Jornal do Itacorubi

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Jornal do Itacorubi, www.observatoriomovel.com

Volume 1 - Florianópolis, dezembro de 2018

Distribuição gratuita

ISSN 2595-8399

ENQUETES HORÁRIOS DE ÔNIBUS RECEITAS E MAIS...

A CHEGADA DOS PRÉDIOS PÚBLICOS

A partir da década de 1970, a instalação das instituições públicas determinou o modo de ocupação e de urbanização do Itacorubi (pág. 5 e 6) e influenciou a vida dos moradores do bairro (pág. 27 e 28). Na foto, o início da terraplanagem e obras para construção do Prédio da Reitoria da UDESC.

Rolê é bom! Página 23

ITACORUBU O bairro foi assim apelidado quando o cemitério e o lixão se mudaram pra cá (pág. 11). Conheça mais o urubu na reportagem sobre o manguezal (pág. 8 e 9). Ele é fundamental ao ambiente onde vive.

Prédios cada vez mais altos (e chiques) alteram cenário do bairro. pág. 13 e 14

O jornal do bairro chegou.

Pode levar, é grátis! GUIA DO COMÉRCIO LOCAL Seleção de estabelecimentos no Itacorubi. pág. 26, 27 e 28

JARDINS DO ITACORUBI Relatos e dicas. pág. 21 e 22

do manguezal, do pôr-do-sol nas curvas do rio, dos antigos moradores, de quem recém chegou, da vista do alto dos morros, do lixão, dos urubus, dos caranguejos, dos jacarés, das áreas aterradas, das repartições públicas, dos prédios modernos, dos campus universitários, dos estudantes da UDESC e da UFSC (os que frequentam as aulas e os que frequentam os bares), das quitinetes para aluguel (sempre dá pra construir mais uma, mocozada no quintal), dos becos, dos atalhos, das passagens, das quebradas, das servidões estreitas, das praças improvisadas, dos terrenos baldios, dos condomínios de alto padrão, do esgoto sem tratamento, dos lançamentos imobiliários, das rodovias engarrafadas no fim da tarde, das casas que resistem, dos lugares abandonados, dos lugares que não existem mais, do vendedor de morangos, abacaxis e jabuticabas, dos bares, dos mercadinhos, das padarias, dos bazares, das funerárias, do cemitério, da Avenida da Saudade, dos pescadores, do vendedor de tarrafas, das lavadeiras, das benzedeiras, da subida do morro, do pé-de-jaca, da loja que fechou... Que tal ler na fila?!


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NESTA EDIÇÃO: 2e3 Expediente/Editorial 4 Manchetes 5e6 A chegada dos prédios públicos Observatório-móvel

6e7 UDESC

Observatório-móvel

O dia que a UDESC quase fechou Sandra Ramalho e Oliveira

Beco dos jubilados Jonathan Belusso

Relatos de Passaic Observatório-móvel Bruna Maresch

8e9 O manguezal do Itacorubi Observatório-móvel

10 Itacorubi é rio

Observatório-móvel

11 e 12 Para onde vão os rejeitos da cidade? Museu do Lixo Observatório-móvel

13 e 14 Verticalização do Itacorubi

Observatório-móvel (com a colaboração na pesquisa de Anaísa Catucci)

Visita ao Grand Classic Observatório-móvel

15 e 18 Morro do Quilombo Observatório-móvel

16 e 17 Vista áerea do Itacorubi 19 e 20 Jardins do Itacorubi Observatório-móvel

21 Variedades 22 Um passeio no cemitério

Observatório-móvel (com a colaboração de Anaísa Catucci)

23 Rolê é bom

Observatório-móvel

24, 25 e 26 Guia do comércio local Observatório-móvel

26 Imóveis abandonados 27 e 28 Lembranças de um Itacorubi que não existe mais Observatório-móvel

Mapeamento inicial de temas e lugares para pesquisa. Nem tudo que foi listado entrou aqui. Um bairro é muito maior que um jornal. Você conhece tudo o que tem no seu bairro?

EXPEDIENTE

LOCAIS DE DISTRIBUIÇÃO

Jornal do Itacorubi Volume 1 - 2018 ISSN 2595-8399

Centro de Artes - UDESC FAED-UDESC ESAG-UDESC Biblioteca Central da UDESC Reitoria da UDESC

Editores:

João Reginatto, Juliano Ventura e Nara Milioli.

Colaboradores:

Anaísa Catucci, Bethânia Carolina Hardt, Bruna Maresch, Bruno Bachmann, Danielle Lemes, Diva Maria da Veiga Cordeiro, Jonathan Belusso, Lara Albretch, Maria José Amorim, Matheus Hobold Sovernigo, Rafaela Reginatto, Raphael Gimenes, Rodrigo Brum, Sandra Ramalho e Oliveira, Sophia Amorim, Secretaria de Comunicação da UDESC e tantas outras pessoas que colaboraram.

Avenida Madre Benvenuta, 2007

Mercado Itacorubi 14 horas

Rua Antônio Joaquim de Freitas, 35

Supermercado Rosa

Rodovia Admar Gonzaga, s/n

Projeto gráfico: Os editores.

Bazar da Ilha

Diagramação e edição de imagens: Juliano Ventura. Revisão: Nathalia Muller. Tiragem: 2.500 exemplares. Observatório-móvel

grupo de pesquisa CEART-UDESC-CNPq www.observatoriomovel.com / observatoriomovel@gmail.com

Rodovia Amaro Antônio Vieira, 2065 Diagramado com as fontes Arial, Arial Black e Times New Roman, básico e elegante. Impresso pela gráfica NSC Comunicação no bairro Capoeiras, Florianópolis, 2018.

Mercado da Família

Rodovia Amaro Antônio Vieira, 2218

Bar do Pacheco

Rodovia Amaro Antônio Vieira, 2907

Bar Sobradinho

Servidão do Palmeiras, 52

29 Receitas Dica de artesanato com Vera Lúcia 30 e 31 Variedades O retorno de um jornal Diva Maria da Veiga Cordeiro

Museu do Lixo Biblioteca da Comcap

Rodovia Admar Gonzaga, 130

Armazém Natural

Avenida Madre Benvenuta, 2007

Padaria Santa Isabel

Rodovia Amaro Antônio Vieira, 2082

Associação do Bairro Itacorubi - ABI Servidão José Antônio de Lima, 50

Armazém Santos

Rua do Quilombo, 422

Centro de Saúde do Itacorubi Rodovia Amaro Antônio Vieira, 2260

Associação de Voluntários do CEPON Rodovia Admar Gonzaga, 655

Padaria Vó Flôr

Rodovia Admar Gonzaga, 3028

Bar de Pedra

Rua Pastor William Richard Schisler Filho, 1235

Bia Modas

Rua da Represa, em frente ao pé-de-jaca


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EDITORIAL

N

ós, editores do jornal, que trabalhamos, estudamos ou já moramos neste bairro – só ainda não tínhamos sido jornalistas neste bairro nem em outro –, percebemos que embora o Itacorubi curiosamente tenha de quase tudo (é mata, morro, mangue, creche, faculdades, tratamento ao câncer e são tantos os prédios públicos), além de não ter praia, algo tão representativo de Florianópolis, também não tinha um jornalzinho de bairro em circulação. Pois agora tem! Este jornal foi elaborado e desenvolvido entre os meses de maio e novembro deste ano. Investigamos e nos envolvemos com o Itacorubi não só pela pesquisa bibliográfica mas também por muito bate perna, de ponta a ponta do bairro: sob o sol ou sob chuvas e pisando em lajota solta ou poça d’água (coisa que também se acumula bastante por aqui). Tomamos café nas padarias e nas casas das pessoas, tomamos cerveja e paqueramos. Enfim: nos envolvemos. Publicamos algumas informações sobre as histórias do bairro, seu cotidiano, seus distintos cotidianos – o local ora assemelha-se uma cidade interiorana, com comércio fechado ao meio-dia e curiosos à janela, ora a uma agitada capital, com fumaça, congestionamento e barulho de buzina –, seu território e modos de ocupação, as transformações pelas quais passou e as diferentes percepções que os moradores têm a respeito do lugar onde vivem. Também compilamos curiosidades, dicas, informações úteis, enquetes e receitas. Foram realizadas caminhadas semanais, visitas a instituições, espaços públicos e residências, contato com quem pesquisou aspectos do bairro – como as geógrafas Vera e Maria Carolina que analisaram a construção dos prédios do Itacorubi e o biólogo Matheus, que inventariou as pesquisas sobre o manguezal – e entrevistas aos passantes e pessoas nos seus locais de trabalho nas quais foram abordadas questões sobre segurança, saúde, educação, lazer, convivência, trânsito, mobilidade, atenção do poder público e pontos positivos e negativos do bairro. Pela escuta de diversos moradores e também de pessoas que trabalham ou geralmente transitam pelo bairro, tentamos pouco a pouco compor um panorama histórico do Itacorubi através de variadas perspectivas. Moradores e frequentadores antigos, mas também gente que chegou agora. Contribuiu muito com a nossa pesquisa a dona Maria José Amorim da Silva, de 67 anos, mais conhecida como Zezé. Uma das Zezés locais, você provavelmente deve conhecê-la. Nascida e criada no Itacorubi, onde viveram os seus antepassados, Zezé nos acompanhou em várias andanças e, além de suas histórias, nos apresentou moradores que vivem no bairro há muito tempo. Do tempo em que ela era pequena e podia

O que você gostaria de ver num jornal dedicado ao bairro do Itacorubi? Notícias sobre o bairro Classificados Passatempo Seção de cartas Seção de esportes Agenda cultural Crítica gastronômica Geografia e história -

11% 10% 17%

37%

21%

69%

40% 49%

A soma dos itens ultrapassa os 100% porque cada entrevistado podia escolher até três opções. Os dados são de uma pesquisa feita nas ruas do bairro em agosto deste ano com um total de 71 entrevistados, dos quais 89% são moradores locais. 16% são membros de famílias que habitam o bairro há mais de uma geração e 30% moram no Itacorubi há mais de 15 anos. Ao longo do jornal você encontra outros resultados da pesquisa.

tomar banho nos rios que estão hoje poluídos. Contando assim, nem se acredita, mas Zezé disse que aprendeu a nadar nesses rios. Mas ainda tem rio, ou parte do rio, pra gente ir se banhar. Gabriel Jorgio, de 21 anos, que mora no bairro com a família, foi quem primeiro mostrou o caminho pra cachoeira no Morro do Quilombo, assim como outros caminhos e atalhos desse morro. A equipe do jornal teve o prazer de trocar ideias com Dona Olenia, conhecedora de plantas que lavava roupas no rio Itacorubi quando ainda era possível; de ouvir relatos entusiasmados de Dona Didi, que guarda na memória não apenas o ritual das benzeduras (esse ritual tradicional em sua família, mas aprendido/revelado através de um sonho), mas também lembra o número exato de aparelhos telefônicos de que tirava o pó na época em que trabalhou na TELESC (nós, que não anotamos, esquecemos); de saber de histórias antigas da UDESC, contadas por Zeta, referentes ao período em que ela trabalhou lá; de falar com Seu João Batista, que transformou o campus da UDESC em um pomar e hoje planta e cria animais em outro terreno do bairro (em um desses sítios restantes da urbanização, escondidos entre os condomínios); e de conversar com tantos outros moradores que nos receberam e atenderam aos nossos questionamentos quase sempre de forma muito simpática e interessada. As atividades que culminam com a publicação do jornal ocorreram no contexto do Programa de Extensão da UDESC intitulado Mídias Táticas. A extensão é uma das três funções básicas de uma universidade, junto com o ensino e a pesquisa. São ações de extensão que aproximam a universidade da comunidade, por meio de pesquisas e prestação de serviços. Nesse sentido, a publicação deste jornal é um exercício de uso tático desta mídia e tem como um de seus objetivos estimular as ligações da UDESC com o seu entorno geográfico, ou seja, o espaço e a comunidade do bairro Itacorubi. O interesse pelo formato jornal se deveu a seu caráter cotidiano e à possibilidade de agrupamento de uma diversidade de conteúdos, bem como a abrangência e o público consolidado deste veículo. Oferecido impresso ao leitor gratuitamente (a verba para produção e impressão da publicação é proveniente de recursos do Programa de Apoio à Extensão da UDESC), o jornal se insere no dia-a-dia de padarias, mercados e outros comércios do bairro, circulando junto aos impressos publicitários e aos periódicos que diariamente são comercializados nesses locais.

Vasculhando o arquivo fotográfico daque Zezé com a Zeta. Um comércio nos encantou.

Tarde na casa da dona Olenia.

Pausa para ar fresco.

Conversa com desconhecidos...

O rolê como método.

Este jornal desloca, contudo, a temporalidade comum de um jornal: uma só edição, misturando reportagens sobre dados atuais com fatos históricos. No Itacorubi convivem mais de um tempo.

Durante a pesquisa para o Jornal do Itacorubi, encontramos o livro “Itacorubi: Fazendo História na Sala de Aula”, publicado pela Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de Florianópolis em 2003. A publicação decorreu de um resgate histórico do bairro Itacorubi iniciado nas aulas de história da professora Ana Lúcia Freire na Escola Básica Vitor Miguel e que se desdobrou em um processo de pesquisa que envolveu alunos, professores de Geografia e História, além de outros moradores do bairro que contribuíram como fontes de pesquisa. Como apresentam as autoras: “Este não é um livro como os outros, ele tem muitas diferenças. Primeiro, porque foi escrito por alunas e professoras aprendendo a fazer pesquisa. Segundo, não tem semelhanças com aqueles livros que usamos nas nossas aulas. Ele é um retrato fiel daquilo que fizemos durante algum tempo em nossas aulas de História e fora da sala de aula. Nele encontramos histórias reais, pessoas que através de suas lembranças nos aproximaram mais da história e da vida de moradores do bairro Itacorubi.”

Garça-branca (Ardea alba)

Vivem na borda de brejos, mangues e à beira-mar. A garça está sempre bem limpa. Suas penas possuem uma textura que impede que a sujeira fique grudada, o que ajuda a manter a brancura da ave.


Manchetes de jornais e sites da impresa local.

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05

A CHEGADA DOS PRÉDIOS PÚBLICOS

Foi a instalação das instituições públicas no bairro a partir da década de 1970 que impulsionou a ocupação e urbanização do Itacorubi.

Obras de construção do prédio da reitoria da UDESC no Campus Itacorubi que surgia em 1979. Ao fundo, o já erguido edifício da antiga TELESC.

N

otoriamente, foi a chegada das instituições públicas que impulsionou a ocupação do bairro Itacorubi ao longo das últimas décadas. Até então o Itacorubi era uma área eminentemente rural, de pastos e lavouras, assim como os bairros vizinhos do Pantanal e da Trindade, onde se criava gado. Isso só foi se alterar a partir da construção da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 1960 nas terras da Fazenda Modelo Assis Brasil e, posteriormente, da instalação da Eletrosul no Pantanal em 1975. Acompanhando o movimento de ocupação da Trindade e do Pantanal, o Itacorubi passou a receber órgãos e autarquias do poder público na década de 1970, especialmente órgãos estaduais ligados à atividade agropecuária, como havia sido idealizado pelo engenheiro agrônomo Glauco Olinger, então assessor de agricultura do Plano de Metas do Governo. Foi naquele período que houve a intenção de agrupar órgãos vinculados à agricultura para facilitar a vida de agricultores que vinham do interior resolver pendengas na capital neste bairro que, até então, era só fazenda. Daí surgiu a piada de que o Itacorubi situava-se a “3km da Lagoa da Conceicão e a 10km da Transamazônica”. A construção dessas instituições era também uma forma de expandir a fronteira urbana da cidade, restrita à região central, o que viria a supervalorizar essas terras. A pesquisadora Melissa Laus Mattos, mestre em Arquitetura, Urbanismo, Cultura e História da Cidade, pontua que a intervenção do poder público no local “relacionava-se ao favorecimento de parcela mínima da população, para quem a construção de acessibilidades e infraestrutura urbana com recursos públicos ampliaria o mercado consumidor e o preço de suas terras.” No caso do Itacorubi, trata-se também de um direcionamento à ocupação do norte da Ilha, especialmente de seus balneários.

O CETRE (Centro Prático de Treinamentos), destinado a capacitar técnicos agrícolas para atividades de extensão rural, foi um dos primeiros a se estabelecer no bairro em 1975, localizado onde hoje funciona o Centro de Treinamento da EPAGRI (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina), junto com o Laboratório de Análise de Solos e Minerais. A construção da TELESC data da mesma época. Na sequência, vieram o campus da UDESC e o Centro de Ciências Agrárias da UFSC. No fim dos anos 1980, foi erguida a sede da CELESC.

do Itacorubi em 1979. Isso sem mencionar que durante anos essas instituições despejaram seu esgoto sem tratamento nos cursos d’água e em áreas de manguezal de suas imediações. A infraestrutura urbana e os acessos viários do bairro nos anos 1970 eram bastante precários, tanto que os funcionários do órgãos públicos transferidos para o Itacorubi chegaram a receber inicialmente uma ajuda de custo para cobrir as despesas de transporte e alimentação. Mas a vinda dessas instituições e das pessoas a elas vinculadas, com o passar do tempo passou a demandar a construção de moradias e de toda sorte de infraestrutura urbana básica como vias e comércios. Um dos principais efeitos desse processo você confere na matéria sobre a verticalização do bairro na página 13.

A chegada dessas instituições alterou paulatinamente o território e o cenário do bairro ao ocupar os terrenos dos antigos sítios e lavouras, que eram então transformados em canteiros de obras. Aterros, terraplanagens, canalização de cursos d’água e aberturas de vias moldaram o que viria a ser o novo Itacorubi. Conforme dados apresentados pelo biólogo Matheus Sovernigo, somente uma área de pesquisa do Centro de Ciências Agrárias da UFSC custou a supressão da vegetação do manguezal em aproximadamente 10 hectares, utilizados para formação dos tanques de carcinicultura Adaptação da tabela apresentada pelas pesquisadoras Vera Lúcia Nehls Dias e Maria Carolina Soares no artigo “Agonia no bairro Itacorubi: Crônicas de uma morte anunciada” (Revista Geosul, 2018). Serviram também (técnica de criação de como fontes para este texto os trabalhos “Arquitetura institucional em concreto aparente e suas repercussões camarões em viveiros), após no espaço urbano de Florianópolis entre 1970 e 1985” (UFSC, 2009) de Melissa Laus Mattos, “Manguezal a inauguração da Estação do Itacorubi: uma revisão da disponilidade de dados ecológicos visando o direcionamento de novos estudos” (Revista Oecologia Brasiliensis, 2009) de Matheus Hobold Sovernigo e “Contemplando Itacorubis: Memórias da Experimental de Aquicultura transformação de um lugarejo na segunda metade do século XX” de André Eitti Ogawa (UDESC, 2010).


