Centro de Estudos do Humanismo Crítico PORTUGAL & AMÉRICA LATINA
MANUEL REIS
NOVA HUMANIDADE NOVA SOCIEDADE SEGUNDO O ‘HOMO SAPIENS//SAPIENS’
EDICON TERRANOVA COMUNIC / NOÉTICA
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ENQUADRAMENTO GERAL
● Os Bens de Uns serão, para sempre, os Males dos Outros, ‒ e vice-versa?!... ● As Verdades de Uns serão, para sempre, as Falsidades dos Outros, ‒ e vice-versa?!... ● A Justiça de Uns será, para sempre, a Injustiça dos Outros, ‒ e vice-versa?!... ● ‘Vérité au de çá des Pyrénnées//Mensonge au de là des Pyrénnées, ‒ e vice-versa ?!... ● As ‘Classes sociais’ marxistas/marxianas, e o Determinismo (objectivo-objectualista) em que elas se baseiam, serão uma eterna constante, ao longo de todo o Humano Processo Histórico?!... ● ‘Bonum, verum, justum et Pulchrum convertunter’ (*) ‒ Axiomática da melhor Escolástica Medieval e património cultural da Philosophia Perennis Criticista. ● Entre a falaciosa promessa de ‘vida eterna’ e a permanente chantagem à Realidade?!...
……………………….. (* ) O Bom, o Verdadeiro, o Justo e o Belo são reciprocamente convertíveis.
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CONTRA A METAFÍSICA E EM DEFESA DA ‘PHILOSOPHIA PERENNIS’, AUTÓNOMA E CRITICISTA! Textos em Exergo para Enquadramento ● Além de desnaturarem a Espécie humana, no seu paradigma próprio, que é o ‘Homo Sapiens//Sapiens’, o Populismo, como Estratégia sócio-política, encerra elevados custos sócio-económicos. Na verdade, as Estratégias do Populismo que, após a Queda das Ideologias, com o final da Modernidade em 1989/91, vicejam e imperam, hodiernamente, por toda a parte, são próprias e típicas das Sociedades nossas contemporâneas, que se desabituaram de pensar, organizadas que estão sob a chancela da sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord (como aprendeu e tem ensinado o CEHC): Estas são ‘sociedades de rebanhos (ditos) humanos’. Os 4 membros do Grupo de Debates NOÉTICA (Fernanda Marques, João Barcellos, Marta Novaes, Mário G. de Castro), num Texto/Painel (cheio de pertinência e actualidade), subordinado ao título ‘Populismo & Custo Socioeconômico’ (datado de 14.5.2016), escreveram e divulgaram, a partir da Rev. Electrónica Noética, os três parágrafos que passamos a citar: “A apetência pelo Poder absoluto vem da Monarquia, mas, em muitos casos, a República copia-lhe o aspecto ditatorial desde os tempos da Roma imperial. Embora um caso pouco estudado, o Brasil tornou-se República no âmbito de uma Monarquia, que se esgotou em si mesma, mas, continuou a política absolutista com um presidencialismo feudal-coronelístico, i.e., a Presidência da República é um feudo que, tomado eleitoralmente, passa a ser uma célula do partido político mais votado, e foi isso que o Partido dos Trabalhadores (PT) aproveitou, até ser abortado pelo esgotamento de tal proposta, diante do custo socioeconômico gerador de instabilidade política e institucional. “Fala-se de marxismo e fala-se de Povo, mas não se fala de filosofia política nem de políticas públicas adequadas à sociedade, cada vez mais industrializada e economicamente globalizada, como sempre nos lembra o filósofo Manuel Reis (v. noetica.com.br); daí o fosso entre público e privado, entre economia e cidadania comunitária. “O populismo, que derrubou a URSS, que fez e faz de Cuba uma ilha dentro da ilha, ou da Venezuela uma nação rica minada pela miséria política, está na base da acção governamental, que o PT fez implodir em 13 anos de ‘tomada do Po-
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der’, nos palacetes republicanos de Brasília. Para endossar e publicitar esse populismo, o petismo bolivariano ampliou e modernizou projectos sociais de grande envergadura, é verdade, mas um projecto social deve ter uma porta de entrada (a cidadania resgatada) e uma porta de saída (a cidadania estabilizada com integração trabalhista). Ora, no caso do petismo, serviu apenas de porta de entrada e de plataforma eleitoral eternizada. Ou seja, estupra-se eleitoralmente o Povo, que depois é embalado ao sabor das necessidades políticas, porque o Poder assim gerenciado é uma célula do partido, que representa a causa ideológica, ‒ ideologia que não comporta o Povo, mas o projecto de Poder partidário”. ● Reverberando o Psico-Sócio-Ânthropos. (Alguns elementos essenciais, a partir do Livro notável de Bruce H. Lipton: ‘A Biologia da Crença’ (A Libertação do Poder da Consciência, da Matéria e dos Milagres), ed. Sinais de Fogo, Lisboa, 2015). Podem os Indivíduos modificar-se?... Podem as Sociedades mudar, substantivamente?!... Como? Só ab extra ou ab intra?... Os Gênes são tratados na Genética; e é corrente referenciá-los ao darwinismo e à Obra de C. Darwin sobre a Evolução. Dizem respeito ao que se convencionou chamar Natureza. Mêmes é um termo recente, inventado pelo Biólogo inglês Richard Dawkins (a partir do último quartel do séc. XX), para, em contraponto com os Gênes, designar os elementos da memória e da Cultura, obtidos pelos seres humanos, no seu processo de Aprendizagem e Educação. O que a Nova Biologia nos ensina e devemos aprender, no Horizonte de B.H.L., é que o Indivíduo-Pessoa/Cidadão humano é um composto, na proporção de 50% em cada parte, de Gênes + Mêmes. O milieu lamarckiano, o Meio-Ambiente ou Sistema Ecológico (como é corrente dizer-se hoje), dum lado, conta tanto como o tradicionalmente chamado Determinismo genético, do outro lado, para as três ordens de Realidade do Indivíduo-Pessoa: Racionalidade, Sensibilidade e Imaginação. É claro que estamos a falar do paradigma da Espécie Humana que é identificado no ‘Homo Sapiens//Sapiens’, ‒ o qual procede, universalmente (à escala planetária), do ‘Homem de Cro-Magnon’ (de há ca. de 60.000 anos). Os descendentes do ‘Homem de Neanderthal’ desapareceram, então, completamente. ´´E sabido que o Evolucionismo darwinista anda, incontornavelmente, articulado com a Genética e com o determinismo genético dos organismos vivos, até por causa da noção darwiniana da ‘struggle for life’, quer dos organismos vivos (antes de tudo…), quer das próprias espécies biológicas vivas. Ora, a Evolução (a sua explicação científica, claro), segundo Lamarck (Jean-Baptiste Pierre de Monet: 1744-1829, Cavaleiro de), operava e desenvolvia-se através dos milieux diversificados, i.e., mediante as diferenças físico-químicas do meio-ambiente diversificado. Charles Darwin (1809-1882), nos últimos anos da sua vida, ele próprio começou a dar-se conta de que se havia enganado na problemática acerca desta matéria. No último quartel do séc. XX, Richard Dawkins parece ser o 1º Autor a chamar expressamente a atenção para o que ele co-
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meçou a designar, apropriadamente, por Mêmes, ligados à memória e à cultura dos seres vivos, muito especialmente ‒ como é óbvio ‒ no concernente aos Seres humanos. Desta sorte, concebidos em termos contrastivos, Gênes e Mêmes funcionavam por oposição mas em absoluta ‘companionship’ com as Leis da Natureza. R. D. está, por conseguinte, no horizonte científico certo (expresso no intercâmbio, operativo-funcional, entre Natureza e Cultura), bem ao contrário das tendências tradicionais em Biologia e, sobremaneira, na Bio-Antropogénese. Assim, Bruce H. Lipton, no seu Livro citado, encontra-se, hodiernamente, no horizonte científico certo, ao falar-nos de uma veramente Nova Biologia, nos termos em que o faz. Ele censura e rejeita os trends científicos tradicionais, ainda vigentes em muitas Universidades (onde ele próprio estudou…), os quais, no mínimo, atribuem uma proporcionalidade de 95% aos Gênes e ao determinismo genético e, tão-só, 5% ao meio-ambiente e à cultura. Tudo, neste Livro notável e cientificamente inovador, nos conduz a um panorama psico-sócio-antropogenésico de uma proporcionalidade média, entre as duas vertentes referenciadas, de 50% + 50%, para a Natureza e a Cultura, para o Meio-Ambiente (a Ecologia, onde é incluída, ipso facto, a Alimentação), por um lado, e por outro, os Determinismos genéticos dos organismos e das espécies respectivas. Curiosamente, já era este o nosso horizonte, quando, aos 18 anos, escrevemos a nossa Tese de Bacharelato em Filosofia, no Seminário Maior de Coimbra, subordinada ao título: ‘Evolucionismo ou Fixismo?!’. ● As psico-sócio-humanas Experiências demonstram e as Neurociências ensinam, sans ambages, que o Amor da Mãe e do Pai (sobremaneira, o da primeira), na 1ª e na 2ª infâncias (do zero aos 3, e dos 3 aos 6 anos) exerce, efectivamente, uma influência positiva, determinante e decisiva, na educação, formação e desenvolvimento adequados das crianças, ‒ desde logo na formação e desenvolvimento da massa encefálica e dos neurónios; e as proporções do carinho e do afecto aumentam, exponencialmente, a zona do hipotálamo, à qual é atribuída a formação e o controlo das Emoções. Neste quadro, como se pode depreender, logo após a 3ª infância (aos 9 anos), a transição para a adolescência e a juventude processa-se com muito mais equilíbrio e harmonia, de modo perfeitamente saudável. Parece óbvio, por conseguinte, que uma Criança amada tem muito melhores hipóteses de formação e desenvolvimento; e o que mais e melhor cresce, na exacta proporção do amor e do afecto paternais, é o próprio cérebro, designadamente a zona do hipocampo. (Vide art. de Katya Delimbeuf, in ‘Exp./Rev.’, 14.5.2016, p.103). O Doutor José Oliveira (especialista em imunopsiquiatria, a trabalhar na Fundação Champalimaud, confirma essas mesmas conclusões, nos termos seguintes (cit. ibidem): “A infância é, efectivamente, um período de particular vulnerabilidade aos efeitos de experiências traumáticas, como a negligência e o abuso físico, emocional ou sexual, ou uma menor afectividade dos progenitores. E estão mesmo associados ao desenvolvimento da doença mental em adulto”.
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A Educação dos Seres Humanos ‒ uma vez que o seu processus formativo é o mais longo de todos os seres vivos ‒ deveria, na verdade, prolongar-se, na Família, nas Escolas e em todos os graus ou níveis do Sistema Educativo, até aos 24 anos, ‒ idade em que os neurónios ou células cerebrais se encontram definitivamente amadurecidos. (M.R.). Até ao presente, porém, as Sociedades humanas, constituídas segundo os padrões do ‘Homo Sapiens tout court’, e a Cultura do Poder-Dominação d’abord, estão muito longe de pôr realmente os Seres Humanos qua Sujeitos (livres e responsáveis), em primeiríssimo lugar!... As Sociedades humanas deveriam moldar-se e adaptar-se a esta nova axiomática psico-sócio-antropológica, ‒ e não deixarem-se conduzir, por inércia ou pretensões ideológicas, no sentido diametralmente oposto, onde os Sujeitos humanos são, correntemente, convertidos em Objectos instrumentais ou cabeças de Rebanho. De facto, só por essa Nova Via, poderá abrir-se caminho para a emergência específica do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, capaz de substituir e superar o paradigma tradicional do ‘Homo Sapiens tout court’, com a sua tradicional Cultura da Potestas-Dominação d’abord, precisamente nos antípodas da Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. ● Dois extractos de Discursos do Papa Francisco (de seu nome Giorgio Mario Bergoglio, ex-Arcebispo de Buenos Aires/Argentina): são de índole sócio-política e invocam, justamente, o Diapasão Humanista: O primeiro foi pronunciado no Vaticano (a 6 de Maio de 2016), ao receber o Prémio europeu ‘Carlos Magno’, das mãos dos Responsáveis políticos supremos da U.E.. Reza assim: “Que te sucedeu, Europa humanista, paladina dos Direitos Humanos, da Democracia e da Liberdade? Que te sucedeu, Europa terra de poetas, filósofos, artistas, músicos, escritores? Que te sucedeu, Europa mãe de povos e nações, mãe de grandes homens e mulheres, que souberam defender e dar a vida pela dignidade dos seus irmãos?” O segundo Discurso foi pronunciado no Parlamento europeu (em 25.11.2014), onde o Papa Francisco finalizou a sua Lectio, depois de ter feito um veemente apelo à História da Europa e sua Memória, com a famosa ‘fórmula’ de Martin Luther King, no seu discurso de 1963, no Lincoln Memorial//Fragmentos, que reza como segue: “Sonho um novo Humanismo europeu (…). Sonho uma Europa que cuida da criança, que socorre como um irmão o pobre e quem chega à procura de acolhimento, porque já não tem nada e pede abrigo. Sonho uma Europa que escuta e valoriza as pessoas doentes e idosas, para que não sejam reduzidas a objectos de descarte, porque improdutivas. Sonho uma Europa, onde ser migrante não seja delito, mas apelo a um maior compromisso com a dignidade de todos os seres humanos. (…) Sonho uma Europa que promova e tutele os direitos de cada um, sem esquecer os deveres para com todos. Sonho uma Europa da qual não se possa dizer que o seu compromisso em prol dos direitos humanos constituiu a sua última utopia”. Como é bífida e difícil de compreender a Linguagem hu-
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mana, mormente nos ‘tempos de astúcia, suborno e calculismo’ em que sobrevivemos!... O famoso Helder Câmara (Bispo do Recife) disse um dia, com a sinceridade e a honestidade que o caracterizava: “Quando dou de comer a um pobre, me chamam de santo. Mas quando me pergunto por que razão os pobres não têm comida, me chamam de comunista”. (Citado, em exergo, no início do Prólogo ao Livro de Andrea Tornielli e Giacomo Galeazzi, subordinado ao título: ‘Papa Francisco: Esta Economia Mata’ (Bertrand Editora, Lisboa, 2016). O bispo do Recife (D. Helder Câmara) foi um dos 1os ca. de uma vintena que promoveram o texto complementar do Conc. Vat. II, assinado por perto de 40 bispos, em 1965, o qual tem por título (só postumamente publicado…): ‘O Pacto das Catacumbas: A missão dos pobres na Igreja’, Edições Paulinas, 2ª ed., Prior Velho, 2015, p.12). Em 17.5.2014, a estação televisiva ‘Euronews’ difundiu, em cinta a correr, uma notícia, que nos deixou intrigados e perplexos: o Papa teria dito que a França ‘exagera’, na sua Laicidade; na medida em que a sua Laicidade conduz à consideração de que as Religiões ‘constituem uma subcultura’!... Não sabemos, de concreto e situado, o que levou o Papa Francisco a tal opinião/conclusão. Até estaríamos, antes, na expectativa de que o Papa actual estaria ao corrente do melhor e mais actualizado, que se tem escrito em torno das ‘escrituras apócrifas’. de Nag Hammadí e do Qumran. Não saberá ele que Jesus era laico (nunca se apresentou como clérigo!), casou com a pagã Maria de Magdala, a sua melhor Amiga, e tiveram 2 filhos?!... Que há diferenças qualitativas de monta, entre o vero Jesuanismo e sua Mensagem (socrática, também) de Libertação e Amadurecimento das Sociedades humanas, dum lado, e do outro, o Cristianismo de Paulo e de ca. de ¾ do N.T., bem como de todos os Cristianismos tradicionais/históricos (aí incluído o Catolicismo Romano)?!... ‒ Pois é claro que não é a Religião, qua tal, que é o ópio do Povo!... O que constitui o vero ópio do povo ‒ e se pode configurar como uma espécie de ‘subcultura’ ‒ é o fenómeno, generalizado nas sociedades contemporâneas, do que o C.E.H.C. chama ‘as religiões institucionalizadas’, que, enquanto tais, subvertem e duplicam (platónica/paulinamente) as Sociedades humanas organizadas e a sua necessária e indispensável Renovação/Revolução. ● Contra a consabida e generalizada noção de Democracia, proclamada por Winston Churchill, de que ela constituía ‘o mal menor’ de todos os regimes políticos registados e arrolados, na história das Sociedades humanas, há que asseverar e defender a Tese de que a DEMOCRACIA é, efectivamente, o único Regime político adequado e digno do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, ‒ uma vez que é da Dignidade suprema da Política (pública) que deriva e flui a vis lógica da Legitimidade da Democracia, enquanto suprema e sábia Grandeza dos Seres Humanos qua tais. Em defesa de uma vera Confederação de Estados, na Organização da U.E., como já propunha e proclamava o C.E.H.C., nas décadas de ’80 e ’90, e defendia, igualmente, o Presidente da Comissão Europeia, Jacques Delors, na década de ’90 do
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séc. XX. Nesta perspectiva, parece convergir, também, o Militante socialista e Poeta luso Manuel Alegre, ao afirmar: “Fazer a Europa não significa desfazer as nações, tal como sermos membros activos da União Europeia não significa diluir, e muito menos destruir, Portugal. E também não significa retirar poderes aos parlamentos nacionais e submeter a aprovação das suas decisões a um pequeno círculo de tecnocratas das finanças públicas” (in ‘JL’, 11-24.5.2016, p.31). O que desejamos e queremos, com efeito, é uma U.E., que seja veramente uma Confederação de Estados soberanos (tal como, v.g., acontece na Helvetia); não uma Federação de Estados, com os Poderes polarizados e hierarquizados a partir, inexoravelmente, do Centro para as periferias. ● Os dois tipos modernos, diferenciados, de Revoluções históricas, nos Tempos Modernos. Por ordem cronológica: A) a Primeira Grande Revolução foi, inquestionavelmente, a Revolução Norte-Americana de 1776 (o mesmo ano da publicação da célebre Obra de Adam Smith: ‘Enquire into the Nature and Causes of the Wealth of Nations’. A Declaração da Independência da América, nesse mesmo ano foi, duplamente, significativa: a) a independência das primeiras 13 colónias-estados perante a Metrópole inglesa/ /G.B./U.K.; b) a gramática da organização sócio-económica capitalista, que essa Obra continha, e que a nova Nação emergente e revolucionária iria adoptar como Catecismo de vida. A Grolier Encyclopedia International exprime os Factos como segue: “AMERICAN REVOLUTION /1775-83), was for independence fought by 13 united British colonies in North America against Great Britain. The war, which became part of a world-wide struggle, established the United States as an independent nation, affected its internal political, social and economic arrangements, and had a significant and lasting influence on national and liberal political movements throughout the world”. Deixámos de parte, anteriormente, outras revoluções, como a de 1848, na Europa, que esteve muito longe de fazer vingar o Socialismo da Internacional; e a Revolução inglesa (‘Glorious Revolution’, de 1688) que só obteve êxito parcial enquanto o Parlamento a sustentou contra a realeza e o rei. Posteriormente, em termos cronológicos, não falamos, aqui, das ditas ‘revoluções socialistas’ (como a soviética, a chinesa, a cubana e tantas outras que pouco mais fizeram do que copiar o que J.K. Galbraith designava, com acerto e propriedade, ‘capitalismo monopolista de Estado’. B) A Segunda (cronologicamente, é a 1ª) Grande Revolucão é a que teve lugar na França monárquica do Louis XVI, entre 1789-95, com as 3 classes sociais reunidas nos chamados Estados-Gerais (Clero, Nobreza e Povo), com os objectivos essenciais de estabelecerem uma Nova Ordem Societária, baseada na geometria da República: como o Poder, agora, é no Povo ‒ não no Monarca e sua descendência hereditária ‒ que reside, abre-se o caminho para as Eleições, que se desejam universais…, e que vão seleccionar/escolher as personalidades que
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irão governar e dirigir, temporariamente, o Povo no seu conjunto, a Nação como um Todo. As novas Atmosferas ideológico-culturais assim o exigem. Se compararmos o tipo da Revolução Americana com o tipo da Revolução Francesa, é fácil chegarmos à conclusão de que o Projecto francês, em contraste com o americano, procurou ir mais ao fundo na presumida mudança das Estruturas Sociais. Mas… as Sociedades modernas ‒ todas elas ‒ não saíram do odre tradicional da Cultura do Poder-Dominação d’abord. Em 1791, a Assembleia Legislativa votou a Declaraçãp dos Direitos do Homem e do Cidadão, ‒ o Documento jurídico, sócio-antropológico, mais importante que saiu do Processus da Rev. Francesa. Como que a pré-anunciar, à la longue, nas oitavas da IIª Guerra Mundial, o Manifesto dos Direitos Humanos, elaborado por uma Comissão (constituída em 1946) da O.N.U., presidida por Mrs. Franklin D. Roosevelt, com o título geral ‘the Universal Declaration of Human Rights’ (a chamada ‘Magna Charta’ dos Direitos Humanos), que foi adoptada sem dissensões, em 10 de Dezembro de 1948, pela Ass. G. das Nações Unidas, apenas com oito abstenções, incluindo os membros do Bloco soviético, a Arábia Saudita e a África do Sul. José Miguel Sardica (historiador e prof. na Univ. Católica de Lisboa, publicou, recentemente, um livro com o título: ‘TERMINAR A REVOLUÇÃO’ (Edit. no Círculo de Leitores, Lisboa, 2016). Trata-se, não da ‘Revolução dos Cravos’ de 1974, em Portugal, mas do período longo, que a Revolução/introdução do Liberalismo em Portugal (no encalço da Rev. Francesa), levou, historicamente. É que a ‘notio’ de Revolução (violenta ou pacífica!...) será muito difícil que venha a desaparecer dos céus/horizontes da Humanidade!... O Autor parece ser adepto da cartilha do ‘politically correct’; não obstante, há dois temas na obra que lhe ressaltam em termos criticistas. Um é o relacionado com a situação em Portugal, que ele caracterizou como ‘Processo revolucionário em contínuo’, o qual perdurou desde 1808 a 1933 (com o advento da Constituição do ‘Estado Novo’ salazarista), durante 125 anos, ‒ um longo período recheado de pequenas lutas, por vezes bem aguerridas, lutas intestinas, no movimento de expansão do Liberalismo em Portugal (um país historicamente caracterizado por um Feudalismo senhorialista/caciquista de matriz católica…). Em termos historiográficos, o Autor chega a asseverar a Tese, com justeza e razoabilidade: “Salazar jamais teria chegado ao Poder e nele perdurado tanto, se o Liberalismo português não se tivesse consumido em querelas intestinas, que atingiram o seu clímax no período republicano” (in ‘JL’, 11-24.5.2016, pp.29-30). O segundo tema é o relacionado, precisamente, com o contraste entre a Revolução norte-americana de 1776 e a Revolução francesa de 1789. Escreveu ele, na entrevista havida aí (p.30) e conduzida por Luís Ricardo Duarte: “Nos futuros EUA, o objectivo era tão-só o de se recuperar uma liberdade, que era antiga, e que o governo de Londres estava, no séc. XVIII, a cercear. Em ne-
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nhum momento da guerra da Independência, surgiram utopias de transformação radical do homem, da sociedade ou dos valores. O caso francês foi diferente. A partir de Paris, os revolucionários quiseram transformar, a golpes de voluntarismo, todo o edifício político e social, fazendo tábua rasa do passado em nome dos direitos absolutos, da Nação. Foi isso que deu à Revolução Francesa uma ambição ilimitada, um carácter radical e não meramente liberal, assente numa ‘legitimidade’, que exigia a violência política como melhor método para golpear a velha ordem. Por isso, ela foi mais tumultuosa do que o processo norte-americano e muito mais influente sobre o continente europeu, porque, internacionalizada, arrastou a maioria dos países para o turbilhão ideológico aberto em 1789, ‒ fosse para o seguir e copiar, fosse para lhe resistir”. A bem dizer, o processus revolucionário francês só termina em 1799 quando Napoleão (general chefe do exército francês em Itália) instituiu o Consulado para se fazer nomear como Imperador. Entretanto, em 1794-5, a chamada convenção moderada foi extinta, com os jacobinos ostracizados; veio a seguir o Directório, onde o Poder fora entregue a cinco membros… Até que, finalmente, se sobrepôs a fôrma Império e o imperador (em armas) Napoleão Bonaparte, que a si próprio se coroou imperador. ‒ Tudo somado… as Revoluções, propriamente ditas (do tipo da francesa) não vingaram sócio-historicamente: nem as liberais, nem as capitalistas, nem as (ditas) socialistas, porque, em última análise, o chamado (e tão esperado!...) ‘Homem Novo’ não emergiu. Quem leu as críticas à Rev. Francesa do irlandês e político inglês Edmund Burke (1729-97), compendiadas no seu livro ‘Reflexões sobre a Revolução Francesa’, terá aprendido muito de positivo e útil. Mas a apreciação crítica do CEHC vai mais longe e ao fundo da Quaestio: o Homo Sapiens//Sapiens’ não emergiu, por contraposição ao tradicional ‘Homo Sapiens tout court’. Os indivíduos/cidadãos modernos continuam devotos da Potestas-Dominação d’abord… Um Fenómeno, que é inimigo da Inteligência e da Consciência humanas; e não tem pejo em ser amigo ou cúmplice da Violência e da ‘Servidão’ (segundo a crítica sarcástica de La Boétie). Miguel Sardica ainda tem a lucidez e a ousadia necessárias para ir abrindo caminho à luz de uma gramática crítica dos processos revolucionários, ao afirmar (ibi, p.30): “Se definirmos o termo da revolução como aquele momento em que um determinado Estado ou regime alcança uma situação de consenso político, estabilidade institucional, paz social e progresso económico, esse termo pode constituir um antídoto eficaz contra ulteriores aventuras políticas como a ‘sedução’ pelo fascismo ou pela ditadura. Dito de forma mais simples, liberalismos e democracias sólidas não são permeáveis a projectos autoritários. E, a contrario, foi porque alguns liberalismos e democracias eram frágeis ‒ e o revolucionarismo permanente ainda os fragilizava mais ‒ que a alternativa antiliberal pôde encontrar espaço e triunfar. Foi essa a história da Europa e de Portugal nos anos 1920 e 1930”.
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● Mas há ‒ como a própria História indicia e profetiza ‒ um terceiro tipo de Revoluções psico-sócio-históricas, advenientes num Futuro próximo, visto que elas são próprias e típicas das Atmosferas eidéticas (não dizemos, de propósito, ideológicas …) da Pós-Modernidade positiva e crítica (tal como defende e fala o C.E.H.C.) e que já começou em 1989-1991. Estas são, por definição e estrutura, Revoluções Pacíficas, ‒ operadas mediante meios e instrumentos pacíficos (não-guerreiros), cujos objectivo e missão essenciais são a emergência histórica do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, contra o tradicional e estruturalmente deformado, em termos de paradigma da Espécie dita Humana, foi constituído pelo dualista ‘Homo Sapiens tout court’ e pela sua Cultura do Poder-Dominação d’abord. Resumindo, em termos sapienciais e histórico-proféticos, estamos à espera de uma Revolução Psico-Sócio-Antropológica, levada a cabo por meios e modos criticistas e culturais, generalizada a todo o Planeta, e que faça emergir, como padrão estrutural generalizado, a Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. A célebre ‘Revolução dos Cravos’ lusa, de 1974/76, com os meios armados/pacíficos, que ainda se viu forçada a utilizar, e o fruto sazonado da ‘Constituição Política’ da Nova Democracia, que substituiu a ditadura salazarenta, aprovada na Ass. da República, em 25 de Abril de 1976, ‘a caminho do Socialismo’ (como então se dizia), pode, muito bem, constituir o padrão típico de todo este Processo histórico de vera transição para uma Nova Era, considerado à escala mundial. A ligação de Portugal à U.E., em 1986, tudo somado, redundou numa ‘má solução’, na medida exacta em que a Ideologia federalista (com o seu centro e cabeça na ‘Grande Alemanha’) tem-se balizado e orientado pelo mais duro Sistema Capitalista, na sua modalidade mais feroz e brutal, que é o Neoliberalismo capitalista global (o que os germânicos chamam, num misto de ardil e sarcasmo, ‘Ordoliberalismus’. Ora, o Capitalismo é uma Economia que Mata!... Como tem dito e insistido o actual Papa Francisco (viva você e nos seus escritos/encíclicas). Depois de ‘O Elogio da Loucura’, escrito, em 1509, por Erasmo de Roterdão, em casa de Thomas More, em Londres, a ‘Utopia’ de Thomas More foi escrita em 1516, na Flandres, em casa do seu Amigo Erasmo, e publicada nesse mesmo ano. Verdadeira Amizades culturais e revolucionárias ‒ estas duas! A ‘Utopia’ foi concebida e elaborada em diálogo com Rafael Hitlodeu, capitão das caravelas e naus portuguesas e configurada numa Ilha imaginária… A réplica desta Obra celebérrima, nos dias de hoje, seria uma espécie de molde para ser estendido e aplicado em todos os Continentes e Ilhas. Para que teria servido a Evolução real da Espécie humana, levada a sério e com honestidade, ao longo de cinco milénios, nos tempos da nossa contemporaneidade e vindouros?!... No termo da Introdução ao livro de More (edit. por ‘livros de bolso’ da Europa-América, em 1973, Pt., p.9), pode ler-se esta reflexão estruturadora/orientadora: “Thomas More é, com efeito, um dos precursores de todos os grandes utopistas, sem darmos qualquer carácter pejorativo a tal designação, da cultura de que somos herdeiros. Continuadores de More são, por exem-
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plo, os Iluministas, os Socialistas utópicos (Fourier, sobretudo) e, nos nossos dias, Herbert Marcuse, autor de uma obra intitulada precisamente ‘O Fim da Utopia’, em que o conhecimento teórico libertário defende a tese, implícita já na obra de More, de que o projecto ‘utópico’ de uma sociedade livre de indivíduos livres, se encontra perfeitamente ao alcance do mundo de hoje”. A Austeridade, enquanto solução colectiva e imposta de fora, para resolver os problemas de financiamento económico e prosperidade sócio-económica de um país, de acordo com os manuais modernos de Economia política, nunca constituiu medida adequada, em termos científicos. A Comissão da U.E. e a chamada ‘Troika’ entenderam que sim e fizeram de Portugal (ao lado de outros ‘pequenos’ países) bodes expiatórios para colmatar a sua inépcia e o erro (já reconhecido publicamente …) da malfadada solução. Portugal, durante o quadriénio do governo chefiado por Passos Coelho, passou da democracia para uma nova ditadura!... Com o Novo Governo, chefiado pelo socialista António Costa, o Povo (as massas populares) teve de novo a sensação e a esperança de retomar o regime democrático, que resultou da ‘Revolução dos Cravos’. Por exemplo, no sector da Educação e do Ensino. Basta lermos, com atenção, o número de Maio de 2016 do ‘Jornal da Fenprof’ (muito especialmente, pp.56-67), sobre o 12º Congresso Nacional dos Professores dos 4 graus de Educação/Ensino, seus Delegados sindicais e Representações Estrangeiras, levado a efeito no Grande Auditório do Seminário de Vilar, no Porto, dias 29 e 30 de Abril de 2016. Além das 25 Representações estrangeiras, assistiram ao Congresso mais de 500 Delegados Sindicais. O teor progressista e criticista das 14 Grandes Propostas formuladas e aprovadas (algumas das quais por unanimidade, demonstra-nos, à saciedade, como a Esperança voltou (contra o desespero da ‘nova ditadura’…) e o ‘espírito de Abril’ voltou a ser reencontrado. A Cultura hodierna tem de ser eminentemente científica e crítica, bem como norteada pela Ética/Moral. Jean Monnet (que chegou a ser Conselheiro de Roosevelt) e Robert Schuman ‒ os dois pais fundadores da Comunidade económica Europeia, mais tarde chamada União Europeia (que já agrega, hoje, 28 Países), os dois Arautos (de espírito visionário intemerato) proclamaram, pouco antes das suas mortes, que, se houvessem de começar tudo de novo, o Principium era na CULTURA (substantiva) que o deveriam encontrar e identificar: De facto, é na e pela Cultura que Povos e Nações logram e arquitectam as suas Identidades próprias. Na verdade, é precisamente nesse ‘continente’ que as veras Revoluções do ‘Homo Sapiens//Sapiens’ têm a sua origem. Menosprezar tal Tese essencial é reverter as Sociedades humanas à condição de ‘cabeças (contadas) de um Rebanho’!... É pela História que toda a Vida humana começa e é experienciada: a nossa origem, lendas, mitos, tradições (fundadas ou não…), as próprias ciências, que, mediante as tecnologias nos levam a modificar os processos, os meios e os instrumentos com os quais actuamos. Por isso, a História é assaz importante … e quem a ignora ou despreza, ou conhece apenas pela rama,
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superficialmente, acaba por ser suicidado, por culpa própria. A vida humana, qua tal, acaba sempre por ser marcada e avaliada por duas balizas/bússolas de orientação: A) A autenticidade (individual-pessoal), honesta e séria, que decorre de uma Consciência esclarecida e crítica; B) e a percepção certa do Tempo, i.e., do sentido da Evolução e da própria Vida; de contrário, não sairemos da eterna repetição dos círculos viciosos do Passado, que nunca nos poderão abriros caminhos do Futuro. F Nietzsche fez a denúncia certa do ‘eterno retorno’, no Processo histórico, segundo a cartilha do ‘Homo Sapiens tout court ‒ acrescentamos nós ‒, o qual não aprendeu, por definição do seu estatuto precário, as Lições essenciais da História.
* ● Jaime Cortesão (1884-1960). ‘Persona non grata’ ao Regime (dito) do ‘Esta-do Novo’ salazarista, de partido único e teor fascizante/fascista. Começa o dito Regime (procurando combater as convulsões e os distúrbios da Iª República (instaurada em 5 de Out. de 1910)), com a Marcha sobre Lisboa, em 28 de Maio de 1926, comandada pelo general Gomes da Costa, a partir de Braga; e é a partir da Constituição de 1933, de carácter integralista (recordam-se do ‘integralismo lusitano’?!...), que a governance de Oliveira Salazar se afirma, com despudor e força. As obras completas de Jaime Cortesão só começaram a ser editadas, postumamente, a partir de 1964; muito especialmente, a sua Grande Obra, que dá pelo títiulo ‘Os Descobrimentos Portugueses’ (próximo de 1000 páginas!...). Uma vez esgotada a 1ª edição, o Jornal semanário ‘Expresso’, desde os seus números de início de Março a fim de Abril de 2016, publicou e fez acompanhar, a referida Obra (em boa hora), distribuída em 8 ‘puntate’, e editada por A Aletheia (INCM). Relemos, agora, à medida que foram saindo a público com o ‘Expresso’, todos os 8 volumes (as 8 ‘puntate’). Em termos histórico-epistemológicos (baseada em Crónicas, Cronicões coevos e estudos especializados posteriores e actualizados, no concernente à sua época), e de aturada crítica comparatista, no género de um só Autor responsável por uma dada Obra, não temos conhecimento, em Portugal e sua História, de uma Obra tão monumental, semelhante, em qualidade e quantidade. O Modelo ou Gramática, em que o Autor se inspirara, era já o da chamada ‘Nouvelle Histoire’ francesa (iniciada por Fernand Braudel e companheiros e seus epígonos, na 1ª metade do séc. XX). Esta visão epistémica e esta nova metodologia (com a respectiva utensilagem disciplinar) estão presentes, ao longo de toda a Obra. No Prefácio ao vol. I (cf. ibi, pp.III e IV), o historiador da Univ. de Lisboa, Hen-rique Leitão, sob o tema ‘O Que Foi a Ciência dos Descobrimentos?’, escreveu o seguinte: “A partir dos anos sessenta do séc. passado, a historiografia científica interna-cional foi profundamente modificada. As limitações das abordagens tradicionais foram reconhecidas e os historiadores procuraram novos caminhos para as ultrapassar. Os mais importantes estudos concordaram agora num ponto: compreender o passado científico obrigava a alargar muito mais o campo de análise e a abandonar o esquematismo tradicional. Novos agentes vinham agora tomar um lugar central no palco do desen-volvimento científico; a história deixava de ser uma história apenas dos grandes génios e dos grandes nomes. O objecto de estudo também já não era só a descoberta extraordinária e o contributo tido por genial, mas sim aquilo que depois se chamou ‘ciência normal’. Os âmbitos que se passaram a estudar eram muito mais amplos. Não se tratava apenas dos espaços tradicionais, a universidade, a academia, ou o laboratório; também a oficina do artesão, o estaleiro do construtor, o atelier do artista, a escola, a corte, o mosteiro, todos estes eram espaços onde se podia descortinar actividade científica de inte-resse. A história da ciência deixou de ser apenas uma história de ideias; era com certeza uma história dos conceitos e teorias, mas agora também de práticas, de comunidades, de objectos ‒ e da interacção entre tudo isto. Acima de tudo, tornarase evidente que sem-pre que haviam existido muitos mais actores relevantes, no processo histórico
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da ciência, do que apenas os ‘cientistas’ excepcionais. Era preciso estudar figuras de segundo plano, e muitos outros: os professores, os técnicos de laboratório, os artesãos, os alunos, etc.. “Com vistas agora muito mais largas, os historiadores reconheceram que não podiam deixar de fora o estudo dos acontecimentos técnico-científicos em torno da expansão marítima europeia. As imensas transformações económicas, políticas e administra-tivas, que estão na base da criação dos impérios marítimos, tiveram incidência directa nas práticas científicas. A enorme mudança de escala introduzida pelas viagens oceânicas deu lugar a profundas alterações práticas, mas também conceptuais. As viagens e a exploração de novos continentes foram acompanhadas, não só de inovações tecnológicas e de aumento do saber, mas de muito mais: obrigaram à criação de novos mecanis-mos de controlo e gestão da informação, e ao estabelecimento de normas e programas de estandardização; afectaram radicalmente o modo como as ideias científicas se validam; alteraram os mecanismos de credibilidade científica e a relação com a tradição e com as autoridades científicas; levaram ao aparecimento de novas instituições e regulamentações com directa incidência em actividades técnicas e científicas”. Era já, em suma, o que, mais tarde Francis Bacon epitomizava no seu ‘Novum Organum’, e Giambattista Vico condensava nos seus ‘Principi di una Scienza Nuova’. Escreve, ainda, H.L., no 1ª parágrafo do Prefácio: “Dificilmente escaparia à atenção dos historiadores que, na expansão marítima portuguesa dos séculos XV e XVI, os aspectos científicos e tecnológicos jogaram um papel de relevo. Os progressos nas artes náuticas, na instrumentação e nas técnicas de navegação, as melhorias na cons-trução naval, os avanços na cartografia, o enorme aumento de conhecimento geográfico e do mundo natural, as novidades da farmacopeia, etc., tudo isto aparece de maneira evidente ao primeiro contacto com a documentação do período”. Nos espaços ibéricos, é indiscutível que foram, sem dúvida, os Portugueses os pioneiros dessa Grande Odisseia Oceânica. A concluir o seu Prefácio (p.IV), escreveu H.L.: “Esta nova visão sobre a ciência, no período da expansão marítima, revelou uma realidade muito mais rica do que antes se pensava. Trouxe, um pouco inesperadamente, uma renovada curiosidade sobre a história científica portuguesa, mas que, diferentemente do que sucedera no passado, parece agora interessar a muitos mais historiadores, de proveniências diferentes. “Nos textos de Jaime Cortesão, encontra-se já, com muita antecipação, a intuição correcta acerca da real natureza das actividades técnico-científicas dos portugueses. Nunca deixou de assinalar a novidade e o pensamento de muitas dessas actividades, mas embora algo limitado pelas concepções da historiografia do seu tempo, ele sublinhou a importância e o valor de muitos avanços técnicos e científicos, sem precisar de reclamar uma genialidade exagerada, para que os seus personagens fossem valorizados”. No Processo Luso dos Descobrimentos transoceânicos, Jaime Cortesão teve sempre presente, no seu horizonte de estudo crítico/comparativo, a dimensão criticista de uma globalidade planetária. São decisivos e importantíssimos, logo no 1º vol., os capítulos I: Conhecimentos geográficos e civilizações humanas ao findar da Idade Média (pp.7 e ss.); II: Obstáculos à Expansão da Cristandade (pp.79 e ss.); III: O franciscanismo, mística dos Descobrimentos (pp.83 e ss.); IV: O espírito laico e a expansão da Cristandade (pp.95 e ss.). É neste Quadro, simultaneamente estigmatizado por inércias e por dinâmicas estereotipadas (umas e outras…), que tudo evolui, com a preocupação acertada do método geográfico-e-náutico (pp.109 e ss.) e com o inevitável método económico-social (pp.149 e ss.). Logo no 1º cap. da sua Obra (Vol. I, p.61), J.C. mostra-se, interiormente convencido, dos resultados expansionistas/culturais e geográficos dos chamados ‘4 séculos gloriosos do expansionismo rápido’ (sécs. VIII-XII), do primeiro islão, reconhecidos por todos os historiadores. Escreveu ele, aí, sob o tema ‘A Ciência Náutica e o Império Comercial dos Árabes’: “Dito isto, compreende-se que o Islão fosse então a maior comunidade cosmopolita do planeta, e que ao seu imperialismo comercial correspon-desse uma cultura geográfica, igualmente superior à dos outros povos. Apenas, pelo que diz respeito à ciência náutica, não era possível atribuir-se-lhe, em fins do séc. XV, a mesma proeminência, ainda que os muçulmanos não andassem longe da melhor cultura marítima do Ocidente, então representada pelos portugueses”. Por que foi, justamente, a ‘Revolução’ do Franciscanismo o vero motor da Odisseia lusa (e europeia) dos Descobrimentos Marítimos?! A Cristandade vivia numa espécie de contradição
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estrutural (que veio da Idade Antiga e se prolongou pelos primeiros 2/3 da Idade Média: Dualidade entre Céu e Terra, Vida contemplativa e Vida activa; contradição entre o monaquismo de reclusão e o eremitério, dum lado, e do outro, o imperativo categórico das viagens e do Conhecimento da Natureza, dos outros Povos e de todo o Mundo. Ora, foi, precisamente, a S. Francisco de Assis (1182-1226), “ou melhor, ao franciscanismo, soma das tendências e dos esforços da nova ordem religiosa [que demorou ca. de uma dúzia de anos a ser aprovada pelo Papa… que desconfiava do seu espírito e dinâmica religiosos!...] que se deveu a conciliação entre os dois conceitos ‒ sínte-se do espírito que dilatou o cristianismo à natureza e libertou os povos do Ocidente do entrave que os impedia de se alargar sobre o mundo. Assim se compreende que a nova ordem dos franciscanos encontrasse desde o começo tão grande favor entre a burguesia e, por forma geral, entre as classes populares, e houvesse de sustentar tão ásperas lutas com o clero secular e as outras Ordens”. (J.C., ibi, p.83). Na metrópole-mátria da Cristandade, que era a Itália, o contraste sócio-cultural era patente (e quase ofensivo…) entre o ‘popolo grasso’ e o ‘popolo minuto’, os ‘majores’ e os ‘minores’, o clero e a no-breza/povo. Desta sorte, a emergência, em termos semântico-culturais e institucionais, teve, nas sociedades cristãs ocidentais, um impacto imenso. Não esquecer que a quase totalidade dos chamados ‘frades menores’ franciscanos eram leigos ou laicos… era, portanto, gente que não recebia o sacramento da Ordem e, por isso, não passavam ao es-tatuto de clérigos. As 3 características fundamentais do Franciscanismo: a) o voto de Pobreza: Francisco celebra os esponsais místicos da Ordem com a Dama-Pobreza; b) contra o sacerdócio hierático/medieval, distanciado das classes populares, os franciscanos cultivavam o espírito de colaboração fraterna junto dos mais pobres e humildes; c) Francisco e os franciscanos, aproximaram, por esse caminho, o homem da divindade e da natureza (cf. Idem, ibi, pp.84-86). Não esquecer que é, dentro da atmosfera franciscana, que o tradicional Presépio natalício, simples, sóbrio e humilde, toma forma e se perpetuou até aos dias de hoje. (Agora, ainda mais natural, in extremis, com a ‘Árvore’ nata-lícia, que até pode representar melhor a linha jesuânica, em contraponto à cristã!...). Por aqui mesmo se pode ver e verificar que Baruch de Espinosa e o seu ‘Deus sive Natura’ está certo e tem Razão, como está certo e tem Razão o Jesuanismo do CEHC, contra todos os dualísticos Cristianismos históricos de Platão e Saulo/Paulo. Foi, sem dúvida, importante e decisivo o chamado espírito laico (franciscano) para o desencadear dessa Grande Saga dos Descobrimentos Portugueses. Escreveu Jaime Cortesão (ibi, p.95): “Com o desenvolvimento das classes novas, em particular da burguesia, e a formação duma cultura própria, alheia à vida monástica e à estrita tutela eclesiástica, nasce e toma progressivamente corpo um espírito laico independente. Se o franciscanismo assumira grande importância, como criador duma nova sensibilidade religiosa, o nascimento simultâneo do espírito laico, que toma consciência de si próprio durante o séc. XIII, é outro dos aspectos fundamentais, que caracterizam as sociedades medievais naquela época e preparam o advento dos grandes Descobrimentos” (O itálico é nosso). Escreve o Autor (ibidem), completando o quadro dos dois factores conjugados, essenciais e decisivos: o espírito laico e expansão da Cristandade: “Entretanto, as transformações da estrutura social dos povos da Cristandade levaram os próprios mer-cadores a empreender, por motivos em que se fundiam o interesse do lucro e o desejo de conhecer o mundo, um movimento de expansão semelhante, em direcção à África e ao Extremo Oriente. Mercadores e missionários encontram-se sobre os mesmos e grandes caminhos e encruzilhadas do Continente asiático”. Advirta-se que J.C. atribui, já (ca. de 2 gerações antes das Novidades historiográficas aportadas, v.g., por Alfredo Pinheiro Marques, de quem falaremos mais adiante), às informações e estudos do Infante D. Pedro (que sobrelevaram muito os do Infante D. Henrique, que o Pai D. João I tornou Grão-Mestre da Ordem de Cristo). Diz ele (ibi, p.101): “É, além disso, muito provável que o Infante D. Pedro houvesse, com efeito, trazido consigo de Veneza o livro de Marco Polo, na versão latina, quando ali esteve em 1428 [no termo da sua Viagem de 4 anos que o ‘Infante das Sete Partidas’ levou a efeito pela Europa de então], ano em que regressou também a Portugal. Não é menos importante saber-se que o cronista Gomes Eanes de Zurara cita mais de uma vez o Marco Paulo na sua Crónica do descobrimento e conquista da Guiné, cujo manus-
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crito é datado, como se sabe, de 18 de Fevereiro de 1453. [Estávamos já no período da Regência do Reino pelo Infante D. Pedro: 1441-1449]”. Voltando, agora, ao tema anterior dos dois factores, essenciais e decisivos, da Saga dos Descobrimentos. Nessa mesma óptica, escreve o nosso Autor (ibi, p.104), caracterizando a inversão da tábua tradicional dos valores morais: “A esta renovação da ética, os progressos da especulação racional deram armadura lógica. Os hábitos de raciocínio e discussão, introduzidos na cultura laica medieval pela escolástica, generalizaram a atitude do livre exame [que, em matéria religiosa-moral, foi largamente desenvolvido, posteriormente, pelos ‘protestantes’…], que se exerceu contra as autoridades consagradas, quer da Antiguidade, quer da Igreja. Nas classes novas começou pouco a pouco a fermentar esse espírito revolucionário, com ameaça para as bases intelectuais e morais, em que até então assentara a sociedade”. Os resultados destas inovações, na Traditio hierárquica eclesiástica, balizou-os J.C. no painel seguinte (ibi, p.105): “Os laicos acusavam a Igreja de cupidez e amor excessivo do luxo e das riquezas; de procurar eximir-se à justiça secular, por meio do chamado foro eclesiástico; de escusar-se ao pagamento dos tributos gerais e régios, promovendo e organizando, ao contrário, uma tributação própria; e, ‒ não menor acusação e ácido motivo de querela ‒ de abuso do poder e usurpação de soberania, submetendo ao arbítrio dos Papas os mais altos negócios políticos, sem excluir a própria independência das nações. “Em obediência a esta lógica, o povo e os príncipes procuram afastar os representantes da Igreja, quer das assembleias urbanas, quer da administração das comunas e da gerência do Estado; tendem cada vez mais para a laicização do ensino e das instituições de beneficência; procuram codificar um direito próprio, já erigindo o costume do povo em lei, já inspirando-se nas regras do direito romano e na política de Aristóteles; adaptam as universidades, que durante o séc. XIII se multiplicam por toda a Europa, às tendências e ao espírito da nação; e, arrastados por esse impetuoso movimento de libertação, procuram substituir-se à própria Igreja, na definição, defesa e expansão do cristianismo. “Não é, pois, de estranhar que o espírito laico acabe por confundir as tendências da expansão económica com as da expansão religiosa, dando à mística dos Descobrimentos, tal como anteriormente a definimos, uma tonalidade própria, em que se misturam o desejo de saber e o amor da natureza com uma exaltada afirmação da fé, fora do âmbito e da tutela da Igreja, e um proselitismo ansioso por se estender a todo o mundo. “Se a mística dos Descobrimentos é de origem franciscana, essa espécie de exaltação mística do laicismo, que atinge nas suas relações com a Igreja as raias da heresia, dá-se, ainda uma vez, em contacto com uma das tendências em que acaba por dividir-se, durante o séc. XIII, a ordem de S. Francisco. “Com efeito, o espírito de renúncia [lembra quase a noção de capital, para J.M. Keynes], a essência do franciscanismo, levado às suas últimas consequências, servia as aspirações políticas dos príncipes laicos, pois negava à Igreja o exercício do Poder temporal, confinando-lhe a acção e o magistério aos domínios da fé. Também o contraste entre o ideal franciscano de pobreza e o luxo, a soberba, a prepotência de muitos dos membros mais altos da hierarquia eclesiástica, criaram dentro da Ordem um desacordo profundo com a própria Igreja”. Revoluções sociais, cujo embrião nasceu nos Cristianismos e nas Cristandades!... As primeiras ‒ como é sabido ‒ foram constituídas pelos primeiros ‘cristãos’ jesuânicos, que viviam em comum nas suas comunidades. (Os próprios evangelhos canónicos dão testemunho disso). As segundas foram as dos chamados eremitas ou ‘padres do deserto’, a começar por S. Antão, no Egipto. Não vamos aqui arrolar o cisma do Oriente, iniciado por Miguel Cerulário, em 1054: esta cisão foi mais de ordem político-cultural… ‒ Mas, nos sécs. XII/XIII, o Franciscanismo operou uma vera Revolução social/cultural, não só dentro da Igreja, mas, igualmente, nos espaços presentes e futuros das Cristandades Ocidentais. Bem haja, Amigo e conterrâneo (é do mesmo concelho em que nós nascemos: Cantanhede!...), J.C., por ter evocado esta temática importantíssima da Revolução cultural do Franciscanismo, esta ‒ sabêmo-lo ‒ é também a interpretação histórico-cultural do todo o CEHC (em Port., no Brasil, e no Mundo, através da Rev. Electrónica Noética: noetica.com.br). Mas o painel de J.C. sobre esta matéria não ficaria completo, se nós não transcrevêssemos os parágrafos da pág. seguinte (ibi, p.106) “É dentro desta lógica que, desde a
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primeira metade do séc. XIII, se propaga entre os franciscanos a chamada heresia dos irmãos espirituais, que exigiam a estrita observância da regra de S. Francisco, em particular o voto de pobreza, em breve seguidos pelos fratricelli; e todos, sob a influência de Joaquim de Flora [Gioachino di Fiori, da Calábria] dividiam a história em três idades: a do Pai e da lei de Moisés, que terminara; a do Filho e do Novo Testamento, em crise [ainda hoje!...]; e, por fim, a do Espírito Santo, cujo advento estava próximo e viria substituir-se ao Poder da Igreja, corrupta e decadente. Os irmãos espirituais seriam a alma dos Tempos novos, os apóstolos que alargariam a fé a todo o planeta e a toda a humanidade. [É, hoje, consensual entre os historiadores perspicazes que o espírito laico emergiu, precisamente, na época do declínio da Idade Média: e por obra de quem? Do Franciscanismo e da descoberta de novos Povos e novos Mun-dos!...]. “Como é lógico, os irmãos espirituais negavam a autoridade do Papa; não poupavam as críticas acerbas aos mais altos representantes da hierarquia católica; colocaram-se ao lado dos príncipes nas suas lutas pela supremacia do poder civil; e, durante o grave conflito das Investiduras entre o papado e o imperador da Alemanha, tomaram o partido deste último, assim como o de todos os monarcas de tendências civilistas, que, por sua vez, ampararam as suas lutas dentro da Ordem ou contra a Santa Sé. “Entre os chamados irmãos conventuais ou solenes, mais confinados ao claustro e menos fiéis à Dama Pobreza, e os irmãos espirituais, travou-se uma longa luta pelo domínio dentro da Ordem, que teve a sua repercussão na Península Hispânica. O misticismo exasperado dos espirituais, que se particularizou pela estreita colaboração com os príncipes laicos e pelo culto do Espírito Santo, inspirador do apostolado cristão em todo o mundo, foi, ao que pensamos e veremos, a forma própria que o franciscanismo tomou em Portugal, na época que precede, prepara e explica a empresa dos grandes Descobrimentos. [Estamos inteiramente de acordo: ainda hoje, as Festas ao Divino Es-pírito Santo são as maiores em toda a Região do Arquipélago dos Açores. E a chamada ‘Filosofia Portuguesa’, ao longo da história nacional, na fase posterior aos Descobrimentos está recheada desses revérberos!... Quem não conhece Autores como o Pe António Vieira, Fernando Pessoa, Sofia de Melo Breyner Andersen, que, no fundo, se sustentaram da Teoria histórica, tripartida, de Gioachino dei Fiori?!...]. “Este vasto e complexo conjunto de factores económicos, sociais e espirituais, que alargaram os horizontes da Europa, muito cedo solicitou a mente criadora dalguns homens, que pensaram em dar solução aos problemas que pesavam sobre a expansão da Cristandade. Foi por virtude dos estorvos, a que nos referimos, que as novas necessidades económicas e espirituais ligadas ao pensamento das Cruzadas, tomaram a forma da expansão geográfica; e começaremos por assinalar, em apoio desta afirmação, que as primeiras tentativas neste novo caminho, partiram, como era lógico, em teoria ou acção, dos países mais interessados no comércio do Oriente”. Em suma, os países da Península Ibérica e ilhas adjacentes. De facto, a cisão entre os espirituais e os conventuais, dentro da 1ª Ordem Franciscana, (o que, grosso modo, equivalia, à distinção/cisão entre leigos e clérigos…) não teve os resultados esperáveis, na organização (e seu espírito) das Sociedades, nas cristandades ocidentais. Longe disso!... Não saímos, na História Futura, a partir da Época dos Descobrimentos transoceânicos, nos sécs. XV e XVI, do molde antigo e tradicional da sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord. Na sequência do que se chamou (edulcorada e eufemisticamente!...) DESCOBRIMENTOS, vieram as tomadas de posse de terras, países e gentes; veio a colonização, logo a seguir ao comércio inicial das especiarias, pedras preciosas e mercadorias raras; vieram as diversas formas e modos de colonialismo, e os impérios coloniais ultramarinos, o último dos quais só acabou na lusa ‘Revolução dos Cravos’ de 1974. Uns a seguir aos outros, a maior parte dos países/nações europeus entraram na mesma odisseia trágica, logo a seguir aos pioneiros dos Descobrimentos (!...). Portugal e Espanha, Holanda, Inglaterra, França, Itália, Alemanha, Bélgica. Descobrimento vi-rou semanticamente, muito cedo, para denotar exploração, conquista e dominação de países/colónias e suas gentes, por parte dos seus senhores, os Agentes e os Donos das respectivas metrópoles. Desde o séc. XVII, até meados do séc. XIX, os navios negreiros procediam ao tráfego de escravos negros (em navios ocidentais contratados para o efeito), a partir de África (e com o consentimento dos seus régulos), para as três Américas e Austrália e Indonésia/Ásia austral. As sensibilidades ocidentais só começaram a mudar, na 2ª metade do séc. XIX, a partir da Grã-Bretanha.
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Curiosamente, a admissão legal e a cumplicidade com as práticas da escravatura ainda hoje se mantém: estimam-se 5 milhões de escravos em territórios islâmicos; o tráfico negreiro entre o séc. XVII e o XIX, ‒ os historiadores convergem neste número as-sustador: 30 milhões. Depois do bispo Bartolomé de Las Casas, ainda no séc. XVI, e o Pe António Vieira no séc. XVII, os Quakers ‒ enquanto comunidade ‒ foram os primeiros a insurgir-se contra as práticas esclavagistas, sócio-económicas, em 1671. O mo-vimento abolicionista da escravatura começa na Inglaterra, em 1807, através do Aboli-tion Act of Slavery; a lei foi aprovada no Parlamento britânico, em 1833, e a emancipação total foi proclamada em 1838. A proclamação da emancipação dos negros nos U.S.A. data de 1 de Janeiro de 1863, durante a Guerra Civil, por obra e graça do Presidente Abraham Lincoln. Em Portugal, o marquês de Pombal aboliu a escravatura índia entre 1755 e 1758, mantendo a negra, por decreto de 1858, que fixava o quadro da sua extinção total nas colónias, dentro de 20 anos a partir dessa data. Assim, Colonialismo e enriquecimento capitalista das Metrópoles, com as suas terras e gentes das colónias, a Escravatura sócio-económica (que data, pelo menos, de 3 milénios a.E.c., quando surgiram as primeiras civilizações patriarcais), as rígidas Hierarquias societárias, sempre adoptadas por todas as Sociedades patriarcalistas, a incom-patibilidade (absoluta) do Regime político Democrático com a Economia capitalista do ‘free market’, ‒ tudo isto (e muito mais…) foi a sorte, la rançon, os resultados do Fenómeno (iniciador da ‘globalização’ hodierna), a que, com pompa e ludíbrio, se deu o nome charmoso de DESCOBRIMENTOS!!! Nesse horizonte da Cultura do Poder-Dominação d’abord, que é ainda (infelizmente) o nosso (ocidental e mundial), a atmosfera ideológica dos sécs. XV e XVI cunhou a fórmula indelével da dilatação, a um só tempo, da fé e do império!... A fórmula axiomática foi expressamente apadrinhada e proclamada, como Objectivo central, pelo épico luso na sua celebérrima Epopeia ‘Os Lusíadas’. Justificação historiográfica não lhe escasseou… Faltou-lhe, tão só, o adequado Discernimento epistémico e ético, que os seus Tempos não eram capazes de lhe facultar!... ‘Oh! Tempora; oh! Mores!’. Não dis-se o próprio Luís Vaz: ‘Mudam-se os Tempos/Mudam-se as Vontades’?!... É hoje sabido que ca. de 1420 a 1430, (portanto, cerca de meio século antes das viagens de circum-navegação de portugueses e espanhóis), 10 Almirantes chineses, por ordem e mandato do imperador da China (o famoso ‘Império do Meio’), da dinastia chin, saíram de Pequim e Nanquim, em Juncos Grandes, com o objectivo de visitarem o maior número possível de Países, a fim de, com eles, poderem estabelecer, tão só, uma rede eficaz de Comércio e negócios internacionais. Nada mais do que isso!... Deram a volta transoceânica ao Mundo; disseram os estudos elaborados sobre a matéria que chegaram às Ilhas do Extremo Ocidente. Entretanto, uma Grande Tempestade abateu-se, a meio do Processo, sobre o Palácio imperial (a dita ‘cidade proibida’…), com muitos ventos, relâmpagos e trovões, e um raio atingiu o Palácio imperial e matou a imperatriz!... O imperador mandou, de imediato, regressar à base e dar sem efeito, todos os esforços e despesas empreendidos nessa odisseia. O Resultado… foi tudo como se nada houvera acontecido. ‒ Esta, afinal, não será o resumo-padrão da vera e eficaz Lição do Velho do Restelo (que é mais positiva e humanizante, do que negativa e desumanizante, como o tal ‘Episódio’ tem sido interpretado tradicionalmente), que Luís Vaz de Camões cantou no Canto IV, estrofes 94-104, do seu célebre Poema?!... Estávamos a referir-nos a um livro sobre as ‘Viagens Marítimas’ chinesas de um tal Gavin Menzies, cujo poiso perdemos na nossa imensa Biblioteca (em virtude do enficheiramento electrónico, que está a ser efectuado pelo especialista da S.M.S.). Não obstante, num 2º momento, o nosso Amigo Luís Fernandes ajudou-nos a reencontrar o dito Livro, no novo Esquema topográfico adoptado, para a nossa vasta Biblioteca. Estava certo o nome do Autor, que havíamos citado de memória. O título preciso do Livro é: ‘1421: O Ano em que a China Descobriu o Mundo’. (Foi editado pela Dom Quixote, Lisboa, 2003.) Descreve-nos a Saga da CircumNavegação do Mundo, pelos Chineses, entre 1421 e 1423. Dois (ou três!...) Almirantes estiveram em evidência: Zheng He, Zhou Wen e Yang Qing. As Lições a extrair, a partir do confronto com o que fizeram os navegadores ibéricos ca. de 70 anos depois, podem resumir-se como seguem: A) Os Chineses pretendiam apenas estabelecer ‘entrepostos’ de comércio internacional através do Mundo; B) não se entregavam à conquista e à
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Dominação de territórios e de gentes, ‒ o que lhes estava vedado pela Ética de Confúcio; C) não se dedicavam à colonização nem se entre-gavam ao colonialismo, como fizeram os Ocidentais. Diz o texto ‒ resumindo-o ‒ na contracapa do Livro: “De acordo com Gavin Menzies, foram os chineses os primeiros a atingir a costa americana, assim como a fazer a primeira viagem completa à volta do mundo. Sob o comando do lendário almirante Zheng He, uma frota composta por mais de cem navios deixou a China em Março de 1421, para atravessar o oceano Índico, dobrar o Cabo da Boa Esperança e explorar as costas sul-americanas e australianas. Um grupo de exímios cartógrafos terá desenhado um mapa detalhado desta extraordinária viagem. Mapa que, depois de várias peripécias, terá chegado a Portugal, em 1428, e acabado nas mãos dos maiores navegadores europeus”. Entretanto, surgiu, mais recentemente, (em 2015, em inglês) um livro do historiador inglês de Cambridge, Roger Crowley, editado, agora, em português, pela Editorial Presença/2016, com o título: ‘Conquistadores ‒ Como Portugal criou o Primeiro Império Global’. Sobre esta obra, Guilherme D’Oliveira Martins faz a recensão e o resumo em ‘JL’ (13--26.4.2016, p.31), subordinados ao título: ‘A memória dos Conquistadores’. Sob o mandato da dinastia Ming, a Marinha chinesa, entre 1431-1433, deu a volta ao Mundo, em 6 viagens, com o objectivo de afirmar a presença do império chinês, em função de estabelecer uma rede de Comércio global: sob a chefia do Almirante islâmico, Zheng He, que veio a morrer em Calecute, na costa da Índia. Depois disso, tudo e todos recolheram a penates!... Diz G.D.M. (ibi): “A orientação política no Império da China mudara e, em lugar da abertura ao mundo prevaleceu o isolamento e foi reforçada a ‘Grande Muralha’. As viagens marítimas foram banidas e os registos delas destruídos. Neste primeiro caso, dá o Autor nota de que aquilo que os portugueses fizeram, ao abrir o caminho marítimo para o conhecimento do Planeta, poderia ter acontecido a partir da China”. Escreveu, a propósito do mesmo tema, G.D.M. (ibidem): “Crowley refere, no início e no fim da sua obra, dois aspectos singulares. Por um lado, lembra que durante 30 anos, no início do séc. XV, o imperador Yongle, da recém-estabelecida dinastia Ming, enviara armadas pelos mares ocidentais, apenas para afirmar o poder do Império do Meio. As expedições foram seis em vida de Yongle e sete entre 1431 e 1433. Não houve tentativas de ocupação militar nem empreendimentos económicos, apenas uma animação de poder e influência. Em 1433, na sétima expedição, Zheng He, o mítico almirante muçulmano, morreu, talvez em Calecute, na costa da Índia, e depois da sua morte as ‘jangadas estelares’ não voltaram a navegar. A orientação política no Império da China mudara e, em lugar de abertura ao mundo, prevaleceu o isolamento e foi reforçada a Grande Muralha. ‘As viagens marítimas foram banidas e os registos destas destruídos’. Neste primeiro caso, dá o Autor nota de que aquilo que os portugueses fizeram, ao abrir caminho para o conhecimento do planeta, poderia ter acontecido a partir da China”. Apesar de algumas diferenças entre os dois Autores mencionados, a filosofia ideológica de fundo é a mesma. Eis por que a Conclusão de Crowley (e G.O.M.) não nos parece acertada. Desde logo, os Objectivos ideológico-culturais eram diferentes: Para os ocidentais, a começar pelos Portugueses e Espanhóis, os Objectivos eram diferentes: Descobrimento → Conquista → Domínio/Dominação de territórios e gentes. A tomada de posse (de terras e gentes) constituía o resultado natural do que se tem chamado a semântica normal do vocábulo/lexema Descobrimento. É assim que tem funcionado, historicamente, a Atmosfera ideológica no Ocidente!... Não acontecia o mesmo, segundo os dois Relatórios, para os Objectivos ideológico-culturais dos seguidores de Confúcio e Buda!... Para além desta Controvérsia de ordem cultural, (e com as respostas já indiciadas e esclarecidas), pode ainda soerguer-se a Quaestio estrutural: Por que foi Portugal, e não a China, a contribuir, decisivamente, para a primeira Globalização do Planeta?! Curiosamente, os Juncos chineses eram de formato muito maior que as naus, as galés e as caravelas portuguesas. Não obstante, outros Factores decisivos contribuíram para o êxito dos Portugueses, a saber: ‒ O litoral luso aberto e escancarado ao Mar-oceano, em contraste com a terra firme de Castela e Aragão e da Grande Espanha continental…; ‒ o isolamento e a periferia extrema em confronto com o comércio do Mediterrâneo, que estava polarizado nas cidades portuárias de Veneza e Génova… face a este fenómeno, a réplica de alguma inveja também operava. ‒ Eram, igualmente, impor-tantes e decisivos os factores de alguma Democracia práxica,
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bem como ‒ referido fortemente por J.C. ‒ o amor efectivo à Natureza, como resultado da Revolução cultural aberta apelos Franciscanos, a que alude o próprio Jaime Cortesão. ‒ A preparação (própria e adequada), por parte dos Portugueses, de ordem científica e tecnológica, geográfica, náutica e astronómica. “O destino e a sorte de Portugal foram não ter acesso ao Mediterrâneo, a arena movimentada do comércio e troca de ideias. Na orla da Europa e periféricos ao Renascimento, os Portugueses podiam apenas olhar, invejosamente, para a riqueza de cidades como Veneza e Génova, que tinham assumido posições dominantes no mercado de bens de luxo vindos do Oriente: especiarias, seda e pérolas, comerciando com as cidades islâmicas de Alexandria e Damasco e vendendo os produtos a preços monopolistas. Portugal, porém, estava virado para o mar”. (R.C. cit. por G.O.M., ibidem). ‒ Virado para o mar e instruído nas ciências náuticas e na construção naval, os portugueses, nas suas viagens, levaram e trouxeram coisas boas e más: “armas de fogo e pão para o Japão, e astrolábios e feijão-verde para a China, escravos africanos para as Américas, chá para Inglaterra, pimenta para o Novo Mundo, seda chinesa e medicamentos indianos para todo o continente europeu e um elefante para o Papa” (ibidem). Jaime Cortesão, na sua Obra, dá-se, muito bem, conta das várias movimentações entre as diversas classes sociais, com referência às sempre presentes preservações do Poderes hierárquicos da Igreja e do Papa (cf. 1º vol., pp.71-75). Um exemplo inicial (p.71): “Como é lógico, são os burgueses os primeiros a tentar a luta, a dar corpo às vagas aspirações de emancipação das classes inferiores e a fornecer os dirigentes desse movimento de libertação política na Europa. Mais ricos, mais poderosos, com um po-der de iniciativa e compreensão mais vasto que lhes dão as suas relações comerciais, as associações de mercadores possuem também um carácter mais eficaz que as das classes dos ofícios. Não foi sem luta que os burgueses conquistaram os seus direitos. Por via de regra, os primeiros teatros desses conflitos foram as cidades episcopais. Mais sedentários que os príncipes laicos e temendo, por consequência, as ingerências perturbadores na estabilidade do seu domínio, os bispos, que exerciam uma autoridade juntamente es-piritual e temporal, consideravam ou simulavam considerar, por via de regra, qualquer concessão ou diminuição dos seus privilégios como um perigo para a Igreja”. ● Apreciação (crítica) desta Obra de Jaime Cortesão Ao longo destas páginas já respigámos, criticamente, tanto em termos culturais como histórico-científicos, alguns considerandos essenciais e indispensáveis sobre esta Obra grandiosa. Agora, desejamos finalizar esta temática, com uma referência final aos cultores do que o CEHC designa ‒ mais de duas gerações volvidas ‒ por ‘História ao 3º grau’. No Posfácio aos 8 volumes da Obra (publicados juntamente com o semanário ‘Expresso’, que temos vindo a utilizar ultimamente), o Prof. João Paulo Oliveira e Costa da Fac. de Ciências Sociais e Humanas, na Univ. Nova de Lisboa, escreve, com pertinência, os dois parágrafos seguintes (p.959), que vamos transcrever: “Passou meio século sobre a edição original da História dos Descobrimentos Portugueses de Jaime Cortesão. Esta obra é hoje um clássico, que nos permite compreender o modo como o tema da Expansão Ultramarina era visto e debatido então. Procurava-se nesse tempo en-contrar a razão primordial que teria sido o motor da saída dos Portugueses do seu rectângulo peninsular, analisava-se detalhadamente as expedições do séc. XV, confundia-se facilmente as viagens de exploração com a criação de um império ultramarino nos primórdios de Quinhentos e persistia um maravilhamento em relação a uns pseudo ‘anos dourados’, que privilegiava a análise da ‘gesta lusitana’ até meados do séc. XVI e que apenas espreitava timoratamente os anos subsequentes. “Num tempo em que Portugal se confrontava com a sua própria herança, através da Guerra Colonial, a História dos Descobrimentos era usada e abusada, tanto pelos sec-tores afectos ao governo, como pelos oposicionistas. Os olhares apaixonados sobre a História, de um lado, viam nos navegadores, soldados, missionários e aventureiros um conjunto de heróis sacrossantos, e do outro, um bando de vilões facínoras. Discutia-se o predomínio da Cruzada civilizadora ou do negócio interesseiro, como se os homens de ontem ou de hoje fossem simples peças de uma engrenagem e como se a leitura do mundo se pudesse fazer a preto e branco”. [Mais que, afinal,
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o próprio J.C., o autor do último período queima incenso e não discute o padrão antropogenésico errado do ‘Ho-mo Sapiens tout court’!...]. Entretanto, no último parágrafo do Posfácio (ibi, p.962), o historiador em causa escreveu, com pundonor e acerto: “A historiografia evoluiu muito depois de Cortesão, mas, na forma de perceber a História como um todo, Jaime Cortesão deve continuar a ser lido”. Ora, interpretar e entender a História como um todo, é empresa que muito poucos conseguem almejar. Implica pensar o passado, o presente e o futuro das Sociedades humanas, enquanto Processo histórico, ‒ não à maneira hegeliana ou marxista, onde predomina o Determinismo e a visão unicórnia dos Acontecimentos, mas em termos de relações entre causas e efeitos, só que neste continente, as raízes do processus são os Indivíduos-Pessoas/Cidadãos. E é, de facto, sob este horizonte, que a Obra em causa de Jaime Cortesão faz jus ao que nós chamámos a ‘Nouvelle Histoire’ dos Annales, na 1ª metade do séc. XX. Dir-se-ia que Jaime Cortesão se aproxima da ‘História ao 3º Grau’, em certas referências que faz e no modo de tratá-las. J.C. sabe tratar bem, e com rigor, os factos que envolvem as três dimensões: psico-sócio-cultural/institucional (cf. ibi, pp.839 e ss.). Sabe discernir, com rigor, o que foi um simples achamento, em contraste com o vero descobrimento (cf. p.849). A Carta de Pero Vaz de Caminha, enviada desde a chegada ao Brasil a D. Manuel I, o Venturoso, é disso tudo um exemplo flagrante. É preciso lê-la com muita atenção. Só assim é possível encontrar o vero perfil, as características próprias dos seres humanos aí encontrados, ‒ a Terra de Vera Cruz ‒ como ele a nomeia ‒ dos aborígenes/íncolas do Brasil, do tipo de humanidade das tribos Tupi-Guarani, com toda a sua simplicidade e inocência selvagem: O ‘Bom Selvagem’ de J.-J. Rousseau teve, sem dúvida, aí, a sua 1ª origem moderna: nesse ‘Novo Mundo’… nessa ‘Ilha’, separada da América do Norte (cf. vol. VIII, pp.934 e ss.). Novo Mundo é expressão que P.V.C. não utiliza… mas a realidade nua e crua é por ele vista e entendida, com as expressões mais vívidas e naturalísticas. ‘Terra de Vera Cruz’ foi a expressão, o 1º nome que lhe foi atribuído pelo capitão das naus Pedro Álvares Cabral. Um tal nome e seu significado implicam, desde logo, terra firme = continente, em oposição a uma simples ilha. Por exemplo, a Carta do Florentino Vespúcio (escrita, provavelmente, em 1502), titulada expressamente com o nome de ‘Mundus Novus’, não chega aos calcanhares da magnífica Carta naturalística de Caminha. Do testamento de Caminha, chega mesmo a depreender-se que o chamado e notável (no Br.) Bacharel da Cananeia, que, em tempos de D. João II, fora degradado para a ilha de S. Tomé, seguiu para o Brasil nas naus de P.A.C.. (Cf. ibi, p.922). O padrão do que o CEHC designa, nesta mesma área científica, da ‘História ao 3º Grau’ (capaz de envolver as 3 dimensões: a objectiva-fisicalista; a social-sociológica; a psíquicasubjectiva/psicanalista) é representado na obra de Alfredo Pinheiro Marques: Vejam-se, ex. g., os três Livros, que nós consideramos principais: ‘A Mal-dição da Memória do Infante Dom Pedro e as Origens dos Descobrimentos Portugueses’, CEMAR, Figueira da Foz, 1995; ‘Vida e Obra do ‘Príncipe Perfeito’ Dom João II’, CEMAR e C.M. de Mira, 1997; ‘Vida e Obra do Infante Dom Pedro’, CEMAR-Gradiva, Mira, Lisboa, 1996. Numa Antologia de textos em homenagem à Obra da História ao 3º Grau, levada a efeito pelo Director/Presidente do CEMAR (Associação cultural, de índole particular, sem fins lucrativos, agora sediada em Buarcos//Figueira da Foz), Dr. Alfredo Pinheiro Marques, reunimos estudos e trabalhos de mais de uma Dúzia de estudiosos e especialistas, numa edição cartonada, editada, em São Paulo, Brasil, em 2005, pela EDICON, onde se empenharam muitas Individualidades conhecidas e Grupos de trabalho como o CEMAR, o Grupo Granja, o CEHC. O título era: ‘MITO-HISTÓRIA & ÉPICA’; e o subtítulo referia, com justeza e pertinência: ‘Por um Refazer da Historiografia Portuguesa’. Aí mesmo, escrevia (p.28) Manuel Reis, no Estudo titulado ‘REFAÇAM A HISTÓRIA DE PORTUGAL’: “A História faz-se, efectivamente, na base de documentos e de fontes credenciadas. Ora, quando isso não acontece (v.g., nos casos da famigerada ‘Escola de Sagres’, supostamente fundada pelo ‘Infante Navegador’, e do mito do Infante D. Henrique como Chefe cimeiro da Empresa dos Descobrimentos por-tugueses, erguido e plasmado por um inglês em meados do séc. XIX), quando a História oficial portuguesa gasta o seu tempo de investigação e difusão, à custa do erário público, a reunir e a acumular erros e patranhas (ideológicas…), impondo-os, serena e solenemente, às elites culturais e a uma pretensa Opinião Pública, sempre
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em benefício do Establishment e da Cultura do Poder-Condomínio, ‒ é absolutamente necessário e urgente começar por exigir, a todos os académicos e universitários bem como a todos os estudiosos da História nacional, a necessária e indispensável distinção entre a História e a historiografia. Isto impõe, desde logo, que se indague a situação dos autores dos do-cumentos, os seus eventuais compromissos e dependências (económicas e psicológicas) vis-à-vis dos Poderes estabelecidos. Depois, é preciso proceder à inquirição (crítica), cuidadosa e completa, da verdade histórica, no plano das historiografias coevas dos próprios factos e acontecimentos, confrontando criticamente as fontes entre si. Cumulativamente, cumprir-nos-á, em conclusão, separar acuradamente o trigo do joio, o que se chama History, e o que minimamente não vai além da story: uma estória ideológica, servilmente orquestrada ao serviço das classes dominantes e dos Poderes estabelecidos”. Há livros excepcionais que, por si mesmos, anunciam toda uma Nova Cultura (criticista), toda uma Nova Civilização (criticista). Este, de que estamos a falar, esta Antologia é um deles. Estamos, todos, a remar contra a maré. É como velejar contra o vento, numa caravela ou numa canoa… Ora, a melhor e mais eficaz maneira técnica de o fazer é utilizar a vela triangular (ou latina), não a quadrangular!... Os capitães e os marinheiros lusos de Quinhentos conheciam bem essa tecnologia nas caravelas e nas naus. Vamos, assim, transcrever dois textos da Obra em questão. O primeiro surge na capa exterior esquerda, como explicação do subtítulo: “[História de Portugal revisitada por Documentos, que formulam uma Nova Cronologia Histórica e barram o discurso oficial de falsos e até de alguns bem intencionados historiadores lusos e brasileiros, apesar dos silenciamentos, censuras, plágios e roubos, que sofreu o historiador e professor Alfredo Pinheiro Marques, obreiro de tal revolução académica!]. O segundo texto é da contracapa exterior direita: “Mito-História & Épica é um daqueles raros trabalhos literários, em que intelectuais abrem o coração e, na dimensão histórica que são e representam, estabelecem diálogos com o mundo e as comunidades. “Neste livro, de fundamental importância para um novo olhar sobre a História, que ocidentalizou a América, a partir do Quatrocentos Português, foram compilados textos de Manuel Reis, João Barcellos, Christine Ramalho, Figuera de Novaes [i.m.], Virgínia Soares Pereira, Alfredo Pinheiro Marques, Rosemary O’Connor, J.C. Macedo, L. Corte-Salva e Céline Abdullah. “Mito-História & Épica teve origem na Obra académica e científica de Alfredo Pinheiro Marques, que revolucionou a História de Portugal; por isso, é o seu texto [re-umo da Obra] que abre o livro, logo seguido da análise de Manuel Reis a essa mesma Obra, e um sempre em construção texto de prosa-poética de João Barcellos, situado na mesma época. Dividido em ‘Livro Um’, com a temática principal, e ‘Livro Dois’, com temas periféricos, mas entrelaçados na História que fez Portugal e levou os Portugueses ao Mundo, Mito-História & Épica é um quase manuel para todas as pessoas dispostas a encararem de frente a vera História de Portugal, que gerou a Luso-Brasilidade, por um lado, e a ocidentalização da América, por outro. Observações latino-americanas [Figuera de Novaes; Christina Ramalho] e africanas [Céline Abdullah] juntaram-se a ‘olhares’ europeus [Rosemary O’Connor; Virgínia Soares Pereira; J.C. Macedo; L. Corte-Salva] num painel de livre expressão para um Mundo Novo. “Como costuma dizer o poeta João Barcellos, ‘Portugal desapareceu, primeiro, no assassinato do Infante-Regente ‘Das Sete Partidas’, e foi enterrado de vez com mais um acto feudal: o assassinato do Rei Dom João II, neto daquele morto em Alfarrobeira. Geraram-se, no fascismo vaticaniano do Salazarismo, imagens que deram continuidade ao acto feudal, principalmente através do mito henriquino das navegações, ‒ e, hoje, depois do Salazarismo e do Processo Revolucionário Em Curso ‒ Prec, de 25 de Abril de 1974 ‒, só raros Portugueses se percebem como tais na análise inovadora, que é o descobrir a mátria raíz do Ser-Português, na territorialidade onde a Política oficial tei-ma, em ideológica masturbação, desconhecer e fazer desconhecer a História da Nação, primeiro galego-portuguesa, e depois, portuguesa, embora sem nunca deixar ‒ ao centro e ao norte, principalmente ‒ de estar-Galicia e com o peito aberto ao Mundo e por uma res publica que tinha, sim, na época pedro-joanina, o Ser-Português como foco!... ‘ É disto que trata o ‘Livro Um’ de Mito-História & Épica, e termina, no ‘Livro Dois’, com análises tão periféricas quanto centrais, pois, a abstracção e a decomposição de temas vários caros a Portugal, de ontem e de hoje, trazem-nos uma análise arrojada onde se respira, também, a
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Lusofonia ‒ entendida, aqui, filosoficamente, e não no aspecto econômico das diplomacias de mente colonial. “Mito-História & Épica é um livro que vai ajudar portugueses, brasileiros e o Mundo, a entenderem os Descobrimentos, a Época pedro-joanina e a Luso-Brasilidade com ritmo galego!” Elen R. Cédron [Genève/Ch, 06.01.2005].
