João Barcellos
MORGADO DE MATEUS Anotações Historiográficas sobre Luís António de Sousa Botelho Mourão, o governador da Capitania paulista que dá assentamento urbano à raça que gera o Brasil-nação. 2013
Expor os trabalhos políticos, administrativos, sociais e militares, gizados e executados por Luís António de Sousa Botelho Mourão, é dizer do Império Português, sim, mas também é dizer de uma
Nação que começa a nascer do assentamento colonial e da escravatura, porque já no tempo desse fidalgo trasmontano da Casa de Mateus e capitão-general da Sam Paolo dos Campu de Piratin, emergia a
noção de um Brasil voltado para si mesmo...
Parte
1
As Realizações De Um Empreendedor
Um Morgado na Casa Bandeirante LUÍS ANTÓNIO DE SOUSA BOTELHO MOURÃO Morgado de Matheus
Por herança, o 4º morgado de Mateus, nasceu em 21 de Fevereiro de 1722, em Vila Real, e aqui faleceu em 5 de Outubro de 1798. Filho de Joana Maria de Sousa, senhora de Moroleiros, em Amarante, e de António José Botelho Mourão, fidalgo da Casa Real, cavaleiro da Ordem de Cristo, tenente-coronel da Cavalaria, 3º morgado de Matheus, que serviu com distinção na guerra da Grande Aliança, e aumentou consideravelmente o brilho de sua Casa, tendo edificado em Vila Real, o Palácio de Mateus, residência dos Condes de Vila Real, herdeiros do morgadio por sucessão direta. Casa Leonor Ana Luísa José de Portugal [1722-1806], filha Rodrigo de Sousa Coutinho e Maria Antónia e São Boaventura de Meneses Monteiro Paim.
O Morgado e a Casa de Mateus
Amigo do
rei José I e do Marquês de Pombal, o Morgado de Mateus
é o político, o administrador e o militar de experiência feita para reconstruir a
Capitania de São Paulo.
É nomeado capitão-general da recriada Capitania de São Paulo, que havia sido extinta em 1748, e exerce o cargo de governador de 1765 a 1775.
o Morgado e a sua Capitania
O que encontra o Morgado naquela villa
jesuítica acima da Serra do Mar?
Uma região que bebeu precária urbanização com as ações do governador Francisco de Souza, que chegou a despachar oficialmente das minas de ferro do cerro Byraçoiaba, mas, ainda assim, uma região que perde população para Sant´Anna de Parnaíba e não tem infraestrutura sanitária e comercial compatível com uma sede de Capitania, apesar de ter sido o eixo da economia liberal liderada por Affonso Sardinha (o Velho) e, depois, pelo jesuíta e banqueiro Pompeo de Almeida, nos ramais do Piabiyu.
entre o oeste paulista e o norte da colônia
A época em que o Morgado de Mateus dá início à sua governação paulista, já o Império português ocupa o norte e a região da Amazônia
assentamento de vilas e fortes, porque só a ocupação efetiva permite manter a posse do espaço continental percorrido e com o
sinalizado por Antônio Raposo Tavares. Aquém da Serra do Mar existe um continente, ora, a colônia não é só beira-mar...
A bandeira de António Raposo Tavares saiu da Vila de São Paulo em 1647, atravessou limites diplomáticos e passou pela Amazônia; uma viagem fantástica de 12.000 km, reconhecida como a maior de todas as expedições de reconhecimento geográfico realizadas no Brasil. O bandeirante retornou a São Paulo em 1650, sendo reconhecido apenas pelo seu fiel cachorro...!
Das bandeiras e entradas dos paulistas, a de Raposo Tavares sinalizou outras regiĂľes e outras gentes, alĂŠm de demarcar o Brasil continental...
da Villa Jesuítica à Villa de Barcellos Cada vez mais cobiçada, a velha e famosa Insulla Brasil é agora um continente, e Portugal empreende, com as ações pombalinas [o Marquês de Pombal é a sombra do rei José I e o primeiro-ministro], o esforço de consolidar fronteiras entre a Villa Jesuítica e o Amazonas, e aqui, levanta-se a Villa de Barcellos, primeira capital amazônica.
