Centro de Estudos do Humanismo Crítico [Portugal & América Latina]
Grupo de Debates Noética
DEBATES PARALELOS Volume 9
Educação, Misticismo & Desenvolvimento
Edicon & TerraNova Comunic
Índice POESIA HISTORIOGRÁFICA Maria Augusta de Castro e Souza
BRASIL, AQUELE PORTUGAL... DA EDUCAÇÃO E DO ENSINO BIBLIOTECA
João Barcellos Manuel Reis
João Barcellos
FRACASSO ESCOLAR & ANALFABETISMO FUNCIONAL Painel / Grupo de Debates Noética
EDUCAÇÃO & DESENVOLVIMENTO Maria do Carmo Arruda
DEMOCRACIA
Painel / Grupo de Debates Noética
ACERCA DO PADRE MÁRIO DE OLIVEIRA J.C. Macedo
HISTÓRIA DE Nª Sª DO MONTE SERRAT João Barcellos
HISTÓRIA DE Nª Sª DO MONTE SERRAT João Barcellos
ORDENS RELIGIOSAS & HOSPÍCIOS Rosemary O´Connor e Carlota M. Moreyra
COTIA & FERROVIA
João Barcellos
O BRASIL DOS TROPEIROS E ESTRADAS REAIS João Barcellos
ÁFRICA, MEU MUNDO!
Céline Abdullah
CELIBATO & PODER SECO CINTO DE CASTIDADE
João Barcellos
Johanne Liffey
Observação Editorial Por desejo dos autores, que desejam preservar a sua cultura linguística, alguns textos conservam a ortografia portuguesa e não a brasileira. Ilustrações
Fotos e Desenhos do arquivo Noética. Fotos e desenhos expostos na web para livre editoração.
Poesia Historiográfica A redescoberta da epopéia e da ecologia no acto poético de João Barcellos
Maria Augusta de Castro e Souza
Ao deslumbrar-se com as novas camadas de conhecimento histórico que ele mesmo removeu no plano luso-brasileiro das eras quinhentista e seiscentista, João Barcellos retorna à circunstância que o levou, entre 1969 e 1974, a ler o mundo local e mundial com o olhar poético. No livro “Do Fabuloso Araçoiaba Ao Brasil Industrial” [1], ele reservou uma parte [2] para dar à luz alguns poemas escritos no fervor das pesquisas feitas nas velhas regiões do Piabiyu [3] entre a Piratininga jesuítica [4] e o sertão que logo ali se abria até o Berasucaba [5] e já depois de observações em Santos e Cananéia, no litoral da então Capitania paulista. Sobre tais poemas, a jornalista portenha Marta Novaes lembra-nos que “Uma das características do trabalho lítero-histórico de João Barcellos é o traçado poético com que ele desenvolve as suas linhas de raciocínio para, assim, levantar com suavidade as poeiras que escondem gentes e eventos do passado ibérico e luso-judaico que fez e faz a América”. São poemas que tratam dos perfis psicológicos da colonização lusa na ´ilha´ Brasil a começar pelas acções do Bacharel de Cananéia, quase uma ópera de encantamento entre a bravura e a sobrevivência sanguinária, que se encontra também no ´velho´ Affonso Sardinha e, no geral, nos colonos que abriram os sertões americanos para Portugal encontrar outros povos e riquezas; entretanto, ao redescobrir a odisséia do governador Francisco de Souza, o poeta também redescobre a onírica presença da acção romântica, e, além da poesia, dedica-lhe a novela “Morro d´Apoteose” no mesmo livro. Nestes poemas pode-se ouvir o grito das gentes desterradas e que se esforçam para construírem outro Eu, quiçá, outro Portugal: gentes a desbravar o sonho da ´terra prometida´ entre gentes e terras de uma América perdida no tempo humano. No percurso social e poético, ele desenvolve teses acerca dos aspectos comunitários e científicos que se prendem intimamente aos factores ecológicos, agora mais conhecidos como ambientais, mas que ele continua a nomear como socioecológicos, uma vez que “a reacção das pessoas à descomunal paisagem natural e animal mostra um despreparo filosófico que as deixa absolutamente impotentes e, logo, partem para os actos d´ignorância, i.e., preferem destruir a Natureza a fazerem conviver a Humanidade com ela”. Por isso a sua leitura atenta sobre as obras de Haeckel e Darwin, Ab´Sáber (de quem era vizinho, amigo e colaborador), Lutzemberger e Figuera de Novaes, além do amigo e mestre Manuel Reis, entre outros. Esta é a estrutura mental que o torna um intelectual eclético, aberto ao mundo das possibilidades para melhorar o que somos enquanto Humanidade e, obviamente, a História é aqui uma carga preciosa para a percepção da Pessoa que é e está, fazendo ou não fazendo. A jornalista Marta Novaes conseguiu na sua observação reter o essencial da óptica de João Barcellos, mas, ele mais do que isso, ele é o português que além de Portugal se percebe Portugal por inteiro e gera em si mesmo a possibilidade de desterrar e exibir a história que lhe deu origem. O seu contacto com o espaço-tempo da lusa americanidade perspectiva a essência poética que emerge em cada um dos seus actos. Na verdade, o Mestre João penetra a alma daquela gente e olha esse espaço-tempo no relógio real, o das sombras do sol a pino, o
das chuvas diluvianas, o da morte sob a flecha atirada de um arco, e mesmo o da morte que leva o corpo para a mesa de uma tribo de canibais em festa, porque ´manjar´ o inimigo é reter a sua força... A médica Johanne Liffey [6] diz que “o Barcellos de hoje é o J. C. Macedo do tempo da batalha pela liberdade no Portugal perdido na escuridão ditatorial, porque existe uma ditadura ´escolástica´ que não permite tratar a história como ela é, só pelo que a política (des)manda”, e concordo com ela. E até o filósofo Manuel Reis [7] buscou esta questão para aprofundar a sua análise ao trabalho do Mestre João [8], uma análise que é, ao mesmo tempo, uma homenagem de português para português. Esta poesia historiográfica é apresentada seccionada, por fragmentos, com se por cada documento achado, ou por cada incógnita iluminada, um verso seja escrito e cantado. A riqueza do conteúdo documental e psicológico é tão profunda que o poeta leva-nos para a intimidade das gentes e suas causas. É o caso da novela “Morro d´Apoteose”: não é um poema, é isso e um filme, ou melhor, é isso e uma ópera. Revejo em “Do Fabuloso Araçoiaba Ao Brasil Industrial” de 2011 o jovem poeta de 1973 a esbravejar contra a pinochetada yankee que derrubou Allende, ou, logo depois, quando escreveu o panflo distribuído em Peniche contra a construção de uma central de energia nuclear na aldeia de Ferrel, porque a História é um acto contínuo de sobreviver às circunstâncias que nos surgem como obstáculos, e ao conhecermos a (nossa) História sabemos como reagir em prol da Humanidade e da realidade de cada Povo. Nas suas andanças socioculturais e ecológicas pela América do Sul, e principalmente Chile, Brasil e Argentina, ele continuou a desbravar a Humanidade com ênfase numa lusoamericanidade genuinamente verdadeira, o que se observa e sente no livro “João Barcellos / Contos, Poesia & Novelas” [9], uma colectânea publicada pelos amigos em justa celebração intelectual. Maria Augusta de Castro e Souza – Berlin/De, 2012
NOTAS 123456789-
“Do Fabuloso Araçoiaba Ao Brasil Industrial”, edição Edicon (São Paulo, Brasil – 2011) c/ Centro de Estudos do Humanismo Crítico (CEHC, Guimarães – Portugal). “Poesia Sob A Brisa Da História Luso-Brasileira”, pp 168-177, c/ apresentação da jornalista Marta Novaes. Piabiyu [do guarani, q.s. ´caminho feito a pé´]. Aldeia nativa renomeada São Paulo dos Campos de Piratininga pelo seu fundador, o jesuíta Manoel da Nóbrega, em 1554, após ter perdido em 1553 a aldeia Maniçoba no sertão próximo a Jundiaí. Berasucaba, Byraçoiaba ou Araçoiaba – morro perto de Sorocaba onde Affonso Sardinha (o Velho) e o filho (o Moço) do mesmo nome instalaram a primeira fundição de ferro da América, cerca de 1597. Conversa telefônica [London e Berlin, fevereiro de 2012]. Análise publicada na colectânea “Debates Paralelos”, Volume 8, 2012, pp.106-158. Edição Edicon e CEHC. Assim é ele tratado carinhosamente entre as turmas latinoamericanas ligadas ao CEHC. “João Barcellos / Contos, Poesia && Novelas”, edição Edicon (São Paulo, Brasil – 2011).
Brasil, aquele outro Portugal... [Acerca da ideia de mudar Portugal para o Brasil & constituir um Império Ocidental luso-católico]
João Barcellos
1532. Martim Afonso de Sousa deixa o Brasil e aconselha o rei a mudar Portugal para o território da colônia tropical, “lá, Vossa Alteza poderá criar o grande Império de Portugal”.
1 Portugal é um naco de terra espremido entre o mar atlântico e a Espanha e, por isso, no Tratado de Tordesilhas, o rei João II quis e conseguiu fazer uma diplomacia de defesa dos direitos de pesca dos portugueses, além do badalado acordo das terras descobertas e a descobrir além-mar. Quando o rei Manuel I assume o Plano [pedro-joanino] da Índia logo esbanja tudo em prol da insensata ideia de reconquistar Jerusalém, no que é acompanhado pelo insano almirante Gama... e, logo, a já padronada Insulla Brasil fica no esquecimento. Mas, surge o rei João III, tão criminosamente ´beato´ quanto Manuel I, e a Insulla Brasil é atirada nas mãos dos fidalgos pela divisão em capitanias hereditárias. O ato administrativo e reinol não dá certo, mas permite observar que a Insulla Brasil não é um naco de terra à beira-mar e, sim, um continente além da serra do mar. Por isso é que nos Anos 30, do Quinhentos, Martim Afonso de Sousa percebe a possibilidade de o Estado [Colonial] do Brasil sediar um grandioso império português, mas não obtém sucesso.
2 Personagens da Aventura Fantástica Chamada BRASIL, O OUTRO PORTUGAL.
José Moñino y Redondo [conde de Floridablanca]
Martim Afonso de Souza Pedro Pablo Abarca de Bolea [conde de Aranda]
Rei João III
Jean-Baptiste d´Anville
Luíz da Cunha
Sebastião José de Carvalho e Melo [marquês de Pombal]
Pe. Vieira
Rei José I
Luís António de Sousa Botelho Mourão
Hercule Florence
3 Mudar Portugal Para Uma Província Chamada Brasil
Dois séculos depois, ao tempo do rei José I e de Sebastião José de Carvalho e Melo, seu primeiro-ministro e conde d´Oeiras, depois marquês de Pombal, surge a mais extraordinária visão de transladação de uma Nação para um território ultramarino: a região ibérica constitui o Império castelhano e a região continental brasileira o Império luso. E mais: ganha com a nova divisão imperial a Igreja Católica, em todos os atos políticos que sustentam a ideia e o projeto, já lançado na urbanização de Belém do Pará – ou, digo, a nova capital de Portugal. E, além disso, tanto o rei como o marquês, têm em Luis António de Sousa Botelho Melo Mourão, o 4º Morgado da Casa de Mateus, o político e o militar certo para recriar a Capitania de Sam Paolo dos Campos de Piratininga, sem a qual não há, e sabem-no muito bem, a possibilidade de estruturar uma Nação no vasto território continental. “É com o Morgado de Mateus e a partir da Capitania paulista que o plano pombalino e maçônico de erguer Portugal na província ultramarina sai do esboço para a área geopolítica”, informa o poeta e jornalista J. C. Macedo. Já o polígrafo e desenhista Hercule Florence, informa: “[...] deve a província do
Pará os progressos que fez no governo do Marquês de Pombal [...], também se construiu a fortaleza de Macapá, mudando-se, talvez para se tornar portuguesa a região toda, os nomes das cidades e povoações indígenas, que eram para outros, de caráter perfeitamente lusitano, tais como Santarém Óbidos, Alter do Chão, Almeirim, etc.”. Desta época, numa carta do diplomata Luiz da Cunha, ministro dos negócios estrangeiros no gabinete do rei José I, está a chave maçônica dos meandros políticos que alicerçaram o projeto: “Que é Portugal? Uma orelha de terra, de que um terço está por cultivar, posto que capaz de cultura, outro pertence à Igreja, e o terceiro não produz grão bastante para sustentar os habitantes. As outras potências protegeriam Portugal contra Espanha, e esta mesma absterse-ia de apoderar-se dele, com receio de perder em troca, as províncias do Prata e do Paraguai [...], não pode el-rei manter Portugal, sem o Brasil, enquanto que para manter o Brasil, não carece de Portugal: melhor é, pois, residir onde está a força e abundância, do que onde é a necessidade e a falta de segurança”.
4 Mapas & Mapas Entre Novas Ideias
Filho de António Álvares da Cunha, Senhor da Tábua e guarda-mor da Torre do Tombo, o embaixador Luíz da Cunha é um homem do mundo e prefere uma Nação culta a um Portugal desgraçadamente católico e desumano, sem reforma de ideias sociais e místicas, por isso, vem ele a defender o projeto de transferência da monarquia portuguesa da metrópole para o Brasil. Ao assentar a Nação continental Brasil, o rei seria o imperador do Ocidente. Não é uma ideia nova..., pois, o jesuíta António Vieira já a situara no contexto da restauração da Independência lusa, entretanto, a de Luíz da Cunha é feita quando não existem armadilhas políticas de vulto contra a soberania na metrópole. A ideia? Afirmar a expansão da Monarquia lusa no Mundo e assegurar o Trono ibérico, como se pode pinçar das suas ´Instruções Públicas´, publicadas em 1736.
Júnia Ferreira Furtado, lembra, em estudo acadêmico, que “[...] Vários centros urbanos importantes do interior do Brasil foram deslocados para o oriente, sendo que a cidade de Cuiabá foi deslocada em cerca de 5º, aproximando-a do meridiano de Tordesilhas, e a distância entre os meridianos de Belém e da Colônia de Sacramento foi estabelecida em apenas 7º. e 20´. Foram estas imprecisões do Mapa das Cortes e o esforço dos portugueses em torná-lo o espelho oficial das feições reais da América Meridional que provocaram posteriormente um debate acadêmico, que teve como centro a Real Academia de Ciências de Paris, sobre a Carte de l’Amérique méridionale, de D’Anville. Por seu turno, a Carte de l’Amérique méridionale, de D´Anville, que espelhava a concepção geopolítica de Luíz da Cunha, representava o território português na América com feições muito mais próximas do real”. Existem, então, em Paris, novas noções sobre a realidade da Linha de Tordesilhas, quando Luiz da Cunha, atento à problemática, aproxima-se do geógrafo e cartógrafo francês JeanBaptiste Bourguignon D’Anville e obtém da colaboração a Carte de l’Amérique Méridionale, instrumento científico que o diplomata considera de extrema importância para assentar as fronteiras da América Portuguesa [ou, Brasil]. E “é em Paris que alguns jesuítas ´ditam´ a desenhistas e a cartógrafos, o que é o Brasil de terras extensas e rios que se perdem no continente, pelo que do ´ditado´ feito crônica surgem alguns erros, embora o mapa geral esteja correto” [Macedo, 1975]. A releitura da linha tordesilhana faz com que Luiz da Cunha se debruce sobre a realidade política que representa, então, a cartografia relacionada à América Meridional, e incentiva o jovem D´Anville a reproduzir a releitura acadêmica dos doutores parisienses. E diga-se o que se sabe: o império português é mais do que uma linha imaginada na quimérica posse das Índias pelo genovês Colombo e na qual acredita a rainha castelhana Izabel. Para o fidalgo Luiz da Cunha, que logo vai indicar Sebastião José de Carvalho e Melo ao rei José I para o cargo de primeiro-ministro, urge identificar o império de uma vez, registrá-lo em documentos. Conhecedor das ações de luiz da Cunha, o embaixador castelhano em Paris, Conde de Aranda, escreve ao ministro dos negócios estrangeiros Floridablanca o seguinte: “como sou, bom vassalo da Coroa, prefiro e preferirei sempre, a reunião a ela de Portugal, embora pareça que lhes dava em troca um mundo”. Tal é a importância do assunto e do ato de transladação que até os diplomatas ibéricos tomam partido em missivas oficiais. É que o Outro Portugal no Brasil não é mais um plano, mas uma ação em marcha política com a chegada de Luís António de Sousa Botelho Mourão à Capitania paulista.
