina Lyubtschenko, da Edicon, que possibilitou uma edição especial do livro. A minha preocupação foi, desde logo, demarcar a geo-sociedade avançada pelos portugueses de serr´acima que vieram a colonizar e catequizar os povos nativos de Caucaia e Ibiuna numa das primeiras entradas ao sertão feitas ao tempo do Porto das Naus, de Gohayó; serviu para tal a expedição que fiz na região em 1988 e as conversas com Ab´Sáber e Donato em 1991 e 93. Depois, o livro tomou corpo após a palestra que fiz para a Comissão Pro-Emancipação de Caucaia do Alto, em Abril de 2014, fazendo dele um instrumento necessário ao conhecimento da história regional. Também, importante foi a conversa com o notável advogado Haroldo Bastos Lourenço, arquiteto jurídico da emancipação de Vargem Grande Paulista, e o empresário Carlos Ruiz Jr, o ´operário político-administrativo´ daquele processo, dos quais recebeu a Comissão Pró-Emancipação de Caucaia do Alto lições inesquecíveis. O Autor


À gente caucaiana que pensa e vive em território próprio.


Apresentação E lá vão serr´acima as gentes lusas de gohayó a caucaia. De fogo em fogo ao rancho n´aldeia caucaia erguem outro portugal e de intrusas levantam a brasileira nação! Vão a ibiuna e voltam pelo ribeirão em caminhadas duras, pois, fazem de caucaia a sua nação!

João Barcellos

Inicio uma breve análise aos estudos reunidos por João Barcellos em torno da região de Caucaia do Alto com uma anotação poética do próprio na “Jornada de Gohayó a Caucaia, Ibiuna e Cotia, 1988”. Aliás, o poema diz quase tudo... Quando a médica e paraquedista Johanne Liffey me visitou, em Buenos Aires, no ano 2008, conversamos sobre a odisseia poética e historiográfica de João Barcellos em torno das questões luso-americanas e ela lembrou dos rascunhos de uma viagem feita por ele com um grupo de intelectuais cariocas e portenhos pelo velho caminho guarani do litoral (o Piabiyu utilizado pelas gentes do Bacharel de Cananeia) e no qual ele reinou por mais de 30 anos e onde iniciou a raça brasileira com o nascimento dos filhos mamelucos. Semanas depois recebi cópia dos rascunhos e fiquei impressionada com a pormenorização feita por Barcellos no foco e no entorno do Piabiyu – e escrevo “piabiyu” e não “peabiru”, porque foi assim que ele aprendeu a falar com guaranis da Língua M´biã, predominante no “piabiyu brasileiro” –, uma pormenorização que reabre, a meu ver, os estudos sobre o assunto. Primeiro, porque o “bacharel” não era de mentirinha, era Bacharel formado na


Universidade de Salamanca e que depois foi servir o rei João II na Costa da Mina como Ouvidor, segundo, porque pouco se fala da trilha litorânea do Piabiyu e da importância da gente lusa que serr´acima formou fogos e ranchos e ocupou aldeias guaranis e tupis como a de Caucaia e as da bacia do [Ibi]Una. E então, como foram importantes as ações expedicionárias e minerárias de Brás Cubas e de Afonso Sardinha (o Velho) na ligação do Piabiyu piratiningo ao do litoral pelo corredor de Carapocuyba e Koty até Ybituruna e Ybiraçoiaba e na ligação continental com Asunción e Buenos Ayres. É a historiografia feita pelos documentos e que a estória oficial não registra por causa dos interesses políticos que remetem os povos à ignorância de suas origens.

Em um encontro com João Barcellos, por ocasião do lançamento do seu livro Do Fabuloso Araçoiaba Ao Brasil Industrial, em 2011, ele deu-me a conhecer outros rascunhos acerca da história de Caucaia do Alto e de Ibiuna, e foi quando eu percebi de vez como é que Afonso Sardinha (o Velho) construiu no Piabiyu a estrada da economia liberal que fez o Brasil que é hoje. Nem é possível conhecer o Brasil e a América do Sul sem conhecer esta história da gente lusa de serr´acima! Desde os estudos acerca da personalidade e dos atos públicos do Morgado de Mateus (d. Luís António Mourão), em duas publicações (1996 e 2013), Barcellos permite-nos adentrar os bastidores políticos e teológicos onde se alicerçou a expansão ultramarina de Portugal, e, ao juntar àqueles os estudos acerca de Afonso Sardinha (o Velho), do Bacharel de Cananeia e do Cerro Ybiraçoiaba (incluindo Iperó e a essência do tropeirismo no pós-municipalismo republicano idealizado pelo morgado).


Li (quase) todos os estudos feitos por intelectuais brasileiros e portugueses sobre as navegações e a colonização, mas os de João Barcellos têm aquela “profundeza poética que nos leva além da superficialidade acadêmica ou jornalística”, como diz Liffey, “a história contada vírgula a vírgula, ponto a ponto, e a deixar a verdade nua e crua aflorar nas entrelinhas”. As novelas anexadas aos livros Iperó e Do Fabuloso Araçoiaba Ao Brasil Industrial e O Tropeirismo, por exemplo, são tão essenciais à historiografia quanto as tábuas cronológicas para a linha do tempo-espaço; mas foi a novela Um Morgado No Imaginário De Um Marquês (de edição limitada em 2013), acerca do Morgado de Mateus, que ele colocou toda a essência documental da história do Brasil feita a partir dos sertões a oeste da Villa jesuítica Piratininga. . O mesmo acontece quando ele retoma a trilha do Piabiyu de Gohayó a [Ibi]Una para nos dizer dos povos de serr´acima e tira da escuridão aquela lamparina geossocial que mostra Caucaia como aldeia nativa e como urbanidade brasileira implodindo na ânsia de uma liberdade cidadã. Ao ler a reunião de textos que compõem a História de Caucaia do Alto acabei por ler uma parte quase sempre esquecida do Brasil: as gentes que fizeram do Piabiyu o eixo da economia liberal quinhentista são aquelas que passaram ou se fixaram também na velha Caucaia guarani na bacia do Rio Koty. “Não existe expansão portuguesa sem expansão da cristandade, logo, as congregações jesuíticas, beneditinas, etc., que se instalam na Insulla Brasil, e a representar as sedes eclesiásticas respectivas em Portugal e em Roma, são companhias que fundamentam teologicamente as campanhas políticas e militares”, ensina ele. Poucos historiadores falam do genocídio provocado por Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral na Índia sob as flâmulas e as rezas cristãs, ou da aniquilação dos guaranis e tupis no Brasil por preadores e bandeirantes, mas João Barcellos é um intelectual português que vive do e no Mundo e lê a História como ela foi e é, portanto, o homem da escrita que sabe dar à ponta da pena a dinâmica necessária para registrar essa Verdade – e tal Verdade está também nas suas observações acerca dos povos de serr´acima, entre eles os da Aldeia Caucaia, microrregião do desenvolvimento macroeconômico da metrópole São Paulo, ontem e hoje. “Falar de Caucaia do Alto é falar de um Brasil abandonado à própria sorte até o momento em que as suas Gentes encontrem coragem para dizerem Somos Brasil”, comentou Barcellos a propósito dos seus estudos caucaianos. NOVAES, Marta Profª de História e Jornalista Buenos Aires / Arg., 2014


Parte

1

Quando, em 1906, forma-se a Municipalidade de Cotia, a região da velha Aldeia Caucaia já lhe é parte desde a fundação da Villa Nª Sª do Monte Serrat de Cotia. Entretanto, como o nome é alterado para Caucaia do Alto em 1944 [30 de Novembro], esta é a data oficial que a Comunidade Caucaiana celebra...

Caucaia do Alto é foco de assentamentos por fogos e pequenos ranchos de portugueses ditos de serr´acima, ou seja, dos primeiros que sobem a Serra do Mar, logo que em Gohayó, cerca de 1500, o bacharel Cosme Fernandes perspectiva e constrói o Porto das Naus. E o povoado guarani de Caucaia está além do topo serrano a demarcar uma região de fantásticos recursos hídricos e florestais Para os portugueses que, ainda no Séc. 16, saem do litoral via Gohayó e chegam a Caucaia, a aldeia é, obviamente, terra de gentes nativas, uma terra que, segundo as crônicas do Séc. 17, “é serra que se estende aos municípios de Itapecerica da Serra, Ibiúna e Cotia, sendo (...) sistema orográfico da Serra do Mar” [Enciclopédia Universal Brasileira; Vol.1, III, DCL/1980-SP].


