nós-otros nº5

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Nº5 • ABRIL 2016

ESCOLA OFICIAL DE IDIOMAS DE VALLADOLID (ESPANHA) Universidade Sénior Eugénio de Andrade E Universidade Sénior Contemporânea (PORTUGAL)

6-12 LUGARES • 13-18 HISTÓRIA • 26-29 POESIA • 26 RECUENTO DE MONEDAS - LUIS MIGUEL RABANAL • 32-41 BIOGRAFIA • 19-24 ESPECIAL TRADUÇÃO • 19 A MINHA LÍNGUA PORTUGUESA - JOÃO DE MELO


Nº5 • ABRIL 2016

Nº5 • ABRIL 2016

ESCOLA OFICIAL DE IDIOMAS DE VALLADOLID (ESPANHA) Universidade Sénior Eugénio de Andrade E Universidade Sénior Contemporânea (PORTUGAL)

ESCOLA OFICIAL DE IDIOMAS DE VALLADOLID (ESPANHA) Universidade Sénior Eugénio de Andrade E Universidade Sénior Contemporânea (PORTUGAL)

Concepción Polvorosa

Roberto López

Nº5 • ABRIL 2016

Nº5 • ABRIL 2016

ESCOLA OFICIAL DE IDIOMAS DE VALLADOLID (ESPANHA) Universidade Sénior Eugénio de Andrade E Universidade Sénior Contemporânea (PORTUGAL)

Alejandro Gil

ESCOLA OFICIAL DE IDIOMAS DE VALLADOLID (ESPANHA) Universidade Sénior Eugénio de Andrade E Universidade Sénior Contemporânea (PORTUGAL)

David López


CONTEÚDOS 6 7 8 10 11 12

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As relações pessoais em Portugal: uma experiência Erasmus Lara Peraita Para verdades o tempo. Para justiça Deus Raúl Enjuto Zamora y la Raya, herencias sefardíes compartidas Jesús Jambrina Ouro Preto; ouro, arte e inconfidência Javier García O Poço do Tio Raimundo: recordações de uma estudante universitária Lola Calero O caminho impossível a Portugal Carlos Patino Experiência familiar em Portugal Gema Harillo Paisagem urbana em Lisboa, os quiosques no século XXI Gloria Maté Porto, ou o segredo da fascinação Nuria Viuda Os cavalinhos-marinhos Rafael Medrano Onde se encontra a poesia Mirian Castro Uma experiência para a vida toda Carolina Gil

Recuento de monedas Luis Miguel Rabanal Mais-que-perfeito Jose Antonio Vallejo Poesias Pablo Javier Pérez Las cartas de amor entre Fermina Daza y Florentino Ariza alumnos de Martha Patricia Chaves

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LAPELIPOSA Roberto Martín Guilherme Gomes e Salvador Sobral, dois jovens talentos Diana Pimenta Ana Hatherly Casilda García Um passeio com José Luís Peixoto Goyi Plaza O que nos vae a acontecer, la caricatura comunera de Bordallo Pinheiro David Mota A minha amiga Lizete, uma luta pelos direitos humanos María Marrón O realismo mágico na literatura de João de Melo Margarita Cueto Recomendações Nós-otros

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edição especial: 19 A minha língua portuguesa - João de Melo, escritor Prémio Virgilio Ferreira 2016 20 Braille - Deborah Dietrick, professora da EOI de Valladolid 21 Sobre la traducción literaria - Rebeca Hernández, professora da USAL de Filologia Galega e Portuguesa 22 Sobre tradução e toda a subjetividade do ato - Mª José Da Silva, professora de português 23 A influência hispano-lusa na tradução literária - Ana Mª G. Martín, professora da USAL de Filologia Galega e Portuguesa 24 Ser o outro (sendo nós próprios em silêncio) - Luis Leal, poeta y professor de português

NÓS-OTROS - STAFF Diretora Concha López Jambrina Subdiretora Martha Patricia Chaves Conselho da redação Carolina Gil Raúl Enjuto Coordenadores EOI-Valladolid: Concha López U. Sénior Eugénio de Andrade: Lara Oliveira U. Sénior Contemporânea: Artur Filipe dos Santos e Marta Loureiro Escuela de Arte Superior de C.R.B.C. Valladolid: Rosa Rico Colaboradores Lara Peraita, Raúl Enjuto, Jesús Jambrina, Javier García, Lola Calero, Carlos Patino, Gema Harillo, Gloria Maté, Nuria Viuda, Rafael Medrano, Miriam Castro, Carolina Gil, Luis Miguel Rabanal, José Antonio Vallejo, Pablo

Javier Pérez, Martha Patricia Chaves, Francelina Seabra, Sofia Alçada, João Carlos Alçada, Balsamina Padeiro, Manuela Cruz, Cândido Machado, Dinis Costa, Miguel Vieira, Domingos Lopes, Joaquim Travassos, Angela Mª Mota, Helena Cruz, Mª Luisa Sousa, Zulmira Borges, João Aires de Sousa, Mª Júlia Caldas, Roberto Martín, Diana Pimenta, Casilda García, Goyi Plaza, David Mota, María Marrón, Margarita Cueto Colaboradores especiais João de Melo, Deborah Dietrick, Rebeca Hernández, Mª José da Silva, Ana Mª Martín, Luis Leal Capa Patricia Hernández Ilustradores Adrián Hernández, Camila Briceño, Esteban García, Concepción Polvorosa, David López, Roberto López, Alejandro Gil, Andrea Lorite, Daniel

Pagazaurtundua, Francisco González, David Piñeles, Beatriz Rebollo, Diego Ovejero, Daniel Sanz, Macarena Rodríguez, Adrián Aguado, Carmen García, Esmeralda Martínez, Carla Hernández, Claudia Pérez Desenho e maquetização Raúl Enjuto Edição EOI de Valladolid, U. Sénior Eugénio de Andrade e U. Sénior Contemporânea Impressão GigaPrint Impresión Digital Web www.nos-otros.com info@nos-otros.com facebook.com/nosotrospt @nos_otrospt VA 255-2015

Depósito Legal



Continuamos com este projeto. Parece que não somos ainda capazes de dar com uma fórmula, e até haverá quem diga que este esforço de enviar e receber, de pedir, de oferecer, não faz sentido. E terão razão. Porém, são já muitas pessoas, que de um lado e de outro, se calhar sem saber para quê, se ilusionam com Nós-otros e enviam-nos belíssimos trabalhos. É por isso que talvez seja o momento de refletir que é tão bom fazer, pelo gosto de fazer, por mera carolice, sem utilidade e fazer com que cada vez sejam mais a compartilhar erros, fracassos, e a valorizar tanto o inútil. Mais uma vez parabéns a todos os que fizeram possível o número cinco. Concha López Jambrina, chefe do departamento de Português na EOI Valladolid e diretora de Nós-otros

Criada na USEA em 2010 a cadeira de Espanhol ganhou um novo alento este ano letivo de 2015/2016. Foi com muito agrado que recebemos a proposta de colaboração do Instituto de Línguas de Valladolid! Quando nos foi dirigida esta possibilidade de parceria, a turma de Espanhol tinha recomeçado há pouco tempo, com um nível inicial. Este poderia ter sido um fator para os alunos não quererem participar neste projeto. No entanto, abraçaram esta iniciativa com dedicação e entusiasmo, cooperando no sentido de serem atingidos interesses comuns. Este intercâmbio tem sido bastante motivador para os nossos alunos pois têm oportunidade de recorrigir os vossos textos e com isso aprender e adquirir novos conhecimentos. Além disso, o domínio do espanhol abre também um vasto leque de oportunidades culturais. A riqueza e diversidade cultural dos nossos vizinhos latinos, que se estende pelo mundo das artes, literatura, cinema e desporto com nomes de destaque no cenário global, também tem aumentado o interesse das pessoas pela língua espanhola. Para estabelecer um intercâmbio cultural proveitoso é fundamental ter um conhecimento razoável do idioma e evitar o pensamento comum de que, por saber o português, podemos compreender o espanhol sem grandes dificuldades. Lara Oliveira, da Universidade Sénior Eugénio de Andrade

A Universidade Sénior Contemporânea tem como objectivo essencial aproximar o conhecimento universitário às gerações maiores da sociedade portuguesa, numa perspectiva dialógica, optimizando os métodos de ensino através da gerontologia-educativa, adaptando os conteúdos leccionados às gerações, nível de formação, capacidade cognitiva e física de cada aluno. O cariz universitário da Universidade Sénior Contemporânea comprova-se com a criação da primeira revista científica criada em Portugal, com o objectivo de estudar a senioridade em Portugal, a Revista Transdiciplinar de Gerontologia e ainda pelos convénios e iniciativas levadas a cabo com instituições universitárias de Portugal, como a Universidade do Porto, a Escola Superior de Educação, a Universidade Fernando Pessoa, Universidade do Porto, Universidade do Minho, entre outras, bem como com universidades estrangeiras como é o caso de convénio recentemente assinado com a Universidade de Vigo ou ainda com actividades já realizadas com a Universidade Pontifícia de Salamanca, a Universidade de Sonora do México ou a Universidade de Wraclaw, Polónia. Desta forma, é como uma excelente oportunidade que a USC aposta em mais uma experiência com uma instituição espanhola, desta feita lançando bases para futuras ideias, seja no âmbito do estudo da língua espanhola na nossa instituição, seja nas demais matérias estudadas no campo das ciências sociais. Damos desta forma as boas-vindas a todos os colegas e alunos da nação irmã. Artur Filipe Dos Santos - Marta Loureiro Dos Santos, Diretores da Universidade Sénior Contemporânea

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As relações pessoais em Portugal: uma experiência Erasmus LARA PERAITA Há já mais de quatro anos que o meu ano Erasmus, em Aveiro, acabou. Muito tem sido dito já sobre as experiências Erasmus e é por isso que gostaria de me focar no que eu observei quanto à maneira de os portugueses se relacionarem. O cenário principal no qual se concentrou a minha experiência foi, como é natural, a universidade. Na primeira aula do meu primeiro dia, experimentei duas situações que vale a pena contar. A primeira, da qual agora me lembro com um sorriso pelo cómico da situação, foi com a professora da disciplina. Quando reparou que eu era espanhola, deixou claro que ela não gostava dos espanhóis e emitiu uma opinião pouco afortunada sobre nós. A seguir começou a detalhar, perante os também estupefatos colegas portugueses, as diferentes “afrontas” que, supostamente teria sofrido, em Espanha: mal-entendidos em hotéis, desleixo por parte de empregados de mesa, etcétera. Quando acabou, dividiu-nos em grupos e foi aí que aconteceu a segunda situação significativa do dia e a qual marcou a tónica geral da que seria a minha experiência, em Aveiro: Os quatro colegas portugueses, do meu grupo, deram-me o seu apoio, asseguraram-me, quase envergonhados, que os portugueses não eram assim, e apesar da timidez que percebia neles, fizeram todo o possível para me fazerem sentir bem-vinda.

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Foi essa timidez, que aqueles quatro rapazes mostravam comigo, uma das primeiras coisas que chamou a minha atenção quanto à maneira de os portugueses se relacionarem. Reparei que quase sempre via os rapazes de um lado e as raparigas do outro. Ao comentar isto com outros espanhóis muitos tiveram uma impressão similar, o que implica uma diferença notável com a forma de relacionamento nas aulas universitárias, em Espanha. Portanto, fiz o meu melhor para superar a sua timidez e integraram-me, logo e sem ressalvas, no seu círculo de amizades, o que me proporcionou uma visão mais ampla da cultura portuguesa (e a eles da espanhola) e muitas histórias engraçadas devido às pequenas diferenças culturais e da língua. Outro aspecto, no qual os colegas espanhóis e eu coincidíamos, era a absoluta educação e respeito pela autoridade que mostravam, em geral, os portugueses: desde a quase reverência dos alunos, pelo professor, até o sorriso e serviço impecável do empregado com o cliente que entra na loja cinco minutos antes do encerramento. Destaco, também, o bom acolhimento que efetuou a Universidade de Aveiro com os alunos estrangeiros: desde dar as aulas em inglês até, como aconteceu comigo, permitir realizar os exames e provas em espanhol. Em poucas palavras, a forma de se relacionar respeitosa e pausada do português frente à, talvez, efusiva e espontânea do espanhol, das quais, sem dúvida, ambos podemos aprender.


Para verdades o tempo, para justiça Deus RAÚL ENJUTO Ana Bustos de Mendoza e Tello Arcos de Aponte estavam a concluir os preparativos do seu casamento, que ia ser no dia seguinte. Quando o noivo saia de casa da sua namorada, encontrou-se com Juan de Vargas, um ex-namorado a quem a sua futura esposa tinha prometido esperar, pelo período de um ano, até que voltasse do exílio. Ambos se reconheceram e reivindicaram o seu direito de casar com ela. A tensão acabou numa luta no Campo Grande. Como D. Tello se apercebeu que a luta estava muito igual, usou de uma artimanha para provocar uma momentânea distração de D. Juan e aproveitou para cravar a sua espada nele. O Campo Grande estava rodeado de conventos. Um frade capuchinho viu, através da janela, um fidalgo que, com espada, estava a correr atrás do homem matando-o. Outro cavalheiro, que viu o que estava a acontecer, correu até ele para o ajudar. Mas teve azar, pois a Justiça estava lá. Acusou o cavalheiro de assassinato e foi feito prisioneiro. Acontece que o prisioneiro era D. Tello Arcos. Durante o julgamento, declarou-

-se inocente do segundo assassinato, mas culpado do primeiro. Pelos dois foi sentenciado à morte, uma sentença que o frade sabia que não era justa porque vira o que lá tinha acontecido. Embora o frade tivesse declarado, no juízo, o que se passou, a sentença e a pena executaram-se. A reflexão em torno de uma vítima inocente provocada pela justiça humana, carregava, no frade, angústia e sofrimento. Numa das vezes que o capuchinho estava à beira do rio Pisuerga, repetia e repetia: “Não há Deus, onde não há justiça!” O frade tinha a frase na boca quando se aproximou um corpo rio abaixo. Foi, então, que reconheceu o cadáver de D. Tello, por quem estava obcecado e tanto tinha sofrido. Por baixo dele havia outro corpo, o de Juan de Vargas. D. Tello levantou a cabeça, dirigiu-se ao frade e disse-lhe: “Em luta injusta os dois, traiçoeiramente, assassinaram; não perguntes o porquê da justiça de Deus”. Depois de proferir essas palavras, os cadáveres continuaram a sua viagem através das águas do rio Pisuerga.