5 O Poder Ibérico entre a Filosofia das Luzes e o Despotismo
Quando se fala em Aranda e Floridablanca, assim como em Luíz da Cunha, Luís António de Sousa Botelho Mourão e Sebastião José de Carvalho e Melo, fala-se de uma revolução filosófica que atravessa parte do Século 18 e entra no Século 18 com a força de uma nova luz civilizatória: o Iluminismo. Sem tirar o alicerce dogmático [digo, imutável] do igrejismo judeo-cristão-islâmico, o novo ideal abre um leque de possibilidades socioculturais para o desenvolvimento mercantil e industrial, prega-se a mobilidade socioeconômica em vez do ofício de plantão, ou seja, o progresso tecnológico deve ser acompanhado pela lógica cultural dos novos tempos e, esta lógica, exige uma humanidade de pensamento crítico, mesmo que, ainda assim, conservadora no estilo latifundiário, escravagista e colonial... uma burguesia liberalmente capitalista. Eis o despotismo iluminado. No bojo deste barco filosófico é que renasce o ideal da mente operatória – e pode-se ler assim: a pessoa que pensa e faz em prol da humanidade através da razão e da experiência –,
que já se conhecia da mente grega e egípcia e de alguns segmentos romanos. O estático (paradigma de Aristóteles e Tomás de Aquino) é abandonado pelo seu medievalismo, e os cientistas (Newton, Descartes, etc.) introduzem a dinâmica do saber contra as fogueiras inquisitoriais, que o igrejismo católico achou para se ´encostar´ à modernidade e estabelecer parâmetros de conduta. Entretanto, a burguesia e a indústria alteram a sociedade europeia e levantam a âncora que permite a navegação social de um novo estilo de filosofar entre as várias marés políticas: o ideal maçônico. Obviamente, “a Maçonaria carrega o novo, mas não deixa de ser também um espelho do passado medieval na sua estrutura” [Macedo, 1975]. E assim, “quase que alquimicamente, cientistas e políticos da velha guarda têm assento na estrutura maçônica e agem como déspotas iluminados traçando os rumos de uma sociedade mais aberta” [idem], mais progressista, mais urbana e menos mística. E “[...] o Século XVIII carrega, então, a virada política e filosófica precária que considera: 1- um Império como algo que ainda é passivel de sobrevida, enquanto perspectiva a urbana e urgente redefinição de colonialismo; 2- uma República em que o Estado trata de Política e de Justiça em níveis diferenciados, mas só na ideia; e 3- uma Sociedade que busca no saber e nas tecnologias a comodidade moderna, mas teima em ser o que sempre foi no campo do Poder e não abre mão da riqueza que deve ser parte do Poder de algumas pessoas, civis e místicas” [Barcellos, 1980]. Então, pode-se dizer que “[...] o Iluminismo e a Maçonaria surgem de mãos dadas a remar contra velhas marés, mas já com o rumo definido sob o norte de uma ocidentalidade que não abraça nem aborda a orientalidade para não perder a bússola comum: o deus único” [idem]. Aqui se acha a política ibérica colonial e iluminista quando ressurge a ideia para transformar o Brasil em Portugal e deixar o naco ibérico nas mãos da Espanha. É este cunho iluminista que leva Cunha a indicar Carvalho e Melo para o governo de José I e o mesmo Carvalho e Melo a procurar em Luís António de Sousa Botelho Melo Mourão o homem certo para levantar o alicerce ideológico na redefinição fundiária e política brasileira a partir da Capitania paulista, no que todos lograram sucessos historicamente registrados... Entretanto, desses sucessos sobrevém outra dinâmica: se Portugal pode estruturar uma província ultramarina continental como o Brasil, também pode reestruturar a sua casa ibérica e continuar como Império ocidental. É o fim da ideia de transladar Portugal para o Brasil... E muito especialmente porque o êxito de Luís António [o 4º Morgado de Mateus] implanta no Brasil as raízes políticas e administrativas que fazem da província o celeiro de Portugal e, paradoxalmente, as raízes que vão levar ao estímulo da Independência brasileira!
FONTES Instituições & Estudiosos Arquivo da Torre do Tombo [Lisboa] Biblioteca Nacional [Rio de Janeiro], Biblioteca do Congresso [Washington], Arquivo Geral das Índias [Sevilha], Arquivo do Estado de São Paulo [São Paulo], Regimento da Capitania de S. Vicente [Câmara Municipal de São Paulo], Arquivo Histórico Ultramarino [Lisboa]. BARCELLOS, João – A Lógica Politico-militar na Estratégia Pombalina de Mudar Portugal para o Brasil à Luz do Sucesso da Odisseia Jesuítica & no Esforço Administrativo do Morgado de Mateus. Palestra. Sorocaba, S. Vicente e Cananeia [Brasil]. Asunción [Paraguay] e Buenos Ayres [Argentina], 1993. – Uma Questão Chamada Maçonaria. Ou: As Políticas Que Margeiam Um Ideal Filosófico. Palestra. Porto, Vila Real, Barcelos e Guimarães / Portugal. 1980. – Das Considerações do embaixador Aranda e do ministro Floridablanca à Estratégia de fazer do Brasil o Outro Portugal, entre o idealismo de Luiz da Cunha e a Cartografia de D´Anville. Palestra. Aldeia de Carapicuíba (São Paulo, Br.), Abril de 1994. – Os Mapas de Jean-Baptiste Bourguignon D’Anville na Idealização do Portugal Tropical. Palestra. Guarulhos/SP-Br., Julho de 1994.
CARDIM, Pedro, Felismino David, Monteiro Nuno Gonçalo – A Diplomacia Portuguesa no Antigo Regime. Perfil Sociológico e Trajectória, in Nuno Gonçalo Monteiro, Pedro Cardim e Mafalda Soares da Cunha (org.). Optima Pars. Elites Ibero Americanas do Antigo Regime. Lisboa, ICS, 2005. DIAS, Manoel Nunes – Estratégia Pombalina de Urbanização do Espaço Amazônico. Brotéria [Vol.114]. Lisboa, 1982. FERREIRA, Manoel Rodrigues – História da Civilização Brasileira / A Maçonaria e a Independência Brasileira. Biblos, 1972. FLORENCE, Hercule Antoine Romuald – Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829. Ed Cultrix, Br., 1977. FURTADO, Júnia Ferreira – Os Oráculos da Geopolítica Iluminista: Dom Luís da Cunha e Jean-Baptiste Bourguignon D’Anville na Construção da Cartografia Européia sobre o Brasil. 2007. [Professora do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo]. MACEDO, J. C. – O Esboço Geo-Político de Pombal e do Morgado de Mateus para Transformar o Brasil em Portugal. Palestra. Niterói e Paraty [Rio de Janeiro], 1989. Cotia, Santos, São Paulo, Campinas [São Paulo], 1990. Florianópolis [Santa Catarina], 1991. – A Cartografia Na Definição do Império Português: a Importância de D´Anville. Palestra. Quartel-General do Exército. Coimbra/Portugal, 1975. – Ideal Maçônico: entre o velho e o novo uma mística estruturalmente medieval. Palestra e Opúsculo. Coimbra/Portugal, 1975 MAXWELL, Kenneth – O Marquês de Pombal. Editorial Presença. Lisboa, 2001. VARNHAGEN, Francisco Adolpho de – História Geral do Brasil, 2 Vols [1854-57], Brasil.
DA EDUCAÇÃO E DO ENSINO
Manuel Reis
Este binómio pode traduzir muito bem a díade latina: ‘De Educatione et de Instructione’. Não esquecer que a bandeira (ou a estrela), que nos guia, é o Psico-Sócio-Ânthropos holístico: evoluindo, embora, ao longo da Vida de cada Ser Humano, ele deve manter-se inteiro e não dividido, muito menos separado. • ‘Back to the Classics’: Egípcios, Celtas, Hebraicos, Helénicos, Romanos. Em geral, os dicionaristas — os guardiões vigilantes das Línguas — não fazem grande questão em discernir, semanticamente, o campo semiótico da Educação, stricto sensu, e o campo semiótico da Instrução/Ensino. Por exemplo, o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (6 vols.) faz o elenco das várias acepções semânticas do vocábulo Educação. Na 1ª, diz: ‘acto ou processo de educar(-se)’; na 2ª: ‘aplicação dos métodos próprios para assegurar a formação e o desenvolvimento físico, intelectual e moral de um ser humano; pedagogia, didáctica, ensino’. Na 7ª, não desistiu de arrolar a expressão ‘Educadog’ para o ‘adestramento de animais’; na 8ª: ‘aclimatação de plantas’. Deu-se a volta inteira à fauna e à flora da Natureza!... No que tange à Instrução, diz-se aí: ‘Acto ou efeito de instruir(-se)’. 1. ‘acção ou efeito de transmitir conhecimento ou formar determinada habilidade; ensino, treino (uma escola com métodos de instrução de deficientes)’. 2. ‘Corpo de conhecimentos adquiridos, especialmente noções de carácter geral: cultura, educação, erudição (indivíduo de pouca instrução)’. Ora, o primeiro dever ético-moral, cívico e político e, simultaneamente, científico, no concernente ao uso da Língua-Linguagem, — dir-se-ia: a 1ª educação! —, é a aprendizagem da gramática da precisão e da honestidade, no discurso e no uso da Línguagem/Língua. Dirse-á que Linguística ou Filologia não são, propriamente, Filosofia!... Mas a mistura e a confusão dos fenómenos e das operações da Educatio e da Instructio/Ensino não ajudam nada a promover a nova Cultura do ‘Homo Sapiens/Sapiens’.
E, a dizer toda a verdade, é mesmo essa a pauta da Espécie humana que está, hoje, na ordem do dia, em termos evolucionários, uma vez que a ‘era geológica do Antropoceno’ já está a atingir o seu paroxismo destruidor. (Desde há ca. de 12 milénios, com a emergência da 1ª Agricultura, teve início a odisseia antropológica que foi mudando a condição da Espécie: de simples habitantes ou residentes acondicionadores, os Humanos foram-se tornando os conquistadores/dominadores do Planeta e os predadores/destruidores da Terra). O Futuro (da Humanidade...) é, indiscutivelmente, incerto. Desde logo, são múltiplas as Utopias; e algumas delas a história das civilizações e da própria CIVILIZAÇÃO nunca chegou a defini-las bem... O Adamastor da Potestas d’abord sempre a intervir!... Assim, discernir, com sensibilidade e perspicácia, as que são positivas e legítimas, para a Humanitas, e as que são viáveis para o Mundus, constitui um duplo imperativo categórico: de inteligência/consciência e de cidadania. (Cf. Manière de Voir, Ag.-Set. de 2010, pp.4...: ‘Les Temps des UTOPIES’). • Educatio: na sua origem etimológica, a partir do Latim, ex + ducere, a palavra significa conduzir a partir de dentro, a partir da própria criança ou jovem que é educado. Por isso, a vera e autêntica Educação acaba por ser Auto-Educação. Desta sorte, faz-se jus tanto à semântica do auto como às funções exercidas pelo actor externo (o educador): auto-educarse com e no processo (social) de Educação redunda, necessariamente, no educar-se. Se tal não acontecer, o processus foi adulterado. A dinâmica da Educação é, pois, nuclearmente, uma dinâmica endógena (que faz apelo à consciência da criança/jovem/indivíduo), intrínseca, portanto, ao indivíduo-pessoa em fase de formação. É um processus de enformação. A dinâmica da Instrução é qualitativamente diferente. Construção e destruição ou desconstrução são palavras cognatas com o mesmo radical. Substantivos com a mesma raiz etimológica. Se a Instructio é a acção de ordenar, pôr em ordem, o seu contrário, a Destructio, é o acto ou acção de pôr em desordem, desencadear o caos... Como já se vê, a acção/actividade da Instrução tem a sua dinâmica própria, a partir de fora, a partir de agentes ou actores exógenos ou extrínsecos. Em suma, trata-se de um processo de informação: in + structio (de struo...). • Assim, a Educação e a Instrução/Ensino constituem-se como duas realidades qualitativamente distintas, que não é legítimo misturar e confundir, na gramática do PsicoSócioÂnthropos. É, pois, mister não confundi-las, como, aliás, deveria ser a norma entre Natureza e Cultura: mesmo quando, provisoriamente, a Instrução, no seu relacionamento face à Educação, toma o primado na dialéctica tensional entre as duas. Não se pode, efectivamente, misturar uma dinâmica que opera de dentro para fora (do Interior da Consciência para a exterioridade do Mundo), como é a da Educação, e a dinâmica que opera de fora para dentro (das agências da exterioridade para a Inteligência/Consciência do Indivíduo-Pessoa). A díade da Educação e da Instrução não pode ser reduzida ao Esquema de funcionamento de uma mónada. Por isso mesmo, a Epistéme filosófica, no universo humano, é necessariamente diádica, não monádica... como tem obstinadamente ensinado e praticado a civilização/cultura demencial, em que sobrevivemos. Eis por que, no C.E.H.C., continuamos a nossa resistência, em prol da gramática da Dualidade Epistemológica. A fons et origo desta nossa posição filosófica reside, justamente, no reconhecimento e no respeito, que devemos à Consciência (reflexiva e crítica) de cada Indivíduo-Pessoa/Cidadão, de onde é mister que dimane a boa e justa Cultura e Civilização. O nosso Caminho prossegue, assim, no horizonte do filão (esquecido ou ignorado...) das melhores tradições dos clássicos egípcios (in ‘O Livro dos Mortos’), hebraicos (v.g. nos livros do Pentateuco e nos Sapienciais), célticos (vislumbrados, por exemplo, no modo de actuar das Figuras e Personagens das mitologias irlandesas), helénicos (configurados desde as duas obras clássicas, atribuídas a Homero, a Ilíada e a Odisseia), romanos (bem patentes, já nos tópoi de humanidade, que avultam na Eneida de Virgílio, já nos textos poéticos de Horácio, ou nos didácticos e políticos de Cícero ou, ainda, nos históricos de Quintiliano e Terêncio Varrão). Quem não conhece o axioma princeps da ‘educação romana’: ‘Mens sana in corpore sano’?! E o parergo: ‘Homo sum, humanum nihil a me alienum puto’ (Terêncio Varrão)?! Sou homem e nada do que é humano me pode ser estranho!...
Assim, ainda que unidos (em cada ser humano individual), segundo a bem achada doutrina do hilemorfismo aristotélico, a Mente e o Corpo (Mens et Corpus) distinguem-se e não se podem confundir. A Espécie humana tem perdido assustadoramente, no processo civilizatório, ao longo de séculos e milénios, a sua inestimável humanidade, precisamente: primeiro, porque se deixou domesticar e acondicionar, em regimes de escravatura e servidão, quer pelos Poderes Estabelecidos, quer por obra e graça dos meios e instrumentos das Tecnologias (sobremaneira, na Modernidade); em segundo lugar (e a um nível mais profundo das sedimentações psico-sócio-históricas), porque a Civilização e a Cultura deixaram de ser comandadas e regidas, (pelo menos nas instâncias vitais e decisivas), pela Experiência e pela Consciência dos Indivíduos-Pessoas. E, hoje, mais que nunca na História, perante as mais dramáticas e trágicas encruzilhadas, com poucas e frágeis, ou nenhumas vias de salvamento e salvação, a Humanidade precisa do Sonho e da UTOPIA, como de pão para a boca!... “Ela está no horizonte, disse Fernando Birri. Aproximei-me dois passos; ela distanciou-se dois passos. Caminhei até dez passos do horizonte; e o horizonte afastou-se dez passos para mais longe. Por mais que eu caminhe, nunca atingirei a meta. Para que serve a Utopia? Ela serve para isso: Caminhar”. (Eduardo Galeano, in ‘Las Palabras Andantes’, Siglo XXI, Madrid, 1993).
REIS, Manuel – Escritor, filósofo, fundador e presidente do Centro de Estudos do Humanismo Crítico (Guimarães, Portugal).
BIBLIOTECA Um Espaço Comunitário Sociocultural
João Barcellos
A QUESTÃO
1 Conceito/Tendências O conceito que tenho sobre Cultura é simples: ´nós nascemos para morrer, vivendo... logo, precisamos alimentar a nossa Existência semeando um Saber fraternal e solidariamente assente na realidade da Sociedade/Comunidade que nos é Raiz; e é na colheita sociocultural desse Saber, que se torna Tradição renovável, que está a porta que nos leva ao caminho da Vida plenamente humana´. E deste Conceito [idéia], obviamente, especulam-se e estabelecemse Tendências [inclinações] outras determinadas pelas diferenças sócio-regionais tão naturais quanto a própria Humanidade.
2 Biblioteca & Comunidade Por ser [ou que deve ser], por excelência, um Espaço Público, a Biblioteca enquadra-se num conceito amplo de Espaço Para Atividades Lítero-Culturais e Sócio-Educativas, integrado na Comunidade e para atender Pessoas de todas as idades. Nas grandes cidades existem bibliotecas formatadas para atenderem milhares de pessoas, mas a realidade dos bairros em municipalidades pequenas é diferente: 1º- raramente a Cidade Pequena oferece infraestrutura de Cultura e de Lazer, e os munícipes têm que buscar espaços públicos fora do seu espaço de vivências, o que gera uma desintegração social e cultural; 2º- a criação de uma Biblioteca para um Bairro deve servir, sempre, como exemplo de Espaço Público integrador de atividades lítero-culturais e lúdicas, além de proporcionar infraestrutura didática e pedagógica de apoio à Rede Escolar; 3º- assim, a Comunidade, que antes não tinha Espaço Público adequado, passa a ter na Biblioteca um polo de Saber e de Recreação. Da minha experiência como Escritor e Editor, e como Diretor de Cultura e de Imprensa, retiro uma lição: a Biblioteca não pode servir de muleta para um Professorado profissionalmente despreparado que ali manda a Massa Estudantil fazer Trabalho-de-Casa; a Biblioteca também
serve a Escola, sim, mas deve ser olhada e trabalhada por todas as pessoas, e principalmente pelo Professorado, como Espaço Público de Saber e de Lazer, não como depósito de livros e de pessoas que não nos agradam...
3 A Biblioteca Analisando o que foi abordado, a Biblioteca pode ser perspectivada e construída em qualquer Espaço. E de preferência térreo, porque sendo Espaço Público deve estar adequado para receber também Pessoas Portadoras de Deficiência. Entretanto, hoje, a modernidade tecnológica que nos rodeia e acompanha obriga a repensar a Biblioteca – ou seja: se o Livro é o item mais precioso do Espaço, ele tem de conviver com outras preciosidades, como a Videoteca, a Ludoteca e a Informática. Não é possível esboçar um Espaço como esse sem se ter em conta as necessidades cotidianas da Comunidade. Enquanto as prateleiras cheias de livros catalogados são a visão bibliotecária tradicional, deve-se observar a reserva de um Espaço Polivalente, a par do Balcão/Recepção, do Almoxarifado e dos Sanitários. O que é o Espaço Polivalente?... É a área que comporta mesas e cadeiras removíveis para a criação de momentos diversos, como Cinema, Teatro, Dança, Sarau de Poesia e Música, Cursos/Oficinas e Conferências, etc. Isso, porque a Biblioteca é, fundamentalmente, um Centro Cultural.
Observação Final Quando se fala de Biblioteca, fala-se de Cultura e de Sociedade/Comunidade, portanto, quando a Comunidade se movimenta para erguer Infraestrutura de Cultura & Lazer própria, ela deve buscar o apoio de arquitetos, de bibliotecários e de intelectuais, com experiência nessa área, ou poderá estar construindo mais um depósito de livros e de pessoas... Hoje, o Saber é tão importante como a oportunidade sócio-profissional, pelo que a Biblioteca tem que ser perspectivada para uma demanda sociocultural que combina Raiz Comunitária e Saber Universal. É o espírito do humanismo crítico. [Texto-base de palestra efetuada em Cotia, Embu das Artes, S. Vicente, Paraty, Niterói, Florianópolis, Rio de Janeiro, Carapicuíba, Barueri, Santana de Paranaíba, Santos e Curitiba.]
AS OPINIÕES Leituras da professora e editora Tereza Nuñez.