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A UDESC (Universidade do

Estado de Santa Catarina) existe desde 1965, quando foi fundada por um Decreto Estadual com o nome de “Universidade para o Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina”. Nessa época, já existiam a Faculdade de Educação (FAED) e a Escola Superior da Administração e Gerência (ESAG), criadas em 1963 e 1964, respectivamente. Ambas funcionavam no centro de Florianópolis. A primeira ocupava o prédio em que hoje é o Museu da Escola Catarinense (MESC). Já a segunda ficava no número 91 da Rua Visconde de Ouro Preto e foi a primeira unidade a ser transferida para o campus do Itacorubi, seguida pela reitoria. A UDESC atualmente abriga no campus do Itacorubi (além da FAED, da ESAG e da reitoria) o Centro de Artes (CEART), a Biblioteca Central e o Restaurante Universitário - este inaugurado apenas recentemente, após muita reivindicação. O campus foi instituído em 1979, em frente à já construída sede da TELESC, no cruzamento da Avenida Madre Benvenuta com a Rodovia Admar Gonzaga. “A UDESC era longe, ficava meio ilhada entre o Itacorubi e o Santa Mônica, pois era difícil chegar lá e ao redor não tinha nada por perto. Para

ir de ônibus havia a linha Santa Mônica da Empresa Transol, porém os horários eram muito restritos. O ônibus saía do centro, passava pela Avenida Mauro Ramos ou pela Gama D’Eça, seguia pela Rua Lauro Linhares, atravessava o Bairro Trindade até chegar a UFSC, para depois acessar a Madre Benvenuta. Após a terraplanagem, a área do campus ficou bem árida, com pouca vegetação. Não tinha muros, nem grades”, comenta Nara Milioli, que estudou no local entre 1984 e 1988 e é

professora da instituição desde 1995. Outro fato curioso: as primeiras instalações do CEART eram galpões de madeira doados pela Itaipu. As estruturas eram habitações provisórias que os funcionários utilizavam como moradia e depósito na obra de construção da usina localizada na fronteira do Brasil com a Argentina e o Paraguai. Alguns galpões ainda estão no campus e são utilizados como oficinas que atendem disciplinas do curso de design e como depósito de materiais.

O dia em que a UDESC quase fechou Sandra Ramalho e Oliveira

O

Professor Milton Valente era o Diretor Geral do Centro de Artes, no final da década de oitenta. O Professor Lauro Ribas Zimmer era o Reitor da Universidade. Como tinha outro compromisso na Universidade Federal, onde também era professor, Milton Valente pediu que eu fosse representar o Centro de Artes em uma reunião dos Diretores de Centro com o Reitor, convocada extraordinariamente. Necessário se faz lembrar que até 1990, havia uma instituição mantenedora da UDESC, denominada FESC, Fundação Educacional de Santa Catarina. Para otimizar os procedimentos administrativos, a praxe era que uma mesma pessoa ocupasse a presidência da Fundação e a Reitoria da UDESC. Ocorre que o Reitor da UDESC, até então, não era eleito pela comunidade como hoje, mas ainda assim, indiretamente, por seus representantes. Mas a indicação do presidente da FESC era prerrogativa do Governador do Estado.

Ceart nos anos 1980 com o Morro da Cruz ao fundo. A foto mostra as três estruturas que compunham o Centro de Artes: no prédio de trás ficavam os ateliês de desenho, gravura e pintura; no do meio, a administração; e no da frente (que existe até hoje), a marcenaria e a cerâmica. Nota-se também que naquela época não havia muros cercando o campus. À frente, o trecho do córrego que deságua no Rio Itacorubi que foi posteriormente coberto para a instalação de calçada, ciclovia e um ponto de ônibus.

E nessa época, o Reitor Lauro Zimmer não era do mesmo partido político do Governador, o qual nomeou uma pessoa de sua confiança para a presidência da Fundação. Os dois viviam às turras, os recursos não eram repassados e toda a instituição sofria com esse descompasso político. A Constituição Federal de 1988 instituía a gratuidade da educação pública superior e a UDESC, até então, era paga. De fato, o que os alunos pagavam era parte do seu custo, pois o Estado subsidiava os cursos e era isto que vinha sendo sonegado, sendo que o que era pago pelos estudantes não era suficiente para a manutenção da Universidade. Para chamar o Governador às suas responsabilidades em relação à UDESC, o Reitor Lauro Zimmer toma uma corajosa decisão, a de tornar o ensino na UDESC gratuito, auto-aplicando o texto constitucional e abrindo mão dos poucos recursos que dispunha.

Edifícios modernos são erguidos em cima do pasto

Isto não sensibilizou o Governador, frustrando a estratégia do Reitor. Ele, então, chamou a citada reunião para dar ciência aos Diretores de Centro de sua próxima decisão.

Com a construção do edifício da TELESC na Avenida Madre Benvenuta (inaugurado em 1976), o bairro Itacorubi ganhou seu primeiro exemplar do modelo arquitetônico que vinha se disseminando pela cidade: o prédio foi erguido em estrutura de concreto aparente, que conforma suas fachadas. Projeto dos arquitetos Moyses Liz e Odilon Monteiro, o edifício apresenta a forma de “Y” que remete ao projeto de Marcel Breuer para a sede francesa da UNESCO e que terminou por inspirar o desenho do logotipo da empresa. Na década de 1980, projetaram também, dessa vez com Enrique Brena, o prédio sede da CELESC nas proximidades da Rodovia Admar Gonzaga. Com estrutura em concreto pré-moldado, o prédio apresenta planta livre com um hall de circulação central, dois pátios internos no pavimento térreo e quatro blocos de zonas de trabalho. Pelo hall central, é através de uma claraboia e aberturas que ocorre a iluminação e a ventilação do interior do prédio.

As informações são de Melissa Laus Mattos, arquiteta que pesquisou a construção de prédios em concreto aparente na cidade de Florianópolis entre 1970 e 1985.

A pedido do Diretor do Centro de Artes, o Professor Milton Valente, na condição de Coordenadora de Curso - lembrando que Centro tinha apenas uma curso, a Licenciatura em Educação Artística, com suas quatro habilitações – fui a esta reunião. Eu tinha entrado na UDESC há pouco tempo, era inexperiente, e fiquei estarrecida. Citando as consequências da falta de recursos para manutenção, como o fechamento sumário de banheiros por falta de condição de uso e a morte de animais do Curso de Veterinária, o Reitor Lauro Zimmer leu um longo documento que estava levando a Brasília, para entregar ao Ministro da Educação, em suas palavras, entregando assim, a ele, uma autoridade maior, as chaves da UDESC.

Placas que anunciam em 1983 as obras de pavimentação da Rodovia Antônio Amaro Vieira.

Este ato, no qual honrosamente representei o Centro de Artes e do qual poucos têm conhecimento, foi, finalmente, uma estratégia que sensibilizou o Governador, a UDESC não fechou, mas continuou com recursos muito escassos, sobrevivendo, apenas, até que partido daquele Governador foi derrotado, nas eleições seguintes.


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BECO DOS JUBILADOS

A história das árvores frutíferas do campus

P

or entre os prédios do campus 1 da UDESC, no Itacorubi, encontra-se um lugar que poucos conhecem, muitos não sabem de sua existência, e alguns esforçam-se para esquecêlo; Trata-se do infame Beco dos Jubilados. Porém, é muito mais que um lugar indesejado ou um limbo de almas discentes destinadas a nunca mais deixar a universidade.

A

maioria das árvores frutíferas que hoje são atração do campus da UDESC no Itacorubi foram plantadas pelo funcionário João Batista. Seu João, nativo da Ilha, trabalhou por 40 anos na instituição. Lá, atuou como jardineiro, vigia, assistente administrativo, enfim, para o que lhe chamavam – por isso ficou conhecido como o “mil e uma utilidades”. Ele, que acompanhou a instalação do campus no bairro, lembra que no passado ia trabalhar a cavalo, cena pouco imaginável Uma moradora das redondezas nos hoje na Avenida Madre contou que era comum, quando Benvenuta.

A palavra jubilar é amplamente conhecida pelo seu significado de um estudante estar sob risco de permanência ou até mesmo perder sua vaga e matrícula na universidade devido a prorrogação excessiva de seu curso por conta de seu desempenho e presença em classe. Contudo, júbilo possui sinônimos que certamente são contrários aos sentidos comumente pensados. Jubilar também significa regozijar-se, encher-se intensamente de contentamento e alegria.

ainda não havia grades em volta do

Seu João conta que campus, que famílias passeassem por lá. Mas você ainda pode! Basta usava seu tempo vago entrar por um dos portões. Venha na UDESC para plantar passear, só, com sua turma ou com árvores frutíferas. Ele, seu bicho de estimação e saborear que aprendeu a plantar as frutinhas da UDESC! Tem pé de no mato com o pai, amora, de goiaba e outros... vendo que a área do campus era só um “capoeirão” e que o projeto paisagístico não saía do papel, resolveu autonomamente dar sua contribuição. Levava para o local as mudas que produzia e buscava o lugar ideal para plantar cada uma.

Localizado nas cercanias da universidade sob a sombra constante de um prédio destinado aos estudos, o Beco dos Jubilados reúne estudantes de diversos cursos diferentes mas que partilham os mesmos temores e anseios, que são discutidos em clima de camaradagem e confraternidade. O termo júbilo é experienciado sob seus múltiplos signos nesse local paradoxal.

Entretanto, como salienta, sua atuação não era bem vista pela direção do campus que repetidamente mandava arrancar as mudas plantadas. Mas ele se recusava: “se quisessem arrancar, eles que fossem lá e arrancassem”. O problema apontado era sempre o mesmo: as plantas escolhidas não condiziam com a “estética” planejada para os jardins do campus. Seu João lembra de uma das discussões sobre uma goiabeira em frente ao prédio do Centro de Artes. O então diretor reclamou daquela planta, que cresceria e sujaria o entorno com as frutas que cairiam do pé. Satisfeito, seu João constata que o diretor já se foi, mas que a goiabeira continua lá. A goiabeira, o mamoeiro, a aceroleira, a pitangueira… Todas estão lá produzindo frutos que não sujam o campus, pois são disputados pelos alunos e pelos pássaros.

Jonathan Belusso

DESENHO DE BRUNO BACHMANN

Longe das garras institucionais porém dentro de seu círculo o Beco é um refúgio para os estudantes desgastados e fartos de sua jornada acadêmica, pressionados a resultados e pouco apoiados. Num clima de niilismo ativo os estudantes que visitam esse lugar fantástico encontram entre si força e motivos suficientes para continuar seu rumo até a conquista do canudo vazio que simboliza a formação no ensino superior.

oi dois meses antes de concluir o mestrado e teoricamente “sair da universidade” que F participei do processo de transformação deste espaço

PASSAIC Jardim movimento

Á

Vista do jardim Passaic: aroeira, bicho-banco, escada e cofre.

rea ocupada desde 2015 pelo grupo Observatório-Móvel para as suas pesquisas. Pequeno monte de terra ao lado do Restaurante Universitário da UDESC, o terreno vinha sendo utilizado como depósito de materiais que sobraram das obras do campus e outros rejeitos. Após a limpeza do local, foi realizado o plantio de ervas para chás, mandioca, feijão, batata doce, entre outras. O local também acolheu a mariposa, um bicho-banco desenhado pelo Grupo Fora, que foi colocada sob a aroeira. Com o banco, o local se tornou um ponto de descanso à sombra para quem vai almoçar no RU. Nem todo cultivo vingou, mas para ser preservada e cumprir a sua função social, há outros tipos e perspectivas de produtividade para uma porção de terra. Passaic é hoje uma ilha de resselvagização em meio às áreas ajardinadas e estacionamentos do campus universitário.

À sombra da aroeira na Mandiocada, evento realizado no Passaic em 2017.

ao lado do restaurante universitário da udesc. É um canteiro carinhosamente chamado de Passaic pelo observatório-móvel, o grupo de pesquisa que cuida do espaço. Aparentemente abandonado é na verdade inspirado em várias concepções de jardim: o jardim-movimento de gilles clement, a revolução da palha do fukuoka, a jardinagem de guerrilha, praticada pelo mundo afora. É uma felicidade saber que ele resiste e prestes a completar dois anos está se convertendo em uma micro-floresta dentro do campus. Por não ser um canteiro convencional, com plantas facilmente reconhecíveis ou com uma suposta funcionalidade (como se não fosse o suficiente elas nos fornecerem oxigênio), já enfrentou controvérsias com os vizinhos, com a direção, com os funcionários da limpeza. Ganhou certo respeito graças a uma singela placa escrita: “pesquisa da universidade”, que lhe deu status de projeto de pesquisa e assim o protegeu de seguir o destino da vegetação do entorno. Que existam projetos de pesquisa como este é uma ideia pra semear por aí. Talvez a própria direção da universidade não tenha muita noção da funcionalidade deste tipo de pesquisa, o que se pode imaginar já que de vez em quando o grupo de pesquisa sofre algum tipo de advertência. Acredito que enquanto durar, quem frequenta o espaço sabe das diversas formas de aprendizagem que só o espaço ao ar livre pode nos ensinar, simplesmente pelo fato do espaço ser aberto A QUALQUER UM que estiver passando. Essa condição de abertura possibilita compartilhar conhecimentos básicos que passam longe das rotinas universitárias. Coisas que acadêmico sentado na cadeira nem imagina, como plantar batata, descascar mandioca, etc...

Texto de Bruna Maresch, publicado em rede social em maio de 2017.


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O MANGUEZAL DO ITACORUBI Um dos maiores mangues urbanos do Brasil, o Manguezal do Itacorubi é cercado pela cidade que se ergue à sua volta e sobre ele.

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em todo mundo que passa pela Avenida da Saudade sabe que está cruzando uma das maiores áreas de manguezal em perímetro urbano do Brasil. A extensão da Ilha de Santa Catarina é composta por várias áreas de mangue, entre as quais: o Manguezal de Ratones e do Saco Grande, que integram a Estação Ecológica dos Carijós; o Manguezal do Rio Tavares e da Tapera, parte integrante da Reserva Extrativista Marinha do Pirajubaé e o do Itacorubi, localizado na baía norte, junto à parte central do aglomerado urbano da ilha. O vasto mangue de 1,5 quilômetro quadrado hoje está delimitado como Parque Municipal do Manguezal do Itacorubi, criado pelo Decreto Municipal 1529/2002, que definiu também a gestão compartilhada entre a Prefeitura de Florianópolis e a UFSC, para a qual a União cedeu o local em 1969. O mangue é um ecossistema de transição entre a terra e o mar que ocorre em regiões tropicais e subtropicais no encontro de rios e mares. No mundo estima-se que haja 172 mil quilômetros quadrados de mangue. No Brasil, que detém aproximadamente 15% deste total, qualquer área de incidência é considerada de preservação permanente (APP), como define a lei federal nº 12.651 de 2012. Nem sempre foi assim. São relativamente recentes as pesquisas que apontam a importância do mangue e ainda mais recentes as iniciativas para valorizalo e preserva-lo. Hoje sabemos ser um

Vista da Avenida Saudade - que corta o manguezal do Itacorubi - do alto da passarela para pedestres, nas proximidades do Elevado do CIC, cuja construção reduziu em mais de 10 mil metros quadrados a área do manguezal ao redor, devido ao aterramento.

ecossistema fundamental, uma vez que mangues são áreas que se constituem como grandes berçários naturais, tanto para espécies nativas como para as que lá encontram as condições adequadas para reprodução, eclosão, criadouro e abrigo. E é no mangue em que se produz grande parte do alimento capturado no mar - camarões e mexilhões, por exemplo.

que ocupava em 1938. Seu espaço foi sucessivamente reduzido por meio de diversos aterros com vistas às construções da Avenida Beira-mar Norte, do Elevado do CIC, do antigo lixão, do loteamento do bairro Santa Mônica, dos campus da Universidade Federal de Santa Catarina e da Universidade do Estado de Santa Catarina e do Shopping Iguatemi.

Estima-se que o Manguezal do Itacorubi sofreu uma perda de metade de seu tamanho se comparado à área

Além da supressão de área, um dos grandes problemas desse manguezal é a poluição. Ele é o mais atingido pela emissão de esgoto sem tratamento. Recebe os efluentes da bacia do Itacorubi, que drena populosos bairros da cidade. A presença do cemitério e do lixão nas imediações também é uma ameaça. O cemitério não conta com drenagem para impedir a contaminação com a decomposição dos corpos e o lixão ainda libera metais pesados no ambiente, mesmo depois de quase trinta anos de sua desativação.

Os efeitos da intensa ocupação do mangue e seus arredores são percebidos pela quase extinção dos caranguejos e pela superpopulação de jacaré-dopapo-amarelo. Ao que tudo indica, a proliferação dessa espécie é causada pela falta de predadores naturais. São especialmente as garças que comem os ovos e os filhotes pequenos dos jacarés, mas elas estão desaparecendo. A hipótese é que os saguis, animais exóticos trazidos para a Ilha anos atrás se alimentam de ovos de pássaros como a garça, o que provocou um desequilíbrio ambiental. Em outubro passado, um jacaré de mais de um metro de comprimento saiu do mangue nas proximidades do Terminal de Integração da Trindade e atacou um cachorro, que teve a mandíbula quebrada. No dia seguinte, outro jacaré com o dobro do tamanho foi visto andando pela calçada na mesma região.

Caso se depare com situações irregulares ocorridas no Manguezal, como desmatamento ou descarte de lixo, você pode fazer uma denúncia anônima. Entre em contato com a FLORAM pelo telefone 3251-6535 ou pelo e-mail ouvidoria.floram@pmf.sc.gov.br. As passarelas de madeira foram as únicas estruturas instaladas na implantação do Parque. Dispõem de bancos, mirantes e placas informativas. Há bastante tempo danificadas em vários pontos, essas passarelas estão com muitas partes caídas, oferecendo riscos aos eventuais visitantes que ainda se aventuram por lá, apesar das péssimas condições. Frequentadas de dia mais pelos pescadores, ao cair da tarde se tornam pontos de encontros casuais entre homens. Aqui o mosquito pica mesmo.

Serviram como fontes para este texto o trabalho “Manguezal do Itacorubi: um revisão da disponilidade de dados ecológicos visando o direcionamento de novos estudos” (Revista Oecologia Brasiliensis, 2009) de Matheus Hobold Sovernigo e as reportagens “Bendito mar de lama” de Ângela Bastos para o Diário Catarinense em julho de 2015, “Mangue em Florianópolis tem proliferação de jacarés-de-papo-amarelo” de Marcus Bruno publicada em 10/08/2017 no jornal A Hora de Santa Catarina e “Jacaré sai do mangue e ataca cachorro próximo ao Terminal da Trindade” veiculada no jornal Notícias do Dia de 23/10/2018. Também foi consultado o site da FLORAM (www.pmf.sc.gov.br/entidades/floram).


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Socó (Trigrisoma lineatum) Mangue-branco (Laguncularia racemosa)

Sua madeira é utilizada para energia (lenha) e pequenas construções de pesca. Sua casca e folhas são usadas para se extrair o tanino e para fins medicinais.

Siri-azul (Callinectes sapidus)

É um dos maiores siris que habitam as regiões costeiras do Brasil. Este crustáceo pode chegar a até 15cm de envergadura e habita praias lodosas. Possui 5 pares de patas, sendo que o último par é modificado para uma função parecida com a de um remo, para uma melhor locomoção do animal. É conhecido por ser um dos animais que mais produz ovos em uma desova. São mais de 2 milhões, o que resulta em uma média de 5 mil ovos por dia, sendo que ocorre apenas uma desova por ano.

Mangue-vermelho (Rizophora magle)

Suas folhas fornecem adstringente poderoso. Sua madeira é muito utilizada para a confecção de lastros de camas, cercas e cobertura de palhoças, apropriada para uso em construção civil, principalmente para de vigas de pequeno porte. É ótima para obras imersas, onde é quase imputrescível.

É uma das aves com inteligência superior pela capacidade de adaptar galhos e outros materiais para pescar. De hábitos solitários, vive em locais úmidos, como brejos e pântanos. São encontrados em todo o território brasileiro.

