FRANCISCO: Um Papa Latino-americano

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FRANCISCO Um Papado Latinoamericano...

inclui

CARTA ABERTA Ao CEHC – América Latina a propósito da sua Conferência Electrónica sob o título: ‘FRANCISCO: Um Papa Latino-americano’ (de 18.3.2013)

Uma análise de

MANUEL REIS Portugal & América Latina / Março de 2013

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Centro de Estudos do Humanismo Crítico CEHC / América Latina

Humanismo Crítico, pensamento indispensável para o Progresso e a Liberdade

FRANCISCO Um Papado Latinoamericano...

Leituras primeiras sobre Francisco, o papa romano-católico ´encontrado´ pelo conclave do Vaticano nos confins do Mundo Novo.

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Reformular a retórica, é preciso...

Súbito, como quem tira uma pedra do sapato, eis que Ratzinger, o papa Bento XVI, renuncia e sai da cena romana-católica a denunciar as corrupções que cercam e dominam o Vaticano, o centro nervoso das políticas evangélicas paulinas na Cristandade catolicizada. E, num vórtice ideológico, num quase Concílio Vaticano III, a renúncia de Bento XVI abre as portas para um diálogo de portões [semi] abertos e os cardeais elegem [não um latino-americano, mas] um sul-americano para assumir um papado política e financeiramente ultrajado no seu bojo mercantil. “Conheço e reconheço no religioso Jorge Mario Bergoglio a possibilidade de uma reforma pontual para sanar as impurezas que infestam a Cúria, mas, repito, será tão pontual como foi João XXIII no seu Concílio Vaticano II, porque a Igreja católica é um feudo entre poderes temporais. O aparecimento de Bergoglio como papa Francisco I na varanda do Vaticano pode animar algumas mentes que já sinalizam uma reforma profunda na instituição milenar, mas não é isso: é apenas uma nova retórica para os discursos do simpático e honrado argentino e filho de emigrantes italianos [...]”, diz a jornalista e professora Marta Novaes, de Buenos Aires. O que ela foca é “a preponderância do poder que os cardeais romanos têm na Cúria e que agem romanamente, ou seja, constroem políticas mafiosas na sustentação das suas teses para 3


uma doutrinação colonial, tão criminosa quanto as Cruzadas e a Inquisição”, na opinião do escritor João Barcellos. Na verdade “[...] e sabemos como é difícil alterar dogmas”, argumenta a professora Carlota M. Moreyra, “o que está em jogo com a saída de Ratzinger e a entrada de Bergoglio não é uma identificação com a Teologia da Libertação, nem pensar nisso é possível, mas uma encenação pública cujo drama esconde a triste realidade de uma burguesia escarlate enfeitada com títulos de nobreza e títulos bancários ao portador. Como o popularucho Bergoglio vai reorquestrar a cena atirada à ribalta por Ratzinger? Porque a questão, no Vaticano, está em remanejar, não em punir, não em desmascarar. Logo de caras, o papa Francisco I chega-nos com o discurso do perdão, da simples reflexão em torno da mentira e da corrupção. O novo papa é um homem honrado, é verdade, mas ele comanda agora uma cidadelaEstado com ramificações transnacionais e na qual a macroeconomia é tão valorizada quanto na iniciativa privada, ou o Vaticano não teria banco próprio. E afinal, ele vai calçar as sandálias da humildade...?!” Uma questão colocada pela médica Johanne Liffey tocou a maioria dos participantes neste painel: “O argentino Bergoglio é um religioso jesuíta dedicado à pastoral terra-a-terra, tem a mesma índole de João XXIII, e tanto como este, aquele é um peregrino dedicado aos pobres, mas também aos ricos, porque a igreja não sobrevive sem as ´esmolas´ gordas das gentes abastadas que estão nos poderes públicos e privados. Entretanto, Bergoglio é também um religioso que não nega a ousadia jesuítica: será que a sua proposta reformadora (já a partir da sua postura de simpatia cativante, como diz Marta Novaes) aponta para um Concílio Vaticano III, mesmo que informal?...”. Sabemos que “o campo teológico é irrigado por um caudal dogmático que lhe impede, na maioria das circunstâncias, um relacionamento contemporâneo com as sociedades em desenvolvimento”, como lembra o jornalista João Barcellos. Com o papa Francisco I estamos diante de uma velha-nova retórica, ou terá ele o engenho de modificar o círculo vicioso do igrejismo?

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Viver as circunstâncias que somos, eis o desafio... Não estamos mais na era da caça às bruxas, diz-se. O que questionamos é: Será? O recentíssimo apelo de Francisco I ao perdão significa o quê após o desespero de Bento XVI diante das doenças corrosivas que abalam e arruínam o Vaticano? “A escolha de Bergoglio não é uma virada de mesa no Vaticano, e sim a aposta necessária num modelo mental experimentado na luta contra o colonialismo e a miséria na América Latina, colonialismo e miséria que têm a benção hipócrita do igrejismo católico, e que o próprio Bergoglio denunciou. O que a experiência pastoral de Bergoglio, agora papa Francisco I, pode levar para o interior de uma igreja estuprada por si mesma em séculos de poder criminosamente atuante?”, diz e questiona João Barcellos a expandir aquela opinião de Marta Novaes sobre a reforma pontual, a única que o novo papa pode apontar e realizar. Acerca disto, diz Carlota M. Moreyra: “É pontual, sim, porque numa instituição de centenas e centenas de anos o orgulho de ser uma mesma linguagem num mesmo corpo é um dogma que a desautoriza de ser progressista, e nem João XXIII nem João Paulo II foram além de reformas com portas entre abertas enquanto Bento XVI se arvorou no defensor do conservadorismo pragmático quando, enquanto intelectual, poderia ter saído do ostracismo conventual para uma doutrina mais próxima da palavra jesuana (como diz e ensina bem o filósofo Manuel Reis) em prol do amor e da solidariedade, mas não o fez e pagou muito caro por essa falta de ousadia. Pode se dizer agora: bem, ele não é um jesuíta. Certo. Mas o pragmatismo dos jesuítas não os separou dos ricos para se despojarem com e junto dos pobres! Então, estamos defronte de uma possível reforma a partir do próprio Vaticano, da Cúria romana, e aqui já vislumbramos a pontualidade que a Marta Novaes nos indicou. Não podemos esquecer que o fato de uma pessoa ter batalhado com a família de emigrantes para se tornar alguém não é certificado de humildade nem de ousadia social para 5


