CENTRO DE ESTUDOS DO HUMANISMO CRÍTICO Guimarães/Portugal
Grupo de Debates NOÉTICA Brasil & Mundo
OCIDENTE vs ORIENTE O Terror Com Duas Faces
Observações políticas, filosóficas e históricas de
MARTA NOVAES, JOÃO BARCELLOS, MANUEL REIS & MÁRIO DE OLIVEIRA
coleção
DEBATES PARALELOS / Volume 11
Índice
Um Abraço De Fé Em Nós _Marta Novaes
Ocidente vs Oriente O Terror Com Duas Faces _João Barcellos
Ocidente e Mundo (Avassalados pelo Terrorismo) _Manuel Reis
Em Tempo Mito & Divindades _João Barcellos
Crônicas de Mário de Oliveira _ Como Para Crentes e Não-Crentes? _ Até Que Sermos Oposição Nos Separe?!
Obs. Editorial Os textos conservam a ortografia original brasileira e portuguesa por opção autoral.
Um Abraço De Fé Em Nós
“Onde estamos, o que somos e o que queremos diante da industrialização e mercantilismo dos saberes científicos com fins belicistas sob fachadas teo-dogmáticas? Acredito que a animalidade que carreamos levará à autodestruição da humanidade.”
Este comentário foi feito pelo poeta e jornalista João Barcellos numa conferência, em 2001, quando apresentava perfiz de humanistas como Lutzenberger, Fernando Pessoa, Ab´Sáber, Manuel Reis, Figuera de Novaes, Schenberg, Mário de Oliveira, Chomsky, Mário Quintana e etc., como que uma cesta de personalidades diversas e cada uma a direcionar “batalhas socioculturais contra a ignorância generalizada e o analfabetismo funcional” (idem). Agora, em 2015, após os dogmas políticos travestidos de teologia entristecerem Paris, a cidade luz, na peugada de 2001, quando uma mesma ação devastou o orgulho de New York, convidamos o historiador e pensador luso-brasileiro para uma imprevista palestra “acerca do terrorismo de duas faces no âmbito ocidente versus oriente”. Lembro que ele pinçou uma anotação num texto do filósofo Manuel Reis para lhe servir de baliza, e pronto. Convivi com Schenberg e com Aziz Ab´Sáber; pela mão do meu avô Figuera de Novaes conheci e deliciei-me com a poética de J. L. Borges, e, com Barcellos e por ele, os fascinantes lusos Ferreira de Castro, Florbela Espanca e Herberto Helder, já depois de estudar Reis na sua monumentalidade literária, e neste leque de literatos vivenciei uma filosofia que conduz ao humanismo crítico.
Só com o olhar-que-pensa-e-constrói deciframos dogmas e anulamos “a animalidade que carreamos” – a animalidade que inventa a ´santa´ inquisição em nome de divindades e incita guerras místicas com o objetivo de erguer poderes geopolíticos batizados com banhos de sangue inocente. Na semana em que revisitei “a velha Sampa das mil oportunidades e abismos”, como costuma dizer Barcellos, engrossei o coro do grupo de debates Noética para ele fazer a palestra. Um banho multicultural, enquanto sinopse do histórico Ocidente vs Oriente, que levou artistas e professores para mil questões no papo-livre que ele concedeu a seguir. E logo o texto ganhou a rede social eletrônica ampliando a palestra. Ao ler o texto, o filósofo Manuel Reis, como é seu costume, foi na peugada e enviou-nos um comentário que emociona pela clareza e o saber de vida vivida. A amiga e professora Fê Marques pediu-me para, antes de retornar a Buenos Aires, editar e apresentar os dois textos compondo o 11º volume da coletânea Debates Paralelos. Surpresa e encantada deixo aqui o que me parece uma das mais lúcidas e transparentes apreciações sobre os terrorismos que nos envolvem desde que a humanidade passou a comparar civilização com poder político e místico. Trazer à praça textos de João Barcellos e Manuel Reis é, também, permitir que outras pessoas os leiam além dos “círculos alternativos de debates paralelos em torno de palavras essenciais”, como situa muito bem a médica e poeta Johanne Liffey brincando com os títulos das nossas coletâneas. Falta à humanidade, a de ontem e a de hoje, a ação solidária de um abraço de fé em nós. É triste constatar que até “...as igrejas – o igrejismo de poder político e financeiro contrário ao ideal de Buda, Jesus, Sócrates, Maomet, Confúcio – são parte do belicismo...” [J. C. Macedo, in As Artes De Fazer Dogmas, opúsculo-palestra; Braga/Pt, 1976] que embasa os terrorismo estatais e grupais. Ler, nesta coletânea, Barcellos e Reis, é perceber que devemos abraçar uma causa só: a humanidade que somos!
NOVAES, Marta Tradução do espanhol ibero-americano: Fê Marques Agradecimento: a Johanne Liffey por me/nos enviar cópia do texto “As Artes De Fazer Dogmas”, do poeta J. C. Macedo, citado na palestra aqui em pauta.
As Hierarquias rígidas e a Doutrina/Mentalidade da Mono-arquia tomam corpo, na organização das Sociedades, de modo dogmático, a partir de 3.500 a.E.c.; e são acompanhadas pela descoberta e instauração, no Imaginário humano, dos chamados Deuses uranianos. Desta sorte, foi introduzida e instaurada a Cultura do Poder-Dominação d’abord, contra a (generalizada) Cultura (anterior) da Liberdade Responsável primacial e primordial. REIS, Manuel – in Antropologia Natural e Cultural; Coletânea Palavras Essenciais, Vol.11 – 2015.
OCIDENTE vs ORIENTE O Terror Com Duas Faces Da palestra improvisada “Do 11 de Set., 2001 ao 13 de Nov, 2015: os extremismos devem ser combatidos pela força do diálogo” pelo escritor e historiador João Barcellos” (15 de Setembro de 2015), a pedido do gd Noética.
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Grupo de Debates NOÉTICA Centro de Estudos do Humanismo Crítico Panfo
_15 de Nov., 2015
Parte 1 Depois dos ataques em solo estadunidense executados pela Al-Qaeda, dirigida por bin Laden, em 2001, e das decapitações executadas pelo Jihadista John, do Estado Islâmico, entre 2014 e 2015, o Ocidente continuou com a sua visão de mundo colonialcatólica, i.e., ´o Ocidente manda e desmanda no mundo apesar do Oriente’. E mesmo no próprio Ocidente, a imposição ideológica do mando global levou, por exemplo, a um primeiro 11 de setembro – o de 1973, quando Kissinger, em nome das políticas ocidentais, alimentou o golpe de Estado contra o presidente Allende, no Chile, depois de coordenar chacinas monumentais no Camboja e no Vietnam...