O Que Fazer? Diante de uma urgente urbanização e defesa do Império tropical, a visão empreendedora e o objetivismo militar de Luís António de Sousa Botelho determina 3 focos: 1- Demonstrar que o mando é político e não religioso, pelo que desobriga o representante do bispo do Rio de Janeiro do recebimento de taxas e funções administrativas. 2- O mapeamento e o censo da região para assegurar o assentamento de novas povoações, além de fortificações na defesa das fronteiras contra as investidas castelhanas. 3- Dar continuidade à mineração de ferro, ouro, prata e cata de esmeraldas.
determinação e risco no mando político e militar Reconhecida a aventura de Raposo Tavares e sabendose da imensidão territorial, cabe à Capitania paulista o principal esforço de reordenação fundiária, povoamento e urbanização, abertura de hidrovias e novos campos para produção agropecuária e hortifrutigranjeira, enquanto se reabre a mina e fundição de ferro no Cerro Byraçoiaba e se acerta uma mineração tecnicamente adequada no centro-oeste para as lavras auríferas e diamantinas. Tal desempenho não é possível a um homem só, e o Morgado de Mateus sabe da herança negativa deixada pelos sonhos do governador Francisco de Souza.
É possível sonhar... realizando! Na sua equipe, o capitão-general tem um homem que já revira tudo para que a Capitania possa ser reconstruída: o
José Custódio de Sá e Faria. A sua cartografia, o seu engenheiro-militar
registro pictórico, a sua visão urbanística, fornecem ao Morgado de Mateus a via tecnológica para fazer de São Paulo o polo do desenvolvimento sul-americano.
o relato das dificuldades de um engº-militar "Na Vila de Curitiba falhei vários dias. Saí para a serra de Paranaguá correndo para leste e sul até o alto da serra que desce para Paranaguá, onde está o sítio dos padres da Companhia, junto ao Palmital [ou Canguirí, hoje Iraí]. Aí há uma das cabeceiras do rio de Curitiba [Iguaçu], muito feroz, levando água. O Caminho é despenhado e barrancoso, muito perigoso. Daqui não passei." José Custódio de Sá e Faria
Desenhos do
Engº-militar José Custódio de Sá
e Faria, uma das mais importantes figuras da urbanização brasileira e, no entanto, ainda desconhecida.
o Morgado de Mateus e a fundação de cidades e fortes
A fantástica expedição cartográfica e urbanística de José Custódio de Sá e Faria resulta numa observação óbvia para o capitão-general: é preciso “semear” gente para assegurar a posse das terras.
Primeiro Passo: Censo Demográfico / 1765 “[...] 899 fogos com 1748 homens e 2090 mulheres para a freguesia de São Paulo. A cidade propriamente dita compreendia 392 fogos com 648 homens e 867 mulheres. Os bairros eram os do Pari, cujos moradores quase todos eram gente bastarda (mestiços de brancos e índios), Embujaçava, Pirajuçava, Pinheiros, Nossa Senhora do Ó, Santana , Penha, Tremembé até a Cachoeira (inclusive), Jaguará, Caguaçu, Tatuapé, Aricanduva. Mais afastados, São Bernardo, Borda do Campo, Mercês, São Caetano. O recenseamento ordenado pelo Morgado de Mateus arrolou apenas 26 mercadores, 10 vendeiros, 3 boticários. Maior número de artífices devia existir na cidade, embora muitos não aparecessem nos róis por serem escravos. As padeiras, por exemplo, eram quase todas cativas. Na discriminação dos cabedais, encontramos 204 referências aos bens dos chefes de famílias dos 392 fogos da cidade e 212 para os dos 507 fogos dos bairros. A fortuna de realce arrolada era de 28 contos de réis e a modesta de 25 mil e 600 réis. Distribuíam-se as fortunas do seguinte modo: acima de 25 contos de réis, uma; entre 20 e 25 contos de réis, uma; entre 10 e 20 contos de réis, uma; entre 5 e 10 contos de réis, cinco; entre 1 e 5 contos de réis, trinta e três; entre 500 mil réis e um conto de réis, quarenta e cinco; entre 100 e 500 mil-réis, duzentos..." [Gilberto Leite de Barros, 1967]
CAMPINAS um exemplo Entre as várias cidades fundadas ao longo da administração do Morgado de Mateus está Campinas... Se a região de Sorocaba é um importante entroncamento entre o Cerro Byraçoiaba e o Caminho dos Goyazes [Serra de Botucatu], eis que Campinas surge como polo de assentamento urbano e de produção rural bem na medida política e econômica traçada pelo capitão-general e pinçada nas observações técnicas do Engº Sá e Faria. Com infraestrutura adequada, as cidades emergem no sertão que foi sesmaria jesuítica e dão sustentação econômica à Capital.