a solidariedade, é apenas um aspecto, uma paisagem humana, que pode servir de exemplo de superação e se irradiar em outras direções. Será que Bergoglio fará ajoelhar as bestas antes de perdoá-las?” Numa das suas intervenções, J. C. Macedo apontou “a vivência das circunstâncias como fonte única para que religiosos de todas as crenças percebam e entendam as suas próprias gerações socioculturais, logo, percebam e entendam a palavra jesuana como sinal de um tempo-espaço enquanto referência filosófica”. Da sua conversa com a historiadora Tereza Nuñez, de Buenos Aires, pinçamos: “O que a historiadora Tereza Nuñez nos traz ao dizer que ´Bergoglio não é um santo, mas o homem em religião que vê e vive a dor dos outros, solidário´, é o posicionamento do jesuíta na sua práxis ideológica, consagradora. Entretanto, a questão mereceu um à parte de Johanne Liffey: “Toda esta nossa conversa remetenos para a demanda da Palavra de Jesus, e nós fazemo-lo também com a de Buda, a de Confúcio, a de Sócrates, e, entre nós, a de Manuel Reis, a de Noam Chomsky, entre outras, porque sabemos de um passado e sabemos de um presente. Por isso, Bergoglio, agora papa Francisco, pode incorporar o idealismo franciscano na base da estratégia teo-miliciana jesuítica, mas tenho dúvidas (quem não as tem?) que ele vá além do encanto da sua simpatia natural, porque já definiu ser defensor de regras anti-científicas presentes no dia a dia de todos nós e particularmente das mulheres. Ele não traz a palavra de deus, ele é homem no seu cativeiro-poder chamado Vaticano, e nem terá a ousadia de Ratzinger, mas, admito, ele pode surpreender se incorporar a rebeldia jesuítica que Manoel da Nóbrega pregou e fez agir na América do Sul, algo que conheço das pesquisas do meu pai J. C. Macedo”. Este é um resumo das conversas feitas entre meios eletrônicos da comunicação social sobre a renúncia de Bento XVI e a eleição de Francisco I, entre as perspectivas novas que chegam à Sociedade e à própria Igreja romana-católica. [Carlos Firmino, J. C. Macedo, Carlota M. Moreyra, Johanne Liffey, João Barcellos, Tereza Nuñez, Marta Novaes]

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www.noetica.com.br no qual estamos presentes. CEHC – América Latina Coordenação: João Barcellos terranovacomunic@uol.com.br Cx Postal 16 06717-970 Cotia/SP Brasil

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CARTA ABERTA Ao CEHC – América Latina a propósito da sua Conferência Electrónica sob o título:

‘FRANCISCO: Um Papa Latino-americano’ (de 18.3.2013)

● Estava eu para não escrever nada Porque as palavras honestas e sérias São mesmo como espada afiada… O Tema não dá para ir em lérias!...

● ‘No princípio era o Verbo’!... (Prólogo do Ev. de João et alii). ‘No

princípio era a Acção’ (J.W. von Goethe). Manda a Doutrina (científica) da Evolução que, a bem dos Humanos e da Humanidade, nós atribuamos o primado (ontológico e gnóseo-epistémico) ao 2º lóguion, em vez do tradicional 1º lóguion. Assim, evitaremos toda a sorte de mitos e mistificações (paternalistas e patriarcais) decorrentes da noção bíblica (antromórfica) de Criação. Mas, igualmente, muito cuidado com a ciência e o seu vício/tentação inveterado do Objectivo-Objectualsmo. ● É sabido que o primado é da Vida, e não do próprio Pensamento, muito embora a Vida humana (enquanto tal) deva ser vivida e actuada, em coerência com o próprio Pensamento identitário e a Consciência individualpessoal. É isso mesmo que dá valor e força ao próprio Pensamento, bem pensado (como fizeram Sócrates e Jesus). ● Hodiernamente, os Seres humanos estão a ser devassados e devastados pelo imperialismo da Linguagem e do Discurso… Campeia toda a espécie de Demagogias fáceis. E, precisamente porque o Pensamento corrente e reinante é medíocre, os discursos demagógicos e falazes tomaram o palco, e as Sociedades humanas, na plateia, estão a desmoronar-se e a 8


desmantelar-se, como os comerciantes a desmontar suas tendas num qualquer fim de Feira (medieval ou nossa contemporânea).

