Viver em Sociedade | Manuel Reis

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MANUEL REIS

VIVER EM SOCIEDADE

C.E.H.C. 1


VIVER EM SOCIEDADE

PESSOAS E SOCIEDADE

CEHC 2


I

(Temas e Problemas Psico-Sócio-Antropológicos) (Palestra para Discussão nas Tertúlias de Guimarães do C.E.H.C. e no C.E.H.C./América Latina)

ENTRE A RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL E A RESPONSABILIDADE COLECTIVA: ‘TERTIUM NON DATUR’!...

1. ─ Que é a Lei (esse Instrumento, na base do qual são concebidas e organizadas as Sociedades humanas, para poderem assegurar uma ordem justa e racional)?!... A melhor definição tradicional de Lei, que a Filosofia jurídica nos poderá facultar, é ainda a de Tomás de Aquino (na ‘Summa Theologiae’: citamos de memória): ‘Ordinatio rationis ab eo qui curam communitatis habet promulgata’. Entraram 3 elementos na definição: a) a comunidade/sociedade, que é a destinatária do ordenamento jurídico e da legislação levada a efeito; b) o ordenamento jurídico, que tem de ser racional, dado que se destina a seres humanos, dotados de razão e de consciência; só atinge o seu carácter de lei, mediante a promulgação de quem preside 3


à comunidade-sociedade. Já se adivinhou que, numa Sociedade democrática, a melhor metodologia para que os desígnios da Legislação se possam cumprir e para que a Lei e a Ordem possam ser efectivamente asseguradas e defendidas, é o Esquema tripartido, estrutural/estruturante, de Montesquieu: Poder legislativo, Poder executivo e Poder judicial. No C.E.H.C., sabemos que os Poderes (mesmo estes de que estamos a falar…) são um só, em última análise ou instância (societária). Por quê? Porque não há uma Divindade ou Autoridade divina exterior a caucionar ou a sancionar o exercício dos Poderes. E, por outro lado, uma vez que o Divino faz parte dessa realidade triangular, que é a Consciência humana de cada Indivíduo-Pessoa/Cidadão, a Liberdade de cada cidadão/ /pessoa é, por definição estrutural, uma Liberdade Responsável. A Liberdade tout court redunda sempre em libertinagem, no horizonte da Cultura do Poder-Dominação d’abord. No C.E.H.C., definimos a Lei (societária) como segue. Ela é ‘o lugar de encontro das pessoas’, ─ nada mais e nada menos. Demasiado vago ou genérico? Não. Esta noção está em perfeita consonância com a gnóseo-epistemologia que arquitecta os Indivíduos-Pessoas/Cidadãos, enquanto Sujeitos humanos, dotados de Liberdade Responsável. Estamos, por este caminho, apenas a respeitar a gramática do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, que suplantou (na história da Psico-Sócio-Antropogénese) a cartilha do ‘Homo Sapiens tout court’ (enquadrado no horizonte do Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo). Lobrigando mais a fundo, a nossa noção de Lei completou, criticamente, a definição tradicional (na Cultura do Ocidente) do ‘Dr. Angélico’ (1225-1274). Não a eliminou… completou-a, por forma a dissipar o leque contextual dos equívocos. Ao abrigo da definição de Lei do aquinense, tanto poderíamos ver essa noção aplicada à ‘Lei vétero-testamentária’ (do olho por olho, dente por dente…), como à chamada ‘Lei neo-testamentária’ (designada, tradicionalmente, de modo paradoxal, como ‘Lex Amoris’). Em suma, o nosso discurso não saiu da galáxia do sacrossanto Objectivo-Objectualismo (que ─ sabemos hoje ─ funciona como uma vera religião laica, omni-toto-abrangente). Quanto à tripartição dos Poderes, segundo a gramática moderna de Montesquieu, convém advertir e salientar que a sua tese assume uma índole metodológica e propedêutica, em função da diversidade dos indivíduos e grupos humanos e, daí, igualmente em função da complexidade e democraticidade, na organização sócio-jurídica e política das Sociedades humanas. Numa análise crítica aprofundada, é fácil reconhecer que a nossa Tese (no CEHC) de que o Poder é um só em última análise ou instância não colide nem se acha em contradição com a cartilha tripartida de Montesquieu. Por não estar detentor desta mundividência crítica aprofundada, Alexis de Tocqueville (e os modernos pensadores e politólogos, na sua peugada), ao distinguir e ca4


racterizar (com brio e orgulho…), em contraponto, o ‘Ancien Régime’ e o ‘Nouveau Régime’ incorreu nos mesmos vícios e falácias dos teólogos e filósofos cristãos tradicionais, bem como dos Poderes Estabelecidos nas cristandades, quando contrapunham a ‘Lei neo-testamentária’ à ‘Lei vétero-testamentária’. Uns e outros só sabiam funcionar segundo o catecismo da religião laica do Objectivo-Objectualismo. E, neste horizonte, os Sujeitos Humanos livres e responsáveis, dotados de Consciência reflexiva e crítica, são totalmente eclipsados (‘in ipso facto actus exercitii’).

2º ─ Que é a Responsabilidade?! É a outra face gémea do Fenómeno ontológico (passe o oxímoro aparente) da Liberdade, própria e específica do Indivíduo-Pessoa/ /Cidadão. Cantar e enaltecer a Liberdade, sem mais, tem sido o moderno canto da sereia do Pensamento político da Burguesia ascendente e dos Liberalismos e Neoliberalismos de todos os matizes. Freedom//Freiheit//Liberté… É sempre a mesma salmódia das modernas classes sociais burguesas que, na Civilização/Cultura do Ocidente, fizeram a revolução, para superar, definitivamente, os antigos Regimes das hierarquias rígidas, das escravaturas e das servidões. A saga da Burguesia (ascendente e, depois, instalada, até hoje) resultou parcialmente em vão: (e, em última instância, errada, visto que ‘bonum ─ como a saúde ─ ex integra causa, malum ex quocumque defectu’): A) Porque as hierarquias societárias, substantivas, mantiveram-se… mudaram, tão-só, o nome às ancestrais hierarquias substantivas: v.g., o Trabalho assalariado nas sociedades modernas, que funciona apenas como apêndice do Capital e dos seus detentores, que tudo programam e decidem, ─ não é isso uma nova forma de servidão, que o discurso e a linguagem demagógicos procuraram ocultar?!... B) Porque, no horizonte político, as religiões institucionalizadas, com a sua noção incontornável de Potestas sacra (a implicar, filosoficamente, o Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo) não foram discutidas criticamente, no processus da Psico-Sócio-Antropogénese; e, por essa via, o ideário moderno e contemporâneo da Democracia ficou só a meio-caminho: democracia indirecta, liberal e representativa. Não pode haver outro Regime democrático!... Thomas Hobbes, na sua ‘Grande Separação’, constituiu a primeira fonte moderna desta mundividência, própria do ‘Homo Sapiens tout court’, não do ‘Homo Sapiens//Sapiens’ que nos é ditado pela Evolução Bio-Antropogenética. Eis por que ─ manda o Discurso e a Linguagem sérios e honestos ─ a fórmula a utilizar, segundo a gramática do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, não pode ser a simples e pronta ode à Liberdade; é absolutamente imperioso que seja a Ode à Liberdade Responsável. Mais: a Liberdade Responsável só se encontra e realiza plenamente numa Sociedade autenticamente democrática, onde os cidadãos se podem reconhecer uns aos outros, em-pé-de-igualdade sócio-jurídica.

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3. ─ Que é a Responsabilidade Individual?! É a que se encontra e polariza no Indivíduo-Pessoa/Cidadão, dotado de Consciência reflexiva e crítica. Quando falamos de Responsabilidade, temos de saber e reconhecer que ela dimana do Indivíduo-Pessoa/Cidadão, em termos primaciais e primordiais. Por isso, é certo e adequado falar da e estabelecer a Responsabilidade Individual, em primeiríssimo lugar. É que não pode haver Responsabilidade individual, (ético-moral, primeiro e, depois, jurídica), sem a sua fons et origo na Consciência do Indivíduo-Pessoa/Cidadão. O movimento primacial e primordial, que gera a humanitas, é o que procede da Interioridade para a Exterioridade, do Esotérico para o Exotérico, (como nos ensinaram os Gnósticos judeo-cristãos primevos, na esteira do Socratismo e do Jesuanismo), não o que procede do Vértice para a Base, na pirâmide societária. (Esta 2ª via é a que ocorre nas Culturas onde prevalece a Potestas-Dominação d’abord). É certo que a Espécie Sapiens//Sapiens se baliza e define, em medida igual, como Animal Racional e como Animal Social. E a função essencial e o destino da Consciência (do Indivíduo-Pessoa/Cidadão) consistem, justamente, em proceder à articulação e união dos Indivíduos e da Sociedade, por um Caminho vectorial de hominização/ /humanização, que leva à superação do estádio da Natureza pela edificação de um estádio (relativamente) autónomo da Cultura. Atraída, a um só tempo, pela tríade (espírito/ /coração/razão), a Humanidade evolui e eleva-se da animalidade e materialidade da vida para o mundo da Espiritualidade e da Sabedoria. O processus da humanização/socialização requere muita sensibilidade e delicadeza, muita empatia e atenção aos outros, nossos semelhantes da mesma Espécie. Mais: inteligência e espírito e capacidade de Diálogo, para discussões honestas e fecundas. A Consciência individual-pessoal vai ao timão da Nau. A tal ponto estes Dispositivos são importantes e decisivos que Fernando Pessoa acabou por enganar-se, ao estabelecer o prolóquio: ‘a memória é a consciência diferida no tempo’. É que, na verdade, não pode haver consciência diferida no tempo, pela simples razão de que ela só existe ‘in actu exercito’… ela não subsiste ‘in actu signato’, para, em consequência disso, poder ser objectivo-objectualizada!... Eis por que, tanto no decurso da História, como na odisseia da Vida quotidiana, é tão fácil e corrente obstruir, eclipsar e aniquilar as Consciências dos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos, como, de resto, não sobra, igualmente, espaço sócio-cultural, para a comunicação real e fecunda das Experiências da Vida deles. As rotinas mecanicísticas/ /materialísticas, nas Sociedades humanas, o que nos demonstram e impõem, infelizmente, é uma condição humana convertida em Rebanho de animais societários. Bestas de carga dos Poderes Estabelecidos!...

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4º ─ Que é a Responsabilidade Colectiva?! Na base, uma fracção: no denominador a soma integral das consciências de todos os indivíduos; no numerador o potencial resultante da soma, endereçado a um determinado objectivo ou programa, assumido, em nome de todos os elementos do Grupo, por um Leader eleito para a sua concretização. Nunca a matemática foi tão rigorosa e exacta. Como já dissémos antes, não há uma vera e autêntica Responsabilidade Colectiva, se, na génese do Fenómeno, não houver Responsabilidade Individual de todas as pessoas envolvidas no Processo (em maior ou menor grau, consoante os seus conhecimentos). Para tanto, requere-se abertura dos Indivíduos à Problemática da Sociedade; diálogo sistémico e discussão frequente, próprios de uma sociedade civil substantiva. Nenhum humano é uma Ilha, muito embora os arcanos da Consciência Individual nunca possam nem devam ser eclipsados ou apagados. As tentativas, que vão no sentido da ‘Tabula rasa’ dos Indivíduos, são próprias das Ditaduras societárias dogmáticas, integristas, fundamentalistas. É o totalitarismo em marcha. Depois do Anschluss com a Áustria, foi a invasão da Polónia, por parte da Alemanha de Hitler. Um dos homens que conheceram vítimas dessas atrocidades tremendas dos campos de concentração e da morte, o processo do Holocausto/Genocídio de judeus, ciganos e povos periféricos (considerados ‘não arianos’), Bronislaw Misztal (embaixador da Polónia em Portugal) fala-nos da IIª Guerra Mundial como ele próprio a conheceu (cf. ‘Expresso’/Atual, 2.2.2013, pp.34-35). “Aqueles que sobreviveram ─ diz ele (ibi, p.34) ─ contribuíram para preservar a memória histórica da nação polaca, uma memória que hoje nos permite a nós, polacos, definir a nossa identidade”. “O século XX foi para a Polónia, em grande medida, um período de desvalorização da dignidade humana. A guerra provocou um indescritível trauma a toda a nação multicultural, sujeita a uma aniquilação sistemática. A violência e a morte marcaram presença nas cidades polacas e nas ruas das pequenas aldeias. Os campos de concentração nazis e o extermínio de mais de seis milhões de pessoas, bem como as purgas étnicas levadas a cabo por vizinhos ou mercenários, criaram uma espécie de realidade impossível de descrever através do mecanismo conceptual até então disponível” (idem, ibidem). Os dois parágrafos (que citamos a seguir) dão-nos a medida exacta dos padrões vigentes (então e hoje) da sensibilidade crítica perante morticínios e hecatombes deste quilate. “Somente muito mais tarde surgiram duas noções ─ Holocausto e genocídio ─ que ajudaram a aferir, na consciência humana, o que se passou durante aqueles terríveis anos. Hannah Arendt, anos mais tarde, [no seu Relatório crítico sobre o julgamento e condenação à morte do criminoso nazi Adolf Eichmann, em Jerusalém/1962: ‘Eichmann in Jerusalem: a Report of the Banality of Evil’/1963], cunhou esse período da 7


história com a expressão ‘responsabilidade colectiva’, e portanto de ninguém, apontando para o facto de que o aparelho de morte criado limitava o contacto entre aqueles que matavam e aqueles que eram vítimas de genocídio. Segundo o almanaque corrente: ‘O que não se vê ou viu não existe…’. “O processo de extermínio das minorias étnicas era industrializado, rápido, cheio de crueldade e desprovido de qualquer elemento moral. A história do padre Maksymilian Kolbe, que voluntariamente se ofereceu para morrer, em vez de outro prisioneiro arbitrariamente condenado, mostra que a actuação dos criminosos nazis se orientava sem excepção para a eliminação da vida humana. A remoção dos corpos e a sua cremação ficavam a cargo dos prisioneiros, que seguidamente eram alvo de extermínio” (idem, ibidem). Constitui um Erro grosseiro admitir a equivalência entre a ‘Banalidade do Mal’ e a Responsabilidade Colectiva de ninguém’. Esta equivalência, aceite por H.A., exprime e demonstra que, no seu universo mental criticista, ela ainda não saiu do odre da sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord. De facto, em ‘As Origens do Totalitarismo’, ela vê, sem mais, a origem do Totalitarismo moderno associada ao anti-semitismo e ao imperialismo dos sécs. XIX/XX: uma tendência desencadeada pela desagregação da Nação/Estado tradicional. Ora, as origens do Totalitarismo e das ditaduras de todos os tempos estão na própria Cultura do Poder-Condomínio e sua cartilha de actuação e exercício.

5º ─ Três problemas/factos muito sérios, e já desumanos, em termos do paradigma da Psico-Sócio-Humanidade, ressumbram nesses dois parágrafos referenciados: A) Foi assumido, e pressuposto (tanto no discurso do Embaixador polaco como nos textos conhecidos de H.A., embora menos aqui…), ao abrigo da cartilha tradicional no Ocidente, que a categoria mental/discursiva ‘responsabilidade colectiva’ é semanticamente equivalente àquele lóguion de Gil Vicente: ‘Todo o mundo e ninguém’!... Ora esta posição gnóseo-epistemológica é própria e específica ─ há que dizê-lo sem equívocos ─ da Cultura do Poder Dominação d’abord e do catecismo do ‘Homo Sapiens tout court’. Recordam-se que, no título/tema deste Artigo, excluímos, em termos psico-sócio-antropológicos, uma terceira via entre os dois tipos fundamentais de Responsabilidade, e, por analogia e em consequência disso (embora, em patamar diferenciado), a ‘terceira via’ entre capitalismo e ‘socialismo convencional’ (também dito vulgarmente ‘comunismo’). ‘Tertium non datur’ entre a Responsabilidade individual e a Responsabilidade colectiva. Esta nossa Tese tem a sua origem e fundamentação na gramática do ‘Homo Sapiens//Sapiens’ e na Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. 8


B) Nos dois parágrafos citados, foi revelado e expresso que havia um abismo de desinformação e ignorância entre os chefes e os verdugos, dum lado, e do outro, as vítimas do genocídio: o extermínio das minorias étnicas processou-se à escala da industrialização da morte. É o catecismo de actuação das tiranias e ditaduras de todos os matizes. O que fez a ‘Inquisição’ da I.C.R.?... O que fizeram as Cruzadas?... O que tem feito o Fundamentalismo islâmico, ao longo da sua história de milénio e meio?... Em contraste com esse horizonte de morticínio e hecatombe, próprio das Ditaduras e dos Regimes Autoritários/Totalitários, deve saber-se que a ‘Liberdade de Expressão’ (‘Free Speech’) constitui a pré-condição de qualquer Regime Democrático digno do nome. C) Na narrativa supra, o episódio heróico do padre Kolbe ainda tentou expressar um ‘sinal de Alarme’, no âmbito e na atmosfera de vício e desnorte dos Poderes Estabelecidos… Tudo em vão!... Porque Poderes Estabelecidos e Sociedade em geral (submissa e disciplinada) já só funcionavam na órbita da religião laica do Objectivo-Objectualismo. Os Sujeitos humanos, qua tais, os Indivíduos-Pessoas/Cidadãos, dotados de Consciência reflexiva e crítica, já não contaram para nada!... Os nazis foram gente que perdeu toda a dignidade moral!... Mas atenção: a queda nesta tentação é frequentíssima em quase todos os detentores de Poder… Veio o Crash e a Great Depression de 1929-32, que (na história atribulada e predatória do Sistema capitalista) constituiu, à distância de 7 anos, o principal Factor causal da IIª Guerra Mundial. Veio a Grande Depressão despoletada em 2007 e que ainda prossegue em 2013 (financeira/económica, a partir da especulação com os ‘derivados’ financeiros, na base do pressuposto que o dinheiro era o motor absoluto da Economia, deixando, assim, de cumprir a sua 1ª missão essencial, enquanto meio de troca de bens e mercadorias reais…). Que se aprendeu, com essas duas Grandes Depressões, na história do Capitalismo moderno, embasado (paradoxal e contraditoriamente) em Sociedades de Democracia Representativa, i.e., estruturadas em regime democrático-liberal?! Nada, mesmo nada, no horizonte dos Sujeitos humanos enquanto tais: evoquem-se as desigualdades sociais, os níveis nacionais de Desemprego e Trabalho precário nunca vistos; as predações, as explorações/opressões de todo o tipo, desencadeadas pelo Neoliberalismo capitalista global das últimas 3 décadas, sobre as populações em geral e, especialmente, sobre as massas trabalhadoras. Mas tudo, e sempre, balizado e orientado pela religião laica do Objectivo-Objectualismo. Esta Reflexão objurgatória, caros amigos e leitores, podem Vocês encontrá-la fundada, por exemplo, na última novidade que a Imprensa escrita vos trouxe à mesa de trabalho: ‘EU revoluciona conhecimento do cérebro’: Num Projecto do Cérebro Humano (que vai envolver 80 instituições científicas), pretende-se simular o cérebro hu9


mano num supercomputador (um projecto que irá custar €1.190 milhões). (Cf. ‘Expresso’, 2.2.2013, p.23). No horizonte dos Sujeitos Humanos e na Organização justa e verdadeira (na órbita do Saber… não do Poder) das Sociedades Humanas parece que ainda não saímos da cartilha das duas Idades (pré-históricas…) da Pedra (lascada e polida!...). Nem sequer, em nome da Dualidade Epistémica (a realidade mais óbvia do Mundo, sempre postergada e anatematizada pelos Poderes Estabelecidos), estabelecemos um hemisfério próprio e específico para as chamadas ciências psico-sociais e/ou humanas (CEHC dixit). O Monismo Epistémico e o Objectivo-Objectualismo como religião pan-envolvente dão sempre mais jeito aos Poderes societariamente Institucionalizados!... Depois, queixam-se e verberam os analistas políticos e os media de que, por exemplo, o ataque recente de aviões israelenses a território da Síria está na prática, a fazer o jogo de Assad… A oposição, na guerra civil da Síria, está a conquistar o norte do país, o que levou os russos a tirar o apoio a Assad. Ao combater os rebeldes, o Hezbollah já não é visto, no mundo árabe, como ‘a voz dos oprimidos’, visto que se tornou apoiante incondicional de Assad. Entretanto, no Egipto, o presidente M. Morsi, com uma nova Constituição onde pontificou a ‘Fraternidade islâmica’, pretendeu instaurar uma República homogeneamente islâmica… Tem, agora, pela frente a Contra-Revolução dos intelectuais livres e das massas populares, que o equiparam ao velho ditador Mubarack, instando levar o presidente a Tribunal. (Cf. ‘Expresso’, cit., p.28). Assim vai o Mundo… marchando sempre sob o estandarte da Potestas-Dominação d’abord.

6. ─ Ora, é justamente em tal horizonte, que, diante dos fenómenos complexos da Responsabilidade (social, em concreto) assomam sempre as tentações, em que (quase) toda a gente cai: esquadriar uma terceira via, entre o campo da Responsabilidade Individual e o campo da Responsabilidade Colectiva. É claro que toda a ‘negociata’ (demagógica) em torno desta Problemática, com uma Solução tripartida, tem uma base (mistificadora) sobre a qual assenta e estabelece os seus pressupostos (condicionadores de toda a Ladaínha subsequente…): a admissão (religiosa/institucionalizada) de uma Divindade transcendente e extrínseca ao Universo, criadora do mesmo, omnipotente e fon-te de todos os Poderes. É a partir dessa Entidade que é forjada a cartilha da sempiterna Cultura do Poder-Dominação d'abord’. Na galáxia da Cultura do Poder-Dominação d’abord (que é, infelizmente, ainda a nossa contemporânea), a geometria do exercício do Poder (dos Poderes, no seu leque societário mais variado…) reduz-se a duas configurações, que nem são diametralmente opostas: A) a dos Totalitarismos (em monarquia ou república); B) a das Democracias Representativas Indirectas (onde os cidadãos só são ouvidos, estatistica10


mente, nas urnas). Haveria, sem dúvida, uma terceira configuração (só em teoria…), mas essa é sistemicamente excluída com o anátema da sua condenação, porque às ideologias do Establishment e dos Poderes Estabelecidos em geral, ela ostenta uma semântica de anarquia: falamos da Democracia Directa ou Participativa. Uma evocação da mais antiga tentativa icónica de Democracia directa, na História moderna do Ocidente. Falamos do Movimento dos Levelers que, na história da Inglaterra, surgiu durante a Revolução Puritana. Os dois leaders mais conhecidos foram: John Lilburne e Richard Overton. O Movimento emergiu no meio das fileiras do Exército, naquele preciso momento em que, uma vez desmanteladas as forças do Rei (1646) e afirmada a sua independência face ao Parlamento (1647), os soldados gozavam de uma indiscutível supremacia, muito embora receando que as suas esperanças de Reforma pudessem resultar frustradas. A ideologia do Movimento assumia as teses seguintes: a soberania reside no povo, ou seja, o governo recebe os seus poderes a partir do consentimento dos governados; o Estado existe para proteger os direitos inatos e inalienáveis dos indivíduos; a aceitação ou a rejeição das instituições políticas é um acto que deve ser levado a cabo por cada homem, por si mesmo. A partir destes pressupostos, o Movimento fez derivar um programa positivo de reformas, que foi posto em marcha através do Doc. ‘The Agreement of People’ (1648). O programa exigia o sufrágio universal de todos os cidadãos, a redistribuição dos lugares no Parlamento segundo a população, sessões parlamentares frequentes, o controlo parlamentar dos ministros, uma explícita limitação dos poderes do Parlamento e de outros sectores da governação. Oliver Cromwell (o ditador) acabou por esmagar os Levelers em 1649. Entretanto, com as guerras civis internas, os Britânicos aprenderam o suficiente, para, em 1688, realizarem a Glorious Revolution, ─ uma revolução sem meios violentos, que levou ao trono Guilherme III e alterou, substancialmente, o sistema político inglês, no horizonte da Democracia e da Monarquia constitucional (que já havia sido inspirada em João Sem Terra e na sua Magna Carta de 1215). Ora, justamente porque essa 3ª Solução é constituída por Doutrina sempre recusada e excluída, nessa galáxia vamos topar com axiomas que exprimem, perfeitamente, o mundo ideológico, amoral, em que vivemos. Exemplos: ‘judex supra legem’ (o que implica a existência estrutural de duas classes societárias distintas: a dos dirigentes e a dos dirigidos, a docens e a discens; e a existência de dois tipos de Justiça: a dos detentores dos Poderes e a dos súbditos); ‘a culpa morreu solteira’ (o que significa que os tubarões, responsáveis por desvios ou processos fraudulentos, nunca são julgados e condenados em Tribunal: o peixe grande come o miúdo, segundo a ‘struggle for life’ darwiniana). A cartilha da organização e (dis)funcionamento das Sociedades, nessa galáxia, mistura a saúde e a doença, a normalidade e a insanidade; mistura-se o bem e o 11


mal; ao lado do considerado são e normal, o que alastra e acaba por prevalecer é a ‘corruptionis lex amoralis’. A filosofia ideológica da Cultura do Poder-Condomínio parte do pressuposto (errado, falacioso e embusteiro) de que os Poderes (constituídos…) podem fazer tudo, converter a virtude em vício e vice-versa; e que o Saber só existe em função do Poder e da Dominação (sobre os outros e sobre o Planeta). Neste horizonte, engendraram a ideologia (teológica) de um Universo infinito, que, por paralaxe, gerou também um universo humano sem limites. Ora, a endoutrinação dogmática do ‘Deus creator omnium rerum’ constitui a quint’essência da religião laica do Objectivo-Objectualismo: é o seu fecho de abóbada!... O que os Gnósticos judeo-cristãos recusaram, com imensa sensatez, foi precisamente essa Divindade criadora (típica das três religiões d’‘O Livro’). A essa Divindade davam eles o nome eufemístico e sarcástico de Demiurgo, que, supostamente, exercia as funções da omnipotência e da omnisciência, bem como a do controlo sobre o cosmos. O deus, que para os Gnósticos contava, era o pai de Jesus, dito ‘o Cristo’, que é, igualmente, o pai geral dos Humanos, qua tais, e que, afinal, integra o 3º pilar dessa realidade trinitária que é a Consciência Individual-Pessoal. Com efeito (e para além de todas as ilusões e equívocos), no universo humano, tudo tem os seus limites, a própria vida. Nos anos ’60 do séc. XX (as conclusões são de 1968), o célebre ‘Clube de Roma’, ao discutir as duas problemáticas do confronto entre Crescimento e Desenvolvimento, (na Economia política), já se dava conta e argumentava, fundadamente, que o próprio crescimento económico tem os seus limites, visto que os recursos da Terra não são infinitos. A miséria e a pobreza (em lugar de diminuir…) continuam a grassar no Mundo, de modo assustador e trágico, porque a Economia política é balizada e (des)orientada pelo catecismo do Objectivo-Objectualismo; não é concebida e estruturada em função dos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos. É o Sistema capitalista, em toda a sua selvajaria predatória.

7. ─ A formação de uma vera e autêntica Responsabilidade Colectiva (v.g. de uma Economia nacional, de um Estado-nação) é, sistemicamente, obstruída e aniquilada pelo catecismo, em curso, da religião laica do Objectivo-Objectualismo. Enquanto for este o estado das coisas, na organização e (dis)funcionamento das Sociedades humanas e no Mundo, o sonho da Democracia directa e participativa ficará sempre adiado para as calendas gregas. Ao mesmo tempo, a gramática do Psico-Sócio-Ânthropos não poderá cumprir-se, de acordo com a especiação biológica, na história da Antropogénese, que fez emergir, definitivamente, o ‘Homo Sapiens//Sapiens’. Somos, em suma, uma Espécie adiada, enquanto não tivermos a coragem de rumar em direcção à Democracia directa e participativa.

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Não se venha argumentar, nesta pendência da Democracia directa versus Democracia indirecta, no sentido de justificar a segunda e repudiar a primeira, com o refrão tradicional: ‘Ninguém é juiz em causa própria’. Para uma Consciência bem formada, séria e honesta, o juízo numa causa em que o próprio é interveniente ou parte interessada, é sempre de ter em conta num julgamento global. O provérbio em causa ─ não esquecer ─ é formulado e brandido, precisamente, pelas classes dominantes e, assim, pregado às classes dominadas, que por essa via devem ser mantidas na ordem…Enunciado muito diferente é o que sentencia: ‘Não deves fazer justiça pelas próprias mãos; a questão tem de transitar em julgado’. No jesuânico ‘Sermão da Montanha’, pode ler-se sobre o juízo e o julgamento: “Nolite judicare, et non judicabimini; nolite condemnare, et non condemnabimini. Dimittite, et dimittemini’ (Lc. 6,37). “O Pai deu-lhe o poder de fazer o Juízo, porque é Filho do Homem” (Jo. 5,27). Não julgueis e não sereis julgados!... Julgar, efectivamente, os outros é reduzi-los a objectos e coisas; ora eles são sujeitos criadores e pessoas, tão responsáveis como nós! As novas Tecnologias da Informação e da Comunicação, quando, um dia, forem bem aplicadas, e de modo societariamente adequado às funções que podem cumprir, poderão facilitar e abrir caminho às práticas expeditas e fecundas de uma necessária e indispensável Democracia directa, até como complemento indispensável para as omissões e enviesamentos, negligências e roturas do regime de Democracia indirecta. Estruturadas sobre o Método do Mecanicismo cartesiano e norteadas pela cartilha do Objectivo-Objectualismo, a Cultura e a Ciência (Tecnociência) da Modernidade ocidental arquitectaram todo um Mundo e uma Sociedade ‘en miettes’, aos quadradinhos, fragmentada em áreas objectivo-objectuais de investigação e pesquisa e em especialidades profissionais estanquizadas… A tal ponto que Raymond Aron desabafou, um dia, oximoricamente, que a democracia era um regime político de gente especializada, dirigido e governado por não-especialistas!... A formação de uma vera e autêntica Responsabilidade Colectiva tem de ser preparada na Família (com uma sensibilidade adequada para o efeito); tem de ser, depois, ensinada e aprendida nas Escolas, enquadradas num Sistema Educativo digno do nome: ou seja, orientado pela gramática do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, e não pela cartilha do ‘Homo Sapiens tout court’. Não esquecer que os Obstáculos e Impedimentos maiores à formação da Responsabilidade Colectiva e à (aí implicada) articulação da praxis corrente da Democracia indirecta e das práticas inovadoras da Democracia directa procedem, estruturalmente, do catecismo inveterado do Objectivo-Objectualismo, o qual, como é sabido, teve historicamente o seu livre curso no Sistema capitalista smitheano, e prossegue, hoje, a sua odisseia predatória no chamado Neoliberalismo capitalista global.

