Café do Brazil: o sabor amargo da crise

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CAFÉ DO BRAZ IL

O SABOR AMARGO DA CRISE

EDITORA

Maria José H. C oelho (Mtb 930 Pr)

REPORTAGEM

Dauro Vera s (SC 00471-JP) Débora F. Lerrer (RS 7399/33 -JP)

TEXTO FINAL

Dauro Vera s (SC 00471-JP) REVISÃO C ristia ne Ma teus Sa ndra Werle (SC 00515-JP)

REPORTAGEM FOTOG RÁFIC A Sérgio Vignes (SC 00249 RF)

FOTOGRAFIAS Ba nc o de Imagens do OS Rosane Lima (pg 5) Giel va n den Hoven (pg 5 e 51)

PROJETO G RÁFIC O & DIAG RAMAÇ ÃO

C oordenaç ã o de C omunic a ç ã o do OS

B RASIL

UM TRABALHO REALIZADO POR

www.observa toriosoc ia l.org.br

O Observatório é uma organização que estuda o comportamento de empresas multinacionais em relação aos direitos fundamentais dos trabalhadores. Esses direitos estão assegurados, principalmente, nas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que tratam da liberdade sindical, negociação coletiva, trabalho infantil, trabalho forçado, discriminação de gênero e raça, meio ambiente e saúde e segurança ocupacional. SETEMBRO DE 2002 Florianópololis - SC Brasil 4.000 exempla res Gráfic a Agnus


APRESENTAÇÃO

Em abril de 2002, a Oxfam Internacional lançou globalmente a campanha Comércio com Justiça, que trata das relações entre o comércio e a pobreza. Como parte desta iniciativa, está sendo lançada a campanha “O que tem no seu café?”. Ela busca revelar o que está por trás da crise mundial do produto e quem são os mais negativamente afetados pela desregulamentação das commodities. A Oxfam Internacional se associou no Brasil à Central Única dos Trabalhadores (CUT) e à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), que também já vinham se dedicando ao assunto, para atuarem conjuntamente no enfrentamento dessa realidade. As três instituições chamaram o Observatório Social a se unir no esforço de mostrar o lado social da crise no Brasil, coordenando uma reportagem que buscou dar voz àqueles que são menos escutados – homens e mulheres que estão sofrendo cotidianamente. Este documento se divide em três partes. A reportagem mostra uma visão geral da crise, a forma como se desenvolve o trabalho humano na cadeia produtiva e os caminhos do café. A segunda parte está voltada para a apresentação das propostas destes parceiros, tanto nacionais quanto globais. A terceira parte incorpora o posicionamento das transnacionais – atores que cada vez mais limitam as escolhas e a independência das pessoas. Espera-se que essa contribuição seja um instrumento de mobilização tanto da sociedade quanto do Estado na efetiva implementação de políticas públicas que revertam as conseqüências nefastas de um comércio injusto, no qual os principais prejudicados são os setores historicamente excluídos. Setembro de 2002

CAFÉ Contag DO BRAZ IL CUT Oxfam Internacional

O SABOR AMARGO DA CRISE


Índice PARTE 1 REPORTAGEM Introdução _______________________________________ 4 Visão geral da crise _________________________________ 7 Trabalho na cadeia produtiva ___________________________ 23 Caminhos do café __________________________________ 31 PARTE 2 PROPOSTAS PARA A CRISE DO CAFÉ Propostas dos agricultores familiares e assalariados rurais _______ 44 Um plano de resgate para o café ________________________ 46 PARTE 3 O que dizem as corporações ___________________________ 51

Agradecimentos Esta reportagem foi realizada por Dauro Veras, Débora F. Lerrer e o fotógrafo Sérgio Vignes. Os autores agradecem o precioso apoio da equipe da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da Oxfam, bem como de lideranças sindicais, especialistas, cafeicultores, representantes de entidades do setor, funcionários públicos e trabalhadores assalariados. Agradecimento particular a Astrid van Unen, Céline Charveriat, Cézar Barbieri, Constantino Casasbuenas, Gerônimo Brumatti, Kátia Maia, Laura Tuyama, Osvaldo Teófilo e Sophia Tickel.

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Impressionavam-me os pés dos trabalhadores das fazendas de café. Pés que podem contar uma história

Cândido Portinari, pintor (1903-1962)

5


F

Fim de tarde em Amsterdã, Holanda. Mario van der Luijtgaarden toma um café expresso ao sair de seu local de trabalho. Ele paga 1,70 euro1 pela xícara e a consome em alguns minutos. A 9 mil quilômetros de distância, Maria da Penha Gonçalves trabalha duro podando uma lavoura de café em Governador Lindenberg, Espírito Santo, Brasil. Ao final de uma jornada de até 12 horas, ela ganha uma diária de R$ 5,00 - mesmo valor do café expresso e metade do que ganha seu marido, também trabalhador rural. Entre as mãos feridas de Maria e a xícara fumegante de Mario, o café percorre um caminho que enriquece poucos e mantém muitos na pobreza.

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Até chegar ao consumidor final, o café deixa de ser commodity (produto primário) para se transformar em um artigo sofisticado, que combina sabores de várias regiões do mundo. De cada cem xícaras vendidas nos países desenvolvidos, menos de duas correspondem à remuneração dos cafeicultores. No início dos anos 90, segundo a Organização Internacional do Café (OIC), as vendas mundiais de café no varejo eram de US$ 30 bilhões por ano e os países produtores ficavam com um terço (de US$ 10 a 12 bilhões). Em 2001, dos US$ 70 bilhões movimentados com café, apenas US$ 5,5 bilhões chegaram aos países produtores. Em uma década o negócio mais que duplicou, mas o rendimento de quem


produz caiu pela metade e a participação nos ganhos ficou quatro vezes menor2 . A crise teve origem nos processos de ajuste da cafeicultura mundial a partir da ruptura do Acordo Internacional do Café em 1989. Até então o comércio do café era administrado - havia um equilíbrio entre oferta e demanda. A partir daí, passou a ser regido pelo mercado. Ao mesmo tempo, as empresas torrefadoras transnacionais assumiram o papel de protagonistas neste cenário, concentrando os lucros adquiridos através da transformação dos grãos verdes em café torrado e moído ou em café instantâneo. As quatro principais torrefadoras do mundo – Nestlé, Kraft Foods, Procter & Gamble e Sara Lee passaram a definir o funcionamento do mercado de varejo, através de marcas amplamente conhecidas. Junto com a quinta maior torrefadora, a Tchibo, que comercializa o produto na Alemanha, elas compram quase a metade da oferta mundial de café em grão3. No Brasil, a Sara Lee domina um quarto do mercado interno de torrefação4 e a Nestlé lidera o mercado interno de café solúvel5. O quadro é agravado pelo excesso de produção. Nos últimos três anos o preço do café caiu quase 50%, atingindo o nível mais baixo em três décadas e empobrecendo 25 milhões de produtores em todo o mundo. A crise traz prejuízos a mais de 3 milhões de brasileiros no campo. Se incluída toda a cadeia produtiva do café, os reflexos podem atingir mais de 8 milhões de homens e mulheres6. Os agricultores que cultivam outras commodities também são

Rosane Lima

Giel van den Hoven

Os consumidores europeus pagam caro pelo café

prejudicados por um modelo de comércio baseado em regras desiguais. Barreiras tarifárias e impostos criados pelos governos dos países desenvolvidos dificultam o acesso aos seus mercados das exportações originárias de países periféricos. Levantamento da Câmara de Comércio Exterior do Brasil (Camex), por exemplo, aponta que o agronegócio brasileiro perde US$ 7,8 bilhões por ano com o protecionismo. Só no café essas perdas chegam a US$ 1,8 bilhão7 . No caso do Brasil, outro agravante é a concentração de renda, uma das piores do mundo segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Em uma lista de 116 nações, o Brasil só perde para os países africanos de Serra Leoa, República Centro-Africana e Suazilândia8 . A má distribuição de recursos no campo amplia as desigualdades sociais. Embora os agricultores familiares representem 85% do total de estabelecimentos rurais, ocupem um terço da área total e sejam responsáveis por 38% da produção agropecuária nacional, recebem apenas 25% do financiamento destinado à agricultura9 . Nesta reportagem você encontrará alguns aspectos relevantes sobre a crise do café e histórias de vida que são exemplos da situação desastrosa no setor. O objetivo principal é dar voz aos diversos atores sociais envolvidos na problemática do café, de forma a contribuir para o debate e a busca de ações concretas. Também se pretende despertar na mídia e nos pesquisadores o interesse em aprofundar temas que, por motivo de tempo e espaço, são abordados aqui de maneira genérica. Nos bastidores da crise social do café há muitas outras histórias a serem contadas.

Cafeicultores ganham menos de 2% do preço final da xícara

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Notas Quando o texto se refere genericamente a trabalhador, produtor rural, agricultor, cafeicultor, exportador etc., os termos se aplicam aos gêneros masculino e feminino.

A conversão de moedas utiliza a cotação média do dia 20/08/2002 (US$ 1,00 = R$ 3,10; 1 euro = R$ 3,00).

Referências

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1

A taxa utilizada para a conversão entre euro e real é a cotação média do dia 20/08/2002, em que 1 euro = 3 reais.

2

The global coffee crisis - a threat to sustainable development. Londres, 25/08/2002. Estudo do diretor executivo da OIC (Organização Internacional do Café), Néstor Osório, apresentado na Cúpula Mundial de Desenvolvimento Sustentável em Johanesburgo - agosto de 2002. http://www.ico.org/ed/crisis.pdf.

