O Poeta e a Descruzada

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O POETA EA DESCRUZADA PALESTRA DE

Maria C. Arruda 2012


[O poeta durante estudos, em Ouro Preto / Minas Gerais, sobre “Os Aspectos Coloniais Luso-Católicos Que Determinaram Um Binômio Chamado Racismo-Escravatura”.]


A primeira vez que escutei a fala dele foi quando coordenou uma feira de livros num sarau cultural divido entre vários grupos de estudos e escolas, e com ele a explicar a História Luso-Brasileira e A Importância da Literatura na Formação de Cada Pessoa. Na sua concepção, “a res publica é a peça de aferição mais valiosa que a humanidade possui, pois, aí está a mãe d´água que alimenta e faz seguir em frente a democracia sublimada em cada ato social e político, mas também no ato religioso, quando este é fruto da consciência mística que liberta, não a que encarcera e mata”. Dos seus estudos historiográficos, e são muitos, interessei-me pela reconstituição que fez do Primeiro Engenho Metalúrgico d´América Que Affonso Sardinha (o Velho) Estabeleceu No Cerro Byraçoiaba, pelo qual pude, então, conhecer os meandros coloniais e políticos que deram origem à indústria brasileira e sulamericana, e também pela funda investigação Acerca Da Cruzada Místico-Bélica Dos


Jesuítas No Brasil, que me mostrou como “a evangelização católica foi instrumento de terrorismo sádico na destruição das línguas e dos povos locais, porque se o colonobandeirante era analfabeto e queria apenas a riqueza e levantar outro Portugal, já os padres (os jesuítas e os de outras corporações da igreja romana e católica) transformaram-se em matadores iluminados..., o que não consta da história oficial, mas está no registro eterno dos povos reduzidos a quase nada”. O interessante é que a birra dele em torno da luso-brasilidade começou quando leu as façanhas coloniais de um tal Affonso Sardinha (de quem fez um retrato a lápis que hoje circula em vários documentos) nos Papeis do Brasil, guardados na Torre do Tombo em Lisboa, no verão de 1975, e, no mesmo ano, com leituras reiniciadas em Coimbra. Já em 1989, em Buenos Aires, argumentava que “O poderio colonial português, ao tempo de Manuel I, que herdou de mão beijada os preparativos para a Viagem à Índia, de João II, foi executado tão sanguinariamente que essa página negra da história humana só tem paralelo nas Cruzadas (e delas fez parte por desejo de Manuel I, que,


louco fundamentalista, queria reconquistar Jerusalém) e na Inquisição católicas [...], e toda a ação colonial manuelina foi de confrontação com terror, ao contrário da ação mais mercantil e menos bélica do João II, que permitiu uma evangelização de contato e não de canhão e espada. O que é hoje o Brasil não teve o mesmo destino porque, entre 1500 e 1540, foi colonizado por degredados e políticos fugidos da ação inquisitorial, e foram esses colonos que deram origem a um Brasil assente no conceito de res publica, e não de império monárquico, pois, a partir de Piratininga reocuparam o Piabiyu para comerciar com Buenos Aires e Asunción, o que limitou, inclusive, a ação das corporações fradescas e do próprio rei no âmbito da linha tordesilhana”. Dito isto, senhoras e senhores, lembro que estou a falar e a reproduzir partes de palestras e de textos do poeta e jornalista português J. C. Macedo, cujos estudos em historiografia luso-brasileira fizeram dele uma referência para outros estudos e ensaios. Se é certo, e é ele que o diz, que só tardiamente teve acesso à verdadeira história [leia-se Alfredo Pinheiro Marques e Manuel


Reis a propósito] da saga dos descobrimentos portugueses, ele aproveitou os novos dados e documentos para mergulhar ainda mais fundo na temática reconstituída primeiramente pelo matemático-historiador Luis de Albuquerque. A desconstrução do ideal henriquino (o infante Henrique sempre foi apontado oficialmente como “o cara das navegações”) fez emergir historicamente o Infante das 7 Partidas (o duque de Coimbra Pedro, mais tarde regente do Império, e avô do rei João II, que vingaria exemplarmente o seu assassinato na contenda de Alfarrobeira). Esse novo olhar, emblemático na obra de Pinheiro Marques, que pude ler em 2011, catapultou J. C. Macedo na demanda das glórias fabricadas em torno do Gama e de Albuquerque, e mais profundamente nos “atos dos religiosos que abençoaram o terrorismo manuelino nos mares que a outros povos pertenciam”. E chego ao que queria dizer-vos, senhoras e senhores: Intolerante e bestial, a cristandade quis se apossar do mundo depois de negar a sua mátria raiz judaica e, logo, negar também a possibilidade de outras religiões a partir da


mesma matriz (é o caso do islamismo). E esta odisseia de insanidade mental dura até hoje. O que nos diz J. C. Macedo a propósito? “Fecharam o templo que era simples e humildemente a Palavra de Jesus e, a partir das cartas de Paulo, desdenharam do próprio Jesus e do seu judaísmo para arquitetarem uma igreja universal (= católica) com poderes políticos e judiciais sobre os crentes e os nãocrentes. E a própria cristandade, já no Século 20, percebeu que havia perdido espaço na sua temporalidade. Por isso, no Concílio Vaticano II quis reedificar algumas das suas estruturas e ganhar de novo a intelectualidade (muita dela formada a partir do vaticano), mas isso não deu certo porque a saga sanguinária da elite católica (branca e que fez desenhar um Jesus branquela e de olhos azuis para o Ocidente...) não aceitou ser despojada das suas riquezas, e daí surgiu a Teologia da Libertação, com padres e freiras, intelectuais e artistas, e o povo..., sim, o povo, de mãos dadas em prol de uma igreja para todos. Também não resultou. Aquela elite capitalista, terrorista e racista (os povos de cor sempre foram tidos como nãocristãos), aliou-se aos caudilhos fascistas