SOROCABA
UM EXEMPLO DE DESENVOLVIMENTO
Quando, em 1733, o gaúcho Cristóvão Pereira de Abreu ´rasgou´ as ruazinhas de Sorocaba com a sua tropa de muares, deu início que seria chamado o Ciclo do Tropeirismo. Mas, o ´ciclo´ só tem sucesso e atinge o pico mercantil e social depois que a reformulação fundiária do Morgado de Mateus assenta e renova povoações na linha de Viamão – e, assim é que Sorocaba se estrutura e instala uma indústria artesanal e têxtil reconhecida na Capitania e na Colônia. Entre as vilas de Viamão e Curitiba, a de Sorocaba passa de mero ponto de passagem a ponto de produção e negociação. E, perto, o mesmo Morgado de Mateus reinventa a siderurgia da Família Sardinha no cerro Byraçoiaba para, mais aquém, continuar a minerar ouro no Byturuna.
FORTES
a defesa da posse portuguesa
Após 60, anos sob domínio da Coroa castelhana, Portugal precisa mostrar a sua competência estratégica na defesa dos seus territórios ultramarinos. Luís António de Sousa Botelho e Mourão é o homem certo no lugar certo...
Forte Ygatemy do dilema à transformação
O Forte de Nossa Senhora dos Prazeres do Ygatemy é erguido entre 1765 e 1770 com uma forçatarefa com mais de 300 homens do Regimento de Dragões lotados na Capitania paulista. Localiza-se na margem esquerda do rio Ygatemy, a poucas milhas da sua confluência com o rio Paraná, próximo à foz do rio das Bagas, no Mato Grosso do Sul.
Pelas demarcações do Tratado de Madrid (1750), que substitui o fantasmagórico Tratado de Tordesilhas no que à linha tropical diz respeito, a Coroa portuguesa percebe a urgência em a fronteira entre Mato Grosso e Paraguay. Uma linha ao sul do curso dos rios por onde se fizeram as monções, de Araritaguaba [Porto Feliz] a Cuiabá pelos rios Anhamby [Tietê] e Paraná e as contra-vertentes do rio Paraguay. Sem um ponto estratégico de defesa junto das possessões castelhanas Portugal não pode assegurar a sua soberania.
Estar em terra, em cursos fluviais ou no mar, é desafiar monções e com elas partilhar a aventura de um novo olhar. [mapa das monções]
E é no engenho administrativo e político e militar do Morgado de Mateus que a Coroa portuguesa se socorre, pois, os recursos da Capitania do Mato Grosso são irrisórios e o acesso fluvial norte-sul precário. O capitãogeneral opta pelo rio Ygatemi para a instalação de uma colônia militar: Forte de Nossa Senhora dos Prazeres do Ygatemi. Contra muitas opiniões, o Morgado de Mateus entende que o
que está em jogo é a soberania portuguesa e não princípios de passagem colonial, por isso obtém o aval de José I e do Marquês de Pombal. É preciso defender e povoar a região para impedir quaisquer reclamações castelhanas, mesmo que através da Igreja católica, como lhes é habitual.
Os atos militar e político são gigantescos e têm um custo social de centenas e centenas de pessoas deslocadas para a região e a morte de muitas delas.
Qual é o dilema? A resposta, para quem não entende de estratégia de defesa e expansão territorial é dada pela ação do Morgado de Mateus: ou Portugal se assenta com o que quer [a defesa e expansão] ou abandona o sul da Capitania nas mãos castelhanas. Um desafio político e um dilema. O notável fidalgo português rejeita o dilema e ousa a construção de uma estrutura que sustenta Portugal e fixa, de uma vez, o território continental sinalizado na expedição de dezenas de aventureiros, religiosos e bandeirantes. Por isso, a Capitania paulista torna-se o eixo do desenvolvimento e da segurança da Colônia que logo se torna Nação na mesma malha do Piabiyu, como que a assegurar a linha entre o ancestral e o novo.