O CEMAR, presente nas Comemorações do assassinato do Infante-Regente do Reino, Dom Pedro, Duque de Coimbra (etc.), o ‘das Sete Partidas’, na data de 20 de Maio de 2016: (a sua morte ocorreu a 20 de Maio de 1449). O e-mail foi-nos transmitido pelo Director do CEMAR, Dr. Alfredo Pinheiro Marques, em 20.05.2016. O texto é o seguinte: “Hoje, 20 de Maio de 2016 ‒ ‘FARTAR VILANAGEM’…! ‒ , completam-se quinhentos e sessenta e sete anos, desde o dia da ‘batalha’ de Alfarrobeira e da morte do Infante Dom Pedro (1392-1449), Regente da Coroa de Portugal (1439-1448), Duque de Coimbra, Senhor de Montemor-o-Velho e de Buarcos, de Aveiro e de Ílhavo, de Mira, Lousã, Penela, Miranda, Condeixa, etc., markgraf de Treviso, viajante das ‘Sete Partidas do Mundo’ (1424-1428)… responsável pela vinda para Portugal do Livro de Marco Polo e do mapa de Fra Mauro… verdadeiro incentivador das actividades comerciais-marítimas e da instalação de pescadores em Portugal… verdadeiro incentivador dos Descobrimentos Geográficos e da Expansão Ultramarina Portuguesa… cultor do Legado Clássico e tradutor de obras da Antiguidade Greco-Latina (autêntico inventor da Língua Portuguesa, em parceria com o seu irmão Rei Dom Duarte e com o historiador ao serviço de ambos, Fernão Lopes)… autor do ‘Livro da Virtuosa Benfeitoria’ (c. 1431)… promulgador do primeiro código de Leis escritas portuguesas (1446)… precursor da tentativa malograda da criação do Estado português… avô e inspirador polí-tico daquele que, depois, na geração seguinte, veio a ser o maior vulto de todos os Tempos da História de Portugal (e o principal construtor desse Estado português): o seu neto de sangue, e vingador, o Rei Dom João II (1455-1495), o ‘Príncipe Perfeito’ de Portugal ‒ aquele que, no seu próprio tempo, nos dias da sua vida, foi chamado ‘el Hombre’… ou ‘Dom João II, o Grande’ (grandeza…[!] em Portugal… [!!!], aquele que veio a ser o maior governante de todos os tempos da terra e das gentes portuguesas (… ‘dos seus povos mui querido, e dos grandes mui temido’… ‘próprio e verdadeiro coração da República’… ‘amor dos bons, dos maus terror e espanto’… ‘pela Lei e pela Grei’ [pela Justiça e pelo Povo]…). “Hoje, 20 de Maio de 2016 ‒ ‘FARTAR VILANAGEM’… ‒ completam-se quinhentos e sessenta e sete anos desde o dia da morte do homem que, por ser o símbolo da Justiça em Portugal, foi morto e comido pelos cães (‘o verdadeiro gentleman só luta por causas perdidas’…), às portas de Lisboa, e por isso ficou para sempre como a maior de todas as figuras da História de Portugal!... “E… não foi morto em nenhuma ‘batalha’… (pois uma das partes não vinha pa-ra combater…). Foi só mais uma nova cobardia, e mais uma nova armadilha, e mais uma nova traição, num país que, para sempre, ficou um país de mentira e de cobardia e de traição… (a verdadeira batalha esteve para acontecer alguns meses antes disso, nesse mesmo ano de 1449, num pequeno local chamado Serpins [Lousã], perto de Coimbra… mas nem sequer chegou então a começar, porque um dos beligerantes, o bastardo Duque de Bragança, na iminência do combate, fugiu na noite anterior, às escondidas, com uma pequena escolta, abandonando o seu próprio exército… (!) … num dos episódios mais vergonhosos e mais escandalosos da História de Portugal… e os ‘historiadores portugueses’, sobretudo os da vizinha ‘Universidade de Coimbra’, ainda hoje continuam a esconder-nos isso… como nos escondem tudo… pois é para esconder e para silenciar e para censurar que eles servem… e é para esconder e para silenciar e para censurar que eles são pagos… e fazem-no em relação ao Passado, tal como o fazem em relação ao Presente… pois é para transformar o Presente no Passado, e para impedir o Futuro, que eles servem, e que eles são pagos…).
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“Hoje, 20 de Maio de 2016 ‒ ‘FARTAR VILANAGEM’… ‒, completam-se qui-nhentos e sessenta e sete anos dessa tal ‘batalha de Alfarrobeira’, em Alverca, às portas de Lisboa, a ‘batalha’ que não foi nenhuma verdadeira batalha e em que ficou pela primeira vez proferida em Portugal a célebre frase que, depois disso, a partir daí, numa versão textual ligeiramente alterada, continuou para sempre (até hoje…) a ser usada, neste país, como uma síntese, lapidarmente lacónica, do que é, infelizmente, o sentido profundo da História portuguesa: ‘FARTAR VILANAGEM’… “Até hoje… quinhentos e sessenta e sete (567) anos depois…”. ● Em circunstâncias solenes/fúnebres, como a destas comemorações, A.P.M. gosta de acrescentar, com propriedade e justeza, uma Sentença-princeps e dois poemas. A Sentença/Avaliação é do próprio Infante Dom Pedro (extraída da sua Carta de 30.12.1448, antes da batalha de Alfarrobeira), e diz o seguinte: “(…) O que principalmente danou estes feitos foi, e é, quererem (…) todos por seu proveito, e cada um levar sua enxavata [roubar o seu bocado]; e Portugal, segundo bem sabeis, não é para suportar isto; e se esta prática vai em diante (…)”!... Os dois poemas são da poetisa Sophia de Mello Breyner Andersen (1962): ‒ PRANTO PELO INFANTE DOM PEDRO DAS SETE PARTIDAS: Nunca choraremos bastante nem com pranto Assaz amargo e forte Aquele que fundou glória e grandeza E recebeu em paga insulto e morte. ‒ PRANTO PELO DIA DE HOJE: Nunca choraremos bastante quando vemos O gesto criador ser impedido. Nunca choraremos bastante quando vemos Que quem ousa lutar é destruído Por troças por insídias por venenos E por outras maneiras que sabemos Tão sábias tão subtis e tão peritas Que não podem sequer ser bem descritas. ● Revoluções na nova era da Pós-Modernidade positiva e crítica A ‘Utopia’ (o Livro célebre de 1516) de Thomas More já encerrava, então, uma dupla semântica: a) as Sociedades humanas e o Mundo já não andavam em bom funcionamento; b) a descoberta do ‘Mundo Novo’, para os ocidentais, teve o significado profundo e indesmentido, à luz das experiências humanas verificadas in loco, que Outro Mundo era possível e que poderiam edificar-se veras e autênticas Sociedades humanas. A conquista e a dominação imperial… foi com os ocidentais ‘invasores’ que tiveram início. O que teve início, para os americanos indígenas, foi a sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord. Com toda a sua sequela de conflitos, depredações, guerras e morticínios, em lugar da instauração da Paz, da Harmonia e da Concórdia, entre todos os seres humanos. Não nos ensinaram os cinco séculos da Modernidade Ocidental que a Guerra fazia parte integrante do Processo civilizatório?!... Apesar do Evangelho de Jesus nos dizer precisamente o contrário, a fórmula axiomática das Cristandades ocidentais fez o único caminho que a História moderna e contemporânea registou: ‘Dilatar a Fé e o Império’!... Há mais de 5 séculos, Thomas More já pensava de modo substantivamente diferente. E, de igual modo, o seu Amigo Erasmus de Roterdão, com o seu célebre e tão fecundo Livro
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‘Elogia da Loucura’, escrito em casa de More em 1509!... Hoje, é o C.E.H.C. que proclama um ideário e um programa análogos: a construção pacífica e crítica das Sociedades humanas. Violências e Guerras (cuja origem decorre, simultaneamente, dos Egoísmos individuais e da Cultura religioso-metafísica, própria das Religiões institucionalizadas) já não podem ter lugar (como v.g. ainda aconteceu com as 2 Guerras mundiais no séc. XX e com as guerras desencadeadas pelos jihadistas islâmicos do Daesh, no séc. XXI): a razão principal decorre do fenómeno simples/complexo de o Processus antropogenésico estar, actualmente, em mutação: a Humanidade a operar segundo o paradigma do ‘Homo Sapiens tout court’ está a dar lugar a outra Humanitas, operando segundo o seu padrão específico, o do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. Por isso, o que está, evolucionariamente, a emergir e a tomar corpo é Outra Humanidade verdadeiramente pacífica, onde a ‘Desordem Estabelecida’, e as suas guerras intermitentes, com a sua precária ‘paz de armistício’, sejam definitivamente banidas e abolidas; e, entretanto, se torne efectivo o Princípio da Igualdade ético-jurídica e social entre os Estados/Nações. Eis por que a chamada Globalização do Planeta, que está a ser operada segundo o catecismo do Neoliberalismo capitalista planetário e no quadro colonial-imperialista, terá de dar lugar a um vero Altermundialismo, capaz de respeitar e assentar as suas bases no estatuto da Paridade ético-jurídico-política entre os ca. de 200 Estados/Nações (193, segundo Ban Kimoon), com direito a habitar no Planeta Azul. É, pois, desde logo, importante e decisivo pensar e pressupor que entrámos, desde a Queda do Muro de Berlim (1989) e do Colapso da URSS (1991), numa nova era, a que o C.E.H.C. deu o nome apropriado de Pós-Modernidade positiva e crítica. Parece tratar-se apenas de uma expressão nominalista, mas, em boa verdade, numa ordem/desordem em transição, é o enunciado que melhor corresponde à realidade societária vivenciada. Ora, na era da Pós-Modernidade positiva e crítica, já não há lugar, para a utilização da cartilha da guerra, nem para a utilização de meios e máquinas de violência física, de qualquer sorte. Segue-se, daí, que não haverá mais lugar para as Revoluções sociais?!... De modo algum. Agora, é que elas se podem tornar positivas e fecundas, de verdade. Para além das revoluções científicas e tecnológicas e das Revoluções sociais violentas e belicosas (em que a Idade Moderna foi oficina fértil, a História da Humanidade e das Sociedades humanas tem experienciado e experimentado modalidades de um outro tipo de Revolução histórica: são, genericamente, chamadas Revoluções sociais pacíficas, sem uso da Violência, de substância Cultural, ‒ as quais têm o seu início, raiz, origem nas mudanças de mentalidade e de mundividências. Estas Revoluções são o que o CEHC designa por Revoluções próprias e específicas da nova era da Pós-Modernidade positiva e crítica. Uma vez que o Poder (a Potestas de Governo) é sempre um só (ainda que do palco para a plateia societária…) o refiram dividido em dois (o religioso e o laico-profano), o tipo de Revoluções referenciado, que é próprio do paradigma específico da Espécie Humana: o ‘Homo Sapiens//Sapiens’, conduzirá as Sociedades humanas a abandonarem a Cultura do Poder-Dominação d’abord (ou Poder-Condomínio) e a ‘paz de armistício’ falaciosa, e a entrarem, definitivamente, no reino da Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. Por que abortaram todas as revoluções (ditas) socialistas, na Idade Moderna ocidental (a começar pela de 1848, no tempo de vida de Marx e Engels…)? Porque o chamado, e sempre invocado em vão ‘Homem Novo’ não emergiu… O que significou e implicou que não houve, em simultâneo, a necessária e indispensável revolução cultural (psico-sócio-cultural)!... Este é o 3º tipo de Revolução histórica, que é preciso ser enfrentado e bem resolvido pelas Sociedades humanas. O Projecto da ‘Utopia’ de More foi atraiçoado, até hoje, mais de cinco séculos volvidos, porque as guerras e os padrões sócio-antropológicos do ‘Homem egoísta e ambicioso’, não só foram tolerados como, também encarecidos!... Continuou a imperar o paradigma vesgo do ‘Homo Sapiens tout court’, e a Cultura, por ele destilada, do Poder-Dominação d’abord (Max Weber e Manuel Reis). As Nações emergem e balizam-se umas contra as outras, mediante principalmente, a Força bruta, a Violência, os Exércitos… É este o veredicto axiomático da História passada. Jaime Cortesão e Alfredo Pinheiro Marques são pensadores da História, cuja historiografia já vai dando corpo à exigente gramática psico-sócio-antropológica do CEHC. Eles elaboram (sobretudo o 2º) uma vera História ao 3º Grau. Isto é tanto mais importante que, sem essa gramática, não teremos meios nem instrumentos para contrapor, actualmente, uma vera
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Altermundialização, positiva e justa, à Globalização perversa (neoliberalista…) e imperialista, que está em curso. Revoluções de orientação socialista/pacífica. No último quartel do séc. XX, houve dois casos exemplares, que a História societária acabou por jugular: a de Salvador Allende no Chile, que foi degolada pelo golpe de Estado de A. Pinochet, (em 11 de Setembro de 1973), com a cumplicidade da Administração norte-americana; a do M.F.A., em Portugal, no dia 25 de Abril de 1974, a qual, depois de um P.R.E.C., que veio a pôr termo, quer à ditadura fascista de Salazar, quer ao ‘império colonial’ português; e, em 25 de Abril de 1776, produziu, na Assembleia da República, com representantes de partidos eleitos democraticamente, uma Constituição política/padrão, que anunciava, logo nos 1os artigos, o quadro orientador para o Socialismo democrático. Deve, entretanto, observar-se que, mesmo no 2º caso, sob a pressão do embaixador norte-americano Carlucci e do Sec. de Estado norte-americano Henry Kissinger, dois navios de guerra norte-americanos estiveram no Tejo, às portas de Lisboa, a servirem de guardiãos/patrulhas, para os possíveis desvios que os opositores mal intencionados pressupuseram. Nós próprios escrevemos (durante o P.R.E.C.) um livro/manual, a pedido de alguns elementos do M.F.A., com o título significativo: ‘Camelo ou Animal Político?!...’. Circulou de mão em mão, entre militantes de Esquerda, (até em sessões de alfabetização de adultos), porque duas editoras progressistas tiveram ainda receio de dar a público semelhantes escritos. Depois… em 2014, foi celebrado e publicado, no Brasil, através de grupos de Amigos do C.E.H.C., pela Editora EDICON de São Paulo. Nem tudo se perdeu, entretanto. A Constituição Política de 1976, apesar das suas revisões, ainda se mantém de pé, na sua substância e orientação. Uma comprovação destes factos. A FENPROF (no seu Boletim de Maio de 2016, pp.5663) realizou o seu Congresso Nacional, com mais de 500 delegados sindicais e 24 representações estrangeiras, (no Auditório do seminário de Vilar no Porto, em 29 e 30 de Abril de 2016). Muito significativamente, as 14 moções aprovadas foram as seguintes: 1ª: “Nos 42 anos da Revolução de Abril, um 1º de Maio de luta em defesa dos direitos dos Trabalhadores e de um Portugal de Progresso”. 2ª: “Pela preservação dos recursos naturais do Planeta”. 3ª: “Por soluções imediatas para os refugiados e migrantes que chegam à Europa”. 4ª: “Defender a água pública! Defender um Direito de todos!”. 5ª: “Pelo direito à Liberdade e ao Progresso! Pela Paz! Pela solidariedade entre os Povos!”. 6ª: “Pela concretização integral da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”. 7ª: “Pela valorização da actividade sindical; Contra as restrições ao exercício da actividade sindical e as perseguições a sindicalistas em Portugal e no Mundo”. 8ª: “Pela erradicação do trabalho infantil em Portugal”. 9ª: “Celebrar a Constituição da República, afirmar a Igualdade”. 10ª: “Tribunal de Luanda condenou, no passado dia 28 de Março, 17 activistas políticos a penas de prisão, que variam entre os 2 anos e três meses e os 8 anos e seis meses”. 11ª: “Solidariedade com os trabalhadores em luta contra os despedimentos e a precariedade”. 12ª: “Saudação solidária aos trabalhadores do Brasil. Não ao golpe de Estado, que está em curso no país irmão”. 13ª: “Saudação aos trabalhadores do Congresso”. 14ª: “Liberdade para os presos políticos em Angola”. A Constituição da República Portuguesa (nos seus artigos 73º-79º) estabelece todo um conjunto de princípios, normas e regras, para a Democratização do Sistema Educativo, para a Democratização da Educação e do Ensino, desde a pré-escolar até à Universidade incluída. Aí se referem 6 princípios gerais a ter em conta, designadamente: a) espírito democrático; b) gratuidade progressiva; c) participação democrática dos professores na gestão e administração das Escolas e Institutos de Ensino; d) o Estado terá a obrigação de estabelecer uma Rede pública de Educação e Ensino; e) respeitar o Ensino particular e cooperativo; f) estabelecer ‘contratos de associação com as escolas de ensino particular ou cooperativo, quando, (a mais de 10 quilómetros), não haja escolas da rede pública de educação e ensino. Para cumprir, submissamente, a cartilha da ‘Austeridade’, imposta pela Troika, o governo anterior, chefiado por Passos Coelho, entrou a governar em ditadura, com cortes nos salários e nas pensões de reforma; e fez graves ‘maquias’, quer nos Sistemas Administrativo e da Justiça, quer no Sistema Educativo. Aqui, eliminou o Ensino de recuperação dos Adultos; anexou escolas em Mega-Agrupamentos de 3.000 a 4.000 alu-nos de todas as idades; dispensou mais de um terço dos professores ao serviço nos Ensinos básico e secundário (ca. de 35.000
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professores). Em resumo, o Sistema de Educação e Ensino fora desbaratinado, destruído e arruinado, em arbitrária (e inconstitucional) vantagem das escolas particulares!... Como, em Portugal, não há, nesta área, o chamado ‘sistema dual’ alemão, o próprio Sistema Educativo viu agravada as suas condições sociais e financeiras. Ora, como os Professores e as Escolas constituem, em qualquer Sociedade, os artesãos das Mudanças in melius, a Sociedade portuguesa en-controu-se arruinada e reduzida à condição de ‘Rebanho’!... Desgraçadamente, neste pobre país que é Portugal (o mais velho País/Nação da Europa…), continuamos a ignorar os saberes mais elementares (por isso, abundam a demagogia e a corrupção e as vigarices das invejas mais mesquinhas…): Por exemplo, é na Linguagem articulada dos Humanos que o Pensamento toma corpo! A aprendizagem da Fala e da Língua (materna)/Linguagem é essencial e decisiva para o despertar do Pensamento e atribuir importância às Palavras. Isto foi bem ensinado, v.g., por Ludwig Wittgenstein. Muito cuidado, pois, com a possível e fácil confusão entre o ritual e a demagogia. Nessa perspectiva, é preciso ter cuidado com o vero significado das convenções e o modo como são elaboradas; e com a distinção entre nomes próprios e comuns. Na óptica de Walter Benjamin, temos de encarar, criticamente, a própria noção de convenção. Diz (em entrevista no ‘Exp./Revista’, 28.5.2016, p.54), muito bem, a filósofa Maria Filomena Molder: “Para ele, isso [a convenção] era desfigurador do que está em causa na linguagem. E na linguagem está em causa a essência da vida humana, que tem que ver com comunidade, com transmissão, com uma espécie de sonho humano de adaptar, de modo cada vez mais justo, as palavras que se dizem àquilo que está a ser dito por elas. Há um caso estranho, que é o dos nomes próprios. Ao passo que os outros nomes implicam algum conhecimento das coisas, estes nomes não equivalem a nenhum dado que se tem sobre as crianças. É um reconhecimento, como dar as boas-vindas”. ‒ Por isso mesmo, é tão importante a distinção e não-confusão entre os Sujeitos (que falam e pensam) e os Objectos (que são falados-nomeados e pensados). Ora, como ensinou Wittgenstein e o CEHC, o vero significado (ou semântica) das palavras só pode ser apercebido, em comunidade, mediante os usos diversificados dos nomes ou substantivos comuns. Disse, com acerto, M.F.M. (ibi, p.57): “Em Wittgenstein, a noção do significado das palavras não pode ser compreendido antes de termos olhado com muita atenção para os seus usos. O significado abandonado a si próprio é opaco”. Com muita sensatez crítica, diz, aí, M.F.M.: “Quem começa a estudar filosofia começa por perguntar ‒ e acabará sempre com essa pergunta ‒ o que é a Filosofia?” A razão justificativa deste axioma resulta do postulado óbvio: a necessária e indispensável Articulação (criticista) da Palavra e do seu Significado; da Linguagem e do Pensamento. M.F.M. está já a entrar na órbita do CEHC, quando afirma, solenemente: “sem ignorar as grandezas do catolicismo, as suas misérias são demasiadamente grandes para o meu gosto” (ibi, p.55). Precisaria, só, de ler e estudar o nosso Livro ‘A Traição de São Paulo’ (Edicon, São Paulo, 2007) para penetrar, por contraste, no Jesuanismo do CEHC. Mas a nossa Filósofa tem o seu ‘muro das Lamentações’ muito preciso e concreto. Por isso, para ela, muito mais importante que o continuar é a ideia crítica do recomeço. Perguntoulhe a entrevistadora Luciana Leiderfarb: ‘Lembra-se de algum recomeço?’ A sua resposta é formulada como segue: “Havia aquele poema de Alberto Caeiro do ‘Guardador de Rebanhos’, que fala de Maria, mãe de Jesus, sempre a dizer impropérios, a única mulher que nunca amou para ter um filho. Quando li isto, aos 15 anos, foi uma revelação. Ele estava a dizer tudo o que eu não ousava pensar mas sentia. Estava a destruir a idolatria medonha, que se faz em torno da virgindade da mãe de Cristo, e também a terrível compreensão que se faz do pai do filho. Se pensarmos em termos hebraicos, o sacrifício do filho pelo pai cessou com Abraão. Sabemos que a mor-te do primogénito era uma tradição em culturas arcaicas. E aqui, um anjo segura a mão de Abraão. Com o Novo Testamento, o cristianismo reacende esta tradição” (ibi, pp.54-55). O filho primogénito, de que se trata aqui, é Isaac (não Ismael, filho da escrava Agar). Paulo (Saulo/Paulo) recuperou esse mitema das ‘religiões arcaicas’, e construiu toda a teologia do Cristianismo sobre a mitologia do ‘pai’ de um Jesus sacrificado, como o Cristo-Messias para a redenção da humanidade. A história do sacrifício de Isaac por Abraão encontra-se no cap. 22 do Génesis; e é no versículo 18 que se deixou exa-rado: ‘et benedicentur in semine tuo omnes
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gentes terrae, quia obedisti voci meae’!... No hebraísmo como nos cristianismos (históricos) de Saulo/Paulo), a virtude suprema é a Obediência. Nunca pode ser a Justiça!... Por isso não se rompeu o odre da sempiterna Cultura (patriarcalista) da Potestas-Dominação d’abord. Eis por que os cristãos ‘ortodoxos’, segundo a exegese mais acertada dos seus hermeneutas, traduzem o termo bíblico neotestamentário, no grego koinè, ‘theotókos’, como caixa ou mala de Deus; ao passo que os cristãos do Ocidente (católicos ou protestantes) vertem o vocábulo grego (falsamente) por ‘mãe de Deus’. Tudo tem o seu preço… mesmo o que não tem preço. Quando, em 1959, elaborámos, em latim, a nossa Tese de Licenciatura, na Univ. Gregoriana de Roma, sob a Égide dos Jesuítas, o Tema que, nessa altura, já escolhemos foi, precisamente, o ‘Primatus (absolutus) Evangelii supra Legem' Eis por que a minha vida foi um Combate cerrado por uma Alternativa radical a todos os históricos Cristianismos paulinos, que decorrem (a ¾) dos textos do Novo Testamento. Essa Alternativa chama-se JESUANISMO e não tem qualquer vocação para se constituir em qualquer religião institiucionalizada; visto que o poder (soberano) é sempre um só, e na Espécie humana Sapiens//Sapiens, ele só pode ter a sua ori-gem, em Regime Democrático, nas Consciências esclarecidas e críticas dos cidadãos (ãs) e no seu Voto, em sufrágio universal. Ora, precisamente porque as três Religiões Institucionalizadas de ‘O Livro’ nos ensinam que a Obediência é a virtude suprema, a pena e o perdão tornaram-se as soluções aplicadas aos que cometem delitos ou crimes. E, não obstante, o mais humano e importante/decisivo é fazer justiça, porquanto uma tal operação repara as injustiças e repõe a Igualdade fundamental entre os Seres humanos. Desta sorte, a primazia (ilimitada) do perdão, nos cristianismos, é falsa, visto que o que pretende é, tão só, aceitar e tentar superar o acontecimento. O primado absoluto é, por conseguinte, o da Justiça sobre o Perdão. À Questão posta pela jornalista: ‘É crente?’, ‒ a filósofa responde, serena e criticamente, como segue (ibi, pp.55-56): “Tive formação cristã, católica. Não tenho crença há muitos anos e tenho um sentido crítico muito apurado em relação ao catolicismo. Sem ignorar as suas grandezas, as suas misérias são demasiadamente grandes para o meu gosto. E a relação entre Deus pai e Deus filho é para mim inaceitável, porque repõe aquilo de que os homens se tinham livrado, numa espécie de renovação da mitologia. Segundo Walter Benjamin, que era judeu, a mitologia canoniza a crueldade, o que não significa que não haja crueldade na vida. Há muita. Mas a nossa visão da vida, nos nos-sos dias, é um fechar os olhos a tudo o que é cruel e grave. Não podemos extirpá-lo, mas podemos condená-lo, fazer leis que tendam a remediar e a precaver, que encontrem a boa consequência. Ou seja, a vítima tem sempre razão. Na nossa cultura, a vítima não tem sempre razão. Há uma ideologia que defende o criminoso, o que vem de uma interpretação religiosa, segundo a qual o criminoso pode sempre arrepender-se, e nós não so-mos ninguém para o julgar. Aí penso como Hannah Arendt: quem é que pode julgar se-não o ser humano?”. Os grandes filósofos, que M.F.M. admira (além de H.A.) e pela ordem de uma importância decrescente ‒ como ela confessa (p.58) são: Espinosa; I. Kant; Nietzsche. Podemos considerar que, também, são os nossos, se precedermos essa tríade pelo dueto Sócrates e Aristóteles. Mas, agora, queremos falar de duas Quaestiones centrais, que ressumbram da anterior espécie de ‘confissão’ da Autora: A) É o chamado Monismo epistémico (fisicalista) que nos enquadra, na Cultura do Ocidente, inexoravelmente, no esquema triádico de Pensamento, assim balizado e definido: positivo, negativo, neutro; e nas áreas da moral e da ética, o conhecido esquema triádico replicado: bom, mau, neutro (ou assim-assim); ora, no hemisfério dos Sujeitos e da Moral, não há lugar para o meio termo. O dito de Jesus é claro: “… porque não és frio nem quente, vomitarte-ei da minha boca”. B) Em tal horizonte, as hipóteses de eliminar o delito e o crime, à partida, prevenindo a sua erradicação mediante uma boa Educação/Instrução, até à maturidade neurológica dos Seres Humanos (que só é atingida aos 24 anos…), ‒ nisso não se pensa nem interessa para nada. Entretanto, o paradigma psico-sócio-antropológico, que aí está a funcionar é o do ‘livre arbítrio’ e do ‘Homo Sapaiens tout court’, não o da ‘Liberdade Responsável’ e da Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial, própria do paradigma específico, que é o ‘Homo Sapiens//Sapiens’. Desta questões já falámos noutros Livros!...
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Henry Threadgill venceu o Prémio Pulitzer/2016, para música, com o Livro ‘Old Locks and Irregular Verbs’, H.T./Ensemble Double Up (Pi Recordings/Distrijazz). Em resumo, escreveu, com acerto e acribia João Santos (ibi, p.79): “Não obstante Threadgill possuir mais que uma vizinhança casual com a transcendência, esta sua obra-prima tem domicílio nas vidas partilhadas de um par de amigos, cuja experiência na guerra teve consequências mais profundas que a simples repulsa da morte, cuja arte serviu, invaria-velmente, para evocar aqueles que souberam resistir às humilhações, perpetradas por poderes que a moral condena (e o hábito tolera), e cuja mensagem foi a da independência total face aos hieráticos bustos da tradição e da vanguarda. É o palmo inicial de um mundo novo, que só agora se começa a tatear”. Por que entrámos na Pós-Modernidade positiva e crítica?! Porque está a emergir e a configurar-se uma nova Sensibilidade e Inteligência… até nas áreas da Psico-Pedagogia. Castigar as crianças faz mesmo algum sentido?... O que, na Modernidade, se dizia e invocava como ilimitado/infinito, v.g., o Universo, Deus, etc…. é forçoso e imperativo declarar, hoje, que tudo isso tem limites. Há sempre limites no processo de uma boa educação de qualquer criança. Ora o castigo, enquanto tal, sabe-se, hoje, que não resulta eficaz nesse processo. O neuropsicólogo Álvaro Bilbao defende esta tese do seguinte modo (ibi, p.103): “Quando castigada, a criança activa a região cerebral do medo, e isso faz com que não preste atenção e não aprenda. Além disso, os castigos geram culpabilidade e danificam as relações entre pais e filhos. A melhor maneira de ensinar é reconhecer e re-forçar quando a criança age bem”. A jornalista Katia Delimbeuf resume bem, utilizando a fórmula: a recompensa é mais eficaz do que o castigo (ibidem). “Se uma criança se levanta sempre da mesa e a põe de castigo, espere que ela passe 10 minutos sem se levantar e diga-lhe: ‘Muito bem! A mamã/o papá está muito contente contigo’ ” (idem, ibidem). ‒ Chama-se a tal procedimento a formação do ‘Homo Sapiens//Sapiens’ em acção. Só por esta via poderemos ir abrindo caminho, no Plano societário, à transformação das Sociedades e do Mundo, segundo o programa de que nos fala Ban Kimoon (Sec.-Geral da O.N.U.), na sua entrevista (ibi, p.27): “São 17 os objectivos do Desenvolvimento Sustentável, desdobráveis em 169 metas, tendo sido aprovados por unanimidade, numa Resolução em 25 de Setembro de 2015 (no 70º aniversário das Nações Unidas), intitulada ‘Transformar o Nosso Mundo: Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável’. Estes objectivos, absolutamente consensuais, pretendem ir mais longe e acabar com todas as formas de pobreza, abordando várias dimensões do desenvolvimento (social, económico e ambiental) e promovendo a paz, a justiça e instituições eficazes”.
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SOBRE A MODERNIDADE, NA HISTÓRIA DO OCIDENTE, HOJE GLOBALIZADA/MUNDIALIZADA
INTRODUÇÃO SOBRE O NOSSO HORIZONTE CRÍTICO ● Erros Graves, de carácter psico-sócio-antropológicos: em vez de Diálogo socrático e da Justiça jesuânica (seu primado absoluto), foi adoptado o Dualismo Metafísico platónicopaulino. O simples Hilemorfismo aristotélico (que ainda foi retomado, só a meias…, por Tomás de Aquino, o célebre mestre ‘Doctor Angelicus’ do Cristianismo e da Igreja Romanos), foi, completa e estruturalmente abandonado e votado ao ostracismo, ao longo dos dois milénios cristãos. ● No plano filosófico-cultural, a fonte dos Erros Graves começa no vocábulo e na noção de Metafísica. A palavra foi introduzida por Andrónico de Rodes (séc. I a.E.c.), com um objectivo preciso: reunir e coleccionar todos os Livros de Aristóteles (‘O Filósofo’ por antonomásia, como então era nomeado) numa Biblioteca, com as dife-rentes áreas de estudo/investigação bem arrumadas e organizadas. Nesta perspectiva, o substantivo Metafísica detinha, apenas, um carácter topológico: eram os livros que, nas estantes, eram localizados numa área configurada com livros (v.g. o ‘De Anima’, ‘De Categoriis entium’…), localmente situados para além dos Livros que tratavam da Física. Decompondo a palavra: Metafísica (Metatà Physica) = livros localizados depois dos que tratam da Física. O significado e a semântica, que o termo veio a assumir, ao longo de mais de dois milénios, são, hoje, bem conhecidos, nos compêndios e estudos das Faculdades de Filosofia: em primeiro lugar, depuraram todas as histórias, stories e mitologias das três Grandes Religiões de ‘O Livro’, enquadraram tudo isso em princípios e axiomas uni-versais, por forma a serem aceites, logicamente, por toda a comunidade dos mortais; em segundo lugar, deram à Filosofia o nome servil de ‘ancilla Theologiae’, para que a ortodoxia e a ortopraxia se mantivessem, sem heresias nem desvios; em terceiro lugar, as cristandades ocidentais (enquadradas pela Hierarquia eclesiástica) deram de barato, na Idade Moderna, a condição de ‘serva’ da Filosofia em relação à Teologia, e concederam-lhe, aparentemente, a carta de alforria. Ao mesmo tempo, a Filosofia (uma vez adquirida a sua autonomia…), sempre bem comportada societariamente, foi cumprindo as suas funções e a missão da Teologia, no Mundo laico e profano (onde, via de regra, não é exibida a respectiva crença religiosa). Os Príncipes e os Reis puderam, assim, emancipar-se no exercício do Poder, perante a antiga e tradicional tutela eclesiástica. ● No horizonte da Economia (política), ao longo dos dois milénios, a Lectio de Aristóteles, que esclarecia e impunha a distinção essencial entre a Oikonomia e a Khrematística, foi completamente eclipsada e ignorada. A 1ª diz respeito às actividades e ao trabalho humanos, que têm a sua dignidade própria, em função da satisfação das necessidades e carências vitais; a 2ª é atinente ao simples fabrico/produção de mercadorias, destinadas à troca comercial. A confusão entre estes dois planos era considerada um Erro e Falta graves por ‘O Filósofo’. Ora, hoje, dois milénios volvidos, a Confusão dos dois planos é a Regra; e o primado é o da Mercadoria. E o
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Lucro d’abord tornou-se o Catecismo sacrossanto do Ocidente (e do Mundo ocidentalizado), com a bênção sócio-histórica das cristandades e das Igrejas. ● No horizonte da Política e da organização das Sociedades humanas. A gramática adoptada, aqui, ao longo de dois milénios, foi sempre a que formulou Saulo/Paulo, na sua Carta aos Romanos (13,1): ‘Non est, enim Potestas nisi a Deo’. É a Potestas Sacra: todo o Poder (estabelecido ou a estabelecer) deriva da Divindade transcendente e extrínseca ao Universo. A sociedade é, inexoravelmente, organizada (platonicamente) de cima para baixo. Com os Iluminismos, no séc. XVIII, começou a emergir uma Crítica acerada dessas concepções e mundividências: teve o seu início o que se chamou a organização republicana, em regime democrático, das Sociedades ocidentais. Emergiu o sistema do sufrágio republicano-democrático que, a muito custo, se foi universalizando. Mas… mesmo neste novo horizonte moderno, que asseverava que o Poder procedia do Povo, (‘Vox populi, vox Dei’!...), não se passou, na ambiência ideológica imperante, do parergo fixado por Francisco Suarez (séc. XVII): ‘Omnis Potestas a Deo per populum’! ● Literaturas (+ textos sagrados das religiões)/Metafísica/Poesia. No princípio, era a Sensibilidade (que deveio inteligente!) e a Estética, onde se começou a alojar o princípio da Identidade dos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos. A vera Libertação (autonomizadora) dos Humanos não será operada pela via das Religiões institucionalizadas, que ‒ essas sim ‒ constituem o ópio do Povo. No vasto mundo das Literaturas, estamos a incluir as Artes (em todas as modalidades dignas do nome), bem como os próprios textos (considerados) sagrados das Grandes Religiões. Sob a salvaguarda da defesa (intransigente) do ‘livre exame’ de tais textos, e com a implícita recusa da dimensão institucionalizada das Religiões. Nestas condições ‒ como já se adivinha ‒ o que nós chamamos a vera e autêntica Poesia pode e deve perfeitamente cumprir, eficazmente, as funções outrora atribuídas à Metafísica tradicional. É curioso que, no Dicionário grego, não se encontra o vocábulo ‘Metaphysica’: no grego clássico e no grego koinè, que é o do Helenismo e de todo o Novo Testamento (no seu texto original). O que lá se encontra é a palavra ‘Poíesis’ = Poesia; e o verbo Poiéo. O substantivo refere, em português, acto de criação, acção a partir do interior, poesia, faculdade poética. O verbo significa, em português, fazer ou criar a partir de si mesmo. O Tratado, que dá pelo nome de ‘POÉTICA’, e é atribuído a Aristóteles, não está fora deste horizonte semântico. (Ver a edição da Fundação Calouste Gulbenkian, no registo de Serviço de Educação e Bolsas; Prefácio de Maria Helena da Rocha Pereira e tradução e notas de Ana Maria Valente, Lisboa, 2014). Este é, de facto, um Livro notável! Compreende-se, agora, todo o conjunto de razões e argu-mentos que impediram ‘O Filósofo’ de escrever qualquer tratado sobre a ‘Metafísica’). ● Sobre a ‘QUESTÃO COIMBRÃ’ (1865) e o seu significado nuclear, na lusa História nacional. Em última instância, até seríamos levados a concluir que se iria, finalmente, cumprir o Projecto da refundação da Universidade dionisina (1290), exarado na Lápide (recentemente descoberta e decifrada) de 1443, mandado esculpir pelo ‘Infante das Sete Partidas’, Dom Pedro, Duque de Coimbra, quando era Regente do Reino (1440-1448): a Lectio é esta: a Poesia e a Filosofia do ‘Homo Sapiens//Sapiens’ contra as teologias hierárquicas do ‘Homo Sapiens tout court’ e das Religiões institucionalizadas. (Vd. ‘Dicionário de LITERATURA’, sob a Direcção de Jacinto do Prado Coelho, Companhia Editora do Minho, Barcelos, 1971, 2º vol.). A controvérsia e a militância de resistência à velha e decadente Universidade de Coimbra (transladada de Lisboa para Coimbra em 1536, antes da instalação da Inquisição em Portugal, a pedido de Dom João III), já advinham desde 1861, quando à volta de Antero de Quental (o ‘Príncipe dos Poetas Portugueses’) se formara um Grupo valoroso e de resistência cultural revolucionária. Esta nova geração era inteligente, sabia bem o que queria e aquilo de que o País precisava. As suas tendências literárias e filosóficas eram de índole realista/crítica e, ao mesmo tempo, europeístas, sintonizadas com o melhor que se produzia nos países centrais da Europa. Foi, sem dúvida, Antero o Chefe desse Movimento de Realismo e Crítica social, contra o
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Romantismo e Ultra-romantismo e o pseudo-classicismo imperantes, que eram capitaneados pelo velho patriarca das Letras lusas (já cego…) António Feliciano de Castilho. Havia sido em torno de A.F. de C. que, em Lisboa, se agruparam as hostes ultra-românticas. O velho patriarca era um conservador, monárquico e individualista… ele próprio era um pseudo-clássico, que nem se considerava filiado na escola romântica. Como surgiu, expressamente, o motivo da célebre ‘Questão Coimbrã’? Estuda-da na História da Literatura, esta emergiu como uma Querela desaforada do Antero versus A.F.de C.. Teve a sua origem num prefácio louvaminheiro do velho patriarca ao livro de Pinheiro Chagas, titulado ‘o Poema da Mocidade’, um dos jovens corifeus da roda lisboeta do patriarca. O livro de P.C. era uma ingénua biografia lírica, em quatro cantos, típica da corrente literária então em voga: o saudosismo ultra-romântico. Cir-cunstâncias histórico-literárias nos primeiros anos do terceiro quartel do séc. XIX: As lutas liberais (iniciadas em 1822) já tinham feito o seu ninho, ao longo de todo o País: o Liberalismo (despoletado pela Rev. Francesa e pelas Invasões napoleónicas) já se havia adaptado ao País… ou este àquele!... Desta sorte, o romantismo serôdio, que ressumbrava na obra de Pinheiro Chagas já era considerado, então, uma coisa ‘démodée’. Almeida Garrett já havia morrido. Alexandre Herculano, que na poesia ainda se considerava um romântico, fora, pelo seu trabalho incansável de investigador de documentos históricos, o padrão reconhecido da vera História de Portugal, em atenção ao criticismo histórico que exercera e introduzira nos estudos de historiografia. Antero de Quental respondeu a A.F. de C. com o opúsculo titulado, muito básica e simplesmente, ‘Bom-Senso e Bom-Gosto’ (1865). A própria ‘Questão Coimbrã’ foi, sóciohistoricamente, tão importante e decisiva que a História nacional, em geral, a des-ignou, simplesmente, como ‘Geração’, ‘Escola’, ou ‘Dissidência de Coimbra’; e veio mesmo a constituir o embrião da chamada e celebrada ‘Geração de 70’, cujos elementos activos se vieram a chamar, laconicamente, ‘os Vencidos da Vida’, quando, na verdade, eles foram, em função dos futuros cidadãos, os veros ‘Vencedores da Vida’, quando se pensa no primado (absoluto) das Revoluções culturais. Seus intuitos/intenções principais: Realismo a toda a prova; Reformismo na vida pública societária e na política nacional. Trata-se de afirmar o espírito crítico da Identidade pessoal e nas Letras Portuguesas. Era o ‘Novo Testamento’ contra o ‘Velho Testamento’. A. de Q. era já, então, considerado como o ‘Príncipe da Mocidade’. Isto mesmo nos dois campos geminados: na Poesia e na Filosofia. Sejam, aqui, lembradas, quanto à primeira, ‘Sonetos’ (1861); ‘Beatrice’ (1863); ‘Fiat Lux’ (1863); ‘Odes Modernas’ (1865). Teófilo Braga ( o 1º presidente da República, depois da Rev. do 5 de Out. de 1910) também pertenceu ao Grupo famoso de Antero de Quental. ‒ Curiosamente, o que mais indignara AFC fora, precisamente, os ‘altos’ rumos metafísicos (na acepção anti-filosófica do termo…) da poesia dos dois ‘mancebos’ (A.Q. e T.B.). Foi, de facto, uma ‘guerra aberta’ entre duas gerações sócio-históricas: os ‘velhos’ e os ‘novos’. A polémica estoirara, na ‘Questão Coimbrã’, com tal violência intelectual e estrondo social, que Ramalho Ortigão chegou a desafiar Antero para um duelo. Ora, justamente, Bom Senso e Bom-Gosto foram as duas virtudes principais que AFC recusara e rechaçara em Antero e no seu Grupo: sobremaneira, a Antero e a Teófilo, os dois protagonistas académicos da ‘nova geração’. Mas a polémica prosseguiu, com a réplica de Antero em ‘A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais’. Teófilo replicou, ao ‘déspota do purismo e do lexicon’, com outro panfleto: ‘Teocracias Literá-rias’ (1866). Ramalho Ortigão, após o duelo, passou-se e integrou-se, plenamente, no Grupo de Coimbra. R.O., no processus da polémica, ganhou espaço para conquistar alguma independência, fustigando acervamente a fuga de Castilho à discussão das ideias. Camilo Castelo Branco foi outro elemento célebre, que alinhara com Castilho. Nessa controvérsia, célebre, os panfletos foram saindo, na década de 1860, às dezenas entre os epígonos do Romantismo velho e a Nova Geração rebelde do Realismo, que já estava a antecipar-se ao Neo-realismo da 1ª parte do séc. XX. Tudo somado, foram duas Questões numa só: a Literária e a Filosófico-Política. Esta controvérsia ‒ convém adverti-lo ‒, configurada embora na área da Literatura, veio a desembocar nas famosas ‘Conferências Democráticas do Casino’ (1871), que tiveram, indiscutívelmente, um carácter filosófico-político, e cujo objectivo central foi o de colocar Portugal nas Agendas da Actualidade Europeia de então.