José Zorrilla

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Zamora y La Raya, herencias sefardíes compartidas Jesús Jambrina Puede decirse que existe un consenso entre los especialistas actuales en el tema sefardí en cuanto al número de judíos españoles que se exiliaron en Portugal en 1492. En el caso del la actual provincia de Zamora, sabemos que 30.000 pasaron por la capital en dirección a Miranda do Douro y 3.000 por Benavente camino de Braganza, donde fueron formalmente inscritos por las autoridades portuguesas. Sabemos también que las familias menos afortunadas se establecieron en el Valle de las Cabañas, muy cerca de Vimioso. Otras se refugiaron en Carçao y así en varios pueblos de La Raya. Durante la primera jornada del II Congreso Internacional, Julio 2-5, 2014, celebrada, precisamente, en Vimioso, los geneticistas Inés Nogueiro (Braganza) y Luis Álvarez Fernández (Zamora), investigadores de la Universidad de Porto y de Pompeu Fabra en Barcelona respectivamente, presentaron su estudio genético acerca de las poblaciones de Braganza y Belmonte, demostrando que entre aquellas familias que conservaban una memoria de sus antepasados judíos, algunas de ellas autoidentificadas como marranas, criptojudías o cristianas nuevas, en efecto persistían marcadores genéticos localizados entre poblaciones judías sefardíes en el mediterráneo, incluido el propio Israel. Igualmente, a través del trabajo del ingeniero civil Emilio Fonseca, conocimos cómo las llamadas cruces conversas en toda la región norte de La Raya pueden ser asociadas con viviendas de conversos en la medida en que dichas cruces siguen el patrón de ubicación de las mezuzas, en algunas ocasiones fácilmente notable cómo estás fueron transformadas en cruces con la obvia intención de resaltar el cambio de religión y así evadir las preguntas de la Inquisición. La capital de estas cruces conversas podría ser, perfectamente, el pueblo de Fermoselle, en La Raya zamorana, donde se han documentado más de cien en puertas y bodegas de la zona. Si contrastamos toda esta información, es decir referencias históricas halladas tanto en archivos españoles como portugueses, descubrimientos en el campo genético y las especificidad de las cruces conversas en los pueblos a ambos lados de la frontera, es evidente que estamos frente a una región de importantes resonancias históricas en el tema judío que no han sido estudiadas en profundidad todavía y que a todas luces pide, si no clama, la atención de los especialistas en varias disciplinas, además de la historia, la arqueología, la antropología, la genética, la genealogía y la literatura, por mencionar algunas. Con el objetivo de estudiar estas líneas histórico culturales en la provincia de Zamora, incluida la conexión con La Raya, se creó en el 2013 el Centro de Interpretación Isaac Campantón, el cual este año organizará su III Conferencia Internacional que tendrá lugar en la UNED de Zamora el 3 de julio. El tema de este año se centrará alrededor de la llegada, duración y prominencia de los judíos zamoranos, aunque también, como siempre, brindaremos atención a otros asuntos relacionados con la herencia sefardí en Castilla y León y la península ibérica en general. Como es habitual en la historia y la cultura del pueblo judío, encontrar la verdad de las cosas requiere de un cruce constante de fronteras (geográficas, disciplinarias, temporales, etc.) muy especialmente en el caso de los judíos sefardíes, cuya vida en la península estuvo marcada por recurrentes

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movimientos migratorios desde la época de los reyes visigodos, cuando también comenzaron las conversiones forzosas y surgió el criptojudaísmo. Después de la expulsión y junto a la expansión de la corona de Castilla por el mundo, también se expandieron las redes de marranos, llevando el judaísmo, incluso a las Américas y otros sitios, dificultando, pero a la vez enriqueciendo, su estudio en la actualidad. En el Centro Campantón, somos conscientes de todas estas líneas y vectores de investigación en tanto visualizan la complejidad de la historia judía en Zamora y en Castilla y León en general. Luego buscamos canalizar y apoyar en la medida de nuestras posibilidad proyectos de investigación capaces de poner en acción esta historia que, aunque concreta a España, en tanto historial imperial, también tiene ramificaciones culturales en diversas direcciones incluida la zona mediterránea y el mismo Israel, donde exiliados zamoranos llegaron a establecerse en el siglo XVI y, como en el caso de Leví ben Jacob ibn Habid (1483-1542), llegaron a alcanzar puestos importantes dentro de la comunidad judía de Jerusalén y Safed, además de otras en Turquía, Salónica y el Cairo, por mencionar algunas de las más conocidas. El corazón de nuestro trabajo, sin embargo, es la propia ciudad de Zamora, donde hemos podido colaborar con el Ayuntamiento en la creación de la Ruta Sefardí a través de la señalización de cinco puntos relevantes en la ciudad que ilustran la presencia de los judíos en la perla del Duero. La puerta a este conocimiento, sin dudas, es la figura de Isaac Campantón (1360-1463), rabino de Zamora y gaon de Castilla entre finales del siglo XIV y mediados del XV, cuyo método de estudios de la Torá, el Talmud y la Cábala creó escuela alrededor del mundo hasta hoy . Una figura sin mucha presencia documental directa, la labor de Campantón se conoce, sobre todo, a través de sus discípulos, entre ellos varios de los rabinos españoles y portugueses en el momento de la expulsión como Isaac Aboab II (Guadalajara), Isaac de León (Ocaña), Jacob ben Salomón ibn Habib (Salamanca) y Joseph ben Abraham Hayyun (Lisboa). Zamora fue también el lugar de desarrollo para otros sabios como Isaac Arama y Abraham Saba, este último refugiado en Guimarães, primero y luego en Lisboa, Portugal, de donde salió a Fez, perdiendo sus hijos antes durante las conversiones masivas de la capital portuguesa en 1497. Entre las familias rabínicas destacadas con raíces en Zamora también estuvieron los Valenci, importantes entre los judíos de Marruecos y los Corcos, cuya rama zamorana se extendió por toda la diáspora sefardí mediante la banca y el comercio. Después de 1492, Zamora permaneció siendo un lugar de acogida y emisión de conversos, entre ellos el conocido hebraísta Alfonso de Zamora (1474-1545), retornado, precisamente, de Portugal con su familia, la cual se convirtió en la ciudad en 1493. Así también se permitió el regreso de Judah Corcos, hijo de Abraham, procurador de los judíos de Zamora en los años previos 1492, quien se refugió en Sabugal, Portugal, donde a mediados de la década recibió autorización para ejercer como médico por lo cual muy posiblemente no haya regresado. Las familias conversas en Zamora, sin embargo, están documentadas con claras referencias a La Raya, entre ellas los Miranda y los Pereira, entre otras, algunas de ellas ejerciendo la medicina.


Toda esta historia, sin embargo, espera la confirmación de evidencias arqueológicas concretas que corroboren lo que la documentación nos dice. En algunos casos, tenemos sitios específicos directamente referenciados como son el cementerio judío, a la entrada del Bosque de Valorios, y la Sinagoga Mayor, localizada en la Plaza de San Sebastián. En otros casos, poseemos claras señales de procedencia judía como una posible mikveh (o baño judío) en La Hostería Real y una potencial sinagoga, probablemente la primera de Zamora, en los bajos de la bodega ubicada en Santa Lucía, cuyos elementos arquitectónicos y focalizaciones acústicas indican un lugar de adoración. Hay que recordar que la Plaza Santa Lucía está identificada como el límite oeste de la judería vieja, hoy barrio de La Horta. El mayor número de evidencias existentes, no obstante, se encuentran fuera de Zamora, específicamente una ketubah (o certificado de matrimonio) de 1447, referente a la

familia Saba, custodiada por la Biblioteca Nacional de Israel, y un sello, pertenecientes a la colección del Museo Sefardí. En el campo bibliográfico, tenemos un tratado de Abraham de Zamora, autor del siglo XIII, en depósito en la biblioteca de Munich, y una edición de los comentarios de Rashi, impresa en Zamora, en la imprenta de los hermanos Musa en el año 1490, guardada en la Universidad de Oxford, en Gran Bretaña. Si unimos toda esta información no es difícil darse cuenta de la existencia de una importante comunidad judía en Zamora, calificada como aljama desde 1258 por el Obispo Suero, y que a lo largo del tiempo creció, se expandió y cultivó uno de los centros rabínicos más prominentes de la península, cuyo legado llegó a diversos sitios a través de sus sabios, una historia que en su conjunto merece ser rescatada del olvido en beneficio de todos los zamoranos en tanto la herencia judía forma parte integral de la historia de la ciudad y la región donde esta se localiza, incluido Portugal.

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Ouro Preto Ouro, Arte e inconf idência

JAVIER GARCÍA Conta a história, ou quem sabe se a lenda, que, por volta de finais do século XVII, um homem retirou do fundo do rio Tripuí, perto do Pico do Itacolomi, umas pedras escuras que guardou e levou para São Paulo. Rapidamente identificaram ouro naquelas pedras. Desde então, nada seria o mesmo nos verdes vales daquela região. Inúmeras expedições de bandeirantes (chamados assim pelas bandeiras que portavam para se identificarem ao colonizar as terras) partem para a região à procura daquele esperado ouro. Ainda que o primeiro que descobriu um importante veio de ouro fosse um brasileiro, o controle das explorações auríferas passou para os portugueses, depois destes se terem imposto na Guerra dos Emboabas. Entre os anos 1711 e 1760, Ouro Preto e as aldeolas em seu redor experimentaram um crescimento sem precedentes. As minas produziam, naquela altura, metade do ouro mundial. O imposto que deviam pagar, à Coroa Portuguesa, chamava-se o Quinto. O ouro brotava sem parar. Os governantes têm a ideia de fazer uma pequena e nova Lisboa. Constroem teatros, há óperas e trazem artistas da Europa para desenvolver a cultura na cidade. A partir de 1750, começa a diminuir a extração de ouro. A Coroa intensifica a fiscalização, combate o contrabando e força os mineradores a continuar a pagar o mesmo valor de impostos, ainda que não tivessem origem na produção. A pressão tornou-se insuportável. Foi então que surgiu o movimento chamado Inconfidência Mineira. Foi dirigido por intelectuais da época, poetas, juristas, militares, clero e até setores do poder constituído, que se envolveram num movimento libertário. Foi também influenciado pelas ideias de liberdade que vinham da América do Norte e da Europa. Queriam Minas Gerais livre de Portugal, com Universidade, indústrias e um desenvolvimento da região.

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Hoje, Ouro Preto é a cidade histórica mais importante do Brasil. Em 1933, foi declarada Monumento Nacional e, em 1980, a UNESCO declarou-a Património Cultural da Humanidade. Houve traições e foram apanhados alguns importantes inconfidentes. Alguns deles recuaram e negaram a sua participação. Só um deles, Joaquim José da Silva Xavier, se declarou insurgente. Permaneceu preso por três anos e, em 1792, foi enforcado e o seu corpo esquartejado. A sua cabeça foi exposta na praça que hoje tem o seu nome. Hoje, Ouro Preto é a cidade histórica mais importante do Brasil. Em 1933, foi declarada Monumento Nacional e, em 1980, a UNESCO declarou-a Património Cultural da Humanidade. Nas encostas que compõem a paisagem de Ouro Preto, há 13 igrejas barrocas que constituem o maior conjunto arquitectónico homogéneo do Brasil. É obrigatório visitar algumas delas, especialmente a Igreja de São Francisco de Assis e a Igreja de Nossa Senhora do Pilar, conhecida por ter usado na sua decoração mais de 400 kg de ouro. Mais do que interessante é o Museu da Inconfidência Mineira, na Praça Tiradentes. Foram também respeitadas as ruas e o resto das edificações encontram-se num perfeito estado de conservação. É por isso muito fácil deixar voar a imaginação e pensar como foi aquela cidade encantadora em tempos passados. Uma verdadeira viagem no tempo, onde, por vezes, não sabemos se estamos no Brasil ou em algum bairro de Lisboa.


O Poço do Tio Raimundo: recordações de uma estudante universitária LOLA CALERO Desejo começar por dizer que a crise económica que, nos dias de hoje, tem deixado muitas famílias na pobreza trouxe à minha memória as lembranças sobre este tema personificado numa história, já passada e com sucesso na qual tive a honra imerecida de fazer parte: a história do Poço do tio Raimundo, quando pelos meus 17 anos começava os estudos, na Universidade de Filosofía e Letras de Madrid. Um poço e um homem pobre, sozinho, coitado, foi o ponto de partida de uma história de vergonha para os homens de bem. O Poço do Tio Raimundo é um bairro do distrito da Ponte de Vallecas, entre o bairro (Palomeras) e (do) Entrevias, nos arredores de Madrid. O Poço, inicialmente por volta dos anos 20 do século passado, era um bairro muito pobre; pobre demais, esquecido; nem sequer apropriado para os animais (sujo) e nojento onde as pessoas vinham de outras regiões espanholas, Andaluzia, Estremadura, etc. Viviam em condições inimagináveis, barracas feitas de lata ou cartão, espalhadas pela natureza. Acima o céu fazia de teto e a terra (nua) de chão. O primeiro “chabolista” chamava-se José Cortina, asturiano, e chegou a este bairro no ano de 1925. Mais tarde, em 1955, ocorre um fato transcendental: um grupo de pessoas, padres e estudantes universitários de diferentes ideologias dirigidas pelo Padre Llanos, padre jesuíta, anteriormente confessor de Franco. Mais adiante, o padre (obrero) Enrique de Castro teria um protagonismo especial que chega até aos nossos dias no Poço com a vontade firme de ajudar a mudar esta situação daqueles nossos pobres irmãos. Convém salientar que o Padre Llanos, aos poucos, de tanto lá ir, afiliou-se às comições obreiras e ao Partido Comunista. Os emigrantes, então, começaram a transformar as barracas, com as suas próprias mãos, em habitações sem licença municipal e, por isso, a Guardia Civil obstaculizava o seu trabalho. Por isso, viam-se obrigados a construírem as suas

vivendas durante a noite. Isto fez com que a solidariedade de estudantes e organizações aumentasse, unindo os seus esforços aos dos emigrantes. Aí estava eu, nessa altura na condição de estudante de História, e lá coexisti com aquele que hoje é meu marido, também ele estudante, mas na Escuela de Ingenieros Indrustriales da capital de Espanha. Aos fins de semana, íamos lá para trabalhar, afim de sentirem que não estavam sós. Entre os residentes no Poço, nessa altura, além dos citados e de outros cujos nomes não me consigo lembrar, posso mencionar Gregorio Morán, jornalista e uma grande pessoa. A luta empenhada do Padre Llanos teve como resultado a construção de um bairro dotado de todos os serviços necessários: água corrente, esgotos, luz elétrica, etc. pondo fim às condições degradantes que existiam. Em 1979, começa a construção das primeiras vivendas de promoção pública e imediatamente são criadas escolas, associações de vizinhos, centros de saúde da segurança social, etc. Hoje em dia, é um bairro operário totalmente integrado na capital de Espanha. No dia 15 de Junho de 1986, foram entregues as últimas vivendas, de promoção pública, a 150 famílias que ainda viviam nas casas, de adobe, construídas com as suas próprias mãos. Para festejar tudo fez-se, durante 4 dias, uma festa com atuações de Paco de Lucía, a Orquesta Mondragón e Carlos Cano. P.S: Perante a gravidade e a urgência de situações como as do Poço do Tio Raimundo devemos reunir os nossos esforços. Todas as pessoas, por muito diferentes que sejam as suas ideologias, devem pôr a ajuda acima de tudo, porque temos a única coisa em comum que todos torna iguais: todos somos irmãos e temos de ajudar os mais necessitados. Isso é o amor entre nós, o resto são cantinelas. Assim aconteceu em 1955.