3

Informações constantes do relatório de Oxfam Internacional Pobreza em sua xícara: o que há por trás da crise do café, setembro de 2002.

4

RIAS (Rabo International Advisory Services). Raising the income of coffee growers. Estudo publicado em julho de 2002 por solicitação do Departamento de Desenvolvimento Econômico Sustentável do Ministério de Relações Exteriores da Holanda. http://www.minbuza.nl/english/.

5

ABICS (Associação Brasileira das Indústrias de Café Solúvel).

6

FAEMG (Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais), estimativa 2002, conforme documento Agronegócio do Café.

7

Folha de S.Paulo, 19 de agosto de 2002, página B-1.

8

PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) - Relatório de Desenvolvimento Humano 2002 - http://www.undp.org.br/; Folha de S. Paulo, 24/07/2002, página A-10.

9

Novo retrato da agricultura familiar - o Brasil redescoberto. Incra/FAO 2000. http://www.incra.gov.br/sade/doc/AgriFam.htm.


Vis達o geral

DA CRISE

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Uma supersafra de problemas CAFEICULTURA BRASILEIRA EM NÚMEROSa Parque cafeeiro e área ocupadab

- Em formação: 1bilhão de pés, 314 mil ha* - Em produção: 4,9 bilhões de pés, 2,3 milhões de hectares

Distribuição geográficac

11 estados e 1.850 municípios

Postos de trabalho geradosc

8,4 milhões (direta e indiretamente)d

Principais estados produtoresb

Minas Gerais (50,8%), Espírito Santo (20,1%), São Paulo (12,4%) e Bahia (4,4%)

Cooperativas em atividadee

49 (28% do mercado de café)

Safra atual estimada (ano-safra julho 2002 / junho 2003)

44,7 milhões de sacas - Arábica: 35 milhões - Robusta: 9,7milhões

Safra passada (2001/2002)a

27,6 milhões de sacas

Produtividade média

19 sacas por hectare

a

a) Os números sobre a cafeicultura no Brasil ainda são precários quanto ao papel da pequena produção/agricultura familiar e, principalmente, quanto aos trabalhadores assalariados fixos e sazonais. Muitas propriedades de café contam com a presença de outras famílias (meeiros/parceiros), que nem sempre são incluídas nas estimativas. É importante fazer essa ressalva para os dados que serão utilizados ao longo desta reportagem.

f

13,6 milhões de sacas

Consumo per capitaf

4,8 Kg/habitante/ano

Propriedades produtorasg

300.000h

Torrefadoresf

1.336

b) Ministério da Agricultura/Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) - estimativa 06/2002.

Marcasg

3.000

Indústrias de solúveli

9

c) FAEMG (Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais) - estimativa 2002.

Exportadoresc

220

Exportaçõesj

24,3 milhões de sacas (21,8 milhões de café verde, 2,5 milhões de solúvel e 25.809 sacas de torrado): 54,5% da safra

d) Estima-se que no período da colheita são empregados cerca de 3 milhões de trabalhadores sazonais. e) Filiadas à OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras) - 2001. Nem todas as cooperativas são vinculadas à entidade. f) ABIC (Associação Brasileira das Indústrias de Café) - 2001. g) FAEMG - estimativa 2001. h) Estima-se que cerca de dois terços dessas propriedades sejam de pequeno porte. i) ABICS (Associação Brasileira das Indústrias de Café Solúvel) - 2002.

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Consumo interno

a

j) CECAFÉ (Consellho dos Exportadores de Café Verde do Brasil) - Estimativa 2002.

* Um hectare equivale a 10 mil metros quadrados.


Comerciantes descapitalizados quebram por falta de clientes. Cafeicultores abandonam as lavouras que se tornam focos de pragas -, demitem os empregados e vendem bens para pagar empréstimos bancários. Parceiros3 e arrendatários desistem do campo e engrossam o número de migrantes nas periferias das cidades. A bomba-relógio parece estar armada para o início de 2003, quando a safra tiver terminado de escoar. Nessa altura, o novo governo do Brasil pode se defrontar com uma situação muito grave na cafeicultura. A perspectiva é de uma entressafra sem dinheiro, seguida de uma safra pequena - os cafezais alternam produção alta em um ano e baixa no seguinte - e nova entressafra descapitalizada. O que significa a crise atual do café? Quais são suas dimensões sociais? Para buscar essas repostas, durante dois meses nossa equipe entrevistou diversas pessoas envolvidas com o assunto: assalariados rurais, agricultores familiares, parceiros, comerciantes legais e clandestinos, médios e grandes fazendeiros, exportadores, industriais, sindicalistas, economistas, médicos, autoridades governamentais e outros. Foram percorridas as regiões cafeeiras do Sul de Minas Gerais e Espírito Santo, os dois principais estados produtores, e observadas as dificuldades dos cafeicultores. Trabalho degradante, contaminação por agrotóxicos, má alimentação e desemprego são realidades cada vez mais presentes no cotidiano rural. Há também manifestações de esperança e de criatividade. Mesmo sem apoio em crédito e tecnologia, pequenos produtores investem na diversificação de culturas

Eu durmo pensando na panela vazia. O café só nos deu desgosto.

O Brasil vai colher no ano-safra 2002/2003 a maior quantidade de café de sua história: 44,7 milhões de sacas de 60 quilos, segundo as estimativas oficiais1. Líder na produção e exportação do produto agrícola, o país obteve também uma grande evolução de produtividade: 19 sacas por hectare, contra 14 sacas/ha em 2001 e 13,6 em 2000. A supersafra virou manchete, mas um dado vital ficou ofuscado pelos números: os produtores não têm o que comemorar. Os preços estão hoje no patamar mais baixo dos últimos 30 anos. De 1997 para cá o café brasileiro perdeu metade de seu valor. Com isso, caiu também a renda no campo e já se percebem diversos sinais de alerta nas regiões cafeeiras. A crise atinge também os demais países produtores2.

Maria da Penha Gonçalves, trabalhadora rural.

Trabalhadores em lavoura de café no Espírito Santo

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Há cinco anos, com uma saca de café eu comprava um boi. Hoje preciso de cinco sacas.

Ronaldo Chisté, agricultor familiar.

como alternativa de renda e para garantir a segurança alimentar. A cafeicultura orgânica tem se mostrado um nicho de mercado viável para alguns, apesar dos obstáculos que limitam o acesso a esse mercado. Tanto entre os assalariados como entre os agricultores familiares, empresários e profissionais ligados ao café, há pessoas interessadas em encontrar saídas para a crise. Essa reação é ainda um tanto desarticulada, mas avança.

Por que a produção cresceuu O café está valendo pouco por uma combinação de oferta abundante com estagnação do consumo mundial e altos estoques dos importadores. Esses três fatores não encorajam uma recuperação de preços a curto prazo, segundo avaliação da

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Organização Internacional do Café (OIC). Enquanto a produção mundial tem crescido a uma média anual de 3,6%, a demanda aumenta apenas 1,5%. Em 2001/02 (outubro a setembro) a produção é estimada em 113 milhões de sacas e o consumo, em 106. Os estoques mundiais são superiores a 40 milhões de sacas - suficientes para manter o mercado internacional abastecido por vários meses, o que reduz o poder de barganha dos produtores4. As geadas ocorridas em julho de 1994 em Minas Gerais fizeram a produção brasileira cair, elevando os preços mundiais. Houve então uma corrida para plantar café no Brasil, Vietnã, Indonésia, México e outros países. Como os pés atingem o pico da produção a partir do quinto ano, o excesso está ocorrendo agora. Em poucos anos o Vietnã tornou-se o segundo maior produtor de café. Estimativa da OIC para a safra 2002/ 2003 aponta um recorde de produção mundial, com o Brasil respondendo por cerca de 37% e Colômbia e Vietnã por 9% cada um. Os três países juntos terão mais da metade da produção global. A febre da monocultura mostrou-se um erro, pois muitas propriedades familiares deixaram de lado a produção de alimentos e se endividaram para ampliar lavouras. Em 1994 uma saca de café arábica na região de Alta Mogiana (SP) chegou a valer de US$ 150 a 200. Atualmente oscila em torno de US$ 35 a 40. A diária do trabalhador assalariado na região, que na ocasião chegou a US$ 18, hoje não atinge os US$ 65. Em outros lugares essa diária é ainda menor. Em agosto de 2002 um assalariado rural no Espírito Santo estava recebendo cerca de US$ 3 por dia e uma mulher assalariada, a metade disso. Um pequeno proprietário que cultiva café robusta (conillon) com a família no estado compara: há cinco anos uma saca era suficiente para comprar um boi de sete arrobas (105 kg). Hoje o agricultor precisa de cinco sacas para comprar a mesma quantidade de carne6.

De cada 100 xícaras de café vendidas nos países desenvolvidos, menos de duas correspondem à remuneração dos cafeicultores.

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Controle da oferta em debate

Excesso de café Produção mundial 2001/2002

• 113 milhões de sacas • Crescimento médio de 3,6% ao ano

Consumo mundial 2001/2002

• 106 milhões de sacas • Crescimento médio de 1,5% ao ano

Estoques mundiais

• 40 milhões de sacas Fonte: OIC - estimativa de outubro de 2001 a setembro de 2002

O empobrecimento é geral e os serviços sociais das prefeituras estão sobrecarregados.

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Adriene Barbosa de Faria, prefeita de Três Pontas e presidente da Associação dos Municípios de Minas Gerais.