Mangue-preto (Avicennia schaueriana)

É valioso na restauração das águas salobras e água salgada dos pântanos, devido à sua capacidade de filtrar os sedimentos. Sua madeira é utilizada para a construção de canoas de tronco único e, na flora medicinal, possui importância no tratamento de erupções da pele. É utilizada pelas curandeiras para a cura de diversas moléstias, através de suas propriedades bactericidas e adstringentes.

Urubu (Coragyps atratus)

Ave que se alimenta de carne em decomposição, além de sementes de palmeiras e cocos. Procria uma vez ao ano, normalmente a fêmea põe dois ovos cuja coloração é cinza esverdeado. A incubação é feita pelos pais e demora de 38 a 48 dias. O casal alimenta e cuida dos filhotes até que estes são capazes de alimentar-se sozinhos, o que leva de 10 a 12 semanas.

Chama-maré (Uca thayeri)

Hoje a extinção dos chama-marés em algumas localidades está associada à degradação crescente do meio ambiente, em consequência da poluição, dragagem e de aterros. Estes crustáceos escavam suas tocas de onde saem somente durante a baixa da maré para realizar a reprodução. Embora tenha características semiterrestres, as larvas deste caranguejo se desenvolvem em ambiente aquático. Eclodem à noite, normalmente na maré alta, e são levadas para águas mais profundas.


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ITACORUBI É RIO

Lavação de roupas Uma das atividades econômicas mais tradicionais do Itacorubi era a lavação de roupas. Durante décadas, muitas mulheres que ali viviam, especialmente no Morro do Quilombo, ajudavam no sustento da família lavando roupas para as famílias mais abastadas do centro da cidade. As lavadeiras do bairro trabalhavam à beira dos rios que, à época, eram limpos. Lá, com sabão de pedra e anil, lavavam, batiam, quaravam e enxaguavam as peças. Com a crescente poluição dos cursos d’água, foram gradualmente se afastando da beira do rio. Entre os anos 1980 e 90, a solução encontrada para contornar a poluição foi a criação da Associação das Lavadeiras e a construção de uma sede. O prédio localizava-se ao lado do Beco do Rosa e estava equipado com água encanada e vários tanques. Hoje nem a Associação nem sua sede existem mais. Contudo, há ainda poucas lavadeiras que fazem o trabalho em casa, em suas máquinas de lavar e ferros de passar elétricos.

Rios que acompanham a vida do bairro

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nome do bairro vem do nome de um rio que, por sua vez, dá nome a uma bacia, a Bacia do Rio Itacorubi, a qual engloba mais três bairros: Santa Mônica, Córrego Grande e Trindade. Dessa bacia faz parte o Manguezal. O Rio Itacorubi nasce do encontro dos rios do Sertão e Três Córregos e corre em direção à baía norte. Com vários pontos canalizados ou cobertos, como no trecho em que é cruzado pela rodovia Admar Gonzaga, boa parte do rio tem seu curso entre as avenidas Madre Benvenuta e a da Saudade.

No bairro, a importância do rio já foi inquestionável devido à lavação de roupas e à pesca. Além do rio servir para lazer – era onde os moradores tomavam banho e faziam piqueniques.

Ou seja, foi feito o que se acreditava ser a solução mais eficiente das

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No Itacorubi você sai da escola e pode ver água a refletir o desfile das nuvens e os raios do Sol, com insistentes verdejantes nas bordas, um e outro pássaro a procurar alimento. Água que corre ao encontro de mais rio ou ao encontro do oceano, encontros que podem ser intermediados pelo mangue. Um trecho (ou um resto) de rio descoberto traz vida ao bairro porque, embora poluídos, os rios estão vivos.

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Córrego que não corre tanto assim, mas está sempre aqui, nesse beco afastado do barulho dos automóveis, para que você também possa desacelerar. Como impedimento para sentar na mureta à beira da água provavelmente alguém aponte o cheiro forte, mas cheiro forte não é incomum na Beira-Mar Norte e lá ele não impede o desfrute da paisagem, não impede as fotos, as selfies.

Conversamos também com o biólogo Matheus Sovernigo (da foto na pág. 31). Ele diz que “em função Prova de que ainda tem tainhota da retificação dos rios Itacorubi e do Sertão e a abertura de canais de drenagem pluvial paralelamente à Avenida Beira-Mar Norte no manguezal pelo extinto DNOS (Departamento Nacional de Obras e Saneamento), visando resolver os problemas da ocorrência de áreas consideradas insalubres e das enchentes nos bairros adjacentes, muitas alterações foram produzidas nos meandros dos canais naturais, ocasionando modificações nos padrões de circulação do ecossistema e morte de parte da vegetação”.

Você sobe com cansaço a ladeira enquanto um diminuto filete de água desce. Apesar de tudo, incólume à descida. O homem cimenta, a água segue a brotar.

Fonte: “Afastadas pela poluição, lavadeiras do Rio Itacorubi testemunham crescimento desordenado do bairro”, reportagem de Edson Rosa para o jornal Notícias do Dia em 02 de março de 2014.

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Rios que correm junto de outros fluxos cotidianos: há por aqui quem todos os dias necessite atravessar um riacho saltando sobre a ponte improvisada de pedras e tomando o cuidado para não pisar em falso na que estiver solta. Existe a alternativa mais fácil e segura de ir pelo trajeto com calçada e asfalto, essa travessia do rio é uma aventura imposta a quem optou pelo atalho – e que opta pela aventura todos os dias (veja mais na pág. 19).

Dona Zezé lembra que chegou a tomar banho de rio no Itacorubi quando era criança. Foi no trecho próximo à casa de seus pais onde ela aprendeu a nadar. Zezé lembra que a pescaria no rio Itacorubi era uma atividade comum de seu pai: “Entrava desde a rua ao lado do campo do Paula Ramos e depois caminhava mais um pouco. Ele e o compadre dele, o Seu Valdemar, pegavam a canoa que ficava em um rancho na beira do rio que chamavam de porto e iam pescar. Umas vezes, chegavam ao início da Beira-Mar, passando por baixo das Três Pontes”. Segundo Zezé, lá pescavam a tainhota, peixe até hoje encontrado no rio Itacorubi.

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Diferente da cidade de São Paulo, por exemplo, onde quase todos os rios estão submersos pelo concreto, nosso bairro possui muito rio à vista de quem quiser ver. Em alguns pontos estão descobertos e, em outros, até mesmo não canalizados.

Claudinei, um dos poucos que ainda pescam no rio

engenharias, que hoje mostra-se falha: o encobrimento e a canalização de rios, tentativas de alterar o curso natural da água que quer passar. São Paulo, por ter tanto rio coberto e concreto a cobrir o solo, é uma cidade que sofre com enchentes. Apesar da poluição, no Itacorubi ainda se encontram pescadores lançando tarrafas nas pontes da Avenida da Saudade. Que mais outros usos e o que mais poderia ser feito pelo futuro do que restou desses rios?!

Comércio na Avenida da Saudade Seu João Farias é pescador profissional aposentado. Chamam-no de Farias porque ficou nove anos no exército e esse era seu nome de guerra. Em dias de semana em que o tempo é bom, Farias sai de sua casa no Morro do Mocotó, no centro, em direção à Avenida da Saudade na qual tem um ponto de vendas de tarrafas artesanais. Diz ele que é o único, pois as tarrafas dos concorrentes são industrializadas. Além de vender as tarrafas que confecciona, muitos o procuram para pequenos consertos. Exposição de tarrafas à venda

Biguá (Phalacrocorax brasilianus)

Vivem em bandos e quando voam se agrupam formando um “V”. Alimentam-se de peixes e crustáceos que capturam em seus mergulhos extremamente habilidosos. Fazem seus ninhos ao longo dos manguezais e florestas próximas a rios e lagunas. Não se afastam da costa para se aventurarem ao mar. Alám da dona Zezé, serviu como fonte para este texto o trabalho “Manguezal do Itacorubi: um revisão da disponilidade de dados ecológicos visando o direcionamento de novos estudos” (Revista Oecologia Brasiliensis, 2009) de Matheus Hobold Sovernigo.


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PARA ONDE VÃO OS REJEITOS DA CIDADE? E

m 1920, Florianópolis possuía um pouco mais de 40 mil habitantes e a área urbanizada se restringia basicamente ao Centro. Nem a Agronômica era “cidade”. O Itacorubi, nessa época, era uma área rural periférica, longe para quem estava a cavalo. Quando surgiu a necessidade de remover o antigo cemitério devido à construção da ponte Hercílio Luz, um amplo terreno do Itacorubi foi destinado a receber os corpos dos mortos do município. Lá, em uma área àquela época chamada de Três Pontes, a necrópole estaria distante o suficiente da cidade. Veja a reportagem sobre o Cemitério do Itacorubi na página 22.

Michel Foucault lembra o momento em que, na Europa, os cemitérios deixaram de estar no centro - geminados com a igreja - e começaram a ser construídos nas margens da cidade: “Correlativamente à individualização da morte e à apropriação burguesa do cemitério, emerge uma obsessão pela morte como uma “doença”. Os mortos trazem supostamente doenças, e é a proximidade, a presença dos mortos ao lado da igreja, ao lado das casas, quase no meio das ruas, é esta proximidade que propaga a própria morte. Esse temor da doença espalhada pelos cemitérios contagiosos manteve-se até o fim do século XVIII e ao longo do XIX, quando finalmente os cemitérios foram deslocados em direção aos subúrbios.”

FOTO DE SOPHIA AMORIM

Então visto como arrabalde do centro de Florianópolis, o Itacorubi, com a inauguração do Cemitério Municipal em 1925, passou a receber os rejeitos da cidade - o que viria a se intensificar a partir da década de 1950 com o início do funcionamento do lixão sobre o mangue

ANTES DE

Quadro exposto no Museu do Lixo com fotografias que mostram o funcionamento do local antes de 1997.

DEPOIS DE 1997...

Em De Outros Espaços (1967) na tradução de Pedro Moura e aqui adaptado

Mais tarde, já nos anos 1950, outro terreno, bem em frente ao cemitério, passou a receber o lixo coletado na cidade. O lixão de Florianópolis funcionou entre 1958 e 1989 em uma área de doze hectares que avançava sobre o manguezal do Itacorubi. Antes disso o lixo recolhido era incinerado em um forno mantido pela prefeitura desde 1914 nas imediações de onde foi construída a ponte Hercílio Luz. Mas aí aumentou a população, aumentou a produção de rejeitos e o consequente aumento da fumaça resultante da queima no forno passou a incomodar. Então o lixo precisou ser levado para outro lugar, um lugar de preferência bem distante. Eis que mais uma vez o Itacorubi foi o escolhido.

A Companhia Melhoramentos da Capital foi criada como empresa de economia mista municipal em 1971 para atuar nas obras públicas de melhoria urbana, especialmente de pavimentação. Somente ao final de 1976 que a COMCAP assumiu a coleta de lixo, então realizada por empresas contratadas pela prefeitura. Passou também a ser responsável pelos serviços de varrição de ruas, capinação, remoção e limpeza de valas a céu aberto. Em 2017 foi transformada em autarquia por meio de um projeto de Lei complementar da prefeitura aprovado pela Câmara de Vereadores em uma sessão extraordinária conturbada. O projeto era contestado pelo sindicato dos funcionários, que, temendo demissões e queda na qualidade do serviço prestado, e sobretudo uma possível privatização, entrou em greve. Como foi noticiado à época, os trabalhadores da COMCAP foram impedidos de acompanhar a votação que levou menos de 10 minutos e não contou com a presença de alguns vereadores de oposição. Do lado de fora da Câmara, havia um grupo de trabalhadores da COMCAP e de outros órgãos da prefeitura e integrantes movimentos estudantis em apoio aos grevistas. Bombas de efeito moral foram jogadas contra os manifestantes.

Caminhões de coleta preparando para descarregar

Caminhões descarregando lixo misturado na carreta

O lixão Em seus mais de trinta anos de funcionamento, o lixão tornou-se um grande problema nessa área que passava a ser cada vez mais ocupada por novas construções e novos moradores. A simples disposição do lixo sobre o solo era o bastante para poluir as águas superficiais e subterrâneas, favorecer a proliferação de animais vetores de doenças, tais como os ratos, as baratas e os mosquitos, além do mau cheiro que se alastrava pela área. O bairro chegou a ganhar o apelido de “Itacorubu”, em referência pejorativa às aves que viviam sobre as montanhas de dejetos. Mas esclarecemos: o urubu é fundamental, ele mantém limpo o ambiente onde vive por eliminar a podridão. No fim dos anos 1980, o aterro encontrava-se no meio de uma área em processo de urbanização, vizinha das rodovias estaduais SC-401 e SC404, o que o tornava especialmente indesejado ali. Em 1989, em meio à pressão popular, o lixão foi desativado. Conhecemos o Seu João Manoel, que presidiu a AMAI (Associação de Moradores e Amigos do Itacorubi) por treze anos e colaborou com a desativação ao acampar por oito dias e oito noites em frente à COMCAP para impedir a entrada de qualquer caminhão de lixo. Entretanto, o lixão continuou recebendo entulhos da construção civil por mais alguns anos até que em 1997 foram iniciadas na área as ações de recuperação ambiental, incluindo estudos para

Lixo sendo acomodado por braço mecânico na carreta

Enlonamento da carreta para não cair lixo durante o transporte até Biguaçu

“Ao redor do lixão, observava-se a morte de grande quantidade de árvores adultas, principalmente da espécie mangue-preto (Avicennia schaueriana). Assim, grandes clareiras eram formadas, descaracterizando o ambiente e dificultando a recuperação natural do manguezal” Matheus Hobold Sovernigo, biólogo

monitoramento das águas e da emissão de gases no local. No ano seguinte foi inaugurado o Centro de Transferência de Resíduos Sólidos de Florianópolis no terreno do antigo lixão, que segue em funcionamento. Atualmente todo o lixo coletado em Florianópolis pela COMCAP é encaminhado para a estação de transbordo no CTRes. Os resíduos são então transferidos para carretas terceirizadas pela empresa contratada Proactiva e são transportados até seu destino final, o aterro sanitário de propriedade dessa empresa localizado nas proximidades da BR-101, no município de Biguaçu. Uma vez que toneladas de lixo que foram despejadas no mangue durante décadas, é difícil pensar que o lixão tenha acabado de fato. O resíduo de todo esse material ainda está lá, embora aterrado e dito controlado.

A ACMR, Associação de Coletores de Materiais Recicláveis, criada em 1999, funciona desde o final de 2006 junto ao CTRes da Comcap. No local é feita a triagem e separação do lixo reciclável coletado pela Comcap na cidade. Estimase que apenas 6% dos resíduos recicláveis tenham destinação correta em Florianópolis.


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MUSEU DO LIXO

Você já teve um desses?

Espaço de memória das coisas que são jogadas fora

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om um acervo de mais de dez mil itens, no Museu do Lixo encaramos uma amostra do quanto o homem produz resíduos. Objetos dos mais variados, relíquias interessantíssimas – desde um sem-número de brinquedos de toda época, livros, ferramentas, ímãs de geladeira e a própria geladeira, luminárias, piano – agrupados simplesmente porque os antigos proprietários acharam que não possuíam mais serventia, que viraram lixo. O Museu funciona em uma área de 200 metros quadrados junto ao Centro de Transferência de Resíduos Sólidos da COMCAP no Itacorubi. O projeto é idealizado e mantido por funcionários da instituição desde 2003, especialmente por Valdinei Marques, o Nei, o “embaixador do lixo”. Nei e sua equipe nos oferecem, além do vasto acervo, muita arte produzida com sucata, murais divertidos compondo os ambientes e um colorido piso de mosaico desenvolvido com tampinhas plásticas de garrafas PET. E são os funcionários que trabalham na coleta de lixo quem alimentam o acervo. Fora alguns objetos enviados por simpatizantes, a coleção vem da seleção dos próprios funcionários. Vez ou

outra eles se deparam com coisas que foram dispensadas no lixo, mas que possuem, na visão dos que os separam, algum valor histórico, estético ou peculiaridade para que sejam encaminhadas ao Museu.

Mandala do piso do Museu foi feita com tampinhas de garrafas PET

Conforme dados da instituição, o Museu recebe anualmente cerca de sete mil visitantes, a maioria crianças de escolas da cidade, tanto particulares quanto públicas. Nessas visitas, têm a oportunidade de ver e vasculhar os itens do acervo e praticar atividades de educação ambiental propostas pelos funcionários Nei, Joseane Rosa e Ricardo Conceição. Eles encarnam, respectivamente, Neiciclagem, Dona Tainha e Reciclardo, personagens por eles criados. “Aqui as crianças percebem como é importante mudar de atitude, ter uma nova forma de se relacionar com os resíduos que produzem para tornarem-se consumidores responsáveis e para conservarem e preservarem o ambiente. Também se dão conta de como pode ser divertido reaproveitar e reciclar materiais”, afirma Nei. Iniciativa singular no país, o Museu do Lixo é um espaço para deparar-se com os ciclos de consumo nos quais estamos todos implicados. Lembrando-nos do que em outra época foi tendência que todo mundo quis comprar, mas logo esquecida e jogada fora. No livro de visitantes, impressões sobre o Museu e elogios ao trabalho: “Difícil encontrar palavras sobre a sensação de estar no Museu do Lixo. Posso dizer que é uma incrível descoberta”, escreveu Samira. Já Thalita, “Gostaria de agradecer a oportunidade de relembrar minha infância”.

ECOPONTO

O celular Nokia 5125 foi lançado no Brasil no início dos anos 2000. O modelo possuía tela monocromática, antena externa e peso de 138g. Entre as principais funcionalidades, contava com uma agenda que permitia até 100 registros, enviava mensagens de texto e era praticamente inquebrável, mais o popular “jogo da cobrinha”.

LP da banda brasileira Paralamas do Sucesso, Selvagem? foi lançado em 1986: “A cidade apresenta suas armas / Meninos nos sinais, mendigos pelos cantos / E o espanto está nos olhos de quem vê / O grande monstro a se criar”.

Além das visitas ao CTRes da COMCAP e das conversas com o Ricardo do Museu do Lixo, serviram como fontes para este texto o trabalho “Manguezal do Itacorubi: um revisão da disponilidade de dados ecológicos visando o direcionamento de novos estudos” (Revista Oecologia Brasiliensis, 2009) de Matheus Hobold Sovernigo e os sites da COMCAP (www.pmf.sc.gov.br/entidades/ comcap) e da ACMR (www.acmrreciclaveis.com.br). Também contribuiu o Seu João Manoel, ex-presidente de uma antiga associação de moradores do bairro.

Junto ao CTRes (Rodovia Admar Gonzaga, 72), fica um dos ecopontos que a COMCAP mantém pela cidade. Funciona todos os dias, das 7h às 19h. Os resíduos devem ser colocados de forma separada no ecoponto para que a COMCAP possa dar o destino final ambientalmente adequado a cada um dos materiais.

O que dá para entregar no ecoponto do Itacorubi ELETRÔNICOS Televisão, monitor, teclado, mouse, celular, impressoras, etc. Até três unidades

ENTULHO Resíduos de construção e demolição como tijolos e telhas

Até um metro cúbico (volume de uma caixa d’água de mil litros)

MADEIRA Até um metro cúbico (volume de uma caixa d’água de mil litros)

PILHAS E BATERIAS Até 10 unidades ÓLEO DE COZINHA Até cinco litros PNEUS Até quatro unidades PODAS DE ÁRVORES Até um metro

cúbico (volume de uma caixa d’água de mil litros)

RECICLÁVEIS Plástico, papel, metais, arame, vidros, isopor, etc. Até 500 litros

(cinco sacos grandes)

ELETRODOMÉSTICOS Fogões, geladeiras, condicionadores de ar e etc. Até dois volumes

VOLUMOSOS Móveis, sofás, colchões, etc. Até quatro volumes.