Assim sendo, a lógica do Ocidente [incluindo aqui a Rússia, no velho estilo soviético] é uma filosofia de guerra permanente para impedir que as velhas civilizações – Síria, Iraque, Iran, Egito, Líbia, etc. – retomem suas autonomias tribais-nacionais e o mando das riquezas que possuem. As velhas civilizações, islâmicas ou não, têm raízes tribais que são pilares também nas políticas atuais, o que impede na maioria das vezes a formação de um Estado unificado: é nesta fenda tribal que o Ocidente mina essas sociedades fornecendo armamento e treinando grupos extremistas. Tais grupos extremistas, após ajudarem nos intentos mercantis do Ocidente viram se para si mesmos numa radicalização teológica que beira o absurdo sociocultural pela destruição que causam à própria humanidade. Nações como França, Inglaterra, Portugal, Bélgica, etc., esculpiram a política colonial ao tempo da expansão caraveleira e, durante séculos, dominaram povos e nações. As primeiras manifestações de que o feitiço volta-se contra o feiticeiro surgiram no retorno das gerações de franceses, ingleses, portugueses, belgas, etc., já aculturadas no espaço colonial, gerações que alteraram a paisagem humana nesses países; a outra manifestação está na eterna sede de vingança vinculada por essas novas gerações diante dos crimes contra a humanidade praticados por tais potências coloniais [ou a invasão do Iraque pelo eixo EUA-UK-ONU foi um simples jogo-deguerra para preservar a identidade ocidental?...]. E então, qual o papel dos EUA nesta questão? Simples: os estadunidenses ocuparam, junto com os russos soviéticos, os espaços coloniais que as nações caraveleiras foram obrigadas a deixar... Ou seja, o colonialismo do Ocidente em território Oriental (e entenda-se aqui Oriente como tudo o que não é civilização ocidental-católica) continua porque as potências econômicas precisam de recursos naturais a baixo custo e mão de obra escrava. E isto justifica o terrorismo dos grupos [que se dizem] de raiz islâmica? Não. Da mesma maneira que o catolicismo anti-socialista [ncluindo aqui as igrejas protestantes] faz inquisição e barra outros modelos sociais que não os do absolutismo político (o que também se passa no mundo islâmico), tanto os EUA como Israel e todo o bloco da Comunidade Europeia, negaram-se a estabelecer uma linha de acordos para preservar as identidades políticas e religiosas dos povos do Oriente; e negaram-se porque querem o mundo do jeito que o Ocidente é e quer. Ora, teremos um Estado palestino diante do Estado judeu? Não. Isso não está na visão política e nos interesses ocidentais. Eis a resposta, simples e concreta. Onde está a ONU no meio de tudo isto? Não está, porque a ONU é o braço diplomático das potências ocidentais, como sempre defenderam diversos diplomatas estadunidenses nas últimas décadas, entre eles Acheson. A ausência da ONU é proposital e é um crime político contra a humanidade. Não por acaso, Kissinger recebeu o prêmio Nobel da paz...?!
Parte 2 As ações extremistas dos grupos que interpretam o Islã na forma do Estado belicista e não na teologia, relembram a Cristandade ao tempo da sua imposição no próprio Oriente depois de assumir a identidade imperial de Roma. Ou seja: no campo da história nada de novo. Com o nascimento da Indústria e da Burguesia ocidentais a
Cristandade absolutista obrigou-se a recuar politicamente para não ser esmagada, mas ficou como aliada da macro política do Ocidente em termos de poder, o que dificultou diálogos teológicos e culturais – a brecha que os belicistas mercantis sempre preenchem com investimentos em seitas rebeldes, ou alimentadas para o serem enquanto esses belicistas vendem armas e sequestram bens alheios. O que fazer depois do 11 de Setembro novaiorquino e do 13 de Novembro parisiense? Continuar o ataque cultural Ocidente vs Oriente no estilo Charlie Hebdo? Descarregar bombas de alto poder de destruição contra populações indefesas na África e no Oriente Médio? Permitir que ditadores, civis e religiosos, atuem contra a humanidade?... Ou, exigir uma reforma total na ONU da maneira que a entidade deixe de ser o circo diplomático de estadunidenses, russos, ingleses e chineses, etc., e passe a tratar a humanidade como um todo de diferentes culturas e credos?! A hipocrisia ocidental está no mau jornalismo visual da revista Charlie Hebdo assim como está no mau jornalismo das grandes redes de comunicação social, pagas principescamente para demonstrarem o poder de quem paga e ordena. E então, estamos longe da poética militante “o povo é quem mais ordena”, muito longe. O mestre e filósofo português Manuel Reis, lembra-nos que... Um empreendimento às escalas nacional e internacional, que deve ser assumido urgentemente, nesta 1ª metade do séc. XXI, com uma firmeza crítica e iluminada, se a Espécie e as Sociedades Humanas quiserem salvaguardar os veros e autênticos Regimes Democráticos (com Governos do Povo, pelo Povo e para o Povo) e a gramática da Democracia a funcionar nos três planos da trempe: político, económico e cultural. Trata-se de um Projecto, que só ganhará em longitude/latitude e importância humanizadora, se for desenvolvido a partir das Universidades e Academias e do Forum da Unesco, na O.N.U.. E é um sonho. Mas precisamos sonhar para realizarmos a sociedade humana e humanizadora. Por isso, a solução contra as guerras promovidas pelos estados ocidentais [o Terrorismo de Estado] em espaço orientais e que geram resposta na forma do terror[ismo] grupal e que matam também inocentes, é uma solução em três vias – a saber: a) destruição dos arsenais nucleares e outros; b) desarmamento global; e c) diálogo sociopolítico permanente através de uma ONU com membros de igual voto e decisão. Não é simples. É verdade, não é simples. Mas se não for tentado o projeto publicado pelo filósofo Manuel Reis, diretor do Centro de Estudos do Humanismo Crítico, sediado em Guimarães, Portugal, e que conta com o apoio do Grupo de Debates Noética, na América latina, a humanidade vai continuar no caminho da autodestruição. A humanidade precisa de diálogo, diálogo e mais diálogo para se humanizar e não retornar ao ciclo animalesco em que os fundamentalismos extremistas a encurralam! Brasil e Mundo, 2015.
Centro de Estudos do Humanismo Crítico ___CEHC [Guimarães/Portugal]
OCIDENTE E MUNDO (Avassalados pelo Terrorismo) Estratégia para 2015 e décadas seguintes (despoletada, também, pelas actuações horrendas e tenebrosas de grupos radicais islâmicos…).
1. Se o Ocidente e a Civilização europeia e ocidental têm jus e alguma legitimidade para exercerem uma liderança justa e fecunda sobre as Sociedades humanas (e sua organização) e as outras civilizações da história humana no Planeta Terra, eles têm, necessariamente e por imperativo moral e cívico, de proceder a uma séria e
incontornável Reconversão radical no seu modo de pensar e actuar, perante os Outros, o Outro, o Diferente do seu mundo mental e respectivas actuações; Reconversão radical nas suas atitudes e comportamentos. 2. Eles têm jus à liderança, efectivamente, se fizerem o seu harakiri no concernente às suas disposições estereotipadas tradicionais, marcadas pela Ideologia da Dominação d’abord, pelo Dogmatismo, Censura, Inquisição, Cruzada, pelo Colonialismo e pelo Imperialismo; se forem capazes de, perante os outros povos e Nações, pensarem e actuarem no Esquema de Actores (sócio-históricos), considerados e tidos como interpares. 3. Essa Reconversão radical, de que falamos, tem o seu Programa essencial pautado pelo Direito Natural, na sua acepção mais crítica e exigente. Esse Programa essencial foi configurado, de modo excelente, nas esquecidas e ignoradas Mensagens gêmeas de Sócrates e de Jesus de Nazaré, o Homem histórico cuja Mensagem não pode ser separada do Diálogo fundador do Humanismo Crítico do Sócrates de Atenas. As duas Mensagens gêmeas foram-nos legadas pela filosofia e doutrina dos Gnósticos judeo-cristãos primevos do 1º séc. a.E.c. e do 1º a 3º séc. da E.c.. Como tem aprendido e ensinado o C.E.H.C.. Toda essa filosofia e doutrina foi censurada e postergada, de modo oficial, na posteriormente, Hist. da Cultura/Civilização do Ocidente. 4. Ora, essa Reconversão radical postula a refundação das Sociedades Humanas segundo os Cânones do DIÁLOGO socrático e da JUSTIÇA jesuânica; ‒ e essas Sociedades são, finalmente, constituídas de acordo com a bitola do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, o qual superou, definitivamente, o cânone ancestral do ‘Homo Sapiens tout court’ (o dito ‘animal racional’ aristotélico que, em termos sociais e sociológicos, não passa de um animal domesticado/cabeça de rebanho. 5. Corrigindo K. Marx, que se limitou, genericamente, a proclamar que a Religião é o ópio do Povo, nós, no C.E.H.C., concluímos, criticamente, e postulamos que o ópio do Povo, crismado como ‘Rebanho orientado por Pastores’, são as Religiões institucionalizadas, enquanto tais, ‒ todas elas, mesmo as que, activa e não apenas passivamente, souberam, historicamente, cavar a separação da sua realidade societária, em confronto com a organização política das respectivas Sociedades. (É o caso dos cristianismos e dos hebraísmos… não do Islão). No programa ‘Prós e Contras’ do canal 1 da RTP (de 23-11-2015), o sheik Munir, o Chefe da comunidade islâmica em Portugal, puxou obstinadamente pelos seus galões para defender, num painel esclarecido e acentuadamente criticista, que o Islão é uma Religião de Paz e que o ISIL ou DAESH é absolutamente anti-islâmico. Ora este é um discurso falacioso, do tipo ‘quod volumus facile credimus’!... Na verdade, se há efectivamente diferenças de tomo entre os muçulmanos moderados e os radicais, na paisagem do Islão à escala mundial, o certo é que, tanto no Corão como nos Hadits (ditos e provérbios atribuídos ao Profeta), há inspiração manifesta e textos fundadores para a utilização da Violência, em nome de intuitos e projectos superiores. Ao contrário, por exemplo, de alguns textos/chave do Novo Testamento, o Corão adoptou a principiologia da ‘Potestas d’abord’ como orientação sistémica (tenha-se em conta a noção de Califado à escala universal) e a doutrina da jihad que, iniciada embora no âmbito da consciência e do espírito, não demora muito a chegar a ‘vias de facto’. 6. O recentemente falecido filósofo francês René Girard foi um investigador actualizado sobre a problemática das origens da violência, um exímio estudioso dos mitos fundadores de quase todas as religiões, nas formas várias de homicídio da fundação, pulsões vitimárias, estigmas sacrificiais, bodes expiatórios, etc..