[mapa da migração guarani e tupi]

O primeiro registro histórico sobre Caucaia, porque consta das terras pedidas por Calixto da Motta, e outros, está numa petição de 10 de Novembro de 1637, e nela se lê: “...lhes fizesse mercê de lhes dar a terra de Caucaia pelo caminho que vae da villa de São Paulo...”, segundo o Vol. I do Livro das Sesmarias. Este registro demonstra mais uma vez, que de um lado do Rio Cotia é o sertão itapecericano e do outro, pela campina do Caiapiã, é o sertão carapicuibano. A Aldeia de Caucaia é, assim, um dos pontos avançados da boca-de-sertão assente na Acutia [do guarani Koty = ponto de encontro / casa para os nativos Carijó/Karay-ó do tronco guarani da Língua M´Byã] – e, por isso, região das mais procuradas para o assentamento colonial. Cortando o sistema da Serra do Mar as terras deste povoado nativo são importantes na logística de penetração dos europeus no sertão paulista e na abertura de novos roçados. A denominação Caucaia deve estar relacionada a Caucaá, uma planta com propriedades medicinais do Alto Amazonas, onde os guaranis iniciaram a sua diáspora até à Serra do Mar. Este tipo de denominações ´faladas´ e aportuguesadas pelos colonos verifica-se, também, com o nome Acutia... Entretanto, a Caucaia cotiense e paulista situa-se no dito sertão itapecericano, que compreende Embu, sendo o mando católico da Paróquia de Cotia [isto, já no Séc 17]. E, como sertão, continua o povoado nascido nas alturas serranas. Caucaia do Alto é o exemplo típico do povoado que se inicia no relacionamento direto entre europeus e nativos na segunda fase da miscigenação étnica provocada originalmente por João Ramalho e por Cosme Fernandes, e, colonialmente, com o assentamento [ou ´fábrica´], da capela cristã, e progride ou não conforme o desenvolvimento macroeconômico da área geopolítica em que se insere.


As florestas tropicais que cobrem o planalto piratiningo e o sertão a oeste sofrem já impactos com desmatamento nos ciclos de sobrevivências para as aldeias dos povos nativos, que cultivam e colhem, além de utilizarem o fogo para a queimada na preparação de novos plantios, um erro entre os próprios povos nativos já anotado pelo poeta Baptista Cepellos no seu livro A Derrubada, em 1896, reeditado por João Barcellos, em 1996.

Os portugueses percebem que a doma da terra feita pelos nativos não é tão diferente da que conhecem dos campos europeus e africanos, e isto em toda a região de Caucaia a Ibiuna [de Iby Una, q.s., rio da terra negra], que os nativos percorrem até às bandas do Ybiraçoiaba passando pela região serrana de Boturati; percebem, também, que estão em um dos ramais do Piabiyu – o caminho ancestral guarani que leva ao que dizem ser a terra sem mal. Para todos os efeitos de assentamento os portugueses estão no bom caminho...


A linha de vales e montanhas, do tipo mar de morros, oferece um clima excepcional para viver e trabalhar a terra centenas de metros serr´acima de Gohayó, no caudal da nascente dos rios Cotia e Sorocamirim. Um paraíso naturalíssimo a viver em plenitude.


A economia primeva de Caucaia é de subsistência, mas logo a qualidade dos produtos rurais é noticia boa na Villa dos jesuítas [agora conhecida como Sam Paolo dos Campi de Piratinin] e em Gohayó, e assim surge a troca de mercadorias com os sertanejos e a venda de frutas e legumes e carnes e vinho também no percurso para a Koty às margens do Anhamby, produtos que seguem mais a oeste pelo portinho de Carapocuyba e para a Villa dos jesuítas via Jerybatiba. E quando, no início do Séc.18, em 1703, a Koty carapocuybana é transferida com o mesmo nome para o sertão d´Itapecerica, com capela em honra de Nª Sª do Monte Serrat, altera-se somente o pouso, porque o percurso do Piabiyu é o mesmo, embora fique a Koty mais logisticamente bem assente e comece a ser chamada de Acutia e, logo, de Cotia.


Assim como na Cotia itapecericana se abrem roçados e constroem casagrande e senzala [propriedades rurais do Caiapiã e do Morro Grande], e surge na aldeia Caucaia uma arquitetura do tipo colonial, a começar pelo centro e entorno da capela, mas também em roças avançadas na estrada de ligação a Campininha.

[casario colonial de Caucaia do Alto no centro]

[casarões rurais do Caiapiã e Morro grande]


[Casa rural da Campininha: exemplo de construção colonial na região caucaiana seguindo o traço das casas rurais do Ybitátá, Pico do Jaraguá, Morro Grande e Caiapiã.]


Território Caucaiano Começa no divisor entre as águas do rio Cotia, à direita, e as do ribeirão Vargem Grande, à esquerda, no ponto de entroncamento com o contraforte da margem esquerda do ribeirão da Graça; segue por este contraforte em demanda da foz do ribeirão da Graça, no rio Cotia; sobe por este até à represa Pedro Beicht, segue pelo eixo desta represa, em demanda da foz da água do Gregório Grande; sobe por esta água até sua cabeceira sudoriental, no espigão entre as águas do rio Cotia, à direita, e as do rio Embu-Mirim, à esquerda. In Municípios do Estado de São Paulo / Criação e Divisas - Instituto Geográfico e Cartográfico / São Paulo [Lei Estadual nº 9.821, de 24.10,1997].

[Caucaia do Alto: cerca de 147 Km2 e mais de 50.000 habitantes com 24.000 registros d´água na companhia responsável.]

Outra Leitura A norte – Sp-250, Rua Cartegema; a sul – Estrada dos Grilos, Estrada da Capelinha, Estrada João Pires Pereira, Avenida Luís Ferreira G1, Rua Natália; a leste – Estrada da Escola Agrícola, Estrada Municipal; a oeste – Estrada do Cipó, Estrada Kinoshita, Estrada Antônio Vaz Pires, Estrada Água Espraiada, Rua Pununduva, Estrada do Cruzeiro. Fonte: Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa)



A aldeia Caucaia é um foco de abastecimento, mas também um polo de assentamento a ligar o sudeste [na linha Ibiuna-Boturati-Ybiraçoiaba] do planalto piratiningo. Integrada ao complexo administrativo e político da Koty, a aldeia Caucaia prolonga-se naquela e evolui na mesma proporção.

Os Piabiyus & Caucaia “Não se pode entender a colonização portuguesa e a expansão cristã sem entender a complexidade viária do Peabiru”, assinala o historiador Hernâni Donato, em 1996. Entretanto, “os piabiyus formam uma teia de ligações guaranis entre a costa e os sertões à qual os portugueses têm acesso a partir de Come Fernandes (o Bacharel de Cananeia), e mais tarde com a economia liberal incentivada aqui por mercadores e banqueiros como Afonso Sardinha (o Velho), mas os primeiros fogos de serr´acima representam as temerárias expedições portuguesas já com guias guaranis e tupis em plena Serra de Paranapiacaba saindo do Porto das Naus, em Gohayó – uma penetração tão precária quanto o sonho de construir Outro Portugal além-mar” [Barcellos, 1996]. A linha-tronco do Piabiyu liga o Planalto de Piratininga, via Ybitátá e Carapocuyba-Koty diretamente ao Cerro Ybiraçoiaba pela bifurcação do Ribeirão da Vargem Grande, dois ramais fazem a ligação litorânea, de Gohayó a Caucaia passando a Ibiuna, e a ligação sertaneja, de Araratiguama a Ybituruna até o portinho fluvial de Carapocuyba e esta com dois destinos: Pico do Jaraguá e Piratininga, e M´Boy/Embu-Itapecerica para Cubatão.


Parte

2

Formação Geossocial Da Gente Caucaiana

2.1 Dos Tupi-Guaranis Aos Portugueses

São guaranis e, em alguns casos, tupis, os habitantes nativos da região caucaiana, aos quais se juntam os portugueses que resolvem reiniciar a vida serr´acima. Assim como no planalto piratiningo e no litoral, os portugueses cercam, dominam e tomam gentes e terras, em geral, mas em várias situações continuam a saga do cunhadismo, i.é., casam com filhas de caciques e geram mais mamelucos. De tal sorte que no final do Séc. 16 o contingente mameluco é grande que leva a Câmara Municipal da Sam Paulo dos Campi de Piratinin a estabelecer leis que impedem mamelucos de serem servidores públicos e de terem acesso a armas.


