A história de uma sociedade secreta no Brasil

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“Existe no Brasil uma organização que já fez presidentes e derrubou governos, mas agora está perdendo a influência. Seu nome: Maçonaria.” Assim começa a reportagem publicada pela revista Manchete em 2 de agosto de 1958, intitulada “O segredo da maçonaria”. Analisando a história da instituição, os seus feitos e sua capacidade de atuação junto à sociedade brasileira nos anos 1950, a matéria jornalística concluiu que os chefes da maçonaria “vêm diminuindo de gabarito desde José Bonifácio. [...] Hoje, é o seu grão-mestre um banqueiro paulista, que pode possuir ilustres qualidades, mas, é um desconhecido. Talvez este seja o principal indício da diminuição da influência maçônica na vida do país”. A percepção da revista Manchete acerca da maçonaria brasileira não estava equivocada. De fato, a instauração do Estado Novo foi como um duro golpe para os maçons que, apesar de terem se submetido ao governo autoritário, acabaram sendo afastados das esferas de poder. Este afastamento, por sua vez, mostrou-se mais duradouro do que se poderia imaginar. Mesmo após a renúncia de Getúlio Vargas à presidência, em 1945, o acesso maçônico aos círculos de poder do Estado, e conseqüentemente, sua capacidade de influenciar as decisões políticas, deram-se de modo mais limitado e discreto, principalmente quando comparados aos tempos passados. Alguns maçons chegaram a ascender aos altos cargos políticos como João Café Filho, vice-presidente da República que assumiu o governo do país (24/8/1954 a 8/11/1955) após o suicídio de Vargas em 1954; Nereu Ramos, presidente do Senado brasileiro que assumiu a presidência com a saída de Café Filho (11/11/1955 a 31/1/1956); e Jânio Quadros, presidente eleito do Brasil que governou por sete meses em 1961 (31/1 a 25/8). Nada, porém, se compararia aos anos do Império e da Primeira República quando o grosso da elite política brasileira se confundiu com os altos quadros da maçonaria. Além da tentativa de retomada da influência política perdida, os obreiros tiveram que administrar outros problemas também herdados dos anos do governo Vargas. Um deles foi a reabilitação da imagem da instituição maçônica perante a sociedade. Os vários anos de ataques e acusações realizados pela Igreja e pelos integralistas fizeram com que a idéia de uma maçonaria conspiradora, internacionalista e satânica permanecesse arraigada ao imaginário popular, causando alguns inconvenientes, como, por exemplo, na ocasião do suicídio de Getúlio Vargas, que, na época, havia reassumido a presidência do Brasil (1951-1954) pelas vias democráticas. Diante do impacto e da incompreensão causada pelo ato suicida do presidente, não foram poucos os boatos de natureza conspiratória dando conta que tudo não passara de uma farsa, e que, na verdade,

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Vargas fora assassinado pela maçonaria em função da perseguição que esta sofrera durante o seu governo. Tornava-se urgente, portanto, desconstruir essas imagens negativas que se encontravam fortemente associadas à Sublime Ordem. Para isto, foram utilizadas várias estratégias. Uma delas se constituía em uma maior abertura da sociedade maçônica para o mundo profano, a fim de que este a conhecesse melhor. Era preciso mostrar aos não iniciados os verdadeiros valores da Ordem, explicando seus rituais e esclarecendo sobre o que, de fato, ocorria no interior de suas herméticas reuniões. Nas páginas da revista O Cruzeiro de 15 de janeiro de 1944, por exemplo, foi publicada uma matéria que repercutiu fortemente em todo o país e foi tida como um dos maiores “furos” jornalísticos da época: os jornalistas David Nasser e Jean Mazon fotografaram o interior de um templo, acompanharam toda uma reunião maçônica e descreveram-na com minúcia. Pela primeira vez, não iniciados puderam penetrar no interior da maçonaria e divulgar, com o consentimento do grão-mestre geral, parte dos seus “mistérios”. Contudo, a razão pela qual o grão-mestre do GOB permitiu tamanha exposição foi pouco compreendida pelos membros da Ordem. Revoltados com esse gesto, alguns obreiros acusaram a autoridade maçônica de expor a instituição e de desrespeitar aquilo que lhe era mais precioso: o segredo. Essa discordância levou, inclusive, ao surgimento do Grande Oriente Unido do Brasil que teve, porém, vida curta (1948 a 1956). Apesar da polêmica causada pela matéria de O Cruzeiro, tornaram-se cada vez mais freqüentes as reportagens e as publicações relativas à maçonaria, bem como as manifestações públicas de autoridades maçônicas visando esclarecer sobre o posicionamento da sua instituição acerca dos mais variados assuntos do mundo profano. Estava claro que a maçonaria desejava dar mais transparência às suas atividades para que estas deixassem de ser vistas como suspeitas. Prova disto está no fato de que, em 1953, foi criado o Instituto Maçônico de Propaganda e Cultura que tinha como função realizar pesquisas sociais e políticas da atualidade brasileira. Argumentava o GOB que a prevenção do mundo profano quanto às atividades maçônicas havia se generalizado, em função da obra de seus inimigos e da ignorância da sua “alta finalidade”. Por causa disto, seria criado o referido instituto que atuaria “de modo a desfazer-se aquele ambiente de desconfiança”. Dentro dessa proposta de instruir os profanos acerca da maçonaria, cresceu, em fins dos anos de 1940 e meados de 1960, o que chamamos de historiografia maçônica, isto é, um conjunto de obras sobre a história da maçonaria brasileira e da história do Brasil contada por intelectuais maçons e sob o ponto de vista maçônico. Por meio de escritores como Nicola 3