Preâmbulo: Respigando tópicos da Vida de Francisco de Assis O Cardeal Arcebispo de Buenos Aires Jorge Mário Bergoglio escolheu, sem dúvida, um epíteto feliz e prenhe de semântica, para as suas novas funções e o cargo de Papa da Igreja Católica Romana (ICR): Francisco; ─ quis que o chamassem assim, em homenagem a Francisco de Assis, e logo, sob esta bandeira, declarou à multidão que o escutava, na Praça de S. Pedro (em Roma), que gostaria que a Sua Igreja fosse a dos Pobres e para os Pobres. Escolher o nome de Francisco encerra, pois, indiscutivelmente, todo um vasto e sério movimento de Renovação das Cristandades, (que bem preciso é…), um programa de Vida enorme, a tal ponto, diríamos, que não lhe chega o pé à pegada (psico-sócio-histórica), se tivermos em conta que, ao longo de dois milénios, a ICR se deixou abastardar tanto, que, em termos oficiais, (há que dizê-lo, sem hesitações), esteve sempre mais do lado dos ricos e dos poderosos, mais do lado dos conservadores e reaccionários, mais do lado da Dominação e da Conquista, do lado da Potestas d’abord, condenando e lançando anátemas sobre todas as supostas heresias e cismas, sobre todo o modo de pensar que não respeitasse a bitola da sua ‘Ortodoxia’!... Dizia-se dos Jesuítas este chiste brejeiro, mas semanticamente forte: ‘Si cum je-suitis, non cum Jesu itis’!... Se vais com os jesuítas não vais, seguramente, com Jesus!... O papa recém-eleito é membro ‘Societatis Jesu’ (uma Congregação religiosa, que o Direito canónico distingue, estatutariamente, de uma Ordem religiosa). Mas, ao fundador dos Jesuítas, Inácio de Loyola, o Papa actual preferiu o fundador da Ordem Terceira dos Frades Menores, Francisco de Assis. Foi uma escolha sintomática e programática, ─ assim se espera e as obras do Papa Francisco o confirmem. Uma Igreja dos Pobres e para os Pobres! E Francisco foi o cognome papal, escolhido por Jorge Bergoglio. Valerá a pena, pois, evocar algumas facetas e situações da vida de Francisco de Assis (1182-1226). Nasceu na Umbria (Itália central), na pequena cidade de Assisi, o filho de Pietro e Pica Bernardone; foi baptizado com o nome de Giovani Battista Bernardone. Todavia, o pai, (comerciante rico de Assis), que era francófilo, chamou-o de Francisco. Buscamos sempre uma razão para escolher um nome próprio (antroponímico), como de resto, também acontece, frequentemente, 9


com os nomes comuns (de coisas e objectos). Na sua juventude, Francisco sonhava em ser cavaleiro e alistar-se como soldado nas cruzadas. Era um jovem muito prestável e galante. Em 1201, tomou parte numa guerra contra Perugia; foi capturado e voltou para casa, no fim da guerra, em Nov. de 1202. Aí, a doença tomou conta dele, ao ponto de vir a reconhecer o vazio da sua vida de facilidades e pra-zeres. Depois da convalescença, na primavera de 1205, de novo aspirando à glória pelas armas, juntou-se a Walter de Palearis, chanceler do jovem Frederico II, numa guerra de sucessão. Antes de chegarem a Spoleto, Francisco ouviu uma voz que lhe dizia para tornar a Assis. Apoderou-se dele uma segunda doença, e, desta vez, a mudança veio a ser permanente. Após a recuperação, ele ergueu todo um programa de vida, no sentido de submeter a sua natureza orgulhosa a regras de penitências austeras e de trabalho com os pobres e doentes (e mesmo com leprosos). A Conversão ocorreu em 1206, num dia em que ele havia ido rezar à igreja arruinada de S. Damião. Ouviu, então, uma voz oriunda do crucificado, que lhe dizia: ‘Francisco, não vês que esta minha casa está a cair em ruínas? Vai e procura repará-la’. Logo a seguir, vendeu o seu cavalo e as suas roupas de luxo, e começou a recolher pedras para a reparação do edifício. Deu esta tarefa por concluída em 1208. Seu pai sentiu-se tão ultrajado e humilhado com estas actuações do filho, que resolveu levá-lo a tribunal para o desapropriar de tudo o que lhe pertencia. O caso foi processado na pre-sença do Bispo, e Francisco retribuiu ao pai tudo quanto podia: a partir daí, Francisco aceitou Deus como seu único e verdadeiro pai. (Jesus de Nazaré terá iniciado a configuração intuída da sua odisseia/mensagem, numa situação análoga: tinha uma mãe terrena, não um pai… este, havia de o intuir e configurar ex Alto, em Deus!...). É preciso ter a coragem de pensar e pressupor aquilo que o Dogma esconde e não revela. Francisco começou, desde então, a viver como eremita. Mas, em 24 de Fev. de 1208, leu e escutou, no Evangelho de Mt. (10, 9-10), a chamada para a penitência e a pregação. Abandonou a vida de eremita, vestiu-se de hábito talar, atado com uma corda à cintura e começou a pregar os ensinamentos de Jesus nos Evangelhos. Continuou, depois, com dois companheiros, aos quais deu como regra três textos dos evangelhos: Mt. 10, 9-10; 20, 21-22; e Lc. 9, 23-25). Quando chegaram a 11 companheiros, Francisco exarou uma regra (a Primitiva, que se perdeu), que era constituída apenas por comentários curtos aos três textos bíblicos. Em 1209, ele vai com os seus companheiros a Roma, para solicitar a aprovação do Papa. Os inícios dos Frades Menores foram atribulados. Depois de Inocêncio III ter dado, ao grupos dos 11, a sua aprovação verbal (em 16 de Abril de 1209), eles voltaram para Assis e instalaram-se em cabanas em Rivotorto, nas proximidades de Portiuncula, e entregaram-se à pregação por toda a Itália central. (Não esquecer que a aprovação, simplesmente oral, de Inocêncio III foi mesmo a despachar o grupo… Este foi o papa, supremo Hierarca, por 10