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O caminho impossível a Portugal CARLOS PATINO Há muitos anos atrás, perguntava a mim mesmo, que caminho era aquele que tínhamos cruzado quando ia com os meus pais ao povoado: dois carris de ferro enferrujados e engolidos pelas ervas. Não tinha dúvida que se tratava duma via de comboio, mas eu não conhecia a sua história. Chamada Vía de La Fregeneda, em Espanha, devido ao nome da vila mais perto da fronteira do lado espanhol da Raia, é uma linha que foi inaugurada a 8 de dezembro de 1887, demorando as obras mais de 4 anos, empregando 2000 trabalhadores, foi agora fechada no território português desde Barca D’Alva, em Escalhão e na Guarda. São 105 quilómetros –77 em Espanha, 28 em Portugal– duma linha encerrada, o que pode parecer pouco, mas representa muito mais: é o coração duma terra que sem o comboio fica mais esquecida e mais morta cada dia que passa. Na região de Castela e Leão, consideram-na um monumento desde o ano 2000, pela complexidade do seu percurso na Raia: no último troço de 16 quilómetros, há 13 pontes e 20 túneis que permitem vencer um desnível de mais de 300 metros, na confluência dos rios Águeda e Douro. Uma paisagem lindíssima, sulcado pela linha, que, por esta razão, tem o nome de “O caminho impossível a Portugal”. A falta de rentabilidade foi a desculpa dada para o encerramento da linha: em 1984, nos 77 quilómetros do lado espanhol, e em 1988, no troço dos primeiros 28 do lado português, até o Pocinho, Guarda. Uma falta de rentabilidade muito relativa, tendo em conta que este caminho impossível a Portugal é, até hoje, a rota mais direta do Porto à Europa. Desde o Pocinho até ao Porto, a Linha do Douro funciona, hoje, com três comboios diários em cada sentido. Não é muito, mas é muito mais do que existe no troço espanhol.

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E aqui é que está a diferença: neste troço há comboios. Eles não são luxuosos e não são de grande velocidade, mas são comboios de bitola ibérica, que servem para transportar pessoas e representam uma saída muito importante até ao oceano... No troço espanhol, não há nada. Só encontramos vilas que têm pouca gente, ou já estão “mortas”, porque alguém, no seu gabinete, pensou que as gentes destas terras não necessitavam ter uma linha que os transportasse. Eles não acabaram apenas com os comboios: acabaram com a vida dessas gentes. Tem havido tentativas para que esta situação mude: projetos para fazer comboios turísticos, planos para reabrir os troços fechados e reparar as estruturas da linha: carris, túneis, pontes e estações, sobretudo inclusivamente por parte do governo espanhol. Mas as tentativas mais ambiciosas têm partido das agrupações Associação de Fronteira “Tod@via, por uma via sustentável” e “Amigos do Concelho de Foz Côa”, com os seus membros trabalhando para retirar as ervas, que parecem quase um bosque, e reparar algumas partes da linha. No Senado espanhol debateu-se, em 2005, a possibilidade de tornar a abrir a linha. Mas, possivelmente, só intervenções como as da “Associação Tod@via”e dos “Amigos de Foz Côa” poderão garantir um futuro para a linha, e não as promessas de nenhum governo, português ou espanhol. Através de um serviço regular para os passageiros? Como uma atração para os turistas que viajam nesta zona? A forma não é o mais importante: o que as gentes da Guarda, de Foz Côa, de Salamanca, e de todo Portugal e toda Espanha querem é somente que “o caminho impossível” seja assim chamado devido ao seu traçado e não porque seja impossível que a vida volte a estas regiões.


Experiência familiar em Portugal GEMA HARILLO Três, quase quatro anos, esteve a nossa família, em Portugal. O nosso segundo filho chegou com 13 anos, acabados de fazer, e voltou com 16 já avançados, ou seja, foi quase toda a sua adolescência e isso marca. A vida que a família lá teve não se diferenciava muito da que tinha em Espanha, principalmente porque o colégio que os miúdos frequentaram era o colégio espanhol, que há em Lisboa e leccionavam o ensino espanhol e, além disso, as pessoas com quem nos relacionávamos eram espanhóis, que se encontravam na mesma situação que nós. Um exemplo que podemos dar aconteceu quando, numa visita ao Palácio do Marquês de Pombal, a pessoa que estava a ciceronear o mesmo perguntou aos nossos filhos se tinham estudado o Marquês e estes responderam que não, resposta esta que surpreendeu de que maneira o guia. Claro que este não sabia que eles estudaram a história espanhola e não a portuguesa. No entanto, a relação com a sociedade portuguesa foi muito fácil. O português é calmo, amável e trabalhador. Como diz a canção “Mais atencioso que um português“ Pudemos comprovar que encontrar um português que se faça entender, em espanhol, é muito mais fácil que encontrar um espanhol que saiba expressar-se em português. A qualquer lugar que fôssemos, éramos recebidos de braços abertos. O trato que o português tem para com o estrangeiro, em geral, é fabuloso. A única coisa que não gostam dos espanhóis é do barulho que fazemos nos bares e restaurantes, quando vamos em grupos. Eles falam muito mais baixo e vocalizam menos. Também por isso nos custa muito mais entendê-los. Uma coisa que a sociedade portuguesa está muito mais à nossa frente é no uso das comunicações, quer telefonicamente, quer na internet. Os seus preços são muito mais baratos e as suas prestações muito melhores que as oferecidas pelas companhias que operam em Espanha. Chamou-nos muito a atenção o facto de todos os centros comerciais estarem abertos até altas horas da noite, todos os dias da semana. As lojas mais pequenas e os supermercados fechavam um pouco mais cedo.

Para terminar, há que dizer que o mito de que os portugueses conduzem mal não é verdadeiro. Não conduzem nem melhor nem pior que os espanhóis. A única diferença é que conduzem mais rápido, muito mais. O pior da nossa estada, em Portugal, foi que chegamos em plena crise e em plena intervenção das autoridades internacionais e isso notava-se na sociedade portuguesa. O IVA passou de 18 para 23%, o que encareceu tudo em muito. Os salários diminuíram uns 30%. O desemprego passou de 11 para 15%. Tudo isto afetou muito a já decadente sociedade portuguesa. É um estado de ânimo que se reflete na sua música tradicional, o famoso “fado”. Mas também é verdade que os portugueses saíram de situações piores, sendo um povo lutador. A verdade é que quando conheces Portugal e as suas gentes ficas sempre com vontade de voltar. Conquistou-nos a sua forma de ser, a sua cultura, a sua gastronomia e, sobretudo, a tranquilidade que se respira naquelas terras.

Gema Harillo e família

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Paisagem urbana em Lisboa: os quiosques no século XXI GLORIA MATÉ Quando estiver em Lisboa e a tarde cair, nesse instante, questione-se, como diz a canção interpretada pela extraordinária voz de Teresa Salgueiro: para que serve a tarde? Quando os empregados públicos e de lojas alfacinhas estabelecidas na praça do Príncipe Real vão embora, quando o vento da tarde é demasiado fresco, quando já não há imagens de movimento porque a cidade fica lenta e fraca, quando as gaivotas vêm e não voltam, é quando o tempo passa à mercê daquele que quer conviver, simplesmente matar a fome ou finalizar o dia, é esse o momento de escolher capilé, mazagrã, chá gelado ou leite perfumado. Qualquer bairro pode ter de tela de fundo um quiosque quer antigo quer recuperado, quer original quer inventado, quer de cor vermelha, quer de cor azul. A paisagem transforma-se na atividade do século XIX ao abrigo da Arte Nova, quando estas formosas construções de ferro torcido com estilo oriental serviram, por exemplo, para comprar flores ou tabaco. E era ali, no Rossio, que a história passava perante eles, os progressistas do século XIX, com o barulho do porto na ribeira, acabando as tardes na Estrela sob a proteção da cúpula, e com sorte de um toldo. Se calhar é por este instinto de voltar a outros tempos, de retornar e encher paisagens perdidas que Catarina Portas juntamente com o arquiteto João Regal decidiram recuperar os quiosques do Largo Camões, do Príncipe Real, da Praça das Flores e do Largo de São Paulo além do espalhar o seu Projeto: Quiosques de Refresco promovendo bebidas tradicionais lisboetas sem conservantes. Ninguém, hoje em dia, vai negar o embelezamento da cidade, cuja lei foi promulgada pela Assembleia Municipal de Lisboa (Uma História de Quiosques, Claudie Bony –ed. artemágica, 200–) na proposta de criação ou a sensação de proteção que imprimem; porém, é o carácter o que mais adoro. Se vai de refresco como já dizia Eça de Queirós na obra O Conde de Abranhos é por essa mistura de ar antigo com lisboetas do século XXI. Poderia imaginar ter uma conversa no balcão do antigo quiosque do largo da Estrela –já desaparecido– com uma mulher de lenço com o logotipo “O Século” –o primeiro jornal português a criar sucursais em quiosques, para venda de jornais– (Os quiosques de Lisboa, Baltazar Mexia de Matos Caeiro, 1987, p. 74) ou com um dos personagens das obras do escritor do século XIX. Mas aquilo o que não preciso imaginar porque estou a viver é esta Lisboa do século XXI disposta a manter as tradições num espaço público, a manter o que em português se diz: os mimos, a partilhar o gosto do que a palavra etimologicamente quer dizer em persa, turco ou francês, a desfrutar dia a dia da contemplação da vida lisboeta desde os seus largos, praças e ruas enfeitiçadas pelos rostos de quem, quer à varanda, quer numa esplanada, contempla a tarde que está a cair. Essa tarde que, agora sim, de certeza bem vale a pena.

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Porto, ou o segredo da fascinação NURIA VIUDA É nos longos passeios a pé, nas intermináveis caminhadas, ou em carro eléctrico que o Porto aparece como se fosse uma trovoada de imagens de extrema beleza, e insere-se nas nossas pupilas, impregnando-as do seu passado cheio de glória, mas agora decadente. E é nessa decadência que reside o segredo da fascinação que as ruas exercem sobre o transeunte. Assim mesmo, a Estação de S. Bento fica perto dos sonhos de um menino que está disposto a empreender uma viagem incansável até às bondades duma cidade para ele nova e virginal, e o Porto aparece assim ante os seus olhos perplexos com a ilusão de olhar as prateleiras de uma livraria imanada na sua imaginação. É um sonho que agora, por fim, se torna realidade e ficará gravado como um dever cumprido.

Ultrapassar a porta de cristal lavrado e ascender as escadas de madeira envernizada da Lello & Irmão é indubitavelmente o sonho dos sonhos! O Porto também evoca uma lembrança de luz e de misteriosa quietude. É um desejo satisfeito na vontade de voltar um dia e ficar novamente apaixonado pelo resplandor antigo das águas impregnadas dessa robustez e força do rio Douro e suas barcaças. É assim, nesta segurança do que tudo pode renovar-se que reside o segredo. Voltar a ser de novo livre para olhar com olhos de surpresa a incomparável beleza do desvendar a permanência dourada nas frontarias decadentes e antigas dos prédios especiais.

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Os cavalinhos-marinhos RAFAEL MEDRANO Hoje, venho falar do meu Portugal. Esse país é um destino turístico para muitos espanhóis que sabem o que é a boa vida. calma!, não estou a falar dos típicos tópicos dos nossos vizinhos: a boa mesa, os seus vinhos, a sua cozinha nem a amabilidade das suas gentes, o leitor pensa que será um aspeto cultural... tão-pouco estou a falar da história, dos castelos, das catedrais que estão erguidas desafiantes aos exércitos invasores de turistas... Agora já não me sinto atraído pela beleza morta das cidades e aldeias... Poderá alguém pensar que serei um turista de sol, mar e praia... A procura do sossego e a paz.... rumo ao litoral... Talvez tenha havido uma etapa na minha vida onde o meu ideal era olhar para o horizonte atlântico com uma boa cerveja bem fresca e petiscar qualquer coisa, mas isso é para a gente que não gosta de descobertas... Hoje em dia, quando alguém me pergunta o que é o melhor de Portugal, sempre lhes digo: a natureza: dos granitos do Gerês às marismas do Sul, dos pequenos regatos cheios de cardumes de trutas no Nordeste Transmontano até as rias do Algarve, paraíso das aves migratórias. Há um lugar no sul algarvio, onde as vistas são fascinantes, e fazem com que milhares e milhares de visitantes queiram vir correndo para as suas praias maravilhosas. Para mim, a Ria Formosa é um paraíso natural para chegar até ela e sonhar... Tem várias opções: viajar de comboio, qual brinquedo, na Praia do Barril, que foi usado para o transporte de materiais para as fábricas de atum, agora um espetáculo de âncoras mas a escolha mais frequente é uma viagem nos barcos mais modernos e rápidos, onde os turistas ansiosos por começarem as suas férias nas belas e isoladas praias só desejam atravessar uma estreita faixa de mar cheia de lodo de cor verde garrafa, por vezes caqui, o seu aspeto muitas vezes não convida a mergulhar, especialmente quando a cem metros tem os azuis do Atlântico que convidam os milhares de turistas a banharem-se. Mas ali está o tesouro, ó que maravilha, naqueles poucos metros de água é o pequeno paraíso, é onde vive um dos meus mais queridos animais. O cavalo-marinho de focinho curto, uma espécie em extinção, estando a desaparecer no resto do mundo, sendo a Ria Formosa uma das maiores reservas mundiais de cavalos-marinhos. Esta descoberta não foi feita há muito tempo e, embora haja sempre estudantes e grupos que defendem a sua região e o seu país, estes tesouros não são valorizados por turistas à procura de sol. Recomendo entrar em contato com algumas das empresas que oferecem estes serviços turísticos (recomendo-lhe um clube com um perito profissional de mergulho),

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para verificar que o turista não precisa ser um atleta ou um mergulhador experimentado como Cousteau, para explorar as maravilhas marinhas. Apenas precisa de óculos e tubo de mergulho, não sendo necessárias barbatanas para bisbilhotar. O nosso amigo é um pai dedicado a cuidar da sua prole (os tempos mudam...). Observá-los no local para se relaxar e ver o fundo de areia, onde o nosso herói acanhado se move entre correntes, imitando um pedaço de alga. Este movimento serve como proteção contra os observadores indesejados. Às vezes é difícil encontrá-los. Não desespere. Depois de descobrir esse animal fascinante, quererá saber mais e mais... pode sair da água, feliz por ter visto uma maravilha da natureza, em liberdade e sem gastar uma fortuna numa viagem, necessitando utilizar aviões e barcos até áreas remotas . Sempre que saio da água acho que tenho de agradecer a sorte de ser um animal acessível a qualquer pessoa. Ele sempre se deixa observar, meu caro enigmático e relaxante barrigudo. Durante o mergulho, se for verão, certamente recomedar-lhe-ei vestir uma camisa com proteção solar para não queimar a pele. Depois é sempre obrigatório ir a qualquer bar na praia para relaxar e brindar com uma boa cerveja para acompanhar a paisagem que o mar algarvio nos oferece. Se for com crianças, à descoberta dos cavalos, um prémio de booolinhaaaas deve ser recebido por cada pequeno mergulhador. Agora, está começando a fazer a sua reprodução em cativeiro, que se espera seja uma nova oportunidade para a retoma económica da área, porque eles podem ser vendidos, o cavalo-marinho é um animal muito apreciado em aquários de todo o mundo e podem ser uma fonte de rendimento para os cofres da universidade e grupos de investigação que procuram projetos de auto-financiamento neste tempo difícil. Mais uma dica, se vai lá, lembre-se de deixar tudo como encontrou. Os cavalinhos são muito sensíveis à poluição, e nós vamos corresponder com um pouco de esforço para recolher o nosso lixo. Não atire nada para a ria. Se não gostou, tenho outras dicas: apanhe sol e sinta o cheiro do mar e, de tarde, pode visitar alguns dos famosos fortes que defendiam a área. Termine o dia com um jantar romântico numa esplanada, composto por peixe ou marisco grelhado, apanhado pelos pescadores de Olhão, acompanhado por um vinho português ou talvez, o famoso frango com piripíri algarvio. E, por favor, não deixe de experimentar uma famosa especialidade regional: o Dom Rodrigo. É um doce, muito doce que, caso seja diabético, é uma desgraça.