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O fermento sócio-histórico de tudo isto consistiu em remontar à Época dos Descobrimentos Portugueses transoceânicos. Ciência, Progresso e novas Técnicas foram retomadas na 2ª metade do séc. XIX, como testemunhou e celebrou, nas suas Obras, o Grande Eça de Queiroz. Foi efectuada a convergência (e desfeito o isolamento) com a Europa da revolução, da rebeldia e da regeneração: nos países centrais. E a própria ‘Questão Coimbrã’ foi a precursora da geração espanhola ‘de 98’. ● Literatura (e artes em geral, incluídas a música, as plásticas e as ‘performances’ de qualquer tipo). Literatura em prosa ou em poesia. Dilema e conflito ou convergência e união entre a vera e autêntica Literatura, de um lado, e do outro, a Metafísica, assumida no Quadro (dualista) da sua semântica tradicional?!... Para desenvolver e ilustrar esta nossa problemática, vamos aqui assumir um caso/padrão real: Eduardo Lourenço (que fez a sua formação filosófica académica de base em Coimbra, quando a Faculdade ainda era designada de ‘Histórico-Filosóficas’. Ao longo de toda a 2ª metade do séc. XX e 1as duas décadas do séc. XXI, E.L. foi e é, ainda, um dos melhores e maiores (dada a vastidão da sua obra) pensadores lusos, com uma enorme capacidade de reflexão filosófico-literária, que se pode considerar ímpar, a nível nacional e, a nível geral europeu ocidental, entre os melhores. Ele foi-se fazendo, filosófica e culturalmente, fora do alinhamento com as principais correntes filosóficas dos sécs. XX/XXI: fenomenologia, existencialismo, personalismo, filoso-fia analítica (exercitada no Fenómeno da Linguagem), marxismo ou neo-marxismo, neoliberalismo (no campo da Economia política). Terá, porventura, recolhido o melhor de todas estas correntes histórico-filosóficas. Mas, se nos interrogarmos, a sério, sobre se o filósofo Eduardo Lourenço chegou (ou não…) a resolver o Dilema e o Conflito entre a Metafísica (no sentido tradicional…) e a Poesia (e Literatura, em geral), é-nos forçoso concluir que, na melhor das hipóteses, a sua posição é híbrida, para não dizer negativa. V.g., recuando à década de 1860, seria ele capaz de se assumir na pele de Antero contra Castilho?!... E.L.: Filósofo de vocação e profissão, é, na lusa atmosfera cultural reinante, o mais perspicaz e arguto pensador nacional da 2ª metade do séc. XX e 1ª e 2ª décadas do XXI. Foi e é eminente na reflexão filosófico-literária a partir da Literatura dos melhores Escritores literários; mas, sobretudo, a partir da Poesia e dos Poetas. Dir-se-ia que encontrou cedo, em termos genéricos e imprecisos, o modo de fazer filosofia em grelha pós-moderna. Não diremos que o fez na linha do conservadorismo invicto de Castilho, mas também não o fez na linha de Antero (cf. A ‘Questão Coimbrã’/1865), visto que o modernismo filosófico de Antero era autêntico (e não confusionista e falacioso) para a sua época. Mas, com tudo o que de positivo E.L. veio a fazer (vd., v.g., ‘Une Vie Écri-te’, Éd. Gallimard e F.C.G., France, 2015) na Escrita, ele não chegou a beliscar o que, segundo o CEHC, é absolutamente necessário e indispensável: a Demolição crítica da Metafísica tradicional. Mesmo nos seus dois livros publicados com o mesmo título: ‘Poesia e Metafísica’ (de 1983) e o seu homónimo (de 2002). Ora, o Contrasenso preciso a denunciar é justamente este: associar e juntar essas duas palavras é ser cúmplice com as religiões institucionalizadas e com o padrão específico do ‘Homo Sapiens tout court’; segundo a gramática do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, tais termos são dilemáticos e reciprocamente exclusivos. Eis por que, em E.L., não há propostas e projectos revolucionários… Tudo se pode configurar e ajustar nos moldes da Cultura da PotestasDominação d’abord e das respectivas Religiões Insti-tucionalizadas. Não há, na sua Obra, nada de Criticismo kantiano; nada da Descons-trução da Metafísica à Jacques Derrida. Nada do Personalismo de E. Monier e da revista ‘Esprit’. Dir-se-ia que está mais alinhado com o Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo do que com o serôdio Hilemorfismo aristotélico-tomista de Jacques Maritain. Já nem sequer falamos dos escritos de Sartre ou de Heidegger em torno de um pretenso Humanismo, sempre falhado. Diante da ‘Cidade amuralhada’, quem faz a pergunta pertinente?! A saber: Quem é capaz de se aproximar do Humanismo Crítico, i.e., Fazer a Filosofia do lado dos Sujeitos, e não, inexoravelmente (…), do lado dos Objectos e do Objectualismo impenitente?!... Sejamos, em tudo, coerentes, sérios e honestos até ao fim. ‘Mutatis mutandis’, quando o Cardeal Patriarca D. Manuel Clemente veio em apoio da luta dos do ‘Ensino Privado’ contra as
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medidas justas e constitucionais, assumidas pelo Governo de António Costa, invocando, falsamente, o parergo ‘solidariedade sem subsidiariedade, não o é de facto’, e argumentando, falaciosamente, com ditos do Papa Francisco, no Congresso das escolas católicas, é o próprio Papa Francisco que, aí mesmo, envergonhado (!), recomenda às escolas católicas: “Saiam para as periferias. Aproximai-vos dos pobres, porque eles têm a experiência da sobrevivência, da crueldade, da fome e da injustiça… O desafio é andar pelas periferias…”. (Cf. artigo do Prof. Santana Castilho, titulado ‘Os Contratos de Associação, o Presidente, o Cardeal e, já agora, o Papa’, de 18.05.2016, na Net). A boa e adequada Literatura (ou Poesia, a fortiori) é, na verdade, dentro dos cânones do ‘Homo Sapiens//Sapiens’ e da gramática da Pós-Modernidade positiva e crítica, aquela que obedece e cumpre três princípios/condições essenciais e decisivos: a) não se limita a descrever ou configurar coisas/personagens, situações, etc., como se estivessem fora das coordenadas do espaço e do tempo; b) do ponto de vista dos Sujeitos/autores, Inteligência e Sensibilidade têm de laborar em conjunto, harmoniosamente; c) do ponto de vista dos Objectos/assuntos ou matéria a tratar, não basta utilizar as boas técnicas literárias/artísticas; é preciso, igualmente, aplicar a empatia e a emoção: não disse já, universalmente, Boileau que ‘le style c’est l’homme’?! O postulado destes três princípios/condições é simples: Escrever (ou exercer qualquer outra forma artística) é actuar ou agir, cultural e societariamente. Aplicando, permanentemente, a reflexão crítica (que reúne os factos e as ideias), Fazer Poesia ou Literatura é avançar com propostas e projectos, críticos e justos, capazes de mudar o nosso Mundo e transformar, in melius, as nossas Sociedades contraditórias e cheias de crueldade. Numa palavra, é tomar posição clara e decisiva contra o ‘status quo’ inade-quado do nosso Establishment societário. Há dois Livros de E.L. com o mesmo título: ‘Poesia e Metafísica’; muito embora com conteúdos diferentes. Cronologicamente, o 1º é de 1983, editado pela Sá da Costa, e foi prémio de Ensaio, galardoado pelo Pen Clube; o 2º é de 2002, editado pela Gradiva, e tem por Autores/Escritores de Referência: Camões, Antero, Pessoa. Na contracapa deste 2º Livro pode ler-se, em termos objectivo-objectuais, (como dirá o CEHC!...) o seguinte (em jeito de bússola norteadora): “O que não somos como filósofos, sê-lo-emos como poetas? Se assim é, ninguém como Camões, Antero e Pessoa teria ilustrado, tão bela e convincentemente, esta fatalidade cultural, que nos faz preferir Orfeu à musa mais severa de Parménides. Acrescentemos à tríade, abordada nestas páginas, de há vinte anos, o nome de Pascoaes, e o panorama ficará completo. Que os leitores o façam por sua conta e risco.” Este Livro, como a maior parte dos livros de E.L., é uma colectânea de ensaios, que, não obstante, patenteia, suficientemente e com segurança, a linha da continuidade intelectual/espiritual/ideológica do Autor. Quiséramos nós esperar que o Autor encaras-se, ao longo da sua vasta, pertinente e fecunda obra, a célebre Questão do Dilema/Conflito entre a Literatura (e as Artes, em geral), dum lado, e do outro, a Metafísica tradicional, enquanto tal. Porque um tal conflito existe realmente, em termos societários, enquanto, pelo menos, existem as religiões institucionalizadas (as 3 de ‘O Livro’). Sem a desconstrução e a demolição da Metafísica, não só podem continuar incólumes as religiões institucionalizadas, como os próprios regimes democráticos não passam de uma fraude. Por quê? ‒ R.: o Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo, não só assegura a existência dessas religiões institucionalizadas, como impede, in radice, o Movimento de Emancipação e de Libertação, em suma, a vera Autonomia dos Seres Humanos, enquanto conditio sine qua non, para o autêntico Regime Democrático, que dá pelo nome de Jesuanismo. O Laicismo cristão (introduzido por Francisco de Assis e pela Ordem Franciscana, que foi uma das grandes motivações propulsoras dos Descobrimentos Portugueses, segundo Jaime Cortesão), na Teoria de Gioachino da Fiori, era preconizado como o ambiente cultural próprio da chamada ‘3ª Idade = a do Espírito Santo’ e acabava, de vez, com as 2 instituições societárias de clérigos e leigos. (Recordam-se das 3 classes sociais distintas (Clero, Nobreza e Povo), que se reuniram na Convenção central, que despoletou o Processo da Revolução Francesa?!...). A interrogação/afirmação de E.L., que escrevemos em bold (transcrita da contra-capa do seu livro citado) tem um duplo significado: a) parece acusar a existência do tal Dilema/Conflito; b) e que tal Dilema/Conflito até poderia ser resolvido pela assump-ção do primado da Poesia e dos poetas e da recusa do primado da Metafísica (na Filosofia, serva ou não da Teologia). Mas,
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que saibamos, E.L. nunca aderiu ao Movimento da Demolição e Desconstrução da Metafísica, iniciado por I. Kant e bem configurado e tratado por Jacques Derrida. Mais e pior: E.L. consideraria isso (o primado da Poesia, com todas as suas consequências…) uma fatalidade cultural (como sublinhámos em itá-lico, no parágrafo da contracapa do livro). Será que E.L. pertenceria (clandestinamente…) ao chamado Grupo da ‘Filosofia Lusitana ou Portuguesa’?!... Não consta do rol nem do roteiro do Livro clássico sobre esta matéria: Fr. João Ferreira: ‘Existência e Fundamentação Geral do Problema da Filosofia Portuguesa’ (Editorial Franciscana, Braga, 1965). Já, por outro lado, Paulo Alexandre Loução, autor do livro: ‘Dos Templários à Nova Demanda do Graal’ (Ed. Ésquilo, Lisboa, 4ª ed./2007) pertencerá, seguramente, muito embora não seja encontrado no rol oficial (?!...). No frontispício deste Livro, encontra-se, em subtítulos. ‘O espírito dos Descobrimentos portugueses’; ‘Volume IV da Tetralogia’ Portugal Esotérico. Na História da Literatura Portuguesa (veja-se, por exemplo, a Obra-padrão de Óscar Lopes e António José Saraiva), verifica-se, estrutural e correntemente, em quase todos os Autores mencionados/seleccionados, o cumprimento (expresso ou tácito) da lei da articulação dos factos às ideias, das situações às pessoas, dos sujeitos aos objectos; e vice-versa. A maior parte dos Escritores exercem a reflexão crítica sobre situações, actores/agentes, personagens. Uma parte significativa deles (seja em prosa, seja em poesia) tem e demonstra a capacidade e a coragem críticas para, diante das situações (desviadas ou erradas…) tecerem reflexões críticas, avançarem propostas, desenvolverem Proectos críticos alternativos. Sobremaneira, na Idade Moderna e, muito especial-mente, a partir do séc. XVIII, na chamada era das Revoluções; até chegarmos a esse marco de Revolução/Desespero, que foi a famigerada ‘Revolução (pacífica: apenas um morto ocasional…) dos Cravos’ de 25 de Abril de 1974. Por tudo isso, ela, ao pôr fim ao último ‘império colonial’, do modo pacífico como o fez, bem se pode considerar o paradigma antecipado das revoluções culturais, sempre necessárias e indispensáveis, ao que o CEHC chama, com propriedade, a nova era da Pós-Modernidade positiva e crítica. Em toda esta panorâmica, como é sempre de esperar, (e de acordo com os prognósticos da ‘Poética’ de Aristóteles, a melhor parte (no que tange ao criticismo e à necessidade urgente de Mudar o Mundo e Transformar as Sociedades humanas), a melhor parte é sempre à POESÍA e aos Poetas que vem a caber! Citemos a esmo, ao corrente do cardápio da nossa Mente inteligente e emotiva uma Litania imensa de Poetas e Prosadores que o foram e são, em boa evidência histórica ou real, dignos de referência, segundo as perspectivas enunciadas: o Rei D. Dinis, o ‘Infante das Sete Partidas’, Gil Vicente (que, cada um no seu horizonte, pedirá meças a W. Shakespeare); Garcia de Resende e o seu famoso Cancioneiro; Camões, Antero e F. Pessoa (os três de E.L. na sua obra citada); Teixeira de Pascoaes e Padre António Vieira; Jorge de Sena, Virgílio Ferreira, José Cardoso Pires, José Gomes Ferreira, Pedro Homem de Melo, José Régio, José Mário Branco, A. Vitorino d’Almeida, João Barcel-los e J.C. Macedo; Miguel Torga, Manuel Alegre, Ary dos Santos, José Afonso (cantador e poeta de excelência, revolucionário de gema); Sophia de Melo Breyner Andersen, Graça Morais, José Pacheco Pereira, Vasco Graça Moura, Gonçalo M. Tavares, A. Borges Coelho; Hélia Correia e Raduan Nassar; Herberto Helder, Natália Correia, Maria Teresa Horta, Fernando Assis Pacheco, Eugénio de Andrade; o moçambicano Mia Couto, os angolanos Pepetela, Luandino Vieira, José Eduardo Agualusa; Eça de Queirós; Mário Cláudio e José Carlos Vasconcelos; António Lobo Antunes e José Saramago; Lídia Jorge; Viriato Soromenho-Marques e Adriano Moreira; Sá de Miranda, Almeida Garrett e Alexandre Herculano; Jacinto e José Rodrigues; Francisco Salgado Zenha, António Costa; Álvaro Cunhal e Maria de Lourdes Pintasilgo, César Oliveira, Diogo Pires Aurélio e Diogo Freitas do Amaral; o escritor romancista José Rodrigues dos Santos, que merece um parágrafo especial por causa do seu último romance ‘As Flores de Lótus’ (Gradiva, Lisboa, 2015). E tantos outros, como os Papas João XXIII e Francisco, situados a outra escala: transnacional/mundial. (As religiões institucionalizadas constituem os ninhos sacrais das tiranias pro-fanas. Leia-se, a propósito, o livro esclarecedor da freira inglesa, que se laicizou, para se converter na melhor escritora criticista sobre Religiões, Karen Armstrong: ‘Fields of Blood’: Religion and the History of Violence’. Na contracapa do Livro, escreveu Alain Botton: ‘Karen Armstrong is one of wise and supremely intelligent commentators on religion.’ Vd. et. a mais de meia centena de
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Livros, individuais e colectivos, edit. em Portugal e Brasil, com a chancela CEHC: Centro de Estudos do Humanismo Crítico. Com Rev. electrónica, a partir de São Paulo: noetica.com.br). Por exemplo, em Manuel Alegre, “a presença da História, a nostalgia da epopeia, as saudades do futuro articulam-se no inconformismo e no desejo de liberdade e de justiça. Daí a importância dos desafios de hoje: ‘Fazer a Europa não significa desfazer as nações, tal como sermos membros activos da União Europeia não significa diluir e muito menos destruir Portugal. E também não significa retirar poderes aos parlamentos nacionais e submeter a aprovação das suas decisões a um pequeno círculo de tecno-cratas das finanças públicas’ “. (Cit. por G. D’Oliveira Martins, in ‘JL’, 11-24.5.2016, p.31). É absolutamente preciso ter a coragem de construir a única via legítima e possí-vel do construir a U.E.: uma Confederação de Estados, não a Federação em curso… É preciso ter a coragem de enfrentar, criticamente, o processus da uniformização imperialista, que o neoliberalismo capitalista pôs em marcha. As indiferenças e os desesperos nacionais, perante a ‘crise dos refugiados’ resultam disto tudo!... Estamos em defesa de J.R.S., do seu Livro citado (que lemos) e do seu artigo (in ‘Exp.’ de 4.6.2016, p.24), em resposta à polémica gerada pelo historiador António Araújo. Mas com os esclarecimentos e as salvaguardas, resumidas em 7 teses e num só Parágrafo: 1ª Nominalmente, o Fascismo procedeu dos Fascii romani; desta sorte, o título não está certo: ‘O Fascismo tem mesmo origem no marxismo. 2ª A distinção entre ‘Socialismo científico’ e ‘Socialismo utópico’ (em que K.M. insistiu…) não passa de uma falácia, engendrada pelas teses do ObjectivoObjectualismo, com que se tem feito a História ao 1º e 2º graus. 3ª A vera equação é entre Fascismo (ou Nacional-Socialismo) e Leninismo/Estalinismo. 4ª Marx e Engels tiveram pena do Fracasso da Rev. dos Povos em 1848 (data em que publicaram o Manifesto Comunista) bem como da derrota da Comuna de Paris, em 1871: eles eram, essencialmente, Democratas; e, quando falaram da ‘ditadura do proletariado’, foi num sentido transitório, uma ou duas Legislaturas. 5ª O Socialismo soviético foi uma Falsidade total: era, apenas, uma modalidade de Capitalismo: ‘capitalismo monopolista de Estado’ (J.K. Galbraith dixit!). 6ª O Socialismo vero e autêntico só se edifica, democraticamente, a partir dos Sujeitos, não de Programas objectivoobjectuais!... Os tais ismos… 7ª Eis por que o Futuro do Socialismo , nas Sociedades humanas, está mais do lado dos Trotzkistas, que o desejam edificar à escala internacional-planetária, do que do lado de outras correntes do Marxismo. A tese do escritor/poeta mexicano Octávio Paz é, aí, sublinhada: ‘A liberdade não é uma filosofia e nem sequer uma ideia: é um movimento de consciência que nos leva, em certos momentos, a pronunciar dois monossílabos: sim e não’. “E quantas ve-zes é mais o não que o sim a funcionar como defesa da singularidade e da autonomia in-dividual contra a ‘tirania da maioria’ ” ‒ como o entende M.A. (ibidem). É que, do sis-tema de abstracções, estamos nós fartos: “Não há liberdade sem liberdades” (idem, ibidem). É sempre a vetusta Quaestio filosófica helénica entre o Uno e o Múltiplo, no universo humano. Se não for, cultural e socialmente, bem resolvida, não poderá haver DEMOCRACIA. Muito simplesmente. A vera e autêntica Poesia acaba por dinamitar o ‘velho mundo’ e ajudar a transformar as Sociedades humanas corrompidas e decadentes. Leia-se o Livro ‘REUNIVERSOS’, do Poeta, Ensaísta e Crítico literário angolano J.A.S. Lopito Feijóo K. (União dos escritores angolanos, 2016). O Escritor ‒ para quem ‘a poesia está em tudo o que nos rodeia’ ‒ deu uma entrevista notável ao ‘JL’ (25. 5-7.6. de 2016, pp.7-8). Aí, disse ele coisas de muito interesse. Designadamente (p.7): “Tinha responsabilidades [havia sido deputado 16 anos, na Assembleia Nacional, em Luanda] e não podia de todo abandonar o meu país. Mas nunca deixei de dizer que o exílio lá era muito mais difícil. Vivemos em Angola num contexto muito difícil, em que as pessoas queriam todas sair do país. Coube-me dizer às pessoas, poeticamente, que o exílio dentro da nossa própria terra era muito mais difícil do que viver no exílio, como muita gente vivia”. No termo desse período, começou a ocupar-se com a publicação e a internacionalização da sua obra. Na entrevista, sobre o carácter doutrinário da Poesia, diz o se-guinte (ibi, p.8): “Toda a poesia que é feita com consciência do fazer e do dever fazer é doutrinária. Quando publicamos um texto literário, ele desprende-se do autor, passa a ser de quem o lê e de quem com ele se identifica. Começa a gerar-se um fluido de consciência, uma espécie de doutrina, que orienta o leitor e que o obriga a ler e reler o texto de forma a que nele possa encontrar novos caminhos e
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orientação. É isso que me pro-ponho fazer na minha obra. Isso implica um trabalho de apuramento estético e ético, que resulta da prática profissional”. “Eu costumo dizer que a poesia está em tudo o que nos rodeia. O exercício poético não é um sacerdócio, nem somos lunáticos! Vivemos com as mesmas dificuldades do dia-a-dia das restantes pessoas. O poeta é aquele que olha verdadeiramente, recolhe e reflecte. O que se passa é que nem todos nós temos a visão apurada para ver a poesia no nosso quotidiano, inventariar palavras e reinventá-las” (idem, ibidem). Na verdade, é no Oceano da Linguagem articulada dos Humanos, em Sociedade, que o Pensamento e, acima de tudo, o Pensar criticamente, tem o seu lugar e toma corpo sensível!... Eis por que a Crítica literária e, acima de tudo, a Poesia são essenciais e decisivas. Eis por que ‒ como diria Walter Benjamin ‒ a operação de pensar tem sempre duas dimensões: a social/comunitária e a singular/individual: daí mesmo, a necessidade e a indispensabilidade do Diálogo socrático! O Acordo de Paris (COP/21: de 30 Nov. a 11 Dez.,2015) sobre as Alterações Climáticas não foi, em termos absolutos, vinculativo, por forma a ter os seus desejados efeitos positivos, à escala de todo o Planeta, que está em causa. Apesar da presença de 195 países… Há deficiências sérias, de ordem ético-linguística e jurídica, em todo este Processo, que já vem, formalmente, desde 1992. Surgem, por isso, as dúvidas e os desesperos… v.g., perante as actuais chuvas diluvianas na França e na Alemanha. Em entrevista ao ‘Exp./Revista’ (28.5.2016, p.27), o Sec.Geral da O.N.U., Ban Ki-moon, assevera: “O acordo de Paris não é o fim. É o ponto de viragem para as comunidades internacionais porem o mundo inteiro num caminho sustentável, para enfrentar as alterações climáticas”. Será que desta vez vai mesmo o Programa que ele deixou esquissado para 2030? Disse B.K-m. aí: “São 17 os objectivos do Desenvolvimento sustentável, desdobráveis em 169 metas, tendo sido aprovados por unanimidade, numa resolução em 25 de Setembro de 2015 (no 70º aniversário das Nações Unidas), intitulada ‘Transformar o Nosso Mundo: Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável’. Estes objectivos, absolutamente consensuais, pretendem ir mais longe e acabar com todas as formas de pobreza, abordando várias dimensões do Desenvolvimento (social, económico e ambiental) e promovendo a paz, a justiça e instituições eficazes.” Se a mudança, no Ambiente Cultural/crítico, não começar a ser operada na transição do ‘Homo Sapiens tout court’, e nos trazem cheias diluvianas por quase toda a superfície do Planeta, para o novo paradigma do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, não haverá grandes esperanças, para o cumprimento de tais metas!... As alterações climáticas, que desencadeiam as geleiras polares, fenómeno ainda vigente e imperante, não são os únicos factores das actuais doenças da Terra; os indicadores sobre a biodiversidade estão já no vermelho vivo, a indicar risco iminente ou perigo declarado. O químico holandês Paul Crutzen, em 2000, chamou, à nova era geológica, a do Antropoceno, em continuação imediata com a do Holocénico. A seguir, o australiano Will Steffen, secundando a proposta anterior, falou das ‘Fronteiras Planetárias’ (Planetary Boundaries), ‒ o que veio a conduzir à construção de painéis indicadores de controlo sobre nove fronteiras. Os dois factores acima referidos já estão no vermelho vivo. O cientista alemão Hans-Joachim Schellnhuber, utilizando o método dos ‘síndromas’, verificou que há todo um conjunto de actividades humanas que já estão a constituir ataques frontais à sustentabilidade do Planeta e a comprometer seriamente os direi-tos das futuras gerações. Viriato Soromenho Marques (in ‘JL’ de 11-24.5.2006, p.32) acaba por concluir o seu artigo em perfeita sintonia connosco: “Numa altura em que a globalização financeira e económica se encontra em recuo, e em que parece faltar força e inteligência para construir uma casa de governação política comum, as pesquisas interdisciplinares em matéria ambiental mostram-nos que, mesmo que o projecto da globalização venha a soçobrar, abrindo um novo período de proteccionismo e provincianismo na vida política e económica dos povos, há um aspecto da globalização que vai prosseguir sem recuo. A inércia da crise ambiental assegura-nos que, quer queiramos quer não, estaremos unidos no sofrer das consequências provocadas pelos danos acumulados ao software planetário. Saber se vamos enfrentar unidos, ou em ineficaz formação dispersa, uma ameaça de tal magnitude, dependerá apenas da nossa inteligência e maturidade moral”. A elevação do nível cultural e ético, i.e., a emergência decisiva do ‘Sapiens//Sapiens’ é
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o que nos falta, nos Sistemas Educativos da Civilização ocidental, que não abdica do seu protagonismo sobre as Sociedades e o Mundo. ● É preciso e urgente superar e destruir as Metafísicas tradicionais (inexoravelmente dualistas, em termos ontológico-societários) e, absolutamente, incompatíveis, socialmente, com os veros e autênticos Regimes Democráticos, ‒ os únicos compatíveis com a gramática do 'Homo Sapiens//Sapiens’. O ‘Arranjo’ típico das três Grandes Religiões Institucionalizadas de ‘O Livro’: A) Há modos, ritos e costumes, que são implantados pelas próprias religiões institucionalizadas, qua tais, para uso dos respectivos crentes/fiéis. B) Há outros modos, ritos e costumes, que, suportados e apoiados pelas mesmas religiões em causa, servem, na praxis societária, para uso dos cidadãos laicos/profanos, e ainda daqueles que se dizem ‘ateístas’ ou agnósticos. Em A), assistimos a leituras bíblicas, corânicas, ou da Tôrah ou a actuações de culto directamente religiosas; em B), temos a emergência de Fenómenos (ditos) profanos ou laicos, como Poesia ou a Estese das Artes, em geral. Em ambos os casos, tudo é, básica ou superiormente, sustentado pela Semântica, que os usos e costumes e as religiões em causa encontraram, para rechear o antigo termo ‘Metafísica’, descoberto por Andrónico de Rodes (séc. I a.E.c.), tão somente para arrumar, nas respectivas estantes, a obra de ‘O Filósofo’. Desta descrição esquemática, decorre a verdade de duas proposições: a) As religiões institucionalizadas constituem mesmo ‘o ópio do povo’, enquanto superestrutura ideológica e enquanto base cultural; b) O Poder Estabelecido (a Potestas) é sempre nimbado com uma ‘aura sacral’, na Praxis societária, tanto para os indivíduos religiosos como para os laicos ou profanos. Eis por que é absolutamente necessária e indispensável demolir e destruir a Metafísica, que, de modo explícito ou implícito, está espartilhando e plasmando os dois mundos (o religioso e o laicoprofano). Todos foram reduzidos à condição de escravos e servos. Falar de Autonomia dos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos não passa de uma fantasmagoria!... Neste contexto!... Como se advertiu, o próprio Eduardo Lourenço continua, intelectual e ideológicamente, amarrado às Metafísicas tradicionais (criadas pelas religiões ‒ não se esqueça…), visto que nunca ousou pô-las em causa, como, de resto, na Idade Moderna, ousaram fazer Immanuel Kant e Jacques Derrida. São, por conseguinte, bem conhecidas as razões para a superação e ultrapassa-gem da Metafísica qua tal: a) ela está configurada e baseada na concepção dualista (platónica e paulina) do Mundo; b) está, por estrutura e definição, baseada na Física e formatada na atmosfera (ideológica) do Monismo epistémico, de base fisicalista; c) este quadro dos Saberes e das Ciências impôs, sem reservas, o culto obrigatório da ‘religião laica’ do Objectivo-Objectualismo (sempre criticada pelo CEHC, porque o que o Centro admite, sem hesitar, é a Dualidade Epistemológica); d) amarra todos os Indivíduos-Pessoas-Cidadãos a uma (suposta) Divindade extrínseca e transcendente, como acontece a cristãos, islâmicos ou hebreus. Mas alguma vez E.L. se distanciou, criticamente, da Metafísica?!... G. D’Oliveira Martins, interpretando Lourenço, atribui as decisões firmes de Antero à metafísica… Veja-se o que ele diz sobre o tema (in ‘JL’, 28.5-7.6.2016, p.27): “Sob a influência inequívoca de Antero de Quental, como reconhece em ‘Poesia e Metafísica’, o pensador exprime a sua grande admiração pelo facto de o voluntarismo do autor dos Sonetos, não abdicar ‘da referência ética, no sentido mais radical, e esta, por sua vez, só encontra o seu fundamento na referência metafísica e o seu cumprimento como ideal último naquela aspiração que ele designou de ‘santidade’. Que, no final da sua vida a tenha concebido mais sob a forma budista que cristã, nada retira à exigência que nela se encarna. A esse título, Antero é o único intelectual comprometido com a acção, que não transigiu com o comum espírito do seu tempo’. [Este sublinhado é nosso]. ‘No entanto, os homens de alta exigência ética e mística ‒ e Antero foi um deles ‒ são sempre um pouco arcaicos’ ‒ como salienta, com aguda solidez, num tempo demasiado carregado de leituras fechadas e definitivas”. Ora, tanto em G.O.M. como em E.L., é forçoso, para os ler e entender, pressupor neles a presença, implícita e explícita, das doutrinas tradicionais da Metafísica. Já não diremos o mesmo de Antero, visto que consideramos justo, (e legítima expressão de uma Consciência
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activa e responsável) o seu ‘suicídio’!... Em suma, enquanto nós ocidentais, não formos capazes de demolir e destruir, de vez, o ‘sagrado’ discurso da Metafísica tradicional, a nossa literatura será, inevitavelmente, um enredo de ‘trapalhadas’… e a vera DEMOCRACIA só no infinito esperará por nós!... Perguntamos ‒ com ironia e sarcasmo ‒ que sentido positivo e útil poderá assumir o discurso final do artigo de G.O.M. sobre E.L., que soa como segue (ibidem): “Em tempos de incerteza, Eduardo Lourenço representa uma voz de esperança, que apela ao diálogo e à paz, com salvaguarda da liberdade de consciência e do sentido crítico. A sua heterodoxia mantém-se viva e actual em nome do compromisso cívico com a liberdade e uma responsabilidade solidária”?!... A DEMOCRACIA cultiva-se, promove-se e aprofunda-se mediante uma boa e adequada Educação, e uma Cultura crítica sempre vigilante. Por sua vez, o vero e autêntico Socialismo edifica-se, no quadro da Cultura crítica e do Regime Democrático, mediante a via pacífica das Eleições democráticas, e não mediante a Violência armada. Este é o ideário psico-sócio-político do C.E.H.C., procedente, no seu pressuposto inabalável, do paradigma vero da Espécie ‘Homo Sapiens//Sapiens’. ‒ Postulado, único, essencial e decisivo, oriundo do que o C.E.H.C. tem chamado, com justeza e com justiça, JESUANISMO, em confronto/contraste, com todas as Naus tradicionais/históricas, dos Cristianismos e das Cristandades: (Estamos a referir-nos, obviamente, às três religiões do ‘O Livro’, em primeiro lugar, porque têm sido elas a disputar toda a Liderança e Hegemonia absoluta sobre as Sociedades humanas e o Mundo) (‘et pour cause’!...): Enquanto não se identificar a Divindade (muito simplesmente…) enquanto configurada no ‘sacrário’ íntimo da CONSCIÊNCIA (crítica) dos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos (enquanto Sujeitos livres e responsáveis, detentores de uma Consciência crítica, segundo a gramática específica do ‘Homo Sapiens//Sapiens’), não mais será possível edificar veros e autênticos Regimes Democráticos, na organização das Sociedades humanas, ‒ porque, afinal, só eles serão perfeitamente compatíveis com os melhores modelos sócio-económicos do que as Escolas académicas têm designado por Economia Política: A) SocialDemo-cracia e B) Socialismo (vero e autêntico). As razões deste Postulado são simples e óbvias: I. ‒ Os tradicionais regimes democráticos são, absolutamente, incompatíveis, de raiz, com os regimes económicos do Sistema capitalista, os quais, sendo, todos, de natureza objectivo-objectualista (i.e., não respeitam os Sujeitos humanos em primeiro lugar), acabam por conduzir, sócio-historicamente, à sua modalidade de hoje: aquilo que o CEHC chama a fase final da história (paradoxalmente, mais trágica do que épica…) do Sistema capitalista. II. ‒ Invertendo, assim, a esfera operacional de funcionamento da Economia política, sere-mos criticamente chamados a repartir por dois Planos distintos, o seu funcionamento total e global: A) o dos IndivíduosPessoas/Cidadãos, os quais, simplesmente por existirem, têm direitos humanos que devem ser respeitados e cumpridos; B) o Plano dos Produtos/Mercadorias, do Progresso, e da Investigação científico-tecnológica, com a finalidade de ir melhorando e aprofundando os Valores da Espécie, em todas as ver-tentes e sentidos. A) diz respeito aos Sujeitos-Pessoas; B) concerne aos Objectos, pro-dutos, obras, mercadorias. Ora, enquanto os dois Planos se misturarem e confundirem num só ‒ como se tem verificado até ao presente, não só a Pobreza (e as carências extremas…) nunca será eliminada da face da Terra, mas, também, nunca se encontrarão os modelos políticos certos e adequados, para a boa e segura Organização e funcionamento das Sociedades humanas. A Suiça já se está a orientar no sentido dos dois Planos: só que o Referendo recente, em princípios de Junho de 2016, no sentido de atribuir, a cada cidadão adulto, uma espécie de ‘salário de sobrevivência’ (de 2.000 euros) não chegou aos 20% de apoio nas urnas. Nesta Questão, há sempre quem argumente com o parergo do ‘Homo Sapiens tout court’: se a carência e a necessidade não baterem à porta, os indivíduos não se mexem para trabalhar e viver do seu trabalho… Tudo centrado sobre o Egoísmo e a Ambição e a Potestas d’abord. Este é o catecismo, fatalista e inexorável, do ‘Homo Sapiens tout court’. Por isso é que Jesus (mesmo o dos evangelhos canónicos) dizia, com ironia e sarcasmo, para quem o ouvia: ‘Pobres sempre os tereis… a mim é que nem sempre me tereis’. Por isso mesmo, Maria (que se havia ajoelhado aos pés do Senhor, para ouvi-lo, em confronto com Marta, sua irmã, que se afadigava com trabalho e queixou de ela não a ajudar, foi de algum
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modo repreendida por Jesus, quando este lhe retorquiu que Maria havia escolhido a melhor parte (Lc., 10, 38-42). A corrente e convencional compatibilidade do Sistema Capitalista com os chamados ‘regimes democráticos’ (sobremaneira depois de 1991, com o Colapso do Socialismo/Comunismo na URSS, que operava como padrão de nova experiência histórica…), não é senão a crença dogmática resultante da vigência hegemónica do padrão específico tradicional do ‘Homo Sapiens tout court’ e da correspondente noção/concepção do Poder (Potestas sacra) sagrado. Ora ‒ como é sobejamente sabido ‒ é precisamente dessa fonte (bíblica!) que jorra, continuamente, a Ideologia da sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord. Só pode haver, de facto, vero e autêntico Socialismo, num vero e autêntico Regime Democrático. No seu Livro ‘O Novo Estado Industrial’ (1962), John Kenneth Galbraith pôs a chancela científica definitiva sobre o Grande Engano que estava a ocorrer na U.R.S.S.: Capitalismo monopolista de Estado!... Nada mais. Richard Wagner (1813-1883), o célebre Músico/Compositor alemão teve uma Intuição genial, ao escrever a sua tetralogia operática, titulada ‘O Anel de Nibelungo (com a duração de ca. de 15 horas): O Ouro do Reno, A Valquíria; Siegfried e o Crepúsculo dos Deuses. Terá demorado ca. de 28 anos a criar e elaborar esta tetralogia. Mas o resultado é, deveras, impressionante e monumental, tanto para o presente como para o futuro do Mundo e das Sociedades a humanizar. A sua Intuição genial e de fundo é esta: a Causa última, que destruirá o Mundo, será a Falta de Amizade e AMOR. Porque só o Amor nos livrará e libertará da obediência servil e dos estigmas da Potestas d’abord. Uma Mensagem que converge, musicalmente, por inteiro, com o ideário e a doutrina do C.E.H.C.. ‒ Immanuel Kant (1724-1804). A História da Filosofia identifica-o e reconhece-o como Filósofo Germânico. Pa-ra nós, entre os filósofos germânicos, reconhecêmo-lo como o ‘maior’ de todos os Filósofos Germânico/Alemães (para além de F. Hegel e do próprio K. Marx). I.K. nasceu em Königsberg, a cidade actual de Kaliningrado, situada em território da ex.-URSS. De Königsberg/Kaliningrado, se escreve na ‘Enciclopédia Geográfica’ (Selecções do Readers Digest, London/Lisboa, 1988) o seguinte: “Porto comercial e base naval, junto do mar Báltico, a 30 km a norte da fronteira com a Polónia. Fundada em 1255 por cavaleiros teutónicos, que lhe deram o nome de Königsberg, foi a capital do Estado Alemão da Prússia Oriental na Idade Média. Durante a IIª Guerra Mundial rendeu-se ao exército soviético, após um demorado e devastador cerco. Foi cedida à URSS em 1945, na Conferência de Potsdam [na então Alemanha de Leste, próximo de Berlim], em que participaram a Grã-Bretanha, os EUA e a URSS. No ano seguinte foi-lhe dado o novo nome de Kaliningrado, em honra do presidente Mikhail Kalinin (1875-1946)”. As malhas que os impérios tecem, ao longo da História das civilizações, inalteravelmente pautadas pelos padrões do ‘Homo Sapiens tout court’, pela fatal Violência guerreira, e pela sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord, que dura, patriarcalmente, há cinco milénios e meio, e pôs termo à GILANIA dos quatro milénios anteriores, onde os Humanos (homens e mulheres) eram capazes de conviver, harmoniosamente, respeitando a Igualdade (jurídica) entre os dois Sexos distintos. I.K. era Prof. de Filosofia, na Universidade da cidade/capital da Prússia Oriental, onde ele próprio havia nascido. Era homem de usos e costumes vincados e personalizados. Quando seguia, pausadamente, a sua marcha rumo à Universidade, devido à frequência com que os seus concidadãos/paisanos o faziam, tornou-se anedóctico eles acertarem os seus relógios pela passagem, sempre à mesma hora, do Mestre Kant!... No concernente à Religião (à prática religiosa…) foi assumido como um ‘pietista’. Depois de ler e estudar a Filosofia Sensista do escocês David Hume (1711-1776), I.K. mudou o eixo do seu trabalho filosófico pró-idealista, e começou a construir uma ‘Arquitectura’ filosófica, verdadeiramente inovadora e autónoma. As principais obras de D.H., que lhe ‘deram a volta à cabeça’ foram: ‘Treatise of Human Nature’ (1739); ‘Enquiry Concerning Human Understanding’ (1748); ‘Enquiry Concerning the Principles of Morals’ (1751); e ‘Dialogues Concerning Religion’ (1779, póstumo). Como viveu em Paris, durante alguns anos, a sua filosofia havia sido bem acolhida no milieu filosófico francês, até porque, além de haver estudado o
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empirismo de Locke e o idealismo de Berkeley, D.H. dedicara-se, igualmente, ao mecanicismo de René Des-cartes. Foi, na verdade, ao estudar D. Hume ‒ confessou o próprio I.K. ‒ que emergiu, no seu horizonte intelectual, a Filosofia Criticista. Ele foi o 1º Grande Filósofo que começou a estudar, em termos criticistas, tanto a Filosofia como as Religiões. Se ele não pôs, directamente, em causa a Institucionalização das religiões, como o faz hoje o CEHC, foi tão somente porque os Tempos ainda não haviam chegado, para tanto… Que foi, afinal, em termos muito esquemáticos, o Criticismo kantiano? Uma vez conhecido o clássico-tradicional ‘Sensorium’ e o modo como, a partir da Sensibilidade (e da Imaginação) a Inteligência (ou Intelecto) opera e actua, com vista à formação das Ideias/Conceitos, I.K. descobriu que havia fôrmas apriori (tanto para a Sensibilidade como para o Entendimento), que nos permitiam percorrer o cami-nho e chegar ao fim. Ora, este é o Aparelho criticista que ‒ diríamos nós ‒ é mesmo próprio da Gramática do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. Os Sujeitos (cognoscentes) e os seus Objectos, na relação (correlação) que edificam, não perdem as suas funções e identidades próprias, ‒ como tantas vezes se pensa e admite, na órbita da Cultura (tradicional) do ‘Homo Sapiens tout court’. Por que proclamam os reis e os hierarcas religiosos que nas Religiões Reveladas não se mexe?!... Porque tem de haver, sempre, no Mundo humano, uns que mandam e outros que obedecem… Sempre as eternas ‘duas classes societárias’, para que as Sociedades e o Mundo se mantenham de pé: clérigos e laicos, santos e pecadores, senhores e servos/escravos. I.K. é, embrionariamente, o 1º Grande Filósofo a pôr em causa estas infra-estruturas societárias estruturadoras. Pode e deve perguntar-se ‒ muito embora genericamente ‒ : Por que não se confinou a Grandiosa Obra (filosófica e cultural) de I.K. ao seu Tempo de Vida? Por que, logo a seguir, veio a tríade dos neo-kantistas: Fichte, Schelling e Hegel?! E o Neokantismo espalhou-se, pelo menos, na Cultura filosófica e jurídica do Ocidente até aos dias de hoje!... Em última análise, até poderíamos afirmar que um tal processus ocorreu, sócio-historicamente, porque a Filosofia Criticista de Kant se configurou e situou, convergentemente, entre o Racionalismo e o Empirismo (designadamente, o de Hume, que ele havia estudado e o impressionara tanto). Neste esquema de explicações racionais de procedências e continuações, até poderiamos chegar, a parte antea, ao próprio Hilemorfismo aristotélico, que sempre resultou gorado e abandonado, na História bimilenar do Ocidente, ‒ inclusive o parcial Hilemorfismo tomista, que esteve, após a morte de Tomás de Aquino, em 1274, proibido de ser ensinado, durante ca. de meio século, na Sorbonne (Universidade de Paris, onde o próprio Mestre havia ensinado e escrito as duas ‘Summae’)!... I.K. é, assim, o 1º Grande Descobridor, em chave criticista, dos veros fundamentos das Religiões e da Moral nelas radicada e fundada. Mais: Ele constituiu-se como um pensador/personalidade paradoxal, ‒ na medida exacta em que partiu, originariamente, do axioma (insofismável) de que ‘as coisas em si mesmas não são conhecidas, em última instância’. Desta sorte, acabou com toda a Filosofia dogmática (já nem falamos da medieval ‘philosophia ancilla theologiae’, admitida pelo próprio Tomás de Aquino); mais: antes de E. Husserl, ele foi o vero fundador da Fenomenologia moderna. I.K. até nos pode surpreender como precursor, sem o saber, do que, no séc. XX, se chamou ‘Física Quântica’: Que nos diz a Teoria Física do ‘corpusconda’?! Que o Observador, no seu Lab., não pode ver, simultaneamente, o corpúsculo e a onda; a percepção de um e da outra é diferenciada, no horizonte do espaço/tempo. O Criticismo kantiano (vera Bandeira do ‘Homo Sapiens//Sapiens’) acabou, de vez, com toda a Filosofia (universitária ou plebeia…) que se pretenda dogmática, ou que pretenda servir de plinto ou de base racional, para as Religiões Institucionalizadas, a começar pelas que se presumem ou pressupõem de índole revelada. Foi com a sua Filosofia que nós começámos a perceber toda a verdade daquele axioma, desmitificador e emancipador: ‘Tudo quanto dizemos, ou aprendemos a dizer, de Deus, foi, nas origens, sempre um homem que o disse ou declarou.’ ‘Não há revelações divinas em si mesmas’. ‘Deum nemo vidit unquam’ (Deus ninguém alguma vez o viu), ‒ é o próprio prefácio do evangelho canónico de João (et alii… para além dos outros dois, há hoje quem pense que tal evangelho tem o dedo e a mão de Jesus. Vd. Barbara Thiering: ‘The Book that Jesus wrote’ ‒ John’s Gospel ‒, Corgi Books, G.B., 1998).
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Um leve apontamento sobre as mais importantes Obras de Kant: ‘Crítica da Razão Pura’, que ele começou a publicar, em 1781; a seguir, ‘Crítica da Razão Prática’, em 1788, antecedida dos ‘Fundamentos da Metafísica da Moral’ (1785). ‘Crítica do Juízo’ (ou Julgamento) (1790). ‘A Religião dentro dos Limites da Simples Razão’ (1793), ‒ Livro pelo qual foi censurado pelo imperador Frederico Guilherme II; em 1795, publicou o seu Livro mais profético, com o título: ‘Paz Perpétua’, até como ex-pressão de acompanhamento, com simpatia q.b., das duas Revoluções já consumadas: a norte-americana (de 1776) e a francesa (de 1789). Próximo do fim da sua vida, ele dei-xou-nos a nova gramática para sabermos lidar com a problemática da velha Metafísica: a obra (que temos na nossa Biblioteca do CEHC) e que dá pelo título: ‘Prolegómenos a toda a Metafísica Futura’ (Prolegomena zu einer jeden künftigen Metaphysik). (Foi editada, em 1982, por Edições 70, Lisboa.). Immanuel Kant, com a sua Obra grandiosa, exerceu uma enorme influência em muitos filósofos posteriores, tais como Fichte, Schelling, Hegel, Schopenhauer, Coleridge, Carlyle; bem como através do chamado Neo-kantismo, até aos sécs. XX/XXI. Resumindo tudo, poder-se-á dizer que a sua boa Estrela foi, justamente, ter seguido aquela via média (o mesótes aristotélico), que a História da Filosofia regista, entre os dois extremos: Racionalismo (Idealismo)//Empirismo (Sensismo). Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), que deixou uma obra enorme, que vale quase uma Enciclopédia filosófico-cultural, pode muito bem constituir o Precursor de Immanuel Kant, quando pensamos no seu apotegma predilecto, que resume toda a sua (e nossa) Filosofia: “Nihil est in intellectu quod prius non fuerit in sensibus, ‒ nisi ip-se Intellectus”. Tempo e Eternidade em união e harmonia; Sujeitos e Objectos em união e harmonia, onde os primeiros não são reduzidos ou subjugados aos segundos. O Tempo diz, prioritariamente, respeito aos Objectos. A Eternidade concerne à Identida-de e à Consciência dos Sujeitos. Aristóteles, na linguagem dos Escolásticos medievais, definia assim o ‘Tempo’: ‘Numerus motus, secundum prius et posterius’. Tomás d’A-quino definia assim o ‘Eterno’: ‘Interminabilis vitae tota simul ac perfecta possessio’. Só neste horizonte, se pode percepcionar bem a verdade que vai na fórmula filosófica corrente: ‘Veritas, filia temporis’! ‒ Jacques Derrida, o Desconstrutor decisivo de toda a ‘geometria’ da Metafísica. (Nasceu em El Biar, na Argélia, em 1930.). Foi Assistente na Sorbonne (durante 4 anos), e depois, a partir de 1965, foi Prof. na Escola Normal Superior; co-fundador (1975) do GREPH (Groupe de Recherches sur l’Enseignement de la Philosofie); parti-cipante activo do Grupo formado em torno da Rev. ‘Tel Quel’. As falácias e os pseudo-problemas, que o ensino da Filosofia tem encontrado, ao longo da História, nos dois últimos milénios, procedem todos do domínio do logos ‒ como concluiu J.D. ‒ e resultam da unificação centralizadora da interioridade pensante dos indivíduos. ‘No princípio era o Verbo’ (evang. de João…): Que Verbo?!... Não, Em vez do Verbo ou Palavra, o que aconteceu, primeiro, nas origens dos Seres humanos, foi o Signo. É, pois na Semiologia que vem a ter a sua origem a Filosofia enquanto actividade pensante. É o signo gráfico que está nas origens: assim o significado do significante é outro significante, e não a própria realidade. (Não dizia Kant que as coi-sas, em si mesmas, não nos são conhecidas?!). Mas a Enciclopédia Verbo (Ed. Verbo, Lisboa/São Paulo, 1999) explica bem o processus intelectual/crítico de J.D.: Concluía ele que se torna urgente “a definição da possibilidade ou impossibilidade do discurso filosófico. Este é o objectivo da ‘descontrução’ derridiana ‒ tentativa ‘especulativa’ de articulação do problema do sentido, caracterizada pela recusa da esquemática metafísica e pelo repensamento da teoria do signo. A desconstrução do ‘logocentrismo’, enquanto desconstrução metafísica, representa a crítica externa à concepção da escrita como representação da palavra, i.e., concepção do signo como estrutura reveladora do ser. Com a gramatologia (ou teoria da escrita; de grama = inscrição) D. pretende precisamente provar a anterioridade da escrita relativamente à palavra, em oposição à prioridade concedida à palavra e ao som pelo logocentrismo e o fonocentrismo, esquema mental e ideológico do pensamento ocidental. Enquanto abordagem da possibilidade geral de uma ciência da escrita, a gramatologia teoriza a possibilidade da linguagem através da possibilidade da escrita e à luz da noção de arquiescrita, na medida em que esta enuncia as condições de possibilidade de toda e qualquer experiência e não apenas da linguagem em geral. Consequentemente, é fundamental a perspectiva do signo, ou
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a perspectiva da relação entre o significante e o significado. Opondo-se à subordinação tradicional e função vicariante da escrita, a gramatologia empreende a crítica radical do signo e defende a subordinação do pensa-mento ao significante. A escrita não se fundamenta na linguagem falada mas, ao contrá-rio, fundamentaria directamente as características fundamentais da Linguagem”. De seguida, vamos elencar as obras mais importantes, concernentes à Teoria/ /Doutrina da Desconstrução filosófica da Metafísica, uma vez que, no horizonte da filosofia é, precisamente, a Metafísica que preside, enquanto sua base estruturadora, aos dois Discursos: o religioso e o sagrado, o laico e o profano. ‘La Voix et le phénomène’ (1967); ‘De la grammatologie’ (1967) ; ‘L’Écriture et la différence’ (1967) (Há ainda exemplares disponíveis nas Éditions du Seuil, coll. Points, com a data de 1967) ; ‘Positions’ (1967) ; ‘La Dissémination’ (1972) ; ‘Marges de la Phylosophie’ (1972) ; ‘L’Archéologie du Frivole’ (1973) ; ‘Glas’ (1974) ; ‘Esperons’ (1978) ; ‘La vérité en peinture (1978) ; ‘La Carte Postale’ (1980) ; ‘Psyché’ (1987) ; ‘De l’Esprit’ (1987). ‒ Sobre o tema da Descoberta derrideana : Vd. C. Norris : ‘Déconstruction’, Londres (1982) ; AA.VV. : ‘Deconstruction and Criticism’, Nova Iorque (1979). J.D., ao estabelecer o primado histórico-ontológico do Signo sobre o Verbo/Palavra (Lógos), não só reforçou e confirmou a importância decisiva do Diálogo Socrático, em todas as Línguas/Linguagens e, a fortiori, na prática da Filosofia, como abriu, desconfinadamente, os horizontes a todas as espécies de Arte. Como diríamos, na linguagem hodierna (2ª década do séc. XXI), umas e outras têm os seus lugares reservados no que nós chamamos ‘o mundo da Informação e da Comunicação’. Se todo o signo tem um significado, é porque há (ou pode haver), do outro lado, quem o possa entender e captar; e, eventualmente, proceder à réplica com outro signo e o seu respectivo significado. Toda a Pergunta tem Resposta… e o ouvinte/receptor pode responder com nova Pergunta. É, na base, a Práxis do DIÁLOGO socrático in infinitum, acompa-nhado dessa exigência fundamental, que é a IGUALDADE psico-sócio-cultural entre os Seres Humanos da Espécie ‘Sapiens//Sapiens’. J.D., ao longo da 2ª metade do séc. XX, foi, na verdade, a Personalidade principal que encabeçou e orientou o Processo (sócio-cultural) da Desconstrução da Metafísica. Começa por integrar-se (crítica e analiticamente) na problemática filosófica da Semiologia e da Semântica, na Linguagem. A definição (precisa) do signo gráfico constituiu a origem da defesa de todos os signos primordiais: aí, há, desde logo, um significante, cujo significado é outro significante, ‒ uma vez que a própria realidade, qua tal, é-nos incognoscível, (como diria Kant). Desta sorte, é a própria diferença (entre as coisas…) que toma o lugar da referência. Assim, o que a própria Linguagem anuncia é o poder puro da ‘differentia’ (différence), que é a estrutura originária da marca e da arquiescrita. No processo histórico, o que se estuda é a leitura das diferenças, sem a referência ao passado-presente do sentido, que não existe a não ser reconfigurado sob dadas condições historiográficas. Em tal horizonte, é óbvio (como já acontecera com o Criticismo kantiano) o Empirismo constitui a Margem ou a Periferia da Filosofia e do Filosofar. O eixo central da Filosofia de J.D. pode esquematizar-se como segue: Semiologia e Semântica como projectos centrais da problemática contemporânea da Filosofia da e na Linguagem. Por esta via, é operada a Crítica estrutural ao centralismo transcendente e transcendental das análises e tratados filosóficos tradicionais. Nesta perspectiva, J.D. abriu o caminho da Desconstrução criticista à chamada ‘Nova Hermenêutica’, ‒ a qual, por sua vez, viu o caminho desimpedido para os estudos críticos dos documentos escriturísticos apócrifos (v.g. Qumran e Nag Hammadí), secundarizando, assim, as escrituras (religiosas) tradicionalmente consideradas canónicas ou oficiais. Na galáxia da Filosofia Derridaísta, a Obra pictórica do Notável Pintor flamengo (e sua Escola) Hieronymus Bosch (1450-1516) constitui um riquíssimo Caso exemplar de Semiologia sócio-cultural crítica, não só digno de registo histórico, mas também digno de uma boa meditação filosófica. Mais de 53 peças vão ser mostradas, numa exuberante Exposição, no museu do Prado, em Madrid, celebrando o quinto centenário da sua morte. Quem não conhece, deste famoso Pintor, Quadros como: ‘As Tentações de Santo Antão’, ‘A Extracção da Pedra da Loucura’; ‘O Inferno’ (painel direito do ‘Tríptico do Jardim das Delícias’)?!... Trata-se, em resumo, de um imaginário/real mundo Delirante e Assustador, que se apresenta aos nossos olhos!...
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São desconhecidos quaisquer pintores, que o tenham antecedido e inspirado… Provavelmente, a ‘Divina Comédia’ de Dante Alighieri (1265-1321). Sobre o Pintor da Flandres, escreveu, com acerto, Celso Martins (a partir do visionamento da Exposição no Prado) (in ‘Exp./Rev.; 4.6.2016): “O pintor flamengo criou o correspondente visual a uma teologia e a imagem de uma sociedade e de um mundo. E esse é um aspecto pouco notado da natureza da sua pintura: o modo como à efabulação fantástico-religiosa se junta a descrição de uma sociedade, dos seus tipos e profissões, das suas hierarquias sociais, onde não fica esquecido nem o marginal nem o rei”. O historiador de arte Ervin Panofsky confessou, assombrado, a sua impotência parcial, diante da Obra de Bosch, ao asseverar (ibi, p.57): “Não posso evitar o sentimento de que o verdadeiro segredo dos seus pesadelos e devaneios permanece por revelar”. E Celso Martins conclui o seu trabalho como segue: “Era um homem do seu tempo, um moralista preocupado em restaurar a pureza e o sentido original da fé. A sua maior heresia é a imaginação transbordante, com que as suas obras continuam a inter-pelar-nos”. Outro tema, que nos assaltou, na galáxia da Filosofia Derridaísta: o tema da ALIENAÇÃO (já estudado e criticado por Marx e Engels (ao longo do séc. XIX) e pe-lo Marxismo em geral), e que, a dizer toda a verdade sócio-histórica, em vez de diminuir e abrandar, se está a alargar e aprofundar, a disseminar por todo o Mundo everywhere!... Alienação profissional; alienação individual-pessoal; alienação da cidadania; alienação fisiológica; alienação da Identidade pessoal; alienação psicológica e fisiológica; alienação da Consciência psíquica e da Consciência moral. O Neoliberalismo, que hoje é hegemónico (e temos, historicamente, como a última fase histórica do Capitalismo), transformou a massa dos indivíduos (ditos) Humanos (submetidos, draconeanamente, ao desemprego ou ao emprego precário…), não apenas no ‘proletariado’ marxiano, mas em puros ‘zombies’, entreques a toda a sorte de drogas e estupefacientes, onde é a própria ‘sobrevivência’ que está em risco, como uma contínua espada de Dámocles!... Karl Marx já aprendera e ensinara quase tudo sobre o Fenómeno da Alienação, cuja origem ele atribuía, muito justamente, ao Sistema capitalista hegemónico. Mas, nesta área precisa, tudo tem piorado, até ao presente. Não só porque o Sistema capitalista se mantém, cada vez mais selvagem (por paradoxal que pareça…), mas porque um tal Sistema é, precisamente, respaldado pela sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord, sustentada pelas 3 Religiões Institucionalizadas de ‘O Livro’, por sua vez alimentadas pela Metafísica tradicional, a seu tempo criticadas por Avicena e Aver-róis, por I. Kant e por J. Derrida. É suficientemente conhecida a fórmula da chamada composição orgânica do Capital: Capital + Maquinaria adequada + Matéria prima + Força de Trabalho = Mercadoria ou Produto acabado, cuja venda no Mercado traz Lucros ao Senhor do Capital e de tudo o resto, à excepção da Força de Trabalho. Diz a fórmula popularucha: ‘Quem parte e reparte e fica com a pior parte… ou é tolo ou não tem arte’!... Ora, os capitalistas têm ‘artes’ em demasia, para distribuir os ‘seus’ Lucros!... ‒ A História das Sociedades humanas vai evoluindo… na vertente do Bem e na vertente do Mal: isto mesmo por estarmos configurados e sermos plasmados (desde há 5 milénios e meio), no odre da sempiterna Cultura (paternalista) da Potestas-Dominação d’abord. Continuamos a proceder a verificações, na galáxia criticista da Filosofia Derridaísta. Vamos falar, sumariamente, da Alienação, no horizonte de K. Marx, in ‘Das Kapital’. Utilizaremos a edição francesa das Éditions Sociales (Paris, 1968-1970), com o título ‘LE CAPITAL’ e o subtítulo ‘Critique de L’Économie Politique’. A Obra mantém a divisão original em três Livros e esta repartida em 8 tomos. N.B.: Karl Marx fala-nos desta matéria e respectivos problemas, numa cartilha de ciência quase asséptica, de acordo com o diapasão vigente, então… e em boa parte ainda hoje, que dá pelo nome de Monismo epistémico. Por isso, o Quadro em que ele procede à sua avaliação sobre a Alienação é de ordem sócio-económica e política.
Duas teses, que ressaltam, caracterizam e balizam o horizonte:
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A) Sobre a Alienação, que emerge no próprio Processo de Produção Capitalista: a vera barreira (obstáculo…) da produção capitalista é o próprio Capital (Livro I, tomo 1º, p.263…): as populações, ou seja, as gerações presentes e futuras são sempre consi-deradas como excedentárias/supérfluas… B) Sobre o Capital, propriamente dito: o Capital não existe qua capital, senão no próprio processo de exploração/opressão da Força-de-Trabalho, tal como se encontra na famosa fórmula da constituição orgânica do Capital, no seu Processo de Produ-ção. (cf. Livro II, tomo 1º, pp.12 e ss.). Em resumo, o que estamos nós, hoje, a constatar? Que os trabalhadores, sob o horizonte do Neoliberalismo capitalista globalizado, estão, não só, a deixar-se proletarizar, como no passado, mas, igualmente, a deixarem-se converter em servos/escravos, no Processo de produção. Continua, assim, e agrava-se, mediante o chamado ‘trabalho/emprego precário’, o regime de exploração económica e de opressão sócio-política. Cinco loci/teses, extraídos da mesma Obra marxiana: 1. A Alienação do operário perante as suas condições de trabalho (L.I, p.103). 2. Alienação do Capital (L.II, p.17, p.19). 3. A Alienação pelo vendedor do valor de uso da mercadoria (L.II, p.19). 4. O lucro do Capital mercantil aparece como o resultado de uma Alienação (L. II, p.55). 5. A Alienação e o Lucro do Capital (L.II, p.207, p.227).
ALIENAÇÃO É o Tema central!... N.B.: Temos em mãos uma Antologia de Textos celebrados de Autores célebres, que dá pelo título: ‘The People Speak: Democracy is not a Spectator Sport’. (Colin Firth & Anthony Arnove with David Horspool. Canongate, Edinburgh/London, 2012). O que vamos transcrever são excerptos mais importantes e decisivos de Jimmy Reid, do seu Discurso inaugural como Reitor da Univ. escocesa de Glasgow, eleito por professores, estudantes e empregados; o Discurso está datado de 28 de Abril de 1972, e foi extraído dos Arquivos da Univ. de Glasgow. J.R. (1932-2010) foi sindicalista e engenheiro; e foi, depois, eleito Reitor da Univ. de Glasgow em 1972. O Discurso proferido foi, de seguida, publicado, por inteiro, no ‘New York Times’ e comparado à ‘profissão de fé’ política do 16º Presidente NorteAmericano Abraham Lincoln, em Gettysburg, nos inícios da chamada ‘Guerra da Secessão’ que durou de 1861 a 1865, e cuja motivação central foi a Questão da Escravatura: os Estados sulistas da União não quiseram abandonar a mãode-obra esclavagista dos seus escravos… (Cf. op.cit., pp.303-307).
São, ao todo, 12 parágrafos. Vamos transcrever os períodos considerados mais pertinentes e decisivos. ‒ “Alienation is the precise and correctly applied word for describing the major social problem in Britain today. People feel alienated by society. In some intellectual circles it is treated almost as a new phenomenon. It has, however, been with us for years. What I believe is true is that today it is more widespread, more pervasive than ever before. Let me right at the outset define what I mean by alienation. It is the cry of men who feel themselves the victims of blind economic forces beyond their control. It’s the frustration of ordinary people, excluded from the processes of decision-making. The feeling of despair and hopelessness that pervades people, who feel with justification that they have no real say in shaping or determining their own destinies”. ‒ […] Alienation expresses itself in different ways in different people. It is to be found in what our courts often describe as the criminal antisocial behaviour or a section of the community. It is expressed by those young people who want to opt out of society, by drop-outs, so called maladjusted, those who seek to escape permanently from the reality of society through intoxicants and narcotics. Of course, it would be wrong to say it was the sole reason for these things. But it is a much greater factor in all of them than is generally recognised”. ‒ Society and its prevailing sense of values leads to another form of alienation. It alienates some from humanity. It partially de-humanises some people, makes them insensitive, ruthless in their handling of fellow human beings, self-centred and grasping. The irony is, they are often considered normal and well-adjusted. It is my sincere con-tention that anyone who can be totally
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adjusted to our society is in greater need of psy-chiatric analysis and treatment than anyone else. […] His philosophy was simple. The poor didn’t work hard enough and so they were poor. He believed that the good Lord gave him two strong hands to grab as much as he could for himself. He is a comic figure. But think ‒ have you not met his like here in Britain? Here in Scotland? I have”. ‒ “It is easy and tempting to hate such people. However, it is wrong. They are as much products of society, and of a consequence of that society, human alienation, as the poor dropout. They are losers. They have lost the essential elements of our common humanity. Man is a social being. Real fulfilment for any person lies in service to his fellow men and women. The big challenge to our civilisation is not Oz, a magazine I haven’t seen, let alone read. Nor is it permissiveness, although I agree our society is too permissive. Any society which, for example, permits over one million people to be un-employed is far too permissive for my liking. Nor is it moral laxity, in the narrow sense that this word is generally employed ‒ although in a sense here we come nearer to the problem. It does involve morality, ethics, and our concept of human values. The challenge we face is that of rooting out anything and everything that distorts and devalues human relations…”. ‒ “To the students I address this appeal. Reject these attitudes. Reject the values and false morality that underlie these attitudes. A rat race is for rats. We’re human beings. Reject the insidious pressures in society, that would blunt your critical faculties to all that is happening around you, that would caution silence in the face of injustice, lest you jeopardize your chances of promotion and self-advancement. […] “. ‒ “Profit is the sole criterion, used by the establishment, to evaluate economic activity. From the rat race to lame ducks. The vocabulary in vogue is a give-away. It’s more reminiscent of a human menagerie than human society. The power structures that have inevitably emerged from this approach threaten and undermine our hardwon democratic rights. The whole process is towards the centralisation and concentra-tion of power in fewer and fewer hands. The facts are there for all who want to see. Grant monopoly companies and consortia dominate almost every branch of our economy. The men who wield effective control within these giants exercise a power over their fellow men, which is frightening and is a negation of democracy”. ‒ “Government by the people for the people becomes meaningless, unless it in-cludes major economic decision-making by the people for the people. This is not simply an economic matter. In essence, it is an ethical and moral question, for whoever takes the important economic decisions in society ipso facto determines the social priorities of that society”. ‒ “From the Olympian heights of an executive suite, in an atmosphere where your success is judged by the extent to which you can maximise profits, the overwhelm-ing tendency must be to see people as units of production, as indices in your accountant books. To appreciate fully the inhumanity of this situation, you have to see the hurt and despair in the eyes of a man suddenly told he is redundant, without provision made for suitable alternative employment, with the prospect in the West of Scotland, if he is in his late forties or fifties, or spending the rest of his life in the Labor Exchange. […]”. ‒ “The concentration of power, in the economic field, is matched by the centralisation of decision-making in the political institutions of society. The power of Parliament has undoubtedly been eroded over past decades, with more and more authority being invested in the Executive. The power of local authorities has been and is being systematically undermined. The only justification I can see for local govern-ment is as a counterbalance to the centralised character of national government…”. ‒ “Everything that is proposed from the establishment seems almost calculated to minimise the role of the people, to miniaturise man. I can understand how attractive this prospect must be to those at the top. Those of us who refuse to be pawns, in their power game, can be picked up by their bureaucratic tweezers and dropped in a filing cabinet under ‘M’ for ‘malcontent’ or ‘maladjusted’. […]”. ‒ “If modern technology requires greater and larger productive units, let’s make our wealth-producing resources and potential subject to public control and to social accountability. Let’s gear our society to social needs, not personal greed. Given such creative re-orientation of
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society, there is no doubt, in my mind, that in a few years we could eradicate, in our country, the scourge of poverty, the underprivileged, slums, and insecurity”. ‒”Even this is not enough. To measure social progress purely by material ad-vance is not enough. Our aim must be the enrichment of the whole quality of life. It requires a social and cultural, or if you wish, a spiritual transformation of our country. A necessary part of this must be the restructuring of the institutions of government and, where necessary, the evolution of additional structures so as to involve the people, in the decision-making processes of our society. […]”. ‒ “To unleash the latent potential of our people requires that we give them responsibility. The untapped resources of the North Sea are as nothing compared to the untapped resources of our people. I am convinced that the great mass of our people go through life without even a glimmer of what they could have contributed to their fellow human beings. This is a personal tragedy. It’s a social crime. The flowering of each individual’s personality and talents is the pre-condition for everyone’s development”. ● Gostámos tanto deste Texto, que o citámos/transcrevemos quase por inteiro. E até nos permitimos sublinhar alguns segmentos do Discurso em itálico ou em bold. É que continua, absolutamente, a ser pertinente e actualíssimo, na sua visão criticista alargada, e criticamente humanista, para a 2ª década do séc. XXI. Ainda que não, na sua totalidade, o Texto do Reitor da Univ. de Glasgow está, hoje, em perfeita convergência com o Horizonte criticista do CEHC (Centro de Estudos do Humanismo Crítico, difundido, a partir de São Paulo, Br., pela Revista Electrónica NOÉTICA: noetica.com.br). ● O horizonte galáctico do C.E.H.C. foi bem entendido por Guilherme D’Oliveira Martins, quando articula o Património cultural com uma adequada e científica Economia Política (in ‘JL’, 8-21.6.2016, p.30): “O património cultural obriga a uma concepção, que ligue a sua defesa e salvaguarda ao desenvolvimento humano. Cultura e economia ligam-se, assim, intimamente, percebendo-se que só a inovação no campo das ideias enriquece um entendimento dinâmico da criação de riqueza, não confundível com o curto prazo ou o imediatismo, com a indiferença e o consumismo. Se a recente crise financeira deixou uma lição clara, ‒ essa foi a da necessidade de não confundir a ilusão sobre a riqueza com a exigência de ligar a capacidade de criação à satisfação das necessidades comuns [e colectivas]. Como disse Octávio Paz, ‘hoje a cultura e as artes estão ameaçadas, não por uma doutrina ou uma ideologia, mas por um processo económico fechado, sem rosto, sem alma e sem direcção’” (o itálico é nosso). ● Desde os inícios da década de 1990 (com a Queda do Muro de Berlim em 1989 e o Colapso da URSS em 1991), os processos e a dura realidade, no universo das Finanças e da Economia política, onde o Sistema capitalista começou a exercer, sozinho, a sua ditadura sobre o operariado, (cada vez mais proletarizado com ‘empregos precários e ad hoc’), através da sua hegemonia a solo, sobre todo o Mundo (os supostos adversários do ‘Socialismo convencional’ haviam desaparecido…), mediante as Multi-nacionais e as Transnacionais, ‒ pioraram, até ao presente, enorme e assustadoramen-te. Essa foi chamada, na moderna história do Capitalismo, a (última) fase do Neolibera-lismo capitalista globalizado. Em finais daquela década, houve um húngaro, naturalizado norte-americano, que estudou Filosofia com Karl Popper e o tema da ‘Open Society’, que este ensinava e proclamava. O discípulo chamava-se George Soros, e tornou-se, profissionalmente, especialista em ‘hedge funds’. Adivinho ou profeta crítico desta nova fase do Sistema capitalista, e amante, paradoxalmente ‒ dir-se-ia!... ‒ tanto da Open Society como da gramática da Democracia, ele publicou, em 1998 (sob a chancela da Little, Brown and Company de Londres) o Livro notabilíssimo, que deu pelo nome preciso: ‘THE CRI-SIS OF GLOBAL CAPITALISM’; em subtítulo, o Autor escreveu: ‘Open Society En-dangered’. O Profeta (crítico!) não se enganou… Nem se havia enganado John Kenneth Galbraith, na década de ’60 do séc. XX, ao caracterizar (no seu Livro: ‘O Novo Estado Industrial’) o tal ‘Socialismo convencional’ como: ‘Capitalismo monopolista de Estado’. Em resumo: Elites e Massas, Governantes e Governados andam todos a ‘adorar o mesmo Bezerro d’Ouro’!... Todos a insençar a mesma ‘Senhora do Engano’. Este Livro de Soros (que nós lemos, então, sofregamente, foi várias vezes referido e
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citado pelo CEHC; e consta do ficheiro electrónico da nossa Biblioteca, que o nosso querido Amigo Luís Fernandes, Técnico especialista, na matéria, da S.M.S., está a organizar). Depois, a persistente e encardida Inércia societária (cujas últimas causas são de ordem psico-sócio-antropológica e de natureza política) e a doutrina tradicional do ‘Homo Sapiens tout court’ fazem o resto… A que Deus rezamos nós a ladaínha das nossas orações e pedidos, ditos ou cantados pelos oficiantes/sacerdotes, para, como povo, concluímos com a fórmula estereotipada: ‘Te rogamus, audi NOS’?!... Como me escreveu, em carta de 8 de Junho de 2016, o meu Velho Amigo, aposentado, Manuel Sérgio (ex-Prof. Catedrático na Fac. de Filosofia da Univ. de Lisboa e, depois, ex-Reitor do Instituto Piaget): ‘Precisamos de uma Nova Renascença’. Disse-o ele, ao comentar e fazer o resumo crítico do nosso último Livro ‘Sob o Signo do HUMANISMO CRÍTICO’ (edit. na Rev. Electrónica ‘Noética’, por C.E.A.C. ‒ Portugal & América Latina ‒ Noética/Grupo de Debates, e, depois, em Papel, por EDI-CON/Terra Nova, São Paulo, 2016). Mas, desta vez (acrescentamos nós), à escala da Humanidade Inteira. É, na verdade, necessário e urgente, operarmos a inadiável Pas-sagem do Paradigma específico do ‘Homo Sapiens tout court’ e da sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord (que têm imperado, hegemonicamente, desde há cinco milénios e meio), para acedermos ao Novo Paradigma, próprio da Espécie Humana (de acordo com ‘o Homem de Cro-Magnon’) que é o ‘Homo Sapiens//Sapiens’ e a sua Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. Está cheio de razões Rafael Tormenta (delegado sindical do SPN), ao asseverar (in SPN/Informação, 6.2016, p.17): “O que certas pessoas da direita querem é que os alunos não se habituem a frequentar públicos, a abordar conhecimentos diversos em conjunto, isto é, a pensar de forma criativa. Para que sejam sempre as classes mais ricas a dominar e a preencher os lugares de chefia. Nós temos de criar públicos. Para Teatro, Música, Dança, Exposições. Temos de criar uma Sociedade culta. Porque a Cultura significa Poder. A Fenprof tem uma enorme responsabilidade e deve insistir neste aspecto junto dos governos”. Sindicalismo Progressista ao Serviço de uma EDUCAÇÃO PARA TODOS: Em jeito de Adaptação da Intervenção de Manuela Mendonça (Coordenadora do SPN), em nome do Departamento de Relações Internacionais da FENPROF, na abertura do seminário sobre o Tema, acima referido, que antecedeu o 12º Congresso Nacional dos Professores, o Redactor da Revista citada (SPN/Inf., pp.24-25) deixou-nos duas páginas notáveis, de que vamos transcrever três parágrafos: ‒ Sobre o Questionamento da Escola: “O acto educativo é um acto político, sem qualquer espaço para a neutralidade. Cabe ao sindicalismo docente apoiar, mobilizar e organizar todos os professores que dão prioridade aos alunos mais desfavorecidos, e que a todos armam com os conhecimentos e competências, que lhes permitam identificar e combater os constrangimentos à sua plena realização pessoal e profissional. Só neste sentido se pode compreender o que disse Mandela, quando afirmou que ‘a educação é a arma mais poderosa, que podemos usar para mudar o mundo” (o itálico é nosso). ‒ Num vero e autêntico ESTADO-NAÇÃO, o primado é sempre da ESCOLA PÚBLICA: “Sem educação não há democracia, porque sem conhecimento não é possível saber quais as escolhas que interessam. Sem educação não há progresso, porque é através dela que se cria o capital humano [eu, pessoalmente, considero imprópria e abusiva esta expressão], riqueza mais valiosa e sustentável de qualquer país. A força desta evidência e o seu alcance estratégico fazem com que a exigência de uma educação para todos seja a primeira bandeira da luta sindical. E, neste combate, o principal inimigo é o neoliberalismo, que pretende transformar a educação num negócio, as escolas em empresas e os alunos em consumidores, mas apenas na justa medida do poder de compra de cada um” (o itálico é nosso). ‒ “É preciso e urgente Coordenar bem a Acção: “Como lembrou Eduardo Galeano, ‘a economia mundial é a mais eficiente expressão do crime organizado. Os organismos internacionais que controlam a moeda, o comércio e o crédito praticam o terrorismo contra os países pobres e contra os pobres de todos os países, com uma frieza profissional e uma
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impunidade, que humilha o melhor dos bombistas’: Combater es-te crime organizado é a maior responsabilidade do Sindicalismo progressista, unindo e juntando-se a todas as forças que lutam por ‘um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres’ [Rosa Luxemburgo]” (o itálico é nosso). ‒ Glosando a frase de E. Galeano, que vai fazer o ‘Grupo de BILDERBERG’, que (foi anunciado nas TVs de 9.6.2016) este ano vai fazer o seu ‘Conclave’ Global, na cidade germânica de Dresden?!... Segundo anunciado, serão 170 ‘moinantes’ do ‘Crime Organizado’ pelo Sistema Capitalista, à escala mundial!... Quem manda (nos bastidores…) no Mundo?!... Só um pequeno caso exemplar do que se passa na UE, a propósito do ‘Brexit’. No referendo de 23 de Junho próximo, David Cameron (1º ministro, conservador) e o Sr. Corbin (Chefe eleito do Labour) vão, os dois, votar no mesmo sentido: Remain (permanência na EU). Em junho de 2015: 3 meses antes de se tornar Chefe dos Trabalhistas, ele havia declarado que ″une Europe usurière transformant les petites nations en colonies asservies sous le fardeau de la dette n’a aucun avenir”. Em 1975, ainda no quado da ‘Comunidade económica europeia’, ele havia votado, em referendo, pela saída do UK; em 1993, havia rejeitado o Tratado de Maastrich, argumentando que ele iria impedir os Parlamentos nacionais “de definir leur prope politique économique, au profit d’une poignée de banquiers non elus”. (Cf. ‘Le Monde Diplomatique’, Junho de 2016, p.1). É a sempiterna palhaçada… As próprias elites e os chefes políticos não passam de bonecos de Santo Aleixo!... Bandalhos ou ‘traidores’, como são os indivíduos sem prin-cípios!... Que há-de, em tais circunstâncias, fazer o Povo, que não é rebanho, mas Sociedade organizada e responsável?!... Será que Jeremy Corbin presume, ainda, construir o ‘Socialismo’ na UE, de cima para baixo (como Lénine…), com todas as montanhas da Burocracia centralizadora de Bruxelas?!... (cf. ibi, p.10). Como sabe e aprendeu, muito bem, o CEHC, o vero e autêntico Socialismo edifica-se de baixo para cima, do Interior para o Exterior, dos Sujeitos (livres e responsáveis) para os Objectos/Mercadorias.
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SOBRE A MODERNIDADE, NA HISTÓRIA DO OCIDENTE, HOJE MUNDIALIZADA!... AXIOMAS PRÉVIOS ● Não é suficiente edificar uma GLOBALIZAÇÃO ALTERNATIVA, tal como a maior parte dos Livros ou Manuais, em torno da Problemática essencial e estrutural sobre toda a Matéria arrolada, no último Quarto de século (para termos um ponto de partida bem identificado, historicamente: a Queda do Muro de Berlim em 1989, e o Colapso da URSS em 1991). ● Entrámos ‒ a partir daí: o Fim da chamada ‘Guerra Fria’ ‒ numa Outra Era Histórica, agora mundializada: O que o C.E.H.C. tem chamado, pelo menos desde 1995, A PósModernidade Positiva e Crítica, ‒ caracterização que implica toda a Arquitectura do universo Psico-Sócio-Antropológico e toda a pirâmide sócio-económica/ /política: a sua inversão total: O que é primordial e primacial é o Indivíduo-Pessoa/ /Cidadão, e a sua Liberdade Responsável; não a Cultura (sempiterna: desde há cinco milénios e meio, quando começou o Processo histórico das Civilizações patriarcais e machistas e bélicas) da Potestas-Dominação d’abord. ● O Mundo (dito ‘humano’) da Cultura do Poder-Dominação d’abord não prestou qualquer atenção (positiva e crítica) a duas Realidades (estruturais e essenciais), articuladas e imbricadas uma na outra: A) O Psico-Sócio-Ânthropos integral, que reside na vivência e actuação do vero paradigma da Espécie Humana: o ‘Homo Sapiens//Sapiens’ (dotado de Consciência positiva e crítica, que tanto dispensa as Divindades uranianas, como a vera e autêntica Divindade a tem na Tríade da sua Consciência: Sujeito/Objecto/Testemunha). Por isto mesmo, este Novo paradigma da Espécie Humana é, ele mesmo, a ‘fons et origo’ de tudo o que é social e societário. B) A Outra Realidade, articulada e imbricada em A), tem sido o Modo (perverso e desumano) como os Estados/Nações têm sido concebidos e organizados: A partir do axioma cristão/paulino (não jesuânico): ‘Non est potestas nisi a Deo’ (Rom. 13,1), constituiu-se toda uma Sociedade (monárquico-hierárquica) do tipo ‘Rebanho humano’ (lembre-se o caso do Rei Clóvis, no séc. V, que, uma vez convertido ao Cristianismo paulino, levou consigo todo o reino dos Francos). Eis por que as Sociedades Repu-blicanas da Idade Moderna (que, a partir da Magna Charta de João Sem Terra/1215, na England; e, sobretudo, a partir das duas Grandes Revoluções modernas: a Francesa de 1789… e a Norte-Americana de 1776: as 2 adoptaram o mesmo princípio político: o Novo e Terceiro Estado contra o 1º e o 2º Estados; as colónias contra a Metrópole He-gemónica. O Princípio político da AUTONOMIA CONTRA A HETERONOMIA), elas mesmas, não abandonaram os princípios monárquico-hierárquicos. Os únicos que, na Modernidade, estavam a tentar restaurar a Igualdade Social (e entre os Sexos!) foram os Anarquistas que brandiam a Bandeira: ‘Ni Dieu ni Maître’!... Estes preten-diam, de facto, restaurar a gramática da IGUALDADE, que vigorou na Era da GILA-NIA (i.e., desde 7.500 até 3.500 a.E.c., ou seja durante os Quatro milénios, que vieram a caracterizar o Mesolítico. ● Foram cometidos, desta sorte, Erros gramaticais Graves: tanto no concernente à Natureza dos Seres Humanos, qua tais, como no que tange a concepção e a organização dos Estados/Nações. Os dois universos ‒ o económico e o político ‒, sob a égide doutrinal da Cultura do Poder-Dominação d’abord, baseada no paradigma da Espécie Errado, que é o ‘Homo Sapiens tout court’, foram misturados e confundidos, totalmente; ‒ a tal ponto que o princípio gramatical prevalecente era, tão só, o da Sobre-vivência dos Indivíduos. Nada de DIÁLOGO e DELIBERAÇÕES COMUNS. O que predominava éra a Vis Física e a Guerra. Constituíram-
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se, assim, Estados Grandes, Médios e Pequenos, a partir de tribos e grupos clânicos, uns maiores e mais poderosos, outros menores e menos poderosos. Potências estado-nacionais, umas grandes, outras pequenas. Se, nas acções/operações foi assim, (segundo o paradigma do ‘Homo Sapiens tout court’), aconteceu, grosso modo, a mesma cartilha/catequese no horizonte dos Saberes, ciências e das religiões institucionalizadas. Foi o Império hegemónico do Monismo Epistémico, radicado nas ciências e saberes físico-químico naturais: ‘Em terra de cegos quem tem olho é rei’!... Assim se apelou, draconeanamente, às práticas do Unifor-mismo e das Ortodoxias. Os hierarcas e os pontífices religiosos impuseram os seus Dogmas à plebe e aos povos, do mesmo modo que os donos e senhores dos Estados impuseram, hegemonicamente, a sua Economia política, os seus modos de produção, co-mércio, distribuição e consumo. Vingavam, absolutamente, o catecismo religioso e a cartilha política da Uniformidade e da Ortodoxia. Diálogo e Discussão entre os Indivíduos-Pessoas/Cidadãos, Nada… Tudo isso era considerado herético e subversivo. Julgamento… punição… Prisão ou Morte. Em nome de quê e de quem?!... As crenças, no universo do Imaginário humano, eram tudo, no universo ideológico da Potestas-Dominação d’abord. No universo dialógico e dialéctico do DIÁLOGO inter-pessoal, encontrava-se tudo bloqueado… Até ao presente. Tudo era explicado pelas leis de ferro do Monismo Epistémico e do que o C.E.H.C. tem chamado o Objectivo-Objectualismo. ● Por que dissémos e estabelecemos (logo no 1º Axioma prévio) que não basta o Projecto proclamado de uma ‘Globalização Alternativa’?! (O Ocidente sempre tem gostado, desde Paulo, desde a Constantinização da Igreja Cristã, em 313, e no Concílio Ecoménico de Niceia/325, contra Arius e os Arianos, presidido pelo próprio Imperador Constantino, desde a Descoberta dos ‘Novos Mundos’, nos sécs. XV e XVI…). (É o seu Imperialismo ideológicocultural que prossegue… como o ‘Signum invictum Crucis’ de Constantino!...). Estabelecemos aquela Tese, por 3 Ordens de Razões/Argumentos: 1. ‒ Porque os próprios Estados/Nações (Grandes/hegemónicos, médios ou pequenos…) têm de obedecer e respeitar o Estatuto específico do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, ou seja, o PsicoSócio-Ânthropos, completo e integral; bem como a gramática consequente da Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial, ‒ o que se encontra nos antípodas da tradicional Cultura do Poder-Dominação d’abord, em que todos eles ainda funcionam (a acabar no actual ‘Estado do Vaticano’). Enquanto não nos convencermos de que os Sujeitos humanos detêm o primado absoluto sobre os Objectos e as Mercadorias, que procedem das suas mãos e inteligências… tudo o que fizermos é incompleto ou errado. Mais: tem de haver uma coerência substancial (míni-ma…) em tudo o que é programado, desde logo, em função da famigerada Globali-zação, que é, primordial, baseada no Sistema capitalista universalizado e assume carácter civilizatório e tecno-científico, apenas; os Sujeitos humanos, qua tais, ficam de fora. Já nos démos conta, de que a história das civilizações não tem prosseguido de maneira uniforme, v.g., de fontes cristã, ou islâmica, ou hinduísta, ou budista, ou shintoísta, etc?…. Já nos démos conta do que é, indirectamente mediante o proc. civilizatório, introduzir hábitos, costumes e leis em defesa dos grupos LGBT, no mundo islâmico, mui-to especialmente nos países do Golfo Pérsico?... Sobre o que se passa nos países do Golfo Pérsico, vd., v.g., o nº 147, bimestral, da Revista ‘Manière de Voir’ de Junho-Ju-lho de 2016: ‘De L’Arabie Saoudite aux Émirats: LES MONARCHIES MIRAGES’, speciatim: p.48; p.52; p.66; pp.54 e ss. (Assist. Militar do EI); pp.88-89; pp.94-97; já nos démos conta de que o EI ou DAESH, a sua emergência contemporânea pode ser o efeito de todas essas causas ignoradas?... 2. ‒ Porque o Processo de Globalização (tal como está programado, dentro do Quadro do Sistema Capitalista, na sua fase mais desumanizante e desumanizada que é o Neoliberalismo capitalista global) só dificulta, atrasa e atraiçoa a boa e adequada Reso-lução dos mais Graves Problemas Humanos, de ordem psico-sócio-cultural e económico-profissional. Desemprego crescente e em massa; ‘trabalho precário’ e sem quaisquer direitos, carências de toda a sorte nos sistemas de Saúde e da Justiça. Ora, o Sistema Capitalista (tal como existe e tem evoluído na Idade Moderna Ocidental) tem, apenas, cerca de 3 séculos: os seus inícios misturam-se com as origens da Revolução
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Industrial/1720… (Máquinas a vapor… já se contam 4 ou 5 revoluções tecnológicas industriais e comerciais: depois das revoluções da Informação e comunicação, advêm as da Robótica e da miniatorização… ‒ Nos desempregos em massa, que vão gerar, nisso não se pensa… é um comportamento simiesco, dos primeiros primatas da Evolução cósmica). É verdade que o Sistema Capitalista moderno tem os seus avatares na Cultura da Potestas/Dominação d’abord e nas ‘Sociedades de Rebanho’, caucionadas por todas as Religiões Institucionalizadas. Mas esta é outra Questão que tem de ‘ficar de molho’, porque discorrer racionalmente é um Fenómeno temporal encadeado, não é acto de contemplação/intuição num ponto fixo, considerado central e importante. Hoje, naquilo que o CEHC designa por Neoliberalismo capitalista global (ou em vias disso…), enquanto fase derradeira do Sistema Capitalista moderno, o Capitalismo associa e mistura tudo (Capital → Lucro/Juros, máquinas, matérias-primas, ‘recursos humanos’) em função, inexoravelmente em função, dos Donos/Proprietários/ /Capitalistas: uma vez reduzida a órbita (distinta…) da Política à órbita da Economia, é esta 2ª órbita que é reduzida ao mundo da Finança/Financeirização da Economia Política, por via da simples existência das chamadas Multi-transnacionais. Este Financeirismo da Economia Política não está formatado de molde a servir, honestamente, as populações nacionais e a satisfação das carências e das necessidades primárias dos Povos!... São himalaias de esbulhos, sequestros, roubos e enganos. É o voluntarismo/ /Egoísmo próprio e inerente ao Sistema Capitalista. Não se pensa nas dimensões do co-munitário e do colectivo. John Maynard Keynes (1883-1946) configura-se nos antípodas do prussiano Karl von Clausewitz (1780-1831), que proclamava o seu teorema predilecto: ‘A guerra é a continuação da economia política por outros meios’. Keynes, após a IIª G.M., é o principal Autor do chamado Plano Marshal, destinado a salvar e a recuperar as economias dos Países arruinados pela Guerra. O seu Livro principal, editado em 1919 (enquanto Conselheiro do Gov. inglês) tem por título: ‘The Economic Consequences of the Peace’. Em 1936, publica a obra mais importante e fundamental de toda a 1ª metade do séc. XX: ‘The General Theory of Employment, Interest and Money’. Por fim, veio o ‘Treatise of Money’, onde ele integra a teoria da Moeda na Teoria geral da Economia Política. Este Homem sabia, muito bem, o que podiam fazer os indivíduos, mesmo os senhores do capital, e o que deveriam fazer os Governos dos Estados: ao preconizar a estabilização monetária (ele abandonara, por demasiado rígida e impessoal a medida identificada com o padrão outro), ele chegou a propor a criação de um Fundo Monetário Internacional (que foi, posteriormente, implantado no Mapa da O.N.U. (em 1945). Ora, o Keynesianismo constituiu, a meio do séc. XX (e com efeitos positivos no Mundo até aos assomos do Neoliberalismo capitalista global, nos inícios da década de 1990), uma ‘vera revolução sócio-económica’. De acordo com uma tal Revolução, os sucessivos Governos dos Estados/Nações “deviam pôr em acção todos os meios para conseguirem o pleno emprego da mão-de-obra, através de uma redistribuição dos rendimentos, de modo a que o poder de compra dos consumidores cresça proporcionalmente ao desenvolvimento dos meios de produção. O rendimento nacional, determinante do nível de emprego, depende da procura efectiva, que se manifesta na disposição psicológica colectiva para o consumo, na eficácia marginal do capital, e na conservação da poupança. O Lucro é a soma que o capitalista recebe para renunciar à liquidez [e sus-tentar a Maquinaria actualizada…]. Para estimular essa procura efectiva, impõe-se uma política orçamental e fiscal. Esta política foi sendo aplicada e adoptada em vários países, tendo tido uma consagração oficial na Inglaterra e nos USA, nos anos 40, e o seu apogeu nos anos 60, nos USA. Também a política monetária foi revisitada como instrumento de crescimento económico”. (Vd. ‘Nova Enc. Port.’, vol.14, Ediclube, Lisboa, 1991. O itálico é nosso). Assim ‒ como se pode averiguar ‒ há, em J.M. Keynes e na sua Doutrina Económica, três Grandes Princípios axiomáticos, que devem ser observados e respeitados: A) a vera e adequada Articulação entre o Mundo dos Sujeitos humanos (produtores e consumidores) e o Mundo dos Objectos/Mercadorias disponíveis. B) A vera e rigorosa-clássica noção do Lucro do capital, com que pode ficar o capitalista, que nada tem a ver com a realidade (milionariamente acumulativa de hoje!...). C) O modo preciso como se processa o crescimento económico, ‒ coisa muito diferente do ‘crescimento financeiro’.