O próprio padre católico, prof. da Univ. Católica portuguesa, em Lisboa, José Tolentino Mendonça, teve a coragem e a ousadia de reconhecer e aceitar as lições de Girard, ao asseverar o seguinte (in ‘Expresso’/Rev., 21-11-2015, p.86): “Mesmo quando a religião se coloca do lado da vítima, e torna inviáveis todos os postulados violentos e sacrificiais, a violência tem sempre um papel referencial, e os sintomas religiosos confrontam-se com ela a partir do seu fundo mais residual. Assim, a passagem das expressões sacrais violentas à proposição firme e comprometida da paz não acontece por um automatismo, pois nenhum discurso religioso está, na sua formulação, totalmente isento de violência. E o mesmo é válido para as sociedades em todas as suas componentes, sejam elas políticas, culturais, económicas. [Nas sociedades do ‘Homo Sapiens tout court’]. Como bem explicou Girard, as nossas sociedades não se definem apenas pelo que integram, mas também pelo que excluem e, mais precisamente, pelo outro que excluem. O esquema societário dominante é o da diferenciação e do antagonismo, segundo a lógica de uma estrutura bipolar (e não raro, patologicamente ou paranoicamente bipolar) que faz depender da existência de um elemento, que fica de fora do jogo do desejo, a experiência de que aquilo que desejamos existe em pleno para nós”. Tudo isto se passa no universo ideológico do paradigma antropológico da Espécie que dá pelo nome do ‘Homo Sapiens tout court’. Eis por que ‒ continua (ibidem) J.T.M. ‒ “A grande tarefa que temos pela frente, contudo, não é buscar nem gerar bodes expiatórios, mas sim desocultar as feridas profundas, iluminando os antagonismos e as crises, encetando aquilo que René Girard designava como processo de desvelamento. Só esse desvelamento nos consciencializará da violência arcaica, que também persiste em nós”, v.g., perante ‘o visitante estrangeiro’ (Girard). Só depois desse desvelamento criticista, a Espécie humana poderá ter acesso à Praxis normal e própria do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, em Sociedades renovadas e auten-ticamente humanas. 7. Para as novas tarefas psico-sociais e antropológicas, ser-nos-á útil, quase em jeito de manual e no pressuposto da ultrapassagem das religiões institucionalizadas, o Livro do Padre J. Girardi (perito no Conc. Vaticano II, muito especialmente para a constituição eclesial ‘Gandium et Spes’), que dá pelo título: ‘Dialogue et Révolution’ (Les Éditions du Cerf, Paris, 1969). É preciso e urgente desconstruir os Cristianismos, na vertente das suas formas estruturais legadas pela Tradição e pela Dogmática religiosa institucionalizada, em demanda de um Humanismo crítico e adulto. É, por conseguinte, necessário e urgente pôr termo, em termos antropológicos criticistas, às noções básicas e estruturantes de uma Divindade transcendente e extrínseca, criadora do universo, próprias das três religiões de ‘O Livro’, bem como à noção bastarda e perversa da origem divina do Poder, de todos os Poderes, como se pode ver configurada em Paulo, na Carta aos Romanos, 13,1: ‘Non est potestas nisi a Deo’: Todo o Poder vem de Deus!... De que Deus?... Nem sequer é, por certo, do Deus = ‘intimior intimo meo’ de Aurélio Agostinho!... 8. Os dois maiores Erros/Categorias estruturais da Cultura do Ocidente são ainda hoje: A) Dualismo metafísico ontológico de Platão e Paulo; B) Monismo epistemológico universal ancorado e balizado nas e pelas ciências físico-naturais. Desta sorte, a Cultura ocidental cortou o cordão umbilical que a prendia à mundividência crítica dos Gnósticos judeo-cristãos primevos, que davam, inabalavelmente, seguimento às duas Mensagens gêmeas inaugurais de Sócrates e de Jesus. Foi por essa via que o Ocidente inventou a Metafísica (para atribuir função científica ao mito e à mitologia…), contra o horizonte e a perspectiva criticistas dos Gnósticos, os quais, posteriormente, vieram a ser esconjurados e anatematizados por todas as Academias e Autoridades ocidentais em exercício oficial. Foi por isso mesmo, que o próprio Hilemorfismo aristotélico nunca foi oficialmente reconhecido e praticado pelas escolas filosóficas do Ocidente; e o ‘meio-hilemorfismo’ de Tomás de Aquino foi vetado e proibido na Sorbonne, durante meio século, após a sua morte em
1274. O hilemorfismo da escola de Salamanca, no séc. XVI e o aristotelismo dos ‘Conimbricenses’, no séc. XVII, constituíram fenómenos culturais pouco mais do que frustes e frustrados, uma vez que não revolucionaram a Cultura Ocidental que, afinal, prosseguiu, na Idade Moderna, segundo o Diapasão do Dualismo Platónico, como sempre aconteceu ao longo de mais de dois milénios. 9. Ao instaurar a Metafísica (que, finalmente, começou a ser sistemicamente desconstruída, mediante a obra iluminada e grandiosa de Jacques Derrida), a Cultura do Ocidente formatou uma sorte de Ersatz de saber científico, com dimensão e exigências de pressuposta universalidade. Mediante um tal ‘Instituto científico’, o Ocidente domesticou alguns Mitos e reduziu, substancialmente, essa Faculdade intelectual-espiritual dos Seres Humanos que dá pelo nome de Imaginação. Foi a marcha sócio-histórica, que se volveu em rotina ao longo dos séculos, do chamado ‘Homo Sapiens tout court’: Poder e Liberdade são realidades separadas; a Liberdade foi convertida em simples ‘livre arbítrio’, que funciona como a lei do pêndulo de Foucault. Em suma, não se processou a Evolução do estádio antropogenésico do ‘Homo Sapiens tout court’ para o patamar do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. E não pudémos aceder ao estádio evolutivo da Espécie, que o CEHC designa por Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. Foi, de facto, no horizonte (epistémico) do ‘Homo Sapiens tout court’ que emergiram, historicamente, na 2ª Modernidade, a Declaração universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1791, e a Magna Carta dos Direitos Humanos, em 1948. A Cultura do Ocidente sempre esperou (com alguma ingenuidade, à mistura com sobranceria hegemónica…) que tais Catecismos dos Direitos fundamentais fossem aceites e reconhecidos universalmente à escala do Planeta. Dir-se-á que o tiro saiu pela culatra!... No último quarto de século (a partir de 1990), o mundo islâmico procedeu a dois Conclaves (um em Paris e outro no Cairo), com vista a reformular toda a Carta dos Direitos Humanos, segundo os seus usos e costumes e de acordo com a sua doutrina religiosa. O impensável aconteceu, contra o que poderia esperar, criticamente, o Ocidente. Já se estão a lobrigar as razões e os fundamentos da Saga do CEHC, no sentido duplo: A) Recuperar, estrenuamente e com urgência, na Cultura Ocidental e para todo o Planeta, o Socratismo e o Jesuanismo; B) Abrir caminho à superação definitiva de todas as religiões institucionalizadas: o que só poderá ser conseguido, mediante a instauração de veros e autênticos Sistemas Educativos, autónomos e críticos, em cada EstadoNação. 