Viver História - Parte 2

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Centro de Estudos do Humanismo Crítico Portugal & América Latina

Grupo de Estudos Noética

DEBATES PARALELOS Volume 12

VIVER HISTÓRIA Parte 2 _ 2017

Celine Abdullah João Barcellos [organização] Johanne Liffey Hugo Augusto Rodrigues Ronaldo Messias


ÍNDICE

APRESENTAÇÃO /// DO ONTEM QUE HOJE SOMOS _ Celine Abdullah ITAPÈMA _ João Barcellos O histórico Fortim d´Itapema e suas Origens

DRUIDAS, ESPIRITAS, KARDEC _ Johanne Liffey TREMEMBÉ _ Ronaldo Messias Dos Bandeirantes à Estância Turística, de Felix a Cabral

IMPORTÂNCIA DA MAÇONARIA NO EQUILÍBRIO GEOPOLÍTICO _ João Barcellos BODHRÁN _ Johanne Liffey O Tambor Da Dança Celta

O FERRO _ João Barcellos ARAÇARIGUAMA / Uma Porteira No Sertão _ João Barcellos CERRO YBIRAÇOIABA & MINA DE FERRO _ João Barcellos YBIRAÇOIABA, IPERÓ, ESTRADA GERAL & RIO DE JANEIRO / ROTAS DO ELDORADO BRASILEIRO _ João Barcellos c/ colaboração de Hugo Augusto Rodrigues /////

“a vida é o que me sustenta pelo que sou, nada mais” BARCELLOS, João – palestra, 2014.

“história e filosofia (a civil e a sacra...) encontram-se na emergência de ordem telúrica e cósmica a sinalizar tempos que hão-de vir” ABDULLAH, Celine – da ´apresentação´, 2017.

[textos em português original e em brasileiro conservam a sua estrutura]


APRESENTAÇÃO

Do Ontem Que Hoje Somos

Celine Abdullah

Documentos, aferições, conversas e registros, viagens, muitas viagens e pesquisas de campo, eis a historiografia no seu território literário e arqueológico. “O saber, como o dito popular, pode ser lapidado ao longo dos tempos, mas o saber de erudição, ou seja, aquele que nos obriga a estudos apurados ao longo de uma vida (quando uma vida basta...), este, é um esforço social e cultural que demanda políticas públicas e privadas, e nunca estamos satisfeitos, sempre buscamos mais e mais...”, costumava dizer o professor uspiano Aziz Ab´Sáber [in “Conversas com João Barcellos e W. Paioli”, Gazeta de Cotia, 1990-1991, Brasil]. E não era só conversa, não, porque quando conheci o professor pela mão de João Barcellos, ele mostrou-me com quantos esforços se faz uma pesquisa para decifrarmos a história. Quando li o Volume 8 da colecção Debates Paralelos logo soube que mais ano menos ano teríamos a Parte 2, porque as informações colectadas eram de tamanha grandeza que, notoriamente, muita ´coisa´ ficou de fora. Mas, colecção é assim mesmo: um volume após o outro e vamos que vamos. Dois dos ´veteranos´ do Volume 8 estão no Volume 12, são eles João Barcellos e Ronaldo Messias, o primeiro na sua essência pessoal de nada deixar na gaveta, e o segundo, a celebrar de si mesmo o empenho pela demonstração da raiz própria. Diz-nos o pedagogo Ivan Ilich que “... a sociedade pode delimitar a sua sobrevivência dentro dos limites fixados e reforçados por uma ditadura burocrática, ou então reagir politicamente à ameaça, recorrendo aos processos jurídico e político. A falsificação do passado assiste-nos na existência e na necessidade desta escolha” [apud Manuel Reis, in “Em Torno De Ivan Ilich”, pp.88-89; edição CEHC + Edicon + TerraNova Comunic, 2011]. Ou seja: quando vemos os esforços de Barcellos e de Messias, entre outros, em prol de “uma linha lítero-historiográfica paralela às instituições corporativas e governamentais”, como sempre observa a professora Carlota M. Moreyra, vemos como


existe a possibilidade de se remar contra a burocracia que impõe obstáculos à cultura e à história. Entretanto, história e filosofia (a civil e a sacra...) encontram-se na emergência de ordem telúrica e cósmica a sinalizar tempos que hão-de vir e trazem até nós ensinamentos/vias que, alcançados ou não, projectam um evoluir civilizacional ou bárbaro, como filosofa Manuel Reis em sua intensa atividade literária e pedagógica. Não existem limites para a pesquisa histórica, porque “tantos são os campos em aberto, e maiores ainda (porque aprofundados nas trevas dos porões) aqueles entre porteiras institucionais, que viver história é uma missão óptima a celebrar hoje o que ontem fomos” [poeta J. C. Macedo; Coimbra, 1975]. Aliás, foi desta frase do poeta que nasceu o título para o Volume 8 da colectánea: “viver história”. A história encanta-nos e quando se pensa que ela é coisa de livros velhos, lá vem a jovem médica e poetisa Johanne Liffey a dizer-nos do ´bodhrán´, o tambor da dança celta, cujo som incentiva à paz e ao jogo amoroso – um altar musical.


ITAPEMA o distrito do GuarujĂĄ que celebra o poeta e abolicionista Vicente

de Carvalho

Estudos de 1991/92 revistos, ampliados e compilados em 2016

JoĂŁo Barcellos


Índice

Apresentação Parte Primeira Terra Nativa entre o Mar e a Serra: a História d´Itapema Parte Segunda Cidadania & Desenvolvimento d´Itapema do Século 16 ao 21 - Sociedade Nativa - O Fortim - Sociedade Luso-Brasileira / Mameluca & Caiçara - Cais das Barcas, Catraias & Bondinho Elétrico Parte Terceira Da toponomia Itapema a Distrito Vicente de Carvalho Parte Quarta Cidadania entre Comércio, Indústria & Turismo Parte Quinta Ações Emancipatórias e Retomada do Nome Porto Itapema Parte Sexta Dados Geossociais, Religiosos & Esportivos Parte Sétima Personalidades / Instituição & Bibliografia Anexo Fortalezas, Fortins, Motins Nativos & Guerra d´Iguape

Observação Editorial: ilustrações e fotos capt[ur]adas de ´sítios´ na Web, a maioria sem reserva autoral. Autores e/ou instituições registrados estão assinalados em Notas & Bibliografia.


Apresentação Ao tempo da ocupação precária do espaço ultramarino e a partir do ponto sul da Linha tordesilhana – aqui, leia-se Cananeia, designação judaica para a mesorregião que os guaranis tinham como terra sua e dita maratayama, q.s., mar e terra – os portugueses que acompanharam Cosme Fernandes, o Bacharel, naqueles anos iniciais, adentraram os meandros costeiros e fluviais em busca de pedras preciosas e de nativos para sua posse; entretanto, o Bacharel iniciou com os guaranis um escambo sexual e utilitário que o colocou como senhor da costa unindo aldeias nativas, a norte, entre a maratayama e os morretes de itapema, e, a sul, pela meiembipe (q.s. ´montanha no mar´, a Ilha do Desterro, hoje Florianópolis], sempre em meio a gentes guaranis, também designadas karay-ós, ou carijós. Foi com as gentes guaranis e tribos afins que o Bacharel montou um exército de apoio aos castelhanos para lutar contra Portugal durante a Guerra d´Iguape, uma vez que aquele ponto sul demarcava território d´Espanha. Em tal ambiente foi que itapema chamou a atenção enquanto ponto estratégico de defesa entre o litoral e a serr´acima. Ao construir com os guaranis a Aldeia Gohayó e o Porto das Naus, o Bacharel [perito em astronomia e navegação pela Universidade de Salamanca] quis, após a sua experiência nas feitorias lusas na África, organizar a ocupação castelhana, pelo que o espaço d´itapema transformou-se em passagem e retiro avançado, mais tarde muito bem aproveitado pelos lusos que nele edificaram o Forte de Vera Cruz d´Itapema, diante da Villa de Santos e adentrando uma légua o canal da Barra numa ponta da Ilha de Santo Amaro, local que os tupis e guaranis tinham como guaimbê [uma planta medicinal]: a ilha passou a ser denominada como Santo Amaro após a ´fábrica´ de capela em louvor do santo romano Mauro, que os portugueses modificaram para Amaro e que havia sido o primeiro discípulo de (são) Bento de Núrsia, e este, fundador da ordem beneditina. Eis aqui os quês da importância geopolítica e militar d´Itapema nos primeiros tempos da ocupação e colonização do sul da Ilha do Brasil no entorno da Linha de Tordesilhas.

O Autor [Anotação feita entre Ilha Comprida / Cananeia e Ilha de St Amaro, 1992]


Parte Primeira

Terra Nativa entre o Mar e a Serra _ a História d´Itapema

Itapema no âmbito da Capitania de St Amaro

1 Da expansão guarani entre o sul e o norte da Ilha do Brasil, no tempo em que tal designação foi dada pelo rei Afonso IV, de Portugal, em carta ao papa Clemente VI, para informar da descoberta pelo capitão Sanches Brandão, da marinha mercante, em 1341, ramos da etnia guarani assentaram diversas aldeias, como Koty [ponto de encontro] e Itapema [pedra chata/achatada], entre outros exemplos ao logo (ou/e como ramais) do Piabiyu, o ancestral caminho místico a ligar os continentes americanos. Pela via do portinho de Carapocuyba, Koty foi ponte de encontro e esquina de entrada e saída de nativos entre os rios Tietê [Anhamby] e Pinheiros [Jeribatyba], enquanto Itapema é lugar de marcação, uma vez que os povos nativos não nomeavam lugar, a sua particular utilidade logística lhe era identidade naturalíssima. Por isso, encontramos Koty [depois Acutia, Cutia, Cotia] e Itapema como designações ao longo do Piabiyu, entre o sul e o norte, e só a colonização luso-cristã alterou em muito essas designações, embora muitos locais tivessem ficado à margem dessa evangelização, como foi o caso das localidades ora citadas. Em alguns casos Itapema é grafada como Itapeva ou Itapevi, mas isso deve-se ao aportuguesamento da oralidade feito pelos escrivães dos Séculos 16 e 17, porque os povos nativos (principalmente tupi e guarani) não possuíam comunicação escrita.


Borrões de jornada em torno d´Itapema _ jBarcellos, 1991

o que me toma me faz borrar o papel com imagens dirão que d´antanho miragens não, digo eu, é a vida de sempre o que minh´alma anota a cada mirada no recorte d´Itapema percebo o tempo que sou e tomo este espaço que em mim s´eleva BARCELLOS, João _ Fortim d´Itapema, 1991

2 Pelos caminhos guaranis litorâneos instalou-se o Bacharel de Cananeia para “fabricar” a primeira leva de mamelucos, i.e., filhos e filhas de branco com mulher nativa, e, assim, demarcar a raça ibero-americana a partir de Gohayó [hoje, municipalidade de S. Vicente], a aldeia e Porto das Naus por ele construída com os guaranis. Entre o ponto d´atalaia natural, que era Itapema e Gohayó, o antigo ouvidor da feitoria de São Tomé, no golfo guineense, instalou o seu “império” privado até os Anos 30, quando perdeu o “trono” na Guerra d´Iguape [de 1534 a 1536]. No avanço colonial litorâneo tornou-se Itapema um ponto estratégico na guarda dos interesses luso-cristãos diante de ameaças dos corsários [piratas a serviço dos reis] franceses e ingleses. Com a “fábrica” da municipalidade de Santos foi que Itapema ganhou mais destaque no âmbito das pescas e escambos mercantis: como ponto d´atalaia de suma importância,


Itapema passou de ponto a aldeia e daí a região autônoma no contexto do republicanismo parlamentar com que as vilas de então foram dotadas. Deve se [a]notar que já no tempo do Bacharel de Cananeia esse colono e judeu castelhano enviou, cerca de 1502, o seu cunhado André Gonçalves a explorar as reentrâncias do complexo depois conhecido como Ilha de Santo Amaro, e um dos pontos mais buscados, obviamente por orientação dos nativos, foi a região do Guarujá [do tupi, q.s. gu-ár-yyâ / lado e abertura, ou ligação entre ilhas pelas rochas] e um tal de Morro Itapema; ora, o plano de Bacharel era ampliar os negócios do Porto das Naus com mais um ponto de atracagem. Entretanto, o plano foi abandonado com a derrota do “rei da costa” para os portugueses em Iguape.

Fortim d´Itapema (esq) e Villa de Santos (centro)

Na região da Ilha de Santo Amaro [que era Guaibê / planta medicinal, do tupi-guarani] foi que o colonizador [e não ´povoador´, pois a região era habitada por nativos de etnias diferentes] Jorge Ferreira decidiu assentar vida e família, e diante da proteção natural de rochas desenhou-se na já denominada Vera Cruz de Itapema um forte para defesa do Porto de Santos, que substituiu o Porto das Naus, e, ali mesmo, a pouca distância e séculos depois, foi construída a Estação das Barcas d´Itapema. O mar de morretes Itapema – que vem do tupi ita [pedra], Pê [quebrar] com o sufixo Ma, igual a Pedra Quebrada ou, talvez, passagem pela pedra quebrada... – era uma região de ricas várzeas estendendo-se por Paecará / Pae Cará [q.s., muitas garças / sítio das garças], logo, cobiçada pelos colonos. Se na época dos Anos 500 a nativa Itapema transformou-se em casa de colonos, quando o Porto de Santos evoluiu em recursos humanos, foi naquela Itapema que os portuários ganharam abrigo. De aldeia nativa a berço continuado da raça mameluca, Itapema avançou no tempo consolidando uma raiz geossocial de política autônoma idêntica às aldeias/fogos de serr´acima que os portugueses assentaram entre a serra do Cubatão, por um lado, e a serra de Paranapiacaba, por outro, umas vezes eliminando os nativos, outras vezes aproveitando a logística local com o escambo próprio da colonização. 3 No âmbito da municipalidade de Guarujá, a região de Itapema transformou-se em distrito, em 30 de Novembro de 1953, mas perdeu a sua etimologia própria para celebrar o político, literato e magistrado santista Vicente de Carvalho. O distrito de Vicente de Carvalho tem hoje uma pujança econômica gerada por cerca de 120.000 habitantes, entre atividades de comércio marítimo e comércio geral [eletroeletrônicos, vestuário, serviços especializados, etc.], por isso, pulsando como cidade autêntica, está há vários anos pleiteando a sua emancipação política e administrativa, além do retorno ao seu nome original, Itapema.


4 O nome e a personalidade abolicionista e cultural de Vicente de Carvalho o é no quadro santista, longe da raiz geossocial e cultural de Itapema, então, com o movimento emancipatório as gentes da região querem o nome Itapema de volta. 5 A questão emancipatória tem raízes geossociais na história da Ilha de Santo Amaro e, mais propriamente, na edificação do Forte d´Itapema – a saber: a) Passagem e refúgio, e mesmo ponto d´atalaia avançado sob o olhar atento e experiente do Bacharel, já dominando a região litorânea via Gohayó, a aldeia ibero-americana raiz da raça mameluca, o ponto d´Itapema foi parte de um emaranhado belicoso entre lusos e castelhanos, no Século 16; b) Na segunda metade do mesmo século, o capitão Francisco Nunes Cubas, sobrinho de Brás Cubas, tornou-se comandante em Itapema do Forte do Pinhão da Vera Cruz, uma planta executada à flor d´água no melhor que a engenharia militar lusa sabia produzir. A construção do forte após a derrota do Bacharel e dos castelhanos em Iguape demonstrou como aquele notável castelhano e judeu havia interpretado muito bem a excelência estratégica d´Itapema; c) Diante de tal quadro geográfico e militar – aliás, diga-se (e digo), o ponto d´Itapema & Fortim foi tão importante quanto a conquista do Pico do Jaraguá pelo político e militar e minerador Affonso Sardinha (o Velho), pela mesma época – deu para perceber que os povos nativos aliados ao Bacharel, e toda a sua prole mameluca, haviam assentado o conceito de autonomia que lhes permitia observar o mundo de então como terra sua e mais ainda tendo aquele homemque-veio-do-mar a dar-lhes o alimento político necessário a tal espírito emancipatório. Ao se debater a questão emancipatória d´Itapema é preciso ter em conta os aspectos históricos naturais e de como, entre o litoral e a serr´acima, foi formatada a sociedade luso-brasileira e brasileira: uma formatação que teve na autonomia regional o ponto mais alto de civilização. Não fosse assim, o sul do Brasil seria hoje parte da Espanha em sua dominação ultramarina e não uma nação continental ligada pela Língua portuguesa. Dos fogos [assentamentos precários com 5 ou 7 pessoas] às aldeias lusas, ou aquelas tomadas aos nativos, foi que o território da Capitania de S. Vicente, depois Capitania de São Paulo e Minnas, se expandiu, e nessa ação civilizatória teve Itapema uma importância que a história registrou e demonstrou.


Parte Segunda

Cidadania & Desenvolvimento d´Itapema do Século 16 ao 21

Sociedade Nativa O Fortim Sociedade Luso-Brasileira / Mameluca & Caiçara Cais das Barcas, Catraias & Bondinho Elétrico

Sociedade Nativa “[...] interpretei o sambaqui hibridamente: eram os restos de cozinha dos frutos do mar, que eram alimento importante. Eu já sabia, pela análise de um dentista amigo, que os dentes dos homens dos sambaquis eram gastos de tanto esfregar a ostra para se alimentar. Quanto aos restos de baleia queimados, cheguei à seguinte conclusão: Provavelmente, quando o montão adquiria certa altura, eles botavam fogo nas vértebras e o sambaqui funcionava miticamente como uma cerimônia religiosa dos primitivos homens do sambaqui, que viveram entre 6.000 e 1.500 antes do presente, aproximadamente. A partir daí, achei que, aplicando meus conhecimentos de geomorfologia, poderia auxiliar os pré-historiadores...”. AB’ SÀBER , Aziz N. – in "Sambaquis da região lagunar de Cananéia" e "A geografia humana primária da Pré-História".

A região de Itapema é parte de um complexo fluvial-marinho que serviu de lar a gerações e gerações de gentes primitivas antes e depois do corte que deu origem aos continentes, e mais especificamente àquelas que tiveram de sobreviver entre faunas, floras e condições climáticas adversas.

sambaqui

Essas gentes transformaram o litoral americano num terreiro de pura sobrevivência entre rituais arcaicos e a construção de peças utilitárias, fossem elas de caça e pesca ou para serviço doméstico, uma vez que essa foi a era pré-cerâmica que se data de


entre 8.000 a 500 anos pelo calendário da era da cristandade, mas contemporânea da era judaica e céltica.

“Acerca do nome Caucaia, lembro que outros nomes, como Guaibê e Itapema e Caiapiã, são nomes comuns a ervas utilizadas pelos curandeiros guaranis, logo, não sinalizavam aldeias, mas locais no âmbito da logística de sobrevivência; espalhados pelo litoral de sul a norte, os nomes demonstram que os guaranis foram muito além do seu ancestral Piabiyu...” BARCELLOS, João – Encontro com Caciques Guaranis e Tupis; anotações; Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, 2011.

Pelo litoral sul do Brasil, uma parte significativa da América identificada pelo período caraveleiro ibérico e sua posse colonial, nos Sécs 16 e 17, a existência de povos nativos divididos em tribos [de cultura oral] distintas, com particularidade na referência a tupis e guaranis, cuja linguagem próxima permitiu a penetração ibérica, e, no caso da Ilha de Brasil, mais a portuguesa, a partir de um acaso no Séc. 14, mas definitivamente no Séc. 16. Da região do Guarujá à Ilha de Santa Catarina passando pela Cananeia o histórico desses povos primitivos perpetuou-se nos sambaquis [do tupi-guarani, q.s., amontoado de conchas], criados a partir do descarte de conchas, moluscos marinhos e peixes, mamíferos e ossadas humanas: em milhares e milhares de anos esse descarte formou montanhas de material orgânico e calcário na linha litorânea. As conchas e as carapaças dos animais marinhos eram a base dos objetos utilitários antes desses povos curtirem a cerâmica como arte maior a par da confecção de redes de descanso, além dos corantes naturais com que se pintavam para a festa ou para a guerra. Um dos maiores sambaquis, ou o maior, já encontrado na América, situa-se no Guarujá, cuja estrutura ribeirinha e manguezal [marinha] é um extraordinário viveiro da história da pessoa humana, assim como os encontrados na beira-mar de outros locais do sudeste e sul. No caso do Sambaqui do Guarujá, podemos agora perspectivar a vivência e os rituais dessa gente primitiva que, no século caraveleiro, passou do précerâmico à era do ferro quase num golpe de mágica, tanto que os zoolitos [pedras polidas com forma de animais] encontram-se amiúde entre o material descartado a dizer-nos que além da alimentação, do trato utilitário, etc., o sambaqui foi também cemitério e local de rituais. Estamos, pois, diante de uma linha humana que nos permite identificar tupis e guaranis como uma simbiose dessa história – história que, particularmente os guaranis, repassaram aos navegantes ibéricos como um enredo místico e continental a partir do Piabiyu, o seu caminho ancestral a ligar o litoral e os sertões acima da Serra do Mar [via, por exemplo, Paranapiacaba e Cubatão]. Certo foi que de tal história humana tão primitiva tiveram os ibéricos de aprender os rudimentos para se adaptarem ao Novo Mundo e dele fazerem a sua terra nova. As gentes d´Itapema encontradas, primeiro pelas gentes do Bacharel, e depois pelos lusos já em caminhada de colonização, não tiveram nem como perceber a realidade dos mundos diferentes que o universo humano lhes mostrou, e tão diferentes que os receberam como divindades do mar. Assim, na maioria dos casos, e diante de lanças, flechas, martelos, serras, espadas, elmos, canecas, bacias e panelas, etc., etc., esse povo primitivo vivenciou outra estética, a par do vestuário e calçado. Sem tempo de adaptação, para uns e outros, a colonização aconteceu com a miscigenação no escambo sexual e a troca de peças utilitárias; enquanto os ibéricos recebiam


informações de importância estratégica e econômica, os nativos viram-se cada vez mais encurralados e dizimados. A miscigenação criou a gente mameluca e, logo, a gente caiçara [mistura de europeu com americano e negro]. Assim, e aos poucos – mas, em menos de dois séculos –, os europeus dominaram os nativos americanos criando uma nova sociedade sobre a nativa. Assim no litoral e serr´acima, a gente d´Itapema vivenciou o mameluco e o caiçara para se entrosar no ser-estar Brasil. Em muitos aspectos da vida d´Itapema, entre a pesca e a logística marítima, aquele povo antigo se mostra presente...

Fortim d´Itapema o que aqui vejo me é particularmente íntimo o que aqui percebo me é tão alquímico e profundo que no novo mundo o velho eu bebo neste forte d´itapema eu bebo a essência céltica do velho luso BARCELLOS, João – Itapema, 1992

Itapema defendendo Santos _ ost de B. Calixto E planta do Fortim d´Itapema c/ Perfil

O traço arquitetônico das praças amuradas no Brasil mostra que os mestres construtores comacines, que balizaram a civilização romana na Península Ibérica, embarcaram a sua estética urbana nas caravelas junto com a retórica imperial da cristandade. Foi da praxe arquitetônica comacine que nasceu a engenharia-militar e, dessa, a arquitetura como disciplina artesanal e acadêmica. Quando se observa o Fortim d´Itapema percebe-se de imediato a forma romana levada dos castros [vilas muradas celtas] e o conteúdo senhorial [nobreza e clero no mesmo palco do mando político].


Pode se dizer, e o digo, que o Brasil nasceu ocidentalmente romano entre os Sécs 16 e 18, e muito particularmente com o traço comacine do engº-militar José Custódio de Sá e Faria, que, ao tempo do Morgado de Matheus, deu base a fortes, vilas e templos ao largo da Sam Paolo dos Campi de Piratinin e do Rio Grande, e, logo depois, além Rio del Plata. A disposição geométrica e maciça do Fortim d´Itapema é claramente um desenho de defesa, mas no traço está também a sinalização de uma sociedade emergente e em expansão, logo, aquela disposição tanto é um alerta como é um abraço para quem chega.

Foi erguido para “[....] defender a margem oriental do estuário...”, quase que à flor d´água numa ponta de terra em Guaibê, batizada como Ilha de Santo Amaro, dando a cara para a villa de Santos mesmo estando uma légua adentro do canal da Barra Grande. Designado como Forte de Pinhão da Vera Cruz ficou popular mesmo como Fortim d´Itapema. Documentos indicam que o governador-geral Francisco de Souza, despachando da mina de ferro do Cerro Ybiraçoiaba, concedeu, por provisão, terras a Francisco Nunes Cubas que veio a ser o primeiro capitão do fortim. A data da edificação não está em documentação nem na carta arquitetônica disponível, mas deve ter sido entre 1580 e 1592, época em que o governador Souza tratava de obter mais ferro nas minas de Affonso Sardinha [o Velho] e do qual obteve um dos fornos catalães – aliás, é da mesma época a Fortaleza da Barra Grande [ou de Santo Amaro], pois, mesmo em tempo de trono luso-castelhano [1580-1640] era preciso evitar as invasões dos corsários ingleses que, não atacando os portugueses, não perderam a oportunidade de beliscar os castelhanos durante a vigência do reino felipino. O notável Morgado de Matheus [Luís António de Sousa Botelho Mourão] assinalou, em informe reinol [30.6.1770] que a praça estava “artilhada com 8 peças de artilharia, 4 de calibre 12 e 4 de 8 libras de bala”:


"A Fortaleza do Itapema se acha com seis peças, todas desmontadas, porém com boa artilharia, apesar de não ter tido quem lhe preste o mínimo benefício. Esta fortaleza, pela situação em que se acha, tem grandes vantagens pelo dano que pode fazer aos navios, apesar de lhes apresentar pouco fogo; porém, como o canal é muito próximo à fortaleza, pode esta pelo menos cortar toda a enxárcia e fazê-lo desarvorar com plaquetas, balas fixas e encadeadas, e pelo ângulo que forma o canal oferecem os navios a popa e o flanco, de cuja vantagem se podem aproveitar os da fortaleza, metendo-lhes balas de coxias, e arrancar-lhes as obras mortas, fazendo-lhes ao mesmo tempo grande mortandade. Nesta fortaleza há lugar para se fazer um telheiro em que se possam recolher quatro peças, com seus reparos, e o quartel precisa de grande conserto." (Sobre as fortificações da costa marítima da Capitania de São Paulo, manuscrito sem autor nem data, c. 1797 – in Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo. Vol. XLIV, p. 305).

Mapa da Capitania de S. Vicente, Forte d´Itapema (mapa da Ilha de Sto Amaro) e planta do fortim

E até fins do Séc. 17, exerceram o comando o notável Pedro Tacques de Almeida e Gaspar Leite Costa, entre outros.

Neste mapa, a Ilha de Santo Amaro está espichada, e nota-se na parte oeste (ou à esquerda) os ícones de igrejas (c/ cruzes no telhado), casas (sítios e fazendas), fortalezas (com suas muradas). Surge a Fortaleza de Santo Amaro (Barra Grande), na defesa do canal do estuário [´guarapiçumã´, na linguagem guarani], que leva até a Vila de Santos. Também, referências à Ilha das Palmas e à Ponta Grossa. Os sítios de Sette, Canhema e Monduba. E à direita, as igrejas de Nossa Senhora da Conceição e de Santo Amaro. Frente à Vila de Santos, o Forte de Itapema. [Aproveitamento dos apontamentos de Sérgio Willians, web, 2016]

A importância do Fortim d´Itapema está também relacionada à expulsão dos franceses da Baía da Guanabara... O reinol e militar Estácio de Sá armou parte das tropas, com apoio do jesuíta Manoel da Nobrega, entre a Ilha de Sto Amaro e Itapema, em 1565.


Hoje, o Fortim d´Itapema é uma peça da história da arquitetura gizada pela engenharia-militar e faz parte da imensa paisagem colonial litorânea, esse painel fabuloso que nos ensina com quantas pedras se transformou a Ilha de Brasil na Nação continental sob a Língua portuguesa.