O tema do gerenciamento da oferta é polêmico. Não é fácil abandonar o café, produto que possui algumas peculiaridades: é cultura perene, cujos investimentos de plantio não são recompensados no curto prazo; tem safra bienal - isto é, os cafezais alternam uma safra boa com uma inferior - sujeita a problemas climáticos. A maioria dos produtores é altamente dependente da cafeicultura, por motivos culturais e econômicos. Além disso o café pode ser armazenado durante alguns anos sem perder a qualidade. Ele funciona como verdadeira moeda entre os produtores e é objeto de negócios futuros - comercialização antes da colheita. Propostas de retenção de café provocam discussões acaloradas no setor, envolvendo argumentos técnicos, interesses econômicos e posições ideológicas. Desde 1989, após o colapso do Acordo Internacional do Café, a OIC perdeu o poder de regulação da oferta por meio de cotas e faixas acordadas de preços, deixando o tema para o livre mercado. Muitas críticas foram feitas a esse sistema de cotas. Mas a realidade é que, de lá para cá, os preços não pararam de cair, exceto em 1995 e 1997 por causa das geadas que prejudicaram as safras brasileiras. É premente a necessidade de uma intervenção para que o comércio da commodity não seja dominado por oligopólios. Em 2000 a Associação dos Países Produtores de Café (APPC) decidiu promover um programa de retenção de 20% da produção, mas o plano não deu certo e foi severamente criticado por muitos produtores e exportadores brasileiros7. O fracasso é atribuído, entre outras causas, à falta de compromisso dos produtores asiáticos com as metas estabelecidas.


Não se pode dizer que todas as abordagens possíveis estejam destinadas ao insucesso. A própria OIC defende uma proposta, regida por mecanismos de mercado, que busca reduzir a quantidade do café comercializada. O plano se baseia no estímulo à qualidade. Qualquer iniciativa que vise a um melhor equilíbrio entre oferta e demanda, no entanto, só vai funcionar se tiver a participação dos países produtores, dos países consumidores e das torrefadoras.

A força dos oligopólios Nesse contexto de excesso de oferta, as corporações que dominam o mercado mundial de torrefação e distribuição vêm obtendo grandes benefícios. Elas atuam em larga escala e formam oligopólios, segundo alguns estudos 8. O fenômeno da concentração acentuou as fragilidades dos produtores menos articulados, principalmente dos pequenos. “Primeiro ocorreu uma concentração dos comerciantes; depois começou a existir uma concentração dos torrefadores e, em seguida, dos distribuidores”, explica o professor Renato Flôres Júnior, da Escola de Pós-Graduação em

Economia da Fundação Getúlio Vargas. Ele afirma que o processo se deu em ondas sucessivas. “Hoje em dia existe um oligopólio de comerciantes e um outro, muito pequeno, de torrefadores, dos quais uma parte também pertence ao oligopólio dos produtores/distribuidores. E há também uma novidade, que é a entrada das grandes cadeias de supermercados com marcas próprias”, diz o economista 9. Por outro lado, os cafeicultores familiares não dispõem de informações suficientes sobre mercado, tecnologia, capital, logística de transporte e armazenamento, nem capacidade de investir na criação e divulgação de suas marcas. Em conseqüência, têm custos maiores para atingir o mercado externo e não conseguem concorrer com as corporações. “É um perverso critério de especialização”, assinalou o então ministro da fazenda da Colômbia, Juan Manuel Santos, em pronunciamento no Conselho Geral da OIC no dia 21 de maio deste ano: “Os países produtores do Sul se especializam em altos níveis de miséria e em assumir os riscos; os países desenvolvidos se especializam em comercializar com plena cobertura. Isto é, não só os mercados não funcionam, como a relação custo-benefício terminou invertida: quanto menor o risco, maior o lucro”.

Depois da colheita, o café passa por um processo de secagem e beneficiamento

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Perfil da cadeia do café no Brasil

Comerciante classifica café que será vendido aos exportadores

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Maior produtor mundial de café, o Brasil se distingue dos demais por ser também um grande consumidor - o segundo maior do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Em 2001 os brasileiros consumiram 13,6 milhões de sacas de 60 kg, uma média de 4,8 kg por pessoa (em grãos)10. O café é símbolo de hospitalidade e estimulante diário em milhões de residências e locais de trabalho. Seu cultivo está profundamente vinculado à história e à cultura do país. Existe entre os agricultores e a planta uma relação afetiva que é muitas vezes decisiva quando enfrentam o dilema de optar ou não pela conversão da lavoura. Outra peculiaridade é o peso relativamente pequeno do café na economia brasileira: menos de 3% das receitas de exportação11. Isso reduz a vulnerabilidade à variação dos preços, em comparação com países como Burundi (79% das exportações), Etiópia (54%), Uganda (43%) e Honduras (24%)12. Mas há uma semelhança fundamental entre o Brasil e os demais produtores: a relevância social do café como gerador de emprego e renda. A cadeia produtiva movimenta em torno de US$ 1,6 bilhão por ano (4,5% do PIB agropecuário) e é responsável por cerca de 8 milhões de postos de trabalho diretos e indiretos13. Onze estados e 1.850 municípios brasileiros cultivam café. Minas Gerais é o principal estado produtor, seguido de Espírito Santo, São Paulo, Bahia e Paraná. O número de propriedades rurais cafeeiras é estimado entre 221 mil14 e 300 mil15. Ainda que sem uma indicação oficial definitiva, calcula-se que mais de dois terços dessas propriedades estejam produzindo através da agricultura familiar. Apesar da intensificação e expansão das áreas plantadas em grandes lavouras mecanizadas, a produção de café continua a ter importância social relevante.


Agricultura familiar

Assalariados rurais

A agricultura familiar é a principal geradora de postos de trabalho no meio rural. Mesmo dispondo de menos de um terço da terra, emprega 77% da força de trabalho ocupada - cerca de 13,8 milhões de pessoas. É o que demonstra um estudo realizado em 2000 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em parceria com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO)16. O segmento corresponde a 85% dos estabelecimentos rurais do Brasil e responde por 38% da produção agropecuária nacional. Entretanto, recebe só um quarto do financiamento destinado à agricultura no país. Conforme a pesquisa do Incra e da FAO, a agricultura familiar produz 25% do café brasileiro. Esse índice varia segundo a região do país. No Sul chega a 43%; no Centro-Oeste 63%; no Norte 94%; no Nordeste 23% e no Sudeste, maior região produtora, 23%. Essas pequenas unidades de produção são cultivadas não só pelos donos, como também por parceiros, arrendatários e assalariados rurais. Quando há espaço, é comum que filhos casados continuem trabalhando na mesma terra. O estudo aponta que as propriedades rurais de perfil familiar, se devidamente apoiadas com crédito e tecnologia, têm muitas vantagens em relação às grandes fazendas: são mais produtivas, economicamente viáveis e preservam melhor o meio ambiente. Mas os agricultores familiares que têm no café sua principal fonte de renda vêm perdendo espaço por falta de apoio. Enfrentam enormes obstáculos, como falta de produção em escala; dificuldade de acesso ao mercado; ação dos intermediários e ausência de uma política agrícola que facilite acesso a novas tecnologias, assistência técnica, financiamento para infra-estrutura e custeio de safra. Pelas características de sua forma de produção e com apoio técnico, a agricultura familiar poderia estar gerando café de melhor qualidade, um dos desafios que estão colocados para o café nacional. O perfil da produção brasileira tem se alterado nos últimos anos, com tendência para a concentração17. Na lógica do mercado, cafeicultores pouco competitivos estão deixando o setor por falta de condições de se manter. Ao mesmo tempo, grandes produtores têm feito altos investimentos em mecanização e irrigação, especialmente em novas fronteiras agrícolas nos estados da Bahia e Minas Gerais. A mecanização tem tirado postos de trabalho no campo e provocado efeitos negativos na renda dos agricultores familiares.

Existem hoje no Brasil cerca de 5 milhões de homens e mulheres vendendo a sua mão-de-obra na agricultura, segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). A maioria exerce as atividades sem proteção de convenções ou acordos coletivos de trabalho. Muitos trabalhadores moram nas periferias das cidades e se deslocam quando surge serviço. Enfrentam problemas graves, como remuneração baixa, discriminação da mulher, analfabetismo, envenenamento por agrotóxicos e diversas situações degradantes. O café é a segunda atividade rural que mais emprega à margem da legislação, só perdendo para a pecuária, afirma o diretor de assalariados da Contag, Guilherme Pedro Neto: “Menos de 10% dos trabalhadores do café têm carteira assinada”. Os assalariados rurais do Brasil podem ser classificados em três grupos, segundo a forma de contratação: 1,5 milhão estão contratados por tempo indeterminado não necessariamente com carteira de trabalho. É o caso, por exemplo, dos que lidam com gado. Outros 1,5 milhão atuam de quatro a oito meses por ano nas colheitas de cana, algodão e frutas. Esses safristas são cobertos por acordo ou convenção coletiva de trabalho. O terceiro e mais sacrificado grupo é formado por 2 milhões de indivíduos que trabalham sem qualquer garantia, em empreitadas de curta duração - 10 a 20 dias - nas lavouras de feijão, tomate, caju e café, entre outras. Nômades, chegam a percorrer três a quatro estados por ano, seguindo o ciclo das culturas em uma via-crúcis de incerteza e sofrimento. Recebem transporte, alojamento e alimentação da pior qualidade. É desse contingente que saem os trabalhadores aliciados para o regime de escravidão, uma prática cruel que persiste em pleno século 21. O trabalho escravo se caracteriza quando o empregador usa ameaças ou violência para manter os empregados em sua propriedade. Eles são obrigados a comprar comida e roupas na própria fazenda por preços altos. Como jamais conseguem pagar suas dívidas, são impedidos de deixar as propriedades e submetidos a jornadas exaustivas. O Ministério do Trabalho tem atuado junto com o Ministério Público em fiscalizações para flagrar os infratores, mas a punição dos criminosos pela Justiça raramente acontece. Embora a escravidão não seja uma prática disseminada na cafeicultura brasileira, o número de casos denunciados ultimamente traz preocupação. O diretor de assalariados da Contag informa que em 2001 a cafeicultura ficou entre as cinco atividades agrícolas onde foram notificados mais casos de trabalho escravo. No estado do Espírito Santo, segundo maior produtor de café do país, a fiscalização constatou o delito em cinco propriedades.

