1) “A vida de Madonna foi sendo construída em oposição à de sua mãe. Se o silêncio da mãe significava a morte, então ela iria falar. Se a doença da mãe indicava que dormir era perigoso — pois uma pessoa pode morrer enquanto dorme —, então ela ficaria bem acordada. Se o corpo da mãe a decepcionou, Madonna se certificaria de estar sempre em excelentes condições físicas. Ela escolheu a dança não apenas como meio principal de expressão, mas também como meio de exibir força física e capacidade de resistência, sentindo-se assim viva e agarrada ao presente. — Às vezes, eu simplesmente finjo que vou viver para sempre — declarou ela, certa vez. — Não quero morrer. A morte é o derradeiro desconhecido. Não quero ir para um além sombrio. Ela evitou as drogas e o álcool porque qualquer coisa que tranqüilizasse o espírito seria uma pequena morte, uma ameaça ao seu estado de alerta e à sua “consciência de onde tudo está”. Um amigo sugere até que Madonna não se dedica à reflexão. — Ela simplesmente não reflete. Não tem qualquer interesse pelo que fez na semana anterior, quanto mais há dez anos atrás. Para ela, tudo se resume a finalizar uma coisa, e, em seguida, iniciar outra. Madonna já comentou sobre “ter amadurecido rápido” depois da morte da mãe, e sobre ter aprendido a não contar com ninguém a não ser consigo mesma. Segundo o psicólogo John Bowlby: — A característica mais assustadora de um animal morto ou de uma pessoa morta é a imobilidade. A coisa mais natural, então, para uma criança que tem medo de morrer é manter-se em movimento. — Ele também identifica “hiper-atividade e independência compulsiva” como sintomas que freqüentemente se desenvolvem depois de alguma perda ou privação ocorrida na infância.”
2) “Popular, sexualmente curiosa e sempre namorando, Madonna perdeu a virgindade aos 15 anos com um namoradinho do colégio, Russell Long. Passado o clima dos longos e escondidos encontros amorosos que aconteciam no banco de trás do Cadillac 1966 azulclaro que ele tinha, Madonna voltou sua atenção para um jogador de futebol americano do time da escola, Nick Twomey (agora um reverendo na cidade de Traverse no Michigan). Ambos a descreveram como uma pessoa sensível, confusa e perturbada pela relação com
seus familiares. Embora a persona pública da artista seja a de uma fêmea dominadora, autoritária e “falastrona”, isso transmitia uma impressão errada sobre ela. Por ser muito franca e gostar de flertar abertamente, foi rotulada de “vagabunda” por alguns colegas, mas Madonna desmentiu, dizendo que nunca foi promíscua e que só dormia com os namorados estáveis. Foi uma interpretação errada que determinou as escolhas que faria em sua vida. Alguns a consideram uma espécie de prostituta em busca de publicidade que faz uma música pop medíocre; outros, porém, a vêem como uma artista inteligente que transformou a si mesma em um espetáculo vibrante. Realizações e aprovação eram claramente importantes para Madonna, mas ela também cultivou uma personalidade extremamente rica — e, desde cedo, estava sempre pronta a questionar as coisas e adotar uma postura nãoconformista.”
3) “Em setembro de 1984, Madonna assumiu um risco que poderia facilmente ter sido um tiro no pé. Na primeira cerimônia de premiação do MTV Video Music Awards, transmitida ao vivo do Radio City Music Hall, em Nova York, ela cantou “Like a Virgin”, usando um bustiê branco, saia de tule e véu, se contorcendo em posições sexuais no topo de um gigantesco bolo de noiva. O público, incluindo a apresentadora da festa, Bette Midler, ficou atordoado. — Tom e eu ficamos estarrecidos. A câmera filmava, de forma um tanto amadora, Madonna rolando pelo palco, expondo seu corpo voluptuoso e gordinho — recorda-se Billy Steinberg, co-autor da canção. — Eu pensei: “Essa não, agora nossa música está animada, nunca vai se tornar um sucesso.” Muitos se sentiram desconfortáveis diante da demonstração de uma sexualidade exaltada e super-estilizada, mas os espectadores do programa congestionaram as linhas telefônicas do canal. — Se aparece uma coisa espontânea, forte e verdadeira como aquela, as pessoas simplesmente adoram — analisa Steinberg em retrospecto. Maripol recorda-se de que a imprensa e os fotógrafos se debatiam depois do show para conseguir uma foto. — Cyndi Lauper estava lá e os fotógrafos nem queriam saber dela, foi algo do tipo: “Sai da frente, meu bem!”. Lembro da garotada colada à janela do carro e de
Madonna olhando para eles de dentro da limusine, em estado de choque. Ela sabia que seria famosa, mas não tanto e nem com aquela rapidez.”