Desconhecer que o
Forte Ygatemy tem o mesmo nível de desenvolvimento projetado no Cerro Byraçoiaba pela visão de Luís António de Sousa Botelho Mourão é desconhecer a realidade histórica que projetou neste Outro Portugal a mãe d´água política que faz brotar o Povo brasileiro...!
Eis o retrato das
ações de povoação e defesa...
Defesa e povoamento do caminho do Viamão na rota terrestre para as expedições militares que combatem os castelhanos no Rio Grande; ocupação e defesa do litoral sul nos sertões do Tibagi e dos Campos de Guarapuava, e aqui, destacam-se Faxina [Itapeva], Itapetininga, Santo António das Minas do Piaí [ou Apiaí], Santo António do Registro [Lapa], Nossa Senhora dos Prazeres de Lages, Santa Ana do Ipó [Castro]. Na linha litorânea, Araripa, próxima a Cananéia, Vila Nova de São Luís de Guaratuba e Sabaúna. Ao norte, com a política de proteção das fronteiras com as Minas Gerais e de proteção do caminho para Goyáz, funda ou eleva a vila São João Baptista de Atibaia, São José de Mogi-Mirim, Nossa Senhora da Escada [Guararema], Botucatu, São João do Atibaia [Atibaia], Piracicaba e Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas do Mato Grosso de Jundiaí [Campinas]. No vale do Paraíba, ações estratégicas nas povoações de São José do Paraíba [São José dos Campos], Nossa Senhora da Escada [Guararema], São Luís do Paraitinga, Caraguatatuba e Santo António de Paraibuna.
Parte
2
Os Tratados
Não é possível uma análise criteriosa sobre os
assuntos diplomáticos e militares da colonização portuguesa na e às margens da Linha de Tordesilhas sem se conhecer os meandros dos diversos tratados.
Tratado de Tordesilhas Assinado na Galícia em 7 de Junho de 1494 pelo rei João II e a rainha Izabel de Castela, para dividir as terras "descobertas e por descobrir" por ambas as Coroas fora da Europa. O tratado define uma linha de demarcação no meridiano 370 léguas a oeste da Ilha de St Antão no arquipélago de Cabo Verde, a meio-caminho entre estas ilhas (então portuguesas) e as ilhas das caraíbas descobertas por Colombo, no tratado referidas como Cipango e Antília por desconhecimento cartográfico do genovês. Os territórios a leste deste meridiano pertencem a Portugal e os territórios a oeste à Espanha.
Tratado de Madrid Assinado em 1750, concedia algumas vantagens maiores à Portugal, mas foi anulado em 1761 pelo Tratado de El Pardo. Os numerosos tratados assinados não costumam obter êxito nos trabalhos de demarcação, e Portugal mantem a posse dos territórios na América do Sul, como a região dos Sete Povos das Missões, conquistadas poucos anos mais tarde pelos gaúchos Manuel dos Santos Pedroso e José Borges do Canto.
Tratado de Santo Ildefonso Assinado entre Portugal e Espanha em 1777, para acabar com a disputa pela posse da Colônia de Sacramento e outras regiões. A Inglaterra e a França incentivam o tratado, porque têm interesse político e econômico. O tratado leva o nome de Santo Ildefonso ao ser assinado na vila de mesmo na província de Segóvia. Aqui mesmo, são assinados outros dois tratados entre a Espanha e a França, levando também o nome do primeiro. Assinado em 01 de Outubro de 1777, o primeiro Tratado de Santo Ildefonso definiu que a colônia de Sacramento e a ilha de São Gabriel, do Uruguai, e a região dos Sete Povos das Missões, oeste do estado do Rio Grande do Sul, ficam de posse da Espanha, e Portugal exerce a posse sobre a margem esquerda do rio da Prata e novamente sobre a Ilha de Sta Catarina, que tinha sido ocupada pelos espanhóis. Com a assinatura do Tratado de Santo Ildefonso, que restabelece algumas linhas gerais do Tratado de Madrid, defendida por Alexandre de Gusmão, o território de São Pedro do Rio Grande fica cortado ao meio, no sentido longitudinal, próximo a Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
Tratado de Badajoz
Cria um acordo de paz entre as duas nações, mas sem consolidar o Tratado de Santo Ildefonso. Em 1801 a fronteira é fixada na linha entre as cidades de Quaraí, Jaguarão e Chuí, e restabelece a divisão traçada no Tratado de Madri, meio século antes.