excelência, que formatou, em plena Idade Média, a chamada ‘Teoria do Sol (= papa) e da Lua (= imperador)’. Adoptaram um estilo de vida simples, com muito poucas formalidades, tendo Francisco como modelo. O próprio Francisco não ali-mentava o desejo de fundar uma Ordem. Havia voltado as costas à segurança de clausura nos mosteiros, e o que mais desejava era seguir o Jesus dos Evangelhos. O grupo de irmãos, porém, não se sentia bem, a não ser que a organização tomasse a forma de um corpus monástico. Como, entretanto, o Grupo crescera, tornava-se cada vez mais necessário delegar a Autoridade. Foi, desta sorte, que um dia teve lugar, na Portiuncula, um Grande Capítulo. E, assim, em 1212, Francisco encorajou Clara de Assis a fundar as Clarissas po-bres. Com o conselho dela, Francisco decidiu que a irmandade iria abraçar os objectivos da missionação, deixando de ser um grupo meramente contemplativo. Ele próprio empenhou-se em jornadas missionárias na Síria (1212), em Marrocos (1213). A doença forçava-o a regressar à base. Em 1219, foi, finalmente, ao Egipto, e pregou diante do sultão, com reduzidos efeitos… Por via da sua organização informal e de algumas inovações erróneas, a irmandade passou por uma crise grave. Francisco viu-se, então, obrigado a estabelecer a irmandade numa base canónica firme: em 1220, redigiu uma regra detalhada, com o nome de Regula prima. Esta mostrou-se tão simples e severa, que Francisco se viu na necessidade de a rever e fixá-la como Regula secunda ou Bullata. Esta última veio a receber a aprovação papal de Honório III, em 29 de Novembro de 1223. A partir de 1220, Francisco, que havia censurado os irmãos pelas suas inovações, acabou por convencer-se que a irmandade não poderia prosseguir segundo o molde patriarcal da Autoridade, e, por isso, iria impor-se uma forma representativa de governo. Em 1221, Francisco estabeleceu a Regra da Ordem Terceira, ou dos Irmãos e Irmãs de Penitência, e, desde então, começou a delegar os seus poderes e a gestão das comunidades a Vigários seus. Em 1222, pediu a António de Padova (ou de Lisboa) que viesse ensinar teologia na Itália e no Sul de França. Em 14 de Setembro de 1224, Francisco teve uma 1ª experiência de êxtase, que o deixou com estigmas corporais, confirmando-lhe a sua semelhança com Cristo na cruz. A partir daí ficou exausto fisicamente, e tinha de ser transportado de um lugar para outro. Escreveu, depois, em 1225-1226, o seu famoso Cântico do Sol; e em 1226, o seu Testamento. O 1º constitui uma obra-pri-ma da nova Língua italiana (comum); o 2º revela a sua ensinança final, no que tange o ideal da Pobreza absoluta, a recusa de todos os privilégios e a obediência literal à Regra. Depois de uma visita a Assis e à Comunidade de Santa Clara, Francisco morreu jubilosamente em 3 de Outubro de 1226. Dois anos depois, foi canonizado e feito Santo por Gregório IX (16 de Julho de 1228). Em 1230, o seu corpo foi transladado para a basílica de S. Francisco de Assis, onde permanece, actualmente. Escreveu Richard J. Westley (in ‘Encyclopedia International’/Grolier: entrada Francis of Assisi, St., p.343): “Francisco foi um santo no sentido 11


universal, porquanto ele não se acha limitado a qualquer idade particular, na mesma medida em que é universal o Evangelho, que ele seguiu tão à letra. Assim, muito embora Francisco seja a flor da santidade medieval, ele não é um santo medieval, uma vez que permanece sempre como exemplo para qualquer cristão, que deseja dar uma resposta à chamada de Cristo: ‘Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o as pobres; terás um tesouro no céu, vem e segue-me’ (Mt. 19, 21).

Na Sala do Capítulo da Ordem Terceira de S. Francisco: nos Tempos Hodiernos Francisco de Assis, o que tinha no seu Projecto-programa (como Alvo: Aim,Cible,Zweck) era a Humanidade inteira, não a Igreja eclesiástica, muito embora (esta) como suposta ‘Mediadora’ universal. Era, por conseguinte, a Vida e a Mensagem de Jesus (como nós declaramos e defendemos no CEHC). Esse Projecto-Programa não se concretiza a não ser pelo Testemunho/Exemplo, pelo Diálogo pessoal/social, entre todos os Humanos, entre todas as Sociedades Humanas. Por isto mesmo, o caminho a desbravar não se faz sob a bandeira da Potestas Dominação d’abord; mas, outrossim, pelas vias da Cruz e do Auto-Domínio, pelas vias do Diálogo e da Discussão; ─ numa palavra, a partir dos Sujeitos humanos em comunhão de ideias e sentimentos; não a partir de objectos estereotipados em progama/quadro. Por tudo isso é que a Vida e a Mensagem de Jesus se traduzem, hoje, no que o CEHC designou por Jesuanismo, ─ o qual se configura numa galáxia toto coelo diferente de todos os Cristianismos e Cristandades tradicionais. Decididamente, o JESUANISMO, em termos substantivos, não tem nada a ver com os Cristianismos tradicionais (teóricos ou práticos); nada tem a ver com as praxeis das Cristandades tradicionais e suas Sociedades, que nunca abandonaram, até ao presente, a cartilha crática (plutocrática) da Cultura do Poder-Dominação d’abord. Para os que ainda não conhecem o horizonte criticista do CEHC, fazemos, aqui, referência a três obras seleccionadas, no âmbito do CEHC: ─ ‘Sócrates e Jesus: Esses Desconhecidos!...’ (As Duas Revoluções Gêmeas). Edicon, São Paulo, 2001. Com o mêsmo título, esta obra foi editada por Editora Estante, Aveiro, 2006. ─ ‘Despaulinizar o Novo Testamento Sob o Signo do Jesuanismo’. Edicon, São Paulo, 2007. Esta obra foi editada, por Editora Ideal, Guimarães, 2007, com o título ‘Traição de São Paulo’. ─ ‘Panorama Crítico da