Serra de Paranapiacaba

[mapa da Capitania de S. Vicente e esboço topográfico com a Serra de Paranapiacaba]

“O conjunto das Serras do Mar e de Paranapiacaba destaca-se pelo seu grande valor geológico, geomorfológico, hidrológico e paisagístico (condição de banco genético de natureza tropical, dotado de ecossistemas representativos da fauna e da flora), e por funcionar como regulador das qualidades ambientais e dos recursos hídricos da área litorânea e reverso imediato do Planalto Atlântico” – in Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico: inscrição nº16, p.305, 08/09/1986.

Por tal razão é que as localidades de serr´acima, como a Aldeia Caucaia, representam mais do que simples “localidades”... na história paulista que fez e faz o Brasil.


* Um pormenor social de grande importância no histórico caucaiano é a chegada das pessoas africanas à região...

[escravos africanos ´cangados´, perfil de angolano e Casa Grande no Morro Grande]

O primeiro navio negreiro a fazer a linha Santos-N´Gola / N´Gola-Santos pertence a Afonso Sardinha e é capitaneado pelo sobrinho Gregório nos Anos 90 do Séc. 16; entre as regiões ybiraçoiabana e caucaiana, por um lado, e ybiraçoiana e carapocuybana, por outro, as pessoas trazidas escravas da África têm destino certo: a mina de ferro do Cerro Ybiraçoiaba e a mina de ouro do Ybituruna, assim, a presença africana na Aldeia Caucaia acontece a partir da Senzala montada na Casa Grande, no Morro Grande, sesmaria do sargento-mor Roque Soares de Medella, no Séc. 18; e quando aparecem por Caucaia estão em fuga...

*


Capela d´Aldeia A primeira Capela da aldeia é construída pela Irmandade da Conceição, com a técnica pau-a-pique, nos últimos anos do Séc.18; com a ´fábrica´ da Capela inicia-se a organização católica da Comunidade Caucaiana. A imagem de Nª Sª da Conceição é misticamente cara para a comunidade portuguesa por representar a concepção de Maria, mãe de Jesus, logo, da presença divina no seio da família.

A celebração em honra da Imaculada Conceição é feita em 8 de Dezembro, mas tem festa universal em 28 de Fevereiro, definida pelo papa Sisto IV em 1476. O dogma da Imaculada Conceição foi definido em 1854 pelo papa Pio IX, em 8 de Dezembro de 1854 [bula ´Ineffabilis Deus´]. É esta celebração que um punhado de portugueses carrega serr´acima e dela faz o marco-zero da Aldeia Caucaia agora unidade na Fé cristã. Na base geossocial caucaiana está o ciclo mameluco e a precária evangelização cristã.


2.2 Sobrevivência Na Serra Com Madeira, Argila & Fibras

O que encontram os portugueses entre as matérias-primas da sobrevivência nativa? Além da madeira, argila e fibras. Os guaranis são mestres na confecção de utensílios cerâmicos e redes de fibras entrançadas. Qual a origem de tais matérias-primas? É a origem geológica da região da serrania de Paranapiacaba – a saber: rochas da formação do embasamento do grupo São Roque. Este conjunto geológico é formado pelo Complexo Embu e corpos graníticos intrusivos, onde predominam gnaisses e migmatitos, rochas de médio a alto grau de metamorfismo; e, em menor quantidade, ocorrem anfibolitos, mármores e quartzitos. Já na chamada Folha São Roque, os maciços graníticos de maior envergadura estão em Jurupará e Caucaia [Caucaia do Alto, distrito de Cotia], truncados pela Zona de Cisalhamento [falha] de Caucaia. Aqui estão as cabeceiras de cursos d´água denominados Sorocamirim e Sorocabuçu que se espalham por Ibiuna, Caucaia, Cotia, Ribeirão da Vargem Grande e São Roque, e isto porque se situa no Planalto Atlântico e na parte da serrania de Paranapiacaba onde se destaca (na linguagem dos geólogos) a Serra de São Francisco que se constitui a partir da massa pré-cambriana do Complexo de São Roque – ou, por outras palavras, Caucaia está no eixo da Biosfera do Cinturão Caipira do oeste piratiningo. Na parte da Reserva Florestal do Morro Grande, a Zona de Cisalhamento de Caucaia recorta diagonalmente a área em 2 conjuntos distintos: possui orientação NE-SW e segue a principal foliação regional com uma largura de cerca de 300 metros. Segundo estudos de vários especialistas, a influência do cisalhamento pode ser vista em afloramento, pois afeta os corpos graníticos expostos, e por isso é que existe aqui uma rede de fraturamentos anotada como mais um elemento estrutural muito importante, por ter sido formada nas atividades tectônicas tardias. Para a maioria dos especialistas, e também para o geógrafo Aziz Ab´Sáber [em palestra no Dia do Radio-Amador, na Câmara Municipal de Cotia, 1991], a estrutura formada pelo fraturamento e a foliação assume um papel regulador na drenagem dos mananciais.


E no âmbito desta formação geológica, as margens dos cursos d´água apresentam produtos naturais de suma importância para a vida dos povos nativos e a dos colonos de serr´acima, entre eles a argila.

E se da terra a gente nativa produz utensílios cerâmicos, das fibras de cardos encontrados na área florestal fiam e confeccionam redes. Da alimentação nativa guarani os portugueses aprendem o cultivo da mandioca e da erva-mate, assim como do tabaco, pois, o feijão, o milho e o amendoim já conhecem, mas são surpreendidos pelas técnicas de beneficiamento do algodão; e assim como a argila, o algodão torna-se logo alvo da atenção dos estranhos de serr´acima.

[o algodão e as alpercatas]

Quem melhor aproveita tal técnica são os padres jesuítas que ainda no Séc. 16 adentram o sertam carijó e, como escreve Anchieta ao seu superior Manoel da Nóbrega [o fundador da Sam Paulo dos Campi de Piratinin e dita Villa jesuítica]: “... fazemos vestidos, sapatos, principalmente alpercatas de um fio como cânhamo que nós outros tiramos de uns cardos lançados n´água e curtidos” [Anchieta, in “Cartas Jesuíticas”, apud João Barcellos, 1992].


2.3 Caucaia Antes De Cotia Parte dos colonos – e aqui, colonos no sentido de agropecuários que sobem a trilha costeira do Piabiyu – que demandam a bacia do Ibiuna a passagem pela Aldeia Caucaia é obrigatória, logo, estabelece-se uma ligação natural entre as duas regiões que assumem a função de manter viva a colonização. Pode se dizer, por ser um fato naturalíssimo e está na territorialidade ancestral dos guaranis e tupis, que existe uma Aldeia Caucaia antes da Koty que vira Acutia e Cotia... e tão antiga quanto a Piratininga que dá berço à Sam Paolo jesuítica. Tanto assim é que a velha Aldeia Caucaia do sertam d´Itapecerica é incorporada à Villa de Nª Sª do Monte Serrat da Cotia quando esta se estabelece, em 1713, no mesmo sertão. Eis aqui a odisseia geossocial da formação caucaiana, ação de colonização e de evangelização cristã no âmbito do assentamento daquele outro Portugal além-mar, logo, uma história entre as histórias paulistas que geraram a formação do Brasil.


Parte

3 Dos Fogos Aos Ranchos, Olarias, Plantas & Flores

3.1 O Desenvolvimento

Obviamente, o desenvolvimento da mina de ferro do Ybiraçoiaba [Sécs. 16 e 17] e a demanda por ouro e prata contribuem para o negócio rural de Caucaia, mas também, e logo [Sécs. 18 e 19], o tropeirismo e as novas tecnologias chegam ao alto da serra, e por ser alto... lembremos: quando a companhia da estrada de ferro decide construir uma estação ferroviária na aldeia denomina-a de Estação do Alto que liga ao litoral, o que vem a originar o nome definitivo de Caucaia do Alto.


Esta, que é a região de entre o Rio Cotia e o Rio Soroca-Mirim, não é só parte do cinturão caipira paulista... é a sua matriz!

Aqui estão áreas rurais de até 200 hectares, bem mais fortes que os antigos ranchos e fogos de sertanejos de roça e pasto, além de rebanhos com até 100 e 120 cabeças; e existe uma organização científica no plantio de batata, milho e feijão e frutas.


Desde os primeiros contatos dos portugueses com os guaranis da Aldeia Caucaia o ofício de oleiro torna-se uma ligação naturalíssima entre os povos que descobrem traços comuns no trato e na exploração da terra.