10. Toda a Humanidade e todas as Sociedades humanas são chamadas a aprender e ensinar esta Lição: É necessário e urgente, nesta Era da Pós-Modernidade positiva e crítica, começar a pensar ao quadrado e ao cubo. Quer isto dizer, estruturalmente, que é imperioso largar, de vez, o linearismo monolítico, que é o herdeiro ancestral do pensamento dogmático/censório e da submissão e do esclavagismo. A nobreza da DEMOCRACIA impõe, finalmente, a sua gramática do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. Nas Investigações levadas a cabo pelos estudiosos do CEHC, aprendemos e ensinamos a Dualidade Epistemológica, a saber: Há uma Epistéme própria das ciências físico-naturais; há outra, distinta, para as ciências psico-sociais e/ou humanas. Misturar e confundir as duas tem um preço monstruoso: a impossibilidade de conhecer e compreender o Outro (humano próximo ou distante), enleados na dialéctica incontornável da integração/segregação e nas fatais hierarquias da servidão e da escravatura; a incapacidade de aceder ao Diálogo socrático e à Justiça jesuânica. Exemplos típicos de pensamento linear/linearista e a tentativa de um pensamento inovador-diferente, no scenario político luso, após as eleições legislativas de 4 de Outubro de 2015:
A Coligação PSD/CDS-PP, que detinha a maioria absoluta no Parlamento, durante a legislatura anterior (2012-2015), perdeu as eleições de 4 de Out., e muito justamente, em virtude das desgraças da Austeridade impostas autoritariamente e das inconstitucionalidades cometidas; mas, apesar de tudo, obteve um score eleitoral mais elevado que o PS. Nesta situação, os líderes político-partidários da Coligação não se cansaram de propalar, aos quatro ventos, que haviam ganho as eleições. Não obstante, isto mesmo não correspondia à realidade, uma vez que o PS, aliado por acordos com os três Partidos de Esquerda, BE, PCP e PEV, todos juntos constituíam uma boa maioria absoluta na Assembleia da República, ‒ a condição (constitucional) indispensável para viabilizar um Governo e aprovar um Orçamento de Estado. O próprio Presidente da República foi vítima desse tipo de pensamento linearista… ao nomear Passos Coelho (do PSD) para chefiar o novo Governo a constituir. O novo Governo tomou posse, até que o Orçamento de Estado foi chumbado na Assembleia da República e o Governo demitido. Governo e PR adoptaram o pensamento empírico/linearista, como se o processo das eleições legislativas tivesse por função e dever obrigatório indicar o futuro Chefe do Governo!... O rosário da mistificação só haveria de terminar, quando, a 24 de Out. de 2015, o PR se viu ‘obrigado’ a nomear António Costa, do PS, para chefiar um Governo (minoritário) de Esquerda. No dia 10 de Novembro (dia da votação do Orçamento na AR), o Parlamento dividiu-se rigorosamente em 2 alas: a Esquerda com 123 Deputados votantes e a Direita com 107 Deputados votantes (total: 230 lugares, segundo o texto da Constituição). Com justeza e bem a propósito, escreveu Mário Nogueira (Secretário Geral da FENPROF), no ‘Jornal da Fenprof’, Novembro de 2015, p.3: “No momento em que fechamos este número da nossa revista ainda se desconhece o que fará o Presidente da República depois do aparatoso tombo de um governo que tropeçou na Democracia. Mas, por muito que isso lhe custe, e custará dada a sua estreita banda democrática, o Presidente não terá alternativa à indigitação de um governo que conta com apoio parlamentar maioritário. A Democracia a tal obriga”. Aquele (o de Cavaco e da Coligação PSD/CDS-PP) é o tradicional e malsinado modo de pensar, próprio do ‘Homo Sapiens tout court’, que avalia, superficialmente, a realidade e os processos, segundo a cartilha ancestral do Monismo Epistemológico. Ora, as realidades do mundo psico-social e/ou humano apresentam sempre duas ou mais faces, que deverão entrar em todas as observações e análises e balanços. 11. Em 1985, foi fundada e sediada em Paris a Instituição, que dá pelo nome Colégio Internacional de Filosofia, ‒ precisamente pelo justamente celebrado Filósofo (francês, de origem argelina) da Desconstrução e do Desconstrucionismo, Jacques Derrida, com o ‘apoio oficial de François Mitterrrand. Na época actual do ‘pensiero debole’ (Gianni Vattimo) e de um ambiente generalizado de empíreo-criticismo (de volta, desde o séc. XIX e severamente criticado por Marx e Lenine…), onde já não há vultos de filósofos substantivos, capazes de fazer escola, nunca como hoje a Filosofia foi tão necessária e indispensável, enquanto fonte holística e global das disciplinas académicas, com energia e timão suficientes para ajudar a orientar o Mundo, na Via certa. Passaram-se 30 anos. O C.I. de F. foi caminhando com altos e baixos; esteve à beira da sua extinção. A equipa que agora preside (num mandato de 2013 a 2016) é presidida, pela 1ª vez, por um filósofo português: Diogo Sardinha [Marques da Silva], de 44 anos, que anunciou 50 projectos de investigação em curso: 35 em França e 15 em outros países. (Cf. ‘JL’, 25.11-8.12. 2015, pp.29-31). Além de outros ensaios publicados, deu a lume, em 2013, a sua Tese de doutor-mento sobre ‘A Emancipação, de Kant a Deleuze’. Um dos projectos de investigação referidos é seu e versa a problemática actual da Banalização da Violência, sob o signo do dueto: Violência e Política.