Sobre o assunto Biblioteca/Biblioteconomia, João Barcellos reuniu-se com o professor e geógrafo Aziz Ab´Sáber, em 1993, e escutou (e, felizmente, registrou) o seguinte: “Uma biblioteca é um espaço de prazer, de recriação para a humanidade, aqui se faz o hoje e o amanhã com muita sabedoria do ontem” [in Gazeta de Cotia, 1993]. E agora, 20 anos depois, ao ler um livro com conteúdos a referenciar o tema, Barcellos escreveu: Lá na antiguidade, Sócrates leu no altar de um deus pagão “conhece-te a ti mesmo” e dessa frase filosofou a vida inteira para nos dar uma das mais belas bibliotecas – a biblioteca das ideias e do olhar culturalmente educado. Hoje, perdida entre conceitos meramente mercantis e nem sempre civilizacionais, a humanidade está em busca de si mesma: um momento em que o registro das ideias – aqui, leia-se o livro – é tão importante quanto comer e beber, pois, a humanidade precisa, como dizia o humanista Miguel Unamuno, aprender a ler, ler e ler... Quando a pessoa desaprende a ler embrutece e gera violência social, em vez da paz que surge com a cultura. A biblioteconomista Sílvia de Ávila Carvalho trouxe à praça, em 2012, pela editora Edicon, o livro Ética & Legislação Bibliotecária Brasileira, numa ação sociocultural e profissional que pretende atingir a sensibilidade de todas as pessoas que dirigem instituições educacionais e culturais. É que a presença do profissional bibliotecário em tais instituições ainda não é uma atitude ética, e sim, algo visto como desperdício, como se a biblioteca possa ser unicamente um depósito de livros e de gente ociosa...! Uma realidade de falta de leitura filosófica no conceito da res publica. É como estar na vida sem aprender a viver. É como estar escritor(a) e não poder ser profissionalmente... E é tão grave a situação, que a autora se exigiu abordar o tema através da legislação regulatória existente no Brasil. Uma ideia criativamente aplicada, porque o código de ética da biblioteconomia brasileira continua em fase de revisão. Ora, “não existe civilização sem reserva cultural, i.e., as pessoas devem preservar-se pelo registro escrito na biblioteca que a faz comunidade” [J.C. Macedo – in “Biblioteca & Sociedade”; palestra, Lisboa/Pt, 2001]. Entender isto é ter a percepção da civilização que se perpetua, se diz e se faz ler pelo mundo. Biblioteca não é esconderijo nem depósito, é um local de interatividade sociocultural onde o poder público deve estar presente com dispositivos legais que adequem permanentemente as ações dos profissionais da área. Aqui está o conceito que levou Silvia de Ávila Carvalho a publicar o livro: interagir para educar e advertir. O seu espírito republicano honra a ética bibliotecária tão publicamente esquecida pelos poderes estabelecidos. Ética & Legislação Bibliotecária Brasileira é um livro-conselho, um ponto de encontro para profissionais eticamente ligados, pois, juntos podem alterar as forças que obstruem a biblioteconomia e gerar um espaço-tempo diferenciado na civilização brasileira. Em seguida, enviou-lhe o texto-base das palestras que havia feito em 1992 e 93, uma delas em Florianópolis, à qual assisti. E a biblioteconomista, a certo passo da correspondência com Barcellos, escreveu: O conteúdo de sua palestra é a apresentação que nos é dada nas primeiras aulas; uma introdução de que a biblioteca é muito além de uma sala com livros e uma velhinha chata tomando conta; que o livro nada mais é que o suporte informacional mais tradicional, junto de outros suportes que estão lá, produzidos, recuperados e organizados para serem localizados em prol de uma única e indispensável finalidade: informar. Seja qual for o
tipo de "teca" (biblio, ludo, vídeo, etc) impressa, gravada, digital ou virtual, o ser humano, para que sobreviva, jamais poderá se ver sem ler seus signos, seus significados, suas codificações a fim da ação cultural para simplesmente comunicar, conhecer. Conhecimento é poder. Também, acerca deste assunto, o artista, ex-padre e conferencista Figuera de Novaes, então radicado em Valparaiso, no Chile, e um dos grandes admiradores do trabalho líterohistoriográfico de Barcellos, dizia que “o mundo que somos será melhor quando soubermos que o nosso percurso é uma biblioteca onde aferimos o que fazemos: a nossa vida é um livro”.
[João Barcellos, em 1973. Foto de Hanne Liffey]
Num crônica escrita em Berlim (ainda no tempo da Alemanha Ocidental, 1989), a professora e escritora Maria Augusta de Castro e Souza (politicamente conhecida por MACS), registrou: “A primeira vez que escutei uma palestra de João Barcellos foi em 1973, no cais de Leixões (Porto), a contar a história da estiva medieval e da acção científica e politico-militar da expansão ultramarina portuguesa. Então com 19 anos, era um intelectual de primeira linha a dizer o que deveria ser dito em actos públicos, e já tinha muito almofadinha académico a querer cortar-lhe a cabeça..., quando foi denunciado à polícia política salazarista como ´intelectual subversivo´. Ora, a História só é subversiva para os ignorantes! Em pouco tempo fizemos amizade e começamos a proferir palestras em bibliotecas no Minho e na Galiza, juntamente com a professora irlandesa Hanne Liffey, depois sua companheira”. É dessa época que vêm os registros de João Barcellos acerca do assunto biblioteca, conhecimentos que ele, a partir de 1992-93, ampliou no Brasil.
FRACASSO ESCOLAR & ANALFABETISMO FUNCIONAL Grupo de Debates Noética
A hipocrisia capitalista e a ponte social de via única que sustenta as elites no poder.
Mesmo tendo em mente o que foi a barbárie inquisitorial de igrejistas e políticos de sacristia, nunca as elites tiveram tanto Poder nas mãos... como hoje!, quando a “distribuição de riqueza de um salário mínimo” gera “classe média” para comerciante rir e banqueiro ganhar com juros... A concentração do Poder entre religiosos e políticos é feita através de uma ponte institucional: a [des]Educação. O ato social que deveria permitir um Saber abrangente a toda e qualquer Pessoa continua, na verdade, a ser veículo que trafega em via única social pela ponte levadiça construída e vigiada pelo Estado, cujas elites não têm noção de Interesse Público, só do Interesse Privado.
“É preciso alfabetizar a população pobre e conceder-lhe o “direito democrático” de acesso ao crédito bancário”, é o que se escuta nos países em vias de desenvolvimento (traduza-se: países colonizados pelas potências econômicas e militares). Mas, não se escuta: “É preciso
alfabetizar e dar condições culturais de leitura abrangente à população, a par de uma justiça social que lhe permita viver a cidadania”. Dê-se ao Povo a possibilidade de ler e escrever, mas não o ato cultural que o torne leitor de todas as circunstâncias da vida nacional e internacional, que o torne leitor da sua própria circunstância. “Durante séculos, ler e escrever foram ofícios estratégicos que permitiram ao Poder civil, militar e religioso, o domínio sobre o Discurso Oficial com os seus dogmas inventados à sombra da Ignorância exigida ao Povo”, como escreveu Figuera de Novaes [in “La escritura y la Lectura como arma de las Elites del Poder”. Notas de Manágua, Nicarágua; 1971]. Fossem quais fossem os suportes, o domínio da Informação estava nas mãos do Poder, democrático ou não. Mas bastou a natural saturação das políticas ditatoriais monarquistas, a abertura às políticas republicanas (e estas, mesmo no seio de monarquias que optaram pelo parlamentarismo no prolongamento da sua agonia institucional...) e a ascensão da burguesia mercantil, para que o Ofício de Ler e Escrever passasse para o Domínio Público e a escola-deofícios abrigasse outras classes e outros interesses educacionais e culturais. Hoje, apesar dos múltiplos suportes para escrita e leitura, do papel ao painel eletrônico (da carta ao “e-mail” e do jornal ao “blog”), da alfabetização de adultos e de mais crianças nas redes públicas de ensino, um flagelo assola as sociedades: o fracasso escolar. Crianças aprendem a ler e a escrever, sim: adultos aprendem a ler e a escrever, sim. Entretanto, essas crianças e esses adultos não têm acesso aos meios culturais que lhes permitiriam aprender a interpretar o que está além do “aeiou”, além da leitura de um dado comercial ou de uma notícia, e, por isso, por estarem aquém da compreensão de dados abrangentes, constituem o corpo do analfabetismo funcional.
Por outro lado, a marca acadêmica que sinaliza o “canudo funcional” está muito presente na formação do Professorado, uma marca pedagógica contrária à formação com estrutura sociocultural sob a linha filosófica da intervenção nas comunidades que uma escola serve (ou, deveria servir): Professorado ensina por cartilhas político-burocráticas, é pago para ensinar segundo conceitos educacionais que servem a ideologia dominante. E só. Embora existam faixas de professoras e professores que não se limitam ao “ofício de ensinar a ler e escrever, por horário pago”, a maioria é parte da política pseudo pública do Poder que, por hipocrisia social, prefere dar ao Povo uma instrução culturalmente nula que o limita a ler o nome do
candidato na cédula eleitoral, ou a escrever/digitar o seu número... “E o povo precisa de meios culturais? Ora, ele não sabe o que fazer com a sabedoria!”, sorri a elite ´educacional´ do Poder.
“Aprender a ler a Nação e o Mundo que rodeia a Nação, naa Sociedade local que somos (na aldeia ou na cidade grande), é o primeiro passo para a conquista da Cidadania que, logo, garante-nos a Liberdade plena”, na observação do jornalista, educador e poeta J. C. Macedo. [in “Folhas Avulso”. Aula de Alfabetização de Adultos. Coimbra/Pt; 1975].
Professorado que não entende a importância de transformar a instrução normativa em um ato educacional e cultural permanente não é agente social, é parte de um crime perpetuado contra o bem-estar público.
“[...] Assim, quando não se tem inteligência e consciência crítica (ou não se foi educado para o efeito), para discernir entre a linguagem e o discurso metafóricos e a linguagem e o discurso real/realistas, os indivíduos-pessoas/cidadãos encontram-se numa condição de não poderem viver como seres humanos”, na observação do filósofo Manuel Reis [in “Na Crise”, Ed Edicon, CEHC e TerraNova Comunic; Brasil e Portugal, 2009. E em www.noetica.com.br].
Através das associações de pais e mestres, das associações de docentes e de estudantes, as Comunidades Locais precisam fazer da Escola um ponto de encontro sociocultural para uma Educação inteligente e criativa, e, aí, barrar a instrução burocraticamente ideológica que gera Fracasso Escolar e gera Analfabetismo Funcional, da base à universidade.
Comentários extraídos da conferência eletrônica entre João Barcellos, Elen O´Connor, Maria C. Arruda e Carlos Firmino. [Dez 2010 / CEHC, Noética Web]
Literatura Indicada: Obras de Henry Wallon, Maurício Tragtenberg, Manuel Reis, Emília Ferreiro, Ivan Illich, Paulo Freire, João Barcellos, Tereza de Oliveira, Jean Piaget e Agostinho da Silva.
DEMOCRACIA Como Os Impérios Capitalistas-Igrejistas Destruíram Conceitos Sociopolíticos De Fraternidade Para Estabelecerem Correntes Do Mal
Grupo de Debates Noética
A cada nova geração que chega ficamos sem saber o que dizer de nós. Habituamo-nos a levantar a bandeira “no meu tempo batalhamos pela igualdade, contra as ditaduras”, etc e etc, mas também sabemos que “a batalha foi um ar que se lhe deu quando nós mesmos chegamos ao poder, ou, quando nós mesmos nos permitimos baixar a guarda”.
Sabemos agora que os bastidores ideológicos da I e da II Grande Guerra foram mais de defesa da ordem econômica capitalista do que um “ataque de moral” contra as ditaduras militaristas; e, agora, também sabemos que muitos loucos ditadores ergueram, e erguem, as suas barricadas políticas em governos ao serviço de interesses alheios às suas nações, e que mudam de “padrinho” ao sabor de petiscos políticos mais financeiramente suculentos, como aconteceu e acontece na América Latina e no Oriente; e que nações árabes pedem que as potências ocidentais do eixo anglo-yankee invadam vizinhos, enquanto aquelas potências invadem diplomática e policialmente todas as nações que lhes possam causar transtornos nas políticas externas implantadas através da ONU e da OEA, por exemplo. Para isso, pedem até perfis da “saúde mental” de políticos locais... Alguém já solicitou os perfis da saúde mental dos políticos ingleses e norte-americanos...?! 1 Muitas informações reservadas estão a ser publicadas pela Viki Leaks, portal para busca cripto-hackeriana, i.e., criptografia e tecnologia hacker sobre documentação política e militar de governos.
E sabemos: relatórios falsos redigidos por generais e agências de inteligência “montam” guerras para preservar a produção e venda de material bélico e gerar, nessa escalada, uma cena mundial[izada] de terror, no ´melhor´ estilo yankee-soviético que alimentou a Guerra Fria dos Anos 50 e 60 e o cerco a Cuba, sem se esquecer o apoio logístico e ideológico [político e religioso] a todas as ditaduras européias, asiáticas, africanas e americanas. O mesmo cenário foi montado pelos poderosos banqueiros yankees, europeus e judeus, nas duas guerras mundiais, assim como os EUA o fizeram para apoiar os militares no Brasil e no Chile, e invadir o Iraque e o Afeganistão, entre outros exemplos, como o Portugal salazarista e a Espanha franquista. E, no caso afegão, duas investidas: primeiro com a URSS e depois com os EUA. 2 A infiltração das potências econômicas e militares nas áreas periféricas de interesse estratégico é feita através da diplomacia, da assessoria policial (inteligência, ou serviços secretos) e militar. Quanto à área política não têm problema algum, porque os políticos têm preço... Com a máquina assim bem lubrificada, as potências ainda contam com o poder de igrejistas (os religiosos das igrejas institucionalizadas como poder paralelo), cuja influência, às vezes, é o bastante para um suporte estratégico, o que se pode verificar com os católicos na América Latina e os islâmicos no universo árabe e na África, em geral. 3 Eis por que “implantar democracias empanturradas de pequenos reis”, como diz a profª Mariana d´Almeida y Piñon, a citar o poeta J. C. Macedo, “tornou-se o ato feliz das ditaduras do capitalismo liberal que têm o consumismo como oração principal e sem escalas litúrgicas”. Quando o Brasil decidiu invadir os centros do narcotráfico, no Rio de Janeiro, não o fez para libertar a população do jugo da bandidagem, mas para mostrar ao mundo que tem poder de fogo para dar a paz necessária à Taça do Mundo de Futebol e aos Jogos Olímpicos. Sabemos que tanto na Colômbia como no Brasil, assim como na Europa e nos EUA, o combate ao narcotráfico não é uma investida nas favelas e nos aglomerados urbanos, mas uma dinâmica de políticas públicas para o bem estar geral. E no momento e que o Brasil enfiava tanques anfíbios de guerra morro acima, a Wiki Leaks informava ao mundo os “...conteúdos nojentos e criminosos registrados por políticos e militares em dossiers e telegramas que circularam entre presidentes, cabeças coroadas e diplomatas, para uma têmpera política na forja da mentira que alimenta a guerra e os banqueiros” [MAyP, idem]. A construção de “governos democráticos” tem como objetivo o estabelecimento de linhas de ação política que sustentam (assuste-se quem quiser se assustar) o Governo Mundial assentado na ONU sob o mando anglo-yankee. Criou-se o conceito na divisão ibérico-papal de Tordesilhas e as tendências continuaram com o Muro de Berlin e, agora, o Muro da Cisjordânia e as políticas de macroeconomia que alinham o consumismo do capitalismo selvagem contra as independências nacionais. Há muito reizinho democrata a alimentar o trono mundial das elites políticas e igrejistas. E todo “o fascista de ontem é agora uma pessoa do bem com os bolsos recheados pelo capitalismo liberal e sorrindo democraticamente de orelha a orelha” [Macedo, J. C.; Porto/Pt, 1982].
“[...] não é possível haver Justiça nas sociedades balizadas pela Cultura do Poder-Condomínio [...], dado que o primado absoluto deve ser sempre o do Saber sobre o Poder, e não vice-versa” – REIS, Manuel [in “Na Crise”, Brasil e Portugal. CEHC, Edicon e TNC, 2009].
Os conceitos sociopolíticos da Fraternidade que ao longo dos tempos a Humanidade logrou estabelecer e, às vezes, vivenciar, estão agora quase sepultados pelas forças do mal que lhes impõem uma mortalha para vivo-morto. Mas, a Humanidade crítica e objetivamente consciente de que a Sociedade ainda pode ser uma Democracia, não se dispõe a vestir a mortalha imposta pelo capitalismo liberal e seus fascistas de plantão – aliás, tal mortalha poderá servir, um dia, para reconfortar o próprio mal que tanto quer isolar o bem. As forças do bem têm conseguido erguer lanternas filosóficas na escuridão lançada pelo mal, e é este humanismo crítico da Consciência Livre que o mal não pode nem conseguirá vencer, venha lá o reizinho trajando o manto democrático, ou o fascista travestido de esmolador-mor... O que podemos dizer para a nova geração que bate na nossa porta? “Ei, a humanidade é o que é, mas vocês poderão fazer melhor...!”, o que significa muito, pois é um abraço de boas vindas com a luz da esperança. Buenos Aires e São Paulo. Literatura Indicada: obras de Paulo Freire, Manuel Reis, Ivan Illich e Max Weber, entre outros pensadores e educadores.
