"Ceci n’est pas une pipe" – os caminhos da Arte

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CECI N’EST PAS UNE PIPE OS CAMINHOS DA ARTE

Janeiro
Imagem criada por Pickled Stardust e disponível no Unsplash

“CECI N’EST PAS UNE PIPE” - OS CAMINHOS DA ARTE *ISTO NÃO É UM CACHIMBO

“La Trahison des images”, René Magritte, 1928-29, LACMA

Esta é a afirmação enunciada na obra “la trahison des images”, realizada em 1929 pelo pintor belga René Magritte.

É uma representação audaz, que desafia a tendência convencional e comum de identificar/ confundir uma imagem com o seu referente.

A pintura, executada a óleo sobre tela, não é, efetivamente, um cachimbo. É apenas a sua representação, mas a provocação endereçada ao espectador é sofisticada e pertinente.

O ser humano começou a pintar há mais de 45 000 anos e as

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imagens criadas nunca foram confundidas com os seres ou coisas representadas.

Reconheciam-se, nestas concretizações formais, poderes misteriosos, caminhos para a Revelação – uma revolução cognitiva em andamento, onde se construíam também os alicerces fundadores da psique humana.

“Tive a oportunidade de apresentar (…) num seminário sobre o desenho e a sua função na cura da criança, o caso de um rapaz quase mudo que investiu, a partir da sua cura, uma criação artística autêntica. Foi para ele a revelação e aceitação de uma identidade que o conduziria ao reconhecimento de movimentos psíquicos de cuja existência não teria de outro modo aceitado.”

Será esta a primeira e mais poderosa compreensão introspectiva de um artista? O que muda em nós quando separamos as nossas criações do velcro que as cola ao mundo visível? São por estas escadas que subimos em direção ao Sol, na procura da verdade?

“Portanto, se alguém o forçasse a olhar para a própria luz, doer-lhe-iam os olhos e voltar-se-ia, para buscar refúgio junto dos objetos que podia olhar, e julgaria ainda que estes eram, na verdade, mais nítidos do que os que lhe mostravam.”

(Platão, Alegoria da caverna, a República)

Hoje sabemos.

No princípio era o Verbo... E depois tudo se desenrolou na epopeia da construção da Humanidade - no pensamento, na fé, na ciência, nas artes. Neste processo edificámos a mais sofisticada estrutura da linguagem e do simbólico, através do som, do movimento, da cor, do volume, do espaço e da palavra.

Como quem diz, com a música, o teatro, a dança, a pintura, a escultura, a literatura… … a poesia.

“Os teus cabelos são como um rebanho de cabras que descem ondulantes os montes de Galaad.”

(Cântico dos cânticos, 4:1)

Há mais caminhos do que caminhantes…

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ÀS VEZES UM CACHIMBO É SÓ UM CACHIMBO

Contemplemos pois.

Está é a obra intitulada “cesta de frutas” da autoria do pintor barroco Michelangelo Merisi, conhecido como Caravaggio.

Uma cesta de frutas maduras pintada à distância de um braço, no tempo natural das pinceladas livres de um hábil desenhador e colorista.

De um lugar de proximidade, debruço o olhar sobre a obra e viajo até ao limiar do século XVII. Reabro os olhos e estou diante de um cavalete confrontado com uma canastra cheia de pomos estivais.

No ar, o cheiro a óleo de noz, a pano de linho esticado e o perfume doce de figos, parras, uvas, videiras, pêras, maçãs, pêssegos e marmelos.

“La canestra di frutta”, Michelangelo Merisi da Caravaggio,1597-1600, Pinacoteca Ambrosiana, Milano
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Enquanto se pinta a fruta amadurece: alguns bagos engelham, os figos incham e nas suas faces redondas alternam fissuras por onde reluz agora o seu melaço.

E a pintura prossegue, ao ritmo do olhar presente do artista, atento, na cadência dos gestos, entre a paleta, a tela e um ou outro borrifo de água sobre a composição, que agora perece.

“A presença é necessária para reconhecer a beleza, a majestade, o caráter sagrado da natureza.”

(O Poder do Agora, Eckhart Tolle)

Será este o segundo grande entendimento no percurso iniciático do artista? Para aceder à experiência da “Beleza”, essa que nos comove e salva, precisaremos de prescindir de qualquer pensamento, sentido crítico ou julgamento?

O cachimbo de Magritte ganhou vida própria quando no seu enigma nos deixou em alerta.

Olhamos superficialmente e por vezes à pressa, e o essencial, porque é fugaz, escapa-nos.

Não podemos entender a Arte abdicando do sentido crítico! Não a poderemos amar se não nos livrarmos dele.

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COMPANHIA INSEPARÁVEL DE VAN GOGH

O cachimbo também era uma presença constante na vida de Vincent, mas era uma presença acessória. Testemunha silenciosa de criações extraordinárias, muitas delas incompreendidas no seu tempo.

Uma dessas obras chama-se “a noite estrelada” e representa a vista da janela do quarto do hospício de Saint-Rémy-de-Provence.

Van Gogh era um leitor assíduo da publicação “Astronomie Populaire”, da revista «Harper’s», e um interessado nas descobertas científicas da época, pelo que, quando reproduziu o firmamento, fê-lo com enorme rigor e realismo.

Já em setembro de 1888, em carta endereçada à irmã, o artista dizia “algumas estrelas são amarelo de limão, outras têm um brilho rosáceo, outras um verde ou azul ou brilho de miosótis. É evidente que não basta pintar pequenos pontos brancos num fundo azul escuro”.

“De Sterrennacht”, Vincent Van Gogh, 1889, MoMA - Museum of Modern Art - New York
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Durante muito tempo a obra foi interpretada como fruto de um ensejo alucinatório, um “momento em que o génio e a loucura se encontram, produzindo a obra-prima derradeira”, mas “o pintor nunca se baseou unicamente na imaginação, mas partiu sempre da Natureza, pois era da Natureza que Van Gogh gostava e era esse apego que queria transmitir”.

(Revista Expresso, nº1325, “o céu de Van Gogh”, de Nuno Crato)

O motivo pelo qual sabemos estar a olhar, não para qualquer outra noite plasmada no firmamento, mas exatamente para aquela noite estrelada, a singularmente pintada por Van Gogh, é porque a exatidão na posição e características dos astros patente na obra é computável e reprodutível.

Albert Boime, professor de História de Arte na Universidade de Califórnia em Los Angeles, E. C. Krupp, diretor do Observatório Griffith e o astrónomo George Abell, reconstruindo o céu para esse local e data conseguiram determinar o momento exato a que se refere a pintura: 4 da manhã da noite do dia 18 para o dia 19 de junho de 1889.

Quando o pintassilgo não pode cantar. Quando o poeta é um peregrino. Quando de nada nos serve rezar. Caminhante não há caminho, se faz caminho ao andar…

(Proverbios y cantares XXIX, Campos de Castilla, Antonio Machado)

Boa viagem caminhantes!

Nuno Quaresma Lisboa, 4 de Janeiro de 2023

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Versão alargada da reflexão publicada na rúbrica “Educação pela Arte”, dedicada à importância da educação artística na formação integral, na edição 596 do Boletim Salesiano (Janeiro/ Fevereiro de 2023)

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