Onde se encontra a poesia... Miriam Castro

Poesia (do grego ποίησις “ação, fabricação, composição, poesia”, poema (ποιέω “fazer, fabricar; engendrar, obter; causar; criar”).

No passado mês de agosto, celebrou-se, no Brasil, a 43ª edição de WorldSkills, a primeira que acontece, na América Latina, nos 65 anos que leva a competição. São Paulo engalanou-se para receber os máximos representantes de cada país, carregados de ilusão e muitas horas de trabalho nas costas, prontos a competir ao mais alto nível. WorldSkills é uma competição que tem lugar de dois em dois anos e onde se reúnem os melhores representantes de cada país nas diferentes disciplinas de formação profissional. O local elegido para a sua celebração foi Anhembi Parque, um dos maiores centros de eventos da América. Tive o privilégio de fazer parte da delegação espanhola, na qualidade de intérprete da equipa de Mecatrónica, ocupação pertencente ao âmbito da Produção e Tecnologia de Engenharia, na que participaram 43 países e que foi uma das mais disputadas de WorldSkills 2015. Espanha foi representada por Enrique Pastor e Sergio Pérez, estudantes da Universidad Laboral de Zamora e o seu tutor, Julio Miñambres, após terem obtido a medalha de ouro nas competições regional (100 pontos) e nacional (98 pontos) em (SpainSkills, 2015), e que conseguiram uma Medalha de Excelência, em São Paulo (WorldSkills, 2015).

Nesta especialidade, que combina as disciplinas de mecânica, eletrónica e informática, os competidores têm que demonstrar a suas competências relativas ao conhecimento das tecnologias aplicadas em ambientes de automação industrial focada em manufactura. Devem, portanto, produzir linhas de processo automatizado, de distribuição e logística, que inclui desde a montagem, programação duma estação e mantimento, até à optimização do processo desenhado e desenvolvido. E foi mesmo ali, rodeada de parafusos, chaves, porcas, braçadeiras, cabos, robôs, tapetes rolantes..., que tive a oportunidade de descobrir poesia num contexto para mim de outra forma inimaginável. Encontrei poesia no trabalho em equipa dos competidores, na sua análise do problema apresentado e na sua busca de soluções para o mesmo; encontrei poesia na precisão da montagem das linhas de distribuição e no esforço realizado para atender às necessidades diárias dos cidadãos. Nada do que nos rodeia é fortuito nem casual, há muitas pessoas a imaginar e criar, definitivamente, a fazer poesia.

“Apenas num segundo acontece a magia. Só tem de pulsar um botão e tudo passa. Zzzzzz, ativa-se o tapete rolante e docemente zoa à medida que percorre a distância até o seu destino enquanto transporta a peça que dá sentido ao seu ser. No nosso dia-a-dia há muitos botões carregados de poesia.”

Sergio Pérez, Julio Miñambres e Enrique Pastor em WorlSkills 2015

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Uma experiência para a vida toda CAROLINA GIL Corria o ano 1996, quando fui colocada como professora de Língua Portuguesa em Côja, uma pequena aldeia próxima da Serra do Açor, com uma elegante ponte romana por onde serpenteava o rio Alva, afluente do Mondego, com um caudal sonoro e cristalino. Na altura, nem podia imaginar o que é que aquele ano letivo ia representar na minha aprendizagem vital. Considero-me uma pessoa totalmente citadina, até os meus avós nasceram já na cidade! Por isso, tinha um desconhecimento considerável da vida rural, mas não demoraria muito a começar a aprender. Como qualquer outro professor, às sextas-feiras, mandava algumas tarefas para casa. Mas, bem cedo, comecei a reparar que, às segundas, os trabalhos vinham sempre por fazer. Ralhava, mesmo zangada, com os alunos e não percebia a razão das tarefas não serem feitas. Até que, um dia, uma aluna, certamente corajosa, veio ter comigo, no intervalo, e contou-me que os meninos da aldeia, aos fins de semana, eram obrigados a ajudarem os pais nas tarefas da lavoura e do gado. Depois disso, já não restava nem tempo nem vontade de fazerem exercícios linguísticos. Além disso, a questão não dependia só do maior ou menor esforço dos alunos. E é que eram os próprios pais os primeiros que não entendiam as tarefas, aliás, muitos deles nem entendiam que os filhos fossem obrigados a frequentar a escola quando poderiam estar a ajudá-los e a aprender um ofício bem mais útil. Porém, se durante a semana deixavam os miúdos tranquilos, aos fins de semana, nada de ocupações intelectuais! Tocava a trabalhar duro! Depois disto, logicamente, só mandava tarefas durante os dias da semana. As aulas não resultavam fáceis pelo facto de os alunos, no geral, serem bastante mal-comportados, toscos e muito brutos. Já tinha dado aulas em escolas da cidade, onde também tinha encontrado alunos muito indisplinados e barulhentos. Todavia, a diferença era considerável. Os alunos urbanitas tinham um caráter falso e mostravam-se sempre dispostos a ameaçarem fazer queixa aos pais –médicos, advogados, etc. Os alunos de Côja, que não tinham pais formados, tinham um coração nobre e bem mais sincero.

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Chegou o Natal e os rapazes disseram que iam trazer um pinheiro para eu levar para Coimbra. Não liguei ao assunto, pois achei que seria mais uma “bruta” fanfarronice deles. No entanto, no último dia antes das férias, lá apareceram eles a arrastarem com dificuldade uma enorme árvore que tinha sido, literalmente, serrada de um bosque por eles próprios e sem licença de ninguém. Fiquei parva pelo facto e pelo tamanho do pinheiro que não sabia como ia levar comigo. Graças à ajuda dos colegas, atámo-lo ao teto do carro e viajámos com muito cuidado até Coimbra. Mas ao chegar, a árvore não cabia pela porta... Com muito esforço, conseguimos puxá-la com cordas até à varanda do 1º andar e lá ficou de fora o Natal todo! Quando as festas acabaram, deitámos o pinheiro pela varanda abaixo e lá foi recolhido pelos serviços da Câmara. Na primavera começaram a aparecer pela sala dos professores algumas senhoras a venderem frutas e hortaliças da época, naturalmente, com preços especiais para “os sotôres”. Desse modo, tornou-se frequente regressar a Coimbra com seletos e fresquinhos carregamentos de morangos, cogumelos, cerejas, etc. As vantagens da aldeia! Tinha de lá ficar alguns dias à noite, mas cedo apercebi-me que dormir ia ser mesmo difícil. Os culpados eram os sinos da igreja que tocavam todos os quartos de hora e, às horas em ponto, interpretavam o hino completo da Nossa Senhora de Fátima. Surpreendida, falei com o senhor padre, pois não entendia que os sinos não se pudessem desligar à noite. Fiquei ainda mais surpreendida, quando me explicou que os sinos eram sagrados, pois funcionavam como relógio oficial da aldeia para a abertura e fecho dos açudes para o rego durante o dia e a noite. Desta forma, ninguém podia gastar uns minutos a mais ou a menos.... Resignada, fui-me habituando às melodias noturnas, mas devo confessar que, quando tocava o hino, quase que puxava pelos cabelos!!! Podia contar muitas outras coisas, mas bastam estas para mostrar o muito que aprendi com aquela situação e, sobretudo, com aquelas pessoas. Foi uma experiência para a vida toda.


edição especial: A minha língua portuguesa

Ela não me veio do berço nem do ventre materno. Eu e a minha mãe herdámo-la de uma nau que aportou a uma ilha dos Açores em pleno século dezasseis. Vinha carregada de povoadores, que el-Rei mandara a desembravecer as longes terras que se alcandoravam sobre o oceano Atlântico, entre a Europa e as três Américas. A minha língua portuguesa subiu comigo pelo tempo acima, de um século para o seguinte, ano após ano, de terra para terra e de ilha em ilha, até ser a casa do ser que lá não mora, como no verso do poeta açoriano Vitorino Nemésio. O verbo “povoar” foi não só o primeiro, mas seguramente o mais belo de todos da minha gramática. Aprendi a conjugá-lo, no seus tempos e modos, antes de qualquer outro verbo. Nele vibravam, e vibram ainda, as cordas sonoras, sensíveis, de um mundo nascido comigo e que se moveu nos meus primeiros passos sobre a pele vulcânica da ilha. Chegaram aos Açores, depois de muito mar, escolheram um ponto da costa mais afeiçoado ao desembarque, por ela entraram terra dentro e, subindo ao dorso de uma falésia não muito elevada (da qual se podia vigiar o horizonte contra a ameaça do corso e da pirataria), aí montaram casas, abrigos e defesas contra a cruel rudeza dos ventos marítimos. Se bem que áspera sobre a erva, a língua dos nautas não deixou de me parecer graciosa e feminina – ainda que expressa em sons aguçados e ossudos, em ditongos medievais ou afrancesados e em sílabas rochosas, quais esporões e calhaus de basalto. Era (e é ainda) a nossa língua de Quatrocentos e Quinhentos: a mesma dos Trovadores, do cronista Fernão Lopes e do glorioso mestre Gil Vicente e das suas sátiras! De cada vez que às ilhas aportavam as naus vindas de Lisboa ou regressadas do Oriente, iam à foz das ribeiras fazer “aguada”, deixando aos povoadores memória de outras tantas palavras que ainda ali não haviam chegado. As próprias coisas, que arribavam a terra (como as estranhas aves soltas sobre a paisagem açoriana, as árvores exóticas da Índia, os frutos, as especiarias), ainda careciam de nome: tinha de se apontar o dedo para as identificar, e assim passarem a ter uma existência e uma realidade nos Açores. A vida tem luz própria por causa dela –estrela de uma língua que brilha no dia e depois acende a noite europeia, africana, asiática e brasileira. Contemplo-a nos sons de cada lugar da terra, ouço-a no corpo de cada homem, mulher ou povo, palpo-a na música secreta das palavras que nasceram da semente e da seiva de quem a seu modo a fala e a tenha por materna ou matriarca. Não se diga que esta língua serviu de centro a um império. Prefiro, talvez, que lhe chamem troféu de guerra, mas sem vencedores nem vencidos. A inocência das línguas consiste em cada um (povo ou indivíduo) fazer uso dela a seu bel-prazer para construir uma nova linguagem. Ei-las. São as belas,

ágeis, redondas, cantadas e verdadeiras palavras. Únicas no ser, dobram-se e desdobram-se para se multiplicarem nas gramáticas de outros povos e das suas línguas originais. E é daí que nascem verbos, frases, versos, novas e velhas ortografias, artes poéticas de prosa e poesia em carne viva. Transforma-se o amador na coisa amada, meu querido Luís de Camões. O que em mim sente está pensando, estranho, múltiplo e profano Fernando Pessoa. Também eu trago em mim palavras eleitas por aquilo que elas me sugerem. “Melancolia” é talvez de todas a mais melódica, porque de uma beleza sinfónica e triste, carregada com a dor da ausência, a humanidade dos vencidos, a pobreza, o silêncio antigo e diverso dos povos. Sempre que sinto o apelo da distância e das viagens que não fiz ou que nunca farei, ocorrem-me palavras prévias que em mim dão voz, rumo e caminho aos lugares e nomes desses mundos desconhecidos: mãe, sal, firmamento, montanha, música, amor, mulher, vida. João de Melo, escritor Prémio Virgilio Ferreira 2016

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edição especial:

braille 1•2, 1•2•3•5, 1, 2•4, 1•2•3, 1•2•3, 1•5 ¿Una geolocalización? ¿El número premiado de alguna lotería? No. Estos siete conjuntos de puntos dispuestos en celdas de 3 filas por 2 columnas representan la palabra Braille, el nombre del sistema de lectoescritura táctil ideado por Luis Braille en 1824 y que todavía se emplea hoy. La presencia de alumnos invidentes enriquece la Escuela Oficial de Idiomas, pero exige una adaptación curricular que no se limita al profesor y a los compañeros. El docente tiene que incorporar nuevas estrategias: cuando escribe un vocablo en el encerado, automáticamente tiene que deletrearlo, máxime si se trata de la lengua inglesa. La imagen, de gran relevancia en los métodos actuales, se convierte en un texto oral descriptivo, una gran labor de síntesis. La tarea no es fácil, pero sí apasionante. Los materiales complementarios deben ser igualmente adaptados al Braille. Hoy, gracias a la informática y sus aplicaciones, el profesor envía los textos directamente al alumno, que los convierte cómodamente en casa. No siempre ha sido así. Cuando el primer alumno invidente se matriculó en inglés en el curso 1995-1996, los materiales complementarios y los libros de lectura corrían a cargo de la Escuela. Gracias al curso de lecto-escritura impartido por la ONCE, aprendimos a leer en Braille (con los ojos, no con el dedo). También nos enseñaron a escribir de la forma tradicional –al revés y de derecha a izquierda– con la regleta y el punzón, un verdadero reto incluso después de haber estudiado árabe. El programa Cobra, que convierte los caracteres ASCII a Braille, supuso un verdadero

adelanto. Gracias a la máquina de escribir Perkins, cedida por la ONCE, todo se hacía en la Escuela. Durante esos diez años dedicamos un promedio de 65 horas anuales a la adaptación de textos, libros de lectura y ejercicios. Adaptar textos al Braille no es un simple proceso de “transducción” (pasar un texto de un medio a otro, como por ejemplo llevar un texto teatral al escenario). Exige ponerse en el lugar del invidente. Ciertos usos, como la sangría francesa, son convencionales: si el primer renglón del párrafo sobresale a la izquierda, se facilita mucho la consulta del texto. En otras muchas ocasiones la única guía es el sentido común y una mente analítica dada a la síntesis. En los primeros años setenta, una compañera invidente en la universidad norteamericana tomaba apuntes con la regleta y nos turnábamos para leerle los textos literarios en voz alta. Hoy llevaría a clase una máquina portátil de siete teclas, que luego conectaría a una impresora para imprimir los apuntes en Braille. Y dispondría de audiolibros grabados por hablantes nativos. En realidad, hoy en día todos entramos en contacto con el Braille a diario. ¿Dónde? En los botones del ascensor. O en el envase de los medicamentos. Como observó ufano Sebastián en La verbena de la Paloma (1894), “Hoy las ciencias adelantan que es una barbaridad.” Deborah Dietrick, professora da EOI de Valladolid