Educação & Desenvolvimento Maria do Carmo Arruda
Hoje, falar de políticas educacionais é um desafio para qualquer pessoa minimamente interessada no assunto, seja ela do ramo ou não. O certo é que as sociedades embarcaram na maré do capitalismo selvagem que tem como meta o desenvolvimento sem educação – e esclarecemos: é uma maré artificial onde só surfam as pessoas prediletas do sistema, pois, as outras (a maioria) batem palmas e recolhem o lixo... “Vive-se o engodo da publicidade que fez da doutrina jesuana uma igreja mercantil e a colocou como pilar de um mercantilismo que saudava (e ainda saúda) o Mundo carreado em si mesmo, logo, uma Humanidade sob o jugo intelectual do despotismo iluminado e resguardado pelas ações milicas e judiciais do corporativismo assente no mesmo porto da hipocrisia”, descreveu o poeta e jornalista J. C. Macedo [2003] durante um encontro do Grupo Granja. “Não podemos atuar sob a luz de um deus único ou aquela da graça plural, temos que saber estar no mundo sob o ponto de vista cultural de cada sociedade rejeitando quaisquer sinais de ditadura política-igrejista. Por isso, é muito importante a Educação embasada no multiculturalismo crítico que encontra na sustentabilidade local o princípio fraternal que a leva ao mundo...” [idem]. É a rara a Intelectualidade que vem a público defender: “é pela Educação que se projeta e faz o Desenvolvimento”, como defende Johanne Liffey na chamada que utiliza em toda a sua correspondência postal e eletrônica. Sabemos que “[...] para a sociedade do capitalismo selvagem a educação é uma escola que se ergue e pela qual se gera negócio de bons lucros; já no campo público, os governos fazem o mesmo e aí tentam recolher frutos eleitorais. Ou seja, em ambos os casos a educação não é pensada, é apenas tratada como fluído negocial, e a maioria da juventude (a massa de manobra) fica na encruzilhada de cursos onde o estímulo profissional é nulo, até por que a universidade já não é (alguma vez o foi?...) indicativo de emprego nem de futuro” [Firmino, 2009]. Então, e como o filósofo Manuel Reis argumenta na sua dica “Temas & Problemas” para discussão em 2013, urge a projeção e a construção de uma Nova Ordem Mundial embasada numa velha e sempre renovada doutrina socrática e jesuana: o aperfeiçoamento social pela dinâmica do Humanismo Crítico. A problemática educacional está umbilicalmente ligada à problemática política, assim, enquanto aquela estiver engajada nos negócios desta a situação não terá alterações, ora, o rabo preso das duas gangues não permite que o mundo gire livremente, em pensamento e muito menos em ação. Qual é a solução? Vamos ler/ouvir o filósofo Manuel Reis: “É que sem o claro e expresso reconhecimento do chamado ´universal concreto´ nos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos e sua inviolável Consciência reflexiva, não é possível, logicamente, chegar ao primado absoluto e fontal da Dialética Dialógica entre Sujeitos, em contraponto à Dialética objectual/objectualista. Sem a recuperação epistémico-histórica de Sócrates não se chega lá” [in ´Em Demanda Do Multiculturalismo Crítico´, p.117; Ed Edicon & CEHC, Brasil, 2007]. Ao ler tal sentença para um
professorado de boca aberta, o historiador João Barcellos foi buscar ao amigo Reis a ponte que permite avaliar os temas para ajuizar as soluções diante dos problemas. Entre 2012 e 2013 ouvimos a gritaria de estudantes e professores do Chile: “Queremos condições de estudo e de ensino”. Como é raro e como é bom escutar esta gritaria. Se lembrarmos que o Maio´68 francês foi epicentro de políticas do Poder a conspirarem entre si, com apoios internacionais em plena Guerra Fria, a gritaria chilena soa como uma chamada à consciência reflexiva do todo sul-americano e, então, mundial. É preciso dizer e repetir o que Reis e Macedo gritam há décadas: a Escola não é um meio físico para guardar crianças, jovens e adultos, é um Conceito sociocultural pelo qual se desenvolve a Humanidade com espírito livre e crítico. O que Ivan Illich também pregava do seu altar intelectual. A maioria da Intelectualidade, acadêmica ou não, esconde-se sob bolsas de estudo e subsídios governamentais e corporativos para gerar estudos que normalmente ficam nas gavetas, pois, nem quem os encomendou quer esses ´paper´ a circular. Preferem ter “a Intelectualidade sob controlo político e pançudamente alegre”, como diz Barcellos, quando se refere ao pragmatismo soviético dos governos brasileiros de Lula e de Dilma, e só não vão mais longe porque Dilma prefere a algazarra da imprensa ao silêncio da mesma [sim, ela provou a patada da ditadura e Lula só espiou da sacristia, nas comunidades de base]. Por isso, a Intelectualidade, consciente e crítica, não pode ficar a espiar em cima do muro, tem que arregaçar as mangas e sair à rua para, pelo menos, conhecer a situação real das sociedades e, em tal diálogo socrático, buscar alternativas reais. A questão é: por quanto tempo a Educação vai estar a serviço dos meandros mercantis do Poder público e a sua generosa doação de espaço ao Poder privado? Os políticos são eleitos para construir/reconstruir o espaço público e nele gerar o Desenvolvimento que só existe com a Educação para todas as comunidades. Citamos o exemplo chileno. Temos outro, porém, negativo: o exemplo brasileiro, muito negativo, está no ato eleitoral obrigatório, ou seja, quem não vota não tem direitos políticos nem sociais. É a ditadura democratizada...! Diante disto, só resta buscar refúgio na Lua? Não se pode aguardar que a questão “Desenvolvimento sem Educação” seja sanada pelo próprio capitalismo selvagem que cerca a Humanidade. O que precisamos é de ações socioculturais politicamente sustentadas para que a Voz do Todo Humano se faça ouvir com e pela Liberdade. Abril de 2013
O núcleo latino-americano do Centro de Estudos do Humanismo Crítico chama toda a Pessoa Humana a pensar/refletir sobre a prostituição intelectual que já corrói parte do Mundo e a escolher políticos locais com maior capacidade sociocultural para determinar as mudanças governamentais necessárias a uma nova Ordem Mundial.
Acerca do Pe. Mário de Oliveira
EVANGELHO DE JESUS Leitura do Pe Mário de Oliveira
J. C. Macedo
A visão de mundo que temos relaciona-se às circunstâncias da memória da pessoa em si que gera a necessidade de estar em comunidade, logo, a geração de uma cultura própria. Quando se fala de Divindade e de Igreja fala-se de Cultura feita de narrativas, fala-se de fé no algo que nos transcende, e então, sobressai a História que nos chega de geração em geração. Neste algo que é da pessoa e é da comunidade está a identidade humana localizada em raízes, mas também o algo que nos chega de outros mundos humanos, como é o caso da Religião – essa marca sociocultural que carregamos, primeiro, pela educação familiar, e depois, pela fé que alimentamos na Tradição de sermos o que somos no âmbito da nossa comunidade, de maneira crítica ou não. Quando ouvi, pela primeira vez, na Lixa [norte de Portugal], o padre Mário de Oliveira [o Pe Mário da Lixa], conheci um trabalho cultural e teológico, essencialmente cristão e contrário ao igrejismo mercantil do catolicismo imperialmente romano sediado no Vaticano, um trabalho que lhe valeu a perseguição política dos esbirros fascistas de Salazar, por um lado, e dos bispos mercantilmente pançudos, por outro lado. Obviamente, o padre revolucionário ficou isolado, mas, não deixou de lutar bravamente para demonstrar que a liberdade da pessoa só existe quando ela batalha por si e pela sua comunidade. O amigo comum Manuel Reis, que dirige o Centro de Estudos do Humanismo Crítico, a partir de Guimarães [Portugal] e com diretório para a América Latina, enviou-me o livro
EVANGELHO DE JESUS, SEGUNDO MARIA, MÃE DE JOÃO MARCOS, E MARIA MADALENA, na praça literária a partir de Março de 2012. É o mais novo trabalho de Mário de Oliveira, agora, na forma de provérbios. E neste campo literário, posso afirmar que é uma obra de excelência cultural e teológica na avaliação crítica do mito e da fé – do mito, o poder identitário que escraviza e corrompe; da fé, a identidade religiosa das pessoas que comungam a liberdade. Não por acaso, este livro de Mário vem sugerido por Reis como um traço do humanismo crítico que eleva a consciência para o acto libertador na óptica da Sociedade que se exprime por vontade própria. O livro surge, também, no momento em que a professora Joanne Paisana e Reis lançam outra leitura: A FACE RELIGIOSA DE WILLIAM BLAKE. O ´velho diabo´ londrino soube esconder através da sua arte uma religiosidade sublimada na estética socialmente apocalíptica, e agora, num paralelo necessário, lembro que Jesus fez o mesmo e que Paulo/Saulo, mesmo a trair a herança judaica jesuana, continuou o ritual para dar à luz uma Igreja poderosamente temporal. Entretanto, e seccionando as circunstâncias, nem Jesus nem Blake ousaram ser mais do que eram, e foram o que realizaram entre mulheres virtuosas, enquanto Paulo/Saulo ousou imitar o império romano para legar à humanidade uma corrente que corrompe e destrói teologicamente... É o que leio, também, na história que Mário de Oliveira nos traz através de provérbios, pois, a leitura dos textos não reconhecidos pelo Vaticano, e particularmente o texto de Maria Madalena, demonstram que o jesuanismo foi esquecido tão logo a percepção de Poder foi arquitectada pela visão paulina. Ora “a memória é (um)a força motriz da identidade e quando ela é culturalmente preservada torna-se voz e acto da humanidade, cuja fé em si mesma transita entre a telúrica essência e a luminosidade cósmica” [João Barcellos – in O discurso libertador de Manuel Reis como aposta de Cultura Nova sob a óptica do Jesuanismo; artigo. Rio de Janeiro - Brasil, 2009]. Assim é que reencontro o Pe Mário da Lixa nos evangelhos lidos, analisados e apresentados na forma de provérbios – i.e., uma forma literária que possibilita uma outra leitura criativa, aquela pela qual a filósofa e matemática Hypatia, de Alexandria, expressava a liberdade religiosa, sem que com isso se perca a perspectiva antropológica do assunto em pauta: a memória e a identidade da pessoa. Ninguém é pobre ou rico por opção: o poder que corrompe cria as condições para a concepção social e econômica de quem é mandado e de quem manda; assim é na Sociedade, assim é na Igreja. A saber, portanto: a Igreja imita o mercantilismo capitalista para se manter societariamente activa na sua identidade corporativa mundializada [católica] segundo a visão paulina, logo, a acção teológica paulina não poderia ter por referências a Palavra jesuana nem a memória de Maria Madalena. A análise antropológica feita por Mário de Oliveira é, neste livro, uma admirável licção de ousadia pela liberdade de expressão segundo a História registada por quem a vivenciou. Eis que a memória de quem viveu os momentos jesuanos não poderia ser “aproveitada” para gerar um novo evangelho para os gentios alheios à realidade religiosa judaica; por isso, ou foi esquecida ou foi deturpada! O livro EVANGELHO DE JESUS, SEGUNDO MARIA, MÃE DE JOÃO MARCOS, E MARIA MADALENA é um instrumento para análises antropológicas profundas, por mais preocupantes que elas se apresentem à [in]consciência de quem somente vê o mundo pela fé de uma divindade que lhe castra a liberdade... EVANGELHO DE JESUS, SEGUNDO MARIA, MÃE DE JOÃO MARCOS, E MARIA MADALENA - Edium Editores [www.ediumeditores.org]; Portugal, 2012.
História de
Nª Sª do Monte Serrat João Barcellos
Próximo à cidade de Barcelona, no País Basco, território de Espanha, ergue-se a montanha cujos picos são muito agudos, em forma de serra, daí o nome Montserrat. Cerca de 900 dC, pastores da região encontram numa caverna uma imagem sacra e feminina, que passam a denominar Senhora do Monte Serrat. O culto religioso inicia-se no Século 6 e atrai fiéis cristãos de toda a Europa, que divulgam o nome de Nossa Senhora do Monte Serrat; várias personalidades do panteão cristão, como Vicente Ferrer, Inácio de Loyola e Luiz Gonzaga, prestam homenagem à santa do Montserrat já rodeada de alguns atos milagrosos. Com a expansão ultramarina dos povos ibéricos [Portugal e Espanha], nos Séculos 16 e 17, e tendo os monges beneditinos Nª Sª do Monte Serrat como padroeira, o culto espalha-se pela América e a primeira abadia dedicada à santa é construída no Rio de Janeiro. Na região da Capitania de S. Vicente, na vila portuária de Santos, constrói-se uma capela em homenagem à santa no topo do morro de São Jerônimo, entre 1598 e 1609, sob os auspícios de Francisco de Souza, governador geral do Estado do Brasil e seu grande devoto. O mesmo governador instala, na Bahia e no Rio de Janeiro [1580 e 1590 respectivamente] igrejas em honra da santa e, no ano 1599, no Cerro Ybiraçoiaba, em pleno arraial mineiro da Família Sardinha, a Villa de Nª Sª do Monte Serrat, de onde despacha oficialmente e faz da vila montesserrana capital do Brasil por alguns meses, e onde dá início à instalação do municipalismo republicano no sertão dos guaranis, Piabiyu adentro.
E em meados do Século 17, no entroncamento do Piabiyu, que liga o sertam carapocuybano a Piratininga pelo Jeribatyba, está uma Akotia – aldeia guarani cujo nome significa ´ponto de encontro´, que vem a ser dominada pelos perós [portugueses], do mesmo modo que Affonso Sardinha (o Velho) já havia tomado o portinho de Carapocuyba que ligava ao Anhamby. É o bandeirante Fernão Dias Paes [sobrinho] que catoliciza a aldeia Akotia mandando ´fabricar´ Capela em honra de Nª Sª do Monte Serrat; já no início o Século 18, em 1703, a aldeia é levada para o sertam itapecericano e reinstalada com a matriz dedicada à mesma padroeira em 1713. Tanto na vila do arraial mineiro do Cerro Ybiraçoiaba [Morro Araçoiaba] quanto na aldeia Akotia, serve a imagem de Nª Sª do Monte Serrat para dilatar a fé cristã e, ao mesmo tempo, sinalizar a importância da civilização através do municipalismo republicano, de tal sorte que a Villa de Nª Sª do Monte Serrat instalada no Ybiraçoiaba torna-se capital do Estado do Brasil por alguns meses e, na nova Cotia, dá sequência ao republicanismo iniciado em S. Vicente, Santos, St André e São Paulo.
A RELIGIOSIDADE NOS ACTOS DA CONQUISTA E AS SUAS PECULIARIDADES NA EDUCAÇÃO Maria Augusta de Castro e Souza (com observações de Johanne Liffey e Tereza Nuñez)
1 A aventura das igrejas, e trata-se de uma aventura no ´reino´ das margens obscuras que cercam o leito vivificável da humanidade, institucionalizou-se e transformou-se num poder temporal tão burocraticamente eficaz quanto socialmente mortal. Deve-se dizer, e Johanne Liffey e Tereza Nuñez, alertam-me para tal (ora, a amizade é para isto mesmo), que “a religiosidade esotericamente assumida, ou seja, tão íntima a cada pessoa quanto deus o é a cada uma delas”, como João Barcellos gosta de filosofar sobre o assunto, é um acto popular e pagão de fraternidade generosa, não uma facção de interesses genuinamente mercantis. Por mais que hebreus, cristãos e muçulmanos falem contra, os deuses e as deusas dos velhos povos (celtas, romanos, gregos, etc.) serviram à generosidade e à cultura de cada comunidade – e, agora, o Deus único judeo-cristão-muçulmano serve não as comunidades nas suas carências locais, mas uma mística globalizada e capitalista que desconhece a cultura local, mas não desconhece o jogo mercantil desse capitalismo que abençoa e dele sobrevive! Ao assistir a uma densa e brevíssima, porque improvisada, palestra de João Barcellos acerca da “História de Nª Sª do Monte Serrat”, que eu desconhecia, apaixonei-me pelo assunto. Como é que uma imagem sacra catalã vai servir de base política aos interesses lusos ainda sob o domínio espanhol, no Brasil?... Que história é esta tão bem documentada e pouco conhecida?! Esta história faz-me lembrar aquele percurso místico de William Blake, esse artista fantástico que subtilmente expos a sua atitude religiosa em traços e sombras que poucas pessoas perceberam: traços e sombras que, na opinião de Mariana d´Almeida y Piñon, foram muito bem trazidos à luz no opúsculo “A Face Religiosa de William Blake”, de Joane Paisana com opinião de Manuel Reis [Ed Edicon & CEHC, 2012], a evidenciar o trato da cosmovisão e de como a pessoa criativa transporta em si a paixão pela vida e a eternidade sem trair a sua integridade na rotina quotidiana. E como foi bom reler os traços e as sombras de Blake à luz de um olhar moderno e livre... Como agora fez
Barcellos em relação ao 7º governador do Brasil, o fidalgo Francisco de Souza que, ao contrário de Blake, fazia do seu quotidiano político uma fanfarra e uma peregrinação. E, e apesar disso, um pormenor tão popular ficou longe dos estudos acadêmicos e dos olhos de muitos pesquisadores: “Uma imagem sacra catalã é feita padroeira dos atos políticos, administrativos e militares do governador português Francisco de Souza, ainda nos tempos dos Felipes! O fidalgo da Casa Souza é devoto montesserrano ou utiliza a santa como ´passaporte´ junto dos reis espanhóis?”. A questão é do próprio João Barcellos, que não encontrou quaisquer evidências de devoção do fidalgo em seus estudos. Não vou, aqui, tentar esclarecer a questão, ela serve-me somente para indiciar outro aspecto: da mesma maneira que os jesuítas e outros padres católicos utilizaram a catequese para destruir as línguas dos povos nativos, ocidentalizando-os à força, também essa mesma acção mística foi a mola propulsora nas ´entradas´ e nas ´bandeiras´ dos portugueses, principalmente nos sertões a sul da linha de Tordesilhas. Ou seja: existem actos religiosos carregados de simbolismo místico no percurso esotérico de algumas pessoas, e actos religiosos de exoterismo primário que servem ao poder instituído e suas pretensões ideológicas de conquista e expansionismo. O recato místico de Blake deu-nos uma arte de profunda beleza, a política do governador e fidalgo Souza deu-nos a imagem de um poder que se utiliza de todos os meandros sociais para atingir metas ideológicas e estratégias militares. E, um pouco antes dele, o desbravador e político Affonso Sardinha (o Velho), segundo estudos e livros de Barcellos, utilizou os jesuítas e outros padres para encobrir as suas acções mercantis e escravagistas. E aqui, o termo ´utilizou´ só pode ser lido de uma maneira: comprou (em escambos) os favores dos religiosos para uma cobertura política. Foi de tal percurso político e educacional que veio a surgir, primeiro, uma língua geral (o tupiguarani) a servir a colonização luso-católica, segundo, a encobrir e fazer esquecer essa mesma língua geral... E, “entre os Séculos 16 e 18, além de milhões de nativos mortos, as línguas nativas deixaram de ser vias de comunicação social nos sertões e nas vilas de uma província continental que a acção política e governativa do Morgado de Matheus transformou num Brasil quase nação”, na opinião de Tereza Nuñez, em palestra sobre as atividades líterohistoriográficas de João Barcellos.