Sociedade Luso-Brasileira, Mameluca & Caiçara

Paisagem da vida caiçara _ Calixto

Não se pode querer vislumbrar uma história nativa sem lhe conhecer os traços da sobrevivência, da mesma maneira não se pode sequer intuir uma nova sociedade sem demonstrar os traços político e religioso. Toda a Europa monárquica estava sob o mando do Papado cristão, i.e., cada reinado obedecia a um ordenamento político e fundiário do qual a cristandade se obrigava a pagar tributos a Roma. Os países ibéricos, Portugal e Espanha, eram os mais arraigados a esse ordenamento, de tal sorte que em 1494 o rei português João II e a rainha castelhana Isabel celebraram o Tratado de Tordesilhas em partilha de terras descobertas e a descobrir sob a autoridade do Papado, e foi nessa era caraveleira que a cristandade embarcou também na política ultramarina de cerco e posse de terras de povos não ´catalogados´ no mapa-mundi conhecido.

Eis que a colonização não foi nem lusa nem castelhana, mas ibero-cristã em todos os sentidos da ação militar e sociopolítica. Daí que a cada nova capela erguida em determinado fogo, ou em aldeia tomada aos nativos, era a capela tida como marco-zero local da civilização ocidental-cristã.


A catequização ou evangelização cristã teve o mesmo papel colonizador da ação militar dos colonos que na beira-mar ou serr´acima projetaram na Ilha de Brasil um outro Portugal... Foi na região de Itapema que se fixou o colono Jorge Ferreira para fazer singrar ali o estilo ocidental-cristão de fazer e levar a vida.

do olhar duro a rústica lágrima é vitrine d´humanidade a gente da faina ribeirinha tem sua idade dita na lágrima é água d´alma oh olhar duro que a vida tanto destrata oh olhar duro de tantas raças um´alma BARCELLOS, João – “Gente Caiçara” / Fortim d´Itapema e Paraty, 1992 [caiçara, do tupi-guarani Ka´aysara, q.s., cerca rústica]

Os primeiros tempos do assentamento português à beira-mar, a era dos caranguejos, como foi denominado o período diante do ´paredão´ [leia-se: Serra do Mar] foram de trocas de informações com os nativos e logo atividades de extrativismo vegetal, caça e pesca, além de lanifícios e cerâmicas, tornaram-se ofícios entre a miscigenação que já vinha de Gohayó e do Porto das Naus como ´bandeira´ importante para a fixação e expansão do mando luso-cristão.

Cais das Barcas, Catraias, Ferrovia & Bondinho Elétrico


Estação das Barcas, Catraias, e Ferrovia. Imagens da estação de trens Itapema (distrito Vicente de Carvalho) do Tramway do Guarujá / Acervo de Octávio Luís Bertacin, e neto do engºo Ettore Bertacin (Casa Siemens) que dirigiu a eletrificação da ferrovia. / Arquivo do Estado e Wanderley Duque.

Barcas

Quando naquele 4 de Setembro de 1893 se inaugurou a linha férrea, foi aberto o Serviço de Travessia Marítima com barcas. O percurso: da Estação de Santos, frente à Alfândega, para Itapema. O serviço integrava as barcas, a locomotiva a vapor e o tramway.

Catraias

As pequenas embarcações de pouco calado [calado = o ponto mais baixo da quilha na linha d´água] sempre foram utilizadas à beira-mar, e nem é preciso dizer que a logística dos nativos, à época do quinhentos, era somente movida a canoa e piroga, que os portugueses utilizaram pelas vantagens oferecidas.


Denominadas catraias, as embarcações são uma alternativa entre cais para o comércio de todo o tipo de objetos e o transporte de famílias, além, obviamente, da pesca. São embarcações movidas a remos, à vela, e, após o advento da revolução industrial, como motor de bordo.

Ferrovia

"[...] O trem da SPR, com várias autoridades chegou a Santos às 13:30, e em bondes especiais dirigiram-se à Alfândega, onde tomaram o vaporzinho "cidade de São Paulo", a fim de atravessar o estuário. (...) Em Itapema tomaram o trem inaugural, que em pouco tempo passava em frente ao Grande Hotel...". STIEL, Waldemar – in História dos Transportes Coletivos de São Paulo.

Mapa da estrada de ferro Itapema-Guarujá


A linha, segundo as fontes oficiais, foi construída para “transportar a alta sociedade paulista para as suas casas de veraneio na praia de Pitangueiras”: no Guarujá, a linha da Cia Balneária da Ilha de St Amaro fazia a ligação com o Porto de Santos, e via balsa, até Itapema, prosseguindo para Pitangueiras. A linha férrea tinha 9 km, em 1893, mas foi substituída, em 1925, por uma linha de Bonde Elétrico até à Estação das Barcas d´Itapema. A estação foi desativada em 1956 junto com o tramway [bonde elétrico]. Na região foram também instaladas linhas de decauville, caminho de ferro de via estreita (bitola de 400 a 600 mm inventada por Paul Decauville) de variada aplicação em transportes. No caso de Itapema, o tramway completava o transporte urbano até os balneários.

Parte Terceira Da toponomia nativa Itapema a distrito Vicente de Carvalho

Atrás do Fortim a urbanidade d´Itapema

Os lugares nativos que os velhos povos encontrados pelos colonos europeus tinham com demarcação ecossocial, enquanto utilidade logística para o seu vai-vem, foram sendo batizados com nomes de divindades cristãs com marco-zero na capela; também, outras vezes, nomes de personalidades foram utilizados para batizar reagrupamentos fundiários na constituição de novas vilas, distritos, etc., e foi que aconteceu com a região autônoma de Itapema que, na calada do oportunismo político, transformou-se em Distrito Vicente de Carvalho na municipalidade de Guarujá... Como parte da linguística e nos meandros da geo-história e arqueologia, a onomástica estuda o todo verificando nos particulares o sentido dos lugares e suas origens, por isso, causou, e ainda causa, estranheza que o topônimo Itapema tivesse sido posto de lado para batizar o lugar ancestral com o nome de uma personalidade... de Santos! No mínimo, a população deveria ter sido brindada pelos políticos com um plebiscito para decisão tão importante no âmbito geossocial. Mesmo com a importância política e social do abolicionista e republicano Vicente de Carvalho, a sua personalidade não era e nem é maior do que a realidade histórica da região autônoma d´Itapema. E, por que Itapema era/é uma região autônoma? Porque o seu traço geossocial indica um desenvolvimento próprio – assim como aconteceu com Caucaia do Alto, distrito de Cotia, e as regiões de Ribeirão da Vargem Grande e Itapevi e Jandira (hoje


emancipadas da mesma Cotia), entre outros exemplos de batalha emancipatória – a buscar a liberdade administrativa e política em suas próprias raízes e sem negar, nunca, o espírito brasileiríssimo que carreia no nome Itapema!

Negar às Gentes d´Itapema a sua raiz própria é um insulto cultural e político com hora marcada para deflagrar conflitos sociais, o que deve ser evitado com a sensatez do diálogo político. A grandeza política e intelectual de Vicente de Carvalho nada tem a ver com a contenda regionalista jogada sem o respaldo popular e originada por um decreto assinado no meio do entusiasmo nacional-bairrista. Mas, acontece que Santos não era nem é Itapema...

Quem foi Vicente de Carvalho...

Vicente Augusto de Carvalho, nasceu na cidade de Santos [5 de Abril de 1866] e nela faleceu [22 de Abril de 1924] depois de uma vida plena dedicada à advocacia, ao jornalismo, à magistratura, à política e à literatura, e também à agricultura sendo fazendeiro em Franca. Filho do major Higino José Botelho de Carvalho e de Augusta Carolina Bueno, esta, descendente de Amador Bueno [o Aclamado]. Casou-se em 1888 com Ermelinda Ferreira de Mesquita (Biloca), em Santos, com quem teve 15 filhos. Entre eles a poetisa Vicentina de Carvalho e o jornalista Arnaldo Vicente de Carvalho. Formou-se em 8 de novembro de 1886, com 20 anos de idade, da Faculdade de Direito de São Paulo, no curso de Ciências Jurídicas e Sociais (sendo que para a matricula teve de obter licença especial da Assembleia Geral do Império, pois, não tinha a idade mínima para cursar a cátedra de direito). Como jornalista, colaborou em vários jornais: em 1889 fundou o Diário da Manhã, em Santos, e, em 1905, O Jornal. Ainda em 1885 publicou seu primeiro livro Ardentias. Três anos depois veio Relicário (1888) em plena efervescência abolicionista. Em 1902 deu à estampa Rosa, rosa de amor. A obra


que marcou sua carreira poética, Poemas e Canções, foi primeiro publicada em 1908 com prefácio do amigo Euclides da Cunha [que lhe deu a alcunha “o poeta do mar”] e teve 17 edições. Também se encontra colaboração da sua autoria na revista Branco e Negro (1896-1898). “Tradicionalista na métrica rígida, logo, parnasiano e contemporâneo de Baptista Cepellos, outro purista do vocabulário, Vicente de Carvalho foi um adepto do positivismo [a aferição empírica do mundo, ou práxis do saber], que marcou a sociedade santista...” [Barcellos, 1992]. Obs.: dados recolhidos também de diversos autores e empresas jornalísticas da baixada litorânea paulista.

Vicente de Carvalho & Itapema É verdade que Vicente de Carvalho marcou a sociedade santista, quiçá, de algum modo, a baixada litorânea paulista, mas daí a transpor a sua personalidade para o batismo de uma região já demarcada por um histórico nativo, luso-brasileiro e brasileiro, ou seja, com autonomia em sua raiz própria, foi um erro de política estrutural que fere a antropologia cultural. A diversidade geossocial deve ser respeitada e divulgada como fonte primeira de uma nação que o é precisamente por ter essa base. Ora, “o Brasil deve à autonomia de regiões nativas como Itapema a sua grandiosidade continental em comunhão com a Língua portuguesa, e em tal diversidade encontra-se o ser-estar tupi e guarani, português, africano e, em todos, o caiçara: eis o todo social d´Itapema...” [Barcellos, idem]. Diante deste quadro, questiona-se: em que base se sustenta o nome de Vicente de Carvalho para figurar nesta história local? Não tem base social nem política. Se a Lei 2.456/53 instituiu o Distrito Vicente de Carvalho erroneamente, para reforçar o erro, a Lei Municipal 1.374/1978 obrigou/obriga, no dia 5 de Abril, as Gentes d´Itapema a prestarem homenagem ao intelectual Vicente de Carvalho, por ser a data do seu nascimento... E quem celebra Itapema? O erro estrutural originou uma desestruturação sociocultural que só vem confundindo gerações e gerações de brasileiros e brasileiras d´Itapema que precisam mergulhar na verdade história da sua terra. Obviamente que um erro desses leva a conflitos socioculturais e políticos e formam uma base emancipatória regional. O diálogo social e político no entorno cultural da questão é que deve preservar a verdade histórica...

Benedito Calixto um paralelo necessário...

Fortim d´Itapema, Estação das Barcas e Calixto


É interessante saber que algumas gerações aprenderam sobre o Brasil assentado no litoral caiçara pelas pesquisas e pinturas de um notável da beira-mar: Benedito Calixto. Ele mesmo, sim, caiçara de vera origem, que aprendeu os ofícios da pintura, do desenho e da fotografia, para nos mostrar diversas fases do Brasil a partir da panorâmica social e mercantil que pulsava entre Santos e Itapema... E ninguém se lembrou deste personagem autêntico da vida caiçara para ilustrar a toponomia d´Itapema!, foram buscar alguém que nada tinha a ver com a região e sua história, como Vicente de Carvalho. Aqui fica o registro, porque perceber e cultuar a história verdadeira é construir um humanismo crítico saudável e progressista.

E por falar em personalidades...

Thiago Ferreira

Era um jovem que residia com os pais, ali no Pontão das Barcas. Nasceu no dia 1º de Maio de 1909, em Santos. Filho do marítimo Manoel Ferreira e de Anna Ferreira, passou a viver em Itapema acompanhando o pai, que ali tinha ofício profissional. Thiago assentou praça no Tiro Naval, em Santos, e paralelamente, frequentava o Clube Internacional de Regatas, (ainda) em Itapema, e a sua paixão pelos esportes levou-o a presidir o Itapema Futebol Clube, um dos mais antigos da baixada santista. Como funcionário de saúde, trabalhou na inspetoria do Porto no segmento farmacêutico. Jovem, esportista, dedicado funcionário público, Thiago Ferreira percebeu na Revolução Constitucionalista, de 1932, uma oportunidade de ser mais Brasil... Talvez que diante do Fortim d´Itapema a sua força juvenil tivesse ganho um vento de grandiosidade emocional empurrando-o para a aventura de uma política na contracorrente ideológica que assombrava a nação com eventos ditatoriais. Alistou-se


em meio a outros jovens ali mesmo, em Itapema. De corpo e alma lá foi o jovem para a guerra e por ela se fez herói caindo em plena batalha pelo ideal constitucionalista das gentes paulistas. Hoje, o herói é lembrado em busto e em nome de rua na histórica Itapema, com evento a cada 9 de Julho que passa.

Parte Quarta Comércio, Indústria & Turismo

Do aprisionamento de nativos, escambo sexual, usinas d´açúcar, alambiques, trapiches [pontos mercantis], cultivo d´algodão e cacau, da pesca e caça à agropecuária, eis o painel das atividades desenvolvidas pelos colonos, na maior parte das vezes em franco aprendizado com os povos nativos antes de instalarem as primeiras usinas em cópia da atividade açucareira e vinhateira na Ilha da Madeira. Obviamente, e porque as aldeias nativas ficavam sempre a quase uma milha da beiramar, o fortim foi levantado à flor d´água e em torno dele os portugueses deram inícios a atividades sociais e mercantis. Nos dados coletados pelo IBGE recentemente, o Brasil conta com 201.032.714 habitantes, o Estado paulista com 43.600.000, e a Baixada Santista com 1.760.277000; sendo que, aqui, a municipalidade do Guarujá conta com 306.683 habitantes... Ora, como 2/3 [dois terços] da população do Guarujá vive/habita no Distrito Vicente de Carvalho [leia-se Itapema], este tem 204.000 habitantes. Estes dados divulgados no blog/web ´Olhar Regional´, de Fernando Allende, demonstram que a atividade mercantil e de serviços está em Itapema, que responde por


cerca de 60% da arrecadação para o erário público do Guarujá, mas, dessa arrecadação o distrito só vê ´navios´, quiçá, uma miragem do velho fortim... A região tem grande diversidade cultural com forte presença de norte-nordestinos, catarinenses e libaneses e, ainda, muitos portugueses. Dessa mistura resultou um comércio que atende grande variedade de segmentos como o escolar, o automotivo, a comunicação visual. Como aconteceu esse desenvolvimento regional? Já nos Anos 50 do Séc. 20, os segmentos industriais e comerciais da construção civil tiveram em Itapema um desenvolvimento rápido. A região tornou-se ´lar´ para centenas de retirantes norte-nordestinos, na maioria trabalhadores braçais em busca de um ofício qualificado perto da área portuária, e foi nessa ´onda´ que a indústria e o comércio começaram a prosperar. Uma tragédia marcou a região: naqueles Anos 50, por causa de chuvas torrenciais, alguns morros de Santos sofreram desabamentos e muitas das famílias desalojadas buscaram nos chãos em Itapema, já Distrito Vicente de Carvalho, e mais precisamente no bairro de Paecará. Com o aumento populacional, partes de Itapema sofreram alterações: os loteamentos na Via Santos Dumont, na direção de Guarujá exigiram um plano emergencial de urbanismo, o que nem sempre atende plenamente a cidadania. Nessa ´onda´ logo se instalaram serviços especializados complementando os serviços industriais, e então, o distrito alcançou uma dinâmica social e econômica que abafou, e abafa, a de Guarujá. Com parte do Porto de Santos em seu território, via bairro de Conceiçãozinha, foi que o distrito garantiu um desenvolvimento peculiar: a instalação naquele bairro de terminais para atender as demandas das indústrias de fertilizantes e outro para contêineres, além de plantas industriais químicas e de alimentos. A área de logística tornou-se, então, um polo de serviços: a movimentação de cargas diversas no contexto portuário obrigou também a perspectivar acessos de grande envergadura no sentido da Rodovia Cônego Domenico Rangoni. Nos meandros de tal desenvolvimento, o Distrito Vicente de Carvalho foi obrigado a desenhar e construir acessos adequados, incluindo um ramal ferroviário para a conexão com as plantas industriais e o Polo Industrial de Cubatão. Um aspecto ecossocial deveria ter sido observado e não foi: a preservação das gamboas, i.e., água de preamar, que dá a impressão de lago no remanso d´água dos rios. E, a par disso, uma ação de instalação de equipamentos públicos sanitários. Sem a preservação, ou manejo adequado das gamboas, nem tratamento de esgoto e água, Itapema começou a sofrer o desgaste do desenvolvimento selvagem.

imagem do bº Pae Cará no início do desenvolvimento urbano d´Iapema

Obviamente, com um crescimento econômico e urbano raramente perspectivado para atender as demandas humanas, o distrito teve um crescimento paralelo de subemprego


criando franjas humanas pouco assistidas, principalmente no entorno do polo portuário de Conceiçãozinha. Estudiosos e políticos preocuparam-se com a situação de deterioração humana e ecológica na região – a saber: “A poluição das gamboas, em virtude da falta de saneamento básico e ocupações irregulares, vai para a maré, matando o mangue, que é de fundamental importância para o meio ambiente. Essa população que mora ao lado das indústrias do estuário não teve opção e o resultado é muito ruim. O Sítio é plano demais e é difícil organizar o sistema de esgoto. As águas com os dejetos passam pela beira das casas. As fezes ficam, às vezes, espalhadas pelas ruas e vielas, contaminando as pessoas, principalmente as crianças que brincam descalças. Todas as vezes que vim aqui eu voltei doente para casa, em virtude do que observei.” Deste importante estudo e depoimento do geógrafo e acadêmico uspiano Aziz Ab´Sáber, habituado ao trato das ´coisas´ em campus próprio, percebe-se que o aspecto sanitário não foi sequer tocado no desenvolvimento industrial de Conceiçãozinha. Ao longo dos anos, a bela e rude Itapema tornou-se refém da falta de políticas públicas diante da ganância e da ignorância.

Polo Comercial & Feira do Rolo Hoje, o distrito Vicente de Carvalho é tido como o segundo maior comércio da Região Metropolitana da Baixada Santista: possui mais de 200 lojas e um grande centro de compras, sendo as avenidas Santos Dumont e Thiago Ferreira as áreas onde mais se concentra o comércio. Com diversidade em meio a um complexo lojista de micro, pequenas e médias unidades, o distrito tornou-se ponto de compras de referência na área metropolitana. Assim, além do polo industrial-portuário, Itapema responde pelo crescimento comercial do Guarujá, enquanto sede municipal. Aos domingos, Itapema retoma a sua história ancestral: na Feira do Rolo ´rolam´ escambos de todo o tipo animando a região que recebe visitantes de toda a metrópole e de outras cidades litorâneas.

Porto de Santos & Base Aérea Dois focos socioeconômicos em Itapema O desenvolvimento socioeconômico de Itapema sempre esteve ligado ao cais de Santos. É verdade, desde sempre. E mais: dependeu e muito o cais santista do Fortim d´Itapema em diversas épocas entre meados do Séc. 16 e os primeiros anos do Séc. 17. A história o diz e comprova. Entretanto, o jeito caiçara de ser e estar das Gentes d´Itapema não as levou a buscar direitos geoeconômicos próprios ficando Guarujá com os lucros das operações no Porto de Santos.


Já em relação à Base Aérea a questão é outra: enquanto base militar a unidade instalada em Itapema trata da defesa e do apoio logístico a tropas em deslocamento. Apoiar as tropas é um dever nacional a partir do foco regional. Mas, com o convênio para operações civis em âmbito de Aeroporto Metropolitano para a Baixada Santista torna-se óbvio que Itapema tem direitos sobre os lucros ali gerados.

Porto de Santos/Guarujá Distrito Vicente de Carvalho / Itapema

Aberto em 2 de fevereiro de 1892, dando continuidade à sua história, o Porto de Santos transformou-se em Companhia Docas de Santos - CDS, entregando à navegação mundial os primeiros 260 m de cais, na área, até hoje denominada do Valongo. Foi uma nova fase para a vida da cidade, pois os velhos trapiches e pontes fincados em terrenos lodosos, foram sendo substituídos por aterros e muralhas de pedra. Uma via férrea de bitola de 1,60 m e novos armazéns para guarda de mercadorias, compunham as obras do porto organizado nascente, cujo passado longínquo iniciarase com o feitor Braz Cubas, integrante da expedição portuguesa de Martim Afonso de Souza, que chegou ao Brasil em janeiro de 1531. Desde então, o porto não parou de se expandir, atravessando todos os ciclos de crescimento econômico do país, aparecimento e desaparecimento de tipos de carga, até chegar ao período atual de amplo uso dos contêineres. Açúcar, café, laranja, algodão, adubo, carvão, trigo, sucos cítricos, soja, veículos, granéis líquidos diversos, em milhões de quilos, têm feito o cotidiano do porto, que já movimentou mais de 1 (um) bilhão de toneladas de cargas diversas, de 1892 até hoje. Em 1980, com o término do período legal de concessão da exploração do porto pela Companhia Docas de Santos, o Governo Federal criou a Companhia Docas do Estado de S. Paulo-Codesp, empresa de economia mista com capital majoritário da União. O complexo portuário abrange Santos e Guarujá, e aqui, via Itapema. Ou Distrito Vicente de Carvalho.


A parte do Guarujá/Itapema, ou Margem Esquerda do Porto de Santos, foi renomeada como Porto de Guarujá pelo Projeto de Lei Completar 152/2013. Essa ´parte´ do Guarujá é, na verdade, a parte que envolve Itapema, hoje Distrito Vicente de Carvalho. E essa ´parte´, com 4 milhões de m², o segundo maior do Brasil, além de um território que cresce com o advento da área Retroportuária e do Complexo Industrial Naval de Guarujá [Cing], movimenta cerca de 55% das operações com contêiner do cais santista. Entretanto, e além do absurdo de terem substituído a identidade de Itapema, os políticos da região não dividem [com Itapema] os recursos auferidos com a atividade portuária.

Base Aérea de Santos Distrito Vicente de Carvalho / Itapema

A 73 km da capital São Paulo, e 8,5 do Guarujá, o Aeroporto Civil Metropolitano possui pista com 1.390 m de comprimento e 43m de largura. Existe um convênio para compartilhamento de atividades de aeronáutica entre o comando da Força Aérea, em Brasília, e o Estado paulista. Até 2005, operava na Base Aérea de Santos o 1° Esquadrão do 11° Grupo de Aviação (1º/11º GAv), o Esquadrão Gavião, com helicópteros Helibrás HB-350B Esquilo, no âmbito da FAB [Força Aérea Brasileira].


A partir de 2006, a Base Aérea virou "Núcleo", tendo em vista que o 1º/11º GAv foi transferido para a Base Aérea de Natal. Mas, no ano de 2015, voltou à condição de Base Aérea, transformando-se em aeródromo de desdobramento e apoiando as demais unidades aéreas dos três ramos das Forças Armadas, quando em deslocamento ou treinamento em sede. Em 22 de Junho de 2015 recebeu concessão para um aeroporto comercial no município, nomeado Aeródromo Civil Metropolitano de Guarujá e de forma mais abrangente Aeródromo Civil Metropolitano da Baixada Santista. A nova estrutura dividirá espaço com a BAST e terá a ampliação da pista de pouso e decolagem. A expectativa é que as novas instalações aeronáuticas recebam 20 voos diários.

Turismo A situação geográfica e a história d´Itapema permitem desenhar alguns painéis para o turismo corporativo e o turismo de lazer. Pela história no entorno do Fortim d´Itapema a região já recebe muitas pessoas interessadas em saber mais, em conhecer aspectos da vivência regional descobrindo o que está atrás daquele monumento. E por sediar parte das atividades portuárias, a par de um parque industrial que se expande anualmente, o turismo corporativo deve ser incentivado, uma vez que executivos e técnicos sempre querem saber mais do histórico geossocial que pulsa além das fábricas e galpões.


Parte Quinta Ações Emancipatórias e Retomada do Nome Porto Itapema

"A população respira Porto d´Itapema, quer o nome de volta e a emancipação” Clayton Leite – palestra em Caucaia do Alto [30.11.2016]

1 Existem forças políticas e econômicas para as quais não é interessante a emancipação do Distrito Vicente de Carvalho. Não querem perder privilégios resultantes da arrecadação que do distrito vai para o erário público de Guarujá – recursos que deveriam retornar na forma de equipamentos de saneamento, educação, saúde, infraestrutura e segurança. Toda a atividade econômica da municipalidade de Guarujá está concentrada no comércio e serviços de Itapema, além de que as operações portuárias rendem uma arrecadação elevada. Torna-se óbvio que a perda da arrecadação bruta gerada em Itapema é o que leva os políticos, ou parte deles, a não apostar na emancipação do distrito. Em cima do muro, autoridades de Guarujá dizem-se até favoráveis, mas apontam que “o distrito não tem condições para, emancipado, tratar da infraestrutura”... Ora, a questão é como a do Distrito Caucaia do Alto, em Cotia, na região metropolitana paulista: em anos e anos como distrito não conseguiu um desenvolvimento adequado, logo, assim como Porto d´Itapema, o que é preciso é levar adiante o espírito autônomo da população que cresceu no entorno do Fortim, da Doca de Santos e gerar a emancipação. 2 Quando os políticos se dizem a favor mas colocam o investimento como empecilho, está claro que os seus interesses geossociais são os mesmos que o professor Ab´Sáber já anotava sobre o ´sítio Conceiçãozinha´ – a saber: permitir a degradação do distrito para investir somente na cidade-mãe.


Tanto a população urbana quanto aquela que ainda respira a alma caiçara tem algumas dúvidas, mas essas dúvidas sobre o sucesso da emancipação desaparecem quando recebem explicações históricas [sobre o nome Porto de Itapema] e políticoadministrativas [sociedade, indústria, comércio, arrecadação regional, etc.]. Ora, tudo o que é preciso fazer para levar bandeira emancipatória para o diálogo com os povos está na observação cuidada da realidade urbana que cerca cada pessoa que sofre por não ter acesso a transporte público e saúde; esse diálogo social e cultural e político reforça a grandeza do espírito emancipatório que a fidalguia de Guarujá não quer abraçar. Parte da vereança de Guarujá é favorável, diz-se, à emancipação do distrito e várias reportagens em jornais regionais reforçaram essa adesão, mas a esses políticos abraçar decididamente a causa e erguer a bandeira do Porto d´Itapema. Quem passa e observa o movimento na Avª Thiago Ferreira [um comércio local com mais de 60.000 pessoas/dia] percebe que ali está a pujança de um distrito pronto para ser municipalidade, o que falta é decisão política e uma ruptura com os padrões coronelísticos que ainda grassam no republicanismo municipal.

Parte Sexta Dados Geossociais, Religiosos & Esportivos

O Distrito


Pela Lei 2.456/53, de 30 de Dezembro de 1953, o governador Lucas Nogueira Garcez, criou o distrito de Vicente de Carvalho, que abrangia a Bocaína, o antigo Itapema e a várzea do Sítio Paecará. Dia do Distrito: a Lei Municipal 1.374/1978 obrigou/obriga, no dia 5 de Abril, as Gentes d´Itapema a prestarem homenagem ao intelectual Vicente de Carvalho, por ser a data do seu nascimento, logo, Dia do Distrito. Área: 80 Km2 Localização: a noroeste da ilha e separado do Guarujá pelo rio St Amaro. Habitantes: 204.000 [2/3 da população do Guarujá] Coordenadas: 23°57'7"S 46°16'17"W Clima: O clima é do tipo tropical úmido com chuvas pesadas no verão. O índice pluviométrico é de 2.390 mm / ano. Temperatura: A média anual fica em torno 22ºC e média mínima de 18 °C. Hidrografia: Os mananciais que abastecem o Guarujá estão situados na Bacia hidrográfica da Baixada Santista. A ocupação da bacia é 20% urbana, 10% agrícola e 70% de matas. Os mananciais estão em boas condições e o principal problema de poluição são os sólidos/folhas arrastados pelo rio, pois o manancial é razoavelmente bem protegido das ações urbanas. O abastecimento de água é feito pelo Sistema Jurubatuba, composto pelos rios Jurubatuba e Jurubatuba Mirim, com uma capacidade de captação em condições normais de 1800 litros/segundo. O sistema de abastecimento de água de Guarujá permaneceu isolado dos demais sistemas até meados de 2006 quando passou a ser interligado ao sistema de Santos através de tubulação instalada na Ponta da Praia passando a 15 m abaixo do fundo do Estuário. A diferença entre as fontes de Guarujá e a que alimenta Santos, São Vicente, Cubatão e Praia Grande, está nas dimensões das bacias de captação. Segundo informações da Sabesp, a do Rio Cubatão tem cerca de 130 quilômetros quadrados, enquanto que as do Jurubatuba e Jurubatuba Mirim têm apenas 40 e 11 quilômetros quadrados, respectivamente. Durante o período de grande estiagem (maio a setembro) há uma redução na capacidade de captação caindo de 1800 para 800 litros/segundo, em consequência falta água para parte da população de Guarujá. A área de captação situa-se na parte continental do município de Santos, na "Serra do Mar", em área de preservação ambiental. O transporte da água até Vicente de Carvalho é feito por tubulações de 900 mm, percorrendo uma distância de 13 Km. A cidade conta ainda com 7 reservatórios com capacidade total de armazenamento de 26 milhões de litros de água. Este sistema garante o consumo médio mensal de 2 bilhões de litros de água para uma população fixa estimada em 265 mil moradores, sendo possível um aumento de até 50% nas temporadas de verão. /// As nascentes d'água existentes na ilha desaguam no estuário de Santos, Canal da Bertioga ou no Oceano Atlântico. Eis os rios: Rio Santo Amaro, Rio do Meio, Rio da Pouca Saúde, Rio Acaraú, Rio Comprido, Rio dos Patos, Rio Maravatã, Rio Perdido, Rio do Peixe, Rio Ostreiras e Rio Crumaú. Geologia: A Ilha de Santo Amaro é constituída por um embasamento cristalino de idade pré-devoniana; granitos e rochas metamórficas, via de regra intensamente dobradas. Essas dobras dispõem-se no sentido NE-SO, paralelas à costa.