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edição especial: Sobre la traducción literaria Traducir literatura consiste en mirar las palabras, pensar sobre el pensamiento de quien las ha escrito y ensayar para ambas cosas un proceso de transformación cuya finalidad ha de ser que ese mismo proceso de transformación sea, para el futuro lector de la traducción, imperceptible. Porque traducir literatura comporta, inevitablemente, dos movimientos iniciales de conversión: uno que afecta a la presencia de quien traduce, por cuanto ha de mantenerse casi escondido detrás del texto; el otro movimiento es el que se refiere a la traslación de la novela, del cuento, del poema, de la obra dramática a una lengua diferente a aquella en la que fueron concebidos. Y es que, para traducir literatura es preciso transformarse. Transformarse uno, en primer lugar, a través de la voz, que ha de tomar el modo de decir de otra persona para reescribir lo dicho, para adoptar y volver a expresar su imaginario. En segundo lugar, a través del tacto, pues se hace necesario llevar a las palabras de la mano hasta la lengua nueva para conseguir que mantengan la habilidad —buscada en ellas por el escritor— de brillar. Traducir comporta demorar el tiempo que uno pasa con el pensamiento del escritor y con su particular manera de expresarlo. La última composición literaria que he traducido ha sido un precioso cuento llamado “Enjoo marítimo” y, en su versión española, “Mal de mar”, del escritor portugués João de Melo, reciente y merecido Premio Vergílio Ferreira 2016 por el conjunto de su obra. En este relato

el narrador es, precisamente, un traductor que se refiere a su profesión en dos ocasiones a lo largo del texto, y lo hace así: en primer lugar dice que una de sus actividades predilectas es “traducir grandes y pequeños libros escritos por manos y mentes divinas en las lenguas que mejor conozco”, y algunas páginas después define su trabajo como “reescribir las palabras y el mundo de los demás, no el mío”; en ambos casos y, en estas confesiones del narrador del cuento sobre la traducción, subyace el amor y la admiración por las palabras de otro hasta el punto de (querer) llegar a darles, con suma alegría, prioridad sobre las propias palabras, sobre el propio modo de expresarse, sobre la propia capacidad de invención. Traducir literatura forma parte de mi vida. He tenido el privilegio de admirar y amar las obras literarias que he traducido, les he dedicado, siempre con enorme gusto, una buena parte de mi tiempo físico e intelectual. Desde los últimos años, imparto en la Universidad de Salamanca asignaturas de traducción literaria, y cada nuevo curso vivo con mis estudiantes los primeros momentos de descubrimiento que conlleva esta actividad: el proceso, que siempre ha de ser primoroso, de leer, de pensar, de buscar, de escribir palabras que ya fueron en otro idioma pensadas, buscadas, escritas y leídas— para hacerlas (de nuevo) brillar. En suma, concibo la traducción literaria como una acción estética e intelectual, tan necesaria como leer, escribir o imaginar. Rebeca Hernández, professora da USAL de Filologia Galega e Portuguesa

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edição especial: Sobre tradução e toda a subjetividade do ato Quando leio uma obra traduzida penso sempre na razão, ainda que não assumida, que me levou a estudar línguas e deitar abaixo a maior barreira que nos impede de comunicar. Talvez sempre tivesse acreditado que o conhecimento pleno de outras línguas fosse a pedra basilar para a resolução de tantos e tão grandes problemas colocados às sociedades. Será que foi esta vontade ou necessidade de comunicar que me fez estudar “Tradução e Interpretação” e mais tarde voltar à faculdade para fazer um segundo curso de “Línguas e Literaturas Modernas - Estudos Portugueses e Ingleses” e exercer a profissão de professora? -Talvez! Será que estudei tradução porque o tradutor sempre teve a nobre função de transmitir aquilo que a alguns está vedado, dado o seu desconhecimento de uma

outra língua qualquer? –Pode ser! O tradutor tal como o intérprete e o professor de línguas são as figuras que colocam término ao problema do tão estudado episódio da Torre de Babel –a explicação mítica para a origem das línguas, em que o estabelecimento de toda uma diversidade linguística e cultural gera o caos num povo que se vê impossibilitado de comunicar, como forma de punição pela audácia de tentar alcançar um mundo que lhe estava vedado –o dos Deuses. O estabelecimento deste caos e a sua resolução são uma das razões de ser de tão nobre profissão – ser tradutor. O tradutor é um facilitador comunicacional que possibilita o entendimento pleno entre falantes de línguas diferentes sem outra função que não seja a de reproduzir um enunciado numa outra língua, que não a materna, e ao mesmo tempo fazer desaparecer qualquer presença da sua intromissão nesse processo. Uma questão que tem perdurado no tempo e sobre a qual muito se tem debatido é a questão da subjetividade e da heterogeneidade na tradução. Será que o tradutor, também ele, pode ser considerado um autor? Qual o papel que lhe é atribuído quando reproduz um enunciado escrito numa outra língua? Esta questão tem sido matéria de constante debate

e acabará por continuar a sê-lo dada, também, a sua própria subjetividade. Terá o tradutor o direito de interferir e dar um cunho pessoal e uma interpretação à obra que traduz? –Não!– Dizem todos. Será que é possível manter-se tão isento ao ponto de não acrescentar nada a uma obra que traduz? – Dificilmente!– Digo eu. Apesar da distanciação e da fidelidade exigida a quem traduz temos que perceber que o meu eu (tradutor) é diferente do eu (autor) da obra. O meu eu é composto por vivências diferentes, é detentor de uma personalidade e de uma maneira muito própria de pensar, agir, sentir... Terei eu o mesmo entendimento que uma outra pessoa, sobre um texto que leio? –Sim. Sobre a mensagem principal que emana desse texto mas certamente esse entendimento será diferente no que concerne aos pequenos detalhes que propositadamente foram escolhidos e ali colocados pelo autor. Esta questão é, sem dúvida, a maior dificuldade com que se depara um tradutor: existir na sombra, tal qual um ponto que faz brilhar o ator, não por ser um personagem menor mas sim porque é essa a função que lhe é exigida, fazer um trabalho sem denunciar a sua presença. É fácil ser tradutor? –Não, não é! Vale a pena? –Sim! Vale! Tal como diz alguém tão influente na nossa cultura: “Tudo vale a pena. Se a alma...” MªJOSÉ DA SILVA, professora de português

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edição especial: A influência hispano-lusa na tradução literária A história da tradução entre as línguas espanhola e portuguesa não é ainda suficientemente conhecida, como se tem apontado em vários trabalhos, apesar de tratar-se de um âmbito de pesquisa indispensável para o estudo das relações literárias e linguísticas entre os dois países ibéricos. Se nos referirmos especificamente aos séculos XVI e XVII, o estudo da tradução entre ambas as línguas ibéricas pode fornecer-nos chaves fundamentais para entender os fluxos e refluxos da literatura hispânica dos séculos de Ouro, assim como fenómenos da magnitude do denominado bilinguismo literário luso-castelhano em Portugal. A maior proximidade estrutural entre ambas as línguas, portuguesa e castelhana, nesse período histórico do que hoje, facilitou que muitas obras circulassem em território português em língua castelhana, e que nela fossem lidas e integradas na cultura portuguesa. São conhecidos vários casos significativos de circulação de obras escritas em castelhano— ou traduzidas para esta língua de outras línguas europeias— no Portugal dos séculos XVI e XVII e que não precisaram de ser vertidas para português para ser massivamente consumidas. Durante o período do bilinguismo luso-castelhano em Portugal, os livros em castelhano eram massivamente lidos, mas também com frequência editados e mesmo escritos nessa língua pelos próprios portugueses. Contudo, não faltam traduções de espanhol para português nesses séculos. E isso porque verter para a língua própria não tinha apenas o objetivo de possibilitar a leitura de uma obra estrangeira, mas, especialmente ao longo do século XVI, o exercício da tradução concebia-se como o meio idóneo para enriquecer uma língua em pleno processo de expansão funcional. A atividade de tradução é reclamada em 1540 pelo gramático e humanista João de Barros, no seu famoso Diálogo em louvor da nossa linguagem, onde reivindica a tradução como meio necessário e urgente para enriquecer a língua portuguesa, como antes tinham feito, segundo nos diz, toscanos, franceses e espanhóis, enquanto que os portugueses se dedicavam mais à conquista de terras longínquas do que à criação de um império de papel. O exercício da tradução nesta época é concebido, portanto, como o meio idóneo para se prover de uma língua rica e maleável, ao passo que se integra a cultura universal no próprio património. A esse intuito responde uma obra como

a Coronica Troiana em Limguoagem Purtugesa, exercício singular de versão para o português de um texto largamente editado em Espanha desde finais do século XV: a denominada Crónica Troyana impressa. Esta versão da Crónica Troyana foi determinante para a difusão do tema troiano na Península durante o século XVI. Constituindo uma refundição da Historia destructionis Trojae de Guido de Columna e das Sumas de Historia Troyana de Leomarte, a primeira edição desta versão da Crónica Troyana vem a lume em Burgos em 1490. Desde esse incunábulo até finais do século XVI, tal versão da história troiana impressa em castelhano conhece outras 14 edições. De uma delas, concretamente da edição de Sevilha de 1527, realizar-se-ia em meados do século XVI a tradução portuguesa de parte da obra em castelhano. Ora, o seu estudo pormenorizado tem-nos permitido avaliar a obra em português como exercício de tradução, mas também nos proporciona dados valiosos sobre o estado da língua portuguesa em meados do século XVI, e sobre a consciência do contraste entre ambas as línguas, bem presente no tradutor anónimo. Os trabalhos neste âmbito resultam, pois, fundamentais para o conhecimento da história literária hispânica, mas também para estudar a consciência linguística sobre as línguas hispânicas e o seu contraste e evolução históricos. ANA Mª G. MARTÍN, professora da USAL de Filologia Galega e Portuguesa

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edição especial: Ser o Outro (sendo nós próprios em silêncio) Honestamente, sei que não sou a melhor pessoa para escrever formalmente sobre tradução. Não possuo estudos académicos sobre esta actividade, não tenho demasiada obra que me inclua no grémio dos tradutores, quer de diáfanos rótulos de champô, quer desse segmento minoritário, tecnicamente chamado tradução editorial, mas vulgarmente denominado, e na minha opinião bem, de tradução literária. Quando estou do outro lado, como leitor, também não sou do tipo que esteja constantemente a escrutinar o trabalho de quem se deu ao trabalho (quase sempre por amor ao texto ou ao autor, sei-o bem, e tão diferente do amor pecuniário) de tornar transitivo, através de outra língua, o verbo

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do outro. Por isso, este pseudoensaio reflecte a experiência de alguém que traduz constantemente por circunstância, atrevimento assumido, amor à arte (em português estaria mais correcto usar a expressão idiomática “por amor à camisola”), por teimosia de querer aprender com os que considera os melhores e, tantas vezes, por necessidade de se apropriar indirectamente, sem retirar o mérito do original ou usurpar os direitos, daquilo que o autor criou. Tive a sorte de crescer exposto a línguas diferentes daquela que mamei no berço. Primeiro o inglês, o meu primeiro amor. Depois o espanhol, o derradeiro amor, aquele que nunca adivinharia que se imporia como língua doméstica e de descendência da minha prol. Pode ser que o tempo ainda me permita estar exposto a outras mais… As primeiras reflexões sobre o acto de traduzir contrastavam versões originais dos filmes de série B da minha juventude com o trabalho visivelmente pudico nas legendas brancas de rodapé, que interpretavam um fuck you por um vai-te lixar. Camuflar o peso da F Word com um suave uso de um verbo transitivo e pronominal (hoje posso usar esta gíria profissional mas na época apenas intuía muito bem os palavrões da minha rua) não me convencia devido ao desfasamento da linguagem com a intensidade de algumas cenas, cuja força residia no recurso ao calão com toda a expressividade de quem o usa!

Igualmente através da música. Principalmente música pesada, um Metal de lâmina exploradora que me abriu mato por entre a selva dos géneros musicais. As palavras que coabitam com melodias intensas significam coisas tão diferentes dependendo do universo linguístico e musical em que se articulam. Os anos 90 foram pródigos para mim nesse aspecto, sem a imediatez da internet, mas de caderno e dicionário na mão. Numa dessas páginas, de orifícios arrancados às argolas escolares, guardei um verso em inglês, de uma banda que apelidam de One Hit Only, os Soul Asylum, cause I’m homesick for the home I’ve never had. Nessa experiência de leitura, de tentativa de entender porquê homesick me soava em português literal a qualquer coisa como “doença caseira”, sem sabê-lo, estava a sentir na língua de Shakespeare uma espécie de “saudades do futuro”, essa coisa que só uma maturidade tardia, o estudo da minha língua-mãe e o mergulhar no saudosismo a ela inerente me podiam ensinar. Já o espanhol e os Héroes del Silencio prognosticavam-me uma condição de Entre Dos Tierras, respeitando a vontade de uma percepção despertada por William Blake anos antes, de viver com, de e entre línguas. Numa existência minada por tantas conjunções, tem-se a constante preocupação de posicionarmo-nos em consciência tanto na vida como numa frase. Nessa mesma canção, tantas vezes ambientada em pistas de discoteca, aprendi a filosofia do “déjalo ya, no seas membrillo y permite pasar, y si no piensas echar atrás tienes mucho barro que tragar”. No entanto, custei a aprender essa filosofia. No meu cérebro pensava que sabia


edição especial:

espanhol e nem sequer esse dialecto, do pragmatismo oficial de querer comunicar, chamado portunhol, dominava. Ecoava-me uma coisa do tipo: “deixa já, não sejas marmelo e permite passar, e se não pensas ir para trás tens muito barro que tragar”. Até nem me soava muito mal. Na região onde cresci de Portugal, o Alentejo, a ruralidade ainda me permitira ter no arsenal de palavreado do dia-a-dia palavras como “marmelo” ou “barro”. Matéria prima da olaria, o barro moldou-nos os costumes e ainda se usa à mesa. Os marmelos sazonais via-os convertidos em marmelada (atenção: não confundir com o falso-amigo em espanhol!) numa tigela de barro com uma folha de papel vegetal por cima ou, tão frequente nas nossas relações sociais, “aquele marmelo”, uma espécie de insulto carinhoso resultante de uma peculiaridade tosca e humorística de quem era alvo do mesmo. Muitas vezes me chamaram marmelo, mas este fruto prosaico (dádiva de uma pequena árvore, o marmeleiro, que ajudou, com as suas varas, a disciplinar gerações de rabos traquinas por essa história de Portugal fora) é normalmente amarelo quando maduro, grande, de sabor restringente ao paladar e altamente aromático. O seu potencial perfumado fez com que ainda se usasse na língua como sinónimo de ventosidade. Há anos que não oiço a palavra marmelo usada como fruto de ar residual intestinal. O léxico também morre. Os meus avós que o usavam morreram e esta fruta tão natural como tudo o que o nosso organismo liberta, não encontra sentido neste presente que também se reinventa, e será futuro reinventado, através

da língua. Esta reinvenção ocorre num turbilhão tão ruidoso que se confunde histriónico com silêncio. Isso ouve-se na palavra escrita, aquela que mais facilmente ecoa na memória. Até para um hispanofalante, estes versos de barro e membrillo são difíceis de entender. O contexto, os regionalismos, substratos linguísticos do passado, neste caso possíveis resíduos do aragonês, tudo o que o uso da palavra subentende, determinam o que o autor quer transmitir. Hoje, consciente do barro e de membrillo ainda me revejo na filosofia destes heróis, voltando a traduzi-los na língua de Camões: “deixa isso já, não sejas teimoso e deixa passar, e se não pensas chegar-te para trás tens muita lama que engolir”. O discurso poético tem destas coisas. Aí reside a sua grandeza, a sua liberdade consciente. Traduzo barro por lama porque gosto da imagética forçada pela realidade telúrica, mas se o contexto fosse outro, ou o meu estado de espírito, talvez substituísse lama por sapos. Já engoli tantos, este seria apenas mais um, nada descontextualizado. Sem me socorrer conscientemente da opinião de quem sabe de tradução, nem entrar em definições de tradutor competente (remeto isso para a honradez de quem traduz), sinto que traduzir se resume na vontade de que o outro seja lido

na tua língua, ou numa língua cuja ousadia permite tratar por tu, através do teu verbo. Por outras palavras, aquele que escreve, regra geral, quer ser lido, logo quem traduz quer que o outro seja lido naquilo que sempre será o seu próprio exercício de escrita. LUIS LEAL, poeta y professor de português

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Recuento de monedas Los labios partidos por alguien que aspiraba a ser urgentemente campeón de esgrima, la sangre preciosa de las mujeres cuando erraban su camino y de tanto sollozar las presuponíamos sucias. Las palabras sensatas de quien más te quería y con bastante dolor te golpeaba lo imprescindible solo, tú qué sabes de aquel desbarajuste, atontado. Las veces que perdimos el tiempo arañando proyectos descabellados y posibles, subir a la luna en un cerrar de ojos y allí quedarnos tan campantes, invadir países con muy poco esfuerzo, aprobarlas todas. En ocasiones se encuentra la realidad sobre una mesa soñando que se sueña no sin cierta argumentación, los párpados abiertos y ardiendo los aguzos, muchachos de vuelta de la fiesta inenarrable de Oterico, y tú, como si nada, atento únicamente a tus visiones. Los miembros del cuerpo postergados a servir de estorbo si un día nos llegase el temblor de guarecer dentro de su boca gusanos. El amor, ese tormento que no viene más. Las enormes azadas con que escarban el suelo cerca de nuestra casa cada invierno y, de noche, se escuchan linternas, o son niñas de vientre hendido por un grandioso rayo escarlata. Las grietas profundas de las cosas, si acaso.