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Na Cultura do Poder-Dominação d’abord, as instituições societárias, aí constituídas (v.g., Bancos, Empresas), têm uma cartilha de funcionamento e de responsabilidade individual/colectiva muito próprios e específicos: as infracções morais e jurídicas só são identificadas e levadas a julgamento (disciplinar ou em tribunal), nos escalões mais baixos da hierarquia societária e, no máximo, nos escalões intermédios. No topo, vigora o axioma do Direito Romano: ‘judex supra legem’. Desta sorte, as veras culpas morrem sempre solteiras. Para os escalões de topo, não há responsabilidade colectiva… Eles que, enquanto Chefes e líderes das Instituições em causa, deveriam ser os primeiros a assumirem as culpas, no caso de infracções graves ou Fraude nas respectivas Instituições. A Regra geral predominante é a seguinte: Dentro dos espaços/tempos (aprisionados) da Cultura do Poder-Condomínio, uma vez que não há Formação e Educação para a própria Liberdade Responsável, a Responsabilidade social-colectiva, na pirâmide societária, vai rareando e vai-se dissipando ao longo das hierarquias: da base ao topo. É por isso que, quando os Bancos ou as Empresas são arruinados por Fraudes ou abrem Falência, quem mais sofre são os funcionários de libré ou os trabalhadores manga-de-alpaca, não o Grupo cimeiro dos Gestores ou Administradores, os quais acabam por transitar pelo ciclone incólumes e sem perderem os seus haveres. Objectivo-Objectualismo inveterado e impenitente. A que vai este catecismo conduzir, no limite, v.g., no sector das novas Tecnologias (ditas ‘progressistas’…) da Reprodução Artificial (dos Humanos)?!... À eliminação e aniquilamento total do próprio Sentido mais básico e elementar da Vida. Esta encerra duas características fundamentais, que exprimem a sua essência: a Vida (é de seres individuais que se trata) tem fim; a Vida envolve acasos (os quais constituem a fons et origo da nossa Liberdade Responsável). Ora, à força de contar apenas com a Liberdade, eclipsando a Responsabilidade, o Processo psico-sócio-histórico deixou os humanos entregues à cadeia mais horrenda e fatalista dos determinismos da Tecnociência e à consequente auto-destruição da Espécie. A Tecnociência de Aparelho hodierna, estigmatizada pela ideologia predatória do Neoliberalismo capitalista global, está a tentar abater e destruir, definitivamente, o plano horizontal (essencialíssimo) de edificação das Sociedades humanas: as possibilidades e as capacidades de dialogar e interagir, em regime de cooperação e solidariedade, uns com os outros; a construção, em suma, de um Mundo solidário, com programas discutidos e elaborados em conjunto, onde todas as comunidades (locais, regionais, nacionais, internacionais e planetárias) sejam realmente ouvidas nos seus desejos e exigências. Sob a bandeira, tão cara aos anarquistas verdadeiros: ‘Ni Dieu ni Maître’! Sobre esta problemática, estude-se, v.g., com cuidado e lucidez, o livro de René Passet: ‘A Ilusão Neoliberal’ (O Homem é Joguete ou Actor da História?), (Terramar, Lisboa, 2002).

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8. ─ Nas Culturas societárias contemporâneas, as Religiões institucionalizadas, enquanto tais, estão a mais: elas constituem a alienação real das populações e o impedimento estrutural para o acesso aos patamares adequados da Responsabilidade Colectiva (sempre ancorada numa Responsabilidade Individual crítica), à escala de uma Comunidade nacional, à escala da Comunidade humana internacional/planetária. Este fenómeno criticista começa a desenhar-se e a tomar corpo na vanguardista Civilização/Cultura do Ocidente. (Assistimos, pela televisão, a indícios do fenómeno na Manifestação (heterogénea: jovens e gente de idade) de 6.2.2013, em Madrid). As religiões institucionalizadas e o neoliberalismo capitalista global são duas realidades que se apoiam e amparam reciprocamente. Thomas Hobbes, no seu ‘Leviathan’ enganou-se ou pregou-nos uma cilada: Só fez de conta, para refundar o Poder de Estado moderno, que o mundo da Religião se poderia dispensar. Procedeu como depois ocorreu com A. Smith, que converteu as virtudes em vícios e vice-versa. Esteve muito longe da sua mente um vero processo de Desconstrução das religiões institucionalizadas (v.g. à Jacques Derrida). Nesse horizonte de confusão, se a Religião institucionalizada operava em regime de ditadura, o Poder instaurado no Estado tinha de seguir o mesmo catecismo; mais, tinha de vestir segundo o guarda-roupa do Poder absoluto, uma vez que, na Modernidade, não havia outro Poder além do seu. Neste contexto, o ‘novo regime’ da Democracia (configurado por J.-J. Rousseau e celebrado por A. de Tocqueville), institucionalizado em mancebia com o Sistema capitalista smitheano, mesmo nas situações nacionais em que se opôs à Monarquia (absoluta ou constitucional) e se pretendeu republicano, acabou por resultar num fracasso redondo. Afinal, nem é para nos surpreendermos perante o resultado, visto que o que predomina, sistemicamente, no funcionamento das Sociedades modernas e na Cultura, é o catecismo do Objectivo-Objectualismo, alavancado pelo Monismo Epistémico e pela Potestas-Dominação d’abord. Desta sorte, os regimes de Democracia Representativa Liberal (mesmo nas situações nacionais em que há um leque plural e alargado de Partidos políticos que, não raro, ultrapassam a meia dúzia ou a dezena…) acabam (quase) sempre por funcionar segundo a pauta do chamado ‘centrão’: o exercício efectivo do Poder é repartido, ordinariamente, entre os dois Partidos maioritários sufragados em eleições periódicas: o do Centro-Direita, o do Centro-Esquerda (grosso modo). O ‘centrão’, tão típico e próprio dos regimes de Democracia Representativa Liberal encontraram a sua réplica (pasme-se) no regime dito comunista soviético, ainda em tempo de Lénine, com aquilo que foi, então, registado doutrinalmente (no Leninismo-Estalinismo-Maoismo) com o nome (peregrino…) de ‘Centralismo democrático’. Este ‘comboio’ encontrou, desde logo, os seus carris de marcha com a simples inversão dos ‘menschói’ pelos ‘bolschói’, que significou abrir o buraco para plantar a árvore de 15


um Regime centralista ditatorial. Por outro lado, o que foi construído, então, na U.R.S.S., até à Perestroika de Gorby, não foi socialismo; foi capitalismo monopolista de Estado. (J.K.G. dixit). Eis por que o ideário da Democracia é sempre elidido e iludido, nas Sociedades balizadas e regidas pelo Sistema capitalista selvagem!... Outra questão correlata com o afirmado no parágrafo supra: a prática habitual da ‘Disciplina de Voto’ dos diferentes Partidos no Parlamento. É uma prática comum a todos os Partidos (o que os estigmatiza como aparelhos pertencentes à Cultura da Potestas d’abord). Ora, a disciplina de voto, no Parlamento, constitui uma aberração, pela negativa e pela positiva. O seu significado estrutural é óbvio: submissão e subserviência ao Chefe do grupo parlamentar, por parte dos seus iguais. Desta sorte, o actuante responsável pela Consciência pessoal de cada Deputado, passa a segundo plano, em nome da Cultura do Poder-Dominação d’abord. Nesta situação, nem sequer se adopta o método do consenso, para obter a votação comum e unânime do grupo parlamentar em causa. Num esquema destes, é muito difícil (se não, impossível) acontecerem mudanças efectivas reais nas Sociedades. ‘Tudo como dantes… Quartel-General de Abrantes’. Os Grupos que detêm os Poderes Estabelecidos e o timão da política têm, sistemáticamente, assegurada a sua continuidade trans-eleitoral. (Atente-se, como exemplo, nessa Fraude financeira monumental, que foi, desde 2008 a 2013, o BPN, em Portugal: tudo Gente ligada aos dois Partidos do ‘centrão’. Em consequência disso, o Banco foi nacionalizado e o Estado continuou a investir no ‘Buraco’ milhões de Euros dos contribuintes… Até ao presente, ninguém foi julgado em Tribunal… o próprio ‘maestro da orquestra’, Dr. Oliveira e Costa, foi tratado como um ‘inocente’ sem culpa propriamente formada!... É a Justiça à portuguesa ─ diz o Povo ─, que já não acredita nos Tribunais. Neste contexto (que é da ‘Grande Tradição’ lusa) tentar alterar, substantivamente, os rumos da Sociedade portuguesa e rever criticamente a própria historiografia nacional, tornou-se assunto utópico, um projecto de loucos, logo censurados e reprimidos/negligenciados, por parte das Autoridades constituídas. Foi o que se passou com o caso do Dr. Alfredo Pinheiro Marques, Director do CEMAR, e colaborador com o C.E.H.C.. Alterou e renovou, de fond en comble, a historiografia dos Descobrimentos Marítimos Portugueses, porque é um Bom Historiador, que sabe praticar a chamada ‘História ao 3º Grau’ (como já foi revelado e demonstrado num livro em sua homenagem: ‘Mito-História & Épica’, Edicon, São Paulo, 2005). Saiu, recentemente, (in ‘A Voz da Figueira’, 6.2.2013) um artigo seu em tom melancólico, marcado por uma justa revolta de uma indizível Indignação. O Autor sabe que ainda não saímos do odre da sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord. Nesse horizonte, sentenciou com sabedoria: “a História é feita de Memória e de Esquecimento, de Desejo e de Morte. A História é feita de silêncio. O historiador é o que ouve o silêncio da História” (ibi, 15).

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Depois, citando uma carta sua ao Presidente da República, lavrou a recomendação dos historiadores sérios e honestos: “A tarefa para os historiadores do presente e do futuro é: despolitizar os ‘Descobrimentos’; recusar as ilegítimas pressões e censuras políticas, a que esta área científica tem estado sujeita; resgatar a figura silenciada do Infante D. Pedro. Isto implica a demolição radical das lendas infantis e dos mitos inaceitáveis que têm sido, e continuam a ser, avolumados em torno da figura do Infante D. Henrique ─ para fazer esquecer a do Infante D. Pedro e, sobretudo, para fazer esquecer o ‘Príncipe Perfeito’, o Rei D. João II, que foi o verdadeiro responsável pelos Descobrimentos e pela prematura (e, infelizmente, frustrada) modernização de Portugal”.

9. ─ A díade, que é ostentada pelo título desta palestra, é de uma extrema importância e decisiva, em si mesma; e é-o, igualmente, no que tange o seu postulado: realmente, se a díade for respeitada e cumprida, não haverá ‘Tertium datur’: não haverá necessidade de constituir e fomentar soluções híbridas, que, em matéria de Psico-SócioCultura, só enfraquecem e anulam as veras e autênticas soluções/posições (adequadas). Já foi revelado e demonstrado que a díade em causa (se e quando honestamente cumprida e praticada) atirará para o caixote do Lixo da Psico-Sócio-História todas as soluções decorrentes ou emparentadas com o Regime da Democracia Representativa Liberal, erigido em modelo hegemónico e único, na organização das Sociedades humanas. Agora, o que é mister pôr em xeque é essa distinção corrente falaciosa entre o público e o privado. O primeiro vocábulo (na distinção) está mal aplicado (em termos linguístico-semânticos) e é trapaceiro. A expressão que aí deveria figurar é outra: o comum. Até K. Marx nos ensinou isto mesmo (nos ‘Grundrisse’), quando estabeleceu que a melhor tópica para a individuação/individualização do indivíduo (humano) era, justamente, a do espaço comum ou da comunidade. Neste horizonte, as famigeradas (e sempre detestáveis) P.P.P.s (Parcerias público-privadas) devem ser, sistemicamente, exorcizadas e banidas, visto que incorrem num duplo erro: a) enganaram-se no léxico e deixaram todo o Sistema armadilhado; b) juntaram, na fórmula, o que é realmente incompatível e, por isso, tem de manter-se separado. O chamado ‘espaço público’ envolve um serviço comum, prestado à Comunidade nacional, em nome do Estado. Aí não pode funcionar a lei do Lucro sans ambages; estará, no limite, sempre condicionada pela simples manutenção das estruturas institucionalizadas do Sistema público (= comum). É muito diferente a situação nos espaços do Privado, onde a lei do Lucro poderá funcionar ─ claro ─ dentro das pautas da Moral e do Direito.

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Eis por que as PPPs, enquanto soluções providenciadas, para a política económica, por parte do Estado, constituem um Erro grave. Estão condenadas à partida, uma vez que induzem e representam a promiscuidade e a selvajaria institucionalizadas. A simples presença do mais forte, em conluio com o mais fraco, leva, sistemicamente, em regime capitalista, o segundo à vigarice e o primeiro à corrupção e ao cambalacho. Entre o Público e o Privado há, de facto, diferenciações qualitativas e estruturais, que não é legítimo eclipsar ou apagar. O espaço público (= comum) tem, como função e missão, servir a Sociedade, em nome do Estado, que enquadra e orienta a primeira, objectivamente. Por seu turno, o espaço privado acha-se, por definição, aberto aos interesses individuais, ligado, portanto, ao lucro (legítimo) e ao mercado, própriamente dito. A Modernidade ocidental, sob o pálio (que perdura…) do Dualismo metafísico-ontológico, tornou-nos incapazes de pensar a Evolução da Humanidade e das Sociedades humanas, uma vez alcançado o 2º patamar da Antropogénese (o do ‘Homo Sapiens//Sapiens’), de prosseguir a Evolução cósmica, agora no horizonte da Cultura (horizontalmente), sem o recurso aos ‘eternos retornos’ do costume. A pretensão da Tecnociência vai na esteira dos determinismos (e das hierarquias…) hegemónicos e absolutos. E não tomamos consciência de que a Liberdade Responsável não existiria sem a concomitante esfera dos Acasos e Oportunidades, que juncam e preenchem a odisseia grandiosa da Vida (e da Morte…). Num romance ecléctico e enorme (são 1023 pp.), de uma densidade esmagadora e inteligência penetrante, Thomas Pynchon (‘Arco-Íris da Gravidade’, Bertrand Editora, Lisboa, 2012) tem cinco pp. deslumbrantes (723-727), de que vamos pinçar alguns respigos, para ilustrar esta nossa problemática. Começou por evocar Teilhard de Chardin contra as teorias tradicionais do Retorno. “Aqui para dizer que a massa crítica não pode ser ignorada. Logo que os meios técnicos de controlo tenham atingido uma certa dimensão, um certo grau de estarem ligados uns aos outros, as hipóteses de liberdade acabaram para sempre. A palavra deixou de ter significado” (p.723). O Autor alude, a seguir, à ‘Missa Crítica’, na atmosfera ideológica de 1945, quando surdia uma sorte de Bomba Cósmica a estremecer na sua alvorada, ainda em diálogos restritos de gente muito bem informada para gente bem informada “ ‘Penso que há agora uma terrível possibilidade, no Mundo. Não podemos fingir que há-de passar, temos de enfrentá-la. É possível que Eles não venham a morrer. Que esteja agora ao alcance do estado da arte d’Eles persistir para sempre ─ embora nós, claro, continuemos a morrer como sempre o fizemos. A morte foi a fonte do Poder d’Eles. Foi-nos bastante fácil ver isso. Se aqui estamos por uma vez, somente por uma vez, enquanto é claro que estamos aqui para colher o que conseguirmos enquanto pudermos. Se Eles tomaram tanto a mais, e o tomaram não apenas da Terra mas também de nós ─ bom, porquê invejá18


-los, se Eles estão tão condenados a morrer quanto nós? Todos no mesmo barco, todos debaixo da mesma sombra… sim… sim. Mas será isso efectivamente verdade? Ou será a melhor, e mais cuidadosamente propagada, de todas as mentiras d’Eles, conhecidas e desconhecidas?’ (p.724). ‘Teremos [então] de passar a considerar a possibilidade de que apenas morreremos por Eles quererem que o façamos: por Eles precisarem do nosso terror para a sua sobrevivência. Somos as suas colheitas… ‘Isso deve alterar radicalmente a natureza da nossa fé. Pedir que mantenhamos a fé na mortalidade d’Eles, a fé em que também Eles choram, e têm medo, e sentem dor, a fé em que eles estão somente fingindo ser a Morte sua serva ─ a fé na Morte enquanto regente de todos nós ─ é pedir uma ordem de coragem que eu sei estar para além da minha própria humanidade, embora não possa falar pelos demais… mas em vez de procedermos a esse salto de fé, talvez venhamos a optar por fazer frente, por combater: por exigir, àqueles por quem morremos, a nossa própria imortalidade. Eles poderão já não morrer na cama, mas talvez possam morrer ainda de violência. Se não, pelo menos podemos aprender a negar-lhes o nosso medo da Morte. Para todo o tipo de vampiro, há um tipo de cruz. E pelo menos as coisas físicas que Eles tomaram, da Terra e de nós, poderão ser desmanteladas, demolidas ─ retornadas ao sítio de onde todas elas vieram’ (p.724). ‘Acreditar que cada um d’Eles morrerá pessoalmente é acreditar também que o sistema d’Eles morrerá ─ que alguma possibilidade de renovação, alguma dialéctica, continua a operar na História. Afirmar a mortalidade d’Eles é afirmar o Retorno. Tenho vindo a indicar certos obstáculos ao modo de afirmar o Retorno…’. ‘Soa como uma renúncia, e o padre parece assustado’ ” (p.725). “ ‘De momento estou envolvido no exercício da ‘Natureza da Liberdade’ sabe, pensando se alguma acção minha será verdadeiramente minha, ou se eu apenas faço sempre aquilo que Eles querem que eu faça… independentemente daquilo em que eu acreditar, está a ver… Deram-me o velho problema do Controlo-Rápido-Implantado-na-Cabeça-ao-Nascer para eu matutar nisso ─ como uma espécie de koan, suponho’ ” (p.727). O Autor do Romance melodramático debate-se, desesperadamente, numa luta imaginária/real, semelhante à luta entre Jacob e o Anjo; exaspera-se, pateticamente, na exploração mais aprofundada desse círculo quadrado, desse feixe de contradições estruturais, que é a Cultura do Poder-Dominação d’abord. Mas não se lembra que é absolutamente necessário e indispensável romper o odre da sempiterna Cultura do Poder-Condomínio, ─ condição sine qua non, para podermos aceder à Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. De contrário, nunca sairemos da ‘Prisão’ que é ─ como dizia K. Marx ─ a Sociedade das duas classes sociais antagónicas: opressores//oprimidos; docentes//discentes; exploradores//explorados. 19


10. ─ A Economia política (à escala de um Estado/Nação, ou à escala de uma ‘Confederação’, que deveria ser a U.E.) é um processo dinâmico, não estático, como é pressuposto nos programas protocolados pela Troika, para os países em risco de falência. Nesta situação, os programas de Austeridade (sem crescimento e sem desenvolvimento: apenas a recessão em espiral) convertem-se num processo de austericídio, a curto, médio e longo prazos. Para levar a cabo um vero ‘saneamento financeiro’, os Governos dos Estados em causa carecem de Disciplina e uma boa gramática de Regras para configurar um ‘O.G.E.’ adequado; e adoptar atitudes exemplares e actuações democráticas, perante os seus concidadãos. É preciso e urgente desmitificar todas essas políticas puramente contabilísticas da Austeridade, que, segundo a mais elementar gramática da Economia, redunda numa falácia e um logro. A percepção estática da Austeridade (o seu vero nome é Disciplina… o contrário da atmosfera ideológica engendrada pelo Sistema de Democracia representativa liberal, conluiado com o Capitalismo), que tem sido adoptada pela Chanceler alemã e pela Troika, para os países com ‘dívida soberana’, constitui um Erro fatal, para os ditos países: evita e impede os processos de crescimento e de desenvolvimento desses países; e deixa as respectivas populações frustradas e humilhadas. E as atitudes pessoais de ordem psico-social também fazem parte da gramática elementar da Economia política. Este fenómeno é tanto mais agravado e fortalecido, negativamente, quanto cresce a indignação e a consciência dos trabalhadores e das populações, que se dão conta de que os referidos programas de Austeridade são, básica e supremamente, planos ideológicos, que vão no sentido de uniformizar a marcha das Economias nacionais, segundo a cartilha do Neoliberalismo capitalista global, inexoravelmente imperialista. Não se pode esquecer que o programa ‘menos Estado = melhor Estado’ (como foi adoptado pelo Gov. português, fiel mandatário da Troika e, até, mais papista que o papa), o que pretende, realmente, é recuperar o Estado Autoritário e tirano, reduzindo incrivelmente o chamado ‘Estado Social’ (previsto e configurado na Constituição da República Portuguesa). Dentro deste quadro, os países com ‘programa de assistência financeira’ são convertidos em protectorados dos ‘Grandes’, segundo a pauta do Imperialismo, à rebelia do que está estabelecido na ‘Carta das Nações Unidas’ (de 24 de Out. de 1945), e, muito especificamente, no estatuto do ‘Fundo Monetário Internacional’ (International Monetary Fund, enquanto Agência Especializada).

11. ─ No presente, a situação económico-política de Portugal é contraditória e absurda, sem fim à vista a não ser o afundamento crescente da Nau. As promessas de 20


que, após dois ou três anos de Austeridade suicida, virá a bonança do crescimento económico, não passa, no fim de contas, de uma falácia e um embuste. A Constituição da R.P. (de 25 de Abril de 1976) deliberou e edificou um Estado social razoável. Agora, o que o Governo da Nação pretende é o seu desmantelamento: externamente, por imposição imperialista da Troika; internamente, por acção e conivência dos dois Partidos rotativos do ‘Centrão’ (PSD e PS), ─ cujas soluções vão no sentido de manter o situacionismo, sob a bandeira do Neoliberalismo capitalista global, e prosseguir na lógica da construção do Império, à escala mundial, através dos chamados ‘mercados de capitais’ que, por definição, são ditaduras (como deveria saber Angela Merkel e tutti quanti). A situação lusa é tão dura e complexa, que, há ca. de 2 semanas, assistimos a um PS (na Oposição) dividido, internamente, em duas facções: a de António José Seguro (secretário-geral eleito no último Congresso) e a de António Costa (presidente da C.M. de Lisboa). Ora, quando o País precisa, absolutamente, da união dos três Partidos da Esquerda (PS, BE, PCP e Verdes), A.J.S. procura assegurar, também ele, a operação ‘regresso aos mercados’, mediante a garantia declarada de que, uma vez governo, manteria o curso estabelecido pelos credores. Eis por que Francisco Louçã está certo, na sua perspectiva criticista (in ‘Expresso’, 2.2.2013, p.33): “O situacionismo tornou-se, assim, panache, o que adensa o nevoeiro cínico em Portugal: muitos dos que sabem que esta política arruína o país, clamam pela sua prossecução a todo o vapor. Há uma oposição cuja estratégia é camaleónica”. O doutor em Economia política (e ex-dirigente do BE) sabe que, na defesa do Estado Social, consagrado na C.R.P., há uma linha vermelha, da qual não se pode abdicar, transgredindo-a. Essa linha mexe directamente com os Indivíduos-Pessoas/Cidadãos, que não podem ser presas e vítimas do Objectivo-Objectualismo da Contabilidade pública. Por isso, na situação presente, a recusa do memorando e a reestruturação da dívida portuguesa constituem um mandato indeclinável. Eis por que está na linha certa F.L., ao asseverar (ibidem): “a questão política maior, que vai definir a Esquerda nos próximos anos, é sempre esta: a defesa do Estado social na saúde e na educação, na reforma consistente da segurança social e na protecção dos salários e da equidade fiscal, tem como linha vermelha a recusa do memorando e da estratégia de falência social que ele promove. “É do lado de cá dessa linha que se têm de fazer corajosas alianças para um governo de esquerda: sem cortar na despesa dos juros não haverá ‘regresso às pessoas’, e por isso a reestruturação da dívida é a chave da solução de governo para Portugal”. Passando por todas as revoluções socialistas frustradas (desde 1848), hoje em dia (na história do Ocidente), é mais do que tempo de começar a construir o Socialismo verdadeiro, como defendem as 3 correntes políticas do BE, que agora se acham em processo de união, com vista à preparação do Congresso Democrático das Alterna21


tivas (CDA), previsto para Maio próximo, sob o signo: ‘Vencer a Crise com o Estado Social’. (Cf. ‘Exp.’ cit., p.12). Foi, entretanto, preparado, por dirigentes políticos do BE, um Documento crítico e orientador, que dá pelo nome Plataforma Política Socialismo, com o intuito de abrir caminho aos militantes para o CDA de Maio próximo. Pretendem os dirigentes do BE construir uma Alternativa ao actual Governo, convertendo o BE num ‘partido de massas’ e dotado de consistência a longo prazo. “A actual crise separou águas, mostrou ‘a falência do mercado’ e ameaçou o estado social. Em Portugal, ‘a troika mudou todos os referenciais do debate político’ e separou definitivamente as águas. ‘No contexto dos memorandos, a política já não permite a presunção de meios caminhos’, diz o manifesto. O objectivo é formar um governo antitroika, de matriz ideológica à esquerda e capaz de captar a onda de indignados que se levantou no país” (Rosa Pedroso Lima, ibidem). Entretanto, convirá advertir nas inércias da praxis societária corrente, no que tange a necessária articulação entre as Manifestações e a crítica da governação, por elas desencadeada, dum lado, e do outro, as formações partidárias da Oposição ao actual Governo, e a sua possibilidade real, não só de aumentar o score eleitoral (em próximas eleições), mas também de entenderem-se reciprocamente, num adequado programa de Governo conjunto. Nesta óptica, não seria despicienda a ideia de se promover, previamente, uma sorte de ‘Estados-Gerais’ dos Partidos de Esquerda; e, no concernente ao CDA de Maio próximo, abrir a possibilidade à participação dos outros Partidos de Esquerda. Como pauta orientadora, nunca se poderá esquecer, hodiernamente, que o vero e autêntico Socialismo se edifica com e a partir dos Sujeitos humanos livres e responsáveis; e não segundo a cartilha tradicional da religião laica do Objectivo-Objectualismo. Curiosamente, esta principiologia já estava indiciada (no século XV) na famosa carta do Infante D. Pedro a el-Rei D. Duarte, seu irmão, expedida a partir de Bruges, onde o 1º recomendava ao 2º que era errado e de mau conselho ‘trocar boa capa por mau capêlo’, ─ afinal, a mesma denúncia que, no séc. XX, fez António Sérgio: o povo (luso) do comércio e dos entrepostos, que negligenciou e abandonou as suas próprias raízes. Deve, portanto, saber-se que o 1º princípio de toda a boa Economia política é o de contar, na base ou na fonte, com as suas próprias forças ou recursos.