2 Sabemos que as igrejas, e particularmente a da cristandade, dizem-se “dos pobres”, mas isso é parte da retórica assinalada tanto por Manuel Reis como por J. C. Macedo, quer no que diz respeito à época da expansão ultramarina ibérica quer ao terrorismo de Estado imposto pelos EUA nos países latino-americanos, e, neste particular, uma observação de Noam Chomsky chama a atenção. Vamos ler: “[...] o exército norte-americano ajudou a derrotar a Teologia da Libertação. Isso é perfeitamente exato. Um dos principais alvos da Guerra ao Terrorismo movida pelos Estados Unidos foi a Igreja católica, que havia cometido o grave erro de se voltar para o que ela chamava de ´opção preferencial pelos pobres´, e tinha de ser castigada por isso” [in ´Poder e Terrorismo´, p.65; Ed Record, Brasil, 2005]. Na verdade, não foi o Vaticano que fez a ´opção´, mas uma vasta (e mesmo assim minoria) ala de padres que, diante das atrocidades politico-militares das ditaduras latinoamericanas decidiu agir e, em alguns casos, pegar em armas. Tudo isto significa que “[...] o igrejismo do Vaticano é parte dos tentáculos do capitalismo selvagem, porque dele obtém sustentação econômica para se manter como cidade-Estado e abençoar indiretamente os crimes contra a Humanidade. Por isso, a Teologia da Libertação tem os dias contados a partir da aliança Vaticano-USA” [MACS e Macedo. Panflo ´tjia´; Porto, 1973]. Ou seja: não existe poder estabelecido, sócio-político ou espiritual, que não se utilize da força dos dogmas do próprio poder para agir cruelmente. Uma cena do filme ´O Leopardo´ [de Luchino Visconti, 1963], que conta a história do relacionamento católico com as monarquias europeias, narra claramente o conceito: “para se manter como Poder, a Igreja sacrificará os pobres”, diz o aristocrata para o seu fiel jesuíta e capelão. E assim o fez nas Cruzadas e na
Inquisição, como o fez no extermínio dos seus teólogos mais próximos às necessidades dos povos (Manuel Reis, Leonardo Boff, Mário de Oliveira, etc. e etc.; e eu mesma, que até aos meus 18 anos era uma ´santinha´ a pôr flores nos altares da igreja e lavar a roupa do pároco! E foi o então jovem poeta e jornalista J. C. Macedo que me tirou desse ´teatro´ ao levar-me ao Portugal profundo e ouvir o ´padre Mário da Lixa´...). É preciso ter experiência para se falar de alguns assuntos, e deste em particular, ou cai-se na mesma ladainha do igrejismo (termo do Macedo para designar igreja estabelecida como poder). É um ´poder seco´, como define Manuel Reis o capitalismo selvagem advindo das empresas ou das sacristias, e um “poder que seduz as mentes que gostam de se acomodar”, na opinião de Tereza Nuñez. E foi assim que surgiram a América espanhola e a América portuguesa: entre o cântico da catequese, o silvo das espadas e o troar das armas de fogo. De ambos os lados ibéricos ainda surgiram “déspotas iluminados cujas acções se viraram contra o próprio colonialismo, pois, o iluminismo agregado ao afazer político e militar de manter as colónias e expandi-las logrou dar conhecimentos aos mamelucos (filhos de ibéricos com nativas americanas) e incentivar um ideal republicano de independência”, como diz Johanne Liffey, após leitura de uma palestra/opúsculo de Barcellos acerca do Morgado de Matheus [in ´noetica.com.br.´, 2013], que foi governador da Capitania paulista. Assim, a educação das massas nas colónias foi seccionada para servir o propósito do poder: assimilar o ´falar nativo´ e dominá-lo para impor a língua dos conquistadores, e os jesuítas foram o instrumento eficaz e mortal. “Aniquilada a ligação cultural entre os nativos (o que os espanhóis não conseguiram na ´sua´ América), os portugueses puderam dominar finalmente a ´sua´ terra ao longo da então bojuda linha tordesilhana”, como diz Barcellos. E, sim, deixaram um rasto de luz/conhecimento entre as gentes mamelucas – a luz que permitiu ao Morgado de Matheus estabelecer o ideal republicano nos sertões paulistas e do sul, e, a mesma luz que incentivou a ´gente brasileira´ a buscar em si mesma a nação própria. Eis como a educação tem e assume particularidades libertadoras diante dos engenhos capitalistas e místicos, que não poupam a si mesmos quando o poder está em jogo. A terminar: Quero ilustrar o todo deste texto com algo que João Barcellos pinçou do livro ´Em Busca De Outra Civilização´ [Edicon e CEHC, Portugal e América Latina, 2013], do filósofo Manuel Reis, e pôs na contracapa com uma alegoria de Goya: “Em suma, Ciências/Tecnologias e Revoluções: serviram elas (mesmo quando todas conjugadas...) para libertar, definitivamente, (como se tinha o direito de esperar), os escravos (antigos e modernos...) e os servos e todos os súbditos, em geral, transformando-os em veros e autênticos cives-cidadãos de corpo inteiro, capazes de viverem numa nova condição humana de Seres humanizados, socialmente iguais e fraternos?!... Aristóteles, em ‘A Política’, previa o fim da escravatura para os tempos futuros em que os teares e os moinhos e os lagares, uma vez mecanizados, pudessem dispensar a mão-de-obra escrava!... Nas Idades Moderna e Contemporânea, temos de advertir que os vaticínios filosóficos de Aristóteles fracassaram redondamente”. E por isso, eis que é preciso continuar a batalha pela educação e a cultura na base do humanismo crítico e a respeitar a opção mística de cada pessoa!
Ordens Religiosas & Hospícios Rosemary O´Connor Carlota Maria Moreyra
[´aldeia missionária´ de Zacarias Wagner]
Quando, em 1553, o jesuíta Manoel da Nóbrega manda “que se construa a casa” nas terras de Piratininga, com abertura no dia de São Paulo, em 1554, ele determina a instalação capela, colégio e hospício, porque além da liturgia sacra e social é preciso dar abrigo aos próprios religiosos e seus catequisados. “O arcaboiço jesuítico tem respaldo nos cofres reais e desde logo Nóbrega mostra-se o monge-cavaleiro que sabe apostar em táticas de dominação jogadas no intuito de fortalecer a Sociedade de Jesus, sim, mas são táticas que servem também a estratégia geral da colonização ibero-católica no Novo Mundo. Ele não querer repetir a experiência funesta de Maniçoba, a aldeia instalada nos confins do sertão a oeste de Piratininga, em 1552, quando tentou uma ´entrada´ meramente aventureira para chegar aos guaranis do sul e ao longo do Piabiyu: uma jornada feita sem a mínima estrutura logística e que culminou na destruição da aldeia pelos nativos. Foi tão grave a situação que nem registros precisos sobre a Maniçoba foram deixados, ao contrário do habitual na odisseia jesuítica...” [João Barcellos, in “Nóbrega, o bandeirante da catolicidade”; artigo. Rio de Janeiro, 1989]. Manoel da Nóbrega quer que a SJ faça do Novo Mundo um novo espaço teocrático sob uma óptica própria! Em breve, a rede jesuítica expande-se, e quando não existe colégio, existe hospício com capela. Enquanto isso, outras ordens, como a dos franciscanos e a dos beneditinos, chegam e o conceito social e arquitectónico de hospício também se expande, e de tal maneira que “o hospício é muitas vezes a última luz de civilização que os aventureiros e os bandeirantes encontram nos sertões. É desta arquitetura sacra e social que se desenha a casa grande dos fazendeiros abastados – a saber: a habitação que contém um cómodo previamente destino à liturgia cristã. É a capela da família senhorial. E assim se faz uma Igreja de ricos que se distancia das velhas comunidades cristãs de oração: a oração como um todo e para todas as pessoas. A capela da casa grande de família senhorial é o emblema sociopolítico e econômico
de uma Igreja que está Poder e condena quem contra ela se faça ouvir, especialmente a gentalha que se acha alguém por ter sido catequisada. Então, a colonização e a escravatura têm, sim, a assinatura dos igrejistas” [João Barcellos, in “Os Hospícios Na Arquitetura Colonial Ibero-Católica”; artigo. São Paulo, 1991]. O que se pode perceber na concepção do hospício levada para a colónia portuguesa em terras da América é que ela é a mesma que já se manifestava em outras eras do absolutismo reinante: “a expansão do reino de deus nos instrumentos dispostos pelas castas senhoriais” [Carlota M. Moreyra, in “O deus das castas e a fé dos povos”; palestra. Rio de Janeiro e Paraty, 2004]. Esta característica é fundamental na instalação da práxis jesuítica a partir da aldeota de paliçada erguida em Piratininga, e é o farol físico e místico que vai sinalizar, primeiro, as ´entradas´ de reconhecimento no sertão guarani que tem o Piabiyu [Barcellos fala e escreve ´piabiyu´, mas a maioria dos historiadores fala e escreve ´peabiru´] como trilha central e, depois, a mineração e as ´bandeiras´ de preação e de expansão geográfica.
[Pátio do Colégio, em São Paulo; ruínas de um hospício jesuítico em Aquiraz/Cerá.]
Tanto “em atas como em testamentos dos anos dos Séculos XVI e XVII pode-se ler a importância da sinalização econômica e exotérica: toda a povoação tem marco-zero na capela, toda a família abastada se exibe com a capela própria ou nas que manda ´fabricar´ para melhor exposição” [J. C. Macedo, in “O poder em actos exotéricos. Ou: o catolicismo na sua expressão colonialista”; palestra. Lisboa, Coimbra, Guimarães, Porto e Vigo, 1975, 1976, 1977 e 1980]. Por outras palavras, “é a presença do feudalismo cavaleiroso a teimar uma existência que a era caraveleira praticamente afundou no mar da história” [Macedo citado por Rosemary O´Connor, in Cult Journal – Houston/USA, 1998]. A concepção de aldeia-casa religiosa com capela e hospício (entre albergue e escola) faz a actividade jesuítica expandir-se do território piratiningo para o sul e o centro-oeste, enquanto que a norte surgem actos colossais de desbravamento e catequese a partir do mesmo tipo de assentamento. E “o Brasil é, no primeiro século, uma ´ilha´ de judeus ibéricos que fazem do lugar a sua ´terra prometida´, e a partir do segundo século do ´achamento´ uma nação de mamelucos que odeia os jesuítas e quer ser aquilo que é: uma raça nova em nação própria”, na visão do escritor e pesquisador de história João Barcellos [palestras no Centro de Memória da Fazenda Nacional Ipanema, Morro Araçoiaba; anos de 2011 e 2012]. A rejeição e a rebeldia dos mamelucos à vivência jesuítica assenta no lado telúrico desta gente: liberdade em terra própria. Isto mostra, também, o fraccionamento social da nação que já se anuncia, apesar da monarquia portuguesa – e saiba-se: de um lado, famílias abastadas e abençoadas pelos igrejistas, de outro, novos-ricos que inauguram a burguesia local entre a mineração, a agropecuária e o escravagismo, a par de uma imensa maioria de gentes nativas, europeias e mamelucas, cujo destino nem elas sabem, mas pressentem nos sertões que o Brasil será mameluco e não mais reinol. Aqui está a razão que opõe parte da população aos jesuítas e outras ordens religiosas que se apoderam da região embarcadas que estão na conquista paramilitar dos ´bandeirantes´ paulistas.
A importância das ordens religiosas e dos seus hospícios, no Brasil em colonização, está no pólo logístico construído – da aldeia de paliçada à aldeia de taipa de pilão – que vem a ser copiado em todo o território, dentro e fora da (sempre hipotética) Linha de Tordesilhas. Uma importância que, sabe-se, continua presente em muitos aspectos da vida social e política, na Europa e na América construída à sua imagem, apesar das rebeldias étnicas. A mistificação do Poder para garantir uma partilha geossocial coube à Igreja, ela mesma um Poder nem sempre paralelo; e por isto, a Educação é levada a interpretar o seccionamento social que a estratégia Política consagra objectualmente –, ou seja, o Desenvolvimento é um processo unicamente gerado na relação do Consumismo e nos meios educacionais a ele dirigidos. E assim, os déspotas não discutem Religião nem Estado para não se permitir que a gentalha que vai à sala de aula abra os olhos e comece a fazer perguntas... O misticismo do Poder é o mesmo que faz da capela o marco-zero de uma sociedade ou de uma família abastada, do hospício religioso o templo da conquista!
Da análise ao tema para uma ampla discussão no Grupo de Debates Noética. Houston e Paris, Fevereiro a Março de 2013.
Cotia & Ferrovia João Barcellos
O imenso território que constitui Cotia, entre os Séculos 18 e 20, compreende as regiões de Jandira, Ribeirão da Vargem Grande, Caucaia do Alto, Granja Vianna e Itapevi; em meados do Século 20 desmembram-se as regiões de Itapevi [1959], Jandira [1963] e, depois, Ribeirão da Vargem Grande [que altera o nome, primeiro, para Raposo Tavares, e depois para Vargem Grande Paulista, 1982]. Em cada uma dessas regiões disputas políticas acirradas moviam também paixões familiares, redutos coronelísticos, e assim é que dificilmente um tão vasto território continuaria sob uma única administração municipalista. Já longe do sertam carapicuybano, de onde saiu em 1703 para reinaugurar a paróquia de Nª Sª do Monte Serrat em 1713, no sertam itapecericano, a Cotia dos agropecuaristas que abasteceram e deram logística aos preadores, aos mineradores e aos bandeirantes, é uma Cotia que passa a concentrar esforços em si mesma, mas a nova situação geográfica torna-a simples ponto de passagem, até que no Século 19, ganha a Parada Cotia, uma estação ferroviária no sítio de Itapevi. Cotia, na lógica do reaproveitamento do Piabiyu e suas ramificações logísticas, é integrada à expansão da Estrada de Ferro Sorocabana. O que foi o oeste bandeirístico é, agora, o oeste ferroviário. O olhar republicano e globalizador do empreendedor Visconde de Mauá ergueu-se no Rio de Janeiro, mas é no oeste piratiningo que se realiza a grande obra que faz circular a maria-fumaça. A inauguração da Parada Cotia acontece em 10 de julho de 1875 com convidados ilustres: Sebastião José Pereira, presidente da Província paulista, o presidente da EFS, Matheus Maylasky, o chefe de polícia e conselheiro Martim Francisco, além de representantes do imperador Pedro II. É um ponto de passagem. A ´parada´ serve para abastecer de lenha as fornalhas das marias-fumaças além de embarcar pessoas e bens. A casa é um barraco coberto de sapé rodeado por lampiões de querosene. E, diz-se: a estação foi instalada num lugar deserto: da vila à Parada Cotia vão alguns quilômetros, uma longa caminhada por estradão de terra, quase uma picada. Entretanto, a velha Cotia não está mais longe de tudo nem isolada da Capital paulista e do Interior. Por que a Parada Cotia é um sítio longe da vila? No âmbito da hipocrisia da retórica eleitoreira dos coronéis latifundiários e ainda escravagistas, a maria-fumaça é uma novidade para ser falada enquanto assunto de outras regiões, não como assunto cotiano, porque possui terra atravessada pelo progresso do capitalismo que engole tudo e todos não é do interesse coronelístico... e depois, já se sabe, atrás da maria-fumaça vêm gentes mais esclarecidas! Assim, a Parada Cotia está muito bem lá na lonjura que é Itapevi, pensam, mas não dizem. É neste momento do desassossego, que a maria-fumaça transporta, que o poeta Baptista Cepellos, já ressabiado com a ignorância que campeia na sua Cotia, escreve:
O Trem De Ferro Baptista Cepellos In OS BANDEIRANTES, 1ª Ediç, 1906; 2ª ediç: Espindola & Comp, SP-1908.
Um fino apito estrídulo sibila; Rangem as rodas num arranco perro, E, lentamente, a se arrastar, desfila, Fumegante e luzente o trem de ferro. Sôa no espaço um derradeiro berro, E tão rápido corre que horripila, Esse monstro, a rolar de serro em serro, Apavorando a solidão tranqüila! Vence choupanas, mattagais tristonhos, Despenhadeiros, barathros medonhos - Nada lhe amaina o rábido furor! Corre, corre veloz, nada o embaraça, Desfraldando a bandeira de fumaça, Como um bravo guerreiro vencedor! Perro [emperrado]. Horripila [apavorante]. Serro [=Cerro: elevação pedregosa]. Bárathro [Abismo/Inferno]. Rábido [Medo/Reação de medo].
O poema revela a sensação do poeta quanto aos receios que esse progresso provoca na mente dos povos interioranos, como o de Cotia, politicamente aculturados por coronéis ideologicamente comprometidos com o atraso e a ignorância. O poema O Trem De Ferro não difere muito do A Velha Escola, ou do poemeto/livro A Derrubada, nos quais Baptista Cepellos interpreta sentimentos que não lhe são estranhos, mas que o repugnam, como o diz para alguns dos intelectuais contemporâneos.