O embasamento cristalino corresponde à parte acidentada da região. Ao lado aparece a cobertura sedimentar – a saber: a) Sedimentação marinha, nas praias e restingas; b) Sedimentação intermediária, que correspondente aos mangues [bancos de lodo e areia]; c) Sedimentação terrígena, constituída por aluviões terrestres. Vegetação: Rasteira nas proximidades do mar, logo após a área de influência marítima apresenta uma vegetação arbustiva conhecida como jundu, que também se caracteriza pela presença de árvores de pequeno porte, e mangue com suas raízes aéreas, junto aos cursos d´água. Nas regiões mais elevadas, que sofrem maior influência dos ventos marítimos, apresentam uma Floresta Tropical semelhante à Mata Atlântica.

Religiosidade Cristandade na base da Itapema mística

O serviço religioso [da cristandade ao judaísmo, do protestantismo ao islamismo, passando pelas tradições africanas, etc.] e o esotérico [maçons, rosacruzes, etc.] tem em Itapema um painel diversificado. No campo histórico a presença da cristandade – a católica e a evangélica – é um quase padrão de fé e de comportamento.

Igreja de Nª Sª das Graças em Itapema

A nomeação das primeiras vilas com os nomes de S. Vicente, Santos e Santo Amaro [ou de cunho judeo-cristão, como Cananeia], por exemplo, logo assentou o espirito catolicizante da colonização após a Guerra d´Iguape. Mas, ficaram de fora as localidades já com atividades sociais bem demarcadas, como Itanhaém, Guarujá e, obviamente, Itapema. Isso mostra que não é o [re]batismo que altera comportamento e histórias, pois, a autonomia d´Itapema só lhe reforçou o satus quo de localidade com vida própria. Sabe-se por documentação avulsa que caiçaras e fazendeiros ergueram uma Capela celebrando Santa Cruz do Riacho, ainda no Séc. 16. Como não há referência a capela no âmbito do Fortim d´Itapema, nicho tradicional nas fortificações ibéricas, presume-se que aquela Capela de Santa Cruz do Riacho foi a primeira da região.


Esportes

Itapema Futebol Clube

O Itapema Futebol Clube foi fundado em 11 de Novembro de 1915, data que faz deste clube o mais antigo no âmbito das associações futebolísticas de várzea. Da sua história sabe-se que alguns jogadores dedicaram mais de meio século ao clube, como Odair Póvoas, Chico da Rita, Francisco Campos, etc., e que pela sua presidência passaram notáveis como Thiago Ferreira, um dos heróis da guerra constitucionalista de São Paulo.

Dos grandes jogadores [craques] que vestiram o manto d´Itapema, destaque para Gerson [também do Inter e do Santos], Pires [também do Palmeiras], Celso [também do Porto], Passos [também do Santos], entre outros.

Clube Internacional de Regatas Um clube santista que fez história em Itapema


O Clube Internacional de Regatas foi fundado em reunião ocorrida às 19h30 do dia 24 de Maio de 1898, na Rua Martim Afonso nº 1. Estiveram presentes 36 pessoas, antigos funcionários da firma Naumann Gepp & Cia, que elegeram João Scott Hayden Barbosa o primeiro presidente da agremiação. Foram fundadores: Adolfo Hayden Barbosa, Alarico Vieira Barbosa, Alberto Morais, Alberto, Reissmann, Alfredo Peixoto, Antônio de Almeida Campos, Arthur Campos de Camargo, Augusto Costa, Augusto Sarne, Bernardino Gondim, Carlos Beyrodt, Carlos Santana, Charles G. Vieira, David Ferreira, Deoclécio Andrade, Esaú Silveira, Henrique Tross, Henrique Porchat de Assis, João Dumans, João Guimarães Jr, João Martins Peixoto, João Scott H. Barbosa, Jorge Sayé, Lauro Guedes Pereira, M.L Paterson, Manuel Inácio da Fonseca, Manuel Martins de Oliveira, Marcelino Campos, Mario da Cunha Nogueira, Mario Moraes, Nímio de Paula Martins, Raul Schmidt, Renato Malheiros, Thomas da Silva e Vicente Ferreira Martins. A primeira sede do clube foi instalada em um imóvel na Bocaina, em Itapema, com algumas construções: um barracão para guarda de barcos, outro como oficina de reparos e um chalé para recreação dos sócios. Foram também adquiridas 2 canoas (Cecy e Pery), uma guiga de corrida (Iracema), um escaler para passeio de sócios e dois escaleres de corrida (Tapuia e Guaianás). Também foram adquiridos aparelhos de ginástica, bolas, mesas, cadeiras austríacas, bandeiras e outros utensílios.

No ano 1899, o clube alugou o Trapiche Paquetá para guardar as embarcações e, logo, o trapiche São Paulo, vendendo o terreno da Bocaina. O retorno a Itapema. No início de 1900 transferiu-se para a Ponta da Praia e, em 1922, retornou a Itapema, quando adquiriu um terreno e construiu sua sede social equipada com campo de futebol, pista de atletismo, quadras de criquet, basquete, mais 60 embarcações, modalidades de remo, natação e esgrima. Em meados de 1942 retornou para a Ponta da Praia.


Parte Sétima Personalidades / Instituições & Bibliografia

PERSONALIDADES / INSTITUIÇÕES Arquivo do Estado de São Paulo _ Brasil Arquivo Histórico Ultramarino / IICT - Instituto de Investigação Científica Tropical _ Lisboa, Portugal Associação dos Engenheiros e Arquitetos do Guarujá _ Brasil. AB’SÁBER, Aziz N. – geógrafo e cientista e uspiano [1924-2012], Através da aplicação da teoria dos redutos e a compartimentação dos domínios morfoclimáticos ele foi um dos protagonistas, quiçã o maior, da evolução da Geografia Física brasileira. // Obs.: Eu tive o privilégio de anotar diversas conversas acerca da história e da ecologia do Brasil, junto com o jornalista W. Paioli, na redação dos jornais Gazeta de Cotia e Treze Listras, entre os anos 90 e o início do Séc. 21. Em casa do professor e amigo e vizinho, colhi ensinamentos e informações preciosas acerca dos sambaquis, caiçaras, Serra do Mar e Cerro Ybiraçoiaba, etc. Biblioteca Nacional _ Rio de Janeiro, Brasil. CALIXTO, Benedito [1853-1927] – um genuíno caiçara ilustre pintor, fotógrafo e historiador. Nasceu entre as gentes caiçaras na beira-mar d´Itanhaém, a sul d´Itapema. Autodidata, produziu cerca de 700 peças d´arte, sendo que existem 500 catalogadas em acervos particulares e oficiais. Deve-se a este autodidata e não a acadêmicos o resgate da sempre ignorada d´Itanhaém, porque ele escarafunchou documentação esquecida nos porões da podridão oligárquica vicentina, paulista e mesmo itanhaense. // Obs.: Foi no Rio, entre 1988 e 89, que aprendei muito sobre a história luso-brasileira e caiçara ao estudar pinturas de Calixto. E quando, em 1991 e 92, de Paraty a Cananeia pude observar Itapema, Santos e São Vicente com parada em Ubatuba, o que vi ´atirou-me´ imediatamente para as fabulosas pinturas de Calixto. Eis um personagem que ainda não foi devidamente celebrado na história do Brasil, como muitos outros adormecidos nos porões da politicagem que impede a história verdadeira. Câmara Municipal de São Paulo / Biblioteca _ atas quinhentistas da Casa e ofícios das Capitanias de S. Vicente e S. Paulo, Brasil. FundArt _ Fundação de Arte e Cultura de Ubatuba, Brasil. Fundação Arquivo e Memória de Santos _ Brasil Fundação Pinacoteca Benedito Calixto _ Brasil Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo _ Brasil Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina _ Brasil MORGADO DE MATHEUS [Luís António Mourão] – o 4º senhor da Casa de Matheus, de Trás-os-Montes, indicado pelo Marquês de Pombal para governar a Capitania de São Paulo e Minnas [1765-1775]. SÁ E FARIA, José Custódio de [1710...? - 1792] – engº-militar, cartógrafo, governador do Rio Grande de São Pedro [1760], presença importante no Tratado de Madrid [1750]. A sua cartografia sobre os rios Anhamby [Tietê] e Jeribatyba [Pinheiros] ajudou o Morgado a perspectivar a navegabilidade mercantil paulistana. Torre do Tombo / Biblioteca Nacional _ várias pesquisas a partir de ´Papeis do Brasil´, Lisboa, Portugal. IBGE _ Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Itamaraty _ Mapoteca. Rio de Janeiro, Brasil.

BIBLIOGRAFIA


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ANEXO Fortalezas, Fortins, Motins Nativos & Guerra d´Iguape

Fortim d´Itapema na geopolítica da Ilha de St Amaro

Fortalezas, Fortins, Motins Nativos & Guerra d´Iguape João Barcellos 1992

Agradecimentos a Aziz Ab´Sáber e Hernâni Donato pelas dicas e saberes.

As defesas fortificadas, na maioria das vezes trincheiras reforçadas, deram início ao estilo ibérico da defesa de interesses ocidentais na beira-mar a sul da Linha tordesilhana e entre Gohayó [depois, Villa de S. Vicente], Enguaguaçu [depois, Villa de Todos os Santos] e Yperoig [depois, Villa de Ubatuba].


Enguaguaçu / Villa de Todos os Santos

Esses “[...] fortes e fortins, de média e pequena envergadura, eram construções rudimentares com estacada de madeira e terra apiloada, da mesma maneira que os portugueses haviam visto e vivenciado nas praças do norte africano nas investidas latifundiárias em prol da cristandade do Séc. 14 e que, nos Sécs 16 e 17, seriam a base dos casarões das vilas à flor d´água e serr´acima. Entre esses fortins destaca-se o d´Itapema por ser o garante da trincheira de último recurso entre a da Bertioga e a de Santos ao espremer o intruso...” [Macedo, 1981]. O aparelhamento de tais estruturas militares permitia uma ação multifuncional, i.e., defender a região de invasões e ao mesmo tempo, capitanear as embarcações que saiam dos cais seguindo mar adentro. Quando o bacharel Cosme Fernandes se autodenominou senhor da costa sul com capitania em Gohayó, o que aconteceu? Certo que representava os alinhavos do Tratado de Tordesilhas e a precisão do ponto sul localizado em Ilha Comprida (também, Ilha Branca), onde fora deixado a seu pedido, em 1499 [Cortesão, 1960], aquele judeucastelhano a serviço do rei João II e, depois, Manuel I, criou na sua ´capitania´ dois movimentos: primeiro, semita, ao incorporar a sua raiz cultural ao meio aplicando o nome ´gohayó´, e segundo, castelhano, em defesa da leitura própria da carta tordesilhana. Obs.: o termo ´gohayó´ / ´goiaió´ vem do hebraico gua [região], hi [ela] e hó [merenda, benefício], q.s. ilha/lugar de provisões. Alguns especialistas na língua hebraica, citados pelo poeta J. C. Macedo, indicam tais aplicações no ir-e-vir de exploradores semitas principalmente aqueles enviados/degredados pelos reis ibéricos ao Mundo Novo. O caso do ´bacharel´ difere dos outros porque ele se ofereceu para ser ele mesmo o marco do ponto sul tordesilhano.

Tudo indica que aquele ´lugar de abastecimento´ foi alvo da sabedoria do bacharel, que se percebeu muito isolado no lagamar da Ilha Comprida e se foi com os guaranis a formar Gohayó à vista dos canais e, ali, erguer o Porto das Naus para receber e abastecer as embarcações: o primeiro grande entreposto marítimo do Mundo Novo e a primeira aldeia-cais da raça mameluca. É por fatos como esse que se diz ter sido o Séc.


16 o século judeu do Brasil. Ora, logo depois do bacharel, cerca de 1540, surgiu em Santos e em Sam Paolo dos Campi de Piratinin o fabuloso político, fazendeiro, banqueiro e minerador e cristão-novo Affonso Sardinha (o Velho), lembrando que entre os dois já marchava serr´acima João Ramalho, outro cristão-novo. o que resta pra viver é o sibilar do vento embarcado na onda do mar mas quero ir além do mar e das trincheiras da praia vou no serrado a desbravar tudo que houver BARCELLOS, João – Gohayó / S. Vicente, 1992

As paliçadas e os muros apiloados das fortificações da beira-mar logo servem de planta reciclada para moradias senhoriais nos primeiros tempos do assentamento português entre o Jeribatyba [rio Pinheiros] e o Anhamby [rio Tietê].

Garrancho feito em sobrevoos de teco-teco _ jBarcellos, 1992

Um pouco antes, nada disso existia... A chegada da primeira armada destinada oficialmente ao Brasil foi que alterou tudo: com Cosme Fernandes do lado castelhano, o capitão Martim Afonso Sousa deu-lhe guerra e, em Iguape, de 1532 a 34, destronou o ´senhor da costa sul´, logo, “[...] tiveram início empreitadas para erguer pontos de defesa fortificada em vários pontos e entre os canais. Um dos pontos mais importantes foi o de Itapema pela retaguarda e pela tática de ´emparedar´ quem ao canal grande ousasse adentrar sem permissão” [Macedo, idem]. Ao surgir como que um farol entre


as enseadas, o Fortim d´Itapema não despertava de imediato a apreensão nos intrusos, e esse foi desde sempre o elemento surpresa.

As Fortificações St Amaro Bertioga Itapema

Forte da Barra Grande de St´Amaro

Construída nos Anos 80 do Séc. 16 ao sul da Villa de Santos adentrando 1 ½ légua a região. A ordem da ´fábrica´ do forte foi dada pelo seu navegante Diogo Flores Valdez, em nome do reinado felipino, para uma melhor defesa das vilas de S. Vicente e Santos já assaltadas e pilhadas pelos corsários comandados por Thomaz Cawendish e Edward Fenton, ambos a serviço da realeza inglesa contra espaços ultramarinos castelhanos. O engº-militar Giovanni Battista Antonelli, que estava a bordo da Armada Invencível, recebeu ordens do almirante Valdéz [cuja missão era a construção de uma fortaleza no Estreito de Magalhães] para construir uma defesa no canal maior; ele viu que uma grande rocha se destacava sobre o canal de entrada para Santos e logo esboçou o que seria uma das mais belas edificações militares à flor d´água...

Forte da Bertioga A região da Bertioga foi, no entorno do Porto das Naus, Goyaió, e dos interesses judeo-castelhanos do Bacharel da Cananeia, uma ponte natural a separar diversas tribos inimigas entre Cananeia e Rio de Janeiro – a saber: do Cabo de S. Tomé, no litoral carioca, até Caraguatatuba e tendo fronteira no Rio Juqueriquerê, existia um espaço tupinambá, e daí para Cananeia passando por Gohayó (S. Vicente), Itanhaém e Peruíbe, era espaço tupi-guarani.


Essa guerrilha nativa foi mais intensa quando o tampão estratégico Gohayó deu lugar à Villa de S. Vicente e as tribos perceberam a perda do espaço tradicional. Os tupinambá davam guerra aos tupi-guarani [o termo tupiniquim é uma generalização, e assim como termo goyanáz] concentrando esforços em Yperoig (hoje, Ubatuba). Portugueses e nativos aliados em Santos e S. Vicente tiveram a mesma noção do ´bacharel`: fazer da Bertioga o ponto primeiro da resistência a quaisquer tentativas de invasão. Se no momento bacharel era o início da presença ibérica no sul tordesilhano, no momento castelhano era um Portugal subjugado aos interesses da Coroa filipina, logo, a transição entre esses momentos exigiu, até para os castelhanos em defesa própria, a ´fábrica´ de um forte na Bertioga. No ano 32 do quinhentos, o colono Diogo Braga, casado com nativa e pai de cinco mamelucos – talvez um dos homens do bacharel que resolveram sobreviver ao chefe – juntou esforços com tupis e guaranis para construir a fortificação na embocadura do canal da Bertioga. A história luso-brasileira é tão rica de pormenores, que um deles deve ser lembrado: foi neste forte que Estácio de Sá se preparou e dele avançou mar adentro com a missão de expulsar os franceses e fundar a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, com o apoio do jesuíta Manoel da Nóbrega, que havia mandado erguer a aldeiacolégio de Sam Paolo dos Campi de Piratinin depois do fracasso da aldeia Maniçoba, no certam do piabiyu, cerca de 1553. Obs.: os certõens dos guaranis tinham como tronco principal o piabiyu [caminho feito a pé] a ligar os continentes do sul americano, que os jesuítas queriam tomar para edificar um império teocrático, e começaram por Maniçoba, perto de Jundiaí, em 1452-53, empreendimento que não deu certo, mas logo retomado em 1954 com a Sam Paolo dos Campi de Piratinin sob mando de Manoel da Nóbrega, e não de Anchieta, como se diz em coro de ignorantes.

E assim, em 1547, nasceu o Forte de Sant´Iago a sueste de Villa de Santos, cerca de 5 léguas. Na verdade, uma trincheira fortalecida mandada erguer por Martim Afonso de Sousa, logo que iniciou o combate aos interesses não portugueses do Bacharel da Cananeia. Mais tarde, o forte mudou de nome para São João da Barra. Já no Séc. 18, ao tempo do Morgado de Matheus, esse chefe da Capitania paulista mandou reformálo e dar-lhe guarnição com 6 peças de calibre 8,2, 6,1, 4 e 2 pedreiros de bronze. Nessa mesma barra, segundo sesmaria que Antônio de Almeida passou para Pascoal Fernandes, de 1º de Junho de 1562 [Secretaria do Govêrno, livro de registro de correspondência – Cart. Da Tesouraria de Fazenda, livro de registro de provisões e alvarás, apud Azevedo Marques in ´Assentamentos...´], logo após a constituição da Villa de Santos, foi construído o Forte de São Filipe, na Armação, e outro denominado Forte


de Sant´Iago, na Bertioga. Ou seja, os dados oficiais confirmam a ´fábrica´ da fortaleza dando início à colonização. A terminar... Um dos termos comumente falado entre as gentes praieiras, quiçá, ainda no estilo sambaqui, é piratyoca, que no tupi-guarani significa casa do peixe branco, termo que se convencionou aplicar, aportuguesando, à região: Bertioga. Entretanto, existem controvérsias: alguns pesquisadores afirmam em seus estudos que Bertioga vem do termo buriquioca, da mesma linguagem, q.s. casa do [macaco] buriqui. Obs.: Quando à trincheira reforçada, deve-se destacar que existiu mesmo um Fortim de Trincheira na região: no Séc. 18, João de Castro Oliveira deu início ao Fortim da Trincheira, que veio a ser reparado por ordem do Morgado de Matheus [30 de Junho de 1770]. Situado de fronte para a Barra Grande, em Santos, esse fortim também foi denominado Augusto, mas ficou popularmente conhecido por Estacada.

Forte d´Itapema

Do outro lado do Rio St Amaro, lá pelos finais dos Anos 50 do quinhentos, no extremo da Villa de Santos, ergueram um fortim no lugar denominado Itapema. Foi designado Forte da Vera Cruz de Itapema e construído na extremidade de uma ponta da Ilha de St Amaro, uma légua para lá do canal da Barra Grande funcionando como defesa e como farol.

A região foi observada e palmilhada estrategicamente por várias tribos, amigas e inimigas, e por homens do bacharel, que sabiam, também, ser ali a ponte entre a vitória


e a derrota. E entre aqueles morrotes de pedras quebradas [itapema, do tupi-guarani] silenciaram muitos gritos de guerra. Naquele espaço, uma ponta direcionada para a Serra do Mar e de atalaia entre as enseadas e as aldeias nativas, principalmente para quem demandava o apoio e o abastecimento de Gohayó, primeiro, e S. Vicente e Santos, depois, o Fortim d´Itapema foi palco de encenações táticas para uma estratégia única: sobreviver. Por isso, entre as fortificações de St Amaro, Santos, Bertioga, além das diversas trincheiras reforçadas, o Fortim d´Itapema pode ser considerado reserva histórica do assentamento precário, mas certo, de Portugal no Mundo Novo ibero-cristão. Jornada pelo litoral e serr´acima c/ sobrevoos de teco-teco entre S. Vicente e Bertioga, 1992.

Bibliografia ALMEIDA, João Mendes de – Diccionario Geographico da Provincia de S. Paulo, precedido de um estudo sobre a estructura da lingua tupi e trazendo, em appendice, uma memoria sobre o nome "América". Obra posthuma. Ediç Typographia a Vapor Espindola, Siqueira & Comp., São Paulo, Brasil, 1902. AYROSA, Plínio – Primeiras Noções de Tupi. Ediç IHGB, Typ. Cupolo; São Paulo, Brasil, 1933. BARCELLOS, João – No Entorno Do Bacharel Uma Visão Estratégica Política & Econômica Aproveitada Por Portugal. Palestra. Ilha Comprida e São Vicente, 1992. [Obs.: agradecimentos a Johanne Liffey, London-UK] CORTESÃO, Jaime – Os Descobrimentos Portugueses / Vols I, II e III. Lisboa, Portugal, 1960. DONATO, Hernâni – Dicionário das Batalhas Brasileiras. Ediç Ibrasa; São Paulo, Brasil,1987. MACEDO, J. C. – Mundo Novo Ibero-Cristão: estudos e viagens acerca das fortificações à flor d´água e seus engenheiros-militares. [Material mimeografado das palestras no Quartel-General do Exército, em Coimbra e em Lisboa] Coimbra, 1975-76 e Lisboa, 1981. MARQUES, Manuel Eufrázio de Azevedo – Assentamentos Históricos, Geográficos, Biográficos, Estatísticos e Noticiosos da Província de S. Paulo / 2 Vols. IHGSP, Livraria Martins Fontes / São Paulo, Brasil, 1879. PIÑON, Mariana d´Almeida y & BARCELLOS, João – Das Trincheiras Fortificadas Aos Casarões Senhoriais do Oeste Paulista. Palestra. Cotia e São Roque, Brasil-2009. SAMPAIO, Theodoro – O tupi Na Geografia Nacional. Typ. Da Casa Ecléctica. São Paulo, Brasil, 1901.


TREMEMBÉ Dos Bandeirantes à Estância Turística, de Felix a Cabral [Vale do Paraíba, do Século XVI ao XXI]

Pesquisas Historiográficas do Vale do Paraíba e Tremembé São Paulo, 2016

RONALDO MESSIAS


Índice - Ronaldo Messias por João Barcellos - Apresentação - O Vale - Das Estradas [e Bandeiras] no Vale do Paraíba / Sécs XVI e XVII - O Morgado-Governador e o Vale do Paraíba - Tremembé [1578-1660] - Visconde de Tremembé - Estação Ferroviária - Vale do Paraíba & 2ª Guerra Mundial - Basílica e Ossadas Humanas - Dados Geossociais - Solo, Mineração & Economia - Estância Turística - Tábua Cronológica - Prefeitos de Tremembé - Símbolos Municipais [Bandeira, Brasão & Hino] - Fontes Bibliográficas

Obs.: Ilustrações retiradas da Web s/ restrições de direitos autorais; todas as outras encontram-se referenciadas na bibliografia.

Agradecimentos ao Profº João Barcellos, aos colaboradores, Eduardo Rodrigues Dorsner, a pesquisadora Jack Totti e ao pesquisador Dalmo Cesar de Paula que realizou a revisão dos trabalhos.


Ronaldo Messias um ousado desbravador historiográfico João Barcellos

Ele veio ao mundo com a práxis de uma história única no contexto luso-brasileiro: a do Cerro Ybiraçoiaba. Com tal berço geossocial é que ele se transformou, naturalmente, em investigador com entradas pelas mattas y minas ybiraçoiabanas, aquelas mesmas onde o ´velho´ Affonso Sardinha, com autorização d´el-rey, assentou a primeira forjaria da América. Em meio a tanta inquietação pelas coisas-da-terra envolveu-se com mais pessoas com a mesma veia para fundarem o grupo Desbravadores Villas-Boas / DV-B, que veio a descobrir, já depois de redescoberta forjaria com ações arqueológicas e tese acadêmica, aspectos do espaço que teria servido de base à Villa de Nª Sª do Monte Serrat em pleno arraial mineiro ybiraçoiabano (e não “sorocabano”, como muita gente ainda diz em teses acadêmicas, pois, só existia o espaço das sorocas e a mina de ferro, não ainda Villa de Sorocaba).

Eu, Ronaldo Messias, Hugo Augusto & Desbravadores Vilas-Boas no Cerro Yboraçoiaba

Conheci-o quando os DV-B andaram à procura do autor dos livros e pesquisas acerca do Portinho de Carapocuyba, do cerro-mina d´ouro Ybituruna [Araçariguama] e de Affonso Sardinha - o Velho, e desde então o diálogo historiográfico e a amizade que me ligam a ele estão tanto nas coleções literárias Debates Paralelos e Palavras Essenciais, como no livro Do Fabuloso Araçoiaba Ao Brasil Industrial, que consegui terminar após algumas ´entradas´ Ybiraçoiaba acima... E agora, em outra fase da sua vida, e diante da história riquíssima do Vale do Paraíba, eis que ele me envia um projeto de livro com as suas pesquisas e observações acerca da municipalidade de Tremembé. Na verdade, e o digo, o amigo Ronaldo Messias – ele mesmo, do Ybiraçoiaba ao Tirime´embé, dos nativos do mesmo nome – conseguiu um levantamento líterohistoriográfico que vai ajudar as novas gerações do Vale do Paraíba a entenderem o que são pelo que foram, e então, perspectivarem um futuro socialmente mais adequado. Um belo trabalho que respeita o espírito de ousadia soroca-ybiraçoiabano que lhe foi berço. Cotia/SP, Outubro de 2016.


