. MAGAZINE • GLS
PÁGINA C4
O TEMPO
BELO HORIZONTE • SÁBADO • 10 DE DEZEMBRO DE 2005
SÁVIO REALE 1
Unidos do Arco Íris trata da monarquia no país Agremiação já tem samba-enredo e busca recursos com empresas privadas para poder destilar no Carnaval de 2006 CINTHYA OLIVEIRA
O Grêmfo Recreativo Escola de Samba Unidos do Arco fris já deu seus primeiros passos para definir seu segundo desfile. que acontece no Carnaval de 2006. Dessa vez o tema será a monarquia e o samba-enredo é "Sua Majestade o Carnaval", de autoria de Altair Barbosa e Raimundo do Pandeiro (confira a letra ao lado). "O nosso diferencial é"fazer a brincadeira. Então, resolvemos falar de um jeito bem-humorado da monarquia que existe no inconsciente do brasileiro. Quando acontece de alguém se destacar. ele sempre ganha um título imperial. Assim, temos o Pelé. rei do futebol, Emilinha Borba, rainha do rádio, Zumbi, rei dos Palmares. Sinhô. rei do samba, entre outros. Temos até o rei da cocada preta", afirma Osmar Rezende. gestor geral da Unidos do Arco fris. A escola falará ainda de Antonio de Oliveira. o último rei do conga. de Luiz Gonzaga, rei do baião. de Francisco Alves. o rei da voz. e de Lampião, rei do Cangaço. Segundo Rezende, no desfile. será feita a.coroação de Joãozinho Trinta. considerado o "eterno príncipe do Carnaval brasileiro". O convite para que o premiado e polêmico carnavalesco venha a Belo Horizonte prestigiar o desfile da escola já foi feito. mas Joãozinho ainda não deu resposta.
Se aceitar, Joãozinho Trinta será coroado no desfile da Unidos do Arco líris
Colaboração Novamente, a Unidos do Arco fris conta com a parceria de outras escolas. A bateria. por exemplo, é da Inocentes de Santa Tereza - e eles já estão ensaiando em todas as segundas-feiras. na praça Duque de Caxias. Ainda mais porque a Prefeitura de Belo Horizonte deixou de repassar verba para as escolas desenvolverem seus desfiles. "Juntamos as dez agremiações e criamos o Núcleo Samba Dez. para trabalharmos em conjunto. Contratamos uma agência para captar recursos com empresas privadas. dividimos as tarefas. É uma união fantástica", diz Osmar. que ficou decepcionado com a falta de apoio do poder público para a realização do Carnaval belo-horiwntino. "Como vamos fazer renascer o Carnaval sem gastar um único centavo? Querem que as escolas se profissionalizem, mas isso não se faz de uma hora para outra". reclama Osmar. Outro problema enfrentado pela escola foi não ter conseguido. através de leis de incentivo, recursos para realizar oficinas profissionalizantes de cenografia. figurino, construção de instrumentos etc. "Seria • uma maneira de tirar pessoas da rua, ajudá-las a ter uma profissão. mas o projeto não foi aprovado". decepciona-se o gestor da Arco fris, que ficou muito feliz com o resultado do Carnaval deste ano. quando a escola debutou na avenida. "Me surpreendi por ter recebido ajuda de pessoas que menos esperava", diz.
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EDITDRIA DE ARTE
HOMENAGEM
Confira o samba-enredo da Unidos do Arco Íris
"SUA MAJESTADE OCARNAVAL" De Altair Barbosa e Raiimlo do hndeirt
A Monarquia sempre foi nossa história Todo mundo é rei no meu país Rei do futebol e da canção Rei do rádio e da televisão Rei do cangaço, rei dos Palmares Rei do barracão e da magia Rei da fantasia por um dia Nosso trono é a passarela Sou Arco Íris, vem ser rei que a vida é belo Sua majestade o Carnaval O Momo deu a ordem pra brincar Cheio de amor no coração aquarelar Prfndpes, princesas vêm dançar E nessa festa de euforia Vai acontecer o que eu queria Entronizar o rei do Brasil Ver meu povo delirando de alegria Eu sou rei Rei da folia, rei da sedução Colorindo o Carnaval de pura emoção
União para pessoas do mesmo sexo legislação sobre união civil homossexual avança em todo o mundo. Os países pioneiros foram Dinamarca (1989), Noruega (1993) e Suécia (1994). Depois vieram. dentre outros, Holanda (1998). França (1999) e Alemanha (2002). Nos Estados Unidos esse direito está garantido apenas em alguns estados. Na América Latina, apenas a província de Buenos Aires (2003) permite a união civil para casais do mesmo sexo. Na Holanda (2000) os direitos evoluíram para o casamento gay contemplando, posteriormente, a adoção de crianças. O mesmo vale para os homossexuais da Bélgica (2003) e Espanha (2005). No Canadá (2005) o casamento gay também é realidade. No Reino Unido (Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte) a