Até que no Séc.20, com a chegada dos colonos japoneses e a idealização da Cooperativa Agrícola Cotia [CAC], parte dos recursos florestais da região é destruída e dá lugar a mais pastos e exploração de madeira. A floresta nativa que deu vida a guaranis, tupis e portugueses, deixa de existir, mas resta uma área que ainda se pode considerar uma reserva na raiz da bacia do Rio Cotia e outra na bacia do Rio Soroca-Mirim. A partir do Moinho Velho, região na entrada de Cotia, a gente nipônica faz a reengenharia rural e expande a CAC pelo Piabiyu alcançando pequenos assentamentos e granjas de Itapevi a Caucaia passando pelo Morro Grande, do Ribeirão da Vargem Grande a Ibiuna, para formar oficialmente o Cinturão Verde do Oeste Paulista. Na região caucaiana assentam empreendimentos rurais famílias nipônicas como Tashiro, Honda, Morakawa, Mitiko, Shakuda, Tadashi, Nakamura, Satiro, entre muitas outras.


Flores & Plantas

Entre as informações divulgadas pela Câmara Setorial Federal, em 2012, o Brasil conta com 9.000 produtores de flores e plantas, que cultivam mais de 350 espécies, com cerca de 2.500 variedades. Ou seja: o mercado de floricultura é uma variante fundamental na economia brasileira, pois, é responsável por 194.000 empregos diretos, sendo 49,5% (96.000) das vagas relativas à produção, 39,7% (77.000) relacionadas com o varejo, 3,1% (6.000) na área de distribuição, e 7,7% (15.000) em outras funções, principalmente de apoio. E, onde está Caucaia do Alto neste setor? A região caucaiana tem em seus 177 Km2 várias granjas e campos de plantação para produção de flores e plantas, com incidência maior a partir da formação da Cooperativa Agrícola Cotia [CAC], nos Anos 20 [Séc. 20] – legado que tem continuação de alta qualidade comprovada em cada flor e cada planta aqui produzida. Sementes e condimentos para produtos orgânicos e naturais são parte do cotidiano desta região procurada por brasileiros de vários de todos os cantos.


As famílias portuguesas que fizeram da velha Aldeia Caucaia um sítio para viver conseguiram transformá-la em polo de produção agrícola, mas foram as famílias japonesas ligadas à CAC que alavancaram a produção com metodologia tecnológica e administrativa. A floricultura caucaiana é um dos segmentos que aponta, também, para a formação da estância eco-turística, sonho antigo das pessoas que aqui vivem e aqui geram riqueza para o Brasil.


Já a cooperativa dos japoneses torna-se uma potência econômica com grandes benefícios para famílias caucaianas, quando é assentado, em 1931, o trecho da Estrada de Ferro Sorocabana com ligação em Caucaia na linha Mairinque-Santos.

Entretanto, a Estação do Alto é um ponto de passagem, não tem a serventia social e econômica que têm os parques ferroviários de Mairinque e São Roque, por exemplo, e Caucaia do Alto continua como reserva hortifrutigranjeira no complexo da mina verde que é o Cinturão Caipira do Oeste Paulista, e isto, apesar de passarem milhares de toneladas de grãos e outras mercadorias pela malha ferroviária da Estação do Alto com direção ao Mercosul e à União Europeia... Então, com uma política municipalista adequada, Caucaia do Alto pode ser um polo de desenvolvimento regional como já o são Ibiuna e Vargem Grande Paulista. A estação do alto que abrigou e deu passagem à velha maria-fumaça, hoje um veículo de alta tecnologia, continua a sinalizar as possibilidades de progresso para as gentes caucaianas.


sô Mendes a memória da odisseia ferroviária em Caucaia do Alto

Paulista de Pilar do Sul, o Sô Mendes – Miguel Joaquim Mendes, nasceu em 11 de Setembro de 1919. Casou com Nair Ribeiro e desse enlace nasceram 6 filhos. Antes de virar ferroviário, Sô Mendes trabalhou na lavoura de algodão e adquiriu experiência com outros ofícios. Entretanto, “eu era um cara que gostava de bola e de truco, ah, e de malha (fui um dos fundadores do Clube de Malha e também um apaixonado pela Romaria local), mas foi o futebol que me abriu as portas da ´sorocabana... E eu era bom, mesmo!, olhe, joguei no Ferroviário de Santos, no Pilar do Sul, mas foi no Caucaia Futebol Clube que fiquei famoso. Entrei para Estrada de Ferro Sorocabana porque a empresa não queria perder o cara que fazia o time jogar... que era eu!”, esclareceu Sô Mendes para que a história registre o fato. “Quando entrei na ´sorocabana´ a Estação do Alto já estava construída, mas estive na construção do pontilhão que deu melhor acesso ao distrito. A ´mariafumaça´ trouxe novos tempos para Caucaia e ainda vai trazer mais progresso”, concluiu Sô Mendes.


3.2

Bacias do Rio Cotia & Soroca-Mirim

[mapa de estudos arqueológicos publicado na Web para livre acesso e mapa do engº-militar José Custódio de Sá e faria]

Enquanto isto, a cidade e capital São Paulo cresce e demanda água, água e mais água... A bacia do Rio Cotia é uma reserva a ser trabalhada pela engenharia d´águas. Projeta-se, em 1898, um sistema de adução do Ribeirão Cotia e nele focar parte da demanda de abastecimento da gente paulistana. Desta engenharia, surgem as barragens de Cachoeira da Graça [1916] e de Pedro Beicht [1929], que vão regularizar a vazão do Rio Cotia e fazer a descarga até ao sistema de tratamento no Morro Grande. A ação tira várias famílias do Morro Grande e que vão juntar-se às do Ribeirão da Vargem Grande, principalmente na bifurcação que dá acesso a Ibiuna e São Roque pela Rodovia Raposo Tavares. Mas, qual é o benefício direto para Caucaia? Torna-se Caucaia do Alto uma área de preservação e, então, uma estância de turismo? Não, nada disto. Só o Morro Grande vira reserva florestal por ato estadual de 1979 (e muito da iniciativa deve-se ao jornalista Waldemar Paioli entre as suas ações de vera política ecologia, e não aos políticos locais...) e para assegurar o tal fluxo d´águas para a sobrevivência das gentes paulistanas [leia-se Grande São Paulo].


Rio Soroca-Mirim & Caucaia do Alto O encontro dos rios Soroca-Mirim e Soroca-Buçu forma o rio Sorocaba. As cabeceiras do Soroca-Mirim e do Soroca-Buçu estão nas regiões de Ibiúna, Caucaia do Alto, Vargem Grande Paulista e São Roque.


[os rios e a velha ponte de madeira na Rodovia Bunjiro Nakao]

[nascente do Soroca-Mirim // 23º 40´ 48.77´´ S e 47º 4´ 23.66´´ W]

A importância morfopedológica [conhecimento do ambiente e seus componentes para estudos das vertentes hídricas] do Soroca-Mirim está representada em vários estudos que mostram como a região caucaiana se desenvolveu como relevo de colinas [substrato granítico/migmatítico] e cobertura latossólica [material mineral] na articulação com os planos aluviais e as serras que cercam a bacia, sendo que os setores elevados são os maciços graníticos de São Roque e de Paranapiacaba que dão leito ao Rio SorocaMirim e ao Ribeirão Vargem Grande.

Ora, Caucaia do Alto é largada como velha aldeia e recebe de prêmio o título de distrito... No âmbito de tais políticas absurdas é que o Ribeirão da Vargem Grande emancipa-se de Cotia e vira Vargem Grande Paulista e, é claro, o espírito de independência sobrevive na alma caucaiana que, desde os Anos 80 do Séc.20 cogita ser municipalidade e tem capacidade econômica para tal, eleitores quanto bastem e fronteiras já definidas no complexo administrativo cotiano. Com aproximadamente de 55.000 habitantes, dos quais 29.000 aptos a votarem em eleições para cargos municipais, estaduais e federais, Caucaia do Alto tem potencial municipalista para se erguer como cidade com sustentabilidade administrativa e política. A região tem fronteiras definidas e ocupa 177 km2, tocando inclusive a área da Reserva Florestal de Morro Grande que não poderá ser incluída, Caucaia do Alto terá espaço para mostrar a sua força geossocial e econômica. A estrutura econômica caucaiana possui unidades comerciais entre empresas de pequeno e médio porte, além de prestadores de serviços, postos de gasolina, supermercados e farmácias, unidades que recolhem tributos,


impostos e taxas. A área residencial, urbana e rural, com aproximadamente 25.000 unidades, é outro foco da arrecadação tributária. Terem deixado a velha aldeia para trás é uma lição política de humilhação republicana, entretanto, serve esta lição para que as gentes caucaianas olhem o futuro que devem construir hoje investindo o seu espírito republicano na própria independência administrativa e política. É desta maneira que surge a Cidadania Responsável e a solidariedade republicana. Obviamente, as administrações cotianas fizeram e fazem obras estruturais na região por absoluta necessidade de comprovar que parte do que arrecada é investido, mas está muito longe da realidade física e humana que formata a rural-urbanidade caucaiana.