Biblioteca mantida pelos funcionários da COMCAP com as doações e descartes que chegam ao ecoponto.


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VERTICALIZAÇÃO DO ITACORUBI Acentuada nos últimos anos, a construção de prédios altera cenário do bairro

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crescente especulação imobiliária da última década tem como seu principal procedimento expansivo a verticalização de residências e estabelecimentos comerciais. Verticalização que transformou a paisagem de Florianópolis numa velocidade acelerada, transformação explícita em bairros como o Itacorubi. O bairro está na mira da verticalização porque é geograficamente mais central na ilha do que o próprio Centro, sendo assim um “subcentro”, localizado em uma posição estratégica para quem pretende aproveitar o que a Ilha da Magia oferece de melhor. Prédios que brotaram, um ao lado do outro, a cobrir da vista trechos dos morros e fazer sombra às casinhas que nas redondezas resistem ou aguardam pelo comprador que as adquira para trocá-las por mais prédio. O sol refletido pelos vidros cega e os ladrilhos dos revestimentos parecem escamas. O edifício revestido com azulejo é mesmo o modelo predileto no bairro, conquanto haja espaço para empreendimentos com fachadas pretensamente neoclássica, imponentes. A casinha cor-de-rosa que permanece ali na esquina tem toda noite a sua cor alterada: a luz do outdoor do outro lado da rua é tão forte que a casinha fica laranja, vermelha, verde conforme a propaganda exibida. Para além da saudade dos sítios e chácaras que compunham esse cenário (e detêm alguns restos praticamente intocados), a verticalização geralmente aparece como problema devido à falta de planejamento e não simplesmente por um estranhamento na paisagem. A urbanização, o aumento considerável de residências e de moradores, exige um reforço na infraestrutura básica. Contudo, esse reforço é muitas vezes esquecido ou negligenciado pela administração pública que, além disso, afrouxa as diretrizes municipais para que o espaço comporte mais prédios. O exemplo das mudanças pelas quais o bairro passou propicia uma discussão sobre a estruturação da cidade e a normatização de práticas excludentes, tanto urbanísticas quanto sociais. O prédio é chique, mas eventualmente cheira a esgoto. Duas vagas de garagem e duas horas para ir daqui até ali. O condomínio tem portas largas, rampas e toda a acessibilidade. Já as calçadas na quadra ao lado, estreitas e quebradas. Para entender o processo de verticalização do bairro, localizar temporalmente o início desse processo e comprovar com dados fundamentados as nossas percepções a partir das andanças pela região, procuramos pesquisadoras que já tivessem estudado o tema. Falamos com Vera Lúcia Nehls Dias e Maria Carolina Soares, que publicaram um artigo sobre o assunto. Maria Carolina atua como pesquisadora em planejamento territorial e desenvolvimento socioambiental e Vera Lúcia é professora de Geografia Social da UDESC e coordena o PET Geografia, um programa de educação tutorial orientado pelo princípio da indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão.

grande empresas públicas que, junto consigo, traziam seus funcionários e todo tipo de serviços que iriam demandar. Em decorrência disso, muitos projetos de empreendimentos comerciais e residenciais passaram a ser concebidos para o bairro. Prédios cada vez mais altos passaram a ser construídos, deflagrando o movimento de verticalização. Até o fim dos anos 1990, predominavam no Itacorubi os edifícios de até cinco andares, contudo, de 1998 a 2015 foram erguidos 100 prédios exclusivamente residenciais, dos quais cerca de um terço possui entre seis e oito pavimentos e outro terço varia entre nove e quinze andares. Os dados são do estudo realizado por Vera Lúcia junto com Maria Carolina, no qual, as pesquisadoras constataram que tal processo se acentuou após a aprovação do Plano Diretor do Distrito Sede de 1997 que, segundo elas, foi bastante permissivo e estimulou altos gabaritos de construção que adensaram rapidamente o bairro.

“No intervalo de 32 anos, entre 1983 e 2015, foram construídos 192 novos prédios, abrigando pelo menos 6.283 novos apartamentos. Nos últimos cinco anos, entretanto, se produziram 22% destes imóveis e 36% dos apartamentos”, Vera Lúcia e Maria Carolina

Os dados levantados refletem a realidade do bairro nos últimos anos, quando se multiplicaram os lançamentos de grande edifícios, muitos deles visam atrair o público específico da classe média alta, o que tem alterado o perfil de moradores do bairro e valorizado dos imóveis. Conforme pesquisa DMI VivaReal (veiculada no jornal Diário Catarinense de 04/10/2017), os aluguéis do bairro Itacorubi alcançaram os índices de valor imobiliário mais altos de Florianópolis, com o preço médio do metro quadrado chegando a custar R$24,56. Esse número superou inclusive o do Centro da cidade, apontado como o que possui a maior demanda por locações. Prédios ocos e falta de mobilidade Segundo Maria Carolina, atualmente o bairro passa por uma espécie de “crescimento oco” pelo fato de que muitos apartamentos ainda estão vazios ou estão ocupados por menos moradores do que o espaço poderia comportar. Ela ressalta que há um grande número de apartamentos com uma só pessoa ou com casais sem filhos e muitos imóveis vagos, que podem estar fechados à espera de um comprador. “O número de apartamentos lançados pelo mercado imobiliário estima uma população muito maior, que irá exigir um suporte como comércio, mobilidade, saneamento, entre outros”, analisa.

“Quando abrem o trajeto para a Lagoa, o crescimento foi impressionante”, analisa Vera Lúcia. Ela se refere aos primeiros passos significativos em direção ao crescimento do Itacorubi, que ocorreram com a abertura da Rodovia Admar Gonzaga, a SC-404, e com a instalação de várias instituições públicas no bairro, especialmente a EPAGRI, a antiga TELESC, a UDESC, a UFSC e, mais tarde, a CELESC. “São terrenos relativamente grandes que vão ser utilizados para a construção. Eles vieram com uma fúria voraz. As características naturais do trecho facilitaram e atraíram os olhares da construção civil”, afirma.

Um público disposto a pagar mais caro por moradia provavelmente vai querer um comércio à altura. Comentamos a tendência geral dos estabelecimentos gourmet, que são expressivos no Itacorubi e, sobretudo, no bairro vizinho, Santa Mônica, na Avenida Madre Benvenuta, “benvenutices”. Quando o gourmet chega onde já existe um comércio local, corre-se o risco de que roube a clientela do tradicional. Seria uma pena. Vera Lúcia, saudosa, fala de um mil folhas que comia em uma padaria próxima ao Centro de Ciências Agrárias da UFSC, mas que não sabe se ainda tem. “Se puderem, provem!” Diz ela que era o mil folhas perfeito, com a massa bem crocante e o creme muito saboroso.

Foi assim que o Itacorubi foi deixando de ter suas características de área rural para dar lugar a sedes de

As pesquisadoras atentam ainda para a situação caótica que o bairro pode enfrentar em termos de

Construção dos novos prédios


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VISITA AO GRAND CLASSIC Um pouco sobre um dos mirantes de alto padrão no Itacorubi.

Avaliações dos condomínios Plaza Mediterrâneo, Grand Classic e Jardim Imperiale no Google.

mobilidade com a ocupação de todos os imóveis que ainda não foram comercializados. Se o trânsito já é problemático agora, com esse tanto de prédio tudo oco, imagine você como será quando estiverem ocupados. A classe média, público alvo desses empreendimentos, utiliza como meio de transporte os automóveis que, em maior número, irão congestionar ainda mais as vias do bairro. “O que mais nos chamou atenção é realmente a questão da mobilidade, pois o bairro só tem dois eixos principais no qual as ruas se estruturam. Se houver toda a ocupação prevista para os condomínios é possível ter engarrafamento dentro de cada prédio”, comenta Vera Lúcia. Além disso, a professora ressalta que no bairro a sociabilidade também pode ter alterações de comportamento: “Os prédios são isolados uns dos outros, pois mesmo entre eles tem muros e não tem a possibilidade de avizinhar. É necessário sair e entrar novamente. Não tem vida na rua, a vida está para dentro desses prédios. Mesmo sendo um bairro pequeno, há uma certa decadência da qualidade urbana. Jardins e calçadas são engolidos para abertura de espaços para passagem de automóveis que têm mais importância do que o pedestre”. Lembramo-nos de um exemplo positivo, de uma área que alojou o comércio de forma astuta: atrás do Hotel Mercure, formou-se um comércio no térreo dos condomínios vizinhos ao manguezal. Isso resultou em maior movimento de pedestres, amenizando assim o efeito do condomínio de falta de vida na rua. Mesmo sendo questionável o estilo de vida que os grandes condomínios verticais estimulam, o processo de verticalização pode ser um instrumento do planejamento urbano. Usado adequadamente, esse instrumento é capaz de evitar, por exemplo, a supressão vegetal de novas áreas, uma vez que promove o adensamento da ocupação em áreas menores. Contudo, esse processo deve ser acompanhado de planejamento que identifique e supra as demandas de infraestrutura decorrentes. Justo o que as pesquisadoras apontam não ter ocorrido no Itacorubi.

Maquete do Jardim Imperiale no escritório da construtora, localizado na rodovia Amaro Antônio Viera. O condomínio fica ali perto, na servidão Recanto Verde.

A vista do Itacorubi é mesmo especial: céu, morros, mangue...

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a pesquisa sobre os imóveis de alto padrão do Itacorubi, visitamos uma cobertura à venda no condomínio Grand Classic. Agendamos com o corretor como se fossemos possíveis compradores. O empreendimento da construtora Magno Martins está situado na Rodovia Admar Gonzaga (SC-404), número 707 e conta com duas torres de 15 andares, ocupando um terreno de mais de 6 mil metros quadrados. Ao lado do CEPON e em frente ao Hotel Mercure. O empreendimento chama a atenção de quem passa. Para esse terreno havia o projeto do Shopping Ilha Terceira, que foi cancelado com a construção dos shoppings Floripa e Iguatemi em meados dos anos 2000: “Muito shopping para uma região muito pequena”, como afirmou o corretor. O projeto avançava também por alguns terrenos adjacentes, que totalizavam uma área de 34 mil metros quadrados. No local acabaram sendo construídos seis condomínios residenciais: o Grand Classic e o Plaza Mediterrâneo, com acessos pela Rodovia Admar Gonzaga, e o Plaza España, o Plaza di Roma, o Jardim de Bourdeux e o Plaza Saint Tropez, cujas entradas se dão pela Rua Pastor William Richard Schisler Filho. Fomos recebidos na frente do condomínio pelo corretor que nos acompanharia na visita. Seguimos com ele em seu carro até o estacionamento para visitantes, passando pelas amplas garagens do prédio, divididas por alguns portões que reforçam a segurança dos moradores. Seguimos até o saguão da torre da frente, onde cruzamos com o Lincon, um bem cuidado Golden Retriever que estava acompanhado, provavelmente, de sua passeadora profissional.

O apartamento de 333 metros quadrados todo climatizado fica no décimo quinto andar da torre da frente. Fomos recebidos por uma simpática funcionária da residência, que estava fora do seu horário de serviço à nossa espera. O primeiro ambiente que visitamos, a suíte do casal, possuía janela com vista para o Jardim Botânico e para o lado leste do bairro. No espaçoso closet, entre os vários armários, havia uma gaveta-vitrine para guardar relógios masculinos. Os outros quartos possuíam discreta decoração com motivos infantis. Os móveis do apartamento eram todos planejados. Na cozinha, o corretor salientou que o tampo da pia é de silestone, um material mais caro que granito ou mármore. A funcionária disse que sempre recomenda às faxineiras que tomem muito cuidado com ele. Na parte externa do apartamento há um grande espaço que pode ser fechado para ampliar a sala, como comentou o corretor. E do lado de fora está a piscina, a cereja do bolo da cobertura. Ali há vista de 180 graus que inclui a baía norte. O lugar ideal para avistar os fogos no réveillon, comentou a funcionária.

Questionamos o corretor quanto ao alto valor do imóvel: “Aqui no Itacorubi tá tão valorizado assim?”. Ele respondeu que no centro é bem mais caro: “Um apartamento da (Construtora) Zita na rua Trompowsky, de três dormitórios sendo uma suíte, três vagas de garagem e 121 metros quadrados custa um milhão e setecentos e cinquenta mil reais à vista”. Ou seja, o bairro Itacorubi seria uma opção para morar em alto padrão por um valor menor do que nas regiões mais especuladas do centro e da Beira-Mar Norte versão que não se confirma pelo preço do apartamento no Grand Classic, 3 milhões e 280 mil reais. Sobre o bairro em si o corretor quase nada falou. Nossa expectativa inicial nessa visita era justamente ouvir dele os principais atrativos do bairro em sua perspectiva comercial. Afinal, por que morar no Itacorubi? Mas, conforme apresentado pelo corretor, além das motivações mais óbvias como a localização estratégica do bairro na cidade, a única vantagem era a financeira. Entendemos, com uma fala da funcionária do apartamento, que o bairro pouco importa: “Essa é a vantagem: você não precisa sair de casa”. Ela se referia à quantidade de serviços oferecidos pelo condomínio, o que o torna praticamente um clube do qual nem é preciso sair. De forma que tanto faz o lugar no qual o condomínio está inserido, porque na verdade ele busca é descolar-se do resto da cidade, como um espaço privativo e exclusivo devidamente isolado de seu entorno. A nossa visita ao condomínio se estendeu por mais de uma hora. Estivemos na maioria dos espaços do uso comum, que inclui Academia, Atelier, Brinquedoteca, Cinema, Espaço Business, Espaço Gourmet, Espaço Jovem, Espaço Mulher (“é só chamar o cabeleireiro ou a manicure que ele atende no Espaço Mulher”, informou a funcionária), Espaço Zen, Garage Band, Massagem, Mini Quadra, Pet Care, Pet Place, Piscinas, Playground, Salão de Festas Infantil, Sala de Estudos, Sauna e Descanso com Ofurô. O mais curioso foi que todos eles estavam vazios, exceto o Salão de Festas Infantil onde uma funcionária arrumava a louça. Nesse tempo só cruzamos com outros funcionários do condomínio. A maioria dos espaços possui acesso por leitura de digital, mas fomos informados que atualmente estão sendo fechados com chave porque as crianças estavam fazendo bagunça, entrando e saindo o tempo todo. Segundo o corretor, comprar essa cobertura é uma grande oportunidade, pois não há mais terrenos disponíveis para construir empreendimentos como esse no bairro e outro condomínio desse nível só o Jardim Imperiale, da mesma construtora. Antes de nos despedirmos, ao passarmos por uns bancos no pátio central do condomínio, a funcionária indicou: “Aqui o pessoal se reúne para tomar champagne”. A ilustração acima é de Rafaela Reginatto. Ela tem dezesseis anos e mora em um condomínio no bairro do Itacorubi. Além de pintar e desenhar, Rafaela gosta de tocar piano, dançar e cortar cabelos.


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MORRO DO QUILOMBO Abaixo e acima do pé de jaca.

Desenhe no mapa do Morro do Quilombo as servidões, passagens, becos e vielas que por acaso não estejam representados.

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Morro do Quilombo é uma área de ocupação tradicional do Itacorubi, onde ainda vivem alguns nativos, como a Dona Olenia e a Dona Didi. A chegada de mais moradores acompanhou o processo de adensamento do bairro como um todo, se acentuando a partir da década de 1990. Foi nos 1970 que ocorreram as primeiras intervenções da prefeitura no local, como a primeira rede de energia elétrica. Antes disso, a iluminação era a querosene. Na década seguinte, foi oficializada como via pública a Rua do Quilombo, a primeira historicamente ocupada. O acesso ao morro se dá por essa rua, que começa na Rodovia Amaro Antônio Vieira, na esquina do Residencial Oásis. Há também um atalho bem em frente ao posto de saúde, um caminho no meio de uma área verde ao lado do edifício Jardim do Itacorubi, por onde passa o córrego que segue pelo “Beco do Rosa”. Esse caminho leva até a ponte na Rua do Quilombo, que sobe até o número 805, onde acaba. Ela dá acesso a algumas servidões calçadas em uma área predominantemente residencial, mas no Armazém Santos, que também funciona como bar, sempre tem alguém tomando uma cervejinha. É a Rua da Represa a mais movimentada. Ali fica o “centrinho do Quilombo”, como dizem algumas pessoas com quem conversamos. Mercearias, loja de roupas, mais bares... Nessa rua está um dos pontos mais emblemáticos do bairro, o pé de jaca. De um lado da centenária árvore está a Servidão Jaqueira e do outro a Servidão Pé de Jaca. Em frente, fica a Igreja de Guadalupe. Muita gente se refere à árvore como uma divisa: “cuida que a partir dali começa a ficar perigoso”. Depois do pé de jaca supostamente estaria o comércio de drogas. Mas isso de achar

que nesse ponto fica perigoso é proveniente da opinião preconceituosa com as pessoas de fora que se mudaram para o morro. Acima do pé de jaca é que ficam os terrenos ocupados por eles. Nessa área do morro, não-regularizada, ainda era possível adquirir um terreno por um preço mais baixo e então formou-se uma comunidade de novos moradores que se somou à vizinhança já estabelecida. Por isso, a história do pé de jaca é a marca de uma divisão social, é resquício da desconfiança sofrida por quem apenas procurava um lugar para morar. Quanto ao nome do morro, não encontramos registro oficial e detalhado que aponte a existência pretérita de um quilombo no local. Contudo, há relatos. Um deles é que algumas pessoas escravizadas, ao fugir dos engenhos de farinha da Lagoa da Conceição pelos morros, acabaram se instalando no local. Em outra versão os escravizados vinham de mais longe, da Enseada do Brito, na Palhoça. Atravessaram a baía sul de canoa até chegar ao rio Itacorubi e, posteriormente, ao morro, onde se escondiam em cavernas no meio da mata.

Lacerda. Aí vendeu o terreno pro Hercílio Luz. Aí ia embora. Então deu uma parte do meio pra cá, onde o governo não quis, deu pros preto. Ali morava um, o Januário, debaixo do pé de Jaca. Ele morava debaixo, ainda ele botava uma cadeira e ficava debaixo da árvore. E contava história pra nós...”, relata Ari Pereira. Existem também algumas casas erguidas por ex-escravizados, segundo moradores. Uma está no alto do morro, junto à antiga represa que atualmente está em processo de desativação definitiva. Outra, próxima à ponte na parte inicial da Rua do Quilombo. Dona Olenia nos disse também que havia um morador antigo que era descendente de escravizado, Manoel Félix da Silva, que hoje nomeia uma das vias do morro.

O historiador André Ogawa compilou alguns desses relatos, entre os quais: “Só tinha mais ou menos preto. Até por sinal, botaram o nome de Quilombo, porque ali tem um pé de jaca, lá naquela rua que vai pra represa, tem um pé de jaca, e ali morava só preto ali, e foi da escravidão. Aí que viraram, botaram esse nome aqui de quilombo. Eram ex-escravos. De certo, eles estavam fugindo aqui e botaram de quilombo”, conta Manoel da Silva. “Quando eu vim pra aqui, que saí do Exército, eu conheci, era de cinco preto. Isso aqui era dos escravos. O senhor deles chamava Zézinho de

“Quem não é quilombo aguarda abolição”, pixo na Rua do Quilombo.


