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Vingança não é como chocolate. Vou explicar. Muita gente, ao pegar um livro chamado Vingança: um guia para meninas más, pensa numa dessas três opções:
a)
Caramba! Que alívio encontrar um livro que não fala sobre detetives,
advogados, amores mal resolvidos, mulheres submissas ou famílias desajustadas. b)
Que horror! Assim que chegar em casa vou escrever um e-mail furioso à
editora responsável por esta coisa horrorosa, mas antes quero ler as primeiras duzentas páginas de graça, sentada no café desta livraria, tomando meu cappuccino. c)
Putz! Encontrei o presente perfeito para a minha avó de 87 anos.
As opções A e C são igualmente aceitáveis, mas eu prefiro me adiantar e propor outra opção também bastante razoável, que seria a seguinte:
d)
Um livro como este seria muito útil no meu dia-a-dia.
Vingança não é como chocolate. Trocando em miúdos: não é um doce gostoso, ideal para ser saboreado uma ou duas vezes por semana — três se você está de mau humor, ou quatro se está menstruada. E também não deve ser guardada no fundo da prateleira mais alta da sua cozinha (aquela que, para alcançar, você precisa subir no último degrau da escada), para que esteja sempre à mão, mas tentadoramente fora do seu alcance, e para que seja vista como um luxo delicioso, mas com conseqüências devastadoras. Vingança é como brócolis. É o arbusto pequenino e feioso que corre em suas veias, limpando toda a sujeira que o dia-a-dia depositou nelas, sujeira proveniente de exnamorados, chefes perversos, parentes chatos, irmãos invejosos, vendedores cruéis, amigos falsos, colegas de trabalho que puxam nosso tapete e animais que encontramos nas ruas todos os dias, que, no momento em que mais precisamos, se mostram extremamente despreparados para agir como seres humanos.
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Vingança é como cenoura. E por isso é capaz de fazê-la enxergar melhor, revelando coisas que você nunca imaginou existir. E talvez seja capaz de oferecer um bronzeado saudável à sua pele. Vingança é como um copo de suco de clorofila. Claro, é possível que você sinta um arrepio ao tomar esse suco pela primeira vez. Mas a segunda experiência vai ser mais tranqüila, e a terceira ainda mais. Duas semanas depois, você vai direto para a loja de produtos naturais desembolsar uma grana por um pouco de baba verde servida num copo de plástico. Vingança é como passar dez horas correndo numa esteira. Ela proporciona a melhor forma física da sua vida. Deixa seu corpo sarado, durinho. Vingança libera endorfina. E também faz com que você acorde radiante e renovada pela manhã, após embalar seus sonhos durante a noite. Vingança é a cura para qualquer mal. E agora vem a melhor notícia: ainda que quase tudo o que é saudável seja insosso, cansativo ou extremamente chato, a vingança é doce, revigorante e muito divertida. A vingança pode ser o sentimento mais prazeroso de todos, um turbilhão de sensações que superam aquelas proporcionadas pelas compras, pelas promoções no trabalho, pelo prazer sexual e por quase todos os orgasmos meia-boca que você já teve. Vendo dessa maneira, talvez a vingança seja mesmo como o chocolate.
Reconheço que nem todo mundo está preparado para ler este guia. Os homens, por exemplo, talvez não consigam digerir a informação contida neste livro, e vamos ser honestas: eles não precisam de nada disso. Os homens foram treinados, desde que nasceram, a extravasar suas frustrações através do esporte, dos negócios e de xingamentos homoeróticos. Quando realmente ousam molhar o dedão do pé na doce piscina da vingança, na maioria das vezes o caso termina mal, inclusive com derramamento de sangue, e somos nós as responsáveis por recolher os restos mortais, sempre com nossos sorrisos cúmplices estampados no rosto. Isso não quer dizer que os homens não possam ler este livro, mas que devem pensar duas vezes sobre cada lição antes de partir para a prática — de preferência, com supervisão feminina. Digo isso porque não quero ser processada. Nós mulheres, por outro lado, fomos educadas para reprimir nossa raiva e nosso senso de justiça, sufocando-os até explodirmos com a pressão ou murcharmos, morrendo de dentro
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para fora. Na minha adolescência, eu me lembro de ajudar minha mãe a assar bandejas e mais bandejas de brownies — praticamente uma nova fornada a cada tarde —, assim que eu voltava da escola. Naquela época, eu via minha mãe como uma louca por doces, dona de uma impressionante falta de força de vontade. Demorou muito para que eu percebesse que ela estava simplesmente compensando o puro e incontrolável ódio que sentia de sua própria mãe desenvolvendo uma paixão incontrolável por doces recém-saídos do forno. Ainda bem que existem os doces pré-prontos, ou um belo dia minha mãe teria surtado e atirado a vovó ao mar, o que seria uma tragédia, porque a vovó nos dava presentes de aniversário muito caros. Mas por que você deveria perder seu tempo e dinheiro com alimentos pré-prontos quando existe uma forma mais saudável, barata e, sobretudo, extremamente divertida de superar sua cota diária de problemas? Para ter certeza de que está pronta para entender os prós e contras da vingança, pegue um lápis e responda às perguntas seguintes. Qualquer semelhança entre as perguntas e as loucuras do meu dia-a-dia eu posso assegurar que é mera coincidência:
Primeiro questionário do Guia para meninas más: Você está pronta para a vingança?