[Foto de Julio Durski da “Parada Cotia” em Itapevi e uma gravura do poeta Cepellos]
O que parece ser um eterno desenlace do poeta com a sua aldeia isolada do conhecimento está muito visível no poema Vinde poisar à fresca destes ramos, Falai-me de outros céus e outros paizes. Pobre de nós que, para sempre, estamos Vinculados ao chão pelas nossas raízes! publicado no livro O Cysne Encantado, de 1902. Ele percebe-se desenraizado pelo mando coronelístico que impede a região de acompanhar o ritmo do progresso que conhece da muito próxima Cidade de São Paulo. Nos últimos três decênios do Século 19, os chefes [coronéis] políticos de Cotia fazem de tudo para impedir a passagem dos Caminhos de Ferro pela região, e isso coloca Cotia à margem do progresso. Já nos Anos 20 do Século 20, o mesmo coronelismo percebe que tem de desenvolver esforços para dar vida ao grande território que é Cotia – grande em terra, mas pobre e sem perspectivas de progresso, como o poeta Baptista Cepellos havia constatado e pagou caro por isso... A regiões desmembradas passam a ter um desenvolvimento próprio: no caso de Itapevi, por exemplo, a antiga Parada Cotia fornece elementos dinâmicos para o desenvolvimento em torno da ferrovia, e no caso de Vargem Grande Paulista, paralelamente ao bairro de Granja Vianna e ao distrito de Caucaia do Alto, a dinamização dá sequência à experiência agroindustrial iniciada pela emigração nipônica no bairro do Moinho Velho, que, desde os Ano 30, estende-se pelo Piabiyu levando São Paulo às regiões sul e centro-oeste, como já acontecera no governo do Morgado de Mateus. Desde os tempos do Morgado de Mateus [Luis Mourão, capitão-general e governador de São Paulo, 1765-1775], as terras da Cotia são tidas de pouca produtividade, mas no Século 20, os japoneses mostram que trabalhando a terra com carinho e sabedoria dela a humanidade pode ter tudo. Nesta terra cotiana, uma primeira ocupação nipônica tom conta do chamado Cinturão Caipira, entre 1915 e 1920, e logo, a partir do bairro Moínho Velho, numa segunda ocupação, alcança Morro Grande, Ribeirão da Vargem Grande e Caucaia do Alto, sempre sobre o Aqüífero Guarani e pisando pelo velho Piabiyu. É neste sertão de terra fraca chamado Cotia, no bairro de Ribeirão da Vargem Grande que nasceu Batista Cepelos [ele assinaria partes dos seus escritos como Baptista Cepellos], e sua poesia reflete muito a condição “caipira” do jovem que, mesmo conhecedor da vida mundana e estudantil da Paulicéia, é sempre apontado como do “cinturão caipira” – o que lhe valeu o triste desenlace com Sophia Gomide, filha do senador Peixoto Gomide, que a assassinou para depois se suicidar..., pois, ter na família paulistana um “caipira” da Cotia seria demais, e, diz-se, um bastardo..., o que a ser verdade (as famílias nunca desmentiram, mas também não confirmaram) explica o evento macabro gerado pelo senador Gomide. Por outro lado, nenhum dos lados explicou a Sophia e a Cepellos a situação ´familiar´ que já unia o casal apaixonado! O evento de 1906 é, no âmbito social e político, um descarrilamento monumental e, logo, o poeta muda-se para o Rio de Janeiro, onde é celebrada a sua genialidade literária; mas, em 1916, ele mesmo deixa de ter ´lenha´ para dar à locomotiva intelectual que tanta poesia dera ao Brasil e à Língua portuguesa e suicida-se no Morro de Cantagalo. A vida literária e profissional de Baptista Cepellos parece imbuída da mesma precariedade com que a maria-fumaça chega à região cotiana... Já o poeta é um passado e um arquivo morto na memória cotiana, a partir da própria família, quando, em 1931, a região de Caucaia do Alto recebe estação como ponta de linha na expansão do trecho Mairinque-Santos. É uma casa de madeira, como aquela primeira, de Itapevi, mas em 1934 é substituída por um edifício de alvenaria com a classificação de posto telegráfico. Situada a cerca de 1 km a leste
da estrada que liga Cotia a Caucaia do Alto, a Estação Caucaia também está longe do centro político cotiano e, mais uma vez, a gente cotiana vê o trem passar sem tirar proveito econômico e turístico dele... Cotia pertence ao Planalto Paulista, em declive que chega ao Rio Tietê, entre Embu, Itapevi Carapicuíba e Jandira, sendo as águas drenadas na Bacia do Rio Cotia. Parte das bacias do Caputera e Ressaca Sul drenam o Rio Embu-Mirim para as áreas de Embu e Itapecerica da Serra. Nos seus 323,89 Km2, Cotia tem no distrito de Caucaia do Alto um grande potencial eco-turístico e rural, porque situa-se entre as bacias do Rio Sorocá-Mirim e do Rio Cotia, no Morro Grande, onde a Reserva Florestal ocupa cerca de 100 km2. Apesar de tal potencial e de possuir um parque industrial e de serviços notável, Cotia não conseguiu transformar a estrada de ferro num foco de progresso que chega, enfim, pela estrada de asfalto em pleno Século 21: a transformação da Estrada Raposo Tavares numa Rodovia de importância vital no contexto viário do Rodoanel que une a região metropolitana de São Paulo. Sitiada pelos medos e pelos modos coronelísticos dos Séculos 19 e 20, a região cotiana sofreu uma paralisação economicamente asfixiante, e foi surpreendida na evolução imposta pela emigração nipônica: mas resistiu, como resistiu à maria-fumaça. O contexto econômico e social de Cotia é único, comparado com a situação das regiões que souberam e sabem aproveitar a estrada de ferro, quando se observa que a sua classe política está bem, muito bem, mas a municipalidade carece de mobilidade sociocultural e profissionalizante. Historicamente, o espírito coronelístico, como dizia o granjeiro e professor Aziz Nacib Ab´Sáber, ainda faz estagnar a cidadania em Cotia... Então e agora, Esse monstro, a rolar de serro em serro,/ Apavorando a solidão tranqüila!, que o poeta Cepellos canta, não é o trem de ferro, mas o coronelismo que teima em mandar e desmandar através dos novos-ricos do capitalismo selvagem e que desconhecem as virtudes do liberalismo.
Bibliografia BARCELLOS, João – in “O comportamento comunitário de Baptista Cepellos e a sua Obra nacional”, pal., Rio de Janeiro / Br, 1990. – in “Baptista Cepellos: Um Dos Grandes Poetas Lusófonos”, art., jornal Letras Fluminenses”, Niterói-RJ/Br, 1990. – in “Cultura, Política & Coronéis. Conversas com o Prof. Aziz Ab´Sáber”. Jornal “Treze Listras”; W. Paioli e João Barcellos. Cotia/SP. – A Derrubada. Primeiro livro de Cepellos, reeditado por João Barcellos. Ed Pannartz, SP- 1992. – in “O Atraso Mental No Poder Público De Cotia”, ensaio-palestra; Cotia/SP – 1997. – Cotia / Uma História Brasileira. Ed Edicon, 2010. – Feijó & Cepellos: Brasileiros de Cotia. Ed Edicon + CEHC, 2011. CÂMARA, José Webank da – Caminhos de Ferro de S. Paulo e A Fabrica de Ipanema em Agosto de 1875. 2ª Ediç Fac-Similar, Ottoni Editora, Sorocaba-SP, 2012. NÓBREGA, Mello – Batista Cepelos (1872-1972); Livraria São José, Rio de Janeiro / Br, 1972. PETRONE, Pasquale – Aldeamentos Paulistas, Edusp, SP-1995. SAMPAIO, Theodoro – O Tupi Na Geografia Nacional, Bahia/Br., 1955. SAVIOLI, Mário Luiz – A Cidade e a Estrada / Transformações Urbanas do Município de Cotia ao Longo da Rodovia Raposo Tavares, Tese de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo; Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo – Br., 2006. Editora Edicon, 2007.
O BRASIL DOS TROPEIROS & ESTRADAS REAIS João Barcellos
PARTE PRIMEIRA
1 Mercado Estancieiro Isto aqui é “a passagem de Laguna para a Colônia de Sacramento”, diz-se no início do Século 18, lá no que pode se afirmar ser “o rancho fundo da capitania da paulista”. A afirmação deve-se ao amplo mercado estancieiro montado pelos padres da Sociedade de Jesus [SJ], ao longo do Século 17, tanto nas partes do Uruguai quanto nas da Argentina, e mais particularmente nas grandes fazendas além de Buenos Aires, onde criam de tudo e se fazem especialistas na reprodução de muares... o animal de carga mais adequado aos duros caminhos da malha guarani do Piabiyu e de outros em picadas abertas pelos próprios jesuítas de braço dado com colonos portugueses e, em alguns casos ao longo do Rio da Prata, com castelhanos.
[tropeiros e muares, em desenho de Rugendas; e tropeiro, em desenho de Landseer]
Para a Coroa portuguesa torna-se importante anotar e levar em conta a percepção política e administrativa de vários governadores, que diz da necessidade urgente de povoar a região da Laguna e das imediações de Sacramento; e, por volta de 1670, a Coroa faz recrutamento no arquipélago dos Açores com a promessa de “dar a Casais Açorianos que vão a povoar o sul do Brasil terras e outras facilidades”.
Ilha do Faial, vila da Horta. Corre o ano 1677. No alvorecer do dia 20 de Março acontece o marco histórico que remata a ligação entre Portugal e o Brasil: casais, num total de 219 pessoas, embarcam no navio “Jesus, Maria e José” com destino ao Grão Pará. A tentação é grande para os casais açorianos que vivem apertados com pouca terra. A visão de grandes terras oficialmente dadas é a mola que catapulta a gente habituada à árdua azáfama insular. E depois, no período de um século, a partir de 1748, chegam ao sul do Brasil cerca de 2300 pessoas, e, entretanto, das promessas de terras e facilidades, nada, o que obriga a gente açoriana a lutar bravamente para se estabelecer entre a gente gaúcha e as propriedades jesuíticas. O assentamento agropecuário da gente açoriana cria uma dificuldade mercantil para os padres jesuítas, habituados a ser a voz única no mando da região, e é quando novas estâncias surgem a partir dos fogos açorianos para formarem um cinturão português diante das Missões [aldeias-estâncias formadas e administradas pelos padres], que são o eixo das negociações jesuíticas e das pretensões políticas da Coroa castelhana, de olho, principalmente, na estratégica Colônia de Sacramento. Por isto, entre Laguna e Sacramento tem início uma atividade que, se ainda não é tropeira, indicia a prática da utilização de muares no transporte de cargas e gentes pelos difíceis caminhos. Como primeiros fregueses na praça de muares, os casais açorianos estabelecem uma atividade que mobiliza todo o sul e em distâncias curtas.
2 Estâncias, Charqueada & Muares.
São várias as fazendas jesuíticas que produzem muares na Argentina. É uma produção que industrializa, de imediato, ambas as margens do Rio da Prata, e os muares já trotam entre a mobilidade econômica que alavanca o progresso sulista da Capitania paulista, da mesma maneira que os caixeiros-viajantes de Affonso Sardinha [o Velho] e do padre-banqueiro Pompeo de Almeida faziam negócio, a pé e em canoas, entre Piratininga, Buenos Aires e Asunción. E agora, são várias a fazendas açorianas que progridem entre as velhas trilhas sulistas. Os muares enchem a pança jesuítica e, com os casais açorianos, favorecem o abastecimento de várias vilas. O que para os padres é um rendimento entre os próprios negócios passa a ser uma fonte de renda para o novo Portugal que se ergue no sul do Brasil. Agora, os casais açorianos e os muares são parte da ocupação na Linha de Tordesilhas que vai impedir o avanço castelhano em terras lusas. Os muitos galpões abertos nas pradarias para salgar a carne exposta para desidratação [´charque´] recebem muares, o veículo ideal para enfrentar longas e penosas jornadas de ligação terrestre.
3 O sul do Brasil antes dos Casais Açorianos Um dos personagens que marcam a vida cotidiana no Brasil-colônia é o carroceiro, importante no papel logístico da atividade doméstica e comercial, entre cariocas, paulistas, nortistas e sulistas. As juntas de bois e cangas, o cochicho [lampião] e o chiado das rodas do carro, são imagem perpetuada na memória dos portugueses que fazem o assentamento colonial na Insulla Brasil. Os castelhanos incorporam o cavalo à cena sul-americana, mas é o boi que puxa a carroça e faz movimentar o engenho d´açúcar nas unidades rudimentares da roça familiar. O cavalo não é adestrado para a dura tarefa de carregar e transportar, e só passa a ter esta função no início do Século 18... O famoso poeta Baptista Cepellos, também bacharel de Direito e capitão da Força Pública de São Paulo [2º Regimento], no final do Século 19, exerce a função de carroceiro no trecho de Cotia a São Paulo, levando principalmente casais em lua de mel. Assim como sapateiro e alfaiate, o carroceiro é ofício muito respeitado na sociedade. Os ´comboios´ de carroças passam a ser uma imagem mais visível em toda a colônia durante o setecentos e o cavalo, então, além de ser o animal ´chic´ da tourada e da cavalgada, é também o animal de carga e do manejo [vaqueirada] do gado. A demanda de entradas que levem às riquezas do Potosí desloca centenas de aventureiros de Portugal e de Espanha para o Rio da Prata, e, ao mesmo tempo, urge estabelecer outras vilas. Assim, Buenos Aires surge em 1580, e como eixo de defesa estratégica na ótica castelhana. É no entorno de Buenos Aires que os jesuítas castelhanos expandem a sua genialidade mercantil e agropecuária. Os portugueses não podem atrasar o passo e erguem a Colônia do Sacramento, em 1680, e, logo, as vilas de Paranaguá [1648], São Francisco [1658], Desterro [1675] e Laguna [1676], bases fortificadas de apoio logístico a ações diversas. Este é o ambiente de guerra luso-castelhana e de aventuras quiméricas que os Casais Açorianos encontram no entorno dos seus fogos precários e, apesar de oficiais, a perigo. O esforço de adaptação das gentes açorianas entre os vários conflitos dos interesses das coroas ibéricas leva-as a uma jornada gloriosa de resistência e de assentamento. Da ocupação açoriana do solo ao sul da Capitania paulista é que o Brasil-colônia ganha fôlego político para reivindicar o que de seu é, pois, “o que está povoado pela gente lusa está demarcado por ela mesma, e isto é Portugal”, afirmam. Aos castelhanos restam as arruaças e elas continuam. No meio de tanto alvoroço beligerante e político os Casais Açorianos passam a ser a estância que mata a fome à gente sulista. Antigos marinheiros tornam-se agricultores e aprendem ´na marra´ como curtir uma boa carne, maturar um bom queijo e como levar ao forno uma massa para o pão nosso de cada dia. As tradições açorianas são visíveis já nas festas populares sulistas e a sua fé religiosa também se faz notar. É a presença portuguesa em nova maresia nas pradarias e estâncias sulistas.
4 Os Muares ao Deus-Dará Nas suas idas e vindas pelo território de ambos os lados do Rio da Prata, os padres jesuítas deixam muitos muares soltos nas pradarias. A produção dos muares é tal que nem as estâncias jesuíticas têm capacidade para guardá-los. É preciso evacuar. É preciso vender. E há mais escambo [troca de bens] do que venda propriamente dita, o que para os padres dá na mesma. Em muitos fogos açorianos os muares [mulas, burros] já são parte da paisagem familiar, de sorte que a maioria das cabeças são arreadas ainda a-volante e guardadas quase como troféus da caça. Sem o saberem, os padres jesuítas dão uma contribuição notável para o
progresso econômico sulista que tem base no fácil transporte de víveres no lombo dos muares... Deixados “ao deus-dará”, segundo a velha expressão portuguesa, os muares tornamse vitais para a sobrevivência portuguesa e, em particular, dos Casais Açorianos.
5 Viamão: o corredor que une o Brasil. 1725. O açoriano Cosme da Silveira embarca na frota de João de Magalhães. Destino: Viamão. Entre muitos outros, eis um açoriano que se integra notavelmente ao embiente humano e físico do sul brasileiro e, aqui, estabelece pouso, produção agricola, enquanto lança um olhar aos caminhos possíveis para alargar a atividade. Então, a localidade de Viamão é uma vila portuguesa com gentes também da província do Alentejo e, diz-se, por isto, que Viamão é um nome abrasileirado de Viamonte [região alentejana].
Enquanto isso, o ambiente bélico entre ibéricos continua em ponto de bala, e de tal sorte que Viamão recebe o governo da Capitania quando o governador portenho Pedro de Ceballos invade, em 1766, a cidade de Rio Grande. A municipalidade de Viamão é ´capital´ até 1773, quando o governo sulista se transfere para Porto dos Casais, que ora conhecemos como Porto Alegre. Dessa circunstância inusitada ganha Viamão uma estrutura urbana e comercial que lhe permite ser o eixo político e progressivo da região. E torna-se uma feira quase permanente nas idas e vindas dos muares carregados de charque e também de couro, um dos produtos bem em conta na região e na comercialização feita entre as gentes de Laguna e os velhos fregueses de São Paulo. A comercialização indica e registra rotas diversas que, sendo umas trilhas da malha piabiyuana e outras jesuíticas e bandeirísticas, fazem desencadear uma espécie de eldorado mercantil no lombo dos muares. Ao que se pode chamar de rotas da vida que sobrevive em cada pessoa aventureira ou tropeira. Tropeiro é gente forte. A carne salgada e desfiada [charque] vai muito bem com arroz e feijão e, logo, com uns goles de chimarrão. Assim se alimenta o tropeiro que, às vezes, imita o bandeirante e tira do alforge um virado paulista – aquele feijão cozido e refogado na gordura e deppois embolado com farinha de mandioca, linguiça, torresmo, costela de porco, couve e ovo
frito – o mais ´caipira´ dos pratos de campanha sertaneja, porque tem o ´toque´ da mandioca. E isto está e é vivido nos caminhos que sae de Viamão. Eis o Caminho de Viamão... até Vacari, e depois por Lages, Curitibanos, Papanduva, Rio Negro, Campo do Tenente, Lapa, Palmeira, Ponta Grossa, Castro, Piraí do Sul, Jaguaraíva e Itararé com chegada à feira de Sorocaba. O percurso fica a ser conhecido como Rota dos Tropeiros a partir da Bacia do Paraná e logo se populariza entre os brasileiros do sul e do sudeste. Além de Caminho de Viamão, o percurso també é conhecido por Estrada da Mata e Caminho do Sul.
PARTE SEGUNDA
5 A fé que arrancha portugueses e faz o Brasil.
Muito além dos propósitos imperiais e mercantis da Igreja católica, a fé dos povos portugueses instala na colônia tropical uma alma abnegada e a lutar por direitos à terra e à vida. A determinação que já fizera surgir as comunidades da Madeira e dos Açores manifesta-se no sul brasileiro, com a mesma intensidade, entre rendas de bilro e tapeçarias de tear sob o cheiro bom da comida à base de peixe, ou a dança de pau de fita, e, ainda, na ousadia de pegar o boi solto nos campos e ruas. A grande Festa do Divino ecoa rapidamente por todo o sul e sudeste e alegra as comunidades cristãs. Em cada família arranchada, em fogos ou em estâncias, é forte a tradição das raízes sociais e culturais, e se faz presente nas cavalgadas e nas rotas tropeiras: a fé não é apenas um íntimo altar que em cada pessoa se ergue a Deus, é o ato solidário dos Casais Açorianos que incorpora o espírito português de fazer no Brasil outro Portugal, e assim vai, e assim é.