união civil acaba de ser permitida. Aproximadamente 1.200 cerimônias foram marcadas desde que a nova lei foi anunciada. Ogoverno espera que 4.500 casais de pessoas do mesmo sexo formalizem suas uniões no primeiro ano de vigência da lei. Uma vez assinado o contrato de união civil. os parceiros vão passar a dispor dos mesmos direitos que valem para casais heterossexuais. Dentre as diversas uniões anunciadas estão alguns famosos. como os cantores Elton John e George Michael, que se unirão legalmente aos seus respectivos parceiros. O casamento binacional também está valendo. com o companheiro estrangeiro tendo direito a requerer visto de permanência após seis semanas de união e, após três anos de residência. a cidadania. Para residir no Brasil. que já reconhece a união civil realizada em outros países, o cidadão britânico deverá requerer no consulado brasileiro os mesmos direitos de permanência. Aqui ele vai encontrar uma situação bastante peculiar. pois uma lei de união civil foi proposta há dez anos (sendo pioneira em relação a diversos países) e ainda não foi votada. Em Brasma. recentemente. ativistas dos direitos GLBT mais uma vez se encontraram com o presidente da Câmara Federal. Cerca de 30 líderes do movimento homossexual brasileiro debateram. dessa vez com o deputado Aldo Rebelo. a necessidade de levar à votação o projeto de lei de parceria civil entre pessoas do mesmo sexo. Na ocasião. foi entregue abaixo-assinado com 30 mil nomes manifestando apoio à lei. Enquanto isso. multiplicam-se os processos judiciais em que casais constituídos reclamam seus direitos. Por aqui, a união civil de homossexuais ou, quem sabe. o casamento. que resolveria a grande parte dos problemas de uma vez por todas. será apenas uma quest;ão de um pouco mais de tempo.
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SÁVIO REALE escreve esta coluna aos sábados. Comentários e críticas devem ser enviados para savioreale@bol.com.br ou Página GLS/Magazine, Jornal O TEMPO MARCOS MICHEUN - 1.4.2000
ÃLBUM DE FAMIUA/REPRODUÇÃO
Pesquisa indentifica público da Parada
HOMENAGEM OMultishow dedica o dia à cantora Cássia Eler exibindo vários Yideoclipes e, às 21.h, ominidocumentário "Dia Cássia Eller", com entrevistas de fãs com as de suacompanheira, Maria Eugênia, e de seu filho, Francisco (foto)
Na próxima quarta-feira será divulgada a pesquisa realizada pelo Núcleo de Pesquisa em Psicologia Política da Fafich/UFMG sobre o perfil dos frequentadores da 8ª Parada do Orgulho GLBT de Belo Horizonte, realizada em julho. Com coordenação do professor Marco Aurélio Máximo Prado. a pesquisa foi feita graças a uma parceria entre o comando da parada e a UFMG. Sua divulgação faz parte da programação do Seminário de Política Municipal de Direitos Humanos na Concepção Intersetorial. De acordo com Carlos Magno. presidente do Centro de Lu-
ta pela Livre Orientação Sexual (Cellos). essa foi a primeira pesquisa com caráter científico feita no Estado. "Ela abordou vários focos e poderemos fazer uma análise desses indicadores. Vai ser um instrumento muito importante para o movimento, pois vamos qualificar nosso discurso". diz. (CO) AGENDA - Divulgação da pesquisa sobre o público da Parada do Orgulho GLBT de Belo Horizonte na Escola Superior Dom Helder Cãmara (rua Álvares Maciel, 628, Santa Efigênia), quarta-feira, às 15h10.
Seminário discute crescimento da Aids DA REDAÇÃO
Antes. a maior parte das pessoas contaminadas pelo vírus HIV estava concentrada entre os homossexuais. Agora, a situação se inverte: os portadores são, cada vez mais, os heterossexuais, com destaque para as mulheres casadas. que têm o vírus transmitido pelos próprios maridos. Independente da orientação sexual, é sempre importante discutir meios para barrar o crescimento da Aids. Com esse objetivo. acontece na próxima terça-feira. dia 13, um seminário sobre HIV/Aids. organizado
pelo Projeto Horizonte, um estudo realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com o Ministério da Saúde desde 1994. Os objetivos desse encontro são determinar a incidência da infecção pelo HIV na sociedade e desenvolver práticas educativas que possam auxiliar na conscientização sexual, além de informar sobre os avanços médicos na luta pela cura dessa doença. O evento vai acontecer das 19h às 21 h. na sala 2.035 da Faculdade de Medicina da UFMG (avenida Alfredo Balena, 190. Santa Efigênia). É gratuito e aberto ao público em geral.