Pergunta número 1: Depois de conhecer um cara muito legal numa festa, descobrir que ele é tudo o que você sempre sonhou e passar toda a noite totalmente envolvida com ele, você volta para casa e conta tudo à sua melhor amiga. Infelizmente, você vai viajar a trabalho por duas semanas, e quando você retorna, descobre que aquela tal “melhor amiga” topou “acidentalmente” com o mesmo cara e, de uma hora para outra, eles se apaixonaram loucamente. Como você reagiria?
a)
Ignora isso tudo e segue em frente. A cidade está cheia de caras lindos, divertidos, ricos, gentis, seguros de si, e ainda assim modestos.
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b)
Mergulha numa depressão profunda por um mês inteiro e fica vendo Os tempos da brilhantina voltaram até a fita, gravada na época em que você ainda estava no segundo grau, ficar gasta e estragar de vez.
c)
Grita, xinga e reclama no ouvido da sua outra melhor amiga até ela perder a paciência e parar de atender o telefone.
d)
Faz de conta que nada aconteceu. Senta e espera por uns dez ou quinze anos, até que sua amiga e o tal cara já tenham se casado, tido filhos, e estejam passando por uma boa fase no relacionamento. Quando ela viaja para ir ao enterro de uma tia-avó, você se oferece ao cara. Duas semanas depois, faz questão de deixar a notícia escapar durante uma conversa com a amiga em comum mais fofoqueira. Feito tudo isso, relaxa, abre uma garrafa de champanhe e espera sentada ao lado do telefone até que o show comece.
Pergunta número 2: Seu chefe ignora você, porque acha que você não apresenta nada de novo há meses. Até o dia em que tem uma idéia fantástica, mas que sua colega de trabalho, Nádia, faz o favor de apresentar imediatamente ao chefe, ficando com todo o crédito e com a promoção. E, no final, ainda piora tudo ao se desculpar com você e oferecer um almoço qualquer dia desses — como se tudo o que você quisesse nesse momento fosse sentar-se na mesma mesa que ela, vendo-a se lambuzar com um doce. Como você reagiria?
a)
Ei, negócios são negócios. Foi à roça, perdeu a carroça... Foi ao vento, perdeu o assento... Ou qualquer outra expressão que preferir.
b)
Mergulha em depressão profunda por seis meses e conserta sua cópia estragada de Os tempos da brilhantina voltaram.
c)
Grita, xinga e reclama no ouvido de sua nova melhor amiga até ela perder a paciência a ponto de se alistar numa ONG e aceitar trabalhar numa missão humanitária, bem longe de você.
d)
Dá os parabéns à Nádia e aceita o convite para o almoço. Deixa passar quatro meses. Depois pede a dez amigos que liguem para o seu chefe, um ou dois deles por dia, fazendo-se passar por profissionais de RH de empresas
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concorrentes em busca de referências, como se Nádia tivesse enviado seu currículo para toda a cidade sem avisar a ninguém. Além disso, você rouba o currículo do computador de Nádia e faz cinqüenta cópias dele, esquecendo-as ao lado da copiadora no exato momento em que o chefe irá passar por ali, para que descubra que ela não apenas usa o tempo em que deveria estar trabalhando para procurar um novo emprego, como também usa os recursos da empresa nessa empreitada. Depois se senta, serve-se uma xícara de café fraco, e espera estourar a guerra.