3.3

Caucaia & Caucaia do Alto Ontem & Hoje


A região de Caucaia do Alto tem uma posição estratégica nos campos da indústria sustentável, hortocultura, logística de grande porte e empreendimentos imobiliários para todas as faixas sociais. Mantendo a tradição rural, mas abrindo espaços industriais, a região é uma promessa urbana com traço ecológico.


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Caucaia do Alto

Tábua Cronológica

Séc. 16 Desde a chegada dos primeiros portugueses ao oeste do Planalto Piratiningo, depois Sam Paolo dos Campi de Piratin com a construção da Villa jesuítica, a partir de 1553, a Aldeia Koty situa-se perto do portinho de Carapocuyba às margens do rio Anhamby, ou seja, no sertam carapocuybano. Quando Afondo Sardinha [o Velho] toma a Carapocuyba, a aldeia guarani Koty não tem serventia logística e fica isolada no contexto das explorações minerárias que acontecem enquanto o ´velho´ Sardinha conquista espaços e se torna senhor de Ybitátá [fazenda], Pico do Jaraguá [fazenda e mineração de ouro e prata], Ybiturura [arraial de mineração de ouro] e Ybiraçoiaba [primeira fundição siderúrgica da América] – e, o mesmo Sardinha, como Capitam das Gentes da Villa, abre caminho para as Bandeiras depois de tomar o Jaraguá entre 1592 e 97. A velha Koty é reconhecida pelo rio que nasce na serrania do sertam itapecericano e lhe dá vida e deságua no Anhamby. Na outra banda, entre a serra d´Itapecerica e a bifurcação do Ribeirão da Vargem Grande, que liga Ibiuna à Bacia do Anhamby, está uma das aldeias de serr´acima denominada pelos nativos guaranis como Caucaia e que é já um polo de assentamento de portugueses agricultores. Séc. 17 Com apoio do Vaz-Guassu [depois, fundador da Villa de São Roque], o bandeirante Fernão Dias Paes instala na Aldeia Koty a capela em honra de Nª Sª do Monte Serrat e a região passa a ser mais um núcleo da cristandade. E é


só, porque a aldeia continua isolada e à sombra do portinho fluvial que lhe é vizinho. Sécs. 18 a 20 No ano 3 do 1700 a Aldeia Koty é transferida do sertam carapocuybano para o sertam itapecericano. Mas, por que se faz tal mudança? Porque a montante do rio [já denominado Rio Koty] e perto da cabeceira no Morro Grande está o tronco principal do Piabiyu – o ancestral caminho guarani continental que tem ligações estratégicas naquela bifurcação no Ribeirão da Vargem Grande e muita utilizada pelas gentes da Aldeia Caucaia. É de grande interesse que a territorialidade da Koty itapecericana alcance a Aldeia Caucaia pela importância dela na produção agropecuária. Anos depois, em 1713, a Paróquia da Villa de Nª Sª do Monte Serrat de Cotia [de Koty para Acutia e depois para Cotia] torna-se eixo na ligação do sertam itapecericano com o rio Jerybatiba e, logo, parte da região abastecedora da Villa jesuítica. A freguesia é criada 1723 e elevada a vila pela lei estadual nº 7, de 2 de Abril de 1856, virando municipalidade pela lei estadual nº 1038, de 19 de Dezembro de 1906. Entre as famílias tradicionais da região estão os Pereira, os Prado, os Saldanha, os Ribeiro, os Nunes, os Borges, os Noronha, os Dias, os Oliveira, os Correia, os Almeida, os Esteves, os Leite, os Castro, os Rebello, os Vieira, os Camargo, os Godinho, os Pires, os Castanho, os Maronna, os Vaz Coelho, os Silva, os Macedo, os Pedroso, os Lima, os Faria, os Mendes, os Duarte, etc., do continente; e dos Açores e Madeira, famílias como os Arantes, os Cabrera, os Albernaz, os Azevedo, os Godinho, os Teles, os Ornelas, etc.

Obs.: A maioria das famílias vem de judeus portugueses e castelhanos convertidos pela inquisição em cristãos-novos, a partir de 1495, e enviados para as feitorias africanas e o Brasil, já as oriundas dos Açores e Madeira têm descendência luso-judaica-italiana; são raras as famílias tipicamente portuguesas no primeiro século brasileiro. As gentes cristãs-novas são degredadas, isto é, exiladas. No bojo das caravelas que desembarcam gentes europeias no Brasil, há também gentes desterradas por crimes cometidos em Portugal e na África, mas sobressaem, felizmente, as gentes exiladas e convencidas de iniciarem no Brasil uma “casa nova”.


Anos 30, 40 e 50

A Romaria O fervor místico das gentes caucaianas tem origem na odisseia portuguesa que instala fogos e ranchos serr´acima, entre os Séculos 16 e 17. Já nos Anos 30 do Sec. 20, alguns amigos de Caucaia juntam-se à festa religiosa de São Roque e integram-se como cavaleiros à romaria local na direção de Pirapora; ainda por esses anos, o grupo retorna e cavalga com os sanroquenses tendo Araçariguama [antigo Cerro Ybituruna] como ponto de encontro.

Abençoados pelas jornadas anteriores, os amigos Pedro Borges (Caucaia), Antônio Carrero (Caucaia), Benedito Pires (Água Espraiada) e Durval Rocha (Ribeirão da Vargem Grande) decidem, em Abril de 1940, fundar a Romaria de Caucaia a Pirapora do Bom Jesus, e já cm uma bandeira nominativa confeccionada por Chiquinha Noronha, bordada em azul e branco. Assim como a fé moveu os primeiros expedicionários portugueses que cortaram a Serra de Paranapiacaba tendo Caucaia como passagem para a região de Una (Ibiuna), a mesma força espiritual faz da gente caucaiana uma sociedade solidária e alegre. A pé e a cavalo lá iam as gentes percorrendo longos 70 km. Hoje, no Séc. 21, ciclistas e charreteiros, máquinas agrícolas, motoqueiros e jipeiros, etc., estão também na romaria. Para muitas famílias, a Romaria de Caucaia a Pirapora do Bom Jesus é uma tradição – por isso, e com fé, a romaria passa de geração em geração.


Religião & Sociedade

Se o primeiro século [1498 a 1598] de ações portuguesas no eixo sul da Linha de Tordesilhas [a partir de Cananeia para Gohayó e Cubatão, e de Gohayó para a Serra de Paranapiacaba] é um século de expedições serr´acima com predominância de gente luso-judaica, a inquisição impediu que a fé mosaica aqui se instalasse e, em vez dela, os judeus convertidos incorporaram com os católicos a fé cristã – e o mesmo veio a acontecer com a gente africana que aqui se reuniu ao já formado ciclo luso-judaico-americano e criar a sociedade luso-afro-brasileira. Quando, no final da década de 1950, a enfermeira Wanda faz de um cómodo na sua casa o primeiro templo da Assembleia de Deus, isso mostra que a Fé é una na diversidade sociocultural diante de Deus. Da velha Aldeia Caucaia ao distrito Caucaia do Alto a religiosidade é um ponto para o qual convergem as famílias que fazem da Sociedade Caucaiana um espaço-tempo de profunda espiritualidade – e é nesta espiritualidade que reside a força da esperança e da liberdade.

1987

Vamos pra rua dizer o que é Caucaia!

Aos 18 dias de Abril surge o grupo recreativo carnavalesco BLOCICA.

O bloco cultural e de amantes do samba de rua torna-se desde logo um dos símbolos da alegria ´abre-alas´ para dizer das gentes caucaianas.


Exemplo Familiar De Interação Com Tradições

Uma das famílias mais tradicionais é a Família Vaz Coelho pelo que de progresso estabelece na região sem perder a tradição – a saber: o patriarca José Vaz Coelho é agricultor e também oleiro, o filho Pedro segue o exemplo e faz os empreendimentos familiares se valorizarem mais ainda reforçando a vitalidade econômica e social da Aldeia Caucaia.

Este exemplo agropecuário e oleiro demonstra como as gentes de serr´acima souberam sobreviver e se estabelecer apurando as técnicas dos povos nativos, sendo que o mesmo aconteceu em Ibiuna, cujo processo é idêntico ao caucaiano.