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Onde o café Metade dos empregos gerados pelo café no Brasil se encontram em Minas Gerais, que lidera a produção nacional. O café movimenta anualmente US$ 800 milhões no estado - 18% do PIB agropecu-

CAFEICULTURA DE MINAS GERAIS EM NÚMEROS Área cultivada

1 milhão de hectares - 99,8% arábica - 0,2% robusta

Propriedades rurais com café

150 mil (30% das propriedades mineiras)

População do estado

17,9 milhões

Empregos diretos e indiretos

4,6 milhões

Principais regiões produtoras

- Sul de Minas (52,9%) - Alto Paranaíba e Triângulo [Cerrado] (18,7%) - Zona da Mata e Jequitinhonha (28,4%)

Municípios cafeeiros

697

Participação no PIB agropecuário do estado

18,18% (US$ 800 milhões)

Fonte: FAEMG 2002

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ário mineiro - e gera 4,6 milhões de postos de trabalho diretos e indiretos18. Quase todo o cultivo no estado é da variedade arábica, de qualidade superior e bem aceito nos mercados consumidores. A maior parte da produção mineira de café se concentra no Sul do estado a uma altitude média de 950 metros, em topografia irregular. O Cerrado Mineiro é uma região de cultivo recente, com fazendas que investem na produção mecanizada em larga escala. A cafeicultura foi inserida no Sul de Minas na metade do século 19 em grandes propriedades, que deram origem a diversos municípios. Algumas das principais cidades produtoras de café são Três Pontas, Guaxupé, São Sebastião do Paraíso, Varginha, São Tomás de Aquino, Itamogi, Alpinópolis e Santa Rita do Sapucaí. A região viu suas plantações crescerem vertiginosamente a partir de 1976, financiadas pelo governo brasileiro depois da quebra histórica da safra do Paraná com a geada de 1975.


brasileiro é cultivado CAFEICULTURA DO ESPÍRITO SANTO EM NÚMEROS Área cultivada

526.810 ha 40,4% de arábica 59,6% de robusta

Tamanho médio das lavouras

9,37 hectares

Propriedades rurais com café

56.169 (68,2% das propriedades capixabas)

População do estado

3,1 milhões

Empregos diretos e indiretos

500 mil

Pessoas envolvidas na produção (gênero e forma de trabalho)

Total: 362.340 (65,8% homens e 34,2% mulheres) Fixa - familiar: 86.050 Fixa - contratada: 48.170 Temporária - colheita: 159.890 Temporária - fora da colheita: 38.230

Perfil da mão-de-obra

Arábica: 52.687 famílias 44% proprietários 51% parceiros 5% empregados Robusta: 78.031 famílias 47% proprietários 47%parceiros 6%empregados

Fonte: CETCAF 2002

Mas o Sul de Minas também não é livre dessa intempérie. A forte geada de 1994 reduziu a produção no ano seguinte, contribuindo para um aumento transitório de preços. Houve euforia e expansão de lavouras, mas poucos anos depois, a crise voltou a bater às portas dos 697 municípios mineiros que cultivam café. Há informações sobre diminuição de área plantada. Estima-se que 20% das lavouras de Minas Gerais estão abandonadas e 30% recebem apenas os tratos mínimos - limpeza ou uso limitado de herbicida, sem adubação correta19. Segundo maior produtor brasileiro de café, com um quinto do total, o Espírito Santo tem mais de 500 mil hectares cultivados. De cada dez propriedades rurais capixabas, sete se dedicam à cafeicultura. A atividade é a maior empregadora do estado: gera 362 mil postos de trabalho no campo e 150 mil indiretos. Uma característica marcante no modo de produção é o cultivo de café por agricultores familiares que possuem menos de 10 hectares de terra.

Em metade das propriedades a lavoura é trabalhada no sistema de parceria, em que o meeiro cultiva a terra de um proprietário e eles dividem os rendimentos. As mulheres têm participação importante, representando um terço da mão-de-obra empregada20 . O café foi responsável pelo desenvolvimento de diversas cidades capixabas, como Linhares, São Mateus, Nova Venécia, São Gabriel da Palha, Vila Valério, Águia Branca, Colatina e São Domingos do Norte. De início a variedade arábica era a mais plantada, mas cedeu espaço ao café robusta, mais resistente a climas quentes e secos, que hoje representa 60% da produção do estado. É comum o uso de irrigação pelos produtores, mas poucos empregam máquinas, por causa da topografia acidentada, do baixo poder aquisitivo e da área pequena das terras. O estado está suscetível à ocorrência de doenças e pragas, como cochonilha da roseta, cochonilha da raiz, ferrugem e broca21. Somente 5% das propriedades recebem adubação completa22.

19


São Paulo, estado cujos cafezais financiaram a industrialização brasileira, hoje tem somente 12,4% da produção nacional. Suas plantações se concentram na região Mogiana, no Norte. Os principais municípios produtores são Franca, Cristais Paulista, Jeriquara, Pedregulho, Rifaina, Itirapuã, Patrocínio Paulista, São José da Bela Vista, Altinópolis, Batatais e Restinga. Todas essas cidades se desenvolveram a partir da cultura de café, introduzida há dois séculos. Mogiana produz café arábica, cultivado a uma altitude entre 900 e 1.000 metros. São Paulo tem grande importância para o agronegócio do café, por sua infra-estrutura portuária para escoamento da produção nacional e por possuir o maior parque industrial de café do país23. A Bahia tem 4,4% da produção nacional. É uma área não tradicional de cultivo de café. Três regiões do estado concentram as lavouras: o Planalto, com predominância de arábica; o Litoral, com robusta, e o Oeste (Cerrado), onde um número expressivo de empresas tem cultivado arábica em lavouras mecanizadas e irrigadas. Outra área não tradicional é Rondônia, o maior produtor da Amazônia. O antigo território do Guaporé, de colonização recente, foi transformado em estado somente em 1981. Sua área cultivada com café é de 160 mil hectares e a produção de 1,4 milhão de sacas, das quais 90% de robusta24. O Paraná já foi grande produtor. Nos anos 60 chegou a ter 1,8 milhão de hectares, mas hoje tem só 156 mil e a produção é de apenas 4,3% do total brasileiro. Introduzido na década de 1930, o café fez surgirem grandes cidades como Londrina e Maringá. Mas o estado é sujeito a geadas. Para evitar o risco climático, os cafeicultores migraram para outras regiões e a atividade perdeu importância em relação a outras, como a citricultura e os grãos. Mesmo assim, o café ainda está presente em 210 municípios e gera 3,2% da renda agrícola paranaense. Cerca de 76 mil pessoas têm empregos diretos com a cultura. Outro setor relevante é a indústria. Duas das maiores exportadoras de café solúvel do país, Cacique e Iguaçu, estão instaladas no estado25.

Comércio atacadista, torrefação e varejo

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Existem hoje cerca de 220 empresas exportadoras de café no Brasil. Segundo estudo da empresa de consultoria holandesa Rabo International Advisory Services (RIAS)26, boa parte dessas empresas têm pequeno e médio porte, são de origem familiar, bem conhecidas no mercado externo e fazem poucos investimentos em logística. Os comerciantes de café costumam terceirizar transporte e armazenagem. Como estão focados na oferta - da mesma forma que os produtores -, encontram obstáculos para atuar em escala. Por isso têm margens de lucro pequenas e ficam mais vulneráveis. Existe uma tendência de aumento na con-

centração, mas o processo ainda é incipiente. Por outro lado, os segmentos de torrefação e varejo estão mais focados no consumo. Adicionam valor ao café via blendings27 , marcas e distribuição. Suas margens de lucro são bem maiores que as dos produtores. O estudo aponta que atualmente quatro empresas internacionais atuam na torrefação no Brasil - Sara Lee (EUA), Melitta (Alemanha), StraussElite (Israel) e Segafredo (Itália). Juntas elas controlam 38% do mercado. Das mais de 1.30028 torrefadoras existentes no Brasil, só Sara Lee e Melitta têm presença em praticamente todo o território nacional. As pequenas e médias torrefadoras ainda desempenham um papel importante em nível local, mas estão perdendo espaço para as grandes. Nos últimos três anos a Sara Lee adquiriu diversas empresas locais. As cinco marcas que ela controla hoje (Café do Ponto, Pilão, Caboclo, União e Seleto) têm 25% do mercado doméstico29. O grupo Strauss-Elite, oitavo maior fabricante de café torrado e moído no mundo, chegou ao Brasil em 2000 ao comprar a torrefadora mineira Três Corações. Mas a marca teve prejuízos em São Paulo e no Rio de Janeiro. Agora a estratégia da empresa é focar no mercado de Minas Gerais e buscar a viceliderança nacional30.