europeus e americanos para decapitar as boas intenções de uma evangelização libertadora. Ou seja: o templo que era a Palavra de Jesus, ou a luz jesuana, como gosta de dizer o filósofo português Manuel Reis, continua fechado ao mundo no quadrado metropolitano dito Vaticano, e não por acaso, na Roma imperial...”. Quando me pediram para falar acerca de Colonialismo, Raça Negra e Religião eu comecei a escrever um texto geral, mas, e ainda a alinhavar o texto, recebi pela Web (Internet) a incumbência de coordenar mais um encontro para o Grupo de Debates Noética, precisamente sobre a temática Átrio Dos Gentios, que é um ciclo de palestras do Vaticano direcionado ao mundo cristão e nãocristão. Incluindo, creio, todas as raças. Mas é “coisa” que não vai adiante por causa do ostracismo doentio em que a elite católica mergulhou aquele átrio universal tão acalentado por Jesus. Um texto do poeta em visita mostra-nos o que aconteceu entre a Índia e o Brasil:


“A doença terrorista da cristandade era tão crítica na Carreira da Índia que a soldadescamarinhagem portuguesa entrava nos portos do Oriente a cortar narizes e orelhas após lançar na praia restos de corpos de outras chacinas para amedrontarem os locais. E tal como na África, na Índia os povos negros foram sacrificados em nome de um Jesus que nada tinha a ver com o assunto. Pode-se dizer: era assim que se pensava e agia na época. Não. Assim pensava e agia a cristandade, porque outros povos e outras crenças tentaram, sempre, o diálogo, e nem na retomada de Jerusalém os islâmicos foram sanguinários (permitindo a saída dos cristãos), como dizem as crônicas. Já na Colonização do Brasil os padres do Vaticano e os colonos propriamente ditos lucraram financeiramente com a escravização dos africanos e dos negros da terra, conforme se lê em diversos registros. E quando o louco e fanático cristão Manuel I recebeu das mãos do Gama uma enorme porção de objetos de ouro saqueados na Índia, esses objetos foram imediatamente derretidos para um ourives produzir uma joia a ser depositada no altar de uma igreja de Lisboa.


Portugal?, o que é Portugal?, aqui fala-se da Coroa, não da Nação... Os padres do Vaticano quiseram saber como foi esse ouro adquirido? Não. Ontem, como hoje, o que interessa à cristandade católica é a riqueza que sustenta a temporalidade da sua elite pançuda, não a Palavra de Jesus, não o átrio universal que ele abria em cada caminhada entre judeus e gentios”. Portanto, senhoras e senhores: aqui está “o incenso da intolerância que a cristandade continua a soprar para um mundo que lhe é cada vez mais adverso”. É para se dizer, e não posso deixar de o dizer, também, que o átrio do templo judaico agora cooptado (catapultado, talvez seja a melhor expressão) para as ações culturais do Vaticano não despe os padres das suas riquezas, mas (e tem razão o poeta na sua ´descruzada´) quer apenas reforçar o modo capitalista de exercer uma fé que considera os gentios como peças dessa engrenagem. Tenho dito. Brasil, 20 de Novembro de 2012.


Dia da Consciência Negra

BIBLIOGRAFIA

A MALDIÇÃO DA MEMÓRIA DO INFANTE DOM PEDRO E AS ORIGENS DOS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES. Alfredo Pinheiro Marques. Centro de Estudos do Mar, Figueira da Foz, 1994. AS ETERNAS ELITES PANÇUDAS DA IGREJA DOS RICOS. J. C. Macedo. Palestra e opúsculo (do Autor). Buenos Aires (Argentina), 1991; Petrópolis, Rio de Janeiro (Brasil), 1991. AS MÁSCARAS DE DEUS... DEUS EXISTE COMO?!. Manuel Reis. Estante Editora. Aveiro, Portugal, 1993. COMO FAZER TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO. Leonardo Boff e Clodovis Boff. Ed Vozes. Brasil, 1986. DÚVIDAS E CERTEZAS NA HISTÓRIA DOS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES. Luis de Albuquerque. Volume I / Ed Veja. Lisboa, 1990. Citado por Alfredo Pinheiro Marques. LIBERDADE: DA TORTURA INQUISITORIAL À TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO. J. C. Macedo. Opúsculo e palestra. Ediç do Autor. Guimarães/Portugal, 1983. O MUNDO DE DEUS SÓ É DO POVO QUANDO O POVO LHE É ESCRAVO?... J. C. Macedo. Opúsculo mimeografado. Porto/Portugal, 1973. REGIONALIZAÇÃO: O QUE NÃO FOI DITO! Manuel Reis. Estante Editora. Aveiro, 1997.


SERVIDÃO: QUANDO A FÉ ATERRORIZA O POVO. J. C. Macedo. Opúsculo mimeografado. Guimarães/Portugal, 1973.


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