Fotografia aĂŠrea do Itacorubi plotada na parede do show room de uma construtora.



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Quem tem medo do pé de jaca?! No Morro do Quilombo tem rio e cachoeira onde ainda dá pra tomar banho. Ao subir pela Rua da Represa, pergunte em alguma loja ou mercadinho como chegar à cachoeira. Além das falas dos moradores com quem conversamos, serviram como fontes para este texto os trabalhos “Perspectivas de uma comunidade: o Morro do Quilombo, em Florianópolis, Brasil”, de Leandro José de Almeida Cravo, Adriana Marques Rossetto e Adriana Carvalho da Silva Storch (URBFAVELAS, 2016) e “Contemplando Itacorubis: Memórias da transformação de um lugarejo na segunda metade do século XX” de André Eitti Ogawa (UDESC, 2010).

UM ATALHO, UM PORTAL

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Sob o pé de jaca, policiais vigiam os passantes, pois a partir dali é onde supostamente começa a ficar perigoso. Ao lado, a sinalização da Servidão Pé de Jaca.

terreno na Amaro Antônio Vieira que fica em frente ao posto de saúde e ao lado do Residencial Jardins do Itacorubi é utilizado por pedestres como atalho para a Rua do Quilombo. Esse terreno é cruzado por um curso d’água que desce o morro do Quilombo e que passa a ser canalizado do outro lado da rodovia, já no “Beco do Rosa”, ladeando alguns condomínios e cruzando também a Rodovia Admar Gonzaga até encontrar mais à frente o Rio Itacorubi. Esse trecho do curso d’água é provavelmente o último em que a água ainda corre por entre as pedras, pois adiante segue por tubulações e leito cimentado.

Casa nas proximidades da ponte que fica no início da Rua do Quilombo. Segundo relatos de moradores locais, essa casa foi construída por escravizados. Inclusive as telhas “feitas nas coxas” (moldadas nas coxas), que foram há alguns anos substituídas por telhas de fibrocimento.

Paixão e morte de Jesus: procissão anual que parte da Igreja de Guadalupe no Morro do Quilombo até a Igreja de São Bento na rodovia Amaro Antônio Vieira, em abril de 2005. Fotografia do arquivo organizado pela Zezé.

Ao caminhar por ali pode-se sentir o odor que acusa a poluição da água e percebe-se muito lixo espalhado pelo local. Alguns moradores da região nos relataram sua preocupação com essa situação e que até já aconteceram mutirões para a limpeza do local. Há, inclusive, inscrições nos muros que pedem para que não se jogue lixo ali. O cheiro não é dos melhores, mas o ar é mais fresco e puro, quase um portal entre os carros e prédios.

É urgente a elaboração de táticas a fim de vincular os usos práticos e lúdicos desse espaço à necessária preservação ambiental da área. Táticas não só para a redução dos danos causados pela inevitável presença humana, mas também para promover um convívio sustentável e consciente com a terra, o rio e as plantas.


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JARDINS DO ITACORUBI O Itacorubi tem jardim de todo tipo, impossível gostar de um só.

QUINTAL DA DONA TEREZA Relato enviado por sua neta Lorrany para o concurso de melhor jardim do Itacorubi, do qual foi a única inscrita.

oro com minha vó e meu tio há quase dois anos, por M causa da faculdade aqui. Desde então percebo toda a felicidade que esse jardim traz para a minha avó, a qual

P

ropusemos um concurso para encontrar o melhor jardim do bairro, pois aqui há vários e de todo tipo: jardins floridos, exuberantes, em pátios amplos com gramado e árvores majestosas ou hortas atraentes para mais de uma espécie ou até mesmo um pé de cana-de-açúcar, todo faceiro, bem na frente de casa. Ou pátios estreitos e amplamente ocupados, uma família inteira de samambaias que também divide o terreno com uma de gerânios. Cimentou a frente do terreno, mas manteve a arvorezinha que ali já estava, magrinha, num quadrado ainda de terra só para ela. Ou revestiu tudo de cerâmica branca - assim fica mais limpo?! -, mas não se aguentou e agora encheu de vasos: comigo-ninguém-pode; caládios (ou tinhorão?!); begônias; lágrimas-de-cristo; aquela muda que ganhou da cunhada do Saco Grande tem mais de ano e até hoje não sabe o nome Há, felizmente, muitos gramados sem poda e, assim, tem vez no jardim todo tipo de plantinha que ali quiser brotar e viver. Há também, na casa onde o chão tem só terra, arenosa e com muitas pedrinhas, uma farta roseira. Condomínios possuem seus jardins nas fachadas: em vasos grandes e caros, plantas paisagisticamente selecionadas - algumas dessas, obtidas ali da mata no morro mesmo, por uma das floriculturas da região.

Nas janelas e varandas dos apartamentos e quitinetes, quem quer cultiva jardim. Duas batatas-doces esquecidas na fruteira em dois ou três meses viram jardim, um jardim pendente ou trepando pela prateleira. Rachadura na parede e na calçada aqui vira jardim. A avenca na minha mão não dura, mas na valeta sim, belíssima. E, nessa umidade toda, coração-magoado (Solenostemon scutellarioides, conhecido também por cóleus) é mato.

Para espaços reduzidos ou situações adversas, uma batata-doce com broto já pode instaurar um jardim sobre a geladeira.

Um tanto mais reservados, no bairro tem também os jardins de fundos de quintal, alguns quase secretos. Lata velha de tinta, garrafão plástico cortado, pneu e filtro de barro antigo viram suporte para esses jardins. Embora quem os cuide, ainda que diariamente e com muito carinho, muitas vezes não veja ou não queira demonstrar valor por aquele cultivo: “esse meu jardim?! Bobagem!”. Então o nosso concurso para encontrar os melhores jardins do Itacorubi, que propusemos enquanto desenvolvíamos este jornal teve apenas um jardim inscrito, apesar de termos pensado em diversas e distintas categorias. Pensamos inclusive nos jardins verticais e muros verdes e jardinados.

A luz influencia no crescimento das plantas. À esquerda, planta criada sem luz, e à direita planta cultivada à plena luz.

No fim foi até melhor que não tivemos muitos inscritos. Seria muito difícil decidirmos quais os melhores jardins a serem premiados, já que gostamos de todos. As ilustrações são de Carmen Fonseca e foram retiradas do livro “Tu terraza y la jardinería“ (Madrid: Santillana Ediciones, 1963).

sempre me diz que devemos conversar com as plantinhas, pois assim elas ficam muito mais bonitas. O jardim proporciona muito prazer para minha avó, é nele que ela desfruta do seu tempo livre depois que se aposentou. Mas ela não consegue ficar parada, quase todos os dias está a paparicar as flores, as quais não precisam de muitas descrições, pois sabe-se que uma imagem vale mais que mil palavras (pelo menos, nesse caso). Como “arquiteta e paisagista” da própria casa, dona Tereza escolheu construir o seu quarto bem no ladinho das flores, para que assim as visse todas as manhãs. E para realizar seu sonho (sua casa), durante 12 anos trabalhou em dois empregos, saindo de casa às 05:30 e voltando às 23:00. Quando mais cansada pela idade, se manteve em um apenas, até seus 67 anos, subindo e descendo o morro a pé, diariamente. Daqui do morro não é raro avistar tucanos, gralhas, saguis e lagartos (um lagarto, inclusive, já entrou na casa). Fatos curiosos a respeito do jardim é que ele é visitado por muitas borboletas e abelhas. No arco maior de flores, uma rolinha fez ninho duas vezes, mas a gata da casa acabou deixando seu filhote órfão, e o encontramos tarde demais, infelizmente. Nesse dia, minha vó esteve de luto, pois todos os dias visitava a pequena ave, que dizia ser “carinhosinha”. Outro dia, ele já foi invadido por um bando de macacos prego, que vieram roubar bananas do vizinho e fizeram muita bagunça com as cascas que jogaram. Um deles desceu bem devagarzinho pela grade da porta da cozinha, a dona Tereza ficou silenciosa, e quando ele desceu o espantou rapidamente, rindo muito depois! O jardim aqui do quintal é vivo, é cheiroso, é carinhosinho, e penso que um bom representante da jardinagem caseira no Itacorubi. Numa cidade que esbanja belezas naturais, o cuidado com as pequenas belezas de casa faz com que vivamos isso mais de perto!


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SÍTIO DO SEU JOÃO

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eu João Batista, ex-funcionário da Udesc, aproveita seus dias de aposentado para criar animais e plantar em um terreno situado à margem da Rodovia Admar Gonzaga, ao lado da Escola Alternativa. O terreno apresenta aclives e é cortado por um curso d’água, o que limita seu potencial construtivo - provavelmente por isso até hoje não foi vendido para uma construtora. Seu João conta que o terreno não é seu, mas que há quatro anos o proprietário o tem cedido para que ele cuide do local e cultive o solo até que lhe seja dado outro destino. Também comentou que a Escola ao lado já quis alugar o local para transformá-lo em um estacionamento, mas que o proprietário não aceitou a proposta. Em algumas visitas ao local, encontramos uma diversidade de plantas cultivadas. Alface, couve, repolho-roxo, cebola, cebolinha, salsinha, brócolis, batata-doce, chuchu, beterraba. Tinha também uma espécie de estufa onde eram cultivados morangos. Uma escultura de galhos aparentemente secos foi descrita pelo seu João como as ramas de mandioca que estão reservadas para o plantio. O que produz vende para os restaurantes do bairro, inclusive para o RU da UDESC.

abelhas, em caixas que ficam mais distantes dos canteiros, no meio do mato. Há também os “intrusos”! Ele conta, impressionado, dos macacos que vêm desfrutar de sua plantação e que “parecem gente” arrancando pés de mandioca do solo, como já presenciou. Há também os cães da vizinhança de vez ou outra aparecem e atacam as galinhas. Da última vez oito galinhas foram abatidas. Seu João conta que plantar é uma prática cotidiana sua, que herdou de seu pai: “Aprendi com o meu pai a plantar no mato”. Ele não planta só para ele colher, mas também para os animais, ou simplesmente para que a plantas existam. Plantando uma árvore aqui, outra ali, às vezes no meio do mato mesmo, ele contribui para a resselvagização do bairro.

Galinhas soltas e contentes e as plantações de alface, batata-doce, cana e repolho do Seu João.

Pausa para admirar as belíssimas aleias de palmeiras imperiais no pátio da EPAGRI. Em 1809, D. João VI plantou a primeira palmeira imperial no Brasil, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Você sabe quais plantas são nativas e quais foram trazidas de outros lugares?!

Além das plantas, Seu João cria galinhas e coelhos que até ficam soltos no terreno em alguns momentos. Para isso ele constrói poleiros, galinheiros e casinhas com materiais que encontra e recicla. Tudo meio improvisado, como ele ressalta, já que não sabe até quando poderá utilizar o local. Cria também

TERRENO DA DONA MARIA

D Alguns condomínios do bairro já estão ocupando áreas até então ociosas ou subutilizadas para criar canteiros e hortas de ervas, hortaliças e outros vegetais. É um privilégio, mesmo morando em um apartamento no meio da cidade, poder comer o alface que cresceu no seu pátio. E onde você mora, já existe essa iniciativa? Se não existe, é hora de começar!

COUVE SEM LAGARTAS Aprendemos com a Dona Maria um truque para evitar que as lagartas destruam os pés de couve. Basta prender ovos vazios presos no topo de bastões de madeira entre as plantas. Ela contou que as borboletas não põem seus ovos onde já existem outros, as couves saudáveis e inteiras como prova de que funciona!

ona Maria, 82 anos, vive na casa da frente de um comprido terreno que sobe o morro na rodovia Admar Gonzaga, onde mora a família Souza. A propriedade é alvo do interesse de construtoras, que já fizeram várias ofertas de compra, sempre recusadas por ela. Em seu pátio há uma infinidade de espécies: pimenta biquinho, boldo baiano, hortelã, salsinha, couve, limoeiro e outras árvores frutíferas. Dona Maria nos deu mudas de coléus e avenca, e também uma dica para o cultivo de roseiras: fazer a poda em julho para que em setembro os botões desabrochem.


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Diz-se que o nome do bairro tem origem no significado da expressão do idioma tupi “Ita-kurubi”, que significa “pedregulho”. A denominação faria referência ao rio que corta o bairro, cuja nascente é cercada por pedras.

Na sua opinião, quais são os principais pontos positivos do bairro? 76%

Localização Infra-estrutura de lazer - 7% 30% Vizinhança 25% Tranquilidade 15% Oferta de serviços Oferta de transporte público - 10% Outros - 4%

E os principais pontos negativos do bairro? Falta de opções de cultura e lazer Falta de segurança nos espaços públicos Falta de saneamento básico Falta de acesso a transporte público Trânsito -

47% 25% 21% 4%

55%

Os dados são de uma pesquisa feita nas ruas do bairro em agosto deste ano com um total de 71 entrevistados. A soma dos itens ultrapassa os 100% porque cada entrevistado podia escolher até duas opções.

Crônica canina

Monumento publicitário do Itacorubi: Outdoor em painel de LED, com ampla visibilidade da Rodovia Admar Gonzaga.

Bethânia Carolina Hardt

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esse dia chuvoso e frio vou contar a minha história. Meu nome é Benedito, já fui macaco velho lá no canil, era do setor dos idosos, já perdi a conta de quando tempo fiquei lá, não enxergo de um olho, me apelidaram de pirata, gosto desse nome. Representa bem a vida que vivi. Corri muito, revirei várias latas de lixo, cresci sempre na rua. Fui formado no mundo. Não sabia o que era ter uma casa, morava com os rejeitados, já conheci uns cachorros que tinham uma casa grande com um espaço para correr, comida e água limpa. Isso na rua não existe. A gente só tinha disponível as poças de água. Latíamos para chover, admito que tinha inveja desses cachorros com a vida de rei. Eu tentei por muito tempo realizar esse sonho, mas sempre apanhava dos homens. Hoje o cão Benedito vive no Centro de Controle de Zoonoses, localizado na Rodovia SC-401, número 114, ao lado do cemitério.

O comércio local e as mídias táticas na Rodovia Admar Gonzaga.

Protesto no Centro de Saúde do Itacorubi.

Jacaré-do-papo-amarelo (Caiman latirostris)

Em dias de sol, são vistos aos montes à beira do rio, especialmente nas proximidades do Shopping Iguatemi. São conhecidos por este nome pois, durante a fase do acasalamento, estes animais costumam ficar com a área do papo amarelada. A espécie habita as florestas tropicais, sendo comumente encontrada em áreas de baixada como o manguezal do Itacorubi. Eles medem entre 1,5 m e 2,5 m e costumam se alimentar de crustáceos e pequenos mamíferos.

Cursos d’água canalizados. Em muitos pontos percebe-se ligações irregulares que despejam esgoto sem tratamento nos córregos que alimentam o rio Itacorubi.

Dona Zezé nos disse que esta era a venda do Seu Ênio e que ele posteriormente passou o ponto para o Cilinho. Ficava ao lado do campo do Clube Ferroviário, na esquina da Rua do Quilombo com a rodovia Antônio Amaro Vieira, onde hoje está o Residencial Oásis.

NÃO EXISTEM MAIS Registro fotográfico realizado em fevereiro de 1983 da antiga Igreja de São Bento, posteriormente demolida com a construção da nova igreja que já surge à direita, esta que se mantém até os dias atuais. Fotos do arquivo Casa da Memória de Florianópolis. Agradecemos à Giovanna Stambuk por recuperá-las para o Jornal do Itacorubi.


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UM PASSEIO NO CEMITÉRIO Guiados pelo coveiro mais antigo em atividade.

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o Cemitério do Itacorubi, jazigos de diferentes estilos carregam histórias que marcaram a política e a cultura da cidade. Para dar luz às memórias adornadas com mausoléus, jazigosmonumentos e sepulturas, fizemos um passeio com a orientação do coveiro mais antigo em atividade no local, Ênio Wilpert, de 62 anos. Ele presta serviços no local desde 1978 e nos apresentou alguns dos túmulos e histórias peculiares do cemitério. O espaço de cemitério varia entre as alamedas e amplos jardins onde as famílias de maior poder aquisitivo

possuem seus jazigos, adornados com pedras de mármore e esculturas, e as áreas mais simples, onde os túmulos são mais modestos e o espaço para caminhar entre eles é exíguo. Em um dos locais mais luxuosos está enterrado o ex-governador Aderbal Ramos da Silva, sepultado pelas mãos de Ênio. Uma das lembranças mais marcantes de Ênio é sobre o “dia do caos”. Em abril de 1980, o voo da linha 303 da Transbrasil com destino a Porto Alegre se chocou contra um morro no bairro Ratones. Das 58 pessoas que estavam no avião, apenas três sobreviveram. Em dois dias

foram executados 46 sepultamentos no Cemitério do Itacorubi, exigindo da municipalidade grandes esforços operacionais, sob ansiedade, comoção e aflição das famílias enlutadas. Não havia sepulturas disponíveis para este atendimento repentino e, assim, buscou-se de todas as formas a criação de vagas utilizando-se dos jazigos perpétuos das famílias atingidas no acidente, bem como, a construção de novos, sob regime de urgência. “Fizemos enterros até de noite”, lembra Ênio. Confira algumas histórias e lugares do cemitério que Ênio nos mostrou.

A

construção do Cemitério Municipal São Francisco de Assis, mais conhecido como Cemitério do Itacorubi, remonta à época da construção da ponte Hercílio Luz. Florianópolis passava por diversas mudanças urbanas, com a instalação de serviços sanitários, a remodelação de vias, passeios e, especialmente, a ligação com o continente pela ponte.

O Cemitério do Itacorubi é o maior de Santa Catarina. Para o último Dia de Finados eram esperados mais de 80 mil visitantes.

GAVETAS

São 730 gavetas disponibilizadas pela prefeitura às famílias de baixa renda que não possuem condições de arcar com o sepultamento. Após 4 anos, a gaveta é esvaziada e disponibilizada a outro falecido.

Na cabeceira insular da ponte, no alto do morro conhecido como Morro do Vieira, estava o Cemitério Municipal inaugurado em 1841 com o objetivo de cessar os sepultamentos em igrejas e capelas, o que passava então a ser considerado insalubre. Contudo, com o tempo, o cemitério passou incomodar a população, especialmente com o início da construção da tão esperada ligação com o continente. O cemitério ficava em destaque na parte mais alta da região e, com a ponte, estaria na entrada principal da cidade. Segundo a historiadora e pesquisadora da área de Patrimônio e Memória da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Elisiana Trilha Castro, a instalação do cemitério na cabeceira da ponte e os discursos sobre a necrópole, que ressaltava a situação e a “infeliz” localização na Capital, exigiu atitudes em relação ao cemitério municipal, que já não correspondia ou não se adequava aos planos de uma nova cidade. “Qual seria o pensamento ou a impressão de todos e, principalmente, dos visitantes, se para entrar na Ilha, ao passar pela ponte, dariam com o cemitério ou teriam que passar por ruas que o cortassem? Diante dessas circunstâncias, a ponte Hercílio Luz faz remover os mortos do alto da colina, colocando-os em sua nova e distante morada”, coloca a pesquisadora. A tal nova morada era especialmente o novo cemitério municipal construído no Itacorubi que recebeu grande parte dos restos mortais transferidos do Morro do Vieira, onde hoje está localizado o Parque da Luz. Com a construção do cemitério inaugurado em 1925, o Itacorubi passou a contar com o primeiro dos espaços públicos que, décadas mais tarde, viriam a provocar intensas transformações nas dinâmicas dessa região da cidade. Administrado pela Prefeitura de Florianópolis, o Cemitério do Itacorubi está atualmente lotado, pois não há mais espaços para serem comercializados. Lá estão enterradas mais de 62 mil pessoas em uma área de cerca de 90 mil metros quadrados, entre as quais várias personalidades da sociedade catarinense, como políticos e artistas, junto à multidão de anônimos que jaz à beira da movimentadíssima SC-401.