No varejo o café representa uma pequena fração das vendas, mas é um produto importante para aumentar o movimento de consumidores. Por isso as grandes redes de supermercados trabalham com margens pequenas e pressionam os fornecedores a reduzir suas margens. Cinco grandes varejistas têm 42% do mercado, segundo os consultores da RIAS. Eles ressalvam que a concentração no Brasil ainda é menos intensa que na Europa, onde os três maiores varejistas controlam mais da metade do mercado e as cinco maiores torrefadoras detêm 60%. Observa-se uma tendência de ampliação do nicho de cafés especiais, ou gourmets. Nos últimos dois anos esse mercado cresceu 20%31. Governo e empresários têm discutido como adicionar valor localmente, mas as grandes torrefadoras não se mostram entusiasmadas. “Faria sentido produzir [café torrado] localmente para exportação, mas isso tem de ser uma visão para o futuro”, disse o presidente da divisão brasileira de café da Sara Lee, Maurílio Lobo Filho, em entrevista ao Financial Times32. Enquanto isso, o Brasil continua exportando seus melhores cafés em forma de produto primário e consumindo os inferiores. No anosafra 2001/2002 as exportações de café torrado foram de apenas 25.809 sacas33.

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Café solúvel Nove indústrias fabricam café solúvel no Brasil. As cinco maiores exportadoras são Cacique, Nestlé, Real, Iguaçu e Cocam. Juntas elas detêm mais de 80% das exportações brasileiras, que em 2002 são estimadas em um volume equivalente a 2,5 milhões de sacas de café verde34 (2,6 unidades de café verde geram uma unidade de solúvel). Das restantes, a Macsol é uma joint-venture35 entre o grupo Iguaçu e a Coca-Cola e as demais têm pouca expressão. Em torno de 80% do mercado interno é dominado pela Nestlé, estimam os empresários do ramo. A corporação comercializa no Brasil um volume de café solúvel avaliado pelo setor entre 500 mil e 800 mil sacas de café verde por ano, mas a empresa não divulga esses números. Há perspectiva de expansão do mercado interno, pois muitas torrefadoras, para fortalecer a imagem, estão terceirizando a produção de café solúvel36. Maior empresa de alimentos do mundo, com faturamento de US$ 50,4 bilhões em 2001, a Nestlé investe em média US$ 150 milhões por ano no mercado brasileiro, o sétimo maior em sua atuação global. No ano passado a corporação de origem suíça faturou US$ 2,5 bilhões no Brasil, um crescimento de 5% em relação ao ano anterior, e obteve um lucro de US$ 79,6 milhões. Escolhida “a empresa do ano” pela revista Exame, a Nestlé tem uma meta de faturar R$ 10 bilhões (US$ 3,1 bilhões) em 2006. Em junho deste ano a empresa lançou a pedra fundamental da nova fábrica de café solúvel a ser construída em Araras, no interior de São Paulo. A unidade receberá o investimento de R$ 95 milhões e se tornará a maior produtora de Nescafé do mundo. De suas linhas sairão 22 mil toneladas de café para a Rússia e a Ucrânia. No mercado interno o Nescafé tem como concorrentes mais de 70 marcas de café solúvel, que se concentram no público de baixo poder aquisitivo37.

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É impossível compreender a História do Brasil sem associá-la ao café. Quando, a partir do século 19, essa cultura superou em importância a da cana-de-açúcar e do algodão, passou a influenciar as vidas de milhões de pessoas. A história da cafeicultura envolve mudanças ecológicas, demográficas, sociais, econômicas e políticas. Está relacionada à derrubada de grandes extensões de floresta nativa. Ao trabalho escravo dos africanos. A sangrentos conflitos de terra, que vitimaram índios e posseiros. Às migrações de europeus e japoneses. O “ouro verde” expandiu fronteiras agrícolas, construiu fortunas e ergueu cidades. Gerou muitos empregos nas zonas rurais. Mas também serviu de moeda em negociatas do poder, levou produtores à falência e trabalhadores à miséria. A chegada da planta ao Brasil é controversa. Algumas sementes podem ter vindo da Índia no final dos anos 1600. Uma possível segunda introdução ocorreu em 1727, quando um oficial da armada brasileira, Francisco de Mello Palheta, contrabandeou sementes da Guiana Francesa e as plantou no Maranhão. Consta que as primeiras mudas foram levadas por um juiz para o Rio de Janeiro em meados do século 18. Em 1790, uma tonelada de café já era produzida para o mercado local. Durante o século e meio seguinte, o grão tornou-se o principal produto básico do Brasil.

A ferro e fogo O professor Warren Dean (1932-1994), do Departamento de História da Universidade de Nova York, escreveu um livro essencial para a compreensão do papel do café na transformação da paisagem natural brasileira. Em A ferro e fogo38 , ele descreve como a prática de queimadas da floresta para plantar cafezais foi a principal causa da devastação da Mata Atlântica no século 19, embora não tenha sido a única. O pesquisador também relata o violento processo de grilagem de terras apoiado pela elite no poder, cujos efeitos danosos se refletem até o presente nas desigualdades da estrutura agrária brasileira. Depois do fim da escravidão, entre 1888 e 1914, mais de um milhão de imigrantes europeus e japoneses vieram ao Brasil para substituir a mãode-obra africana nos cafezais. Muitos enfrentaram situações de trabalho degradante. O fluxo migratório do exterior diminuiu nos anos 30, mas a força de trabalho nos cafezais continuou sendo abastecida por migrantes pobres de outras regiões. Enquanto a população do Brasil triplicou entre 1900 e 1950, a de São Paulo quadruplicou e a do Paraná cresceu quase seis vezes e meia. Essas migrações internas são até hoje uma característica do trabalho assalariado na cafeicultura.


Um pouco de História

No processo de expansão das lavouras sobre a floresta, o roubo de terras era prática corrente. Pistoleiros contratados fizeram muitos mortos entre os índígenas e populações tradicionais. O historiador chama a atenção para a cumplicidade dos poderes Legislativo e Judiciário, que conferiam títulos de terras aos grileiros: “O Estado brasileiro prosseguia assim, na região da Mata Atlântica, sua abominável tradição de abdicar da responsabilidade e recompensar a vilania”. Muitos grileiros subdividiram terras em pequenos lotes para venda à prestação. Isso foi característico do Norte do Espírito Santo, no extremo Oeste de São Paulo e do Norte e Oeste do Paraná.

Café-com-leite e crise dos anos 30 Entre o final do século 19 e as primeiras décadas do século 20, o café foi um importante instrumento de poder no Brasil. Na época a participação do país nas exportações mundiais do produto superava os 80%. A chamada política do café-com-leite foi uma aliança ocorrida de 1889 a 1930 entre as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais ligadas ao setor agro-exportador 39 . Esse pacto permitiu aos cafeicultores paulistas, que eram o setor mais dinâmico da economia brasileira, controlar a política monetária e cambial do país. O apoio a São Paulo no Congresso ga-

rantia a nomeação dos membros da elite mineira para cargos na área federal e verbas para obras públicas.Os paulistas e mineiros se alternavam na ocupação de funções-chave na administração. Nos municípios o poder político era exercido pelos “coronéis”, que impunham sua vontade à população iletrada por meio do clientelismo. O pacto do café-com-leite foi derrubado pela Revolução de 1930, que instituiu o voto secreto, a legislação trabalhista e priorizou a industrialização. Um grande baque para o setor agro-exportador foi a Depressão dos anos 30, que derrubou a demanda pelo produto. Milhares de sacas de café foram queimadas na tentativa de segurar os preços. Para enfrentar a crise, o presidente Getúlio Vargas comprou estoques, cobrou uma taxa por pé de café, proibiu novas lavouras e reteve 20% do café exportado. Segundo o historiador José Augusto Ribei40 ro , a retenção foi o primeiro passo para racionalizar o comércio exportador, até então dominado pelos bancos estrangeiros. A exportação passou a ser gerenciada pelo governo federal. Vargas fez também uma reforma tributária que transferiu para a União o imposto sobre a exportação do café antes cobrado pelos estados. O controle governamental sobre o comércio de café prosseguiu até 1989, quando o mercado internacional foi desregulamentado.