4) “Em 1987, as pessoas ainda precisavam “ler” a Madonna. Uma análise posterior dos eventos e a construção de uma obra que se desenvolveu por décadas colocaram seus primeiros trabalhos sob uma perspectiva mais sofisticada. Mas isso não invalida as reações contemporâneas a esses trabalhos. Houve o choque prazeroso causado pelo filme Procurase Susan desesperadamente e pela turnê Like a Virgin, mas, naquela época, suas canções comerciais e o fato de dançar com roupas íntimas significavam apenas uma coisa: a conquista das grandes massas. Respeito intelectual e grande sucesso comercial: ela parecia querer agarrar as duas coisas ao mesmo tempo. No entanto, para conseguir isso, é preciso encontrar um equilíbrio perigoso, principalmente se as imagens com que se está jogando são vulgares e convencionais. Com o vídeo “Open your heart”, ela cautelosamente assumia uma postura mais interrogativa. Esse vídeo é um bom exemplo do que ela estava pensando artisticamente naquele momento. Há uma demonstração, em igual medida, tanto de ironia quanto de vaidade. Dirigido por Jean-Baptiste Mondino, o vídeo trabalha com as mesmas cores primárias da capa do álbum True Blue. Tão extrovertida quanto Warhol era introvertido, Madonna exibe publicamente seu novo corpo vestido num collant preto com sutiã com franjas. Ela estivera malhando, lutando para eliminar a barriga rechonchuda com o famoso umbigo, e seu cabelo cheio estava agora bem curto. No vídeo ela interpreta uma dançarina de peep-show, provocando os homens, que estavam ali para se deleitarem. Ela deixa claro seu interesse pela arte moderna ao inserir um nu, ao estilo de Tamara de Lempicka, enfeitando a entrada do estabelecimento onde trabalha sua “personagem”. Cada um de seus clientes pouco sedutores exibe uma emoção diferente: alguns parecem abobados, alguns têm uma expressão cínica, outros parecem entediados. Há até uma lésbica encantada por ela. Madonna dança uma coreografia precisa, indo de uma janela a outra, executando movimentos alternados de oferta e recusa. Ela se mantém sempre a uma pequena distância. O ponto final da brincadeira é quando ela foge com um garotinho, reafirmando uma inocência de menina.
Em uma tentativa de ser pop art, o vídeo tem um tom escrachado demais, mas ajudou a construir o caminho para uma abordagem mais conceitual. — Madonna foi a primeira mulher a assumir o lugar de David Bowie — disse, para mim, o escritor Peter York. — Com sua constante reformulação e reinvenção de si, ela fez nos anos 1980 o que ele fizera nos anos 1970. O visual mais suave de Madonna deixou sua ex-estilista Maripol totalmente para trás em Nova York, com caixas cheias de braceletes e crucifixos dos tempos de “Boy Toy”, que ela não conseguia mais vender. — Eu fiquei evidentemente prejudicada, mas entendi que ela não podia manter aquele visual para sempre — diz ela. A empresa de Maripol foi à falência, e ela parou de fazer bijuterias durante os dez anos que se seguiram. Sentindo-se perdida, Maripolfoi aprender yoga em um retiro religioso hindu, onde conheceu uma guru indiana que a ensinou a não se apegar a valores materiais. — Quando a canção “Material Girl” foi lançada eu de fato me desmaterializei — comenta ela, rindo.”
5) “Para Madonna, esse era um preço pequeno a pagar por um espetáculo que ela controlava do início ao fim. A concepção de Blond Ambition era inteiramente dela. — Muitos meses antes da turnê Madonna me mostrou um bloco cheio de anotações e desenhos que ela mesma fizera. Ela havia concebido a coisa toda sozinha — lembra o diretor de iluminação Peter Morse. — O show era uma versão ao vivo do que estava no bloco de anotações. — Ele admite que foi um desafio: — As cenas mudavam de maneira inacreditável de um cenário para outro. De uma cidade em torno de uma fábrica para uma escadaria bela e enorme, depois surgiam pilastras de verdade, como as de uma catedral, que se elevavam do chão. Nada no show era usado duas vezes. Foi um desafio conceber um sistema de luz que desse conta de iluminar tudo aquilo. Extravagância como essa é algo comum hoje em dia, mas em 1990, nada parecido com isso já tinha sido feito num show de música pop. — Essa foi uma grande mudança para o público de shows em geral. Madonna criou um caminho e uma direção que nunca haviam sido trilhados antes — diz Morse. A jornada das trevas à luz trilhada por Madonna estreou no Estádio de Makuhari, no Japão, em abril daquele ano. Desde o início, as pessoas se mostravam curiosas.