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Sabe-se (com J.K. Galbraith/anos ’60 séc. XX) que o ‘Socialismo convencional’ que a História registou, no séc. XX, foi uma falácia e uma hipocrisia, não passou da conhecida variante do Capitalismo: ‘capitalismo monopolista de Estado’!... Ora, a gramática da Economia política de J.M.K. pode, muito bem, funcionar como o ‘mesótes’ aristotélico entre o Sistema capitalista e o vero e autêntico Sistema socialista. Saibam as elites políticas e os economistas entender, hoje, bem a gramática do keynesianismo, que tanta falta nos faz, perante o Neoliberalismo capitalista global. 3. ‒ Porque o Processo da Globalização neoliberalista capitalista em curso, ao promover o Economicismo absoluto e o Financeirismo hegemónico (medido e publicitado, diariamente, pelas Agências de Rating), ‒ o que está a promover, à escala global, é o Imperialismo financeiro e economicista, destrutivo, não só dos próprios Estados/ /Nações como das próprias Confederações de Estados (autónomos!...), como deveria ser a U.E. (União Europeia). Atente-se em duas Teses essenciais e decisivas: A) Não há outro Regime político digno das Sociedades humanas qua tais senão o Regime da DEMOCRACIA. B) Os pais Fundadores da U.E., (Jean Monnet e Robert Schuman), ao iniciarem o processus, com o Tratado de Roma, em 1956 (CEE, a 6, depois 9, depois 12, e hoje 28 Estados: mais de 500 milhões de habitantes…), não pretenderam o modelo da Federação, (como acontece no Brasil ou nos USA, que têm menos de três séculos de existência histórica), mas o da Confederação de (velhos) Estados (semelhante ao modelo da Confederação helvética). Jacques Delors, o último presidente com visão de futuro da Comissão Europeia sediada em Bruxelas, em Livro de 1992, defendia ainda o ideário, justo e acertado da Confederação. Em suma, ou se tem ideias e se caminha na via certa, ou se cai, logo, na inércia das Instituições economicistas, que subjugam e submetem os Estados/Nações (pequenos ou grandes…) ao catecismo financeirista. Curiosamente, nos últimos anos das suas vidas, Jean Monnet e Robert Schuman, ao serem interpelados por Jornalistas sobre os caminhos económicos adoptados nos inícios, responderam a uma só voz: Começaríamos pela Cultura, por uma Discussão cultural do Projecto, nos Estados interes-sados. Esse seria o caminho certo e justo. Desde o chamado ‘Tratado Orçamental’ (celebrado em Lisboa/2007), a U.E. (Grupo do euro, enquanto ‘moeda comum’ (?...)) tem-se comportado como um Directório GermânicoFrancês (mais Germânico que Francês), onde a chamada ‘união económica e monetária’ e o F.E.F., para resolverem as Dívidas públicas e os Déficits orçamentais e os ‘colapsos bancários’ dos países pequenos, como Grécia e Portugal, não existe. A eurodeputada Elisa Ferreira diz que o Tratado Orçamental tem flexibilidade que deve ser aproveitada, e assevera que ‘Temos que melhorar a pressão política na UE’. (Cf. ‘Expresso’, 1º Cad., 10.6.2016, p.12). António Costa está a defender o País e seus veros interesses contra os males e hipotecas que, em Portugal, operou a ‘Troika’, sob o mandato do Governo anterior (ver, aí, 2º Cad., p.5, Nicolau Santos sobre o modo como se muda o imutável). Os países pequenos, nestas situações, são tratados como protectorados, ou mesmo, colónias, segundo o catecismo antigo (anterior ao 25 de Abril de 1974). ● Em torno de dois Livros (recomendados), que nos ajudam a perceber o processus contemporâneo, segundo o qual, no mundo hodierno do Neoliberalismo capitalista global, se passa do Financiamento necessário e útil à Financeirização (especulativa, perigosa e inútil…): (in ‘Le Monde Diplomatique’, Junho de 2016, p.25): ‒ Christophe Darmangeat: ‘Le Profit Déchiffré’. Trois essais d’économie marxiste. La Ville brûle, Montreuil-sous-Bois, 2016 ; ‒ Tristan Auvray, Thomas Dallery et Sandra Rigot : ‘L’Entreprise Liquidée’. La Finance contre l’investissement’, Michalon, Paris, 2016. ‒ No 1º, o Autor (antropólogo) procura descriptar ‘o enigma do Lucro’. Diz que “o capital é uma forma de organização social muito recente, e que nada tem de natural: a própria existência do Lucro ne va pas de soi. É, de facto, esta pretendida evidência que ele se preocupa em contestar, levantando o véu sobre a fonte do Lucro. A demonstração flui numa linguagem límpida; associa uma passagem em revisão crítica das teo-rias e das respostas argumentadas, aos que temeriam que o pôr o Lucro em causa seja ‘anti-económico’ ”. ‒ Não se trata de marxologia indigesta, mas de uma boa introdução a uma moderna crítica da Economia política. Não se publicaram já
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livros e tratados, nos anos ’60-’70 do séc. XX sobre a doutrina salubre do não-crescimento em Economia po-lítica e Finanças?!... ‒ No 2º livro, “la liquidité est définie comme la ‘capacité à être transformée en monnaie, et cela sans délas, coût ou risque en capital’ ”. Uma tal definição poderia per-feitamente aplicarse à precarização, aplicada ao trabalho, a qual consiste na destituição das ‘propriedades da liquidez com que o mercado financeiro dota o capital’ (como argumenta Frédéric Lordon, em ‘Fonds de pensions, piège à cons?’ (‘Raisons d’agir’, 2000). Escreve (ibidem) Michel Husson, a propósito deste Livro: “Um dos traços essenciais do capitalismo neoliberal é, com efeito, que os investimentos estão carreados no atrelado perante os lucros. Este ir atrás seria explicado ‘pela redução do número de oportunidades de investimento julgadas suficientemente rentáveis’, e é a Finança que fixa os limites de rentabilidade exigidos. Poder-se-ia tornar esta determinação mais dialéctica, vindo, antes, a Finança a compensar, em vez de engendrar, esta rarefacção dos investimentos rentáveis. Mas tais subtilezas da análise podem apagar-se, diante das propostas da 3ª parte [do Livro], que visam ‘repôr a finança no seu lugar’, e que levam a Finança a desempenhar um papel essencial a um retorno da intervenção pública, a única capaz de sustentar a transição ecológica”. ‒ Como é absolutamente óbvio: os Problemas objectivamente comuns e colectivos devem ser encarados e resolvidos por Instituições Públicas.
UMA TRIPLA GRANDE QUESTÃO Nuclear a Resolver (que tem a ver, substantivamente, com o modo de Articulação/Conciliação entre a Potestas e a Libertas e o Primado absoluto desta. N.B.: Trata-se de Problemas filosóficos e esta é uma Temática essencialmente religiosa, e as três posições/posturas, que vamos abordar, são essencial e estruturalmente diferentes umas das outras: A) Mundividência do Corão e dos Islamismos; B) Mundividência dos Cristianismos (paulinismos-paulinos…); C) Mundividência do Jesuanismo. Seja já antecipado, que somente o JESUANISMO é, completa e integralmente, Revolucionário rumo à edificação do ‘Homo Sapiens//Sapiens’ e da Cultura, adveniente, na Evolução da Espécie Humana, da Liberdade Responsável, primacial e primordial, de cada Indivíduo-Pessoa/Cidadão.
No fundo de todas as Fontes, é sempre, nuclearmente, a Prima Quaestio, com que, nos sécs. VIII/VII a.E.c., se inicia a Filosofia Helénica: a Questão do Uno e do Múltiplo e sua necessária harmonização, para que a Vida e a Evolução possam progredir e continuar. Em A), o que predomina, originalmente, é a Violência e a Guerra; a situação de Paz é realidade derivada (teórica e praticamente). Em B), a situação geral é teoricamente ambígua, e, na praxis societária, é contraditória: os Cristianismos paulinos admitem e aceitam, sem contestação, a chamada ‘paz de armistício’, ‒ i.e. a paz possível entre duas guerras. Não esquecer que Tomás D’Aquino ‒ o ‘Grande Guia’ ‒ não só justifica a guerra defensiva, como a ofensiva, desde que esta parta do Poder Estabelecido (e sacro) contra a subversão da Ordem Estabelecida!... Em C) as situações práticas e as questões teóricas são resolvidas, convicta e obstinadamente, em função do que, v.g., I. Kant chamava ‘a Paz Perpétua para todos os Humanos dignos do nome’. Este é o horizonte do Jesuanismo (cujo desenvolvimento e fundamentação nós podemos encon-trar, além dos materiais encontrados no Qumran, em 1947, e em Nag Hammadí, em 1945, no Evangelho Siríaco, cujo texto em Grego pode ser coevo com o tempo da 1ª escrita dos evangelhos canónicos e apócrifos: a explanação e a fundamentação, coerente, desse Evangelho pode ser lida no Livro de Simcha Jacobovici & Barrie Wilson, com o título: ‘A Vida Privada de Jesus’ (Um evangelho perdido revela novos pormenores sobre a vida e os tempos de Jesus Cristo). Clube do Autor, Lisboa, 2015.). N.B.: A Violência e a Guerra religiosa, que os militantes e jihadistas do ISIL estão a exercer, no Médio Oriente e em alguns países de África e os Atentados de massacres massivos em vários Países do Velho e do Novo Mundo, em verdade, estão ideologicamente em consonância com textos do Corão e orientações da Sharia e Hadiths do Profeta Maomé. Mais: atendendo à doutrina e à história dos conflitos religiosos entre os diferentes Cristianismos, é forçoso concluir: em termos de Dogmática e Teologia, o Islão é filho e herdeiro crítico do Hebraísmo e, sobretudo, do Cristianismo: herdeiro crítico (como se pode ver nos enunciados do próprio Corão, onde muitos versículos começam com o vocativo: ‘Oh Povos das Escrituras’… para, corrigindo, lhes ditar, como certa, outra verdade.).
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Por seu turno, o Dualismo metafísico-ontológico de Platão e de Paulo, que permeia e constitui a base de 75% dos textos do N.T., acabou, com efeito, por constituir 2 Árvores: A) a de Aurélio Agostinho (Bispo de Hipona), o 1º Grande Filósofo Cristão (Hannah Arendt dixit) que, nas suas ‘Confissões’, deu, sem o saber, origem a uma nova Divindade: o ‘Deus sive Conscientia’ (em consonância com o Jesuanismo); B) a dos Cristianismos institucionalizados que, enquanto tais, abriram caminho para as teorias/ /doutrinas da Potestas d’abord, para as doutrinas uniformistas/dogmáticas, para as cen-suras e condenações de heresias e cismas, para toda a sorte de conquista e dominação, em nome da bandeira da ‘fé e do império’. Para tais Cristianismos paulinos, que são os historicamente institucionalizados, a Vontade Livre e Responsável dos Humanos não conta para nada… ficou ‘engaiolada’; e o que conta é, tão-só, o ‘livre arbítrio’ ou lei do pêndulo!... (Escreveram sobre o ‘livre arbítrio’, o próprio Paulo, designadamente, na Carta aos Romanos, o próprio A. Agostinho, M. Lutero, Erasmo de Roterdão; e os próprios filósofos modernos, como Hobbes, Rousseau ou Stuart Mill, não consideraram outra coisa senão o ‘Livre Arbítrio’. Farão alguma excepção os existencialistas ateus e os anarquistas… mas eles mesmos não sabiam o que fazer com essa ‘Prenda’!...). Estes (a 1ª série dos confrontos/comparações de A), B) e C)), bem como (a 2ª série dos confrontos entre A) e B): os Cristianismos paulinos e o Jesuanismo) são problemas ‘tão miúdos e subtis’, que muito poucos, ou quase ninguém se dá conta deles. Não se dão, efectivamente, conta deles dois Autores de Livros célebres, a saber: ‒ Bernard Lewis: ‘A Linguagem política do Islão’. Edições Colibri, Lisboa, 2001. Nem sequer no cap. sobre Guerra e Paz (pp.103…) e a ‘guerra santa’, comum a cristãos e a muçulmanos, mas que para os islâmicos é tratada como jihad, uma vez que a palavra guerra é de importação recente em árabe; nem no cap. sobre Os Limites da Obediência (pp.129…). Para o Islão, e segundo o estabelecido no Corão, os governados perante os governantes têm o dever sagrado da Obediência. A Autoridade é um Sacramento. Escreveu Lewis (ibi, p.129): “ ‘Obedecei a Deus, obedecei ao seu profeta, e obedecei àqueles que têm postos de autoridade sobre vós’. Este verso do Alcorão (IV, 59), amplificado pela exegese e pela tradição, serviu como ponto de partida para a maior parte dos ensinamentos do Islão sobre política. A mensagem destes ensinamentos é dupla: para o governante é autoritária, para o súbdito, quietista”. Em termos culturais/políticos, B.L. é uma ‘personagem’ conservadora, mas, profissionalmente, é considerado um bom especialista em Islamismo. O Islão é, essencialmente, uma Religião Militante. Os chamados ‘Estudos Ori-entais’ (de que falou Edward Said, no e para o Ocidente) têm ca. de 200 anos: começaram com a viagem de Napoleão ao Egipto. Para os islâmicos, ‘o Oriente não existe’. Para os ocidentais, ele foi construído dentro da gaiola dos ‘Estudos Orientais’. No mundo islâmico, o que vigora e transvasa, em tudo, é a Suprema Cultura do Poder-Dominação d’abord. Na realidade efectiva, o Oriente só existe enquanto Realidade contraposta ao Ocidente, não como ‘construção no espelho’ por parte da Cultura Ocidental!... ‒ O segundo Autor é Karen Armstrong (a freira inglesa, laicizada: temos dela 3 ou 4 livros na nossa Biblioteca); aqui, seleccionámos apenas um, que dá pelo título: ‘ISLAM: A SHORT HISTORY’. Weidenfeld and Nicolson, London, 2000. K.A. é uma personalidade progressista e razoavelmente esclarecida. Foi num dos seus outros Livros que ela chegou à conclusão histórica de que houve ‘quatro séculos de outro’, na história do Islão (do VIII ao XII, ou, então, do IX ao XIII: emergiu, então, a chamada New Or-der ‒ 935-1258 ‒, onde houve mais conquistas, longe lateque, a ummah, ou comunidade dos fiéis, era mais viva e os sheiks e Immãs eram mais esclarecidos: vd. ibi, pp.69 e ss.). K.A. desenvolveu, com muito cuidado e atenção, o que chamou ‘The Arrival of the West (1750-2000), ‒ o que veio a constituir um vero glaciar imposto pelo Ocidente e que obrigou a alterações draconeanas de hábitos, costumes e mentalidades no mundo islâmico, everywhere. Este domínio do Ocidente (mais tecno-científico) trouxe-lhes uma onda alterosa, um tsunami de humilhações… (cf. ibi, pp.121 e ss.). As experiências coloniais/colonialistas e os confrontos com o Ocidente trouxeram, na 2ª Modernidade ocidental, distorções e um desnorteamento nas sociedades islâ-micas (ibi, pp.134…). “The nation states of Europe embarked on an arms race in 1870, which led ultimately to two world wars. Secular ideologies proved to be just as mur-derous as the old religion’s
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religious bigotry, as became clear in the Nazi holocaust and Soviet Gulag. The Enlightenment philosophes had believed that the more educated people became, the more rational and tolerant they would be. This hope proved to be as utopian as any of the old messianic fantasies” (eadem, ibi, p.134). Que ocorreu, quanto à Política, propriamente dita? “Politics has never been central to the Christian religious experience. Jesus had, after all, said that his Kingdom was not of this world. For centuries, the Jews of Europe had refrained from political involvement as a matter of principle. But politics was no secondary issue for Muslims. We have seen that it had been the theatre of their religious quest. Salvation did not mean redemption from sin, but the creation of a just society in which the individual could more easily make that existential surrender of his or her whole being that would bring them fulfilment. The polity was, therefore, a matter of supreme importance, and throughout the twentieth century there has been one attempt after another to create a tru-ly Islamic state. There has always been difficult. It was an aspiration that required a jihad, a struggle that could find no simple outcome” (eadem, ibi, pp.134-135). Por outro lado, a secularização e o ideal do secularismo (tawhid, para os mu-çulmanos) constituem uma realidade diferente para islâmicos e ocidentais. Por simples questões operacionais e divisão de tarefas, tanto Sunitas como Chiitas adoptaram, no passado, a separação pragmática entre religião e política; mas constitui uma ingenuidade pressupor que as exigências do ideal igualitário do Corão sejam satisfeitas por essa via. É que o secularismo à moda ocidental, para os islâmicos, acaba mesmo por dissolver-lhes e destruir-lhes os sentimentos religiosos e a própria religião. (Cf. eadem, ibi, p. 135). Quanto à Democracia e suas possibilidades práticas no mundo islâmico. Os reformadores, com estas preocupações, começam por arguir que o ideário da Democracia não é inimigo do Islão. Nas leis do Islão, referenciadas à ummah, invocam-se os princípios da consulta (shurah, ijmah), ou seja, a principiologia do ‘consensus’, que é endos-sado por uma porção representativa da ummah. Mas as dificuldades maiores resultam das doutrinas fundamentais que se confrontam entre o mundo islâmico e o Ocidente dito cristão. Aqui, a Democacia é formulada como ‘governo do povo, pelo povo, e para o povo’. Alí, quem dá a legitimidade ao governo é Deus. Ao que faz o Ocidente chamam eles idolatria (shirk), usurpação da soberania de Deus (ibi, p.137). Quanto à tolerância e inclusão, em matéria religiosa: no fim da hijrah de Meca para Medina (celebrando a vitória), Maomé continuou a impor a força e a coerção em matérias religiosas e afastou, entretanto, a ideia da exclusão e da separação (cf. ibi, p. 144). Uma posição paradoxal, professada por Qutb, no tempo do secularismo violento de Nasser. Há, ainda, dois parágrafos seguidos (pp.152-153), do livro de K.A., que nós vamos transcrever, directamente, do inglês, para se poder verificar que mesmo esta Escritora esclarecida e inteligente, ficou a meio caminho da análise criticista global do Islão, que é preciso começar a encetar: “Europeans did not forget the Crusades, however, nor could they ignore the Dar al-Islam, which, as the years went by, seemed to rule the entire globe. Ever since the Crusades, the people of Western Christendom developed a stereotypical and distorted image of Islam, which they regarded as the enemy of decent civilization. The prejudice became entwined with European fantasies about Jesus, the other victims of the Crusades, and often reflected buried worry about the conduct of Christians. It was, for example, during the Crusades, when it was Christians who had instigated a series of brutal holy wars against the Muslim world, that Islam was described by the learned scholar-monks of Europe as an inherently violent and intolerant faith, which had only been able to establish itself by the sword. The myths of the supposed fanatical intoler-ance of Islam has become one of the received ideas of the West. “As the millennium drew to a close, however, some Muslims seemed to live up to this Western perception, and, for the first time, have made sacred violence a cardinal Islamic duty. These fundamentalists often call Western colonialism and post-colonial Western imperialism al-Salibiyyah: the Crusade. The colonial crusade has been less violent, but its impact has been more devastating than the medieval holy wars. The powerful/Muslim world has been reduced to a dependent bloc, and Muslim society has been gravely dislocated in the course of an accelerated modernization programme” (o sublinhado é nosso).
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Ora, seria conveniente e cientificamente obrigatório os Ocidentais saberem que, historicamente, na Era da Pós-Modernidade positiva e crítica, o Marxismo estrito, tal como o Capitalismo rígido (nesta sua última forma do Neoliberalismo capitalista global) não funcionam. Como não funciona o materialismo histórico e o materialismo dialéctico; ‒ porque são fruto e herança dos vícios historicistas, a que o CEHC deu o nome do ObjectivoObjectualismo (uniformista). Os cânones do ‘politically correct’ bem como o catecismo do mais grosseiro e hipócrita ‘empiricism’ já não funcionam nesta nova Era!... Se há ‘milagres’ que podem acontecer e ‘génios’ ou ‘heróis’ que podem emergir, numa sorte de ‘missing link’, é porque surgem fora de todo esse Quadro geométrico!... A Consciência criticista deveria funcionar, tanto no plano dos Indivíduos, como no plano Colectivo da governação dos países. Procedamos, agora, ao balanço crítico (referenciado) dos dois artigos celebrados a propósito do actual jihadismo e dos crimes horrorosos por ele praticados, tanto na Eu-ropa, como na América do Norte e em África, e da ‘guerra santa’ que o Daesh tem levado a efeito no Médio Oriente (Iraque e Síria, em 1º lugar). Estamos a referir-nos ao Artigo de Nabil Mouline (Investigador no CNRS e autor do ensaio ‘Le Califat’), com o títiulo ‘Genèse du djihadisme’; e ao Artigo de Serge Halimi (um veterano na história do ‘Le M.D.’), titulado ‘L’Art de la guerre imbécile’. (Ambos in ‘Le Monde Diploma-tique’ de Dez. de 2015, pp.1 e ss…). Para não gastarmos muito texto, vamos limitar-nos à transcrição das ‘janelas’ dos Artigos, e pouco mais, visto que eles, também, não acederam ao que o CEHC considera o ‘núcleo duro’ de toda esta Problemática psico-sócio-histórica. O 1º Artigo ostenta, na ‘janela’ o seguinte: “Effort d’élévation spirituelle, le jihad peut aussi signifier le combat contre les infidèles et les hypocrites. Ceux qui s’en réclament aujourd’hui pour justifier une condute ultraviolente s’inspirent d’une idéologie rigoriste issue d’une double filiation : les Frères musulmans et le salafisme wah-habite, diffusé depuis l’Arabie saoudite » (p.1). Os chamados ‘Irmãos Muçulmanos’, que procuram recuperar um Islão de estrita observância, tiveram o seu início, no Egipto, em 1928. O Wahhabismo é um movimento de reforma dos muçulmanos, fundado na Arábia por Muhammad ibn Abd al-Wahhab, no séc. XVIII, no horizonte do rigor exegético esperado nas escolas islâmicas Sunitas. Rejeitou os costumes medievais, v.g., a adoração dos santos muçulmanos e o culto dos cemitérios. Foi uma espécie de tentativa de ‘modernização’ do Islão. O movimento foi bem acolhido pelo Governo de então, chefiado por Muhammad ibn Saud. Com a des-truição dos túmulos sagrados, eles deixaram má impressão nos Turcos Ottomanos, cuja Autoridade foi logo restaurada. Durante os sécs. XIX e XX, o puritanismo wahhabita foi-se expandindo por todo o mundo islâmico. Descendente de M. ibn Saud, Abd al-Aziz ibn Saud fundou, depois, a Arábia Saudita e fez do Wahhabismo o seu credo ofi-cial. Nabil Mouline não se esqueceu de trazer à colação, o ideário (corânico…) da monarquia universal islâmica sob a égide do Califado. O Jihadismo contemporâneo ‒ adverte N.M. (p.14) ‒ tem as suas raízes no desencanto criado pela Iª G.M., no desmantelamento do Império Ottomano, na abolição do Califado por M. Kemal Atatürk, no imperialismo ocidental e na entrada das novas formas de socialização. O fundador da Confraria dos Irmãos Muçulmanos, em 1928, foi Hassan Al-Banna, o qual considerava o Islão como uma ordem societária superior e total, porquanto ele é, simultâneamente, ‘dogma e culto, pátria e nacionalidade, religião e Estado, espiritualidade e acção. Corão e sabre’ (cit., ibi, p.14). De facto, como é sabido, na óptica teológica e filo-sófica, no Islão não há doutrina da Separação entre a Religião e o Estado. ‘L’invasion Soviétique de l’Afghanistan permet l’essor dum Wahhabisme’ (N.M., ibidem). ‘L’organization de L’État Islamique a tiré les leçons des échecs d’Al Osida’ (N.M., ibidem). Mohammed Ibn Abd Al-Wahhab (1703-1792) fundou, na Arábia central uma das 4 grandes escolas jurídicas do Sunismo. “Il ne recule devant rien pour imposer ce qu’it considère comme le seul vraie religion, celle du Prophète et des pieux ancêtres, ‘al-salaf al salih’, d’où le terme ‘salafisme’, autre dénomination de cette tradition. Em 1744, il s’allie aux Saoud pour bâtir sur la base de sa doctrine une entité politique : le premier État saoudien em place jusqu’en 1818 » (idem, ibidem). O 2º Artigo exibe na sua ‘janela’ o seguinte : « Revendiquées par l’Or-ganisation de l’État islamique (OEI), les tueries du 13 novembre dernier à Paris ont entraîné l’intensification
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de l’engagement occidental au Proche-Orient. Cette région du monde paraît ainsi condamnée aux interventions armées. Pourtant, si la destruction militaire de l’OEI en Syrie et en Irak constitue un objectif sur lequel semblent s’accorder des dizaines de pays étrangers, des EtatsUnis à la Russie, de l’Iran à la Turquie, tout le reste les sépare… » (p.1). É, sem dúvida, uma análise crítica da Actualidade, que não vai, historicamente, para além disso. Mas também são precisas análises deste teor… até porque a hegemonia (que já vem de muito longe…) do Ocidente (que se diz ‘cristão’) ensinou o Mundo, no seu imperialismo contumaz e num processus de ‘globalização’ imposta de cima para baixo, economicisticamente, a sobreviver à superfície dos fenómenos. E, na sua Praxis política, ao longo da História bimilenar, sempre contou com a Guerra para construir a Paz (com a cumplicidade manifesta das suas Cristandades). Por isso mesmo, a preocupação central do Artigo é a de assinalar e reunir actuações de divergência e actuações de convergência. Primeiro, a referência ao Facto mais próximo, que está na origem do fenómeno do EI: “’Je ne suis pas contre toutes les guerres. Ce à quoi je m’oppose, c’est à une guerre imbécile, une guerre irréfléchie, une guerre fondée non pas sur la raison mais sur la colére’. Ainsi parlait, le 2 octobre 2002, un élu de l’Illinois nommé Barak Obama. La ‘colère’ consécutive aux attentats du 11 septembre 2001 n’était pas retombée aux Etats-Unis, et le président George W. Bush avait choisi de la rediriger non pas vers l’Arabie saoudite, d’où provenaient la plupart des membres des commandos d’Al-Qaida, mais vers l’Irak, qu’il attaquerait six mois plus tard. Les media voulaient la guerre ; la plupart des senateurs démocrates, dont Mme Hillary Clinton, s’y rallierent. Et l’invasion de l’Irak créa le chaos, qui servirait d’incubateur à l’Organisation de l’État islamique (OEI) » (ibi, p.1). (Uma óptima entrada, que até tem o condão de mostrar como políticos responsáveis ‒ a candidata dos Democratas com mais possibilidade de vir a substituir o Presid. B.O., na ‘Casa Branca’, têm tão pouca convicção e firmeza nas suas decisões). Escreve (ibidem) S.H.: “’La France est en guerre’, a annoncé d’emblée le président François Hollande aux parlementaires réunis en Congrès le 16 novembre. L’Élysée cherche depuis longtemps à s’engager sur le front syrien et s’acharne à y impliquer davantage les EtatsUnis. […] M. Obama s’opposeratil très longtemps à la ‘guerre imbécile’ que reclame l’Elisée ? La pression qu’il subit est d’autant plus forte que l’OEI poursuit le même dessein que Paris… Comme l’expliquait le chercheur Pierre-Jean Luizard il ya quelques mois, tout s’est passé dans une première étape ‘comme si l’Etat islamique avait consciencieusement listé tout ce qui peut révulser les opinions publiques occidentales : atteints aux droits des minorités, aux droits des femmes, avec notament le mariage forcé, exécutions d’homosexuels, rétablissement de l’esclavage, sans parler des scènes de décapitation et d’exécution de masse.” O Artigo de S.H. prossegue na p.13 do mesmo ‘Le M.D.’ de Dez. 2015, com outra titulação: ‘Dans L’Engrenage de la Terreur’. As matérias, aí tratadas, foram resumidas e condensadas, num subtítulo explicitador: “En perpétrant des attentas aveugles dans les rues de Paris, Tunis ou Beyrouth, les djihadistes veulent semer la terreur. Ils espèrent ainsi se singulariser face à un monde qu’ils exècrent, en suscitant des réactions guidées par la peur (page 16). Chercher à comprendre imposer de revenir sur les convulsions qui secouent le Proche-Orient depuis cinq ans (pp.16 et 18), mais aussi de démêler l’écheveau de conflits plus anciens (p.14). L’histoire de l’idéologie rigoriste dont s’inspirent les terroristes (pp.1 et 14) met en lumière le role trouble de l’Arabie saoudite (p.20), pourtant grande alliée d’un gouvernement français qui entend jouer les premiers rôles, mais qui vient de tomber dans le piège d’une guerre asymétrique (cidessous) ». Desta parte do Trabalho de S.H., vale a pena transcrever dois passos mais significativos (ibidem): “Frequentemente, tem-se reprovado a George W. Bush o seu simplismo infantil e criminoso, a sua ‘guerre à la terreur’. Parece que ele encontra herdeiros em Paris. ‘Revenons à des choses simples’, acaba, assim, de explicar M. Laurent Fabius, ministro dos Negócios estrangeiros, com o seu tom de chefe d’escola, especializado na instrução das crianças mais novas que somos nós. ‘Daesh, ce sont des monstres, mais ils sont 30.000. Si l’ensemble des pays du monde n’est pas capable d’éradiquer 30.000 personnes qui sont des monstres, alors à ce mondelà c’est à ne plus rien comprendre’ ” !... O 2º passo (já no fim, ibidem): “Em 2002, Mr. Obama dirigia-se nestes termos àquele a quem ia suceder: ‘Você pretende bater-se, presidente Bush? Batamo-nos para que os negociadores de armas, no nosso próprio país, cessem de alimentar as guerras inumeráveis, que
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enchem de raiva todo o mundo. Batamo-nos para que os nossos ditos aliados no Médio-Oriente deixem de oprimir o seu povo, e de reprimir a oposição, e de tolerar a corrupção e a desigualdade, até ao ponto em que os seus jovens crescem sem educação, sem perspectivas de futuro, sem esperança, tornando-se recrutas fáceis para as células terroristas’. Mr. Obama não seguiu os conselhos que dava. Os outros chefes de estado, também não. É pena. Os atentados da OEI e a desastrosa política estrangeira da França desembocam, presentemente, numa nova ‘guerra’. Unicamente militar, e, por isso, antecipadamente perdida”. As Inércias societárias, e a Cultura Ocidental do Poder-Dominação d’abord, agora globalizada, acarretam todas essas consequências e não dão, na Praxis, lugar a outras soluções, capazes de resolverem os ‘novos problemas’. As hipocrisias institucionalizadas e a doutrina dos ‘dois pesos e duas medidas’ do Imperialismo ocidental sobre todo o Mundo, ‒ tudo isso é absolutamente incapaz de abrir Caminho Novo, no que o CEHC chama a nova Era da PósModernidade positiva e crítica. Em apêndice aos 2 Artigos (já transcritos) do ‘Le M.D.’ de Dez. 2015, há um terceiro, de Pierre Conesa (politólogo de reconhecido mérito), titulado: ‘Cinq conflits entremêlés’, com matérias e problemas polarizados na Síria (ainda de Bashar al-Assad) (ibi, pp.14-15). Assim, o nosso Quadro crítico, no Médio-Oriente, ficará mais completo. Antecipe-se, desde já, que, desde os seus inícios em 2011 (o chamado ‘ano das primaveras árabes’, que resultaram, todas, quase totalmente frustradas…) até ao presente (informação televisiva de 16.6.2016, na Euronews), as Guerras na Síria já fizeram mais de 280.000 mortos, além dos milhares de estropiados, refugiados e exilados para os paí-ses vizinhos e para a Europa. Na ‘janela’ deste Artigo, pode ler-se o resumo: “L’engouement quasi unanime des responsables politiques pour la ‘guerre’ traduit une grave méconnaissance de la realité du terrain. Décidé durant l’été 2014, l’engagement militaire occidental ajoute une cinquième strate à une superposition de conflits, qui embrasent l’aire arabo-islamique ». Todo o Artigo apresenta duas teses em destaque : « Ryad envoie une quinzaine d’avions de combat en Irak, contre une centaine au Yémen ». « À terme, le ‘Calife’ Al-Baghdadi devra défier l’Arabie saoudite ». Os cinco conflitos (guerreiros) imbricados na Guerra da Síria. Ei-los: 1. Sunitas e Shiitas em guerra aberta; 2. A guerra de Autonomia e Independência dos Curdos, em primeiro lugar contra o Estado da Turquia; 3. As rivalidades frontais, que opõem, entre eles, os islamitas (entre sunitas e shiitas) , muito especialmente desde a guerra do Golfo/1990-91, ao ponto de um jihadista Khaled Kelkal ter declarado a um sociólogo alemão: ‘o shiismo foi inventado pelos judeus para dividir o islão’; 4. B. Al-Assad num estado de guerra contínua, contra os seus opositores (desde 2011 até ao presente); 5. A intervenção, na Guerra, por parte dos ocidentais, em virtude dos Erros graves cometi-dos, desde a Iª G.M. no concernente à má divisão das nações, no Médio-Oriente, ‒ acordos Sykes-Picot (partilha colonialista desses países entre a França e o Reino-Unido, sobre as ruinas do Império Otomano), guerra Irão-Iraque de 1980-1988, em que os oci-dentais apoiaram Bagdade contra Teerão. “No plano militar, as contradições são mais evidentes ainda. Hoje, só os aviões ocidentais bombardeiam realmente a OEI. Os USA lançam ca. de 400, e a França uma quarentena, no quadro da operação ‘Chammal’, com a chegada do porta-aviões Charles-de-Gaulle” (idem, ibi, p.15). “A contra-estratégia militar dos Saoud não deixa pairar nenhuma ambiguidade: o seu eixo reside, essencialmente, na luta contra os shiitas. Ryad, como as outras capitais do Conselho de cooperação do Golfo, não pode consi-derar a OEI como a ameaça principal, sob pena de ser contestada pela sua própria sociedade” (idem, ibidem). Concluindo o seu Artigo, escreve Conesa (ibidem): “A estratégia ocidental, fundada nos bombardeamentos e na formação de combatentes locais resultou gorada, tanto na Síria e no Iraque, como no Afghanistão. Europeus e Americanos prosseguiram objectivos, que ignoram os mecanismos das crises internas no mundo arabo-muçulmano. Quanto mais o empenhamento militar se acentuará, mais aumentará o risco terrorista, antes do afrontamento previsível e devastador, que deveria acabar por opor a OEI à Arábia saudita. É esta a ‘nossa’ guerra?”.
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RELIGIÕES INSTITUCIONALIZADAS: PROCESSOS CIVILIZATÓRIOS E SUAS RESPECTIVAS CULTURAS N.B.: Referimo-nos, quanto às primeiras, às 3 grandes Religiões de ‘O Livro’: para além do Hebraísmo, que deu origem às outras 2, pretendemos acarear e confrontar o Islão e o Cristianismo paulino, que deu origem aos Cristianismos históricos: o Islamismo, que emergiu na Arábia e no Médio-Oriente, é filho e herdeiro directo dos Cris-tianismos históricos paulinos e do modo como eles actuaram psico-sócio-historicamente. N.B.: As Culturas substantivas, por seu turno, acham-se, historicamente, entrosadas com os Processos civilizatórios, e estes com as Religiões institucionalizadas. Ora, como dissera Marx que ‘a religião era o ópio do povo’, é preciso avançar a correcção e dizer, criticamente, que ‘o ópio do Povo são as Religiões institucionalizadas’. Isto mesmo, vêlo-emos, no Quadro crítico do JESUANISMO, ‒ de que o CEHC já dissertou, criticamente, em várias Obras, designadamente em ‘Sob o Signo do HUMANISMO CRÍTICO’ (Edicon/Terra Nova, São Paulo, 2016; e sob o patrocínio do Centro de Estudos do Humanismo Críitico (Portugal & América Latina) Noética/Grupo de Debates). N.B.: Cerca de ¾ dos Textos do Novo Testamento canónico são de inspiração paulina e da Escola do Fariseu/Cristão (convertido) Paulo de Tarso; apenas ¼ restará, aí, como podendo promover o Movimento Jesuânico, do Homem Jesus de Nazaré (que era da linhagem real de David e casou, em Caná da Galileia, com Maria de Magdala, princesa pagã, a quem não foi necessário, para casar com Jesus, converter-se a qualquer religião!...). Já chamámos a atenção para o Paulinismo hegemónico no nosso Livro, editado em São Paulo (2007) pela Edicon: ‘Despaulinizar o Novo Testamento Sob o Signo do JESUANISMO’; e editado em Guimarães (2007), com o título, real e não provocatório, ‘Traição de São Paulo’, pelo C.E.H.C. e Liv. Edit. Ideal. Há um Livro recente, ‘A Vida Privada de Jesus’, de Simcha Jacobovici & Barrie Wilson, sobre um evangelho perdido ‒ o Evangelho Siríaco, coevo dos canónicos, na sua versão original em grego-koinè ‒ que, para nós, é a melhor Obra a explanar e a desenvolver o que nós chamamos, em termos filosófico-teológicos, o JESUANISMO. Para todos estes Problemas e matérias, o melhor é estudar e aprender, criticamente, não só com os Documentos do Qumran (vd., em especial, Barbara Thiering, autora de 3 Livros célebres: ‘JESUS the MAN’; ‘JESUS OF THE APOCALYPSE’; e ‘The BOOK that JESUS WROTE’), como, igualmente, com os Escritos e Evangelhos Apó-crifos de Nag Hammadí (especialmente os Evangelhos de Tomé e de Filipe, que são muito convergentes e homogéneos na mundividência identitária do Jesuanismo.
● Os Processos civilizatórios (de índole patriarcal/ista), suas Culturas mono-hierárquicas e suas Religiões (institucionalizadas), de origem uraniana (revelada) datam, historicamente, de há cinco milénios e meio, quando se pôs termo aos 4 milénios anteriores de GILANIA, onde vigorava o princípio da Igualdade Social, que tinha a sua 1ª expressão na Igualdade dos dois Sexos individuais humanos, muito embora as funções laborais e sociais fossem naturalmente distintas. Assim, Culturas e Religiões Institucionalizadas, Processos Civilizatórios, em resumo, ‒ está tudo, desde então, recheado de Erros e Vícios Estruturais. Dirse-ia, até, que eles são, hodiernamente, insanáveis… Mas, se não se resistir a tais juízos e sentimentos, a Humanidade e as Socie-dades humanas não terão futuro. ● Votam-se ao ostracismo os fecundos e radicais métodos do DIÁLOGO SOCRÁTICO e da JUSTIÇA JESUÂNICA: a única via para edificar uma Humanidade decente e Sociedades humanas justas. Instauraram-se três Metodologias básicas e genéricas, que ainda hoje persistem: A) O Dualismo metafísico-ontológico de Platão e de Paulo; ‒ o Hilemorfismo aristotélico foi sempre destroçado e excluído ao longo de dois milénios de Cristandades… Nem o hilemorfismo aristotélico-tomista (um hilemorfismo só a meia haste…) foi aceite pelos Cristianismos paulinos, históricos, e respectivas cristandades. B) Em termos filosóficoteológicos, o que vigorou, ao longo de dois milénios, foi, tão só, o Monismo Epistemológico (que valia para todos os saberes e ciências: foi neste ambiente ideológico que, desde o início dos dois milénios cristãos, se começou a construir a METAFÍSICA, omni-abrangente de todos os saberes… e que, na 2ª Modernidade ocidental, I. Kant (séc. XVIII) e J. Derrida (séc. XX) tiveram
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a ho-nestidade e a consciência crítica, para começar a demolir e a ‘desconstruir’; C) Nesta paisagem ideológico-cultural, ao longo de dois milénios, o que veio a prevalecer, nos domínios do Saber e das ciências, foi a cartilha axiomática do Objectivo-Objectuali-mo. Este modo de pensar, agir e actuar veio a evoluir, nos Tempos Modernos das chamadas ciências positivas e experimentais (que tiveram como Guias e Guardas René Descartes e Francis Bacon), sobretudo na 2ª Modernidade e nos sécs. XX/XXI, até uma situação histórica outrancière, a qual misturou e confundiu, no mesmo saco das pedago-gias e didácticas, as ciências e as técnicas/tecnologias, a tal ponto que, nesse horizonte, o que impera e comanda todo o processus dos Sistemas Educativos e na Programação económica é o que o CEHC designa por ‘Tecnociência de Aparelho’ (é este o Esque-ma do procedimento das Multi-transnacionais). ● Do ponto de vista das Praxeis societárias e da Politologia, as Sociedades e as Cristandades do Ocidente nunca saíram, definitivamente, da chamada Cultura (religiosa) do Poder-Dominação d’abord, o que implica a sempiterna continuidade das ‘sociedades humanas de Rebanho’; nunca, obviamente, foram capazes de aceder à nova e futura Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. A Potestas era sempre considerada de origem divina (uma Divindade metafisicamente transcendente e intrínseca ao cosmos). ‘Non est potestas nisi a Deo’ (Rom. 13,1). O Poder é, por conseguinte, monárquico e hierárquico, e uniformizador por definição. Nem o Hobbesianismo nem o Rousseauísmo modernos alteraram, substantivamente esta situação!... No tempo de Constantino (séc. IV, 1ª metade), o Mitraísmo (de origem persa) poderia ter sido adoptado, oficialmente, pelo Império Romano (era mais antigo e conhecido nos exércitos e milícias romanos). Mas, por motivos contados na História, foi a Religião Cristã a privilegiada. Desde então, ela foi amalgamada com o funcionamento e a organização do Império (1º, no do Ocidente, que caiu em 476; 2º, no do Oriente/ /Constantinopla, que veio a cair em 1453). ● Deus, em suma, é substantivo próprio e comum, gramaticalmente falando. Em rigor mais comum (de todos os Indivíduos-Pessoas/Cidadãos) do que próprio. Nesta 2ª acepção, o Imaginário humano (segundo a ensinança da doutrina tradicional) leva a mente a pensar logo no Deus extrínseco e transcendente ao Cosmos, que tudo criou do nada (‘to-ou-baboou’, no texto hebraico do Génesis. Esta Divindade é ensinada pela Metafísica teológica tradicional. Não é o Deus de Jesus: o seu Deus é apenas ‘o Pai celeste e da sua Consciência, até porque ele não teve pai terreno legítimo: Maria e José estavam no ano dos seus ‘esponsais’ hebraicos, vivendo cada um nas casas de seus pais, sem direito à intimidade: passou um qualquer soldado romano pela casa de Maria e fez o ‘serviço’ (Celso até propôs o nome de Patrass). Jesus teve de litigar, em Tribunal, com o irmão Tiago, que já nascera quando os pais estavam juntos, para reivindicar o seu direito de primogenitura.). A Metafísica está, pois, a ruir como o império das fábulas infantis. Não é o evangelho de João (e Filipe e Jesus) que nos diz: ‘Deum nemo vidit unquam: unigenitus Filius, qui est in sinu Patris, ipse enarravit’ (Jo. 1,18). Mas este 2º enunciado (mesmo sendo de Jesus…) não dá nenhuma legitimidade a Paulo e à Igreja Romana, para, com Auctoritas ditatorial, estabelecer a teologia do ‘mistério’ da Trindade, contra todos os heréticos e cismáticos. O Islão começou a emergir, sócio-historicamente, no séc. VII, na Arábia e no Médio-Oriente, por causa dos ultrismos/integrismos dogmáticos dos hierarcas católicos romanos. Maomé (que veio a ser general/comandante de tropas) nasce em Meca em 570 e morre em 632. Depois do que se passou, nos primeiros 6 Concílios Ecuménicos, com as discussões nefelibáticas/especulativas, em torno do aperfeiçoamento teológico do Símbolo Atanasiano, definido em Niceia (1º C.), contra o padre Arius (antagonista do bispo Atanásio), e todos os seus seguidores arianos, como se haviam de sentir as populações cristãs daquelas regiões sobremodo as elites responsáveis?!... Não esquecer que, historicamente, o Corão e o Islão nascem como resposta criticista às especulações metafísicas dos cristãos (das suas hierarquias). Enquanto Movimento religioso ‒ oposto aos Cristianismos (todos de raíz paulina) ‒ o Maometismo começa a afirmar-se e expandir-se a partir de 610. Hoje, à escala mundial, são 2 religiões institucionalizadas, com fiéis aderentes da ordem: o Cristianismo ca. de 1.300 milhões; o Islão ca. de 1.100 mi-lhões!... ● No atinente à Doutrina Dogmática (encarniçadamente dogmática, em defesa da Ortodoxia e da Uniformidade de pensamento dos cristãos), definida nos primeiros seis Concílios Ecuménicos, que se passou ao certo, pelo menos genericamente?!...
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‒ No Concílio de Niceia (325), que foi presidido pelo próprio Imperador Constantino (que ainda não era sequer cristão baptizado: morreu em 338 e fez-se baptizar 8 dias antes de morrer…), procedeu-se à condenação firme (sob anátema…) dos Erros de Ario e dos Arianos, que não consideravam Jesus como Deus, e foi solenemente afirma-do e definido, integralmente, o Símbolo (Credo) Atanasiano. ‒ No Concílio de Constantinopla I (381), foram condenados os heréticos da Macedónia, que professavam a doutrina de Deus como uma só natureza e três pessoas; simultaneamente, foi reafirmado e defendido o ‘Credo niceno-constantinopolitano’. ‒ No Concílio de Éfeso (431), foram condenados como heréticos os Nestorianos, que defendiam, em Cristo, duas pessoas e duas naturezas; e o Concílio contrapôs, sim, que havia em Cristo Jesus, uma só pessoa e duas naturezas (a divina e a humana). ‒ No Concílio de Calcedónia (451), foram condenados como heréticos os Monofisitas, que professavam uma só natureza em Cristo Jesus; e foi reafirmado o Dogma atanasiano das duas naturezas em Cristo Jesus. ‒ No Concílio de Constantinopla II (553), foi afirmada, solenemente, a doutrina (tradicional) da Infalibilidade dos Concílios Ecuménicos, que prosseguiu, sempre, até ao presente. (Foi de novo definida, no Concílio Ecuménico Vaticano I (1869-70), de modo materialmente extensivo, a Infalibilidade doutrinal dos Concílios Ecuménicos e o Magistério Infalível do Papa). ‒ No Concílio de Constantinopla III (680-681), foram condenados os Monoteletas, que defendiam em Cristo Jesus uma só vontade; e foi reafirmada a doutrina tradicional da existência de duas vontades em Cristo Jesus. No Concílio de Latrão III (1179), foram expressamente condenados os Albigenses ou Cátaros (= puros!), cujas dissidências, em confronto com a cartilha da Ortodoxia católica rígida, eram manifestas. (Entretanto, ligados à tradição dos francos, no culto por Jesus e Madalena, eles eram, sem dúvida, os que mais se aproximavam do Jesuanismo.). No Concílio Ecuménico de Latrão IV (1215), foram condenados os Cátaros ou Albigenses, os Waldenses, os Joaquimitas, etc.. Todos os que não respeitavam a Ortodoxia dogmática e uniformizadora da Igreja (dita) católica romana, eram, inexoravelmente, condenados e anatematizados. O Império Romano do Ocidente caiu, em 476, sob a Invasão massiva dos ‘Bárbaros’ de Átila. Entretanto, a Ocidente, começaram a surgir as primeiras nações, como a dos Francos. Por sua vez, o Império Romano do Oriente, sediado em Constantinopla/ /Bizâncio, veio também a cair, em 1453, sob a Invasão dos Turcos Otomanos, que começaram a construir, aí, o seu Califado. A Igreja Católica Romana, desde muito cedo (a partir do Imperador Constantino e do Concílio de Niceia/325) se habituou aos moldes de governo político-religiosos, de teor imperial/imperialista. O seu imperativo categórico era a dilatação, per faz et nefas, da fé e do império. Veja-se, por exemplo, o ‘mandato apostólico’ estabelecido em Mateus 16,18-20. O chamado ‘Cisma do Oriente’, iniciado por Miguel Cerulário (patriarca de Constantinopla), em 1054, e que veio a dar origem à chamada ‘Igreja ortodoxa grega’, com sede em Atenas, e, depois, à mesma ‘Igreja ortodoxa da Moscóvia’ (Moscovo é considerada ‘a 3ª Roma’, depois da 1ª e da 2ª (Constantinopla), foi pouco mais do que uma ‘charada em frase’; havia 2 pontos centrais de divergência com Roma: a) a Virgem-Mãe de Jesus não era uma vera mãe; era, tão só, ‘theotokos’, uma ‘mala’ ou ‘caixa’, onde o Verbo divino se fez carne e nasceu; b) o Espírito Santo (a 3ª pessoa da Trindade divina) não procedia, a um só tempo, do Pai e do Filho (como se diz no Símbolo Atanasiano), mas, tão-só, do Pai através do Filho (ex Patre per Filium)!... A Igreja católica romana, como, de resto, o Islão, sempre deram a guarida e a sua bênção às chamadas ‘Guerras Santas’: por parte da Igreja, as oito Cruzadas foram, todas, movimentos e operações de Conquista e Dominação de povos e territórios. As Cruzadas, levadas a efeito pela Cristandade ocidental, e sob o patrocínio do Pontífice Romano, foram oito: e duraram desde 1096 a 1270. Os cristãos fizeram isso, especialmente, na Idade Média, contra os não-cristãos ou infiéis. As guerras de expansão do Islão foram marcadas pela mesma chancela. A OEI, nossa contemporânea, continua o seu jihadismo militar, sob o mesmo signo da conquista e da dominação, na expectativa de edificarem um Califado universal.
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Em termos históricos, com as chamadas ‘guerras santas’ (identificadas pelos cristãos com as ‘Cruzadas’) e, depois, no séc. XVI (com o centro na França, mas envolvendo outros países da Europa), com as chamadas ‘guerras de religião’ (de 1562 a 1598), entre os católicos, comandados pelos Guise, e os protestantes, comandados pelos Bourbons, (a Espanha juntou-se aos católicos e a Inglaterra aos protestantes e huguenotes), foram, sem dúvida, as Cristandades e os Povos, em confronto com a conti-nuada actuação tradicional/integrista da Igreja Católica Romana, que mais aprenderam, na perspectiva de adoptarem a tolerância e a convivência pacífica uns com os outros. Este é um dado sócio-histórico insofismável. Em 1517, com a fixação das suas 95 Teses, escritas em latim, na Porta da ca-tedral de Wittenberg, Lutero (1483-1564) inicia o Movimento do Cristianismo Protes-tante, despoletado pelo infame negócio pontifício romano da ‘Venda das Indulgências’: O Movimento teve êxito, uma vez que Lutero se acolheu à protecção dos Príncipes germânicos. Se assim não fosse, o contra-ataque do ‘Império Romano-Germânico’ (onde a I.C.R. mandava…) seria implacável e exterminador!... Martinho Lutero escre-veu dois Livros a destacar: ‘Do Cativeiro Babilónico da Igreja’; e ‘Da Liberdade do Cristão’, onde explana e justifica o ‘livre exame’ das Escrituras, em nome da Autono-mia individual do Cristão, contra o Poder absoluto das hierarquias e do Pontífice Roma-no. Para combater este Movimento protestante, a I.C.R. reuniu o Concílio Ecuménico de Trento, em 1545-1563, onde o Cristianismo católico é totalmente analisado e restaurado, de acordo com a Tradição e a sua interpretação das Escrituras canónicas. Em termos das práticas apostólicas, o que no próximo futuro teve mais importância foi a constituição da nova Congregação (iniciada por Ignacio de Loyola e seu Grupo) da Sociedade de Jesus, destinada a expandir ‘a fé e o império’, no Novo Mundo, no encalço dos Descobrimentos transoceânicos. O chamado ‘Sanctum Officium’, nas suas 2 vertentes (Inquisição e Censura eclesiástica ‘Librorum Prohibitorum’) começaram cedo, no séc. XII. A própria Inquisição fora criada como Tribunal eclesiástico pela I.C.R. destinada a averiguar, a examinar e condenar os culpados ou réus de heresia. A obsessão e o encarniçamento pela Ortodoxia uniformista exigiam tais práticas indecentes e imorais!... A Discussão e o Diálogo eram práticas a evitar. Os frades dominicanos (criados, então, pelo espanhol Domingos de Gusmão) foram encarregados dos serviços da Inquisição. Curiosamente, o próprio Tomás de Aquino teve a sua Obra censurada e proibida na Univ. da Sorbonne, durante meio-século após a sua morte, em 1274. Na Península Ibérica, aos frades domi-nicanos atribuíam, satiricamente, a alcunha de ‘cães do Senhor’!... Na Idade Moderna, a I.C.R. começou a dar-se muito mal com a emergência expansionista das chamadas ciências positivas e experimentais, a começar pela Astronomia e a Física. O Cónego polaco, Nicolau Copérnico (1473-1534) havia-se dedicado à observação astronómica e, com os seus trabalhos, acabou por instaurar o sistema copernicano (o Heliocentrismo), por oposição ao Geocentrismo ptolemaico tradicional, que era a concepção da I.C.R.. O seu Livro principal tinha por título ‘De Revolu-tionibus Orbium Coelestium’ (1530), que só foi publicado postumamente, com receio de ser castigado pelo ‘Santo Ofício’. Com os trabalhos seguintes de Galileu e de Keppler, o Heliocentrismo ficava, definitivamente, demonstrado e estabelecido, no séc. XVII.. Mas a nóvel Ciência, positiva e experimental, criada e desenvolvida, historicamente, no encalço dos Descobrimentos marítimos de Novos Mundos (nos sécs. XV e XVI), por parte de cientistas descobridores do Ocidente, não deixou de encontrar graves problemas e resistências obstinadas (nos sécs. XVI e XVII), do lado dos (supostos) Poderes Absolutos da Hierarquia Católica, através da Censura e da Inquisição. Por exemplo, o italiano Giordano Bruno (15501646) foi condenado, pela Inquisição, a morrer queimado vivo na fogueira!... Por quê? Havia publicado um Livro com o título ‘Do Universo Infinito e dos Mundos’, onde rejeitava a mundividência ptolemaica e defendia, cientificamente, a visão heliocêntrica do cosmos conhecido. Pouco tempo depois, veio o Processo de Galileus Galilei (1564-1646), (que veio, no séc. XX, a constituir material e motivação para uma riquíssima peça de teatro de Bertolt Brecht, com o título homónimo). Galileu dedicara-se, acurada e sistematicamente, à Observação Astronómica; para o efeito, ele mesmo havia construído uma ‘Luneta’ adequada. As suas observações conduziram-no à comprovação da concepção heliocêntrica de Nicolau Copérnico. Foi, depois,
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examinado e considerado herético, no Tribunal eclesiástico do ‘Santo Ofício’ (presidido pelo cardeal Belarmino, em 1616), e obrigado a retractar-se, sob pena de ir parar à fogueira, como acontecera com G. Bruno. Para escapar à fogueira, foi obrigado a abjurar das suas posições, implorando de joelhos; as suas posições eram consideradas heréticas pelas Autoridades eclesiásticas. A partir do seu Julgamento, Galileu ficou em regime de cativeiro, nas sua própria casa, na companhia das filhas, mas sempre vigiado pelos guardas da Inquisição. Morreu cego… de tanto usar a sua luneta!... (Cá está a produzir os seus efeitos deletérios o princípio paulino: ‘Todo o Poder vem de Deus’… No Republicanismo moderno, a partir da Rev. Francesa de 1789, a mudança de eixo, com o novo Princípio: ‘Todo o poder vem do Povo’, não trouxe grandes alterações à realidade psico-societária e política; ‒ até porque logo se fez triun-far uma forma sofismática: ‘Vox populi/Vox Dei’!... O que pretendeu, apenas, dar expressão intermédia ao princípio intermédio de Francisco Suarez: ‘Omnis Potestas a Deo per populum’!). Os Grandes Construtores da Modernidade científica, em termos metodológicos, foram ‒ como é sabido ‒ Francis Bacon (1564-1626) e René Descartes (1596-1650). Se, na Idade Moderna (1ª e 2ª), as mundividências societárias não foram, substantiva e estruturalmente, alteradas, como se augurava, em contraste com a Antiguidade e a Medievalidade, ‒ isso aconteceu porque, na esfera dos Saberes e das Ciências, também se continuou a operar e actuar, segundo a mesma Cartilha Epistémica: o Monismo Epistemológico, ancorado nas Ciências físico-naturais, e o sempiterno postulado (ideológico) do Objectivo-Objectualismo: O que implica que os Sujeitos humanos (nos planos do Conhecer e do Actuar) são, metodologicamente, postos entre parênteses. O Mecanicismo cartesiano (de índole materialista), polarizado no Monismo Epistémico, prevaleceu, absolutamente, nas duas Modernidades: tanto nas ciências como nas técnicas/tecnologias. A obra metodológica de Descartes, o ‘Discours de la Méthode’ era isso mesmo que ensinava: materialismo e fisicalismo. Por isso mesmo, quando apareceu a Psicologia (científica), no último quartel do séc. XIX, ela foi instalada, no concernente às suas práticas, nos velhos Laboratórios da Fisiologia. Quanto à Obra metodológica de F. Bacon, que é, essencialmente, o seu ‘Novum Organum’, ela é, sem dúvida, menos metafísica, mais positiva e fecunda e aberta às novas ciências positivas e experimentais da Modernidade Ocidental. Mas, no que tange à gramática científica do DUALISMO EPISTÉMICO (ciências físico-naturais, num hemisfério, e ciências psico-sociais e/ou humanas, noutro hemisfério!), defendido pelo CEHC, a metodologia baconiana está muito longe de chegar lá. (Mesmo que assu-mamos o novo trend hermenêutico, sócio-histórico, inglês, que dá a Personalidade de F.B. como Chefe de um Grupo de ‘onorèvoli’ de 7 ou 9, que vieram a edificar, em conjunto, a Obra filosófica de F.B. e a Obra artístico/literária humanista de W. Shakes-peare.). Na verdade, há dois Grandes Factos históricos, que vêm a confirmar a mistura e a confusão, na Modernidade Ocidental, do Mecanicismo cartesiano predominante e do horizonte supostamente mais aberto de F.B.: a) um é o dos inícios da ‘Revolução Industrial’, na G.B., a partir de 1720, com as ‘enclosures’, a passagem draconeana e férrea, dos ‘campos verdes’ ao ambiente (generalizada) dos vapores e fumos negros das Fábri-cas; a passagem, dura e esclavagista, dos lavradores (autónomos) a operários proletarizados das fábricas; b) outro Facto é o do Colonialismo Britânico, sobretudo nos sécs. XVIII a XX, que, durante muito tempo (v.g. na Índia e na América do Norte, em territórios imensos), não só pactuou com o trabalho escravo, como exerceu veras ditaduras na organização societária das colónias. Este ‘positivismo jurídicopolítico’ tinha uma ín-dole semelhante à do Mecanicismo cartesiano, prevalecente nas Sociedades humanas (agora em transe de globalização ocidentalizada…) até ao presente. No concernente à actuação das Hierarquias eclesiásticas da I.C.R., ao longo do século XIX, é forçoso concluir que ela nunca fora tão ferozmente integrista, como neste século (acossada pela ambiência e o espírito revolucionários pelas inovações tecnológicas). Não esquecer que o pontificado de Pio IX (1846-1878) foi o mais longo de toda a História da I.C.R.. Foi nesse pontificado que o Concílio Vaticano I (1869-70) (Cf. ‘Enchiridion Symbolorum’, org. por H. Denzinger e K. Rahner, Herder, Frib./Brisg./ /Barc., 1955, pp.455-511) condenou uma série de Erros modernistas e definiu, como dogma, a Infalibilidade do Pontífice Romano e o seu
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primado absoluto sobre toda a Cristandade; ao mesmo tempo, foi estabelecido o ‘Syllabus seu collectio errorum mo-dernorum’ (ibi, pp.482 e ss.). Perante todo esse Conservadorismo e Integrismo (ditatorial, em termos doutri-nários), que atingia todas as cristandades e dava o ‘nó cego’ político aos Governos dos Estados-Nações, não é de nos surpreendermos, v.g., com o reinado da Rainha Victória, na Inglaterra (1837-1901), dividido em 2 metades: a 1ª até 1851, data da Grande Exposição no Palácio de Cristal, recheado de conflitos e tensões sociais; a 2ª até 1901, chamada a ‘idade de outro’ da Literatura, onde as classes sociais apaziguaram os seus con-flitos. Marx e Engels, com a publicação do ‘Manifesto Comunista’, precisamente em 1848, o ano da chamada ‘Revolução dos Povos’, depositavam muita esperança nesta Revolução… Em breve, resultou tudo gorado. Nos inícios de Março de 1871, surgiu o Fenómeno da ‘Comuna de Paris’; durou cerca de um mês, com os dirigentes a dividir--se uns contra os outros; em fins de Maio desse ano, o Exército prussiano acabou, totalmente, com o que sobrara dos Resistentes!... Mas o conservadorismo e o espírito integrista da I.C.R. continuaram na mesma rota, ao longo do séc. XX. Apesar de ter a sua base e o seu apoio em Mt.22,21, a doutrina da Separação do Estado e das Religiões (ou, no caso, da Igreja), essa doutrina da Separação só entrou em prática, na França, em 1905; e foi só em 1906 que Pio X, a reboque dos acontecimentos, publicou a Encíclica ‘Vehementer nos’ (dirigida ao Clero e ao Povo de França), em torno do Tema ‘De separatione inter Ecclesiam et Statum’. Em 1907, é o mesmo Pontífice que manda publicar a Enc. ‘Pascendi dominici gregis’, condenando, mais uma vez, o que chamava as falsas doutrinas dos modernistas. Nesse documento, o Papa impôs (ditatorialmente) o juramento contra todos os Erros dos Mo-dernistas e do Modernismo a todos os que exerciam a docência, quer nos Seminários Maiores, quer nas Universidades ligadas à Igreja católica. Em termos de actuação pragmática, fêlo através do ‘Motu proprio Sacrorum antistitum’ (1910). Entretanto, num ambiente ideológico duro e petrificado em todas as cristandades, a I.C.R. quis dar um ar da sua graça, na aproximação ao Povo Trabalhador, com um Facto novo, ‒ que foi, nas Escolas e Academias, designado como Doutrina Social da Igreja. Isso começou com a Enc. social ‘Rerum novarum’, de Leão XIII, em 1891. A história da Igreja Católica, ao longo do séc. XX, tem altos e baixos, diástoles e sísto-les, como veremos. No mesmo caminho, veio outra Enc. Social, publicada, em 1931, designada ‘Quadragesimo Anno’ (= 40 anos depois), uma Encíclica de um Papa progressista, Pio XI, que chegou a convidar um jesuíta/sociólogo norte-americano, para lhe preparar uma Carta/encíclica, destinada, expressamente, a condenar o Nazismo de A. Hitler. O Papa morreu em 1939, e não se veio sequer a conhecer rasto público desta Carta/encíclica. Depois de Pio XI, foi Pio XII, quem lhe sucedeu. Havendo passado uma dezena de anos em Berlim, como Núncio apostólico, ele nunca contrariou, expressa e publicamente, a Alemanha de Hitler. Até saiu um Livro (que está na Biblioteca do CEHC), na 2ª metade do séc. XXI, com este título significativo: ‘Pio XII: o Papa de Hitler’! As suas cumplicidades com o regime nazista/hitleriano são mais que muitas. Estaria ele a aguardar, no próximo futuro, o pleno cumprimento do Cesaropapismo, no horizonte histórico do Império Romano-Germânico?!... Depois de Pio XII, sucedeu-lhe, em 1958, o Cardeal de Veneza, Angelo Roncalli, que foi eleito Papa, com o nome escolhido de João XXIII. E, 1959, logo anunciou um Concílio Ecuménico, em Roma, para ‘Aggiornamento della Chiesa’. Veio a realizar-se, efectivamente, de 1962 a 1965: A I.C.R.. A Igreja, através dos Documentos importantes, produzidos e votados pelos Padres conciliares no chamado ‘Concílio Vaticano II’, veio a mudar de rumo e horizonte, em confronto com o Passado. Quanto às Encíclicas sociais, o Papa João XXIII publicou duas, que ficaram célebres e foram, sócio-politicamente decisivas: a ‘Mater et Magistra’ e a ‘Pacem in Terris’. Não esquecer que, à escala global do Planeta, estávamos em tempo de ‘Guerra Fria’!... Mas o Concílio ‘Vaticano II’ encontrou, pelo caminho, vários contratempos e obstáculos à sua natural abertura e progressão. Nos últimos dois anos (já com outro Papa, Paulo VI (que, em Milão, era tido como o ‘Arcebispo Vermelho’ pela cristandade respectiva), no Comando da I.C.R., os Padres conciliares tiveram que aceitar condicionamentos e espartilhos: o Papa actual, não só os impedia de desenvolver, até ao fundo, a ‘Doutrina Social da Igreja’, como também reservava a si toda a problemática em torno da Contracepção e do que, na gíria inglesa, se chamava ‘Birthcontrol’.