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Referências 1 Ministério da Agricultura /Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), junho de 2002. O ano-safra é contado de julho a junho. http://www.conab.gov.br/ politica_agricola/SafraCafe/safraCafe.pdf. 2 Para ter maiores informações sobre a crise global do café consultar a publicação de Oxfam Internacional - Pobreza em sua xícara: o que há por trás da crise do café. 3 No sistema de parceria o agricultor cultiva terras de um proprietário rural e divide com este os rendimentos da lavoura. O parceiro também costuma ser chamado de meeiro, por ser freqüente a divisão dos ganhos meio a meio. 4 Organização Internacional do Café (OIC), agosto de 2002. http://www.ico.org/ed/crisis.pdf. 5 Depoimento de João Abrão Filho, presidente do Sindicato Rural de Altinópolis (SP), em julho de 2002. 6 Depoimento do cafeicultor Ronaldo Chisté. São Domingos do Norte (ES), julho de 2002. 7 AGÊNCIA ESTADO. Setor cafeeiro bombardeia plano de retenção. Fabíola Salvador. 22 de abril de 2001. http://www.estadao.com.br/agestado/noticias/2001/ abr/22/74.htm. 8 FLÔRES JR., Renato G., CALFAT, Germán. Government Actions to Support Coffee Producers - An investigation of possible measures from the European Union Side. Fundação Getúlio Vargas / University of Antwerp, Bélgica. Abril de 2002. http://www.fgv.br/epge/home/PisDownload/974.pdf. 9 Jornal do Café, ABIC, nº 129, maio de 2002. 10 Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC), 2001. 11 OIC, 2001. 12 Banco Mundial, 2000. Burundi, dados de 1999. 13 Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais (FAEMG), estimativa 2002. 14 Ministério da Agricultura, estimativa 1998. 15 FAEMG, estimativa 2002. 16 Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) / Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), 2000. Novo Retrato da Agricultura Familiar - o Brasil redescoberto. Dados baseados no Censo Agropecuário do IBGE 1995/1996. 17 Rabo International Advisory Services (RIAS). Raising the income of coffee growers. Estudo publicado em julho de 2002 por solicitação do Departamento de Desenvolvimento Econômico Sustentável do Ministério de Relações Exteriores da Holanda. http://www.minbuza.nl/english/; e depoimentos de produtores. 18 FAEMG, 2002. 19 Centro de Desenvolvimento Tecnológico do Café (CETCAF), fevereiro de 2002. 20 Idem. 21 GOMES, Wander Ramos. Espírito Santo é grande produtor de robusta. In Coffeebreak - http://www.coffeebreak.com.br. 22 Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (INCAPER). 23 Cofeebreak - Website informativo, órgão oficial de divulgação do Conselho Nacional do Café. http://www.cofeebreak.com.br. 24 Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), dados de 2000. http://www.embrapa.br. 25 Idem. 26 RIAS, 2002. 27 Combinação de diferentes tipos de café. 28 ABIC, estimativa 2001. A RIAS estima esse número em 1.700. 29 Financial Times, reportagem de Thierry Ogier republicada pela Folha de S. Paulo em 04/06/2002, página B-14. 30 Valor Econômico, 28/05/2002. 31 Gazeta Mercantil, 05/07/2002. 32 Financial Times, reportagem de Thierry Ogier republicada pela Folha de S. Paulo em 04/06/2002, página B-14. 33 Conselho dos Exportadores de Café Verde do Brasil (CECAFÉ), 2001/2002. 34 CECAFÉ, julho de 2002. 35 Joint venture: associação de empresas, não definitiva, para explorar determinado negócio, sem que nenhuma delas perca sua personalidade jurídica (definição retirada do “Novo Aurélio – O Dicionário da Língua Portuguesa”). 36 Entrevista com o diretor executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Café Solúvel (ABICS), em agosto de 2002. 37 EXAME, revista semanal. A empresa do ano [Nestlé] aposta no Brasil. Reportagem de capa por Cláudia Vassallo. São Paulo : Ed. Abril. Nº 14, 10 de julho de 2002, edição 770. 38 DEAN, Warren. A Ferro e Fogo – a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo, Companhia das Letras, 1996. 39 PEDRO, Fábio Costa. A política do café com leite. http://www.hystoria.hpg.ig.com.br/coron.html. 40 RIBEIRO, José Augusto. A Era Vargas - volume 1. Editora Casa Jorge, Rio de Janeiro, 2001.

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TRABALHO na cadeia produtiva

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A

Concentração e precarização

A partir do início dos anos 90, a vida dos trabalhadores assalariados rurais do café ficou mais precária. É o que aponta um estudo realizado pelo professor Francisco Alves, doutor em Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos (SP)1. As condições chegam a ser mais duras que na cana-de-açúcar. Alves observa que a desregulamentação do mercado e a queda nos preços provocaram uma profunda concentração na cadeia do café. Nesse novo modelo de produção, os elos mais fortes da cadeia transmitem para os mais fracos - assalariados e agricultores familiares - o ônus da redução dos custos. As conseqüências são redução de rendimentos, exclusão social, desemprego e êxodo rural. A crise é agravada pela mecanização da lavoura, que leva ao aumento na oferta de mão-deobra e pressiona os assalariados a aceitar trabalho em condições piores. Cafeicultores da região do Triângulo Mineiro estimam que a colheita mecanizada reduz em quase um terço os custos da saca de café. Uma grande máquina substitui de 150 a 500 homens/dia. A mecanização tem sido mais adotada nas novas áreas de produção - Cerrado Mineiro e Baiano -, por produtores mais capitalizados. Como as máquinas são caras, uma alternativa que os produtores utilizam para reduzir o custo da mão-de-obra é a precarização do trabalho. O pesquisador ressalva que não se trata de fenômeno recente: “No Brasil isso remonta à escravidão e no meio rural tem a marca do latifúndio”, diz. “Mesmo com a redução do poder econômico do setor agrário exportador a partir dos anos 30, as formas de dominação da força de trabalho no campo permaneceram intactas”.

“Coopergatos”

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Um personagem freqüentemente associado à precarização do trabalho na lavoura do café é o empreiteiro de mãode-obra, conhecido pelo apelido de gato. Como a colheita tem tempo reduzido e há grande rotatividade de pessoal, os trabalhadores costumam passar de uma propriedade a outra, por meio de contratos verbais firmados com esses empreiteiros. É freqüente o descumprimento da legislação referente às relações de trabalho. Muitos cafeicultores afirmam não ter condições de suportar o peso dos encargos sociais. “Se eu assinar a carteira [de trabalho] dos meus empregados, o custo de produção fica inviável; aí eu termino perdendo a terra e me transformando em assalariado”, diz um deles. É generalizada a queixa sobre a ausência de uma política agrícola e tributária que dê tratamento diferenciado à propriedade familiar. A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) está negociando com governo e empresários a adoção de norma regulamentadora rural. Outra negociação com o Ministério do Trabalho é para estabelecer a meta de que no mínimo 10% de todas as fiscali-

zações sejam realizadas na zona rural até o final de 2003. A entidade também apóia um projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional para estabelecer um contrato de safra de curta duração2. Uma forma mais elaborada de atuação dos “gatos” é por meio de cooperativas de mão-de-obra - também chamadas de “gatoperativas” ou “coopergatos”. Francisco Alves relata que elas foram criadas pelas indústrias de suco concentrado para lhes dar controle do fluxo logístico da laranja sem que precisem fazer a colheita e o transporte. As “coopergatos” passaram a operar também na cafeicultura, principalmente em São Paulo, no sul de Minas Gerais e no norte do Paraná. Os cafeicultores aderem a elas porque assim dispõem de uma alternativa legal - e mais barata - de contratação, sem o risco de responderem a ações trabalhistas. Para os trabalhadores, essas cooperativas de mãode-obra significaram a perda de direitos conquistados na década de 80, avalia o pesquisador. Uma alternativa à contratação de pessoal sem os serviços das falsas cooperativas tem sido os condomínios de produtores de laranja. Eles contratam em conjunto os trabalhadores que vão ser necessários a todos. Cada produtor paga ao condomínio pelo uso que fizer da mão-de-obra. Além de ter acesso aos direitos fundamentais, os trabalhadores podem permanecer mais tempo empregados, realizando tarefas nas propriedades durante a entressafra.

Saúde e segurança Muitos assalariados “morrem antes da hora” devido às péssimas condições de vida. A constatação é do pesquisador da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro-MG), Antônio Ídolo Dias. Em recente seminário nacional3, ele informou que está em debate uma norma regulamentadora do Ministério do Trabalho, abordando a questão da saúde e segurança para os trabalhadores rurais. Várias medidas práticas poderiam ser tomadas para melhorar a vida dos trabalhadores do café. Um exemplo seria o desenvolvimento de uma luva específica para a colheita, lembrou Dias. Os modelos existentes hoje carecem de funcionalidade e conforto, pois ou são muito rígidos e atrapalham o manuseio dos grãos, ou são pouco resistentes e se rasgam com facilidade. “É fácil constatar que o desenvolvimento de máquinas segue uma lógica distinta do desenvolvimento de equipamentos de proteção para os trabalhadores”, disse. A diretora da executiva nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e responsável pelo Instituto Nacional de Saúde no Trabalho (INST), Rita Evaristo, reconhece que em muitos processos de negociação coletiva a ênfase recai sobre a urgência dos temas econômicos.


Lafaiete e Penha no Novo Brasil É fim de tarde na vila de Novo Brasil, município de São Domingos do Norte, Espírito Santo. Maria da Penha Gonçalves, 21 anos, caminha pela pracinha, carregando nas costas um saco de cocos. Ela vem acompanhada do marido Lafaiete Teixeira de Jesus, 32. Seus corpos estão esgotados depois de um longo dia na roça de café. Eles são trabalhadores diaristas em lavouras alheias, pequenas propriedades rurais da região. Atenciosos, param para conversar, mas preferem ficar de pé. Se sentarem, podem desabar. Os dois têm cansaço acumulado: batalham na roça desde os 12 anos de idade. “Ganho cinco reais por dia na roça”, conta Penha. Menos de dois dólares. É a metade da quantia paga aos homens. Juntos eles têm uma renda mensal de R$ 300 (inferior a cem dólares). Mal dá para sustentar os filhos Brasiléia e João Marcos, de sete e quatro anos. As crianças freqüentam uma escola pública, mas o casal não teve a mesma sorte: Lafaiete nunca estudou, Penha só até a terceira série do ensino básico. Eles são um retrato vivo da dificuldade enfrentada por milhares de agricultores no Brasil. Antes eram pobres. Com a queda dos preços do café, estão na fronteira da miséria. “Já fomos meeiros por três anos, mas tivemos que sair da propriedade”, conta Lafaiete. No tempo em que o café tinha bom preço, eles conseguiram fazer um pequeno péde-meia. Trocaram 20 sacas por um barraco de madeira de quatro cômodos no alto do morro. Foi bom negócio. Hoje, com a mesma quantidade de café, não comprariam um