Questão número 3: Chegou o dia do casamento da sua melhor amiga. Você é madrinha. Pelos planos originais, teria sido a única madrinha, pois vocês se conhecem desde os oito anos de idade. Mas a mãe da sua amiga a obrigou a convidar a irmã mais velha, Miriam, como segunda madrinha — ainda que Miriam não escondesse de ninguém sua total falta de vontade de participar dessa festa quando soube que os vestidos, que lhe pareceram horríveis, já estavam escolhidos. Você ficou decepcionada ao ter de dividir o altar com alguém que preferia não estar ali, mas fez questão de relevar em nome do dia mais feliz da vida da sua melhor amiga — ainda que o noivo tenha dado em cima de você primeiro naquele bar e você o tenha rejeitado, ou seja, não foi um caso raro de amor à primeira vista. Faltam cinco horas para o casamento. Você e todas as convidadas foram para o salão de beleza da prima da mãe da noiva — uma loucura, pois ele fica a quase uma hora de distância do salão de festas e não tem um cheiro lá muito agradável. Quando chegaram ao salão, descobriram que Reinaldo, o principal cabeleireiro, não foi trabalhar por conta de uma gripe. Mas tudo bem, pois a equipe substituta está a postos, pronta para fazer todo mundo brilhar naquele grande dia. Infelizmente, Cris, o cabeleireiro que supostamente faria o seu penteado, chega 45 minutos atrasado, e em vez de começar logo com você, vai direto cuidar do cabelo da cunhada da noiva — que tecnicamente nem é mais cunhada dela, pois está separada há mais de dez meses, mas fazer o quê? Mas você espera, se distraindo com uma revista em francês. Mas como não entende quase nada do que está escrito, acaba mais vendo as fotos do que lendo de verdade. Finalmente chega a sua vez, você se senta e explica ao Cris — suado e parecendo mais afobado do que quando chegou — que gostaria que os seus cabelos, não muito longos,
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continuassem naturalmente encaracolados, mas presos. E que ele poderia aproveitar e cortar as pontas duplas que atazanam sua vida há mais de um mês. Cris faz a gentileza de pôr uma toalhinha morna nos seus olhos, a primeira delicadeza que lhe faziam no dia. O rádio começou a tocar Holiday, da Madonna, e você conseguiu relaxar, esquecendo-se completamente da balbúrdia montada naquele salão. Quando acorda, você vê que Cris cortou seu cabelo na altura da nuca, como faria uma menina de seis anos com uma tesoura e uma Barbie à sua frente. E o pior: Cris está anunciando a todos como ficou linda a sua nova criação. Faltava uma hora para o casamento. Como você reagiria?
a)
Olha só! Até que esse visual não é tão ruim! Esse cabelo estilo “Barbie rapada” está super na moda.
b)
Alternando gritos histéricos e choros compulsivos, contorcendo-se de raiva na cadeira do salão, tentaria enlouquecidamente bater em qualquer garota que tentasse vir ao seu consolo.
c)
Ameaça processá-lo, mas depois percebe que não teria dinheiro suficiente para contratar um advogado e começa a pedir dinheiro para as convidadas do casamento.
d)
Diz a Cris que não tem problema e vai pro casamento com um grande sorriso estampado no rosto. Na festa, faz questão que o fotógrafo tire uma bela foto sua, e quando são reveladas consegue uma cópia do negativo. Depois procura uma foto na qual seu cabelo estava mais maravilhoso que nunca e faz dez mil cópias das fotos “antes e depois” montadas lado a lado. Contrata uma agência de publicidade para colar os cartazes em estacionamentos e edifícios próximos ao salão, afugentando todos os clientes potenciais de Cris. Quando ele finalmente for à falência e se mudar pro outro lado do país, você liga para a amiga da sua irmã que mora na mesma cidade para a qual ele foi e pede que espalhe os mesmos cartazes por lá. Insiste na campanha até Cris desistir da profissão de cabeleireiro e matricular-se no curso de geologia.
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Vamos às pontuações:
Para cada vez que respondeu A: some 1 ponto Para cada vez que respondeu B: some 2 pontos Para cada vez que respondeu C: some 3 pontos Para cada vez que respondeu D: some 4 pontos
Some os pontos e confira o resultado:
3 pontos: Ou você está mentindo ou está muito de bem com a vida (e nesse caso eu lhe dou os parabéns). Agora, se você respondeu A na questão 3: ou está mentindo, ou é um homem, ou é um homem mentiroso. Refaça o teste sendo mais honesta e/ou mude de sexo.
4-6 pontos: Você está permitindo que outras pessoas influenciem sua vida emocional. Saiba que não é preciso agir como uma mocinha de cinema na vida real. Assuma o controle, tome uma atitude, e leve este livro para onde você for.
7-9 pontos: Você manda bem, mas é vítima de muito mau-caráter de plantão. Não se torne uma dessas pessoas que passam a vida se lamentando. Você é tão talentosa para a vingança quanto qualquer outra pessoa.
10-11 pontos: Parabéns, você está quase lá. Já começou a dar os passos que a levarão à autoconfiança com a qual sempre sonhou. O básico você já sabe, mas ainda tem muito o que aprender. As dicas deste livro a deixarão afiadíssima. Lembre-se: vingança mal executada não é nada mais que dar o troco... E isso é muito cafona.
12 pontos: Você é a verdadeira Eliza Brandt! Uma cópia perfeita de mim mesma. Você não precisa deste livro. Jogue-o fora e vá alugar um filme. Eu recomendo Os tempos da brilhantina voltaram.
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