Luis Miguel Rabanal

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Mais-que-perfeito Pinta uma linha que sirva de horizonte. Pinta uma casa. E põe-lhe chaminé. E fumaça em volutas; está habitada. Põe-lhe porta e janelas. E um caminho que saia dessa casa para vir até nós. Sim, duas linhas onduladas, primeiro quase juntas, que se vão separando até chegarem à beira da tua folha. Desenha uma árvore; e um arbusto com flores. E o sol: uma circunferência com risquinhas nesta parte de cima, que é o céu. E agora pinta um homem no caminho; põe debaixo: Papá. Pinta uma rapariga; vai com ele de mãos dadas. Escreve: Esta sou eu. Perfeito. Fiquemo-nos aqui, assim, no teu desenho. Para sempre a querermos. Para sempre no teu mundo de papel e de sonhos. Tu, sem cresceres. Eu sem minguar. Mais-que-perfeitos.

José Antonio Vallejo

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“[...] Agora que os deuses partiram, e estamos, se possível, ainda mais sós, sem forma e vazios, inocentes de nós, como diremos ainda margens e como diremos rios?”

Manuel António Pina Ainda há um homem, só um que sabe dizer os rios. Tem a boca grande como a morte e dos seus dentes, a tremer nascem os rios mais antigos os que morreram também nus aguardando um sentido. Quando o homem que diz rios e a mulher que fala margens se encontram num olhar leve voltam os mortos. Os rios só crescem para o passado tal como os deuses.

Pablo Javier Pérez

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Las cartas de amor entre Fermina Daza y Florentino Ariza en la novela, El amor en los tiempos del cólera de Gabriel García Márquez MARTHA PATRICIA CHAVES Profesora de Español de la Universidad Sénior Contemporânea do Porto

Introducción

Este año lectivo de 2015 decidimos conjuntamente con los alumnos, leer el que se considera el segundo libro en importancia dentro de la obra del nobel colombiano afirmado por él mismo, y su biógrafo Gerald Martin. La novela está basada en la historia de amor de sus padres, ocurrida en la Costa Atlántica colombiana. El proyecto que decidimos realizar, fue una idea que como profesora surgió durante la lectura, ya que en varios momentos Gabo, hace referencia a las cartas que se intercambiaban entre los personajes principales y no aparecen de manera explícita. Fue así como nos imaginamos el contenido de las cartas de amor entre Fermina y Florentino y nos dimos a la tarea de escribirlas, a partir de una técnica de escritura creativa, orientada por unas palabras clave propuestas por mí, tales como: ventana, encaje, mirada, flores, libro, perfume, sueño, amor, ternura, manos, suave, lágrimas, corazón. Estas palabras, les permitió inspirarse a los alumnos e intentar “encarnar” los personajes. La escritura fue rápida, hecho que nos sorprendió mucho tanto a ellos como a mí. Cada carta expresa la personalidad de cada alumno y lo que podía sentir, a partir de su propia experiencia amorosa. Hay unas cartas sencillas y cortas pero llenas de ternura; otras son concretas y explícitas y otras tienen una carga poética y emocional profundas. Posteriormente, corregí las cartas y el producto es esta hermosa colección de cartas que además fue presentado en la sesión de cierre de actividades de la universidad, con mucho éxito. Espero que las disfruten de igual manera como yo lo hice cuando las leí y me fueron entregadas como regalo de navidad dentro de una caja con un lazo de seda y encaje con tres rosas blancas. Los autores de las cartas de Fermina Daza y Florentino Ariza son (por órden cronológico): • Francelina Seabra • Sofia Alçada • João Carlos Alçada • Balsamina Padeiro • Manuela Cruz • Cândido Machado • Dinis Costa • Miguel Vieira • Domingos Lopes • Joaquim Travassos • Angela Maria Mota • Helena Cruz • Maria Luisa Sousa • Zulmira Borges • João Aires de Sousa • Maria Júlia Caldas

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Oficina de Teatro, Línguas, movimentos: sobre o trabalho cénico do LAPELIPOSA por Hugo Milhanas Machado LAPELIPOSA = Laboratório Performativo de Língua Portuguesa de Salamanca Roberto Martín Num mundo onde o fácil e rápido parece um valor inquestionável, a proposta performativa do Lapeliposa aparece como uma ação revolucionária que tira o espetador da sua zona de conforto e fá-lo interpretar, pensar e tomar consciência das suas emoções num processo que põe, tanto o público como os atores, mais perto da liberdade. O poeta, dramaturgo e professor de filologia portuguesa Hugo Milhanas Machado teve a amabilidade de vir passar uma tarde com os estudantes de português da EOI de Valladolid para partilhar uma das suas paixões: a maneira de entender a interpretação de Lapeliposa. Depois de assistir, com muita atenção, a uma aula nada habitual, que contou com a apresentação de um colega sobre desportos e atividades caninas, o professor Hugo iniciou o seu discurso. Foi uma casualidade, no entanto parecia apropriado que os momentos prévios a uma oficina como a que se ia seguir fossem ocupados por algo tão pouco comum numa sala duma escola de idiomas. Após a apresentação na qual a professora D. Concha falou das múltiplas facetas do convidado, como a de, há mais de 10 anos, ser professor de filologia portuguesa (apesar de sua juventude), recentemente doutorado, ciclista apaixonado, poeta, radialista,... começou a intervenção de Hugo na qual ele expressou a sua admiração por aqueles interessados no idioma português e pela paixão de pessoas como a Concha, com

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iniciativas como a de esta revista. Como contextualização dos exercícios da oficina performativa que se seguiriam, o professor Milhanas Machado apresentou Lapeliposa, não como um grupo de teatro, mas como um laboratório (como o seu nome sugere); um local de trabalho, um local onde experimentar a interpretação e o uso de gestos para a expressão poética de conceitos e sentimentos promovido pelo Departamento de Português da Universidade de Salamanca e enraizado na cultura e na língua portuguesa. Não surpreendentemente, o atual logótipo, representa a forma de um peixe, que o remete para a história marítima portuguesa, mas vem principalmente de seu mais recente espetáculo “Catedral”, que tem como protagonistas dois peixes. E, assim, foram-se misturando imagens de exercícios e performances de Lapeliposa com convites para o público participar em algumas das rotinas de trabalho do grupo.

Problemas com os artigos O nome Lapeliposa (acrónimo procedente de Laboratório Performativo de Língua Portuguesa de Salamanca) é, às vezes, mal interpretado como duas palavras: La Peliposa. Da mesma maneira, o título da sua última peça: “Catedral”, foi tomado por um erro e imprimiu-se nos cartazes como “La catedral”.

Alguns destes exercícios são destinados a despragmatizar a nossa relação com os objetos. Todos têm clara relação pragmática com uma cadeira. No entanto, nós seríamos capazes de o esquecer para estabelecer outro tipo de relações artísticas e estéticas com ela? Na oficina presenciamos ações sem um significado claro, mas, precisamente por isso, oferecem uma vasta gama de significados possíveis. De maneira semelhante, podemos descrever a relação entre a linguagem e realidade. O que nos dá a língua no dia-a-dia quase nunca é interessante, nem provoca paixão nenhuma. Portanto, porque “a linguagem não serve apenas para pedir pão na padaria” precisamos de “fazer buracos na língua” (como disse o próprio Hugo) que nos permitam acessar outros registos e possibilidades. Para chegar a isto, exercícios como a procura de palavras improvavelmente associadas a outra pode proporcionar uma reflexão prática para percebermos novas realidades. O professor Milhanas Machado disse que sua associação favorita com a palavra “cadeira” era a da palavra “janela”.

Cadeira-janela. A forma de trabalho de Lapeliposa parte duma relação criativa com os objetos, duma negociação do relacionamento que temos aprendido com eles. Enquanto imagens de peças de Lapeliposa passavam no ecrã, Hugo comentava que “ele não quer ver as pedras da ponte ou os arcos, ele quer sentir a ponte por meio do corpo”. Esta forma de entender a interpretação provém de influências tais como o


Teatro pobre de Jerzy Grotowski, Peter Brook e seu “Empty Space” e propostas de Roberta Carreri. Dentro desses paradigmas, experimentamos práticas como caminhar uma curta distância em um tempo anormalmente longo, interpretar golpes numa cadeira, procurar ações associadas ao conceito de janela, ou promover encontros improváveis entre duas pessoas,... Uma das muitas reflexões que surgem ao contemplar esta abordagem é a forte oposição dessas propostas com a educação formal hoje, onde a relação com a realidade (especialmente com a linguagem que a define) é tão rigorosa e académica. Se formos capazes de ter outras relações com a realidade, as relações com as outras pessoas seriam as mesmas? A nossa sociedade seria igual? Há espaço no ensino para ler as palavras de um poema de forma desordenada e alterar a ordem dos versos como num exercício que propôs Hugo? Por momentos, a sessão centralizou-se na análise de imagens de peças de Lapeliposa, como a recente Catedral. Uma experiência cénica que transcende os limites da plateia e que tem como elementos centrais dois peixes, mas renuncia às soluções fáceis para convencer o público de que eles são peixes. Em vez disso, duas atrizes se contorcem no chão imitando os movimentos de um peixe para, através da tensão e o movimento, sugerir a ideia aos espetadores. “Se eu disser cadeira, acaba lá. A dúvida permite crescer”, expôs num ponto o diretor de Lapeliposa. Da mesma forma, passaram diante dos nossos olhos imagens de uma peça exclusivamente comunicada em linguagem de sinais por uma atriz surda-muda (para um público

que majoritariamente nem sequer sabia o que estava a fazer) ou um tributo ao Blackstar do David Bowie. O que nos espera no futuro Horizonte montado? Vamos vê-lo em maio. De acordo com a linha do indicado anteriormente a respeito da educação, surge a questão do que se passaria se os grandes passatempos de massas não ofuscassem outras propostas e fosse formada e estimulada a participação ou assistência a interpretações como estas? Considerando que, na sua abordagem, está implícita a procura da liberdade para brincar ou recordações de infância, qualquer poderia pensar que uma sociedade que foi liberada para brincar não seria funcional. Calma, “há tempo para tudo”, diz Hugo. Além disso, é esta sociedade muito funcional? Já perto do final da sessão, na roda de perguntas, muitas das intervenções aludiram ao personagem de Hugo e seu duplo papel como professor universitário e diretor em Lapeliposa. O caráter inusitado do personagem e das propostas despertou o interesse e a curiosidade do público e estimulou o intercâmbio de ideias e memórias de emoções e experiências de vida. Esta não foi a primeira palestra de Hugo Milhanas Machado, na EOI de Valladolid. O seu relacionamento estende-se por mais de cinco anos em que o autor luso já visitou a escola, em várias ocasiões, para tratar imagens contemporâneas de Portugal, para levar a cabo uma defesa da língua portuguesa e para participar em diversos debates sobre a língua e cultura lusófona. Certamente esta não será a última. Depois de cada uma delas, os alunos sempre perguntam quando vai voltar.

Hugo Milhanas, quem é? X Lisboa, 1984 X Professor na Cátedra de

Estudos Portugueses (Camões, Instituto da Cooperação e da Língua) e da Graduação em Estudos Portugueses e Brasileiros da Facultade de Filologia da Universidade de Salamanca

X Apaixonado da bicicleta X Diretor do programa radiofónico

Historias de la música portuguesa em Radio USAL

X Escritor, poeta e ensaísta X Diretor de LAPELIPOSA X Blog pessoal:

hmmachado.blogspot.com.es

A caminho da cama Hoje que se deitou cedo se chovia que maravilha estamos afinados. Que se dormiu pouco que tanto fazia vem por aí gente que se conhece e juro que alguma palavra me aborrece assim deitada junto das outras e perguntam se estão bem se é aqui e se não tem no texto mais ninguém que não querem no texto mais ninguém e o que na boca acontece a minha e a tua bem de ver que parece que andamos à turra mas estamos apenas a caminho da cama gostamos do engano desta trama minha e dessa trauma tua se não me engana agora que se se deitou cedo e chovia e combinamos jantar mais logo telefonas tu e telefono eu.

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Guilherme Gomes e Salvador Sobral, dois jovens talentos DIANA PIMENTA Portugal tem talento! E não me estou a referir ao programa de televisão, que por acaso tem alguma relação com o tema deste artigo, mas sim a dois jovens que têm um engenho admirável. Apresento-vos o Guilherme Gomes e o Salvador Sobral. Guilherme Gomes, o poeta, é natural de Viseu e estudou teatro e cinema na ESTC, em Lisboa. Com apenas 17 anos, surpreendeu o público de um concurso de televisão a encenar e declamar poesia. O poema escolhido: Poema em linha recta de Álvaro de Campos. Confessou ao jornal Diário de Notícias que chegou a ter medo em pequeno de ir ao teatro, porque algumas peças que viu, no Teatro Viriato, o assustaram. O teatro, diz, ajudou-o a ter mais concentração nas aulas. Para quem tiver curiosidade em conhecer este génio que declama poesia com uma força e sensibilidade que consegue prender o ouvinte, Guilherme mantém o canal o www.dizedor.pt onde interpreta poemas de Ruy Belo, José Luís Peixoto, Herberto Hélder e outros grandes poetas. Neste projecto para a divulgação da poesia e da língua portuguesa nada é aleatório, muito pelo contrário as interpretações aparecem acompanhadas de recursos audiovisuais que dão corpo e enaltecem o trabalho final. Para Pessoa tem um espaço independente, no website Odes a Pessoa. Recentemente Guilherme apareceu numa lista de pessoas com menos de 30 anos que se vão destacar em 2016. O motivo? Com apenas 22 anos ser o mais jovem Hamlet do teatro nacional. O fundador do Teatro a Cornucópia, Luís Miguel Cintra levou à cena, em Setembro de 2015, a que provavelmente é uma das maiores peças do repertório teatral: Hamlet, da tradução que lhe entregou Sophia de Mello Breyner “Finalmente, o Hamlet!” Para o papel do príncipe da Dinamarca, escolheu este ator principiante e virou costas à tradição, pois manda que Hamlet seja, por norma, um actor a caminho da consagração.

Salvador Sobral

Sem deixar Pessoa de lado, Álvaro de Campos escreveu: Tenho em mim todos os sonhos do mundo e para Salvador Sobral o maior sonho é viver da música. Este jovem lisboeta de 25 anos tem em comum com Guilherme Gomes o facto de um talent show o ter retirado do anonimato por via da canção, interpretando canções de Stevie Wonder, Rui Veloso e Freddie Mercury entre outros. Em comum têm, além disto, o facto de se destacarem no que fazem: arte! Salvador estudou jazz no Taller de Musics de Barcelona. A Espanha vem com muita frequência, principalmente a Barcelona e Maiorca, mas também à Andaluzia. No seu repertório musical, o jazz convive com os boleros, o swing, a pop e a bossa nova entre outros estilos musicais porque ele não só canta em português como também o faz em espanhol, em inglês e em português do Brasil, segundo a canção que interprete. A sua própria personalidade musical e o seu jeito para imitar instrumentos que nem sequer tem é uma perfeita combinação para as letras de “Bola de Nieve”, Caetano Veloso, Maria Rita, Chet Baker...