Dos Distritos Pela lei nº 1471, de 19 de Outubro de 1920, é criado o distrito de Itapevi e anexado ao município de Cotia. Em divisão referente ao ano de 1933, o município é constituído de 2 distritos: Cotia e Itapevi. Em Novembro de 1944 a Aldeia Caucaia transforma-se em Distrito e passa a ser denominada Caucaia do Alto. E logo, nos Anos 50, Jandira via também Distrito sob a administração cotiana.

* Aos 44 anos [em 30 de Novembro] do Séc 20, Caucaia torna-se Distrito e passa a se denominar Caucaia do Alto.

Os acessos principais a Caucaia do Alto estão no Km 39 da Rodovia Raposo Tavares [do velho trinco principal do Piabiyu guarani], que atravessa o Município de Cotia, e na Estrada da Água Espraiada via Rodovia Bunjiro Nakao. *


O decreto-lei estadual nº 14334, de 30 de Novembro de 1944, cria o distrito de Caucaia do Alto no município de Cotia.

Pela lei estadual nº 233, de 24 de Dezembro de 1948, é criado o distrito de Jandira com terras desmembradas do distrito de Itapevi e anexado ao município de Cotia. Em divisão territorial datada de 1º de Julho de 1950, o município é constituído de 4 distritos: Cotia, Caucaia do Alto, Itapevi e Jandira. Itapevi e Jandira se emancipam de Cotia e, no Séc. 21, resta o Distrito de Caucaia do Alto.

1954 A lei estadual nº 81, de 30 de Março 1954, cria o Grupo Escolar de Caucaia do Alto no município de Cotia. Neste caso, é a força do progresso paulista que faz valer a necessidade da educação nos pontos mais distantes da Capital e não a vontade das políticas regionais.

1959 Posto de Puericultura Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo DECRETO N. 35.934, DE 12 DE DEZEMBRO DE 1959 Dispõe sôbre instalação de Pôsto de Puericultura, subordinado ao Departamento Estadual da Criança. CARLOS ALBERTO A. DE CARVALHO PINTO, GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO, usando de suas atribuições legais e de acôrdo com o artigo 3.º, do Decreto n. 31.888, de 22 de abril de 1959, Decreta: Artigo 1.º - Fica o Departamento Estadual da Criança, da Secretaria de Estado da Saúde Pública e da Assistência Social, autorizado a instalar o Pôsto de Puericultura no Distrito de Caucaia do Alto, Município de Cotia.


Artigo 2.º - Êste decreto entrará em vigor na data de sua publicação. Artigo 3.º - Revogam-se as disposições em contrário. Palácio do Govêrno do Estado de São Paulo, 12 de dezembro de 1959. CARLOS ALBERTO A. DE CARVALHO PINTO Fauze Carlos Publicado na Diretoria Geral da Secretaria de Estado dos Negócios do Govêrno, 12 de dezembro de 1959. João de Siqueira Campos - Diretor Geral, Substituto

Enfermeira Wanda Posto de Puericultura em Caucaia do Alto

Wanda – Benedita Wanda Martins, mineira de Camanducaia, filha do maestro Pantaleão de Paula e da professora Mercedes Fonseca. Aos 14 anos de idade “fui estudar em São Paulo e depois iniciei carreira no Hospital Santa Cruz, onde fiquei por 9 anos e aprendi a ser uma profissional a tempo inteiro”, disse ela. “Um dia, deu entrada no hospital um jovem de nome Rui de Oliveira, filho de Satiro, acompanhado do cunhado Décio, e foi esse Décio que me falou de um Posto de Puericultura que iria abrir num lugar aprazível chamado Caucaia do Salto, nas bandas de Cotia”. Após conversas familiares, “aceitei o convite, mas, para não perder os benefícios trabalhistas, o deputado Scalamandré integroume como servidora estadual”. Inaugurado o posto em 1960, a primeira média foi a drª Tereza Lemos Leite. O posto foi feito com dinheiro emprestado pela Família Pires e, depois, com intervenção do deputado Fauze Carlos. E rematou: “Olhe, o Posto de Puericultura ajudou muito as pessoas de Caucaia a darem atenção à saúde pública, e tudo começou a melhorar com a inauguração do Hospital de Cotia, de onde vinham médicos com mais frequência”.


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5 Movimentos Emancipatórios

Sei da terra onde estou e sei de mim como sou. Não me venham dizer o que fazer nem dizer que apenas estou, porque se nesta terra me fiz gente é porque dela sou! Canto minh´alma serra´acima onde minha gente desbravou e orou, canto o que sou para a geração que aqui vai ser! João Barcellos, 1991

Escutava-se nos Anos 80, em Cotia: Ah, o prefeito de Cotia é eleito com os votos depositados em Caucaia do Alto... Assim era. Mas, infelizmente, os votos da população caucaiana não tiveram o retorno desejado em melhorias, quer na Educação quer na Saúde, pior, na Mobilidade Urbana. Por isso, no início dos Anos 90, um grupo emancipatório solicitou autorização para realizar um plebiscito, projeto que tramitou e foi aprovado na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e, em 1991, realizado o evento, verificou-se que a população do local [Distrito desde 1944] ficou dividida e optou por ficar mais tempo sob o teto político de Cotia.


Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo

Projeto de resolução Nº 0012 / 1990 Aprova a solicitação ao Tribunal Regional Eleitoral para a realização de plebiscito referente à emancipação do Distrito de Caucaia do Alto, pertencente ao município de Cotia. CAUCAIA DO ALTO (DISTRITO), COTIA (MUNICÍPIO), EMANCIPAÇÃO, PLEBISCITO, TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL. Último andamento 21/08/1991 Publicado o Parecer nº 0978 de 1991 da Comissão de Assuntos Municipais que examinou a Ata de Proclamação expedida p/Juiz Eleitoral de Cotia informando que a emancipação do Distrito de Caucaia do Alto não foi aceita pelos eleitores do local.

Mais uma tentativa foi feita em 2004, mas a comissão não conseguiu seguir em frente com o projeto. Um denominado Movimento de Emancipação de Caucaia do Alto [MECA] alavancou mais uma vez o ideal da independência e mais uma vez a gente caucaiana preferiu continuar sob o mando cotiano. Entretanto, e diante da pujança socioeconômica do Distrito e suas possibilidades para ser também Estância Eco-Turística, surge em 2013 uma Comissão Pró-Emancipação de Caucaia do Alto agregando centenas de pessoas e fazendo reuniões itinerantes pelo vasto território. Por outro lado, a possibilidade de emancipação ganhou um forte aliado: o Senado federal aprovou um novo projeto, em 2014, que regulamenta a criação de município.

Diretoria Da

Comissão Pró-Emancipação de Caucaia do Alto

Francisco de Assis dos Santos (“saínha”), Wilson Santana de Almeida, Gilberto Araújo, Tancredo Rodrigo Paraiso, Jailson dos Santos Araújo, José Didi Lemos, Kadu Marques, Otávio Luiz de Moraes, Rodrigo Paraíso, Candido José dos Santos Neto, Miguel Arcanjo Ribeiro, Claudio Marciliano, Davi Nardy, Gilmar Lopes, Darcizo Benedito Pereira, Claudinei Gonçalves Pereira, Gentil Pires do Prado, José Jesus de Brito. [da Ata de 20 de Março de 2014]


A comissão conta ainda com os núcleos Juventude e Mulher buscando na sua raiz social uma política de interatividade. Este novo movimento cresceu diante dos parcos recursos aplicados por Cotia na infraestrutura do Distrito de Caucaia do Alto, mas também da complexidade dos desafios sociais e urbanos que a população caucaiana terá que enfrentar por falta de visão de futuro dos políticos cotianos.

Seu Dito

Memória viva dos movimentos emancipatórios caucaianos, Dito do Carmo Pereira – o seu Dito, testemunha “[...] a necessidade que esta região tem de conquistar voz ativa na condução da política administrativa. Precisamos emancipar, mas temos que organizar muito bem para não frustrarmos as esperanças, como aconteceu em 1991 e em 2004. A evolução de Caucaia do Alto já exige uma administração com políticos locais...”, disse o conhecido comerciante. Entretanto, ele vê como foco essencial a organização para que o movimento tenha sucesso na criação da municipalidade caucaiana.


A emancipação territorial, política e jurídica de Caucaia do Alto nunca foi tida como um ato de rebeldia, mas como um gesto de cidadania diante da identidade que a história local baliza legítima. A liberdade de opção republicana levou a gente caucaiana a duas tentativas emancipatórias, em 1991 e em 2004, e agora, no período de 2013 e 2014, projeta pela terceira vez a sua identidade própria, mas..., agora com o ideal amadurecido social e politicamente. Eis por que o movimento pela emancipação tomou corpo dez anos depois da última tentativa. Uma simulação feita pela comissão durante a feira franca semanal mostrou o interesse de emancipação por 93% das pessoas abordadas. O desafio por uma Caucaia do Alto - cidade e estância já toca a alma de cada pessoa caucaiana.