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Actualidade sob o Signo do Jesuanismo’. Edicon, São Paulo, 2008. Esta obra foi editada com o título ‘Natal Jesuânico’, por Editora Ideal, Guimarães, 2008. Na verdade (precisamente em confronto com o JESUANISMO), as Cristanda-des tradicionais e o Cristianismo tradicional paulino (que já se encontra exarado e documentado em ca. de 70% do N.T., que não apenas nas 14 Cartas paulinas ou da escola paulina) padecem de uma tríade de veros ‘pecados originais’ (que nada têm a ver com o mitológico ‘pecado original’ de Adão e Eva…), a saber: A) o Dualismo metafísico-ontológico de Platão e de Paulo; B) a sacrossanta religião laica do Objectivo-Objectualismo (o qual já se acha condenado no Exodus: 32, 1-6, sob a forma de Idolatria); C) a teoriadoutrina pastoral contida, emblematicamente, na parábola do Pastor e do Rebanho. É de advertir que esta mesma parábola constituiu, em termos praxiológicos, a Alavanca de Arquimedes, para a I.C.R. (a ‘Igreja eclesiástica’, tal como a conhecemos, ao longo de dois milénios) distinguir e separar, por abismos, as chamadas ‘Ecclesia docens’ e ‘Ecclesia discens’. Foi, efectivamente, essa distinção/separação entre a Igreja docente (clero) e a Igreja discente (leigos), operada pela Igreja Eclesiástica, que levou à constituição e fundamentação das duas classes sociais antagónicas, nas Sociedades humanas, e à consequente necessidade da Revolução e da Praxis revolucionária. A tudo isto aludiu Karl Marx, na sua 3ª tese (das 11 ‘Teses sobre Feuerbach’). Reza assim: “A doutrina materialista, segundo a qual os homens são produto das circunstâncias e da educação, esquece que são precisamente os homens que modificam as circunstâncias e que o educador necessita, por sua vez, de ser educado. É por isso que ela tende a dividir a sociedade em duas classes, uma das quais está acima da sociedade. “A coincidência entre a modificação das circunstâncias e a actividade humana, ou modificação dos próprios homens, só pode ser concebida se for compreendida como prática revolucionária”. Tertium non datur! Atente-se, agora, bem: aquela tríade de ‘pecados originais’ desagúa numa postulada situação paradoxalmente paradigmática, no concernente à organização (piramidal/ /hierárquica) das Sociedades humanas: a Impossibilidade (absoluta) da Democracia, enquanto Regime sócio-político, para todos os Indivíduos-Pessoas/Cidadãos. Essa tríade impôs, como postulado, a limitação do ideário da Democracia aos conhecidos modelos da Democracia representativa liberal, os quais, em virtude da cartilha objectivoobjectualista adoptada, não passam de uma ‘mascarada de Carnaval’, superiormente imposta pelas classes dominantes e consentida (ou não!...) pelas classes dominadas. Que significou, afinal, a tão celebrada, historicamente, transição do Ancien Régime para o Nouveau Régime (no séc. XVIII)?!... Os padrões ancestrais das Monarquias (absolutas) foram substituídos por padrões societários hierárquicos, designados ilusoriamente por Repúblicas, agora ancorados numa Constituição, avalada pelo Povo em eleições, supostamente livres. Convocou-se o Povo (‘apud quem est ratio et jus loquendi’, como diria 13


Quintiliano) para sufragar os seus supostos representantes no Poder e no governo da Nação. Mas o Povo (sempre vítima das demagogias e presa da propaganda, redondamente enganado!...) não passou de um Bobo, um Truão dos espaços e dos tempos!... ● Vamos, agora, respigar alguns temas e teses do Artigo (tão sensatamente prudencial como criticista) da Revista electrónica ‘Noética’ (noetica@uol.com.br), de 18 de Março de 2013, subordinado ao título ‘FRANCISCO/Um Papado Latinoamericano’, com a chancela do CEHC/América Latina. São 6 páginas, que merecem ser lidas e meditadas com empenho. Podemos afirmar que o Leit-motiv de todo o Artigo (a possibilidade de algumas reformas pontuais) ficou muito bem definido pelo parágrafo central de Marta Novaes (de Buenos Aires) (p.3): “Conheço e reconheço no religioso Jorge Mario Bergoglio a possibilidade de uma reforma pontual, para sanar as impurezas que infestam a Cúria, mas, repito, será tão pontual como foi João XXIII no seu Concílio Vaticano II, por que a Igreja católica é um feudo entre poderes temporais. O aparecimento de Bergoglio como papa Francisco I na varanda do Vaticano pode animar algumas mentes, que já sinalizam uma reforma profunda na instituição milenar, mas não é isso: é apenas uma nova retó-rica, para os discursos do simpático e honrado argentino e filho de emigrantes italianos”. Também nós (que servimos a Igreja de Coimbra como presbítero, durante 7 anos, ─ o mesmo naco de tempo que levou Jacob em casa de seu tio Labão) ─ não esperamos reformas, nem pontuais nem substantivas ou estruturais. Já nem sequer, pela nossa parte, nos consideramos cristãos… mas, tão somente, jesuânicos (como de resto, já o confessámos em livro). Todavia, achamos que Jorge Bergoglio (que tem a mesma idade que nós), por sua índole temperamental, será capaz de algumas reformas pontuais, que são instantemente solicitadas ao sucessor do papa Ratzinger (Bento XVI). Designadamente: a reforma e actualização de todos os Dicastérios romanos; o saneamento do Banco do Vaticano (eufemisticamente chamado de I.O.R.); a vergonhosa questão da Pedofilia na Igreja; a questão dos ‘Documentos secretos’ e do Vatileaks, etc.. Estamos, porém, objectivamente em desacordo com Marta Novaes, quando ela, comparativamente, traz à colação o Concílio Vaticano II (anunciado por João XXIII, em 1959, e realizado entre 1962 e 1965), considerando-o no rol das ‘reformas pontuais’, ao longo da história bimilenar da I.C.R.. Ora o programa inicial do ‘Vaticano II’ (onde chegaram a estar integradas como peritas, em 1964-5, 23 mulheres, 13 leigas e 10 religiosas) ficou, pelo mais, a 2/3 dos Temas e dos trabalhos programados: o próprio papa sucessor, Paulo VI, que veio a presidir ao Concílio, nos últimos 2 anos, retirou do pro-grama inicial 3 temas escaldantes: abolição do celibato eclesiástico obrigatório, ordenação de mulheres/presbíteras, e contracepção e moral 14