Ressalte-se, a partir do Tratado de Madrid, uma figura que alterou
positiva e profissionalmente os atos diplomáticos:
Alexandre
de Gusmão. Depois dele, a diplomacia tornou-se definitivamente um ofício político com ciência própria.
Parte
3
As ConsequĂŞncias De Um Sonho Realizado
"A administração de D. Luiz Antônio de Souza, o Morgado de Mateus, na governança da Capitania de São Paulo, que se estendeu de 1765 a 1775, marcou o início de um novo ciclo da história paulista. Ciclo de trabalho fecundo, de progresso, de organização social, econômica e política. Período no qual fortaleceu-se sobremaneira o incipiente sistema patriarcal paulista, tão esmaecido nos dois primeiros séculos da colonização. Nesta auspiciosa etapa da história de São Paulo principiou o povo paulista a tomar consciência de si mesmo, conhecendo-se e conhecendo também, palmo a palmo, o território da Capitania. Fixaram-se, desde então, os limites com as demais, foram-se definindo os pontos de equilíbrio econômico da região planaltina, enquanto que entrou a cidade nobreguense a consolidar sua hegemonia sobre os conglomerados urbanos ao seu derredor", afirma o historiador Gilberto Leite de Barros, no livro "A Cidade e o Planalto", de 1967.
Mobilidade Socio-Cultural & Desenvolvimento “No momento em que as pessoas viam paus firmado no solo e logo cobertos com baeta preta já diziam ´vamos ter ópera´, e isso alterou muito o comportamento fugidio das gentes paulistas do setecentos que, entre a igreja e a ópera também já tinham onde aprender a ler e escrever e conquistar um ofício”, escreveu J. C. Macedo, em 1992.
Casa da Ópera é, entre o quinhentos e o oitocentos luso-americano, o Teatro, A chamada
onde se apresenta música, dramaturgia e, em algumas das salas, cursos de alfabetização e ofício. Fora das vilas, a Casa da Ópera é um toldo de baeta erguido no átrio da capela ou na praça. É o tempo vicentino...
“Por tratar de várias faces artísticas, o Teatro do poeta-dramaturgo Gil Vicente incentiva o molde operístico em que surge a Casa da Ópera, mas uma peça vicentina é um auto de crítica cívica e política, e a atividade operística é um espaço de encenação, música, ensino e representação do poder, que vai do prédio à barraca de baeta” [Barcellos, 2003].
E é com a governação do Morgado de Mateus que a Villa bandeirante, e não mais a Villa jesuítica, torna-se polo de iniciativas socioculturais que passam pelo teatro, a música, os saraus e, é claro, a encenação sacra e a encenação dos atos do próprio poder. Ele adapta as instalações do antigo Colégio jesuítico e aqui instala a Casa da Ópera e Escola de Ofícios. A visão e ação mundana de Luís António de Sousa Botelho Mourão fazem da Villa paulista a capital da virada sociocultural.
Os bons ofícios do morgado e fidalgo Luís António de Sousa Botelho Mourão surgem ao fim de 3 anos de administração pública na Capitania paulista, e, pode-se dizer, é um morgado e fidalgo na Casa bandeirante. Agropecuária e hortifrutigranjeiros, algodão e tecelagem, mineração e artesanato, matadouros e mercados públicos, fontes d´água, praças e arruamentos, linhas fortificadas de defesa para as fronteiras e os novos povoados, mala-posta (correios), atividade artística e intelectual, educação científica fora dos padrões jesuíticos, eis aqui a
mobilidade sociocultural que gerou o desenvolvimento econômico e recolocou a São Paulo dos Campos de Piratininga como eixo do Poder colonial português na América do Sul. E mais: ao prestigiar a Monarquia com o Saber iluminista, o Morgado de Mateus abriu caminhos para o espírito republicano que já havia sido aflorado nos primeiros tempos das Câmaras Municipais na capitania vicentina.