CEMITÉRIOS DENTRO DO CEMITÉRIO

IRMÃS KOERICH - AS SANTINHAS DO ITACORUBI

Há espaços reservados para colônias de imigrantes e até mesmo ligados a comunidades religiosas. Entre os restos mortais transferidos para o cemitério estão alemães, que foram realocados ao Cemitério Luterano, que existe dentro do São Francisco de Assis. Os túmulos do local são bastante diferenciados dos demais e possuem estátuas de anjos, cruzes, símbolos da maçonaria e obras de arte, que vieram da Alemanha.

O NÚMERO 1 - “Quem será a primeira pessoa que aqui será sepultada?”

O primeiro corpo enterrado foi de quem conhecia de perto os projetos do novo cemitério do Itacorubi. Waldemar Viegas coordenou a execução das obras de todas os assentamentos vindos do cemitério do Centro. De acordo com os livros de história, conta-se que ele se preparava para assumir a administração do cemitério e chegava a brincar sobre a dúvida de quem seria a primeira pessoa sepultada no local. Por ironia ou não do destino, o primeiro ato fúnebre na quadra n.º 1/lote n.º 1, como consta no termo de sepultamento do livro n.º 1 de assentamentos, arquivado na administração do cemitério, foi do próprio Waldemar, que faleceu aos 34 anos de idade em 1925.

VIDA MACHADO

Falecida no ano de 2002 com apenas nove anos de idade. A primeira devota de Vida foi uma vestibulanda da UFSC, que viu a sepultura durante um enterro uma semana antes das provas e fez uma promessa. Quando a graça foi recebida, colocou uma placa de agradecimento - a primeira das dezenas que viriam.

Como em muitos cemitérios, alguns falecidos, com o tempo, são “santificados”, e passam a receber flores, velas e placas de agradecimento de seus devotos pelas “graças alcançadas”. No cemitério do Itacorubi não é diferente. Como nos contou o coveiro Ênio, é o que acontece, por exemplo, com as irmãs Koerich, Jane e Rosemary, conhecidas como as “santinhas do Itacorubi”. Falecidas no acidente aéreo da Transbrasil em 1980, elas estão sepultadas em um jardim gramado cercado por placas com dizeres como “Uma Graça Alcançada”. Desde o sepultamento das Koerich, o espaço atrai devotos. Entre 1980 e 86, as irmãs enviaram aos pais seis mensagens psicografadas por Chico Xavier. Além do coveiro Ênio Vilpert, serviram como fontes para essa matéria o TCC “Aqui jaz um cemitério” de Elisiane Trilha de Castro (UDESC, 2004) e a tese em História “Santinhas do Itacorubi” de Julia Massucheti Tomasi (UFSC, 2017).


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ROLÊ É BOM

Cinco lugares ao ar livre no Itacorubi.

PRAÇA CAIÇARA

TREVO DO ITACORUBI “pracinha da aroeira”

A praça Caiçara está localizada entre as rodovias Admar Gonzaga e Amaro Antônio Vieira. Possui uma quadra de esportes; um campo de futebol; aparelhos de ginástica; parque de brinquedos para crianças, com bangalô de madeira para quem quiser subir; escadaria; mesas e bancos de concreto. Com bares, sorveteria, café e outros estabelecimentos perto, além dos pontos de ônibus, muita gente passa pela praça, que precisa de novos reparos. O que era para ser um canteiro no entroncamento da movimentada rodovia Admar Gonzaga com as ruas Pastor William Richard Schisler Filho e Antônio Joaquim de Freitas virou uma pequena praça informal. Na área de dimensões restritas, a sombra de um pé de aroeira abriga bancos e uma mesa de madeira que são frequentados por moradores e passantes.

“BECO DO ROSA”

PRAÇA DES. THEREZA GRISÓLIA TANG Algumas pessoas acham que o local é a continuação da Praça Caiçara do outro lado da rodovia Admar Gonzaga, mas é outra praça: nesta predomina o gramado e os bancos circulares de concreto. A placa confirma que são diferentes. Trata-se da Praça Desembargadora Thereza Grisólia Tang. Falecida em 2009, Thereza foi a primeira mulher juíza do Brasil, ingressando na magistratura de Santa Catarina em 1954, onde permaneceu como a única mulher até 1973. Também presidiu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina. A praça fica em frente ao prédio da CELESC, na entrada do Parque São Jorge e nas proximidades do badalado Mercado São Jorge.

É uma passagem para pedestres e ciclistas que margeia um curso d’água que desce do Morro do Quilombo. Liga a avenida Madre Benvenuta pela rua nas imediações do Supermercado Rosa à rodovia Amaro Antônio Vieira. Há também a ponte que faz ligação com a servidão Catarina Sodré. Logo depois da ponte havia o bar do Capenga, cujo proprietário era o Seu João. O bar fechou quando ele faleceu há cerca de três anos. Na época em que funcionava, os frequentadores do bar acabavam ficando pelas imediações do beco, aproveitando as muretas do rio como bancos. Recentemente foram instaladas nos acessos do beco barras de ferro para impedir a entrada de motocicletas. Relataram-nos que essas barras já haviam sido colocadas pela prefeitura anteriormente, mas foram arrancadas. Algumas pessoas tem medo de passar por ali à noite, pois já houve assaltos. O local tem um grande trânsito de pessoas diariamente.

PRACINHA INFANTIL Fica na Servidão Manoel Francisco da Silveira e foi construída pela família de Gilvando, isso já tem mais de ano. Quem nos mostrou foi ele, que mora ali e não quer se mudar, nem pretende vender a casa porque o seu filho sempre brinca na pracinha. Junto da esposa, ele ajuda na manutenção do local. A pracinha é aberta: as crianças dos condomínios das redondezas às vezes descem para brincar, diz ele.

Registro fotográfico catado na internet do Bar do Capenga ainda em funcionamento. Tinha sinuca e cerveja barata!

Você usa como praça alguma outra parte do bairro?!


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GUIA DO COMÉRCIO LOCAL Ao comprar no comércio local, você economiza tempo e combustível, já que pode fazer tudo a pé ou de bicicleta e evitar filas no trânsito. Separamos alguns dos estabelecimentos que conhecemos no Itacorubi:

Feira Orgânica do CCA/UFSC A Feira acontece toda sexta-feira pela manhã (das 8h às 12h30) no estacionamento do Centro de Ciências Agrárias da UFSC (Rodovia Admar Gonzaga, 1346) e reúne produtos dos grupos de agroecologia da Rede Ecovida e de outros coletivos de agricultura familiar de diferentes locais, como o gengibre de Biguaçu e o feijão vermelho de Correia Pinto. Realizada desde 2014, a feira é resultado de um projeto de extensão coordenado pelo Laboratório de Comercialização da Agricultura Familiar (LACAF-UFSC) em parceria com a CEPAGRO (Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo).

Supermercado Rosa O maior supermercado do bairro. Funciona há décadas em frente à UDESC e à TELESC, no fim da Madre Benvenuta, caminho da Lagoa. A presença é tão marcante que nomeia a passagem das proximidades à Rodovia Amaro Antônio Vieira: o Beco do Rosa. Nas paredes há retratos do casal que fundou o supermercado e que já faleceu. No andar de cima, espaço dos funcionários onde ficam seus armários, há uma sala de convivência com bancos e uma estante com revistas e publicações. Perfeito para aquela paradinha e para quem precisar ir ao banheiro. Importante destacar que o fraldário não é restrito ao banheiro feminino, mas em uma área comum onde qualquer pessoa, independente de gênero, pode trocar a fralda dos seus bebês. Se a luz do mercado subitamente apagar, não se assuste. Apagões relâmpago são usuais no fim do dia, em poucos segundos a luz volta.

Armazém Natural O casal de proprietários mora no pé do Morro do Quilombo e pensou nas distintas classes sociais dos moradores do bairro. Devido à ampla variedade de produtos saudáveis vendidos a granel e aos preços, conquistaram clientes que vêm inclusive do continente. A dona é formada em História e o dono em Educação física. Oferecem, entre outras coisas, aulas gratuitas de capoeira na casa deles. Na fachada do estabelecimento há bancos com almofadas de sacos de café onde se pode parar um pouco e observar o movimento da Rodovia Amaro Antônio Vieira.

Bar do Pacheco O Bar do Pacheco foi aberto em 2013 nos fundos da UDESC, próximo ao campo da escolinha de futebol do clube Paula Ramos. O bar se mudou em novembro de 2017 para outro imóvel na Rodovia Amaro Antônio Vieira, em frente à Praça Caiçara, local onde antes funcionou por 19 anos o bar do Cabelo, que fechou porque ele (o Cabelo) faleceu. Seu Pacheco, que é natural do Itacorubi, mais especificamente do morro da Lagoa, relata que os alunos da UDESC ainda frequentam seu bar, além de outras figuras do bairro. No bar do Pacheco tem cerveja barata e uma churrasqueira onde às vezes é preparado um assado. E tem também uma jukebox, com todos aqueles clássicos que todo mundo conhece. Por estar localizado em uma área mista (residencial e comercial), o bar, que abre de segunda à sábado às 14 horas, tem que fechar às 22h30.

Pet Shop Play Dog A fachada chama a atenção por estar coberta por vasos de plantas de diferentes tamanhos. Fernando, que é o dono do estabelecimento há oito anos e morador do Itacorubi, disse que, além de petshop, ali funciona também como floricultura. Isto é, quase todas aquelas plantas estão à venda. Na Amaro Antônio Vieira.

Padaria Santa Isabel Escolhemos a padaria Santa Isabel porque prioriza o almoço dos funcionários. Todos os dias fecha ao meio-dia e reabre às 14h. Passe para o café da manhã ou lanche da tarde. Também na Amaro Antônio Vieira, em frente à creche municipal Joaquina Maria Peres.

Frangoxtoso Ainda não compramos lá, mas o nome é muito atrativo. Na Rodovia Amaro Antônio Vieira, nas proximidades do Centro de Saúde.

Mercado da Família

No Mercado da Família quem nos atendeu foi a Bruna, que é irmã do proprietário, o Bruno. O estabelecimento funciona todos os dias desde às 7h30, fechando de segunda à sexta às 21h30, e aos sábados e domingos às 18h30. Providencial para aquelas comprinhas rápidas na Rodovia Amaro Antônio Vieira.

Letreiro em muro na Rua Pastor William Richard Schisler Filho.

Brechó da Associação de Voluntários do CEPON Localizado na Rodovia Admar Gonzaga, número 655, o Centro de Pesquisas Oncológicas (CEPON) é serviço público de referência no tratamento oncológico em Santa Catarina. Recebe diariamente centenas de pacientes e seus acompanhantes de várias cidades do estado, muitos que são acolhidos pela Associação de Voluntários do CEPON (AVOC) com aconselhamentos, encontros e terapias em grupo como crochê e tricô, festas e sessões de beleza. Os voluntários promovem com frequência brechós e bazares para arrecadar fundos. Aceitam doações de roupas, calçados, acessórios e do que possa ser comercializado nesses eventos. Recebem também doação de cabelo, que é destinado aos pacientes em tratamento. Para conhecer mais procure a AVOC no Facebook, ou fale com a Claudia pelo número (48) 984713005.


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Mercado Itacorubi 14 horas

Sobradinho Bar Fica na Servidão do Palmeiras, número 52. No lado externo do bar tem uma churrasqueira, além das tradicionais mesas de plástico nas quais, ao ar livre, dá para fumar aquele cigarrinho (nacional ou paraguaio) enquanto se aprecia uma cerveja bem gelada ou uma pinga mesmo.

Aberto há 20 anos, o Mercado Itacorubi – ou “mercadinho da Maria”, como costuma ser chamado, em alusão ao nome da dona – está localizado na Rua Antônio Joaquim de Freitas, perto da pracinha do trevo e do outdoor em painel de LED. Segundo a própria dona Maria, ela é a maior concorrente do Angeloni. O mercado também é bar. Do lado direito há um espaço com mesas e televisão, onde é possível sentar com os amigos e consumir os produtos do mercado, especialmente as cervejas, os salgados fritos e os cigarros avulsos. Lá no bar/mercadinho, além dos clientes frequentes, encontramos ora a Maria, ora a Larissa, filha dela, no balcão de atendimento. Elas moram no andar de cima do mercado e possuem apartamentos para aluguel a estudantes no alto daquela rua. Para alguns vizinhos e clientes conhecidos, o mercado dispõe da caderneta: dá para comprar e pagar depois, mas não é para todo mundo, claro. O mercado funciona de segunda a sábado das 7 às 22 horas, ou seja, 15 horas por dia, uma hora a mais do que anuncia o nome do estabelecimento. Abre também aos domingos e feriados, das 8 às 13h.

O bar do Mercado Itacorubi 14 horas decorado para a Copa do Mundo de 2018.

Fachada de estabelecimento tradicional do bairro na rodovia Admar Gonzaga.

Salão do Valmir Bento

Bazar da Ilha Sempre aberto para quando você precisar comprar alguns envelopes, um baralho, pipas ou cartolinas e papel cartão. Seu Maurício, o dono e atendente, disse que a loja já teve mais variedade, mas hoje só renova os produtos que de fato vendem. Difícil disputar com os concorrentes maiores das redondezas, como a Millium, que abriu há algum tempo na Avenida Madre Benventura. Contudo, se você tiver disposição para procurar e não tiver rinite ou problemas com poeira, o Bazar dispõe de preciosidades inusitadas que só lá tem: convites prontos e ilustrados para festas, desde baile de debutantes até chás de panela; potes, saboneteiras e outros artigos plásticos de qualidades; adesivos divertidos; incensos etc.

Muitos condomínios dessa região do bairro estão construídos sobre terrenos que foram comprados da família do Valmir, o qual, mesmo após a venda, continuou ali morando, no alto do Morro do Quilombo. As longas madeixas loiras de Valmir são um ótimo exemplo dos cuidados que ele pode dedicar aos seus cabelos. Na Amaro Antônio Vieira.

Lanchonete Dois Irmãos

Funerária São Pedro

Foto na hora Fotocópias e fotos para documentos são com o Seu João Manoel, retratista, que atende há 16 anos em uma sala anexa à sua casa, pertinho do IGP (Instituto Geral de Perícias). As fotos ficam prontas em 3 minutos e têm garantia de 70 anos sem descascar. Seu João diz que nunca voltaram para reclamar.

É uma das funerárias que atendem em localização privilegiada, em frente ao Cemitério do Itacorubi, o maior de Santa Catarina. Funciona desde 1973. Lá, uma urna mortuária varia de 290 a 9 mil reais, dependendo do cacife do morto ou da sua família. Além da urna, os funcionários da funerária prestam todo o apoio às famílias que os procuram nesse momento de dor. São oferecidos os serviços de aluguel de capela para o velório e a tanatopraxia - procedimento que consiste na preparação de um cadáver para o velório ou funeral, retardando o processo de decomposição natural por meio da aplicação de injeções de produtos bactericidas -, bem como todos os outros preparativos necessários ao sepultamento.

Funciona em frente ao Cemitério do Itacorubi, junto ao estacionamento das funerárias e capelas de velório. Além dos eventuais clientes do Centro Comercial ao lado, seu maior público, naturalmente, são as pessoas que vão ao local para algum velório ou sepultamento - embora as funerárias ofereçam pacotes de serviço que já incluem o cafezinho. No cardápio, salgados fritos e assados, doces industrializados diversos, além de bebidas alcoólicas. O banheiro é de uso exclusivo de clientes. Não clientes pagam um real. Aceitam cartões de débito e crédito.

Bia Modas Loja da dona Cida, a Bia, onde também trabalha o filho dela, o Bolinha. Botica de roupas adultas e infanto-juvenis com artigos variados, inclusive internacionais. Tudo a partir de 10 reais. No Morro do Quilombo, na Rua da Represa.

Igreja Nossa Senhora de Guadalupe Em frente ao pé de jaca, charmosa igreja de madeira em amplo terreno verde com árvores e muros altos. Organizam todo mês, ou quando dá, um brechó beneficente de roupas por preços módicos.

Biqueiras, bocas e pontos A proibição de certas substâncias não impede a sua venda e consumo. Como em muitos lugares, a venda de substâncias ilícitas faz parte do comércio local e deve fazer circular uma boa quantia de dinheiro na economia do bairro.

um comércio fraudulento Na Rodovia Admar Gonzaga, nas proximidades da praça Caiçara, está pintado num muro de lote baldio: “este terreno não está a venda”. Contatamos o proprietário do imóvel para saber mais desse golpe: aconteceu, mas não ali, e sim em outro terreno de propriedade dele. Para prevenir outra tentativa de golpe, mandou pintar o aviso neste muro para alertar os possíveis compradores.


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IMÓVEIS ABANDONADOS

Armazém Santos O Armazém Santos fica na rua do Quilombo e existe há cerca de 35 anos. Quem encontramos lá foi a Simone, uma das atuais proprietárias. Ela e seus irmãos herdaram o estabelecimento do pai, o Seu Pedro, falecido há poucos meses. O armazém é lindo e as fotos, quadros e pôsteres espalhados pelas paredes indicam que ali há muita história em todo canto. Apesar de ser um comércio tradicional da vizinhança, Simone disse que já não dá dinheiro, pois é difícil competir com as redes varejistas que se multiplicam pela cidade. O que ainda mantém o local é o bar, onde dá pra tomar uma pinga ou cervejinha e jogar sinuca com os vizinhos. No andar de cima, há quitinetes para aluguel. Com a morte de Seu Pedro, o imóvel está atualmente em inventário. Simone comentou que talvez eles fechem o estabelecimento para construir mais quitinetes no andar de baixo.

Bar de Pedra Quando fechado, quem não conhece e passa por ali nem imagina que seja um bar, mais parece uma garagem cavernosa. Durante a semana abre à noite. Mais pro fim de semana é que abre durante o dia.

Dona Zezé relatou que o prédio na esquina da Servidão do Palmeiras com a Rodovia Amaro Antônio Vieira foi construído com recursos de uma construtora, fruto de um termo de ajuste de conduta, tendo como objetivo servir à comunidade. O prédio foi cedido para a Polícia Militar de Santa Catarina, mas nunca chegou a ser utilizado. Conforme publicado no jornal “Hora de Santa Catarina” do dia 16 de julho de 2016, “O futuro de um prédio de 210 metros quadrados, pronto desde 2014 e localizado em área nobre do bairro Itacorubi, segue indefinido. Planejado inicialmente para ser uma central de videomonitoramento da Polícia Militar, a edificação passou por readequações elétricas e hidráulicas antes de ser entregue em definitivo à corporação, depois de ser doada pela Prefeitura de Florianópolis em 2012. Reivindicação de moradores e do Conselho de Segurança da Bacia do Itacorubi, a implantação de uma base operacional da PM no local não deve sair do papel. O motivo, conhecido do povo da Grande Florianópolis, é o efetivo policial escasso, que não daria conta de atender à base e às ruas”. Um dos desejos de Dona Zezé é que o local seja um espaço de lazer para a terceira idade. A última notícia que tivemos, como comentou conosco o Sérgio da ABI, é de que no local funcionará o Centro de Convivência da Infância e Juventude, órgão da prefeitura municipal a ser transferido do prédio nos fundos do Centro de Saúde.