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Apoios Institucionais 6.1 Da Federação das Associações Anexionistas e Emancipacionistas do Estado de São Paulo / FAAESP, dirigida por Clayton Cézar Leite Rodrigues, a gente caucaiana passou a receber um apoio definitivo para a concretização do seu sonho.

Transformando-se em formidável ponto de encontro a FAAESP é um alicerce institucional que permite delinear os projetos políticos e administrativos relacionados à emancipação dos povos cujos territórios são espaço-tempo de histórias próprias.


6.2 Entre os apoios institucionais que a Comissão Pró-Emancipação de Caucaia do Alto recebeu e recebe está o da deputada Beth Sahão. Beth Sahão é formada em psicologia pela UEL e tem mestrado em sociologia pela Unesp (Araraquara). Trabalhou na Usina São José da Estiva, em Novo Horizonte, e foi secretária de Governo de Catanduva, entre 1997 e 2002. Neste ano, foi eleita deputada estadual pela primeira vez. Atuou como assessora especial do Ministério do Turismo, de 2007 a 2008.

Atualmente, cumpre seu terceiro mandato na Assembleia Legislativa. Beth Sahão é, até hoje, a primeira e única mulher a representar a região Noroeste na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Também, foi a primeira mulher na história do parlamento paulista a presidir à Comissão de Agricultura do Estado.

6.3 A igreja paroquial foi sempre o marco-zero dos interesses sociais dos povos historicamente ligados ao cristianismo. Por isso, ao abrir as portas para sediar as reuniões da Comissão Pró-Emancipação de Caucaia do Alto, a Igreja Matriz de Nª Sª Imaculada Conceição, hoje orientada pelo padre Everaldo Félix da Silva, dá testemunho de mais um evento que, além de político, é religioso... pois, reúne ecumenicamente os interesses sociais e espirituais da gente caucaiana. E, na pessoa do pastor Antônio Rufino, a Associação Pró-Emancipação de Caucaia do Alto homenageia as comunidades evangélicas que vêm apoiando as suas ações.

6.4 Toda a comunidade que anseia novos rumos institucionais inicia as suas atividades trocando informações socioculturais, técnicas e políticas em encontros informais no mais comum dos espaços – a padaria. Por isso, a Panificadora Estrela de Caucaia foi (e vai continuar a ser) o “escritório” da


turma emancipacionista caucaiana. Um espaço de liberdade e bom gosto criado pela Família Castanho.

6.5

Também, da RTS Lava Rápido, de Eduardo Rabello [Fone 11-4611.590], e da RaposoNet [11-4611.0442], empresas caucaianas cujo apoio é um exemplo de interatividade social.

6.6 A representar a Imprensa Regional, o jornal Cotia Dia a Dia [Fone 114611.1075], dirigido por Ivan Ferreira, é um exemplo da integração imprensasociedade


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Notas, Bibliografia & Outras Fontes

Notas Do Autor Após expedição “Jornada de Gohayó a Caucaia, Ibiuna e Ribeirão da Vargem Grande, 1988”, ficou claro que a história do Brasil tem que ser contada a partir de Gohayó e de Cosme Fernandes (o Bacharel de Cananeia), que perto daquela aldeia constrói também o Porto das Naus, com ligação a Afonso Sardinha (o Velho), que estabelece o primeiro trapiche na Villa jesuítica e recebe a sesmaria de Yibitátá para construir a primeira ponte sobre o Jerybatiba (rio Pinheiros) e logo alcança o portinho de Carapocuyba, no Anhamby (rio Tietê), no avanço para Ybituruna (Araçariguama, onde extrai ouro) e Ybiraçoiaba (Cerro Ybiraçoiaba, onde instala a primeira usina siderúrgica da América). Tanto Fernandes como Sardinha são responsáveis pelo estabelecimento da economia liberal nos ramais do Piabiyu (de Sam Paolo dos Campi de Piratinin a Asunción e Buenos Ayres) que, cinco séculos depois, continua como base do Brasilnação. Para quem ousa dobrar a esquina do desconhecido e chamada, em pleno Séc. 16, de “esquina” Koty, e em alguns casos já como Cutia, o destino é o sertão onde o padre Manoel da Nobrega ergueu Maniçoba – a primeira aldeia jesuítica, cerca de 1552, e da qual não existe referência geográfica com exatidão, o que constitui, ainda no Séc. 21, o grande segredo da Sociedade de Jesus [SJ]. O desafio é facilitado quando, em troca da construção de uma ponte sobre o Jerybatiba, o político e banqueiro e minerador Afonso Sardinha (o Velho) ganha de forma sesmeira a Fazenda Ybitátá, que compreende as terras do portinho de Carapocuyba, perto da Koty, e a uma milha da margem do Anhamby, seguindo para Itapevi e Ybituruna no sentido de apanhar o sertão bravio de Itu. O ´velho´ Sardinha já havia instalado na Villa de Sam Paolo dos Campi de Piratinin o primeiro trapiche da região, sob autorização expressa dos padres jesuítas, e o que ele quer é abrir caminho estratégico para dominar o Pico do Jaraguá e, então, Portugal dominar o “sertam dos carijó” de uma vez. Entretanto, e enquanto ajuda a construir a Aldeia Carapocuyba com nativos goayanazes aprisionados nas incursões ao sertão [parte deles destinados a Itapecerica e M´Boy, para defenderem o amigos jesuítas], Afonso Sardinha obtém resultados de mineração em ferro, ouro e prata em Ybituruna, Jaraguá e Ybiraçoiaba, ainda no Séc. 16, o que leva exploradores a


caminharem pelo Piabiyu de dentro, i.e., o tronco principal das ligações guaranis entre o planalto de Piratininga, o velho Porto das Naus, em Gohayó, e as regiões a sul do Ybiraçoiaba e a centro-oeste de Itu, tendo a Aldeia Koty como ponto de encontro e a fazer jus ao nome guarani, e que logo, no Séc. 17, vem a receber o nome de Acutia da Igreja de Monte Serrat. Deste processo de assentamento entre fogos dispersos e ranchos é que nascem as fazendas de apoio direto ao colonialismo português e por ele, também Afonso Sardinha (o Velho) tornase o primeiro dono de navio negreiro transportando e comprando negros da África para as minas e os engenhos agrícolas. Em lugares como Itapevi, Sant´Anna de Paranaíba, Ribeirão da Vargem Grande (localidade próxima à Aldeia Caucaia que recebe os portugueses de serr´acima, via Gohayó e com destino ao Una), adensam-se fogos, tomam-se hábitos nativos, cresce o assentamento colonial, e já em pleno Séc. 18, surgem fazendas do tipo “casa grande e senzala”, como as do Caiapiã e do Morro Grande e, logo, Maracanduba, a imitar a arquitetura das casas do ´velho´ Sardinha em Ybitátá e no Pico do Jaraguá. As regiões do Ribeirão da Vargem Grande e de Itapevi têm importância estratégica porque recebem as gentes de serr´acima e as do planalto, respectivamente, gentes que ousam dominar os sertões acima da Serra de Paranapiacaba; assim, quando a Aldeia Koty é transferida da região carapocuybana [de 1703 a 1713] para o sertão de Itapecerica ganha dimensões extraordinárias ao incorporar Itapevi, Aldeia Caucaia e Ribeirão da Vargem Grande. Fica, então, no seu bojo territorial, parte da Fazenda de Afonso Sardinha e o domínio geocatólico ao ser o ponto principal entre Itu e a Sé. É aqui, no Séc. 18, que se encontra a importância do Velho Caminho de Itu nos meandros geográficos cotianos. Por todos os caminhos os cristãos sinalizam a sua aventura com capelas de tamanhos diferentes para indicarem destinos diversos. Pela banda de Itapevi vai o riacho Sapiantã, que enche o rio São João e demarca posses sesmeiras entre o rio Acutia [anotação cartográfica do engº-militar José Custódio de Sá e Faria, ao tempo do Morgado de Mateus] e o Anhamby e o Ribeirão da Vargem Grande até à bifurcação que leva ao Una e à serra de São Roque e, antes, à região de Maracanduba – estrada velha para Itu e Ybituruna, demarcada como Quatro Encruzilhadas, a saber: sequência de capelas a indicar na rota de Itu como parar na Maracanduba, onde está a capela de Santa Bárbara, onde ajoelhará tanto o senhor como o escravo depois de fazerem o mesmo na de Cruz Nova e na de Cruz Grande. Não por acaso, o ´velho´ Sardinha coloca Santa Bárbara como padroeira do arraial mineiro onde explora o veio aurífero do Cerro Ybituruna... entre Maracanduba, de um lado, e Itu e Ybiraçoiaba do outro lado. É que Afonso Sardinha havia percebido corretamente a circulação de gentes e coisas guaranis pelos ramais do Piabiyu e de tal saber tornou-se o senhor da região a oeste do planalto de Piratininga. 1- A velha Aldeia Caucaia assume no Séc. 16 uma importância estratégica que a velha Koty só virá a ter no Séc. 18, quando é levada para o sertam d´Itapecerica e passa a ser eixo da economia rural com base em Caucaia e Ribeirão da Vargem Grande. Perceber os meandros da economia liberal quinhentista é adentrar a essência da filosofia do escambo, i.e., das trocas mercantis se fixam as gentes de serr´acima e com as gentes nativas gera-se a gente mameluca que faz o Brasil. 2- Das conversas com o geógrafo Aziz Ab´Sáber e com o historiador Hernâni Donato pude observar mais profundamente, e eles também, como o ser-estar português pega a bandeira cristã e demanda um novo Portugal para construir uma vida nova. É uma colonização luso-cristã iniciada, atente-se no pormenor..., por um punhado de cristãosnovos (judeus lusos) obrigados a fugir da inquisição ibérica provocada pela intolerância religiosa da própria cristandade! O mais importante desses cristãos-novos é Cosme Fernandes, bacharel formado na Universidade de Salamanca e aproveitado pelo rei João II, de Portugal, para servir como Ouvidor nas feitorias de São Tomé e na da Mina, ambas no golfo da Guiné. 3- Momentos de conversação historiográfica acerca da ´velha´ Caucaia aconteceram em encontros informais no restaurante Capitão Cook, da Cristina e do Affonso, perto