Ele invectivou, com veemência, a expressão de Sarkozy sobre os jovens revoltados dos subúrbios de Paris e de outras grandes cidades francesas, em 2005: chamou-lhes ‘escumalha’!... É a cartilha da sobranceria das elites hegemónicas e da massa/populaça, excluída da Sociedade… A expressão ‘canalha do povo’, utilizada por I. Kant, já era proferida noutro contexto. O filósofo Diogo Sardinha baliza, assim, o objectivo do seu trabalho (ibi, pp. 29-30): “Tento pensar, a partir daí e do discurso da Filosofia sobre os humanos, a política, uma sociedade bem organizada. O meu trabalho não trata de dizer apenas que não está bem que Sarkozy se referisse a esses jovens como ‘escumalha’, porque é uma forma de estigmatizar uma parte da sociedade. O que importa é compreender os esquemas de organização mental, linguística, o que está em jogo por trás dessa designação. E compreendendo melhor, procurar intervir, escrevendo textos, conversando, etc.. E foi nesse quadro que surgiram problemas como o do conceito de violência”. Esta nova sensibilidade filosófico-crítica, que adopta o Esquema cruzado da filosofia e da linguagem (corrente), data da 2ª Modernidade e tem pouco mais de dois séculos. “É falso, por exemplo, que o objectivo da filosofia sempre tenha sido combater a violência. O objectivo podia ser combater a guerra. Kant escreveu, como outros autores, projectos de paz perpétua. Ou descobrir o bem, alcançar a verdade. Por outro lado, comecei a reparar que a noção de violência está em todo o lado. Falamos de violência física, psicológica, simbólica, violência comum, ordinária, ou estrutural na educação, na vida conjugal, nas relações de trabalho, entre os Estados. Tornou-se tão banal e usual, que me parece cada vez menos operatória para pensarmos verdadeiramente” (ibi, p.30). Porque trouxemos à colação uma Instituição como o Colégio Internacional de Filosofia?! Porque uma Instituição destas poderia ser menos ecléctica e experimentalista. O estatuto da sua extrema importância e de eficácia e fecundidade, à escala internacional/mundial, em que deseja exercer a sua proficiência, impor-lhe-ia um novo carácter: holístico e sistémico, na galáxia do Psico-Sócio-Ânthropos. Isso mesmo poderia o C.I. de F. encontrá-lo na adopção integral do nosso C.E.H.C. (Centro de Estudos do Humanismo Crítico). 12. O nosso Velho Amigo e Companheiro de Luta, Mário de Oliveira (Director do ‘Jornal Fraternizar’, desde 1987…) deu à estampa mais um livro, que ‘perturba e agita’ os pântanos societários em que sobrevivemos. Tem por título: ‘Pratico, Logo Sou: Pensamentos’, Seda Publicações, Porto, Outubro de 2015. Abrindo o apetite para as 157 pp. de escrita, o Autor deixou expresso o resumo/ /orientação na lápide da contracapa: “Ao contrário dos livros, Penso, logo existo’ de Descartes, e Pensamentos, de Pascal, que resultam da fé-ideologia-teologia do judeo-cristianismo-islamismo, o pai do poder financeiro que hoje domina o mundo, o Livro, Pratico, logo Sou, resulta da Fé-Ruah-teologia de Jesus Nazaré, o filho de Maria, e das suas práticas políticas-económicas-maiêuticas. A pedra sistematicamente rejeitada-crucificada pelo poder, nos três poderes, porque a Pedra angular de um mundo pleno e inte-gralmente humano, constituído por seres humanos e povos politicamente religados entre si ao modo de vasos comunicantes, a crescer-expandirse de dentro para fora em sabedoria, cultura, entrega recíproca, afectos, mesas compartilhadas, sujeitos dos próprios destinos e protagonistas da História. Sem nenhuma oportunidade mais para o surgimento de messias salvadores, todos falsos. E com o Dinheiro definitivamente ao serviço dos povos, nunca mais o amo-senhor dos povos. Ao todo, são 366 Pensamentos, tantos quantos os dias de um ano bissexto, que urge mastigar-digerir-ser-viver, até todas e cada uma de nós, todos e cada um de nós, podermos dizer, com verdade, Pratico, logo Sou!”. Nos primeiros 5 anos do séc. XXI, Mário de Oliveira aproximou-se, de fond en comble, do CEHC: Como evoluiu!!!...Revelou-se (em cartas) nosso Discípulo e Colaborador estrénuo e prolífico. Sentimos, nesta Caminhada existencial comum, uma
Alegria imensa, sob a Bandeira de uma Humanidade Nova a edificar: o que, no CEHC, é designado, cumulativamente, pelo Advento do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, com a definitiva superação do ‘Homo sapiens tout court’.
* N.B.: Estamos inteiramente de acordo com o texto da Palestra improvisada de João Barcellos (datado de 15 de Novembro de 2015), subordinada ao título genérico ‘OCIDENTE vs. ORIENTE: O Terror com Duas Faces’ e ao título específico ‘Do 11 de Setembro/2001 ao 13 de Novembro/2015: os extremismos devem ser combatidos pela força do diálogo’. Só por eufemismo poderemos aceitar e reconhecer, no título específico, a expressão ‘palestra improvisada’, visto que a qualidade das reflexões e dos temas arrolados é, não só toda ela pertinente, como também de nível excelente. Neste contexto positivo e fecundo, resolvemos elaborar, no horizonte do CEHC, um Artigo, a partir da nossa comum Mundividência crítica, de teor lacónico e conciso, que poderá figurar como Introdução ou Pórtico a uma edição conjunta dos dois textos (electrónica e/ou em papel). Esta solução enriquecerá os trabalhos culturais criticistas, que o Grupo de Debates NOÉTICA tem vindo a propor e a desenvolver, em boa hora, e a todo o Mundo, com vista à adequada Metamorfose da Espécie humana e à fundação e constituição de Sociedades Humanas dignas do nome. Como disse e escreveu, no final do seu texto, João Barcellos: “A humanidade precisa de Diálogo, Diálogo e mais Diálogo para se humanizar e não retornar ao ciclo animalesco, em que os fundamentalismos extremistas a encurralam”. É necessário e urgente pôr fim à velha concepção cíclica/nietzscheana do ‘Eterno Retorno’, para que possa começar a emergir, em todo o seu esplendor, o ‘Homo Sapiens//Sapiens’. Guimarães/Portugal, 25 de Novembro de 2015. Manuel Reis (Presidente/Fundador do C.E.H.C.).
EM TEMPO...
sobre a programação do nº 11 de Debates Paralelos Queria fazer-vos um pedido e uma sugestão: o 1º é para incluírem no programa o artigo notável sobre ‘Mito & Divindades’ (datado de 1º de Fev. de 2015); o 2ª é atinente à inclusão, se possível, do artigo do Mário de Oliveira, titulado ‘Via-Sacra apresentada numa igreja de Lisboa ‘Como, para crentes e não crentes?!’ enviada por e-mail em 7/3/2015, ao qual foi adicionada uma referência de 3 §§, relativa às vossas lutas culturais, assinada pelo nosso saudoso Prof. Carlos Firmino. Estas 2 peças também têm o seu interesse, em termos culturais-críticos, sob a abóbada da epígrafe, que a Fê Marques enunciou: OCIDENTE vs. ORIENTE. E nós acrescentamos a crônica d dezembro de 2015 ´Até Que Sermos Oposição Nos Separe?!´ para rematar o painel de análises. Manuel Reis
Mito & Divindades
João Barcellos
Não me digas?! E agora és um deus... Hum, tamanho é d´além o adeus ao pensamento nos dias! J. C. Macedo (poeta, 1975)
Pensar. O difícil exercício que nos leva, tantas vezes, ou na maioria delas, a inventar divindades que nos sirvam de cajado e avançar, sem sair do lugar, nesta vida de currais ideológicos. Até quando a humanidade, que difere da animalidade por ser-estar pensamento, vai continuar a se enganar? Nas velhas eras, os povos nomeavam algo que lhes
agradasse como deus ou deusa, disto e daquilo, à imagem das circunstâncias – uma mística terra-a-terra ecoada na narrativa histórica; chegado o império da divindade única, entre três religiões do mesmo ramo judaico e com livros diferenciados apenas no jeito de nomear as ´coisas´ d´além, tudo continua na mesma, i.e., em nome de uma divindade disputam-se terras e gentes, mata-se e esfola-se, mas..., a divindade é algo além-da-terra e não mais terra-a-terra!. Eis que o mito, que não é mais do que a cultura oral das velhas eras no relato das coisas, ecoa nas modernas plataformas eletroeletrônicas da comunicação social e visual como avatar da mística essência institucionalizada na igreja-estado, que o mesmo é dizer, como poder temporal gizado numa humanidade que em vez de se reconhecer como tal prefere se esconder de si mesma! Sim, que a mística de hoje é o mito de ontem travestido de teologias onde o dogma da invenção é o poder, i.e., o pastor de ovelhas já acreditava que o seu curral poderia ser o altar da divindade que lhe enviava o poder de estar mais do que outros... e, fundado o clã, tal era eternizado tendo o cajado como ceptro e o curral como centro do mundo e seu trono. Hoje, e desde a morte de Hypatia, o curral/trono é a igrejaestado onde a refutação de Sócrates não tem espaço, como não teve nem tem espaço a palavra de Jesus, enquanto Moisés e Maomet são referenciados como profetas de sanguinários eventos belicistas e, mais além, Confúcio e Buda iluminam o que podem iluminar e, aquém, Exu diz o que pode dizer.