A construção amarela na esquina da Servidão Joaquim Soares com a Rodovia Admar Gonzaga que está atualmente abandonada era uma loja da Somar Malhas, como anuncia o letreiro esquecido lá. A sinalização em espanhol sugere que certo público da loja era de turistas, embora o Itacorubi não seja um balneário. Pelas vitrines se pode observar o vazio do lugar, em que apenas interfere a poeira. Em frente, um simpático telefone público da operadora Oi que funciona. Entre os lambes e pixos que tomam a fachada, os nomes de cantoras e bandas. Ao lado, na outra parte da construção, fica o Brechó da Ilha, também abandonado. Pouco antes do fechamento desta edição, o imóvel foi demolido e o terreno liberado para mais um empreendimento imobiliário.

À esquerda: casa abadonada na Servidão do Palmeiras, com pátio e bananeiras, em área valorizada do bairro. À direita: detalhe da fachada de minimercado que fechou na Antônio Amaro Vieira. O mobiliário continua lá.

Lixo para uns, luxo para outros. Ensaio da fotógrafa Lara Albretch no terreno do depósito de uma escola de samba no bairro. Lara reside e estuda no Itacorubi.

No imóvel localizado na Rua Pastor William Richard Schisler Filho funcionou primeiro o Mercado Ideal, depois foi mais um mercado, seguiu-se o escritório das farmácias Ganzo e, por último, antes das ruínas, uma academia. Já levaram tudo o que havia de valor lá, inclusive as portas e janelas. Uma das moradoras da casa em frente disse que prefere que o local fique assim, abandonado, a ter de conviver com a construção de mais um prédio.


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LEMBRANÇAS DE UM

ITACORUBI QUE NÃO EXISTE MAIS Na casa da Zezé, uma tarde entre memórias de vida que se cruzam com a história do bairro.

N

o início de junho deste ano, a equipe do Jornal do Itacorubi foi convidada para um encontro na casa de Dona Zezé (Maria José Amorim, 64 anos) com suas amigas, todas moradoras do bairro e muitas delas nativas, como a própria dona da casa. A mais velha, Ana Maria Machado, Dona Dica, 94 anos, é mãe de quatorze filhos, entre os quais Zezé. Participaram também Elizete Alexandre Rios, conhecida como Zeta, 69 anos; Maria Laura Inácio, 63 anos, que se mudou para o Itacorubi em 1960; Olenia Peres Clemente, 80 anos; Sueli Ana Nunes, 70 anos; e Ideusa Fernandes de Andrea, 67 anos, comadre da Zezé que se mudou para o bairro em 1975. Entre histórias, risadas, cafés e quitutes, passamos a tarde ouvindo as memórias dessas mulheres e tentando conectá-las ao que é o Itacorubi hoje. Suas trajetórias pontuam e atravessam as transformações pelas quais passou o lugar onde vivem. Puxando pela memória, Dona Dica entoou, com a ajuda de Zezé e Zeta, uma relembrando a outra a letra e sonoridade, uma cantiga de ratoeira: “Ratoeira bem cantada Faz chorar, faz padecer Também faz um triste amante Do seu amor esquecer... Meu galho de malva, meu manjericão Dá três pancadinhas no meu coração”

Demonstrando certa emoção, relembravam que era o que cantavam cotidianamente durante suas atividades em casa, na roça e nos engenhos de farinha onde processavam a mandioca.

Bairro em transformação: Lembrancinha guardada dos escombros do imóvel da Somar Malhas, demolido em novembro (pág.26).

jeito de antiga, sem muros, contrastando com as construções atuais do bairro. Zezé conta que foi com a mobilização dos vizinhos que conseguiram reerguer a casa. Enfatiza que o apoio foi fundamental, pois a família não possuía recursos. As doações iam de lençóis e objetos para casa até dinheiro para aquisição de materiais de construção. Zezé lembra que no bairro viviam poucas famílias e que todos se conheciam, se davam bem e cooperavam. O cenário do bairro nada se assemelhava ao de hoje. Lavouras, arrozais, cafezais, pomares, sítios e casas com grandes pátios deram lugar à ocupação adensada de prédios. Eram comuns nos quintais plantações de uma diversidade de alimentos que as próprias famílias consumiam: café, bergamota, laranja, quiabo, tomate, morango, vagem, ervilha, couve, beterraba, cenoura, entre outros. Na época de bergamota, os encontros e as conversas se davam à sombra da árvore, enquanto se deliciavam com seus frutos. Além da produção para subsistência, também realizavam trocas e comercializavam. Zezé recorda que seu pai, Bento da Silva, se deslocava diariamente bem cedo até o centro para vender o que colhia e pescava: “Lá tinha fregueses certos, como um desembargador”.

Ideusa, Maria Laura, Olenia, Sueli, Dica, Zeta, Zezé e seu marido.

e extinto em 1995, localizado na sede do antigo Clube Ferroviário no Itacorubi. A costura era uma atividade conhecida. Em casa, aprendeu os primeiros passos na máquina de sua mãe. Mas foi com o curso e o diploma que conquistou um emprego na loja Morgana Maris, na qual costurava roupas para as quatro unidades que existiam no Centro de Florianópolis: “Saía às seis horas da loja, fazia um lanche e ia para o Instituto”, recorda. Com sua trajetória, Zezé influenciou suas irmãs para que seguissem a estudar e trabalhar fora de casa.

***

Zezé formou-se em pedagogia e atuou por mais de 30 anos como professora da rede municipal. Hoje Zezé conta com admiração as lembranças de seu Essas cantigas tornavam um pouco mais ameno o aposentada, participa de atividades na igreja de São pai. Foi ele quem ela teve que convencer para estudar. trabalho pesado na roça. Zezé relatou que sua mãe, Dona Bento e na Associação Comunitária onde se envolve Aos 8 anos foi para a escola, um ano atrasada, pois Dica, além de organizar a casa, logo cedo se dedicava com causas do bairro e da terceira idade. Todas era “doentinha”, como diz. Quatro anos depois terminou a preparar quitutes para alimentar toda a família, pois as quartas-feiras, sai para dançar com seu o ensino primário na antiga escola José Rossoni, que às tardes, em época de colheita, ia com os filhos para o companheiro ficava nas proximidades cafezal, cada um com seu balaio. “Ficava a mais velha em um clube de onde é o campus da cuidando do mais moço no berço e todos os outros iam. na Lagoa da UDESC. À época não havia Ela puxava os galhos de café e todos colhiam os frutos”, Conceição. no Itacorubi escola que , recorda Zezé, que lembra também dos lanches e dos oferecesse o curso ginasial, *** diz Dona Olenia. momentos de diversão em família nessas ocasiões. somente no Centro. Isso A chegada das dificultou muito seu desejo Hoje Dona Dica reside em uma casa que foi construída instituições públicas ao bairro a partir da década de 1960 de continuar estudando, pois não era comum meninas depois de um incêndio que destruiu todos os pertences (que você confere na reportagem da página 5) também andarem sozinhas de ônibus na cidade. Ela conta com de sua família. O fogão foi o único objeto recuperado. se relaciona com as histórias dessas mulheres que, orgulho que foi uma das primeiras a conquistar esse A casa foi reconstruída no mesmo terreno mantendo o assim como muitos moradores, também trabalharam direito depois de muito insistir com lá. Para as mulheres, isso significou o primeiro seu pai. emprego formal fora do âmbito doméstico. Conforme Naquela época, década de 1960, as instituições ali se estabeleciam, demandavam os moradores do Itacorubi contavam trabalhadores que prestassem serviços básicos na área apenas com uma linha de ônibus que de limpeza e manutenção. Algumas das amigas de Zezé ia até o centro pela estrada que hoje nos relataram que tiveram que superar a resistência dos é a Rodovia Amaro Antônio Vieira, maridos para que pudessem trabalhar fora de casa. passando pela então reta das Três Dona Olenia foi uma delas. Aos 38 anos, em 1976, Pontes, hoje Avenida da Saudade. iniciou seu trabalho como faxineira e copeira na TELESC Era esse ônibus que Zezé passou (Telecomunicações de Santa Catarina). E salienta que a tomar para seguir sua jornada de não abandonou a rotina de cuidados com a casa e com estudos. a família. Cinco anos se passaram, quando surgiu a Seu desejo de estudar era tão oportunidade de um emprego na UDESC (Universidade marcante em sua vida, que, além do Estado de Santa Catarina), onde continuou a atuando da rotina no Instituto Estadual de na área de serviços gerais, sem a necessidade de Educação, na Avenida Mauro Ramos, trabalhar aos sábados. passou a trabalhar numa sapataria para ajudar a cobrir suas despesas. “A ratoeira é descrita como uma cantiga de roda, Porém, não se adaptou à profissão de caracterizada por quadrinhas que aludem a elementos comerciante. Nesse mesmo período, ambientais (especialmente a plantas, flores, surgiu a oportunidade de fazer o Dona Olenia e o quadro pintado por sua irmã Marina que retrata uma antiga fenômenos climáticos, animais etc.) e versam sobre curso de corte e costura que era casa do Morro do Quilombo. Segundo ela, a casa foi feita por mãos de gente casos amorosos e jocosos.” escravizada e era de sua sogra. Seu marido foi criado ali. A casa foi demolida oferecido pela Legião Brasileira de Definição da pesquisadora Nathalia Müller Camozzato em seu TCC porque quem a alugava não pagava. O cunhado de Dona Olenia, que morava Assistência (LBA), órgão assistencial em Língua Portuguesa intitulado “A Voz das Rendeiras: Cantigas no Morro da Cruz, desmanchou a casa e cortou todos os pés de café. Depois de Ratoeira e Construções Identitárias” (UFSC, 2015). público brasileiro fundado em 1942

“Os idosos é que sabem os andamentos das coisas”

vendeu o terreno. Marina pintou o quadro só de memória.


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Antes de ingressar nas empresas públicas, Dona Olenia trabalhava como lavadeira. Recorda que, com a chegada das instituições ao bairro, muitas mulheres deixaram de lavar roupa para fora em troca de um emprego formal. Como lavadeira não podia contribuir com o então INPS. Foi uma garantia para o futuro, pois hoje vive da aposentadoria que recebe. Por último trabalhou no CIASC (Centro de Informática e Automação do Estado de Santa Catarina), onde se aposentou. Em meio a tudo isso, criou nove filhos. Hoje vive na companhia de sua neta, estudante do curso de design da UDESC, em sua casa no Morro do Quilombo e passa parte do tempo dedicando-se às plantas de seu quintal. *** Zeta conta com entusiasmo seus 30 anos de funcionária da UDESC iniciados em 1986 como faxineira e copeira. Nos primeiros 6 meses trabalhou como contratada pela Empresa Coringa, efetivada logo depois pela universidade como funcionária pública. Lembra que o trabalho de faxineira era muito duro, pesado, principalmente quando tinha que limpar e lubrificar o piso do prédio da reitoria que era de borracha preta. Já servir café era mais tranquilo, diz ela, mas para isso bastava estar vestida com o uniforme de forma impecável - saia e blazer - para servir em xícaras de porcelana os administradores da universidade. Alguns anos antes de sua aposentadoria, conseguiu deixar a rotina de faxineira para exercer a função de telefonista. Zeta é uma das 16 filhas de Dona Beatriz com o Seu Manoel João Alexandre. Todos os filhos nasceram em um casarão que na época se destacava na paisagem do bairro por sua arquitetura e suas dimensões. O casarão está localizado no lado direito da Rodovia Admar Gonzaga, próximo ao trevo do Córrego Grande, onde hoje funciona a Fundação de Estudos Superiores de Administração e Gerência (ESAG). Quando a família Alexandre vivia na casa, Dona Beatriz fazia questão de mantê-la muito viva. A casa estava sempre aberta para os amigos e para as pessoas que participavam das muitas festas do bairro que a própria Dona Beatriz organizava. “Lembro da época da festa do Divino Espírito Santo, nos dias de novenas, a casa ficava cheia de gente”, conta. Era comum preparar panelões de comida e havia quem chegasse a dormir lá. Havia muitos quartos, que eram equipados com colchões de capim dispostos pelo chão e travesseiros de macela. Nostálgica, lamenta: “Não se vê mais isso, só ficou na lembrança.”

A família saiu do casarão há cerca de 50 anos, quando Seu Manoel João vendeu a propriedade para o Zé Elias, investidor citado por várias pessoas do bairro como quem comprava as terras dos moradores locais. Com a venda, os pais de Zeta foram morar perto da Igreja de São Bento, quando ainda havia a construção antiga que foi demolida, e ela foi morar na casa onde vive até hoje, comprada com a herança que recebeu de seu pai. Comenta que outros excelentes terrenos eram de propriedade de sua família, como o local onde atualmente funciona a APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) e parte da área do Parque São Jorge. Afirma que se ainda fossem donos desses terrenos, hoje sua família seria muito rica. Mas, resignada, admite que os negócios naquela época eram feitos de outra forma. *** Quem também apareceu para contar sua história foi Maria Laura. Por mais de 10 anos, residiu com sua família em uma casa no alto do Morro do Quilombo que fica um terreno onde está localizada uma represa administrada pela Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (CASAN). Seu pai, funcionário da empresa, era o responsável por cuidar da represa e do local. Lá, havia uma casa de pedra que, segundo relatos, ainda existe. Como a casa era pequena, seu pai fez outra parte de madeira, mais dois quartos (um para as meninas e outro para os meninos) e uma cozinha bem grande. Maria Laura lembra que seu pai era muito caprichoso e que a terra onde sua família vivia era muito bem cuidada. No local também tinham uma roça, onde plantavam para a sua subsistência – batata, aipim, milho, amendoim e o que mais necessitassem. Um fato curioso é que lá havia muitas cobras, a ponto de que às vezes era preciso pular sobre elas, mas nunca ninguém foi picado. Conta que uma vez sua mãe encontrou uma cobra rateira no quarto dos meninos, que voltava todas as noites para dormir no telhado. O fato de viver no meio do mato, além do medo das cobras, também os fazia conviver com aranhas e constantemente com uma enorme quantidade de mosquitos. Tanto que toda semana recebiam a visita de um profissional da saúde para aplicar a vacina da malária. As dificuldades não se davam somente na convivência com a ameaça dos bichos, mas também por esse lugar onde viviam se encontrar em uma área isolada do bairro. Diariamente, ela e seus irmãos precisavam andar quilômetros para chegar à escola,

A camisa do galego Uma das nativas do bairro nos contou sua história de amor. Quando ela era adolescente, ficava na janela de casa observando um galego que vinha às proximidades buscar água na bica. Segundo ela, o jovem de quinze anos era muito bonito. E ali começou a paquera, que mais tarde se desenrolou em um casamento que durou muitos anos. Sempre que podia, ela ia até o campo de futebol do bairro para ver o tal galego jogando bola. Ela guarda até hoje a camisa que ele vestia naquela época.

descendo e subindo todo o Morro do Quilombo. Como os dias que ficaram para trás, a represa onde Maria Laura morava também. Atualmente está em processo uma obra para sua desativação total. *** Entre muitas histórias, lembranças, mudas de plantas levadas por Dona Olenia e dicas sobre suas propriedades que ela compartilhou, saboreamos um delicioso café preparado gentilmente pela Zezé, conhecendo um pouco mais de um Itacorubi que já não existe. “A vida era difícil, mas era boa”, afirma Maria Laura. E isso foi algo recorrente nas falas dessas mulheres, que transmitiam a sensação de que, mesmo com todas as facilidades de hoje, a vida no passado era mais prazerosa.

Chico Flôr, um homem de muitas terras Manoel Francisco Flor morava na subida do Morro do Quilombo, onde era dono de muitas terras. Tinha outras na parte baixa do bairro também. Dona Olenia, que é sua filha, conta que o terreno onde é o Centro de Ciências Agrárias da UFSC era de seu pai e que foi ele quem vendeu para o governo na década de 1940. Além das terras no Itacorubi, Seu Chico Flor era proprietário de muitos ranchos de pesca que se localizavam de norte a sul da Ilha. Nos ranchos ele tinha canoas, redes e toda a infraestrutura para a pesca: “Aí o pessoal trabalhava, pegava o peixe e dividia com ele”, diz Dona Olenia. Seu Chico circulava semanalmente a cavalo por estes lugares. E essa é a lembrança especial que tem de seu pai. Ela recorda que, cedinho, acordavam e saíam do Itacorubi com destino ao extremo sul da Ilha, num percurso de mais de 35 quilômetros no lombo do cavalo. Para chegar na praia de Naufragados, Seu Chico ainda atravessava o morro com as duas crianças no celão. “Eu me lembro dele me pegar e me botar dentro do celão do cavalo. E me tirar também para fazer xixi no mato”, conta. Ele tinha também uma charrete que usava quando ia levar redes de pesca: “Colocava nós duas na frente e vínhamos de Canasvieiras até aqui”. Dona Olenia disse que soube de um boato de que no Campeche ainda teria uma canoa dele: “Essas canoas duram muito, porque são feitas com madeira boa”.

Dona Didi, a benzedeira No início da Rua da Represa, esquina com a do Quilombo, mora Dona Didi, funcionária aposentada da TELESC. Frequentadora da Igreja de São Bento, ela também é benzedeira. Talvez uma das últimas do bairro. Entre os moradores mais antigos, todo mundo a conhece por esse ofício. Mas e os novos moradores conhecem alguma benzedeira no Itacorubi? Também essa tradição está se perdendo com o tempo. Dona Didi, por exemplo, relata que nenhuma de suas filhas ou netas quis aprender a benzer com ela.


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Jornal com receita de bolo, mas que não é censura*.

ALTAR COM GARRAFA PET Vera Lúcia fez um altar para Nossa Senhora Aparecida, mas você pode colocar o santo ou entidade que quiser. Segundo a própria Vera, dá até para colocar uma plantinha ou uma boneca Barbie.

FEIJOADA DE TAINHA Ingredientes: 1/2 kg de feijão preto cozido na panela de pressão com folhas de louro; 1 tainha pequena em postas, limpa (inclusive sem a gordura e escamas); 1 colher de sopa de óleo; 1 cebola média (picado bem fino); 5 dentes de alho (amassados); sal; pimenta e alfavaca (não pode faltar!). Como fazer: Deixe o feijão (já cozido na pressão) no fogo para engrossar o caldo, acrescentando água se necessário. Depois tempere as postas de tainha com sal e alfavaca e deixar reservado. Em outra panela, colocar o óleo para esquentar e fritar a cebola,até ficar quase transparente, adicionar o alho até dourar. Misture a cebola e alho ao feijão, temperar com sal e pimenta a gosto. Quando o feijão estiver com o caldo bem grosso, colocar as postas da tainha, deixar a tampa semi-aberta, cozinhar por 10 min. É só servir! Importante: Se sobrar não pode ser guardado.

BOLO DE MANDIOCA DA DONA OLENIA

CONSERTADA

Ingredientes: 1 kg de mandioca, 1 xícara de açúcar, 3 copos de leite, polpa de 1 côco.

A bebida de origem ainda não decifrada, que envolve heranças dos povos indígenas e dos imigrantes açorianos, tem características afetivas no preparo e também na tradição em unir as pessoas.