6 Entre a Viamão e a Estrada Real Com a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, em fuga diante das ameaças de Napoleão Bonaparte, o Rio de Janeiro aperalta-se e conquista uma urbanidade ao estilo lisboeta. Entretanto, é preciso ligar o Rio de Janeiro aos pontos principais da produção das riquezas; para solucionar o caso, a Coroa luso-brasileira manda que se abram Estradas Reais, já agora a aproveitar as trilhas de escoamento de víveres e de pedras preciosas, do centrooeste ao sudeste e sul. Deste aproveitamento logístico, ganha mais uma vez Viamão. A principal Estrada Real desemboca na capital tropeira depois de 1.400 km a cortar os sertões. Das velhas trilhas nomeia-se o Caminho Velho e das novas o Caminho Novo. Os caminhos ligam os sertões dos aventureiros, tropeiros e bandeirantes, ao Rio da Prata e ao Rio Paraguai, com parte da ligação pelo Rio Anhambi, que também deságua no próprio sertão, e aqueles que do centro-oeste vão dar a Paraty.
7 Estrada Real
Toda e qualquer via terrestre a ligar as vilas principais do Brasil-colônia e disponível para o negócio político e mercantil, local e internacional, é Caminho Oficial, i.e., autorizado prla Coroa. É a Estrada Real. E fora dela só existe atividade: de roubo e de contrabando. A utilização de vias não oficiais é chamada descaminho. Assim, as Ordenações do Reino determinam, assim é feito. No reaproveitamento logístico dos povos nativos são fundados, ou refundados, o Caminho da Bahia [chamado Caminho da Bahia ou Caminho dos Currais do Sertão e suas variantes, a ligar a Capitamia da Bahia às Minas]. O Caminho do Rio de Janeiro [ou Caminho Velho do Rio de Janeiro e, logo, Estrada Real e suas variantes, a ligar a Capitania do Rio de Janeiro às Minas]. O Caminho dos Diamantes [com a descoberta de diamantes no cerro, entre 1725 e 1735, é aberto novo caminho, ai qual se unem a picada de Goyaz e, depois, a do Mato Grosso]. O Caminho de São Paulo [das expedições ditas bandeiras. Os paulistas, mais mamelucos (mestiços de portugueses com indígenas), têm o conhecimento, não apenas das velhas trilhas (o Piabiyu), mas também das técnicas de sobrevivência nos sertões]. O Caminho dos Paulistas [ou Caminho Geral do Sertão, a ligar a capitania às Minas. Percorrem a trilha dos Goyanazes a partir do vale do Rio Paraíba do Sul pela passagem da Garganta do Embaú, na Serra da Mantiqueira, e dirigem-se ao sertão das minas]. Os Caminhos do Rio de Janeiro [malha de caminhos denominada Estrada Real. Eis as variantes: o Caminho Velho [de Paraty a Vila Rica (Ouro Preto), por cerca de 1.200 quilômetros, percorridos em 95 dias de viagem]; o Caminho Novo [da baía da Guanabara ao Caminho Velho em Ouro Branco (Vila Rica / Ouro Preto. É aberto por Grcia Rodrigues Pais, em 1707, como alternativa ao Caminho Velho evitando a rota marítima entre Paraty e o Rio de Janeiro. Tem início nos portinhos do Rio Iguaçu (ou do rio Pilar / Duque de Caxias), segue pelos portos fluviais até a vila de Xerém, Tinguá, Santana das Palmeiras até Paty do Alferes, para logo descer ao Paraíba do Sul e logo passar a Ouro Branco (Vale do Paraíba). Uma variante do Caminho Novo é o Caminho do Proença [por Petrópolis e Santana de Cebolas]. Estrada Real [une as freguesias de Santo Antônio de Jacutinga e Nossa Senhora Conceição de Mariapicú, a ligar com a Estrada Real na baixada fluminense]. E é preciso controlar, fiscalizar a Estrada Real... As riquezas que se extraem das minas do centro-oeste levam a Coroa a apertar a vigilância e impedir o roubo e o contrabando, de que fazem parte civis, militares e religiosos, e mesmo fidalgos, pois, a ganância, não escolhe ofícios nem brasão. E em pontos estratégicos da Estrada Real instalam-se as Casas da Fundição para o Registro das peças, sob a guarda dos destacamentos de cavalaria denominados Dragões das Minas.
Bibliografia ALMEIDA, Aluízio [ou: Pe. Luiz Castanho de Almeida] – ACHEGAS À HISTÓRIA DE SOROCABA. São Paulo, 1939. – VIDA E MORTE DO TROPEIRO. Ed Martins & EDUSP, São Paulo / Br., 1981. ANTONIL, André João – CULTURA E OPULÊNCIA DO BRASIL POR SUAS DROGAS E MINAS... Officina Real Deslandesiana, Lisboa, 1711. BACH, Arnoldo Monteiro – PORCADEIROS. Gráfica Editora Palloti. BARCELLOS João – DAS TROPAS DE MUARES À ESTRADA REAL. Palestra. Sorocaba/Br., 1994. – A IMPORTÂNCIA TROPEIRA NO ASSENTAMENTO DO IMPÉRIO BRASILEIRO DEPOIS DO PIABIYU. Palestra. Cotia, Araçariguama e Sant´Anna de Parnaíba / Br., 2001. – OS CASAIS AÇORIANOS ENTRE JESUÍTAS ESTANCIEIROS E OS CAMINHOS DOS GUARANIS. O FOCO TROPEIRO. Palestra. Lisboa/Pt., 2001.
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AÇORIANOS / PRESENÇA
LUSA NA FORMAÇÃO
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África, meu Mundo! campus mátrio, fogo e altar; campus mátrio, fogo e altar que não estão à venda, não são moeda de troca
Céline Abdullah
‘Percorro a órbita da vida E volto ao ponto de partida.’ HOLDERLIN, Friedrich – in poema ‘vidacorrente’ [lebenslauf]
Nesta bela e sempre sofrida África sinto-me estranha no ninho, não porque a Raiz me rejeite – como acontece em muitas relações maternais entre animais -, não, e amo cada vez mais o meu Povo, a minha Cultura. A questão é que esta África está sob o mando de políticas e religiões que aprenderam com o Colonialismo (o português, primeiro, e o alemão, o francês, o inglês e o espanhol, depois) a olhar o Poder, não como um meio para fazer instalar o BemEstar através da res publica, mas um fim unicamente material, egoísta. E sinto-me mal, porque esta minha África, meu Mundo, é cada vez menos dos africanos e mais das trupes economicistas, que nos caçam as riquezas pensando que somos uma savana sem defesas próprias – e, se resistir é a única moeda com que podemos revidar, vamos resistir por uma África que é dos africanos, mesmo que estes, nesta luta, que é maternal e é ideológica, sejam poucos... Escrevi isto para o amigo e poeta J. C. Macedo, e na volta do carteiro, soube que o Colonialismo nunca conheceu a África, mas deixou sementes coloniais que fizeram germinar um Colonialismo de faces locais, porque o Poder é a magia própria de covardes que preferem se esconder nos mantos públicos a enfrentar, com o Povo, a Verdade nacional. Depois desta missiva, sei que resistir é a minha sorte, que já foi de meus pais, de meus avós, de outros ancestrais. Pois, por mais voltas e voltas que eu dê na questão, sempre caio na mesma parada: a África é a minha Vida! É o meu tempo. Que é a África. Que é, ainda, uma lança vitoriosa que espanta o mercenarismo político e económico das forças anti-comunitárias: o que está em causa é a força comunitária africana, pólos locais cuja ancestralidade deve ter a idade do Mundo humano, e é esta História que assusta, pois é a lança vitoriosa que garante aos africanos guerreiros merecerem a África. Por outro lado, é um desafio que se põe aos mercenários transnacionais: esmagar e fazer esquecer a lança vitoriosa é conquistar a África. Se para eles e elas é um desafio para um troféu de caça ideológica, para nós – a África -, o olhar torna-se a savana da resistência à sombra da lança vitoriosa.
Sinto-me, às vezes, uma estranha no ninho. É verdade. Mas, também é verdade que a cada nova-velha caçada racista, de expansão ideológica e territorial, bebo na sombra da lança vitoriosa o elixir nacional que une as tribos pela alma da África em cada dialeto...
Para o meu Povo, isto é, a África dos terreiros comunitários, a Vida concebe-se entre barro, poeira, animais e florestas, e rios nem sempre tão permanentes como as águas do mar. Caça e pesca, faz artesanato. Assim, a pessoa africana entende-se como um Todo, ao mesmo tempo humano e divino, então, os terreiros comunitários são espaços onde os serviços utilitários do dia a dia encontram espelhos em Deuses e Deusas que, sempre..., compartilham alegrias e dores, tudo e nada, e são parte integrante de todo e qualquer Poder. Este conceito de Vida fortalece a África, no seu conjunto antropológico, mas expõe a sua alma mátria, que de tão pura até se envolve em atos que tentam eliminá-la, por isso, a sua História está cheia de valorosos guerreiros e guerreiras que cederam ao fascínio de outros poderes, como o ser negro mundano na corte dos poderosos brancos. Atiçada a cobiça com o brilho do Poder fácil, que destrói Raízes e estabelece a Mente colonial nos próprios terreiros comunitários, o Mundo Branco conquistou e destroçou o Mundo Negro. Que lição a tirar deste comportamento nativo? Por que o Mundo continua a querer destruir a África, tantas vezes com a participação da própria África? Hoje, após milénios de Escravatura praticada entre os terreiros comunitários que cederam vez ao mundanismo puramente místico (Egito), na mistura ideológica civil-religioso, vive-se a mesma Intolerância humana que se prega como Opus Dei, mas amarga-se a falta de fecundidade ideológica nos mesmos terreiros comunitários, porque “...a Nação - que existe em cada terreiro – deixou-se revestir com as películas da sedução globalmente econômica, e, por cada novo tipo de Poder eis que a Religiosidade se faz presente, não como a essência mística natural, mas como integradora do Absolutismo (v. casos da antiga Mesopotâmia e atual Iraque, como da antiga Pérsia e atual Irã, etc), e o terreiro da Arte e da Vida foi espoliado, esvaziado, para que cada Senhor(a) possa viver e matar sob benção pseudo divina, no que o Ser-negro
imita o Ser-branco, quando o primeiro ensinou o segundo a gerar Poesia...” (BARCELLOS, João – in ´A importância da África para o Ocidente / notas luso-afro-brasileiras´, palestra, São Paulo / Br, 2000). Esta pertinente e profunda observação do escritor português mostra como ”a Mística reveste de importância a Política, quando a Vida passa a ser unicamente uma via para o Poder utilitário”, como dizia o poeta J. C. Macedo (in Exemplos de Civilização / Aulas de Alfabetização de Adultos´, Coimbra/Pt, 1975). E lá volto eu ao ponto de onde havia partido: a pureza da Religiosidade natural, que os terreiros comunitários vivenciam, é transformada em ´política religiosa´ para impedir o Amor e estabelecer o não-Amor, que pode ser ou não ser Ódio. A velha África tomada, embora não conquistada, pelos portugueses das caravelas, conheceu “o modelo colonial da expansão que era, antes de tudo, místico (o estabelecimento da Cristandade, no caso português, com a Ordem de Cristo, ou dos Templários), e depois político, mas, em ambos os casos, mercantil” (BARCELLOS, João – op. cit.; leia-se, também, ´Brasil 500 Anos´, ensaios, Ed Edicon, Br - 2000). E como a confiança (pessoal/familiar) exige um Todo cívico-místico para os actos-de-Poder, no caso africano, estabeleceu-se com certas linhagens ancestrais uma espécie de (como se diz no Brasil) condomínio de interesses entre poderosos, o que facilitou a entrada portuguesa na África, pois, o sistema português e católico era uno nas suas atribuições coloniais para a dominação, embora não tenha destruído os dialetos – por força da Cultura Familiar dos terreiros comunitários – como aconteceu no Brasil, onde a força florestal impregnava os povos locais com o estar o bastante com a abundância do Bem que rega a Vida, o que, naquela imensidão descomunal, ajudou o mesmo colonizador português-católico a isolar e destruir famílias e dialectos; no Brasil dos povos da floresta a importância era a aldeia, que funcionava no sistema familiar, mas não detinha contactos nacionais, como os terreiros comunitários africanos. Aquela pureza de Viver o Bem encontrou reciprocidade, mais tarde, quando os africanos, escravizados e embarcados nos ´navios negreiros´, tiveram necessidade de juntar forças com os brasileiros: criaram terreiros comunitários de resistência afro-brasileiros. E o Mundo não mais seria o mesmo... Nem a África, este meu Mundo de encantos e angústias. Ao viver o Tempo africano sei que transporto Civilizações e, até, um Espaço mundano, pois “a África foi e é passagem/ de universos humanos./ Esta África da humana paisagem/ que uns querem caos...”, como diz o poema ´África´, de J. C. Macedo (in ´Todos Os Olhares Do Mundo Numa Esquina Chamada África´, Ediç. do Autor, opúsculo, Coimbra/Pt, 1976). Foi essa mistura de sistemas teo-plutocráticos, de algumas abastadas famílias dominarem ancestralmente a maioria de famílias pobres, que possibilitou a decadência da África. Quero dizer: se o domínio político ancestral entre africanos já era religiosamente familiar, esse Poder consolidou-se na aferição do igual Poder português-católico, e, daí, o que era comunitariamente familiar cedeu espaço para o multiculturalismo místico colonial, uma espécie de Absolutismo global que a odisséia marítima portuguesa disseminou criminosamente, que é o que não é achado, ou interpretado, no ´Livro de Portugal´ - ´Os Lusíadas´, pois, Camões canta só a Fé e o Império, não a Nação de portugueses. E honra seja feita ao professor Hélio Alves, da Universidade de Évora, que em seus trabalhos desossou ´Os Lusíadas´ em comparação com outras épicas lusas contemporâneas (leia-se ´Palavras Essenciais´, txs críticos, Ediç. ´Grupo Granja´, Brasil, e ´Centro de Estudos Humanismo Crítico´, Portugal, c/ Ed Edicon – 1ª e 2ª Ediç, 2003). Importa, e muito, saber que a grandeza histórica da África está mesmo nos terreiros comunitários – eles são, de efetivamente, a mais natural e precisa narrativa africana, quer no contexto do seu próprio Desenvolvimento social, quer naquele político-religioso que lhe fere a alma mátria e permite que estranhas sociedades lhe ofereçam a barbárie do desenraizamento em nome de divinas e multinacionais operações financeiras criadas por um Poder Mundial tão absoluto quanto criminoso, porque plutocrata em trono global.
´E outra vez conquistar a Distância – Do mar ou outra, mas que seja nossa!´ PESSOA, Fernando - in ´Prece´ (´Mensagem´, 1934)
A lança vitoriosa é, em e para mim, a possibilidade sempre presente de viver uma África autenticamente africana, com base mundana em si mesma e não na mediocridade de reflexos coloniais. Um texto do filósofo Manuel Reis (´O Ataque Ao Império´- in jornal ´A Página´, p.24, Dez.2001, Pt), elucida: “É reconfortante saber que, na primeira comunidade cristã - a dos Cristãos judeus de Jerusalém - 'não havia pessoas carenciadas no seu seio ('Act.4,34). Devemos, hodiernamente, tomar consciência crítica de que o neoliberalismo capitalista actual, com os seus governos de 'competência' e tecnologicamente à la page, não passa de fascismo pretensamente 'democratizado'... Assim, se não edificarmos o vero e autêntico Socialismo ético (e efectivamente actuante), às grandes massas miseráveis, aos trabalhadores desempregados ou empregados, só resta, afinal, um caminho: o da sempiterna submissão aos poderosos e aos detentores do capital, crescentemente acumulado em espiral; só resta o caminho da 'servidão voluntária' à la Boétie !... Por que é que, na III Conferência Mundial Contra o Racismo, que decorreu em Durban, no início de Setembro p.p., a Europa e o Ocidente em geral, em suma, os velhos e inveterados colonialistas, perante a problemática da necessária condenação da escravatura, não foram capazes de ir além do simples e cínico pedido de desculpas, por exemplo, aceitando, com todas as suas consequências, o imperativo ético e moral da necessária e urgente reparação económica à África e a todos os países escravizados (no passado a no presente...)?!... Por tudo isso é que, v. g., a ditadura dos mercados financeiros e das multi-transnacionais continua a ter o seu caminho desimpedido e a O.I.T. (criada em 1919), ao serviço dos trabalhadores, não consegue fazer ouvir a sua voz activa (nem passiva...) junto dos Governos dos Estados!... Numa palavra, a mundialização capitalista está estruturalmente ao serviço indefectível do capital, e, por conseguinte, contra o emprego, o trabalho devidamente remunerado e a dignidade da pessoa humana”, e contra os terreiros comunitários, digo eu, só para sublinhar a mensagem citada. É difícil, dói muito, perceber a minha terra/alma mergulhada nas “ondas financeiras e militares tecnologicamente alavancadas pelas ciências dirigidas dos gabinetes ministeriais”. Assim mesmo, tal como ouvi durante um colóquio em Itu, no interior paulista, no Brasil, em 2001. Então, vivemos uma escravatura cujos contornos deixam rastros em todos os lugares do Mundo e nos altares de todas as Igrejas. O que fazer? O meu sentimento é claro: batalhar. Mas, que armas temos? Da lança vitoriosa que nos faz sonhar esplêndidos dias de paz social e sossego econômico-militar? Ai, os religiosos empunham a mesma ´arma´ e desatam retóricas em defesa de todos os poderes... Uma verdade é pilar para as pessoas que sabem que a Liberdade não é só o sonho, mas a prática cidadã na Família, na Escola, no Trabalho, na Religião, na Política. Então, volto à mátria acção.
“O que é Terra Mátria?