12. ─ Há três Erros/Categoria, na organização e no funcionamento das Economias políticas nacionais, hodiernamente, os quais levaram ao paroxismo e à hecatombe os processos e as instituições que marcharam sob a bandeira do Neoliberalismo global: 22


A) Cada Estado/Nação foi impedido de actuar, segundo o Princípio d’ouro (na gramática da Economia política): contar, antes de tudo, com a sua própria Identidade, com as suas próprias forças e recursos. Uma situação viciosa desta dimensão conduz os países mais fracos e menos desenvolvidos a submeterem-se às Regras e Decisões dos países mais fortes e mais desenvolvidos. O resultado do Processus é óbvio: o que se constrói no horizonte da Economia política, é Império e Imperialismo ao serviço dos Grandes e das Hiper-potências!... B) A ideologia do Dinheiro como mercadoria, ─ mais, como a supermercadoria substantiva, Alavanca de Arquimedes de todas as restantes mercadorias. Ora, essa ‘mercadoria especial’, na tradição cultural/crítica do Ocidente, não é mercadoria em última instância: é, outrossim, meio de troca geral, para todo o mundo das mercadorias trocáveis. E, aqui, o Sistema capitalista não faz outra coisa senão reforçar e encarniçar o Erro-Categoria. Marx avisou. De resto, toda a sua obra crítica da Economia política capitalista/tradicional ainda hoje é válida e fecunda. C) A religião laica do Objectivo-Objectualismo que, ao reduzir os Sujeitos humanos (livres e responsáveis) a puros Objectos e Mercadorias, acaba por moldar e arquitectar uma Economia política, centrada sobre a objectividade da Tecnociênca de Aparelho, a tal ponto que os Sujeitos humanos, qua tais, são postergados e irradiados do caminho das Economias políticas nacionais. Por isso, se fala, aqui, de crescimento económico, medido em números estatísticos na área da Finança. Pouco ou nada se diz sobre Desenvolvimento, visto que esta noção tem a sua referência, necessária e indispensável, no campo operativo dos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos, qua tais. O Sistema capitalista hegemónico (ele é-o, por definição, na fase do Neoliberalismo global) não sabe operar com os diferentes países em-pé-de-igualdade moral e jurídica, como, por exemplo, no Grupo do Euro, dentro do quadro da U.E.. Há só um modelo a seguir: a construção do Império e a ideologia imperialista: os países pequenos submetem-se aos Grandes, num esquema hierárquico e verticalizado. Em termos jurídicos, significa esta tendência inercial que a gramática da Confederação da U.E. (em lugar da simples Federação) não tem possibilidades de vingar e fazer caminho, ─ o que, mais cedo ou mais tarde, irá conduzir ao esboroamento da própria U.E.. Surpreendeu-nos (pela positiva) o discurso crítico de António Costa (presidente da C.M. de Lisboa), no programa ‘quadratura do círculo’ (de 3.2.2013): “[…] A situação a que chegámos não foi obra do acaso. A União Europeia financiou durante muitos anos Portugal, para este deixar de produzir. Não foi só nas pescas, não foi só na agricultura; foi também na indústria, por ex., na têxtil. Nós fomos financiados para desmantelar a têxtil, porque a Alemanha queria (a Alemanha e os outros países como a Alemanha), queriam todos os grandes que nós abríssemos os nossos mercados aos têxteis chineses, basicamente porque, ao abrir os mercados à têxtil chinesa, eles exporta-

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vam os teares que produziam, para os chineses produzirem o têxtil, que nós deixávamos de produzir”. Acrescente-se que até a P.A.C. (de longa tradição) sofreu rudemente, com esta viragem no sentido da ideologia do Império (o vezo neocolonialista não desapareceu no Ocidente europeu…): Asseguradas as patentes das invenções tecnológicas e o know-how da Tecnociência de Aparelho, a fabricação das mercadorias poderia ser entregue a países de mão-de-obra barata, como a China. É, de resto, a aplicação do princípio geral da Divisão social do Trabalho, agora operacionalizada pelos Grandes, à escala mun-dial. Como é sabido, o Capitalismo é esperto e sagaz!... Continua A.C. (ibi): “Nós orientámos os nossos investimentos públicos e privados, em função das opções da União Europeia: em função dos fundos comunitários, em função dos subsídios que foram dados, e em função do crédito que foi proporcionado. E, portanto, houve um comportamento racional dos agentes económicos, em função de uma política induzida pela União Europeia. Assim, podemos todos concluir, e acho que devemos concluir, que errámos, mas eu não aceito que esse erro seja um erro unilateral dos portugueses. Não, esse foi um erro do conjunto da União Europeia, e a U.E. fez essa opção porque a U.E. entendeu que era altura de acabar com a sua própria indústria e ser simplesmente uma praça financeira. E é isso que estamos a pagar!”. No fundo desta problemática, assoma o postulado: a U.E. deveria constituir-se como Confederação de Estados e orientada para o vero Socialismo. Os problemas específicos emergentes encontrariam, assim, a sua solução adequada. A.C. pôs o dedo certeiro nas feridas graves, desestruturadoras da Economia nacional lusa. Precisamente nas que tiveram a sua origem fora do país. Ao mesmo tempo, ele não esqueceu as doenças endógenas, ao afirmar (ibidem): “A ideia de que os portugueses são responsáveis pela crise, porque andaram a viver acima das suas possibilidades, é um embuste enorme. Esta mentira só é ultrapassada por uma outra. A de que não há alternativa à austeridade, apresentada como um castigo justo, face a hábitos de consumo exagerados. Fraudes colossais. Nem os portugueses merecem castigo, nem a austeridade é inevitável. “Quem viveu muito acima das suas possibilidades, nas últimas décadas, foi a classe política e os muitos que se alimentaram da enorme manjedoura que é o Orçamento do Estado. A administração central e local enxameou-se de milhares de ‘boys’, criaram-se institutos inúteis, fundações fraudulentas e empresas municipais fantasma. A este regabofe juntou-se uma epidemia fatal que é a corrupção”. A.C. conclui o seu Depoimento crítico como segue (ibidem): “Enquanto isto, os portugueses têm vivido muito abaixo do nível médio do europeu, não acima das suas possibilidades. Não devemos, pois, enquanto povo, ter remorsos pelo estado das contas públicas. Devemos, antes, exigir a eliminação dos privilégios que nos arruínam. Há que 24


renegociar as parcerias público-privadas, rever os juros da dívida pública, extinguir organismos… Restaure-se um mínimo de seriedade e poupar-se-ão milhões. Sem penalizar os cidadãos”. ─ Um discurso penetrante; em todo o caso, ‘moderato ma non troppo’, nas suas intencionalidade e estratégia. O discurso político e a linguagem corrente de hoje são ominosos, sem nervuras, uma vez perdida a coluna vertebral dos anos ’60 e ’70 do séc. XX. Com o seu instinto de vendedor da banha da cobra (com uma ideia da política polarizada na relação Capo// //Popolo), o recidivo Berlusconi, que fez da televisão e dos media o seu barco de salvamento, decidiu enfrentar, nas próximas eleições italianas de fins de Fevereiro/2013, o seu adversário maior da união das esquerdas, Pier-Luigi Bersani. As sondagens do ‘Corriere della Sera’, de 1 de Fev. passado, atribuíam-lhe a percentagem de 27%, contra 32,8% para P.-L.B.. Estamos longe de viver em Democracia a sério, nesta velha Europa. As ‘ditaduras’ de hoje já não são políticas, mas mediáticas… uma sorte de ‘3ª via’ entre a Democracia e a Ditadura!... Com dilúvios de demagogia no Refeitório!... Evocando as crónicas de Umberto Eco (entre 2000 e 2005), em torno do ‘regime’ de Berlusconi, Luciana Leiderfarb escreveu, acertadamente (in ‘Expresso’/Atual, de 9.2.2013, p.35): “ ‘Cada época tem os seus mitos. A época em que nasci tinha como mito o Homem de Estado, a dos que nascem hoje tem como mito o Homem da Televisão’, escreveu Umberto Eco em 2004, explicando que ‘as ditaduras do nosso tempo, a existirem, têm de ser ditaduras mediáticas, e não políticas’. O consenso assegurado pela TV (e não pelos jornais) não se alcança por via da censura; necessita da crítica e da oposição. Qualquer discurso vive da forma como está organizado, e, no caso das notícias televisivas, basta escolher o que se coloca em primeiro e em último lugar. ‘Quando se discute uma lei, a televisão enuncia-a e dá de imediato a palavra à oposição […]. Depois, volta a transmitir o ponto de vista dos defensores do Governo, que objectam contra as objecções da oposição. O resultado persuasivo é invariavelmente o mesmo: o último a falar tem sempre razão’, analisa o medievalista. Na verdade, ao regime ─ Eco utiliza a expressão ‘regime de facto’ sempre que fala de Berlusconi ─ basta-lhe que a oposição ocupe um certo lugar retórico, não que desapareça”. Num horizonte crítico (a contrastar com esta atmosfera ideológica insonsa, sem rumo nem norte), sob a bandeira do Pensamento Não Convencional, Joseph Stiglitz tece um discurso de sensatez crítica sobre a terrível Complacência (que chega à Cumplicidade…) vis-à-vis de um Mundo sem Líderes (cf. ‘Exp.’ cit., Cad. Ec., p.32). Quando, na própria cimeira anual de Davos (para a Economia mundial), os dirigentes responsáveis presentes (em 2013) se queixam de que não há liderança mundial, o que nos resta é que se cumpra mesmo o irónico prolóquio do Evangelho: ‘Medice, cura te ipsum’!... Também esses ‘responsáveis’ se dão conta do actual ‘Zeitgeist’ ou ‘L’esprit du temps’. 25


“Com a política dos EUA paralisada pelas infantis birras políticas dos republicanos, e a Europa focada em garantir a sobrevivência do mal concebido projecto do euro, a falta de liderança global foi uma das queixas principais em Davos. Nos últimos 25 anos, movemo-nos de um mundo dominado por duas superpotências para outro dominado por uma só, e agora para um mundo multipolar e sem líderes. Embora possamos falar sobre o G7, o G8, ou o G20, a descrição mais correcta é GO. Teremos que aprender a viver, e a prosperar, neste novo mundo” (idem, ibi). Se todos os Estados/Nações fizessem ‘a coisa certa’, todos os povos poderiam partilhar os benefícios sócio-culturais e económicos do processus de Globalização e da Revolução Tecnológica em curso. Evocando um especialista, independente e crítico, em matéria de Desenvolvimento dos povos, Stiglitz escreve (ibidem): “ ‘O Ocidente nunca teve qualquer autoridade moral’. O colonialismo, a escravatura, a fragmentação de África em pequenos países, e uma longa história de exploração de recursos podem ser assuntos de um passado distante para os agressores, mas não tanto para aqueles que sofreram com isso”. O ‘Premio Nobel em Economia’ não se esqueceu de enfatizar, para um adequado Desenvolvimento económico, a importância da negociação colectiva e dos salários mínimos como instrumentos de um Processo eficiente e fecundo, no sentido de reduzir as desigualdades económico-sociais (ibidem). “Mesmo na China e noutras partes do mundo com sectores industriais crescentes, as melhorias na produtividade ─ muitas vezes relacionadas com uma automatização de processos, destruidora de postos de trabalho ─ são responsáveis por grande parte do crescimento da produção. Os que mais sofrem são os mais jovens, cujas perspectivas de vida serão gravemente afectadas pelos períodos prolongados de desemprego que hoje enfrentam” (idem, ibidem). Nas últimas três décadas, sob a bandeira do Neoliberalismo capitalista global, o que vigorou, hegemonicamente, foi o capitalismo selvagem. As novas tecnologias da Informação e da Comunicação foram atiradas para o Mercado, em cascata e multitudinariamente, em busca de Lucro fácil e imediato. Em suma, de modo desadequado. Esta problemática foi por nós desenvolvida no nosso Livro ‘Em torno das Novas Tecnologias e da Nova Economia’ (Edicon, São Paulo, 2000). Referindo-se ainda ao Forum de Davos, J.S. registou as preocupações da maior parte dos presentes em torno da sobrevivência do euro, nos seguintes termos: “A nota dominante foi de complacência ─ ou mesmo de optimismo. A ‘jogada de Draghi’ ─ a noção de que o Banco Central Europeu, com a sua disponibilidade financeira, poderia fazer e faria o que fosse necessário para salvar o euro e cada um dos países em crise ─ parece ter funcionado, pelo menos por uns tempos. A calma temporária forneceu algum 26


apoio aos que afirmavam que o que era necessário, acima de tudo, era uma restauração da confiança. A esperança era de que as promessas de Draghi fossem um modo sem custos de fornecer essa confiança, porque nunca teriam de ser cumpridas” (ibidem). Por outro lado, “os críticos salientaram repetidamente que as contradições fundamentais não tinham sido resolvidas, e que se era suposto que o euro sobrevivesse no longo prazo, deveria ser criada uma união fiscal e bancária, o que obrigaria a um nível de unificação política superior ao que a maioria dos europeus está disposta a aceitar. Mas muito do que foi dito durante e entre as reuniões reflectiu uma profunda falta de solidariedade. Um funcionário governamental de muito alto nível de um país do norte da Europa nem sequer pousou o seu garfo, quando um companheiro de refeição salientou que muitos espanhóis procuram hoje comida nos caixotes de lixo. Deveriam ter feito reformas mais cedo, replicou, enquanto continuou a comer o seu bife” (idem, ibidem). Mais uma vez, convirá sublinhar que, tanto a união fiscal e bancária, como a unificação política superior, só se poderão efectuar segundo a gramática prescrita pelo modelo da Confederação da U.E., e não pelo modelo vigente da Federação. Este diapasão pode ver-se induzido e confirmado na tese de Guilherme D’Oliveira Martins (in ‘JL’, 619.2.2013, p.36): “A União Europeia não é um Estado, é uma realidade múltipla, assente em Estados livres e soberanos. O federalismo não pode, assim, confundir-se com centralismo e tem de basear-se na participação dos cidadãos a todos os níveis”.

13. ─ O Sistema capitalista (sobremaneira nas últimas três décadas de Neoliberalismo capitalista global) moldou e modelou os Chefes e os cidadãos/súbditos de uma forma tão paroxística, que os problemas ecológicos (à escala planetária) e os problemas do meio-ambiente mais próximo das pessoas não são encarados e resolvidos, numa palavra, deixaram de figurar na agenda. O Protocolo de Quioto (que era de índole temporária), assinado em 1997, no âmbito da Convenção da ONU para as Alterações Climáticas, chegou ao seu termo em 31.12.2012. A Atmosfera ideológica, hodiernamente reinante, tem um nome: a Lógica da Avestruz, que decorre dessa religião laica que é o Objectivo-Objectualismo. Esta religião acompanha a cartilha do ‘Homo Sapiens tout court’ e a mundividência (dualista) das Religiões (reveladas/positivas) institucionalizadas. É sempre o mesmo Problema sistémico. Vê-se o texto, mas não o contexto; lobriga-se a árvore, mas não a floresta!... No seu notável artigo sobre ‘O fim do Protocolo de Quioto: Rumo à grande ruptura’ (in ‘JL’, cit., p.37), o filósofo ecologista Viriato Soromenho Marques configurou-nos um painel de Alerta crítico, em torno das Alterações Climáticas em curso, de tal modo bem enquadrado, que ele bem pode funcionar como um solene toque de gong, dirigido a todos os responsáveis políticos e administrativos, em todas as escalas: do que se trata, no eixo da argumentação, é de unificar as duas coisas, a físico-climática e a só27


cio-política. É que prossegue, sem resposta adequada, (desde 1848), o imperativo categórico da Transformação das Sociedades humanas: o imperativo da Revolução social. Escreveu (ibi) V.S.M.: “Os dados científicos, que se vão reunindo no caminho da preparação para o Quinto Relatório do Painel intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla inglesa), mostram a crescente gravidade da situação. Por este caminho, corremos o risco de chegar ao final do século com um aumento médio da temperatura que poderá ir até 4º C, ou mesmo mais”. Constitui um imperativo categórico, de ordem ético-moral, prestar a devida Atenção a este Alerta. “Há um filão de literatura recente, que explora o tema do colapso das civilizações, e em particular antecipa o que poderia ser o regresso a uma nova Idade Média, ainda mais escura e trágica do que a que ocorreu após a queda do Império Romano, se não formos capazes de conduzir a nossa civilização, global e tecnocientífica, para patamares de sustentabilidade e sobrevivência”. Forcejando, justamente, pela unificação das ‘duas crises’ (a físico-climática e a sócio-política), V.S.M. anda bem avisado, ao escrever (ibidem): “A razão profunda para esta eventual catástrofe reside no facto de que, hoje, o combate às alterações climáticas constitui o verdadeiro (e ignorado) fulcro da reconstrução pacífica do sistema internacional, numa perspectiva de equidade e na base do respeito pelo multilateralismo. Infelizmente, os círculos diplomáticos dominantes continuam a viver num mundo de fadas e monstros de fantasia. Por ex., a famosa ‘guerra do terrorismo’, uma das maiores imposturas intelectuais contemporâneas, não passa de um jogo pueril, quando colocada em confronto com a seriedade do combate às alterações climáticas”. Na sua argumentação esclarecida e justa, V.S.M. chega a fazer a pergunta ad hominem: “Que condições existirão, sem um acordo climático global, para o fortalecimento do comércio mundial?” (ibidem). A resposta vem no parágrafo seguinte: “Sem um novo regime climático, correremos o risco de uma vaga geral de proteccionismo, que aumentará a pobreza e o sofrimento em todo o mundo, particularmente nos países mais pobres” (ibidem). Claro, continuando em vigor o Sistema capitalista… Não retiramos um erg à argumentação crítica do Autor, balizando e orientando o caminho para um Futuro digno da Espécie humana. Mas, para recusarmos de vez a ideologia do Objectivo-Objectualismo (que é, precisamente, a cartilha dissimuladora e garante, em última instância, do Sistema capitalista), cumpre-nos, igualmente, mudar de órbita, na concepção científica da Economia política: em vez de esta se dirigir à produção de objectos/mercadorias e instrumentos de trabalho, ela terá de adoptar outra bússola (primacial e primordial): a satisfação das necessidades vitais e dos desejos legítimos dos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos. Conditio sine qua non, para começar a abandonar a cartilha do Objectivo-Objectualismo.

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14. ─ Analisámos e esquadriámos, sumariamente, os dois tipos estruturais/estruturantes de Responsabilidade (individual e colectiva), que procedem do Psico-Sócio-Ânthropos, configurado e estabelecido pela gramática do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. E estabelecemos logo, na epígrafe deste estudo, o postulado: Tertium non datur. Não há, pois, uma sorte de ‘3ª via’ entre os dois tipos de Responsabilidade. Admiti-lo seria pressupor que as duas Responsabilidades são simétricas. Ora, elas são, em todo o rigor, assimétricas, ─ o que significa e implica que actuam em patamares ou esferas distintas. As duas noções/realidades são formadas e estruturadas em esferas diferenciadas, a tal ponto que não é legítimo (nem ética, nem juridicamente) misturar e confundir as duas noções, por forma a engendrar uma hipotética ‘3ª via’. E as SARL (Sociedades anónimas de responsabilidade limitada)?... Não constituem nenhuma 3ª via entre os dois tipos fundamentais de Responsabilidade. Essas sociedades, via de regra, são instituições criadas no universo das actividades económico-comerciais, e a sigla em causa funciona como o invólucro jurídico, que lhes confere o estatuto de ‘pessoa moral’, em termos jurídicos. Também as Sociedades nacionais e o Estado, que as envolve jurídico-politicamente, não detêm uma soberania ilimitada. Como tem sido explicado e argumentado nos trabalhos do CEHC, a Consciência, no ‘Homo Sapiens//Sapiens’, é uma realidade ternária: Sujeito cognoscente//Objecto conhecido//o Divino que assiste e confirma (ou não). É na Cultura (não na Natureza) que os Humanos acabam por definir-se e formatar-se. A Cultura configura-se no oceano da Linguagem (a humana terá começado há ca. de 65.000 anos), mediante o Diálogo dos Indivíduos uns com os outros, e através do Discurso, 1º, in actu exercito, 2º, in actu signato. É deste painel que procede o conhecido axioma tradicional: ‘Ninguém é juiz em causa própria’!... Ora, na órbita da Consciência de cada Indivíduo, o 1º e último julgador legítimo é ele mesmo. Todavia, uma vez que os Humanos vivem em Sociedade (esta dimensão faz parte integrante da sua natureza e essência/existência), o referido axioma ganha legitimidade e verdade… mais: ele incita e incrementa o Diálogo e a Discussão, mesmo em Tribunal, onde é preciso haver ‘contraditório’, para que a decisão do juiz seja justa e verdadeira. À escala global de um Grupo ou de uma Sociedade nacional, onde emerge o fenómeno da Responsabilidade Colectiva, o relacionamento é, por definição, dualista: Há, dum lado, os Líderes ou Chefes, e do outro, os Indivíduos-Pessoas/Cidadãos. Na situação da Responsabilidade Individual, uma vez que a Consciência do Indivíduo é de índole ternária, o axioma supra enunciado pode e deve funcionar. Na situação da Responsabilidade Colectiva, o axioma referido não tem lugar, porque a estrutura societária é dual, e, ordinariamente, nem tem, aí, aplicação aquele lóguion evangélico: ‘medice cura te ipsum’. O que, por conseguinte, tem de concluir-se neste quadro, é que os Líderes e os Chefes serão avaliados, ou pelo outros elementos do Grupo, ou pelos cidadãos, em sufrágio directo e secreto, nas próximas eleições, constitucionalmente 29


institucionalizadas. Não pode, entretanto, olvidar-se um postulado essencial e decisivo, para o bom funcionamento da Responsabilidade Colectiva e seus agentes/actores: os Líderes ou Chefes devem ser seleccionados entre os melhores de toda a Colectividade; e, por outro lado, eles devem saber actuar com honestidade e seriedade, com inteligência e boa percepção dos factos e dos processos e das instituições. Um axioma psico-sócio-antropológico a reter: Quanto mais evolui, sócio-historicamente, a Cultura de uma Nação, mais se desenvolve a Autonomia das pessoas e dos cidadãos. Duas consequências do axioma são: A) A democracia representativa indirecta tem de ser corrigida e aumentada pela Democracia directa e participativa; B) A Responsabilidade individual e a Responsabilidade colectiva não podem misturar-se e confundir-se, mas terão de ser entrosadas e adquirir uma promoção articulada. A fons et origo de toda a Responsabilidade é o Indivíduo-Pessoa e sua Consciência. Não há outra fonte e origem para os que, democraticamente, são chamados a exercer funções de Autoridade e Mando. Assim, para obter o saneamento moral e jurídico das Sociedades humanas e da Economia política, que nelas disfunciona, é absolutamente necessário assumir e aplicar quatro princípios axiomáticos, a saber: A) A Democracia representativa/indirecta terá de ser corrigida e aumentada pela Democracia participativa e directa. B) Na Economia política, o primado (absoluto) tem de ser atribuído às pessoas/ /cidadãos, como seus destinatários, ─ não aos objectos e mercadorias a produzir e a consumir, interminamente. C) Para resolver, definitivamente, os problemas da fome e da miséria, da pobreza e da exclusão, não há outra via a seguir senão a formulada em B). Com efeito, os Sujeitos humanos/Pessoas não podem ser administrados e governados como se fossem coisas e mercadorias. D) Como uma tara (a eliminar progressivamente), a religião laica do ObjectivoObjectualismo prossegue, infelizmente, a infectar e a corromper a nossa maneira de ver corrente (e tradicional), em todas as áreas da Vida humana; e, com as consequências mais trágicas, nos campos da Política e da Economia. A tal ponto que, no universo da Ciência (volvida em Tecnociência para ser aproveitada pela Economia, alterando os processos de produção com os novos inventos tecnológicos), sempre se tem atribuído mais importância e peso aos processos determinísticos (que levam a um Mundo uniforme e concentracionário), do que às actuações livres e responsáveis dos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos, ancoradas na sua Experiência e na sua Consciência. “Those who sacrifice liberty for security deserve neither”. “Free minds of America and Europe, you have always disappointed us”. “The Libyan people are more im30


portant”. Estes são slogans encontrados pelo jornalista Robert Draper, inscritos em posters, nas ruas de Benghazi (Líbia), nas oitavas da revolução, que depôs a ditadura de Qaddafi, junto da galeria de Mustafá Gargoun (61 anos), o qual mantém a esperança de que a revolução há-de triunfar, com vista à edificação de uma Líbia Nova. (Cf. ‘National Geographic’, Fev. de 2013, pp.58-59). No encalço da ‘War on Terror’ (de George W. Bush), as tecnologias mais sofisticadas, desencadeadas pelo Pentágono e pela indústria bélica, ─ não se pode esquecer que elas vão no sentido diametralmente oposto ao 1º slogan do poster citado, o qual constitui a expressão do bom senso crítico. A ‘guerra contra o terrorismo’ é o facto mais ignominioso, selvagem e contraditório, que se pode imaginar… Constitui, mesmo, o clímax paroxístico da Cultura do Poder-Dominação d’abord: A cartilha que pressupõe é o ‘come e cala’; ‘obedece e não discutas’!... Com efeito, a sua cartilha estabelece o primado da guerra sobre a paz; adopta os meios violentos, para impedir e cortar o caminho que, através da prática do Direito, leva os Humanos a praticar a Justiça inter pares. Ora, enquanto a religião laica do Objectivo-Objectualismo pretender balizar e controlar tudo e mais umas botas (mediante a vídeovigilância e a mais encarniçada sofisticação tecnológica), a Humanidade do ‘Homo Sapiens//Sapiens’ não poderá emancipar-se e libertar-se. Se, na verdade, atribuirmos mais importância e peso aos Determinismos, em confronto com a Liberdade dos Indivíduos-Pessoas, a Liberdade Responsável nunca emergirá no horizonte (psico-sócio-humano); e o nosso Mundo (dito, por engano ou demagogia, humano) nunca encontrará salvamento e salvação.

15. ─ ‘Nemo dat quod non habet’. Esta é a axiomática espúrea da Tradição cultural do Ocidente. Como se explica ela, em última análise? Porque, na Cultura do Ocidente, o que tem vigorado, hegemonicamente, é a Potestas-Dominação d’abord. Ora, em boa verdade, dá-se justamente o que não se tem. A Economia do Dom é a mais fundamental e apropriada à Espécie humana segundo a gramática do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. Dá-se o que não se tem, porque se deu o que se é! O Socialismo vero e autêntico (edificado a partir dos Sujeitos) conjuga o verbo Ser em vez do verbo Ter. Aí, o primado é do comum, não do privado. Com efeito, o Indivíduo é no meio da Comunidade que ele se individualiza. (Como já admitira K. Marx). Por que se dá, justamente, o que não se tem? Porque para dar é preciso ser; não é preciso ter!... É preciso ser = Fazer valer o seu Princípio de Identidade pessoal, segundo o provérbio feliz da Escolástica medieval: ‘Bonum diffusivum sui’. 31


Ter e Ser. (Vd. o livro precioso de Erich Fromm: ‘Ter ou Ser?’, Edit. Presença, Lisboa, 1999). Ter é o verbo conjugado, sistemicamente, pelo Capitalismo. Ser é o verbo conjugado pelo vero e autêntico Socialismo. Segundo o Sistema capitalista, as Sociedades produzem, distribuem e consomem objectos/coisas/mercadorias, a tal ponto… que as Pessoas/Sujeitos são convertidas em coisas e objectos. De acordo com o vero e autêntico Socialismo, os Sujeitos/Pessoas organizam-se em Sociedade, para satisfazerem (o melhor possível) as suas necessidades e exigências vitais e culturais. Aqui, as Pessoas não são convertidas em coisas. Os Sujeitos não são transformados em objectos. Há justiça e verdade interpessoais e sociais. Há pleno emprego, para os Sujeitos (activos) que podem laborar. Não há pobreza nem miséria. A solidariedade ajudará a eliminar (logo que assomam) as possíveis ‘exclusões’ emergentes. ‘To be or not to be?’ (do Hamlet de W. Shakespeare). ‘To have or to be?’ (a partir do livro citado de E. Fromm). O 1º dilema é mais extensivo e menos compreensivo. O 2º dilema é mais compreensivo e menos extensivo. O 1º pode abarcar as duas gramáticas: a do ‘Homo Sapiens tout court’ e a do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. O 2º dilema só é bem resolvido (mediante a opção pelo Ser), na órbita da gramática do ‘Homo Sapiens//Sapiens’.

16. ─ Em jeito de Post-Scriptum: Sobre EDUCAÇÃO e INSTRUÇÃO e Sistemas Educativos nacionais. ● Nas últimas três décadas, deixou-se, generalizadamente, por esse mundo fora, de assumir e promover a Educação, tanto nas Escolas como nas próprias Famílias. A própria Instrução é, mecanicisticamente, balizada e orientada para os Artefactos, para os Objectos e as Mercadorias: para o seu modo de produção, distribuição/comercialização e consumo (muito menos, no último elo da cadeia… não obstante, o Poder Estabelecido e os Mercados fazem recair toda a Responsabilidade final no términus da cadeia, o consumidor). Ora, é preciso e urgente, em contraste com todo esse Processus civilizatório louco e demencial, refundar e implementar os Sistemas Educativos nacionais, nas suas duas vertentes distintas: Educatio e Instructio: 50% na primeira, e 50% na segunda, tendo em conta a composição global do currículo. Dispensam-se, perfeitamente, as disciplinas de Moral e Religião ou de Civismo (se, e enquanto, forem ministradas nos moldes tradicionais da Cultura do Poder-Dominação d’abord).

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Do que as Sociedades humanas carecem (primacial e primordialmente), é de todo um plano estratégico de salvamento/salvação da própria Espécie Humana ‘Sapiens// //Sapiens’. Ora, o ‘Homo Sapiens//Sapiens’ é substantivamente configurado e erguido no horizonte crítico da Cultura, em contraste com a simples Natureza (mas sem exterminar a segunda…). Se não se preencherem, adequadamente, esses 50% de Educatio, no currículo dos estudantes, para um pleno desabrochar e um eficaz desenvolvimento (auto-centrado) do ‘Homo Sapiens//Sapiens’ (em contraste com o ‘Homo Sapiens tout court’), a Espécie humana e as suas Sociedades serão tragicamente sabotadas e aniquiladas e cairão em ruínas apocalípticas. Os sinais dos Tempos, em que sobrevivemos, já nos dizem, claramente, que nos encontramos na Encruzilhada da odisseia psico-sócio-humana. Torna-se imperioso, por conseguinte, romper esse odre da sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord e do ‘Homo Sapiens tout court’, com vista a podermos aceder à Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial e à sua gramática própria e específica, que é a do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. Os Partidos políticos tradicionais (que actuam nos Parlamentos ou Assembleias nacionais) encontram-se em estado patológico: Todos eles (à direita, ao centro, ou à esquerda do hemiciclo) operam segundo o catecismo do Objectivo-Objectualismo (que os degenera e torna enfermos). Enquanto não mudarem de bússola e agulha, rumo à gramática da Espécie Sapiens//Sapiens, as Sociedades políticas ditas (falaciosamente) humanas não terão conserto.

N.B.: Em homenagem aos tertulianos de Portugal e Brasil e outros Países, no Mundo, que se têm empenhado em erguer e difundir o CEHC.

Guimarães, 14 de Fevereiro de 2013. Manuel Reis (presidente do C.E.H.C.) Lillian Reis (secretária do C.E.H.C.)

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II

TERTIUM NON DATUR?!...

