Manuel Reis O Humanismo Pleno & Crítico
Painel NOÉTICA Mariana d´Almeida y Piñon, J. C. Macedo, Johanne Liffey, Tereza Nuñez, João Barcellos, Carlos Firmino, Maria C. Arruda. Coordenação: MAyP
Lição: “[...] O que se passa no campo do Conhecimento passa-se igualmente no da Ética/Moral. O mundo está polarizado nos Objectos objectivo-objectuais e sua acumulação. Em conseqüência, apesar da Retórica (demagógica...), também os Sujeitos Livres e Responsáveis são eclipsados e anulados!... O Objectivo-Objectualismo inibe e impede, na Cultura/Civilização do Ocidente, a aproximação e a acareação ética entre o universo do Saber (dos Filósofos) e o universo do Poder (dos Políticos). A definição moderna (Leibniz/Wolff) de Filosofia está completamente bloqueada no Ocidente pela Cultura do Poder-dominação d´abord: prossegue o abismo entre o Ser e o Operar; Ética e Valores não entram na Casa do Ser!...”. REIS, Manuel – in “Filosofia / Faculdade Dos Saberes”; e-book, noética.com.br, 2008.
O que somos quando esquecemos que está em nossas mãos a possibilidade verdadeira de estar-ser humanidade? Não somos, porque “o niilismo sociopolítico atua para anular a filosofia aberta do conhecimento e transformar a ciência em objeto tecnologicamente descartável no seio de um consumismo desenfreado e animalesco” [Barcellos]. A humanidade está bloqueada em si mesma e aculturada para atender as necessidades de elites políticas e religiosas, não para desenvolver ações públicas civilizatórias. Esta é a visão do grupo de debates Noética ao reanalisar o estupendo panflo pedagógico do filósofo Manuel Reis publicado em 2008 e que João Barcellos fez questão de divulgar aos quatro ventos, depois de ambos terem lançado em Portugal e Brasil o livro “Agostinho e Vieira: Mestres de Sujeitos!” [ProfEdições, 2006]. E por causa de um debate acerca do pós-humanismo a questão
retornou ao grupo com uma advertência: “É preciso desencadear ações intelectuais para divulgar o humanismo crítico que Manuel Reis expõe, ações necessárias à defesa dos saberes que a filosofia comporta, porque é a filosofia a barreira que as elites querem atingir para evitar o próprio colapso” [Firmino e Nuñez]. O humanismo está em cada pessoa porque lhe é próprio, mas cada pessoa exercita-o ou não conforme a sua conveniência; entretanto, “toda a pessoa é livre de estar e nasce para isso como qualquer animal ou vegetal, mas, ser-pessoa exige de si a consciência reflexiva necessária ao ato individual que proporciona o bem-estar coletivo” [Barcellos]. Portanto, “o humanismo crítico é uma exigência de atitude social” [Arruda], mas, como “a humanidade é fraccionada em sua composição civilizacional, o que quer dizer culturalmente diferenciada, e o que vale para uma comunidade por ser um ultraje para outra, logo, está no desenvolvimento humano tanto a tolerância quanto o diálogo que constroem a liberdade de cada pessoa e de cada comunidade – e, juntas, são o universo humano que se quer em paz e progresso” [Liffey]. A certeza é ´algo´ que não temos, por isso “trabalhamos hoje aquilo que fomos e assim construímos neste mesmo hoje o futuro possível” [Macedo]. E assim se constrói o humanismo que nos alicia a querer mais pela liberdade que a práxis revela. Depois do veneno que matou Sócrates e, diz-se [porque existem documentos a apontar outras circunstâncias], da cruz onde sangrou Jesus, o humanismo é uma palavra que encobre realidades raramente levadas ao diálogo público, seja ao pé da orelha seja em livro ou noticiário jornalístico. “As comunidades que somos perpetuam-se em políticas sociais e religiosas elitistas entre dogmas que ferem a sensibilidade crítica” [MAyP], mas tal “atmosfera que fere o humanismo” (idem) é própria da humanidade, ou os sistemas políticos condicionaram-na como curral à revelia da filosofia libertária e da opinião pública? De um modo ou de outro, “a humanidade vive acorrentada a princípios ideológicos que a querem como objeto, e só como objeto”
[Nuñez], quem vai contra a corrente deste poder moralmente indecente se sujeita a ser pessoa sob perseguição, porque “a liberdade que as elites têm de e para agir significa a exclusão da maioria das pessoas tanto no acesso ao saber quanto ao bem-estar da liberdade individual" [MAyP].
“[...] A instauração (nos finais da década de 80) do predomínio absoluto das Finanças e dos grandes grupos financeiros transnacionais sobre as Economias Nacionais reais foi, ao mesmo tempo, o Princípio das Tecnologias Adequadas, que foi inteiramente posto de parte...”. REIS, Manuel – in “Em Torno Das Novas Tecnologias E Da Nova Economia”; Edicon, 2000.