Registrado de algumas maneiras e miticamente publicitado por uma amorfa Voz popular, o Mundo conhece o Estabelecimento Pátrio, eternizado na mística de uma determinada Religião - aqui, o Político e Teólogo remam no mesmo barco que leva no bojo o Poder absolutamente instituído e corruptor. É o Poder que desconhece quem lhe produz as riquezas: o Povo. É o Poder que desconhece, sócio-sexualmente, a unidade do Amor que Homem e Mulher sabem transformar em Paz e Progresso. E é um desconhecimento radicalizado no mito que carreia a tese “o Homem é o Todo humano” e deixa “a Mulher como besta sexual e social”. Diante disto, questiona-se: que país tem e vive, hoje, um Projeto Nacional matriarcalmente assente?... Toda a fonte de recursos e de incentivos é mãe – é matriarcal, no sentido de que a Humanidade só viverá um equilíbrio quando Homem e Mulher assumirem, de fato, a Vida! É este ponto ventral das nossas vivências quotidianas que tem de ser levado à administração da res publica para possibilitar o estabelecimento daquilo que somos como nacionalidade de alma profunda – de onde, enfim, a Terra Mátria.” Este trecho do manifesto ´Terra Mátria´ (Grupo Granja, 2003), ensina-nos a viver com as essências psicológicas e físicas do lugar que temos como berço. No caso da África, pressentir o adeus é pressentir “...vozes sem eco/ Nas ruas do (...) momento íntimo” (NORONHA, Helena – in ´África. Adeus´, poema ´Despedida´, 1ª Ediç 1979, UDESC/Univ Fed, SC/Br, 2ª Ediç da Autora, 1989), pois, não existe eco quando se deixa a terra africana, seja por qual razão: ela não reconhece em seu seio os que lhes dão as costas: para ela, é como se as pessoas não a reconhecessem mais como alma mátria, esse íntimo lugar que sempre queremos nosso. Quem vive a África na Distância sabe o que é sofrer duplamente... Por que escrevo isto? Porque viver a África é ser-África inteiramente, é ter o peito estufado com a alma seca das estepes, a crueza dos desertos, o encanto das águas e dos animais, a terna vigília musical em cada fogo que tem altar nos ancestrais terreiros comunitários. África é isto. Talvez por ter percebido/vivido um pouco do ser-África, Fernando Pessoa, ao ir fundo no ´Mar Português´, descobriu que faltava ao ser-Português aquela outra “Distância” – a “Do mar ou outra, mas que seja nossa!”. Porque “o ser-Português aventurou-se no Mundo para esquecer a maternal essência ibérica que lhe era quase odiosa, de tanto sofrimento; cortou o cordão umbilical para impor ´outro Portugal´ na Distância que não lhe pertencia, e quando teve de voltar ao umbigo, viu a África tal como ela sempre foi (nativa) – e viu o Brasil cada vez mais brasileiro (mesmo que pouco nativo). É verdade que o ser-Português não é aquele que Os Lusíadas cantam, mas é preciso que o Português autêntico mostre as suas Raízes, faça cantar o seu sangue e não se envergonhe do seu umbigo!...” (MACEDO, J. C. – op. cit.). Por causa de lições como esta é que ainda bebo, e ainda bem, a imagem da lança vitoriosa, esta África, meu Mundo. “Os Sujeitos/Indivíduos-Pessoas, qua tais, criadores livres e responsáveis, foram postos a ferros e encadeados nos mais variados determinismos...” (REIS, Manuel – in ´Manifesto para uma nova Idade do Ocidente e da Humanidade´, Ed. Edicon, CEHC e GG, São Paulo/Br 2003). Pois, é contra este determinismo doentio e político que eu batalho, que faço da minha África o meu campus mátrio, fogo e altar; campus mátrio, fogo e altar que não estão à venda, não são moeda de troca! E afinal, tenho ou não direito a exercer a minha Individualidade para expor a Comunidade a que pertenço?!...
Este texto foi escrito em 2004. Retorno a ele por causa de um romance intitulo “Um Olhar De Paz No Inferno Da Guerra” que o notável João Barcellos ´postou´ na web (noetica.com.br) em homenagem a Amílcar Cabral. Sei que a África corre nas minhas veias, mas, ao ler esse romance revi imediatamente o texto de 2004... para dizer-me ainda mais africana, orgulhosamente africana. Moçambique, África minha. Dezembro de 2012.
Celibato & Poder Seco [Uma questão em torno do Caso Feijó] João Barcellos
“Eh..., mas por que é que o padre não pode casar, ter família própria e com essa experiência ajudar melhor a comunidade nas suas ações sociais e espirituais?!”
Não sei que ´onda´ é esta que está na moda do blá-blá das rodinhas sociais, mas, eis que o celibato caiu a gosto e jovens e adultos questionam-me sobre a imposição dogmática da cristandade que impede os [seus] padres e freiras de constituírem família. A questão é muito mais antiga que a Igreja cristã, pois, o Celibato [do latim cælibatus, i.e., ´não casado´] já era um ritual na Babilônia e na China, além de algumas partes da África. O termo e a ação são também da raiz hebraica da cristandade – a saber: “[...] a cristandade continuou o judaismo (particularmente a comunidade essênia) e foi buscar rituais a outros sistemas místicos para se formatar como Igreja-Estado, e um dos desses sistemas foi o da babilônica Cibele, a ´Rainha dos Céus´, que incorporava um ritual eclesiástico fundado no celibato, tanto assim que o próprio Jesus, a acreditar nos testemunhos transcritos anos e anos depois do seu desaparecimento, viveu rodeado de mulheres e tinha Madalena como companheira, e foi Madalena quem, inclusive, proclamou a ´boa nova´ a Pedro e outros seguidores” [Macedo, 1983]. É interessante [a]notar que o celibato, por príncipio, não nega a relação sexual, a pessoa apenas segue um ritual místico de abstinência, no entanto, a imposição doutrinal do rito é que leva a pessoa a castrar-se psicologicamente, logo, o termo celibato passou a ser reconhecido como castrado popularmente. Apesar do ritual dogmático, ou seja, de imposição absolutista, o celibato eclesiástico da cristandade foi e é uma farsa, a começar pelos papas prostitutos feudais (ricos, poderosos e rodeados de concubinas) e a terminar nos padres pedófilos de hoje. Num estudo que fiz há alguns anos em torno da batalha de Feijó contra o celibato religioso, compreendi que “a Vida tem pouco interesse fora do foco místico e psicossocial da Cristandade, porque o interesse da Igreja institucionalizada como Poder Seco, ou seja, Estado que desconhece a realidade cotidiana do Povo e o explora para suportar a riqueza eclesiástica, logo, é justo que um padre e maçon como Feijó, venha a campo gritar contra a anti-Vida que é o ritual do celibato” [Barcellos, 2001], o que já Manuel Reis fez enquanto ex-padre e filósofo, assim como Carlota M. Moreyra. E, em recente estudo, Johanne Liffey diz que “o celibato corta umbilicalmente o rito místico com a realidade telúrico-cósmica que é a vivência do contato e da alegria sócio-sexual”. Filho de padre português, logo, luso-paulista, Feijó nasceu em Cotia para imediatamente ser ´depositado´ em casa de outro padre da família, em São Paulo. Conhecedor profundo da
desobediência do clero ao rito celibatário, Feijó batalhou para eliminar “um dogma que é, como todos os dogmas, uma hipocrisia do poder que humilha para se sustentar” [Moreyra, idem], mas não foi uma batalha em vão... Feijó conseguiu abrir um diálogo promissor entre o clero brasileiro sobre o assunto; entretanto, diga-se, “[...] o ´peso´ da máquina doutrinária sediada no Vaticano conseguia, régia e imperialmente, calar as vozes que clamavam por uma igreja comunitária e humana” [Macedo, idem]. O idealismo maçônico-liberal de Feijó levou-o a viver por um sistema social com e para as consciências livres, mas até ele ainda sobrevivia no ambiente da escravidão, o que o fez olhar o mundo com os olhos da renovação – e, num sistema colonial e imperial como o imposto no Brasil pela decadente e cavaleirosa Casa de Bragança, a sua atitude de compromissos públicos por uma sociedade mais aberta encontrou a resistência ideológica da praxis absolutista: a política e a religiosa. Ou seja: o Poder Seco determinava a continuidade da mente colonizada/colonizadora, desde a paróquia mais remota ao antro de beatices psicossociais situado na família imperial. Assim, discutir o celibato no Brasil foi, para Feijó, uma batalha intelectual e uma ação de ruptura. Quem entra para a vida eclesiástica da cristandade sabe que será uma pessoa castrada, e em seus votos isso é uma obrigação, mas para o poder religioso em si, que sustenta tal dogma, é mais: é a ação que humilha e retira da vida mais uma pessoa. E, até hoje, eis que o celibato eclesiástico, a par da obrigatoriedade do batizado e do casamento na igreja, é o ritual mais castrador que se conhece... depois da Inquisição e das Cruzadas!
Notas BARCELLOS, João – Escritor e conferencista, in “O celibato na vivência do padre-maçon Feijó”; palestra, Cotia/SP-Br, 2001. FEIJÓ, Diogo Antônio [1784-1843] – padre católico e maçon [vermelho], leitor de Kant. Proclamou a independência do Brasil em Lisboa, a 25 de Abril de 1822. Lutou vigorosamente contra o celibato eclesiástico imposto pelo dogma católico. LIFFEY, Johanne – Médica e editora do HighTech Journal, London/UK, in “The celibacy of the mystics is a spiritual desert”, artic., 2008. MACEDO, J. C. – Jornalista, poeta, in “A arte mística de castrar a vida sob o altar da hipocrisia”; art., Braga/Pt, 1983. MATOS, M. Branco de – Professor e ex-padre, in “O Celibato Eclesiástico Na Literatura Portuguesa”, Ed Edicon c/ CEHC & Grupo Granja, Portugal/Brasil, 2009. MOREYRA, Carlota Maria – Profª de Artes Gráficas, in “Memórias de uma noviça em tempo de descobertas”; ensaio, Rio de Janeiro / Br., 2001. REIS, Manuel – Professor e filósofo, autor de vários livros sobre história e teologia, publicados em Portugal e no Brasil. Presidente do Centro de Estudos do Humanismo Crítico [Guimarães/Pt].
CINTO DE CASTIDADE Tortura Nunca Mais Johanne Liffey
É um “instante de perplexidade arrebatando-nos para a reflexão” [Barcellos, 2007], pode-se dizer após a observação calma e detalhada sobre os cintos de castidade reinventados por Susumo Harada para um novo olhar humano, humanista, acerca de nós. A exposição/instalação do consagrado artista plástico nipo-brasileiro observa “A Práxis Da Tortura Na Utopia Poética”. Ele vestiu bonecas/modelos com cintos de castidade para nos dar a idéia do que foi “a tortura sócio-sexual da mulher na Idade Média européia sob o regime feudal-católico, ou, o ato de posse do macho todo-poderoso sobre a fêmea consagrada para dar à luz o filho-herdeiro, e só” [Macedo, 1975], uma prática anti-humana, absurda, de manter princípios de tortura pela sustentação do poder, individual e/ou grupal [Liffey, 1977]. Embora os europeus tenham ficado com a fama da utilização do Cinto de Castidade, “o cinto da tortura/proteção sexual teve a sua origem nas sociedades patriarcais orientais disseminando-se entre os ocidentais rapidamente, principalmente entre homens de poder feudal que tinham a esposa como prostituta privada e queriam-na inviolável sempre que deixavam os seus castelos em direção a alguma batalha” [Liffey, 2009]. Mas, “...existem outros ´valores´ para justificar o Cinto de Castidade, como a cultura africana da excisão, ou seja, a dominação da mulher pela mutilação do clitóris, de maneira a que a menina de 7 ou 8 anos chegue virgem ao casamento comercialmente arranjado” [Abdullah, 2004], o que acontecia, também, com os senhores feudais que utilizavam o Cinto de Castidade para impedir que as filhas tivessem relacionamentos sexuais antes do casamento determinado logo após o nascimento. Isolar a mulher da roda social e impedi-la de ter prazer sexual é uma prática tão comum e tão disseminada que isso é parte da retórica patriarcal política e religiosa; mas, no campo religioso, a ação é bem mais violenta, porque a mulher é catequizada moralmente contra o prazer de ser mulher inteiramente e viver sob a apetência dos dogmas do poder instituído. Pela importância do estudo/pensamento, reproduzo aqui um artigo de meu pai: Na antiguidade pagã os deuses eram criados pelo Homem, na sua diversidade sociocultural, para reverenciarem a deusa-Mulher. A fé na própria identidade telúrico-cósmica, i.e., biológica, fazia a Pessoa observar em si mesma a Criação, percebia que o Homem era parte de uma Mulher que o gerava na partilha do prazer sexual, ele via nela o ´algo sagrado´ a ser reverenciado enquanto ´altar´ da Vida. Na criação do deus-único, a Pessoa acabou por ceifar o princípio do Diálogo sociocultural, pois, a liberdade de criação mística passou a ser violentamente combatida por políticas religiosas de pessoas sequiosas de Poder – mas, um Poder de domínio efetivo sobre o mundo feminino, vergando-o à vontade de um patriarcalismo neurótico com o chicote e o fio d´espada da ideologia anti-civilizacional. E o mundo patriarcal passou a considerar a Mulher culta e que se expressava livremente como ´o demônio de saias que tenta os filhos de deus´. Tudo por uma política de ação pública que impedisse a Mulher de se manifestar superiormente ao Homem, e até no casamento ela se obrigava a adquirir o sobrenome dele!... A criação do deusúnico fez a Humanidade se virar contra si mesma entre opulências eclesiástico-orgiásticas e inquisições sanguinárias. Mas, nem por isso a Mulher deixou de ser o ´altar´ da Vida, e, um dia, a Humanidade cairá em si mesma para louvar de novo a sua própria essência feminina e destruir os dogmas das igrejas institucionalmente político-econômicas...
Liberdade é, enquanto ação noética da Pessoa responsavelmente civilizada, como define o filósofo Manuel Reis, a busca dos caminhos necessários ao Amor – o individual e o comunitário, entendendo-se aqui o Amor como bem-estar no desenvolvimento das igualdades sociais. Através da Mulher é que as civilizações alçaram vôo para a Liberdade da expressão numa cultura artística que o eco do seu ventre criativo poderia gerar, que o mesmo é dizer: o Prazer da vivência sexual da Mulher, compartilhado com o Homem, faz deste um parceiro na e pela Paz e o faz reverenciá-la como ´altar´ da Vida. Ao buscar um padrão de mando social e político eis que o Homem percebe que só será Poder reduzindo a Mulher à condição de prostituta social – e, a par da criação de dogmas místicos patriarcalistas, ele insinua isso mesmo para determinar hegemonia da ´sabedoria do filho de deus´ a quem a Mulher deve obediência. É a divinização do Homem no padrão patriarcal do mando político e místico sob o manto do ´deus-único´... E surge a ´raínha do lar´, escrava que deve gerar a continuidade da família sob o chicote hierárquico (e na maioria das vezes, físico) do Homem-senhor. É que o Homem torna-se então o espelho do deus-único e não criado à sua semelhança, mas idealizado para ser o algo acima de tudo, vingativo-punitivo e/ou amoroso, como definira o pensador grego Xenófanes [560 aC - 460 aC] ao opor-se ao conceito antropomórfico [i.e., na forma humana] da criação dos deuses e deusas... logo, o desamor e a guerra são geradas por serem ´a vontade de deus´ – esse ´algo´ tão inexplicável quanto inexistente, mas fundamentalísticamente conveniente a todos os poderes patriarcais sabiamente estabelecidos por egípcios, gregos e judeus, onde Jesus bebeu também a matriz da sua atividade política e teológica. No mesmo círculo de pensamento, também Sócrates [469-399 aC] aceita a identificação com um deus unificador, mas vai mais longe ao afirmar [e definir] que o deus-único é a imagem da virtude nas ações humanas, daí o universalismo que Jesus vem mais tarde a tomar e integrar na sua palavra, o que não acontece com os seus seguidores/apóstolos, mas, apenas com a sua companheira Madalena, a Mulher que dá início à igreja cristã ao anunciar a ´boa nova´! E, por ser ´a vontade de deus´... quanta Vida perdida...! E quanta Mulher assassinada brutalmente na tortura, na fogueira, na forca, no fio da lâmina d´espada ou apedrejada...! E até no que deveria ser Amor eis a Mulher amordaçada no seu desejo de ser feliz, envolta num cinto de ´castidade´... Por isso é que a idade da Mulher, enquanto parte igual do Todo social, é a idade poética que não tem tempo, não é mensurável, pois, a Mulher é a poética da Humanidade livre e civilizada – MACEDO, J. C., in “Mulher: A Idade Poética Da Humanidade”, 2007. Ao fazer a leitura dos cintos de castidade artisticamente confeccionados por Susumo Harada percebe-se como a mulher é reduzida a nada até nas civilizações ditas de ´alta cultura´, entretanto, “o olhar matriarcal puramente humano, e não como poder de oposição ao patriarcalismo, já expressa o sentimento de crítica construtiva que deve orientar a nova idade civilizacional” [Barcellos, 2008].
Desde a prática da Infibulação faraônica, que é a costura dos lábios vaginais, ao Cinto de Castidade feudal passando pela Excisão, a mulher está nas mãos de um homem que a prefere morta-viva e doada apenas para gerar a descendência para o pilar econômico que dá continuidade à herança familiar. O trabalho de Harada é a expressão artística do homem que percebe a mulher como parte de uma humanidade que se ama e se opõe a quaisquer barreiras, sociais e sexuais, e lembra o trabalho literário do português Branco de Matos acerca do celibato eclesiástico, porque tudo na tortura sexual tem a mesma origem: um poder patriarcal que nega a poesia da vida através e com a mulher.
ABDULLAH, Celine - MUTILAÇÃO CLITORIANA: O ABSURDO TRIBAL. Maputo/Mz., 2004. BARCELLOS. João - IMAGEM HISTÓRICA: A METALINGUAGEM DE SUSUMO HARADA. Itapevi/SP-Br, 2008. HARADA, Susumo - A PRAXIS DA TORTURA NA UTOPIA POÉTICA. Exposição/instalação, Brasil, 2002. LIFFEY, Hanne - A ESTÚPIDA AVENTURA DE CONSERVAR A HERANÇA. Cadernos da ´Turma de Jovens Intelectuais Anarquistas – tjia´; ; Vigo/Esp., 1977. LIFFEY, Johanne - MISSION OF POWER THROUGH THE SON SAID HEIR. Dublin/Ie, 2006. LIFFEY, Johanne - GIRDLE OF CHASTIDY: THE BELT OF HORROR. Dublin/Ie, 2009. MACEDO, J. C. - A ARMADURA DO ATO DE POSSE. Cadernos da ´Turma de Jovens Intelectuais Anarquistas – tjia´; Guimarães/Pt, 1977. MACEDO, J. C. - LA EXPRESIÓN SEXUAL DEL PODER: LA MUJER ES NADA. Palestra c/ Ivone Hidalgo; Buenos Aires / Arg., 1987. MATOS, A. Branco de - O CELIBATO ECLESIÁSTICO NA LITERATURA PORTUGUESA. Brasil e Portugal, Ed Edicon/CEHC/GG - 2009. Ilustrações: Fotos de peças da exposição de Susumo Harada registradas por João Barcellos [Itapevi/SP-Br., 2009].