Oswaldo Braga, presidente da Associação Brasileira de Gays
Homens gays agora têm entidade própria DANIEL BARBOSA
A constatação de que era preciso jogar luz sobre problemas e demandas específicas dos homossexuais masculinos motivou. durante o último encontro de Ongs que lidam com a Aids. em setembro deste ano. em Curitiba, a criação da Associação Brasileira de Gays (Abragay), cuja presidência foi outorgada a Oswaldo Braga, que também está à frente do Movimento Gay de Minas. Ele destaca que esta é a primeira associação brasileira voltada exclusivamente para os homens homossexuais. "Em âmbito nacional. tf-
nhamos um associação de travestis. duas de lésbicas e uma que congrega todo o universo GLBT. Ainda não existia uma específica para os gays. Percebemos a necessidade de criação de uma porque. assim como as lésbicas. os travestis e transgêneros. nós. homens homossexuais, também temos nossas idiossincrasias", diz. Ele adota. como principais focos de ação da Abragay, o combate ao machismo e à homofobia e o desenvolvimento de campanhas específicas de prevenção à Aids. "Ainda somos o grupo em que a epidemia mais impera", diz Braga.
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• Luciano lança livro "Sem Trilha Sonora" Vai ser lançado na próxima quinta-feira. dia 15, às 20h. o romance "Sem Trilha Sonora'', do escritor paulista Miguel Luciano. Olivro conta a história de Gabriel e Manuel. dois amigos que buscam. por meio de diálogos em tom por vezes psicanalftico. uma forma de suportar as perdas de amigos e
companheiros que morreram por conta das complicações causadas pelo vírus HIV. A obra de Luciano pretende. por meio da ficção. alertar para os cuidados em prol do combate da Aids. Olançamento será na Leitura Megastore Del Rey (av. Presidente Carlo's Luz.' 3.00 l, Calçara).
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BELO HORIZONTE •SÁBADO, 10/12/2005 ALEX DE JESUS
Manoel Lobato diante
de sua Olivetti, de onde saem suas crônicas
Fãs entre leigos e estudiosos No ano em que a imprensa brasileira enalteceu com justiça as oito décadas de vida de Rubem Fonseca e Dalton Trevisan. o professor do Departamento de Letras da PUC Minas Audemaro Tarante Goulart acha que Manoel Lobato não é devidamente valorizado na literatura nacional. "Ele não tem um reconhecimento à altura do valor de sua obra. Li os livros dele e considero isso mais forte ainda nas crônicas de O TEMPO, é preciso ter muito fôlego para escrever textos com essa qualidade todos os dias", avalia. Para Audemaro, a literatura de Lobato tem dois diferenciais básicos: "Chama atenção pela propriedade vocabular. ele é profundo conhecedor da língua portuguesa. traz consigo a anterioridade clássica por seus conhecimentos de latim, e isso é muito importante em termos de português. e outra coisa é o nível de invenção muito significativo; ou seja. sabe trabalhar a língua e tem uma criatividade rara". As crônicas de Lobato no Magazine estão sendo estudadas pelo jornalista e escritor Wir Caetano, para dissertação de mestrado no programa de pós-graduação em literaturas de língua portuguesa da PUC Minas, com defesa prevista para fevereiro. "Escolhi 30 crônicas de forma aleatória e estou enfocando a questão da escrita híbrida na obra dele. Lobato explora muito bem a condição de contador de casos ao introduzir uma história supostamente verídica que ele vai diluindo num jogo irônico para chegar a digressões sobre as palavras, o que considero o fulcro de seus textos, esse dissecação da memória da lfngua", aponta. "Ele faz tudo com muita consciência da artesania da crônica", complementa Wir. O encantamento pela literatura de Lobato recai em uma outra dimensão sobre os leitores leigos que formam uma legião de fãs do autor. "Acompanho as crônicas desde que começou a publicar no jornal e me atraiu a forma como ele lida com o cotidiano, a sensibilidade única para tratar até de coisas amargas da vida; escreve sobre o sofrimento com uma certa poesia fascinante", diz a jornalista Fátima Beltrame. (JA)
Autor de mais de 3. 000 crônicas publicadas em O TEMPO, ele não quer comemorações amanhã, quando compleUl oito décadas de vida, mas festeja o convívio diário com os leitores JÚLIO ASSIS