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Os resultados de todos estes descaminhos: a) durante esses dois anos, cerca de 40 bispos e arcebispos/padres conciliares foram-se reunindo, por conta própria, nas catacumbas de Sta. Priscila, em Roma, com o fito de reivindicarem, a sério, uma Igreja despojada e amiga dos Pobres (em suma, a adequada resolução da ‘Questão Social’!...); b) e, entretanto, afrontarem e resolverem, de vez, a problemática da Regulação da Na-talidade. Seja, aqui, advertido que, em 1960, havia sido editado em Roma, pela Editrice ‘Città Nuova’, o Livro de Igino Giordani, titulado: ‘IL MESSAGIO SOCIALE DEL CRISTIANESIMO’: sob o signo, em epígrafe, do que está escrito no Evangelho de João: 27,21: ‘O meu mandamento é este: que vos ameis uns aos outros como eu vos amei’. Elaborado em regime de semi-clandestinidade, surgiu, muito posteriormente, em 2015, 2ª ed., lançado a público pelas edições paulinas, e organizado pelos coordenadores Xabier Pikaza e José Antunes da Silva, o Livro com o título: ‘O PACTO DAS CATACUMBAS’ e em subtítulo: ‘A Missão dos Pobres na Igreja’. Como se vê, estava a abrir-se o caminho para a emergência próxima-futura da ‘Teologia da Libertação’, que teve, nos anos ’70 e ’80 o seu andamento próprio em territórios como a América Latina e as Índias. Pelo que diz respeito ao ‘Restringidor’ dos ritmos do ‘Vaticano II’, que foi o Papa Paulo VI, este Romanus Pontifex acabou por dar uma no cravo e outra na ferradura: a) no campo da ‘Questão Social’, publicou a Encíclica (em 1965) ‘Populorum Progressio’; b) no campo da Contracepção, publicou uma Encíclica extremamente polé-mica, a ‘Humanae Vitae’ (em 1968), a qual proibia todos os meios contraceptivos ex-tranaturais ou artificiais e só admitia os chamados métodos naturais do tipo ‘Ogino-Knaus’ ou das ‘temperaturas basais’ relativas aos períodos ovulatórios. Quanto à ‘Teologia da Libertação’, ela veio a ser condenada, como doutrina ‘herética’, em Medellin e em Puebla, pelos dois Papas que vieram a seguir: João Paulo II (depois do papa Luciani, João Paulo I, após um pontificado de pouco mais de um mês, ter sido sonegadamente assassinado no seu leito…) e Bento XVI (o cardeal alemão da Cúria Romana, amigo do papa polaco Voytilla). Os dois Grandes Autores e Mestres da ‘Teologia da Libertação’ Gustavo Gutierrez e Leonardo Boff foram execrados no ‘Index Librorum Prohibitorum’, que, nos anos ’50 do séc. XX, havia, também, incluído todos os Livros do Jesuita, paleontólogo e teólogo (Teilhard de Chardin: 1881-1955) ( é o descobridor, em Paleontologia, do ‘Homo Pequinensis’). O seu Livro mais celebrado tem por título: ‘O Fenómeno Humano’. Na nossa mocidade, em Coimbra, eu só conse-guia ter acesso aos seus trabalhos, mediante cópias de A4, passadas ao stencil!... Encíclicas Sociais: João Paulo II publicou duas com algum interesse, no quadro da Doutrina Social da Igreja: a ‘Centesimus Annus’ (celebrando o centenário da ‘Rerum Novarum’ de Leão XIII), em 1991; e a Carta Encíclica ‘Veritatis Splendor’, em 1993, em torno de Algumas Questões Fundamentais do Ensinamento Moral da Igreja. Já se nota, aqui, o início da mudança de eixo, na Doutrina Social da Igreja, em consonância, de resto, com a anterior condenação da ‘Teologia da Libertação’. Mais recentemente, em 29.6.2007, o Papa (alemão) Ratzinger publicou, nesse mesmo campo da Dout. S. da Igreja uma Encíclica, titulada ‘Charitas in Veritate’, onde, em resumo, conclui e resume a solução na Tese central, admitida, do Neoliberalismo capitalista global, que impera, hegemonicamente, à escala global, na Economia política mundial, após a Queda dos ‘socialismos convencionais’. Num livro nosso de 2010, divulgado pela Noética (Revista electrónica), chegámos à conclusão criticista, de que a D.S. da I. havia feito aí o seu canto do cisne, através dessa Encíclica do papa Ratzinger!... Escreveu o Poeta luso, o nosso Épico nacional, Autor de ‘Os Lusíadas’ (na sua Lírica exímia): ‘Mudam-se os Tempos, mudam-se as Vontades/Muda-se o Ser, muda-se a Confiança/Todo o mundo é composto de Mudança/Tomando sempre novas Qualidades’. O horizonte das Cristandades (ocidental e outras…) e os outros campos do Islão e do Judaísmo, bem como das outras religiões institucionalizadas, alterou-se, substantivamente, na perspectiva de um Ecumenismo religioso, no Quadro de um Projecto pacífico, porque a Questão Magna da Ecologia e das presentes e já monstruosas Alterações Climáticas, na Natureza (estamos já na era geológica do Antropoceno…) dizem, afinal, respeito a todos os Seres viventes, a começar pelos Humanos. Ora é, justamente, sobre esta Problemática, que dissertou o Papa Francisco na
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sua Encíclica mais impor-tante e decisiva: ‘Louvado Sejas (Laudato Sí)/Carta Encíclica Laudato Sí, Sobre o Cuidado da Casa Comum’ (Edições Paulinas, Prior Velho, Junho de 2015). Pelo teor de uma audiência à escala global e pela mestria das análises e orientações propostas, esta Obra de Mário Jorge Bergoglio/Papa Francisco, ‒ podemos arguir que leva vantagem à Obra académica (de 600 pp.) do ex-vice-presidente AL GORE, titulada: ‘O FUTURO: Seis Forças Que Irão Mudar o Mundo’. (Edição Actual, Coimbra e Lisboa, 2013). Na contracapa da Encíclica do Papa Francisco, foi escrito, com transparência e verdade, o seguinte Resumo: “A relação íntima entre os pobres e a fragilidade do Planeta, a convicção de que tudo está estreitamente interligado no mundo, a crítica do paradigma que deriva da Tecnologia, a busca de outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da Ecologia, a grave responsabilidade da Política, a cultura do descartável e a proposta de um novo estilo de vida são os eixos desta Encíclica, inspirada na Sensibilidade ecológica de Francisco de Assis: Um Texto que é um Alerta e um novo Compromis-so, dirigido a todos os habitantes da TERRA”. ● N.B.: Nesta Galáxia renovadora/revolucionária, no que tange a Organização societária, baseada no Catecismo rígido do Sistema capitalista moderno, agora em transe de Globalização, duas realidades sociais medonhas e tenebrosas: A) A Questão da Guerra ou Paz, em função, tanto da sobrevivência das Sociedades Humanas, qua tais, como da sobrevivência do Planeta Terra. B) A Questão das Multi-transnacionais e a correspondente Desorganização dos Sistemas Bancários. O caminho, hoje, é por aí que tem de começar. A despersonalização/alienação e a falta de responsabilidade dos profissionais, a começar pelas elites dirigentes (corrompidas, na defesa dos seus interesses…) são ciclópicas!... Hoje em dia, (2 primeiras décadas do séc. XXI) os ‘empregos precários’, generalizados, sob o martelo pilão do Neoliberalismo capitalista global, estão, de facto, a acabar por destruir e dissolver as próprias Instituições Sindicais. E, como é sabido na IIª Modernidade, na peugada do Marxismo, os Sindicatos de Trabalhadores são absolutamente necessários e indispensáveis para defender e assegurar a Justiça Social, nos Conflitos estruturais e permanentes entre o Trabalho e o Capital. E nem sequer é preciso recorrer ou invocar o Marxismo, para argumentar esta Tese/Conclusão. Basta-nos ter em conta a chamada ‘Phylosophia Perennis’.
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A VIA DO JESUANISMO COMO SOLUÇÃO: → PARA A CONSTITUIÇÃO DO HUMANO INTEGRAL → PARA A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES HUMANAS EM REGIME DE IGUALDADE SOCIAL, SEM HIERARQUIAS
● N.B.: Os dois Grandes e Graves PROBLEMAS, que o JESUANISMO filo-sófico-teológico enfrenta e resolve, adequadamente, e não são afrontados e resolvidos pelos textos e ‘escrituras sagradas’ das três Grandes Religiões (institucionalizadas) de ‘O Livro’: Judaísmo, Cristianismo, Islamismo; nem ‒ como é óbvio ‒ pela chamada Cultura laica/laicista moderna, que se constituiu como um ‘derivado’ coevo das três: A) A natureza e a origem do Poder. B) O núcleo duro da Problemática da Guerra e da Paz: a opção vital a fazer, que é de índole individualpessoal/cidadã. E tem a ver, essencial e nuclearmente, com a opção do paradigma da Espécie, constituído pelos Sistemas Educativos (nacionais) no ‘Homo Sapiens//Sapiens’ e na sua correspondente Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial, contra o padrão tradicional do ‘Homo Sapiens tout court’ e sua correlativa Cultura do PoderDominação d’abord. ● N.B.: Como se edifica uma Ekklesía (communitas), uma Synagoga (Synagó-gè: Reunião de gente a fazer a sua preparação para a paz ou para a guerra), uma ummah (comunidade reunida em assembleia)?! Se tudo for operado mediante a maiêutica do Diálogo socrático, facilmente se chegará à conclusão, generalizada, da Justiça social jesuânica. Se, pelo contrário, as operações forem ordenadas e impostas por um Chefe, ou uma elite/casta que tem a potestas sacra da law & order, não é a Paz que emerge como resultado, mas a intriga e a desconfiança, o conflito e a guerra. Eis por que as Sociedades modernas, ainda hoje, se encontram organizadas segundo o catecismo do Pastor e do Rebanho, o catecismo do ‘Homo Sapiens tout court. A detestação e o ódio dos opositores a um Regime Democrático-Republicano surgem, imediatamente, porque as práticas sócio-políticas obedecem, tão-só, a esse catecismo (da sempiterna Cultura da Potestas-Dominação d’abord). Depois…. O que se passou, na história das religiões institucionalizadas e dos governos dos Estados/Nações constituídos?... Os dominantes imprecam os dominados e seus opositores com os apodos de heréticos ou cismáticos, dissidentes, ou, simplesmente ignorantes ou néscios face aos problemas e às situações de conflito ou calamidade… Por que é que o Corão e os islâmicos acusam os judeus de terem reivindicado a morte de Cristo na cruz? (Cf. ‘Le Monde Diplomatique’, Dez. de 2015, p.23). Em última instância, porque os muçulmanos, segundo o Corão, também têm o seu ‘Madi’ (= messias). Como de resto, os judeus o tiveram, em promessa, ao longo da sua história (vd. os Profetas principais: Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel, Miqueias, etc.); e, já na Era comum, eles tomaram, como tal, um que apareceu no séc. II, no séc. XVI. Por outro lado, as cristandades, todas elas, tomaram o Cristo como o seu messias: ou seja, embarcaram todos no Erro filosófico-teológico da ‘salvação vicária’!... Que é a base do catecismo do ‘Homo Sapiens tout court’. Quando Obama, em declarações solenes (contra a campanha de Trump), diz e argumenta que ‘O ódio é o problema mais grave que a Humanidade hodierna enfrenta’, ele está a laborar segundo a cartilha do Homem Novo (a renascer das cinzas do ‘Homo Sapiens tout court’…). Mas quando uma sondagem estatística, nos U.S.A., nos revela que mais de metade dos americanos brancos atribuem mais importância ao direito constitucional a ter armas para se defender, do que às Autoridades policiais, no controlo do uso e porte de armas!... (Cf. ‘Exp./Ver.’, 18.6.2016, p.10). Uma Sociedade assim não pode deixar de operar e funcionar segundo o catecismo do ‘Homo Sapiens tout court’.
● Em termos criticistas, para dar Resposta adequada aos 2 Grandes Problemas (acima enunciados): ‒ a natureza e a origem do Poder; ‒ a dura e sempre presente Problemática da Guerra e da Paz, no horizonte da Sobrevivência da Humanidade e sua progressão evolucionária rumo ao Futuro, hoje, constitui um Imperativo Categó-rico a construção da Via do Jesuanismo, integral e completo, desde logo, porque ele está imbricado no SOCRATISMO (na maiêutica e no Diálogo Socrático), bem como na recusa de todas as Religiões Institucionalizadas (o que, por seu turno, implica a adopção, na sua base filosófica, do Hilemorfismo aristotélico completo e integral, com a simultânea rejeição do Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo). A própria freira laicizada, Karen Armstrong, no seu Livro célebre, titulado ‘Fields of Blood: Religion and the History of Violence’ (The Bodley Head, London, 2014) teve a coragem de proceder ao balanço certeiro e criticista dos conflitos, into-lerâncias, guerras e violências de
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toda a sorte, em que as religiões institucionalizadas se embrenharam ao longo da sua História. O próprio Movimento ecumenicista (iniciado por Lord Halifax, nas 1as 2 décadas do séc. XX) não produziu os efeitos pretendidos… O actual Papa Francisco lá se vai esforçando!... Mas continua a ser um Caso individual e singular. Na badana esquerda do Livro, pode ler-se: “Religions and their followers are inherently violent ‒ or so the popular atheist claim goes. But here Karen Armstrong shows that the true reasons for war and violence in our history often had very little to do with religion. “Human beings have always had a natural propensity for aggression. Yet mili-tary violence and social oppression actually emerged, when the invention of agriculture created a society based upon the accumulation of wealth. For most of history, this destructive potential could be contained, but with the industrialised warfare and all-powerful modern states, humanity is on the brink of destroying itself”. Do que K.A. não deu conta ‒ proh dolor!... ‒ no seu balanço crítico, foi que, afinal, estava a situar-se no Quadro tradicional da Evolução da Espécie humana: onde, as pautas e os padrões que têm vigorado e continuam a imperar, hegemonicamente, são os do ‘Homo Sapiens tout court’, o das ‘Sociedades de Rebanho’. Mas a vera Evolução bio-psico-sócio-antropológica diz-nos outra coisa: o que deveria vigorar, ontem, hoje, e para o futuro, era o paradigma do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, protagonizado no ‘Homem de Cro-Mgnon’ (de há ca. de 60.000 anos). Como se configura e desenvolve, e o que vem a ser, nas suas aproximações críticas comparadas, o JESUANISMO?! Vamos confinar-nos, aqui, ao seu chamado núcleo duro (filosófico-teológico), mesmo no âmbito da produção literária do C.E.H.C.. Neste horizonte, convém referenciar, desde logo, três obras importantes e decisivas, a saber: ‒ Manuel Reis: ‘SÓCRATES E JESUS: esses desconhecidos…! (As Duas Revoluções Gêmeas): A Revolução Sócio-Antropológica de Jesus; O Processo da Divinização de Jesus e o Suicídio de Cristo: (Edicon, São Paulo, 2001). O mesmo Livro, do mesmo Autor (1º Presidente e Fundador do C.E.H.C.) foi editado pela Editora Estante (Aveiro, 2006), com o título: ‘SÓCRATES E JESUS: ESSES Desconhecidos!... (As Duas Revoluções Gêmeas)’. ‒ Manuel Reis: ‘DESPAULINIZAER O NOVO TESTAMENTO SOB O SIGNO DO JESUANISMO’ (Edicon, São Paulo, 2007). O mesmo Livro, do mesmo Autor, foi editado pela Editora Ideal e C.E.H.C: (Guimarães, 2007), com o título: ‘TRAIÇÃO DE SÃO PAULO’ e, em subtítulo: ‘Des-paulinizar o Novo Testamento sob o Signo do Jesuanismo’. ‒ C.E.H.C. (Portugal & América Latina)//NOÉTICA/Grupo de Debates: ‘Sob o Signo do HUMANISMO CRÍTICO’, Edicon/T.N., São Paulo, 2016. O JESUANISMO (tal como o CEHC o tem configurado e desenvolvido, de resto sempre baseado e radicado num rol enorme de outras obras culturais/científicas, em torno da Árvore do Conhecimento e dos Saberes, enquadrados na chaveta do HUMANISMO CRÍTICO) encontrase apoiado, criticisticamente, em três Grandes Fontes Escriturísticas, e sua correspondente comparação crítica: A) as Escrituras (a maior parte canónicas, mas ignoradas do cânone clássicotradicional), ‒ Documentos descobertos no Qumran, em 1947, e sua respectiva hermenêutica crítica; B) as Escrituras Gnósticas, ou consideradas Apócrifas (= não canónicas), descobertas em NAG HAMMADÍ, em 1945; C) e os textos canónicos do N.T.. Sabe-se que o cânone dos Textos (27 livros) integrados no Novo Testamento (sendo embora da 2ª metade do séc. I e do 1º quartel do séc. II da Era comum) só foi definitivamente aprovado, e assumido como tal, no séc. IV, a partir do Concílio ecuménico de Niceia (325) presidido pelo Imperador Constantino Magno. Por exemplo, o Evangelho dito de João (um dos 3 apóstolos que andavam com Jesus, mais frequentemente), o 4º evangelho canónico, só terá entrado, definitivamente, no cânone neotestamentário, no séc. IV, a partir desse Concílio. As razões alegadas para a sua não-inclusão eram do tipo: o evangelho é muito especulativo e dado a teorias ‘filosóficas’, ‒ uma acusação, de resto, inconsequente… porque a acusação da especulação racional sobre os factos reais (supostamente…) e as suas teorias interpretativas, era muito maior nos evangelhos e escrituras apócrifos ou gnósticos ‒ uma palavra com uma semântica am-bígua e errada, (como já demonstrámos em outros livros sobre os Gnósticos e o Gnosticismo). Outro dado importante e decisivo: sabe-se hoje, em termos de exegese crítica actualizada (ou seja, criticamente comparada com os textos das outras duas Fontes A) e B)) que os textos do N.T. são, doutrinalmente, balizados e orientados, na sua escrita, pela Liderança do
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Fariseu/cristão convertido, Saulo/Paulo. Em termos estatísticos, podemos concluir, num balanço criticista/hermenêutico dos textos do N.T., que só ca. de 25% serão de outra orientação que não a de Paulo (i.e., jesuânicos ou ebionitas, como os de Tiago, irmão de Jesus e 1º bispo cristão de Jerusalém, nascido já dentro do casamento legalizado, e com quem Jesus teve de disputar o seu direito de primogenitura, mas, em contrapartida, dizia aos discípulos que fossem ter com Tiago, seu irmão, quando ele desaparecesse…). Do lado das Escrituras apócrifas ou gnósticas, já conhecemos o seu compêndio no livro (já citado): ‘A Tradução Completa das Escrituras Gnósticas: A Biblioteca de NAG HAMMADÍ’, sob a Orientação de James M. Robinson, Edição Madras, São Paulo, 2006. Do lado das Escrituras/Documentos, descobertos em Qumran (em 1947), e que se consideram referenciados à Comunidade dos Essénios (à qual pertenceu João Baptista, ‘o Precursor’, e onde o próprio Jesus de Nazaré terá feito o seu tirocínio), há uma Autora (australiana) de excepção, Barbara Thiering, que na década de ’90 do séc. XX deu a público três Obras importantíssimas e decisivas, para o conhecimento crítico e completo da Personagem histórica, JESUS: ‒ ‘Jesus The Man’. (Corgi Books/Doubleday, London, 1993). Começáramos a confirmar, aí, o que já sabíamos de outros Autores e dos Documentos analisados: Jesus não chegou a morrer no patíbulo da Cruz. ‒ ‘Jesus of the Apocalypse’; em subtítulo: ‘The Life of Jesus after Crucifixion’. (Doubleday, Sydney/London, 1995). O importante e decisivo, neste livro, é que se chegou à conclusão de que ‘The Book of Revelation’, não era um livro de mitologias ou parábolas (como tem sido considerado tradicionalmente): é um Livro críptico (recorde-se o método ‘pesher’, usado nos textos bíblicos pelos judeus, para não serem entendidos por estranhos…), de vera e autêntica História: as cartas enviadas às sete comunidades como interlocutoras de eventos, já cumpridos ou por vir. ‒ ‘The BOOK that JESUS wrote: JOHN’S GOSPEL’. (Corgi Books, London, 1998). Na contracapa deste Livro, chega-se à conclusão de que o 4º Evangelho canónico, dito de João, tem, afinal, três Autores Jesus, Filipe e João: “In The Book that Jesus wrote, the author takes yet another bold, controversial step in her unravelling of the New Testament, suggesting that the Book of John was the work of Jesus himself, assisted by his Gentile friend Philip. His sense of humour, the recollection of his own life and his struggle to move away from strict Judaism and to open the door for a new religious philosophy and structure all emerge as clues in his writing. The result is a clear and rational explanation of how Christianity came into being, and how Jesus himself was an active and inspirational figure behind its emergence both in the Middle East and in Western Europe”. Ora, o que nós hoje chamamos Cristianismo (em todas as suas variantes), ao longo de dois milénios de História das Culturas e das Civilizações (ocidental e das outras, hegemonicamente globalizadas pelo Ocidente), é uma falsificação monumental e uma CORRUPÇÃO completa e universal!... A razão objectiva/subjectiva, que reside na ‘fons et origo’ do Cristianismo paulino, histórico, é que ele se integrou e constituiu, plenamente, em termos teológico-filosóficos, no que o CEHC chama a Cultura da Potestas (sacra)-Dominação d’abord!... Os próprios Apóstolos ‒ todos ‒ (a começar por Pedro e Paulo e acabando em Judas…) não entenderam nada, literalmente nada, da vera e autêntica Mensagem de JESUS. Atraiçoaramno todos, como Sócrates havia sido atraiçoado (quase 5 sécs. antes), pelo ‘divino Platão’. Além das 3 Obras capitais de B.T., para compreender substantivamente o Jesuanismo, do ponto de vista da Pessoa de JESUS e, implicadamente, no que tange ao seu Projecto filosófico e psico-sócio-político, é necessário e indispensável adicionar a Obra magnífica e exaustiva dos dois Autores canadianos, Simcha Jacobovici & Barrie Wil-on, que tem por título: ‘A Vida Privada de JESUS’ e subtítulo. ‘Um evangelho perdido revela novos pormenores sobre a Vida e os Tempos de Jesus Cristo’. (Clube do Autor, Lisboa, 2015). Este é um Livro verdadeiramente revolucionário, se bem entendido. Esse tal ‘evangelho perdido’ (um documento escrito em siríaco) é um manuscrito de ca. de 570 (séc. VI), arquivado no Mosteiro de S. Macário, no Egipto. Depois de muitas transacções, foi parar à Biblioteca Britânica, com o nome despretensioso: British Library Manuscript Number 17202, onde os nossos Autores o identificaram (ibi, pp.29 e ss.). Os Autores argumentam e
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chegaram à conclusão de que o original deste Evangelho valiosíssimo fora escrito em grego helenístico e é coevo da época, em que foram escritos os Evangelhos canónicos do N.T. tradicional. Apresenta, por conseguinte, uma Mensagem/Projecto (revolucionário), atribuída a JESUS, (casado com a prin-esa pagã, Maria de Magdala, na Galileia), inteiramente diferente do que a História ofi-cial nos tem dado a conhecer. Está, aí, tudo, em perfeita consonância com o que o CEHC tem designado, globalmente, como JESUANISMO. Ou seja, e resumindo tudo: O Jesuanismo pode, perfeitamente, no novo horizonte da Espécie que é o ‘Homo Sapiens//Sapiens’, identificar-se na fórmula: Republicanismo democrático, levado a sério e de modo honesto, até às suas últimas consequências: Famílias (fecundas…), Grupos sociais, Nações/Estados, juridicamente considerados em pé-de-igualdade. (No fundo, o actual ‘Brexit’ e o referendum popular sobre a matéria constituiu, na base e no vértice de tudo, um Grito de Alarme em defesa da Autonomia soberana de um Estado/Nação!). Na orelha esquerda do Livro, pode ler-se: ‘A vida privada de Jesus conduz o leitor numa aventura histórica sem paralelo por este texto revolucionário. O que os autores descobrem é tão assombroso, quanto surpreendente o relato: o relato do que se supõe ser o casamento de Jesus com Maria, a Madalena; os nomes dos seus dois filhos; uma conspiração contra a vida de Jesus, uma década antes da crucificação, entre outros factos até agora desconhecidos’. À primeira vista, o Documento parece estranho quanto ao sentido, que o próprio título pode insinuar: ‘José e Assenat’ (vd. pp.85…; pp.95…). Recordemo-nos do ‘pesher’ e do carácter críptico, em que eram escritos os primeiros documentos judeo-cristãos. José = Jesus; não se deve dizer, como Nome próprio ‘Maria Madalena’ mas, sim, ‘Maria, a Madalena = Torre’, visto que ‘A Madalena’ constitui já um título: Migdal (em hebraico) deu Magdala (em aramaico), que significa Torre. Na contracapa exterior do Livro foi anunciado: ‘Pormenores Desconhecidos dos primeiros anos da vida de Jesus. Factos que a Bíblia não revela. Um relato histórico fascinante baseado num documento com mais de 1450 anos. [Um séc. antes de ser criado o Corão e o Maometismo… E se Maomé tivesse conhecido este ‘evangelho’?!...]. Uma leitura reveladora para todos os crentes [e todos os filósofos/teólogos e mestres em ciências psico-sociais e/ou humanas, como nós somos reconhecidos.] e interessados pela origem da maior religião do mundo’. Ca. de 1.350 milhões. Há dois outros Livros, para completar o painel, que merecem, aqui, referência. São eles: ‘Novum Testamentum Graece et Latine’, criticamente organizado por Augustinus Merk, S.J., (Ed. septima do Pontifício Instituto Bíblico, Romae, 1951), que nos acompanhou, como manual de referência, ao longo de todo o tempo da nossa Licenciatura em Teologia na Univ. Gregoriana e do nosso Doutoramento no Athenaeus Angeli-cum de Roma. O 2º Livro a mencionar, aqui, é ‘The Koran’/’The Glorious Koran’, (An ex-planatory translation by Marmaduke Pickthall, Everyman’s Library, David Campbell Publishers, Ltd., London, 1992). Acrescentamos a Escritura islâmica, porque vamos, de seguida, proceder a algumas referências essenciais e comparações críticas entre o N.T. e o Corão, o livro sagrado dos islâmicos/muçulmanos (ca. de 1.100 milhões actualmente no mundo). ● Numa advertência frontispicial, dever-se-á dizer o seguinte: São diferentes as índoles dos textos ditos revelados, na Bíblia (hebraica e cristã), e no Corão: ali, a Revelação é entendida como inspiração divina, deixando uma relativa autonomia intelectual e de consciência ao Autor sagrado. Aqui, tudo se passa como se o texto sagrado fosse um ditado do Anjo Gabriel (um ditado directo, de Allah, o Deus Único dos muçulmanos e do Corão): Maomé (570-632) ficaria, neste contexto, sem o grau de autono-mia responsável que detêm os Autores bíblicos. Por isso mesmo, a interpretação e a exegese (mesmo nas quatro Escolas académicas principais no mundo islâmico actual), tanto ao longo dos 14 séculos, como no mundo islâmico contemporâneo, são, de longe, muito mais módicas e escassas. ● ‒ Negações de Simão Pedro relativamente a Jesus (ou a Jesus, o Cristo = Un-gido e a Messias) no N.T.: Mt.26:33-35, 69-74. Mc.14: 26-31, 66-72; Lc.22:54-62; Jo.18: 25-27. ‒ Simão Pedro, como Chefe dos 12 Apóstolos e fundamento da Ekklesía: i.e., constituído como 1º Papa: Mt.16:13-20, e speciatim, 18-20, onde, perante a confissão de Pedro de que Jesus é ‘o Cristo, Filho de Deus vivo’, lhe é entregue, como recompen-sa e privilégio o chamado ‘Poder das Chaves’. Lc.22:32-34: aí mesmo, perante a prometida adesão de Pedro até à
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morte de Jesus, este dir-lhe-á que, antes do galo cantar, S.P. negará 3 vezes conhecer tal Homem. Jo.21: 15-19: é entregue a S.P., após um questionário em torno da Questão ‘se o amava mais que os companheiros’, levado até à 3ª interrogação (o que contristece S.P….) o chamado mandato apostólico do Pastoreio das ovelhas!... Quanto a nós, temos sérias dúvidas sobre todos estes lóghia, atribuídos à Pessoa de Jesus, se tivermos em conta a incompreensão total e a traição de todos os Apóstolos (exceptuando Tiago, João, Filipe e Tomé) a começar pelas Cartas de Saulo/Paulo e da sua Escola. Não era esta, seguramente, a Ecclesia/Igreja/Cristandades divididas e conquistadoras, ao longo de 2 milénios, que o Jesus (casado com a pagã Maria, a Madalena e com dois filhos, e com um Projecto/Mensagem de Revolução da Huma-nidade e das Sociedades humanas) pretendia. Quer os textos do Qumran (1947), quer os documentos de Nag Hammadí (1945), quer o chamado Evangelho siríaco, dão-nos toda uma outra Personalidade em JESUS, com um vero Projecto/Mensagem, dirigido a pessoas singulares e concretas. Mesmo, nos textos canónicos do N.T., Jesus mostra-se contra a utilização da espada e da violência, até para o que podemos chamar a defesa dos seus direitos legíti-mos. Cf., v.g., Jo.18:1-11. S.P., que tinha a espada na mão, para defender Jesus, no tribunal do pontífice Caifás, cortou a orelha do empregado do pontífice, Malco. Jesus aproveitou a ocasião para repreender S.P., como segue: ‘Mitte gladium tuum in vaginam. Calicem, quem dedit nihi Pater, non bibam illum?’ (v.11): Mete a tua espada na bainha. Terei de beber o cálice que o Pai me deu a beber!... Há lugares paralelos, nos 3 evangelhos sinópticos, que confirmam esta mesma Tese de Jesus anti-violência, mesmo em situação de conflito… onde ela poderia ser legitimada: Mt.26:52-53; Mc.14:47; Lc.22:50-52. B. Thiering, nas suas obras, deu-se bem conta desta actuação pacífica/paci-fista de Jesus. De resto, como é sabido, há um adágio popular luso, que diz o seguinte: ‘Quem com ferros mata, com ferros há-de morrer’!... A vera espada ou gládio é constituída pelo Espírito, que é a Palavra de Deus (Efésios 6,11-18). Com efeito, a Palavra de Deus é um ‘vero gládio’, como é proclamado, na Carta aos Hebreus (4:12-13): aí, o sentido e a semântica vão na perspectiva de que ninguém deve ser excluído do ‘Reinado de Deus’. Outro dado importante, que se configura na galáxia do Jesuanismo: Maria, a Madalena, foi a 1ª mulher que apareceu, ao terceiro dia, junto ao túmulo de Jesus (Jo. 20: 1-2). Deu conta que tiraram o ‘cadáver’ do sepulcro; e logo foi anunciar o Facto a Pedro e a João. Em Jo.18:2527, juntam-se 2 factos: a negação de Jesus por Pedro e o corte da orelha de Malco. Segundo este padrão, a Igreja cristã paulina, ao longo de 2 milénios, há-de continuar a difundir a ‘Mensagem do Evangelho’ mediante uma Doutrina dogmática e a espada da Violência: ‘Dilatar a fé e o império’!... Mt.16:18-20 pode levar, com alguma lógica, aos esquemas do Cesaropapismo medieval (como aos hebraicos de Moisés e Aarão, de David e Salomão). A Igreja cristã pôs-se em marcha, desde os seus inícios (narrados nos ‘Actos dos Apóstolos’ = o 2º evangelho de Lucas, médico assistente de Paulo), ao longo de dois milénios, seguindo os caminhos ideológico-culturais de Paulo ad Rom. (13,1); i.e., a via da Potestas sacra, na origem de toda a Organização societária, a Cultura do Poder-Dominação d’abord, e deixou a vera e autêntica Mensagem/Projecto de Jesus e Madalena, escondida na Arca dos Segredos da História. O que assim emergiu foi mais uma Religião Institucionalizada; não um Projecto de uma Nova Organização das Sociedades humanas. Isso tudo começou a verificar-se nos dois primeiros concílios regionais: em Antioquia (48): onde as pessoas reunidas começaram a chamarse cristãos(ãs), pela 1ª vez, e as tensões entre Paulo e Pedro (em torno das dietas alimentares…) se tornaram patentes; ca. uma década depois, no concílio de Jerusalém, onde os conflitos doutrinais (em torno da admissão ou não da prática da circuncisão, para os cristãos, e do primado do Evangelho ou da Lei!...) entre Paulo e Tiago (irmão de Jesus e bispo da cidade-capi-tal) se tornaram manifestos (vide Act.15:1-35). Os dois Problemas fundamentais do Cristianismo nascente (à luz das 3 Fontes referenciadas e bem conjugadas entre si) são estes: A) A Questão do Poder (social/societário), que, para Jesus, era sempre resolvido na órbita da Praxis societária, num horizonte, por conseguinte, muito diferente do que aconteceu com a sua axiomática teórico-metafísica tradicional, que encontramos em Rom.13:1: ‘Omnis Potestas a Deo’!... Com toda a segurança, que nem sequer o ‘Deus’ de Jesus é o mesmo Deus de Paulo!... No patíbulo da Crucifixão, é pelo
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Pai, que ele chama!... Aos Apóstolos e a S.P. (seu chefe), ele faz a interrogação solene: ‘Quem dizem os homens que eu sou?’ E Pedro responde: ‘Tu és o Cristo, filho de Deus vivo’. B) A Questão da Violência e o modo de a resolver. Ora, chamar Cristo àquele Homem, é coisa muito diferente de chamar-lhe Messias ou Messiah (em latim ou português ou línguas neolatinas, e em inglês); ou Mashiach (em hebraico), ou Madi (em árabe e tal como se acha nomeado no Corão). Quando dizemos Christós (em Grego helenístico) estamos a significar que aquele Homem estava Ungido (com os óleos bentos), para ser Rei de toda uma Sociedade Humanizada. Quando dizemos Messiah ou Messias ou Madi, estamos a dizer que ele é o Salvador espera-o!... Estamos, logo, ipso facto, a embarcar na crença bastarda da Salvação vicária/vicariante: ou seja, estamos a abandonar a nossa Liberdade Responsável e Autonomia pessoal, e a alinhar na Cultura (paulina e eclesiástica) do PoderDominação d’abord, no que o C.E.H.C. chama as ‘Sociedades de Rebanho’, organizadas segundo o catecis-mo do ‘Homo Sapiens tout court’. Assim, as 1as comunidades cristãs (paulinas), ao adicionarem ao Nome Jesus: Cristo e, logo a seguir, Messiah, não só geraram uma contradição estrutural, como criaram o ambiente ideológico, para toda a Teologia paulina da Trindade divina, edificada, tão-somente, no molde filosófico do Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo. Dissolveram as suas funções e direitos adquiridos (mediante o Processus Crucifixionis) de Chefe de um novo Reinado societário/humano, e, ao mesmo tempo, construíram mais uma Religião institucionalizada, acompanhando, ad aeternum, uma Sociedade humana de Rebanho. Nunca esquecer a semântica exacta da palavra ‘Messias’: É o Mediador/Salvador de toda uma Humanidade e de toda uma Sociedade (dita) humana, mas, afinal, constituída por ‘cabeças de rebanho’. É o ‘Homo Sapiens tout court’ a operar!... Desta sorte, a) a Questão do Poder não foi, de modo algum resolvida; b) e a ‘dura Quaestio’ do dogma (acrítico!...) da Ressurreição do Homem Jesus (Cristo) conduziu as comunidades cristãs (paulinas) e a Teologia de Paulo à institucionalização da chamada Santíssima Trindade, a expressão máxima (para todos os cristãos…) da Divindade cristã neotestamentária: DEUS UNO E TRINO!... Um Enigma paradoxal, que Aurélio Agostinho ‒ o maior filósofo cristão do I milénio da E.c. ‒ confessava não ser capaz de entender… (por isso, descobriu outro, nas suas ‘Confissões’, identificado com o ‘intimior intimo meo’, de que tem falado, abundantemente, o CEHC) e que Isaac Newton (nos seus Cadernos ‘secretos’ publicados só postumamente…) protestava e rejeitava com veemência: Este é um Dogma, que, por não poder entendê-lo, tenho de o recusar liminarmente!... E tantos outros (génios ou homens ou mulheres comuns…), ao longo de dois milénios de Cultura e Civilização ditas cristãs. M. Lutero (o principal Fundador do Movimento Protestante, nos inícios do séc. XVI), além da Tradução do N.T. para alemão (ele foi um dos grandes promotores da Língua Alemã), foi, igualmente, o autor de um Livro célebre: ‘Die Freiheit des Chris-tien’. É a 1ª vez que, na História da Cristandade Ocidental, se ouve e escreve, por inteiro, a palavra Liberdade (o que não se passou com o Grande Erasmo de Roterdão, que escreveu, também, o seu livro ‘De libero arbitrio’). Podemos, assim, estabelecer es-ta tese histórico-cultural: Ao longo de 19 séculos (até ao advento, no séc. XX, dos anar-quistas e dos existencialistas ateus, como J.P. Sartre) o ensaio de M. Lutero, acima referenciado, constitui a configuração da Notio de Liberdade humana, que mais se aproxima do ensaio moderno de John Stuart Mill (1806-1873) ‘On Liberty’. Digamos, todavia, em abono da Verdade, que os dois Autores, embora se aproximem, não chegaram a sair, totalmente, da noção tradicional do ‘Livre Arbítrio’, visto que não romperam o odre da Cultura do Poder-Dominação d’abord. Há, no meio desta problemática, uma questão nuclear, que não pode, aqui, deixar de ser referenciada, para entender bem a Pessoa/personagem histórica de Jesus. A res-posta precisa e completa, a propósito, tanto da Ressurreição como do Poder, vem-nos dos textos apócrifos (e gnósticos) de Nag Hammadí. O Evangelho de Filipe (v.30) diz-nos, a propósito da Ressurreição, o seguinte: ‘Aqueles que dizem que primeiro morrerão e (depois) ressuscitarão erram. Se não receberem primeiro a ressurreição estando vivos, ao morrer não receberão nada. Assim, também, ao falar de baptismo dizem: ‘Grande é o baptismo’, porque quem o recebe viverá’ ”. (Na ed. Ésquilo (II ‒ Evange-lhos Gnósticos), Lisboa, 2005, p.45).
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Na edição brasileira da Madras Editora de São Paulo, (já, antes, referenciada), o Texto (com refer. ao v.56) é mais pessoal, concernindo a Jesus: “Aqueles que dizem que o Mestre primeiro morreu e (em seguida) se levantou estão equivocados, pois ele se elevou primeiro, e (então) morreu. Se alguém alcançar primeiro a ressurreição, ele não morrerá. Como Deus vive, ele estará também vivo”. A ressurreição, para Filipe, significa a plena Libertação para entrar noutra Sociedade humana. A arquitectura semântica, polarizada na Libertação interior, acha-se patente no passo seguinte do Ev. de Tomé (vv.32,33: ed. Ésquilo, p.99): “Se os vossos guias vos disserem: Olhai, o reino está no céu, então os pássaros do céu vos precederão. Se vos disserem: está no mar, então os peixes vos precederão. Mas o Reino está dentro de vós e está fora de vós. Quando vos chegueis a conhecer, a vós próprios, então sereis conhecidos e sabereis que vós sois os filhos do Pai vivente. Mas se vós não vos conhecerdes, então ficareis na pobreza e sereis a pobreza”. Sobre a questão do Poder… É, sempre, na praxis societária, que Jesus resolve os problemas mais graves. Em Mt., 22:21, pode ler-se o seguinte: ‘redite, ergo, quae sunt Caesaris Caesari, et quae sunt Dei Deo. Et audientes mirati sunt, et relecto eo abierunt’. Os Fariseus, manhosos, pretendiam lançar-lhe uma cilada, apresentando-lhe uma moeda com a efígie de César… Jesus aproveitou a ocasião para lhes dar uma boa lição: Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Começa, de facto, nesse lóghion bíblico canónico, a divisão dos Poderes (político e religioso), como tem acontecido, pelo menos em princípio, ao longo de dois milénios, no Ocidente, resolvida toda esta problemática dos Poderes. Mas, paradoxalmente, essa suposta resposta de Jesus ainda não destrói nem estilhaça toda a Weltanschauung dualista platónica e pauli-na, que subjaz à nossa visão criticista do Mundo. O Evangelho de Tomé (v.100) resol-ve, adequada e completamente, toda esta quaestio, do modo seguinte: ‘Ele disse a eles: ‘Dai a César o que pertence a César, dai a Deus o que pertence a Deus, e dai a mim o que é meu’. ‒ O Evangelho de Tomé e o Evangelho de Filipe são completamente convergentes e homogéneos sobre a caracterização psico-sócio-histórica da Pessoa do Homem Jesus. Quanto à Violência, Jesus é peremptório: Se vos agredirem ou baterem numa das faces, dai-lhes a outra face… Ter-se-ia Jesus deixado ‘suicidar’, se não fosse com e sob o Objectivo e a Intenção, determinantes, de selar com a entrega da sua própria Vida, a Mensagem monumental, que aspirava ansiosamente transmitir a todos os Humanos, duplamente sapientes?!... ● Cristandades e mundo islâmico: Comparações críticas de ordem política. N.B.: A teoria/doutrina da Separação dos Poderes (o político e o religioso: o Estado e a Igreja ou outras Religiões institucionalizadas), que tem a sua base incontornável (como já se verificou, em Mt.22:21 e, mais completa e criticista, no evang. de Tomé, v.100), sendo, embora, antiga (com dois milénios), ela é, na praxis societária, de ori-gem muito recente: entrou, pela 1ª vez, na história política-constitucional do Ocidente, na República Democrática da França, em 1905.
Ora, precisamente em contraste com esta situação, há que reconhecer e sublinhar bem a Tese Teórico-doutrinal seguinte: Nos textos do Corão, (o Livro sagrado dos muçulmanos), do princípio ao fim, não se encontra nenhuma Ideia/Frase ou Tese, que se possa assemelhar àquela teoria/doutrina cristã… ‒ a qual, todavia, não fez caminho certo e seguro, ao longo de 19 séculos, no vasto campo das Cristandades. Houve, aqui, Impérios e Monarquias… muitos (até sob a bandeira de Napoleão, depois da destituição da Monarquia Francesa, com a morte do Rei Luis XVI, e a instauração de uma República Democrática). No campo das cristandades ‘ortodoxas’, houve o império russo dos Czares, de-pois, o Soviético (que pôs a religião tradicional ora no limbo ora no inferno; e veio, depois do Colapso da URSS, em 1991, a Federação russa de vários países considerados repúblicas, mas que, de Democracia tinham, todos, pouca prática. No mundo das Cristandades católicas ou protestantes do Ocidente, houve um Caso típico ‒ o da Grã-Bretanha ‒ que desde 1215, mediante o Tratado de João-Sem-Terra, o Rei, com os nobres dos condados, começou a experiência das práticas da Democracia, até se fazer uma Nação, como o U.K. de hoje, que, através de um simples Referendo, pôs fim à ‘Domi-nação imperialista/burocrática’ da U.E.. E há o Pseudo-Império (império económico e financeiro dos USA, no Novo Mundo, que, em 1776, os ‘Pais Fundadores’ quiseram constituir como República Democrática, através de uma Constituição ‘blindada’. Seja,
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aqui, anotado, en passante, que a U.E., ao adoptar o Neoliberalismo capitalista global/selvagem, nas 2 1as décadas do séc. XXI, não só destruiu o seu modelo geométrico-político da Confederação de Estados, como dissolveu o seu estrutural Regime Demo-crático. Em regra, na vasta órbita das Cristandades, a doutrina da Separação dos Po-deres (o político e o religioso), tem conduzido, historicamente, à convivência pacífica e democrática com uma pluralidade de religiões, que facilmente se integram na Ordem do Estado-Nação. No chamado mundo islâmico, os caminhos são outros, sobretudo se a maioria da população é praticante da Religião islâmica. Aqui, os Regimes que mais têm vigorado, ao longo da História, são os impérios e as monarquias. Quanto aos primeiros, basta lembrar o Império Otomano, que o general Kemal Ataturk, em 1923, transformou numa República Turca, ‘à la française’, e que o actual presidente Erdogan pre-tende converter, constitucionalmente, numa República islâmica!... Quanto às monar-quias, é só abrir os olhos para a Arábia Saudita e os países do Golfo Pérsico. As Repúblicas Democráticas pressupõem, na sua base, uma Cultura, generalizada, de Laicismo e Tolerância, perante as crenças religiosas e as práticas (de culto e litúrgicas) das religiões institucionalizadas. Ora, é isto mesmo que o Corão e o Islão, em geral, desconhecem e não conseguem praticar. Por isso mesmo, os caminhos repu-blicanos da Democracia são difíceis (se não impossíveis…) de abrir no mundo islâmico. Não diz o Corão que o Califado deve ser, tendencialmente, um só e universal?!... Já fizémos menção da edição inglesa do Corão (que vamos citar): ‘The Koran’ (Ed. Everyman’s Library, 1992). Na sûrah IV, v.171, pode ler-se, à puridade: “Ơ Povo das Escrituras! Não exagereis na vossa religião nem useis qualquer coisa concernente a Allah, a não ser a verdade. O Messias, Jesus filho de Maria, foi só um mensageiro de Allah, e a Sua palavra, que ele transmitiu a Maria, bem como um espírito procedente d’Ele. Assim sendo, acreditai em Allah e Seus mensageiros, e não digais que são ‘Três’. Acabou-se… é melhor para vós! ‒ Allah é um só Deus. Seja removido para longe da Sua transcendente Majestade o facto de que ele teria um filho. Isso é tudo quanto há nos céus e tudo quanto há na terra. E Allah é suficiente como Protector”. “Contra os que dizem que nós matámos o Messias Jesus, filho de Maria, mensageiro de Allah: ‒ Eles próprios não o mataram nem crucificaram, mas isso foi só uma aparência que lhes foi feita. E olhai bem! Os que discordam disso, estão ainda na dúvida; eles não têm conhecimento nenhum, a não ser prosseguir nas suas conjecturas; eles não o mataram ‒ é o que devemos ter por certo” (ibi, v.157). Na liturgia da Sexta-Feira Santa, os católicos peroravam na assembleia litúrgica (condenando a responsabilidade dos Judeus no processo de Jesus…): ‘Pro perfidis Judaeis: Te rogamus, audi nos’!... O Papa João XXIII foi o 1º a retirar tal enunciado dos textos da Liturgia católica. Na Sûrah IV, Maomé e o Islão, em geral, consideram e estimam Jesus como um dos Maiores Profetas Bíblicos. ‘ÎSA (Jesus) é o seu Nome, no Corão. Ele é a ‘Kalimat Allah’ (a Palavra de Deus). No Islão, os Profetas de Deus merecem todo o respeito! Resumamos o v.253, na Sûrah II, sobre o Amor de Allah por Jesus: É incrível que os cristãos, perante a sua actuação e obras, continuem uns a crer e outros a descrer e em conflito uns com os outros!... Efectivamente, Jesus, filho de Maria, foi investido do Espírito Santo (rûh). Não o consideramos Filho de Deus: Allah é Único (IV,171). “Não há qualquer indivíduo do Povo das Escrituras que não deva acreditar nele antes da morte, até para, no Dia da Ressurreição, ser testemunha contra os incrédulos” (S. IV, 159). Os islâmicos, seguindo o Corão à letra, aceitam que Jesus não teve pai humano conhecido e identificado, mas tal facto não o faz Filho de Deus nem Deus. Não concordam, igualmente, com a virgindade de Maria, sua mãe. Pressupõem-no como um recém-nascido que fala; e, assim, libertou sua mãe da lapidação, ‒ o que, segundo a lei islâmica, teria mesmo acontecido por ter concebido e parido sem pai humano!... Diante da Majestade do Beneficente e Misericordioso, todos nós somos escravos!... (S. XIX, 92-93). Na S. XIX, 16, é dito que Maria, ao saber, pelo anjo, da concepção virginal, decidiu obedecer-lhe e não falar do assunto a ninguém. Jesus, por seu turno, em contraste com Allah, conhece a Hora do Fim do Mundo, mas só Allah sabe o que se seguirá (S. XLIII, 61-63). (Além do Corão, que estamos a referenciar e citar, convém acompanhar as interpretações com o Livro ‘Diccionario de las tres Religiones: Judaísmo, Cristianismo, Islam’, Ed. Verbo Divino, Pamplona, 2009).
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Agora, só mais um curto Apontamento em torno da Lei Islâmica = Sharia. Actualmente, há quatro Grandes Escolas Islâmicas, que, na verdade, concernem muito mais aos ordenamentos jurídicos, do que à teologia: não porque esta tenha menor valor, mas porque é muito mais simples e sem grandes dissensões. Enumeremo-las: ‒ A Escola Hanafi (que predomina no Médio Oriente e na Índia); ‒ a Escola Maliki (que predomina no Norte e nas sociedades de África); ‒ a Escola Shafil (para a África oriental, Aden e Sudeste da Ásia); ‒ a Escola Hanbali (para a Arábia Saudita). Regra geral, estas Escolas procuram operar no Quadro da busca de um ijma = um consenso, entrosado e radicado (teologicamente) na Vontade de Allah. Trata-se (como se pode intuir) numa Sharia que procura definir e respeitar a Vontade de Allah, para toda a Sociedade Muçulmana, em termos de estabelecer e enquadrar os direitos e as obrigações de cada pessoa. Toda essa Legislação, sempre fundada no Corão e na Sunna (as regras de conduta divinamente inspiradas pelo Profeta Maomé, sem esquecer os Hadiths). Esta Árvore jurídico-legal estava concluída e completa, à volta de 900 da E.c.. Há, de facto, algumas diferenças entre os Sunitas, que são largamente maioritários no Mundo, dum lado, e os Shiitas. A Shia, que é minoritária, é oposta aos Sunitas. Os shiitas rejeitam as funções próprias da Razão humana (na formação da Consciência), e apoiam-se na Vontade divinamente inspirada do seu Imã ou Líder religioso. (Se a comparação ilustrar o facto, podemos compará-los, no Direito Ocidental, aos positivistas jurídicos, tipo Kelsen). No final do séc. X, surgiu uma teoria jurídica (= taqlid = imitação), que procurou unificar as doutrinas jurídicas, que perduraram ao longo da Idade Média e, ainda, durante os 5 séculos da Modernidade. Como é óbvio, as circunstâncias sociais e económicas foram alterando as regras e os princípios da Sharia. Foi assim que, nos Tempos modernos, foi emergindo uma Jurisprudência nova, nos campos dos contratos e crimes, os quais eram julgados e resolvidos em tribunal nãoshariano, porque esta vetava todas as formas de juros sobre o capital (riba): Nada de risco ou de incerteza nos negócios!... No fim do séc. XIX, os juízes da Sharia ficaram reduzidos às áreas da Lei da família (matrimónio e divórcio). Uma Nota curta sobre a Lei da família: o próprio Corão admite a Poligamia para os homens, limitada a 4 esposas, e se ele tiver recursos económicos para o efeito. Mas no que tange às mulheres, a Regra, sem excepção, é casar com um único muçulmano. Por seu turno, um Macho muçulmano pode casar com uma muçulmana ou com uma katabyya, i.e., uma mulher que professe uma religião revelada. O Divórcio pode ser executado por três vias principais: a) o marido, por si só, tem o poder de repudiar a mulher; b) divórcio por mútuo consentimento; c) o tribunal pode dissolver o casamento, por impotência sexual, crueldade ou deserção. O adultério ‒ como antigamente ‒ é punido pelo apedrejamento até à morte. Os assuntos e problemas, na área da Família, foram sendo alterados, devido ao impacto exercido pela Civilização ocidental sobre o quadro rígido e obsoleto da Legislação islâmica. Em 1920, na Turquia, a lei da Sharia foi abandonada com base no Código Civil Suíço. Só aí, houve esta alteração. No Egipto, desde 1913, a idade do casamento era: para os rapazes, 18 anos; para as raparigas, 16. Actualmente, foi abolido o método de Taqlid (= imitação), e começou a ser invocado o direito a reinterpretar o direito nas suas fontes originais: o Corão, e a Sunna, à luz das modernas condições de vida. V.g., na Lei tunisina, atinente aos Funcionários do Estado, em 1956, foi abolido o direito do marido ao Talaq (= repúdio). Os direitos políticos e de voto foram reconhecidos na Mauritânea, no Paquistão e na Síria. Entretanto, em todos estes modernos movimentos de Alterações às Leis da Família e aos direitos políticos, os reformadores evitaram, pelo menos formalmente, a secularização da Lei e preservaram o ideal islâmico: numa via ou modo de vida baseado no Comando de Allah!... Sem mais Comentários… Apenas um me assaltou a mente. A inércia e a conti-nuidade estereotipada da Islamic Law, ao longo de quase um milénio, são, afinal, semelhantes ao que, durante igualmente um milénio, desde 1054 (concílio geral das Igrejas ‘Ortodoxas’, sob a presidência de Miguel Cerulário, que deu origem ao chamado Cisma do Oriente), até à 2ª quinzena de Junho de 2016 (em que, sob a presidência do patriarca de Constantinopla, se reuniram, em concílio geral, todos os bispos e patriarcas da ‘Ortodoxia’), se passou, de facto, no mundo das ‘Igrejas Ortodoxas’!...
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NA MODERNIDADE OCIDENTAL: (SOB A BANDEIRA DA CONQUISTA E DOMINAÇÃO HEGEMÓNICA DO MUNDO!...):
FILOSOFIA EM FOCO! Para que serviram os Saberes e as Ciências, positivas e experimentais, numa Cultura Contraditória, bastarda, machista-patriarcal e esquizofrénica?!... N.B.: A Cultura da Potestas (sacra)-Dominação d’abord (mesmo nos Regimes Republicanos e Democráticos…) ainda perdura, hoje, desde que o Processo histórico/civilizatório patriarcal-machista teve a sua origem, desde há mais de cinco milénios e meio, ‒ instaurando as Divindades uranianas e pondo termo a quatro milénios de GILANIA (onde a Igualdade social, embora com funções distintas, entre Homem e Mulher, era prática corrente). Foi na galáxia patriarcal-machista, que ainda vige e impera, que se edificou, na Cultura e nas Ciências, o que o C.E.H.C. tem chamado o primado absoluto dos Objectos sobre os Sujeitos: a Metodologia e a Epistemologia do Objectivo-Objectualismo. Neste horizonte, como é óbvio, os Objectos (Mercadorias), no Processo do Conhecimento, como no mundo da Economia política, estão em equivalência operacional total, por sua natureza e estrutura societária, com o que os economistas e toda a gente chama e sempre tem designado, sem resistências, Capital. Nem o próprio Karl Marx e seu Amigo e Companheiro de Luta, F. Engels, tiveram esta intuição e procederam ao respectivo exame crítico (como Lutero havia reivindicado, para cada cristão, sobre a Leitura das Escrituras Sagradas): Objecto (do Conhecimento) = Capital (em Economia política). Do ponto de vista histórico/directo, o Tema é relativamente recente, no Ocidente: começou, aberta e universalmente a ser explorado, a partir dos alvores da chamada (1ª Revolução Industrial: 1720…); mas o seu embrião medieval já se encontrava nos ‘juros’ sobre os empréstimos de Dinheiro às Hansas e às Guildas: os chamados ‘prestami all’interesse’ (que a I.C.R. aceitou e legitimou, logo nos sécs. XIII/XIV). (O Islão ‒ como se viu ‒ só veio a legitimar isso, em finais do séc. XIX). N.B.: Para os que ainda padecem de dúvidas (ou têm opiniões adversas…), é preciso e urgente (mais do que tratar dos grupos L.G.B.T.) afirmar e estabelecer, solenemente, que há, de facto, no universo dos Humanos, uma Racionalidade Masculina, em contraste com a Racionalidade Feminina: e vice-versa! No Psico-Sócio-Ânthropos, a Tese enunciada assume o primado sobre a famigerada e histórica Luta (marxiana) das classes sociais, ‒ o que torna manifesta uma necessária referência aos Poderes Estabe-lecidos. Esta é uma temática, que, de tão esquecida ou ignorada, só deu relevância e o primado absoluto à ‘Luta de Classes’ e à problemática dos Poderes e do Poder.
A Racionalidade Masculina encontra-se polarizada na obtenção de Ideias/Objectos e Princípios gerais, na organização das Sociedades e na ‘Ordo Mundi’. (Assim como, outrora, o Deus bíblico, criador do Cosmos, tal como se pode ler na narrativa do ‘Génesis’). Os meios ou instrumentos, com que opera, são os símbolos ou signos (esté-ticos ou linguísticos), e, no mesmo horizonte, os objectos/mercadorias, indiciados e propagandeados, mediante sinais e símbolos, nas imagens da Publicidade, no chamado ‘Marketing’. Em confronto com a 1ª, a Racionalidade Feminina é, por princípio, omni-abrangente, e, se tem de começar por algum lado (como no Fio de Ariadne…), é sempre pelo singular e concreto, o emotivo/afectivo, o individual-pessoal, que ela principia. Ela, no seu processus, sabe que tem de começar pela boa formação dos Sujeitos humanos pessoais: por isso, ela está atenta aos pormenores e às situações sociais concretas, aos cuidados, que é preciso envolver em todo o Processus. O seu imperativo categórico é o ‘take care’!... O pensar, no feminino, presta logo mais atenção à Sensibilidade, às Emoções e aos Cuidados. Assim, colmata o fosso entre o pensar
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(teórico) e o agir-actuar. (Cf. o Livro actual e revolucionário, titulado: ‘Marginalidade e Alternativa ‒ Vinte e Seis Filósofas para o Século XXI’; coordenado por Maria Luísa Ferreira e Fernanda Henriques. Edições Colibri, Lisboa, 2016. Vide, etiam, a boa recensão desta obra, in ‘JL’, 22.6 ‒ 5.7, 2016, pp.28-29). Sócrates e Jesus, sendo, embora, homens, são personagens/personalidades cujas Mensagens são passadas e comunicadas, nas praxeis sociais/societárias (o Diálogo maiêutico, como método e princípio do Saber; e a Justiça jesuânica transmitida nas práticas sociais e no Diálogo com todos os seus ouvintes e interlocutores). Karl Marx também exibiu um modo de ser e actuar algo parecido, ao afirmar e defender o axioma (psico-sócio-antropológico), segundo o qual os Seres humanos só se individuam e indi-vidualizam em comunidade, into the Society. Os Seres humanos, enquanto Indivíduos-Pessoas, não são constituídos e organizados em Sociedades (nacionais…), por obra e graça de Agentes/Actores externos, que os irão formatar, necessariamente, como ‘cabeças de Rebanho’, conduzidas por Pastores!... É sempre, de resto, a partir da Comunidade, e do seu Interior/Consciência, que eles se constituem e desenvolvem qua tais. N.B.: Hilemorfismo Aristotélico. ‒ Para além do Discurso Dialógico Socrático (que está nas origens de toda a vera e autêntica Filosofia), a única Via legítima, válida e fecunda, do Discurso filosófico narrativo é, sem dúvida, a do Hilemorfismo Aristotélico. (Não há, mesmo, dúvidas possíveis sobre esta única Via!...). Não a do Hilemor-fismo aristotélico-tomista reivindicado pelo filósofo convertido cristão Jacques Maritain (1882-1973), (v.g., na sua obra ‘Humanismo Integral’), visto que o Hilemorfismo de Tomás d’Aquino é, tão-só, parcial, no concernente à unidade/integridade do Psico--Sócio-Ânthropos pessoal, na medida em que não abandona, (como J.M.), o Deus extrínseco e transcendente, criador do Universo. Esta temática não existe em Aristóteles. Entretanto, e mesmo assim, a Obra de Tomás de Aquino, pela sua parcial índole hilemorfista, esteve censurada e proibida de ser ensinada, meio século após a sua morte (1274), na Universidade da Sorbonne, onde era Professor!...
Além dessa recuperação do Hilemorfismo tomista por J.M., ao longo de mais de 2 milénios de predominância do Pensamento Platónico/Paulino (Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo, como base e cúpula dos Cristianismos), houve (retroactivamente) uma 2ª tentativa da recuperação do Aristotelismo, no chamado ‘Colégio das Artes’ da Univ. de Coimbra, entregue aos Padres Jesuítas em 1555. Aí, o Chefe da Orquestra de uma vasta equipa era o Pe Pedro da Fonseca (1528-1599), chamado ‘O Aristóteles Conimbricense’. As características principais do famoso Curso Conimbricense de Filosofia eram cinco (como nos elenca M. D’Almeida Trindade, tradutor (e actualizador para Portugal) da obra de Franco Amério: ‘História da Filosofia: Moderna e Contemporânea’, Casa do Castelo, Coimbra, 1952, 2ª edição, pp.72-74): “1ª Conhecimento dos humanistas, dos homens de ciência e das escolas filosóficas de mais nomeada no período do Renascimento”, entre os quais, Luís Vives e Erasmo de Roterdão. 2ª Gostavam de escrever em latim elegante, para-clássico, ao gosto dos renascentistas, o que indiciava familiaridade com os clássicos gregos e latinos. 3ª A sua preocupação central era a da Renovação da filosofia escolástica. Embora de filiação diversificada (humanistas, platónicos ou aristotélicos), diziam-se, todos católicos; mas estavam unidos no ataque à escolástica medieval, cujos docentes coevos eram de uma mediocridade confrangedora. Alimentavam uma grande simpatia pela Renascença e a ‘Filosofia Perene’, e, sob a égide de Francisco Vitória formaram um grupo à parte, que veio a constituir um forte movimento de apoio à Restauração da independência lusa, em 1640. 4ª Elegeram Aristóteles e o seu sequaz, Tomás d’Aquino, como bandeiras culturais do Pensamento do Curso. Por isso mesmo, com frequência, o seu discurso filosófico (narrativo) era acompanhado das referências à autoridade do Estagirita. 5ª Não esquecendo o apelo recente, nos alvores da Modernidade e no encalço dos Descobrimentos transoceânicos, os Conimbricenses, não só invocavam a Experiência enquanto fonte de conhecimento, como também alguns chegaram a cultivar alguma das novas ciências positivas e experimentais. Contudo, na História Geral (filosófico-cultural) do Ocidente, a tentativa aristotelizante e o seu projecto de rotura, com a tradição ideológico-cultural das Cristandades, devieram completamente frustrados e frustrantes. Por toda a parte, continuava a imperar o Dualismo metafísico-ontológico, platónico e paulino, no concernente ao Psico-Sócio-Ânthropos integral. Foi tudo um Fracasso e um Falhanço. Eles estiveram, em ter-mos ideológico-culturais, muito
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longe do Movimento protestante de M. Lutero, na Alemanha (em 1517), que foi capaz de estabelecer uma vera ruptura com a I.C.R. (aju-dado pelos Príncipes germânicos). Como é óbvio, as consequências desse Falhanço monumental repercutiram-se, ao longo dos cinco séculos da Modernidade Ocidental: 1ª ‒ Continuação da condição feminina, agonizando na humilhação e subordinação (legal…) da Mulher ao Homem-machista-patriarcalista. (Vide, ex.gr. o romance ‘Uma Senhora Nunca’, de Patrícia Müller, sobre a degradada condição da mulher, ao longo, ainda, de quase todo o séc. XX. Quetzal/língua comum, Lisboa, 2016.). 2ª ‒ Esquema estrutural/societário de Esquizofrenias foncières, resultantes, elas mesmas, da continuada existência das Religiões Institucionalizadas. 3ª ‒ Na órbita política da Organização das Sociedades: os Indivíduos-Pessoas/ /Cidadãos foram e continuam a ser transformados em simples ‘cabeças de Rebanho’, submetidos ao arbítrio/guisa dos seus Senhores e à Ordem societária, imposta pelos seus Chefes. 4ª ‒ Na ordem da chamada Economia política, as Contradições Estruturais persistiram, ao longo de toda a Modernidade, desde logo, entre as duas classes sociais antagónicas: o patronato (capitalista) e o operariado (trabalhador). Se os Governos de turno quiserem satisfazer os desejos e os interesses do Capital, estão a prejudicar, necessariamente, os desejos e os interesses do Trabalho. A Contradição estrutural entre os dois campos é o alimento cotidiano, quer das Organizações patronais, quer das Organizações sindicais. Tudo… porque a Society se encontra organizada segundo as pau-tas da Potestas (sacra)/Dominação d’abord!... 5ª ‒ Constituindo-se, embora, ab initio, como áreas diferenciadas (cf., v.g. as metodologias da Ciência positiva e experimental, em R. Descartes e em F. Bacon) o que é facto é que, nos caminhos dos últimos três séculos da Modernidade ocidental, as ciências e as técnicas misturaram-se e confundiram-se… até ao ponto (sobremodo, após a II Guerra Mundial) de: num 1º momento, assistirmos à constituição da Tecno-ciência; e, num 2º momento, à constituição da chamada ‘Tecnociência de Aparelho’ (a qual, procurando ‘imitar’ o althusseriano ‘Aparelho Ideológico de Estado’ se arquitectou com todos os seus serventes, uns oriundos de saberes mais científicos, outros procedentes de saberes mais tecnológicos), no horizonte das Multitransnacionais (que fogem aos ‘impostos’ e ao Fisco, com todos os argumentos, tanto nos países de origem, como nos de chegada). 6ª ‒ O Resultado de toda esta caminhada perversa (extremamente objectivo-objectualista…) foi a dissolução ou a perda da orientação e do comando do Aparelho Político do Estado-Nação, com a sua necessária e indispensável Autonomia Soberana, em Regime Democrático, e com todos os seus Poderes sufragados, em eleições perió-dicas, pelos seus Cidadãos. Assim, a Pirâmide societária (sócio-económica e política) foi completa e estruturalmente invertida. Até quando seremos vítimas desta marcha (historicista…) contraditória, bastarda e perversa?!...
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SOBRE A MODERNIDADE, NA HISTÓRIA DO OCIDENTE, HOJE EM VIAS DE MUNDIALIZAÇÃO!... (ERROS GRAVES PSICO-SÓCIO-ANTROPOLÓGICOS NA CONCEPÇÃO DA SOBERANIA DOS ESTADOS NA MODERNIDADE OCIDENTAL) N.B.: Enumeremos e formulemos os dez ERROS GRAVES fundamentais, que, na Praxis sócio-histórica e no tradicional Processo civilizatório ainda em curso, datam, afinal, de há cinco milénios e meio, muito embora a sua teoria/doutrina tenha começado a ser formulada e enquadrada, modernamente, a partir do ‘Leviathan’ de Thomas Hobbes (1588-1679).
1º Erro: Conceber e formatar a Soberania dos Estados, como se eles fossem Singularidades metafísicas, dadas de uma só vez e como Realidades Absolutas. 2º Erro: Pôr as Religiões Institucionalizadas em ‘epokhé’ husserliana, entre parênteses (num qualquer Limbo): a) seja mediante a absorção das R.I. na Identidade singular do Estado; b) seja pela simples rejeição das R.I. como algo de espiritual e sobrenatural, com que não deve contar o vero Processo histórico temporal/terreno. (o ‘De Civitate Dei’ de Aurélio Agostinho pode ajudar a inspirar e fundar tal concepção). 3º Erro: As origens sacras de todos os Poderes e, a fortiori, do Poder Soberano (cf. ad Rom.:13,1), Os Estados soberanos copiaram das Escrituras Sagradas o carácter sacro e sacrossanto de todos os Poderes. Por isso mesmo, eles nunca previram, até ao presente, a necessidade histórica da ultrapassagem e dissolução das R.I., num Regime autenticamente Republicano e Democrático, onde a Potestas procede, directa-mente, do Povo, mediante eleições e sufrágios democráticos: ‘Vox populi = Vox Dei’!... 4º Erro: Ora, mesmo em Regimes Republicanos e Democráticos, com eleições e uma clara concepção de que o Poder, na sua fons et origo, reside no Povo, essa chancela sacrossanta da Potestas não desapareceu totalmente. 5º Erro: O odre, em que as Soberanias dos Estados foram constituídas e formatadas, foi sempre, até ao presente, o da sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord, onde vigora, hegemonicamente, o paradigma específico do ‘Homo Sapiens tout court' e os modelos correntes das ‘Sociedades de Rebanho’. O sociólogo/filósofo alemão Max Weber deu-se conta desta Realidade (sem tirar consequências criticistas…), no seu Livro, bem conhecido, ‘La Domination’ (Éd. La Découverte/’Politique & Sociétés’, Paris, 2013). 6º Erro: Desta sorte, foi completamente desconhecido e posto de parte o vero e autêntico paradigma da ESPÉCIE HUMANA: o do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. Ao mesmo tempo, foi esquecida e ignorada a Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial, que é a Característica do Psico-Sócio-Ânthropos integral e completo. Por isso, na História cívica e política do Processo civilizatório, se tem falado e discutido, apenas, essa realidade fruste do 'Livre‘Arbítrio’, que outra coisa não é senão o Pêndulo de Foucault: a ‘lei do pêndulo’!... 7º Erro: O Poder Soberano de um Estado/Nação nunca é um Poder Absoluto, diante das veras e genuínas Pautas ético-morais do Psico-Sócio-Ânthropos. 8º Erro: Nem o Poder de Deus (uma realidade, que só no Imaginário humano nos é dado encontrar, visto que ‘Deum nemo vidit unquam’: Jo.1,18) é absoluto, por-quanto a sua sede própria é na Consciência dos Seres Humanos, qua tais.
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9º Erro: A vasta pluralidade dos Estados/Nações da Terra (A O.N.U. conta ca. de 195…) constitui um Factum sócio-histórico real; e é incontornável o imperativo categórico político de os tratar, a todos, em-pé-de-igualdade jurídica (v.g. na Ass. Geral das Nações Unidas: uma Nação/Estado = 1 voto). Ignorar tal Factum é apostar (implícita ou explicitamente…) na Guerra e na Violência, para resolver os problemas (situa-ções ou instituições) político-societários. 10º Erro: A chaveta pan-envolvente dos nove Erros Graves anteriores reside, precisamente, no Erro Grave (nas condutas e nos comportamentos humanos…) do Monismo Epistemológico, que tem a sua raiz e origem nas ciências físico-naturais, como se elas fossem o único campo dos Saberes científicos. Ora, em confronto com esse campo, há um outro: o das ciências psico-sociais e/ou humanas. Por isso, o C.E.H.C. professa, desde os seus inícios (1995), sem ambiguidades, o DUALISMO EPISTÉ-MICO. Se não seguirmos esta Via, incorremos no ‘pecado original’ das Ciências: a religião laica do Objectivo-Objectualismo.