Guilherme Gomes

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Permite-me um conselho?

Não desperdice a oportunidade de mergulhar na voz e interpretação destes jovens talentos.


Ana Hatherly CASILDA GARCÍA

Ana Hatherly (Oporto, 1929 - Lisboa, 2015)

Fue poeta, profesora de literatura, especialista en barroco, traductora, ensayista, cineasta, artista, plástica, difusora cultural… todo ello dentro de la vanguardia cultural portuguesa de los sesenta a los ochenta. Conocí y me interesé por su obra gracias a una reproducción de A reinvenção da lectura, un pequeño, pero intenso libro de poesía visual manuscrita, publicado en 1975 y agotado hace muchos años. Esta es una de sus obras de poesía visual publicadas, y en los 19 poemas- imágenes de que consta, tras un prólogo, nos va llevando de la escritura de palabras manuscritas apiladas como en un poema, y sus repeticiones, a la ruptura de la linealidad de los textos y finalmente al dibujo pleno. El final del libro, hay un índice en el que se da nombre a cada poema-imagen. Escueto e intenso, se puede ver en la web www.po-ex.net, junto con otras obras de poesía visual y concreta y otros textos de y sobre la autora. La conjunción entre la escritura y la imagen en Ana Hatherly queda patente en A mão inteligente, que en su formato libro es un catálogo de su obra plástica, y como film es un documental de Luís Alves de Matos, de 2003, que recorre esta obra y su filmografía y los intereses de la artista y poeta, de los que ella habla con gran entusiasmo y energía. Me resultó especialmente emotivo el momento en que muestra en la Lisboa de la época, su fascinación por las pintadas y grafittis, entrando a continuación en una tienda donde compra a unos jóvenes spays para hacer ella sus propios grafittis.

A reinvenção da leitura - Il n’y a de gratuit que la mort, comme chacun sait

Ese interés por la cultura popular y lo que las paredes nos dicen, se muestra también en uno de sus cortos, experimentales, Revolução, de 1975, sobre la Revolución de los Claveles: con el sonido de fondo de manifestaciones, mítines y el Grândola, Vila Morena, se van sucediendo barridos de la cámara por las pintadas y los pasquines y carteles políticos de las paredes y sus bellas superposiciones y desgarraduras. Otro interesante film con una acción o performance suya es Rotura, de 1979. Una de sus obras más conocidas es 463 Tisanas, un conjunto de textos de prosa poética, reflexiones y pequeños aconteceres, que Ana concibió como un work in progress y que por tanto fue creciendo desde sus primeras 39 Tisanas de 1969, hasta llegar a la última edición de 463 tisanas de 2006. Su poesía me llamó la atención por el interés sobre el lenguaje, la palabra y la comunicación, sus reflexiones sobre el hecho del arte y el artista, como en A Idade da Escrita, Um calculador de improbabilidades, O Pavão Negro, Rilkeana o Fibrilações. Es en resumen, una interesante e intensa poeta y artista de gran intensidad a la que volver a visitar una y otra vez en sus múltiples obras.

Carta cheia de esperança - A reinvenção da leitura

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Um passeio com José Luís Peixoto GOYI PLAZA É no Alto Alentejo, onde o narrador, poeta e dramaturgo tem as suas raízes. Tentando lá situar-me, vou fazer um percurso a pé com o escritor que deu Galveias a conhecer ao mundo. Para falar de um dos autores portugueses mais traduzidos no mundo com um olhar o mais atento e esclarecido possível, respeitando os seus valores locais e de certeza, os universais, são necessárias restrições importantes. Eu vou limitar-me aos romances e concretamente a três pontos chaves, reiterados nos seus relatos: a figura do pai, o tempo e o espaço. Ao ler-se a intensidade dos romances de Peixoto, entra-se numa viagem onde as vivenças e emoções levam sempre ao interior de umas outras viagens porque nos relatos e nas suas partes, tudo se intercepta, tudo se cruza numa estructura metafórica, poética.

encontrá-lo-emos em obras posteriores.

“Rostos tornados desconhecidos, desfigurados na minha certeza de perder-te, no meu desespero desespero”. “Sem ti e sempre contigo”[.. ] “ficaste todo en mim. Pai. Nunca esquecerei”. “Quando o meu pai morreu, morreu a vida na casa”. (Uma casa na Escuridão). O pai converte-se, nos livros de Peixoto, em um motivo narrativo muito poderoso. Uma metáfora que se expande em várias direções: sonho, iniciação e revelação.

“Então, pensava que havia uma parte do meu pai que permanecia em mim e me entregava aos meus filhos para que permanecesse neles”.

(Nenhum Olhar). É o desejo de recuperar o impossível.

“O teu pai iria ficar tão feliz se aquí estivesse. Foi nesse momento que tudo encontrou um sentido dentro de mim. O meu pai”.

(Cemitério de Pianos). O pai é o sentido pleno.

Mas sobretudo, em Peixoto, o tempo e um fôlego que acompanha certa desesperança dos personagens, é a sua alma. É relatar, deixando ao tempo a tarefa de se “esculpir” em território impreciso e inexplorado.

“.. o silêncio a nascer sem existir”

(Cemitério de Pianos).

Penso que não é um exagero afirmar que nos romances de Peixoto, o tempo pode ser a personagem mais invisível e mais terrível.

“E o cansaço era um rio porque o cansaço era o tempo a passar” (Cemitério de

Pianos)

Os romances de Peixoto estão cheios de microenredos e os textos centrados no presente, e nas primeiras pessoas. O tempo e o espaço formam um díptico, um duo em que o tempo se subjuga à enunciação do espaço.

O tempo

A figura do pai Surge já na primeira obra de Peixoto, Morreste-me. Relata de forma intensa a morte do pai. O próprio autor considera-o o livro da sua vida e com o pretexto de falar sobre o luto, a perda, faz um livro de amor. É uma belíssima obra. Associa o literário à biografia, fazendo uma invocação pessoal e enunciativa. Esta obra, não frequente na literatura portuguesa, está próxima da elegia. Dominam as paixões e a expressão dos sentimentos. Ao mesmo tempo, tem um clareza e simplicidade lexical e sintáctica. Os factos reais e os narrativos vivem em mundos distintos. Na literatura portuguesa, Morreste-me é um manifesto único do corpo que sente e também da intensidade e autonomia da linguagem que a acompanha. Pode ser entendido como uma matriz da obra de Peixoto. A figura do pai aparece como encarnação viva de uma intimidade ímpar e fonte de criação, com impacto no futuro. Isto é,

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Os livros reflectem o nosso tempo e também dá-se o paradoxo de uma intemporalidade óbvia, é como se todas as gerações convives sem num mesmo tempo. “Esse tempo que existia fora dos dias” (Antídoto). Pode ser narrativo ou da história, mas o tempo que se revela nos romances de Peixoto é de natureza diferente. Muitas vezes, surge como a encarnação de um personagem específico que se pensa a si próprio e se identifica com partes significativas do relato. Aparece como uma espécie de dom autónomo que interfere na organização dos enredos. Em Cemitério de Pianos, o tempo da espera é um dos componentes mais ativos de todo o relato. “O tempo passava embaciado pela luz, distorcido pelos rostos” (Cemitério de Pianos). “Esperar a sua morte onde permanece é a sua forma de caminhar no tempo” (Nenhum Olhar).

O espaço Se se reserva ao tempo uma lógica de natureza espontânea, cabe ao espaço um papel de contrapeso, de moldura flexível que encaixa a mobilidade da cena. Por exemplo, em Nenhum Olhar, o espaço é um todo envolvente. “O campo. O sobreiro grande. Que sombra estará agora debaixo do sobreiro grande?”. “A planície é velha de muito ter visto” “Os sobreiros que se vêem daqui curvam-se o mais que podem sobre a terra”


“A Adelaida só soube que ia para França, quando a camioneta parou debaixo de um sobreiro” [.. ] “Abraço”. É puro Alentejo é

a sua pura vida, escreve sobre si próprio com um abraço aos leitores. O segundo capítulo intitula-se Pai e filho. “Muitas vezes vi o meu pai estender

No romance Uma casa na Escuridão, a construção do espaço acompanha todo o simbolismo, como se cada lugar fosse sempre a projecção de um outro ”a neblina no corpo gigante da montanha” “Vi a parede subir até ao tecto. A noite começou a entrar pelos vidros da janela” Em Cemitério de Pianos: “Era a

nossa casa”, “.. as paredes cobertas de serradura e de pó”. “O céu desfaz-se sobre Estocolmo”.

Neste romance, a passagem entre Estocolmo e Portugal tem uma ligação tão ambígua como curiosa.

Neste parágrafo, é imprescindível assinalar a grandíssima importância que na narrativa de Peixoto tem o Alentejo. E neste aspecto, é digna de menção à sua própria vila, Galveias, que há pouco tempo, no 2014, tem merecido o título dum livro. Neste romance coral, Peixoto, mais uma vez diz que “o tempo é o material mais forte de todos” e dá os por menores todos dos costumes rurais, do gosto pela terra com a reivindicação certa dos valores e expõe todos os palcos reais: Galveias, Ponte de Sor, Estremoz, Ervideira, Évora, Avis… Mas também, Galveias é uma parte importante nos espaços de: Nenhum Olhar, Cal, Livro: Narra-se a história que viveram os seus pais e muitos outros portugueses, a da emigração para França nos anos 60.

a mão direita para crianças, até para mim [.. ] e dizer: Dá cá uma tanganhada”.

Um outro capítulo chamado Galveias mesmo, onde Peixoto nomeia com nomes e alcunhas os vizinhos. Morreste-me, Cemitério de Pianos, Uma casa na Escuridão. Mesmo em Dentro do segredo, uma viagem na Coreia do Norte, às vezes, fura-se a paisagem alentejana. E no final do livro, o autor disse, quando já estava a voltar: “O meu mundo passou a fazer mais

sentido. Acertei uma espécie de relógio que não mede apenas tempo”.

No seu último romance, Em teu ventre e ainda que tenha temporalidade e espaço específicos, deixa uma janela aberta as oliveiras alentejanas, tratando da maternidade e com o seu pessoal estilo lírico-poético, dá a mãe o protagonismo.

Finalmente, há tanta coisa para analisar nos romances de Peixoto, que isto é, apenas um esboço, e ficam muitos valores que terão que ser contados numa outra vez. Para concluir, faço-o com palavras do autor, que penso sejam representativas da sua escrita e da sua própria personalidade: “Não há nenhuma praça em Belo Horizonte com o tamanho do terreiro de Galveias”. “Mas a riqueza principal de Galveias são pessoas. Ai, menina, a minha terra é rica de tanta gente boa”. “Galveias sente os seus. Oferece-lhes mundo, ruas para estender em idades. Um dia, acolhe-os no seu interior. São como meninos que regressan ao ventre da mãe. Galveias protege os seus para sempre”. (Galveias).

“Todas as pessoas têm direito a descanso, menos as mães. Para cada tarefa, profissão ou encargo há direito a uma folga, menos para as mães”.

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O que nos vae acontecer, la caricatura comunera de Bordallo Pinheiro ¿Qué tiene que ver una serie de personajes, a priori, totalmente inconexos, de diferentes épocas y espacios, como son los Comuneros de Castilla, el pintor decimonónico valenciano Antonio Gisbert y Bordallo Pinheiro, el creador del icónico Zê Povinho, caricaturizada imagen del ser portugués?

David Mota Óleo sobre lienzo pintado en 1860, participa en la Exposición Nacional de Bellas Artes de aquel año, donde obtuvo la concesión de una Medalla de Primera Clase, decisión que levantó fuertes protestas entre el público, que lo consideraba merecedor de una Medalla de Honor. El jurado, mayoritariamente de ideología conservadora, creyó ver en la obra de Gisbert una dura crítica a la monarquía isabelina y recriminó su exaltación de las libertades. El debate sobre la obra adquirió tintes políticos. Salustiano Olózaga, expresidente del consejo de ministros y miembro de la Real Academia de la Historia, como acto de reparación con Gisbert, llega a convencer al Congreso de los Diputados para que adquiera la obra por la más que considerable cifra de 8.000 reales. La obra representa el momento del ajusticiamiento de Juan de Padilla, Juan Bravo y Francisco Maldonado, principales dirigentes comuneros, el 24 de abril de 1521, al día siguiente de Villalar. El patíbulo fue ubicado en la plaza de la localidad frente a la iglesia, cuya silueta sirve de fondo a la composición. El cuadro puede contemplarse como una secuencia de imágenes donde se representan las tres etapas de una

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ejecución; la subida al cadalso, representada por Maldonado, acompañado por un fraile anciano que empuña un crucifijo. Los preámbulos de la ejecución, personificados en un digno Padilla, que viste ricos ropajes, y al mismo tiempo que escucha con entereza los consuelos de un dominico que señala con sus manos al cielo, aguanta con firmeza la visión del cuerpo degollado de su compañero y aguarda, con los brazos cruzados, a que le llegue su hora. Por último la ejecución, con el cuerpo de Bravo decapitado, yacente en el suelo, que está siendo desatado por uno de los verdugos. Padilla, es el eje de la composición alrededor del cual se distribuyen el resto de personajes de manera equilibrada. La perspectiva se plantea de abajo a arriba, pues una vez colgado el cuadro a cierta altura el público tendría una visión del patíbulo idéntica a la que hubiera tenido estando presenta aquel día. Además, Gisbert coloca el cuerpo sin cabeza de Bravo justo a la altura de los ojos del espectador lo que lograría mayor emoción y empatía. Da buena cuenta del dominio de las proporciones y de los escorzos, como el verdugo que desata las muñecas o el cadáver del comunero degollado. Así como de la perfección del dibujo y el magistral dominio en la reproducción de los paños. Se suele repetir hasta la saciedad que Portugal e Espanha viveram de costas voltadas a lo largo del siglo XIX y tal vez, deberíamos, cuando menos, matizar, sino cuestionar esta afirmación tan rotunda. Si escarbamos con atención solemos encontrar un número más alto de relaciones culturales peninsulares de las que a priori pensamos. Muestra de ello es lo siguiente. Zé Povinho

Bordallo Pinheiro publica O que nos vae acontecer. Parodia do quadro Los Comuneros de Castilla en el satírico O António Maria el 10 de Abril 1884. El medio que lo acoge ha tirado su primer número el 12 de Junio de 1879. Debe su nombre al político António Maria Fontes Pereira de Melo (1819-1887), probablemente la figura más destaca de la Regeneração, quien será repetidamente caricaturizado en sus páginas. Retrata de forma irónica el ambiente político y los principales protagonistas de un caduco Rotativismo, inclinándose hacia el republicanismo. António Maria consiguió reunir a un grupo heterogéneo de colaboradores como el poeta Guilherme de Azevedo, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, Alfredo Morais Pinto, João Broa, Emílio Pimentel, etc. Bordallo utiliza el mito de los comuneros como defensores de la libertad política. Entroncando claramente con la historiografía romántico-liberal española, para los que Villalar sería el “último suspiro de la libertad” antes de la llegada del ominoso Absolutismo de la foránea casa de Austria. En la derrota de este movimiento se hallaría el origen de la decadencia de España. Ecos de esta interpretación romántico-liberal los podemos rastrear en Portugal en obras como As Causas da Decadência dos Povos Peninsulares, tema que Antero de Quental eligió para la segunda de las Conferencias del Casino (27 de Mayo de 1871). Publicada en folleto, ejerció una gran influencia, sobretodo en Oliveira Martins, quien escribió la História da Civilização Ibérica (1879). La caricatura es también una alegoría de la libertad de expresión y de la libertad de prensa. Prensa en la que se incluye, la republicana, que estaba sufriendo en esos momentos la censura y la persecución. Ya el anterior gabinete de Rodrigues Sampaio (1881), había impuesto duras restricciones legislativas a la libertad de imprenta. A ello responde: • Querellados!!! Pressos!!! E afinaçados (200$000). • Enquanto os três “comuneros” sucumbem sob o machado executor da justiça, os espectadores indifferentes assistem ao sacrifício, sem escutarem a voz dos pacientes que lhes brandam do alto do patíbulo: Preparai-vos, irmãos! Hoje por nós, amanha por vós...