Apresentação Ao tempo de Brás Cubas e João Ramalho, o grande Vale [Tremembé] era caminho obrigatório de chegada a Parati e ao Rio de Janeiro, também, importante eixo de expansão geossocial e econômica a ser cada vez mais explorado por aventureiros e reinóis, pois, além da facilidade na obtenção de recursos naturais, estava numa posição estratégica privilegiada, junto ao maciço de serras, morros e os contrafortes, estes, quase instransponíveis, denominadas pelos povos nativos de [yaguamimbaba ou moatiqueró], q.s. ‘serra que chora’ em tupi- guarani. De exuberante paisagem e recursos hídricos infindáveis, a região encontra-se a maior parte do tempo encoberta por camada espessa de neblina. Nas poucas horas do dia, consegue-se observar os ibatés [picos] escarpados com névoas e as inúmeras cachoeiras no alto da serra; foi este lugar que escolheram para fazerem meio de vida as gentes Guaruminis ou Guarulhos [Macro jê de Tapuias], os Puris e os Guaianazes [i.e., gente vizinha], Tupis e Guaranis vivenciando e protegendo os meandros do vasto sistema hídrico e florestal, que são responsáveis para a perfeita harmonia do equilíbrio ecológico da região. Este paraíso tem nome: Tirime’mbé ou Tere-membé. Na língua geral Tupi significa terreno alagado. São conhecidas outras denominações apontadas por alguns pesquisadores, como, ‘água boa para a saúde’, ‘água que escoa serenamente’, ‘bacia encharcada’, ou seja, sempre relacionadas com a fartura de águas, mananciais, várzeas, que são a base de sustentação de qualquer cadeia de biodiversidade. São inúmeros os personagens da nossa história que percorrem o (médio) Vale do Paraíba como, Hans Staden¹ e Saint Hilaire, este, percorreu todo o Vale do Paraíba em 1822 recolhendo caixas de amostras botânicas (in Viagem a Província de São Paolo) afirmou que o início de povoações nesta região ocorreu por volta do Séc. XVI. Posteriormente, outros pesquisadores passaram pelo Vale, como o zoólogo Von Spix e o botânico Von Martius, cerca de 1815. Nota 1: Naturalista alemão da cidade de Homberg, Estado de Hesse, na Alemanha, que em 1550 e durante oito meses ficou prisioneiro dos Tupinambás. Foi artilheiro da embarcação que o trouxe ao Brasil. O grande valor do livro de Hans Staden [para nós do Brasil] está rem ser o primeiro relato sobre a nossa terra (fauna, flora, nativos, etc..); a 1ª edição foi publicada em Marburgo/Alemanha, em 1557.


O Vale

Floresta virgem do Paraíba / Jean Baptist Debret

Vale do Paraíba - Web

O Vale do Paraíba foi o canal de saída de ouro e pedras preciosas, além de importante eixo de comunicação entre as capitanias e portos. Em 1840 é a localidade onde ocorre a maior concentração de escravos (leia-se: seres humanos escravizados), considerados o ‘ouro negro’ e rendendo lucros fantásticos na lavoura e na mineração. Pelo o que se sabe e de acordo com apontamentos historiográficos, é que no ano de 1873, em Taubaté, já se proibia ter cativos, mas lamentavelmente são poucas as referências documentais que temos sobre a escravidão no Brasil, pois, personagens como Rui Barbosa [que ordenou a incineração nas caldeiras da Alfândega do Rio de Janeiro todos os arquivos possíveis sobre os registros da escravidão no Brasil¹] atuaram contra a história. O Vale é território de gente valente e determinada, que de guerra em guerra moldase uma nova estrutura político social. A biodiversidade é exuberante, o ouro, o ferro e a prata são abundantes, objeto de cobiça e motivo para grandes combates, principalmente na época do bandeirismo (entre elas, a temível Bandeira de Apresamento), por isso, todos os povos que por aqui vivenciaram o assentamento colonial, realizaram a expansão geossocial e política do que hoje se conhece como Vale do Paraíba e Brasil.


A região do Vale foi movimentada. Por aqui também viveram ‘sob a égide igrejista’ os Tupinambás, os Carijós Mbyá [= Karai-yo], no tronco Tupi- guarani, Cataguás [Tapuyas], os Puris e os Maíres [Tamoios, como os franceses chamavam]; a ordem é o cerco, demarcar, ‘escravizar’ e colonizar, muitas vezes não se respeitando os saberes da cultura ancestral, destruindo, dilapidando suas riquezas naturais e, em nome da expansão territorial defendendo interesses d’el-rey [Saint Hilaire], nações inteiras foram dizimadas, eis a verdadeira história. Foram concentrados poderes através da monopolização de toda a estrutura econômica política e social, uma ‘catequização’ diversa para erradicar a ferro e fogo a língua nativa trocando-a pela língua colonizadora – estratégia de pura ‘dominação’, inclusive utilizada pela Societas Jesu [SJ] aqui representada pelo Abaré [Pe. Manoel da Nóbrega]: ‘A S.J. queria implantar um império teocrático jesuítico, historicamente a SJ tinha a prerrogativa da tutela dos povos nativos’, pouco se importando com a preservação dessas culturas que originaram o que se conhece hoje como Brasil. Obs: algumas cidades do Rio Grande do Sul são [reduções jesuíticas] remanescentes dos Sete Povos das Missões, como São Borja, São Miguel, Santo Ângelo, São Nicolau, São Luiz, São Lourenço e São João; quando da disputa da colônia de Sacramento, nas margens do Rio da Prata (Bacia), a localidade era estratégica por ser caminho de acesso ao Potosí via Córdoba e Tucumán. Nota1: ‘O Brasil foi o último país do ocidente a abolir a escravidão; sobre a Lei dos Sexagenários (Saraiva e Cotegipe), Rui Barbosa emite o Parecer 48 e no seu art. 3º diz que mesmo o escravo já liberto, teria que permanecer por cinco anos no seu domicílio (município), sob condição de ser declarado vagabundo e ser apreendido pela polícia e ser conduzido para colônia agrícola ou trabalhos públicos; além disso, após a sua liberdade era obrigado a trabalhar pelo período de três anos aos seus ex-patrões, e esses ‘donos’ eram quem estipulavam o salário, as condições de trabalho, a carga horária, a alimentação e moradia tudo ao seu modo, então: “A escravidão acabara”, mas o negro continuava refém da estrutura político-social. E de lá para os dias atuais, pouca coisa mudou, a abolição deu-se pela Lei Áurea, contudo, pouca coisa mudou do Barão de Cotegipe a Renan Calheiros e a Eduardo Cunha, o Estado brasileiro continua distante da sociedade. O tempo passa, os problemas se agravam, enquanto os políticos se devaneiam em debates circences preocupados em defender os próprios interesses e o povo continua refém desse execrado sistema que exerce a ‘propriedade de seres humanos’ através da escravidão mental pelo sistema capitalista do subconsumo selvagem’. In Ronaldo Messias- Ensaio historiográfico- Política & Politicagem- 2016.


Das Entradas [e Bandeiras] no Vale do Paraíba [Sécs. XVI e XVII]

‘O Bandeirante é o herói que leva a civilização portuguesa ao sertão, lutando contra as feras e incorporando essas terras ao domínio luso, expandindo a colônia portuguesa pelo interior’ [Saint Hilaire].

Aos 78 anos, na segunda metade do Séc. XVI, Brás Cubas organizou expedição, a sair do ‘Sam Paolo dos Campus d’piratinin’ com destino ao Vale do Paraíba e o rio Paraíba, a ordem foi devassar toda a região em busca de riquezas para o aumento da fazenda d´el-rey [Cubas já havia encontrado oiro e metaes em Ybiracoiaba nas terras do gentio Tupiniquim, hoje, Floresta Nacional de Ipanema, em Iperó, na região sorocabana]. E em maio de 1599 (Já em Sam Paolo, quando das visitas às minas), o 7º Governador Geral do Brasil, Dom Francisco de Sousa, mandou despacho oficial a André Leão para montar a primeira Bandeira de exploração e conquista do Vale do Paraíba e Yaguamimbaba [Mantiqueira]. O ambiente era totalmente hostil, toda a ‘entrada´ foi traumática, e basta lembrar que uma das bandeiras de Antônio Raposo Tavares, na verdade a mais importante..., durou 3 anos, contando com 1.200 homens (mil nativos e duzentos brancos) retornou com apenas 59 brancos e o grupo se reduziu mais ainda até chegar ao ponto de partida. A façanha desfigurava de tal forma as pessoas que o próprio Raposo Tavares só veio a ser reconhecido pelo seu fiel cachorro [Barcellos]. Por causa de tanta precariedade social e econômica, antes da partida era obrigatória a lavratura do ‘Testamento in sertan’, lavrado na maioria das vezes pelos padres jesuítas. Pode se dizer que o Planalto Piratiningo funcionava como um centro difusor para o bandeirismo e toda a sorte de aventuras. Após o planalto, surgia a depressão periférica que se mostrou como um entroncamento de caminhos naturais, levando ao interior da colônia brasileira no sentido norte-sul. A serra da Mantiqueira abrange São Paulo pelo norte, como uma cunha, cuja ponta é o morro/pico do Jaraguá, surgindo assim, um novo caminho a nordeste composto pela planície do Vale do Paraíba. [AB’ Saber 1954 p.1- 97]. Ou seja, há três caminhos naturais, a saber: 1- a Nordeste passando pelo Vale do Paraíba (rota para Minas Gerais e para o Rio São Francisco), 2-


Norte, Via Campinas/ Mogi chegava-se a Goiás por Atibaia e Bragança Paulista atingindo o Sul de Minas Gerais, 3- Para o Sul e Sudeste atingindo Sorocaba e Itapetininga, sendo que por durante três séculos partiam da Villa de Sam Paolo as ditas expedições.

Foi o Governador Geral ‘Dom Francisco das manhas’, assim chamado vulgarmente por alguns, e detentor do título de “Marquês das Minas”, quem institucionalizou o Bandeirantismo Apresador [cada bandeira possuía um armador com funções de chefe militar e administrador, de caráter patriarcal e submissos ao rei de Portugal], de 1591 até 1602.

O Marquês acabara de chegar da Bahia, via Espírito Santo, e foi em São Paulo que visitou as minas de Ybiraçoiaba, de Affonso Sardinha [comerciante, almotacel, banqueiro, colonizador, vereador, Capitão de guerras das gentes da Villa de Sam Paolo dos Campus d’Piratinin], além das minas do Jaraguá, Ybituruna, e nas minas de ferro do Ybiraçoiaba, levantou pelourinho para assentar a Villa (ver nota), denominada Nossa Senhora do Monte Serrat, “santa de sua devoção”, e de lá despachar oficialmente para todo o Brasil, bem como efetivar, com André Leão, a devassa no Vale do Paraíba e a transposição da Moatiqueró.


Então, a grande mobilidade se fazia também por outros caminhos, sendo: por Atibaia ou Sapucaí, entranhados no vago e sombrio sertam de Peneibó, q.s. Parnaíba. Contudo, as bandeiras avançavam com maior facilidade na região do Guairá do que na região do Vale do Paraíba, na verdade, era marcante a diferença de terreno e suas mattas muito densas tornavam quase impossível o deslocamento. Notas: 1- Arraial minerário do sec XVI encontrado pelo grupo de pesquisadores DV-B no dia 14 de Maio 2011, com mais de 3.500 m² constituído de área distinta para o convívio social e atividades montanísticas [ciência da mineração], localização de nove fornos ruídos e a presença de muita magnetita no estado bruto e escórias de fundição em várias localidades do arraial, presença de canal para desvio do ‘Ribeirão do Ferro’. Local este, bem maior que o empreendimento descoberto em 1977 e 1978 pela equipe do Jornalista e Historiador José Monteiro Salazar que na ocasião, o forno principal e original do Affonso Sardinha foi localizado tendo dimensões aproximadas de 1 metro em diâmetro e novamente foi enterrado pela equipe da Arqueóloga que coordenava os trabalhos. Sendo que, no ano de 2011, referido forno fora novamente localizado pela equipe de pesquisadores DV-B sob o ‘marrote 2b’ quando em pesquisas para a releitura do espaço geográfico; 2- Entrada: ação de observação feita por capitães-de-mato para descoberta de gentes e aldeias nativas; Bandeira: ação paramilitar de cerco e conquista de aldeias e gentes nativas, de origem árabe, e aplicada pelos portugueses na África e no Brasil para o assentamento colonial.

Assim, em 1602 (antes de voltar para o reino), o fidalgo Francisco ordenou nova expedição para a expansão paulista, que efetivamente devassara o Vale do Paraíba. Entretanto, foi graças a esse Marquês das Minas que a comunicação de São Paulo com o resto da capitania se efetivou, via Parati e rio Quilombo até Bogi [Mogi das Cruzes], criando-se assim uma estrada a ligar os dois núcleos do povoamento, sendo que os “moradores do Rio, já conheciam bem a nossa região (o Médio Vale do Paraíba) pela via Parati”. Outras bandeiras temidas e muito conhecidas, como a de Nicolau Barreto e Jeronimo Leitão, que os nativos as chamavam dos abangaíbas [homens maus], também percorreram este imenso Vale. As bandeiras eram classificadas da seguinte forma: 1Apresadoras, 2- Prospectoras [Entradas] e/ou Sertanista de Contato e 3- Comercial ou de Monções. As apresadoras e prospectoras tiveram papel importante e de destaque na expansão geossocial do Brasil Colonial, e a do sertanismo de contato foi um desdobramento das expedições se apresamento dos nativos, mas essa atuação muito pontual teve um papel secundário na expansão territorial. As monções ou comerciais contribuíram mais para a unidade territorial da colônia do que para a sua expansão, uma vez que realizavam contatos regulares entre o litoral e Cuiabá.


Vale Sec. XVIII Outro importante personagem no contexto da expansão do Vale que não podemos esquecer, para entendimento do contexto histórico, é Luiz Antônio de Sousa Botelho e Mourão, o 4º Morgado da Casa de Matheus, governador da Capitania de São Paulo, iluminista rodeado de técnicos experientes como do engº-militar José Custódio de Sá e Faria; o governador, amigo do Marquês de Pombal, foi militar com ideais de expansionismo, condecorado com diversas honrarias, entre elas a de Fidalgo Cavaleiro, Tenente-Coronel dos Dragões das Chaves, Capitão General, Comendador e Cavaleiro de Cristo. No âmbito da arquitetura e infraestrutura urbanística gozava ele de grande prestígio perante no meio pombalino e possuía visão futurista e invejável que, em apenas 10 anos, elevou cerca de 20 povoados e aldeias à condição de freguesias, inclusive a expansão pretendida da capitania a leste, a saber, “Povoa-se o Vale do Paraíba [via união] com o Rio de Janeiro”. Uma das Vertentes da “(...) Carta Pombalina - a estratégia política e ideológica que faz Luiz Antônio Mourão, governador da capitania paulista e Morgado de Matheus, expandir a região paulista com a ruptura das sesmarias² jesuíticas que logo se tornam núcleos urbanos”. João Barcellos apud [J. C. Macedo- in Carta Pombalina, Palestra Paraty- RJ. 1991. É a quebra do monopólio sesmeiro conseguido pela Societas Jesu [SJ] e evitar que a mesma erga o império teocrático jesuítico tão sonhado por Nóbrega e Anchieta. Sesmarias- Doação de terras (pelo donatário da capitania) para cultivo num prazo de 3 anos, sob pena de revogação da doação, instituída por Dom Fernando I em 1375.


o Morgado-Governador e o Vale do Paraíba

Até o Século XVIII o Vale do Paraíba é rota de bandeirantes e tropas que descem a serrania [da Estrada Geral de Sam Paolo com parada em Taubaté antes da descida] até Ubatuba pela logística ancestral dos nativos Tamoio, e uma das paradas na jornada fica nas margens do Rio Paraitinga: a fadiga é enorme e as mulas carregam pedras preciosas das Minas de Taubaté e do Certam de Cataguaz [regiões do mapa de Sam Paolo e seu Certam de Mynas] a serem despachadas para Portugal. Em 5 de março de 1688, são concedidas nos certõens do Paraitinga as primeiras sesmarias requeridas ao capitão-mor de Taubaté, Felipe de Alcaçouva e Sousa, pelo capitão Mateus Vieira da Cunha e João Sobrinho de Moraes. Entretanto, surge a decadência da mineração e, na urgência ocupar as terras e fomentar a agropecuária, Luiz Antônio de Souza Mourão [o 4º Morgado de Mateus], governador da Capitania paulista, cria uma povoação na antiga parada das tropas no Rio Paraitinga. No dia 2 de maio de 1769 ela passa a se designar São Luís e Santo Antônio do Paraitinga, com igreja em honra de Nª Sª dos Prazeres. Assim como nos certõens y mattos a oeste da Sam Paolo dos Campi de Piratinin, mais precisamente Campinas, ele faz povoar os velhos latifúndios jesuíticos, também a norte da velha estrada paulista deixa a sua marca povoadora.


Tremembé 1578- 1660

Mas é mesmo no Sec. XVI, por volta de 1578, que as coisas acontecem. Quando da expedição de Brás Cubas surgiu Jacques Felix (o Flamengo) como parte da empreitada paramilitar. Jacques serviu como Comandante da fortaleza de Bertioga e segundo consta foi o fundador de Taubaté no Médio Vale do Paraíba e possuía sesmarias de terras concedidas pela ‘Condessa de Vimieiro’ e Donatária da Capitania de São Vicente, Mariana de Souza Guerra (nas proximidades de Teremembé) e também no Byrapoera e Cantareira. (revista Asbrap vol 12- povoadores de SP- e escritura lavrada; RJHGSP, XLIV, 281). Entretanto, existiu outro Jacques Felix, dito O Moço, o que causa certa confusão e divergências entre alguns pesquisadores quanto a datas e feitos. O primeiro (o Flamengo) nasceu em 1540, e o segundo (o moço) nasceu em 1570. Há quem atribua a fundação de S. Francisco das Chagas [Taubaté] ao Flamengo por volta de 1639-1640, e então, ele teria 99 ou 100 anos; obviamente impossível, diante da média de vida naquela época, tanto que o Flamengo já era falecido no final de 1605, com 65 anos, conforme escritura lavrada pelo tabelião, Antônio de Siqueira, gerando confusões históricas e historiográficas. Já o segundo (o moço), capitão-mor Jacques Felix ou (Jaques), adquiriu terras por sesmarias de provisão [datada de 20/01/1636] e penetrou no sertam pelas bandas de Taubaté, visando veios auríferos, pedras preciosas e ‘entabulamento de minas’, encontrando aldeia do gentio Guayaná, onde levantou povoado e, em 1639 ou 1640, na chamada ‘velha Aldeia do Alto’ (do tupi-guarani: taba+ibaté) a vila de São Francisco das Chagas, i.e. Taubaté. Obs: Na carta Testamentária original transcrita, sob a guarda do Arquivo Histórico, Dr. Felix Guisard Filho (filho de Taubaté) menciona Jacques Felix fundador de Taubaté e Jaques Felix fundador de Taubaté - ambos com datas e grafias diferentes. Seria mero erro paleográfico ou erro na transcrição do que temos atualmente como fonte de pesquisas? Confusões assim também ocorrem com o nobre Affonso Sardinha (o velho) e Affonso Sardinha (o moço), citado por vários pesquisadores e historiadores que por


décadas atribuíam que o grande bandeirante (o velho) era analfabeto, atribuindo feitos do velho ao moço sendo que este último era mameluco, não possuía expressividade nem cabedais para conseguir tudo que deixou lavrado num ‘Testamento- piada’ lavrado pelo Pe. João Alvares antes da ‘Entrada’ no sertam que lhe custou a vida em 1604, etc.. Por fim elucidado com brilhante competência e seriedade pelo nobre historiador João Barcellos, que durante 20 anos pesquisa acervos aqui e de fora, encerrando qualquer tentativa de ultrajar a memória desse personagem tão importante, que nas Minas do Ibiracoiaba, deu início a todo desenvolvimento industrial do Brasil e America Latina, bem como o surgimento de diversas cidades, como desdobramentos do feito maior em se produzir o ferro em pleno Sec. XVI.

Tanto que acerca de Affonso Sardinha, há seis anos, havia eu elaborado Ensaio historiográfico acerca da questão, denominado ‘Testamento e Verdades’, dissecando o assunto dos ‘80$000 Cruzados’ em ouro em pó, acondicionados em botelhas de cerâmica e para a maior segurança e comodidade, enterrados longe das vistas das gentes de São Paulo, quando numa das ‘Entradas’ para pesquisas, encontramos duas botelhas de cerâmica e uma delas com vestígios de carvão no seu interior e com indícios de serem confeccionadas com técnicas sem a intervenção do homem europeu. Referidas, encontram-se aos cuidados do Centro de Memória da Floresta Nacional de Ipanema-ICMBio/SP. Barcellos havia me alertado sobre as estórias dos Sardinhas, foi então que aprendi que uma boa história demanda seriedade e profundas pesquisas baseadas em fiéis provas documentais, releituras do espaço geográfico, desapegandose dos ‘achismos’ habituais, do alto Idv³ visando a constante manutenção por pessoas realmente interessadas com a renovação da história e não com competições ou interesses escusos. 3- índice de Vaidade

Voltemos então ao sítio Tremembé... Mas é sabido, que foi pelas mãos de Manuel da Costa Cabral, detentor de sítio/sesmaria Tremembé que as coisas aconteceram. Então, Cabral ordenou que se construísse em sua propriedade uma capela em louvor a Nª Sª da Conceição, inicialmente, padroeira da freguesia. Assim começou Tremembé...

Mas quem foi esse Manuel da Costa Cabral?

Cabral Açoriano da ilha de São Miguel, em Portugal, e nasceu por volta de 1592, filho do capitão Manoel Romero Velho. Manoel era descendente ilustre da ‘Casa de Belmonte’ e foi Juiz de Órfãos em Taubaté. Em 1638 recebeu terras de sesmarias de Bogi [Mogi] onde se casou com Francisca Cardoso, e no inventário de 1659 consta que contraiu segundas núpcias com Maria Vaz. Com Francisca, ele gerou Manoel da Costa Cabral (capitão), Maria Cardoso, Domingos Velho Cabral, João Arruda Cabral Antônio Velho Cabral e com Maria teve Belchior, filho único. Posteriormente, contratou núpcias


com Anna Ribeiro Alvarenga, paulistana, filha de Francisco Bicudo de Brito e Thomasia de Alvarenga, gerando Sebastião de Arruda Cabral, Francisco de Arruda, Victório de Arruda Cabral. Mais tarde, mudou-se para a Villa de Taubaté já fundada por Felix. Manoel, vindo a falecer em 02 de Abril de 1659.

Bom Jesus de Tremembé [a Matriz, marco zero do município]

Basílica de Bom Jesus de Tremembé [grafite, de Ademilson Marildo Stefanutto – 2016]

Como não poderia ser diferente, aqui, a nossa história se fez também pela oralidade, transmitida de geração em geração; muitas vezes, estórias perpetuam-se como verdades definitivas. O imaginário popular se torna imprescindível para a formação de opiniões, nesse sentido, surgiu a tradição que toma formas mais definidas misturadas à fé... as crenças, mitos e místicas. No caso do Bom Jesus de Tremembé, ela foi iniciada no sec. XVIII apesar de ter nascida no sec. XVII. Diziam os moradores da época, que ´certo dia apareceu na pequena Villa de Tremembé um senhor peregrino que construiu uma cabana e se isolou dos demais moradores’. Quando os vizinhos foram até à cabana, encontraram ´uma imagem com características barrocas em formato natural de um homem’. Uma capela foi erguida anos depois, quando em meados do sec. XVIII os católicos começaram a se reunir ao redor da Basílica de Tremembé e o fluxo de romeiros foi aumentando no decorrer dos anos e a demanda por alimentos também. Nascia então toda organização em torno da devoção ao santo. Contudo, a História tem outro formato, que veremos mais adiante... Outro fato parecido ocorre também com o monge Giovanni Maria de Agostini, (percorreu todos Estados do Brasil, principalmente o Rio Grande do Sul). Esse ermitão também vivia isolado de todos os moradores do entorno e escolheu moradia em meio às matas numa gruta na Floresta Nacional de Ipanema/ ICMBio em Iperó/ SP, na época da Real Fabrica de Ferro São João de Ypanema; ele foi assassinado no Estado do Novo México, EUA, em 1869, sendo alvo de estudos pelo amigo David G. Thomas, que publicou um magnífico trabalho [com minha colaboração] recheado de fotografias, documentos e objetos pessoais, elucidando toda e qualquer dúvida ou mitos referentes ao Giovanni. [Giovanni Maria de Agostini- Wonder of the Century- The Astonishing World Traveler Who Was A Hermit- David G. Thomas- 2014].


Tremembé / Séc. XX

Monges Trapistas Por volta de 1914, os monges chegaram ao Vale com ajuda do Abade da Trapa de Sept- Frons, Pe. Jean Chautland, após receber boas informações do Brasil via Sr. Ismael Dias da Silva... Então, Alex Duckrey conduziu os monges em fuga das Europa com destino ao Vale do Paraíba, que logo ocuparam a fazenda Palmeiras. Quando da chegada dos monges Trapistas [Holandeses oriundos da Abadia de La Trappe], ocorreu a separação das paróquias de Taubaté e Tremembé. O arcebispo Duarte Leopoldo, também grande estudioso, deu título de santuário à igreja matriz de Tremembé. Os monges fugiam das perseguições e iriam tentar vida nova na região fixando moradia na fazenda Palmeiras; eles quase não falavam português, mas ofereceram novas técnicas de plantio e agropecuária alterando os costumes das gentes do Vale. Em 1974, o Papa Pio VI concede título de Basílica Menor ao santuário de Bom Jesus de Tremembé, com o direito de utilizar as chaves do pontifício e seus brasões. O título (Menor) refere-se ao fato de existirem apenas quatro Basílicas Patriarcais romanas que são chamadas de (Maiores) e não ao tamanho físico da igreja.

Visconde de Tremembé Sec. XIX e XX

Visconde de Tremembé [web]

José Francisco Monteiro [16/12/1830-29/03/1911], fazendeiro empreendedor e político, era irmão do Visconde de Moçoró e avô do escritor Monteiro Lobato, o qual serviu de inspiração para a criação do Visconde de Sabugosa do Sítio do Pica-Pau Amarelo.


Teve fundamental importância para o desenvolvimento econômico e cultural da região. Era cafeicultor e foi colaborador do Teatro São João, também colaborador da iluminação pública em 1867 e da Companhia de Bondes a Vapor com linhas entre Taubaté e Tremembé (transporte de pessoas e cargas); foi proprietário da Companhia de Gás e Óleos Minerais de Taubaté, participou da comissão encarregada de adquirir recursos para recrutamento de voluntários para a Guerra do Paraguai (entre os anos de 1865 a 1870). Título Nobiliárquico de Barão de Tremembé em 1868 e de Visconde e, 1887. Foi proprietário da chácara do Visconde de Taubaté construída em 1850, tombada pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional) e hoje abriga o museu Pedagógico Monteiro Lobato.

Tremembé Estação Ferroviária

Estação de Tremembé [web livre]

Locomotiva que ligava Tremembé a Taubaté [web livre]

Estações e marias-fumaça estão presentes em dezenas de municípios marcando o início de toda a expansão geoeconômica, política e social da era industrial. O apito do trem... A estação... O sulco dos dormentes na terra quente do interior paulista... As brincadeiras nos trilhos marcaram a vida de muitos. As partidas e as chegadas compuseram emoções e sonhos vividos por aqueles que tiveram o privilégio de conviver com esse universo novo e, hoje, congelado nos retratos e na memória de cada um[a]. (in Ronaldo Messias, Ensaio Historiográfico - 2014).


Ferrovias... Nas estradas de ferro encontramos, além de mudanças socioeconômicas e urbanísticas, a presença de empreendedores como o Barão de Tremembé que sonhavam com o progresso e apostavam nele os seus sonhos. ‘As estações, com seus sons e aromas, são comuns entre muito de nós, e temos no trem, a visão romântica e saudosista de um universo aos poucos, deixado para trás’. (Messias, idem).

As primeiras referências às ferrovias no Brasil aparecem já nos Anos 30 do século XIX; em 1835, uma lei do governo imperial autoriza a concessão de privilégios para a construção de linhas férreas que ligassem o norte ao sul do país. A principal estrada de ferro foi a D. Pedro II, que ligava a economia cafeeira unia o Rio de Janeiro à cidade de Cachoeira, em São Paulo. Secundando a D. Pedro II, veio a Estrada de Ferro de São Paulo, que foi objeto de concessão feita em 1856 ao Barão de Mauá e ao Marques de Monte Alegre, bem como, para Pimenta Bueno, com linhas do porto de Santos passando obrigatoriamente por São Paulo. A concessão foi concluída em 1867 e transferida à Sam Paulo Railway Co. Ltd. que em plena época de expansão cafeeira monopolizava o transporte por ser a única a atingir o porto de exportação. Entre 1870 e 1875 foram formadas quatro empresas ferroviárias nacionais que redirecionaram a ligação entre o porto e o planalto nas mais diversas direções, entre elas, a Mogiana e a Sorocabana. Algumas estradas de ferro de menor porte e empresas de serviços de utilidade pública em municípios do interior foram fundadas nos Anos 80, sempre com alguns empresários na sua direção, como Clemente Falcão e Barão de Tremembé, que estavam na Cia de Bondes Tremembé e na Cia de Bondes Taubateense (transporte urbano) e Cia de Gás e Óleos Minerais (iluminação pública).