Diante do cosmo somos coisa pouca e logo inventamos um deus que nos pune. O que é preciso, gente!, é celebrar o que nos une e não fabricar dogmas como roupa! J. C. Macedo (poeta, 1975)
Ah, quantos deuses, quantas deusas fizeram a felicidade dos povos!, – e, de repente, no ápice da queda de vários impérios, como Roma e Grécia e Egito, surge um deus que o é pela força mítica de uma odisseia e um povo (o judeu) que o faz seu, mas logo compartilhado por outros judeus (Jesus) e gentios (estes, através da palavra colonizadora de Paulo), e mais alargado ainda na odisseia da sobrevivência entre nômades árabes (Maomet). Os povos perderam a pluralidade da graça mística e da imagem circunstancial do terra-a-terra para escutarem lengas-lengas de doutoresinventores de uma palavra de “deus” – que manda matar quem não o louva, ou sequer o “conhece”!... Entre os livros sagrados (Alcorão, Torá e Bíblia) a diferença está em que os judeus se acham “o povo escolhido por deus” e, desgraçadamente, talvez por isso, sofrem como já sofriam ao tempo nômade das doze tribos, qual delas a mais socialmente insana, pois, entre elas, o sangue derramado era a tinta da palavra divina. Tinta que os católicos pedro-paulinos revigoraram em páginas de escuridão sociocultural, enquanto os islâmicos, então mais afeitos ao humanismo crítico, faziam outra interpretação da “voz” egípcia-judaica e acenavam com uma palavra a convidar ao fraternalismo; mas, a formação da igreja-estado pressupõe poder – o poder de
econômica e politicamente assegurar vida aos dogmas que lhe são pilares..., ora, que o diga o autodenominado bispo Cirilo, que permitiu a bárbara morte de Hypatia e, por isso, tornado ´santo´ como outros sanguinários o foram [leia-se, aqui e também, o rei francês Luís 9º, aquele que instituiu a ´estrela amarela´ para identificar o povo judeu e que virou São Luís...]. Ou seja: toda a pessoa ´cristianíssima´ – ainda bem que não dizem/falam ´jesuaníssima´, pois seria um insulto histórico a Jesus – tem na igreja-estado a possibilidade de ´virar´ santa se estiver entre as elites dirigentes e as mãos sujas de sangue ´pagão´! A propósito do evento sanguinário envolvendo a revista francesa Charlie Hebdo e um grupo extremista islâmico ligado à Al Qaeda, em Paris, o filósofo luso Manuel Reis lembra-nos que “[...] o Projecto da formação e constituição das Sociedades humanas, dignas do nome, abalroou completamente…, pela simples razão fundamental de se ter instaurado e generalizado o catecismo do Objectivo-Objectualismo. A gramática dos Sujeitos pessoais (e o respeito pela sua Consciência e Experiência) foi simplesmente corrompida e exterminada. Quanto à própria Noção de Deus, ela foi mantida no reino imaginário da Metafísica (platónica e paulina); nem sequer se deu guarida à noção mais realista do ‘Deus sive Natura’ de Baruch de Espinosa” [in Sob o Signo do Humanismo Crítico, ensaio; www.noetica.com.br, janeiro de 2015]. Ora, transformada que foi a humanidade em máquina fornecedora de mão-de-obra e reduzidos globalmente os seus direitos a uma escravidão de consumo pelo consumo, cada pessoa passou – e assim o é para a maioria da humanidade, hoje... – a vivenciar o dia a dia com a razão mecanizada. Mas... Razão?, qual razão, se a pessoa não pensa? E foi/é aqui, nesta encruzilhada mística e política que foi/está assente a base da igreja-poder: toda a guerra tem um religioso para abençoar soldados e armas, porque a guerra é uma indústria de fomento à economia de depravação política, a depravação que gera a humilhação e a fome entre os povos e lhes nega a autonomia sociocultural na própria nacionalidade! E se a imperial Roma se foi, as imperiais Moscou, Washington, London e Paris, também cairão sob a perfeita leveza dos odores de sangue e corpos sacrificados em tal colonialismo militar, religioso e cultura enlatada. Sim, que Deus o É na espiritualidade de cada Pessoa, e só.
Esse teu Deus que permite a ganância não é O que percebo em Mim. É ele um político senhorial em armas e sem jardim – pior: é um dogma onde não se encontra tolerância! J. C. Macedo (poeta, 1975)
E então, enquanto os povos são sacrificados para que as elites dirigentes se mantenham no Poder (político e religioso), deve-se pensar e agir, pois, virá o dia em que o humanismo crítico derrotará a ação obscurantista milico-religiosa das políticas anti-republicanas – e em tal dia, as pessoas deixarão de ser a ´máquina´ que engorda as elites da ideologia economicista!
A humanidade provou o colonialismo de Roma e da Pérsia, autoritarismo do Egito, mas não aprendeu: logo os judeus se acharam no direito de determinar que o seu ´deus´ é único, caro e exige sacrifícios, ao que se recusou Jesus, e este, sem erguer qualquer tipo de altar-igreja, deixou como herança uma palavra de paz – uma herança esquecida por Pedro e aproveitada por Paulo na apologia ao colonialismo romano, e assim foi que a cristandade colonizadora [católica] retomou o papel inquisitorial das elites que quase a dizimaram para promover uma guerra santa contra pagãos e outros credos. Aguanta tu sufrir, formidable Satán Cristo anduvo por ti, Mas también lo hizo Pan. Federico Garcia Lorca (In MAR, 1919)
Mergulhada a humanidade ocidental na obscuridade sociocultural, as ditaduras abençoadas pela cristandade cresceram a tal ponto de engordar os cofres judaicos, e os judeus, diante da ofensiva militar e racista de Hitler, quiseram, a partir de New York, barrar economicamente a Alemanha – um erro político que fez crescer o nazismo e o retorno da ´estrela amarela´; entretanto, passado o evento nazi, os judeus, enfim, ergueram o Estado israelita em campos da Palestina, e, hoje, fazem o que fez a cristandade: a guerra santa contra árabes. Mais uma vez: por que é que a humanidade não aprende com os seus próprios erros sangrentos, e, diga-se, erros-decisões em nome de ´deus´, sempre em nome de ´deus´?! Porque o que interessa é manter as elites dirigentes, o ´padrão´ economicista da meia dúzia sustentada pela maioria. Existe solução? Sim, mas é preciso ousar o diálogo proposto tanto por Sócrates quanto por Jesus e Confúcio: sem diálogo sociocultural a respeitar a essência de cada comunidade e cada pessoa não haverá paz, mas destruição.