sexual. Sobre este último tema, Paulo VI publicou, em 1968, a encíclica ‘Humanae Vitae’ (que teve muito má recepção em toda a Cristandade católica), avocando, por esta via, o Problema espinhoso à sua exclusiva competência. Os outros dois temas escaldantes, o mesmo papa impediu que eles fossem livremente discutidos na Aula conciliar. Eis por que, desde 1965 até ao presente, sempre houve um pequeno grupo de teólogos e leitos esclarecidos, brandindo o seu discurso e lutando para que tivesse lugar, na I.C.R., um III Conc. Vaticano, por forma a que não houvesse tabus e coutos reser-vados, no campo das Doutrinas de uma Religião que se pretendia católica. É, de facto, nesta perspectiva, que é mister pôr os pontos nos is, no que tange o parágrafo referenciado de Marta Novaes. Mais: a relevância do ‘Vaticano II’ foi tão elevada, na história geral do Cristianismo católico, que é perfeitamente legítima esta conclusão: antes do ‘Vaticano II’, o Guarda-Roupa da I.C.R. era um; depois dele, começou a ser outro!... Muito embora a progressão tenha sido estancada com os pontificados de João Paulo II e de Bento XVI. Justamente em 1968, sob os novos horizontes da Abertura conciliar, foi dado à estampa um Livro nosso (de ca. de 800 pp.), através da Ed. Moraes, de Lisboa, com o título: ‘Para uma Moral Nova da Regulação da Natalidade’. Claro, foi editado sem o ‘Imprimatur’ do Arcebispo de Coimbra (o que, de resto, aconteceu com todos os meus livros). Se a I.C.R. tivesse dado atenção, mediante o seu Magistério, ao que estava escrito nesse Livro, por certo que os problemas da contracepção e da Ética/Moral da Sexualidade teriam, pelo menos, começado a ser resolvidos adequada e humanamente, à escala do Planeta. O segundo respigo a fazer (a partir do Artigo citado) diz respeito ao parágrafo da médica Johanne Liffey, que retomou a temática, já assinalada, da necessidade de um ‘Vaticano III’ (ibi, p.4): “O argentino Bergoglio é um religioso jesuíta dedicado à pastoral terra-a-terra, tem a mesma índole de João XXIII, e tanto como este, aquele é um peregrino dedicado aos pobres, mas também aos ricos, porque a igreja não sobrevive sem as ‘esmolas’ gordas das gentes abastadas, que estão nos poderes públicos e privados. Entretanto, Bergoglio é também um religioso que não nega a ousadia jesuítica: será que a sua proposta reformadora (já a partir da sua postura de simpatia cativante, como diz Marta Novaes) aponta para um Concílio Vaticano III, mesmo que informal?...”. ─ (Um Concílio ecuménico carece de convocação oficial do papa reinante; é a prova por excelência da Colegialidade da Igreja. E a Colegialidade da Igreja ─ convém sabê-lo ─ começou a ser praticada e definida nos Conc. Ecuménicos de Basileia/Ferrara/Constança (1414-18) e de Latrão V (1512-1517). ‘Wishful thinking’ apenas?!... Há temas e problemas (candentes e estruturais) que só num Concílio Ecuménico poderão ser discutidos e deliberados… uma Reunião Magna de 3.000 a 5.000 pessoas (desde bispos e cardeais a teólogos e peritos leigos). O simples Aparelho corrente da I.C.R. não 15