N.B.: Em jeito de réplica dialógico-socrática, vamos indagar e fundamentar, neste 2º trabalho, o horizonte crítico do que é aparentemente contrário à mundividência do primeiro estudo. Aqui, situamo-nos nos alicerces do chamado ‘pensamento vital’ (que irrompe da ‘Natura naturans’ e se transmite à ‘Natura naturata’) e que se configura na Ordem bio-psico-sócio-antropogenética. Ali, estávamos situados na Ordem da Cultura substantiva, em contraste com a Natureza, que, à escala do ‘Homo Sapiens//Sapiens’ (no Curso da Evolução das Espécies vivas), acedeu ao patamar do ‘Pensamento lógico’ (vitalmente ancorado nos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos), que é regido pelas leis aristotélicas/universais da Identidade e Não-Contradição. ─ Neste segundo horizonte crítico, ‘Tertium datur’, tão-só para os casos e situações dos filhos/as de Homem/Pai e Mulher/Mãe e analogata biótica. A própria ciência da Genética confirma o carácter e dimensão terciários desse indivíduo que foi constituído como simbiose dos genes herdados do pai e da mãe. ─ Eis por que a gramática biótica, i.e., da biogénese e do biótico, é qualitativamente diferente da gramática do ‘pensamento lógico’. Ali, o que vale é o princípio que nos diz: ‘o mais procede do menos’; aqui, o que funciona é o princípio inverso: ‘o menos procede do mais’. ─ ‘Nemo dat quod non habet’ é o axioma professado e apregoado pela Cultura/Civilização tradicional. Ora, a nova Cultura e a nova Civilização deverão professar e proclamar outro axioma: ‘Nós damos precisamente o que não temos’. No horizonte do 1º axioma, não saímos do universo do TER e da consequente acumulação de riqueza material (onde se misturaram e confundiram pessoas e coisas). No horizonte do 2º axioma, viven35


ciámos o universo identitário do SER (universal) e do nosso SER singular que, assim, se individuou-individualizou. Ora, só ao abrigo desta nova gramática, poderemos viver/conviver, sem o ‘pecado original’ da mistura e confusão, fatais, de Sujeitos e Objectos, de Pessoas e Coisas. * ● Não esquecer as três bússolas convergentes de orientação cartográfica: ─ ‘Para fazer é preciso ser’ (Lao-Tsé); ─ ‘As pessoas não deveriam preocupar-se tanto com o que irão fazer, mas muito mais com o que são (Mestre Eckhart); ─ ‘Quanto mais pequeno fores e quanto menos expressares da tua vida, ─ mais terás e maior será a tua vida alienada’ (Karl Marx). ● Albert Camus (1913-1960): ‘É preciso imaginar Sísifo feliz!’ O célebre escritor e ensaísta francês, de origem argelina, autor de Livros como O Estrangeiro, A Peste, Calígula, foi um homem que sempre se deixou inspirar na mundividência crítica dos Gnósticos judeo-cristãos primevos da Escola de Alexandria, que haviam descoberto os Enigmas do Universo e da Humanidade. ● Esse grande político e orador romano que foi Marcus Tullius Cicero (106-43 a.E.C.), que ainda viveu na idade da República Romana (antes, portanto, da Era do Império, instaurado em 27 a.E.C., com Octaviano Augusto, deixou-nos um guião sábio da sua intervenção no Senado (em 55 a.E.C.), que bem poderia ser aproveitado como Lectio fecunda, nestes ominosos tempos de crise financeira→económica em que sobrevivemos: ‘O Orçamento Nacional deve ser equilibrado. As dívidas públicas devem ser reduzidas, a arrogância das Autoridades deve ser moderada e controlada. Os pagamentos a Governos devem ser reduzidos, se a Nação não quiser ir à falência. As pessoas devem novamente aprender a trabalhar, em vez de viverem por conta pública’.

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● ‘Saber é Poder’. Será mesmo?!... Entre o universo do Saber e o do Poder, há o saber-fazer (‘savoir-faire’), o saber teórico e o saber prático, o ‘saber-de-experiência-feito’. É entre o universo dos Saberes e o dos Poderes que se estabeleceu e adquiriu fundamento e razão de ser a Ética/ /Moral, centrada nos Indivíduos-Pessoas, enquanto conscientes e responsáveis, porque nem tudo pode ser feito ou é conveniente e adequado fazer-se, e há sempre o Princípio da Precaução/Prudência (a ‘Frónesis’ dos filósofos clássicos da Hélade): Prudência passiva e activa. Depois, no universo dos Poderes, há o Poder Democrático, em antagonismo directo com os Poderes despóticos; e há, ainda, o que a Tradição cultural/civilizatória do Ocidente designou (abusivamente…) por ‘Despotismo iluminado’, que nem por se dizer ‘iluminado’ se pode desculpar e legitimar, na medida em que se constitui, sempre, como obstáculo estrutural à emancipação dos súbditos e ao imperativo (categórico!) de libertação de todos os servos e escravos. Na sua origem, o Poder é um Organismo humano vivo com Saber na sua Alma. ‘Saber é Poder’!... Este tem sido o slogan brandido, pareneticamente, pela sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord, com o fito de aliciar os incautos ou inocentes… Mas como é ilusório e embusteiro um tal slogan!... Proclamado pelas elites e classes dominantes para atrair as massas e classes dominadas, o que ele pretende, em resumo, é a submissão e a subjugação das segundas às primeiras, em nome da ‘Law & Order’!... O que o slogan pretende, exactamente, é cumprir a doutrina do Liberalismo moderno, o qual sempre pactuou, em total cumplicidade (e enquanto isso foi historicamente possível!...), com a servidão e a escravatura, sem esquecer essa moderna ‘escravatura’ em que foi constituída a classe operária: capital + trabalho como ‘Factores de Produção’, o que significam, em última análise, é a equiparação dos Sujeitos humanos a Objectos/Mercadorias traficáveis no Mercado (capitalista). Primado do Poder ou Primado do Saber?!... O primado absoluto deve ser o do Saber sobre o Poder, se quisermos formar e constituir uma Sociedade humana harmoniosa e feliz, organizada e regida pela gramática da Justiça e da Verdade, em suma, uma Sociedade verdadeiramente Democrática digna do seu nome. Quando Paulo estabelece a sentença ‘non plus sapere quam oportet sapere’ (Rom. 12,3), ele está atribuindo o primado absoluto ao Poder sobre o Saber. Precisamente, porque partiu daquela mundividência teológica transcendente e extrinsecista, que dá pelo nome de Dualismo metafísico-ontológico, o qual, na sua arquitectura ideológica, estabeleceu toda a sorte de terciarismos perversos e nefastos, que reduziram os Sujeitos humanos a Objectos, as Pessoas a Coisas. ‘Saber é Poder’ ─ eis o eterno parergo/Equívoco da Humanidade (die Menschheit, abstraída da sua natural diferenciação sexual), que sempre a tem enleado, iludido e ludibriado, sistemicamente confeccionado em falácias atraentes, hipocrisias donairosas, sempre ancoradas nos sempiternos Dualismos (religiosos) metafísico-ontológicos e na religião laica do Objectivo-Objectualismo. O Equívoco original/originante é, precisamente, essa confusão entre os dois Factos/Fenómenos distintos, engendrada pela cópula (artificiosa e dissimuladora) ‘é’. O sujeito/agente/actor, que profere a frase, situa-se, por

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definição, na mó-de-cima e dirige a sua fala a quem se acha na mó-de-baixo dos Poderes estabelecidos. O resultado é sobejamente consabido: a Cultura ideológica corrente, alavancada no Poder-Condomínio ou Potestas-Dominação d’abord tem todo o interesse em não proceder às análises críticas, completas e indiscutíveis, do Saber e do Poder, enquanto duas realidades distintas e bem diferenciadas. O catecismo é conhecido: é o hábito ideológico-linguístico do ‘wishful thinking’… ou, como já se sentenciava no Latim: ‘Quod volumus faciliter credimus’!... Em termos gnóseo-epistemológicos, coloca-se, no mesmo nível epistémico, o indivíduo e o todo (colectivo) societário!... Toda a clássica problemática filosófica do Uno e do Múltiplo foi eclipsada. Que aconteceu, se tivermos presente essa Alavanca de Arquimedes, que é o Diálogo socrático, verdadeiramente original-originante, em termos de Pensamento e Linguagem? ─ Nunca se descobre nem dá conta do que se passa no ângulo raso de 180̊, que se acha atrás de nós!... Em consequência disso, o que predomina, em regime de hegemonia absoluta, é a Potestas-Dominação d’abord. A cartilha da Objectividade (honesta e crítica), tanto no Discurso corrente da Cultura, como no próprio Discurso Científico, tornou-se impossível… Desencadeou-se a queda (infernal) na religião laica do Objectivo-Objectualismo. Curiosa e pateticamente, Niccolò Machiavelli, na sua obra mais conhecida, ‘O Príncipe’, já havia identificado e caracterizado, razoavelmente, a sempiterna cartilha da Cultura (política) do Poder-Dominação d’abord. Com eufemismos, ironias e sarcasmos, quanto baste!... Mas fê-lo, proh dolor, in actu exercito, e, para cúmulo, envolto num discurso metafórico de segundo nível… Não o fez, propriamente, in actu signato (objectualmente); por isso, não foi entendido pela grande maioria… e os próprios historiadores e filósofos acabaram por não o entender de modo adequado. A grande desgraça é que, em todas estas matérias nucleares da Cultura/Civilização, se jogam sempre, inexoravelmente, as questões fulcrais da guerra e da paz, da vida e da morte dos Humanos. Um exemplo/padrão da ausência total do diálogo dialéctico, distintivo, entre Natureza e Cultura… que já não existe, uma vez que a Natureza foi reduzida à pura condição de ‘matéria prima’, e não, ela mesma, fonte e origem da Espécie humana Sapiens//Sapiens: os casamentos de homossexuais e o problema da coadopção. Já não é a moral cristã/católica, que foi transgredida, uma vez que, sendo de índole maniqueísta, a boa crítica impõe que esses preceitos sejam descartados. O que está em causa, verdadeiramente, é a redução da Natura naturans a uma pura ideologia cultural, estigmatizada pelo uniformismo (indiferenciante) do Mercado capitalista. A população humana à face da Terra está em excesso?... ─ Mas ninguém obriga o casal hétero-sexual a fazer filhos e a continuar a reprodução humana como simples ‘força de trabalho’!... A respeito desta problemática, perfilam-se, contemporaneamente, duas correntes principais, que, pelos seus argumentos, ajudam a perceber criticamente o Fenómeno: A) Uma recusa-se a analisar os factos e as decisões a partir de dados naturais: antecedentes ou supostas causas são articulados, na argumentação, com os efeitos e consequências, numa sorte de enleio de Fita de Moebius. Nunca se aplica o princípio de Razão suficiente, de modo singularizado e analítico (como procedia Leibniz). O resultado é co38


nhecido: procede-se à argumentação num universo (ideológico) fechado, precisamente na base dessa parafernália da Cultura/Civilização, adquirida e formatada pela ideologia ‘fascista’ do Sistema capitalista e suas tecnologias instrumentais actuando em ‘Mercado capitalista’. B) A outra corrente fala da ‘orientação sexual de cada indivíduo’, como se isso mesmo constituísse um ‘acquis’/tabú, indiscutível, em termos culturais/civilizacionais… tudo isso alavancado no que chamam ‘determinismos genéticos’. O que é pressuposto, em toda esta endrominação ideológica, é o eclipse total da Educação/Instrução, com carácter substantivo tanto na Família como na Escola do Sistema Educativo. Perdeu-se completamente de vista que a Espécie Sapiens//Sapiens é, de entre as espécies animais, a que leva mais tempo a formar o seu specimen adulto (que só vem a ocorrer, em termos neuro-físio-psicológicos, por vota dos 25 anos). Desta sorte, com todas as tecnologias à disposição, os indivíduos humanos não passaram do estádio do ‘livre arbítrio’ pendular; em última análise, não passam de cabeças de um grande Rebanho, comandado pelo Pastor!... É o que acontece, quando se largou a Educação substantiva e a Ética/Moral, ancorada nas Consciências livres e responsáveis dos Indivíduos-Pessoas. Ora, é no comum que a sexualidade humana se diferencia, se houver fundamento natural para tanto!... Quanto à questão da coadopção de meninos e meninas, por casais homossexuais, dado que é um direito natural as crianças dos dois sexos terem e conhecerem os seus respectivos pais e mães, limitamo-nos, aqui, laconicamente, a transcrever uma das recomendações, que Miguel Sousa Tavares deixou consignada no seu artigo (in ‘Expresso’, 1.6.2013, p.7), aos deputados da A.R. lusa, que aprovaram a lei da ‘co-adopção’: “Que deixem de lado a hipocrisia e assumam que o que os move não é ‘o superior interesse da criança’, mas apenas o que entendem ser direitos de uma comunidade específica ─ conforme ficou cristalinamente claro no debate promovido por Fátima Campos Ferreira na RTP. E cuja defesa é legítima ─ porém, contestável”. Quando pediatras, como Mário Cordeiro, sentenciam, catedraticamente, que ‘a orientação sexual é inata’ e que ‘não é por se viver com gays que se fica gay’(cf. ‘Expresso’ de 25.5.2013/Revista, pp.38-44), haverá algo mais a acrescentar?!... Quando escrevemos (aos 18 anos, para o Bacharelato em Filosofia) a nossa Tese (aprovada com distinção e excelência) subordinada ao título ‘Evolucionismo ou Fixismo?!’, ainda se defendia uma sorte de padrão (lúcido) de paridade entre o ‘milieu’ lamarckiano e o determinismo genético, filiado na obra de Darwin. A importância avassaladora, assumida pela Genética contemporânea, com o eclipse do meio-ambiente (igualmente determinante para o bom êxito dos seres vivos, ─ não se pode esquecer ─, é tributária dos estigmas do Tempo em que sobrevivemos: cousismo, objectualismo, que tudo reduziu, mecanicisticamente, a Mercadoria… Alienação estrutural da Cultura e das políticas societárias que, desde há, pelo menos, duas décadas, não têm empreendido nada de substantivo para obviar, por exemplo, às apocalípticas ‘Alterações Climáticas’, geradas pela ‘era do Antropoceno’!... É sabido que o próprio determinismo genético, contido nas células do ADN individual, não dispensaram, para a formação do embrião, a presença de um útero materno. E, assim, quando, nos achados de paleobiologia arqueológica, se pretende recuperar 39


(por clonagem) um exemplar preciso de uma espécie extinta, não se deixa de recorrer ao ADN complementar (na sigla inglesa: cDNA), o que é procedente da mitocôndria celular, que envolveu, originalmente, o embrião no útero materno, i.e., o seu milieu interno, para desse modo se obter uma precisão maior na identidade do indivíduo recuperado. Eis por que, em todas as questões bio-psico-antropológicas, nunca é legítimo separar (em compartimentos estanques) a genética e os determinismos genéticos, de um lado, e do outro, o milieu, o meio-ambiente próprio de todos os seres vivos. A metodologia (mecanicística) moderna, que levou à separação dos dois campos, foi um processus nefasto e deletério, que prejudicou todas as espécies vivas, a começar pela Espécie Sapiens//Sapiens. Foi nesta ambiência perversa, que a Natureza (primeira) foi corrompida: de ‘madre-natura’ (que assegurava a vida dos seres vivos enquanto ‘sujeitos’), ela foi transformada em ‘matéria prima’, puros objectos, prontos a serem traficados como mercadorias… A própria ‘Segunda Natureza’ (que a boa Cultura/Civilização atribuiu à ‘Cultura’) deixou de ser uma coisa e outra, e passou à condição de um ‘Frankenstein’ monstruoso, divertindo-se, catalepticamente, com as mais horrorosas ‘clonagens’!... As atmosferas ideológicas do Processo histórico da Civilização/Cultura estão, elas mesmas, pervertidas e corruptas, porque a chamada ‘Tecnociência’ (que, enquanto Orquestra condutora, é cada vez mais ‘Tecnociência de Aparelho’) se encontra enjaulada e submetida a um produtivismo incessante, que já não se pergunta: por quê e para quê, em termos psico-sócio-antropológicos? Em termos de atmosferas e de ideologia sócio-política, prefere-se operar na confusão e na indistinção, onde a impunidade dos agentes se torna a regra; em suma, lava-se cara e caramunha: os agentes públicos passam para organizações privadas, onde, no fim do ‘regabofe’, podem actuar e locupletar-se, com mais descrição. Não é verdade que, sem os expedientes administrativos, que os partidos políticos têm para se auto-financiarem, a democracia representativa liberal não existiria?!... Com efeito, é muito raro as alternâncias partidárias, na governação, darem o seu lugar a verdadeiras Alternativas políticas. É sempre a cartilha do Dinheiro que tudo comanda, que superintende em tudo!... A gramática política dos Partidos, que operam em regime de democracia representativa liberal, é sempre a mesma (com raríssimas excepções) que se destina a defender e a preservar a vigência (interminável…) do Sistema capitalista. Como disse muito bem Paulo Morais (autor do livro ‘Da Corrupção à Crise’, Gradiva, Lisboa, 2013), na entrevista dada ao ‘Expresso’(25.5.2013, Rev., p.52): Independentemente do Governo ou da Oposição, “o que funciona é a central de negócios. É a história de Portugal nos últimos 25 anos. Pessoas que estão na Administração política para captar recursos do Orçamento do Estado, para beneficiar os grupos económicos para quem estão a trabalhar. O seu trabalho é a corrupção. A verdadeira corrupção, como a define a Transparency”. Duas teses centrais, que o nosso ‘Robespierre’ não se esqueceu de salientar: A) “Devíamos ter tido uma intervenção externa se tivéssemos tido de facto um resgate. Mas não tivemos um resgate, tivemos uma intervenção para garantir que o Estado português continuava a pagar os empréstimos à banca. Um resgate é outra coisa. Existem 40


resgates nas empresas, os chamados acordos de credores. Processos de reestruturação da dívida, em que se isola a exploração do problema da dívida. Isto é um resgate. Óptimo exemplo que salvou muitas empresas em Portugal. Quando a primeira das despesas a efectuar é dívida, isto não é um resgate, é um sequestro. Não vale a pena dizermos que não vamos pagar, o que faz sentido é fazer um resgate a sério. Reestruturar a dívida” (ibi, p.51). B) No concerrnente “à Administração Pública, não pode haver desvios; as pessoas não têm a noção disto, mas a despesa pública carece de orçamentação. Toda a despesa pública tem de estar orçamentada e cabimentada. Sem cabimentação prévia, quem fizesse despesa incorreria em perda imediata de mandato. Como ninguém perdeu o mandato… pode haver despesa pública não cabimentada e casos extremos, tremores de terra, pontes caídas, etc.. Ora como não há despesa pública não cabimentada, não há despesa contratada sem documentos. Dizer que há desvios é brincar com as pessoas” (idem, ibi, p.52).

● Já não são os Objectos que precisam ser mudados… mas, outrossim, os próprios Sujeitos humanos. Ao longo da Idade Moderna, na Civilização Ocidental, assistimos ao fracasso de todas as Revoluções sociais e dos seus ideários revolucionários. Só não fracassaram as ‘Revoluções tecnológicas’, porque essas foram, em geral, respaldadas e acarinhadas pelo Sistema capitalista (triunfante). A partir das revoluções socialistas ou comunistas (assim chamadas…), adregou-se invocar, até, a emergência concomitante do ‘homem novo’, mas esta ‘nova criatura’, logo esquecida nos períodos pós-revolução, nunca chegou a tomar corpo!... O universo da transformação revolucionária das Sociedades era sempre pautado pelo ângulo raso dos 180 graus, que os actores revolucionários consideravam no seu horizonte frontal: a lei draconeana que vingava era, pois, a do Objectivo-Objectualismo!... O outro ângulo de 180 graus, configurado nas traseiras, a partir da realidade dos Sujeitos humanos, qua tais, ficava sistematicamente inalterado, numa atmosfera de obscuridade, do não-dito nem experienciado. Foi, por conseguinte, em vão, que se falou do ‘homem novo’ emergente. Entretanto, a necessidade e a urgência da superação do contraditório e demencial Sistema capitalista e a consequente Revolução radical no sentido do Socialismo continuam a impor-se, sócio-historicamente, como veros imperativos categóricos, que são de vida ou morte, para as Sociedades humanas. Até por duas ordens fundamentais de razões: A) O sistema capitalista foi concebido e edificado pelo seu patriarca fundador, Adam Smith (na sua obra maior ‘The Wealth of Nations’), na base de uma Contradição estrutural, actuada in actu exercito (não in actu signato…por isso, muito poucos têm advertido no facto, nem o próprio Amartya Sen): os vícios privados são convertidos em virtudes públicas; e as virtudes privadas em vícios públicos. B) Os modelos societários, implantados na U.R.S.S., a partir da Revolução de Outubro de 1917, e depois, em outros países que seguiram por essa via, não passaram de ‘capitalismo monopolista de 41


Estado’ (J.K. Galbraith dixit, na década de ’60 do séc. XX). Quer isso dizer que os Povos e as próprias Academias têm andado iludidos e enganados num Erro monstruoso!... E não é o erro e a ilusão que podem emancipar: ‘Veritas liberavit vos’!... A Economia do Dom e a Tradição criticista, que a ela subjaz, na história sócio-cultural do Ocidente, já foram expostas e desenvolvidas no Livro do CEHC ‘Em Demanda de uma Economia do Dom’ (edição de 2012: na Rev. Electrónica Noética e numa edição em papel, pela Edicon de São Paulo, Brasil). Aqui, vamos debruçarmo-nos, principalmente, sobre o Livro maior de Erich Fromm: ‘TER ou SER?’ (Editorial Presença, Lisboa, 1999; o original é de 1976, com o título: ‘To Have or To Be?’). E é imperioso que o façamos no horizonte crítico do Psico-Sócio-Ânthropos, que é, afinal, o do próprio Autor. Bastará consultar as 6 pp. da Bibliografia final, para nos darmos conta do rico filão tradicional da Cultura do Ocidente, que alavanca e sustenta as teses de E.F., em completa convergência com as do CEHC. Mais proximamente, o Autor não se esqueceu de referenciar, no prefácio (pp.11-12), duas obras quase homónimas: a de Gabriel Marcel, ‘Being and Having: An Existentialist Diary’ (Nova Iorque, Harper & Row, Torchbooks, 1965); e a de Balthasar Staehelin, ‘Haben und Sein’ (Zurique, Editio Academica, 1969). Quem é Erich Fromm (1900-1980)? Filósofo e psicanalista judeu alemão, que fugiu a tempo do nazismo e se naturalizou norte-americano. Colaborou com Adorno e Marcuse na fundação do Instituto de Psicanálise em Frankfurt, bem como em estudos conjuntos sobre a Autoridade. Separou-se (como aconteceu com W. Reich) do Grupo de Frankfurt, por pretender completar, criticamente, a psicanálise freudiana com a teoria social de K. Marx. Ao longo da sua ensinança e dos seus trabalhos, na América e no México, ele acabou por criticar o freudismo, por este se mostrar cúmplice com o mecanicismo evolucionista do Biologismo, e, neste horizonte, teve o cuidado de manter a equidistância do behaviorismo e da psicossociologia adaptativa dos norte-americanos. Para Erich Fromm, o fenómeno original da Sociedade não é a família, muito menos a família burguesa, que Freud aceitava (sem a discutir…); para ele, o fenómeno originário é, antes, a própria estrutura da Sociedade, que engendra, precisamente, o tipo (sobredeterminante) de ‘carácter social’. Esta tese fundamental foi por ele formulada no seu estudo ‘Die psychoanalytische Characteriologie und ihre Bedeutung fűr die Sozialpsychologie’, publicado na revista do Instituto para a Investigação Social, em1932. Se há, em E.F., influências de K. Marx, estas são as dos Manuscritos de 1848: ao lado dos incontornáveis factores da Interioridade, são igualmente salientadas as influências e os factores societários. Considera, justamente, o Autor que o homem do séc. XX ainda não é suficientemente autónomo, e alimenta, inclusive, o medo (por vezes pânico…) da Liberdade (v.g. in ‘Escape from Freedom’, e ‘The Sane Society’). Em definitivo, o homem do século XX foi vítima do autoritarismo e da arbitrariedade, do conformismo e do consumismo. É indiscutível que, até em termos de revoluções culturais e sociais, o seu livro, culturalmente mais importante e decisivo, continua a ser ‘To Have or To Be?’ (1976), onde o autor ainda propugna uma religiosidade humanista, mas sem dogmas e

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fora de qualquer religião institucionalizada. Em sintonia (relativa) com a mundividência crítica do CEHC. O guião referencial deste livro (na já cit. ed. da Presença), que se acha na contracapa exterior, é já sobejamente relevante e significativo do âmbito e do espírito da investigação: “A alternativa entre ter e ser, central nos ensinamentos de grandes Mestres da Vida como Buda, Cristo ou Mestre Eckhart, não se revela apelativa numa sociedade onde a própria essência do ser parece residir, cada vez mais, no ter. Nesta obra, Erich Fromm aponta para a necessidade de uma nova e profunda revolução socioeconómica e psicológica, capaz de fazer desviar a rota catastrófica que o nosso planeta descreve, e evitar, assim, o desastre social, psicológico e ecológico, que se afigura no horizonte. A extrema importância que temos dado ao ter ─ a posse de bens materiais, o consumismo, o poder, está, segundo Fromm, na origem de males universais como a ganância, a inveja ou a violência; enquanto o ser se baseia em aspectos mais nobres da nossa humanidade ─ no amor, na actividade produtiva, no prazer da partilha. Um livro notável, que apresenta um programa brilhante para uma mudança de atitude de fundo, sem a qual será impossível a sobrevivência da espécie humana”. A Grande Promessa do Progresso Iluminista da Modernidade (para além das contradições essenciais do moderno Industrialismo capitalista, originadas estruturalmente na assimetria foncière entre o capital e o trabalho) falhou redondamente (cf. ibi, pp.13-19). O Autor citou Albert Schweitzer (Prémio Nobel da Paz/1953) desafiando o mundo “a ousar encarar a situação… o Homem tornou-se um super-homem… Mas o super-homem, com o poder super-humano, não atingiu o nível da razão super-humana. À medida que o seu poder aumenta, ele torna-se cada vez mais um pobre homem… É preciso abanar a nossa consciência, pois, quanto mais nos assemelhamos a super-homens, mais desumanos estamos a tornar-nos” (p.14). A pauta do desencanto face ao incumprimento da Grande Promessa, alinhou-a E.F. em quatro tópicos (ibidem): “ ─ A satisfação irrestrita de todos os desejos não conduz ao bem-estar, não é o caminho para a felicidade nem para o máximo prazer. ─ O sonho de sermos independentes, donos das nossas próprias vidas terminou quando começámos a acordar para o facto de que nos havíamos tornado, todos nós, rodas dentadas da máquina burocrática, com os nossos pensamentos, sentimentos e gostos manipulados pelo governo, pela indústria e pela comunicação de massas que eles controlam. ─ O progresso económico manteve-se confinado às nações ricas e o abismo entre estas e as nações pobres aumentou imensamente. ─ O próprio progresso tecnológico criou perigos ecológicos e os riscos de uma guerra nuclear, podendo qualquer um deles, ou ambos, pôr fim a toda a civilização e a qualquer possibilidade de vida”. Escrito em 1976, ainda no período da ‘Guerra Fria’ entre as duas Super-potências, e mudada aparentemente a situação da geopolítica internacional, a partir de 1989, o certo é que a pauta quádrupla dos incumprimentos da Modernidade, das catástrofes ‘antropocénicas’, no horizonte ecológico, da proliferação das guerras (agora, com drones actuando à distância, ou através dos próprios processos informáticos) e do condiciona43


mento, cada vez maior, da sacrossanta Liberdade dos Indivíduos, ─ essa pauta mantém toda a sua importância e actualidade nos dias de hoje. A religião laica do Objectivo-Objectualismo persiste, inalterada, como inalterada continua a Cultura (universalmente predominante) da Potestas-Dominação d’abord. E, ao longo de três séculos, a Modernidade ocidental não conseguiu eliminar a miséria e a fome no Mundo, apesar dos ‘cantos de Sereia’ sempre proclamados e repetidos na Matéria. A ‘Merda de Deus’… disto se queixavam os nigerianos, perante a depredação e o esbulho da sua própria pátria, pelas multinacionais do Petrólio (Vide o filme doc. ‘As Sete Irmãs’). No Processo cultural/civilizatório, a parafernália de (quase) todas as acções e operações, superiormente comandadas pelas modas tecnológicas emergentes, em cada geração, quer à escala de cada Sociedade nacional, quer à escala do Mundo, continuou a proceder dos Poderes Estabelecidos para as massas populares, sempre a partir da Exterioridade, eclipsando e ignorando, por completo, essas realidades (inomináveis) que são a Experiência e a Consciência dos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos. O Sistema económico do Capitalismo smitheano foi construído sob a obsessão patológica de um único objectivo: não o de saber o que é bom para os Humanos, mas, outrossim, o de saber o que interessa e é bom para o Sistema (cf. idem, ibi, p.18). A cartilha dos Egoísmos e Egotismos individuais de toda a sorte ficou assim justificada, no esquema da hobbesiana aceitação tácita do ‘bellum omnium contra omnes’. Nos economistas clássicos, só David Ricardo fez excepção à regra. A cartilha ficou balizada e definida: “Ser egoísta não se relaciona apenas com o meu comportamento, mas com o meu próprio carácter. Ou seja: que querer tudo para mim, possuir, não partilhar, me dá prazer; que devo tornar-me ávido, porque, se o meu objectivo é ter, eu sou tanto mais quanto mais tiver; que devo sentir todos os outros como meus adversários: os meus clientes a quem quero iludir, os meus concorrentes a quem quero destruir, os meus trabalhadores que pretendo explorar. Nunca poderei estar satisfeito, porque não existe fim para os meus desejos; devo sentir inveja daqueles que têm mais e receio daqueles que têm menos. Mas tenho de reprimir todos estes sentimentos para poder revelar-me (aos outros e a mim próprio) como o ser humano sorridente, racional, sincero e amável que toda a gente pretende ser” (idem, ibi, p.17). Em suma, é a Civilização do TER, no lugar onde se deveria configurar a Civilização do SER. ─ O discurso sobre a Realidade (que nos é dada societariamente…) resulta sempre patético e, de algum modo, inaudito… porque essa Realidade, perante a evidência crítica, é estruturalmente contraditória, e todos os Poderes Estabelecidos (profanos ou religiosos) nos pretendem fazer crer e admitir que foi e é sempre assim… e que não poderá ser de outra maneira!... Eis por que o veredicto do hodierno Tribunal Gnóseo-Epistémico nos diz, sem mais hesitações ou ambiguidades, que a Mensagem prínceps, para a sobrevivência da Espécie Humana, não poderá ser outra senão a Necessidade (económica) vital de uma Mudança nos próprios Sujeitos Humanos, enquanto tais, na sua Menschheit. Erich Fromm é claro e peremptório no seu discurso (op. cit., p.20): “A necessidade de profundas mudanças humanas emerge não só como uma busca moral ou religiosa, não só como uma necessidade psicológica surgida de uma natureza patogénica do nosso 44