Vale do Paraíba & 2ª Guerra Mundial Campo de Concentração

Formulário do preso

Fonte: Jornal ‘A Noite’- 01/02/1945o


Foto: Camões Filho

Foto: Camões Filho

O Vale do Paraíba, em 1939 [ano do início da 2ª GG] abrigou dois grandes campos de concentração; os prisioneiros alemães eram oriundos do navio Wind Dhuk, q.s. “o canto do vento”, capturado na costa brasileira: das 250 pessoas a bordo, 244 foram aprisionadas e outras seis conseguiram fugir. A saber: dos Campos de Concentração de Pindamonhangaba e Guaratinguetá, este último era o maior de todos. Também havia outros campos nas cidades de Pirassununga, Bauru e Ribeirão Preto. Hoje, existem alguns registros no DOP’s (Departamento de Ordem e Política Social) localizados e transcritos no livro ‘O Canto do Vento’, por Camões Filho, publicado pela Editora Scritta. Essa foi uma página da nossa história, mas não houve interesse de ser pesquisada ou divulgada, nem consta em manuais escolares. Assim como muitas coisas do nosso passado [desde a formação do Brasil] são ocultadas e outras distorcidas de maneira grosseira; nesse sentido, a nobre colega Fê Marques³, já na apresentação da Coletânea Debates Paralelos, com tema Viver História, Vol. 8- 2012, lembra ‘(...)Todos os dias o “imponderável chamado desconhecido” encanta-nos em cada camada de terra que separamos da outra, em cada registro que anula invencionices institucionais e místicas (o cavalo branco do imperador, o grito do Ipiranga, o velho Sardinha analfabeto, o santo Anchieta, o traidor Sá e Faria, e outros muitos exemplos (...)’. ‘A descoberta das pinturas rupestres no Brasil revela que a História contada nos manuais escolares não tem a ver com a realidade histórica (...). Notas 3- Professora e Antropóloga. Colaboradora do grupo Noética e do Centro de Estudo do Humanismo Crítico.


Tremembé Basílica e Ossadas Humanas

Foto: Divulgação UNITAU- G1 [Web]

Remanescentes arqueológicos do que seriam ossadas de 5 pessoas foram localizadas durante o restauro da Basílica do Bom Jesus de Tremembé, em 2015. Divulgada a matéria na imprensa escrita e televisiva, contudo, pelo o que se sabe, não ouve interesse institucional em dar continuidade aos estudos de individualização e releitura histórica dos fatos. Infelizmente, isso ocorre com outras dezenas e dezenas de sítios arqueológicos/ líticos em todo o país, que, após a fase de descobertas/ georeferências e registros nos órgãos de defesa do patrimônio, ficam esquecidos/ abandonados. Infelizmente, os incentivos a cultura e o devido trato com as questões históricas quais são fundamentais e [as chaves] para a compreensão do que hoje somos, recebem o último lugar em nossa sociedade. A falta de empenho político, a falta de recursos e outros subsídios, mão de obra qualificada, conhecimento técnico, são os argumentos utilizados. ‘Pedreiros localizam perto do nicho, na região do altar, dentre as cinco ossadas, o que se descobriu até agora, é que há pelo menos um adolescente, e a idade foi avaliada com exame de arcadas dentárias, como sendo possivelmente do início do século XIX, bem como, há indícios que os corpos não foram sepultados’. Não era incomum sepultar personagens importantes da cidade e da própria igreja. Inúmeros casos são registrados em nossa região nos séculos passados e nas outras regiões da capitania de Sam Paolo, eis que a lápide de Affonso Sardinha está sob a guarda da Universidade de São Paulo [USP] depois de localizada em um colégio jesuíta na cidade de São Paulo. O fato também ocorre em Taubaté e Tremembé, com Maria Moreira, moradora de São Francisco das Chagas, filha de Francisco Álvares Correa e Guiomar de Alvarenga, (casada com Manuel Vieira Sarmento, Alcaide-Mor que era filho do Capitão Belchior Felix e seu avô era o próprio Jacques Felix). Analisando em 2016 a transcrição da cédula Inventário/Testamento e ‘disposições pias’ de Maria Moreira do ano de 1765: (...) “Meu corpo será sepultado na igreja, junto, digo, na igreja matriz, junto ao altar de Nossa Senhora do Rosário, no hábito do seráfico padre São Francisco, com todas as cruzes das confrarias que houver na terra, mando que se


digam de corpo presente, duas missas aplicadas a Deus Padre [Deus], a Deus filho e a Deus Espírito Santo (...) O Capitão Belchior Felix, também em Testamento aberto pelo juiz João Ribeiro de Lara, em 1657, determina ser sepultado na matriz de São Francisco e nomeia como seu testamenteiro, seu filho Belchior Felix.

Ainda Sobre As Ossadas Do século XVI em diante os Testamentos e Inventários tinham por finalidade a confissão pela descarga da consciência, (pª descargo de minha consiença) e a cédula testamentária deixava claras as vontades do futuro defunto, como a disposição dos seus bens, herdeiros, suas dívidas, seus créditos, onde desejava ser sepultado e qual a vestimenta (mortalha) que desejava usar quando do seu enterro. Todo inventário e testamento iniciava-se com a invocação dos sanctos de sua devoção ou mártir quando da ausência deste, a pessoa logo invocaria a Jesu Christo ou apelaria às cortes celestes ou a Deos... (ver parte do texto que citei). Tudo isso era porque acreditavam estar garantida a sua salvação no dia do juízo final. Muitas pessoas pediam em testamento para serem sepultadas em “locais sagrados” sepultamento ad santus e perto da imagem do santo de sua devoção, pois acreditavam que no dia do juízo final estes santos o ajudariam, inclusive a diminuir o seu tempo no purgatório e só assim o morto ressuscitaria, e quanto mais perto do altar a pessoa fosse sepultada a salvação era certa! Também comum era pedirem que fossem enterradas vestindo hábitos sagrados (mortalhas/ vestimentas), semelhantes às que os santos utilizavam, acreditando que o uso dos hábitos antecipava a sua reunião com as cortes celestes. Quanto a sepulturas e hábitos, a Ordem do Carmo e a de São Francisco eram as mais caras. Na igreja da Ordem de N. Sª do Carmo uma cova custava de 2000$000 Reis (dois mil réis) a 14000$000 (catorze mil réis), comparando esse valor com uma residência no centro de São Paulo no ano de 1860, esta custava 16.000 mil réis e um sítio pequeno custava 25.000 mil réis. Na igreja da Ordem de São Francisco, a cova variava de 600 réis e se fosse próximo do altar custaria 1.200 réis. Entre os anos de 1629 a 1680, o hábito mais caro era o da Ordem do Rosário 6000$000 Seis mil réis e S. Francisco custava2000$000 em 1645. A igreja lucrava muito e era uma importante fonte de renda (...) para o aummento de hua fábrica (...). Os Franciscanos possuíam seus escravos e suas senzalas ficavam ao lado dos conventos; a Ordem do Carmo emprestava seus escravos ao governo para serviços de obras públicas como abertura de ruas, consertos da cadeia, etc., já os Carmelitas possuíam vastíssimas extensões de terras doadas por Brás Cubas. Fontes: Constituições Primárias do Arcebispado da Bahia, Títulos I, XLIV, LIII, LV, XLVIII, Artigos 809, 834, 843, 850, pag. 287, 293, 295, 297. Inventários e Testamentos: v. 47 p. 95, 223, 233; v. 45 p. 355; v. 46 p. 93 e 163. Ariès, Phillippe, História da Morte no Ocidente, 1981, p. 37 Camargo, Luiz Soares,Graduação PUC, Sepultamento Na Cidade de São Paulo.

Por que as pessoas não se interessam por história? Sobre o assunto, Barcellos cita anotações do filosofo Manuel Reis, do CEHC, sobre um fenômeno raramente observado no meio das políticas educacionais, i.e., culturais: O mundo encontra-se dominado pelo chamado “Monoteísmo de mercado”, trocando em miúdos, quer dizer a falta de opções que levam a pessoa a viver um cotidiano de mesmices voltadas ao consumismo, sob o chicote (domínio) invisível das políticas econômicas que lhe fazem escravo (a) e


desterrado (a) na própria terra. Isso atinge pessoas, que sem força para se libertarem do seu jugo e deixam de pensar e se jogam ao (ócio) humano. A minha história? A nossa história? O que é história? Isso enche minha barriga? Não? Então, então não é importante, né. Também, é por isso que as pessoas se recusam a participar de ações socioculturais em torno das suas raízes, muitas vezes, assumindo outros padrões culturais ditados e imposto pelo consumismo via web e mídia. E quanto às ações científicas, elas são realmente efetivas por parte das instituições públicas? E pelo meio educacional? Nota: ‘No Brasil em 2006, havia 15 milhões de analfabetos e 50 milhões de analfabetos funcionais (também existem os analfabetos funcionais em questões históricas) pela ausência de incentivos à educação e a cultura, isso causa um forte impacto negativo para o desenvolvimento econômico, político e social de um grupo. Não há exemplos de países (sem recursos naturais), mas com boa educação e incentivos à cultura, que conseguiram progredir. Com educação de boa qualidade poderemos aproveitar melhor nossos recursos de forma extraordinária, sem educação e incentivos à cultura, vamos devastá-los ou entregá-los a terceiros. [Messias, ibidem]

Tremembé

Dados Geossociais

Ponte sobre o rio Paraíba- 1920 [web]

O município de Tremembé, pertence a Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte, Sub- Região2, Taubaté. Com coordenadas geográficas Lat. 220° 57’ 45’ e Long 450° 33’ 17’’, estando a altitude de 560 m acima do nível do mar, possui área de 184,51 Km², seu território é marcado pela existência de áreas de várzeas onde se cultivam a rizicultura, essas áreas são protegidas por leis ambientais que impossibilitam a ocupação desordenada. Sua população, de acordo com o censo de 2015, aponta 44.912 habitantes e 25.684 eleitores. Tem como divisas: (N) Pindamonhangaba [Piracuama], (S) Taubaté, (O) Monteiro Lobato e a (NE) Santo Antônio do Pinhal. Abriga a ARIE (Área de Relevante Interesse Ecológico Pedra Branca - categoria de U.C. ou categoria de proteção ambiental de 635,82 ha - Gestão Compartilhada, Lei Est. 5.864/87, de 28/10/87 e Dec. Est. 26.720/87, de 06/02/1987).


Topografia: Mar de Morros e Várzeas; situa-se ao lado da BR.116 (Dutra) rodovia Rio-São Paulo; Tempo: 12°C, vento NE a 5 Km/h, Umidade Relativa: 94%;

Rizicultura é uma das características de cultura agrícola em Tremembé [Web]

Hidrografia: Rio Paraíba do Sul e Rio Uma. Aziz Nacib Ab’ Saber¹, analisa a divisão geomorfológica e as apresenta em Subzonas quanto a diversidade estrutural e morfológicas quando forem relevantes. Na província (Planalto Atlântico), tem como Zona 04. Médio Vale do Paraíba e Serra da Mantiqueira e como Subzonas 4ª. Morros Cristalinos e 5b. Bacia de Taubaté; essa região (Médio Vale do Paraíba) é uma depressão alongada com relevo de colinas e morros baixos que separam os planaltos de Paraitinga e Bocaina das escarpas da serra da Mantiqueira. No estado de SP sua extensão é de aproximadamente 200 Km. (...) os sedimentos que preenchem a Bacia do Vale Paraíba são quase somente detritos fluvio lacustres, que alcançam a profundidade de até 200 Metros em Tremembé/ SP. As maiores elevações da Serra da Mantiqueira estão nas divisas de SP. Com o Rio de Janeiro, o Pico dos Marins ou Três Fronteiras tem cerca de 2.580 Metros. “A geologia é bastante variada, com predominância de rocha de natureza gnáissica, cristais e outros materiais” [Orville Derby - Geólogo que criou a Comissão Geológica e Geográfica]. Há cumes, acima de 2.700 Metros, sendo favoráveis as precipitações, pois atua no sentido de aumentar a turbulência do ar pela ascendência orográfica. Já fora registrado 0°C declinando a -4°C nos locais mais elevados. Outro traço geológico marcante do município de Tremembé é a grande quantidade de Xisto Betuminoso (matéria orgânica), que possui atributos do carvão e do petróleo que é uma variedade carbonífera mais nova que a hulha. Quanto as técnicas: através da destilação fracionada, a seco, produz gasolina, gás combustível, industrial, água de retortagem e adubos/ defensivos agrícolas, também o Calxisto. Em 1950, foi criada uma comissão para a industrialização do Xisto e estudo da viabilidade para a produção de 10 mil barris diários de óleo de xisto. Evento marcante [geológico e geográfico de grande magnitude] no município ocorreu no ano de 2006, quando o rio Luna [leia-se Una] transbordou no Bairro Padre Eterno [leia-se Pai Eterno] mudando parte do seu curso, causando inundação urbana.


Notas 1- ‘Nacib Aziz Ab’Saber: Geógrafo, é referência em estudos sobre ecologia e impactos ambientais, multidisciplinar, é um cientista com atividades em geologia, arqueologia e ecologia. Sua vasta bibliografia é uma biblioteca do saber internacional. Ab’Saber, segundo João Barcellos, “(...) desmistifica (tirando a importância política e econômica do aquecimento global), uma das grandes farsas propagandeadas na atualidade, ‘o aquecimento global’, com interpretação de fenômenos climáticos distorcidos, diagnósticos inválidos e pressupostos equivocados os políticos metidos a cientistas-profetas ecológicos quais alegam que a onda de calor ocorrida entre 2009- 2010 é em decorrência do (aquecimento global). Tal evento totalmente natural e conhecido no calendário científico, que representa o pico do El Niño que se repete de 12 em 12 anos, ou 13 em 13 anos ou a cada 26 anos”. Para entendimento: Efeito Estufa não existe, é mera invenção maldosa dos países desenvolvidos, a fim de impedir o desenvolvimento dos países emergentes, com a criminosa política dos famigerados ‘créditos do carbono’ (Ronaldo Messias, Ensaio, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável- 2015).

Tremembé

Solo, Mineração & Economia

“Desde que os primeiros portugueses adentraram o certam arriba Paraty na direção do Rio de Janeiro, o solo do Vale do Paraíba sofreu alterações estruturais, quer em cavas e faiscagens, quer pela demanda de material para construção [areia e pedra] no auge da urbanização; ora, entre a era aurífera e a construção civil industrializada foi a região de Tremembé um dos polos desse desenvolvimento, quase sempre selvagem e só limitado por força da necessidade de se preservar o espaço hortifrutigranjeiro e agropecuário. Hoje, a mineração é uma atividade cujos parâmetros industriais e mercantis estão sob resguardo de legislação ambientalmente adequada” [Barcellos – in ´Solo, Mineração & Economia´; anotações, 2015].


Existem no Brasil 1.862 minas produtivas [in ´O Universo da Mineração Brasileira´, Departamento Nacional de Produção Mineral, 1999], sendo que o sudeste responde por 1.028 delas e, aqui, encontra-se o polo minerário de Tremembé. A gestão do extrativismo tem condicionado a exploração selvagem dos recursos e, cada vez mais, existe uma consciência voltada para uma indústria operacionalmente menos nociva ao aspecto geossocial.

Tremembé

Estância Turística

Tremembé é um dos 29 municípios paulistas considerados Estâncias Turísticas pelo Estado de São Paulo, por cumprirem determinados requisitos definidos por Lei Estadual. Tal status garante a esses municípios uma verba maior por parte do Estado para a promoção do turismo regional. Também o município adquire o direito de agregar junto a seu nome o título de Estância Turística, termo pelo expediente municipal oficial quanto pelas suas referências estaduais.

Tábua Cronológica 1602- Dom Francisco de Souza ordena as Bandeiras para a expansão ao Vale do Paraíba; 1628- Primeiras concessões de terras a Jacques Felix e Domingos Dias Felix pela Condessa de Vimieiro; 1660- Fundação por Manuel da Costa Cabral e capela em louvor a Nª Sª da Conceição; 1663- Recebeu a imagem de Senhor Bom Jesus; 1669- Manuel da Costa Cabral, consegue permissão para erigir igreja no local “onde já havia a capela” assim surge o templo do Sr. Bom Jesus de Tremembé (Padroeiro); 1672- Celebrada a primeira missa em 20 de Abril; 1777- Morgado de Matheus, manda expandir a Capitania a Leste e povoar o Vale do Paraíba [via união com o RJ] 1840- O Vale do Paraíba registra seu maior número de escravos, [leia-se: seres humanos escravizados] 117.238 Mil cativos; 1866- Lei Provincial nº 01 de 20/02/66 elevou o Povoado a Freguesia (1868 +ou- foi rebaixada);


1872- Cia de trens (Cia São Paulo) de Taubaté a Pindamonhangaba; 1887- Em 7 de Maio, surge o Visconde de Tremembé; 1890- Em 19 de Agosto, Torna-se Distrito Policial; 1891- Decreto Estadual 132 de 03/03/1891 foi elevado a Distrito de Paz pelo Juiz José Monteiro Queiros; 1896- Aos 26 de Novembro de 1896, foi elevado a município (autonomia administrativa) pela Lei 458 promulgada pelo presidente do Estado, Manuel Ferraz de Campos Sales (desmembrado de Taubaté), graças aos esforços do Coronel Alexandre Monteiro Patto; 1904- Chegada dos Monges Trapistas; 1905- Aos 19 de Dezembro - Lei Estadual, eleva a cidade; 1907- Criada a Paróquia Bom Jesus (desmembrada de S. Francisco das Chagas); 1936- Divisões de terras datadas em 31/07; 1937- Divisões de terras datadas em 31/07; 1938- Decreto Lei Estadual 9073 de 31/03 Tremembé pertence ao Termo Judiciário de Taubaté e com Distrito Sede; 1944- Lei 14.334 de 30 de Novembro, fixa a divisão territorial, administrativa e judiciária do Estado de São Paulo, para vigorar em 1945-1948 (composto de 1 distrito); 1950- Usina de Xisto Betuminoso; 1960- Outra divisão de terras, o município é constituído do Distrito Sede; 1974- Aos 23 de Novembro, o Santuário recebe título de Basílica Menor pelo Papa Paulo VI; 1993- Aos 27 de Dezembro, por lei estadual nº 8506, transforma o município em Estância Turística- Governo de Luiz Antônio Fleury Filho; 1997- Nova Divisão Territorial; 2000- Aos 29 de Agosto, Lei Complementar 877- Eleva a categoria de Comarca Judiciária de 1ª Entrância.

Prefeitos Municipais de Tremembé 1908 a 1910– Prefeito Victorino Coelho de Carvalho 1911 – Prefeito Antônio Lourenço Xavier Aparentemente não foram preservados todos os registros deste período devido a um incêndio que teria destruído parte dos documentos. 1926 – Prefeito Francisco Coelho Ferreira Ata de Posse de 11.06.1932 – Prefeito Antônio Gonçalves Barbosa e Silva transmite o cargo para o Senhor João Ribeiro dos Santos. Ata de Posse de 04.03.1933 – Prefeito João Ribeiro dos Santos transmite o cargo para o Senhor João Baptista Ferreira. Ata de Posse de 27.11.1933 – Prefeito João Baptista Ferreira transmite o cargo para o Senhor João Ribeiro dos Santos. Ata de Posse de 30.05.1938 – Prefeito João Ribeiro dos Santos transmite o cargo para o Senhor Moysés Cássio. Ata de Posse de 05.06.1938 – Prefeito Moysés Cássio transmite o cargo para o Senhor José Juvêncio Neves. Ata da Posse de 06.03.1940 – Prefeito José Juvêncio Neves transmite ao cargo para o Senhor Hypólito José Ribeiro. Ata de Transmissão do Governo de 07.03.1944 – Prefeito Hypólito José Ribeiro transmite o cargo para o Senhor Aparecido Antônio Jorge. Ata de Transmissão do Governo de 26.03.1947 – Prefeito Aparecido Antônio Jorge transmite o cargo para o Senhor Geraldo Ramos de Toledo. Ata de Transmissão do Governo de 05.04.1947 – Prefeito Geraldo Ramos de Toledo transmite o cargo para o Senhor Irani Paraná do Brasil. Prefeito em 1948 – Agostinho Manfredini Prefeito em 1952 – Octaciano Xavier de Castro Prefeito em 1956 – Américo Barbosa de Queiroz Prefeito em 1960 – José Benedito Rossi Prefeito em 1962 - Octaciano Xavier de Castro Prefeito em 1964 - José Benedito Rossi Prefeito em 01.02.1969 – Alberto Ronconi Prefeito em 05.02.1971 – Assume temporariamente Júlio Celso Otani Prefeito em 08.02.1971 – Mario Gonçalves dos Santos Prefeito em 02.03.1971 – Alberto Ronconi Prefeito em 15.04.1971 – Assume temporariamente Júlio Celso Otani Prefeito em 16.04.1971 – Mario Gonçalves dos Santos Prefeito em 21.04.1971 – Eugenio Ferreira da Silva Prefeito em 12.05.1971 – Assume temporariamente Júlio Celso Otani


Prefeito em 26.05.1972 – Herondina de Mattos Freitas Prefeito em 01.02.1973 – Paulo Barbosa Rangel Prefeito em 01.02.1977 – Júlio Vieira Prefeito em 01.02.1983 – Messias Paredão Nascimento de Lima Prefeito em 09.06.1986 – Mario Gonçalves dos Santos Prefeito em 09.07.1986 - Messias Paredão Nascimento de Lima Prefeito em 02.07.1987 – Mario Gonçalves dos Santos Prefeito em 31.07.1987 - Messias Paredão Nascimento de Lima Prefeito em 01.01.1989 – Júlio Celso Otani Prefeito em 31.08.1990 – Júlio Vieira Prefeito em 03.02.1990 - Júlio Celso Otani Prefeito em 01.01.1993 - Messias Paredão Nascimento de Lima Prefeito em 16.06.1994 – Antônio Carlos Ferreira Prefeito em 17.07.1994 - Messias Paredão Nascimento de Lima Prefeito em 05.12.1994 – Antônio Carlos Ferreira Prefeito em 17.12.1994 - Messias Paredão Nascimento de Lima Prefeito em 01.01.1995 – Antônio Carlos Ferreira Prefeito em 22.02.1995 - Messias Paredão Nascimento de Lima Prefeito em 25.02.1995 – Antônio Carlos Ferreira Prefeito em 01.01.1997 a 01.01.1998 – Mario Carneiro Leão Prefeito em 01.01.1999 a 2004– Orozimbo Lúcio da Silva Prefeito em 01.01.2005 a 2012– José Antônio de Barros Neto Prefeito em 01.01.2013 - Marcelo Vaqueli Prefeito em 01.01.2017 - Marcelo Vaqueli

Símbolos Municipais

Bandeira & Brasão

Histórico: O escudo redondo conhecido como flamengo- ibérico, foi introduzido na Península Ibérica na ocasião das lutas contra os mouros, passando a ser chamado escudo português. Com ele procuramos homenagear nossos antepassados colonizadores e a origem do fundador de nossa cidade “Capitão Mor Manuel da Costa Cabral”. A sinople do primeiro campo significa à honradez, a civilidade, a cortesia do nosso povo e a sua esperança no dia de amanhã; o arado em jalde simboliza o esplendor da força agrícola do nosso município; protegido pelo Senhor do Bom Jesus, Padroeiro da nossa cidade, que também está nesse campo, tal qual é visto em seu altar. O blau do terceiro Campo representa o céu límpido e o clima ameno de nossa cidade. As montanhas em jalde representam a Serra da Mantiqueira, com toda sua imponência


e beleza, emoldurando o horizonte do município, formando uma paisagem digna de um quadro que somente o onipotente poderia criar. A sinople neste campo significa as nossas várzeas férteis em terras de lavoura, cortada pelos meandros do sereno Paraíba do Sul representando pela faixa argente, e de onde vem a origem do nosso município: Tere-membé, nome dado pelos nativos Guaianases que habitavam neste local, e seu significado é: terras baixas e alagadiças, cortadas por rio sinuoso e sereno, tal qual eram nossas várzeas, hoje dominada pela vontade, força e tenacidade do povo de nossa terra. Como suporte, o ramo de café, a sinistra, significa a força que faz prosperar nosso município no século passado, e as hastes de arroz, a destra representa a nossa atual fonte de riqueza, neste listel dourado, as palavras em sable: “TREMEMBÉ LABOR OMNIA VINCIT”, significam: “TREMEMBÉ VENCENDO PELO TRABALHO”, e na extremidade as datas 20/02/1866, a destra, significando sua emancipação política. A coroa mural que sobrepõe é símbolo universal dos brasões de domínio; é de ouro, por ser metal destinado às coroas de primeira ordem, com quatro torres e quatro portas de sable, das quais apenas três são visíveis em perspectiva, classificando assim a cidade como Sede do Município.

Hino

O belo pôr-do-sol da Mantiqueira Manoel da Costa Cabral, se encantou Da mata imaginou uma bandeira E da nossa Tremembé ele fundou... Oh Tremembé dos Trapistas Tua história nos conduz A um passado de conquistas Terra do Senhor Bom Jesus... Teus Campos se cobriam de dourado Nas mãos que semearam arrozais A ordem dos Trapistas do passado Semente que não morrerá jamais... Oh Tremembé dos Trapistas Tua história nos conduz A um passado de conquistas Terra do Senhor Bom Jesus... Um nobre rio tens beijando os pés Murmurando feito mil madrigais Em tributo a ti, minha Tremembé Passarinhos gorjeiam em corais...


Oh Tremembé dos Trapistas Tua história nos conduz A um passado de conquistas Terra do Senhor Bom Jesus... Tuas igrejas de sinos tangentes De sonoros chamamentos de paz O labor e a fé de tua gente Te engrandece e muito orgulho nos traz... Oh Tremembé dos Trapistas Tua história nos conduz A um passado de conquistas Terra do Senhor Bom Jesus...

Fontes Bibliográficas ODALIA, Nilo – História do Estado de São Paulo, vol 1 Colônia e Império, - 2010; AB’SABER, A.N. – A Geomorfologia do Estado de São Paulo- 1954; AB’SABER, A.N. – Contribuição ao estudo do paulista, Revista Brasileira de Geografia; RJ 1955; ALENCASTRO, L.F. – O trato dos viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul, SP 2000; BARCELLOS, João – Pesquisas Historiográficas acerca de Tremembé e Região; CULTURA, paulista – Acorda Brasil, Imprensa Oficial, 2006; DEBRET, Jean Baptiste – Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, Vol I; DEBRET, Jean Baptiste – Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, Vol. II; HIDROGEOLOGIA DA VÁRZEA DO RIO PARAIBA DO SUL: ESTUDO DE CASO DE UMA ÁREA DE MINERAÇÃO NO MUNICÍPIO DE TREMEMBÉ, SP-BRASIL – in Ambiente & Água - An Interdisciplinary Journal of Applied Science 5(3):76-107, 2010 [researchgate.net / 2016]; MONTEIRO, J.M. Negros da terra: índios [leia-se: povos nativos] e bandeirantes nas origens de SP, 1995; MORAIS, E. – A campanha abolicionista, 1879-1888, SP- 1924; TAUNAY, A. de E. – História da cidade de São Paulo no século XVIII, 1931; TAUNAY, A. de E. – História das bandeiras paulistas. 3. ed. SP. 1975; DEBATES PARALELOS [Vol. 8] – Viver História, Estudo e Opiniões, CEHC Portugal e América LatinaJoão Barcellos e outros, Edicon- 2012; THOMAS, David G. Giovanni Maria de Agostini – USA, 2014; SZMRECSÁNYI, Tamás – História do Período Colonial, Imprensa Oficial SP. 1996; GUTFREIND, Heloisa Jochims Reichel Ieda – Fronteiras e guerras no Prata, 1995; SITE: Prefeitura Municipal / www.tremembe.sp.gov.br

Ronaldo Messias, 2016


MAÇONARIA

IMPORTÂNCIA DA NO EQUILÍBRIO GEOPOLÍTICO João Barcellos

o que em Mim é cósmico estar civilizo com a Pessoa que me é vizinha na telúrica essência e agora? ah, a inocência da vida in natura d´alquimista me faz Pessoa a viver o prazer d´amar o mundo que o é em Mim BARCELLOS, João Cerro Ybiraçoiaba / Iperó, 2011

Parte 1 O pensamento medieval, fechado e retrógrado em função do obscurantismo produzido pela cristandade, no ocidente, e o mesmo pelo islamismo e o hinduísmo, no oriente, e tudo no âmbito de um monarquismo absolutista transformando o temporal em poder místico, foi uma das páginas mais negras da história humana. Foi nesse contexto que no Século 14, no mesmo instante que a marinha mercante portuguesa descobria (por acaso) a Insulla do Brasil, surgiu em Londres um mestre-pedreiro cujos trabalhos incorporavam o ideal da perfeição e da res publica no trato de políticas públicas, enquanto legado dos ancestrais Magistri Comacine, que ajudaram Roma a se espalhar arquitetonicamente na Europa: foi ele Henry Yevelle.