Quadro sinóptico para facilitar a percepção e a concepção originais do Moderno e da Modernidade. Os desígnios fontais ‒ como veremos ‒ eram os da Emancipação e Libertação dos Humanos, em Sociedades adultas e autónomas. A) Os ‘Tempos Modernos’ (Romano Guardini) foram chamados, justamente, nos Alvores da Modernidade, ‘Tempos Novos’, por contraste com os Tempos Antigos e Medievais. O que, verdadeiramente, estava em causa, era um novo modo de conhecer, sentir e ser, de que os Humanos se poderiam apropriar. A partir dos Descobrimentos transoceânicos, iniciados pelos povos ibéricos, e do Fenómeno Europeu do Renascimento (que se conjugou com o 1º factor), a ruptura foi instaurada. B) Ao longo de quatro a cinco séculos de Modernidade, de marcas conquistadora/dominadora, colonizadora e sob o imperialismo hegemónico do Ocidente, sobre o Planeta inteiro, as contradições (societárias), os desvios, roubos e perversidades de toda a sorte, procedentes do primado, atribuído à ‘Nova Ciência’, e às novas Tecnologias demiúrgicas, ‒ tudo baseado na nova religião laica do Objectivo-Objectualismo ‒, cavaram, em profundidade, Sistemas ininterruptos de Crises Graves e de novos problemas, considerados, então, sem solução, como o da escravatura. Bartolomé de Las Casas e a Univ. de Salamanca, num pequeno grupo, tomaram a posição certa, como o Pe António Vieira, um séc. depois. Mas só em meados do séc. XIX, através do Movimento abolicio-nista, começou, na Albion, o Julgamento crítico, em Tribunais, da Escravatura (que era, principalmente, dos negros africanos, com o apoio dos seus régulos…). C) Essa evolução descontrolada e contraditória, sem destino certo, ao longo da Idade Moderna, chegou ao ponto de, no último quartel do séc. XX e 1as duas décadas do XXI, se tornar evidente e manifesta a emergência de uma Nova Era, a que o CEHC deu o nome (para evitar confusões…) de ‘Pós-Modernidade positiva e crítica’. O Livro inteligente e crítico de Miguel Baptista Pereira (Univ. de Coimbra): ‘Modernidade e Tempo’, centrado na problemática enunciada no subtítulo do Livro: ‘Para uma Leitura do Discurso Moderno’ (Ed. Livraria Minerva, Maiêutica/2, Coimbra, 1990) é um dos grandes clássicos indispensáveis para a iniciação de uma aborda-gem adequada da Modernidade Ocidental. ‒ A 1ª tomada de consciência do Moderno e da Modernidade teve, oficialmente, o seu lugar, no séc. XVII, na bem conhecida Polémica ‘Querelle des Anciens et des Modernes’, desencadeada em 1687, numa Sessão da Academia Francesa, e que veio a prolongar-se por mais de duas décadas. No aceso da Discussão, colocava-se o Acento tónico no Primado do Presente (como sempre acontece em tempos de Ruptura com o Passado ou em circunstâncias de calamidades naturais). Acento tónico, pois, no Presente e, afinal, no valor do Homem (Humano, como diríamos hoje!). Seja aqui recordado que, até no Salmo bíblico 81,6, o Homem é avaliado como Ser divino. No entender de Voltaire, o importante e decisivo, na ‘Querelle…’, era o imperativo categórico de o homem se libertar de todos os preconceitos e, ao mesmo tempo, ser sensível ao mérito reconhecido dos Antigos e dos Modernos. Sem uma avaliação crítica, em qualquer discussão ou confronto, não se vai a lado nenhum!... Para Francis Bacon (o autor do ‘Novum
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Organum’) o homem era deus para o homem, ‘non solum propter auxilium et beneficium, sed etiam per status comparationem’ (in ‘Novum Organum’, I, 129). ‒ A noção de Progresso emergiu do conhecimento do não-simultâneo, que, entretanto, ocorria no mesmo tempo cronológico. Essa é, todavia, uma noção ambígua, uma vez que, segundo Aristóteles, prova demasiado: ‘quod nimis probat nihil probat’: no reverso da medalha, pode implicar o postulado de que não se podem comparar, verdadeiramente, civilizações, sociedades, culturas, etnias. Em boa parte, os Descobrimentos marítimos de Quinhentos e Seiscentos são a demonstração disto mesmo. As sucessivas Revoluções do Ocidente: Reforma Protestante, ‘Glorious Revolution’ britânica, Revoluções culturais ‘des Lumières’, ‘Aufklärung’, ou, em geral, Iluminismo (no séc. XVIII), ‘Revolução da Independência’ Norte-Americana, Revolução Francesa: Todas estas Revoluções trouxeram-nos, no seu alforge sócio-histórico, um Ideário/Programa de Novo Projecto de Sociedade, para os ‘Tempos Modernos’, de índole acentuada e exigentemente Humanista, polarizado ‒ como cumpria ‒ nos Sujeitos Humanos qua tais, não nos Objectos/Mercadorias, transaccionados no Mercado, cínicamente dito ‘livre’. O resultado deste baralhanço perverso e enganador procedeu da hegemonia do Egoísmo foncier, do primado absoluto atribuído ao Capital e ao Sistema capitalista e, na base de tudo, da instauração dessa religião laica, a que o CEHC dá o nome (acertado!) de Objectivo-Objectualismo. Ora, este princípio subjaz a todas as R.I., as quais, proh dolor!, persistem, sem discussão, caucionando, em absoluto, a Cultura tradicional e corrente do ‘Homo Sapiens tout court’ e das suas ‘Sociedades de Rebanho’. Essas Revoluções trouxeram-nos, assim, Grandes Novidades: os ibéricos e os Humanos europeus, em geral, descobriram que, afinal, o Mundo era muito mais vasto e diferente do que imaginavam. A cartografia e os mapas do mundo, nos sécs. XIV-XVI, estava a ser alterada e completada, constantemente… Ao descobrirem esse Mundo vastíssimo, os Humanos ocidentais começaram, mediante os saberes de Experiência feitos, a encontrar outros meios de acesso aos mundos da sua Subjectividade e Interioridade. Um dado histórico muito significativo: na paradigmática Rev. Francesa (que, a bem dizer durou de 1789 a 1799), logo após a Tomada da Bastilha, a Ass. Geral (constituída pelos 3 estados ou ordens societárias) aprovou a ‘Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão’ e inseriu estes Direitos no preâmbulo da nova Constituição Republicana em 1791/1793, uma vez dissolvida a Monarquia, liderada por Luís XVI. Entretanto, na 2ª metade do ‘século das Luzes’, com um forcing considerável da Reflexão crítica filosófica, começou a emergir, nos horizontes da Cultura, o que veio a chamar-se ‘IIª Modernidade’; o principal Filósofo/fonte desta nova Época foi, incontestavelmente o alemão Immanuel Kant, com o seu método do Criticismo Filosófico. No seu opúsculo sobre ‘A Paz Perpétua’ e nos trabalhos criticistas sobre Ética/Moral, I.K. é, justamente, um Caso notável do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. F. Nietzsche, a partir de 1880, e no encalço da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, não só aprofundou o Ideário e o Projecto da Rev. Fr., como também, continuando, culturalmente, a ‘II Modernidade’, procurou proceder ao balanço criticista dos próprios Valores da ‘I Modernidade’, que já estavam a ser largamente degradados pelos efeitos contraditórios e nefastos da chamada ‘Revolução Industrial’ (a partir de 1720). Depois de todas estas tentativas de salvar e salvaguardar a semântica autêntica da Modernidade, que veio a acontecer?!... O malogro da ‘Revolução dos Povos’ (1848); a destruição da Comuna de Paris (1871); a I G.M., em 1914-1918; a ‘Revol. de Outubro em 1917, com Lénine a admitir instaurar o Bolchevismo, que não veio a ser Socialismo nenhum… mas, pura e simplesmente, ‘capitalismo monopolista de Estado’ (J.K. Gal-braith dixit, na década de ’60 do séc. XX). Veio, depois da ‘Great Depression’ de 1929-1931, o Nazismo hitleriano imperialista e a II G.M. (1939-1945). A seguir, a partir do Tratado de Roma (1956), começa a constituir-se a C.E.E. e, uma dúzia de anos mais tarde, a U.E., que, com o actual ‘Brexit’, está a dar provas de ruína/rotura iminente!... Entretanto, não só continua o perverso, contraditório e nefasto Sistema capitalista, na sua fase mais demencial (o Neoliberalismo capit. global…), como são as Multitrans-nacionais a copiar ou a imitar os Aparelhos de Estado e a tripudiarem, objectiva-objectualmente, sobre tudo quanto é GENTE HUMANA!... As inércias societárias são infernais e mortíferas!... Deveria saber-se isto há muito…
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Kant, Nietzsche e Marx constituíram as personagens mais eminentes, os veros pais da chamada ‘II Modernidade’, que, afinal, não veio, historicamente, a ter o seu lugar. Por quê? Porque a Ciência e a Técnica começaram, cedo, a misturar-se e a confundir-se. Porque a Tecnociência (já sem hífen separador), tornada primacial e primordial, segundo o tradicional e estafado catecismo do Objectivo-Objectualismo (indiciado pela dogmática da I.C.R. e pela especulação da Escolástica medieval…), enquanto cartilha predilecta das Multinacionais, se tornou, num 1º momento, universalmente tolerada e admitida, e, num 2º momento, se converteu em ‘Tecnociência de Aparelho’ (como se fora um ‘novo modelo’ de Estado/Nação). Por isso mesmo, já não há, hodierna-mente, Estados/Nações substantivos, considerados em-pé-deigualdade, uns perante os outros. O que é substantivo são as Multi-transnacionais, ao serviço das quais funcio-nam os Estados/Nações. As oscilações das Bolsas e as Agências de Rating é isso que significam. As contradições e as crises são o pão nosso, que o Diabo vai amassando… ‒ Podemos agora interrogar-nos: Por que viemos a seguir um Caminho tão errado?! Em última instância, porque o Ocidente hegemónico e as Sociedades humanas, em geral, prosseguiram na órbita dos Dualismos metafísico-ontológicos de Platão e de Paulo: no horizonte do Mecanicismo cartesiano, na metodologia/epistemologia das ciências positivas e experimentais da Modernidade, em lugar de prosseguir no horizonte de Francis Bacon e da obra humanística de William Shakespeare. Miguel Baptista Pereira, no seu Livro (já citado) faz, em termos sintéticos, um resumo genérico definitório da Modernidade, como segue (pp.37-38): "Na gramática da Ruptura inaugural, que é a Modernidade, distinguem-se termos-chave, que valem como linhas orientadoras da consciência moderna, as quais deram configuração ao rosto europeu: secularização [que já estava no Jesuanismo original: o casamento do futuro Rei Jesus com a princesa pagã Maria, a Madalena, a da ‘Torre’], crítica, progresso, re-volução, desenvolvimento e emancipação” (O itálico é nosso). ● O ERRO-CATEGORIA, ou Vício fundamental, da Cultura do Ocidente consistiu no que o CEHC tem chamado (com frequência), como Via metodológica e epistémica, a religião laica do Objectivo-Objectualismo, aliada, incontornavelmente, ao sistemático Monismo Epistemológico (radicado, stricto sensu, nas chamadas ciências físico-naturais). Por paradoxal que possa parecer, foi por isso mesmo que foram, historicamente, escandidas e separadas, em termos cronológicos, as duas clássicas revoluções sociais: a) a democrático-republicana; b) a socialista. E a maior parte dos histo-riadores modernos não chegou a descortinar e a tornar consciência crítica deste Factum monumental… Muito provavelmente, porque estariam a pressupor que o Socialismo se poderia arquitectar, como regime político-económico, sem DEMOCRACIA!... A Igno-rância e a Estupidez atingem, por vezes, certas alturas… que a Gentes perdem o pé à Realidade!... Ora, a Revolução Republicana/Democrática e a Revolução Socialista constituem duas Revoluções, que a Realidade sócio-histórica exige serem geminadas. É que o Ideário Socialista não se edifica a não ser, em Regime democrático, a partir dos Sujeitos Humanos/Pessoas/Cidadãos, livres e responsáveis, ‒ não a partir de programas objectivoobjectualistas, impostos por Governos elitários, e sem, sequer, qualquer espécie plebiscito ou referendo. Foi, justamente, por não ser conhecida esta Teoria/Doutrina, psico-sociológica, que, em Politologia, nos últimos três séculos, se pressupôs ‒ erradamente ‒ que o Sistema capitalista era compatível com o Regime Democrático, ao passo que, do Socialismo, se dizia, correntemente, que não. Teias que o ‘Império’ tece!... A fusão/geminação das duas revoluções foi, curiosamente, demonstrada na própria SócioHistória das Sociedades ocidentais: foi prenunciada, no séc. XV, pelos hussi-tas germânicos (partidários e seguidores de João Huss, que foi queimado na Fogueira da Inquisição, na Boémia e na Morávia). No séc. XVI, já nos inícios das ‘guerras de religião’, a mesma Ideia política mantém-se inalterada, embora com os cornos embolados. É, assim, forçoso constatar que a doutrina das duas revoluções geminadas tem os seus avatares na Cultura do Ocidente: ela
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constitui o postulado político e sócio-antropológico de uma Modernidade criticista e bem esclarecida. Ora bem, o que impediu e criou todos os obstáculos a essa Marcha sócio-histórica, foi o Sistema Capitalista inveterado e irredento, nas estruturas societárias vigentes e imperantes. Foi ele que impediu a concretização da vera e autêntica História das Sociedades humanas. Os dois Argumentos principais foram: A) A sempiterna permanência/continuação (historicista) da Cultura do Poder-Dominação d’abord. B) A permanência/continuação do padrão (falso e ilusório) da Espécie como ‘Homo Sapiens tout court’: Há Pastores, de um lado, e ‘cabeças de Rebanho’, do outro. Eis por que, hodiernamente, depois de todos os Enganos astuciosos dos Poderes Estabelecidos, depois de todas as Contradições societárias (de classes e outros…), depois de todas as imposturas/imposições dos ‘gadgets’ da Tecnociência, depois de todas as artimanhas dos Capitalismos modernos, o Caminho Novo, que se tem de abrir à Humanidade, é imperioso que tenha de chamar-se ‘nomine novo’: Pós-Modernidade positiva e crítica (C.E.H.C.). A prova crítico-histórica de um tal Postulado pode aquilatar-se e ser avaliada no Facto sócio-histórico da ‘Emergência da IIª Modernidade’, destinada a efectuar correcções estruturais, na Teoria e na Praxis societária. O processus teve início, na 2ª metade do séc. XVIII e culminou, teoricamente, na Obra de I. Kant; prosseguiu, no último quar-tel do séc. XIX, no concernente à Praxis, com a ‘Comuna de Paris’, que resultou frustrada; no que diz respeito à Teoria com a Obra filosófica de F. Nietzsche. Esse Facto foi, no entanto, assumido como um paradoxo sem sentido, e com muito desdém, por parte dos adeptos das Tecnociências conquistadoras e seus serviçais teóricos hegelianos, que não abandonavam, de modo algum, o catecismo do ObjectivoObjectualismo; e, por essa razão, eram incapazes de conceber o Processo histórico sem os estigmas do Determinismo histórico (que procedia, directamente, das práticas hegemónicas nas cha-madas ‘ciências físico-naturais’). Karl Marx e Friedrich Engels, uma vez que se enquadraram, ab initio, na ‘Esquerda hegeliana’, e o próprio Marxismo como Doutrina, acabaram, também eles, por conceber o Processo histórico, com as suas características estruturais do Determinismo histórico. Assim, os Enganos e as artimanhas puderam prosseguir o seu caminho. Desta sorte, o vero Curso da SócioHistória, tanto na 2ª metade do séc. XIX, como ao longo de todo o séc. XX, continuava a ser iludido e torpedeado. Em tal horizonte, as famigeradas revoluções marxistas do séc. XIX (1848, 1870-71) não puderam, de todo, ser bem sucedidas; as que tiveram lugar no séc. XX, ‒ aconteceu-lhes o mesmo. John Kenneth Galbraith (na década de ‘60 do séc. XX) tinha toda a razão ao esclarecer e classificar tais revoluções como tendo, apenas, um projecto: instaurar ‘o capitalismo monopolista de Estado’, ou seja, uma nova (velha) variante do Sistema capitalista. Eis, aqui, por conseguinte, o Diapasão crítico (definitivo…) das rupturas necessárias nas designações das épocas e eras históricas: à Nova Idade, começou o C.E.H.C. (desde 1989/91) a chamar ‘Pós-Modernidade positiva e crítica’. Hoje em dia (2016) permanece a mesma confusão… Toda a gente (desde as elites às massas e ao vulgo) prossegue falando do ‘Moderno’ como sinónimo de ‘novo’ e ‘bom’ e ‘salvífico’, carreando, aparentemente, consigo a emancipação!... Quanta ilusão e ignorância… ‒ Já falámos desse Marco miliário, que foi a ‘Querelle des Anciens et des Modernes’ (1687…), que, no seu tempo (séc. XVII) teve, em França, um impacto forte, de índole psico-sociológica e cultural. Nos horizontes dessa Grande Discussão Académica, se a ‘primeira Modernidade’ insistia no ‘Tempo Novo’, enquanto ruptura com o passado, e acentuava a ideia de Progresso (cf. M.B.P., op. cit., p.12, p.27), insistia na História, no Desenvolvimento, na Evolução, nesse ‘complexo de Deus’, que levou o Homem a pretender (com o apoio da Revelação bíblica hebraica) transformar radicalmente o Mundo; a chamada ‘segunda Modernidade’ viu-se forçada a (ibi, pp.33-34) proceder à crítica dos próprios Valores endeusados da Modernidade: Idolatria ‒ uma situação análoga à descrita no Exodus, 32:1-6. Dir-se-ia, assim, que estávamos perante um corpo novo, mas em rotura com a sua alma a definhar!... A partir de 1830, o Marxismo veio, aparentemente, aportar essa alma (nova…), que definhara. Mas foi uma solução paradoxal: ao pretender unir as duas partes (separadas…) da
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Modernidade, ‒ união que só podia ser efectuada mediante a recuperação das forças/fontes da Subjectividade humana (ibi, p.18), a odisseia do Marxismo e das Revoluções sociais resultou gorada, uma vez que apostou, apenas, nas mudanças (mecanicísticas) dos novos figurantes (do Grande Teatro Social do Mundo!...), que vieram a ocupar as ‘cadeiras’ da Potestas-Dominação d’abord. Nessa mesma galáxia/descaminho, nem os Graves Problemas da Ecologia do Planeta Azul começaram a ser identificados e resolvidos; e, desde a década de ’60 do séc. XX, já se falava numa nova era geológica, a adicionar ao oligoceno, ‒ o chamado antropoceno, como resultado directo da intervenção transgressora dos humanos e do processo civilizatório adoptado. Nesta ordem (desordem) de ideias, continuaram, Governos e Sociedades, a formatar, apenas, empregados/desempregados do mundo, dirigido por elites irresponsáveis, não Cidadãos livres e responsáveis, planetariamente responsáveis, em Tempos de Globalização. A Realidade actual do Mundo acha-se de tal maneira desconjuntada, contraditória e perversa, que os bons pensadores não se cansam de clamar, conclamar por uma Globalização Alternativa (de harmonia com as exigên-cias humanas fundamentais e o bom estado da Terra). Proh dolor, o que predomina, hegemonicamente, ainda hoje, é a estafada cartilha (capitalista…) da acumulação de teres e haveres, do enriquecimento, sem limites, per fas et nefas, mais produtos e mais mercadorias. Tudo se vende e compra. Ora ‒ como é sabido ‒, os Consumidores preocupam-se com o Ter; a Ecologia com o Ser. Desta sorte, a Contradição Estrutural agiganta-se: os próprios Humanos, em geral, forçados às condições em que sobrevivem nas sociedades, tornam-se, foncièrement, Esquizofrenados: num horizonte, os Objectos/mercadorias (tanto no plano da teoria/conhecimento, como no da praxis societária); noutro horizonte, os Sujeitos (todos entre parênteses, ou cada um encerrado, solitariamente, em sua casa). A pan-envolvência da Problemática Ecológica (que já assomava, junto de Grupos académicos mais iluminados, nas décadas de ’60 e ’70 do séc. XX) só muito recentemente, no 1º quartel do séc. XXI começou a atingir as próprias massas das popu-ações (v.g., agricultores a cultivar a terra, por conta própria…). Ora, essa mesma ideia penosa e crítica ‒ mas, em geral, feliz e fecunda… ‒ tornou-se ruinosa e mesquinha, nas cabeças dos empresários capitalistas ou ‘socialistas convencionais’, nas cabeças dos políticos de quase todos os quadrantes partidários. Consumidores de todos os Países, uni-vos!... Glosando o slogan marxista, neste caso concreto, temos de continuar a interrogar-nos, posteriormente: Para quê e por quê?!... Ora, sem instrução e educação adequadas, metralhados pelo Marketing e pela Publicidade contínua (que nos roubam o descanso e a sensatez e nos sequestram o subconsciente…), já não somos consumidores; somos, outrossim, zombies, consumidos e devorados pelos ‘donos deste mundo’. Já não somos nós que temos os objectos; são os objectos que nos prendem e detêm a nós (que éramos os Sujeitos!...). Onde está o que resta da Autonomia dos Sujeitos/IndivíduosPessoas/Cidadãos?! Na galáxia do Sistema capitalista (sem freio), o que vigora é a competição desenfreada e o marketing; a ‘struggle for life’ darwinista, que Darwin não adivinhava assaltasse, assim, as sociedades humanas!... Hoje em dia, as Pessoas (mesmo na diligência da procura de emprego…) já não são avaliadas pelo seu modus essendi, mas pelo seu modus habendi. Ter sempre mais é o imperativo categórico de toda a gente que se preze, nesta Society, que habitamos. Não estamos, obviamente, contra as possibilidades de os seres humanos trocarem, cada vez mais, o trabalho duro e penoso (o que é cada vez mais facilitado pelas novas tecnologias…) pelos lazeres e ócios, a, em consequência disso, se sentirem mais disponibilizadas para o trabalho intelectual e de progressão nos Conhecimentos. O Grande Axioma antropológico consiste nisto: Nunca abandonar as Exigências do Ser, pela simples acumulação e amontoamento agigantado do Ter!...
● Das características essenciais da Modernidade Ocidental (na vertente da Organização Societária)
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‒ Desde a publicação da Obra/padrão emblemática de Thomas Hobbes (1588-1679): Leviathan (vd. edição de 1946), que pretendeu fundar o Poder soberano dos Estados, à rebelia (pondo-as entre parênteses…) das Religiões Institucionalizadas (ou, simplesmente, ignorando a sua existência…), ‒ a Modernidade não teve (não en-controu…) outro caminho senão o mecanicístico-materialístico e as suas inerentes e es-senciais Contradições estruturais, daí decorrentes: René Descartes venceu sobre a Obra de Francis Bacon (‘Novum Organum’), bem como sobre o sentido humanístico das Obras literário/filosóficas do Grupo (dos 7 a 9) de F.B./W.S.). Thomas Hobbes é um adepto ferrenho e fervoroso do Despotismo, enquanto forma de Governo e de Administração Pública. (Ainda não despertara para a Demo-cracia, como J.-J. Rousseau, no séc. XVIII, na sua obra célebre ‘O Contrato Social’, nem adoptara o cinismo político do tipo de N. Machiavelli (1469-1527) na sua obra ‘O Príncipe’). Curiosamente, o seu vero e completo perfil (ideológico-cultural) é-nos facultado e garantido pelo segundo parágrafo da ‘Encyclopedia International Groliers’/New York (1974), exactamente como segue: “He is best known for his Leviathan, in which he presents the state as a gigantic artificial man (Leviathan), a device necessary for peace, whose brain, the sovereign, enjoys an absolute authority over its members, the subjects. This authority is derived from a covenant between each subject and every other, by which they agree (1) to surrender to sovereign their unlimited natural rights and to be content with such legal rights, as he shall see fit to grant them for the preservation of peace and (2) to authorize all the acts of the sovereign, thus conferring on him the power to enforce the covenant, which otherwise would be invalid. The one right the subject cannot surrender is that of defending his own life”. Ditadura, claro. Mas o Soberano não é mesmo absoluto, visto que o cidadão pode querer usar o seu direito natural, na operação de defender a sua própria vida. Estamos, porém, muito longe do Contrato Social de Rousseau e da sua noção democrática básica de que a origem do Poder reside no Povo, e é dele extraída mediante o sufrágio universal. Em lugar de Contrato (entre pares, por definição…) T.H. utiliza o termo Covenant = Aliança, ‒ o que, semanticamente, não está longe da Aliança vetero-testamentária de Iahwéh com o seu Povo, os Hebreus, chefiados por Moisés. ‒ Ou seja: Antes da formação/instauração do Estado, e da organização do Poder soberano, as sociedades humanas eram uma Selva!... Não utilizou, afinal, J.-J. Rousseau o ‘Bon Sauvage’, como prelúdio ancestral ao seu ‘Contrato Social’?! Essa Selva ancestral e anterior é bem significada na sua máxima predilecta bem conhecida: ‘Belllum omnium contra omnes’!... Ou, em linguagem mais popular e generalizada, ‘homo homini lupus’ → o homem, lobo do seu semelhante!... O que se pretende transmitir, com tais ‘loguia’, é o Sentimento original do Ódio e da Desconfiança; ‒ exactamente o oposto do Amor/Amizade e da Confiança. Até os bons economistas, no concernente às transacções comerciais, aos contratos e aos Negócios, o que eles promovem, à cabeça, é a necessária e indispensável CONFIANÇA dos cidadãos, uns nos outros! Mas isto é, antes de haver Sociedade… Como se discorre e especula, inutilmente, sobre todos estes Problemas ab origine!... Ora, muito mais importante que todas essas especulações, inúteis e frustradas, é averiguar e saber que, ao longo da História, ainda não existem (como padrão societário generalizado), veros Seres Humanos qua Indivíduos-Pessoas/Cidadãos livres e responsáveis, como nos ordena a Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. A submissão até à condição dos escravos (os proletariados modernos e os do contemporâneo ‘trabalho precário’…) prossegue, mais ou menos legitimada; a vera e autêntica Democracia, (os autênticos Regimes democráticos), ‒ nada disso existe. Vieram, historicamente, as modernas Revoluções/padrão, a Norte-Americana (1776), para afirmar a sua Autonomia/Independência, contra as metrópoles colonizadoras; e a Rev. Francesa (1789…), para destronar a Monarquia e instaurar, definitivamente, a República. Vieram, historicamente, pensadores de bom nível como Jean-Jacques Rousseau, Voltaire, Stuart Mill, Paine, A. de Tocqueville… Entretanto, as Alterações por eles propostas não foram conseguidas. E não é uma Quaestio, apenas, das famigeradas inércias societárias!... O Problema é mais profundo e grave: é que, o que tem predominado, histórica e hegemonicamente, desde há mais de cinco milénios e
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meio, no Processo civilizatório, é a sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord. (como tem aprendido e ensinado o CEHC). Vieram K. Marx e o Marxismo ensinar e instruir os povos de que ‘a Religião é o ópio do Povo’!... Quem entendeu este parergo?... Não houve consequências; porque o próprio Autor errou o Alvo: não são as Religiões qua tais, que constituem ‘o ópio do povo’… Mas, outrossim, as Religiões Institucionalizadas, sob a cúpula de uma Po-testas divinizada no hiperurâneo platónico-paulino, como suprema Entidade transcen-dente e extrínseca ao Cosmos. Por seu turno, os Socialismos (ditos convencionais…), que advieram sob a Bandeira do Marxismo (e outras Doutrinas…) não foram outra coisa (na sua Estrutura e na Praxis societária) senão uma variante (já conhecida…) do velho/relho Sistema Capitalista. É que tudo foi conduzido e orientado, segundo o velho catecismo do Objectivo-Objectualismo (como método e como epistéme legítima…), ‒ o qual se tornou uma espécie de religião laica, comum, tanto às práticas da Tecnociência, como às práticas das R.I. em curso). Nesse processus degenerador, o Objectivo-Objectualismo foi alu-minado e norteado pelo Sol do irredento Monismo Epistémico: o que aconteceu, tanto nas práticas científicas como na organização societária. Desta triste e soturna sorte, o que, de facto, veio a prevalecer, no horizonte histórico das Sociedades Humanas, foi toda uma Construção Artificial e Falsa!... Não se evoluiu ‒ como cumpria ‒ para o patamar do vero paradigma da Espécie Humana, que dá pelo nome de ‘Homo Sapiens//Sapiens’ e que, enquanto tal, é perfeitamente capaz de se organizar socialsocietariamente, segundo a nova Gramática da Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. ● Sobre as Grandes Categorias da Modernidade. Ao falar e discorrer sobre esta Temática importante, M.B.P. (op. cit., pp.29 e ss.) enumera-as e formula-as, como segue: 1. ‒ Secularização: O processo histórico do Moderno e da Modernidade foi pouco mais que um arremedo de Fantasia ou fatiota de Carnaval… pela básica e suprema razão de que as diferentes Religiões (societariamente) Institucionalizadas persistiram, não foram contestadas nem acondicionadas (a uma Era Nova). As chamadas ‘guerras de religiões’ (que tiveram lugar em França, no séc. XVI) só confirmam o que estamos asseverando. 2. ‒ Crítica. Esperava-se, naturalmente, que as capacidades e faculdades críticas dos Humanos desabrochassem e se expandissem por todas as estruturas e organizações da Sociedade. Ora, este foi, igualmente, todo um processus gorado… Os intelectuais e académicos, que não se limitassem à condição (estabelecida) de ‘chiens de garde’ do Establishment (= ‘Law & Order’) eram censurados, depois linchados, ostracizados ou, mesmo, queimados nas ‘fogueiras da Inquisição’ (em ‘autos-da-fé’), (como aconteceu a Giordano Bruno). 3. ‒ Progresso. Muitas vezes, isso a que se dava o nome de Progresso não passou de uma repetição do Mesmo… Mas, quando se tornou facto real, foi, ipso facto, desviado de um Quadrante Humano propriamente dito. Por isso tudo, as Sociedades (ditas modernas…) continuaram a produzir pobres e carenciados de toda a sorte… e os, tão celebrados, ‘Socialismos’ não passaram das velhas/relhas soluções do arqui-arcaico Sistema Capitalista. É de advertir, com insistência, que o próprio conceito de progresso mantinha, inalteradas, as divisões e as classes sociais e as diferenças estruturais, caracterizadoras dos povos (v.g., em termos económicos e sócio-religiosos). Escreveu M.B.P. (op. cit., p.81): “O princípio da simultaneidade do não-simultâneo, que exprimia a experiência do hiato ou da superioridade entre os povos, legitimava o domínio político. [Vigorava, sem limitações, o Objectivo-Objectualismo]. Confirmava-se a validade deste princípio [do domínio político], aplicada, agora, às classes e aos estratos sociais, que o conceito de progresso dividia, segundo o grau de Evolução ou o espírito revolucionário, criando sempre uma Elite sócio-política”. Em suma, a Tensão e a Contradição entre ‘ordre et progrès’ nunca foram acareadas e apagadas!... 4. ‒ Revolução. Todos os Movimentos e Actuações, ditos revolucionários, foram atraiçoados e traídos, visto que, em resumo (e nuclearmente) nunca se saiu dos eixos estruturais/societários da sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord!... O próprio
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Marxismo (que se quis um movimento revolucionário e libertador) nem se deu conta deste ôdre estrutural de fundo, nem atentou na sua própria traição à Psico-Sócio-História, ao admitir e praticar o deletério Determinismo hegeliano. 5. ‒ Emancipação dos Indivíduos e dos Povos (= subida ao patamar da Evolução da Espécie, que dá pelo nome de ‘Homo Sapiens//Sapiens’, contra o anterior padrão do ‘Homo Sapiens tout court’), foi um processus, igualmente, atraiçoado e traído. I. Kant, nos inícios da IIª Modernidade, bem preconizou, com acerto, a passagem e a transformação da condição humana de menoridade à condição humana de Maioridade. Ora, este foi, de facto, um programa lendário, que ficou esquecido e escorraçado na arca dos mitemas da Mitologia moderna!... 6. ‒ Desenvolvimento e Evolução (das Sociedades modernas e do Psico-Sócio-Ânthropos integral): este constituiu, de facto, o Canto do cisne (negativo e apocalíptico) da Modernidade, na sua base estruturadora: a sua Relação (desnorteada e mortífera) com o Planeta habitável; as viagens para o Espaço (para a Lua, para Marte… a busca de outros planetas habitáveis!...) ganharam, em termos civilizatórios, mais inte-resse do que a preservação dos climas e a Biodiversidade do Planeta Azul. A partir da década de ’70 (depois da Reunião do famoso ‘Clube de Roma’, em 1967, que pôs em causa o próprio ‘Crescimento económico’… sempre medido em termos financeiros…), a nova era geológica, a que se deu o nome acertado de ‘Antropoceno, veio a substituir o anterior oligoceno, pretendendo tornar, definitivamente, manifesto, que os males e as doenças da Terra eram, directa, ou indirectamente, o resultado dos males e doenças do próprio Processo da Civilização. Ninguém (ou muito poucos…) se haviam dado conta dos males e das doenças, que a Espécie humana e as Sociedades haviam herdado, por via da continuação e permanência encurraladas dentro do Sistema capitalista (selváti-co). ‒ Pensadores de relevo?... Claro que os houve; alguns em Grau eminente. I. Kant (17241804), por exemplo, na Quaestio Magna sobre a vera semântica da ‘AUFKLÄRUNG’, dá uma Resposta clara e solene, que procede, directamente, de dois prodígiosos antecessores seus: Wilhelm Gottfried Leibniz (1646-1716) e Christian von Wolf (1679-1754). Wolf considerava já insuficiente a tradição filosófica de Aristóteles, tal como era ensinada; e, por isso, admitia e considerava que, na Ciência, as verdades (novas) deveriam ser joeiradas, tão só, pelo Crivo da Razão. A sua tarefa máxima consistiu em sistematizar a Filosofia de Leibniz, proporcionando, desta sorte, a estrutura básica, para toda a Árvore Filosófica do Criticismo kantiano. Quanto a Leibniz, a sua Obra filosófica é um Marco miliário na história da chamada ‘Phylosofia Perennis’. Conside-ramos, afinal, que, em resumo nuclear, está tudo dito, filosoficamente falando, quando Leibniz estabelece a sua Axiomática/Princeps: “Nihil est in intellectu, quod prius non fuerit in sensibus, ‒ nisi ipse Intellectus”. O 1º hemistíquio procede do Estagirita; o 2º é de Leibniz. Ora, a célebre Resposta de I. Kant, na Magna Quaestio, foi, na verdade, tão sim-ples como complexa: Convite ao Indivíduo-Pessoa/Cidadão, a ‘Pensar por Si Mesmo’, pela sua própria Cabeça e Razão (cf. op. cit. de M.B.P., pp.41-42). Esse era, efectivamente, o caminho para a realização do Ideário da vera Emancipação/Libertação da humana Ratio, naquele horizonte e sentido da aproximação (gradual) à Razão universalizada. Nos sécs. XVI-XVII, as ‘guerras religiosas’ baldearam e transtornaram tudo… No séc. XVII, a Lectio de Hugo Grotius (1583-1645) e da famosa Escola holandesa do Direito ‘das Gentes’, que fundam a ordem social e a paz entre os Estados, no direito natural comum a todos os humanos, acabaram por não obter grandes seguidores e não começar a erguer a grande Doutrina universal do Direito. Em suma, a própria transição ou passagem dos conceitos de Desenvolvimento e Evolução para os domínios da Organização política das Sociedades e da história do Processo civilizacional, não tiveram os efeitos esperados!... ● Na IIª Modernidade (com as ajudas de Kant e Nietzsche) acabou por impor-se a Noção básica de Holismo; mas, apesar disso, através da permanência da Weltanschauung Metafísica (tradicional), sob a cartilha do Dualismo metafísico-ontológico de Platão e de Paulo, tudo foi deixado fragmentado e as partes entregues à hegemonia política, absoluta, dos detentores do Poder Estabelecido, da Totalidade, em nome dos Totalitarismos. Tudo, em última instância, continua a ser sopesado e medido pela Metafísica transcendente (que a maior parte dos filósofos, de filiação cristã, continua a distinguir e a opor ao ‘transcendental’ de I. Kant). Ora, o que é
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preciso e urgente (como foi bem pensado por Kant e, dois sécs. depois, por J. Derrida) é mesmo superar toda a Metafísica, visto que ela é a fonte de todo o pensar ideológico e mitológico. Ela constitui--se, em última análise, como cúmplice de toda a exploração e opressão (cf. op. cit., p. 120). Na verdade, toda a Modernidade operou, estruturalmente, um processus de Fragmentação das várias tentativas, operadas, de um Pensamento holístico (ibi, pp.115 e ss.). A Cultura do Ocidente entrou neste Grande Paradoxo psico-sócio-histórico: Assegurou a vigência e a permanência da Metafísica, com o intuito do asseverar, urbi et orbi, a perfeita legitimidade das ciências positivas e experimentais e da Tecno-Ciência, ao mesmo tempo que fazia profissão de não querer ofender as Religiões Institucionalizadas, os seus crentes e pontífices. Neste horizonte, foi apagada a Noção de Transcendência (por via da Tecno-Ciência), a qual permitia o caminho do Reencontro com a galáxia contrária da superação de toda a Metafísica, mediante a Descoberta identificadora da Consciência Individual-Pessoal e de uma Política veramente Humana. E, em tal contexto, emerge a neces-sidade, por parte de F. Nietzsche, de proclamar a ‘morte do Deus’ da Religião Insti-tucionalizada. (Cf. op. cit., p.123). Desta sorte, a tão conclamada, pelos filósofos ante-riores, Razão Autónoma (dos IndivíduosPessoas) desembocou naquilo a que se cha-mou o Movimento (desesperado) do Nihilismo contemporâneo. Não tivesse a ‘IIª Modernidade’ ficado atrelada e atascada nas contradições intrínsecas e estruturais da ‘Iª Modernidade’, e outra Sensibilidade e Desenvolvimento teriam ocorrido, na História posterior a Kant e a Nietzsche. Mas as elites societárias, que detêm o comando da Sociedade e da própria História (prima facie…), de regra, elas não aprendem as Lições ensinadas pelo Processo da História (até em razão da sua perspectiva metafísica, privilegiada, do Mundo…). Eis o conjunto de motivos e razões por que o Deus das religiões institucionalizadas não foi destroçado pelas objurgatórias solenes de F. Nietzsche, mas começou a ser morto, mediante as críticas iniciais, que levaram ao Colapso da Metafísica: essas críticas filosóficas foram desenvolvidas por filósofos lú-cidos e inteligentes, que acompanharam o Eixo exuberante das modernas ciências posi-tivas e experimentais, ‒ enquanto os Indivíduos humanos, esses permaneciam sem o reconhecimento (oficial) da sua Consciência e Singularidade pessoais, submetidos e acorrentados (sem querer…) ao Poderio supremo dos Poderes Estabelecidos. A Divindade religiosa estava, estruturalmente, aliada às Teologias de turno e ao Aparelho didascálico das Religiões Institucionalizadas. Ora, o vero ‘muro societário’ não se configura entre a perspectiva religiosa e não-religiosa, mas, outrossim, entre conservadores, inocentes ou maldosos, (da ordem estabelecida…) e progressistas (ca-pazes de romperem o odre dessa Ordem…). Em toda esta problemática, convém não esquecer (contrariando nisto Marx) que não é, propriamente, a Religião que é o ópio do Povo… mas, outrossim, os Poderes das R.I.. A Religião, qua tal, é, ao mesmo tempo, ópio/ilusão e arrimo/consolação dos carenciados, pobres e miseráveis (que não encon-trando a Ajuda necessária e urgente nos seus semelhantes, a procuram em entidades mitológicas que a sua Imaginação conservou!...). Assim, quer na 1ª quer na 2ª Modernidades, a Razão/Racionalidade Autónoma individual-pessoal desembocou na fossa comum… no Nihilismo (cf. M.B.P., op. cit., pp.124125). A ordem (Law & Order) sócio-política moderna foi composta, atrabiliariamente, por guerras e indústrias orientadas para os correntes fenómenos bélicos (não se conhecia senão a ‘paz de armistício’…), de um lado, e do outro, a triste realidade dos ‘Déspotas iluminados’, os quais tinham, como preocupação suprema, manter os seus súbditos na ordem. Os anarcas e o anarquismo (enquanto acção política ou doutrina) foram sempre repudiados e mandados para as prisões ou o inferno. Desta sorte, a ‘Ordem’ societária teve de se constituir no esquema de uma trempe: os ‘bons’ e os ‘maus’, e, no meio, os chamados ‘neutros’. Ora ‒ é bom saber ‒, este é o Ordenamento societário, ditado, inexoravelmente, pelo Monismo Epistémico das Ciências e pela Cultura do Poder-Dominação d’abord, na Praxis societária. O sentido último da kátharsis é a obtenção do méson (o meio termo: ‘no meio é que está a virtude’!...) (Cf. idem, ibi, pp.152-153). Depois, fala-se e discorre-se, irónica e irrisoriamente, do trágico e da libertação do trá gico, na história da CONSCIÊNCIA humana... (op. cit., pp.154155…). Ora, o que é facto, é que não se transitou, mediante a Consciência crítica de Jesus Cristo/Rei de um projecto de ‘salvação vicária’ (paulina), para uma Galáxia (nova) de Salvação
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Autó- noma. A Consciência humana Autónoma e Integral foi sempre ocultada e fragmen-tada, submetida e humilhada. Filosofia e Cristianismo (paulino) jamais se deixaram harmonizar. Como já se proclamava nos tempos de Tomás d’Aquino (em plena Idade Média), a sentença/bússola de orientação, para os dois domínios em causa, era: ‘Philosophia ancilla Theologiae’!... Desde os seus ‘Fragmentos Filosóficos’, até à sua morte, o próprio Søren Kierkegaard (1813-1855) distinguiu e separou (com clareza) o Cristianismo da Cristandade (cf. idem, ibi, pp.158-159): “É dura a sua crítica ao Cristianismo aparente da Cristandade do seu tempo, porque o verdadeiro Cristianismo é só aquele que se pode legitimar através de uma relação a Cristo em exercícios práticos, e não por introduções teóricas. A Cristandade eliminou o Cristianismo, sem ter disso clara consciência, e a nova tarefa estriba-se em reintroduzir o Cristianismo na Cristandade, não através de renovações ou reformas das instituições religiosas, mas, simplesmente, pelo Cristianismo pessoal de cada indivíduo”. ‒ É óbvio que S.K. estava, em meados do séc. XIX, a começar a intuir o núcleo duro desta Problemática essencial. Hoje, já não se trata de reinstaurar um Cristianismo criticista na Cristandade. Trata-se, outrossim, de repudiar e ultrapassar os dois e todas as Religiões Institucionalizadas, e, em consequência disso, instaurar o Movimento laico do JESUANISMO, destinado a revolucionar as Sociedades Humanas.
---------- * ---------● O que ocorreu, na 1ª Modernidade, com o projecto de Thomas Hobbes (1588-1659), elaborado no sentido da constituição do Modelo de funcionamento da Society, veio a passar-se, substancialmente, com as tentativas de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), e a sua conhecida e divulgada Teoria de ‘o Bom Selvagem’ (= ‘the noble savage’), ‒ que ele estruturou e desenvolveu, nos inícios da 2ª Modernidade, como base de Organização da Société, no seu Livro celebrado, com o título ‘Le Contrat Social’ ou ‘The Social Contract’ (1762). Há, desta obra, uma boa tradução, editada pelas Edições Europa-América (na colecção livros de bolso), com data de 1974 (data da ‘Rev. dos Cravos’ em Abril/25), e com um bom e adequado Prefácio de Fernando Piteira Santos, que constitui um bom e fiel resumo do Livro. Condensando numa Ideia central/polarizadora, em termos críticos, as duas Obrascharneira dos ‘Tempos Modernos’ (expressão cunhada pelo teólogo/filósofo Romano Guardini), que estiveram na origem da Teoria de Organização das Sociedades Modernas (a de T.H. e a de J.-J.R.), é fácil chegar à conclusão de que ambos os Autores/fundadores cometeram a mesma Falha ‘sísmica’ estrutural-estruturante, a saber: Ignoraram o Factum religionis ou puseram-no de parte. Em segundo lugar, ambos se puseram, originariamente, em busca do anterior ‘mundo selvagem’: Thomas Hobbes estabelece a sua axiomática predilecta, explicativa do processus da hominização dos humanos (antes da sua chegada à condição de ‘civilizados’…): ‘homo homini lupus’, na 1ª fase; e ‘bellum omnium contre omnes’, na 2ª fase, i.e., a do processus de humanização (para utilizar o mapa arqueológico-antropológico da Evolução). Em virtude dos dois axiomas, a conclusão do Processo civilizatório é simples: Uma vez que o homem é o lobo do outro homem, seu semelhante, e a sua tendência natural é a de estar sempre em guerra contra os outros indivíduos humanos, a Solutio é uma só: constituir e reunir os indivíduos de uma dada Sociedade, mediante uma ‘Law & Order’ autoritária e despótica. É claro que T.H. não viu, nem sequer deu conta, de que estava a fundar e a constituir uma Sociedade, na galáxia da Cultura (suprema) do Poder-Dominação d’abord, ‒ que, por definição, para assegurar uma tal Potestas sem contestação generalizada, ele tinha de a considerar sacra, i.e., oriunda do Imaginário das Religiões.
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Por outro lado, Jean-Jacques Rousseau ‒ que já nos surge na época des Lumières, ou da Aufklärung, em suma, na época das Luzes, durante o séc. XVIII ‒ já não nos carreia grandes novidades, aos ocidentais (descobridores de outros mundos naturais, tão diferentes do nosso), ao falar-nos de ‘o Bom Salvagem’!... Ab initio, todos os humanos são, ou foram, de algum modo, ‘animais selvagens’ (não definira Aristóteles o homem como ‘animal racional’? Só detinha o 2º predicado como distintivo dos restantes animais viventes!...). Mas J.-J.R. continuava a sua argumentação mais ou menos como segue: selvagens, ao princípio, todos os hominídeos precisam ser domesticados e civilizados, mediante um viver normalizado dentro da esfera da Société civilizada e portadora, para o presente e para o futuro do Processo Civilizatório. Só desta forma, os hominídeos podiam atingir o seu estádio próprio da Espécie, que se chama humanização e Civilização. ‒ Curiosamente (e sem qualquer paradoxo) as doutrinas (iluministas!) de J.-J.R. e dos Franceses conduziram, do ponto de vista histórico, mais facilmente, ao quadro ideológico da República (de uma Sociedade Republicana, incapaz de se compatibilizar com a Realeza e a Monarquia) do que aconteceu com a Nação, sua vizinha (a velha Albion, que, apesar de a Ideia embrionária de Democracia ter sido, nos Ingleses, lançada, em 1215, através da famosa ‘Magna Charta’ de João-Sem-Terra). No U.K., a Monarquia continuou até hoje!... Eis por que, se os Franceses entraram, desde a Rev. de 1789-95, no Quadro definitivo de uma República Democrática, T.H. e os Ingleses (apesar de todos os contratempos e rebeliões…) continuaram a preferir a Monarquia, até hoje. Os dois Diferendos maiores na G.B. aconteceram: A) no período de T. Cromwell (14851540), o qual, enquanto chanceler inglês, procurou satisfazer todas as vontades e desejos do rei Henrique VIII: defendeu o absolutismo monárquico, contra a Auto-ridade (democrática) do Parlamento. Ao tentar aproximar a actuação de Henrique VIII dos Príncipes alemães, foi acusado de traição e decapitado, em 1540. Mas o Anglicanismo havia nascido, através dessa geringonça… B) no período da ‘Glorious Revolution’ (1688-1689): Tudo começou com uma revolução sangrenta, desencadeada pelos actos provocatórios e arbitrários do Rei católico James II, contra as deliberações tomadas pelo Parlamento. Sete bispos que se opuseram às decisões do rei foram acusados de sedição. Foi o nascimento de um filho ao rei, em 1688 (que, possivelmente, seguiria a orientação católica do pai, contra a filha mais velha, Maria, que era protestante, que desencadeara a Revolução. Neste contexto, os Whigs e os Tories ‒ as 2 facções rivais no Parlamento ‒ uniram-se e proclamaram, em 1689, a Declaration of Rights; depois, ofereceram o trono ao Príncipe Guilherme, que veio da Holanda, e casou com a filha Mary do rei James II. O casamento (e a continuidade da monarquia inglesa) de Mary e William de Orange, e a sua aceitação da Declaração dos Direitos, acabaram por deixar tudo resolvido e em boa ordem!... A ‘Glorious Revolution’ estava terminada em 1689. Em ambos os Projectos de Organização das Sociedades humanas, até porque se havia posto inteiramente de parte o fenómeno religioso (enquanto tal e também institucionalizado…), que não foi directamente encarado e resolvido (em França, houve as guerras de religião; na GrãBretanha e U.K., tem sempre havido graves problemas políticos e bélicos, por causa das confissões religiosas, diferentes e antagónicas), ‒ o resultado sócio-histórico e político foi bem conhecido: permaneceu, sempre, a mesma Teologia do Poder de Estado, que já procedia da Antiguidade clássica e imperou, hegemonicamente, durante a Idade Média. Mais: por parte dos súbditos do Poder Estabelecido (imperial ou régio), não era conhecida outra realidade senão a sua indiscutível e incontornável condição de súbditos… muito embora, lhes fosse reconhecido o predicado corrente de ‘livre arbítrio’!... ‒ Disto falaram, tanto os Antigos (Paulo, Agostinho…) como os Modernos (Lutero e Erasmo de Roterdão, John Stuart Mill, etc….). Quanto às linhas gerais do horizonte (político/religioso) dos Modernos e às características da nova Idade (dita) Moderna, é forçoso concluir que todos (quase…) continuaram a perfilhar as origens (bíblicas) divinas da Potestas: ‘Omnis Potestas a Deo’ (Rom.13,1)… O homem/indivíduo foi relegado para uma condição de dotado, apenas, de ‘livre arbítrio’, que outra coisa não é senão a lei do pêndulo, ou ‘a carneirada de Panúrgio’ do dramaturgo francês Molière. Sintomaticamente, foi no séc. XVIII (iluminista…) que surgiu, em Portugal, o chamado ‘Teatro de Robertos’, com a sua celebrada fantochada de marionetas ou bonecos de Sto Aleixo. A Sociedade das ‘cabeças de Rebanho’ é bem expressa e manifesta nestas actividades hilariantes!...
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Chamam a isso, vulgar e abusivamente, mas de maneira pomposa, Liberdade! É um daqueles Erros/Categoria, que mantém as Sociedades humanas estagnadas e submetidas ao Arbítrio dos Poderes Estabelecidos!... O que era substantivo passou a adjectivo, e vice-versa. A palavra ‘citoyen’, que a Revolução Francesa de 1789, proclamara aos 4 quadrantes do Planeta, não passara de um ‘flatus vocis’!... ‘Cymbalum tinniens’, em situa-ções festivas. Ainda que proclamem, às massas/multidões, que o Poder vem do Povo; e adoptem, estrategicamente, o chamado sufrágio universal (assim chamado, erradamente…). Chegaram a falar (urgindo Verdade e Justiça social) de veros Regimes Democráticos!... Os pobres e carenciados continuam a aumentar, na 2ª década do séc. XXI. Mas isso é, afinal, continuar a encaminhar os Indivíduos-Pessoas e as Sociedades para a Srª do En-gano!... O que neste Discurso impera é a religião laica do Objectivo-Objectualismo!... E, não obstante, J.-J.Rousseau (que até era artista musical e alimentava essa sensibilidade de artista e uma boa capacidade de instruir e moldar os seres humanos) publicou, no mesmo ano de ‘O Contrato Social’ (1762), uma outra obra de carácter psico-pedagógico sobre a Educação: o seu ‘Émile’, onde, naturalmente, ele poderia pressentir a Evolução da Espécie humana, polarizada num longo tirocínio de Instructio/Educatio, e, daí, começar a ter em conta o postulado solene de que o Homem se faz a si próprio (na comunidade e na sociedade a que pertence): sempre mediante a companhia dos ou-tros, seus semelhantes. Mas ‒ é caso para perorar!... ‒ o ‘Tempo Oportuno’ (o ‘khairós khronos’, como diria Paulo de Tarso) ainda não havia chegado, com eficácia, aos palcos da História, da Psico-Sócio-História (da História ao 3º grau, como nós professamos e dizemos no CEHC). Por outro lado, como não era só outro catecismo que escasseava, o que é imperioso postular e concluir, como um dado absolutamente necessário e indispensável, é a total Inversão da Pirâmide societária tradicional: o que se conserva no vértice tem de ser reposto na sua base; e o que está na base da pirâmide tem de ser devolvido ao vértice. Isto mesmo era o que Vladimir Ulianov Lénine antes da ‘Revolução de Outubro’ escrevia nas suas Obras: ‘uma criada de servir poderia vir a ser Chefe de Governo’!... Depois da instalação dos ‘bolcheviques’ tornou tudo ao estádio anterior à Revolução: e o modelo adoptado não foi (sobremaneira, após a morte de Lénine, em 1924) outra coisa senão a retoma do ancestral ‘capitalismo monopolista de Estado’ (J. K. Galbraith dixit). Quando, efectivamente, é o Povo (fonte do Poder) a mandar, democraticamente, em regimes verdadeiramente democráticos, há ‒ como é óbvio ‒ limites para o enriquecimento individual e para o próprio esquema, aceitável e legítimo, dos juros sobre o capital; deixam de existir os ‘forçados’ à pobreza e à miséria dos pedintes. E as Sociedades humanas podem começar a configurar-se como modelos veramente Livres e Igualitários: em suma, socialistas e fraternos de verdade. ‒ Sim, porque o Socialismo autêntico só se edifica a partir dos Sujeitos livres e responsáveis (organizados em comunidades), ‒ não a partir de programas objectivoobjectualistas, arquitectados por eli-tes no vértice da Potestas, e que não têm qualquer percepção exacta das necessidades, elementares e estruturais, das massas do Povo, uma vez que a sua experiência de vida é a do ‘muro de separação’ dos povos!... O Erro Grave, de ordem Antropológica (psico-sócio-antropológica), que resume todos os outros erros, na concepção e estrutura do Modelo de Soberania dos Estados, na Modernidade Ocidental (que veio a propagar-se, globalmente, à escala de todo o Planeta), consistiu na admissão (expressa ou implicitada) da Weltanschauung, arcaica e inveteradamente tradicionalista, do Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo, transmitido, nas suas bases e arquitecturas, a todas as Cristandades, existentes actualmente no Mundo, mediante o Cristianismo (messiânico/redentor) do Fariseu (supostamente convertido…) Saulo/Paulo de Tarso. Foi a partir daí que se construiu a Notio peregrina da Origem do Poder (‘Omnis Potestas a Deo’: Rom.13,1). E foi, igualmente, a partir desse cincho que se arquitectou a sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord. Esse Erro Gravíssimo teve e produziu os seus efeitos deletérios, no universo hodierno (considerado omnipotente) das Tecnologias, onde só funciona a religião laica do ObjectivoObjectualismo, ‒ contra todo o Universo, lógico e harmonioso do HILEMORFISMO Aristotélico. Albert Einstein deu-se, muito bem, conta dessas perversidades da legitimada ‘omnipotência’ das Tecnologias, quando, um dia, perorou como segue: “I fear the day that Technology will surpass our human interaction. The world will have a generation of idiots.”
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“Tenho medo do dia em que a Tecnologia irá sobrepor-se à interacção humana. O Mundo deparará com uma geração de idiotas”. E o Dia chegou: Ontem mesmo (2.7.2016), as estações televisivas noticiaram a morte imediata do suposto condutor de um automóvel ‘Masda’ (completamente automatiza-do…), por força de dois embates seguidos, que ele não previu: 1º, contra um grande camião de transporte, e 2º, contra um automóvel ligeiro!... A situação dramática e trágica chegou a tal ponto, que vale a pena meditar na conclusão a que chegou a académica luso-francesa, Maria Graciete Besse, a propósito dos Contos de Lídia Jorge (in ‘JL’, 11-24.5.2016, p.9): “Os resíduos da memória afectiva são a matéria destes contos, onde Lídia se interessa pela maneira como a Sociedade gerou uma subjectividade, caracterizada [apenas…] pelo desenvolvimento dos meios de comunicação e pela intensidade dos movimentos migratórios de carácter global, permitindo-nos repensar o conceito de deslocação, enquanto ‘exiliência’, ‒ neologismo criado por Alexis Mouss, para designar a condição e a consciência de sujeitos em constante movimento, por vezes suspensos na sideração de experiências perturbadoras, a braços com a memória, a identidade, a culpa, o medo, a diferença, mas também capazes de subversão e resistência”. Numa palavra, por via de uma ‘globalização’ falhada, misturada com guerras (religiosas…) de Terrorismo nunca visto, a Humanidade está perdendo (a passos apressados de fuga…) a Densidade existencial/ontológica de Seres humanos, enquanto Sujeitos Individuais/Pessoas/Cidadãos, singulares e concretos, ‒ e também na sua dimensão ecológica, concernente ao Planeta Azul em que habitam. Em termos literários, poderíamos até evocar (na Literatura lusa) os ‘Relógios Falantes’ de Francisco Manuel de Melo!... Como Indivíduos/Pessoas/Cidadãos, estamos, hoje, mais ou menos, todos deslocados, esventrados, esvaziados, desesperados de todos os mundos violentos e rapaces, que as elites de turno nos querem impingir e impor, e em que somos obrigados a sobreviver!... Sexo e Violência gratuita parecem ser a única forma de escapar à Frustração quotidiana do Desespero Sistémico!...
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● METAFÍSICA: Funções e Vícios/Erros monstruosos na sua História N.B.: Em bom rigor, a substância semântica, que atribuímos, tradicionalmente, ao lexema Metafísica (cuja consistência sémica procede de há cerca de 5 milénios e meio, na altura da Viagem espácio-temporal da história evolutiva da Humanidade, em que as Divindades femininas da ERA da GILANIA foram suplantadas e substituídas pelos Deuses masculinos Uranianos, extrínsecos ao Universo e transcendentes…) está, inexoravelmente, relacionada com o Dualismo metafísico-ontológico da Escola de Pla-tão (séc. V/IV/c. 427-327), cinco séculos depois prosseguida pelo mesmo Dualismo metafísico-ontológico de Saulo/Paulo (que veio a morrer em 67 da E.c. e terá nascido ca. de 10 anos depois de Jesus, nascido entre 5/7 a.E.c.), na edificação do Cristianismo e sua Teologia da Redenção. Foi nesta Escola patriarcal/patriarcalista, que emergiu a sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord, ‒ que ainda hoje, proh dolor!, persiste hegemonicamente. Na Era da GILANIA (7.500-3.500 a.E.c.), os dois sexos viviam e funcionavam em perfeito pé-de-igualdade moral e jurídica, na companhia das deusas femininas. Quando começou o Processo civilizatório, com o primado absoluto do homem sobre a mulher, (ca. de 3.500 a.E.c.), foram instalados, simultaneamente, os Deuses Uranianos (transcendentes e extrínsecos ao Cosmos), e as hierarquias sacras, encimadas pela Potestas (única) sacra. Só muito mais tarde (no processo das Civilizações machistas/patriarcais) se começou a configurar e a formular, explicitamente, esta Arquitectura ideológica: 1º, ca. de 1250 a.E.c., de modo mitológico-didáctico, através dos três capítulos iniciais do ‘Génesis’ (na Bíblia hebraica); 2º, no séc. V/IV, na Hélade, mediante os Escritos/ /Diálogos de Platão, em que a essas narrativas foi conferido carácter filosófico (= ‘científico’). Platão fora discípulo de SÓCRATES (em Atenas), que havia desencadea-do a 1ª Grande Revolução, na organização das Sociedades humanas, protagonizando a praxis do DIÁLOGO maiêutico, no centro dos centros, com o intuito de formar os próprios conceitos/ideias, a partir da Discussão e do Diálogo. Dos ca. de 27 Diálogos escritos por Platão, os 7 primeiros, pode dizer-se que ainda são filo-socráticos. Depois dessa 1ª fase, Platão atraiçoou o Mestre, nas 2ª e 3ª fases, construindo narrativas metafísicas, e configurando as Ideias puras e transcendentes no chamado Hiperurâneo platónico.
● Muito embora em linhas gerais, é curioso observar e advertir nas diferentes partes e secções como a Licenciatura (tradicional) nos Seminários Maiores e Univ. Pontifícias/Católicas
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estava organizada. Temos presente a Obra (em 2 vols.) de Carolo Boyer, S.J. (sob cuja direcção frequentámos o Curso Académico de S. Tomás d’Aquino, na Univ. Gregoriana). I Vol.: ‘CURSUS PHILOSOPHIAE’ (Desclée de Brouwer, Romae, 1950): Introductio; Logica Minor; Logica Maior; Introductio Metaphysica; Philosophiae Naturalis Pars Prima seu Cosmologia; Pars Altera seu Psychologia. II Vol.: CURSUS PHILOSOPHIAE’ (Romae, 1952): Psychologiae Pars Secunda; Pars Tertia: De Vita Intellectiva. Metaphysica: Sectio Prior: Metaphysica Generalis. Metaphysicae Sectio Altera seu Theologia Naturalis. Ethica: Sectio Prior: Ethi-ca Generalis. Ethica Specialis (onde se dá relevância a 3 áreas: individual, doméstica, política). Transcrevamos o parágrafo introdutório da Metafísica Geral (i.e. Do Ente em comum) (II Vol., p.200): “O Ente em comum, que é descrito como id cui competit esse, constitui predicado essencial e simplicíssimo, no concernente a todas as coisas que são ou podem ser. A ciência do ente em si considerado, trata da natureza do ente, das propriedades do ente, dos princípios intrínsecos do ente, dos medos do ente ou dos predicamentos, das causas do ente. Como já tivémos necessidade, antes, de tratar de algumas destas questões, faltará falar, agora, das propriedades do ente, e, principalmente, da verdade, dos princípios do ente e, especialmente, da sua essência e ser, e de alguns acidentes”. O Autor disserta, a seguir, (pp.200-2001), sobre as 5 propriedades do Ente, ou seja, o que também é designado como passiones entis. E, logo a seguir, entra na Rubrica das Opiniões sobre a matéria. Alega que Tomás d’Aquino e Alberto Magno ao falarem das 3 propriedades comummente reconhecidas: unum, verum, bonum, acrescentam mais duas, a saber: res et aliquid. Os Neoplatónicos consideravam o pulchrum (= o belo), entre os transcendentais. Mas há 2 perspectivas diferentes, entre os Escolásticos, sobre a maneira como as propriedades do ente se referem ao ente: enquanto os scotistas (Duns Scotus) estabelecem, entre o ente e as suas propriedades, uma distinção formal a parte rei, todos os restantes falam apenas de uma distinção de razão. Quanto às categorias ontológicas, que a Filosofia Escolástica ensinava (procedentes da chamada ‘Filosofia Primeira’, designação esta, oriunda de Aristóteles), elas são 10: substantia, qualitas, quantitas, relatio, actio et passio, locus, tempus, situs et habitus. Se há, na Doutrina Metafísica tradicional, algo com interesse efectivo, mesmo para os saberes científicos, estas duas questões estão nesse campo. Contemporanea-mente, já não estão nesse campo, nem a chamada ‘Teologia natural’, nem a ‘Ética’ (que se tornaram saberes ou ciências autónomas). A Cultura de hoje e o Processo histórico da Civilização mudaram os eixos e os factores determinantes para novas Reflexões críticas. Nova Sensibilidade/Nova Mundividência, que foram nascendo na IIª Modernidade: vamos, agora, referenciar os 2 parágrafos, em torno do termo ‘Metaphysics’ (que nos apresenta a ‘Encyclopedia International Grolier/1974): “(Gr. meta, ‘after’ physis, ‘nature’), that branch of philosophy which deals with ultimate reality, the nature of the universe. It is frequently divided into ontology, that part dealing with the order of the universe. The term ‘metaphysics’ comes from the fact that in the works of Aristotle what he called First Philosophy came immediately after his Physics. For this reason the name ‘metaphysics’ was given to this section by Andronicus of Rhodes c. 70 a.E.c.. [Esta história só está, parcialmente, bem contada, uma vez que o critério de A.R. era, apenas, o da arrumação topográfica, no processus de recuperação da Biblioteca do Mestre.]. “A metaphysician describes the most general features of the entire universe of real things, both possible and actual, and gives the explanations of what there is, what features all things have in common, why anything exists, what substance and attribute are, and whether something must always have existed. He isolates those features of being which are presupposed by all others and attempts to find ultimate ‘causes’ (ex-planations). For example, Aristotle thought that if one could answer for any event or thing, what it was, what it was made of, what produced it, and what it was produced for, one would have a complete explanation of its being. He thought also that the sorts of things to be counted as answers to these questions could be reduced to a very few principles, which would serve as the chief explanatory factors of the entire universe” (ibi). Toda esta Arquitectura ideológico-cultural começou a ser destroçada, quer mediante as Correntes positivistas das ciências (inspiradas em August Comte), quer através da Filosofia da
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Análise Crítica da Linguagem (que teve livre curso, na 2ª metade do séc. XX.) Começou a contribuir, directamente, para o processus da demolição da Metafísica tradicional o Criticismo kantiano (a que já fizémos alusão, em outros capítulos). Tudo isso ficou arrumado no ‘Museu tradicional das Antiguidades ideológico-literárias’. Entretanto, e em simultâneo, iam fazendo o seu caminho invenções/novidades das ciências da Física e da Astronomia, tais como: a identificação de novas galáxias, para além da nossa ‘Milky Way’, até à mais remota, por parte do Astrónomo Edwin Powell Hubble (1889-1953), associando-se a isso a ideia científica de que o Universo estava ainda em expansão; as teorias/doutrinas da Relatividade Restrita e da Relatividade geral, por parte de Albert Einstein (1879-1955), no que se chamava a ‘Física Clássica’; a descoberta da ‘Física Quântica’ ou do ‘mundo infra-atómico’, por parte de Werner Heinsenberg (1901-…), onde a percepção do ‘corpusconda’ (onda + corpúsculo, ao mesmo tempo) se verificou impossível; por fim, a configuração da Teoria do ‘Big Bang’ (teoria unificada, chamada ‘das cordas’, das origens do Universo), por parte do astrofísico inglês, Stephen Hawking (ainda vivo) se tornou um Factum científico incontestável. O que não é incontestável é a pretensão de alguns astrofísicos da NASA ou da ESA alimentarem a intuição (errada…) de que estão prestes a identificar a chamada ‘partícula de Deus’!... Não há ‒ nem haverá… ‒ nenhuma ‘partícula de Deus’, no Armazém das Antiguidades clássico-tradicionais, a lembrar, ‘à la longue’, o Acto da Criação do Cosmos!... O que há ‒ isso sim ‒, no Paradigma Específico do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, na Consciência do Psico-SócioÂnthropos, o rastro/silhueta da Testemunha, confirmando ou infirmando se o Sujeito humano em causa está na verdade ou na mentira, se é justo ou injusto na sua acção/actividade. ● Como surgiu toda aquela Arquitectura ideológico-cultural da Metafísica tradicional? Como e por quê emergiram suas funções peculiares ao longo de cinco milé-nios e meio, integradas no Processo das Civilizações patriarcais e machistas?!... Como e por quê ela só foi configurada e moldada, formalmente, muito mais tarde, por volta de 1.500 a.E.c., na Hebreia, e por volta do séc. V, na Hélade de Platão?! Uma 1ª Nota metodológica não pode escapar-nos: É no Quadro das três Religiões monoteístas (patriarcais/machistas) que tudo isso acontece: o Iahwéh/Deus de Moisés, no Hebraísmo; o Deus/Pai de J.C.M., no Cristianismo de Paulo; e Allah, o único e misericordioso, no Islão de Maomé. A Grécia (pagã!...) veio a funcionar como a Nau, a gramática conceptual/eidética, onde a construção ideológica tinha de assentar as suas bases filosóficoteológicas. Uma 2ª Nota metodológica e epistémica, é que, antes da Arquitectura ideológico-cultural de Platão, que pôs as Ideias puras (de Verdade, Bem, Justiça, etc….) no hiperurânio (algo de semelhante ao Olimpo dos deuses/as pagãos), e constituiu, aí, o topos preciso da Potestas sacra, ‒ tinha havido uma Grande Revolução: a Revolução socrática do Diálogo maiêutico, para formar e formatar todos os conceitos/ideias, ne-cessários à vida humana em Sociedade. Foi por isso que a Democracia nasceu em Atenas, em virtude dessa Revolução. Platão ‒ que foi discípulo de Sócrates ‒ ainda foi conservando na sua 1ª fase o ideário do Mestre; mas na 2ª e na 3ª fase, Platão atraiçoou completamente o seu Mestre Sócrates. Como de resto, Saulo/Paulo veio a atraiçoar Jesus, em tudo o que escreveu (ou mandou escrever…) no Novo Testamento. ● Para que serve a METAFÍSICA? Haverá (dela) usos legítimos e abusos ilegítimos?!... E quando tudo se torna verdadeiramente ilegítimo e injusto?!... Partindo do que se chama Monismo Epistemológico, a Metafísica destina-se a caucionar, inabalavelmente, a Cultura da Potestas/Dominação d’abord e a Religião laica do Objectivo-Objectualismo. O Monismo Epistémico diz-nos que só contam, como ciência, as chamadas ciências físiconaturais; as ciências psico-sociais e/ou humanas, ‒ essas não contam, como tais… Desta sorte, a Humanidade, no seu conjunto, fica sempre escrava de si mesma… Nunca mais se Libertará, enquanto cada Indivíduo-Pessoa/Cidadão não for capaz de assumir a sua condição essencial de Sujeito Livre e Responsável. N.B.: Não assumimos o termo Metafísica, nas suas origens topológicas (como fez Andrónico de Rodes, para organizar e pôr em ordem toda a Colecção dos Livros e Escritos de Aristóteles, o ‘Philosophus’, por antonomásia, ‒ como fora
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considerado pela sua posteridade), e organizar, de uma vez por todas, a Biblioteca do Mestre. Assumimos, outrossim, justamente para a criticar e demolir, na esteira de Immanuel Kant (no séc. XVIII) e de Jacques Derrida (no séc. XX), a METAFÍSICA na sua semântica e sentido tradicionais, ao longo de 2 milénios e meio, com toda a carga semântica e filosófica, que lhe foi atribuída.
Assim, pois, o Projecto do CEHC é, precisamente, o de Desconstruir e Demolir toda a Metafísica (que a Tradição tem conservado como um Sector Especial dos Saberes). Mas, criticamente, temos de perguntar e saber, historicamente, para que serviu e continua a servir a Metafísica!... PARA QUE SERVE, POIS, A METAFÍSICA?! 1. ‒ Para fixar e estabelecer Princípios e Axiomas (do Pensar e do Agir/Actuar Humanos…), com carácter universal e intemporal ‒ dir-se-ia eternos… ‒, utilizando o jargão da Philosophia Escolástica Medieval, ‒ princípios e axiomas válidos e supostamente legítimos para todos os Povos e Nações. 2. ‒ Para distinguir e separar todo esse ‘corpus doctrinarum’, em confronto com as Lendas e os Mitos (tudo o que é matéria enquadrável na Mitologia (cósmica, nacional, regional, local). Trata-se, em suma, de integrar, plenamente, esse ‘corpus doctrinarum’, no universo da Filosofia, que é votada e assumida como saber dotado de rigor (se não experimental e experiencial). Trata-se, pois, de lhe conferir o carácter de verdade. 3. ‒ Enquanto tal, a Metafísica fixou-se e estribou-se num campo Epistemológico bem definido e enquadrado: o Monismo Epistemológico, ancorado nas chamadas ‘ciências duras’ (as físico-naturais). De resto, o próprio significado etimológico do ter-mo é mesmo esse: metatàphysica: o que se acha e pode encontrar num espaço, que es-tá além da Physica, i.e., do chamado mundo físico. 4. ‒ A partir do cincho, assim constituído, a única saída possível, em termos de saberes científicos, foi a constituição fontal do DUALISMO METAFÍSICO-ONTOLÓGICO (de Platão e Paulo), com o objectivo de dar consistência à outra ‘metade’ dos saberes científicos: o das ‘ciências psico-sociais e/ou humanas’, ditas também ‘ciências moles’ (tais como a psicologia, a sociologia, as ciências da comunicação, a economia, a política, a estética e as artes, em geral). 5. ‒ Ora, em tal horizonte metafísico, foi, inexoravelmente, banida a realidade espiritual da CONSCIÊNCIA (psíquica e moral), ‒ a qual sempre existe em cada Ser Humano, bem educado e formado (segundo o padrão do ‘Homo Sapiens//Sapiens’). É que a Realidade indiciada e postulada pela Metafísica é de ordem transcendente e extrínseca a este Mundo espáciotemporal. É, de facto, (tem sido…), que a Consciência (humana) configura, aí, o que chamam todos ‘res divinas’. 6. ‒ Desta sorte, a Metafísica, não só se constituiu segundo os métodos do ObjectivoObjectualismo, que, na Modernidade, deram origem às ciências positivas e experimentais (cf. F. Bacon e R. Descartes), como, igualmente, teceram a plena e completa cobertura legitimadora, no concernente aos princípios e práticas das três Religiões Institucionalizadas de ‘O Livro’: as chamadas religiões monoteístas. 7. ‒ Monismo Epistémico, (absolutamente hegemónico…), Método (de pesquisa científica) Objectivo-Objectualista, esvaziamento da Realidade da Consciência Humana, afirmação de uma Divindade monoteísta, como criadora do cosmos e do universo… constituem os seus postulados e teses essenciais: → Sociedades constituídas por ‘cabeças de Rebanho’ ou por ‘carneiros do Panúrgio’ (segundo o dramaturgo francês Molière). 8. ‒ As crenças religiosas (para além das R.I., que são o ópio do Povo…) contêm um ‘objecto de conhecimento’ para-científico, que a chamada Theologia (enquanto fonte de um Movimento revolucionário, capaz de ajudar a transformar ‘in melius’ as Sociedades humanas) deve ser capaz de discernir, estudar e ensinar, aos seus fiéis. 9. ‒ Nas Escolas Superiores e Universidades, ao longo dos dois milénios de Cristianismo, a Theologia, era a Faculdade proeminente, entre todas as demais. Isso teve, historicamente, uma sintomática positiva, na medida em que, por tal graduação, os Sujeitos humanos, de algum modo, detinham o primado sobre os objectos-mercadorias. Hoje, os primeiros estão a morrer afogados nos segundos; enquanto outros Seres humanos morrem à míngua de tudo!... 10. ‒ Nas Escolas Superiores e Universidades ‒ sobretudo, a partir dos inícios da Idade Média ‒, a Theologia, constituída como Faculdade superior, agregava, a si, a pró-pria Philosophia, reduzida a uma condição ancilar: esta era, perante aquela, ‘ancilla Theologiae’.