presente carácter social, mas também como uma condição para a pura sobrevivência da raça humana. A forma correcta de viver deixou de ser apenas o cumprimento de uma necessidade moral ou religiosa (pela primeira vez na história, a sobrevivência física da raça humana depende de uma alteração profunda do coração do Homem). Todavia, essa mudança terá de acompanhar a dimensão das alterações económicas e sociais ocorridas, capazes de dar ao coração humano uma hipótese de mudar e coragem e visão para o conseguir”. Em resumo, o eixo dos balizamentos e comandos culturais/civilizacionais tem de deixar de ser o Sistema, qua tal, e passar a centrar-se nos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos, reais e concretos (a partir do respeito pelas suas Consciências e Interioridade). O Sistema não pode continuar a ser a Maquinaria que tudo comanda e controla, segundo o catecismo da religião laica do Objectivo-Objectualismo. O horizonte societário das nossas informações, conhecimentos e mundividências é-nos fornecido, institucionalmente, como um caleidoscópio de impressões reais e de ilusões estruturais: é uma mescla disso tudo!... Ora “o processo mental esforça-se por organizar toda esta fossa de ilusões, de acordo com as leis da lógica e da plausibilidade. Este nível de consciência reflectiria, supostamente, a realidade; trata-se do esquema que usamos para organizar a nossa vida. E este esquema falso não é reprimido. O que é reprimido é o conhecimento da realidade, o conhecimento do que é verdadeiro. Se fizermos a pergunta: o que é o inconsciente?, a resposta será: além das paixões irracionais, quase todo o conhecimento da realidade. O inconsciente é basicamente determinado pela sociedade que produz essas paixões e dota os seus membros com vários tipos de ficção, ficando, deste modo, as forças da verdade prisioneiras do alegado racionalismo" (idem, ibi, p.99), bitolado pela cartilha dos Poderes Estabelecidos, que até se têm na conta de ‘iluminados’. Carecemos, por conseguinte, de uma nova ciência dos Humanos (Sujeitos→Objectos→Sujeitos!...): a ‘nova ciência’ do séc. XVII (no Ocidente), na medida em que se pretendeu positiva e experimental, deixou-se confinar no hemisfério das ciências físico-naturais (como nós dizemos no CEHC). As ciências hodiernas e do Futuro têm de prestar atenção, sobremaneira, ao hemisfério das ciências psico-sociais e/ou humanas, que têm sido eclipsadas ou submetidas e escravizadas, ao longo dos milénios. Sem a nítida defesa da axiomática da Dualidade Epistémica (como nós fazemos no CEHC), será muito difícil, na Arquitectura mental dos ocidentais, esconjurar e banir a doutrina do Dualismo metafísico-ontológico, que infestou as religiões institucionalizadas e continua o seu caminho da perversão!... A Nova Sociedade, a edificar, tem de respeitar esta gramática de exigências fundamentais. E.F., no que diz respeito à nova ciência, designa-a como ‘uma ciência humanística, que seja a base da ciência aplicada e da arte da reconstrução social’ (op. cit., p.168). No que tange a este delicado problema, o Autor é prudente e timorato: “Se essa mudança de supremacia das ciências naturais para uma nova ciência social virá a ocorrer, ninguém pode garantir. Mas, se ela se der, talvez tenhamos ainda uma oportunidade de sobrevivência. Tudo depende de um factor: qual o número de homens e mulheres inteligentes, cultos, disciplinados e afectuosos que serão atraídos para este novo desafio do espírito humano, cujo objectivo não é, desta vez, o controlo da Natureza e 45


sim o da técnica e das forças e instituições sociais irracionais, que ameaçam a sobrevivência da sociedade ocidental, se não toda a raça humana” (ibi, p.169). Mas o nosso Autor é prudente e astuto, no concernente à identificação das soluções alternativas, gizadas para obviar às dificuldades e contradições estruturais, que assolam, institucionalmente, a Sociedade em que sobrevivemos. Foram esquadriadas, no seu painel, oito tópicos pertinentes (ibi, pp.167-168): “Será necessário: ─ Resolver a questão de como manter o modo industrial de produção, sem a sua centralização total, isto é, sem terminar no fascismo à moda antiga ou, com maiores probabilidades ainda, ‘no fascismo de expressão sorridente’. ─ Aliar um planeamento global a um alto grau de descentralização, desistindo da ‘economia de mercado livre’, que se tornou totalmente fictícia. ─ Abandonar o objectivo de crescimento ilimitado, optando pelo crescimento selectivo, para não correr o risco de catástrofe económica. ─ Criar condições de trabalho e um espírito generalizado, em que as motivações efectivas não sejam apenas os estímulos materiais, mas outras manifestações de ordem psicológica. ─ Levar mais longe o progresso científico e, ao mesmo tempo, evitar que ele se torne um perigo para a raça humana, através da sua utilização prática. ─ Criar as condições necessárias para que, na experiência dos indivíduos, predomine o bem-estar e a alegria, e não a satisfação do máximo prazer. ─ Oferecer a todos uma segurança básica, que não os torne dependentes da máquina burocrática para o seu próprio sustento. ─ Renovar as possibilidades de iniciativa individual na vida diária, mais do que nos negócios (onde, aliás, elas já não existem)”. Nos estudos do CEHC, temos feito referência, repetidas vezes, às nossas raízes históricas no Bio-psico-sócio-Ânthropos e na correspondente gramática do Homo Sapiens//Sapiens, procedente do Homem de Cro-Magnon, em contraste com a cartilha do Homo Sapiens tout court, emparentado com o Homem de Neanderthal. É que se trata de duas ‘espécies’ biológicas diferentes, na história e na evolução final dos hominídeos, muito embora tenham ambas coabitado a Terra, durante um arco temporal razoável. Ora, justamente, o nosso Autor faz jus à emergência definitiva do Homo Sapiens//Sapiens, quando assevera (op. cit., p.134): “A outra tendência [evolutiva: a da redução dos comportamentos baseados nos instintos e o seu aumento a partir da regulação do cérebro maior], que se encontra na evolução animal é o crescimento do cérebro particularmente do neocórtex. Aqui, também, podemos representar a evolução por um contínuo: num dos pólos, os animais menos desenvolvidos com a estrutura nervosa mais primitiva e um número de neurónios relativamente baixo; no outro, o Homo Sapiens, com uma estrutura cerebral maior e mais complexa, particularmente um neo-córtex três vezes maior do que o dos nossos antepassados primatas e um número verdadeiramente fantástico de conexões interneurónicas. “Considerando estas informações, a espécie humana pode ser definida como o primata que surgiu no ponto de evolução, em que a determinação instintiva tinha atingido o mínimo e o desenvolvimento cerebral o máximo. Esta combinação da mínima determinação instintiva e do máximo desenvolvimento cerebral nunca antes tinha ocorrido 46


na evolução animal e constitui, biologicamente falando, um fenómeno inteiramente novo”. ─ O jesuíta Pe Teilhard de Chardin (1881-1955), muito especialmente na sua obra mais conhecida ‘O Fenómeno Humano’ (Liv. Tavares Martins, Porto, 1965), terá sido um dos primeiros, enquanto evolucionista e páleo-antropólogo, a fazer inteira justiça a esse Fenómeno novo na Evolução cósmica. A este respeito, é igualmente importante e decisivo o livro estruturador do seu pensamento evolucionista: ‘La Place de l’Homme dans la Nature’ (Éditions du Seuil, Paris, 1956). O Cristianismo (paulino) tradicional, sobremaneira na sua vertente católica, tornou-se o respaldo e a protecção do que E.F. chama ‘a religião industrial’ (ibi, pp.140 e ss.) e nós, no CEHC, numa perspectiva criticista mais profunda, designamos por ‘religião laica do Objectivo-Objectualismo’. E fê-lo através desse cincho que é a noção matricial de ‘salvação vicária’, ─ uma ideia ábsona e absurda, que Hermes Trismegisto (no Egipto Antigo) havia repudiado radicalmente. Se o Mundo ocidental já não é cristão, por que não larga ele o Cristianismo como guião impenitente?!... O nosso Autor apercebeu-se desta problemática, ao escrever (ibi, p.140): “Mas se assim é, por que não decidem os americanos e os europeus abandonar o cristianismo, como não se ajustando ao nosso tempo? Existem várias razões para que tal não aconteça: por exemplo, a ideologia religiosa é necessária, para evitar que as pessoas abandonem a disciplina, o que ameaçaria a coesão social. Mas existe ainda um motivo mais importante: as pessoas que acreditam verdadeiramente em Cristo, como o grande exemplar de Amor, como o Deus que se sacrificou, podem transformar esta crença de uma forma alienada na experiência de que Jesus ama por eles. Jesus transformou-se, portanto, em ídolo; a crença nele torna-se o substituto do acto de amor de cada um, numa forma simples e conveniente: ‘Cristo ama por todos nós; podemos prosseguir com este padrão do herói grego, mesmo assim seremos salvos porque a ‘fé’ alienada em Cristo é um substituto para a imitação de Cristo’. Obviamente esta crença cristã é também uma cobertura barata para a atitude de ganância de cada um. Por fim, acredito que os seres humanos estão tão profundamente dotados da necessidade de amar, que o facto de agirem como lobos lhes cria obrigatoriamente uma consciência culpada. A nossa pretensa crença no amor anestesia-nos, de alguma forma, contra a dor do inconsciente sentimento de culpa, por estarmos inteiramente em estado de desamor”. ─ O psicanalista explicou, num painel completo, a nossa situação cristã/ocidental, sob o signo do Capitalismo moderno e do Neoliberalismo contemporâneo. Do séc. XVI até ao fim do séc. XIX, predominou, na história do Sistema capitalista ocidental, a dimensão do carácter autoritário-obsessivo-acumulatório, com o ter e os egoísmos fonciers, a funcionarem como norma imperial absoluta. Na segunda metade do séc. XX, terminado o período dos ‘Trinta gloriosos’ (1975), começou a expandir-se como um furacão, o Neoliberalismo globalizador (e imperialista), estigmatizado pelo ‘carácter de marketing’ everywhere e pela nova ‘religião da cibernética’. Neste novo horizonte (que é o das primeiras décadas do séc. XXI), os próprios Indivíduos foram apanhados nas engrenagens e nas malhas do Mercado, segundo as regras da religião laica do Objectivo-Objectualismo. Dir-se-ia que se extinguiu, no horizonte hodierno, a função (crítica e fecunda) daquela distinção marxiana entre valor de uso e valor de troca!... 47


Escreveu, com acerto, E.F. (ibi, p.143): “Chamei a este fenómeno o ‘carácter de marketing’ porque ele se baseia na experiência do próprio indivíduo como mercadoria, e porque o valor de cada um deixa de ser um ‘valor objectivo’ para se tornar um ‘valor de troca’. O ser humano torna-se uma mercadoria no ‘mercado de personalidades’. O princípio da avaliação é o mesmo nos mercados de personalidades e de utilidades: no primeiro, as personalidades são postas à venda; no outro, as utilidades. Em ambos os casos, o valor que lhe corresponde é o seu valor de troca, pelo que o valor objectivo é uma condição necessária mas não suficiente”. Em convergência com o horizonte criticista do CEHC, o linguista e filósofo norte-americano Noam Chomsky, em livrinho electrónico subordinado ao título ‘Visões Alternativas’ (2012), desenvolveu uma lista das ‘10 estratégias de manipulação’ dos princípios sociais e económicos, de forma a atrair o apoio inconsciente dos meios de comunicação para a manipulação. Uma vez que eles constituem um Alerta crítico precioso, vamos, aqui, retomá-las e transmiti-las: 1ª ─ A estratégia da distracção; 2ª ─ Criar problemas e depois oferecer as soluções; 3ª ─ A estratégia da gradualidade (que leva ao desaparecimento dos contrastes e roturas); 4ª ─ A estratégia do adiar (o que é dolorosamente necessário acaba por aceitar-se); 5ª ─ Dirigir-se ao público como a criaturas de tenra idade; 6ª ─ Utilizar o aspecto emocional muito mais que a reflexão (evitam-se as querelas e as discussões); 7ª ─ Manter o povo na ignorância e na mediocridade (a sua eterna condição de rebanho, conduzido pelos pastores); 8ª ─ Estimular o público a ser complacente com a mediocridade; 9ª ─ Reforçar o sentimento de culpa pessoal (nesta perspectiva, as religiões institucionalizadas são muito úteis…); 10ª ─ Conhecer os indivíduos melhor do que eles mesmos se conhecem (esta é a via mestra para deixar soterrada toda a Auto-Consciência individual-pessoal…). A rota para a construção das boas e justas Sociedades humanas, já se pode intuir que ela advém, precisamente, na galáxia do Socialismo. Mas, aqui, temos de nos precaver e actuar com cuidados críticos: Em primeiro lugar, a arrumação parlamentar em ‘Direitas’ e ‘Esquerdas’ já conta muito pouco, e até se encontra em vias de desaparecimento, uma vez que a própria distinção entre os dois campos está subjugada e submetida ao catecismo do Objectivo-Objectualismo. Em segundo lugar, é imperioso tomar consciência crítica de que o SOCIALISMO se edifica a partir dos Sujeitos humanos livres e responsáveis, e não a partir de projectos esquadriados pela religião laica do Objectivo-Objectualismo. A Espécie humana está constituída por um cérebro superior, dotado de neocórtex, de duas mãos e braços e de duas pernas para andar. É, pois, por definição e estrutura, não-dogmática, não unicórnia, como o Sistema capitalista (uniformista) sempre a pressupôs. Desta sorte, em terceiro lugar, terá de haver (em nome do objectivo-objectual), na Economia política, uma dimensão ou escala colectiva, onde uma sorte de ‘salário mínimo nacional’ (sempre actualizável) será distribuído, a partir do Tesouro público (nacional), a todos os Indivíduos-Pessoas/Cidadãos, precisamente em nome desta sua condição humana. Em quarto lugar, haverá iniciativas privadas e públicas, que desaguarão num vero e autêntico Mercado livre: com os Indivíduos-Pessoas a criarem bens e serviços e os governos do Estado a assegurarem o Bem-Comum, nas quatro áreas principais: Educação/Instrução, Saúde, Segurança Social e Direito e Tribunais. A 48


norma de uma Boa Sociedade, a funcionar adequadamente, nunca nos permitirá o olvido ou a negligência, tanto de um Sistema Educativo substantivo, como de uma irrepreensível gramática ético-moral (de base psico-sócio-antropológca).

* ● Da supersticiosa ‘Teologia do Mercado’ (capitalista), que é preciso denunciar e combater, in radice!...

Quando o discurso, em Economia política, anda à volta da chamada ‘Teologia do Mercado’, é inevitável evocarmos as pp. da obra de A. Smith (‘The Wealth of Nations’), onde ele se refere, explicitamente, a uma sorte de ‘Mão Invisível’ (para se referir à Divindade transcendente e extrínseca), cuja função suprema consistiria em superintender nas misteriosas engrenagens do Mercado capitalista, por forma a que os sobressaltos, as crises e as quedas (bancarrotas…) não tenham lugar e, em última instância, quando se derem, possam encontrar a melhor solução possível, a menos danosa para os agentes envolvidos. O A. Smith (professor de Moral) da ‘Teoria dos Sentimentos Morais’ não chegou a este desplante infantil!... No universo humano, em termos filosóficos fundadores, só há, verdadeiramente, dois tipos padronizados de Responabilidade: A) a que assenta na Consciência livre e responsável de cada Indivíduo-Pessoa/Cidadão; B) a que é assacada ao Indivíduo (eleito ou nomeado), ou a um Grupo de Indivíduos (eleitos ou nomeados), que assumem as suas funções de responsabilidade colectiva, a título de ‘Persona moralis’ (como já era contemplado no Direito Romano). Isso ocorre mediante processos conhecidos, a que se dá o nome genérico de delegação ou representação. Isto é válido, tanto para a constituição e a legitimação dos Governos, nos regimes de Democracia Representativa (liberal ou outra…), como nas Firmas (pequenas, médias ou grandes), constituídas na tessitura da Economia política. Não há, por conseguinte, em boa verdade, uma terceira solução… o que se poderia chamar um ‘Tertium datur’, como pressupôs a mundividência económica de A. Smith. O patriarca do Capitalismo moderno incorreu em dois vícios estruturais: a) o de prestar toda a atenção ao Sistema, com o eclipse dos Indivíduos singulares e concretos; b) o que é próprio e típico da cartilha (de funcionamento gnóseo-epistémico), que dá pelo nome da religião laica do Objectivo-Objectualismo: na verdade, esta deixou de lidar com seres vivos, para lidar com (abstractos) agentes hipostáticos. Ltd. = Limited, ou Lda. = Limitada, apostas a Organizações ou Instituições; SARL = Sociedade Anónima de Responsabilidade Limitada, sigla aposta a Organizações ou Instituições (pequenas ou grandes), ─ são enunciados que revelam e demonstram, ipso facto, que entre a esfera da Responsabilidade da Pessoa singular/individual e a esfera da Pessoa moral, não há uma Terceira Solução, Tertium non datur.

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Nunca será demais tomar consciência crítica desta Realidade incontornável, quando se sabe que um Papa de Roma (Bento XVI), na sua encíclica ‘Charitas in Veritate’ (de 29.VI.2009), sempre ancorado no Dualismo metafísico-ontológico (de Platão e Paulo), consagra o neoliberalismo capitalista global como expressão da extensão do Catolicismo a toda a Terra (vd. Mt. 28,18-20), precisamente em nome de um pressuposto ‘Tertium datur’, que é uma mundividência absolutamente contrária, tanto ao clássico Direito Romano (que foi adoptado pelas Nações da Europa civilizada), como à própria Teologia cristã/católica, quando apreciada criticamente à luz natural da Razão humana!... No CEHC, dizemos e proclamamos que a norma primacial e primordial, para uma boa e adequada Gnóseo-Epistemologia, é a axiomática da Dualidade Epistémica: há uma Verdade para as ciências físico-naturais e outra para as ciências psico-sociais e/ou humanas. O primeiro postulado/mandamento a extrair dessa axiomática é o de que nunca se deverá misturar e confundir Natureza e Cultura, Coisas e Pessoas, Objectos e Sujeitos. Vem tudo isto a propósito do Tema agrilhoante das Crises financeiras→económicas e das Dívidas soberanas dos Estados, que nos maltratam e afligem hoje, com uma violência de apocalipse iminente. Ora, no concernente à apercepção corrente desta problemática, é caso para se responder, com ironia satírica, que Tertium datur: esta solução tem a cobertura (errónea e errada), a) da ‘Mão Invisível’ de A. Smith; b) da mistura e confusão, habituais, das catástrofes naturais (inundações, tremores de terra, furacões…) e das hecatombes das crises financeiras e das dívidas soberanas, que trazem, inexoravelmente, consigo a sempre falsa e perversa solução da ‘Austeritas sola’ (à semelhança da ‘sola fides’ de M. Lutero). Em suma, viu-se a Árvore, mas não se lobrigou a Floresta… à boa maneira da Metodologia moderna que deixou tudo estilhaçado, ‘en miettes’. Entretanto, esqueceu-se, a propósito do Tema em pauta, o bom senso dos Antigos, em contraste com as monomanias modernas. Segundo as tradições mais antigas (já de sociedades em regime civilizatório), as dívidas soberanas eram resolvidas na passiva e na perifrástica, mediante a ocupação activa de representantes dos países credores, nas fronteiras e aduanas dos Estados devedores, com o objectivo e o programa de embolsarem, eles, uma boa parte do dinheiro procedente dos direitos alfandegários, nas transacções externas. Acontecia, por vezes, que as dívidas soberanas conduziam ao ponto de os países em dívida ficarem reduzidos à condição de protectorados ou, mesmo, colónias, face aos Estados credores. A lição que, historicamente, se pode extrair daqui, é que nada era feito instantaneamente, de supetão. O modus faciendi, acordado, era o principal, e o processo levava o seu tempo. Segundo os bons economistas de hoje, as dívidas soberanas não são para ser saldadas num período curto de tempo, até porque esta se afigura uma solução impraticável, sobremaneira, nos dias de hoje, em que as Sociedades nacionais se acham organizadas, segundo as pautas de uma Economia aberta, e os regimes democráticos, uma vez consolidados, não podem ser substituídos, por ditaduras, de um dia para o outro. Desta sorte, é inevitável que fracções da Dívida soberana terão mesmo de ser perdoadas (como aconteceu, v.g., com a Alemanha do pós-IIª Guerra Mundial, que andou a pagar 50


apenas 1/3 da sua Dívida soberana, de 1953-1995, uma vez que os restantes 2/3 lhe haviam sido perdoados pelos ‘Aliados’). A Economia política de uma Nação é uma realidade dinâmica, não estática. Por isso, ela não se compadece, por definição, com um Programa de Austeridade estrita. Tem de haver algum crescimento, mesmo em período de Austeridade, imposta do exterior. Com efeito, o que se corta na Despesa habitual do Estado vai reflectir-se, necessariamente, na diminuição do consumo interno e, por via disso, nas contribuições e impostos, ou seja, do lado da Receita, no O.G.E.. Logo, resulta evidente que não é por essa via que se podem saldar, de um momento para o outro, as dívidas externas de um Estado, a funcionar em regime de ‘Sociedade Aberta’ (Karl Popper). Assim, nunca se pode abandonar, mesmo nestas ocasiões dramáticas, a via do crescimento e expansão económicos, dentro da cartilha do Objectivo-Objectualismo, que é, afinal, a que ainda perdura. É, de facto, nas controvérsias e tergiversações em torno das soluções mais adequadas a adoptar, em tais situações ou conjunturas, que se identificam os parâmetros fundamentais (in actu exercito), sobre os quais assenta a arquitectura societária do Sistema Capitalista tradicional, na Cultura/Civilização do Ocidente, agora em processo de globalização (mais pela negativa do que pela positiva). Dentro deste odre (universalizante), o que a inércia das Sociedades (nacionais) nos pode ditar ou pressagiar, é a suplantação dos Estados/nações pela construção (compulsiva) do Imperialismo (de todos os tipos). Na verdade, a Teologia (hipócrita e supersticiosa) da ‘Mão Invisível’ smitheana conduz, inevitavelmente, a toda essa miscelânea… a mistura e a confusão entre catástrofes naturais e hecatombes societárias, como são as crises financeiras/económicas. Máximo ou mínimo (consoante a índole dos Povos e a avareza das governações de turno), é o ‘Estado/Providência’ e, em última instância, a Divindade (transcendente e extrínseca), que sustentam e fundam essa tal atmosfera ideológica, nos espaços sociais da Cristandade, do Judaísmo e do Islão, e, através desses veículos, no Mundo inteiro: as crises financeiras→económicas são entendidas e assumidas, como se fossem catástrofes naturais. Esta mundividência não tem nada a ver com o ‘Deus sive Natura’ de B. de Espinosa. Não obstante, para os olhares exteriores e superficiais, até pode funcionar, aqui, em termos de ironia satírica, como um autêntico ‘scarecrow’!... De igual modo, assim como o indivíduo, face à Divindade, ao sentir-se deprimido sob o seu pecado, não faz outra coisa senão implorar o perdão, assim também, nos espaços das Cristandades paulinas (e, de ricochete, nas outras duas religiões de ‘O Livro’), não sendo possível as dívidas soberanas serem completamente pagas, é forçoso que elas tenham de ser perdoadas… para que as Sociedades em causa e o Mundo possam prosseguir vivendo!... O prémio Nobel da Economia, Paul Krugman até chegou a propor, ao Governo alemão, em fins de Maio de 2013, um Plano de Inflação e Expansionismo económico, para ajudar a resolver os problemas estruturais, decorrentes da ‘Crise do Euro’. Sintomático, mas… não passam de malhas que o Império (e o imperialismo) alimenta e tece!... Max Weber: ‘A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo’. Aí, deverá saber-se que a problemática nuclear do Psico-Sócio-Ânthropos só foi identificada e resol51


vida a meias… A Responsabilidade (iniciativa, activa, por parte dos indivíduos) é atribuída, de facto, aos indivíduos, enquanto tais; mas a Divindade suprema e exterior continua a existir como um mitema incontornável, para condicionar a actividade dos indivíduos e aplicar a pena no caso de transgressão. Toda a vida dos indivíduos decorre ‘sub judice exteriore’. Ora, essa Liberdade do indivíduo continua a ser uma ‘liberdade esquizofrenada’, ─ é a liberdade do ‘livre arbítrio’ pendular, da qual jamais se poderá sair. É também por isso que, nesta atmosfera ideológica, os germânicos tomam mais a sério a gramática de funcionamento da Economia política, no que toca a dívidas!... Os católicos, em contraste com os protestantes, não se inquietam nem afadigam tanto com as dívidas: estão mais propensos à espera do perdão (prometido pela mítica da ‘salvação vicária’ em Cristo Jesus). Até porque acreditam mais nos ‘padres mediadores’, através dos sacramentos. Não gostam eles, mais do que os protestantes, de ter nos altares das suas igrejas, santos de pedra ou de pau?!... Mas o ‘peca fortiter sed crede fortius’ dos protestantes também se está a estender ao mundo católico…Em resumo: distinguindo os dois estereótipos, em confronto, dir-se-á que há mais disciplina, do lado dos Protestantes; e mais submissão e resignação (e algum desleixo…), do lado dos Católicos. Todavia, em toda esta problemática, não se pode esquecer que todas as Cristandades (chanceladas com o Dualismo metafísico-ontológico de Paulo), católicas, protestantes clássicas ou ‘New Age’, ortodoxas e as ditas ‘orientais’ em geral, todas elas, não chegaram nunca a encarar e resolver o problema máximo do Pisco-Sócio-Ânthropos, ─ o problema da fundação e constituição da Liberdade Responsável primacial e primordial; ficaram paradas no padrão estereotipado (generalizado em todas as religiões, em todo o Mundo…) do ‘livre arbítrio’ pendular. É a eterna ‘lei do pêndulo’ constituída e posta a funcionar às ordens do supremo Relojoeiro divino. J.-P. Sartre e os existencialistas ateus raciocinavam terso e justo: ou o Homem é livre e Deus não existe (o Deus transcendente extrínseco)… ou Deus (transcendente e extrínseco) existe e o Homem não é livre!... Todas as Cristandades e todas as Religiões institucionalizadas, em geral, se encontram feridas pela mesma doença mortífera: foi em nome de um Poder sacral substantivo (transcendente e extrínseco ao universo humano), que elas se constituíram. Por isso mesmo, elas não são capazes de intuir e imaginar/reivindicar a Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. Por isso mesmo, elas não podem intuir o ‘Deus intimior intimo meo’ do filósofo Aurélio Agostinho (nas suas ‘Confissões’). Este ‘Deus’, que é o da mundividência crítica dos Gnósticos judeo-cristãos primevos, constitui o 3º pilar da Consciência (livre e responsável) dos Indivíduos-Pessoas humanos; e, enquanto testemunha, nas operações da Consciência, é o fundamento e uma das propriedades essenciais, na gramática de funcionamento do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. Neste nosso horizonte criticista, um livro como o de Alain de Botton: ‘Religion For Atheists’ (A Non-Believer’s Guide to the Uses of Religion) (Penguin Books, 2013), são guias cegos de cegos: continuam a raciocinar na galáxia do ‘Homo Sapiens tout court’ e dentro da Cultura do Poder-Condomínio, respaldada pelo Dualismo metafísico-ontológico. “De Botton argumenta que o problema com os ateístas modernos é que eles têm negligenciado o propósito original da religião: lidar com a violência, por um 52


lado, e por outro, com os caprichos medonhos e penosos da vida” (‘Good Book Guide’, Junho de 2013, p.15). O autor labora no pressuposto (falacioso…) de que os ateus modernos poderiam encontrar na religião funções úteis e, por vezes, interessantes, até mesmo, ocasionalmente consoladoras. Este modo de pensar paga o seu tributo ao tradicional/estereotipado Dualismo metafísico-ontológico, não conhece o ‘Homo Sapiens// //Sapiens’ da Evolução bio-psico-antropogenética e lança (implicitamente) um anátema aos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos, que, face aos caminhos errados das Sociedades e da Civilização, tenham a ousadia de lutar e exigir a transformação radical das Sociedades humanas. O argumentário (em termos de prós e contras) tem a sua origem (na Cultura e nas Teologias do Ocidente) nessa noção peregrina da ‘creatio ex nihilo sui et subjecti’, para designar a operação levada a cabo pela Divindade criadora do Cosmos e de todo o Universo. Ora, a essa Divindade davam os Gnósticos o nome de ‘Demiurgo’, com um sentido e sentimento de ironia sarcástica. Foi essa Noção que, na Teologia e na Cultura/Civilização do Ocidente, fundou a religião laica do Objectivo-Objectualismo (já condenada no Exodus, 32, 1-6, sob o nome de Iconolatria), a qual, ao longo de três milénios de História, funcionou como um vero Adamastor (camoneano): primeiro, na sua vertente dogmática articulada com os Poderes Estabelecidos, segundo a cartilha da ‘Law & Order’; em segundo lugar, na sua vertente das chamadas ‘ciências positivas e experimentais’, que prometiam rotura com o passado, progresso e democracia, mas não inverteram, radicalmente (como se esperava), o Processo Psico-Sócio-Histórico; ─ a religião laica do Objectivo-Objectualismo prosseguiu, triunfante, a sua marcha imperial/ista e aterrorizadora, guerreira e conquistadora, evitando e impedindo a emergência (natural/social) das Consciências dos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos, como o autêntico motor de Sociedades Humanas dignas do nome. Eis por que, em total antítese da Cultura do Poder-Dominação d’abord, que, proh dolor, ainda perdura e é vigente nas Sociedades contemporâneas, a vera e autêntica Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial ainda não surgiu no horizonte humano e histórico. Até hoje!... Que tem feito a Cultura académica e política, na Civilização Ocidental, ao longo dos últimos quatro séculos de ‘Progresso’ e ‘Revoluções’?!... Acarinhou o ‘livre arbítrio’ sob a falsa bandeira da Liberdade e justificou a escravatura; proclamou o ‘laissez-faire’ em chave libertária. Sempre vítima de ilusões!... A Ilusão e a Mentira (consciente, nas elites…) do Liberalismo moderno (nos dois campos principais: Economia e Política) foram o palmarés da mundividência ideológica da Burguesia ascendente e estabilizada, bem como das outras classes sociais aburguesadas; o Liberalismo, historicamente conhecido no Ocidente, foi sempre inimigo, por definição e estrutura, da Democracia e do ideário (crítico) exigente do regime Democrático. Quase todos os liberais dos sécs. XVI-XX, ou tiveram escravos (ou servos) às suas ordens (no seu household ou nas empresas), ou eram precisamente ‘liberais’ para melhor exercerem a dominação sobre os outros!... A propósito de três livros saídos a público recentemente (na França e na Itália), Lucien Sève e Serge Halimi publicam, autonomamente, dois artigos convergentes (in ‘Le M.D.’, Junho de 2013, pp.22-23), que são dois bons exemplos do Criticismo a 53