Parte 2 Sim, senhoras e senhores, o ser-estar maçon não é ´coisa´ de hoje, tem um lastro histórico e político com dois eixos de extrema importância: a Liga Hanseática e a Ordem dos Cavaleiros [Templários] de Cristo. E vamos por partes: Hanse é uma palavra alemã que designa Associação Mercantil [no mesmo passo: a Guilda designava os ofícios artesãos], um mercado entre cidades


iniciado com os Cavaleiros Teutônicos, em 1141, e que se alastrou principalmente no Século 14. Por que digo que o eixo são os Templários e não os Teutônicos? Porque estes últimos têm função regional, enquanto aqueles estabelecem uma política econômica [são banqueiros e guardadores de bens, latifundiários e comerciantes] em torno das Cruzadas, pelo que tudo passa pelas suas mãos entre os Séculos 13 e 14 e, nisso, estabelecem também o juro de cobrança, que funcionou muito bem e se alastrou a partir da Liga Hanseática.

símbolos templários e teutônicos

As cidades da Liga Hanseática

Ora, foi entre a Hanse e a Guilda que surgiu a luz em pleno medievalismo de obscuridade, com Portugal a tomar uma frente de expansão marítima que logo mudaria o conhecimento de mundo com a apresentação, em Fevereiro de 1343, de um Novo Mundo, em carta do rei Afonso IV ao papa Clemente VI. E se Brugge era na Liga Hanseática também a feitoria portuguesa, Lisboa passou a ser a capital do Novo Mundo com as amostras de pau-brasil embarcadas na Insulla do Brasil pelo capitão Sanches Brandão. Em meio à globalização do Mundo conhecido pela via marítimo-mercantil hanseática e, logo, oceânica pela costa africana, pela marinha mercante portuguesa, é que o serestar maçon [do inglês mason] se desenvolve enquanto instrumento do saber d´ofícios carreando um conceito de políticas públicas que se confronta com o absolutismo régio. Mas, como enfrentar o rei ou a raínha?, e, no mesmo passo, o papado? Equilibrando o jogo com cartas constitucionais no rastro da parlamentarismo greco-romano. Os primeiros textos que se conhecem do ser-estar maçon medieval estão já no levante silencioso, mas eficaz, da pequena burguesia que vai surgir como contraponto ao absolutismo e, diga-se, são a base do enfrentamento do papado da cristandade e dos reis absolutistas com os monges-guerreiros templários, pois, só a ousadia de uma burguesia muito bem estruturada economicamente poderia fazer surgir uma política de ações geossociais direcionadas ao progresso.


Parte 3 Quando o mestre construtor Yevelle faz de Londres a sede para a práxis do ser-estar maçon ele faz a mesma leitura civilizacional dos velhos comacines, i.e., só a educação promove a cidadania. Tudo na pegada dos templários que assumiram a luz no diálogo precário com o papado cristão pouco interessado em dar aos povos esse precioso alimento cultural. A ação templária veicula, então, entre o segmento mercantil e o militar, a proposta de resgatar a humanidade enquanto tal. Veja-se: no lado mercantil os monges-guerreiros constroem a base de um negócio global que permite a troca de saberes e, de maneira pedagógica, leva mercadores e financistas a optarem por um comércio culturalmente capilar entre navios e caravanas e feitorias. Com os comacines temos um saber que roda apenas o mundo romano, com os templários temos um saber que roda o mundo no seu todo internacional e tribal. É com os templários mercantis e socioculturais que o Mundo deixa de ser um conhecimento-de-padres e monarcas absolutistas para se transformar, globalmente, numa sociedade civil com práxis própria... Eis aqui a essência social que leva Henry Yevelle a agir pela construção de uma sociedade civil capacitada para um diálogo direto com o poder religioso e político tendo os povos como personagens e não como escravos do sistema latifundiário. Parte 4 O conceito que faz nascer o free mason [pedreiro livre // pessoa livre] no Século 14 não é o secretismo, mas a esotérica necessidade de vivenciar a humanidade na sua plenitude, logo, ser-estar maçon é viver com bons costumes e em liberdade. Obs.: utilizo o termo maçon para não fugir da historiografia que lhe é base na língua portuguesa e à época [1972] em que iniciei estudos sobre o esoterismo.

Bons costumes e liberdade não são temas de agrado entre reinóis absolutistas e igrejas ciosas desse mesmo status reinol, e se por causa disso o poderoso templário acaba na fogueira inquisitorial e política, também o maçon vai parar nos calabouços inquisitoriais.

templários na fogueira e maçon na tortura

A verdade é que quem cultua o poder-pelo-poder, político e místico, tem como oposição quem batalha pela liberdade e pela plena integração geossocial de cada povo. A carta-constituição de Yevelle propõe, então, uma sociedade de pessoas livres para o fomento de um humanismo mais crítico e militante com relação às misérias e à caridade miserável que fazem da humanidade refém em si mesma.


Com este conceito de sociedade civil é que o diálogo socrático retoma a sua posição na reeducação das pessoas: vivenciar a alquimia da paz e do amor em um equilíbrio sociopolítico nas comunidades e na nação. A democracia conquista, também, mais espaço, mesmo que precário e a exigir uma batalha ideológica dura, pesada, nos meandros políticos governamentais que já percebem na burguesia mercantil uma práxis maçônica relevante e sem freios, apesar do olhar inquisitorial dos igrejistas. Obs.: igrejistas, termo cunhado pelo poeta J. C. Macedo, em panflo mimeografado com distribuição clandestina [Guimarães/Pt, 1971].

Tanto nos meios reinóis absolutistas quanto nos parlamentaristas, o conceito maçon de equilibrar a sociopolítica possibilita nova mundividência que vai gerar rupturas estruturais no status mercantil e político, cujo ápice surge na Revolução Francesa e na constituição dos EUA e, logo, na Revolução Industrial que toma a Europa e se alastra para o Novo Mundo. Demonizado pela cristandade, o ser-estar maçon revela ao mundo que só o pensamento-que-constrói pode criar civilização e, nesta, uma humanidade cultivando suas raízes geossociais sem perder a noção global do algo cósmico com berço, estrada e tumba telúricas.

Parte 5 Na era colonial ultramarina agitada pelos ibéricos, entre os Séculos 14 e 16, e já com as colônias a respirar o conceito maçon de liberdade em terra própria, o Brasil é um território em que o espírito maçon de fazer política faz prevalecer a sempre urgente ruptura com o medievalismo inquisitorial no que tange à liberdade, e já em 1530 perspectiva o estilo do municipalismo republicano [a partir da Vila de S. Vicente] para logo dar a perceber a necessidade de uma urbanidade geradora de humanismo [com os governadores Francisco Sousa e Morgado de Matheus, Séculos 16 e 18] e de progresso [Diogo Feijó e barão de Mauá, Século 19], sendo que em Abril de 1822 o presbítero e maçon Feijó faz das cortes de Lisboa o palco para manifestar o Brasil Independente... A própria essência reinol rende-se ao princípio maçon de governar com diálogos institucionais, o que acontece com Pedro I e Pedro II, os imperadores brasileiros que fatalmente caem diante de um republicanismo global[izado] deixando a nação sob os auspícios de novas políticas com a intermediação de notáveis maçons. E assim, da Europa ao Novo Mundo o ser-estar maçon alcança uma dimensão geopolítica universal carreando o espírito comacine e templário que revolucionou os ofícios e a governabilidade política.

NOTAS COMACINE _ Magistri Comacine, é uma expressão que está no código do rei Rotharis [in Lombardic Architecture; Vol. 1], na verdade, os mestres-pedreiros que no Século 7 deram continuidade à estética romana da urbanidade imperial em expansão. Eram collegia [ou guildas] de arquitetos e aprendizes que se sediaram em Como, no reino lombardo da Itália do Norte, região de com enormes pedreiras. O legado desses Mestres Comacines está na engenharia-militar de ontem e arquitetura de hoje perpetuando a estética do belo e forte com que embasaram os alicerces de muitas cidades europeias MANUSCRITO DE HALLIWELL _ É o documento, de 1390, que o bibliotecário inglês James O. Halliwell Phillips descobriu no meio de documentos diversos, no Século 19. O manuscrito é uma constituição maçônica da era iniciada por Yevelle, em 1356.


TEMPLÁRIOS _ do latim "Ordo Pauperum Commilitonum Christi Templique Salominici"), milícia de religiosos ligada ao papado da cristandade, criada em 1096 para, dizia-se, proteger os fiéis cristãos em peregrinação a Jerusalém. Para não perder prestígio e poder, o papa Clemente V ordenou a dissolução da ordem e, com o rei de França, em 1312, encarcerou, julgou e queimou vivos os principais chefes templários. A causa? Os monges-guerreiros detinham um poder político e econômico paralelo ao Papado e aos reis europeus. TEUTÔNICOS [CAVALEIROS] _ uma ordem místico-militar, na maioria de fidalgos, dita em latim Ordo Domus Sanctæ Mariæ Theutonicorum, criada sob votos diante do papa Clemente III.


BODHRÁN O Tambor Da Dança Celta

Johanne Liffey

Em casa dos meus avós maternos e com presença em todas as celebrações, a gaitade-fole é um ícone familiar. Mas, não é um instrumento isolado: a esse aparelho de sopro junta-se logo ao primeiro sopro no fole um tambor, que, desde menina escuto ser o “bodhrán”. Parte dos instrumentos da música tradicional irlandesa, que abrange a história celta, este tambor dá o ritmo a celebrar a cadência das sensações, sejam as bélicas sejam as amorosas.

Eu o vi curtir o couro Depois que na fôrma fez passar o tempo Um pedaço de madeira E ao juntar as peças vi o tambor E então o ouvi tamborilar a dança d´amor Como se mil tambores e gaitas de fole ao lado da fogueira A celebrarem a primavera pela bela roseira E então soube que nas mãos se esquece o tempo Que o coração é valente e se faz ouro LIFFEY, Johanne _ Ireland, 2003.

De onde veio este instrumento? Ninguém sabe. Nem tão pouco a origem do nome. Talvez de entre tribos árabes, pela forma e o jeito de ser manuseado, já entre irlandeses dizemos que quem toca o bodhrán [pronuncia-se borán] é bodhránaí ou bodhrádóir. Se formos ao histórico da civilização celta traçado por Antoine Fabre d´Olivet [in “História Filosófica do Gênero Humano” [Ed Ubyassara; Brasil, 1989, c/ larga divulgação de João Barcellos em diversas palestras e artigos sobre humanismo crítico] vamos entender que a civilização celta expandiu-se para a Ásia e o Oriente Médio, pelo que não se pode excluir a hipótese de em algum retorno estar o bodhrán no alforge. Também, e o disse


o poeta J. C. Macedo em palestra, “o bodhrán possivelmente chegou à Irlanda via árabes ibéricos. Ele foi integrado à música irlandesa, e pode mesmo ter sido através daqueles que foram afastados da região para a expansão continental do Portugal de Afonso Henriques, uma vez que a Lusitânia fazia parceria com as tribos celtas remanescentes em toda a Península Ibérica, e mais no entorno do Condado (godo) Portucalense” [Serra do Gerês, 1979]. Certo é que um paralelo entre pandeiros árabes e hindus – e fiz isso no Afeganistão e na Índia, como já tinha feito no Algarve (sul de Portugal) – mostra semelhanças de tradições musicais.

O que é “bodhran”? É um tambor. Tocado com as mãos, à moda árabe, ou com baqueta, na tradição celta. É feito com couro de animal esticado num arco de madeira. Não é uma madeira qualquer, é de freixo. O freixo [do latim “fraxinus”] é árvore de tom amarelo. Dura e pesada, porosa e a facilitar um som algo estridente, esta madeira é utilizada para a confecção de diversos instrumentos musicais. Mas a pele pode ser couro de boi ou de cervo, e outros. E como não se fala de tradição irlandesa sem a mística celta, é óbvio que a celebração popular das divindades, e até do jeito peculiar de cada pessoa se manifestar em sociedade, pede a cadência amorosa que sai do bodhrán. “Ser celta é uma antiguidade sociocultural, mas, estar celta é como uma flor sem tempo a exalar a filosofia do amor e da paz” [J. C. Macedo, idem]. Dublin-Ie, 2011


O FERRO, O MUNDO, O YBIRAÇOIABA

Dos Romanos Aos Ibéricos Com Ponto No Brasil

João Barcellos

Súbito, os naturais do Brasil passam da pedra lascada à idade do ferro: uma revolução feita com pregos d´assoalho das caravelas e fornos catalães no Cerro Ybiraçoiaba... Súbito, a flecha lançada tem seta de ferro a anunciar mundo novo, outras eras. J. C. Macedo, 2001


João Barcellos _ “[...] e estas pesquisas acerca do ferro iniciei-as após uma visita a Santo Amaro, região metropolitana de São Paulo, onde se minerou o metal e, por isso, o surgimento de diversas forjarias familiares que logo se espalharam no entorno da villa jesuítica para depois chegarem mais a sul entre o Ybiraçoiaba e a Estrada de Goyaz, e também pelas vilas litorâneas... No mesmo Séc. 16 o capitam e político e minerador Affonso Sardinha paga a taxa reinol para explorar, com forjas catalãs, o ferro do Cerro Ybiraçoiaba.”

O Ferro _ Lavado por águas de milênio em milênio, pisoteado por gerações e gerações de humanos de todas as cores e signos e falas em todas as partes da Terra, e até além Finisterra, o ferro, que conhecemos do latim ferrum, é metal maleável, tenaz, branco-cinza, e por suas propriedades magnéticas é ferromagnético em temperatura ambiente, na qual encontra-se no estado sólido e extrai-se como minério. Da mesma maneira que o vidro, supõe-se que o ferro, lá por 4.000 antes do calendário cristão (aC), surge aos olhos das populações nômades no acaso das fogueiras acesas em cavernas, mas desta vez... na floresta, quando fragmentos do minério são reduzidos a metal sólido pela ação do calor e o contato direto com o carvão de madeira. Certezas, não as há, nem a arqueologia que se faz com a alta ciência de 3.000 anos depois nos dá respostas concretas, só aproximação.

[imagem de El Albumcito Hablador / web]

Já no espaço subsaariano de Nok, cultura nigeriana, os nativos desenvolvem a fundição do minério de ferro, entre os Séculos V e VI aC, e constroem uma dinâmica industrial que altera o todo africano. E, possivelmente, é a fonte dos objetos de adorno confeccionados em ferro encontrados em tumbas egípcias, na região de al-Gezirat; e na época da cultura Nok, os portões da Babilônia são reforçados com ferro, enquanto na China, os artesãos operam o ferro há muito tempo. O objeto confeccionado com ferro, que serve de utensílio doméstico e arma de caça, pesca e guerra, como também para cunhar moedas, e já com mineração própria, é tratado nas regiões da África e da Ásia a partir de +- 1.500 aC.


Nesta época, as ramificações socioculturais do que se chama civilização Celta dominam a Europa e difundem a cultura do ferro por onde passam, particularmente na Península Ibérica, ainda um território árabe. Regiões mais tarde rebatizadas pelos romanos, como Bracara Augusta (Braga) e Mérida (de Emerita Augusta, capital da Lusitânia), têm envolvimento industrial com o ferro e estão classificadas como pontos de importância imperial, logo, ligadas pelos marcos miliares que as tropas assentam para sinalizar a ocupação que silencia tanto celtas como árabes. Outra região dominada pelos romanos é a dos vascões (ou bascos), que sabemos das anotações de Plínio e de Estrabão, povo já habituado ao trato industrial do ferro e que desenvolve tecnologia própria (forno catalão) disseminada pela península e entre os galegos, dos quais sairá a fonte da língua portuguesa e o conceito de nação emergente. Mas o grande centro comercial de minerais está ao sul da península, em Huelva, região estrategicamente importante e que recebe vários povos marítimos, como os gregos e os fenícios; e é de Huelva, no Século VII aC, que se alimenta toda a indústria nascente embasada no ferro, entre os rios Tinto e Odiel.

O Ferro de Rio Maior _ Em abril de 1250, Fernando Mendes, abade de Alcobaça, fez doações de possessões do mosteiro em Rio Maior (moinhos, fornos, herdades, casas, vinhas, …) a Estevão Anes, chanceler do rei Afonso III, com a ressalva de que continuariam na posse do mosteiro o minério de ferro existente na região... “[...] reseruamos nobis mineriam ferri que est in heriditate quam habemus de Domna Vrraca fernandi. Et domos in quibus sunt strumenta ad ferrum fundendum.”


Por essa época, o Mosteiro de Alcobaça explorava uma mina de ferro em Rio Maior, na herdade deixada por Urraca Fernandes e uma outra mina existente em Freiria.

Entre o Mundo e o Piabyu _ Nos países ocidentais aplica-se, até ao Séc 19, a Farga Catalana, método siderúrgico para obtenção de ferro e aço, mas é substituido pelos altos-fornos. Com a escassez do carvão vegetal nas oficinas inglesas, no Séc 18, opera-se então com o coque (combustível fóssil), e Abraham Darby desenha e constroi o primeiro Alto-Forno. No mesmo século, Henry Cort adicionou outras técnicas para aperfeiçoar a produção. E assim surge o ferro como elemento estrutural na construção civil, quando, em ferro fundido, John Wilkinson e Darby constroem a primeira ponte metálica até que em ousadia arquietônica, surge em Paris a Torre Eiffel... . (o Brasil é descoberto em 1342 na foz do Rio Siará, pelo capitão Sancho Brandão da marinha mercante portuguesa, conforme carta régia de Afonso IV ao papa Clemente VI, em Fevereiro de 1343) Archivio Segreto Vaticano; Reg. Vat. 138, ff. 148r-149r.

Assim é que, entre os Séculos XIV e XV, quando os ibéricos, já portugueses e espanhóis, fazem-se ao mar, transportam nas embarcações o sinal de uma nova idade cultural e industrial – o sinal que os povos nativos do Novo Mundo (depois América) vêm a tomar e através dele se aculturar (quase sempre à força) aos costumes das gentes vindas do outro lado do mar, sim, aquele outro lado do mar que o Piabiyu (caminho guarani para a terra sem mal) não atinge nem sinaliza, apenas faz esperar... E o que chega é a colonização ibero-cristã com todos os defeitos e qualidades de uma conquista que exige despojos e submissão de quem foi cercado e rendido. Da foz do Ryo Siará à imensidão sertaneja do Piabiyu forma-se um espaço-tempo de dominação com reserva política e religiosa, ou seja, entre Portugal e a Roma cristã


pratica-se um protocolo que impede à Europa o acesso ao melhor pau-de-tinta, ou paubrasil, encontrado até então. A sequência só vem com a colonização definitiva após o reconhecimento e a tomada oficial em 1500 da Ilha do Brasil, ou de Brandão. E com um primeiro século dominado por judeus (do Bacharel de Cananeia a Affonso Sardinha e Baltazar Fernandez, entre outros), na ponta sul da Linha tordesilhana que o Brasil acontece e, industrialmente, no sítio de mineração e processamento de ferro aberto pelo ´velho´ Affonso Sardinha no Cerro Ybiraçoiaba... O ferro é encontrado em numerosos minerais, como hematita (Fe2O3), siderita (FeCO3), magnetita (Fe3O4), limonita [FeO(OH)], pirita (FeS2) e ilmetita (FeTiO3).

Curiosidade Química & Gastronômica O ferro está também em nossa alimentação desde os tempos que aprendemos a caçar/pescar e cozinhar (os animais caçam/pescam e comem, não cozinham) e também a plantar.

Na forma orgânica, presente na hemoglobina dos eritrócitos do sangue e é encontrado principalmente nos alimentos de origem animal, como fígado e língua de boi, fígado e coração de galinha, peixes e frutos do mar. Na forma inorgânica, não faz parte do complexo heme da hemoglobina e está presente principalmente nos alimentos de origem vegetal, como ervilha seca, açaí, feijão, lentilha, nozes e outras oleaginosas, açúcar mascavo, chocolate, etc.


Curiosidade Historiográfica A guilda ou corporação de ofício é uma associação de artesãos profissionais e independentes, em igualdade de condições, surgida entre os Sécs 12 e 15; existe, então, também a hansa, associação de comerciantes especializados, e daí nasce, por ex., a Liga Hanseática, onde Portugal tem feitoria, esta, sediada em Brugges.

Entre meados do Séc. 15 e o início do Séc. 16 surgem em Lisboa e Porto as primeiras confrarias (ou guildas) de mesteres, como ferreiros, curtidores, marinheiros, borzeguieiros (fazedores de sapatos para a tropa), sapateiros, alfaiates, pedreiros, etc., que se estendem para as cidades e vilas do sul, centro e norte, e, logo, na odisseia caraveleira, vão se estabelecer também nas colônias da África e no Brasil.

É o tempo das políticas públicas de espirito republicano pedro-joaninas, ou seja, do duque de Coimbra e regente Pedro (o Infante das 7 Partidas) e do seu neto e rei João II, políticas que permitiram tirar poder aos senhores feudais e expandir a burguesia mercantil. Por toda a Europa e muito especialmente na Península Ibérica, à época do imperador romano Numa Pompílio (Séc VI a.C.), criador dos Collegia Fabrorum, ou Collegiati, é que surgem as primeiras


confrarias de mesteres (por ex., os mestres Comacinos), cujas trabalhos têm fundamento místico pela reconstrução do que era destruído pelas invasões coloniais romanas; destas corporações surgiram mais tarde, vertido o império romano na cristandade, as confrarias religiosas, como a dos Cavaleiros do Templo (templários) e a Societas Jesu (jesuítas).

Ferreiro & Fole

Fole de ferreiro ou fole de forja é uma ferramenta usada pelos ferreiros para atiçar o fogo na hora da forja de metais. É composto de uma sanfona de pele entre duas peças de madeira com cabo, que quando aproximadas expulsa o ar para fora da sanfona.


Já no Séc. 20, um mecanismo mecânico, manuale elétrico, começou a substituir o fole nas pequenas oficinas siderúrgicas poupando esforço físico.

Fole O Último Artesão António Carvalhinha, 62 anos, é o último fabricante de foles em madeira da região da Guarda, assumindo que os artigos que outrora eram utilizados para avivar o fogo das lareiras são agora procurados para decoração. "Comecei a fazer foles com dez anos, aprendi com o meu pai", disse à Lusa o artesão que reside na localidade de Freixedas, concelho de Pinhel, onde desenvolve a actividade a par das profissões de canalizador e de electricista.

"Faço uma remessa de vinte ou trinta por ano e depois paro. Vou fazendo aos poucos, porque um fole artesanal não se consegue fazer num dia", acrescentou. Assumiu que ainda se dedica à produção de foles "por amor à arte e para não deixar morrer a tradição na terra", onde sempre esteve associada à sua família. O único foleiro da região faz foles de vários tamanhos: os maiores têm cerca de 50 centímetros de comprimento, os médios cerca de 40 e os pequenos têm 20 e 15. [Fonte: Agência Lusa, 2008]

Fole Tecnologia Aplicada _1 Os foles que conhecemos da oficina de ferreiro e da forja catalã, têm o mesmo processo de fabricação, já o fole de gaita (a famosa gaite de fole) que segundo alguns dados, vem dos tempos celticos, permite a acoplagem numa de flauta que recebe o sopro.


Gaita de Fole é um instrumento da família dos aerofones, composto de pelo menos um tubo melódico e um insuflador mediado por uma válvula, ambos ligados a um reservatório de ar (fole).

Fole Tecnologia Aplicada _2 O fole está presente em diversas aplicações tecnológicas. Um dos segmentos é a fotografia.

A adptação à câmera fotográfica possibilitou a obtenção de registro com melhor qualidade.

O Ferro Por Si Mesmo Nos primeiros tempos, o ferro é extraído da pedra mineral, mas torna-se somente maleável, como outrora se fazia com os primeiros objetos de vidro. Por isso é que se fundem outros minérios agregados, uma combinação que origina a escória. O que se passa? Com o material incandescente, a escória é separada da massa, e obtém-se uma massa de ferro que pode ser moldada para gerar vários objetos.


Durante o Século XV é a Forja Catalã o instrumento mais desejado, até pela simplicidade do processo metalúrgico.

A saber: o ar frio é insuflado na fornalha com foles rústicos, enquanto o carvão (de madeira) é levado à fornalha para, em brasa, ser coberto com uma camada de minério, e, logo, camadas justapostas de carvão e minério, com a última a par do fole; insuflado o ar, o carvão queima e faz a redução do minério a metal. E ainda por esta época quinhentista que se chega outra tecnologia: o alto-forno. Como é o processo?

Aqui, obtém-se o ferro-gusa ou ferro fundido. Com a temperatura do forno muito elevada o ferro absorve mais carbono do que carvão e transforma-se em gusa, quando sai da fornalha na forma líquida incandescente para ser moldado na forma de algum objeto ou ficar como lingote (barra) a ser trabalho posteriormente.


A primeira tecnologia metalúrgica instalada na América, já agora a tal terra do pau brasil, acontece em pleno quinhentos no Cerro Ybiraçoiaba, a oeste do planalto piratiningo e acima da cordilheira (serra do mar) que domina a vila costeira de Gohayó (S. Vicente), término e/ou início do Piabiyu. O político, escravagista e minerador Affonso Sardinha (o Velho) adquire os direitos de explorar o minério de ferro no Cerro Ybiraçoiaba e, em finais dos Anos 90 do quinhentos, com o filho do mesmo nome (o Moço), instala forjas do tipo catalão: aqui se inicia a atividade industrial na América dita ´portuguesa´. Já se produz objetos de ferro (machados, pontas de lança, copos, martelos, ferradoras, ferros de marcar gado, pregos, anzóis, talheres, e, obviamente, cruzes, o símbolo maior da conquista) no Cerro Ybiraçoiaba quando, em 1607, a região de Jamestown (Virgínia/USA) dá início a igual atividade de fundição, pelo que é o Cerro Ybiraçoiaba o marco industrial da América. A fundição mais avançada está na Catalunha desde o Séc 8. A famosa forja catalã não utiliza ventilação ambiente: os catalaes adicionaram um sistema de foles para bombear o ar no interior prodizindo um ferro de alta qualidade. É esta forja catalã que o ´velho´ Affonso Sardinha adquire e instala no Cerro Ybiraçoiaba, oferecendo depois um dos engenhos ao governador Francisco de Souza. Assim como o vinho e a marmelada, a fundição expande-se em todo o território da Villa de Sam Paolo dos Campu de Piratinin.

Forja Catalã, desenho especulativo sobre Affonso Sardinha e o Sítio da Forja no Cerro Ybiraçoiaba


Entre rupturas na produção e problemas político-administrativos o ferro ybiraçoiabano não tem uma sequência lógica no âmbito industrial, porque ao tempo do governador Francisco de Souza (o ´marquês das minas´) e da Família Sardinha, o ouro é o foco, até que o governador Luís António Botelho (o 4º Morgado de Mateus), em pleno Século 18, determina a continuidade na fundição, mas sem obter aquela sequência desejada. Só a partir da fuga da família real de Lisboa para o Rio de Janeiro é que o ferro ganha nova importância e, em 1818, é esquecido o velho arraial mineiro e villa de Nª Sª do Monte Serrat (instalado no campo de mineração ybiraçoiabana pelo governador Souza) e se dá início à construção de uma fábrica de ferro com altos-fornos na mesma região.

Histórias Dentro Da Historiografia Ferrífera No Brasil

Yngenhos de Ferro de St Amaro & Sant´Anna do Parnaíba

Nos alvores do Sé. 17 a região de St Amaro do Byrapoera sedia um yngenho de ferro, mas a produção, que tem o carvão vegetal como combustível, não prospera. Sabemos que o provedor das Minas de Ferro, no período, é Diogo de Quadros – que tem tratos com o ´velho´ Sardinha e Clemente Álvares, entre outros no Byrapoera – é incentivado pelo governador geral Francisco de Souza a multiplicar a produção, embora a vereança paulistana se oponha por falta de especialistas e do alto custo operacional e da escassez de matéria-prima básica, ou seja, o carvão vegetal.