tem competência (reconhecida oficialmente…) para o efeito. Um Conc. Ecum. Terá de ser convocado e preparado, com dois anos de antecedência, pelo menos. Gostámos da perspectiva optimista, explanada por João Barcellos (ibi, pp.4-5), que é também a nossa: "A escolha de Bergoglio não é uma virada de mesa no Vaticano, mas sim a aposta necessária num modelo mental experimentado na luta contra o colo-nialismo e a miséria na América Latina; colonialismo e miséria que tem a bênção hipócrita do igrejismo católico, e que o próprio Bergoglio denunciou. O que a experiência pastoral de Bergoglio, agora papa Francisco I, pode levar para o interior de uma igreja estuprada por si mesma em séculos de poder criminosamente atuante?”. Entretanto, o nosso optimismo está vacinado pela Desconfiança, diante do consabido funcionamento perverso do Aparelho eclesiástico, ao longo de dois milénios!... É por tudo isto, que Carlota M. Moreira se reserva no prudencialismo do carácter pontual das reformas eventuais (ibi, p.5): A Reforma (que se deseja…) “é pontual, sim, porque numa instituição de centenas e centenas de anos, o orgulho de ser uma mesma linguagem num mesmo corpo é um dogma que a desautoriza de ser progressista, e nem João XXIII nem João Paulo II foram além de reformas com portas entreabertas, enquanto Bento XVI se arvorou no defensor do conservadorismo pragmático, quando, enquanto intelectual, poderia ter saído do ostracismo conventual para uma doutrina mais próxima da palavra jesuana (como diz e ensina bem o filósofo Manuel Reis), em prol do amor e da solidariedade, mas não o fez e pagou muito caro por essa falta de ousadia”. No que toca a revisões nestas matérias delicadas e difíceis, estamos falados: ‘Quod volumus, facile credimus’!... E não tomar a nuvem por Juno!... O que é preciso, acima de tudo, não esquecer é aquela máxima do poeta sevilhano Antonio Machado: ‘Caminero, no hay camino / se hace camino al andar’! Os intervenientes no Artigo de referência são, todos, gente de Boa Vontade, segundo a gramática do Jesuanismo. Ao mesmo tempo, contudo, não deixar eclipsada a vis crítica, que jorra das inteligências bem formadas. O grande Problema de Instituições milenares como a I.C.R. (inexoravelmente conduzidas e balizadas pela Cultura do Poder-Condomínio) começa nessa Contradição expressa no Rift entre a Vida (que flui…) e o pensamento (que foi objectualmente cristalizado no Dogma), continua nessa muralha separadora entre o Pastor e o Rebanho, entre os Mestres e os Discípulos, entre os que mandam e os que obedecem, e acaba na Anquilose da própria Instituição em causa. Como dizia o bispo francês Jacques Gaillot: ‘Uma Igreja que não é capaz de servir os Humanos… não serve para nada’. Está a mais e constitui um Adamastor, perante a progressão da Vida consciente e crítica. Paulo (o vero fundador do Cristianismo conhecido na Cultura Ocidental e no Mundo) atraiçoou, in radice, o Jesuanismo autêntico. A partir da suposta Mensagem jesuânica, tudo resultou corrompido e pervertido pela via da 16


adopção da Cultura do Poder-Dominação d’abord e do catecismo do Objectivo-Objectualismo. Assim, ao abri-go da mundividência (crítica) dos Gnósticos judeo-cristãos primevos (da Escola de Alexandria) e na galáxia (universal) do Jesuanismo, é incontestável que a Igreja eclesiás-tica tem mesmo de ruir e desaparecer. A vera e autêntica Revolução das Sociedades humanas tem de proceder de dentro (não de fora…), das Consciências (críticas) dos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos. Por isso, ela tem de advir do Futuro, como em kerigma! Não está vinculada, por necessidade, aos determinismos sócio-históricos do Passado. Por que tem de ruir e desmantelar-se a Igreja eclesiástica (que a História da Civilização Ocidental tão bem conheceu… e que João Barcellos designou com o vocábulo certeiro e feliz de ‘igrejismo’)?! Precisamente, por duas ordens conjugadas de razões: A) as suas Hierarquias rígidas e estereotipadas; B) o carácter dogmático das suas Doutrinas teológicas e filosóficas. É a própria díade que pressupõe, como preconceptus incontornável, para ser enunciada e declarada desse modo, a sempiterna Bandeira (objectivoobjectualista) da Potestas sacra. Por isso mesmo, para abrir o horizonte das Sociedades humanas à galáxia do JESUANISMO, a Igreja eclesiástica tem de desaparecer… Será uma espécie de Implosão do Grande Aparelho, que terá a sua expressão dinâmica numa vera Metamorfose (vital), escandida nos três andares do Edifício humano: psiquismo/sociedade/antro-pologia. A Ekklesía jesuânica (na perspectiva dos Gnósticos judeo-cristãos primevos) não nasceu, nem se pode configurar num quadro bicéfalo (este mundo terreno//o mundo post-mortem, supostamente eterno) determinado pelo Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo. A sua função primordial e primacial é mesmo a da concretização das Utopias (criticistas), forjadas pelo Imaginário humano, ao longo da história das Sociedades humanas, sempre varadas por Contradições estruturais, que os Poderes Estabelecidos (segundo o catecismo da Potestas d’abord) sempre obliquaram e levaram os povos a esquecê-las… ou a resolvê-las no ‘reino dos céus’ dualista. Assim, a Ekklesía jesuânica tem por sua missão essencial ser sal na comida (como referem perícopas jesuânicas, que se encontram nos próprios evangelhos canónicos). Ela é a vera anima Mundi, para a concepção e a reorganização/administração psico-sócio-política das Sociedades humanas. É preciso advertir no seguinte: a Democracia e o Regime democrático surgi-ram, nas Idades Moderna e Contemporânea, na Cultura do Ocidente, e irradiaram daqui para o resto do Mundo (na Nau dos Direitos Humanos), fora da Igreja Eclesiástica (esta continuava a afirmar e a declarar, dogmaticamente: ‘Extra Ecclesiam nulla salus’). A Igreja Eclesiástica (que foi, ainda, a de Joseph Ratzinger, Bento XVI) nunca viu com bons olhos, nem sequer a ‘Doutrina Social da Igreja’ (que tem o seu início na ‘Rerum Novarum’ de Leão XIII (1891) e o seu termo na ‘Sollicitudo Rei Socialis’ de João Paulo II (1988). Ora, Bento XVI exarou o óbito da ‘Doutrina Social da Igreja’ na sua 17