Como fazer: Descascar as mandiocas e ralar grossamente. Tirar o excesso de água da mandioca. Retirar a polpa do côco e ralar. Bater a mandioca ralada e os demais ingredientes no liquidificador. Untar uma forma com manteiga e despejar a massa. Assar em forno médio por volta de 40 minutos.

As doses do licor, que unem sabores de especiarias e tradição, foram muito utilizadas para agradar as visitas. Um verdadeiro pontapé, em pequenas doses, para dar início a uma boa conversa a tarde ou até mesmo numa recepção de um jantar.

E O CHAZINHO...

São verdadeiros guardiões, na maioria mulheres, quem ainda preserva a receita da preparação da bebida. Além disso, cada família tem um segredinho para deixar a bebida com um toque especial. Os ingredientes e o modo de preparo são simples, mas exigem fogo baixo e paciência. Afinal, para derreter o açúcar com pedaços pequenos de gengibre, cravo e canela em pau exige atenção e cálculos de degustação. A mistura formada com o caramelo ganha os ingredientes essenciais: o café e a cachaça. Tem quem prepare toda a mistura e depois coa para servir. Antigamente, a bebida era preparada com o restinho do café que ficava esquecido no fogão. A idéia é “consertar” ou “reaproveitar” a sobra do café com um pouco de cachaça.

SIM, NO ITACORUBI TEM MUITO PERNILONGO!

Derreta três colheres de açúcar mascavo até formar um caramelo. Depois adicione água fervente e pedaços de maçã sem semente, gengibre, canela, e raspas de laranja e limão. Indicado para beber frio. Por isso, trazemos para o leitor uma receita de repelente caseiro. Super necessário para quem mora no Itacorubi ou anda por aqui! A citronela (Cymbopogon nardus) é uma planta medicinal e pode ser comprada em algumas farmácias de manipulação ou em lojas de produtos naturais. Você pode também conseguir um pouco com algum vizinho que tenha a planta, ou mesmo comprar uma muda e cultivar em casa. Para produzir seu repelente, será necessário: 200 gramas de citronela, 1 litro de álcool 70% e um vasilhame escuro. Pegue as folhas de citronela e misture com ½ litro de álcool 70% em um vasilhame escuro e mantenha tampado por 8 dias em local seco e sem iluminação. Deve-se agitar todos os dias, duas vezes ao dia. Depois disso, coar as folhas e adicionar mais ½ litro de álcool.

para banhos fortes de descarrego (liberação de energias negativas) e para purificações de pedras. Observação: Após o uso, as ervas são joga-

das na mata ou no mar, nunca no lixo.

Cola (Vera Lúcia prefere a cola silicone líquida, para ela é mais prática do que a pistola de cola quente); Garrafa pet de 1,5 litro; Tesoura; e Material para decorar (utilizamos papel laminado, pedaços de fita e restos de corrente de um antigo colar. Libere a criatividade! Procure quais os materiais disponíveis em sua casa, ou quais você pode comprar. Tecidos, papeis coloridos… reaproveitar versos de embalagens pode ser uma boa ideia!!) COMO FAZER 1. A garrafa pet deve estar bem lavada e seca para começar. 2. Cortar a garrafa. 2.1. Parada pra descanso. Vera Lúcia parou duas vezes para fumarmos um cigarrinho. 3. Decorar a gosto. Tere, irmã de Vera Lúcia, sugeriu enrolarmos a fita igual a um botão de flor feito com tomate, daqueles usados para decorar saladas. Contudo, com aquele tipo de fita que tínhamos, não foi possível fazer.

BANHO DE AROEIRA A aroeira é usada como adstringente na medicina popular para apressar a cura de feridas e úlceras e para lavagens íntimas, pois também resolve casos de inflamações do aparelho genital. Para preparar o banho, esquentar um pouco de água (sem ferver) e fazer uma infusão com as folhas da aroeira, que não devem ser maceradas. Após o banho normal de higiene, pegar a água da infusão (morna ou fria) e jogar do pescoço para baixo. Outra dica: colocar a água já devidamente misturada com a aroeira – separar parte do que usaria no banho – em um borrifador para ao longo do dia borrifar nas regiões com problemas na pele. Para quem acredita, aroeira é indicada

MATERIAIS UTILIZADOS

PIMENTA ROSA Tempero muito utilizado e valorizado na sofisticada culinária francesa, a pimenta rosa é nada mais que as sementes da aroreira. Você pode colher em alguma árvore do bairro. Na beirada do manguezal há muitas.

* Durante o Regime Militar, jornais e revistas publicavam receitas de bolo no lugar das matérias desaprovadas pelos censores.

Vera Lúcia nasceu na Lagoa, mas mora há 52 anos no Itacorubi. É a dona da casa rosa de madeira na subida do terreno de sua família. É filha da Dona Maria, cujo quintal mostramos na página 20.


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VARIEDADES O retorno de um jornal Diva Maria da Veiga Cordeiro

A

As boêmias do Itacorubi

Você já tomou uma cerveja com elas ou as viu em algum dos tantos bares e botecos do bairro?! À esquerda Daniele Braga, a galega; acima, Cátia Souza, retratada com seus cachos presos; à direita, Mauro Frota (Maurette). Desenhos de Bruno Bachmann. Juramos que são todas mais bonitas ao vivo.

PASSATEMPO 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9.

1. Excelentes mergulhadores. 2. Planta valiosa na restauração das águas salobras pela sua capacidade de filtrar sedimentos. 3. Sua extinção está associada à degradação crescente do meio-ambiente.

I T A C O R U B I 4. Durante o acasalamento costumam ficar com a área do papo amarelada. 5. Ave de inteligência superior. 6. Ave que se alimenta de carne em decomposição.

Associação Comunitária do Jardim Santa Mônica (ACOJAR) já existe há 42 anos, representando esta comunidade e ajudando a defender seus interesses. Já batalhou muito, e continua se esforçando nos presentes dias, apesar de cada vez mais surgirem dificuldades para desempenhar esta missão. Pertencendo à diretoria, eu não poderia deixar de colaborar para que se procurasse aumentar o contato com os moradores do bairro, na tentativa de conseguir mais sócios e colaboradores, os quais poderiam trazer mais ideias e sugestões para melhorar tanto a associação quanto o bairro Santa Mônica. E, sabendo do potencial que um informativo da Acojar poderia chegar a ter, foi resolvido reativar o Alô Amigos, que estava fora de circulação já por muito tempo. E no momento, estamos com oito números editados e distribuídos bimensalmente por todo o bairro Santa Mônica e arredores. São, de cada vez, mil exemplares cuidadosamente entregues de casa em casa, se possível na mão de seus moradores, dando oportunidade a que sejam feitas críticas ou sugestões acerca de seu conteúdo. Na sua maioria, temos percebido que o Alô Amigos tem sido apreciado, e temos conseguido anunciantes preferencialmente locais, alguns com bastante assiduidade. São oito páginas coloridas e em tamanho bom para se ler, com assuntos variados escolhidos para agradar a diversos tipos de leitores, também notícias da Acojar e páginas de entretenimento. Ao final do ano, sempre é feita uma edição maior, de dezesseis páginas, ocasião em que é necessário aumentar o número de anunciantes. Dois concursos já foram lançados através do Alô Amigos, um de Fotografia, com o título “Bairro Santa Mônica, Natureza Linda”, em que se procurava descobrir e divulgar os lugares bonitos do bairro. O outro, que está para ser lançado novamente, foi criado para incentivar os moradores a decorarem suas casas para o Natal. Aos poucos, o jornal vai se consolidando, e contribuindo para atrair mais moradores na direção de se tornarem sócios da Acojar, a fim de aproveitarem muito tudo que ela oferece e de ajudarem a torná-la melhor, impedindo que se enfraqueça.

7. Suas folhas são aproveitadas na medicina caseira como um podersoso adstringente. 8. Ave de hábitos solitários, porém em épocas de reprodução vive em bandos. 9. Possui 5 pares de patas. Um dos animais que mais produz ovos.

Navio transatlântico em origami aportado em poça d’água na frente ao Plaza Saint Tropez, condomínio localizado à zona oeste do bairro.

Relíquias da arquitetura vernacular (1) além dos benefícios práticos da madeira, uma casa construída com esse material é muito aconchegante. Esta fica na Rua Bento Sérgio Alexandre, do ladinho do mangue; (2) a tal casinha rosa que sutilmente muda de cor, citada na pág. 13; (3) pé de cana-de-açúcar todo faceiro, bem na frente da casa. O jardim tem mais itens.

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RODA DE SAMBA NO BAR SOBRADINHO

Fim de semana tem roda de samba no Bar Sobradinho, que fica ali na subida da servidão do Palmeiras. Imagem de vídeo do grupo de WhatsApp Os cadenciados, com cachaceiros do bairro.

Um momento Itacorunoia

registrado por Danielle Lemes. Ela mora no bairro, mas não vê a hora de ir embora daqui. Conheça também: Itacoruconha, Itacorubicha e Itacorubeats.

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3


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Informe - Associação do Bairro Itacorubi

HORÁRIOS DE ÔNIBUS 165 - Itacorubi - Está quase sempre vazio. Dias Úteis - Saída Itacorubi 05:20M 06:18* 06:58* 07:17* 07:44* 08:16* 08:48* 09:14* 09:38* 10:01* 10:39* 11:01* 11:18* 12:00* 12:25* 13:02* 13:27* 13:59* 14:37* 14:58* 15:19* 15:57* 16:21* 16:48* 17:09* 17:28* 17:47* 18:11* 18:46* 19:05* 19:35* 20:03* 20:21* 21:21* 22:25* 23:39* Dias Úteis - Saída TITRI - Terminal Integração Trindade 06:05 06:43 07:01 07:25 07:58 08:31 08:58 09:22 09:45 10:23 10:45 11:02 11:41 12:03 12:40 13:05 13:42 14:21 14:42 15:03 15:41 16:05 16:27 16:48 17:06 17:24 17:41 18:16 18:40 18:53R 19:12 19:44 20:05 21:05 22:10 23:24 00:25R Sábado - Saída Itacorubi 05:51M 06:31* 07:01* 07:53* 08:42* 09:31* 10:22* 11:21* 12:20* 13:14* 14:03* 14:54* 15:48* 16:51* 17:51* 18:51* 19:48* 20:49* 21:48* 22:47* 23:39* Sábado - Saída TITRI - Terminal Integração Trindade 06:16 06:47 07:39 08:29 09:18 10:09 11:07 12:03 13:00 13:49 14:39 15:34 16:35 17:35 18:34 19:33 20:35 21:35 22:34 23:26 00:25R Domingo - Saída Itacorubi 06:00M 06:30* 07:31* 08:30* 09:31* 10:30* 11:30* 12:31* 13:31* 14:30* 15:31* 16:31* 17:31* 18:33* 19:34* 20:32* 21:31* 22:30* 23:31* Domingo - Saída TITRI - Terminal Integração Trindade 06:18 07:18 08:18 09:18 10:18 11:18 12:18 13:18 14:18 15:18 16:18 17:18 18:18 19:18 20:18 21:18 22:18 23:18 00:23R 150 - TICEN - Itacorubi via Beira Mar Dias Úteis - Saída Itacorubi 07:25* 07:54* 08:06E* 12:02E* 13:30* 17:06* 18:58* 22:20* Dias Úteis - Saída TICEN - Plataforma A lado 1 07:00 07:25 07:35E 11:35E 13:00 16:40 18:15 173 - Morro do Quilombo Dias Úteis - Saída Morro do Quilombo 06:04* 06:45* 07:00* 07:22V* 08:32* 09:26* 10:21* 12:00* 12:47V* 13:07* 13:45* 15:01* 15:37* 16:41* 17:41V* 18:46* 19:48* 20:42* 21:27* 22:45* Dias Úteis - Saída TITRI - Terminal Integração Trindade 05:50 06:28 07:05V 08:12 09:10 10:05 11:42 12:20V 12:45 13:25 14:44 15:20 16:23 17:10V 18:20 19:27 20:25 21:10 22:28 23:28R Sábado - Saída Morro do Quilombo 06:24M 07:20* 08:13* 09:48* 11:45* 12:39* 15:12* 16:12* 17:12* 18:10* 19:13* 20:10* 21:10* 22:10* Sábado - Saída TITRI - Terminal Integração Trindade 07:05 07:55 09:34 11:28 12:25 14:55 15:56 16:56 17:56 18:56 19:56 20:56 21:56 Domingo - Saída Morro do Quilombo 06:28M 07:01* 08:03* 10:02* 11:03* 13:02* 14:05* 15:05* 17:07* 18:05* 19:09* 20:02* 21:02* Domingo - Saída TITRI - Terminal Integração Trindade 06:48 07:50 09:50 10:50 12:50 13:50 14:50 16:50 17:50 18:50 19:50 20:50 21:50R

Ônibus da linha 173 - Morro do Quilombo. Seu João Manoel da Silveira, o retratista que mora ali perto do IGP, lembra da época em que era presidente da extinta AMAI (Associação de Moradores e Amigos do Itacorubi) quando foi inaugurado o calçamento das vias principais do Morro do Quilombo (ruas do Quilombo e da Represa) pelo então prefeito Espiridião Amin. Seu João disse a Amin que ele voltaria ali para inaugurar o transporte coletivo no morro e ouviu como resposta: “Você tá maluco, ônibus no morro?”, conta. Ele achava um absurdo uma mãe ter que descer com criança no colo até a Rodovia Amaro Antônio Vieira ou a Admar Gonzaga para pegar um ônibus. Tempos depois o ônibus chegou ao orro.

A

Associação do Bairro Itacorubi é uma entidade jurídica de direito privado e de interesse público, com fins não econômicos, considerada o órgão de representação dos moradores e trabalhadores do bairro. A ABI coloca para si como missão atuar como agente mediador entre a população e os órgãos públicos e privados, estando comprometida em buscar soluções viáveis para os problemas do bairro Itacorubi.

O surgimento da ABI remonta à 1982, quando da criação da Associação dos Moradores e Amigos do Itacorubi (AMAI). Mais tarde, em 2004, ocorreu a fusão da ABI com o Conselho Comunitário do Itacorubi (CCI). As duas entidades trabalhavam até então de modo paralelo, chegando a ter posições divergentes em alguns momentos, o que não contribuía para a mobilização dos moradores. Como recorda Paulo Ruver, antigo associado que já foi presidente e que trabalhou diretamente na criação e no estabelecimento da ABI, em 2004 nem a AMAI nem o CCI tinham diretoria. Ele e outros moradores se reuniram e foram de casa em casa chamando as pessoas para se associarem, conseguindo aproximadamente 570 associados que assinaram o edital de convocação para uma assembleia que aconteceu no dia 26 de abril do mesmo ano na Igreja de São Bento. Na ocasião, aprovaram a unificação das entidades e escolheram uma nova diretoria, que apenas mais tarde conseguiu tomar posse do prédio onde hoje é a sede da ABI, que estava até então sob controle do CCI.

104 - TICEN - Itacorubi via Mauro Ramos Dias Úteis - Saída Itacorubi 06:49* 07:51* 08:46* 09:51* 11:46* 12:47* 13:55* 14:53* 15:53* 16:46* 17:58* 19:03* 19:57* 21:28* 22:37* Dias Úteis - Saída TICEN - Plataforma A lado 1 06:20 07:15 08:15 09:20 11:15 12:10 13:20 14:20 15:20 16:10 17:10 18:15 19:10 21:00 22:10 176 - Saco Grande via HU Tem tão poucos horários, e apenas nos “dias úteis”, que decidimos não incluí-lo aqui. 177 - Santa Mônica O itinerário deste ônibus é curto, mas o preço continua o mesmo de um itinerário mais longo (R$ 4,20). Uma sugestão, além de ir a pé, é aproveitar a cobertura da ciclofaixa pelo trajeto e ir pedalando. 233 - TICAN - TITRI via UFSC Esses estão sempre lotados. Que tal ir pra Lagoa? Pra lá tem mais de uma linha, e em tantos horários, inclusive de madrugada, que nem precisamos indicar aqui. Também é comum conseguir ir à Lagoa de carona.

* Previsão de horário E Veículo com Elevador R Recolhe

Fonte: Consórcio Fênix

Hoje, como coloca Sérgio Raulino, atual presidente da entidade, o maior desafio é divulgar a Associação e chamar os moradores à participação. Além das discussões sobre o bairro, a ABI também tem como missão oferecer atividades de cunho sócio-educacionais e de prática corporal aos seus associados, o que se dá por meio dos vários cursos que oferece: zumba, ritmos, hapkidô, capoeira, defesa pessoal feminina e yoga. Conforme relatado por Sérgio, a ABI atualmente recebe cerca de 80 alunos. Dos cursos provém a principal fonte de arrecadação para a manutenção da sede, uma vez que não recebe subsídios governamentais. Sérgio destaca que o valor cobrado, um “valor social”, está bem abaixo da média de mercado, embora os professores sejam devidamente qualificados. A prioridade, no momento, é buscar recursos para a instalação de um forro no telhado, o que proporcionará mais conforto térmico, especialmente no verão que se aproxima. Há também o projeto de construção do anexo que comportaria uma cozinha e um escritório, o que otimizaria o uso do espaço principal para os cursos. Entre os projetos de cunho social estão o “Autodefesa Funcional”, focado em trazer informações e conhecimentos sobre as leis vigentes, postura frente a situações de risco como agressões e roubos, além de trabalhar o aprendizado de técnicas de combate e condicionamento físico, e o “Galera Diamante”, um programa voltado a crianças e jovens com idade de 8 a 16 anos que propõe psicoterapia, oficina de saúde emocional, orientação de aprendizagem, carreira e profissão, além de rodas de conversa sobre inclusão escolar para a comunidade e as escolas. Para todos esses projetos, a entidade busca parcerias. E também está aberta a ceder o espaço para outras atividades. Se você é morador do Itacorubi, vá conhecer a ABI. Procure a página no Facebook, entre em contato pelo e-mail abiassociacaoitacorubi@gmail.com ou vá pessoalmente lá e saiba como se associar.

Matheus Hobold Sovernigo, biólogo que mora no bairro Santa Mônica, nos enviou um registro de um passeio de caiaque no rio Itacorubi, no trecho entre as avenidas Madre Benvenuta e da Saudade.

Você acredita que a fofoca entre moradores é um problema do bairro? Sim Não Talvez -

A sede da ABI fica na Servidão José Antônio de Lima, 50, na esquina com a Rodovia Admar Gonzaga.

25% 16%

59%

Você se considera fofoqueiro(a)? Sim - 4% 21% Eventualmente Não -

75%

Um bairro com muita fofoca, mas sem nenhum fofoqueiro

Com que frequência você utiliza transporte público? Não utilizo De vez em quando Todos os dias -

Na sua opinião, de quem é a responsabilidade pelas melhorias no bairro Itacorubi?

17%

47% 36%

Qual a qualidade do transporte público no bairro? Péssima - 11% 23% Ruim Boa Muito boa - 4% Excelente - 3%

Do governo - 4% 18% Da comunidade De ambos -

78%

Você considera que os moradores do bairro do Itacorubi estão engajados em transformar o bairro num lugar melhor? 59%

Sim Não Talvez -

21%

45% 34%

Você estaria disposto a se envolver em ações por melhorias das condições de vida no bairro Itacorubi? Sim Não Talvez -

17% 30%

53%

Os dados são de uma pesquisa feita nas ruas do bairro em agosto deste ano com um total de 71 entrevistados.



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