Nesta época, é verdade que um quadro considerável de officiaes do ferro, ou forjadores, desembarcam em Santos acompanhando especialistas em mineração, ou montanística, e alguns deles já têm tenda de ferro no planalto em meados do Séc. 16, conforme se lê nas atas da vereança paulistana. Logo, entende-se que são do mesmo período quinhentista as forjas (ou fábricas) de ferro de Sant´Anna do Parnaíba e do Cerro d´Ybiraçoiaba, ambas sob comando de Affonso Sardinha (o Velho), então, o maior investidor em mineração de ouro, prata e ferro da Capitania vicentina. As tendas e forjas do Byrapoera (alcançando St Amaro), às margens do Jeribatyba, devem ter o concurso financeiro do ´velho´ Sardinha no custeamento da instalação e lançamento de mão-de-obra. A forja de St Amaro pode ser a última ação da Família Sardinha (pai e filho) em tal atividade, pois, após a oferta de um forno catalão ao governador Souza no arraial d´Ybiraçoiaba e villa de Nª Sª do Monte Serrat, o ´velho´ Sardinha instala-se na fazenda do Pico do Jaraguá que lhe serve de mortalha em 1614, uma década depois da morte do filho. Na verdade, a região de Sto Amaro do Byrapoera está no território sesmeiro de Affonso Sardinha e é por aqui que ele tem tratos com Clemente Álvares, tendeiro e prático forjador, segundo as atas da vereança paulistana. Ora, ao saírem do empreendimento d´Ybiraçoiaba quiseram apostar no yngenho de ferro de St Amaro sentindo já na pele os gritos políticos de oposição. Os práticos d´yngenho de ferro são tão importantes quanto sapateiros e alfaiates, logo adquirem no litoral e nos sertões poder aquisitivo e transformam-se em poderosos senhores de terras. E surge uma preocupação política: a atividade não pode parar e muitos dos aprendizes d´yngenho de ferro são mamelucos e até nativos, e para ambos à limites de ação cívica, ou seja, a política colonial, via câmaras municipais, não permite que sejam instruídos como práticos de ofícios e, menos, que tenham acesso a armamento. Raros são os casos em que mameluco é instruído em ofício e pega em armas, e um desses raros exemplos é o Moço, por ser filho mameluco do notável e poderoso Affonso Sardinha. Um dos homens importantes da Capitania vicentina é o castelhano e capitão-mor Martim Rodrigues Tenório de Aguilar, ou simplesmente Martim Rodrigues, que em 1602 faz parte da bandeira de Nicolau Barreto na qual vai o moço e mameluco Sardinha, e em 1603, avançar nos certõens do paraná. É este bandeirante que tem tratos diretos com Clemente Álvares que, em testamento-de-certam sinaliza: “Deixo por curadora e tutora de minhas filhas a minha mulher Suzana Rodrigues enquanto não se casar e casando-se, deixo a meu genro Clemente Álvares, o qual encomento [...] bem como nele confio”, além de solicitar ao mesmo Álvares que mande aos seus filhos bastardos “ensinar a ler e escrever e aprender ofício”. Ora, o ofício está no yngenho de ferro, do qual que o capitão-mor é sócio (o testamento não diz de quem) e é inaugurado em 16 de Agosto de 1607, no Byrapoera. * Por carta assinada pelos vereadores Luiz Fernandes e Pedro Nunes e datada de 13 de janeiro de 1606, sabemos de "[...] metaes achados em Byraçoiaba 25 leguas daqui para o sertão e ... o engenho de ferro a tres leguas desta villa", ou seja, à margem do Jeribatyba, no sítio Byrapoera, ambas atribuídas a Affonso Sardinha (o Velho). Outro documento da vereança que situa no Ybitátá (depois Butantã) a primeira grande fazenda do ´velho´ Sardinha é o seguinte tendo Luís Furtado (procurador) como orador: "[...] Ajuntamento dos officiaes da Camara a 9 de setembro de 1623 a fim de tratarem de melhoramentos publicos ... requereo o dito procuradoros caminhos e pontes e serventias desta villa estavão mto. danificados a saber principalmente a ponte que está na fazda. que foi de Affonso Sardinha, onde chamão ibatata ... " [in Actas da Camara da Villa de São Paulo. Vol. 111, p. 51]. Além disso, e para dar foco definitivo ao poder fundiário de Affonso Sardinha, sabe-se que ele através (de petição) do capitão-


ouvidor Gaspar Conqueiro, requereu como seus “uns alagadiços e campos que estão longo do rio Jeribatyba”. Ora, é este Conqueiro quem faz trato direto com o capitão Martim Rodrigues no que tange ao yngenho de ferro do Byrapoera, o que reforça estar Affonso Sardinha envolvido nos yngenhos a 25 léguas e a 3 léguas. *

Aquela gleba de terra, habitualmente de 6 léguas-em-quadra [légua quadrada equivale a 23 km2], a partir de Ybitátá, dá a Affonso Sardinha um poder fundiário de reinol intocável. Na banda Byrapoera os colonos dão ´fábrica´ a uma Capela em homenagem a Sto Amaro e a região passa a ser conhecida como St Amaro do Byrapoera. Entende-se que um dos sócios é o velho Sardinha e outro Clemente Álvares, ou este a representar aquele pela amizade que têm e trato minerário e político. El engeño de hierro começo a moler quinta fera a 16 de agosto de mil y quinientos y siete, ao qual engeño pusieram por nombre Nuestra Señora de Aguosto, qués la assunción bendita y su dia 15 del dito mês.

Eis aqui a certidão da forja/fábrica de ferro de St Amaro em anotação no âmbito do testamento do capitão-mor. Uma anotação rara pela sinalização precisa de tempo e espaço. Ao tempo do provedor das minas Diogo de Quadros, também este envolvido em tratos com o velho Sardinha e o capitão-mor Jerônymo Leitão, a capitania não tem posse para dar continuidade, mas o governador Souza insiste em se achar meios para aumentar a produção de ferro. À vista da forja catalã montada no Cerro Yibiraçoiaba, sabe-se então que o equipamento tem 2 malhos de 175 kg e 2 argolas com o mesmo peso, 2 chapas de 30 kg e outras de 60 kg, totalizando um custo de 36.000 reis. O equipamento é adquirido na Catalunha (Espanha) e fica semanas no mar alto para depois, em outras tantas semanas fazer a serr´acima e, mais de um ano para ser montado e passar a produzir. Entretanto, importa-se equipamento, mas não especialistas. Resultado: o ferro é produzido a 4.00 reis/quintal, o dobro do valor.


Aqui, o meu mapa tosco dos Yngenhos de Ferro (Y.F.) e a representação por estimativa da gleba, em léguas, de Affonso Sardinha a partir d´Ybitátá.

Se Affonso Sardinha tem cabedais para adquirir este equipamento e montar yngenho de ferro, com especialistas, sendo ele mesmo um deles, a maioria dos reinóis não tem e é o próprio governador Souza e o filho Antônio, com novos sócios, que dá o empurrão financeiro para a continuidade do yngenho de ferro de St Amaro de Byrapoera. Com a saída da cena política e minerária de Affonso Sardinha e do governador Francisco de Souza, os ingenhos de ferro d´Ybiraçoiaba, Sant´Anna de Parnaína e St Amaro de Byrapoera definham entre os Séc.s 17 e 18, quando o Morgado de


Matheus determina a retomada do ferro d´Ybiraçoiaba no âmbito da reforma pombalina, econômica e cultural. A rematar este assunto, crucial para o entendimento dos escambos e esbulhos quinhentistas e seiscentista na Capitania vicentina, e tendo as atas da Vereança paulistana e o regimento da Capitania como fontes primárias, digo que a oferta de um forno catalão instalado no Cerro d´Ybiraçoiaba feita por Affonso Sardinha ao governador Souza é, então, parte de um escambo para salvar o projeto do yngenho de ferro de St Amaro, a envolver o filho do próprio fidalgo, e que o de Sant´Anna do Parnaíba teve duração curta a julgar pela falta do registro de informações num momento em que aquela região é economicamente a capital vicentina, e que o do Cerro Ybiraçoiaba é o limite fundiário das posses do já Capitam Affonso. E é, no Séc. 18, no yngenho de entre as sorocas d´Ybiraçoiaba que Luís António Mourão (o Morgado de Matheus) vem a retomar a produção ferrífera para tentar fabricar uma espingarda de alto nível técnico como a que se faz nos yngenhos europeus.

Real Fábrica de Ferro de São João do [rio] Ipanema Criada pela carta régia de 4 de dezembro de 1810, como um estabelecimento destinado à extração e fundição de ferro no Cerro Ybiraçoiaba onde existia a Mina de Affonso Sardinha.


Após os investimentos da Família Sardinha no Cerro Ybiraçoiaba e do trato político dado pelo governador Francisco de Souza, o arraial mineiro passou a Villa de Nª Sª do Monte Serrat e, logo, a certo esquecimento por uma causa: o trono português continuava ocupado pelos castelhanos. E na verdade, só quando o governador da capitania paulista Luís António (o Morgado de Mateus), em 1765, autoriza Domingos Ferreira Pereira a instalar na mesma região uma fábrica para exploração do ferro é que, cerca de uma milha abaixo do Sítio do Sardinha, se reinicia a atividade industrial.

Mais uma vez, após o período pombalino assentado pelo Morgado de Mateus, a Fábrica de Ferro de Ipanema quase desaparece do noticiário colonial.


Obviamente, a Coroa portuguesa precisa fazer a colônia progredir com os próprios recursos naturais... Entretanto, não se faz fábrica por carta régia ou decreto, e a RFF Ipanema não alimentou a demanda gizada pelos políticos, pelo que nova carta é emitida em 5 de Setembro de 1812 nomeando Carlos Napion, então presidindo a Real Junta da Fazenda dos Arsenais, Fábricas e Fundições, para gerenciar o investimento. Já pela carta de 27 de Setembro de 1814 sabe-se que é findo o contrato e que a companhia de mineiros fundidores, alavancada por técnicos suecos, dirigida por Hedberg não obteve sucesso. E são os suecos trocados por alemães sob a direção de Frederico Luiz Guilherme Varnhagen, sargento-mor do Real Corpo de Engenheiros, acompanhado por Guilherme Barão d’Eschwege, com autorização para construir altosfornos.

Quando o governador Souza se aposentou na Sam Paolo dos Campi de Piratinin o arraial da mina de ferro dos Sardinha definhou, mas, até meados do Séc. 17, a região continuou recebendo pessoas e famílias ligadas ao ofício de ferreiro, como a Família Fernandez que, mais tarde, vai fundar a Villa Sorocaba uma vez que a Villa de Nª Sª do Monte Serrat erguida no arraial dos Sardinha havia sido abandonada e parte dos mineradores e agricultores passou a habitar a Villa de Nª Sª da Ponte. Também, mais tarde, outros mineradores e agricultores deixam o Cerro Ybiraçoiaba e vão fazer teto e cerca em Campo Largo (mais tarde rebatizada como Araçoiaba da Serra, uma denominação historicamente errada). Ainda ao tempo em que o governador Souza deixou a região, já a Inquisição católica fazia estragos sociais entre os judeus (cristãos-novos) e outras gentes, prendendo, torturando e matando quem não fosse adepto de fé confessa da cristandade. Nem a lonjura do sertão a oeste do planalto piratiningo ajudou essa gente... Baltazar Fernandez, especialista na confecção de peças de ferro, é um dos perseguidos pelo padre Diogo de Alfaro, o inquisidor que ali assentou praça para acabar com os ´hereges´ paulistas. Resultado: o padre é assassinado por Fernandez e o ato põe um ponto final no terrorismo religioso que foi a Inquisição. Fernandez, assim como o ´velho´ Affonso Sardinha, teve que utilizar uma máscara social para viver em paz diante da Inquisição, mas nem sempre é possível viver no fio da espada. O certo é que, anos depois, no Séc. 18, chegam também à região gentes de origem protestante qualificadas como especialistas em siderurgia. E a Coroa lusa, assim como a Igreja católica, não podem mais ignorar a nova realidade sociocultural e mística que se alicerça no Brasil multirracial. E é o ferro, enquanto primeira plataforma industrial na América, a partir do Cerro Yibiraçoiaba, que alavanca e forja um querer ser-estar Brasil na autenticidade daquela realidade sociocultural e mística. Por causa do ferro, pode se dizer, e o digo, que


existe um Brasil meramente colonial e escravagista ao tempo ybiraçoiabano, e um Brasil de perspectiva nacionalista já nos fundamentos da Real Fábrica de Ferro de São João do (rio) Ipanema, primeiro, porque com o Sítio dos Sardinha há apenas a colônia; segundo, porque com a Real Fábrica surge a internacionalização do empreendimento, e o Brasil passa a olhar para si mesmo como algo além da Coroa lusa.

Ferro & Economia Liberal Depois de ´dar´ identidade social e religiosa ao seu novo espaço ultramarino, Portugal permite, durante praticamente todo o Séc. 16 – e isso em razão de outras frentes de exploração, como o caminho marítimo para o espaço oriental e as guerras com os castelhanos – que as guildas e as hansas tomem conta do Brasil, e são duas classes, já bem forjadas no golfo da Guiné, que sobressaem: os montanistas (ou mineradores) e os mercadores. Em ambos os casos, desenvolvem desde o Porto das Naus (Gohayó) até ao sertão a norte (Mantiqueira) e a oeste (Paranapiacaba e Ybiraçoiaba) do planalto de Piratininga, uma atividade exploratória e mercantil que absorve principalmente o Piabyiu – a estrada ancestral e mística dos guaranis, e então, homens como o Bacharel de Cananeia e Affonso Sardinha assentam uma economia liberal de sobrevivência enquanto a colônia se estabelece de fogo em fogo pelo mar de morros, de sorte que quando o ´velho´ Sardinha, nomeado capitam de gentes da villa, toma Carapocuyba e o Pico do Jaraguá, abre em definitivo o caminho para o bandeirismo e faz do Ybituruna e do Ybiraçoiaba pontos-chave da indústria da mineração da Capitania vicentina a par de uma grande atividade agropecuária, frutigranjeira e piscatória, o que permitiu, mais tarde, ares de urbanidade a algumas ações do governador Souza e do Morgado de Mateus nas primeiras grandes oportunidades de lançar políticas públicas geradoras de precária civilização. E assim é que o ferro do Ybiraçoiaba se torna, independentemente do ouro e da prata do Jaraguá e do Ybituruna, o ponto avançado de uma indústria que alimenta unidades familiares de metalurgia por toda a capitania e já a incorporar estruturas de acabamento nas casas grandes que surgem em meio à atividade agrícola, o que se verifica nos casarões rurais do Ybitátá e do Jaraguá (ambos do ´velho´ Sardinha), ou nos casarões da velha Acutia (Morro Grande e Caiapiã). E é tão forte a economia que enche os ramais do Piabyiu, entre Sam Paolo dos Campi de Piratin e Asunción e Buenos Ayres, que a Coroa lusa manda simplesmente, e em vão..., cortar essa ligação mercantil. Da marmelada, do vinho, do queijo, das pedras preciosas, fala-se muito, e pouco do ferro – mas é o ferro do Ybiraçoiaba uma das peças do escambo que faz funcionar


a economia liberal na Capitania vicentina e na América castelhana da banda sul, enquanto as forjas catalãs ali funcionam sob a direção dos Sardinha (pai e filho). Eis aqui o fundamento que me autoriza a dizer que se o mundo ocidental se fez moderno com o ferro, o ferro d´Ybiraçoiaba fez a América industrial.

Fontes Do Autor _ Existem nesta anotação historiográfica ilustrações (desenhos e fotos) pinçadas da Web e de trabalhos de Debret, Hugo Augusto Rodrigues, F. Landgraf e Gilson Sanches, grandes estudiosos do Cerro Ybiraçoiaba, assim como de Jesuíno F. Junior, J.P. Conceição, Agência Lusa, FLONA Ipanema e Júlio Durski. ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de – O monumento com forno de Sanfins e as escavações de 1973; Actas do III Congresso Nacional de Arqueologia, pp 149-172. Porto, 1974. ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1982. BARCELLOS, João – Entre o Ferro e a Escravidão Industrial com Foco nas Guerras Tribais. Turma de Jovens Intelectuais Anarquistas / TJIA. Estudos/Palestras. Guimarães e Porto (Portugal), 1973. [Do acervo de Johanne e Hanne Liffey, London-UK] BARCELLOS, João – Do Fabuloso Araçoiaba Ao Brasil Industrial. Centro de Estudos do Humanismo Crítico (Guimarães/Pt) e Edi Edicon (São Paulo / Br.), 2011. ESCHWEGE, Wilhelm Ludwig von – Pluto Brasiliensis (2 Vls). São Paulo, 1941. FELICÍSSIMO JUNIOR, J. – História da Siderurgia de São Paulo. Ediç ABM. São Paulo / Br., 1969. LANDGRAF, Fernando José G.; TSCHIPTSCHIN, André P.; e GOLDENSTEIN, Hélio – Notas Sobre a História da Metalurgia no Brasil. Artigo. Universidade de São Paulo (USP), Brasil. LIFFEY, Hanne – The Journey of Civilization between the Iron and the Industry: The Blacksmith. Turma de Jovens Intelectuais Anarquistas / TJIA. Estudos/Palestras. Braga e Coimbra (Portugal), 1973. [Do acervo de Johanne e Hanne Liffey, London-UK] MACEDO, J. C. – Entre o Ferreiro de Hoje e o Fundidor da Era Celta. Artigo. Guimarães / Pt, 1981. – Arte Montanística: a ciência que ajudou a industrializar o Brasil da pedra lascada. Ensaio. Coimbra / Pt, 1976. PENNA, J. A. – A forja catalã de Jean Monlevade. Ediç Metalurgia ABM, v.31, n.217, p.837, 1975. RODRIGUES, Leda Maria Pereira [madre Maria Angela, PUC-SP] – As Minas de Ferro em Biraçoiaba. Simpósio dos Professôres Universitários de História (anais) – Franca/SP, 1966. SALAZAR, J. M – O Esconderijo Do Sol [a descoberta do arraial mineiro dos Sardinha]. Ediç Ministério da Agricultura; Brasília/Br., 1982. SILVA, Armando Coelho F. da – A Cultura Castreja no Noroeste de Portugal. Paços de Ferreira / Pt, 1986. VIVER HISTÓRIA – Coleção DEBATES PARALELOS, Volume 8. Vários autores. Ediç Edicon e CEHC; Portugal e Brasil, 2012. ZEQUINI, Anicleide – Técnica e mineradores: a produção do ferro no Brasil nos séculos XVII-XVIII. Universidade de São Paulo.


ARAÇARIGUAMA Uma Porteira No Sertão João Barcellos

dos que do paranapanema vêm d´entre ybiraçoiaba e byturuna apanham o anhamby pra colocar o pé na carapocuyba é o piabiyu que leva pra piratininga a beijar o ybitátá no jeribatyba onde andam os que da guaru vêm e assim é que de um lado e do outro se faz na vicentina o mundo novo BARCELLOS, João – in ´Poemas do Sertão´, 1991

O velho mapa da integração regional paulista sugere estudos que vão além da história convencional, apostilada. Situar a mina d´ouro do Morro Byturuna na logística dos povos nativos, por exemplo, é situar a ascensão dos portugueses de serr´acima entre certõens y mattas a oeste do planalto piratiningo, logo, determinar que entre as minas d´ouro e prata do Pico do Jaraguá e aquela do Byturuna existia um ramal paralelo ao Piabiyu cujo terminal estava no portinho anhambyano de Carapocuyba. No apogeu da penetração sertaneja dos padres jesuítas esse ramal paralelo serviu para erguerem nas bandas de Jundiaí a primeira aldeia – dita Maniçoba e que durou pouco mais de um ano diante da resistência nativa – do complexo esquema urdido por Manoel da Nóbrega, que depois desse fracasso determinaria a construção da aldeia de Sam Paolo dos Campus de Piratininga. Os jesuítas estiveram na parada Byturuna muito depois de Affonso Sardinha (o Velho) ter arrematado em leilão a mina de ouro, no Século 16, ou seja, quando o banqueiro e fazendeiro Pompeu de Almeida – ele mesmo jesuíta – adquiriu o arraial e a mina em pleno Século 17 e na casa da fazenda mandou erguer capela sob os auspícios e ritos jesuíticos. A região era dominada por tupis e guaranis e outras tribos do tipo goayanazes, i.e., gente largada e tratada como vizinha, embora toda essa gente tivesse contato linguístico superficial e o bastante para cuidarem da própria sobrevivência. Foi nessa logística nativa, e principalmente a guarani, que os portugueses chegaram ao conhecimento das ´pedras brilhantes´ (ouro e prata) e das ´pedras negras´ (ferro), pois, já “...nos certõens y mattos mais próximos do Byrapoera, além Ybitátá”, dizia-se em testamentos, inventários e crônicas, “havia dessas pedras”.


a mulher da terra amamenta os filhos do luso que as comadres ajudam a crescer neste crescer tudo é tupi e é guarani a bem do luso qu´emprenha a terra BARCELLOS, João – idem

Com o sertão a seus pés, Affonso Sardinha (o Velho), já na companhia do filho mameluco, dito ´o Moço´, embarcou e desembarcou no cais da Carapocuyba tantas vezes quantas as necessárias para ser o senhor do ouro, da prata e do ferro, e tal era a sua fortuna que logo abandonou a Carapocuyba e o Ybitátá para assentar fazenda entre o ouro e a prata do Pico do Jaraguá, mas mantendo as explorações no Ybiraçoiaba e no Byturuna. A ação sertanista, escravagista e minerária do ´velho´ Sardinha só deu certo porque ele soube tirar proveito da logística nativa. As aldeias antigas entre os rios Anhamby e Jeribatyba na linha até Sant´Amaro do Byrapoera, e a na outra banda na ligação a Guaru, formavam um anel de comunicação e de sobrevivência para as tribos nativas, por isso, quando em 1592 o mesmo Sardinha exigiu a patente de capitam das gentes da villa para a defender dos ataques dos locais, fez desse anel a defesa natural e ainda o aproveitou para tomar o Pico do Jaraguá. Resultado: com o pico nas mãos, estava aberto o Piabiyu para as bandeiras e outras empresas necessárias ao assentamento definitivo dos portugueses de serr´acima. A região mais próxima ao sertão pelo Piabiyu era o entroncamento no Ribeirão da Vargem Grande, além Koty e perto de Jandira, de onde se seguia para Caucaia e o certam d´águas dito Ibiuna, ou à serra que logo o cavaleiro Vaz-Guassu transformou em Villa de São Roque. Entretanto, e durante as viagens exploratórias para o registo das minnas y mattos dos certõens, os portugueses encontraram uma aldeia junto do Byturuna, lugar de mui arassarys e buraco com pedras brilhantes. E ali, quisessem ou não, estavam entre o Pico do Jaraguá e a imensidão do Paranapanema. Por isso, a aldeia nativa da beira do Morro Byturuna virou porteira do sertão para, mais tarde, virar Arassariguama e logo servir de assentamento e de pouso para gerar o mundo novo entre uma catequese cristã e uma produção agropecuária e algodoeira, além de uma equinicultura que ficou tão famosa quanto a mina d´ouro.


não temos haras nem temos harém ora temos o olhar n´além que é futuro em nossas plagas nosso cavalo não é de danças gracioso o é na porteira além BARCELLOS, João - ibidem

Já a aldeia virou vila e de Arassariguama passou a Araçariguama, mas sem perder a graça e a leveza de representar o belo arassary, eis que a velha definição de porteira do sertão se fez história e o seu povo passou a agir nessa conformidade: Araçariguama é o portal do interior e a sala de recepção para a Sam Paolo dos Campus de Piratininga. Hoje, 500 anos depois, Araçariguama é parte da grande infraestrutura viária do Estado paulista por onde transitam pessoas e bens sul americanos. Ontem, com os nativos e mamelucos, hoje, com o Brasil.


Cerro Ybiraçoiaba & Mina de Ferro Sinopse Historiográfica por João Barcellos

Ilustração do cerro d´Ybiraçoiaba, por Gilson Sanches

Em busca de minas para lavra de minério [ouro, prata] e diamantes, o político, banqueiro, preador e fazendeiro, Affonso Sardinha [o Velho], entrou na segunda metade do Séc. 16 com várias ações d´escambo e d´esbulho quando já era senhor d´yngenho em sua fazenda d´Ybitátá, com autorização jesuítica. O poder reinol luso permitia a locação de minnas y mattos para exploração de terceiros com o pagamento das taxas [o quinto anual] devidas ao erário. Foi assim que o mais tarde Capitam Affonso adquiriu o direito de explorar as minas ferro descobertas no Cerro Ybiraçoiaba nas bandas dos rios Ipanema e Furnas [este, depois denominado do Ferro].

Affonso Sardinha [o Velho], ruinas do yngenho de ferro e J. M. Salazar

O bravo e inquieto capitam já chegou no Cerro Ybiraçoiaba acompanhado do filho mameluco Affonso Sardinha [o Moço], mas foi o ´velho´ quem negociou a instalação de dois fornos do tipo catalão para produzir o primeiro ferro da América. A força financeira do capitam não esteve somente na exploração de minério – ele dominou o Pico do Jaraguá e ali montou casa grande e arraial mineiro explorando prata e ouro – mas, sobretudo no gerenciamento do primeiro navio negreiro da rota Santos-Angola,


comandado pelo seu sobrinho Gregório, além de alugar casas em Santos e na Sam Paolo dos Campi de Piratinin a juízes e padres e colonos desembarcados no cais santista, que substituiu o Porto das Naus erguido na Gohayó pelo Bacharel de Cananeia. Paralelamente, expandiu a sua Fazenda Ybitátá para Carapocuyba tomando conta do portinho fluvial. No início do Séc. 17, ao tempo do governador Francisco de Sousa – que mandou erguer em pleno arraial mineiro a Villa de Nª Sª do Monte Serrat com pelourinho e dali despachou oficialmente –, negociou com ele um dos fornos catalães iniciando, na prática, a sua retirada do negócio, pois, o filho estava mais em entradas nos certõens e ali iria morrer pouco depois, em 1604. Assistindo a altos e baixos da produção de ferro, o velho capitam faleceu em 1614 em seus domínios no Pico do Jaraguá. E assim foi até que, no Séc. 18, o governador Luís António de Souza Botelho e Mourão, o 4º Morgado de Matheus, iluminista e íntimo da corte pombalina, o reino luso tentou recuperar a mina de ferro d´Ybiraçoiaba, mas pouco resultou desse esforço, a não ser ferro para peças de utilidade doméstica, agrária, e ferramentas para caça e pesca artesanais.

Ilustrações com localização das minas d´Ybiraçoiaba do Séc 16 e do Séc 18

Nesse esforço esteve o empreendedor Domingos Pereira Ferreira que, em poucos anos, desistiu. “[...] para Domingos Pereira Ferreira passar a várias partes desta Capitania e estabelecer a fábrica por ordem que traz de Sua Magestade [...]”


Ofício assinado pelo Morgado de Matheus, em Santos, 22 de Agosto de 1765.

No dia 14 de Maio de 1767, o governador concedeu a Domingos Pereira Ferreira uma “Carta de Sesmaria”, ´dada´ na cidade de São Paulo, “das terras em tôrno de Araçoiaba”. Como não pode organizar uma sociedade para a exploração do ferro com estrangeiros, o sesmeiro d´Ybiraçoiaba firmou negócio com Jacinto José de Abreu e Antônio Lopes de Azevedo, e o trio manteve ainda o mestre Figueiredo como diretor daquele yngenho.