empreender: o primeiro tem por título: ‘Chérir la liberté, justifier l’esclavage’; o segundo: ‘Le laisser-faire est-il libertaire?’. Em ambo, se combate e denuncia um discurso (corrente) perversamente oximórico. A tese central, nuclear, resulta clara em ambos: ‘Libéralisme et démocratie n’ont jamais été synonimes’ (L.S., ibi, p.23). Do que se trata é de estabelecer o predomínio da liberdade individual, porventura anti-estatista, dos que têm posses para o fazer; em resumo, a ideologia e a doutrina do Individualismo. O liberalismo clássico dos sécs. XVIXVIII partia das doutrinas de Hugo Grotius, de Adam Smith, de Alexis de Tocqueville, para asseverar e defender as liberdades do indivíduo contra o absolutismo político e os regimes monárquicos, contra o dirigismo económico, contra a dogmática eclesiástica, contra a intolerância filosófica. Esse movimento, que predominou durante quatro sécs., foi erguido pelas ‘revoluções gloriosas’ nos Países-Baixos, na Inglaterra e na América, e compatibilizou-se, durante esse tempo, com a mais horrível das escravaturas: a dos escravos negros africanos, que eram tratados como ‘the racial chattel slavery’, um ‘bem móvel’, do qual o proprietário se podia descartar, em qualquer altura. Nos E.U.A., em 1700, foram contados 330.000 escravos; ca. de 3 milhões em 1800; 6 milhões em meados do séc. XIX. No séc. XVIII, havia na Grã-Bretanha, ca. de 900.000 escravos. Só na 2ª metade do séc. XIX, o Movimento anti-escravatura começou a ter algum êxito. Ainda no séc. XX (1947), o Supremo Tribunal dos USA definia o escravo como ‘uma pessoa que está inteiramente submetida à vontade de outra pessoa’. O tesário habitual, na Cultura ideológica e oficial do Ocidente, costuma pronunciar-se como segue: ‘Serfdom, peonage, forced labor, debt bondage, and villeinage have many features in common with slavery, but are not synonimous with it’ (Grolier Encyclop., 1974). Em suma, as diferenciações institucionalizadas conduzem ao gradualismo, e a percepção gradualista tem o condão de dissimular e desculpar o Mal!... É assim que tudo funciona… em nome da Potestas-Dominação d’abord. Os ‘founding Fathers’ (como G. Washington ou J. Adams), que desencadearam a Rev. americana (de 1776), eram colonos liberais proprietários de escravos, que replicavam aos Ingleses da Metrópole: ‘Nós não queremos ser os seus negros’. L.S. (loc. cit., p.23) comenta a situação como segue: “O que aqui salta à vista, é que o pensamento liberal nunca foi um pensamento autenticamente universalista. As liberdades exigidas ‘para o indivíduo’ não o são, de modo algum, para o conjunto dos seres humanos, mas unicamente para o pequeno número dos eleitos, no sentido duplo do termo, bíblico e cívico”. Um dos pais da doutrina liberal, no séc. XVII, H. Grotius, legitima a escravatura sentenciando, na esteira de Aristóteles: ‘Há homens nascidos para a servidão’!... Trata os insubordinados e revoltosos das colónias holandesas como ‘bestas selvagens’, que desencadeiam uma ‘rebelião contra Deus’, e que devem ser cruelmente castigados com a ‘punição dos culpáveis’. O que aí funciona, por inteiro, é a cartilha (dogmática) do Objectivo-Objectualismo, ancorada na Cultura ideológica do Poder-Dominação d’abord. Concluindo o seu artigo, L.S. (ibidem) deixou-nos, em termos de realismo crítico, este ‘quadro negro’ da Cultura ocidental: “Com o tratamento infligido aos Negros do Novo Mundo, atingiu-se, em matéria de desumanização, ‘cumes difíceis de igualar’. Na Jamaica britânica, ‘um escravo era obrigado a defecar na boca de um escravo cul54


pável, boca que era logo cosida durante quatro ou cinco horas. Nos USA, as crianças das escolas podiam ter um dia feriado para assistir a um linchamento. Um livro publicado em Boston, em 1913, evoca, em título, a ‘solução final’ (ultimate solution) da questão negra. Um investigador americano, Ashley Montegu, escreveu, a propósito do racismo e do nazismo que ‘o monstro que se pôde espalhar livremente pelo mundo é em grande parte criação nossa […], e nós somos responsáveis pela forma horrível que ele assumiu’”. Serge Halimi (ibi, p.22) procedeu à recensão de dois livros recentes: ‘Les Mystères de la gauche. De l’idéal des Lumières au triomphe du capitalismo absolu’ de Jean-Claude Michéa; e ‘La Dernière Leçon de Michel Foucault. Sur le néolibéralisme, la théorie et la politique’, de Geoffroy de Lagasnerie. Do primeiro, diz S.H. que ataca tanto o liberalismo cultural como o liberalismo económico. Para o segundo, os dois liberalismos podem constituir um ‘foyer d’imagination’. Ambos, porém ─ declara S.H. ─, se põem, entretanto, de acordo para os julgar ligados. É, de facto, aí que reside o erro, comum aos dois autores. A questão central, nuclear, reside em torno do pari perdido de Michel Foucault (no Curso que ele deu, no Collège de France, em 1978-1979): a problemática de fundo é a de saber se há lógica, na estrutura das Sociedades modernas, entre crime e castigo, ou se, em determinadas situações, o crime compensa ou não!... Esta problemática nuclear põe-se, na medida em que as nossas Sociedades são construídas do Exterior para o Interior e decima para baixo: do Poder e das elites para as massas submetidas e subjugadas. As teorias e doutrinas dos liberais têm operado (até em função do respaldo a dar às políticas de turno sempre no mesmo horizonte), inevitavelmente, num diapasão de tropismo positivista. E, desta sorte, eles até chegam a legitimar, nos seus cálculos, a chamada ‘economia do crime’, que hoje, ao lado da corrupção sistémica, se acha difundida everywhere. “Se, como pensam os economistas neoclássicos, o criminoso faz o cálculo antes de cometer o seu reato, importa, então, elevar sem cessar o preço do crime (penas intermináveis, apostas probatórias, execuções), na expectativa de levar todos os agentes que ele tenta, ainda, arrolar, racionalmente, a convencerem-se de que o jogo não vale a pena” (idem, ibidem). S.H. é da opinião de que um tal esquema reduziu tudo a cinzas, por forma a considerar como um absurdo a simples associação dos ultraliberais ao liberalismo penal e judiciário. E S.H. conclui (ibidem): “O trabalho intelectual tem de prosseguir. Mas a nossa eventual salvação não surgirá, nem da reinterpretação edulcorada das teorias neoliberais, nem da ressurreição do proletariado do último século”. O que faz falta mesmo, in radice, é toda uma Mudança de Mundo e das próprias Sociedades humanas. Segundo o Pensamento dos Gnósticos judeo-cristãos primevos (que é, também, o de Sócrates e de Jesus), a construção das Sociedades deve ser operada da Interioridade e das Consciências individuais-pessoais para a Exterioridade e a arquitectura das Sociedades e do Mundo; não de cima para baixo, sempre em nome da Potestas-Dominação d’abord. Por isso, a Cultura do Poder-Dominação d’abord tem de ser superada pela Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. Para tanto, carecemos, todos, de uma vera e autêntica Revolução cultural, capaz de florescer em Sistemas Educativos (nacionais), substantivos e re-estruturadores. 55


* ● Economia política, operacionalmente organizada em dois Andares

De acordo com a gramática da Dualidade Epistémica, que rechaça, ao mesmo tempo, a cartilha tradicional, vigente, do Monismo Epistémico, comandado absolutamente pelo hemisfério das ciências físico-naturais, a Economia Política (à sua escala nacional ‘natural’) deverá ser organizada e ordenada em dois patamares ou andares distintos: o rés-do-chão, colectivizado (= o Estado social na sua Função de Distribuição equitativa da riqueza produzida), para todos os cidadãos, que atingiram a maioridade (18 ou 21 anos): qualquer coisa como o ‘salário mínimo nacional’ para todos os cidadãos adultos; o 1º andar, para todo o campo da Livre iniciativa dos indivíduos/cidadãos, constituídos ou associados em empresas ou cooperativas, e produzindo mercadorias para um Mercado livre que, para o ser de facto, terá de ser regulado pelas instâncias superiores do Estado (in actu exercito, dando o exemplo, e in actu signato). O ‘mercado capitalista’ não passa de um ludíbrio e ilusão de Liberdade, onde quem dá o ponto no palco é, em regra, a corrupção ou o egoísmo selvagem e incontrolado!... O que aí predomina é o monopólio, não a concorrência leal. Este Esquema binário na organização da Economia nacional, é muito mais importante e decisivo do que a tradicional bipartição entre Público e Privado, Sector público e Sector privado (ou particular), pela razão fundamental de que a distinção entre os dois sectores se apoia, básica e supremamente, na noção de ‘propriedade privada’, capaz de suplantar o ‘bem comum’ (que sendo de todos não é de ninguém…). Em suma, o que aí impera é o Ter, não o Ser. A divisão entre Público e Privado tornou-se a Alavanca de Arquimedes de todas as perversões e corrupções, na medida em que se baseou: a) no Monismo Epistémico; b) na Cultura do Poder-Condomínio; c) no ‘Homo Sapiens tout court’. O seu consequente postulado de funcionamento foi a religião laica do Objectivo-Objectualismo. Os corolários de toda esta panóplia mecanicística foram: A) a explusão de cena dos Seres humanos enquanto Sujeitos (livres e responsáveis: portanto com Direitos); B) a mistura e a confusão de Sujeitos e Objectos, e a redução das Pessoas a Coisas!.. Neste horizonte pan-envolvente, os confrontos avassaladores e absurdos entre a riqueza e a pobreza, entre os pobres e os ricos, por mais promessas falaciosas que os Governos façam aos Povos, nunca serão resolvidos e superados. ‘Pobres sempre os tereis…’ ─ disse o Homem, Jesus de Nazaré!... Lembram-se desses animais mitológicos, a que deram o nome genérico e funcional de ‘Unicórnios’?!... Assim é, ainda, o nosso Mundo contemporâneo, ‘organizado’ segundo o Sistema capitalista, absolutamente hegemónico, argamassado pelo catecismo

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do ‘Rebanho humano’ e seus ‘Pastores’. Conformismo, consumismo, processos sócio-culturais de verdadeira ‘clonagem’!... Em contrapartida, o Esquema de funcionamento do Pensar do CEHC é foncièrement Dual, e cobra a sua legitimidade básica às escalas gerais do Cosmos e do Universo: Matéria//Forma; Massa//Energia; Protões//Electrões; dois Braços e duas Pernas, nos seres humanos e nos primatas e mamíferos em geral. Esta é, afinal, a Regra do Universo. Uma Pergunta ad hominem: Por que não segue esta Lei (geral) a Economia política?... Em lugar disso, ela continua a ser pensada e programada segundo o catecismo unicórnio do Objectivo-Objectualismo. Precisamos, urgentemente, de conhecer e aplicar a boa gramática para a organização e o funcionamento correctos da Economia política. Os candidatos à governação deveriam, previamente, fazer um tirocínio, nesta ou noutra gramática análoga, para poderem aceder, através do sufrágio directo e universal, ao desempenho das funções de governo (nacional): A) Economia (com dimensão colectiva) para os Sujeitos humanos e sua sobrevivência em condições básicas de Igualdade social. Distribuição equitativa da Riqueza: princípios socialistas elementares, sempre referenciados e atribuídos aos Sujeitos qua tais. B) Economia para o Desenvolvimento e a Investigação, nos horizontes do Objectivo-Objectual, articulando sempre os dois varais da carruagem: a iniciativa individual ou de grupo e o planeamento nacional. A hodierna globalização de processos e meios só faz sentido na base de uma escala do Estado nacional, reconhecidamente substantiva. O enquadramento far-se-á no Mercado (que é preciso ser regulado criticamente… de contrário, seguirá na senda do neoliberalismo capitalista global, que é a do ‘capitalismo selvagem’). A organização binária da Economia política (desde logo, no âmbito dos Estados nacionais) até se impõe, hodiernamente, como um imperativo categórico, para obviar às questões candentes das Alterações Climáticas da ‘era do Antropoceno’. Em primeiro lugar, é sabido que ainda há zonas regionais de interrogação, tais como as relacionadas com o permafrost. Escreveu Viriato Seromenho Marques (in ‘JL’, 29.5 a 11.6.2013, p.29): “Se, por exemplo, o carbono e o metano contidos no permafrost (solo permanentemente gelado) siberiano forem libertados pelo aumento da temperatura, isso significará uma intensificação extraordinária da concentração de gases de estufa”. Em segundo lugar, é imperioso que, em todos os países, a governação seja exercida, segundo uma gramática basicamente comum, e por humanos bem formados e maduros. “As alterações climáticas antropogénicas como assunto científico são um assunto provado no que é essencial. A tarefa, agora, é política. Se queremos sobreviver, temos de efectuar uma reforma radical na nossa democracia. A gente venal, ignorante, e moralmente incapaz que nos governa, intoxicada na cegueira dos jogos de poder, tem de ser substituída por gente adulta. Este mundo, cheio de perigos, tem de ser enfrentado por pessoas crescidas e maduras. Capazes de enfrentar a luz do perigo sem ficarem cegos pelo medo” (idem, ibidem). Por outro lado, a boa gramática (metodológica) da Economia política precisa ser instaurada e estudada nas Academias e Universidades. ‘Les robots ne joueront pas ‘La Traviata’ ‘ (vd. art. homónimo de Pierre Rimbert, in ‘Le Monde Diplomatique’, Junho de 2013, p.3). Só na escola de um Humanismo Crítico nós poderemos concluir, 57


sans ambages, que é ilusória e errónea a corrida à produtividade na Cultura, na Educação e na Saúde. De resto, quando se pretende uma tal perversidade, o que resultou foi o abandono cerce do princípio da Precaução que não foi aplicado, por causa do trend prevalecente do Mecanicismo dos processos e meios. Que o Princípio da Prudência/Precaução não tem estado presente no Processo Civilizatório, é uma realidade super-evidente. Quem não se lembra das ‘chuvas ácidas’ dos anos 50 e 60 do séc. XX?! Em Junho de 1983, uma investigação federal dos USA “descrevia os poluentes artificiais como ‘provavelmente os maiores contribuintes’ para as chuvas ácidas. No fim desse mês, o gabinete de consultoria científica do presidente recomendou ‘reduções significativas’ nas emissões de enxofre. Na Europa, também o governo da Alemanha Ocidental mudou de opinião, depois de cerca de um quarto das árvores das florestas do Oeste alemão terem sido atacadas pelas chuvas ácidas” (cf. Martin Gilbert: ‘História do Século XX’, ed. do ‘Expresso’/2013, vol. 7, p.35). A simples utilização das Tecnologias, dentro do catecismo do Mecanicismo moderno, em nome da produtividade dos ‘Factores de produção’ muda e maquia, por completo, os rendimentos em proveito do capital e em detrimento do trabalho, a favor dos mais qualificados e em desvantagem dos recém-chegados ou sem diploma. Escreve P.R. (in ‘Le M.D.’ cit.): “à medida que os ganhos de produtividade erodem a quantidade de trabalho necessária ao fabrico dos bens industriais, o valor das produções humanas deriva, cada vez mais, dos serviços gulosos em trabalho humano, os quais se situam, frequentemente, no domínio público e do interesse geral”. Já em Abril de 1856, Karl Marx escrevia este parergo em que é mister meditar: “Hoje em dia, cada coisa parece grávida do seu contrário. Nós vemos que as máquinas, dotadas do poder maravilhoso de reduzir o trabalho humano e torná-lo fecundo, fazem-no perecer e extenuar-se. (…) Todas as nossas descobertas e todos os nossos progressos parecem ter, como resultado, dotar de vida intelectual as forças materiais e degradar a vida humana à condição de uma força material” (cit. por P.R., ibidem). Hoje, sabemos criticamente que o Progresso moderno constituiu um processus prenhe de ambiguidades e escolhos. Quantas vezes e em quantas situações da vida, o famigerado Progresso, em vez de emancipar e libertar, escravizou e gerou servidões. (Cf. o magnífico Livro de Poemas, de Herberto Helder, com o título: ‘Servidões’, Assírio & Alvim, Lisboa, 2013). Pierre Rimpert (in ‘Le M.D.’ cit.) concluiu judiciosamente o seu artigo, como segue (ibidem): “Reside aí mesmo o ponto decisivo: a deslocação do centro de gravidade do valor para os serviços colectivos anuncia uma intensificação dos conflitos de apropriação que os envolve. Impacientes em agulheá-los na via da produtividade, com o fito de diminuir os custos, industriais e governantes conjugam já os seus esforços. Para as forças sociais, desejosas de reconstruir veros serviços comuns e de promover a faceta emancipadora da tecnologia, o terreno de batalha já se acha perfeitamente delineado”. Eis por que nunca será demais, com vista a perfilar, criticamente, a vera Economia política nacional, esboçar e propor, no seu Edifício, dois Andares (ou patamares): A) rés-do-chão; B) primeiro andar. O primeiro ou último argumento, para fundar esta construção arquitectónica é a própria Dualidade epistémica (de que já falámos): Desde logo, em nome da sua gramá58


tica positiva. Negativamente, do que se trata é de fugir e evitar toda essa caterva de erros e vícios, decorrentes da religião (laica) do Objectivo-Objectualismo, estribado, por seu turno, no tradicional e enquistado Monismo epistémico (balizado, ditatorialmente, pelas ciências físico-naturais). Este universo ideológico (próprio da Potestas d’abord), que foi explorado à outrance pela Modernidade ocidental, em todos os azimutes, é um Monstro unicórnio, que não fez outra coisa senão cavar exclusões/separações e hierarquias substantivas, cada vez mais e maiores. Por seu turno, a Dualidade Epistémica constitui a via e a metodologia científica para: a) evitar e fugir das ‘naturais’ superstições, que os saberes científicos da Modernidade não eliminaram, em quase todas as áreas da Ciência; b)evitar e impedir que os processos operacionais das estatísticas (de que tanto se tem usado e abusado, contemporaneamente), baseados, precisamente, nas Matemáticas e no generalizado Monismo epistémico das práticas científicas, continue a desencadear todo um mundo de pressupostos (= praeconceptus) menos verdadeiros ou falsos, cuja função é adormecer as consciências dos cidadãos, impedindo, ipso facto, que elas exerçam a sua função de vigilância ético-moral. Na verdade, as estatísticas, que se difundiram e generalizaram, desde há ca. de dois séculos a esta parte, constituem o processus mais ardiloso e smart de iludir e enganar a Realidade dada às populações, subjugadas pelos Poderes Estabelecidos. Numa tal situação (que é a generalizada, mesmo em regimes ditos democráticos…), as consciências dos supostos cidadãos/pessoas, que deveriam manter-se em vigilância crítica, acham-se embotadas e entorpecidas… e continuarão iludidas e enganadas, convertendo a Democracia num ‘círculo quadrado’!... As Estatísticas constituíram-se, efectivamente, como um ramo das Matemáticas aplicadas, e cobrem, hoje, muito especialmente, no hemisfério das ciências psico-sociais e/ou humanas, áreas como a demografia, a natalidade e a mortalidade, as doenças e as patologias psíquicas, o desemprego e o ‘marketing’, sem esquecer todas as operações correlacionadas com a ‘fábrica’ dos Orçamentos Gerais do Estado (OGE). Etc.. Sempre sob as bandeiras do Objectivo-Objectualismo e do Monismo epistémico, a ‘ciência’ da Estatística integrou, actualmente, o chamado cálculo de probabilidades; e, por essa via, ela ganhou uma nova dimensão e alargou, enormemente, o seu campo de actividades. Ao mesmo tempo, as Consciências dos Indivíduos-Pessoas/ /Cidadãos e sua autonomia essencial, na vida das Sociedades humanas, qua tais, foram estilhaçadas e reduzidas a um ‘cuir de chagrin’. Foi, com efeito, por essa via que os cidadãos (mesmo em Sociedades de regime dito democrático) deixaram, em geral, de questionar ideias fundamentais, que dão por sistemicamente adquiridas. O ‘Common Sense’ de Thomas Paine já nem sequer é invocado, como era, ainda, nos sécs. XVIII/XIX. Académicos estudiosos, como, v.g., João Ferreira do Amaral, ainda recorrem à sabedoria do bom senso, para urgir e advogar uma saída alternativa para a ‘Crise’ gravíssima em que se encontra (reduzido à condição de ‘protectorado’…) o Estado Português, integrado na zona/Euro, desde 1986. (Vd. o livro deste economista ímpar, com o título ‘Porque Devemos Sair do Euro’, O divórcio necessário para tirar Portugal da Crise, Lua de Papel, Alfragide, 2013, 2ª ed.).

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Paradoxalmente, o autor apoia, por um lado, a nossa permanência na União Europeia (com a distância necessária) e, por outro, ele reivindica a saída de Portugal da zona/Euro como a única solução possível e adequada para recuperar a Autonomia nacional e ultrapassar a crise. Desde 2008 que a Comissão Europeia, ao cortar com a sua tradição anterior relacionada com o ideário da Confederação de Estados integrados na U.E., se converteu num órgão ao serviço do Neoliberalismo capitalista, comandado hegemonicamente, na Região, pela Alemanha. A abrir a sua introdução ao Livro, o Autor escreveu (ibi, p.15): “A 10 de Dezembro de 1992, sem qualquer pressão internacional e sem nenhum exército inimigo às portas de Lisboa, a Assembleia da República aprovava, para posterior ratificação pelo Presidente da República, o Tratado da União Europeia ou Tratado de Maastricht. Esse documento instituía o caminho para a moeda única, da qual, ao contrário de outros países que recusaram fazer parte da união monetária, não se exceptuava Portugal”. Era a nossa velha ‘tradição esquizofrenada’ (desde a batalha de Alfarrobeira/1449, ignominiosa para a Casa Real reinante) da ‘Maria vai com as outras’!... Ora, é imperioso sabermos, criticamente, que o ‘Senso Comum’, qua tal, ainda não é o ‘Bom Senso’. Este carece de uma nova dimensão: a reflexão e a crítica, autonomizadoras. O ‘Senso Comum’ de hoje moldou as suas ideias (e correspondente articulação e argumentário) a favor e sob a bandeira do Neoliberalismo capitalista global, absolutamente hegemónico. Eis por que as ideias gerais e perversas de um tal ‘senso comum’ (que, via de regra, nunca entram em discussão, nos debates…) precisam de ser questionadas e postas em causa pelas armas da Crítica, para que o ‘Bom Senso’ possa emergir e florescer definitivamente. Para obter bons resultados neste Debate, o Livro ‘NÃO ACREDITE em tudo o que pensa’ (Mitos do senso comum na era da Austeridade), coordenado por José Soeiro, Miguel Cardina e Nuno Serra, (Tinta-da-China, Lisboa, 2013), constitui ‘uma espécie de manual de autodefesa intelectual’ (ibi, p.12). São, aí, estabelecidas três condições para o bom resultado dos debates (p.13), a saber: “A primeira condição desse combate é uma vigilância permanente em relação às palavras escolhidas para descrever a realidade, porque elas contêm já uma interpretação do mundo (feita de ‘ajudas’ em lugar de empréstimos, de ‘empreendedorismo individual’ em vez de escolhas colectivas, de ‘privilégios’ em vez de ‘direitos universais’, por exemplo). A segunda é que se convoquem todos os recursos da razão e as melhores armas da crítica. A terceira é que se rejeite a tentação de vanguardismo, tanto quanto a subserviência acrítica, em relação ao senso comum. Neste livro, a rotura com o senso comum é o primeiro passo para a construção de um outro senso comum, baseado no bom senso igualitário e emancipatório”. Na contracapa do Livro citado, pode ver-se o elenco das principais questões a enfrentar e a resolver: “Temos vivido acima das nossas possibilidades? Gerir um país é como gerir uma casa? O Estado deve ser gerido como uma empresa? Temos de pagar a dívida? O desemprego é uma oportunidade? Baixar os salários é o caminho para salvar a economia? Os direitos dos mais velhos estão a bloquear os dos mais novos? O que faz falta é sermos empreendedores? Há professores a mais e alunos a menos? Quem pode deve pagar mais pela saúde? A Segurança Social é insustentável? O R.S.I. (rendimento 60


social de inserção) é um estímulo à preguiça? Cultura pode viver do mercado? Na escola de antigamente aprendia-se mais do que na de hoje? No tempo de Salazar é que era bom? Os ciganos é que não querem integrar-se? A culpa é dos políticos? Isto não vai lá com manifestações? ─ As perguntas que este livro coloca desafiam o leitor a questionar ideias que se têm imposto como verdades adquiridas e como justificação para a actual política de austeridade”. As chamadas políticas e programas de Austeridade Só (que são absurdos, visto que a Economia nacional é um processo dinâmico e instável, por definição… não estático) têm constituído uma trama ardilosa, que reduziram o Estado/Nação luso à condição de protectorado da Alemanha, a sobreviver em ‘estado de Excepção’. É preciso e urgente desfazer o ‘imbroglio’. O Senso comum só é válido se e enquanto for Senso comum crítico, i.e., Bom Senso. O Bom senso é uma coisa; o Senso comum é outra… Também Descartes se enganou, ao pressupor que o senso comum era a coisa mais bem distribuída no Mundo!... Estava, pois, no caminho justo e crítico Santana Castilho, num paper electrónico (p.2), de 6 de Junho de 2013, ao asseverar: “A confiança, esse valor supremo da convivência entre a sociedade civil e o Estado, foi definitivamente ferido de morte quando a incultura, a falta de maturidade política e o fundamentalismo ideológico de Passos, Gaspar e Crato trouxeram os problemas para o campo da agressão selvagem. Estes três agentes da barbárie financeira confundiram a legitimidade eleitoral, que o PSD ganhou nas urnas, com a legitimidade para exercer o poder, que o Governo perdeu quando escolheu servir estrangeiros e renegar os portugueses e a sua Constituição. Com muitos acidentes de percurso, é certo, a Nação cimentada pela gestão solidária de princípios e valores de Abril está a ser posta em causa por garotos lampeiros, apostados em recuperar castas e servidões. Alguém lhes tem que dizer que princípios que o Ocidente levou séculos a desenvolver não se podem dissolver na gestão incompetente do orçamento. Alguém lhes tem que dizer que o desemprego e a fome não são estigmas constitucionais”. Winston Churchill, nos inícios da IIª G.M., instado pelos seus assessores a fazer cortes financeiros na Educação e na Cultura, para financiar as despesas da guerra, respondeu seca e laconicamente como segue: ‘Se cortarmos na Cultura e na Educação, estamos a fazer esta Guerra para quê?!...’ ─ A Cultura e o Sistema Educativo constituem realidades substantivas, para os Países amadurecidos, que prezam a sua independência e autonomia, e se acham dotados de uma vera e autêntica Sociedade civil. Entretanto, à escala global e aprisionado pela maré-alta do Neoliberalismo capitalista, que está destroçando o filão mais autêntico e humano do Processo civilizatório, o Mundo está sofrendo, atrozmente, de Bulimia energética e de falta de confiança dos Estados uns nos outros. As próprias catástrofes naturais (as mudanças no Clima, as chuvas fora de época e as inundações, como está acontecendo na Europa central) estão a comprovar a falta de Bom senso crítico, tanto a nível das governações dos Estados como no necessário concerto das decisões políticas nos fora da O.N.U.. Onde está a gramática dos usos racionalizados dos ‘recursos naturais’?!... Tudo continua a (dis)funcionar segundo o catecismo da Potestas-Dominação d’abord. Por isso mesmo, se fala, ainda, tanto das chamadas ‘Teorias da Conspiração’, 61