O humanismo crítico é como “uma juventude de brisas locas sobre el río”, como cantava García Lorca [Jansen Edit, 1992]. Ao lermos a reação de Reis à globalização das economias nacionais percebemos, também, as algemas mencionadas por Tereza Nuñez para ilustrar o mesmo assunto. Embora moldado por e rodeado de dogmas, o bispo de Buenos Aires, agora papa Francisco [2013], falou no Rio de Janeiro da “cultura do descartável” diante de uma “multidão de jovens que vive na cultura enlatada e, ao mesmo tempo, algemada ao dogmatismo não-libertador do igrejismo” [Macedo]; ora, pode-se dizer de um certo espírito hipócrita por parte do chefe da cristandade, pois, não basta atirar pedras à sociedade em que ela é esteio e baliza, urge quebrar preconceitos, “botar água na fervura do capitalismo selvagem e do descartável” e criar espaço para um novo tempo de idealismo.
** “Quebre-se o sceptro do Papa, Faça-se dele uma cruz, A purpura sirva ao povo P´ra cobrir os hombros nús.” ALVES, Castro – in “Os Escravos”; Brasil, 1870.
Escutar a crueza da poesia de Castro Alves que conclama ao despojo dos luxos diante das pobrezas é lembrar que não basta a retórica, é preciso batalhar, criar rupturas. Este intelectual brasileiro lembra-nos, ainda que
“[...] a criança é uma ave, Cujo porvir tendes vós” [idem]
Gentes da Poesia e da Filosofia – e saibam que “não existe diferença entre a Poesia e a Filosofia, por serem ambas lições dadas por Pessoas de Consciência libertária construída no quotidiano da sobrevivência!”, como diz J.C. Macedo – estão a dizer-nos permanentemente de caminhos novos já traçados por nossos ancestrais, mas preferimos não renová-los e acreditar em estilos do tipo pós-moderno, quando “o ´pós´ isto e aquilo é uma versão atualizada de todo o tipo de algemas”. **
As algemas ideológicas são “os mecanismos econômicofinanceiros que tolhem as pessoas e as impedem de olhar em frente, uma prisão cotidiana onde se serve arroz e feijão e se deixa para um dia de são-nunca a possibilidade de um pouco de carne ou de peixe, porque educação, isso, nem pensar!, se ao professorado é dado um salário miserável como um pouco mais d´água na panela do feijão...” [Arruda]. Cada nova geração que chega transporta um porvir que lhe é peculiar pelas circunstâncias contemporâneas, socioeconômicas, políticas e culturais, com exceção das religiosas cujos dogmas as limitam ao fundamentalismo; e no seu desenvolvimento esta juventude tem de criar personalidade no âmbito da comunidade e da nação. Então, “se a geração anterior à que chega não tratou de ´pavimentar´ os caminhos socioeconômicos com políticas públicas adequadas, o choque de gerações será uma batalha cultural” [Firmino]. Sabemos que “...existe um terrorismo d´Estado latente na globalização da Economia, um nazi-fascismo trajando democracia eleitoreira que obstrui a Liberdade, a individual e a nacional. Churchill dizia que os ingleses deveriam continuar a utilizar gases letais contra os povos colonizados, por ´ser vivamente favorável à utilização de gás venenoso contra as tribos selvagens [...]. Usaremos todos os meios que a ciência nos permitir´, e isso porque a colonização era a base de sustentação da Inglaterra, como era da França e de Portugal, por exemplo, e como, em tal óptica economicista os EUA transformaram a sua acção libertadora em actos de terrorismo contra outros povos junto com a ex-URSS. O pseudo democrático John Kennedy chamou a Washington o presidente brasileiro João Goulart (Jango) para lhe mostrar o fantástico arsenal nuclear. Foi um aviso: ´Saia do nosso caminho, Jango´. E ele saiu para dar lugar ao golpe militar anti (?!) comunista tão pretendido pelos EUA... Em seu tempo, Salazar nunca quis discutir o fim da guerra portuguesa contra os povos africanos (e, com ele, a cristandade igrejista). Ora, é este terrorismo d´Estado
que a nova geração encontra pela frente, e é, sempre, o primeiro embate ideológico” [Macedo]. Este poder de absolutismo político eleitoralmente carnavalesco, porque mascarado, é objeto de análise filosófica de Manuel Reis em praticamente toda a sua obra literária e pedagógica, opor isto o temos como referência em nossos estudos, por isso servimo-nos do seu humanismo pleno e crítico para balizar as nossas ações como grupo de debates e formação de opinião. Quando ele, Reis, fala-nos da “Revolução”, ele explica que ser “revolucionário” é viver, e “dar-se conta das situações concretas e seus impasses e, muito especialmente, identificar e caracterizar os obstáculos, é já ter encontrado as estratégias específicas para resolver aquelas e ultrapassar estes” [in “As Máscaras De Deus”; Portugal, 1993]. Assim como para Sócrates e Jesus foi a Palavra a arma letal contra quem preferia a morte à vida, Reis está com as gentes da Poesia e da Filosofia para ser a Pessoa autêntica na valorização da Humanidade. A obra literária de Manuel Reis possui uma tal excelência pedagógica que a torna inimiga permanente do poder absolutista e terrorista que alimenta as elites políticas e religiosas do nosso tempo. Por isto é que ler Manuel Reis é educar a Pessoa para ser o que ela é e melhorar a sua humanidade.
Centro de Estudos do Humanismo Crítico Portugal & América Latina Grupo de Debates Noética [www.noetica.com.br // noetica@uol.com.br] Agosto de 2013