Morgado de Matheus e amostra de magnetite

Apesar de ter administrado várias minas na lusa terra, o empreendedor não teve o arcabouço suficiente para aguentar a lonjura e o isolamento. E era verdade: apesar de ter sido de extrema importância para homens como o Capitam Affonso, a rede logística do Piabiyu guarani era ´pesada´ demais demandando muita gente escrava d´África e nativa, além de prolongados isolamentos sociais. Continuaram, pois, os altos e baixos da produção naquele primeiro yngenho de ferro da América. E se na Europa o rústico forno catalão já estava sendo substituído por maquinário mais moderno, em Portugal surgiu um movimento acadêmico orientado pelo químico Domingos Vandelli, professor da Universidade de Coimbra, que levou alguns estudantes a se interessarem por metalurgia e mineralogia. Ora, naquele oitocentos de frenesim colonial, os padres dominavam em parte a cartografia e a montanística [= mineralogia]. Entre os estudantes que aderiram às novas ´cadeiras´ estavam Manuel Ferreira da Câmara, José Bonifácio de Andrada e Silva e José Álvares Maciel. E todos eles passaram por experiências de campo na França e na Suécia, sendo que no retorno José Bonifácio de Andrada foi convidado a restabelecer a produção na velha fábrica de ferro lusa em Foz d´Alge, quando levou com ele os germânicos Wilhelm Ludwig von Eschwege e Frederico Luiz Varnhagen... Começou aí a ligação da modernidade acadêmica da metalurgia com a histórica Mina de Ferro do Cerro Ybiraçoiaba.


José Bonifácio, Eschwege e Martim Francisco

Considerando-se que no Cerro d´Ybiraçoiba existia além do minério farta floresta para corte de madeira [para os fornos] e água corrente quanto bastasse [Furnas e Ipanema], sendo a água e a lenha a força motriz da indústria da época, o que faltava era um projeto de arquitetura e de engenharia arrojado para enlouquecer os mattos dos certõens e substituir o velho yngenho do capitam Affonso nos confins do oeste paulista por uma Real Fábrica de Ferro de São João do [Rio] Ipanema. O rei João VI, através do ministro Rodrigo Souza Coutinho, encaminhou a Varnhagen e a Martim Francisco de Andrada e Silva [irmão de José Bonifácio] a solicitação de um projeto para aproveitamento industrial do minério d´Ybiraçoiaba. O projeto foi apresentado em 1810 com orçamento de 60 contos de reis [hoje, mais de 2 trilhões de contos reis, tendo-se em conta que 1 conto valia 1000 reis] e por carta régia de 4 de dezembro do mesmo ano foi estabelecida uma empresa mista com 13 ações da Coroa e 47 de acionistas paulistas, baianos e cariocas, criando-se ainda o Distrito Minerário de Ipanema com Paróquia a celebrar São João, além da contratação imediata de uma equipe de especialistas chefiada por Carl Gustav Hedberg.

o projeto, a fábrica e os altos fornos

Poucos anos depois, e em meio a algumas controvérsias políticas e sociais, Hedberg foi trocado pelo engenheiro germânico Ludwig Wilhelm Varnhagen para que no empreendimento fossem incluídos altos fornos.


Uma Questão Chamada

CAMPO LARGO Altos fornos exigiam muita água e muito mais madeira. Logo, os moradoresmineradores locais foram proibidos de cortar lenha em todo o perímetro minerário. O que aconteceu? Sem liberdade de ação doméstica e artesanal, parte da população, cujos ancestrais ali oraram a Nª Sª do Monte Serrat, decidiram abandonar a terra histórica e avançaram para um sítio dito Campo Largo, onde o alferes Bernardino José de Barros possuía casa e capela; de um acordo com o padre Gaspar Antônio Malheiros, virou a capelinha o foco de uma nova paróquia – a Paróquia de Campo Largo, mais tarde nomeada erroneamente Araçoiaba, e erroneamente porque existia no Morro Araçoiaba a Paróquia de São João.

Campo Largo, 1875 _ igc

Políticas regionais à parte, o certo é que a Real Fábrica de Ferro de São João do [Rio] Ipanema viveu um período de larga escala produtiva com os altos fornos, cujo ´combustível´ tinha, porém, os dias contados...

O Filho De

VARNHAGEN E por essa época, nasceu no povoado do arraial mineiro d´Ybiraçoiaba o filho de Varnhagen, o mais tarde historiador Adolfo de Varnhagen.


Adolfo Varnhagen

Esta sinopse é uma breve cronologia da mina do Cerro d´Ybiraçoiaba e da Real Fábrica que, com a chefia de João Bloem atingiu uma produção que favoreceu o desenho e construção de armamento e munição entre artigos artísticos e de utilidade diversa. Já sob a chefia do coronel Murça, de 1865 a 1890, a produção continuou tão industrialmente apta que o coronel achou uma maneira de perpetuar o seu trabalho e garantir ´grana´ para o yngenho metalúrgico: perspectivou e mandou fabricar ali mesmo uma caixa contendo objetos relacionados à produção – uma coleção, que logo virou coqueluche entre as elites paulistas. Mas, era já o estertor daquele yngenho de ferro que alimentara sonhos e odisseias por mais de três séculos.

A finalizar, acrescento o seguinte: não existe propriamente uma história regional sorocabana, existe, sim, uma história ybiraçoiabana que deu origem a uma precária, mas certa, expansão do conceito brasileiro de ser-estar que ecoou pelos mattos y minnas dos certõens a oeste da Piratininga. Não perceber este pormenor é não perceber a história luso-brasileira no seu todo colonial (político, econômico) e geossocial.

Cerro d´Ybiraçoiaba, Koty e Sam Paolo dos Campi de Piratinin

/// Bibliografia A Arquitetura do Alto Forno e a Biblioteca Perdida de Ipanema – Fernando José Gomes Landgraf & Paulo Eduardo Martins Araújo. Anais do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e Tecnologia / sbhc, 2014. Apontamentos Históricos, Geográficos, Biográficos, Estatísticos e Noticiosos da Província de São Paulo, seguidos de cronologia dos acontecimentos mais notáveis desde a fundação da Capitania de São Vicente até o ano de 1876 – Manoel Eufrázio de Azevedo Marques, Martins Ed., SP-1952. Araçariguama / do Ouro ao Aço [inclui o anexo Affonso Sardinha - o Velho Na Base Cronológica Da Conquista D´Oeste Paulista Na Via Do Ouro] – João Barcellos. Edit Edicon + Grupo Granja, 2007 [livro revisado e ampliado em 2017] Araçoiaba & Ipanema – José Monteiro Salazar, 1998. Capitam Affonso Sardinha [a filosofia liberal da economia] – João Barcellos, in Mens@gens Políticas e Filosóficas. Ed Edicon (Brasil) + Centro de Estudo do Humanismo Crítico (Portugal) e Grupo de Debates Noética (Brasil), 2016.


Carapocuyba [O primeiro ponto estratégico pré-bandeirístico, que ajudou a realizar o Brasil continental a partir do Oeste piratiningo sob a ação político-militar de Affonso Sardinha - o Velho] – João Barcellos. Edit Edicon, 2013. Diário de uma Viagem Mineralógica pela Província de S. Paulo no Anno de 1805 – Martim Francisco de Andrada e Silva. Revista do IHGSP, Tomo IX, 1847. Do Fabuloso Araçoiaba Ao Brasil Industrial – João Barcellos. Ed Edicon (Brasil) + Centro de Estudo do Humanismo Crítico (Portugal), 2011. História da Capitania de São Vicente [´Vila de Parnaiba´ e ´Vila de Sorocaba´] – Pedro Taques de Almeida de Paes Leme [1744-1777]. História Geral do Brasil – Adolfo de Varnhagen, 1854-57. Ipanema & Araçoyaba – Gilson Sanches. Sorocaba, 2011. Morro Araçoiaba – in Viver História [Col. Debates Paralelos, Vol. 8]. Centro de Estudos do Humanismo Crítico / Portugal + Edit Edicon, 2012. O Esconderijo Do Sol – José Monteiro Salazar, 1982. Piabiyu: o velho caminho americano – João Barcellos. Ed Edicon + Grupo Granja, 2005. Um Morgado No Imaginário De Um Marquês [ou: a difícil tarefa do morgado de Matheus de pegar a linha onírica do fidalgo Francisco de Souza que acreditou no olhar e no engenho industrial do velho Affonso Sardinha] – João Barcellos, novela. Ed Edicon (Brasil) + Centro de Estudo do Humanismo Crítico (Portugal), 2013.

/// Instituições Arquivo do Estado de São Paulo / Brasil. Arquivo Histórico Ultramarino / Lisboa, Portugal. Biblioteca Nacional [Torre do Tombo] / Lisboa, Portugal. Centro de Memória da Floresta Nacional Ipanema / Núcleo de Estudos Históricos e Ambientais. Câmara Municipal de São Paulo / Atas dos Sécs 16 e 17. Instituto Geográfico e Cartográfico / São Paulo Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo / ihgsp Prefeitura do Município de Araçariguama Prefeitura do Município de Iperó Sociedade Brasileira de História da Ciência / sbhc


Ybiraçoiaba, Iperó, Estrada Geral & Rio de Janeiro rotas do eldorado brasileiro João Barcellos c/colaboração de Hugo Augusto Rodrigues

Abrindo esta Crônica/Sarau de Historiografia

onda que vem onda que vai é como mar de serras respiro um ai no sertão que vem ai ai ai é espelho meu este rio paranapanema [de uma cantiga perdida na tradição do Paranapanema]


Enquanto as cordas da viola caipira despejavam no ambiente um som quente e harmonioso, a voz da mulher da venda – um balcão com de tudo um pouco – entrava no ritmo com “respiro um ai/ no sertão que vem´. Quando lhe perguntei quem compôs a cantiga nem ela soube dizer. “É mais velha qu´eu, do tempo do meu avô, que aqui era barqueiro, num sabe..., e ele tamém escutou dum doutor já velho das bandas do porto e que veio acá da Vila de Sant´António, a da fábrica de ferro”, escutei. Ao registrar o ocorrido na beirinha do rio Paranapema, q.s., azarado, contento-me com a anotação dos versos que captei. E lembro que a Vila de Santo Antônio é a região que dá origem a Iperó, por isso ela situa a fábrica de ferro. Não puxo mais conversa para não azarar o resto da tarde, pois, ainda tenho que avançar para a serrania d´Apucarana. Na minha mente formula-se, então, um mapa com a estrada geral, pois, tudo se liga à antiga logística guarani, o piabiyu continental. E no mapa, eis o Cerro d´Ybiraçoiaba como divisor de estradas e sorocas entre o sertão paulista e o oeste dos paranás. “Por aqui passou e ainda passa a mistura de um tupi-guarani ancestral com o europeu, e destas sorocas saiu o primeiro engenho de ferro...”, diz amiúde o pesquisador ybiraçoiabano Adolfo Frioli. Da pujança geossocial ybiraçoiabana, iniciada com a exploração de ferro por Affonso Sardinha, e por nesse arraial o governador Francisco de Souza ter assentado a Villa de Nª Sª do Monte Serrat, nasce uma política pública-reinol entremeada de sinais republicanos tendo o municipalismo como foco, muito depois da primeira vereança assente em São Vicente, vila e cabeça da capitania. Dois séculos depois, essa pujança vem ser o foco de um republicanismo transformador a partir da Villa de Sorocaba. Ou seja: a estrada geral é uma rota do/para o eldorado, mas, diga-se, também dá vida e guarida a novos ideais, a começar pelo próprio Affonso Sardinha, que ´incendiou´ o Piabiyu com um mercantilismo liberal apesar da oposição dos lacaios d´el-rey. 1 A lusa gente sabe em 1342 de uma ilha cheia de páo vermelho, à qual o rei Afonso IV denomina Insula de Brasil, ou Brandam, para homenagear o capitão Sancho Brandam da sua marinha mercante, em carta ao papa Clemente VI, datada de 1343. Entretanto, e mercê das políticas d´alcova geradoras de vários interregnos administrativos e tensões ibéricas, só em 1500 uma das armadas (e esta chefiada por um condestável, não um almirante) na rota da Índia, faz a volta grande para colocar o padrão da posse na costa norte que passa a se chamar Ilha de Sancta Cruz. Dito isto, é preciso recapitular parte da história quinhentista – a saber: a) contemporâneos, João Ramalho e Cosme Fernandes; um no planalto de Piratininga acima da Serra do Mar, e o outro no litoral, entre Maratayama [Cananeia] e Gohayó [S. Vicente] e Itapema; e, ambos, fontes primeiras da raça mameluca pela aventura do cunhadismo que lhes deu poder e glória entes os povos tupi e guarani, ou, trocando em miúdos, emprenhando as filhas dos caciques. É deste quadro que se compreende a importância dos portugueses de serr´acima, pelas serranias de Cubatão, de Cantareira e de Paranapiacaba, gentes que assentam fogos e tomam aldeias nativas, quando encontram entre os guaranis uma linha geral de abastecimento e encontros dito Piabiyu – o caminho ancestral que liga todo o continente e que, acima da linha serrana, e entre toda a encosta de norte a sul, possui ramificações a determinar uma logística nativa-tribal também ela continental, e não somente local ou regional. b) Para os nativos tupi e guarani não existe fronteira racial nem tampouco geopolítica, são o que são no espaço que ocupam, sendo os povos vizinhos ditos goayanazes e as terras desconhecidas de além ditas goayaz, i.e., contrariamente ao que se registra em muitos manuais historiográficos e escolares goayaz e goayanazes não indicam tribo ou povo, mas vizinhança.


///// Em pesquisa mais aprofundada, o poeta e jornalista J. C. Macedo comparou diversos estudos e crônicas para determinar o seguinte: “[...] Ora, a região do Paranapema, grande sertão a oeste de Piratininga e a tanger parte da Paranapiacaba, foi a ligação entre os povos além Cordilheira dos Andes (via Rio de La Plata) e os povos dos sertões entre Meimbipe [q.s., ´montanha ao longo do mar´], hoje Florianópolis, o rio Tibagy e as gentes da Piratininga e do rio Carioca, hoje Rio de Janeiro, sendo Paranapanema a ´concha´ que abriga durante milênios povos sem identidade própria, porque mergulhados na floresta pela própria natureza, e de tal maneira que na proximidade crítica com tupis e guaranis estes os classificam como goayanazes, ou vizinhos...”. [in Gente da Terra, palestra; Florianópolis, 2013]

Portanto, urge rever estudos. c) Neste quadro sobressai, ainda, outro pormenor: Quando Affonso Sardinha (o Velho) inicia a conquista dos sertõens y mattos y minnas a oeste de Piratininga, é para o vale do Paranapanema que as tribos resistentes são empurradas e silenciadas, forçadas, assim, a um retorno às origens de antes da abertura do místico Piabiyu. Entre o quinhentos e o seiscentos, é também nesse vale que a lusa gente encontra caminhos de ligação ao sul, centro-oeste e norte numa linha logística primitiva que vem servir de guia para o Caminho Geral da Sam Paolo dos Campus de Piratininga. Eis-nos a caminho... E daqueles fogos primitivos dos portugueses de serr´acima em Cubatão e em Paranapiacaba, com chegada ao Byrapoera pelo rio Jeribatyba, e daí para Guaru, ou pela Caucaia na direção do Ribeirão da Vargem Grande para descer aos certõens d´água ditos Ibiuna ou meter a Ybiraçoiaba para adentrar outros paranás via rio Anhamby, ou ainda, sair do Ribeirão da Vargem Grande na direção de Jandira e Itapevi para apanhar a Koty e o portinho da Carapocuyba, ou o da Quitaúna, sim, daqueles ´fogos´, dizia eu, é que se percebeu a importância do Piabiyu e por ele se transformou o conhecimento nativo em estrada geral a ligar o sul e o sudeste da colônia. Durante três séculos a Estrada Geral da Sam Paolo dos Campus de Piratininga serve a exploração de mão-de-obra escrava, a mineração, etc., e por ela a capitania vicentina e, depois, a paulista, fornecem, via Paraty, riquezas imensas à nobreza e ao clero. Isto é a rota do eldorado brasileiro.

2 Dizer da rota do eldorado brasileiro é dizer de uma intensa demanda por metais preciosos em meio à escravatura e genocídio de povos nativos. É a lei e é o conceito


político do medievalismo solto em cavalaria bandeirística e salteo de saque. Conceito embarcado em caravelas rumo à África e ao Mundo Novo. É assim que aventureiros, nobres, religiosos, desterrados e degredados invadem o Piabiyu e o transformam na Estrada Geral da colonização que tem a Capitania vicentina como fonte durante três séculos. Em meio à posse sesmeira das terras nativas, colonos branqueiam a ´paisagem´ humana e a estrada sagrada dos guaranis já é leito de uma economia liberal entre portugueses, nativos e mamelucos, cafuzos e caiçaras. Para se ter uma ideia da imensidão das terras dadas em nome d´el-rey, nem os contemporâneos conseguem fornecer um número aproximado do latifúndio (terras e minas) gerenciado por Affonso Sardinha (o Velho), e o mais próximo diz de terras e aldeias entre Ybitatá e Ybituruna passando por Carapocuyba, Koty, Itapevi, Jandira e Ybiraçoiaba, além de ser presidente da Vereança paulistana e ter sido responsável pelo pelouro de pesos e medidas, um dos mais importantes, senão o mais importante da Casa. Ao estudar a importância do portinho fluvial de Carapocuyba, o escritor Leonardo Arroyo (autor de ´Igrejas de São Paulo´ entre outros livros) mostrase chocado com tamanha largueza de poder fundiário e minerário do capitam Affonso. Em tal largueza de poder quem surge depois é o colono e jesuíta Pompeu de Almeida que, aliás retoma o arraial-fazenda e a mina d´ouro de Ybituruna, que foram do capitam Affonso, até este falecer no seu arraial-fazenda no Pico do Jaraguá. Pode-se dizer, e o digo, que o Piabiyu liga o rio de La Plata ao rio Carioca passando por Piratininga e seus certõens y mattas, entre a serrania [Paranapiacaba e Mantiqueira, e etc.] e o litoral [Meimbipe, Gohayó, Itapema, Paraty, Barra da Tijuca, e etc.], sendo que os sertanistas têm na Estrada Geral de Sam Paolo, ou, por Sam Paolo, a via colonizada numa liturgia política e religiosa sem retorno, porque da conquista e do saque os povos nativos perderam a terra e a língua, e até a sua fé própria (no caso guarani) foi abalada, ou destruída.


Aferindo cartograficamente a expansão sacra e fundiária dos jesuítas [padres da Societas Jesu / SJ] percebe-se, também, como as rotas guaranis são reutilizadas para dar corpo ao sonho de um império teocrático desenhado por Manoel da Nóbrega logo após ter fundado a Sam Paolo dos Campus de Piratininga, em 1554, e quando já havia perdido o projeto Maniçoba, em 1553, por não conhecer suficientemente o poder dos povos nativos à margem das suas trilhas. Assim, pode se considerar o seguinte: entre as ´entradas´ exploratórias de Braz Cubas e Affonso Sardinha (o Velho), entre muitos outros, e a penetração fundiária jesuítica – os padres recebem tantas doações de terras quanto sesmarias para o seu ´pastoreio´ espiritual que se transformam em potência econômica regional –, de Sam Paolo a Asunción, que isso se torna o foco de raiva e de protesto violento por parte dos reinóis e do clero conservador, até porque têm mão-de-obra guarani escrava. Depois que Estácio de Sá arregimenta e treina as suas tropas, entre o Fortim d´Itapema e a Ilha de St. Amaro, na Capitania vicentina, e parte para conquistar aos franceses o naco colonial ao largo do rio dos Cariocas, no espelho d´água que é a Baía da Guanabara, em 1565, é que o Piabiyu passa a ser do interesse geral e é tomado para sinalizar o progresso do assentamento.

3 Ainda muitos fogos serr´acima e nos sertões transformam-se em pousos, currais e faxinais alteram a paisagem bucólica e nativa deste continente de riquezas fabulosas. A sobrevida da lusa gente está na apreensão do saber nativo, mas isso é uma lição exigida, e o que para a gente nativa é bom nem sempre o é para os colonos, mas tudo dá certo quando ambos fazem parceria e o lugar se torna foco de cultivo, caça e pesca. Com a gente nativa é que a lusa gente percebe a importância de alternar campos de pasto, que começam a chamar de faxinais; ora, essa gente não caça nem pesca sempre no mesmo lugar, alterna, e se tem que levar a aldeia, leva a aldeia. Mas, isso não é cómodo para quem coloniza para assentar vida nova em mundo novo. E assim, além do fogo, do pouso e do curral, surge o faxinal. E, logo, a capela. De um desses faxinais surge, no entorno do Cerro d´Ybiraçoiaba, o pouso Santo Antônio, beijado pelas águas do rio Iperó. É além da mina de ferro e do arraial, e percebe-se: é da pujança geossocial da exploração ferrífera que sítios como o de Santo António surgem e, quando começa a minguar a produção na mina extingue-se também a villa montesserrana e o povo ergue mais além o sítio de Nossa Senhora da Ponte (onde Balthazar Fernandes vai fundar Sorocaba) e, mais tarde, na outra banda do cerro, o sítio Campo Largo. Esta é a realidade da região cujas políticas públicas passam a ser regimentadas via Sorocaba, a vila nova, enquanto se ergue a Real Fábrica de Ferro de São João do [Rio] Ipanema, porque a paróquia do arraial mineiro continua de pé.


Toda a região tem rastreio de ofícios nos povos nativos, pois, cultiva-se e comercializa-se grãos, algodão, raízes, abrem-se oficinas de cerâmica e de lanifício, ferreiros os há por todos os cantos, e quando chegam as cargas de muares do sul toda a região sorocabana ganha ares de capital do sertão distribuindo mercadoria a tempo inteiro pela estrada geral. 4 Na sombra do cerro d´Ybiraçoiaba a comunidade de Santo Antônio tem um assentamento rápido, primeiro, pelas terras de bom pasto, segundo, pela fartura d´água do rio Iperó, que vem a dar nove à cidade tempos depois. O que sabemos do termo Iperó? O pesquisador ybiraçoiabano Hugo Augusto Rodrigues, que participou comigo no livro Do Fabuloso Araçoiaba Ao Brasil Industrial, e também na edição do livro História de Iperó, entre outras ações literárias, ensina o seguinte: “[...] Iperó é o nome de um dos rios que limitam o território do município e significa, segundo a versão oficial, ´águas profundas e revoltas´. Há outras versões: uma diz que a palavra significaria ´rio piscoso´ e a outra, seria a aglutinação das palavras Ipê + Peroba, árvores encontradas no município [...]. Além dessas, há a versão apresentada pelo geólogo e arqueólogo Luiz Caldas Tibiriçá, um dos maiores especialistas brasileiros em línguas indígenas, que apresenta o significado de Iperó como ´casca amarga´ (também em alusão à Peroba). Essa última versão, devido à importância da pesquisa de Tibiriçá, poderia ser levada em consideração com mais segurança, caso houvesse uma revisão do significado oficial (para a cidade) da palavra ´Iperó´. Também é importante citar os estudos publicados na Revista do Instituto Geográfico e Geológico de São Paulo entre 1947 e 1951: Sobre as origens, sabe-se que a região de Iperó fazia parte de uma das rotas utilizadas pelos bandeirantes. Havia dois caminhos: o do Tietê e o do Paranapanema. O do Tietê, começando em Araritaguaba, descia o Anhembi (nome primitivo do rio Tietê), o Paraná e subia o Pardo (quando se dirigia a Vacaria). Ou então, seguia-se até o salto do Guairá para subir o Paranapanema (antes da destruição do Guairá). Os bandeirantes sorocabanos preferiram, muitas vezes, atingir o Tietê pelo rio Sorocaba, que só tinha uma cachoeira e era margeado por algumas matas onde havia madeiras para a construção de canoas. Assim, esses bandeirantes passaram por regiões que atualmente representam os limites de território entre os municípios de Iperó, Porto Feliz, Boituva, Tatuí, Cerquilho, Jumirim e Laranjal Paulista.” O termo ´perós´ é comum entre a gente nativa, nos Sécs 16 e 17, para dizer ´portugueses´, mas o mais provável é que Iperó tenha significado relacionado às árvores Ipê e Peroba, muito importantes na paisagem e na tradição local, e também, porque da casca delas faziam os nativos chá curativo.


Seja como for, o certo é que Iperó passa a ser destino e ponte de encontro, primeiro, para bandeirantes, depois, para tropeiros, em ciclos diferenciados, mas de extrema importância na continuidade mercantil e política da estrada geral que é a rota do eldorado brasileiro.

--Ao situarmos a estrada geral no mapa da colonização percebemos a ligação umbilical entre nobreza e clero: a estrada é rota do eldorado e rota da fé. Para a cristandade todos os caminhos vão dar a Roma, e para a lusa gente que se assenta no Brasil, todas as estradas vão dar à Sé ao largo do rio dos Cariocas. E a Sé, o templo maior da cristandade na sua divisão regional, é o marco-zero da evangelização. Apesar da importância da Capitania vicentina, a Sam Paolo dos Campus de Piratininga não tem Sé própria, o que é motivo de reclamação de muitos colonos abastados, e assim, a partir de 1713, todos os caminhos do sertão passam pela Paróquia de Nª Sª do Monte Serrat da Acutia [a velha Koty guarani] antes de encaminhar os fiéis até Guaru e de lá a Taubaté para ganharem pesada penitência até ao Rio de Janeiro. Lá, a Sé é a Igreja de Nª Sª do Ó, ao lado da qual a congregação de carmelitas constrói o seu convento, ainda no Século 16. Então, seja por Paraty ou por Rio de Janeiro a riqueza do Brasil é embarcada com as bandeiras de Portugal e do Vaticano sinalizando a evangelização cristã no seu catolicismo sacro e mercantil. Nada é feito sem a presença de um capelão. Na verdade, a estrada é geral e abastece a nobreza e o clero. Nem por acaso, alguns dos trechos passam a ser denominados Estrada Real numa identificação própria da posse imperial ultramarina. ---

5 Após a Guerra d´Iguape, nos Anos 30 do quinhentos, na qual os portugueses derrotaram o Bacharel de Cananeia [Cosme Fernandes] e os castelhanos seus aliados, sabe-se que subindo o rio Tibagy adentra-se o vale de Paranapanema e que daí em diante são milhas e milhas com pousos forçados até se chegar na Sé ao largo do rio dos Cariocas, logo, o que era ilha vira um outro Portugal a ser assentado na conveniência d´El-Rey e mais na dos reinóis que lhe são lacaios no vasto ultramar. E no momento em que, depois do arado e da enxada e da forja, o moinho de trigo e a azenha [moinho com roda vertical e engrenagens] completam o potencial técnico da agricultura e dos serviços no planalto piratiningo, entre os Sécs. 18, 19 e 20, fazem da Estrada Geral de Sam Paolo leitos para assentar a modernidade industrial: a ferrovia e a maria-fumaça. Um dos pontos mais importantes da companhia Sorocabana está na Vila de Santo Antônio [Iperó], uma estação a ligar a São Paulo, por um ramal, e a Itararé, por outro, no âmbito do vasto complexo da Real Fábrica de Ferro de São João [do Rio] Ipanema. Todas as trilhas guaranis do sertão e as que ligam o sertão ao litoral são transformadas em leitos ferroviários. E outras, adentrando já o Sec. 21, transformam-se numa malha viária que tem o rodoanel paulista como centro de uma indústria logística para abastecer a América do Sul, tendo as velhas aldeias nativas como pontos de referência.


BIBLIOGRAFIA DO FABULOSO ARAÇOIABA AO BRASIL INDUSTRIAL – João Barcellos, Hugo Augusto Rodrigues, Ronaldo Messias, Adolfo Frioli, Luciano Regalado e & Outros. Ediç CEHC (Portugal) + Terranova Comunic e Edicon, 2011. HISTÓRIA DO BRASIL – Afrânio Peixoto. Ediç Cia Editora Nacional, 1944. IGREJAS DE SÃO PAULO – Leonardo Arroyo. Ediç José Olympio, 1954. IPERÓ – João Barcellos. 1ª e 2ª ediç. Ediç CEHC (Portugal) + Terranova Comunic e Edicon, 2011. O ANEL DO PIABIYU & RODOANEL – João Barcellos, in COTIA: UMA HISTÓRIA BRASILEIRA. 2ª edição revista e ampliada. Ediç CEHC (Portugal) + Terranova Comunic e Edicon, 2017. O BRASIL DOS TROPEIROS & ESTRADA REAL – João Barcellos. Ediç CEHC (Portugal) + Terranova Comunic e Edicon, 2015. PARANAPANEMA: CERTOENS, MATTOS y MINNAS – João Barcellos, estudos. PARATY: DA OPULÊNCIA AURÍFERA AO ESPÍRITO REPUBLICANO – João Barcellos, estudos. INSTITUIÇÕES Arquivo do Estado de São Paulo Biblioteca Nacional / Torre do Tombo [Lisboa-Portugal] Câmara Municipal de São Paulo [atas dos Secs 16 e 17] Capitania de São Vicente [ofício/regimento dos Secs 16 e 17] Prefeitura do Município de Iperó


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