Los comuneros Padilla, Bravo y Maldonado en el patíbulo

Hemos de recordar que O António Maria había parodiado en otra pintura célebre como La Última cena de Leonardo (Marzo de 1883) al poder judicial, lo que le supuso la apertura de un proceso judicial. O António Maria, se representa como comunero decapitado (Bravo), por la reforma del Código Penal, (propuesta, ese mismo año de 1884, por el Ministro Lopo Vaz de Sampaio, que replanteba substancialmente las disposiciones del Código Penal de 1852), es presentado a la Carta Constitucional. En una horca entre velas, la Carta Constitucional parece moribunda, como si su tiempo ya hubiera sido agotado. En 1881, Fontes fue encargado de organizar un nuevo gobierno con la misión principal de modificar con un nuevo Acto Adicional la Carta Constitucional. La propuesta es de enero de 1883 y se promulgará finalmente en 1885. Después de la muerte de D. João VI (1826), D. Pedro IV otorga la Carta Constitucional. Deja de estar en vigor con el absolutista D. Miguel (1828-1834). la “Revolução de Setembro de 1836” restaura la Constitución de 1822 hasta la aprobación de la de 1838. Desde el golpe de estado de Costa Cabral (1842) hasta 1910, con la instauración de la República, sería el último período de vigencia de la Carta Constitucional. Los republicanos habían utilizado los resquicios que le ofrecían la Carta Constitucional y el Código Civil para tener visibilidad y poco a poco había apostado por sociabilizar las ideas republicanas.

O que nos vae acontecer

Bordallo no exageraba en absoluto, en lo de la decapitación, la primera etapa de O António Maria pronto llegaría a su fin, tan sólo un año después, en 1885 cerraba. En la parte central de la escena un republicano con gorro frígio (Padilla) se mantiene firme y digno frente a las persuasivas palabras de un D. Luis I, rey de Portugal entre 1861 y 1889, disfrazado del político Fontes Perira de Melo, que trata de convencerlo para la causa monárquica. Frustrada la Comuna de París y finalizada la Primera República Española, Fontes Pereira de Melo ofrecía al rey D. Luís I seguridad frente a las veleidades revolucionarias, convirtiéndose así en el político predilecto de palacio. El disfraz tampoco es casual aquí. Abajo, la mirada de los miembros de las Cortes (al fondo, su sede, São Bento, que en 1834 había sido desamortizado), apelando a la conversión de otras publicaciones republicanas. La parodia menciona en los ropajes del fraile que acompaña al condenado al patíbulo (Padilla) el Protesto de 18 de Fevereiro de 1850. El 1 de Febrero de 1850, el gobierno de Costa Cabral presenta la propuesta de la Lei das rolhas. Las numerosas sanciones que establecía, en la práctica, restringían por completo la actividad de los escritores y periodistas. Contra esto reaccionan en nombre de la libertad de pensamiento y en contra de la censura, los principales intelectuales de la época, Garrett, Herculano, Latino Coelho, Lopes de Mendonça, etc., con un manifiesto público

el día 18 de Febrero. En dicho manifiesto también figuraba el político Fontes Pereira de Melho. La mordaz andanada de Bordallo no es en absoluto gratuita. Mientras, O Século, comunero en la parte inferior con birrete republicano (Maldonado), espera a ser ejecutado, mientras un fraile le ofrece un cubierto entero con que digerir mejor el plato. O Século es un periódico que surgió a rebufo del Tricentenario de Camões. Su primer número es del 4 de Enero de 1881 y durará hasta 1911. Desde el inicio había tratado de articular una dirección nacional para coordinar las diferentes regiones (Lisboa, Coimbra, Oporto, etc.) y las distintas sensibilidades del partido republicano. Sebastião de Magalhães Lima sería durante muchos años su redactor principal. En dicho medio colaboraron Teófilo Braga, Sampaio Bruno, Guerra Junqueiro, etc. Los mártires comuneros frente a la autoridad imperial de Carlos V, iluminan a los republicanos decimonónicos portugueses contra el poder monárquico, como también habían reivindicado los republicanos españoles. Los comuneros castellanos se convierten en adalides de la Libertad a lo largo de buena parte del siglo XIX. Liberales exaltados, progresistas, demócratas, republicanos y hasta socialistas colaboran en la mitificación de los comuneros, sirviéndose de espejo en el que luchaban contra los adversarios de su época. Incluso algunas logias masónicas honraron con su nombre a los Comuneros de Castilla.

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A minha amiga Lizete, uma luta pelos direitos humanos LIZETE MARQUES Pedagoga, Secretária de Escola e Diretora de Legislação da “AFUSE-Sindicato dos Funcionários e Servidores da Educação do Estado de São Paulo”

MARÍA MARRÓN A realidade do sistema educacional no Estado de São Paulo Observamos há muito a precarização da educação pública do Estado de São Paulo, onde desempenhamos nosso trabalho há 25 anos, e sabemos que isso é consequência de uma série de fatores que se acentuou com a implantação do neoliberalismo, a partir dos anos 80, e sua ideologia mercantilista que tem orientado a política educacional brasileira, principalmente a paulista, que com a sequência de governos neo liberais nos últimos 20 anos teve a educação pública visivelmente sucateada. O governo vê o ensino como uma mercadoria, imposta através de pacotes, ditos educativos e avaliações que não cumprem seu papel de ser um instrumento direcionador das políticas educacionais para a melhoria da educação, funcionam apenas como um ranking, uma competição entre escolas. Essas ações são feitas sem considerar fatores importantes para o ensino-aprendizagem como a realidade escolar, as condições de trabalho, a formação dos trabalhadores das unidades escolares, principalmente os não docentes, entre outros. Esse sistema educacional falho tem

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beneficiado a formação de um abismo cultural que compromete o exercício da cidadania e fortalece a desigualdade. Atualmente no Estado de São Paulo temos de 5.068 escolas públicas, cerca de 223.000 mil professores e 49.000 funcionários administrativos que atendem cerca de 4.000.000 de alunos, números grandiosos! No entanto, com raríssimas exceções, essas escolas tem uma infraestrutura básica, quase elementar, muitas vezes... faltam giz e lousa, algumas não tem acesso à internet, não possuem laboratórios de ciências, as bibliotecas são salas improvisadas, assim como as salas de informática que possuem números insuficientes de máquinas e não estimulam às pesquisas, não existem profissionais preparados para o atendimento aos alunos, não há manutenção das quadras de esportes e os materiais esportivos se degradam por não existirem locais adequados para sua conservação, não há atenção para um espaço de desenvolvimento motor do aluno e o espaço para o convívio social tem diminuído por conta do alto índice de violência, principalmente em unidades localizadas nos centros urbanos. Somemos a isso salas superlotadas, algumas chegam a comportar 50 alunos, baixos salários dos educadores. A formação com qualidade dos educadores docentes e não docentes não tem recebido prioridade, embora seja sabido que a qualidade dos educadores é fator fundamental para melhoria da educação, existe pouca preocupação em se relacionar de forma adequada as teorias com as práticas e essa desarticulação causa um descompasso entre as limitações das condições de trabalho dos educadores e as necessidades das gerações em formação que rejeitam uma aprendizagem mecânica e fraca, o que faz com que muitos abandonem a escola, causando um débito social. Assim, não podemos deixar de lembrar a frase do filósofo brasileiro Mario Sérgio

Cortela “(...)temos uma pedagogia do séc.XIX, os professores são do século XX e os aluno do século XXI(...)”. Não obstante seja o Estado mais rico do país, diante desse cenário podemos dizer, hoje, que a educação pública no Estado de São Paulo, é de muita quantidade e pouca qualidade, e de forma velada caminha paulatinamente para a privatização, já que os trabalhadores não são valorizados em sua formação e em seus salários. A falta de perspectiva de carreira já deixa lacunas em alguns cargos, é a oportunidade que o governo tem aproveitado, favorecido pela legislação, para terceirizar ou contratar, resistindo à abertura de concursos públicos, mesmo pressionado pelos sindicatos da categoria. Mesmo diante de tanto descaso com a educação pública, em que o governo resiste em estabelecer um plano estadual de educação que realmente contemple a melhoria da qualidade do ensino, não garante os direitos dos cidadãos de ensinar e aprender com qualidade, a medida que as condições de trabalho são inaceitáveis e um aluno termina o ensino médio mal sabendo escrever, ler e interpretar um texto, mesmo assim, nós trabalhadores da educação, nossos sindicatos, alunos e movimentos sociais, recentemente, impusemos uma derrota histórica ao governo quando ele foi obrigado a recuar com a proposta de implantação da reorganização de ciclos, consequentemente fechamento de unidades escolares e remanejamento de estudantes, um claro desrespeito ao processo democrático devido a falta de diálogo com os estudantes e educadores atingidos. Fomos às ruas dizer não ao autoritarismo e estudantes paulista ocuparam as escolas por 56 dias, o que foi determinante para o sucesso do movimento. Isso sinaliza que a esperança não deve ser perdida e que os educadores comprometidos não perderam o foco de lutar sempre para ter uma escola fortalecida capaz de formar um cidadão globalizado, emancipado, com autonomia para construir uma sociedade equitativa na qual todos possam exercer plenamente a sua cidadania.


O realismo mágico na literatura de João de Melo MARGARITA CUETO Escrevia José Saramago, em 1989: “Cada cultura é, em si mesma, um universo comunicante: o espaço que as separa umas das outras é o mesmo espaço que as liga, como o mar, aqui na Terra, separa e liga os continentes.” Considerando a Literatura Comparada como um caminho de intercâmbio constante, percebemos, neste sentido, que a relação da literatura portuguesa contemporânea com a ficção hispanoamericana, e em particular com o realismo mágico, é intensa. Assim, graças a uma tradição comum e a uma transformação permanente, nasce o fenómeno da receção crítica, como um diálogo entre duas realidades separadas por um oceano. O termo realismo mágico foi utilizado, primeiramente, pelo crítico alemão Franz Roh, nos anos vinte, para caracterizar a arte pós-impressionista. Do ponto de vista artístico, a proposta propugnava “representar coisas concretas para tornar visível o mistério que ocultam.” Após um longo percurso, na década de 1960, esta categoria estética atinge a sua maior expressão no boom da literatura hispano-americana, onde o maravilhoso aponta para o insólito, para o extraordinário ou para os acontecimentos que escapam ao curso natural da vida. Atualmente, no cenário das letras portuguesas, merece uma menção significativa a geração literária surgida em 1970, uma geração que revela a existência, na sua escrita, do realismo mágico como forma de retratar o real e mostrar aos leitores que o mundo é mais misterioso do que aquilo que parece. Entre os escritores integrantes desse grupo, destaca-se o açoriano João de Melo (1949), que subverte, nos seus romances, os modelos tradicionais e mergulha nos infinitos recursos da imaginação, enriquecidos com as suas vivências. A infância mitificada em São Miguel, a experiência num seminário e a passagem pela guerra colonial, em Angola, marcaram os temas

do seu imaginário. Melo defende que a literatura nacional tem uma forte tradição fantástica e classifica as suas obras como “etno-fantásticas”, um espaço próprio onde se encontram simultaneamente o fantástico português e o realismo mágico. Ao cultivar este tipo de procedimento narrativo, um realismo mágico particular de inspiração insular baseado na tradição lusa e influenciado pela leitura de García Márquez ou Carpentier, João de Melo explora o extraordinário num mundo ordinário, identifica o invisível num mundo visível, para assim, construir uma visão que eleva tudo aquilo que é mundano. Com O Meu Mundo Não É Deste Reino (1983), Autópsia de um Mar de Ruínas (1984) ou Gente Feliz com Lágrimas (1988) verificamos que, desde a intertextualidade, a presença do fantástico nesta narrativa resulta de um olhar metamorfoseador, que atua sobre as personagens, um espaço mítico e um tempo circular. Sem dúvida, é um processo de revelação do oculto que está já presente no quotidiano, como um quadro em que o sagrado e o profano se confundem.

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Música Dá-me um segundo D.A.M.A. facebook.com/ damamusicoficial

Novidades Livros

Filmes

Os navios da noite João de Melo Ed. Dom Quixote Cartas da guerra Ivo Ferreira

Manual Boogarins boogarins.com Em teu ventre José Luís Peixoto Quetzal Villa soledade Sensible Soccers

O amor é lindo... porque sim! Vicente Alves do Ó

sensiblesoccers.bandcamp.com

Moura Ana Moura anamoura.com.pt

Un cupido asesinao Juan Hache Érice Ediciones

Posto avançado do progresso Hugo Vieria da Silva

Mergulho Filho da mãe filhodamae.bandcamp.com

Inverno Mágico, Volume II António Pinelo Tiza Âncora Editora Para sempre Dengaz facebook.com/originaldengaz

O leão da estrela Leonel Vieira Outras histórias Deolinda deolinda.com.pt

Someday Amália Rodrigues amalia.com

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Rosa Brava Jose Manuel Saraiva Clube do Autor

D. Sebastião e o Vidente Deana Barroqueiro Casa das letras

Jonh From João Nicolau


Eventos culturais em 2016 Festivais de cinema Festivais musicais Rock in Rio Lisboa 19-29 maio Lisboa rockinriolisboa.sapo.pt

NOS Primavera Sound 9-11 junho Porto nosprimaverasound.com

Curtas Vila do Conde 09-17 julho Vila do Conde festival.curtas.pt

Avanca Film Festival 27-31 julho Avanca avanca.com

Sumol Summer Fest 24-25 junho Ribeira D’Ilhas sumolsummerfest.com

Festival de Fado 24-26 junho Madrid teatroscanal.com/ espectaculo/festival-defado-de-madrid-2016

Filmes do homem 02-07 agosto Melgaço filmesdohomem.pt

Queer Lisboa 16-24 setembro Lisboa queerlisboa.pt

Queer Porto 05-09 outubro Porto

Cine’eco 08-15 outubro Seia cineecoseia.org

Super Bock Super Rock 14-16 julho Lisboa superbocksuperrock.pt

Doclisboa 20-30 outubro Lisboa doclisboa.org

Festival MEO Sudoeste 3-7 agosto Zambujeira do Mar meosudoeste.pt

Reverence Festival Valada 8-11 setembro Lisboa reverencefestival.com

Leffest - Lisbon & Estoril Film Festival 04-13 novembro Lisboa e Estoril ffest.com

le-

CINANIMA 07-13 novembro Espinho cinanima.pt

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