cuja realidade denuncia dois fenómenos gémeos: a) a falta de confiança dos cidadãos face aos Poderes estabelecidos e a falta de confiança dos Estados-Nações uns nos outros; b) a persistência incontornável da cartilha do Poder-Dominação d’abord everywhere e sua Cultura ideológica. Os cidadãos/ãs não são estúpidos… São os Poderes estabelecidos que os pretendem fazer tais!... As ‘Teorias da conspiração’, forjadas em nome e em função da busca da Verdade psico-sócio-histórica, constituem o resultado dessa presença irredenta da Cultura do Poder-Condomínio. A Internet, no Ciber-espaço, é, hoje, o meio privilegiado para a difusão das ‘Teorias da conspiração’ e a consequente perda de confiança das pessoas umas nas outras e dos Estados uns nos outros. Os terrorismos de todo o tipo (seja os oriundos de baixo, de grupos fundamentalistas, seja os procedentes de cima, dos próprios Estados, no seu vezo de controlar tudo!...) aproveitam a boleia. Dir-se-ia que o Mundo, no seu conjunto, nunca esteve tão perigoso!... O caso recente de Edward Snowden (ex-funcionário da CIA), que parece ter transmitido documentos secretos dos USA aos Media. Face ao receio de ser apanhado e preso pela N.S.A. (National Security Agency), refugiou-se, 1º em Hong-Kong; depois, ter-lhe-ão sugerido na Islândia ou na América Latina. É sabido que a China pretende controlar ideologicamente a Internet. Os USA (segundo a declaração de Obama, em 10.6.2013) argumentam que a sua ‘videovigilância’ passiva, centrada no número dos intervenientes e no tempo de cada intervenção na Web, se destina tão só a preservar e a defender a liberdade e a democracia dos cidadãos. Quem vai acreditar na justificação piedosa?!... Activa ou passiva, serão de natureza diferente os dois tipos de ‘videovigilância’ exercida dapertutto?!... Em geral, as Tecnologias contemporâneas foram atiradas para o Mercado, sem cumprirem a condição de ‘Tecnologias Adequadas’ e específicas para os diferentes serviços e usos (como nós demonstrámos no nosso Livro ‘Em Torno das Novas Tecnologias e da Nova Economia’, Edicon, São Paulo, 2000). Ateou-se um fogo na Floresta societária, que agora não há meios decentes para o apagar!... Em regime democrático. Na Moral clássico-tradicional aprendia-se a ser circunspecto e criticamente sensato, diante da acção ou das actividades postas em marcha. Era necessário considerar se elas tinham um só efeito, ou duplo efeito (um dos quais era bom e outro era prejudicial…), ou n + 1. Desta sorte, a perequação resultava, por vezes difícil e complexa… o que chegava a levar à própria retirada da acção em causa. Ora, o Mundo de hoje está cada vez mais reduzido à Teoria do Rebanho humano, conduzido por um só Pastor, ou… quanto menos melhor!... Estado do Equador (América Latina): 25/5/2013. Discurso prévio à ceremónia da tomada de posse do Presidente da República do Ecuador, Rafael Correa. O celebérrimo Discurso foi proferido pela Presidenta de la Asamblea Nacional del Ecuador, Gabriela Rivadeneira Burbano. Além de uma boa peça oratória e literária (pronunciada de cór = excorde), tratou-se de uma notável Lição psico-sócio-política, polarizada segundo o que ela chamou Revolución ciudadana. O seu Leit-motiv: inverter a pirâmide societária das rígidas hierarquias tradicionais estabelecidas. Lembrou que o padrão psico-social a instaurar teria de ser inspirado na célebre Utopia de Thomas More, onde, além dos recursos necessários e suficientes para disfrutar uma vida boa, era imperioso que as So62


ciedades humanas organizadas se empenhassem activamente na paz e segurança dos cidadãos/ãs, sem esquecer a sua necessidade vital de serem felizes. Banir toda a submissão e servidão, constitui, pois, um imperativo categórico básico, de ordem psico-societária. A Independência de uma Nação deve significar e ter a sua expressão na efectiva Autonomia dos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos. Grandes ou pequenas (na sua grandeza geográfica), as Nações deverão ser consideradas em pé-de-igualdade. Não mais, no futuro, qualquer espécie de Neocolonialismo, por parte dos Países maiores e mais ricos em confronto com os mais pequenos. Em suma, um bom exemplo/padrão do que o CEHC designa por horizonte da Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. Sabemos, por experiência, como é difícil lutar, sem tréguas, pela concretização da UTOPIA, ao longo da História das Culturas e das Civilizações, nas desordenadas e conflituosas, nas divididas e rigidamente organizadas Sociedades humanas, sempre a partir da Potestas-Dominação d’abord. Ao tentarem pôr em prática a Sociedade Ideal, as próprias Revoluções sociais, modernas e contemporâneas, puseram em marcha, primeiro, processos revolucionários sangrentos e de extrema violência, e depois, constituíram regimes políticos, onde a Liberdade e a Democracia foram cerceadas ou exterminadas. Vieram as distopias e foi extinta a Utopia. Por quê? Por duas ordens fundamentais de razões ou argumentos ideológicos: a) a religião laica do Objectivo-Objectualismo permaneceu intocável; b) o Imaginário humano continuou amarrado aos Esquemas das Religiões institucionalizadas, que dão pelo nome genérico do Dualismo metafísico-ontológico, que procede de Zoroastro e de Platão e entrou completamente na Casa de Saulo/Paulo, o auto-designado ‘Apóstolo’, que fundou o Cristianismo. Em tal horizonte, a Anarquia e os anarquistas foram sempre esconjurados, anatematizados e eliminados. O próprio J.-J. Rousseau (em 26 de Julho de 1767) arguía, assim, para o mais velho Mirabeau: ‘O seu sistema é muito bom para as gentes da Utopia; é sem valor para os filhos de Adão’!... Ora, enquanto a Humanidade prosseguir na crença de que houve ‘paraísos perdidos’ e será necessário re-construir os ditos ‘paraísos’ no futuro, não saímos da Cultura tradicional do ‘Homo Sapiens tout court’ e, ao mesmo tempo, não fomos capazes de integrar o pensamento crítico da Anarquia, que é, ipso facto, metade do Pensamento e do Ideário da Utopia. O que nós perdemos foi o Pensamento crítico e o exemplo de Sócrates e de Jesus, bem como a doutrina dos Gnósticos judeus e cristãos primevos da escola filosófica de Alexandria. Foram eles que nos ensinaram o Ideário certo, para a edificação da vera e justa Sociedade Humana do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. A propósito desta temática, nem a obra do académico inglês Gregory Claeys: ‘Searching for Utopia’/The History of an Idea (Thames & Hudson, Londres, 2011), conseguiu ultrapassar o comum e tradicional estado das Questões em torno de toda esta Problemática. Nem sequer foi rompido o cerco da concepção cíclica da História e do seu núcleo duro, o ‘eterno retorno’.

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● Em busca de padrões no Processo Civilizatório, a partir da galáxia da Cultura/Civilização do Ocidente.

N.B.: Esboço para uma análise crítica, no horizonte da Civilização Ocidental e da Globalização/Mundialização hodierna, a partir dos protagonismos psico-sócio-históricos da tripeça de Nações/Estados: França, Grã-Bretanha, Estados Unidos da América (U.S.A.). Sendo embora sumária, a caracterização a que procedemos procura ser estrutural-estruturante, no que tange a necessária simbiose dos perfis (psico-sócio-históricos) dos três Estados/Nações em causa. É a partir daí que se pode desenhar o quadro para uma formação (e formatação) adequada da União Europeia hodierna e com futuro. É de todos sabido que a U.E. se encontra numa encruzilhada grave, que é de vida ou de morte: para além da Crise financeira→económica, que está afectando (em maior ou menor grau) quase todos os 27 países da U.E., há questões estruturais sérias, que permanecem, ainda, sem solução: ─ o primado (atribuendo) às Culturas (nacionais), em confronto com os graves desvios do Economicismo; ─ a União Bancária, capaz de ajudar a resolver as dívidas públicas dos Estados ‘assistidos’; ─ o modelo da Confederação dos Estados no seio da U.E., em detrimento do novo imperialismo em curso, com a Alemanha no posto de comando, e tentando imitar o modelo da (actual) Federação de Estados dos U.S.A.. A) Os U.S.A. (a partir do processus da Guerra da Independência, 1776 e ss.) foram evoluindo e ganhando a sua formatação como ‘República Imperial’, como H. Kissinger gostava de os nomear. A sua simbiose cultural e política foi edificada, principalmente, com os elementos, ideários e regimes administrativos oriundos da França e da Grã-Bretanha, as duas Nações principais que balizaram e moldaram a Modernidade ocidental. No que à Grã-Bretanha concerne (a potência metropolitana, colonizadora), os U.S.A. receberam um legado que veio a consistir, fundamentalmente, no tipo de cidadão/trabalhador, amante da sua liberdade e com grande capacidade de iniciativa. No que tange a formatação do Estado e código de funcionamento do Aparelho de Estado, o legado recebido pelos U.S.A. foi, antes, o da França: Forças Armadas segundo o padrão napoleónico (avant la lêttre), ou seja, a conscrição de cidadãos maiores de idade, capazes de pegar em armas (como já era costume na Roma antiga, na era do Império). Herdaram, igualmente, da França a concepção administrativa/militar da Soberania nacional e o figurino do Estado soberano. No processo da Guerra da Independência dos E.U.A., sob o comando do general Washington (1776), o grosso da colaboração e da amizade pronta foi efectuado por parte da França (que assim fazia o seu ensaio geral para a ruptura próxima da Revolução Francesa, que iria eclodir em 1789), na pessoa do general La Fayette. No séc. XVIII, a potência maior (em riqueza e força militar), no Ocidente europeu, era representada pela França. Dir-se-ia que o imperialismo francês detinha as rédeas à escala europeia e do Mundo. As invasões napoleónicas de países limítrofes, na 1ª 64


década do séc. XIX, foram, paradoxalmente, o canto do cisne do imperialismo da França. A partir de meados do séc. XIX, graças ao protagonismo da Inglaterra na revolução industrial (já a partir de meados do séc. XVIII), o imperialismo inglês toma o lugar do francês, e, com as ajudas da Commonwealth, consegue alargar as influências do Ocidente, um pouco por todo o Mundo. No séc. XX, logo a seguir à IIª Guerra Mundial, é a vez de assomar ao palco o imperialismo dos U.S.A., que alarga, à escala do Mundo, o seu poderio económico e tecnológico, graças, inclusive, à sua superioridade militar. O período da chamada ‘guerra fria’ (entre o final da década de ’50 do séc. XX e 1991, com o colapso da U.R.S.S.), que foi um equívoco e uma farsa trágica entre as duas superpotências, uma vez que se pressupunha, então, (falsamente), que a rivalidade entre elas se fundava em sistemas económicos diferentes (Socialismo//Capitalismo), chegou, naturalmente, ao seu termo, com a supremacia hegemónica, militar e tecnológica, sobre todo o Mundo, por parte dos U.S.A.. Dissémos que foi um equívoco e uma farsa trágica a rivalidade entre as duas superpotências, supostamente oriunda de dois sistemas económicos diferentes: o soviético, que era apregoado como Socialismo/Comunismo, de um lado (que a ideologia vulgarizada, no Mundo de então, assumia como Alternativa ao Capitalismo tradicional impenitente e conquistador) e do outro lado, o Capitalismo liberal norte-amerciano. J.K. Galbraith (assessor de J. Kennedy para a Economia) demonstrou, no seu livro ‘O Novo Estado Industrial’ (1969), que o sistema construído na U.R.S.S., a partir da N.E.P., não era outra coisa senão uma variante do Capitalismo: o que, na doutrina clássica, se chamava ‘Capitalismo monopolista de Estado’. Socialismo não era, ─ sabia-o já António Sérgio e o CEHC, visto que o Sistema verdadeiramente Alternativo ao Capitalismo é edificado a partir dos Sujeitos humanos livres e responsáveis, através das vias do Cooperativismo, e não segundo o catecismo dessa religião laica que é o Objectivo-Objectualismo. À Economia de cada Estado-Nação têm chamado os investigadores clássicos e neoclássicos ‘Economia política’, para a definirem e classificarem no seu contraste com a ‘Economia doméstica’ (de cada ‘household’) e no quadro das políticas económicas de cada Estado-Nação. Por outro lado, a Política e a Politologia têm sido estudadas pelos académicos e pelas Universidades como se constituíssem uma Área científica autónoma e separada, em confronto com a Economia política. Esta é só uma ‘meia-verdade’ e, in radice, um erro (próprio, aliás, da gramática gnóseo-epistémica da Modernidade ocidental). Foi nesse caleidoscópio furta-cores das duas Áreas supostamente autónomas e separadas (a Política e a Economia política) que se foi engendrando a teoria/doutrina da ‘Democracia representativa indirecta’ como a única via dos regimes (ditos) democráticos e, ao mesmo tempo, se ratificou o estatuto da compatibilidade do Sistema Capitalista com o Ideário da Democracia e das Repúblicas Democráticas. Foi, ainda, nessa atmosfera ideológica que a Modernidade ocidental nunca teve fôlego para aprofundar criticamente o Ideal (já helénico e hebraico) da vera Democracia. Foi, ainda, nessa atmosfera ideológica que a forja do modelo, societariamente estrutural, do Império foi expandido por toda a parte como se de um ‘regime democrático’ se tratasse; ao mesmo 65


tempo que não se lobrigava qualquer contradição estrutural na convivência das Monarquias com os regimes democráticos, desde que as primeiras, obviamente, fossem ‘constitucionais’. As Nações/Estados, que são Repúblicas Democráticas, olham-se e vêem-se umas às outras em-pé-de-igualdade jurídico-político, independentemente do seu tamanho geográfico e da sua riqueza económica. Ora, é justamente a partir deste postulado-pressuposto, na convivência pacífica entre as Nações, que se chega à conclusão evidente de que o Sistema capitalista foi, é e será, enquanto tal, inimigo feroz e jurado de todos os regimes democráticos, que se prezem, e, enquanto perdurar, constituirá a forja alimentadora de toda a sorte de Impérios. Eis por que são embusteiros e falsos (em última instância) todos os ‘regimes democráticos’, que se vestem no guarda-roupa do Imperium. A História de mais de dois milénios da Antiga Roma já nos deveria ter ensinado a sua Lição padronizada: o seu processo histórico foi escandido em três idades distintas e inconfundíveis: a Monarquia, a República, o Império. No séc. XX, após duas Guerras Mundiais, o Padrão do Império foi transmitido, pelo Ocidente europeu, aos U.S.A. (a outra face da Civilização Ocidental), num esquema que poderemos considerar quádruplo: em termos económicos, políticos, tecnológicos e militares. A sua hegemonia, nos últimos oitenta anos, tornou-se manifesta nos quatro lados do quadrilátero. Neste contexto, o oxímoro de H. Kissinger, a República Imperial dos E.U.A., é uma fórmula com semântica apropriada, por um lado, e por outro, com terríveis consequências, algumas positivas, mas muito mais, negativas. Os 50 Estados que integram, hodiernamente, os USA constituíram-se segundo o modelo da Federação de Estados (após a experiência inicial do esquema da Confederação). É neles muito forte o sentido da Coesão e da Comunidade nacional, ─ a Nação, baseada na convivência pacífica de grupos étnicos e linguísticos, que se deixaram unificar, muito especialmente, através da língua materna da Metrópole (colonizadora) inglesa. A Nação foi moldada pelo espírito pioneiro e empreendedor dos e-imigrantes, que rumaram para a ‘Terra da Promissão’, com o fito de construírem uma ‘Nação Nova’. Era, pois, imperativo (ético-civilizacional) que vingasse a dimensão nacional, o espírito da unidade nacional, argamassado com o pioneirismo civilizatório. Mas há dois Adamastores, que, à maneira da Cassandra agoirenta, pairam, hoje, sobre a Nação norte-amerciana: a) o espírito de Conquista e Dominação (específicas do modelo imperial) e o Neoliberalismo capitalista selvagem, que não resolve os problemas da pobreza e da miséria; b) o potencial militar e bélico da Nação e o próprio vezo individual das armas (destilado pela própria Constituição). (Não esquecer que os E.U.A. possuem, contemporaneamente, uma panóplia de armamento, cuja soma é superior ao conjunto das armas dos restantes Estados do Globo). No quadro crítico-analítico, que temos vindo a esboçar, os USA (pelo menos, desde 1928, quando o trio dos fundadores da saga do petróleo: um escocês, um americano e um holandês, deram início à cumplicidade monopolística das chamadas ‘Sete Irmãs’/as Firmas multinacionais da exploração do ‘ouro negro’ por tudo quanto é sítio na Terra de Adão e Eva…) são o exemplo/padrão, por antonomásia, de um (suposto) Regime democrático ao serviço, indiscutível e incontornável, da Economia política. O caso do patrocínio e do apoio ao golpe militar de Pinochet, no Chile democrático e so66


cialista de Salvador Allende (11 de Set. de 1973) constituiu a prova real insofismável da tese afirmada. Mas há, aí, sempre casos positivos, que nos surpreendem e impressionam. Por exemplo, o modo como os USA e seu Governo tratam o chamado ‘sigilo bancário’, em contraste com ‘o Velho Mundo’: os bancos, mesmo estrangeiros, que tenham clientes de nacionalidade americana, são instados a acusar a sua presença, sob pena de verem a sua taxa de contribuição fiscal agravada para 30%. Na U.E., apesar da Crise e da Depressão continuada, ainda não puseram termo aos ‘offshores’ ou paraísos bancários, nem acabaram com o ‘sigilo bancário’. Nem sequer separaram as águas entre bancos de poupança e aforro e bancos de investimento. Entretanto, ─ sublinhe-se à puridade ─, o Sistema capitalista, voraz e selvagem por definição e natureza, é absolutamente incompatível com o ideário da vera e autêntica Democracia, uma vez que o Mercado capitalista, baseado no Egoísmo (como virtude!...) e no Lucro d’abord, não tem pátria/mátria e é imperialista/globalista, por definição. E, aqui, há mesmo um Tertium datur, que os modelos imperiais e o chamado ‘Free Market’ desconhecem: o Estado Republicano Democrático. Eis por que não deixa de ser paradoxal e cínico que, nos espaços da U.E., o declínio actual e a sistémica deliquescência dos direitos cívicos e democráticos, em suma, os direitos humanos elementares e constitucionalizados, sejam designados com a expressão contabilística ‘déficit democrático’.Os cidadãos foram expropriados das suas próprias instituições, tornando-se cada vez maior o fosso entre dirigentes e governantes, dum lado, e os cidadãos e o povo, do outro. (Cf. ‘Manière de Voir’, Junho/Julho de 2013, pp.80-81). B) Socialismo num só País (como pretendeu Lénine) ou Socialismo em vários Países, em simultâneo (como pretendia Trotsky)?!... Respondendo já à questão, nem uma coisa nem outra… na medida em que o pano de fundo, aí presente, continua a ser a religião laica do Objectivo-Objectualismo, que logo passa a discutir, em esquema de Alternativa excludente, a problemática do Plano central ou do Mercado. A história das revoluções ditas socialistas (ao longo do séc. XX) confirmam à saciedade a Tese agora afirmada. É que o vero e autêntico Socialismo só se pode edificá-lo, no cincho da Liberdade substantiva dos Humanos, i.e., a partir dessa âncora que são os Sujeitos Humanos, livres e responsáveis. Neste contexto crítico, até a clássica e tradicional divisão político-partidária entre Esquerdas e Direitas (oriunda da Revolução Francesa de 1789-95) pode e deve ser posta em causa, uma vez que tudo continua a ser pensado e discutido a partir da sempiterna cartilha do Objectivo-Objectualismo. Faria, v.g., muito mais sentido ─ isso sim ─ repartir o leque dos Partidos no hemiciclo do Parlamento, em Partidos humanistas e Partidos do Humanismo crítico. A construção da U.E. (em curso desde o Tratado de Roma, 1957), enquanto Movimento e Instituições em progresso, deveria ter a coragem e a ousadia de se pôr todas estas questões estruturais/estruturantes: pelas razões fundamentais de que constitui uma grande ilusão e um erro mortífero tentar a sua construção segundo o modelo clássico da Federação de Estados, como aconteceu nos U.S.A.. Apesar de tudo, a Psico-Sócio-História evolui e progride, nas duas vertentes: a) na dos 67


Objectos e das Exterioridades materiais; b) na dos Sujeitos humanos e da Interioridade espiritual. Constituiu um grave Erro histórico os movimentos sindicais e políticos (sem esquecer os Partidos) da Velha Europa e, muito em especial, da U.E. terem abrandado ou, mesmo, posto de parte, a Luta pelo Socialismo, resignando-se a esta ‘maré alta’ do Objectivo-Objectualismo, que decorre desde o colapso da U.R.S.S. (1991), e que às classes operárias e às massas trabalhadoras só trouxe mais servidões, trabalho precário e desemprego em percentagens nunca antes ocorridas. A Lição e o labirinto das últimas três décadas sombrias e trágicas podem aquilatar-se, razoavelmente, no artigo de Serge Halimi: ‘Pour la gauche, une utopie de rechange’ (in ‘M.V.’ cit., pp.24-27); no de Bernard Cassen: ‘Les vois d’une réorientation’ (loc. cit., pp.92-94); e no de Paul Thibaud: ‘Feuille de Route pour un projet commun’ (loc. cit., pp.95-97). Uma ideia matricial comum aos três Autors é a seguinte: são outros e qualitativamente diferentes os Tempos de Hoje, em contraste com a arquitectura societária, que vigorou no período dos ‘Trinta Gloriosos’ (1945-1975). Por exemplo: No horizonte do Objectivo-Objectualismo, que é a cartilha segundo a qual ainda funcionam Governos e Parlamentos (sem esquecer os académicos e as Universidades), o Projecto de construção do Socialismo (de uma Sociedade socialista) deu lugar a todo um feixe heteróclito de Objectivos, que podem ser agrupados em dois Temas principais: preservação e defesa da coesão social; e promoção do balizamento e da orientação comunitárias. Como é óbvio, nos próprios Parlamentos, são mais as Esquerdas do que as Direitas que andam à nora… E, não obstante, a sabedoria e a capacidade de preparar o Futuro digno da Espécie estão do lado das primeiras. No artigo de S.H., procura-se uma utopia de substituição, em que a Esquerda se possa e deva empenhar, ─ a que procede já da ‘escolha’ do ‘Front populaire’ de Léon Blum (1936): Totalitarismo solitário ou Democracias solidárias. O texto de S. H. está bem resumido no abrégé da janela do artigo, como segue: “Desde sempre, a concretização das políticas de esquerda está confrontada com os ‘constrangimentos externos’. Com a adopção dos tratados europeus, essa pressão acentuou-se, nomeadamente sob a presidência de François Mitterrand. Progressivamente, os imperativos da construção comunitária levaram a melhor sobre os do socialismo”. Por que resultou tão evidente esta Tese e foi tão generalizadamente aceite, sem discussão, em todo o espaço europeu? ─ A) Porque o Sistema capitalista (impenitentemente reinante) deixou de ser questionado, nas suas maldades e perversidades congénitas, sobremaneira depois do colapso da U.R.S.S., supostamente interpretada como bandeira alternativa ao Capitalismo imperante everywhere; B) Porque, em toda a Tradição da Modernidade ocidental, as políticas de turno estiveram sempre submetidas e acorrentadas ao Sistema económico vigente (o Capitalismo); C) Porque, em termos críticos, a própria religião laica do Objectivo-Objectualismo nunca foi posta em causa pelas próprias Ciências. S.H. pôs em evidência os chamados ‘constrangimentos exteriores’. Isso, porém, não vai postular, nem a teoria ‘errada’ do ‘Socialismo num só país’, nem o erro da teoria oposta do ‘Socialismo em vários países’, na medida exacta em que o vero e au68


têntico Socialismo se constrói a partir dos Sujeitos humanos livres e responsáveis, e não segundo o catecismo do Objectivo-Objectualismo. O próprio S.H. se deu conta de que, após 1983 (com Mitterand a presidir aos destinos da França), era preciso aprofundar a ruptura com o capitalismo, desde logo, limitando as importações e pondo em prática o velho princípio de ouro da boa Economia política (vd. ibi, pp.26-27), ou seja: Estados e cidadãos devem contar, primeiro, com as suas próprias forças e recursos!... ● É preciso e urgente repensar a U.E., na perspectiva da proposta de Thomas J. Sargent (1788-1790). Os U.S.A. ensaiaram a sua Constituição no Esquema do Federalismo (um federalismo que, nos inícios, se aproximava do modelo confederativo). Ora, hoje em dia, a U.E. terá de estudar essa proposta, sob duas condições básicas: A) o Federalismo simples engendrou o Império, o Sistema capitalista (uniformizador) e o Mercado capitalista, bem como toda a selvajaria que o moderno Processo civilizatório conhece, com as diversas guerras utilizadas para obter a paz… uma paz que, em tal contexto, será sempre uma ‘paz de armistício’ ditada pelo mais forte. Os princípios ético-morais sentenciam: ‘Non facienda mala ut eveniant bona’; e ‘os fins não justificam os meios’. B) Neste horizonte, já se vê que o Federalismo complexo é a única via que serve à U.E., tanto por força da história real longa dos seus povos e Nações/Estados autónomos, como em virtude das suas línguas e culturas nacionais diferenciadas. Ora, a este modelo de Federalismo complexo dá-se o nome de Estrutura de Confederação. Desta sorte, a U.E., enquanto Confederação de Estados (com uma longa história de autonomia política e uma diversidade de línguas e culturas nacionais) terá de respeitar duas exigências fundamentais: 1ª ─ Uma Economia socialista, capaz de garantir e salvaguardar, a todos os seus cidadãos, um nível igualitário e fraterno de sobrevivência digna; exemplo: salário mínimo nacional de base, para todos os indivíduo adultos, enquanto Sujeitos/ /Cidadãos. 2ª ─ Uma Economia de Mercado, regulado pelos Estados integrados, em conjunto. Edificar-se-ia, assim, uma vera União (de face dupla), na vertente dos Sujeitos, e na vertente do Objectivo-Objectual. Convirá afirmar e concluir que, sem as duas vertentes ou patamares, a organizar estruturalmente a vida sócio-económica dos indivíduos e dos povos, não haverá saída digna e justa e pacífica para a U.E.. Além do mais, como a História demonstrou que o Capitalismo não resolve os mais graves problemas dos Povos e das massas trabalhadoras, resta o postulado de que um tal padrão/modelo da U.E. bem poderia servir de exemplo a imitar pelos restantes Países do Mundo. Como tem defendido o C.E.H.C. (nomeadamente em ‘Natal Jesuânico’/2008: ed. port.; ou ‘Panorama Crítico da Actualidade sob o signo do Jesuanismo’/2008: ed. bras.) é mister lembrar, a propósito, que o axioma jurídico da Igualdade sócio-jurídica dos diferentes Estados/Nações, independentemente da sua grandeza, potência bélica ou financeira, terá de ser praticado e cumprido, quanto mais não seja, com vista a esconjurar e a banir todas as formas de imperialismo no Mundo (desde logo, o que é insinuado através do modo de produção capitalista). Que vemos hoje, à escala do Globo terrestre? A Ordem neoliberal dapertutto!... Na própria U.E., nesta Velha Europa ocidental, que pretendeu, nos últimos cinco sécu69


los da Modernidade, não apenas ser ‘mestra de civilização’, mas, antes, mais grave ainda, exercer o seu magistério mediante a Conquista e a Dominação de outros povos e nações… Como poderia ela, neste contexto, olhar para os indígenas, os negros e os ameríndios, em humano pé-de-igualdade?!... Não faças aos outros o que não gostas que te façam a ti! Este clamor não é oriundo só dos evangelhos ditos cristãos… Ele irrompe do fundo dos Tempos, desse que emergiu, na Evolução, o ‘Homo Sapiens//Sapiens’. Os últimos dois tratados (sob a liderança da Alemanha de A. Merkel), celebrados em 2012: o da estabilidade, da coordenação e da governança e o do mecanismo europeu de estabilidade, ─ constituíram um verdadeiro Golpe de Estado nos Países membros da U.E.. Foram a porta aberta para a chancela final no Edifício neoliberal. São textos castradores, que transformam os Parlamentos e os orçamentos nacionais em ‘peões das nicas’, sob a tutela tecnocrática hierarquizadora e uniformista (cf. ‘M.V.’, cit., pp. 38-40). Os dois tratados, não só domesticaram a Confederação europeia dos Sindicatos, como, por cima de tudo, converteram a dita Confederação numa ‘correia de transmissão do patronato europeu’. Em resumo, o que os dois tratados concretizaram foram os interesses e as vantagens para os banqueiros e a tecnoburocracia, em detrimento das populações, que ficaram mais desprotegidas e abandonadas. A hegemonia absoluta de Berlim tornou-se um facto insofismável, como explica o artigo de Perry Anderson (ibi, pp.52-56). “Abandonando a modéstia do pós-guerra, a Alemanha afirma-se como a potência dominante no Continente. A França, desprovida de projecto colectivo, apoia Berlim na promoção das políticas de austeridade impostas aos povos. Abre-se o fosso entre as populações e os seus dirigentes, sobre um fundo de injustiças sociais” (idem, ibi, p.52). “Para funcionar, a União requer que o Estado mais forte em população e riqueza lhe faculte coesão e direcção. A Europa tem necessidade da hegemonia alemã, e os alemães devem deixar de se mostrar tímidos no seu exercício” (idem, ibi, p.55). A semântica destas constatações à flor da Terra põe em evidência dois factos geminados incontornáveis: a) a U.E. parece não conhecer outra realidade societária senão o Neoliberalismo capitalista global; b) a sobrefinanceirização avolumou-se, monstruosa, na medida exacta em que a Europa perdeu o sentido de ‘uma comunidade de destino’. No próprio Parlamento europeu, em Estrasburgo, a Crise financeira/económica está a condicionar e a castrar as posições e as intervenções dos Deputados. Aí, “a clivagem entre direita e esquerda quase não existe. Os deputados agrupam-se em função do que, a seus olhos, favorece ou desfavorece a construção comunitária. Todavia, o êxito do Mercado comum, alargado aos países do Leste em 2004, revela que a sorte da União se acha ligada à do modelo social-liberal”. (Anne-Cécile Robert, ibi, p.10). Até a partir do Parlamento europeu de Estrasburgo se constata a panenvolvência do odre contemporâneo do social-neoliberalismo!... Numa atmosfera ideológica de muita confusão e ideias etereotipadas, é frequente democratas-cristãos e socialistas misturarem os seus votos em deliberações surpreendentemente comuns. É a eterna e real oposição entre as elites e as massas… A história da Europa está ligada visceralmente ao liberalismo. As elites autonomizaram-se no seu confronto com as massas. Se o sufrágio universal é ainda admissível, isso acontece na medida em que o processus interessa e favorece as elites, em confronto com as massas e os súbditos em 70


geral; é por isso que a nata dos neoliberais procura cingir-se de slogans e fórmulas como a ‘Europa social’. Assim, permanece a tensão continuada entre o ‘mito Europa’ e a sua amarga e triste realidade. São, afinal, as teias que o Império tece, oriundas das religiões institucionalizadas e da sua âncora fundadora, o Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo. Por que é, assim, tão difícil e escabroso o Caminho? Porque a Cooperação organizada, na base de vantagens e interesses comuns, com objectivos pacíficos, pressupõe e exige a edificação prévia de uma vera Comunidade, com a plena aceitação de uma disciplina requerida. Ora, só procedendo a esta avaliação séria e honesta, se pode chegar a uma conclusão certa e boa perante o eterno dilema encalacrante: Totalitarismo solitário ou Democracia solidária?!... A 23 de Março de 2007 (comemorando os 50 anos sobre o Tratado de Roma de 1957), os chefes de Estado e de Governo proclamaram: “A Europa é o nosso Futuro comum”. E acrescentaram: “A unificação europeia trouxe-nos a paz e a prosperidade. (…) Foi graças ao desejo de liberdade dos homens e das mulheres da Europa central e oriental que nós pudémos pôr termo definitivo à divisão artificial da Europa”. (Cf. ibi, p.4). Entretanto, alarga-se e aprofunda-se, cada vez mais, o fosso entre as elites e as massas, os governantes e os governados. A U.E., proh dolor, continua a disfuncionar e a produzir cacofonias sob a batuta da sempiterna Cultura da Potestas-Dominação d’abord. O que, hodiernamente, se está a verificar, a uma escala assustadora, é, numa fórmula acertada, ‘l’Éclatement de l’Union Européenne’, por força do comportamento e da actuação do maior Estado-membro, a Alemanha: a (dis)funcionar nos esquemas financeiro-economicistas do neoliberalismo irredento e do capitalismo imperialista. ‘In omnibus rebus tuis respice finem’! Sentenciava o antigo adágio latino: Em tudo quanto fazes não te esqueças de ter em atenção a finalidade. Desde a C.E.C.A. (fundada em 1951), passando pela fundação da Comunidade Europeia, em 1957, até ao presente de uma U.E. a 27 Estados-membros, proximamente 28, com a entrada, já solicitada, da Croácia (irá entrar em 1 de Julho de 2013), a U.E. foi fazendo o seu caminho ‘à tatonnements’, por caminhos mal pensados, que estão longe de ter sido os melhores. A simples ambiência hegemónica do Sistema capitalista, que nunca foi contrariado, nem sequer pela necessária e indispensável regulação central adequada, prejudicou gravemente o processus. De resto, a U.E. não tem avatares históricos, que lhe possam servir de padrão de enquadramento. Esta União (agora a 28, e depois n + 1…) não tem nada a ver com o Império carolíngio, que só chegava aos Estados bálticos e excluía a Escandinávia. Argumentar que foi a nova Europa que fez a paz é uma falácia… Foi, antes, a paz que permitiu a edificação e o alargamento continuado da U.E.. Ora, hoje em dia, no contexto de uma U.E. em Crise financeira/económica gravíssima, mais dolorosa e terrível na zona da ‘Moeda única’, e submetida aos piores e mais perversos Diktaten do Neoliberalismo capitalista global, os dois grandes problemas estruturais, que a União tem pela frente e ainda não resolveu, são, inquestionavelmente: a) atribuir o primado às Culturas (nacionais) para erguer Estados nacionais integráveis e exterminar o econo-