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Significado sócio-cultural crítico: os cristãos ainda não se haviam libertado e emancipado. Como dirá I. Kant, não haviam passado da menoridade à Maioridade. 11. ‒ Os fiéis das três Religiões Monoteístas são, em geral, gente submetida e humilhada, que, no contexto actual, jamais poderá emancipar-se e libertar-se verdadeiramente. Assim, face aos imperativos categóricos da Libertação, da obtenção da Maioridade kantiana, ‒ tem de concluir-se que as Religiões Institucionalizadas estão a mais… enquanto constituem um sério obstáculo à emancipação/libertação dos fiéis/cidadãos. 12. ‒ Entretanto, em pleno séc. XVIII, I. Kant (que até era pietista, na sua con-fissão religiosa) virou-se, corajosamente, contra a Metafísica, numa das suas derra-deiras Obras: ‘Prolegomena aller Metaphysic der Zukunft’: ‘Prolegómenos a toda a Metafísica Futura’. Antes disso, ele havia sido ‘chamado à pedra’, pelo seu próprio Imperador da Prússia, Frederico Guilherme II, por ter publicado um Livro censurável (para o Imperador): ‘A Religião dentro dos Limites da Simples Razão’. (Reine = pura; Vernunft = Razão). O Motivo da Censura do Imperador: essa não era matéria da com-petência do Filósofo. 13. ‒ Entretanto, Albert Einstein, nas duas primeiras décadas do séc. XX, descobriu a Geometria analítica das duas Relatividades: a Restrita e a Geral). Em suma, num horizonte, próprio da Física clássica, ele descobriu e estabeleceu e confirmou o que I. Kant havia estabelecido sobre as necessárias e indispensáveis condições da ‘Metafísica’ futura; e Kant ‒ não esquecer ‒ fez todo esse Trabalho, não só nos ‘Prolegomena…’, mas, em boa verdade, também nas três ‘Críticas: da Razão Pura, da Razão Prática e do Julgamento (ou Juízo). 14. ‒ Veio, depois, em pleno séc. XX, o filósofo argelino da Demolição e da ‘Desconstrução’ filosófica da Metafísica, por antonomásia, Jacques Derrida (1930-2004). Através da sua Obra, confirmámos a importância decisiva das Obras de Einstein e de Kant. E, com ele, construímos o Axioma incontornável: Todo o texto tem sempre o seu contexto!... É esse o sensus profundo da noção, por ele estabelecida, da différence. Na contracapa do seu Livro ‘L’Écriture et la différence’ (Éditions du Seuil, col. Points, 1967), ele deixou escrito, em resumo, o que se deve entender por essa Notio importante: “Ce qui s’écrit ici différence marque l’étrange mouvement, l’unité irréductiblement impure d’un différer (détour, délai, délégation, division, inégalité, espacement) dont l’économie excède les ressources déclarées du logos classique. « C’est ce mouvement qui donne une unité aux essais ici enchaînés. Qu’ils questionnent l’écriture littéraire ou le motif structuraliste (dans les champs de la critique, des ‘sciences de l’homme’ ou de la philosophie), que par une lecture configurante ils en appellent à Nietzsche ou à Freud, à Husserl ou à Heidegger, à Artaud, Bataille, Blanchot, Foucault, Jabès, Lévinas, ils n’ont qu’un lieu d’insistence : le point d’articulation dérobée entre l’écriture et la différence. A peser sur cette articulation, ils tentent de déplacer les deux termes ». 15. ‒ Um Apontamento importante, edificado, precisamente, a partir dessa noção derrideana de ‘Différence’. Na verdade, a Economia Política moderna/contemporânea (o seu movimento de construção legitimante…) parte, justamente, da Noção de ‘Différence’ derrideana. Essa noção perpassa ao longo das quase 500 pp. do Livro do Israelense Yuval Noah Harari: ‘SAPIENS (De Animais a Deuses)/História Breve da Humanidade’ (Ed. Vogais, Amadora, 2013). Deste Livro se escreve logo ao cimo da capa (extracto da ‘Forbes’): “Sapiens é para a história da evolução humana o que Breve História do Tempo, de Stephen Hawking, representou para a Física”. O Autor fala sempre do ‘Homo Sapiens’ sem mais… Imagina-o em África, há 100 mil anos como animal insignificante… na companhia de outras 5 espécies humanas. Entretanto, ca. de 30 mil anos depois, deu-se uma alteração profunda nas capacidades do ‘Homo Sapiens’, que o converteram no líder do Planeta e num monstruoso flagelo dos ecossistemas. Ora, ‘todo o significado remete para um Significante’ (J.D. dixit!). Na badana direita do Livro, pode ler-se o resumo do conteúdo do Livro: “Sapiens:História Breve da Humanidade não se concentra apenas no passado, procurando também explicar os significados mais profundos e as implicações morais e existenciais dos acontecimentos humanos. Este livro apresenta toda a evolução da nossa civilização, desde a pré-História, passando pelos Descobridores e os primeiros colonos, as revoluções agrícola e industrial, até aos desenvolvimentos científicos e tecnológicos das últimas décadas.
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“Recorrendo a ideias da paleontologia, antropologia e sociologia, o Autor, Yuval Noah Harari, analisa os principais saltos evolutivos da humanidade, desde as espécies humanas que coexistiam na Idade da Pedra até às revoluções tecnológicas e políticas do séc. XXI ‒ que nos transformaram em deuses, capazes de criar e destruir. “Num registo acessível e entusiasmante, Sapiens: História Breve da Humanidade procura não só explicar o que aconteceu, e como aconteceu, mas também revelar o que sentiram os seres humanos durante os vários processos evolutivos ‒ e perceber se somos hoje um ser mais feliz ou infeliz”. Na contracapa exterior, vê-se todo o Esquema do Livro: “O fogo deu-nos poder; O boato ajudou-nos a saber cooperar; A agricultura aumentou o nosso apetite; A mitologia manteve a lei e a ordem; O dinheiro deu-nos algo em que confiar; As contradições geraram a cultura; A ciência fez-nos letais”. ‒ Ora, em vez de ‘deuses capazes de criar e destruir’, o ‘Homo Sapiens tout court’ tornounos ‘cabeças de Rebanho’; a própria Ciência, em vez de nos fortalecer e prolongar a Vida… tornou-nos letais!... Onde está a Sociedade Humana, harmoniosa e pacífica, criada pelo paradigma próprio da Espécie humana, que se chama ‘Homo Sapiens//Sapiens’, descendente do ‘Homem de Cro-Magnon’ (de há ca. de 60 mil anos)?! Disto não se fala no Livro do académico da Universidade Hebraica de Jerusalém. 16. ‒ A partir do Movimento derridaísta, ficámos, no que ao campo da Filosofia concerne, apenas, com a chamada Philosophya Perennis, mas de índole criticista (kantiana). Por seu turno, a Esfera das Ciências é forçoso, em termos epistémicos, que ela seja dividida em dois hemisférios distintos: A) o das Ciências físico-naturais; B) e o das Ciências psico-sociais e/ou humanas. Em conclusão, diremos que é, hoje, um im-perativo categórico de ordem epistémica (e, também, metodológica), estabelecer a Axiomática (aprendida e ensinada pelo CEHC): DUALIDADE EPISTEMOLÓGI-CA. Neste horizonte, é tempo de pôr termo a todas as confusões/contradições, ao longo de dois milénios, entre as Cristandades e os seus adversários, condenados como heréticos. Por exemplo, os cristãos e as cristandades (paulinas) condenaram como dualistas metafísicoontológicos, primeiro, todos os chamados Gnósticos (judeo-cristãos primevos); depois, nos sécs. XII/XIV, todos os Cátaros ou Albigentes (inspirados no Evangelho de Maria, a Madalena). Virou-se o feitiço contra o feiticeiro… Os veros dualistass metafísico-ontológicos eram todos os cristãos das cristandades paulinas. Os seus adversários eram, apenas, dualistas epistémicos… Por isso é que eles não embarcaram na dogmática da ‘Ressurreição’ do Messias!... O que, por conseguinte, aprendeu e ensina o CEHC é o Dualismo Episte-mológico, ‒ precisamente, porque não se pode recusar a divisão das ciências nos dois hemisférios referidos. 17. ‒ A partir daqui, em todo este Processus de Investigação, é-nos imperioso concluir e forcejar pela concretização do imperativo categórico da abolição de todas as Religiões Institucionalizadas. Façam-se delas (simples) Movimentos de inspiração e de revolução, harmoniosa e em Paz, de todas as Sociedades Humanas: Centros académicos de difusão (urbi et orbi) da Boa e Adequada Doutrina. Não esquecer que a Educação e a Instrução das Crianças e dos Jovens, nas Famílias e, depois, nos Sistemas Educativos nacionais, deve ser prolongada até aos 24 anos, ‒ idade em que os Neurologistas registam os neurónios cerebrais como amadurecidos. Só nessa idade seremos ‘fruta madura’! 18. ‒A partir desta situação, é perfeitamente possível, mais, é necessário e urgente proclamar, a toda a Gente, a gramática da Emancipação/Libertação dos Humanos, aos quatro ventos, e convidar os Jovens-Adultos a pôr mãos à Obra, por meios pací-ficos, pondo de parte, sistemicamente, os meios violentos e bélicos. 19. ‒ A partir daqui, é necessário e imperioso inverter, por completo, toda a Arquitectura tradicional (própria do ‘Homo Sapiens tout court’) do Ordenamento das Sociedades (ditas…) Humanas: o Vértice da Pirâmide (se ainda houver tal coisa?!...) é ocupado pelos lugares e pelas funções dos que se acham na Base da Pirâmide, ‒ as ditas massas populares ou multidões. As Bases da Sociedade é que devem exercer as funções específicas do balizamento e orientação da própria Sociedade. Deste sorte, é o vero e autêntico Conhecimento (como preconizavam os GNÓSTICOS) que irá ocupar os lugares do Poder (a constituir, a refundar!). Só então será
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verdadeiro o Axioma: ‘Omnis Potestas a Populo’ (como desejava J.-J. Rousseau); e não o sempiterno hibridismo, formulado, com muita sofisticação e cinismo, pelo jesuíta espanhol/português, Francis-co Suarez (no séc. XVII): ‘Omnis Potestas a Deo per populum’. 20. ‒O que pretendemos, são Regimes Democráticos honestos e a sério, sem sofismas nem cinismos nem maquiavelismos, sem farsas nem falcatruas. O que pretendemos, é instaurar a Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial, contra a tradicional Cultura do Poder-Dominação d’abord, que tem vigorado, hegemonicamente, até à nossa contemporaneidade. Assim, ficamos aguardando (e pelejando por isso!...) a emergência final, na Evolução psico-sócio-anthropológica da Espécie, do vero ‘Homo Sapiens//Sapiens’, capaz de superar e ultrapassar o patamar fruste do ‘Ho-mo Sapiens tout court’, que outra coisa não pariu senão as tradicionais ‘sociedades/ /Rebanho’ ou os famosos ‘carneios de Panúrgio’ do dramaturgo francês Jean-Baptiste Poquelin MOLIÈRE (1622-1673). Dizem-se democratas, mediante as eleições previamente havidas, mas os Chefes e mandantes destas Sociedades são, por estrutura definitória, déspotas!... (Ligeira, embora, este Monsieur merece, aqui, uma menção literária e humanista/crítica. Ele é um dos iniciadores da Comédie Française, com a fundação do Illustre Théâtre itinerante, em 1643. O seu 1º grande sucesso é de 1659, com a peça (proibida) Les Precieuses Ridicules. As suas peças mais importantes (proibidas, quase todas, pela Inquisição...) são: Tartufo (1664), D. João (1665), o Médico à Força, o Misantropo, o Anfitrião, Le Malade Imaginaire, em cuja representação faleceu… não mereceu cerimónia pública, e foi enterrado num cemitério para nãobaptizados, uma vez que nunca abdicara da sua actividade de comediante. Ele foi um belo padrão do ‘H.S.//S.’!...).
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APPENDIX EXCURSUS DE JESUANISMO N.B.: Uma Inteligência Esclarecida e Lúcida tem de ser Capaz de superar todas as Contradições Lógicas… (venham elas de onde vierem!...)
1. ‒ Advertências críticas prévias: O CEHC escreveu, além de muitos outros Escritos, dois LIVROS importantíssimos e decisivos, que constituem a Base de toda a sua Arquitectura, e que vamos, aqui, mencionar, pelo seu interesse e significado, e para dizer, solenemente, que mantemos tudo quanto aí ficou escrito: não lhe retiramos um só parágrafo. O 1º tem por título: ‘Sócrates e Jesus (Esses Desconhecidos): As Duas Revoluções Gêmeas’. (Ed. da EDICON, São Paulo, 2001). Houve, em Portugal (Aveiro, Liv./Ed. Estante, 2006) uma edição (esgotada…) da mesma obra, com o mesmo título. O 2º Livro foi editado, primeiro, no Brasil, São Paulo, pela EDICON, nos inícios de 2007, com o título: ‘DESPAULINIZAR O NOVO TESTAMENTO SOB O SIGNO DO JESUANISMO’. Na 2ª parte do mesmo ano, fez-se uma edição , em Portugal, pelo CEHC e Liv./Ideal Ed. (Guimarães), com o título: ‘Traição de São Paulo’. Como será fácil de adivinhar, tratava-se (nos dois Livros-Chave do CEHC) de proclamar e celebrar a Aurora e a Emergência (evolucionária) para o patamar, específico e próprio da Espécie Humana, do chamado ‘HOMO SAPIENS//SAPIENS’, operadas mediante essas Duas Revoluções Gêmeas, que dois milénios e meio de História, no Ocidente (e, em geral, no Processo Civilizatório da Humanidade, em virtude do ‘natural’ protagonismo ocidental) sempre têm esquecido ou ignorado. De facto, o que foi instruído e acalentado, ao longo de dois milénios e meio, foi a Cultura do Poder-Dominação d’abord e o padrão (esquizofrénico…) do ‘Homo Sapiens tout court’. Mais e pior: Sócrates e Jesus, ao longo de todo esse tempo, foram-nos trans-mitidos e ensinados como dois personagens, que nada tinham a ver um com o outro. ‒ Isto é, radicalmente, falso e embusteiro. Sócrates ensinou-nos, na sua Praxis/Teoria, i.e., no Diálogo maiêutico, como se formam, na discussão, os conceitos/ideias justos e sábios; Jesus, nos seus diálogos e pregações (sempre em ambiente de Praxis/Teoria) alertou-nos (à Humanidade inteira e às Sociedades humanas) para as práticas da Justiça jesuânica, nas Comunidades/Sociedades humanas. Ambos acabaram, substantivamente, com o mesmo Fim: o Suicídio voluntário/ /forçado, com vista a chancelarem as suas Mensagens. Estas não podem ser menosprezadas, se a Espécie Humana não desistir de ascender ao patamar, que lhe é próprio, i.e., o do ‘HOMO SAPIENS//SAPIENS’ e o da Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. Sócrates e Jesus ‒ deve advertir-se, frontalmente ‒ foram atraiçoados pelos seus discípulos (sobremaneira os que fizeram doutrina e pretenderam transmitir as suas mensagens): O 1º pelo seu discípulo Platão e mestre da Academia platónica; o 2º pelo seu discípulo e Apóstolo Paulo, que o traiu, descaradamente, atra-vés da sua Teoria/Doutrina da Salvação/Redenção vicária, e a institucionalização da Via ou Caminho (iniciado por Jesus! Act.9:1-2) em Religião institucionalizada.
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* ● 2. ‒ Via ou Caminho (com vista à necessária e indispensável Revolução da Humanidade e das Sociedades Humanas, nos Esquemas da Harmonia e da Convivência Pacífica). Nos Actos dos Apóstolos (também chamado ‘o 2º Evangelho de Lucas’, médico assistente de Paulo), pode ler-se, em torno do tema da Vocação de Saulo (de Tarso), Act.9:1-2, o seguinte: “Saulo só respirava ameaças e morte contra os discípulos do Senhor. Ele apresentou-se ao sumo sacerdote e pediu-lhe cartas de recomendação para as sinagogas de Damasco, a fim de levar presos para Jerusalém todos os homens e mulheres, que encontrasse a seguir o Caminho”. (Cf. ‘Bíblia Pastoral’, Ediclube, Alfragide, 1999, II vol.). É a única vez que surge, no N.T., o nome da solução (revolucionária!...) do Senhor JESUS, para a Organização pacífica das Sociedades Huma-nas. Via ou Caminho (do Processo Revolucionário de Jeoshua/Jesus) era a 1ª Desi-gnação comum e a única, que Ele manteve (até à sua vera morte ca. do ano 78 da E.c.). Terá nascido entre 5 a 7 de a.E.c.. A crucificação terá ocorrido ca. de Abril do ano 33. Maria, a Madalena, sua Companheira de Magdala (senhora da Torre de Magdala, junto ao lago de Tiberíades) terá nascido no ano 1 da E.c.. A própria Ekklesía/Ecclesia/Igreja, com os Sacramentos e os Dogmas doutrinários, já são instituição/constituição de Saulo/Paulo (o fariseu convertido, no caminho de Damasco). Os Dez Erros/Categoria, cometidos por Paulo (que é o vero Chefe d’Orquestra de todos os 27 Livros do Novo Testamento) (à escala de 75% das escrituras neotestamentárias), ‒ podemos enumerá-los e formulá-los como segue: A. ‒ A Mensagem/Projecto de Jesus carreava, consigo, toda uma Nova Ordem Social/Societária, fundada na Consciência, pura e integral, orgânica, dos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos. Paulo fundou a Ecclesia, com os sacramentos instituídos e os dogmas formulados, sob a Autoridade Estabelecida (começando pela divinização do Senhor ou CristoJesus (como ele gostava de perorar!...), ‒ um dogma (o da Santíssima Trindade divina) esteve, no séc. IV, no início da Heresia Ariana, e no séc. VII, na origem remota da 3ª religião institucionalizada de ‘O Livro’: o ISLÃO. B. ‒ Paulo compactua, ao longo das suas famosas Cartas, com a triste e repugnante condição efectiva da Escravatura da Antiguidade (Roma, Grécia, Hebreia, Império helenístico…). Que entende ele pela vera Libertas christiana? Em especial, ela reside na libertação da obrigatoriedade da circuncisão, que era prática legal corrente entre os judeus masculinos (Gal.5,1-7). Em Gal., 3,27-28, escreveu ele a Tese seguinte: “Quicumque enim in Cristo baptizati estis, Christum induistis. Non est Judeus neque Graecus, non est servus neque liber, non est masculus neque femina. Omnes enim vos unum estis in Christo Jesu”. Por outras palavras, essa vera Libertas, v.g., entre o senhor e o escravo, só na ‘outra vida’ supostamente eterna: → Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo. C. ‒ Paulo é, nesta galáxia, engenhoso e astuto, até para explicar o contraste entre a servidão da lei e a liberdade do evangelho: (Gal.3,19-22): “Quid igitur lex? Propter transgressionem posita est, donec veniret semen, cui promiserat, ordinata per angelos in manu mediatoris. Mediator autem unius non est, Deus autem unus est. Lex ergp adversus promissa Dei? Absit. Si enim data esset lex, quae posset vivificare, vere ex lege esset justitia. Sed conclusit Scriptura omnia sub peccato, ut promissio ex fide Jesu Christi daretur credentibus”. O que fez a mitologia do ‘pecado original’ nos 3 caps. primeiros do Génesis… para chegar à impossibilidade absoluta da formação da Justiça no Quadro da Lei!... A Paulo, basta-lhe a Ordo supernaturalis (post-mortem…) e a eterna servidão humana. Tanta estupidez junta: uma Ecclesia (que não é capaz de deixar de ser eclesiástica, no pior sentido…) e um ‘Xtus/Jesus’ como ‘caput Ecclesiae’, que não passa de um Fantasma, para as beatas sonharem!... Não divinizariam Christus, sem, ao mesmo tempo, constituírem o Mistério/Dogma da Santíssima Trindade (que Isaac Newton, e tantos outros, ao longo da História, não puderam ‘engolir’ e deixaram isso em ‘Cadernos Secretos’, de contrário, eram queimados na Inquisição, como aconteceu a G. Bruno.).
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D. ‒ Um dos Erros fundamentais, com consequências mais extremas e profundas, para o Psico-Sócio-Ânthropos é, sem dúvida, a instauração global da Teoria/Doutrina da Salvação/Redenção vicária/vicariante, que transforma as Sociedades Humanas em ‘cabeças de Rebanho’. (Cf. Ef.2,8-10; Ef.1,3-10). Os Erros de Paulo ‒ se averiguarmos bem ‒ estão todos articulados uns aos outros. E. ‒ Paulo, em toda a sua Doutrina, acabou por confundir o baptismo de João Baptista (que era de arrependimento e perdão dos pecados) com o novo tipo de Baptismo dos aderentes ao Movimento Revolucionário de Jesus, que era, tão só, uma espécie de Carta de Entrada na Nova Comunidade/Sociedade (Democrática) a instaurar everywhere. F. ‒ Nos inícios da década de ’60 da E.c., teve lugar, na cidade capital de Judeia, Jerusalém, um Concílio regional, onde se digladiaram duas posições doutrinais antagónicas: a de Paulo, que apostava na axiomática da ‘Sola Fides’, como necessária e indis-pensável, para a Salvação (cf. Rom. Caps. 5-7; e ad Ef., inteirs) e a do irmão de Jesus, Tiago (bispo de Jerusalém), que falava e exigia que as boas obras deveriam acompanhar ou seguir a fé: Assim falava e escreveu Tiago (que era ebionita) na sua Epistula Catholica (2,17): “Sic et fides, si non habet opera, mortua est in semet ipsa”. É claro que, a verdade estava, toda inteira, do lado de Tiago. Curiosamente, a doutrina paulina da ‘Sola Fides’, foi, no séc. XVI, inteiramente agarrada por Martinho Lutero e o Movimento original do Protestantismo. M.L. chegou a brandir, nos seus escritos, um parergo paradoxal, que é do teor seguinte: ‘pecca fortiter et crede fortius’. Ironicamente, dir-se-á que é já a realidade da Die Schulde, que não interessa para nada!... G. ‒ Paulo acabou por ser a fonte de toda a divisão originária na Comunidade/Sociedade hebraica: é no concílio regional de Antioquia (onde estiveram Pe-dro, Paulo, Tiago, João e Madalena, entre outros) que os primeiros membros da Nova Comunidade, que seguia Jesus, começaram a ser designados como Cristãos. Paulo, com as suas doutrinas e dogmas, acabou por dividir ao meio toda a Sociedade Hebraica: dum lado, os que processaram Jesus e o empurraram para a crucifixão; do outro, os chamados judeus ‘messiânicos’. E esta nem era a nota mais distintiva, uma vez que, depois de Jesus, vieram outros messias; na história do Islão, como na de Israel, também vieram outros madís e mashiahs! H. ‒ Outro Erro, que Paulo cometeu, foi o de desprezar totalmente a Mensagem subjectiva/objectiva do Mensageiro Jesus. Ele agarrou na (sua) Mensagem (farisaica) paulina e moldou-a a seu jeito, institucionalizando-a como estava institucionalizado o Hebraísmo. I. ‒ Tudo isso, no horizonte do Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo. J. ‒ Estava, assim, reestruturada e reformada a sempiterna Cultura da PotestasDominação d’abord, com as suas origens, incontornavelmente divinas. Até hoje!... * ● Jesus (etimologicamente do hebraico/aramaico jeoshua = Iahwéh est salus); Christus (do grego Christós = unctus, ungido); Mashiah (hebraico) = Messias (= salvador/redentor). É curioso verificar em mais de 300 loci citati, na Bíblia (V.T. e N.T.) o erro cometido pelos biblistas em geral, ao identificarem, aí, a semântica própria dos dois vocábulos: Cristo e Messias: (Vd. Bíblia, em latim, da B.A.C., já citada, Appendix, pp.68-69). Também os exegetas e os biblistas cometem erros, ‒ uns de índole formal, outros material. Eram ungidos, tradicionalmente, os reis, não os profetas nem os messias, cujas funções e actuações eram, necessariamente, consideradas e julgadas a posteriori, não a priori!... Portador de uma Mensagem/Projecto (inteiramente nova, na História da Humanidade e na organização das Sociedades humanas, segundo o Paradigma específico do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, sabendo-se com direito a ser o futuro rei da Nação hebraica (até porque era da linhagem de David, tanto do lado do pai adoptivo, José, como do lado da mãe: ainda hoje, os judeus seguem, no atinente a descendência e heranças, a linha, mais antiga, matrilinear; além disso, Ele teve de litigar, inicialmente, em tribunal, com o irmão Tiago, a sua primogenitura, por ter nascido no ano dos esponsais, antes do casamento consumado…); e, em Regime Democrático, espalhar esse ideário por todas as Nações da Terra; ‒ era naturalíssimo que Jesus, usufruindo do direito a ser o futuro rei de Israel, subisse à capital da Judeia, Jerusalém, (montado num jumento) para defrontar os hierarcas e todos os Poderes Estabelecidos, e, ao mesmo tempo,
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para apresentar a sua Mensagem e celebrá-la formalmente, fazendo, assim, saber às Autoridades e às massas/ /multidões, a sua candidatura à liderança da Nação (e de todas as Nações, enquanto padrão consumado). É, pois, no sentido de afirmar a sua Vocação/Condição de Rex (da legítima descendência do rei DAVID) que Jesus sobe à capital da sua Nação, com a intenção de instaurar um Reinado humano/divino, de natureza fraternal e pacífica, inteiramente novo. Jesus assumia-se, claramente, nos seus Discursos, ora como ‘Filho do Homem’, ora como ‘Filho de Deus’. A 1ª expressão é óbvia; a 2ª compreende-se muito bem, se tivermos em conta o que diz o Ps.81,6: ‘Ego dixi: dii estis et Filii Altissimi omnes’. A confissão de Simão Pedro (antes do Processo da paixão e crucifixão), nos Sinópticos (Mc.8,27-30; Lc.9,18-27; Mt.16,13-28), não tem nada de especial e peculiar: “Quem dizem os homens que eu sou? Uns disseram-lhe: João Baptista, outros Elias, outros como que um profeta. Então disse-lhes Ele: E vós, quem dizeis, em verdade, o que eu sou? Respondendo Pedro, disselhe: Tu és Cristo. E advertiu-os de que não falassem a ninguém do assunto” (Mc.8,28-30). Já no Processo, diante de Pilatos (Procurador romano na Judeia), quando ele o interroga: “Tu es rex Judaeorum?”, o texto de Mc.15,2 (e os textos paralelos nos outros 3 evs. canónicos não diferem substancialmente: Mt.27,1-31; Lc.23,1-5; 13-15; Jo. 18,28 -19,16) continua como segue: “At ille respondens ait illi: Tu dicis”. Ou seja, Jesus assumiu a pergunta de Pilatos, muito laconicamente, como a resposta a dar!... No processo de Jesus, tudo se resume nisto: Perante o Procurador romano, e sob a pressão cobarde da multidão, Pilatos condena-o por se haver declarado Rei; perante Caifás, no Sinédrio judaico, é condenado (injustamente, perante os pontífices, que deveriam conhecer a Lei…) por se haver declarado Filho de Deus. Escrevem Xabier Pikaza e Abdelmunin Aya, in ‘Dicionário de las Tres Religiones (Judaísmo, Cristianismo, Islam)’, Ed. Verbo Divino, Spain, 2009, p.568): “Jesus sobe a Jerusalém, anunciando a chegada do Reinado de Deus, que, logicamente, deve manifestar-se ali, mas de uma forma distinta: com um Templo sem culto sacrificial, aberto a todas as Nações da Terra, com uma nova ordem humana aberta ao Reinado de Deus. Jesus, Filho de David, tinha de subir à cidade do seu antepassado, não para a conquistar militarmente, e reinar sobre o mundo, a partir dela, como fizera David, mas para instaurar, ali, outro Reinado, fundado precisamente nos pobres e expulsos dos reinos da Terra. Mateus, entendendo bem esta dinâmica, ao afirmar que os cegos e os coxos são os portadores da promessa real da cidade (cf. Mt. 21,14, ‒ totalmente em contraste com 2º Sm.5,6-8); eles rodearam Jesus em Jerusalém, que assim poderá entender-se como centro da nova humanidade messiânica, capital do Reinado dos expul-sos da velha História humana (como é confirmado em Apoc.20)”. Jesus: Messias?!... Este é um apelativo, que só mistura e confunde tudo, e, na galáxia paulina, só leva: 1º à institucionalização de mais uma Religião e às crónicas ‘guerras de religião’; 2º à Mundividência (esquizofrénica) do Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo. As Mensagens/Projectos (revolucionários) de Sócrates e de Jesus são completamente eclipsados e esquecidos. Ora, podemos, ab initio, “estritamente falando, [dizer] que os cristãos são judeus ‘messiânicos’, que acreditaram que Jesus é o Messias prometido, e que estenderam essa fé messiânica judaica, para além das fronteiras de Israel. Na raiz desta novidade cristã, está o facto de que Jesus, de um modo ou de outro, se apresentou à luz das promessas messiânicas, como pretendente davídico. [Isto mesmo é, de algum modo, confundir a nuvem com Juno!...]. Essa esperança messiânica, ratificada de modo distinto através da ressurreição [em que não embarcaram, v.g., os evangelhos gnósticos de Tomé e Filipe], expressou-se em outros títulos ‘messiânicos’: Jesus é Filho de Homem, é Senhor, é Filho de Deus… Mas, o mais significativo, teve que ser o de Messias” (iidem, op.cit., p.688). ‒ Continua-se a misturar e a confundir tudo… Não saímos da sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord. Jesus, por seu turno, repudiou todo o perfil do Messias, que se encontrava no A.T.. Desde logo, porque não se sentiu messias, no sentido tradicional guerreiro e nacional do termo; alterou, por completo, o último plano configurado na época dos Macabeus (167-164 a.E.c.). Diz Tomé, o Dídimo, em Jo.11,16, a todos os condiscípulos (de-pois do episódio da ressurreição de Lázaro, amigo de Jesus): “Vamos, também, nós, e morramos com ele”. Isto não é linguagem do messias!... A Igreja (Ekklesía → Ecclesia = ajuntamento comunitário), institucionalizada (com dogmas e sacramentos, usos e costumes próprios) por Paulo, confessou Jesus como Messias,
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utilizando o grego helenístico ‘ó χρıστóς’ como sinónimo do hebraico Mashiah. Mas isto constituiu um erro linguístico grave. Um caso especial, entre tantos outros, foi o da confissão de Pedro (Mc.8,28-30, e nos outros evangelhos sinópticos: Mt. 16,13-28; Lc.9,18-27). A discussão sobre esta matéria é apresentada em Mc.12,35-37 (e loci paraleli nos outros sinópticos); e a discussão é terminada, na boca de Jesus, evocando o Salmo (nº hebraico) 110:1-3, onde o próprio David chama a seu filho ‘Senhor’! ‒ Esta é uma resposta do tipo ‘reductio ad absurdum’… Se isso já acontecia no A.T., a institucionalização burocrática, no N.T., do Messianismo, veio a misturar e a confundir todas as funções vocacionais/pessoais de Jesus: as funções, que lhe eram atribuídas: Messias, Rex, Sacerdos, Victor… tudo foi misturado e confundido até à exaustão… no sentido perverso e errado de recuperar a sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord e o padrão errado da Espécie, que é o ‘Homo Sapiens tout court’. Resumamos, pois, as funções vocacionais/pessoais, extraídas das Escrituras, mas criticamente expurgadas: Jesus (em latim e línguas neolatinas e outras…) = Iahwéh est salus! É a sua semântica. Jeoshua (heb.), discípulo de João Baptista, e membro inicial dos Essénios (o 3º Partido dos Hebreus, para além dos Saduceus e dos Fariseus, a que pertenceu o Rabi Saulo). Como viveu em Nazaré, veio a integrar o Grupo dos ‘naziritas’ = puros e eticamente exigentes. Que se saiba, não veio a integrar o Grupo dos ‘Ebionitas’ (ou vegetarianos), ao qual veio a pertencer Tiago, irmão de Jesus e bispo de Jerus-lém. A condição de Rex, (da linhagem de David), nunca a recusou, e assumiu-a até incluir o processo da crucifixão, por parte do Procurador Pilatos, representante do Império Romano, e com a pressão cobarde da multidão. Deixou-se ungir (em casa de Maria e Marta). Assumiu-se como Rei ungido (= Xristós do grego helenístico). Como já foi dito, o Mashiah (heb.) não é sinónimo do Xristós helenístico (cujo erro se encontra, frequentemente, na Bíblia do N.T.. Os reis, sim, eram ungidos, para o início das suas funções. A própria tradição escriturística diz que os reis (especialmente, os teocráticos…) era costume ungi-los, com óleos próprios. Assim, quando é dito que Christós (grego helen.) significa o mesmo que Mashiah (heb.) e Unctus (latino), tem de considerar-se isso, inexoravelmente, como um Erro. Os Judeus, sim, esperavam um Unctus exímio/excepcional: Vd. Ps.2,2; Is.61,1; Mt.2,4; 22,24; Jo.1,20.41; Act.2,36. Assim, por conseguinte, a expressão Jesus Cristo = Messias (hebraico) constitui um erro semântico Grave. (Pode dar-se conta desse Erro, na litania de mais de 300 citações bíblicas, extraídas do A.T. e N.T., encimadas por essa epígrafe, no Appendix da Edição da Bíblia da B.A.C. (Madrid, 1953), pp.68-69: no ‘Index Biblicus Doctrinalis’ da Bíblia Vulgata, em latim, iuxta Vulgatam Clementi-nam). N.B.: No Curso da Licenciatura em Filosofia (nas Univ. Pont. e Católicas), embora, tradicionalmente, na História das Cristandades, a Filosofia fosse tomada e considerada ‘Ancilla Theologiae’ (expressamente, desde as duas Summae de Thomas d’Aquino), o Factum é que a Filosofia era tão alargada e estendida… até à própria natureza da chamada Vida Vegetativa, que essa extensão se alargou e estendeu, igualmente, à chamada Theologia Naturalis. Em nome do Deus creator omnium rerum, do Universo, do Cosmos e de todas as espécies de Vida!...
Desde Gottfried Leibniz (1646-1716) em diante, a chamada Teologia Natural passou a designar-se como Teodiceia, i.e.: Realização da Justiça de Deus no Mundo. Entretanto, o filósofo alemão continuava a asseverar e a defender, na sua TEODICEIA, a doutrina filosófica que trata da Existência de Deus, enquanto Prima Causa omnium rerum, afirmando e defendendo a sua omnipotência, a sua omnisciência e a sua bon-dade. Theou + Dikè (= Justiça de Deus). ‒ A conclusão a extrair deste Factum é esta: Até nas esferas da Filosofia e da Teologia, há uma espécie de ‘Traditio Armata’, que vai, infelizmente, no sentido do pendor inercial para as Ciências Físico-Naturais e o sempiterno Monismo Epistémico, sob o céu ‒ o que é espantoso!... ‒ do DUALISMO METAFÍSICO-ONTOLÓGICO de Platão e Paulo!... Onde pára o ‘Intimior Intimo Meo’ de Aurélio Agostinho?!... O Deus (psíquico) que reside, como Testemunha, da Verdade, nessa Trindade, que é a Consciência do Indivíduo-Pessoa/Cidadão?! (Sujeito//Objecto//Testemunha)?!... *
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● ‘Se fordes meus discípulos, conhecereis a verdade, e a verdade libertar-vos-á’ (Jo.8,32). ‒ E claro que ‘o meu Reino não é deste mundo’ (Jo.18,36). ‒ ‘Pilatos perguntou-lhe: então tu és rei? Tu dizes que eu sou rei. Eu nasci nisto e por isso vim ao mundo, para dar testemunho da verdade. Todo o que é verdadeiro, ouve a minha voz. Disse-lhe Pilatos: Quid est veritas?! E dito isto, saiu de novo para junto dos Judeus e disse-lhes: não acho aqui nenhuma causa de morte’ (Jo.18,37-38). ‒ “Escrevo a história do que se passou connosco, desde aquele momento em diante. Tantos virão depois de nós, e nenhum deles o terá visto, e eles deverão estar cer-tos daquilo que vimos”. (In ‘Margaret George: ‘A paixão de MARIA MADALENA’, Ed. Chá das Cinco, Port., Set. de 2015, p.9). A Autora tece-nos um resumo esquematizado do seu magnífico Livro (romance histórico, razoavelmente investigado e documentado) no parágrafo seguinte, que escre-veu no seu Posfácio (p.635): “No caso de Maria Madalena, ela é citada nos quatro evangelhos canónicos ‒ os de Mateus, Marcos, Lucas e João, e relacionada com cinco acontecimentos: 1) a libertação de sete demónios por Jesus; 2) a sua decisão de acompanhar Jesus, bem como outras mulheres que ele curara, e dar apoio material à sua missão; 3) a sua presença no momento da crucificação; 4) a sua visita, na manhã da Páscoa, à sepultura de Jesus, para o ungir; e 5) o encontro com Cristo ressurecto. (No evangelho de João, Jesus aparece-lhe, pela primeira vez, ordenando-lhe que vá avisar os outros, o que lhe valeu o título de ‘Apóstola dos Apóstolos’). Apóstolo é ‘aquele que é enviado’. Discípulos e apóstolos não são, necessariamente, a mesma coisa. Paulo era um apóstolo, mas não um discípulo. Maria Madalena era ambas as coisas, assim como o Pedro, João e Tiago”. ‒ Por isso, Paulo ‒ como já demonstrámos no nosso Livro de 2007, ‘Traição de São Paulo’ ‒ atraiçoou a Mensagem Projecto de Jesus da maneira mais perversa e estúpida… A Cultura e as Sociedades humanas não mudaram de Eixo, como Jesus pretendera. M.G. acrescenta o parágrafo seguinte (ibidem), que tem a sua importância: “Maria Madalena reaparece nos evangelhos apócrifos, documentos que foram posteriormente elaborados (alguns, no séc. III… [mas outros, no séc. I]). Esses textos incluem os evangelhos de Maria, de Filipe, de Tomé, de Pedro e a Pistis Sofia. Nestes textos gnósticos, que enfatizam os ensinamentos secretos e a sabedoria, Maria Madalena aparece como uma figura iluminada, que possui conhecimentos espirituais especiais e por isso é respeitada por Jesus. Estudiosos sustentam que isto pode reflectir uma memória histó-rica da posição de destaque, que ela ocupou entre os discípulos. No entanto, estes textos não incluem informações pessoais sobre ela”. Maria, a Madalena (de Magdala, a cidade junto ao mar da Galileia) terá nascido ca. do ano 1 da E.c.; Jesus entre 5 e 7 a.E.c.. Jesus ‒ sabemo-lo dos Documentos do Qumran (1947) ‒ terá morrido em Jerusalém, com ca. de 78 anos. Maria, a Madalena, que terá casado (já era viúva) em Caná da Galileia, com Jesus, e viajou muito, entre Magdala (onde ficara a sua filha) e Éfeso, para onde fora com João (o discípulo amado), terá morrido ca. dos 90 anos. O Evangelho de João foi escrito por três pessoas: João, Filipe e Jesus. (Sabemo-lo, a partir da descriptação dos Documentos do Qumran, atra-vés do Livro escrito pela escritora/exegeta australiana Barbara Thiering, no seu Livro, já citado: ‘John’s Gospel/The Book that Jesus wrote’. João e Madalena foram os últimos a falecer (cf. op. cit., p.568). Na contracapa do Livro, pode ler-se o feixe variegado de questões a que a Au-tora pretende responder: “Este é um romance ambicioso e envolvente sobre Maria Madalena, a amada discípula e companheira de Jesus. Mas quem foi de facto esta mulher? Uma prostituta? Uma representação do sagrado feminino? Uma líder da Igreja? Ou todas elas? As referências bíblicas a Maria Madalena são surpreendentemente breves e continuam a provocar controvérsia ou veneração. Sustentada em investigações históricas e bíblicas, Margaret George recria a vida de Maria Madalena de forma soberba. Da adolescência como uma menina comum ‒ com os seus sonhos, visões, erotismo e encontro com Jesus ‒ até à sua transformação numa mulher adulta, que vive uma notável evolução espiritual”. Arrolemos, finalmente, um pequeno florilégio de notas e temas, atribuídos a Maria Madalena por M.G., no 3º capítulo do Livro, i.e., no período em que ela foi considerada a ‘APÓSTOLA’ (pp.565-638), a ‘Chefe’ dos Apóstolos, ‒ decorrentes do que a Autora chamou: ‘O Testamento de Maria de Magdala, também chamada Madalena’. É que tais notas e temas
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convergem totalmente com o que, no JESUANISMO, o CEHC tem chamado a Mensagem/Projecto de JESUS, em sintonia perfeita com o paradigma específico do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. ‒ Configuraram e instruíram um curso, para os aderentes à comunidade, a que deram o nome de ‘katekhoúmenos’, cujo significado é ‘o que é instruído de viva voz’. “As pessoas tinham que aprender algumas coisas, antes de poder fazer parte da nossa comunidade: a vida de Jesus, os seus ensinamentos, a tarefa que nos dera, a sua morte e a sua gloriosa vida eterna. Elaborámos uma fórmula para os baptizados, que seria recitada com a mão sobre a cabeça da pessoa que fosse imersa na água. “Tu, que foste baptizado em Cristo, és agora parte de Cristo. Nem judeu, nem grego, nem escravo nem homem livre, nem homen, nem mulher. És um na pessoa de Jesus Cristo”. [Aqui, o que conta é o universalismo!...]. O novo convertido, ainda molhado, era de seguida levado para uma sala, onde era convidado a participar da ceia da celebração, com toda a comunidade comemorando e cantando. Depois, alguém oferecia-se para ser o orientador e guia do novo cristão durante os primeiros meses, e essa pessoa era considerada como um parente consanguíneo. Alguns achavam que tudo isto era demasiado formal, e que a única exigência devia ser a convicção da uma fé interior e a proclamação, em público, de que ‘Jesus é o Senhor!’. Porém, com o tempo, prevaleceu a nossa fórmula”. (Op. cit., pp.623-624). ‒ Sobre a questão de saber quando a noite começa a ser dia, ‒ uma pergunta feita ao homem sábio: “Seria quando já não se consegue ver as estrelas a brilhar no céu? Seria quando se distingue a diferença entre uma linha preta e uma linha branca? O homem sábio abanou a cabeça, embora aquelas fossem consideradas como definições padrão. ‘É quando olhas nos olhos de outro homem e constatas que ele é teu irmão’, disse ele. E se estiverem a viver um novo tempo, é assim que podem saber que o mundo anti-go terminou”. (Op. cit., p.608). ‒ Maria de Magdala, depois de curar uma mulher endemoninhada, disse aos pre-sentes que ia até Jerusalém. E um homem perguntou-se se ela ia para a verdadeira Igreja-mãe. A resposta de a Madalena não se fez esperar: “Nós não somos os guardiãos da verdade ‒ disse eu. Isso é absurdo. Não existe uma doutrina. Jesus não disse que onde estivessem duas ou mais pessoas reunidas, ele estaria presente? Nós não somos como os sacerdotes do Templo. Não temos um Templo, não teremos uma autoridade superior, não faremos pronunciamentos”. (Op. cit., p.605). ‒ Sobre os diferentes cargos e as hierarquias. “‒ Não queremos representantes oficiais! ‒ disse um rapaz jovem. ‒ Supostamente, somos todos iguais. A partir do momento em que seja eleito um presbítero, inicia-se uma hierarquia. E como irão distribuir os cargos? Os mestres serão menos importantes que os que fazem caridade? E as pessoas que fazem profecias? Diga-nos, então: os discípulos de Jesus não eram todos iguais? ‒ Antes de eu responder, conti-nuou: ‒ Escuta-se muito sobre como Pedro recebeu uma missão especial de Jesus. Isso é verdade? A senhora estava lá. Isso é verdade?” […]. “‒ Os seguidores de Pedro dizem que ele tem o poder de perdoar pecados ‒ insistiu o jovem. “‒ Eu nunca ouvi Pedro dizer isso ‒ disse eu. ‒ E passei muito tempo com ele. Não acredito que Jesus tenha designado um sucessor. Ele sabia que éramos todos indignos de o ser. Ou igualmente dignos de o ser” (Op. cit., p.601). ‒ Depois do Processo de crucifixão de Jesus. Maria, a Madalena, morava numa casa grande, fundada por João, no Monte Sião, em Jerusalém. João perguntou-lhe, para onde iria, agora com 42 anos. “Comecei por apresentar as minhas dúvidas, uma a uma. Primeira: Gostaria de me certificar se existiam seguidores do CAMINHO em Magdala. Segunda: era necessário saber em que condições se encontrava a comunidade na região da Galileia, para que pudesse preparar um relatório. Terceira: Jerusalém estava muito perigosa e, portanto, era preferível ir para qualquer outro lugar, por enquanto”. (Op. cit., p.592). Restolhos da contenda entre Tiago (irmão de Jesus) e Paulo, no Concílio de Jerusalém: “E como havia opiniões e interpretações distintas sobre o que deveríamos fazer! Um grupo, liderado por Tiago, o irmão de Jesus, entendia que só pelo cumprimento rigoroso da Lei de Moisés encontraríamos rumo neste novo território em que pisávamos. Defendia que deveríamos continuar a frequentar o Templo, para cumprir todas as exigências da Lei e, em última instância, sermos mais santos que os fariseus. Sentiram-se insultados com as acusações de que
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Jesus troçara, em parte, da Lei, e insistira em provar que ele e os seus seguidores eram filhos obedientes das antigas tradições. “Outros diziam: ‘Tiago, acabou. Devemos ir em frente’ “. (Op. cit., p.587). ‒ Sobre as diferentes movimentações que iam surgindo, após o Processo de Jesus: Sobre as maquinações ‘terroristas’ de Caifás (o sumo sacerdote) para manter a ‘Law & Order’, Maria Madalena, prudente, dizia de si para si: “Devemos obedecer a Deus, e não aos homens!” (Ibi, p.583). Gamaliel (fariseu e doutor da lei) virou-se para Caifás, e lembrou-lhe que estavam, na rua, as movimentações de Judas, o galileu, e de Teúdas, com quatrocentos homens. Entretanto, Gamaliel pronunciara-se, argumentando: “É só o que digo: deixem essas pessoas em paz. Soltemnos. Se o seu movimento vier de Deus, ele os defenderá e nada o irá deter. Se não for, perecerá. É muito simples. Não há que fazer coisa alguma. ‒ Fez uma pausa. ‒ Caso esse seja um movimento que venha de Deus, vocês não vão, por certo, querer opor-se a ele, não é verdade?” (Ibidem). ‒ Sobre os episódios variegados das chamas, no Dia de Pentecostes. Pedro interveio, para acalmar os ânimos da multidão, e disse: “Erguendo a voz, gritou: ‒ Ouçam-me todos! ‒ As suas palavras tinham o peso da autoridade. ‒ Nós não estamos bêbedos. Ainda é manhã cedo. Não é nada disso! O que se passou foi o previsto pelo profeta Joel: Deus disse que ocorrerá nos últimos dias. Nas suas palavras, ‘derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; os vossos filhos e filhas profetizarão, os vossos velhos sonharão, e os vossos jovens terão visões; até sobre os servos e sobre as servas derramarei o meu Espírito nesses dias. Mostrarei prodígios no céu e na terra: sangue, fogo e colunas de fumo. O Sol converter-se-á em trevas, e a Lua em sangue, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor. E todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo”. (Op. cit., p.574). ‒ É nesse contexto, que Pedro diz e conclui, depois: “ ‒ Portanto, que toda a Ca-sa de Israel saiba e reconheça que Deus fez de Jesus O Messias e o Senhor ‒ dizia Pedro. ‒ O homem que vocês crucificaram, Jesus, é o Cristo, o ungido de Deus”. […]. “Sem hesitar, Pedro respondeu: ‒ Devem arrepender-se e baptizar-se, todos e cada um de vós, em nome de Jesus, o Cristo, para que sejam perdoados os vossos pecados. Então, receberão o dom do Espírito Santo”. (Op. cit., p.575). Ora, é aqui mesmo que se inicia toda a confusão sistémica, entre o baptismo de João Baptista (destinado ao arrependimento e perdão dos pecados), e o novo baptismo de Jesus, como Carta solene de entrada, na vera Nova Aliança do ‘Homo Sapiens// //Sapiens’. Na Comunicação do Bispo de Éfeso, por ocasião da celebração da festa litúrgica de Santa Maria de Magdala, datada de 22 de Julho de 510 da Era comum, proclamada a partir da Igreja do Apóstolo São João, para ser distribuída pelas igrejas da Província, podia ler-se (entre outros temas) este parágrafo: “Na sua idade extremamente avançada, ela costumava vir à nossa igreja e dizer nada mais do que: ‘Meus filhos, amai-vos uns aos outros’. Os seus discípulos perguntavam por que repetia sempre as mesmas palavras, e ela dizia sempre: ‘É a ordem de Jesus e, se só isto for feito, já será suficiente…”. (Op. cit., p.633).
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DO JESUANISMO ● As Fontes principais do C.E.H.C. (em função das pesquisas a empreender e dos objectivos/missões a atingir) são: o Socratismo e o Jesuanismo. O Caminho a percorrer é o (sempre ignorado ou esquecido, ao longo de mais de dois milénios de História filosófico-cultural e do Processo Civilizatório ocidental/mundializado…) Hilemorfismo aristotélico. Tudo isto já foi, adequadamente, esclarecido e explicado, em termos gnóseo-epistemológicos (a partir de 1995),
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através de inúmeras publicações (portuguesas e latino-americanas e de outras plagas do Planeta), bem como através da Revista Electrónica: noética (noetica.com.br). SÓCRATES instaurou o Diálogo Maiêuitico nas origens de todas os Conheci-mentos, Saberes, Ciências, ‒ o que, por definição e estrutura operativa, implica Regime Democrático, sério e honesto. JESUS (prosseguindo uma Revolução sócio-cultural geminada com a Revolução Socrática) instaurou a Justiça jesuânica, essa semente que produz uma Sociedade pacífica (‘opus Justistiae Pax’!) e a bela e justa Harmonia entre Humanos e Natureza: (Exactamente o contrário do que preconizam os 3 primeiros caps. do Génesis, cujos mitemas ostentam uma índole conquistadora e dominadora). Os dois Pais Fundadores tiveram a Sabedoria e a Fortuna de instaurar, para o Futuro, o vero e autêntico Paradigma da Espécie Humana: ‘o HOMO SAPIENS//SAPIENS’, que, afinal, ao longo de mais de dois milénios e meio, foi postergado, esquecido e demolido pelo padrão específico falacioso do ‘Homo Sapiens tout court’, acompanhado da sempi-terna Cultura do Poder-Dominação d’abord. O JESUANISMO começou a ser intuído e percepcionado, a partir da 2ª metade do séc. XX, na base de dois pilares centrais: A) O Trabalho criticista dos Intelectuais (filósofos, teólogos, cientistas), filhos e herdeiros dos Iluminismos do Séc. XVIII. B) As novas Descobertas de textos da Bíblia (‘Sagradas Escrituras’), quer os procedentes do Qumran (e dos Essénios…) (1947); quer os oriundos dos Gnósticos (judeo-cristãos primevos), descobertos (1945) em NAGHAMMADÍ. Estas duas Fontes de Textos Escripturísticos ajudaram a iluminar e a revolver todos os tradicionais Textos canónicos, que eram lidos, nas Cristandades, como doutrina dogmática, inalturada e incontornável. O Projecto criticista dos Intelectuais do Ocidente (ateus, agnósticos, crentes críticos, anarquistas, revolucionários…) ganhara novo fôlego: Não eram só as Religiões, qua tais, que se constituíam como ‘o ópio do Povo’ (como perorava K. Marx). O que era, verdadeiramente, ‘o ópio do povo’, eram, precisamente, as ‘Religiões Institucionali-zadas’, enquanto tais: na medida, justamente, em que eram constituídas como uma sorte de ‘Duplo’ (esquizofrenado) das próprias Sociedades humanas institucionalizadas, ‒ isto mesmo em virtude da Dogmática admitida, na Organização das Sociedades Humanas, do chamado Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo. As massas/ /multidões não se emancipavam, porque as próprias elites societárias travavam e impediam a realização de um tal Projecto. A Liberdade, proclamada por políticos e agentes/ /actores dos Sistemas Educativos, era substituída pelo fantasma do ‘livre arbítrio’ (que não passa de uma simples lei binária do pêndulo.
* ● Vamos, agora, falar de um Livro, que, a posteriori, podemos considerar a Forja e o Espelho do que o CEHC tem chamado JESUANISMO. Tem por título ‘A VIDA PRIVADA DE JESUS: O Evangelho Perdido’. A autoria é de 2 Grandes Senhores canadianos (Simcha Jacobovici, cineasta premiado e, recentemente, Docente no de-partamento de Religião na Univ. de Huntington, Canadá; Barrie Wilson, prof. universitário de Estudos Religiosos na Univ. de Iorque, Canadá). É uma Obra editada pelo prestigiado Clube do Autor, Lisboa, 2015. Gira tudo à volta de um Documento (encriptado: ‘o evangelho siríaco’, com o título estranho de índole parabólica ‘José e Assenat’) do Cristianismo primitivo, que tem pelo menos 1450 anos (‘o evangelho siría-co’, que é do séc. VI, teve uma edição original, em grego helenístico, do séc. I, data dos primeiros evangelhos canónicos, que se perdeu). Foi encontrado, na Biblioteca Britânica com a seguinte identificação: ‘Manuscrito 17202’. Se já fora (sobretudo, para o grande público) uma revelação espantosa (em torno das origens do Cristianismo) o romance histórico de DAN BROWN (na 1ª década do séc. XXI), ‘O Código DA VINCI’, e o Filme, com o mesmo título, da Columbia Pic-tures/2006, sob a Direcção de Ron Howard, ‒ pode muito bem dizer-se, com acerto, que a substância e as linhas gerais do que aí se viu encontram, bem desenvolvidas e argumentadas, nesta Obra magisterial (recheada, no final, com um enorme acervo de Notas explicativas e de esclarecimentos. ‒ A nossa observação criticista ao Livro é só uma: Consideramos o título demasiado fruste e modestíssimo, para as
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matérias, os temas e os objectivos, verdadeiramente revolucionários, que ele encerra. Quem tem olhos para ver, que veja bem!... É sabido que Jesus teve um notável activismo público, antes da sua crucifixão. Mas, antes, o que havia ele feito? Nascido ca. do ano 5 a.E.c., a sua crucifixão terá ocorrido à volta do ano 30 da E.c., ou de 33, segundo outras fontes. Aos 12 anos (Lc. 2:41- 2:51), sabemos que foi com os pais a Jerusalém, para celebrar a Pessach, i.e., a Páscoa judaica. Nós presumimos e supomos (com fundamentos), que ele estudou na Escola Superior de Alexandria (fundada por Alexandre Magno, e onde os 72 sábios traduziram a Bíblia do hebraico para o grego helenístico). Os nossos Autores dizem, logo no Prefácio (p.13): “Existem agora provas escritas de que Jesus fora casado com Maria Madalena e que tiveram filhos”. Madalena era um título: ‘a Madalena’ = ‘a senhora da torre’. (Sabemos dos Documentos do Qumran, que os filhos de ambos tiveram nomes régios: Jesus I; Jesus II.) Jesus foi, nesses Tempos da vida pública, uma Figura política, confrontada com outros políticos. “Com base nessas novas provas ‒ escrevem os Autores (ibidem) ‒ sabemos como era o movimento original de Jesus e qual o inesperado papel que a sexualidade nele desempenhava. Decifrámos as questões políticas por trás da crucificação, bem como os acontecimentos e as pessoas envolvidas”. Sabemos que sem o conhecimento do método ‘pesher’, não se teriam percebido, nem os textos, nem as personagens dos Documentos do Qumran; aqui, a fortiori, visto que se trata de texto ‘parabólico’, com suposta referência a Figuras do A.T., sem a descriptação adequada também não se chegaria às veras interpretações das identidades das personagens. Tem-se dito e repetido, tradicionalmente, que Paulo foi o vero fundador do ‘universalismo cristão’, na medida em que assumiu o seu Cristo Jesus como messias judaico. Mas esse suposto universalismo cristão é já uma ‘religião institucionalizada’, diferenciada da hebraica, mas religio. Ora, o universalismo de Jesus (casado com uma princesa pagã, Maria-a-Madalena (que se uniu a Jesus e não careceu de se converter a nada…) é, originalmente, jesuânico, e assumese como um Projecto universal de Organização pacífica das Sociedades humanas. Há um ‘cristianismo’ pré-paulino, nos textos da ‘Didaqué’, onde a eucaristia é uma simples refeição de acção de graças, e não são feitas alusões ao pão = carne de Jesus e ao vinho = sangue de Jesus. (Cf. op.cit., p.15). Dizem (ibidem) os Autores da Obra em causa: “O que também reivindicamos é termos recuado até à versão mais antiga do texto, tê-lo traduzido e descodificado o seu significado. Como demonstraremos, o documento em questão é um Evangelho vagamente disfarçado. Foi talvez codificado por uma comunidade perseguida de cristãos, de modo a poupar a literatura do grupo à fogueira dos opressores”. ‒ É, entretanto, curioso advertir que a noção de ‘Reino de Deus’, como intuição e profecia de uma Sociedade humana, onde reinará, universalmente, a Justiça sobre toda a Terra, já se encontra no A.T.. “No entanto, o que aconteceu antes do seu aparecimento? Segundo o documento que descobrimos, algures durante esse período, [por volta dos anos 20 da E.c., Jesus] ficou noivo, casou-se, teve relações sexuais e filhos. Antes que o leitor recorra aos seus conhecimentos teológicos, deve ter presente que não estamos a atacar qualquer teologia. Apresentamos um relato com base num documento. A teologia tem de seguir o facto histórico, e não o contrário. […]. Até aqui, afirmamos meramente que a Bíblia cristã não nos diz nada acerca dos anos iniciais de Jesus, e que descobrimos um texto que afirma que ele era casado e que teve filhos” (iidem, op.cit., p.14). ‘José e Assenat’ é o título alegórico desse Evangelho Perdido!... Não se trata do israelita José (filho de Jacob e vendido como escravo pelos irmãos e que, depois, se tornou governante do Egipto, como é lembrado no Génesis) e de uma qualquer sua esposa egípcia, Assenat. A pesquisa não se fez sem conjecturas… “Inicialmente, conjecturámos que poderia ter alguma coisa a ver com Jesus. Afinal, o texto foi preservado em mosteiros cristãos. Por outro lado, o José da história é representado ‒ em linguagem erudita ‒ como uma figura salvadora. Trata-se de um antigo israelita que salvou o seu povo da extinção e os egípcios da fome. A partir desta ideia, começámos a explorar a possibili-dade de o José em causa poder ter sido um substituto de Jesus. A semelhança foi fácil de ver. Afinal, José, tal como Jesus, foi presumido morto e apareceu vivo; também ele começou de forma humilde e tornou-se uma espécie de rei. Apesar das semelhanças, apercebemonos de que não tínhamos uma prova indiscutível, que justificasse uma equivalência entre o José de José e Assenat e o Jesus dos Evangelhos” (iidem, ibi, p.16).
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Continuam os nossos Autores (ibi, p.18): “Este trabalho de detective levou-nos à área do cristianismo de língua siríaca ‒ pouco compreendida no mundo actual, mas ex-tremamente influente na Antiguidade ‒, bem como ao mundo do chamado cristianismo gnóstico: o misticismo cristão precoce. Abriu-se uma porta para um mundo perdido do entendimento cristão primitivo”. “A certa altura, apercebemo-nos de que o nosso obscuro manuscrito é, na realidade, um Evangelho perdido, e que aborda menos Jesus e mais sobre Maria. Na ver-dade, o tema é Maria como a ‘Noiva de Deus’. Num dado nível, é uma emocionante história de amor: primeiro encontro, impressões iniciais, preparativos para o casamento, a cerimónia e finalmente a descendência. A outro nível, é também uma história de política, intriga, traição e misticismo”. (Iidem, op.cit., p.19). Em suma, é todo o Outro Lado Humano/Social de Jesus, que é posto em destaque, e desenvolvido segundo as sucessivas ocorrências históricas. Questionam os Autores (ibi, p.20): “Mas por que razão o casamento se mantinha secreto? Se foi um facto histórico, por que se transformou em rumor histórico? Por que foi relegado para as franjas da nossa cultura? Por que foi Maria Madalena excluída, por assim dizer, dos re-latos autorizados da vida de Jesus? Por outras palavras, por que foi ocultado este capí-tulo da vida de Jesus? Quando se chega ao nosso manuscrito, por que teve o autor de codificar o texto para o preservar? Tínhamos, finalmente, um documento descodificado, que podia responder a todas estas perguntas”. E, nessa Perspectiva histórico-social/humana, as surpresas não deixaram de vir e acumular-se: “De forma inesperada, através deste texto, deparámo-nos com um movimento cristão primitivo [nós, no CEHC, preferimos chamar-lhe jesuânico!...], ‒ amplamente diferente do movimento messiânico judeu chefiado por Tiago, irmão de Jesus, e do gentílico Movimento de Cristo conduzido por Paulo que, eventualmente, se transformou no cristianismo, como o conhecemos hoje. De facto, o grupo dos seguidores de Jesus, que redescobrimos, é anterior a Paulo e leva-nos a um mundo perdido inacessível durante séculos”. (Iidem, ibi, pp.20-21). Abrindo os olhos, para a pluralidade dos movimentos que seguiam Jesus, dizem, acertadamente, os nossos Autores (ibi, p.21): “Contudo, quando olhamos para os primeiros séculos do crescimento cristão, não devemos cometer o erro anacrónico de pensar que toda a gente concordava com Paulo, e com a versão do cristianismo que herdámos dele. Mais, a sua versão não representava a expressão normativa da nova fé. Todos os movimentos com origem em Jerusalém ‒ gnósticos, ebionitas, e nazarenos ‒ discordavam da visão de Paulo da mensagem de Jesus”. A autêntica Mensagem de Jesus ‒ como nos diz o Evangelho Siríaco ‒ tem um carácter eminentemente histórico e sócio-político, onde não faltam as conspirações sonegadas e a necessidade de esconder a própria Mensagem!... “O Documento dá voz àqueles que não conseguiram ser reconhecidos. Por exemplo, deparamo-nos com uma teologia da redenção não paulina. O Evangelho perdido é sobretudo uma história de salvação ‒ mas representa uma perspectiva que hoje não é reconhecida, embora nela acreditassem muitos dos membros da Igreja primtiva. Propõe uma Teologia da Liber-tação humana, acentuadamente diferente, da herdada de Paulo e dos seus seguidores. É uma teologia baseada no casamento de Jesus, e não na sua morte, nos seus momentos de júbilo, não na ‘paixão’ do seu sofrimento”. (Iidem, op. cit., p.22). Procurando atingir toda a verdade, escrevem os nossos Autores (op. cit., p.23): “A mensagem de Jesus era radical e sediciosa: ‘Em breve chegará ‒ o ‘Reino de Deus’. Em palavras simples, declarar que o Reino de Deus estava na cúspide da história constituía um desafio vigoroso à viabilidade e continuidade do domínio romano sobre a Judeia judia. Jesus foi mais longe: afirmava que muitos entre a sua audiência viveriam para ver a redenção ‒ o fim do domínio romano e a sua substituição pelo Reino de Deus. Trata-se de uma afirmação magnífica, que provocou enormes expectativas. A poderosa mensagem de Jesus ligava-se profundamente ao sonho messiânico da antiga Israel. Deus ‒ assim se pensava ‒ interviria nos assuntos humanos, enviando um mensageiro semelhante a Moisés, ou messias. Todos os impérios ‒ e povos ‒ malévolos seriam arrasados, incluindo os romanos e lançados para o monte de lixo da história. E tudo isto ia acontecer não num futuro distante, mas no imediato. “ […] Era uma situação explosiva. É notável que o período do activismo de Jesus ‒ o seu chamado ministério ‒ possa ter durado três anos, considerando a natureza incendiária da pregação. A sua mensagem não era apenas religiosa: era profundamente política e potencialmente
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ameaçadora para a autoridade estabelecida. É incrível, mas a faceta política de Jesus tem sido muito subestimada. Ao pôr em relevo uma conspiração desconhecida contra a sua vida, anterior à que é narrada nos Evangelhos, o texto redescoberto volta a colocar a história de Jesus no contexto histórico-político de que fora reti-rada”. Os nossos Autores encontraram a referência (provavelmente de um monje) a uma antiga carta siríaca, enviada a Moisés de Ingila, anunciando-lhe esse documento secreto, em grego helenístico do séc. I, e solicitando-lhe que o traduzisse para siríaco. Tanto o monge, como o tradutor para siríaco, por volta de 550, se deram conta da im-portância e do carácter críptico do Documento. (Cf. ibi, pp.24-26). Embora Jesus se reivindicasse, desde cedo, de dons ou funções divinas (originados no famoso tetragrama hebraico (Iahwéh), em função da Mensagem e das obras taumatúrgicas, que operava, o certo é que esse estatuto divino ou semidivino não fazia parte dos aributos de Jesus, tanto no Movimento de Jesus como fora dele. (Ibi, p.455, nota 40).
* ● Alguns temas e teses do Evangelho Siríaco (respigados a partir da Obra em causa) mais importantes e que nos mereceram maior atenção, em confronto com os Estereotipos tradicionais, divulgados nas Cristandades paulinas. Objectivo psico-pedagógico: ajudar na correcção ou na eliminação deles. ‒ O ‘British Library Manuscript Number17.202’ (datado de 570 E.c.) fez um percurso curioso, até chegar à Biblioteca Britânica. Foi adquirido ao egípcio Auguste Pacho, natural de Alexandria, e procedia do Mosteiro de S. Macário, no Egipto, funda-o, no séc. VI, entre o Cairo e Alexandria. Trata-se de um mosteiro sírio, não copta. O Documento entrou na B.B. a 11 de Novembro de 1847. As investigações levadas a efeito sobre a identificação (literária e semântica) do Documento levaram a conclusões: a) que havia um original (escrito em grego helenístico), muito provavelmente do séc. I, logo a seguir ao Tempo de vida de Jesus, ‒ original esse que se perdeu; b) Sendo a sua titulação críptica, foi necessário indagar a partir dos conteúdos do Livro, referenciá-lo sócio-historicamente, para chegar à conclusão de que não era um texto do A.T., mas do N.T., referenciado a personagens muito recentes (Jesus e Maria, a Madalena). A necessidade da escrita encriptada tornou-se óbvia, a partir da própria análise e enquadramento semânticos dos conteúdos. Quem conhecer o modo de escrita segundo o método pesher, que os estudiosos descobriram nos ‘Documentos do Qumran’ (também chamados ‘Dead Sea Scrolls’) não estranhará nada do que se está asseverando. Eram tempos de convulsões societárias e de perseguições de uns grupos por outros grupos, ou destes pelas Autoridades Estabelecidas. José, desde logo, é configurado como uma personagem, a um só tempo, espiritual e terrena. Assenat é entendida e referenciada, na sequência da Divindade pagã feminina, Ártemis, rodeada de ‘abelhas’, como uma ‘Cidade de Refúgio’. As abelhas andam, também, à volta de Assenat e da sua Torre (de menagem e defesa). (Cf. op. cit., pp.29-449. O Documento em causa tem a sua origem num grupo cristão, não judeu. Nos pri-meiros 3 sécs. da E.c., o símbolo cristão mais frequente e usual era o peixe (da Era do Aquário, a que pertenceu a vinda de Jesus). Por quê? Peixe diz-se, em Grego, IXTHUS, que é um acrónimo da fórmula referenciada às funções/títulos de Jesus: ‘Jesus Christós, Theou Uiós Sotér’: ‘Jesus Cristo, Filho de Deus Salvador’. O título ‘Filho de Deus’ era mais usado no mundo helenizado gentílico; o título ‘messias’, mais em voga entre os judeus da nação. O Símbolo cristão da Cruz e do crucificado começou a ser generalizado e formalizado, a partir do Edicto de Milão/313 (sob o pressuposto de que o Impe-rador Constantino teria visto no céu uma cruz, quando se deu a sua batalha vitoriosa sobre Maxêncio, na Ponte Mílvius, sobre o rio Tibre, em 312; e, sobretudo, a partir da dogmática definida no 1º Concílio Ecuménico/Niceia 325. (Entretanto, já a mãe de Constantino, Sta Helena, havia feito as suas peregrinações a Jerusalém, na mira de juntar e reunir os diferentes pedaços de madeira da Cruz, num Relicário, que ficou, desde logo, às ordens do Imperador, o qual presidiu ao dito Concílio Ecuménico, ainda sem ser baptizado. Baptizou-se uma semana antes de morrer, em 337, porque, por esse meio sacramental, todos os pecados e penas lhe ficavam perdoados!...). Esta é, em pleno e absolutamente, ainda hoje, a Doutrina corrente do Cristianismo paulino em (quase) todas as Cristandades do Mundo.