Deixem-me ser o que sou pela alma que tenho. Não quero estar rebanho e desejo a liberdade pelo que sou! Neste humaníssimo desejo deus o é pelo que sou! J. C. Macedo (poeta, 1975)
Mergulhada, ou embrulhada em sentimentos de ressentimento, a humanidade tem medo até de perceber a liberdade, por isso é fácil a meia dúzia de senhoriais erguer o chicote ou o cajado para a fazer ajoelhar e orar nessa gramática política do poder vulgar e absolutista. Estamos numa sociedade niilista, privada de moralidade e de
cultura, porque entregue ao trivial indicado pela cultura enlatada do poder e sua demagogia consumista; por isso, o poder virou igreja e o economicismo virou deus [o cajado-ceptro e o dinheiro-deus]. Lembrando estudos críticos de Menno ter Braak, o filósofo Rob Riemen, diz, acerca do fascismo, que o medo diante da liberdade tem como causa a estupidez e a falta de cultura. Em recente palestra após a exibição da peça cinematográfica Ágora (ou Alexandria), membros do grupo de debates Noética perceberam que parte do professorado presente no evento deixava o recinto. O que acontece?, quiseram saber. Essa gente diz que Hypatia nem existiu e que a Igreja nunca mandou matar..., responderam os poucos que ousaram ficar. Obviamente, também não viram o filme The Shoes of the Fisherman, nem perceberam a Cruzada ou a Inquisição. Sabem nada, inocentes..., disse eu, para risada geral. Uma risada pelo negativo, pois, a circunstância revelou que a maioria das pessoas prefere o dogma à liberdade de estar-ser em humanismo crítico, o dogma que serve de base ao poder absoluto de igrejistas e políticos, i.e., recusam-se a expressar o que são individual e coletivamente permitindo que sejam encurraladas pelos políticos e igrejistas, além de viverem culturalmente entre produtos enlatados pela colonização elitista...! E, mais uma vez: a vida e a morte da filósofa e matemática Hypatia é uma das páginas mais negras da cristandade absolutista e terrorista, logo, uma referência histórica para que tal não se repita, mas, nem a cristandade nem as outras igrejas-estados aprenderam com os próprios erros e continuam mítica-misticamente a vender dogmas em vez de socrática e jesuanamente apregoarem o Saber e a Paz. Apesar dos dogmas, e até nisto Hypatia foi/é uma referência socrática, a humanidade o é em e por cada nova geração. Para ilustrar isto, trago-vos ao conhecimento, ou à lembrança, o seguinte: A árvore estava Abandonada e seca Foram os meninos Que cuidaram E a fizeram florir E encher de frutos Foi o amor das crianças Que a salvou Este poema é parte de uma peça teatral escrita por J. Santos Simões para crianças, mas, com o sentido na formação de novas pessoas livremente adultas e críticas. Lição? Como diria Manuel Reis, um dos responsáveis por essa reedição, precisamos alimentar a nova geração com o pão-liberdade que é a cultura, ou será escravizada no mesmo curral ideológico onde viveram os avós e os pais. Entretanto, o que percebemos? As novas gerações já nascem tecnologicamente encurraladas [leia-se telefonia e internet] nos produtos de consumo que carreiam em sua manipulação a ideologia do curral: compra o que mando, faz o que mando, que eu sou o teu senhor, pois, não terás felicidade fora do consumismo, assim profetizam as elites. É difícil resistir à tentação dos meios tecnológicos, porque eles facilitam o dia a dia das comunicações, é verdade, mas se utilizados com inteligência e pensamento crítico eles também podem ser meios de libertação e conhecimento...
Salvar a árvore-humanidade é uma ação para a criança que vive eternamente em cada um[a] de nós! Sim, só precisamos aprender a viver a Vida com a liberdade do que somos, e é disto que as elites dirigentes têm medo, e então, cercam-nos com dogmas e com tecnologias... João Barcellos 1º de Fevereiro de 2015 Brasil
Cine-Bibliografia ÁLEXANDRIA/GORA – filme de Alejandro Amenábar, Espanha-2009. AS SANDÁLIAS DO PESCADOR [The Shoes of the Fisherman] – filme de Michael Anderson, USA-1968. CRÓNICAS DO QUOTIDIANO – Mário de Oliveira [youtube], 2014-15. D. TÃO PARLAPATÃO – Joaquim Santos Simões. Teatro para Crianças. Ilustrações de Salgado de Almeida. 1ª Ediç em 1997. 2ª Ediç, Agrupamento Vertical Escolas Santos Simões; Portugal, 2009. FEDERICO GARCIA LORCA / POEMAS – Tradução de Vanderley Mendonça. Editora Jansen; São Paulo / Brasil, 1992. DEUS, O DIABO E O NADA NA POÉTICA DIÁRIA – J. C. Macedo. Poemas mimeografados pelo autor. Lisboa/Pt, 1975. MITO & DIVINDADES – João Barcellos. Ciclo de Palestras CEHC/Noética, América do Sul, 2014. O ETERNO RETORNO DO FASCISMO – Rob Riemen. Editorial Bizâncio; Lisboa/Pt, 2012. SOB O SIGNO DO HUMANISMO CRÍTICO – Manuel Reis. Edição eletrônica em www.noetica.com.br; 2015.
Três Gotas Filosóficas No Halloween João Barcellos, 1995
Vida 1 este sonho que me é chão altar e oração não interrompo é cântico d´ilusão não há razão é sonho
Cosmo deus o é em mim água e suspenso jardim entre reis e plebeus igreja do todo sem sangue ruim vive em mim eterno adeus
Vida 2 somos jovens a cantar a vida não sentimos a era ida e então
a velhice toma a vida a mantém erguida renova-se nos jovens
Acerca do Halloween Muitos séculos atrás, o verão tinha o seu término em 31 de Outubro ao final das colheitas na sociedade celta. O dia era de festa e tinha nome: Samhain, o Ano Novo Céltico. Várias pesquisas apontam para duas origens do nome Halloween: a) da palavra Hallowinas nome das guardiãs escandinavas do saber oculto nas terras do norte; b) ou versão de All Hallows' Even (q.s. Noite de Todos os Santos).
Crónicas de Mário de Oliveira
Via-sacra apresentada numa igreja de Lisboa
Como, para crentes e não-crentes?! Um livrinho a duas mãos. De dois crentes assumidos. Cristãos católicos. Um filósofo e um gestor de empresas. O filósofo escreve para não-crentes e permite-se não ser tão rigoroso assim, já que o seu público-alvo, em seu entender, não percebe nada da temática e por isso os seus textos podem conter alguns disparates. É o próprio que o diz, numa entrevista televisiva na RTP 2, mas em tempo de antena da responsabilidade da igreja católica em Portugal. Já o gestor de empresas escreve para crentes. Os disparates também por lá abundam, mas o próprio não o assume, pelo menos, nas breves palavras que o mesmo programa Ecclesia regista da sessão de apresentação. Não se duvida que a intenção dos autores seja a melhor. É, com certeza. Mas não bastam boas intenções. É preciso qualidade, profundidade, honestidade intelectual com a realidade. E a realidade mais real, dentro da História da
humanidade, são as vítimas, cada vez aí em maior número, sem que crentes e nãocrentes, os auto-denominados ateus ou agnósticos, se preocupem tanto assim com elas e com as causas objectivas que as produzem. Desde que não sejam da sua própria casa. Da sua própria família. É o grande pecado dos filósofos e da generalidade dos intelectuais. Habitualmente, não integram o número das vítimas. Vêem-nas da janela da sua confortável casa, ou pelo retrovisor do seu carrão de alto custo. Não são vítimas, nem as frequentam. As suas práticas e posições políticas são cuidadosas, prudentes o bastante, para não lhes causarem sarilhos. São práticas muito cristãs, ainda que religiosamente ateias ou agnósticas. Não são jesuânicas. Não são orgânicas, vasos comunicantes. Apenas politicamente correctas. Como os textosmeditação deste livrinho, porventura, bem-intencionado, mas demasiado moralista, para ser fecundo, libertador. Diz-se, logo em título de capa, um livrinho para crentes e não-crentes. Mas como, para crentes e não-crentes, se até a sessão de apresentação acontece neste tempo que o calendário da igreja católica, completamente desfasado do calendário