O show era dividido em quatro segmentos principais, nos quais Madonna encarnava uma seqüência de personagens, de mulher sedutora à pecadora, de garota de shows à diva da música dance. Para a canção de abertura, “Express Yourself”, havia um cenário ao estilo do filme Metropolis, que era similar ao clipe da música, com bombas industriais, rodas de engrenagem, explosões, fumaça e dançarinos acorrentados seminus. — “Express Yourself” era uma coisa insana — lembra o dançarino Carlton Wilborn. — Uma loucura, eu nunca tinha vivido uma experiência como aquela, o barulho estrondoso que vinha da multidão era tão alto que não dava nem para ouvir as marcações dos compassos. Então éramos obrigados a contar e rezar para não errarmos o tempo. Dava para sentir a energia que vinha de todos à nossa volta. Nessa cena, Madonna encarna a dominadora andrógina sado-masoquista, vestida com um corpete de cetim e calças largas, executando uma versão atualizada do número da cadeira, imortalizado por Liza Minnelli no filme Cabaré. No espetáculo, ela é também a líder de uma gangue feminina, fazendo palhaçadas e parodiando atitudes masculinas ao lado de suas amigas Donna De Lory e Niki Haris.”
6) “A família era a prioridade de Madonna naquele verão de 2005, quando o ativista político Bob Geldof, engajado em campanhas contra a pobreza dos países do terceiro mundo, escreveu a ela lhe perguntando se não gostaria de participar do segundo Live Aid, que ele estava organizando. A princípio, ela disse que não. — Eu estava prestes a tirar férias com meus filhos, e queria passar mais tempo com eles. Depois eu reconsiderei o convite. Usando seus fortes poderes de persuasão, Geldof conseguiu fazê-la assinar um contrato para participar do evento, o Live 8, um gigantesco show no Hyde Park, em Londres, cujo objetivo era aumentar a conscientização das pessoas sobre a fome no mundo e defender o perdão da dívida externa da África. Agendado para coincidir com a grande reunião do G8 em Edimburgo, o espetáculo foi realizado em 2 de julho daquele ano. Duzentas mil pessoas compareceram ao show no Hyde Park e outros milhões assistiram a diversos shows de rock que aconteceram simultaneamente em todo o mundo. Em Londres, dentre os artistas que
participaram, havia Annie Lennox, The Who e a banda Pink Floyd, que se reuniu novamente especialmente para a ocasião. A performance de Madonna foi um dos pontos altos do espetáculo. Vestida com um smoking branco colado ao corpo, ela cantou “Like a Prayer” com o Coro Gospel da Comunidade de Londres. Pouco antes de começar a apresentação, Geldof mostrou ao público uma foto de Birhan Weldu, uma garota que, na ocasião do primeiro Live Aid, em 1985, estava subnutrida. Vinte anos depois, ela estava lá, no meio do público, uma mulher radiante, jovem, bela e saudável. Aproveitando o momento, Madonna pegou Birhan pela mão e a levou para o palco enquanto cantava a introdução de “Like a Prayer”. Alguns criticaram o gesto sentimental como uma estratégia oportunista, ressaltando a rapidez com que Birhan foi dispensada assim que a música ganhou ritmo. Mesmo assim, o show de Madonna foi totalmente apropriado para a ocasião: sucinto, digno e vibrante. Ela, evidentemente, o aproveitou bem. Houve um momento durante o show em que ela chegou a descansar no palco, ao lado da bateria, limitando-se a assistir, com um ar leve e relaxado de dona do lugar, de alguém acostumado a estar no comando, enquanto seus dançarinos dançavam o bodypopping (estilo de dança funk de rua que nasceu nos anos 1980). Ela sabia que seu trio de canções, “Like a Prayer”, “Ray of Light” e “Music”, iriam sacudir o ambiente de maneira arrebatadora.”