Aslan, Kurt Prober, José Castellani e Tenório D’Albuquerque, publicou-se uma infinidade de textos que, supervalorizando a participação da maçonaria, atribuíram a esta instituição o papel definidor de importantes acontecimentos da história do país, como a Conjuração Mineira, a Independência do Brasil, a abolição da escravidão e a proclamação da República. Ao apresentar a ordem maçônica como responsável por quase todas as conquistas da nossa história, essa historiografia acabou por virar pelo avesso o mito do complô: a maçonaria conspira todo o tempo, mas, sempre para o bem. Por outro lado, a associação maçônica com tais acontecimentos da história teve também a função de provar que a Ordem dos pedreiroslivres esteve presente no Brasil desde tempos remotos. É preciso lembrar que os detratores da maçonaria apresentaram-na, dentre outras coisas, como uma sociedade estranha à cultura do país. Assim, ao criar um vínculo e uma continuidade com o passado nacional, a maçonaria garantia e reforçava sua identidade brasileira. Os textos de história elaborados por maçons também procuraram destacar a identidade maçônica de personagens como Tiradentes, José Bonifácio, Duque de Caxias e Deodoro da Fonseca, deixando entender que todas as “benfeitorias” realizadas por estes “heróis” nacionais foram uma conseqüência direta do fato de serem eles maçons. De modo que, ao associar personagens importantes da história à maçonaria, esta última passaria a ser lembrada e até mesmo confundida, de forma quase inconsciente, com os nobres valores carregados pelos heróis da pátria e com a mitologia nacional. Essa apropriação dos símbolos e da história nacional foi, sem dúvida, uma das mais importantes estratégias encontradas pela maçonaria para se proteger de novos ataques, bem como de garantir sua legitimidade e aceitação por parte da sociedade brasileira.

Grandes personagens maçônicos na história do Brasil Ao olharem para o passado, muitos maçons valorizam a presença de figuras notáveis entre seus confrades. A literatura maçônica engajada e alguns estudiosos associam a ordem dos pedreiros-livres com Grandes Personagens que definiram os rumos da política brasileira, a exemplo do que se faz em todo o mundo. Os livros de história, principalmente os didáticos, mesmo sem saber o exato significado disto, nunca deixaram de lembrar-nos que d. Pedro I, José Bonifácio, Deodoro da Fonseca, Rui Barbosa dentre outros, pertenceram à maçonaria. De forma quase automática, estes escritos estabelecem uma relação

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direta entre os grandes feitos de tais homens e sua identidade maçônica, como se tudo o que fizeram fosse uma conseqüência direta do fato de serem iniciados. Esse tipo de interpretação, não menos lendária, foi em grande parte responsável pela crença amplamente divulgada de que os grandes homens da política brasileira foram ou são, necessariamente, maçons. Como se a identidade maçônica fosse um passaporte para a entrada no mundo da política, uma condição sine qua non para alçar à posição de herói nacional. Muitas personalidades da política brasileira, de fato, foram maçons. O que não quer dizer que suas performances no campo da política tenham sido, necessariamente, pautadas por princípios maçônicos ou por orientações diretas vindas do interior da Ordem. Mesmo porque, nos momentos mais decisivos de nossa história, as maçonarias brasileiras encontraram-se, em geral, divididas. Isso impede-nos de afirmar a existência de possíveis orientações maçônicas a guiar os grandes homens e os grandes fatos. Além disso, interpretações que supervalorizam a identidade maçônica dos heróis nacionais — como se ser maçom fosse sinônimo de ser poderoso — levam-nos a cometer um erro e uma injustiça: a de ignorar e negligenciar a imensa maioria de anônimos que compuseram e compõem as maçonarias brasileiras e que, embora nunca ocupem altos cargos políticos nacionais, são responsáveis por manterem vivas as tradições e a cultura maçônica em nosso país.