A luso-brasilidade setecentista é já uma luz brasileira pela autenticidade do
Outro Portugal, a terra nova que no Brasil se faz Mátria e gera outro Povo – o Brasileiro. E na geração sentimento de um
deste Povo tem o Morgado de Mateus papel importante ao gerenciar na Capitania paulista os meandros políticos e administrativos que a faz centro econômico do Brasil e América do Sul.
Notas & Bibliografia •
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Obs. 1 – Todo o estudo historiográfico sobre a pessoa e o governo de Luís António de Sousa Botelho Mourão [o morgado de Matheus] é uma contribuição para a formação da memória luso-americana e, principalmente, uma contribuição para memória que deve embasar a mente brasileira, nacional e independente. Obs. 2 – Não se pode fazer um estudo completo da governação de Luís António de Sousa Botelho Mourão [o morgado de Matheus] sem o identificar totalmente com a contribuição cartográfica e política desenvolvida por José Custódio de Sá e Faria, engenheiro-militar responsável por grande parte das abordagens geossociais a oeste e sul da Capitania paulista e das quais resultaram avaliações que permitiram a recriação político-administrativa da região. Obs. 3 – Em ambos os casos, a documentação arquivada na Torre do Tombo [Lisboa] e na Biblioteca Nacional [Rio de Janeiro] é de grande valia, particularmente as mapotecas, que revelam a identidade primária da capitania assumida pelo Morgado de Matheus e vasculhada pelo engº Sá e Faria. Obviamente, a documentação da governança do capitão-general é um retrato fidedigno da urbanização conduzida por ele e que logo se espalhou como que a determinar a identidade de uma grande Nação no bojo de uma colonização que para tal já apontava.
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BARCELLOS, João – Morgado de Matheus, O grande Governador de São Paulo. Editora Pannartz Ltda, 1992; com 2ª Ediç em 1996, pela Ed Edicon. – Entre a Baeta e a Carroça: o Teatro Vicentino em Operística Crítica Social na Colônia Tropical. Palestra. Grupo Granja. Embu das Artes, br., 2003. – Do Fabuloso Araçoiaba Ao Brasil Industrial. Centro de Estudos do Humanismo Crítico [Portugal] e Edicon [Brasil], 2011. – Um Morgado No Imaginário De Um Marquês. Novela. Centro de Estudos do Humanismo Crítico [Portugal] e Edicon [Brasil], 2013. FERRAZ, Antônio Leôncio Pereira – Memória sobre as Fortificações de Mato Grosso (Separata da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1930.
MACEDO, J. C. – Sá e Faria, Engº Militar & Reynol. In Palavras Essenciais [Humanismo, Educação & Justiça Histórica...], Vol.5. Centro de Estudos do Humanismo Crítico [Portugal] e Edicon [Brasil], 2011. – Entre Morros e Rios, um Engº Militar & Reynol refez o Assentamento Colonial LusoCatólico. Palestra. Florianópolis/SC-Brasil, 1991. – Aspectos Culturais No Espaço-Tempo da Representação Política Colonial / Sécs XVI a XVIII. Palestra. Paraty-Rj/Br., 1992. SALGADO, Ivone – Fundação de Freguesias, Elevação de Vilas e Fortificação de Praças na Capitania de São Paulo (1765-1775) – a gestão restauradora do Morgado de Mateus. CEATEC / PUC Campinas-SP. SOUZA, Augusto Fausto de – Fortificações no Brazil, in Revista Trimestral do Instituto Histórico, Geográfico e Ethnographico do Brazil. Tomo XLVIII. Typographia Universal de Laemmert & C., 1885. TONERA, Roberto – O Sistema Defensivo da Ilha de Santa Catarina – Brasil: Criação, Abandono e Recuperação, in Seminário Regional de Ciudades Fortificadas. UFCS, 2005.
BARCELLOS, João Escritor, jornalista (em conteúdos técnicos para Comunicação Visual e Estamparia Digital, Política e Educação), pesquisador de história e conferencista, dedica-se a estudos luso-afro-brasileiros desde 1975, quando leu, na Torre do Tombo, os arquivos intitulados Papeis do Brasil nos quais ´conheceu´ Affonso Sardinha (o Velho)... jb.escritor@uol.com.br www.noetica.com.br
Do Autor
Apoio Cultural Centro de Estudos do Humanismo Crítico CEHC / Portugal e América Latina Grupo de Estudos Noética