anoel Lobato não pretende fazer nada de especial amanhã, quando completa 80 anos de vida. O autor de mais de 3.000 crônicas publicadas em O TEMPO diariamente (com exceção das sextas-feiras), desde 1996, diz que chegar a essa idade não traz nenhum grande significado. "Eu acho ruim estar velho e não digo isso com frescura. Há uma parábola antiga, sobre uma embarcação, que o Nelson Rodrigues adaptou da seguinte forma, a velhice é como farol traseiro do carro, só ilumina quando você dá ré, então não vale nada", lembra Lobato, rindo. "Mas me sinto satisfeito e com orgulho por estar relativamente lúcido e exercendo a minha profissão, pois comecei a minha vida profissional como jornalista e estou terminando do mesmo jeito", acrescenta. Quem acompanha as crônicas de Lobato ou a sua obra literária anterior (já publicou 17 livros). reconhece nas palavras acima a personalidade aparentemente contraditória presente em seus textos, mas que revela de fato sua inquietude permanente. O ceticismo diante da vida não encontra na casa da rua Santa Bárbara. no bairro Sagrada Família, um acabrunhado. Ali. um homem de grande vivacidade e com dificuldade de visão tem seu convívio com a famflia, os livros e cartas de leitores, recebe telefonemas e utiliza a velha máquina Olivetti para datilografar os textos que envia para este jornal. Um dos colaboradores de O TEMPO que mais recebe correspondências. Manoel Lobato diz que gosta desse retorno dos leitores. "São mui-
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tas cartas, telefonemas. o que dá uma sensação dE) estar fazendo bem para essas pessoas", avalia. Outro dia, conta, "uma professora me disse que entrou num sebo da Savassi e tinha um livrinho antigo meu lá, e o vendedor deu o preço de R$ 40, justificando que valia porque o autor já estava morto, era famoso e o exemplar ainda tinha um autógrafo dele. Obviamente ela não comprou", brinca ele, que também é constantemente convidado a dar palestras sobre sua obra. As crônicas são escritas sempre pela manhã e ele diz que não tem dificuldades de assunto. Os temas podem vir das reminiscências de sua infância sofrida na roça em Passagem do Rio José Pedro, atual Açaraf. no Vale do Rio Doce. até uma pessoa que encontrou ao sair de casa a andar pelo bairro Sagrada Família. Se interessa principalmente. costuma dizer. por sexo. misticismo e loucura. "Sexo porque Freud já mostrou que tudo gira em torno dele; o misticismo é algo sempre instigante pelo impasse entre os que acreditam e os que não crêem; e loucura porque acho que ninguém é normal, pelo menos eu acho que não sou. Escrever, aliás. para mim, é uma catarse. Como já tenho uma personalidade cristalizada e não adianta ir a psiquiatra. então escrevo", declara. As crônicas, na realidade, trazem muito mais, incluindo, além do estilo singular. digressões sobre a linguagem escrita, o que é fruto dos conhecimentos adquiridos de latim e outros ensinamentos do período em que estudou em internato no Colégio Evangélico de Alto Jequitibá. O que aprendeu e uma facilidade inata por escrever bem garantiram a Lobato emprego de revisor e depois "cronista social" no jornal
"Folha Carioca". quando chegou ao Rio de Janeiro, em 1947, aos 21 anos. Depois estudou farmácia e direito. "Fui rico, cheguei a ter nove farmácias com um sócio", recorda. Justamente a atividade farmacêutica o trouxe para Belo Horizonte, em 1965. Montou um estabelecimento na rua Oiapoque. plena zona boêmia. "Perdi o dinheiro que acumulei com aquele confisco do Plano Collor". relata. Como jornalista, depois do Rio de Janeiro. escreveu em jornais do Espírito Santo e, em Minas. trabalhou na Imprensa Oficial do Estado até se aposentar, iniciando em 1996 a publicação de suas crônicas em O TEMPO.
Só cronista
Embora já tenha publicado 17 livros. entre contos, novelas e romances. além de ter participado de várias antologias. Manoel Lobato não gosta de ser chamado de escritor. "Sou só cronista", argumenta. Desde 2002, quando saiu o livro de memórias "Cartas na Mesa", pela coleção Memória Brasileira da Oficina do Livro Rubens Borba de Moraes. de São Paulo. Lobato diz que não quer publicar mais. Seu desejo é continuar o convívio diário com os leitores das crônicas. "Dei sorte de exercer a minha profissão até o fim da vida." Sobre a morte, Lobato afirma: "Tenho muita curiosidade por ela, o que não quer dizer que quero morrer, senão me suicidaria, o que não pretendo. Vou aguardar o meu momento com muita tranquilidade. Nas minhas preces mentais, porque não sou religioso e chamo Deus de mistério, peço que esse mistério me dê uma morte tranquila, serena. Tenho medo de me acovardar. Parece mórbido, mas esse é meu temperamento."