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micismo reinante everywhere; b) saber fazer a escolha acertada entre o dilema (ainda por resolver): Federação ou Confederação de Estados?!... Os U.S.A. chegaram ao modelo (actual) de uma Federação de Estados, porque passaram, inicialmente, por uma Confederação de Estados. A grave Crise das dívidas públicas (resultantes da Guerra da Independência), que os diferentes Estados tiveram de enfrentar, sobremaneira entre 1788 e 1790, levaram-nos a pensar na ideia da Confederação e dos Estados confederados, justamente para obter a superação das dívidas públicas. E, entretanto, já havia, então, uma língua (e cultura) nacional comum. Ora, actualmente, a U.E. dispõe de uma população global de 507 milhões de habitantes, mais de duas dezenas de línguas nacionais, com histórias multisseculares e identidades nacionais próprias. Assim, a U.E. ultrapassa de longe a população dos U.S.A. (315 milhões) e a da Rússia (143 milhões). Não irá ser, seguramente, sob o martelo-pilão do Economicismo capitalista global, e transviados pela falsa ‘democracia dos Mercados de capitais’, que um conjunto enorme de países, de línguas e culturas nacionais diferentes, vai manter e refundar a U.E.. Eis por que a ideia matricial da Confederação tem de funcionar com a sua dinâmica própria, ao lado de uma vera União Bancária, assegurada pelos Poderes centrais de Bruxelas, Estrasburgo e Frankfurt. Jűrgen Habermas (no seu livro: ‘Um Ensaio sobre a Constituição da Europa’, Edições 70, Lisboa, 2012) não chega a mexer na ‘engenharia’ do actual capitalismo neoliberal selvagem à escala global. As suas advertências críticas tomam corpo apenas no quadro geométrico das instituições políticas existentes (vd. pp.115-117…, p.126, p. 131). A U.E. está em Crise estrutural, porque ainda não descobriu o seu modelo próprio de Constitucionalidade. Essa Constitucionalidade tem de ser procurada ─ argumenta J.H. ─ numa Constitucionalidade do Direito Internacional (cf. ibi, pp.59 e ss.). No horizonte positivo, converge com o CEHC; no negativo, não. Não obstante, o modelo procedente da constitucionalização do Direito Internacional tem a dupla capacidade: a) de preservar o regime democrático, contra a tendência fatal (economicista) do Império, decorrente do primado atribuído à cartilha ditatorial dos mercados; b) e de exigir o respeito pelo princípio da Igualdade jurídica entre os Estados. No horizonte da concepção jurídico-política cosmopolita de Immanuel Kant. Desta sorte, não haverá uma vera União Europeia de Estados sem a estrutura básica da Confederação, como a tem balizado e definido o C.E.H.C.. Na verdade, o Euro (enquanto ‘moeda única’) só terá possibilidades de salvamento numa U.E. de Estados confederados, onde a regra d’ouro seja a da Democracia social e política, não a do estalão do 3% ou 0,5% de limiar do deficit nos respectivos O.G.E.s nacionais!... Sem justiça social ─ deverá saber-se ─ não há Democracia. De certo modo, a Alemanha actual está a construir o ‘império europeu’, que sonhara, brutal e belicamente, durante o período nazi. Quem diria?!... Está, de facto, a lucrar, enormemente, com o alargamento do seu ‘Lebensraum’!... O mercado alemão de hoje é constituído, em primeiro lugar, por toda a Europa. Mas ─ note-se ─ sob o regime odioso económico-financeiro do Capitalismo selvagem. Ora, este Capitalismo está a transformar os chamados ‘países periféricos’, com ‘programas orçamentais assistidos pela Troika’, em veros protectorados, novas colónias semelhantes às do colonialismo de outrora, supostamente superado com o evoluir in me72


lius da História psico-sócio-antropológica. Esse capitalismo selvagem e mortífero está a destruir e a reduzir a estilhaços o que resta das democracias, construídas arduamente, a partir das oitavas da IIª Guerra Mundial. Ao mesmo tempo, está a preparar terreno para a restauração societária de novas ditaduras!... Nos espaços da U.E., quem está, hoje, a militar pela defesa e preservação dos regimes democráticos dos diferentes Estados/Nações, são precisamente as Organizações Sindicais, ─ muito mais do que os próprios Partidos políticos ditos de Esquerda. Das governanças nos diversos Estados/Nações, já nem falamos, porque, enleados em compromissos e burocracias de toda a sorte, o espectáculo que deixam é de uma mediocridade assustadora. Quem está a tomar a devida distância crítica em confronto com o euroliberalismo (estamos a referir-nos a esse meio de troca, que é o euro, objecto e vítima, como qualquer mercadoria do neoliberalismo capitalista global)? ─ A Confederação europeia dos Sindicatos. (Cf. ‘Man. de Voir’ cit., p.93). Um dos três Autores, que nós destacámos in ‘Maniére de Voir’ (Junho/Julho de 2013), Bernard Cassen, estabeleceu, na janela do seu artigo: ‘Les voies d’une réorientation’, o seguinte parergo-resumo (p.92): “A construção europeia não está votada, inelutavelmente, ao liberalismo e ao ‘déficit democrático’. Existem, para a reorientar, instrumentos jurídicos, políticos e sociais. Entretanto, a sua eficácia implica uma vontade firme dos dirigentes e uma visão estratégica das relações de força no seio da União”. B.C. bate-se por uma Europa progressista e social, onde os Partidos de Esquerda se possam coligar num projecto comum renovador. Os caminhos, porém, não são fáceis. Faz o ponto da situação como segue (ibi, p.93): “Uma Europa de esquerda ─ ou seja, realmente democrática, social, solidária e ecológica, rompendo radicalmente, com as políticas liberais ─ será possível? Temos boas razões para pensar que M.F. Hollande nunca acreditou nisso. Em 6.5.1992, então simples deputado, não declarava ele na tribuna da Assembleia nacional: ‘Foi porque aceitámos a mundialização, que estamos, hoje, submetidos aos constrangimentos monetários, orçamentais, financeiros. Desde então, o único debate que conta, é o de saber se nós aceitamos as regras do capitalismo internacional ou não. Se entramos no jogo da mundialização, então, esses constrangimentos financeiros, monetários e, subsidiariamente, europeus vão impor-se’? Por outras palavras, a construção europeia não poderá ser senão um sub-conjunto da mundialização liberal”. Como é sabido, os Partidos de Esquerda ainda prosseguem ‘mortalmente doentes’, sob o catecismo (comum aos de Direita) do Objectivo-Objectualismo. Por isso, se torna muito difícil, nas práticas societárias, um Programa político capaz de unir (em função da Governação) os Partidos de Esquerda. Estes, para se renovarem, carecem de uma base comum, que dá pelo nome de Humanista, cuja âncora terá de ser constituída pelo Humanismo crítico (que, à partida, discerniu dois campos distintos: o dos Sujeitos e o dos Objectos). B.C. admite que um projecto político de Esquerda, no quadro das estruturas actuais da União, até poderia ser viabilizado, em casos singulares concretos, se a regra da unanimidade fosse abolida; considera, ainda, a possibilidade da revisão dos Tratados vigentes. Tem, igualmente, em conta que, no horizonte dos ‘social-democratas’, a via 73


(para a reorientação socialista) poderia começar a ser desobstruída por exigências fundamentais do tipo: concorrência verdadeira e não falseada; pacto para o crescimento e o emprego. B.C. está igualmente atento à emergência (já comprovada) de um poderoso movimento social europeu, a que os Governos (atemorizados pelas suas próprias medidas de ‘Austeritas sola’ (= ‘sola Fides’ de Lutero & Ca) ainda não deram resposta. Reclama ele um aumento forte do Orçamento comunitário (actualmente, é apenas de 1% do PIB da União), para se poder refundar uma U.E. em bases progressistas. No que tange ao aumento forte do Orçamento comunitário, muito especialmente, neste grave período de depressão económica, reparada apenas com medidas de só austeridade, ele reconhece que os países não estão virados para isso. Contudo, o Autor não deixou de atentar numa hipótese: a desobediência à U.E, sem procurar sair dela, como um direito de cada Estado integrado. Seria isso, afinal, ‘o respeito pela soberania de cada povo, regularmente escarnecida pelos mecanismos europeus’ (ibi, p.94). Na situação actual, a balança continua a oscilar (por uma duração excessiva…) entre a soberania nacional de cada país, e a soberania central da U.E., cujo centro está a ser ocupado pela Alemanha (muito mais do que pelo ‘Directório franco-alemão’). Que revela um tal comportamento sócio-histórico? Que há muitas e enormes razões e argumentos para adoptar a solução do modelo confederativo; e que essa solução é absolutamente necessária e urgente. É que assumir essa solução significa e implica defender e preservar, aos dois níveis, o Regime Democrático; não adoptar a solução referida, significa que venceu a lei da inércia e o Império capitalista. Desgraçadamente, a U.E. continua a hesitar, como Hamlet!... E as hesitações conduzirão, a breve trecho, a ter de colocar a questão central da ‘moeda única’, que irá transformar-se em ‘moeda comum’ a duas zonas monetárias distintas: A e B, ─ sob a condição de o ‘euro comum’ só ser convertível em divisas estrangeiras… O processus, na prática, recomendaria uma saída organizada da ‘moeda única’; e, ao mesmo tempo, constitui um facto indizível por motivos ideológicos e práticos/operatórios. Ora, em tal contexto, não seria muito melhor que a EU. renascesse das cinzas como a Fénix, ou deste desassossegado ‘fogo brando’, para facultar ao Mundo a Lição de que todos carecem?! Escreveu B.C. (ibi, p.94): “Se, com efeito, passamos em revista os grandes Estados e conjuntos regionais, constatamos que o Velho Continente poderia reunir as três condições necessárias, para erguer e propor ao resto do Mundo um modelo alternativo de vida em sociedade: um potencial de pensamento crítico, forças sociais postas em movimento pela crise, um peso demográfico e económico significativo. Na América Latina, uma construção inter-Estados relevando desta lógica política de ruptura com o liberalismo, por certo a uma escala muito mais reduzida, já ultrapassou o estádio de projecto para o da realização: a Aliança bolivariana para os povos da nossa América (ALBA). Muito embora o contexto seja diferente, esta experiência seria, certamente, uma fonte útil de inspiração”. Jean Monnet (um dos dois pais fundadores da U.E.) ainda acreditava (na década de ’50 do séc. XX) que a União política haveria de resultar da integração económica, automaticamente. Este foi um erro grave (que ele havia de confessar mais tarde, ao asseverar que, se houvesse de voltar aos inícios, começaria pela Cultura). De resto, a 74


prioridade atribuída ao económico era, então, muito comum entre os intelectuais, em virtude da preponderância ideológico-cultural da metodologia marxista. Acresce, ainda, um outro Facto: nas áreas compartimentadas dos Saberes das Academias e Universidades, dava-se o título misto de Economia política a todos os estudos e investigações em Economia. Por fim, é sabido que o Sistema capitalista sempre integrou, nos estudos e investigações em Economia, a dimensão política (dos pés à cabeça)!... Quanto mais dissimula, mais aceitação ele promove. Ora, hoje, sabemos que a unidade, na U.E., não acontecerá sem um grande esforço de clarificação intelectual e de análises críticas aturadas, segundo a gramática cultural (adoptada no CEHC) do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. É, pois, a partir desta Pauta que têm de processar-se todos os estudos e investigações. E, assim, a Questão crucial/ /decisiva será, necessariamente, a de saber se a prioridade deve ser atribuída ao Aparelho (tecno-burocrático) ou ao Projecto (necessariamente de fundo humanista). O que tem prevalecido, até ao presente, é a cartilha ‘funcionalista’, própria da organização do Aparelho. Ora, é precisamente ao Projecto que é necessário e urgente atribuir a prioridade absoluta. (É precisamente neste horizonte, que assume toda a sua importância o artigo do 3º Autor destacado, Paul Thibaud, in ‘Man. de Voir’ cit., pp.95-97, subordinado ao título: ‘Feuille de Route pour un projet commun’). O postulado tradicional, em que tem funcionado a U.E., é errado e mistificador: pressupor que a Europa política virá, por si mesma, a partir da sua organização económica, quando o Mercado tiver produzido os seus efeitos sobre os povos. Este é um caminho errado, como denuncia, muito bem P.T.: “Na maneira de fazer actual (e em crise), o mercado único bem como a Europa política e social são considerados como dois segmentos da mesma trajectória, quando é a sua compatibilidade que origina o problema” (ibi, p.95). Na verdade, “a via escolhida tem sido menos a da união que a da uniformização; não a da política, mas a de uma socialidade, cujos dois aspectos principais são o mercado e o direito, ─ uma socialidade toda orientada para tornar iguais as condições e as oportunidades dos indivíduos de todas as nações” (idem, ibi, p.96). As políticas dos Estados nacionais foram colocadas entre parênteses (ou congeladas). Ora, o que nós pretendemos da U.E., pela negativa, é que ela não seja uma zona mercantil, nem uma nação em formação; mas, outrossim, pela positiva, que ela seja uma vera Confederação de Estados/Nações. Tem razão P.T., ao asseverar (ibi, p.96): “Chegou, portanto, o momento, não de institucionalizar a União, de a converter numa vaca sagrada, mas de configurar um balanço crítico, para lhe dar, finalmente, um roteiro, capaz de a refundar”. “Se se admitir que a Europa não é, nem uma zona mercantil, nem uma nação em formação [o que aconteceria de algum modo no modelo da Federação de Estados], não se pode concluir outra coisa senão que ela deverá organizar-se a dois níveis [modelo da Confederação]: por um lado, o do espaço comum e da socialidade, e, por outro, o das nações e dos projectos políticos. Esta dualidade existe em princípio nas instituições: a Comissão, o Parlamento e o Tribunal Judicial da União Europeia, de um lado, o Conselho (os ministros), do outro” (idem, ibidem).

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Ora, como tem acontecido (sobremaneira depois do Comissionariado de Jacques Delors), a preponderância da Europa integrada numa sorte de ‘engrenagem’, conduziu ao abandono da Europa política, exigida pela história e cultura (diferente e comum) da Europa. O realismo crítico, ao pugnar pela unidade da Europa, deverá tomar consciência da sua geminada diversidade essencial. “Isso implica um outro método, o de uma Europa da vontade, que se pode descrever por um encadeamento de três orientações: distinguir o que é comum e o que é próprio de cada povo; implicar os sujeitos políticos, os Estados-nações no empreendimento comum; definir um projecto europeu” (idem, ibidem). Desde logo, há um datum psico-sócio-histórico, que é incontroverso: o temor das divergências conduz ao abafamento e à eliminação das diversidades (culturais/nacionais), e constitui o toque de gong sinistro da uniformização praticada pela Ideologia imperialista do Neoliberalismo capitalista global. Assim, o Projecto (político) comum dos povos da Europa tem, ainda, uma missão a cumprir na História. Nessa medida, a U.E. terá de forjar uma doutrina própria, capaz de resolver, adequadamente, a problemática da mundialização. Em primeiro lugar, essa doutrina deverá atender às exigências do que, desde há ca. de duas décadas, se tem chamado ‘Altermundialismo’. Em segundo lugar, essa doutrina deverá pôr em prática, zelosamente, dois princípios ético-morais: a) o primeiro princípio é o da precaução, concernente a uma ‘concorrência equitativa’ às escalas global e regional; b) o segundo princípio é o princípio de acção, ou seja, uma obrigação moral, esclarecida, capaz de “oferecer a todos os povos as oportunidades da modernidade científica e técnica, tendo consciência de que, num mundo que acaba por ser uma só cena, a diferença das possibilidades abertas não pode permanecer o que ela é actualmente. Nesta doutrina, deveria figurar uma posição definida relativamente à pressão migratória externa, a qual deveria comportar critérios de admissão por país, mas também, a garantia de que estes sejam respeitados” (idem, ibi, p.97). ● Não haverá Regimes Democráticos a sério, enquanto os Estados-Nações não dispuserem de Sistemas Educativos substantivos e autónomos, capazes de discernirem bem materiais e bens espirituais e saberem que os bens estritamente psico-espirituais não são susceptíveis de quantificação e conversão em mercadoria para traficar no Mercado. A maior parte dos Serviços de Educação, enquanto tais, está integrada na categoria de bens espirituais. Ora, o Neoliberalismo (capitalista global), nas áreas da Educação, não sabe actuar senão sob a bandeira da religião laica do Objectivo-Objectualismo. Por isso, ele é tão devoto de Adam Smith (o patriarca moderno fundador do Sistema capitalista) e da sua ‘providencial’ ‘Mão Invisível’, que, hipostaticamente, asseguraria o funcionamento do ‘Free Market’. Isto é uma Ilusão, uma Loucura e uma Obscenidade!... O que o Neoliberalismo capitalista está, hoje, apostado em levar a cabo, é a instauração de um novo ‘senso comum’, à rebours, uma reforma ideológica das sociedades, onde o Mercado seria a única Realidade hegemónica e absoluta, e o próprio papel dos Estados (na sua primacial função de defesa dos bens públicos, dos serviços sociais e educativos) acabaria por ser extinto. Isto não passa de uma pura ilusão e mentira… Trata-se de uma dou76


trina ideológica que está ao serviço do catecismo das Religiões institucionalizadas e, na sua base, da Cultura do ‘Homo Sapiens tout court’. Configura-se nos antípodas da gramática do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, que exige e reivindica, continuamente, a sua emancipação/libertação contra toda a sorte de autoritarismos demenciais e tirânicos. Enquanto tal, o Estado, para ser democrático, precisa de uma Reforma estrutural; mas não é da sua extinção que ele carece. A Educação e a Instrução constitum-se como processos sociais, por excelência, e os serviços de Educação/Instrução são, básica e supremamente, serviços sociais, exercidos por Actores/Sujeitos em relação a outros Sujeitos humanos, que se encontram em evolução/formação. Como tais, esses serviços são públicos (não privados) por excelência (desde a Família, à Escola, à Universidade ou ao Politécnico). O Programa de Acção do 11º Congresso Nacional dos Professores está na via justa, ao asseverar (in ‘Jornal da FENPROF’, Maio de 2013) p.20: “Assim, a presente epidemia política neoliberal é um confronto em torno da distribuição de recursos materiais e económicos, um combate entre visões alternativas (individualismo versus solidariedade; competitividade versus cooperação…), que permite caracterizar e desocultar o método pelo qual o discurso neoliberal (o da inevitabilidade e da ausência de alternativas) conduz e institucionaliza uma ‘nova realidade’ (um novo regime e um pseudo-contrato social). É fundamentalmente a simplificação/linearização de pensar o mundo, a sociedade e o indivíduo. “Na transposição destas ideias para o plano educativo, os neoliberais colocam à cabeça a perspectiva de que os sistemas educativos enfrentam uma profunda crise de eficiência, eficácia e produtividade, mais do que uma crise de quantidade, universalidade e extensão. Daí que os mesmos afirmem, sem qualquer pudor, que a existência de exclusão e discriminação educativa resulta de forma clara e directa da própria ineficácia da escola e da incompetência daqueles que nela trabalham. “Partindo destes pressupostos, constata-se que o actual cenário político, económico e social espelha que a educação não tem permanecido alheia às influências ou orientações transnacionais, assim como à ofensiva de institucionalização do capitalismo neoliberal”. Numa palavra, trata-se de uma guerra aberta entre duas concepções antagónicas, do Mundo e das Sociedades humanas, das Sociedades humanas no seu Meio-ambiente (natural/artificial), ─ a relação que os moçambicanos nomeiam com uma só palavra: mutumbuluco. Ora, “na esteira de Roger Dale e Jenny Ozga, as dicotomias políticas existentes entre um sistema educativo, enquanto serviço-público, e a prestação de um serviço privado são expressas, por um lado, na universalidade de ter direito a bens e serviços de igual valor; por outro lado, pelo fornecimento de serviços e bens, cujo valor social depende da sua relação com outros congéneres, e cuja posse classifica e estratifica os seus destinatários. Nestas dicotomias estão, por isso, patentes diferenças substantivas na natureza das tarefas, nas finalidades, nos valores de referência e no significado dos serviços prestados pelas instituições. “Neste âmbito, as políticas neoliberais visam a mercantilização de pilares fundamentais do Estado social, através da redução drástica de despesas e da redução da força 77


de trabalho na administração pública. É o caso da educação, da saúde, da segurança social, dos transportes, entre outros. “A abertura dos serviços sociais, acima referenciados, às leis da livre circulação económica, transformando-os assim em mercadorias e em fontes de lucro, representa, ao nível da Educação e como é fácil de prever, o fim enquanto serviço público. Destrói-se, deste modo, aquela que foi uma conquista social tão decisiva para a construção de uma sociedade democrática: o acesso de todos a um ensino e a uma educação de qualidade como um direito inalienável, constitucionalmente consagrado”. O que o Neoliberalismo pretende, segundo a religião laica do Objectivo-Objectualismo é, em derradeira instância, a restauração do ‘Homo Sapiens tout court’, a restauração ‘do Rebanho e dos Pastores’, da carneirada de Panúrgio!... É nesse horizonte que os neoliberais pretendem avaliar tudo… Alunos, Professores e Escolas, segundo o catecismo do Objectivo-Objectualismo de estrita observância (sempre segundo critérios e métodos extrinsecistas e hierárquicos). Por todas as razões invocadas em defesa dos Sujeitos humanos livres e responsáveis, a posição da Fenprof é justificadamente diferente, em matérias de Avaliação: “A FENPROF considera ser necessário aprofundar a concepção de avaliação e os seus fins, alargando-a a todas as dimensões do sistema educativo, de forma sistemática e estruturada, evitando que a avaliação constitua um instrumento de controlo político, pedagógico, administrativo e financeiro, nomeadamente através dos ‘efeitos perversos’ dos exames no desenvolvimento do processo de ensino/aprendizagem e da seriação das escolas, a partir de comparações simplistas das classificações obtidas” (ibi, p.25). Para um alargamento e aprofundamento desta problemática sobre a Educação e a Cultura, podem consultar-se, muito especialmente, as duas obras do presidente do CEHC: ‘Ética Profissional para Professores e Educadores’ (edição em papel, do CEHC, Guimarães, 2003); ‘De Educatione et de Instructione’ (edição electrónica no site da Rev. Noética: noética@uol.com.br, a partir de São Paulo, 2011).

● “Timothy Ferris defende, de forma documentada, aquilo que tenho vindo a dizer: as sociedades em que houve Ciência foram mais livres e democráticas. Porque neste binómio Ciência/Liberdade há um termo ‘intermédio’, que é a verdade. A Ciência procura a verdade e opõe-se à aparência, ao dogmatismo. Não aceita qualquer coisa por alguém dizer que é assim. Tem uma atitude céptica e de verificação". (Gilherme Valente, fundador da Editora Gradiva, em entrevista a ‘JL’, 12 a 25 de Junho de 2013, p.27). ─ Entretanto, o painel não fica completo, se não lhe adicionarmos, na sua base, a Justiça. Porque (como nos ensinaram os Gnósticos judeo-cristãos primevos) o primado é da Justiça sobre a Verdade. A demonstração desta axiomática foi feita pela Sócio-Histó78


ria, através do fenómeno (sempre humanamente recusável) do Despotismo Iluminado. ● Que nos trouxe, em termos do Humanismo Crítico, o moderno vendaval/furacão do Progresso? ─ Uma hecatombe de mortandade e chacina, de ódio e devastação, de destruição, desespero e morte; ao ponto de, paradoxalmente, economistas como Friedrich Hayek engendrarem uma teoria económica (tristemente respeitada) sob o cap de ‘Detruição criadora’!... Inspirado no quadro famoso de Paul Klee, Walter Benjamin concebeu aquele parergo hipostático do Anjo do Apocalipse, no dia do Juízo final, que avança para o futuro às arrecuas, de costas voltadas, porque o seu olhar não era capaz de se desligar de todos os ódios e desesperos, mortandades e destruições humanas, desencadeados pelo ‘Progresso tecno-científico’.

Guimarães, 16 de Junho de 2013. Manuel Reis: Presidente do C.E.H.C.. (Autoria). Lillian Reis:digitalização e revisão de provas. (Secretária do CEHC).

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ÍNDICE

I ENTRE A RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL E A RESPONSABILIDADE COLECTIVA: ‘TERTIUM NON DATUR’ 1. ─ Da Lei: o que é? …………………………………………………………….. p. 3 2. ─ Sobre a Responsabilidade …………………………………………………. p. 5 3. ─ Responsabilidade Individual ……………………………………………… p. 6 4. ─ Responsabilidade Colectiva ……………………………………………….. p. 7 5. ─ Três Problemas/Factos fundamentais …………………………………….. p. 8 6. ─ Das Tentações advindas da Problemática da Responsabilidade ………... p. 10 7. ─ Da vera e autêntica Responsabilidade Colectiva ………………………… p. 12 8. ─ As Religiões Institucionalizadas estão a mais …………………………….. p.15 9. ─ A imperfeição e a perversidade dos Regimes de Democracia Representativa Liberal …………………………………………………………………... p.17 81


10. ─ Natureza da Economia Política ……………………………………………. p.20 11. ─ Da ‘Crise’ em Portugal …………………………………………………….. p.20 12. ─ Três Erros/Categoria, procedentes do Neoliberalismo global ………….... p.22 13. ─ A selvajaria do Sistema Capitalista contemporâneo ……………………... p.27 14. ─ ‘Tertium non datur’ entre as duas Responsabilidades ……………………. p.29 15. ─ Damos precisamente o que não temos, porque damos o que somos …….. p.31 16. ─ Sistemas Educativos (nacionais) autónomos e substantivos …………….. p.32

* * *

II TERTIUM NON DATUR?! ……………………….. p.35 ─ Bússola, precisa-se …………………………………………………………….. p.35 ─ ‘Saber é Poder’. Será mesmo?!... ...................................................................... p.37 ─ Já não são os Objectos que precisam ser mudados… mas, outrossim, os próprios Sujeitos humanos ………………………………………………… p.41 ─ Da supersticiosa ‘Teologia do Mercado’ (capitalista), que é preciso denunciar e combater, in radice!... .................................................................... p.49 ─ Economia política, operacionalmente organizada em dois Andares ……….. p.56 ─ Em busca de padrões no Processo Civilizatório, a partir da galáxia da Cultura/Civilização do Ocidente …………………………………………….... p.64 ● A União Europeia: Federação ou Confederação? ……………………………. p.69 ● Regimes Democráticos a sério exigem Sistemas Educativos substantivos e autónomos ……………………………………………………………………... p.76

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