da igreja. E especialmente um, em 1995: no encerramento do aniversário de Cotia, e depois de um dia de rally pelos sítios históricos, os Jipeiros de Cotia reuniram-se para a premiação no restaurante, quando pude ir-à-fala com alguns dos mais velhos moradores da região e saber que “tudo aqui está à sombra dos pioneiros portugueses, mas é preciso que a geração de agora... a moçada de Caucaia, tenha cabeça para fazer disto uma cidade bem organizada sem mexer no verde e sem esquecer a mariafumaça. Sim, temos história, mas não basta dizer que o cemitério foi aberto para enterrar um índio..., é preciso dizer que Caucaia é tão antiga como aquela Cotia lá do Caiapiã na direção do Rio Cotia para o Tietê”. Essa conversação historiográfica corroborou muitas anotações que fiz em 1988 e me fez buscar outros dados.

Bibliografia

AB´SÁBER, Aziz Nacib – Geomorfologia do Sítio Urbano de São Paulo. São Paulo/Br., 1956. BARCELLOS, João – Cotia / Uma História Brasileira. Ed Edicon + TerraNova, 2011. – O Brasil Dos Tropeiros & Estradas Reais. Ed Edicon + TerraNova, 2013. PEDRO CALMON – História do Brasil. Ed José Olympio, RJ-1957. PEDRO TAQUES DE ALMEIDA LEME – Nobiliarquia paulistana histórica e genealógica. Belo Horizonte: Itatiaia/ São Paulo: Edusp, 1990. – Notícias das Minas de São Paulo e dos Sertões da mesma Capitania, 1772. RUGENDAS, Johann Moritz – Viagem Pitoresca Ao Interior Do Brasil. Memórias de viagem com desenhos e aquarelas litograficamente publicadas com apoio do naturalista Alexander von Humboldt. SAITO, Mário – Morro Grande e o Processo de Ocupação do seu Entorno. (Trabalho de Graduação Individual) São Paulo: Dpt de Geografia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2002. SANTOS, R.J.R. – Programa de Conservação de Mananciais. Sanare, Curitiba/PR, 1998. STADEN, Hans – Viagens e Aventuras no Brasil. Marburgo, 1557. SERAFIM LEITE [padre] – Monumenta Brasiliae, 1890-1969. SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA – Expansão paulista em fins do século XVI e princípio do século XVII. IX Reunião. Instituto de Administração. Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas/ USP, São Paulo (29): 3-23, jun. 1948. THEODORO SAMPAIO – O tupi na Geografia Nacional. – São Paulo de Piratininga no fim do Século XVI. – Arquivo Histórico e Geográfico da Bahia, Arq., manuscritos. ULRICK SCHMIDEL – Viagem Ao Rio Da Prata, 1567. [O retorno por terra do aventureiro marca, e registra, a primeira expedição pelo Piabiyu, desde Buenos Ayres e Asunción até São Paulo e São Vicente.] WASHINGTON LUIZ – Na Capitania de São Vicente. Livraria Martins Fontes, SP-1956.

Outras Fontes ACERVOS FAMILIARES CAUCAIANOS – Fotografias, gravuras & relatos. ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO – in Morgado de Mateus e Real Fábrica de Ferro. ATAS DA CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Sécs. XVI e XVII. CARTAS JESUÍTICAS [1549-1560] – Itatiaia Ed, 1988. CÓDICE “PAPEIS DO BRASIL”. Biblioteca Nacional de Lisboa / Torre do Tombo. COLEÇÃO JOÃO BARCELLOS – Pesquisas da Luso-Brasilidade, 1988 a 2013 [inclui anotações e desenhos da expedição do autor, em 1988, de Gohayó à Serra de Paranapiacaba passando por Caucaia e Ibiuna e retorno por Cotia via Ribeirão da Vargem Grande, com um grupo de intelectuais cariocas e portenhos].


COLEÇÃO MORGADO DE MATEUS – Biblioteca Nacional / Brasil. CORTESÃO, Jaime – 1) “O carácter lusitano do descobrimento do Brasil”, Lisboa/Portugal, 1941. 2) “Teoria Geral dos Descobrimentos Portugueses – A Geografia e a Economia da Restauração”, Lisboa/Portugal, 1940. CURSO DE TUPI ANTIGO: BARBOSA, A. Lemos [Pe], Livraria São José, 1956. D´ANVILLE, Jean Baptiste Bourguignon – Mapas de 1748, confeccionados sob a indicação dos padres jesuítas a partir o Séc. 17. Rumsey Collection. Washington – DC, USA. DICIONÁRIO DE TOPÔNIMOS BRASILEIROS DE ORIGEM TUPI: TIBIRIÇÁ, Luis Caldas, Ed Traço, 1985. EMPRESA PAULISTA DE PLANEJAMENTO METROPOLITANO / EMPLASA – dados INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA / IBGE – Dados sobre Caucaia do Alto, Granja Vianna e Cotia. INSTITUTO GEOGRÁFICO E CARTOGRÁFICO / IGC – São Paulo. PROJETO COMPARTILHAR [com.br] – Testamentos e Inventários. REGISTRO GERAL DA CÂMARA DE SÃO PAULO & CAPITANIA DE S. VICENTE – Câmara Municipal de São Paulo [Biblioteca]. SABESP / Saneamento Básico do Estado de São Paulo – Estudos sobre o Alto e o Baixo Cotia. VOCABULÁRIO GUARANI-PORTUGUES – SAMPAIO, Mário Arnaud [Org]. L&PM Ed, SP-1986.


BARCELLOS, João

Jornalista, Editor, Pesquisador de História & Conferencista, autor de COTIA / UMA HISTÓRIA BRASILEIRA, O BRASIL DOS TROPEIROS E DA ESTRADA REAL, VARGEM GRANDE PAULISTA, IBIUNA, IPERÓ, DO FABULOSO ARAÇOIABA AO BRASIL INDUSTRIAL, FEIJÓ & CEPELLOS [c/ Walter Soares], ARAÇACARIGUAMA, PARDINHO, CARAPICUIBA, MAIRINQUE, GRANJA VIANNA, VINHO & PODER [São Roque], REI & MAÇON [Bacharel de Cananeia], MORGADO DE MATEUS, BRASIL-500 ANOS, CAUCAIA DO ALTO, entre outros livros. Coordena as coleções lítero-historiográficas lusoamericanas DEBATES PARALELOS e PALAVRAS ESSENCIAIS hoje com 10 volumes cada. Fundador do GRUPO GRANJA e do GRUPO DE DEBATES NOÉTICA, membro fundador da ASSOCIAÇÃO DE POETAS PROFISSIONAIS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, membro do INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFIO DE SANTA CATARINA e do CENTRO DE ESTUDOS DO HUMANISMO CRÍTICO [Portugal & América Latina].


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