JOSÉ VIALE MOUTINHO
LENDAS DAS ILHAS DA MADEIRA E DO PORTO SANTO
lendas Das Ilhas da MADEIRA e do porto santo
título
Lendas das ilhas da Madeira e do Porto Santo coordenação, apresentação e texto
José Viale Moutinho revisão
nova delphi ilustrações
Rev. James Bulwer, publicadas inicialmente no álbum «Views in the Madeiras» e extraídas da obra Colecção de Gravuras Portuguesas. 5ª Série Ilha da Madeira. João Camacho Pereira; Prefácio de Cabral do Nascimento. 1949 (Gentilmente cedidas pela Biblioteca Municipal do Funchal) design
FBA. isbn
978-989-8407-28-3 depósito legal
332277/11 impressão
Guide – Artes Gráficas Lda editora
(Marca Registada) Rua da Carreira nº 115/117, 9000-042 Funchal, Madeira www.novadelphi.com nota à edição
O texto original deste livro foi adaptado às normas do Novo Acordo Ortográfico pelos serviços de revisão da Nova Delphi.
lendas Das Ilhas da MADEIRA e do porto santo narradas por
JOSÉ VIALE MOUTINHO
À memória dos etnógrafos madeirenses António Aragão e Artur Andrade. À memória do Pintor Fernando de Oliveira, meu compadre.
ÍNDICE
11 Dizendo…
ilha da madeira 15 17 18 19
CALHETA Lenda de Santo Amaro Lenda da Barquinha Feiticeira A Luta do Pescador com o Diabo
21 23 24 25 26 28 29 30 32
CÂMARA DE LOBOS Lenda do Cabo Girão Lenda do Bicho Cidrão Lenda da Quadrilha das Ceroulas Brancas Lenda do Santo Servo Lenda da Levada Abandonada O Tesouro da Furneira 2ª Versão do Tesouro da Furneira Lenda da Fonte do Frade
33 35 37 40 41 42 43 44 45 47 48 49 50 51 53
FUNCHAL Lenda de S. Sebastião ou D. Sebastião? Lenda da Capela das Almas Pobres Lenda da Ribeira das Cales Lenda dos Huguenotes 1ª Versão Poética da Lenda dos Huguenotes 2ª Versão Poética da Lenda dos Huguenotes Lenda da Torrente do Monte Lenda do Terreiro da Luta Lenda da Noite de S. Silvestre Lenda da Batata-doce Lenda da Corujeira de Dentro Lenda do Curral dos Romeiros Lenda de Nossa Senhora do Monte Lenda do Cristo do Convento de S. Francisco
(…)
dizendo…
Suponho que esta será, por enquanto, a maior coleção de lendas da Região Autónoma da Madeira. Aos pioneiros Visconde do Porto da Cruz e padre Alfredo Vieira de Freitas decerto devemos as principais recolhas de espécies, a que acrescentaríamos contribuições várias, em que se destacam Fernando de Aguiar, Manuel Ferreira Pio e Ernesto Gonçalves. Todavia importava uma visão de conjunto, em que se trabalhassem algumas variantes. Procurámos fazê-lo, encaminhando as atenções pelos diversos municípios, decerto – apesar da quantidade obtida – não esgotando o tema, mas disponibilizando grande número de lendas para novos leitores. Obviamente, os materiais incluídos neste volume pertencem à tradição oral – discutivelmente chamada Literatura Popular – no capítulo das lendas. Ora o vocábulo lenda provém do latim vulgar e significa o que deve ser lido. É que no início as lendas correspondiam apenas às vidas dos santos e dos mártires e eram lidas em especial nos refeitórios dos conventos. Porém, a conceção avançou com suporte histórico de façanhas e figuras fantásticas misturadas com elementos reais, históricos. E da oralidade anterior à escrita, propagou-se de novo à oralidade, até que, em pleno Romantismo, estes materiais começaram a ser recolhidos e reduzidos a escrito, nas suas diversas versões. – O que é lenda? Esta pergunta formula-se sempre que se toca o assunto e a eterna resposta é que se trata de narrativa de transmissão oral através das gerações que integram factos reais, muitas vezes distorcendo-os levando-os até aos limites da fantasia. E lá nos aparece a fuga do Egito discretamente sugerida como transposta para a Ilha da Madeira, o Diabo fazendo as suas aparições belicosas em pleno Paul do Mar e um bando de velhas endinheiradas investindo, cada qual por sua banda, nas levadas madeirenses! Não falta ainda o rasto dos corsários e os sinais dos povos que se relacionaram com a Madeira – os escravos africanos, os mouros – ou como que uma extensão artúrica no mito sebastianista! Por outro lado, no capítulo do município de Santa Cruz, entendemos por bem transcrever um excelente texto de Maria Lamas, homenageando a ilustre escritora e cronista, de quem se conhece a versão de uma lenda madeirense. 11
(…)
— ilha da madeira —
calheta concelho
lenda de santo amaro freguesia do paul do mar, calheta.