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‒ O Documento em causa (‘José e Assenat’) faz parte de uma colecção maior de escritos, que foram reunidos, por volta de 570, por um monge cristão de língua siríaca (língua geminada com o aramaico, a língua-mãe de Jesus). Os nossos Autores, em vez de lhe chamarem ‒ como era habitual, entre os bibliófilos ‒’Pseudo-Zacarias Retórico’, chamaram-lhe Zacarias Segundo (cf. ibi, p.45). Moisés de Ingila, (o tradutor do grego para siríaco), era um homem sábio. Cita Prov.13,3: “Aquele que vigia a sua boca guarda a sua vida; o que é imponderado no falar, busca a sua ruína”; e Prov.25,2: “A glória de Deus é deixar as coisas encobertas, e a glória dos reis é investigar tudo” (cf. ibi, p.47). Comentário dos Autores: “Embora reconhecendo esta prerrogativa divina, Moisés de Ingila confirma que o documento contém de facto um sentido oculto: tem que ver, diz ele, com a Palavra que se trans-forma em carne ‒ isto é, está relacionado com Jesus. Nas suas palavras: ‘Pois eu li a história no antigo livro em grego, que me enviastes, e nele existe um sentido profundo. Em resumo, para dizer a verdade: o nosso Senhor, o nosso Deus, a Palavra que, por vontade do Pai e pelo poder do Espírito Santo do Senhor, tornou carne e [se tornou humana] e foi unida à alma com os seus sentimentos completamente…’ ” (ibidem). ‒ Conc. Ecum. de Niceia/325. Aí, foi definido dogmaticamente o chamado Símbolo/Credo atanasiano, o Credo oficial dos Cristianismos paulinos, adoptados em todo o Império Romano, sob a égide de Constantino Magno. Desta sorte, as tendências e os Movimentos Gnósticos foram banidos, ao mesmo tempo, que foi oficializado o Dogma da Trindade divina, ‒ o qual incluía, eo ipso, o dogma da plena divinização de ‘Cristo Jesus’ (na expressão típica de Paulo). Com que pressupostos (ou preconceitos…) nós encaramos a História!... Os nossos Autores escrevem, a propósito da Hist. do Cristianismo, tal como ela foi feita, do seguinte modo (ibi, p.49), interpretando outro texto de Zacarias Segundo: “Trata-se de um importante escrito acerca de Constantino, o primeiro imperador cristão. Segundo Constantino, o cristianismo talvez tivesse permanecido como um conjunto de grupos díspares ‒ minorias perseguidas ‒ a lutar entre si: arianos, gnósticos, ebionitas e muitos outros, além dos chamados cristãos ortodoxos, com origem nos ensinamentos de Paulo. Através da acção de Constantino, esta última forma de cristianismo emergiu como a religião preferida do império. Motivação de Constantino? Há várias possibilidades, mas a história tradicional é a visão do sinal da cruz no céu antes de uma batalha decisiva; outra é o entendimento de que o império necessitava de uma nova fé, mais robusta, que reforçasse as suas instituições. De todo o modo, Constantino agiu rapidamente no senti-do de reverter as políticas anticristianismo do seu antecessor, Deocleciano”. ‒ As três línguas principais, usadas pelos antigos cristãos: o grego, o latim e o siríaco (cf. ibi, p.53). “O siríaco é um dialecto do aramaico, a língua falada por Jesus e pelos seus primeiros discípulos. Escreve-se da direita para a esquerda, tal como o hebraico e o árabe. A leitura dos Evangelhos em siríaco é o máximo que hoje podemos aproximar-nos do som e dos matizes das palavras originais pronunciadas por Jesus. Durante séculos, muitos cristãos do Império Romano do Oriente usaram o siríaco na sua liturgia e nos Evangelhos, hinos e escritos teológicos. No seu auge, nos séculos III a VII, o cristianismo de língua siríaca rivalizou em dimensão com o cristianismo de lín-guas grega e latina, estendendo-se desde os actuais Turquia, Líbano, Síria, Iraque, Irão e Afeganistão e chegando a algumas regiões da Índia e, até, à Mongólia e à China”. (Ii-dem, ibidem). O Cristianismo, polarizado no nosso Evangelho Siríaco, é de índole gnóstica nítida, com o seu centro na esotérica ‘câmara nupcial’, de onde irradia o Amor e a Harmonia/Paz entre os dois Sexos: é um evangelho da Vida!... (Cf. op. cit., pp.62 e ss.). Quando os dois Sexos forem uma só realidade?!... Leitmotiv do modo de Pensar Gnóstico. ‒ O curto-circuito na Evolução histórico-cultural da Humanidade e das Sociedades humanas começou a dar-se, quando se atirou para as periferias da Caminhada histórica os tópoi/tipos de Teoria/Doutrina da Evolução cultural da Humanidade. Tem isto a ver com a chamada ‘Teologia da História’, que actua por saltos, em vez do puro seguimento das linhas de continuidade da História. Por exemplo: A Torre de Babel é um tópos/tipo, que precede a vera Torre/ponte entre humanos e Deus; tal como a entrega da Tora ao povo israelita, por intermediação de Moisés, no Sinai, constitui e antecipa o Sermão da Montanha de Jesus, nos Evangelhos. (Cf. op. cit., p.79).
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Nesse horizonte da Evolução cultural, os cristãos siríacos assumiam as secções da Bíblia, v.g., o A.T. e o N.T., como um todo unificado. No séc. IV, Efrém, o Sírio, (306-373), que participou no Conc. Ecuménico de Niceia/325, considerava que José é um substituto de Jesus, e Assenat uma substituta de Maria, a Madalena. Eis algumas das principais comparações tipológicas de Efrém: “ ‘Os irmãos de José conspiraram para o destruir’. Também ‘os judeus’, que eram ‘irmãos’ de Jesus, conspiraram contra ele, dizendo: “Este é o herdeiro, vamos matá-lo e tudo será nosso. ▪ Os irmãos de José, enquanto comiam, venderam José; ‘os judeus’, enquanto partilhavam a refeição da Pessach, mataram o Salvador. ▪ José desceu até ao Egipto; Jesus desceu à Terra dos mortos. ▪José resistiu ao poder da mulher de Potifera; Jesus destruiu o poder da morte. ▪ José salvou os irmãos; Jesus salvou-nos a todos”. (Idem, ibi, pp.86-87). No N.T., a esposa de Jesus, Maria de Magdala (em aramaico; Migdal, em he-braico) é assim chamada com a adição de um título: ela é Maria, a senhora da Vila da Torre. O termo Assenat = Torre. Maria, a Madalena, é igual, nos Evangelhos, a ‘Maria, a Torre’. Por isso, no Evangelho Siríaco, ‘José e Assenat’, Assenat é a substituta de Madalena. Nos Evangelhos gnósticos, esta matéria das equivalências torna-se, ainda, mais clara e nítida: “Os evangelhos gnósticos são ainda mais directos do que os canónicos acerca do papel de relevo de Maria, a Madalena, e do seu relacionamento pessoal com Jesus. Estes textos cristãos primitivos, por exemplo, o Evangelho de Maria Madalena, afirmam claramente que Maria, a Madalena, é a pessoa mais próxima de Jesus. É descrita em grego como a sua koínonos, um termo que pode ser traduzido por ‘companheira’, e, de facto, é assim que tem sido traduzido de igual forma rigorosa por ‘amante’”. (Iidem, ibi, p.98). ‒ Antes da Doutrina dogmática do Cristianismo paulino, que teve livre curso na História e, a partir do Concílio de Niceia/325, impôs o silêncio e a postergação efectiva a todos os Escritos Gnósticos, no universo judeo-cristão primevo, os Evangelhos gnósticos eram venerados e estudados por muitos militantes de uma veramente Nova Aliança. Maria, a Madalena, era considerada o discípulo mais próximo e a confidente de Je-sus. No Evangelho de Maria Madalena, os discípulos estão desnorteados, no encalço da crucifixão. Vieram ter com Maria, a Madalena, a quem perguntaram: “Como podemos nós ir para os gentios e pregar a boa nova do reino do menino da humanidade? Se não o pouparam, como seremos nós poupados?” (Cf. Iidem, p.100). A Madalena é, além do mais, uma pessoa habituada a liderar. “Enquanto Pedro e os outros discípulos tremem, Maria assume o comando, reconfortando-os a todos e tratando do seu pedido de que lhes transmita os ensinamentos secretos de Jesus. Ela é claramente o apóstolo para os apóstolos, a apostola apostolorum” (Iidem, ibidem). ‒ Em bom rigor (e tornando mais coerente o texto dos nossos Autores), é forçoso falarmos, nos primeiros três séculos, que se seguiram à proclamação da Mensagem, por parte de Jesus, e ao seu processo de Crucificação, (ou seja, antes de Niceia/325), de 4 Movimentos (uns mais cristãos… outros mais jesuânicos), que passamos a enunciar. É que não se trata, apenas, de ‘três formas distintas de cristianismo primitivo, cada uma diferindo em certa medida das outras em crenças e em práticas’ (cf. iidem, ibi, p.107). Como se o Movimento Gnóstico fosse uma sorte de actuação/visão bastarda, alojada no sótão da Casa!... A) O Movimento de Jesus, chefiado por Tiago, seu irmão, em Jerusalém, que reunia os primeiros seguidores judeus, eram ebionitas e vegetarianos; cumpriam a Tora, e olhavam para Jesus como o Messias esperado ou ‘redentor humano’. B) O Movimento das comunidades gentílicas seguidoras de Jesus, que tinha a sua chefia em Maria, a Madalena. Preservaram um Jesus (judeu) mais histórico, mas introduzindo ideias não judaicas no seu movimento, i.e., a elevação de Jesus, de Messias humano, à condição de uma espécie de ser divino ou ‘Filho de Deus’ (como era chamado). Por sua vez, a Madalena era uma espécie de ‘Noiva de Deus’. C) As congregações eclesiais, reunidas por Paulo, nas suas viagens, era um Movimento com características já mais especializadas: Tudo partia das visões de Paulo a partir do Cristo
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morto e ressuscitado e de toda a natureza (bíblica) da Salvação da Humanidade, mediante o Sacrifício Redentor de Cristo Jesus. Maria, a Madalena, e a Vida humana de Jesus, bem como a sua própria Mensagem evangélica, ‒ tudo isso ficou reduzido ao mínimo, ou mesmo anulado. D) Suplementarmente, os nossos Autores evocam, ainda, um quarto movimento, baseado no cristianismo gnóstico. Para nós, este Movimento tinha abundantes bases escriturísticas, que cedo foram sonegadas e excluídas como heréticas. Havia judeus e gentios nesse movimento; e seria, porventura, o mais revolucionário de todos os quatro. Mas a Potestas/Dominação d’abord não lhe deu livre curso ao longo do Processo his-tórico. Era o mais socialmente igualitário de todos!... Observam, todavia, os nossos Autores, com acerto (ibidem): “Os primeiros dois movimentos [o de Tiago e o de Maria, a Madalena] devem ter saído do círculo dos íntimos de Jesus ‒ judeus e gentios. Paulo, que entrou em cena em meados dos anos 30, chefiou o Movimento de Cristo alguns anos depois da crucifixão de Jesus. Em termos simples, como salienta o nosso texto, Paulo parece ter tido muito pouca ligação com o Jesus da história, os seus primeiros seguidores judeus ou o início do Movimento de Jesus gentílico. Ao contrário de Maria, a Madalena, e Tiago, Paulo nunca conheceu o Jesus que ensinou em finais da década de 20, por toda a Galileia e em Jerusalém. ‒ ‘Filho de Deus’ é noção gentílica (na Praxis societária); ‘mashiach’ = messias é noção bíblica hebraica. O cruzamento das duas noções surge na ideosincrasia dos cristãos gentílicos. É, por isso, que é no Evangelho Siríaco que melhor se perfila o Pro-jecto Revolucionário de transformação, de fond en comble, das Sociedades humanas. Escrevem, aí, os nossos Autores (p.128): “Dirigindo-se a Deus, Assenat/Maria, a Madalena, afirma que não tinha compreendido que José/Jesus era o seu ‘Filho’ (6:3, 6:5, 13:9). Esta é portanto a sua epifania. Avalia que José/Jesus é nada mais nada menos do que o ‘Filho de Deus’ (6:3). Isto não é, evidentemente, o que classificaríamos como conversa judaica. É cristã de ponta a ponta. Embora os judeus continuem à espera de um Messias, não o imaginam como um ‘Filho de Deus’. Só os cristãos combinaram o con-ceito judeu de um ‘Messias’ com o conceito gentílico de um ‘Filho de Deus’. Para os judeus, o Messias é um ser humano, um rei ungido de Israel e um dirigente poderoso, que ajudará Deus a desencadear a transformação do mundo”. ‒ Tanto em Ártemis, (a deusa pagã) em Éfeso, como na Vila da Torre, de Maria, a Madalena, são configuradas, escultoricamente, abelhas (melissai!...) e seios, p-ra, em termos semântico-culturais, mostrar a exuberância da fecundidade da Vida, no feminino. É curioso notar que os próprios sacerdotes essénios eram designados como ‘reis abelhas’ (cf. ibi, pp.139…; p.143…). ‒ Jesus é a vera Videira, em contraste com o Imperador Romano (cf. ibi, pp. 165 e ss.). Até aos Macabeus (165 a.E.c.), as duas funções (a de rei, como Moisés, e a de sumo sacerdote, como Aarão) estavam separadas. A partir dos Macabeus, as duas funções foram unificadas numa só pessoa. Jesus, como a vera Videira, que é fecunda e frutifica, já usufrui da unidade dessas funções. ‒ O núcleo dos núcleos da Boa Nova de Jesus é que o filho de Deus vai casar-se: Mt.22:1-4 fala-nos da ‘Parábola da Festa de Casamento’. Este é o maior Casamento de todos os Tempos: o de Jesus com Maria, a Madalena, por volta do ano 15 da E.c., em Caná da Galileia (cf. iidem, ibi, pp.186…). A explicação cabal, para tudo isto, não pode ser-nos facultada senão pelo cristianismo gnóstico. (Cf. iidem, ibi, pp.196 e ss.). Gnósis (do grego) = Conhecimento, percepção profunda. Os Gnósticos estão nos antípodas do Paulinismo e da sua doutrina sobre o Sexo e a Sexualidade, nos antípodas do histórico Cristianismo paulino. Assim, do ponto de vista dos Gnósticos, o Casamento de Jesus e Maria, a Madalena constituía “a base para a salvação da humanidade”. Paulo, o que propunha, em alternativa? A ‘Paixão de Cristo’ enquanto sacrifício redentor para a humanidade. Mas a ideologia dos sacrifícios humanos arcaicos já tinha esgotado todo o seu tempo histórico!... (Cf. iidem, ibi, pp. 196…). Paulo construiu a sua teoria/doutrina, sem ter conhecido a vera Mensagem de Jesus e, ainda pior, sem ter conhecido a sua Vida real!... Por seu turno, “os gnósticos pensavam que a morte de Jesus não tinha em absoluto qualquer significado. Concentravam-se na vida, vitalidade, sexualidade e, mais significativamente, no casamento, através do qual eles acreditavam que Jesus
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ligara o céu à terra. Seja qual for a verdade, o facto é que os gnósticos procuraram teologizar a história, enquanto os cristãos paulinos tenta-ram historiar a teologia”. (Iidem, ibi, pp.198-199). “Os gnósticos mantiveram-se separados dos cristãos paulinos, as ‘Congregações de Cristo’, como ficaram conhecidos. Enquanto para os seguidores de Paulo, Jesus era um deus; para os gnósticos, ele era um guia e um mestre, enviado pelo verdadeiro Deus para iluminar a humanidade e agir como catalisador para o crescimento, maturidade e redenção espiritual”. (Iidem, ibi, p.199). Na verdade, o que os Gnósticos pretendiam com a sexualidade e a união sexual do casal, era o regresso à Era da GILANIA (7.500-3.500 a.E.c.), onde Homem e Mulher eram considerados moral e juridicamente Seres Humanos em pé-de-igualdade. ‘Cristo’ era o novo Adão, que devolvia a Lilith (ou Assenat ou Sophia), a igualdade de direito que lhe cabia, por vocação e condição, como acontecera no Jardim do Eden, antes da ‘queda’. “De acordo com eles, este era o único rumo para ultrapassar o ‘pecado original’ ‒ não o de Adão, mas o de Sophia. Se tudo isto pode parecer estranho, mantenha em mente que o sexo pecaminoso é um conceito pós-paulino. Antes de Paulo, pelo menos no chamado mundo pagão, o sexo era redentor. […]. Por outras palavras, o sexo entre reis e rainhas divinos [como acontecia no Egipto dos Faraós] era diferente do sexo entre todos os outros. Porque eles eram, simultaneamente, divinos e humanos, o seu acto de procriação era uma metáfora da própria criação”. (Iidem, ibi, p.203). O Contraste entre as duas concepções da Sexualidade humana ‒ a dos Paulinos e a dos Gnósticos ‒ torna-se manifesto, quando os nossos Autores afirmam (ibi, p.204): “Segundo o cristianismo ortodoxo ou paulino, o espírito transformava-se em matéria, o Logos divino encarnava. Para os gnósticos, era ao contrário: a carne tinha de se tornar espírito. Por esta razão, o cristianismo paulino celebrava o ascetismo e os gnósticos celebravam o sexo”. Deste sorte, concluem bem os nosso Autores (ibi, p.211): “Quando se dorme com um deus, não se perde a virgindade. Se isto é verdade, chegamos à conclu-são de que a verdadeira Virgem Maria era a mulher de Jesus e não a sua mãe”. “Tal como em José e Assenat, o Evangelho de Filipe celebra o encontro no leito nupcial do homem, da mulher, e do ‘anjo’ ‒ ou seja, o físico é literalmente transposto para o espi-ritual quando o homem, a mulher e o reino celeste se encontram em perfeito equilíbrio”. (Iidem, ibi, p.212). Em toda esta temática sexual do Gnosticismo, nunca será demais relembrar a ancestral retoma da Era da GILANIA (7.500-3.500 a.E.c.), onde Homem e Mulher conviviam em perfeita Igualdade moral e sócio-jurídica; antes, portanto, da introdução histórica do Processo civilizatório, marcado pelo Patriarcado, pelo Machismo, pela Dominação do Homem sobre a Mulher e, consequentemente, pela conquista, dominação e destruição da Natureza e de uma adequada Ecologia (convívio natural/normal dos Humanos com a Madre-Natura). Hoje em dia, a problemática gravíssima das Alterações Climáticas (desencadeadas pelo Processo civilizatório, tal como o conhecemos), não terá solução eficaz e adequada, se, além dos Factores tecnológicos apro-priados, para a reconquista do Equilíbrio, não tiver, em linha de conta os adequados Factores culturais, de índole psico-sócio-antropológica. Escreveram, com acerto, os nossos Autores (op. cit., p.222): “Foi preciso o evangelho perdido José e Assenat para trazer luz à abordagem desta [nova] teologia. Não nos enganemos sobre ela: não tem que ver apenas com a libertação sexual, é um modelo diferente de redenção. Neste cenário, a salvação não foi obtida pela morte de Jesus, mas sim através do seu casamento gerador de vida, relações sexuais e descendência. É uma união o que traz todo o universo de volta à harmonia primordial. A câmara nupcial ‒ não a santa comunhão, a missa ou a eucaristia ‒ foi o ritual pelo qual os seus primeiros discípulos tomaram parte neste processo de redenção. Este é o elemento-chave que foi mantido oculto durante quase dois milénios, pela interpretação paulina das palavras de Jesus durante a Última Ceia”. O Evangelho Siríaco (‘José e Assenat’) “encontra a sua casa natural no gnosticismo valentiniano. De facto, parece descrever a situação que deu origem ao gnosticismo”. (Iidem, ibi, p.229). Ele enquadra-se, perfeitamente, também nos Evangelhos gnósticos de Filipe, de Maria, de Tomé, e no Evangelho Secreto de João. “No gnosticismo, o foco reside na celebração da vitalidade e da descendência. O acto mais sagrado é o sacramento da câmara nupcial, ou seja, a sacralização do sexo. De acordo com esta perspectiva, o aeon Jesus (o Jesus iluminado) cumpriu a sua tarefa, não quando se fez homem,
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e não quando foi crucificado, mas quando conheceu, se casou e manteve relações sexuais com Maria, a Madalena. Deste modo, ele devolveu a obstinada Sophia ao seu devido lar. Como refere o Evangelho de Filipe (63:33), ‘Sophia (…) é a mãe dos anjos e a companheira do [salvador]. O [salvador amava] Maria, a Madalena, mais do que [a todos os discípulos], [e ele] beijava-a com frequência (…)’. Além disso, tanto no Evangelho segundo S. João como no Evangelho de Filipe, Jesus é descrito co-mo o ‘Verbo’ ”. (Iidem, ibi, p.229). Na linha dos gnósticos valentinianos, “quando Jesus se casou com Maria, literalmente devolveu a harmonia ao cosmos. Num certo sentido, a sua união devolveu a hu-anidade a um estado anterior à expulsão do paraíso. No Jardim do Éden, Adão e Eva eram inocentes e impudentes”. (Iidem, ibi, p.230). Por outro lado, no Evangelho de Tomé (v.22), pode verificar-se o mesmo ideograma: “Quando homem e mulher se unem num só, de tal forma que o homem deixa de ser homem e a mulher deixa de ser mulher (…), então entram [no Reino]”. ‒ Jesus como mamzer (apesar de ser chamado Messias, Cristo, Filho de Deus…). No Talmude (o código rabínico judaico do séc. II), é insinuada a convicção de que Jesus era um mamzer, i.e., o filho de uma mãe adúltara… a mãe ter-se-ia envolvido numa união adúltera com uma pessoa de nome Pantera, a tal ponto que Jesus seria, por alguns, chamado ben Pantera. (Cf. iidem, ibi, pp.245 e ss.). Desta sorte, Jesus não podia, sequer, casar com uma mulher judaica, segundo a mesma lei judaica. Já advertimos, anteriormente, que Jesus teve de litigar, em tribunal, com seu irmão Tiago (nascido já dentro do casamento consumado) a sua condição de primogenitura. (Esta é uma informação colhida nos ‘Dead Sea Scrolls’). ‒ A confirmação da recuperação da Era ancestral da GILANIA, antes da entrada no scenario do Processo civilizatório (em 3.500 a.E.c.), onde os dois Sexos humanos eram colocados, moral e juridicamente, em paridade perfeita, acontece, na sua pleni-ude, a partir da Escritura Sagrada de ‘José e Assenat’ (o Evangelho Siríaco). “A Igreja dos Gentios era uma religião da vida, que celebrava a vitalidade e encorajava os mem-bros a imitarem Jesus, não através do celibato, mas através da santa comunhão entendi-da como sexo sagrado”. (Iidem, ibi, p.261). “Parece agora que a Igreja gentia de Maria, a Madalena, é o elo em falta. Parece que aquilo que conhecemos como cristianismo gnóstico teve origem nos seguidores de Mara, a senhora ‒ Maria, a Madalena. [Enquanto princesa pagã/gentílica, ela tinha uma mundividência filosófica helenística completa.]. “A exemplo do Movimento do Jesus judeu em Jerusalém, com Tiago, a Igreja original dos gentios esperava que o Reino de Deus se manifestasse na Terra, conforme Jesus prometera. Estes gentios também esperavam vir a fazer parte do reino messiânico, tal como os judeus fariam. Acreditavam também que os gentios podiam ser os herdeiros das promessas de Deus a Abraão, através da participação no movimento de Jesus. Na sua perspectiva, o movimento fora fundado, tanto espiritual como fisicamente, através da sagrada união do Jesus judeu com a gentia Maria, a Madalena. Eles eram os escolhidos de Deus, para corrigir o erro que corrompera a humanidade. Eram os que tinham restaurado o todo, a integridade e a harmonia para o universo. Tal como o evangelho de José e Assenat e os textos dos gnósticos valentinianos deixam claro, os seguidores gen-tios de Maria, a Madalena, acreditavam que seriam salvos pelos actos de Jesus e Maria. Assim, segundo a Igreja dos Gentios primitiva, a redenção ocorre, não pela participação na morte de Jesus na cruz, mas pela emulação da sua vida no leito matrimonial”. (Iidem, ibi, pp.260-261). Desta sorte, se, no horizonte dos textos canónicos do N.T. e dos Judeus, em confronto com a Dominação do Império Romano sobre a Província da Judeia, tudo parece convergir para a constatação de que o Processo da condenação à morte e à Crucifixão de Jesus tem a sua fons et origo na Judeia e no seu Sinédio, ‒ no horizonte do Evangelho Siríaco, pelo contrário, tudo parece convergir para uma grande cons-piração, engendrada, aos mais altos níveis, a partir da capital do Império, com o objec-tivo de matar Jesus, raptar Maria, a Madalena, e igualmente matar as suas crianças. (Cf. Iidem, op. cit., pp.263 e ss,). Não esquecer que estamos, em cheio, num ambiente sócio--político imperial, estigmatizado pela Cultura ideológica da PotestasDominação d’a-bord!.. ‒ Tudo começa por pequenas questões delicadas e miúdas, mas intrigantes, que surpreendem os sensatos e sábios. Não é no N.T. canónico que, nestas questões da Conspiração, é asséptico… É num texto gnóstico, titulado ‘Pistis Sophia’ (= A Sabedoria da Fé’) que a Questão
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começa a assomar. Maria fez uma confidência a Jesus nestes termos: “Pedro faz-me hesitar; tenho medo dele porque odeia as mulheres” (cit. ibi, p.265). Num grupo de discípulos/Apóstolos, todos homens, à excepção de uma mulher, e educados numa cultura machista, tudo isso e mais… era sempre de temer. Maria, a Madalena, desapareceu dos textos canónicos do N.T., que tiveram em Paulo o seu Chefe de Orquestra!.... Ora, toda a Mensagem, Obras e Actuações/Proclamações de Jesus são, essencial e nuclearmente, de um Homem eminentemente político, que oferecia e manifestava um Projecto político revolucionário para transformar, de fond en comble, todas as Sociedades humanas. Um homem assim tinha, por força, os seus adversários e inimigos. A sua mensagem política era mesmo radical: instaurar o Reinado de Deus, não só em Israel, mas em todas as Sociedades da Terra. “Segundo Jesus, em breve surgiria uma nova fase na história do mundo, dominada por uma Israel renovada com o seu próprio rei, a partir da restauração da monarquia de David”. (Iidem, ibi, p.267). A Escritura titulada ‘José e Assenat’ identificava o vilão com o nome de código ‘filho do faraó’ (ibi, p.266). Mas, afinal, a ladainha dos vilões era enorme e parecia não ter fim!... Escreveram os nossos Autores (ibi, p.269): “Os Manuscritos do Mar Morto, descobertos em 1947, também narram a história de uma figura messiânica, que sofreu atentados semelhantes (‘homens violentos procuraram roubar-me a vida’), e que escapa por pouco (‘vós salvastes a vida do pobre que eles planeavam destruir’); tudo está aparentemente relacionado com intrigas em torno do Templo de Jerusalém (‘[o meu] sangue, que eles planeavam derramar sobre o tema do serviço do vosso Templo’)”. Assim, eram, de facto, muitos os inimigos (jurados…) de Jesus. Os saduceus (que eram ‘os donos’ do Templo…); e os fariseus que, enquanto populares mestres judeus da Tora, residiam nas vilas e cidades, e eram frequentemente chamados para dirimir contenciosos e ajudar a resolver problemas jurídicos. Das três correntes político-religiosas, existentes em Israel, (Saduceus, Fariseus, Essénios), ‒ os Essénios eram considerados os mais flexíveis e condescendentes. “Os grandes sábios rabínicos Hillel e Shammai viveram e ensinaram exactamente antes de Jesus aparecer. Eles, tal como o Mestre de Justiça, mencionado nos Manuscritos do Mar Morto, interpretavam a lei para o povo”. (Iidem, ibi, p.270). ‒ Ora, “para pessoas habituadas a um Jesus que é contra a Tora, é difícil pensar nele como judeu ortodoxo. Mas tanto o seu primo João Baptista, como o seu irmão Tiago, eram nazireus [ou naziritas]: pessoas que tinham feito um voto especial de respeito absoluto à Tora. Por exemplo, ao contrário da maioria dos judeus, os nazireus não cortavam o cabelo e eram abstémios. Em termos da rigorosa observância da Tora, pelo menos no início, Jesus estava aparentemente à direita dos fariseus e à esquerda dos essénios” (Iidem, ibidem). Entre os próprios discípulos de Jesus, alguns (como Tiago e João, filhos de Ze-bedeu) eram combatentes, não pacifistas. Judas Iscariotes (que foi feito tesoureiro do Grupo), ou Judas, o Sicário, pertencia à “seita mais fanática dos zelotas, que recebera o seu nome a partir da sica, ou pequena adaga”. […]. “Facto é que Jesus, no fim, é crucificado entre dois zelotas, designados bandidos ou lestai pelos Evangelhos. Talvez nesta altura, Jesus já tivesse abandonado a ideologia dos zelotas, mas parece que nin-guém informou os romanos”. (Iidem, ibi, p.274). Escrevem com acerto os nossos Autores (ibidem): “Em qualquer acontecimento, há outra faceta de Jesus: Lucas refere que Jesus disse: ‘Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam. Abençoai os que vos amaldiçoam, rezai pelos que vos caluniam. A quem te bater numa das faces, oferece-lhe também a outra; e a quem te levar a capa, não impeças de levar também a túnica’ (Lc.6:27-29). Ou isto é uma tentativa posterior de apresentar um Jesus não zelota ao mundo, ou o próprio Jesus mudou de ideias sobre a eficácia da luta armada. A ser verdadeira a segunda hipótese, teria uma considerável influência na explicação que levará alguém como Judas, o Sicário, a atraiçoá-lo, bem como por que fizera inimigos no campo dos zelotas/sicários”. Ora, o 1º candidato a vilão (verificado, tanto no Evangelho Siríaco, como nos próprios Evangelhos canónicos…) é Herodes Antipas, nomeado, pelos romanos, governador judeu da Galileia (onde era residente a família de Jesus). A Herodes Antipas, chama-lhe Jesus ‘raposa’ (Lc.13,32). Maria, a Madalena, no Ev. Siríaco (12:12), chama ao faraó ‘velho leão’. Quando, entretanto, o imperador romano Tibério morreu, F. Josefo escreveu, para informar que o velho
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‘leão morrera’; e, em seguida, seria nomeado, pelos romanos, como rei dos judeus, Herodes Agripa. Herodes Antipas era um mero lacaio do leão. (Cf. Iidem, ibi, p.275). Depois do mandato (glorioso e cúmplice com Roma) de Herodes-o-Grande (4 a.E.c.–41 E.c.), o imperador romano Calígula nomeou rei dos judeus Agripa, neto de Herodes-o-Grande, que alguns até acreditavam ser o messias. O diferendo, que maquinou a conspiração contra Jesus, começa nesta operação de Calígula, que surpreendeu, pela nomeação de Agripa, em vez de Antipas. “Mas Herodes Antipas não foi só um potencial rei. Foi o chefe de um movimento político helenizado [como já começara no longo reinado de seu pai], os herodianos ‒ judeus que adoptavam a cultura grega, apoiavam a dinastia herodiana e defendiam a reivindicação de Herodes ao título de rei dos judeus. Provavelmente, quereriam que ele fosse rei do vasto território que o seu pai tinha governado, uma área re-manescente do reino de David. Alguns herodianos acreditavam que o caminho da salva-ção passava por terem um autêntico rei dos judeus e uma política de conciliação com os romanos. Acreditavam que a conciliação ‒ não a revolução ‒ era o caminho para a salvação. No tempo de Jesus, as reivindicações messiânicas não foram as únicas e estavam quase sempre ligadas a ambições políticas”. (Iidem, ibi, p.278). Assim, na vertente política da libertação da nação judaica do jugo do Império romano, Herodes Antipas era o grande protagonista. “Para proteger o seu estatuto, Herodes seguia constantemente a política de Roma. Fora educado na cidade e conhecia os principais actores. Augusto, Tibério, e a estrela em ascensão Sejano, que com o tempo viria a rivalizar com o próprio imperador, até à sua súbita queda em 31 da E.c.”. (Iidem, ibi, p.279). Escrevem os nossos Autores, com um arguta e fina percepção dos fenómenos (ibi, p.280): “A secção final do nosso evangelho perdido ‒ a que trata da conspiração para a morte de Jesus, dos seus filhos e da violação e morte de Maria, a sua mulher ‒ obriga-nos a rever a nossa percepção do mundo, em que Jesus e Maria viveram. A imagem que José e Assenat nos dá dos golpes e contragolpes que alcançam os mais altos níveis do poder aproxima-se mais da realidade histórica do que as imagens evocadas pelos programas de televisão especiais de Natal. Jesus e Maria não devem ser vistos no contexto da vida campestre da Galileia, mas sim no contexto político da elite romana. Precisaremos de examinar o golpe contra Jesus e Maria como uma conspiração conge-minada ao mais alto nível”. Quem seria mesmo o Vilão, neste contexto?!... Calígula ‒ que se tornara imperador em 37 da E.c., nomeou Agripa como ‘rei dos judeus’, ‒ o qual estava prestes a ser declarado messias, por alguns dos seus seguidores (como escreveu F. Josefo). Tudo is-so, com a bênção de Roma!... Os nossos Autores caracterizam o contexto das situações, tanto a partir do Establishment de Roma, como a partir do de Jerusalém (op. cit., p.282): “A nomeação de Agripa como rei dos judeus era, afinal, uma consequência da entrada de Roma no ‘jogo do messias’. Basicamente, os romanos decidiram tornar-se proactivos. Em vez de esperarem pelo aparecimento do revolucionário messias judeu, nomearam o seu. Terá sido o messiado patrocinado por Roma oferecido a Jesus? Terá sido isso a tentação? Terá Jesus rejeitado o que Agripa aceitou? “Em qualquer caso, a nomeação de Herodes Agripa como rei despertou a ira da mulher de Antipas, Herodíades. A situação era especialmente revoltante, porque ao longo dos anos ela e o marido tinham ajudado Agripa com fundos e apoio. Mais ainda, ela era de ascendência real hasmoniana (isto é, macabeia), e via Agripa como um usur-pador. Sentindo que aquele era o momento, persuadiu o marido a dirigir-se a Roma, para mais uma vez defender a sua pretensão à realeza. Antipas fracassou na missão. Foi colhido de surpresa por Agripa, que contra ele conspirou, e informou o seu amigo, o imperador Calígula, de que anos antes, Herodes Antipas estivera envolvido numa cons-piração contra Roma”. Entretanto, há uma informação importante e decisiva, sobre uma situação de curiosidade e desprezo, por parte de Antipas, em relação a Jesus, que ficou descrita no 3º evangelho sinóptico/canónico (Lc.23:6-12), e que é esclarecedora de como, no processo conspirativo, acontece que, às vezes, os inimigos se tornam amigos. Deram conta disso os nossos Autores nos dois parágrafos seguintes (op. cit., pp.283-284): “Mas o Evangelho segundo S. Lucas observa algo muito interessante relativamente a Herodes Antipas ‒ que no dia da crucificação de Jesus, ‘Herodes e Pilatos ficaram amigos, pois antes eram inimigos’ (23:12). Esta é uma afirmação estranha. Nunca nos foi dito por que eram inimigos, nem quais as razões da reconciliação. Além
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disso, por que condu-ziria a crucificação de Jesus a uma amizade entre Antipas, o tetrarca judeu, e Pilatos, o procurador romano? “Surpreendentemente, podemos colher vasta informação histórica a partir desta frase em Lucas… que tem também a ver com a acusação de Agripa contra seu Tio Antipas. Em concreto, acusou que, aquando da crucificação de Jesus, Herodes Antipas conspirara contra o imperador Tibério. O alegado conspirador era um homem chamado Sejano. Ora, Pilatos ‒ o amigo reencontrado de Antipas ‒ fora nomeado por Sejano; portanto, talvez houvesse base para a acusação de Agripa”. ‒ Anote-se que Sejano detinha o cargo importante de prefeito pretoriano em Roma, e o seu poder aumentava devido às ausências de Tibério em Capri. Pôncio Pilatos era o 5º prefeito romano e ami-go de Sejano, que o nomeara como procurador para Jerusalém e governador romano da Judeia. Pôncio Pilatos foi procurador romano da Judeia, desde 26 a 36 da E.c.. De facto, os evangelhos canónicos, ao polarizarem o Processo de Jesus nos Judeus, não estão a branquear Pilatos e os Romanos. Desde logo, o Procurador romano parece estar bem informado do problema da ‘pluralidade’ dos messias e suas maquinações. Ele distinguiu-se bem por dois motivos: a) a busca da verdade, no processus; b) o alijar, como juiz supremo, das suas responsabilidades pessoais, entregando-as a um sorteio das mul-idões. ‘De minimis non curat Praetor’ ‒ diria um conhecido parergo romano/latino!... Sobre esta problemática, os nossos Autores tecem o seguinte Quadro (ibi, p. 285): “Uma vez que Pilatos fora nomeado por Sejano, será possível os Evangelhos não mentirem sobre Pilatos? Bem pelo contrário, poderão eles descrever correctamente um momento de incerteza, cuja data pode ser estabelecida? Será possível que a clemência de Pilatos para com Jesus reflicta um momento exacto de incerteza histórica? Estaria Pilatos desconfiado, quanto aos contactos de Jesus? Poderá José e Assenat proporcionar-nos informação decisiva ‒ em falta nos Evangelhos ‒ que nos ajude a reconstituir com todo o rigor os acontecimentos que conduziram à crucificação de Jesus?” Sabemos que, muitas vezes, as conspirações são engendradas e resolvidas nos bastidores do scenario. Desde logo, é bem possível que Jesus tenha evoluído, quanto às sempre cruciais questões da paz e da guerra. Deixaria, assim, de ser uma ameaça tão grande para Antipas. “Talvez tenha sido por isso que Joana e o marido, Cusa, tenham conseguido que Antipas deixasse Jesus em paz. Ironicamente, foi uma mulher com ligações a Antipas, Herodíades, que decidiu o destino de João Baptista, e parece ter sido uma mulher ligada a Antipas, Joana, que salvou a vida de Jesus enquanto ainda vivia na Galileia”. (Iidem, ibi, p.286). Quanto aos imperadores romanos, a sua catena era suficientemente conhecida. Augusto (em 4 da E.c.: por volta do nascimento de Jesus) elaborou o seu plano de sucessão: ‘adoptou’ Tibério como filho e herdeiro. Por seu turno, Tibério teria de ‘adoptar’ em contrapartida, Germânico, sobrinho de Augusto, como filho e herdeiro. Para além de algumas variantes, a ‘missão divina de Jesus’ era clara: “libertar a Judeia e o mundo da idolatria romana, mais concretamente, do culto imperial: a adoração de um homem como deus. Jesus cresceu durante esse período específico, dominado pela esperança na vinda do messias”. (Iidem, ibi, p.288). “Sejano era o governador de facto nomeado por Roma, na época em que Jesus atraía multidões na Galileia e se dirigia para Jerusalém. Além disso, Pôncio Pilatos, que mais tarde decretaria a crucifixão de Jesus, era o braço direito de Sejano. Na verdade, até Pilatos, Roma nomeava dois governadores (uma combinação de governadores e prefeitos) para aqueles territórios: um instalava-se em Jerusalém e o outro na Síria. Contudo, para reforçar a posição de Pilatos, Sejano protelou o envio de alguém para a Síria. Desta forma, certificava-se de que o seu representante em Jerusalém seria mais forte do que qualquer outro prefeito anterior”. (Iidem, ibi, pp.287-288). Pilatos foi governador plenipotenciário da Síria e da Judeia, dado que, durante todo esse tempo, o governador nomeado por Sejano, Lúcio Élio Lâmia, foi retido em Roma, para outras funções. As operações conspirativas para identificar os actos de Vilania, no processo de Jesus, encontram-se na tríade das personagens Antipas, Pilatos, Sejano, que surgiram em cena e, pela negativa ou pela positiva, urdiram o enredo conhecido nos Evangelhos canónicos do N.T.. Citemos, mais uma vez os nossos Autores (ibi, p.294), para enquadrar o contexto: “O Manuscrito
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de José e Assenat reflecte este período na perfeição, mas acrescenta algo às histórias de intriga na luta pelo poder. Alega que Maria, a Madalena, poderia ter-se casado com um político local, mas decidiu não o fazer. Casou--se antes com um místico e curandeiro, um mágico e milagreiro, que era, contudo, de linhagem real, e apoiava-o na sua luta pela coroa. Por outras palavras, entrou no jogo do rei dos judeus. Neste sentido, Maria, a Madalena, foi uma das mulheres que fizeram campanha, por assim dizer, por um Messias: Herodíades tinha o marido/tio, Antipas; Berenice tinha o irmão/amante, Agripa; Maria, a Madalena, tinha o seu Messias/marido, Jesus”. A dinâmica posterior diz-nos o seguinte (ibi, pp.294-295): “Com base no nosso recémdecifrado texto, Maria terá jogado bem e, quando o marido chegou a Jerusalém, terá obtido garantias de Sejano de que, mesmo se causasse um motim no Templo, Jesus não seria importunado. Inicialmente não foi. Mas ninguém poderia prever que Antónia, mãe da amante de Sejano, Lívia Júlia, estava prestes a intervir, provocando a queda de Sejano, que arrastaria Jesus com ele”. Sejano era contemporizador e complacente perante o processo de um Messias emergente em Jerusalém; mas era antissemita. A palavra aos nossos autores (ibi, p.295): “Terá sido tão importante na vida e morte de Jesus? Os registos históricos não são claros. Pilatos e Antipas, dois dos principais responsáveis pela crucifixão de Jesus, tam-bém eram aliados íntimos de Sejano. Este aspecto não é irrelevante. Estas histórias pare-cem convergir de alguma forma, mudando o mundo para sempre. “Não somos os primeiros a relacionar Sejano a Jesus. Em 1968, Paul Maier chamou a atenção para uma afirmação estranha do Evangelho de João. Em João 19:12, os sumos sacerdotes judeus, liderados pelo sumo sacerdote Caifás, dizem a Pilatos: ‘Se libertas este homem [Jesus], não és amigo de César’. Segundo Maier, esta afirmação só faz sentido após a queda de Sejano em 31 da E.c.. Maier estava correcto. Pilatos era o representante de Sejano. A queda do seu mentor tornou-o vulnerável, pela primeira vez, desde a sua chegada à Judeia. Nas palavras de Maier, o único momento em que um sumo sacerdote judeu poderia ter ameaçado o seu chefe romano foi numa época em que Tibério perseguia os aliados de Sejano (…), ao abrigo da lei maiestas ‒ traição ao Esta-o e ao imperador. “Infelizmente, Maier vai mais longe e escreve que, tendo em conta que Sejano era antissemita (conforme atestaram Fílon e Flávio Josefo), Jesus não se atreveria a entrar em Jerusalém antes da sua queda. Isto significa que teria ido a Jerusalém, porque Sejano já não estava no poder. Segundo Maier, o plano de Jesus virou-se contra ele próprio. Quando foi preso, Pilatos receou passar uma imagem de brando para com um pretendente ao trono da Judeia, e o destino de Jesus foi selado”. Numa palavra, a queda de Sejano, parecendo tornar a situação mais segura, tornou-a, isso sim, mais perigosa. Os nossos Autores prosseguem a narrativa do processo de Jesus (segundo o Evangelho Siríaco), como segue (ibi, p.296): “Agora que dispomos das novas informações fornecidas pelo manuscrito de José e Assenat, já percebemos que, embora Maier tenha razão ao relacionar Sejano a Jesus, subestima a profundidade dessa relação. Jesus não foi para Jerusalém, porque Sejano caíra, mas sim porque Tibério estava prestes a cair. A queda de Sejano afectou, de facto, Jesus, mas não porque o levou a ir a Jerusa-lém. Levou-o à cruz”. Tudo, na História Humana, é básica e/ou supremamente político, de acordo com a gramática da Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial, ‒ própria do paradigma da Espécie, que dá pelo nome de ‘Homo Sapiens//Sapiens’. Por isso mesmo, nos empenhámos e interessámos tanto pela Obra em exame dos Autores (nossos Amigos) canadianos que, com tanto desvelo e atenção crítica e cuidado a elabora-am, tirando todo o partido possível do chamado ‘Evangelho Siríaco’, para perfilar e configurar o Projecto Revolucionário de Jesus, para as Sociedades Humanas. Recorde-se, entretanto, que tudo tem o seu preço!... Por exemplo, dos três Grandes Partidos da Sociedade hebraica, no 1º milénio a.E.c., ou seja, Saduceus, Fariseus e Essénios, só os fariseus eram dualistas metafísico-ontológicas à maneira de Platão. Isto tem, como uma espécie de esquema geométrico-ideológico de base, as suas implicações. O Dualismo metafísicoontológico acarreta, consigo, Sociedades divididas, estáticas, conservadoras; em contrapartida, o Hilemorfismo aristotélico gera e desenvolve Sociedades dinâmicas e progressistas, unificadas e revolucionárias.
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No atinente aos quatro modelos de ‘Cristianismo primevo’ ‒ o de Tiago, irmão de Jesus (judaico e ebionita), o de Maria, a Madalena (gentílico), o de Paulo, e o dos Gnósticos ‒, deve observar-se que só o modelo configurado por Saulo (o fariseu)/Paulo foi construído e edificado segundo o Esquema (bastardo…) do Dualismo metafísico-ontológico de Platão. Não obstante, foi este Cristianismo paulino que ficou instalado e implantado, ao longo de dois milénios de História, na maior parte das Cristandades oci-dentais. Eis por que é extremamente importante e decisiva esta Obra em causa, dos tão celebrados Autores Simcha Jacobovici & Barrie Wilson. (Só consideramos que o título: ‘A Vida Privada de Jesus’ ‒ é demasiado simples e fruste, perante a importância e o valor revolucionário da Obra em causa.). Para completar esta secção, vamos transcrever o 1º parágrafo do cap. 15, em torno do Tema: ‘A Política do Poder por trás da Crucificação’ (p.307). Ficamos, pelo menos, com a confirmação expressa do que já foi escrito e insinuado atrás. “Identificar Germânico como o ‘filho do faraó’ permite-nos precisar um momento específico no Tempo da hoje desaparecida história dos anos perdidos de Jesus. Foi um período de grandes reviravoltas. Se a nossa interpretação estiver certa, o manuscrito de José e Assenat diznos que, ao matar Germânico, Sejano salvou Jesus, Maria e os filhos. Parece até que o texto faz a defesa de Sejano. De certa forma, justifica o assassínio de Agripina, esposa de Germânico, e dos filhos, ao argumentar que, mesmo sem ser provocado, Germânico preparava-se para fazer a mesma coisa a Maria, a Madalena, e aos filhos. Por esta perspectiva, José e Assenat coloca Jesus e o seu séquito claramente no campo de Sejano; se Germânico é o perverso ‘filho do faraó’, Sejano é o rosto de um cada vez mais isolado faraó. Assim, o ‘faraó’ deverá ser Tibério, que era representado ‒ perante as massas ‒ por Sejano. Seja como for, identificar Germânico como o ‘filho do faraó’ permite-nos situar a entrada de Jesus em Jerusalém após a morte de Germânico (19 da E.c.) e antes da queda de Sejano (31 da E.c.). A partir do nosso texto decifrado, estamos agora em condições de reconstituir os acontecimentos, que culminaram na crucificação de Jesus, quase dia a dia”. ‒ Jesus foi crucificado durante a Pessach (segundo os relatos, incluindo o Talmude e os estudiosos já propuseram três datas/anos: 30, 31 e até 33 (cf. iidem, ibi, p.317).
* ● Algumas Teses Essenciais (que os Autores da OBRA expressaram na CONCLUSÃO: pp.333 e ss.). A) As interpretações do Documento José e Assenat (também conhecido como ‘Evangelho Siríaco’) têm constituído um desastre, ao longo de quase dois milénios, até ao presente. A partir dos nomes, que ostentava no título: José e Assenat, foi, desde logo, localizado no A.T. e na história hebraica. Quer dizer, foi inserido num contexto histórico errado. “Foi então sujeito à moderna crítica literária, sem se ter em conta a forma como estes textos eram escritos e o contexto [de censura e perseguição] em que eram produzidos, transmitidos, lidos e apreciados. Não admira que quem antes analisou este texto tenha ficado perplexo. Trata-se de um texto, que pede para ser decifrado com exactidão” (ibi, p.333). B) A comunidade dos Manuscritos do Mar Morto, por exemplo ‒ a austera seita judaica [os essénios], na viragem para o primeiro milénio ‒ lia a Bíblia hebraica como uma linguagem codificada. Tal como José e Assenat, não chamavam as pessoas pelo nome. Assim, conhecemos a existência de um ‘Mestre de Justiça’, de um ‘Sacerdote Ím-pio’ e de um ‘Mentiroso’, mas não sabemos quem são estas pessoas. Tal como Jesus, o Mestre de Justiça decifrava mistérios e esperava que Deus interviesse na história da humanidade, para inaugurar a era messiânica. O Mestre estava certo de que Deus viria em breve, uma vez que, na sua opinião, ele e os seus seguidores viviam no pior período da história humana. Deus teria, por certo, de agir rapidamente. Esperavam, assim, a erradicação de toda a injustiça, e o tão aguardado momento, em que os justos
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receberiam a recompensa da vida eterna, e o rei davídico messiânico assumiria o seu trono para sempre”. (Iidem, ibi, p.334). C) O chamado Cristianismo primevo apresentava versões ou modelos muito diferentes uns dos outros. É preciso, hodiernamente, nunca esquecer este datum das origens. Escrevem os nossos Autores (ibi, pp.334-335): “O cristianismo, tal como o conhecemos actualmente, surgiu apenas no século IV, graças aos esforços dos impera-ores romanos como Constantino [313] e, mais tarde, Teodósio [380], que o declararam a religião oficial do Império Romano. Contudo, para estes imperadores pagãos, o ‘cristianismo’ era a facção que subscrevia o chamado ‘Credo de Niceia’. Até então, havia diversos grupos, que disputavam o rótulo de ‘cristianismo’. É difícil falar desses movimentos como cristãos no sentido contemporâneo. Alguns estudiosos criaram categorias híbridas ‒ por exemplo, ‘cristianismo judeu’ ou ‘judaísmo cristão’ ‒ para designarem estes primeiros seguidores de Jesus. Mas trata-se claramente de anacronismos, palavras modernas aplicadas a movimentos antigos. Alguns dos primeiros grupos nasceram no seio da família judia, outros não. Depois de os pagãos se envolverem, os movimentos judeus originais foram marginalizados, condenados e empurrados para a clandestinidade. Assim, existem, na verdade, dois mundos cristãos: o dos vencedores (os seguidores de Paulo, onde se incluem todos os grupos cristãos oficiais da actualidade) e o dos vencidos (aqueles que foram banidos, queimados, ostracizados e obrigados a viver na clandestinidade). É do mundo dos vencidos que emerge o manuscrito de José e Assenat. É a sua perspectiva que regista. Se nos interessamos pelo nascimento do cristianismo, então devemos tentar olhar para lá da Teologia de Paulo, [foi justamente o que nós ex-pressamente fizémos no nosso Livro, de 2007, ‘Traição de São Paulo], e estabelecer contacto com estas visões dos primeiros cristãos. Paulo pode ter ganho a batalha teoló-gica, mas são os textos banidos que, porventura, preservam uma história mais exacta. Então, quem eram estes primeiros seguidores de Jesus? “Os estudiosos identificaram uma enorme variedade de movimentos cristãos: havia o Movimento de Jesus, de Tiago, que observava a Tora em Jerusalém, e os Gnósticos em Alexandria. Com o passar do tempo, provavelmente, os seguidores de Tiago fundiram-se em grupos, que os historiadores conhecem como os ebionitas e os nazarenos [ou naziritas]. Estes desapareceram da história ocidental por volta do séc. VI ou VII. Na Arábia, terão sido absorvidos pelo Islão. [A Grave Controvérsia, no Concílio de Niceia/325, sobre a suposta Divndade de Jesus e a Trindade de Deus, anatematizou Ario e os arianos, que eram, como Tiago, monoteístas estritos, e constituíram o elo de ligação à emergência do Islão, no séc. VII, e à tese que Maomé estabelece, no Corão (sura IV), onde Jesus é referenciado como Homem, apenas, e o último dos Profetas maiores.]. É provável também que existissem grupos associados aos apóstolos Tomé e João. O cris-tianismo siríaco surgiu muito cedo em Antioquia, na Síria e outros locais mais a leste. Depois, parece ter havido um grupo sobre o qual pouco sabemos. Os estudiosos chamam-lhe ‘Q’ [= fonte, do alemão ‘Quelle’], à falta de mais informação. Por seu lado, o Movimento de Cristo, de Paulo, prosperava sobretudo em Roma [que continuava a ser a capital do Império!...]”. D) Os nossos Autores (ibi, p.343) falam-nos de Jesus como um Ser totalmente humano e de Maria, a Madalena, como ‘Noiva de Deus’, segundo o Documento ‘José e Assenat’. O paradoxo é só aparente… porque, apesar do que é dito no Salmo 81,6 (dos hebreus), era, semanticamente, mais fácil a adopção da fórmula ‘filho de Deus’, na mundividência gentílica ou pagã. Há incoerências destas na psico-sócio-história!... “O que também não nos é familiar é o retrato de um Jesus casado e o que isso implica, ou seja, afirma claramente a total humanidade de Jesus, a sua masculinidade e a sua sexualidade. Mais ainda, este texto antigo promove a união entre Jesus e Maria, a Madalena, como a forma pela qual Deus actua na história de modo a redimir o mundo. Do ponto de vista do texto, o quarto de Jesus e Maria, a Madalena, é a forma de Deus redimir a humanidade. O nosso evangelho perdido faz tudo isto celebrando a vida de Jesus e Maria, a Madalena ‒ sobretudo como foi consumada no seu ‘leito nupcial’ ‒ por oposição ao sofrimento de Jesus na cruz, a sua morte e ressurreição ao terceiro dia” (ibidem). E) Nos antípodas de um Jesus ‘castrado’ ou ‘eunuco’: não político!...
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Escrevem os nossos Autores (ibi, p.344): “Além disso, estamos habituados a um Jesus não político, cujo reino não é deste mundo. [Esta expressão só manifesta e deixa claro o carácter radical da Revolução de Jesus: não incensa o Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo!...]. No entanto, o nosso evangelho perdido revela um Jesus diferente: que se envolve nas maquinações messiânicas da época, aliado a um antis-semita romano chamado Sejano, e que tenta tomar o poder do Templo, com o apoio da sua esposa gentia sírio-fenícia. José e Assenat parecenos ser um evangelho gnóstico, enraizado na história que preenche muitas das pontas soltas do Movimento de Jesus. Também explica vários fenómenos históricos, como o Movimento de Paulo e o Gnosti-cismo, que de outra forma parecem ser inexplicáveis”. F) Afinal, o tão celebrado, ao longo da história do Ocidente, cristianismo universal de Paulo, foi o resultado de um Engano/Equívoco monumental!... Escreveram, com muito acerto, os nossos Autores: (ibi, p.357): “Percebemos também que a Igreja dos Gentios não começa com Paulo, mas com Maria, a Madalena. Afinal, o Gnosticismo não começa com Valentim, mas sim com Jesus. [Tal como Sócrates, no eixo da Theoresis, ele havia inaugurado a Nova Sociedade do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, no eixo da Praxis]. Afinal, os fundadores do cristianismo foram Jesus e Maria, a Madalena, não Paulo. O casal transmitiu uma mensagem, que extravasou as fronteiras do judaísmo e se fundiu com as fronteiras do culto de Ártemis. Foi esta fusão sincrética que se difundiu pelo Império Romano. Mas esta era uma teologia perigosa. Só foi adoptada por Roma, após ser enfraquecida. O cristianismo paulino eliminou Maria, a Madalena, da história e o sexo da Teologia. Nas palavras de David Friedman, o cristianismo tornou-se ‘uma cultura em que a virgem simbolizava tudo o que era puro, e o pénis tudo o que era perverso. O que definia a santidade de Maria era a sua falta de contacto com um pénis. Colocando a questão noutros termos, o cristianismo tornou-se a religião oficial do Império Romano, apenas depois de a sexualidade, que era central no ‘ministério’ de Jesus e Maria, a Madalena, ser removida e substituída pelo ascetismo de Paulo, baseado em Átis”. ‒ Este veredicto/testamento era imposto pela Cultura do Poder/Dominação d’abord, vigente e hegemónico, havia mais de três milénios e meio, por obra e sobre determinação de um Processo Civilizatório patriarcal e machista. G) Quanto ao Livro em causa, escreveram os próprios Autores (ibi, p.358), adivinhando e comentando algumas reacções, possíveis e já efectuadas: “Pelo contrário, iniciarão uma campanha para desacreditar a descoberta e os autores. Já houve até quem atacasse este livro, antes sequer de estar concluído. Mas conforta-nos o facto de que, em termos de ataques pessoais a descobridores de verdades inconvenientes, estamos em boa companhia. (…). “Voltámos a conferir ao manuscrito número 17.202 da Biblioteca Britânica o significado que tinha antes da vitória do cristianismo paulino. Ele fornece-nos alguns elos, que faltavam na vida de Jesus, e preenche algumas lacunas históricas, no período entre o desmantelamento do Movimento de Jesus e o aparecimento do Gnosticismo; entre a Igreja dos Gentios em torno de Jesus [e Maria, a Madalena] e a Igreja dos Gentios, que cresceu à volta de Paulo. Agora, até conhecemos a data exacta da crucificação, e o calendário histórico, que culminou nesse acontecimento. Quais as implica-ções de tudo isto? Uma resposta breve é que agora dispomos de um manuscrito descodificado ‒ que é, pelo menos, tão digno de crédito como os Evangelhos canónicos ‒ que nos dá factos históricos suprimidos sobre a pessoa mais importante que existiu à face da terra. É tão simples como isso. “O que faremos com esta informação é outro assunto”.
● Que o DIÁLOGO (crítico!...) maiêutico de SÓCRATES venha, quanto an-tes, em fulgurâncias pentecostais, sobre todos os Seres humanos. São os nosso Votos e Promessas/Exigências Revolucionárias. ● Que a JUSTIÇA (social/societária!...) messiânica de JESUS chegue, quanto antes, às nossas Sociedades (ainda ditas…) humanas, desconjuntadas e contraditórias. São os nossos Votos
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e Promessas/Exigências Revolucionárias. ‒ As duas Respostas dependem de Ti e de Mim: em primeira ou última instância da Relação recíproca, original-originante, entre Eu e Tu. (O teólogo alemão (judeu) Martin Buber dixit!...). ● ‘Roma e Pavia não se fizeram num dia’!... Mas o pior adágio popular é o que diz que ‘todos os Caminhos vão dar a Roma, capital do Império’ (como a Washington ou a Bruxelas). Precisamos, urgentemente, de procurar e encontrar outros Caminhos, para fazer frente e contrariar este Capitalismo Selvagem que mata, o Neoliberalismo capitalista global. Precisamos de começar por dar mais Voz e Vez às Mulheres, nossas insepa-ráveis Companheiras de Existência (humana, digna). Maria, a Madalena, esposa de Jesus, é uma boa Lectio/padrão. Enquanto Sujeitos, frente aos seus Objectos do Conhecimento, as Mulheres sabem pensar (e agir) mais holisticamente, na base do Princípio da Igualdade; mais articulada e harmoniosamente. Os Homens são mais atreitos ao Objectivo-Objectualismo, ao parcialismo hegemónico e hierárquico. Carecemos, pois, de um Movimento Alternativo, para fazer frente à Globalização capitalista e uniformista. Precisamos, pois, por começar a pensar no FEMININO. Este livro que vos deixo pode ajudar nessa tare-fa. ‘MARGINALIDADE E ALTERNATIVA’ (vinte e seis FILÒSOFAS para o século XXI). Coordenação de Maria Luísa Ribeiro Ferreira e Fernanda Henriques. Edições Colibri, Lisboa, Março de 2016. Carl Gustav Jung (1875-1961) ‒ um dos fundadores (com S. Freud) da Psicanálise ‒ ensinava-nos: Cada Ser humano tem, em si mesmo, na sua identidade pessoal, um ‘espírito’ contrário ao que é anunciado pelo seu Sexo (anatómico/fisiológico): O Homem tem uma ‘anima feminina’; a Mulher, um ‘animus masculino’. Pode-ríamos aprender e assimilar bem esta Lectio (que já nos havia sido ensinada pelos GNÓSTICOS judeocristãos/jesuânicos primevos); e cultivá-la e explorá-la, profusa e fecundadamente. Assim, edificaremos uma Sociedade Humana, harmoniosa e pacífica; sem guerras, sem submissões, constrangimentos e dominações de toda a sorte!... Valete, fratres et sorores!
Manuel Reis: Presidente do C.E.H.C.: Autoria. Lillian Reis: Secretária do C.E.H.C. Guimarães (Pt.), 15 de Julho de 2016.
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ÍNDICE
● ENQUADRAMENTO GERAL ……………………………………………… p. 3 CONTRA A METAFÍSICA E EM DEFESA DA ‘PHILOSOPHIA PERENNIS’ AUTÓNOMA E CRITICISTA ……………………… p. 5 ● Textos em Exergo para Enquadramento …………………………………….. p. 5 ‒ Sobre o Populismo e as suas consequências deletérias …………………………. p. 5 ‒ Invocando o Psico-Sócio-Ânthropos integral …………………………………… p. 6 ‒ A Dinâmica das Relações Afectivas entre Pais/Mães e Filhos ………………….. p. 7 ‒ O Papa Francisco é digno de rasgados Elogios ………………………………… p. 9 ‒ A DEMOCRACIA é o único Regime digno do ‘Homo Sapiens//Sapiens’ ……. p.10 ‒ Sobre as Revoluções Pacíficas da PÓS-MODERNIDADE …………………… p.13 ‒ Em homenagem ao eminente e sábio Historiador JAIME CORTESÃO ……… p.16 ‒ O Franciscanismo como motor da odisseia marítima portuguesa ……………… p.18 ‒ As Experiências marítimas diferentes dos Chineses ……………………………. p.22 ‒ Apreciação crítica desta Obra de Jaime Cortesão, no horizonte criticista da ‘História ao 3º GRAU’, cujo padrão se pode observar na Obra historiográfica mais recente de Alfredo Pinheiro Marques ……………………………………… p.24 ‒ O CEMAR elogiou e prestou homenagem ao Infante Dom Pedro, o ‘das Sete Partidas’, em 20 de Maio de 2016 ………………………………………………. p.28 ‒ O Individualismo foncier dos lusos e dois Poemas ……………………………… p.28 ‒ Revoluções na nova era da Pós-Modernidade positiva e crítica ………………. p.29 ‒ Jaime Cortesão e Alfredo Pinheiro Marques são pensadores críticos da História …………………………………………………………………………......... p.31 ‒ A vera Filosofia desconfia e põe em causa o catolicismo ……………………….. p.33 SOBRE A MODERNIDADE, NA HISTÓRIA DO OCIDENTE, HOJE GLOBALIZADA/MUNDIALIZADA ……………………... p.37 INTRODUÇÃO SOBRE O NOSSO HORIZONTE CRÍTICO ……………… p.37 ‒ Erros Graves de carácter psico-sócio-antropológico ………………………….. p.37 ‒ A fonte desses Erros Graves: a Metafísica …………………………………….. p.37 ‒ Oikonomia e Khrematística …………………………………………………….. p.38 ‒ O prevalecente império da Potestas Sacra ……………………………………... p.38 ‒ Literaturas (+ textos sagrados das religiões)/Metafísica/Poesia …………….. p.38 ‒ Sobre a ‘QUESTÃO COIMBRÃ’ …………………………………………….. p.39 ‒ Literatura ou Metafísica?!... ……………………………………………………. p.41 ‒ Seremos capazes de superar a Calamidade das Alterações Climáticas?!... ……. p.46
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‒ Em demanda da vera DEMOCRACIA com o JESUANISMO em mente …… p.47 ‒ DEMOCRACIA e CAPITALISMO são incompatíveis ……………………… p.49 ‒ A Economia política em dois planos: A) o dos Sujeitos e B) o dos Objectos …. p.49 ‒ O Criticismo kantiano …………………………………………………………. p.50 ‒ O Desconstrucionismo de Jacques Derrida ……………………………………... p.53 ‒ O Tema, historicamente sempre presente, da ALIENAÇÃO ………………….. p.53 ‒ A ALIENAÇÃO e suas formas diferenciadas é o tema central de ‘O Capital’ de Karl Marx …………………………………………………………………….. p.55 ‒ A Questão da Escravatura no Discurso da Reitoria de Jimmy Reid ………….. p.56 ‒ Elogio fervoroso ao Discurso do Reitor da Univ. de Glasgow …………………. p.58 ‒ Cultura e Economia política articulam-se para o Desenvolvimento humano …. p.59 ‒ O Neoliberalismo capitalista global fechou o cerco ao Processo histórico ……. p.59 ‒ Sindicalismo progressista ao serviço de uma EDUCAÇÃO PARA TODOS ….. p.60 SOBRE A MODERNIDADE, NA HISTÓRIA DO OCIDENTE, HOJE MUNDIALIZADA!... ………………………………………………. p.61 AXIOMAS PRÉVIOS …………………………………………………………….. p.61 ‒ Globalização Alternativa não é expressão adequada e suficiente ………………. p.61 ‒ Vivemos numa ERA diferente: a da Pós-Modernidade positiva e crítica ……….. p.61 ‒ O que está em causa é o Psico-Sócio-Ânthropos e a Re-organização dos Estados/Nações ……………………………………………………………………….. p.62 ‒ As implicações ou consequências da Cultura do Poder-Dominação d’abord e do paradigma errado da Espécie do ‘Homo Sapiens tout court’ …………………p.63 ‒ Por que não basta, hoje, o Projecto de uma ‘Globalização Alternativa’?! ……. p.63 ‒ Contra a financeirização da Economia política ………………………………… p.65 ● A Grande Questão Nuclear: Como Articular/Conciliar a Potestas e a Libertas?! ……………………………………………………………………………… p.66
RELIGIÕES INSTITUCIONALIZADAS: PROCESSOS CIVILIZATÓRIOS E SUAS RESPECTIVAS CULTURAS… ‒ Perante as 3 Religiões de ‘O Livro’, a Solução vera e adequada só se pode encontrar no JESUANISMO ……………………………………………………… p.75 ‒ Tudo tem a sua origem no Deus extrínseco e transcendente ao Cosmos ……….. p.75 ‒ É preciso despaulinizar o Novo Testamento sob o signo do Jesuanismo …… .p.77 ‒ É preciso Recuperar a Era da GILANIA, onde a Igualdade Social entre os dois Sexos Humanos constituía um Facto ……………………………………………. p.77 ‒ Como nasceu o ISLÃO?!... ……………………………………………………… p.77 ‒ Os Erros e as Consequências perversas do repúdio e do abandono do Diálogo Socrático e da Justiça Jesuânica ……………………………………………….. p.78 ‒ Censura e Inquisição …………………………………………………………... p.78 ‒ Os Grandes Construtores da Modernidade: R. Descartes e F. Bacon ……………p.78 ‒ A Metodologia (moderna) de F. Bacon sempre é preferível à de R. Descartes … p.79 ‒ Nas cristandades paulinas, o Poder é sempre de origem divina …………………. p.80 ‒ O começo da chamada ‘Doutrina Social da Igreja’ (1891) ……………………… p.80 ‒ A controvérsia e a condenação da ‘Teologia da Libertação’ ……………………. p.81 ‒ ‘Encíclicas Sociais’ e o fim da ‘Doutrina Social da Igreja’ ………………………p.81
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‒ Terá futuro a Humanidade, no presente contexto?! ……………………………. p.82
● A VIA DO JESUANISMO COMO SOLUÇÃO: → Para a constituição do HUMANO INTEGRAL → Para a organização das SOCIEDADES HUMANAS EM REGIME DE IGUALDADE SOCIAL, sem hierarquias ………………………….. p.85 ‒ Os dois grandes e graves Problemas, que o JESUANISMO tem de enfrentar e resolver, adequadamente ………………………………………………………… p.85 ‒ Como se edifica uma vera ‘communitas’ de pessoas? ………………………… p.85 ‒ A ‘salvação vicária’ é o dogma principal do catecismo do ‘Homo Sapiens tout court’ …………………………………………………………………………… p.85 ‒ As necessárias implicações do Jesuanismo e do Socratismo ………………….. p.86 ‒ Como se aprende a configurar o JESUANISMO?! ……………………………. p.87 ‒ Confrontos dentro do N.T. e entre o Corão e o N.T. …………………………... p.88 ‒ Os dois Problemas fundamentais do Cristianismo: Poder e Violência ………… p.90 ‒ Cristandades e mundo islâmico: Comparações críticas de ordem política …… p.92 ‒ As Quatro Grandes Escolas Islâmicas …………………………………………… p.93 ‒ As Diferenças fundamentais entre Sunitas e Shiitas ……………………………. p.94
NA MODERNIDADE OCIDENTAL (SOB A BANDEIRA DA CONQUISTA E DOMINAÇÃO HEGEMÓNICA DO MUNDO!...) FILOSOFIA EM FOCO! ………………………………………………… p.97 ● Para que serviram os Saberes e as Ciências, positivas e experimentais, numa Cultura Contraditória, bastarda, machista-patriarcal e esquizofrénica?!... p.97 ‒ O núcleo duro do Poder-Dominação d’abord: o Objectivo-Objectualismo ……p.97 ‒ Racionalidade Masculina e Feminina: é na Comunidade que se dá a Individuação ………………………………………………………………………. . p.98 ‒ Hilemorfismo Aristotélico, em todos os azimutes ……………………………….p.98 ‒ As estruturais Contradições psico-sociais e políticas da Modernidade ocidental ………………………………………………………………………… p.99 ● Sobre a Modernidade, na História do Ocidente, hoje em vias de Mundialização!... ……………………………………………………………………….. p.100 Erros Graves psico-sócio-antropológicos na concepção da Soberania dos Estados na Modernidade Ocidental …………………………………………. p.100 ‒ As Contradições estruturais da Modernidade nos dois planos: A) no físico-natural; B) no sócio-humano ………………………………………………………. p.102
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‒ A Questão do Moderno e da Modernidade: ‘Querelle des Anciens et des Modernes’ ………………………………………………………………………… p.102 ‒ A noção de Progresso …………………………………………………………... p.102 ‒ A experiência sócio-histórica das Revoluções …………………………………. p.103 ‒ Não se sabe o que é o Socialismo e o Capitalismo continua um Dogma incontornável …………………………………………………………………………. p.103 ‒ O Erro-Categoria, com duas faces: o Objectivo-Objectualismo e o Monismo Epistémico, que impedem a percepção do vero Socialismo ……………………. p.104 ‒ Até os Graves Problemas da Ecologia foram esquecidos ou ignorados ………. p.106 ● Das características essenciais da Modernidade Ocidental (na vertente da Organização Societária) ………………………………………………………… p.109 ‒ A religião laica do Objectivo-Objectualismo, como método e epistéme ……... p.109 ‒ Sobre as grandes Categorias da Modernidade ………………………………... p.109 ‒ A fragmentação e a dispersão do P.-S.-Â. na IIª Modernidade ………………… p.111 ‒ A trempe: ‘bom’/’mau’/’neutro’ é tributária da Cultura do Poder-Dominação d’abord, da qual só se pode sair mediante o Jesuanismo ………………………. p.113 ‒ A inconsciência, ou a ignorância dos modernos filósofos políticos …………... p.114 ‒ Nas origens do Erro Grave Político da Modernidade Ocidental, está o Dualismo metafísico-ontológico de Platão e de Paulo ……………………………… p.115 ● METAFÍSICA: Funções e Vícios/Erros monstruosos na sua História ………. p.116 ‒ Tudo começou, formalmente, com a Traição de Sócrates, por parte de Platão … p.116 ‒ Não há nenhuma ‘partícula de Deus’… a não ser a condição de Testemunha, na tríade da Consciência Humana …………………………………………….. p.118 ‒ Foi no Quadro das 3 Religiões monoteístas que surgiu a Metafísica …………. p.119 ‒ A Revolução Socrática do Diálogo Maiêutico nasceu, em Atenas, no séc. V a.E.c. ……………………………………………………………………………. p.119 ‒ Para que serve ou não serve a Metafísica?!... ………………………………….. p.119 ‒ É preciso e urgente caminhar para o vero paradigma da Espécie Humana: o do ‘HOMO SAPIENS//SAPIENS’ ……………………………………………….. p.121
APPENDIX EXCURSUS DE JESUANISMO ……………………………………………….. p.125 1. ‒ Advertências críticas prévias ………………………………………………. p.125 2. ‒ Via ou Caminho: era o Nome original ………………………………………. p.126 ‒ Os 10 Erros/Categoria de Saulo/Paulo ………………………………………. p.126 ● As confusões (muitas…) entre Cristo e Messias ……………………………….p.128 ● As questões da Identidade de Jesus, a partir das fontes gnósticas …………….. p.131 ● DO JESUANISMO: especialmente, reconfigurado a partir do gnóstico ‘Evangelho Siríaco’ ……………………………………………………………. p.134 ● Principais temas e teses do ‘Evangelho Siríaco’ ………………………………. p.139 ‒ Os 4 Movimentos oriundos do Jesus histórico …………………………………. p.142 ● Teses essenciais, que os Autores identificaram na Conclusão da sua Obra …… p.151 ● DIÁLOGO MAIÊUTICO E CRITICISTA …………………………………. p.154
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