da sociedade portuguesa, europeia, ocidental, cada vez mais secular, laica, classifica grosseiramente de “quaresma”, por isso, coisa eclesiástica, clerical, de sacristia, e, cúmulo dos cúmulos do mau-gosto, no interior de um templo católico de Lisboa, exactamente, a igreja dos mártires? Acham os autores que os não-crentes se sentem motivados a sair a uma apresentação de um livro que se diz direccionado também para eles, quando ambos escolhem o espaço de um templo católico da capital para o fazer, ainda com a agravante dele ser apresentado pelo catolicão, Prof. Marcelo Rebelo de Sousa que opina sobre tudo e sobre nada, mete os pés pelas mãos, sempre que isso lhe dá jeito para subir na pirâmide do poder, nunca o calvário dos condenados, como Jesus Nazaré, o filho de Maria, exactamente, por recusar ser poder davídico, o da Bíblia judeo-cristã? Além disso, um livrinho, como este, escrito a duas mãos, de dois cristãos, não pedia, pelo menos, na sessão de apresentação, dois apresentadores, um deles, de preferência não-crente, entenda-se, não-cristão, já que crentes, até os que se dizem ateus e agnósticos, são, resta apenas explicitar de que Deus em concreto é que não são crentes? As quatro narrativas da paixão e morte de Jesus Nazaré, o filho de Maria, em cada um dos 4 Evangelhos canónicos em 5 volumes, não constituem, de modo algum, o que a igreja católica veio a classificar como “via-sacra”. A designação já é uma interpretação. Autoritária. De cima para baixo. Por isso, interesseira. Não corresponde à verdade histórica. É puramente doutrinal, conceptual, dogmática. Os dois autores do livrinho parecem desconhecer este dado objectivo, que faz toda a diferença. Com Jesus Nazaré, não há nenhuma via-sacra. Há um crime, o maior crime da história da humanidade, que é simultaneamente de lesa-humanidade e de lesa-Deus que nunca ninguém viu. Chamar-lhe “via-sacra” é uma sacrílega tentativa de branqueamento do crime, desse modo, transmutado em sacrifício redentor, o que o torna ainda mais horrendo. O judeocristianismo precisa deste branqueamento, assim como precisa de impor esta sua interpretação dogmática aos povos do império romano e demais povos das nações, cujo inconsciente colectivo anda marcado pelo primitivo religioso que inclui, nas suas míticas narrativas das origens, a existência de um “pecado original” que teria sido praticado no início, e que é a causa de todo o sofrimento, inclusive, da própria existência da morte. Nada mais, científica e teologicamente, falso, pelo menos, à luz da teologia de Jesus. Nem os começos da vida humana são assim, nem Deus que nunca ninguém viu é assim, como rezam essas míticas narrativas religiosas, inclusive, bíblicas, das origens. O sofrimento dos seres humanos tem causas históricas bem concretas, científicas, da responsabilidade dos seres humanos, em especial das minorias privilegiadas, ilustradas, criadoras de sistemas de opressão, domínio, exploração. Já a morte, ocorrida no fim do outono da vida, faz parte do ciclo da vida, tal como o acto de nascer. Não tem a ver com castigos. Pelo contrário, tem a ver com a vida que, para poder prosseguir em dimensões outras, precisa de passar pelo parto, primeiro, da respectiva mãe e, finalmente, pelo parto da mãe-erra, mas a
que, por oportunista terrorismo, se convencionou chamar morte, quando, bem vistas as coisas, é a plenitude da vida que se torna definitivamente invisível, porque reduzida ao essencial. Por ver as coisas assim e por gastar toda a sua vida histórica, enquanto lhe foi possível, a praticar e fazer passar esta boa notícia às vítimas desses sistemas, que soa, obviamente, como má notícia aos ouvidos das minorias criadoras e beneficiários desses sistemas de iniquidade, é que Jesus Nazaré é vilmente perseguido, caluniado, traído, preso, julgado, condenado à morte pelos chefes religiosos, políticos e económico-financeiros e, por fim, executado na cruz do império. Como o maldito, segundo a Bíblia judeo-cristã, a mesma que fundamenta o judeocristianismo, a existência de igrejas cristãs, a católica romana e as protestantes, criadas e mantidas com o objectivo de continuarem a branquear o crime de lesa-humanidade e de lesaDeus que nunca ninguém viu – a morte crucificada de Jesus – antípoda do Deus de Moisés, de David, dos profetas, dos salmos, numa palavra, do Deus da Bíblia judeocristã/Alcorão. É pena, muita pena, que os autores deste livrinho desconheçam toda esta realidade. Pelo que a sua “via-sacra para crentes e não-crentes”, editada pelas Paulus Editora, resume-se a um chorrilho de sonantes palavras vazias de realidade, ainda que carregadas de fino e erudito moralismo, destinado a anestesiar consciências, antes de mais, as dos dois autores e respectivos editores. E neles, as consciências dos cristãos e dos ateus do deus das religiões, todos mais ou menos praticantes do deus que fundamenta, dá cobertura aos sistemas cientificamente criados para produzir vítimas em série, sofrimento em série, numa palavra, este tipo de mundo onde já nem sequer as crianças querem continuar a nascer. Se quiserem experimentar a verdade do que aqui fica escrito, manuseiam, por uns breves minutos, este livro, nalgum posto de venda de livros, sem necessidade de chegarem a adquiri-lo. Não merece a despesa. Mário de Oliveira, Pe. In jornal FRATERNIZAR; Portugal, 2015.
ATÉ QUE SERMOS OPOSIÇÃO NOS SEPARE?! Chegou ao fim a coligação de poder, Portugal à frente. A ambição do poder os uniu, a desconfortável situação de Oposição no Parlamento os separou. As juras de amizade e de entendimento político que os dois agora se fazem, são isso mesmo, juras. Sobre elas, adverte o velho ditado, Quem mais jura mais mente. Mentir é, aliás, a especialidade do poder. Até nos casamentos canónicos ou pela igreja é assim. O Ritual bem diz, “O que Deus uniu, não o separe o homem”. Só não diz que o Deus que uniu é o mesmo do Credo de Niceia-Constantinopla. O Todo-poderoso, gerador de milhões e milhões de súbditos e de elites todo-poderosas, suas representantes na terra. Logo que aparece um outro mais poderoso, o anterior fica só. Os que ele tinha por mais fiéis são os primeiros a abandoná-lo. Passam-se, com armas a bagagens, para o novo vencedor. As fidelidades e os contratos, no reino do poder, duram, enquanto há privilégios em crescendo a distribuir. Acabam, quando estes se esvaem. Os dois chefes da defunta PAF, Paulo Portas e Passos Coelho, são hoje os grandes derrotados no Parlamento. Cada vez mais sós e com o chão a fugir-lhes debaixo dos
pés. Durante os séculos de domínio absoluto dos papas e da Cristandade Ocidental, os casamentos canónicos, obrigatoriamente realizados nas igrejas paroquiais foram os únicos casamentos válidos. O divórcio institucional foi sempre impensável, por mais numerosos que fossem os divórcios reais, verdadeiras tragédias com sabor a inferno e a morte lenta, mantidas em nome da sacrossanta indissolubilidade do matrimónio. Só mesmo a Cristandade foi capaz de tão numerosa destruição de milhões de seres humanos, unidos por um Ritual cristão católico romano, sem um pingo de racionalidade cordial. A prova provada de que uma e outro têm tudo de anti-Deus que nunca ninguém viu e se nos dá, finalmente, a conhecer em Jesus, o filho de Maria. Não passam duma maquiavélica criação do poder monárquico absoluto do papa de Roma e da sua hierarquia, para cúmulo, celibatária à força. CDS e PSD acabam de divorciar-se. O poder os uniu. A perda do poder os divorciou. Aos seus chefes, esperaos, agora, o ódio político que os trucidará sem piedade. Já estão afiadas as facas dos que vão derrubá-los. Mário de Oliveira, Pe. In CRÓNICAS; Portugal, Dez., 2015. https://www.youtube.com/watch?v=-o_9P1_DAWU