Há muitos anos deu-se uma grande derrocada na montanha sobranceira às águas, a ponto de ainda se verem enormes pedregulhos espalhados no mar, junto à costa. Ora, por isso mesmo esse lugar passou a chamar-se Sítio da Quebrada. Pois reza a lenda que, uns tempos antes de se dar isto, algumas das pessoas da aldeia viram uma figura, em hábito da Ordem de S. Bento, vaguear pela montanha e, de quando em quando, com a bengalinha de vime que usava, soltar umas pedras em direção ao povoado. Tendo esta visão sido tomada como um aviso, imediatamente a aldeia foi esvaziada de pessoas e haveres, que se refugiaram em terras do interior. E estavam todos a salvo quando se deu a tal derrocada, também chamada quebrada. E foi quanto bastou para a tal figura ser identificada com Santo Amaro, que passou a ser o padroeiro na nova aldeia, hoje Paul do Mar, freguesia no município da Calheta. E a verdade é que a 15 de janeiro o Paul tem a sua festa maior, uma romaria com pagadores de promessas a Santo Amaro protetor. Depois, reparem, a imagem dele está no barco onde houver um pescador do Paul por esse mundo adiante.
17
Lenda da barquinha feiticeira freguesia do paul do mar, calheta.
Os grupos corais da vila da Calheta costumam cantar esta lenda em verso: A barquinha feiticeira Vai sulcando o mar irado Enquanto as ondas na praia Nos trazem saudades De um ente adorado Lá vai vagando sozinha A sua vida arriscar Para salvar uma vida Que luta perdida No meio do mar Sacudida pelas ondas Já prestes a naufragar E nela o meu bem-amado Já deve estar cansado De tanto remar Ó Deus de amor e bondade Morreste para nos salvar Faz com que esta barquinha Não fique sozinha Perdida no mar.
18
A luta do pescador com o Diabo freguesia do paul do mar, calheta.
A lenda conta o confronto entre um pescador do Paul do Mar com o Diabo. Importa que estejam atentos à narrativa para ficarem prevenidos caso se vejam metidos numa situação semelhante, livre-os Deus! Pois pela meia-noite, muitos dos barcos do Paul do Mar já tinham regressado a terra, o peixe estava dividido, as conversas rematadas e apenas um dos pescadores ficara ali a fazer as limpezas, que era a sua vez. Os atuns, as cavalas, os chicharros e demais pescados estavam prontos para serem vendidos e trocados, no dia seguinte de manhãzinha pelas peixeiras. O homem trabalhava bem quando escutou um ruído estranho. Um enorme penedo, sobranceiro ao local, pareceu fender-se ainda mais do que se encontrava e precipitar-se sobre a povoação. A noite estava escura, mas ele esforçou-se por manter a calma e verificar o que na realidade se passava. Naquele instante, diante do pescador, ergueu-se a figura de outro homem trajando de escuro, com rosto humano mas muito enegrecido. Um fantasma? O demo? Sem vacilar, o pescador deitou a mão a um facalhão de cortar atum e perguntou à figura: – Que é que você quer? Com uma voz, que parecia vir do fim do mundo, o outro respondeu: – Apenas uma coisa… Porém, o pescador não estava para aturar aquela medonha aparição e atirou-se a ela, atacando-a com a sua arma. E começou a luta. No entanto, o pescador bem via que os golpes do seu facalhão não encontravam senão o ar, como se não houvesse ninguém a lutar consigo. E isto deixava-o apreensivo. Pensando melhor, o pescador, deitou fora a arma e atacou de novo a figura, desta vez a soco e a pontapé. Mas ele bem sentia como as garras do inimigo lhe entravam na carne, embora não se deixasse ir abaixo. Em dado momento, o pescador pauleiro, suando a estopinhas, achou que a roupa lhe tolhia os movimentos, pelo que retrocedeu o suficiente para despir a camisola. Ora ele tinha no forte peito de remador uma cruz de cabelo negro.
19
(…)
Este livro foi composto em caracteres New Baskerville e Grotzec Condensed e impresso na Guide – Artes Gráficas, em papel Coral Book Ivory 1.5, 90gr no mês de Setembro de 2011.
– O que é lenda? Esta pergunta formula-se sempre que se toca o assunto e a eterna resposta é que se trata de narrativa de transmissão oral através das gerações que integram factos reais, muitas vezes distorcendo-os levando-os até aos limites da fantasia. E lá nos aparece a fuga do Egito discretamente sugerida como transposta para a Ilha da Madeira, o Diabo fazendo as suas aparições belicosas em pleno Paul do Mar e um bando de velhas endinheiradas investindo, cada qual por sua banda, nas levadas madeirenses! Não falta ainda o rasto dos corsários e os sinais dos povos que se relacionaram com a Madeira – os escravos africanos, os mouros – ou como que uma extensão artúrica do mito sebastianista! Embora integradas numa coleção juvenil, estes textos dirigem-se a um público mais vasto, aspeto que foi tido em conta na redação do texto e no tratamento gráfico. As Lendas pertencem à tradição popular e são de transmissão oral, no entanto, a Nova Delphi consciente do provérbio latino verba volant, scripta manent pretende fixá-los para que possam continuar a ser transmitidos aos mais novos ao mesmo tempo que podem ser recordados pelos mais velhos.
9 789898 407283
ISBN 978-989-8407-28-3
josé viale moutinho