quartinho. Recentemente passaram a usar fogão a lenha, porque não conseguem mais comprar gás de cozinha. Trazem madeira do campo quando retornam do trabalho. O dia típico da família é um malabarismo permanente para sobreviver até a manhã seguinte. Acordam às 4h45 e pegam o caminhão para as propriedades onde há serviço. Lá ficam até o fim da tarde. Na marmita levam arroz, feijão e macarrão. Carne, só mesmo quando cortam do orçamento o ovo, o leite ou a farmácia. Lafaiete lembra que uma vez machucou a perna e ficou 60 dias parado. Não recebeu nada. “Se a gente adoecer e precisar de remédio, morre”, diz Penha. “O patrão só gosta do sujeito enquanto tá trabalhando.” No fim de semana, a única diversão da agricultora é freqüentar a Igreja Assembléia de Deus, onde ainda consegue algum apoio comunitário. Ele fica perambulando pelas ruas, senta nos bancos da pracinha e conversa com os amigos. Alternativas de futuro? Lafaiete se exaspera: “Mas não acha serviço, não acha, não acha! Ninguém quer dar emprego pra quem não tem estudo. Tem que continuar trabalhando na roça, não vai mudar não...”. Penha emenda: “Eu durmo pensando na panela vazia. O café não foi nada pra nós, só deu desgosto.” Mas ela ainda tem sonhos: “Se eu pudesse mudar, queria trabalhar de empregada doméstica. Queria me vestir bem, acordar feliz no domingo.” Eles se despedem e seguem em direção à subida do morro. Precisam descansar um pouco, pois o dia começa cedo nos cafezais de Novo Brasil. E o caminhão não espera.

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Um caso de envenenamento crônico Maurílio e Creuza Debarbi vivem do cultivo de café em uma propriedade familiar no município de São Domingos do Norte, Espírito Santo. Ele tem 52 anos, ela quase a mesma idade. Quem os encontra pela primeira vez, simpáticos e hospitaleiros, não imagina que são vítimas de envenenamento crônico por pesticidas. Condenados a sofrer seqüelas dolorosas e a carregar para sempre os produtos tóxicos em seus corpos, eles enfrentam a situação com dignidade. Sua história serve de

alerta a todos os que utilizam produtos químicos na lavoura. Maurílio começou a usar veneno no pasto e no café em 1975. Sem roupas de proteção, luvas nem máscara. Às vezes sentia palpitações, ia descansar na sombra de uma árvore e melhorava. Ele prosseguia com as aplicações no cafezal - no começo 20 bombas de veneno líquido por dia, depois diminuiu para dez. Às vezes suava frio e sentia febre de noite, tomava um remédio antitérmico e no dia seguinte levantava aparentemente melhor. Não fazia idéia de que seu corpo já estava afetado de forma irreversível. “Em 99 eu batia Randape (Roundup, marca de herbicida) no café quando de repente senti uma fraqueza nas pernas, caí e não levantei mais - conta Maurílio. Fiquei roxo, vomitei, o suor catingava de veneno. Me levaram para o hospital em São Domingos, tomei 18 frascos de soro e fiquei três dias internado. O médico me disse que tive sorte, não morri porque era forte. O veneno foi pro sangue e não sai

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mais não.”

Câncer de pele

Nos últimos três anos ele foi operado seis vezes de câncer de pele na orelha, boca e testa. Não consegue engolir certos alimentos. Ficou hipersensível aos pesticidas - se caminhar por uma plantação onde tenha sido usado veneno ou mesmo adubo químico, começa a sentir sede e dor nas articulações. Certo dia atravessava a plantação de eucalipto dos vizinhos e desmaiou. Foi forçado a banir o uso de

agrotóxicos de sua propriedade, sob pena de ter uma recaída fatal. A situação de Dona Creuza também é triste. Ela não trabalhava diretamente na aplicação, mas durante duas décadas entregou as refeições do marido na roça e lavou suas roupas contaminadas. Em 1981, adoeceu e passou seis meses sem poder andar. Recuperou-se, mas em 2000 precisou extirpar o rim direito por causa de um tumor maligno. É impossível afirmar categoricamente que seu mal foi provocado pelos agrotóxicos, mas os indícios são fortes. O agricultor reconhece que foi imprudente por não ter lido as advertências nos rótulos dos produtos, mas também atribui parcela de culpa aos fabricantes: “Essas empresas deviam dar curso, vender só com receita”, diz. E dá um recado a todos os que trabalham com agrotóxicos na agricultura: “Meu conselho é parar. Não vale a pena, quem usa está correndo risco de vida”.


Assim, asquestões de saúde ficam para depois: “O problema é que, em muitos casos, o acerto dessas questões acaba não saindo do papel e o Brasil continua batendo recordes quando o assunto são os acidentes de trabalho”. Rita informa que a CUT está organizando um curso específico de saúde e segurança para os trabalhadores rurais: “Pretendemos propor intervenções por parte do movimento sindical de modo a atuar na prevenção de acidentes de trabalho, na melhoria das condições de vida nos alojamentos, na qualidade dos transportes e na discussão sobre o uso dos agrotóxicos, dentre outros”4.

Agrotóxicos são campeões em mortes por intoxicação no Brasil Distúrbios de sono, impotência sexual, palidez, alterações nos rins e fígado, perda de concentração e de memória, depressão. Quando estes sintomas são sentidos por agricultores, é preciso acender uma luz de alerta: pode ser envenenamento por pesticida. No Brasil as estatísticas ainda são embrionárias, mas suficientes para indicar que uma tragédia silenciosa está ocorrendo. Dados coletados pelo Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox)5 em 31 centros de controle de 17 estados indicam que em 2000 os pesticidas de uso agrícola envenenaram 5.127 pessoas. Eles são os campeões de morte por intoxicação no Brasil. Das 377 mortes computadas, 141 foram provocadas por agrotóxicos. O total de casos não-notificados é muito maior. Quase todas as ocorrências que chegam ao conhecimento dos médicos são de intoxicação aguda, mas poucas são de envenenamento crônico - por uso continuado durante anos. A doutora em toxicologia Sony de Freitas Itho, que coordena o Toxcen (Centro de Atendimento Toxicológico) em Vitória (ES), estima que menos de 10% dos casos são comunicados. No Espírito Santo, segundo maior produtor brasileiro de café e grande produtor de hortaliças, houve 475 notificações de intoxicação por pesticidas agrícolas em 2001. Esta é a segunda maior causa de intoxicação no estado, só perdendo para os medicamentos. Das 23 mortes registradas no ano passado, 21 foram causadas por pesticidas6. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o uso de agrotóxicos no Brasil aumentou 22% de 1997 a 20007. O uso indiscriminado de pesticidas na cafeicultura afeta principalmente os assalariados que fazem aplicações nas lavouras. A maioria não utiliza equipamentos de proteção individual (EPI), que raramente são fornecidos pelos patrões. Um problema adicional ocorre em função da solidariedade entre os agricultores: é freqüente que uma pessoa compre o agrotóxico e o fracione para distribuir entre os vizinhos. Por isso, há diversas ocorrências de crianças que bebem o veneno acondicionado em frascos irregulares, como garrafas plásticas de refrigerante. A destinação inadequada das embalagens vazias também contribui para poluir cursos de água.

Por que o problema fica oculto

Sony aponta diversos motivos para a não-notificação. Para começar, não é obrigatória. O acesso do trabalhador rural ao serviço médico e aos exames laboratoriais é complicado: “Se for assalariado, não pode sair senão perde o dia”. Nos casos crônicos, fica difícil fazer um diagnóstico preciso, principalmente quando o agricultor usou vários produtos que têm efeitos distintos. Muitos trabalhadores são displicentes e só procuram o médico quando se sentem incapacitados. A falência do serviço de toxicovigilância também agrava o problema. Poucos profissionais de saúde dominam o assunto, já que a toxicologia não é disciplina obrigatória nos cursos de Medicina. Ela também cita a falta de reciclagem dos médicos, o desconhecimento da existência de centros de toxicologia e a falta de preenchimento correto das fichas: “Muitas vezes o trabalhador nem sabe o nome do produto que usou”. Algumas recomendações apresentadas pela toxicologista para enfrentar o problema:

· Realização de uma campanha permanente de esclare-

cimento sobre os riscos do uso e abuso de agrotóxicos. · Busca de alternativas como herbicidas orgânicos e controle biológico de pragas. · Conscientização dos vendedores para que esclareçam os agricultores sobre o uso correto. · Colocação em prática do que diz a legislação sobre o assunto. · Cadastramento de todos os aplicadores de pesticidas agrícolas com carteiras de identificação e realização de exames periódicos. · Inclusão da Toxicologia como disciplina obrigatória no currículo dos cursos de Medicina. · Reciclagem dos profissionais de saúde que atuam nas zonas rurais. · Melhoria no serviço de toxicovigilância. · Facilitação de acesso dos agricultores a exames laboratoriais.

Conscientização

Às vezes as evidências do envenenamento são tão claras que todos em volta percebem. “Há dois anos o agricultor Geraldo Batista morreu de colapso”, relata o vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Colatina, Cézar Barbieri. “Ninguém agüentava ficar no velório por causa do cheiro de veneno”. Outra história chocante ocorreu recentemente, perto de sua propriedade: uma menina tomou água de coco de um coqueiro onde tinha sido aplicado veneno e ficou dois dias internada no hospital. O Sindicato promove uma série de iniciativas para minimizar o problema, entre elas a divulgação da agricultura orgânica, campanhas de conscientização dos agricultores e a exigência de fiscalização mais rígida na venda de agrotóxicos.