Além de atender à necessidade de responder às acusações advindas dos seus inimigos, o discurso nacionalista maçônico foi reforçado pelo próprio contexto político vivenciado no Brasil em fins dos anos 1940 e início dos 60, quando a campanha pela autonomia do petróleo, historicamente conhecida como “O petróleo é nosso”, dividiu o país em nacionalistas e privatistas. Nessa disputa, a maçonaria brasileira posicionou-se oficialmente em favor do monopólio estatal na exploração do petróleo, lançando mão de toda sua estrutura organizacional para defender seu ponto de vista que teve como principal argumentação o fortalecimento da soberania nacional. Uma década depois, o discurso nacionalista maçônico acabaria aproximando-se das formulações ideológicas das Forças Armadas que, em nome da salvaguarda nacional, justificaram a intervenção militar nos rumos políticos do país. Os anos de retorno à democracia (1946-1964) também foram marcados pela tentativa da maçonaria em reaver seus antigos valores, tão sufocados durante a era Vargas. Era 5


necessário, naquele momento, desfazer qualquer “mal-entendido” que pudesse associar a Ordem maçônica à centralização política do Estado Novo. Não por acaso, quando Vargas abandonou o poder em 1945, a maçonaria, rapidamente, saudou o retorno à normalidade democrática, de modo a não deixar dúvidas quanto ao seu posicionamento favorável a esse regime. Antes mesmo da renúncia de Vargas, quando este, tentando se manter no poder, adotou uma série de medidas redemocratizantes, como a reabertura dos partidos políticos e a marcação de eleições gerais, o grão-mestre do GOB, em clima da euforia democrática, concedeu uma entrevista ao jornal O Radical em 8 junho de 1945. Nela, a autoridade maçônica reafirmou veementemente o papel da Ordem como defensora do regime democrático e louvou a criação de partidos políticos com programas de governo. Perguntado sobre o que achava do retorno do PCB e do seu líder Luiz Carlos Prestes à arena política, o grão-mestre respondeu que, tendo em vista o programa político esboçado por Prestes, não havia nenhum inconveniente em reconhecer o partido. Segundo ele, dentro do regime democrático haveria espaço para todos os partidos que não tinham por finalidade a opressão. Todavia, essa tolerância maçônica para com o Partido Comunista, fruto do desejo dos dirigentes maçons de mostrar uma instituição democrática e novamente defensora da liberdade de consciência, durou pouco tempo. Vivendo sob a crescente influência da Guerra Fria, isto é, do conflito político e ideológico que dividiu o mundo em dois blocos (o capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e o socialista, encabeçado pela União Soviética), a instituição maçônica, assim como significativa parte da sociedade brasileira, viu-se cada vez mais assombrada pelo “fantasma do comunismo”. Não foram poucos os que acreditavam que os comunistas viviam à espreita, para, no momento certo, instaurar o regime soviético no país. Foi neste clima de desconfiança que se intensificou a repressão aos movimentos sociais e às organizações políticas de esquerda. As obediências maçônicas, por exemplo, não saíram em defesa de Luiz Carlos Prestes e seus correligionários quando, em maio de 1947, o governo colocou, novamente, o PCB na ilegalidade. Ao contrário da esperada defesa da liberdade de consciência, o GOB, em 1949, lançou um novo decreto estabelecendo que as lojas não deveriam aceitar a iniciação de elementos que professassem a ideologia comunista, recomendando a máxima severidade nas sindicâncias, de forma a evitar o “ingresso de elementos totalitários” entre os irmãos. A partir daí, a obediência maçônica reafirmou várias vezes seu combate “intransigente à infiltração

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comunista que ameaçava a liberdade de pensamento e cultura, o regime democrático e os princípios da sublime ordem”. Parece-nos que a tentativa da maçonaria de reaproximar-se do discurso democrático e da defesa das liberdades individuais acabou tomando um rumo bem diferente do esperado, à medida que esses valores passaram a ter novos significados para ela. A democracia e a liberdade que se defendia, não eram mais absolutas e universais, como se cria outrora, mas aquelas estabelecidas dentro de certos limites. Esses limites, por sua vez, eram estabelecidos em nome da preservação da ordem interna e do combate ao comunismo. E foi assim que a maçonaria, de instituição perseguida pela intransigência do Estado Novo, tornou-se perseguidora. De vítima dos discursos conspiratórios, passou a apontar o dedo para os novos conspiradores. Já eram os sinais da sua caminhada rumo aos círculos conservadores.

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