encíclica ‘Caritas in Veritate’ (29 de Junho de 2009). O Neoliberalismo capitalista global venceu!... No encalço do ‘Vaticano II’, um bom grupo de Teólogos (ocidentais e da América Latina) procuraram dar corpo ao que foi chamado ‘Teologia da Libertação’. Ora, a condenação da ‘Teologia da Libertação’, por parte de João Paulo II e Bento XVI, chancelou o plano inclinado do abandono e da excomunhão da Ekklesia jesuânica, que chegou a transparecer como aurora boreal, através dos Movimentos renovadores, oriundos do Concílio ecuménico ‘Vaticano II’. Por que o fizeram? Porque os dois papas referidos continuaram a queimar incenso à Igreja Eclesiástica, (vítimas do Dualismo metafísicoontológico de Platão e Paulo). ● Há duas personalidades (vivas) de intelectuais críticos, e com uma penetrante inteligência atenta à evolução do Mundo e às contradições que aí se acumulam (umas que são resolvidas, outras que são jogadas para debaixo do tapete e nunca se resolvem), que desejamos evocar, aqui, em jeito de conclusão deste ‘Paper’. A) Sua Santidade o Dalai-Lama, no seu livro editado em 2012, com o título sig-nificativo: ‘Beyond Religion: Ethics for a Whole World’ (cf. ‘Newsweek’, 5 de Nov. de 2012, pp.20-21). Daí extraímos dois excerptos: ─ ‘Ultimamente, a crise financeira foi gerada pela própria cupidez, ─ pelo falhanço no exercício apropriado da moderação e da restrição, na busca cega de lucros sempre maiores’. Para combater esta pandemia, o papa do Budismo recomenda o treino e a experiência numa ‘Ética secular’: ‘A pressão sanguínea baixa, quando há um comportamento mais ético, ─ é o que mostram estudos já feitos’. B) O linguista e filósofo crítico Noam Chomsky, num pequeno Livro cibernético recente (com apotegmas pertinentes e essenciais), sob o título ‘Visões Alternativas’, faculta-nos uma espécie de Decálogo psico-societário do Mundo despersonalizado e robotizado em que sobrevivemos: O Tema geral: MANIPULAÇÃO MEDIÁTICA. No prefácio introdutório, pode ler-se: ‘NOAM CHOMSKY desenvolveu a lista das ‘10 estratégias de manipulação’ dos princípios sociais e económicos de forma a atrair o apoio inconsciente dos meios de comunicação para a manipulação’. 1. ─ A estratégia da Distração. 2. ─ Criar problemas e depois oferecer soluções. 3. ─ A estratégia da gradualidade. 4. ─ A estratégia do adiar. 5. ─ Dirigir-se ao público como a criaturas de pouca idade. 6. ─ Utilizar o aspecto emocional muito mais que a reflexão. 7. ─ Manter o povo na ignorância e na mediocridade. 8. ─ Estimular o público a ser complacente com a mediocridade. 9. ─ Reforçar o sentimento de culpa pessoal. 18


10. ─ Conhecer os indivíduos melhor do que eles mesmos se conhecem.

EPITALÂMIO ou ‘ORATIO FUNEREA’?!... Bye, bye!... (Farewell to) Christianism!... Ao longo de dois milénios (com algumas excepções nos primórdios), (e alguns sulcos deixados por dissidentes e heréticos/cismáticos), os Cristãos (a começar em Saulo/Paulo) andaram a assaltar e a tomar conta do Poder, a partir de e em nome de um Homem Crucificado, por eles assumido como supremo Talismã!... Não perceberam nada da semântica intrínseca do Crucificado: Entregar-se, voluntária e suicidariamente à morte, para comprovar e selar, de modo inabalável, a sua Mensagem (que valia mais que a própria Vida). Ao longo de dois milénios, voltaram ao mesmo horizonte da PotestasDominação d’abord!... Que dura há 5 milénios e meio, desde que se pôs termo à Era da GILANIA. Como disse o salmista: o Cão voltou aos seus excrementos!... Eles engendraram, como Pressuposto incontornável, o Mito do Pecado Original do Adão e da Eva do Paraíso, que se transmitiria… de geração em geração, até aos confins da História, no Juízo Final. Hermes Trismegisto (a divindade clássica do Egipto Antigo, no célebre ‘Livro dos Mortos’, que é, antes, dos Vivos) havia já ensinado que os pecados dos pais não se transmitem aos filhos, nem passam de geração em geração, nas Sociedades humanas. Tão somente porque, enquanto tais, os pecados procedem da Consciência actual (in actu exercito) de cada IndivíduoPessoa/Cidadão, que é ser único e irrepetível!... Toda esta efabulação mitológica fez dos cristãos gente dividida e submissa, sempre pronta a obedecer (em vez de resistir) aos Poderes Estabelecidos, caucionados por um Poder Supremo!... O ‘Memento mori’ das Liturgias cristãs evoca, mutatis mutandis, a situação dos gladiadores romanos, que, antes do combate mortífero, gritavam todos, saudando, pela última vez, o Imperador: ‘Ave Caesar! Morituri te salutant’!!!...

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Os pecados, por conseguinte, ficam com quem os comete… Não passam de pais para filhos e de geração em geração. Podem ficar na memória dos delinquentes ou criminosos até à tumba… Mas a Memória não é a Consciência diferida no Tempo!... Como supôs Bernardo Soares (o meio heterónimo de Fernando Pessoa). Memória é, tão só, a recordação do passado, enquanto tal. Consciência, qua tal, só existe enquanto actuada, in actu exercito. O perdão e a tolerância, em função da Convivência pacífica dos Seres humanos não são, de modo nenhum, excluídos e eliminados pela doutrina de Hermes Trismegisto. Pelo contrário: uma vez que esta promove, justamente, a humanização, a personalização identitária, contra o padrão esquizofrenado dos cristãos tradicionais, ela só reforça em qualidade e vigor aquelas virtudes.

Eis por que a Razão inteira e adulta e a vera e autêntica Fé estão do lado da gramática do Jesuanismo e dos Gnósticos judeo-cristãos primevos da Escola de Alexandria, que ecoam nas Escrituras apócrifas e, ainda, em ca. de 30% dos textos canónicos do Novo Testamento; ─ porque elas estão do lado do primado absoluto do Saber e da Paz, sobre o Poder d’abord e a Força das Armas.

Guimarães, 21 de Março de 2013. Manuel Reis (Presidente do CEHC). Lillian Reis (Secretária do CEHC).

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