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Assalariados rurais se deslocam de caminhão para a lavoura

Vida de gato São cinco horas em São Gabriel da Palha, Espírito Santo. Ainda está escuro quando João (nome fictício), 30 anos, termina o café da manhã. Ele coloca o facão na cinta, pega meia dúzia de enxadas e foices e se despede da mãe. Quatro trabalhadores já o aguardam sentados na calçada. Carregam marmitas com o almoço do dia: arroz, feijão, farinha, um pedaço de carne ou de lingüiça. Levam também garrafas de água potável e, alguns, a própria ferramenta. Vinte minutos depois chega um caminhãozinho dirigido por um proprietário rural. Todos embarcam na carroceria descoberta. O veículo recolhe quinze homens. Já é dia claro, mas o frio ainda castiga os trabalhadores. Lotação completa, o caminhão leva a carga humana pela rodovia. Passa sem problemas pelo posto da Polícia Rodoviária, pega uma estrada vicinal e prossegue até uma porteira. Todos caminham em direção a uma lavoura de café e coco. Às 7h começa o trabalho pesado. Às 10h há um intervalo de uma hora para almoço e à tarde, de 30 minutos para o café. A labuta prossegue até anoitecer, quando, exaustos e suados, entram no caminhão para fazer o percurso inverso. Cada trabalhador ganha uma diária de R$ 11 - cerca de US$ 3,50 - que será paga em dinheiro no final da semana. Sem recibo, sem contrato, sem repouso semanal remunerado. Sem férias, 13º salário ou comprovante de tempo de serviço para aposentadoria. Quem falta ao trabalho por algum motivo perde o dia. Quem adoece fica abandonado à própria sorte. Se cai chuva e não se pode trabalhar, não há pagamento. João ganha R$ 25 (US$ 8) por dia para

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Trabalhadores na indústria A indústria de processamento de café - que inclui transporte, torrefação, moagem, higienização e embalagem - empregava formalmente 19.706 trabalhadores em 2001, segundo levantamento do Departamento de Estudos Sócio-Econômicos e Políticos da CUT. 8 Verifica-se um deslocamento da atividade dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro para o estado de Minas Gerais e a região Nordeste do país - Bahia, Pernambuco, Paraíba e Ceará. Houve queda de remuneração em âmbito nacional. Em 1994, pouco mais de 60% dos trabalhadores ganhavam menos de quatro salários mínimos. Essa fatia subiu para 74% em 2001. A participação das mulheres aumentou. Enquanto em 1994 elas somavam 26%, em 2001 representavam 35% da força de trabalho no setor. Parte considerável das empresas tem baixa competitividade, usa equipamentos obsoletos e tem pouca ou nenhuma preocupação com qualidade. Nesse segmento a situação dos trabalhadores é precária. Muitos deles provêm de zonas rurais e freqüentemente são semialfabetizados. “O processo de industrialização não depende muito da escolaridade”, conta o diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Alimentação (Contac), Osvaldo Teófilo. “Por conta disso a demanda por trabalho é grande e os salários são extremamente baixos, chegando quase à metade do que é pago na indústria de café solúvel.” Teófilo chama a atenção para algumas diferenças entre os trabalhadores de torrefação e os que atuam na indústria de café solúvel. “Na torrefação a situação é tolerável e não há muitos problemas relacionados ao ambiente de trabalho, como calor, ruído e luminosidade precária. Mas as condições nas indústrias de solúvel são bem mais precárias: há um número elevado de acidentes e doenças profissionais provocadas por quedas, queimaduras, lesões por produtos químicos, lesões por esforços repetitivos e problemas de audição devido ao alto índice de ruído”.


atuar como gato - intermediário de mão-deobra informal para as propriedades rurais. É a mesma atividade que tinha seu falecido pai. Seus direitos trabalhistas são tão ignorados quanto os dos peões que arregimenta. “A gente não tem segurança nenhuma”, queixa-se. “Eu trabalho de dia para comer de noite.” Na época da colheita ele chega a comandar 50 homens. O rendimento aumenta um pouco, pois há adicional de R$ 3 para os diaristas por saco colhido e comissão de R$ 0,20 para ele. Mas o sacrifício também cresce. Come-se às pressas para aumentar a produtividade. Muitos dispensam o almoço e enfrentam jornadas contínuas de até 14 horas.

Renda empata com custos Uma pesquisa realizada em junho de 2001 pela Associação de Programas em Tecnologias Alternativas (APTA) com 15 cafeicultores de São Domingos do Norte, município capixaba de 7.500 habitantes, constatou que os custos de produção do café robusta empatam com a renda gerada pelo produto. Ou seja, os pequenos produtores estão praticamente trabalhando de graça. Só conseguem se manter porque cortaram despesas e substituíram parte da mão-de-obra contratada pela familiar. Segundo o estudo, a média de despesas para produção de uma saca de café robusta foi, na época, de R$ 48,70, enquanto o preço estava em torno de R$ 50 - um terço do valor do ano anterior. A situação tem trazido efeitos danosos a São Domingos do Norte, onde dois terços da população vivem da terra. A agricultura familiar representa 80% das propriedades rurais e o café é a principal atividade geradora de emprego e renda. “Durante gerações a especialização no cultivo do café e a segurança da comercialização manteve os agricultores alicerçados no produto”, comenta o técnico em agropecuária Dirceu Godinho Antunes, um dos coordenadores da APTA. “A dependência do dinheiro certo do café foi tanta que eles deixaram de cultivar produtos para sua própria alimentação.” Ele atribui parte da responsabilidade ao governo, que não tem promovido políticas agrícolas eficazes de pesquisa e extensão rural para incentivar outras formas de geração de renda. A ONG atua em projetos alternativos de agricultura sustentável com 500 famílias da zona rural do Espírito Santo e 250 famílias de índios tupiniquim no litoral do estado. Nesses projetos, incentiva a redução dos custos pela substituição de insumos sintéticos por produtos naturais disponíveis na propriedade. “Damos bases conceituais para o manejo sustentável do solo”, diz o técnico. “A idéia é garantir a produção para consumo doméstico, que ofereça segurança alimentar e também para um mercado diferenciado, o dos alimentos saudáveis às pessoas e ao meio ambiente”.

As mãos são calejadas, às vezes com cortes e feridas. Quase ninguém usa luvas de couro na colheita. Trabalhadores e patrões não gostam porque ela tira o tato, o que pode levar à extração inadvertida das folhas do cafeeiro. A luva de lycra é macia, mas só dura uma semana. Acidentes com picada de cobra ou escorpião são raros, principalmente nas lavouras que utilizam pesticidas. Às vezes João. leva dois ou três homens para aplicar os produtos. “Eles são muito imprudentes, não se preocupam com proteção nem usam máscara”, conta. O gato reconhece que sua atividade é ilegal, mas justifica: “Não tenho condições de assinar a carteira de ninguém e o empregador também não pode, senão quebra. É uma semana numa fazenda e outra noutra, como assinar?” A situação é tolerada pelas autoridades. “Só uma vez a fiscalização parou o caminhão”, conta. “Tivemos que ir até o sindicato e assinar um termo de compromisso de fechar contrato de um mês”. Ele acha que os assalariados rurais deveriam se organizar melhor, criar um sindicato próprio. Mas é cético quanto a mudanças: “Se existir sindicato vai ter tabela de preço, os diaristas vão exigir os direitos deles e os patrões vão achar ruim”, reflete. “Aqui é a lei do mais forte...”

Trabalho informal marca a atividade no campo

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Referências 1 ALVES, Francisco. Trabalho e Trabalhadores no Complexo Agroindustrial do Café. Março de 2002. 2 Depoimento de Guilherme Pedro Neto, diretor de assalariados da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). 3 Seminário Nacional Saúde, Segurança e Condições de Trabalho na Cadeia do Café, realizado de 8 a 10 de abril de 2002 em Belo Horizonte (MG) pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e Confederação Nacional dos Trabalhadores na Alimentação (Contac). 4 Idem. 5 Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox) - http://www.fiocruz.br/sinitox. 6 Entrevista com coordenadora do Toxcen - Vitória (ES). 7 Folha de S.Paulo, 20/06/2002, página A-19.

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8 Desep-CUT. Panorama do emprego formal na indústria de processamento de café. Outubro de 2001.


Caminhos do

CAFÉ

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O desencanto dos migrantes

Todos os anos, há quase duas décadas, o padre Antônio Garcia Peres acompanha o cotidiano dos trabalhadores que migram temporariamente do estado do Paraná para as colheitas de café da região Sudeste. Entre os meses de abril e outubro eles saem de municípios como Bela Vista do Paraíso, Centenário do Sul e Uraí em direção aos estados de São Paulo e Minas Gerais, na esperança de conseguir alguma renda. O ano de 2002 está sendo possivelmente o pior de todos. A notícia da supersafra fez a migração aumentar, jogando os trabalhadores em situações precaríssimas.

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“Eles partem com família e tudo para a colheita, mas chegam lá e se depararam com salário inferior, por isso precisam trabalhar mais e ganham menos”, relata. O religioso recorda que há cinco anos o migrante retornava ao Sul do país com dinheiro suficiente para reformar a casa, comprar roupas novas, às vezes até eletrodomésticos. “Mas nesta safra a renda mal vai dar para garantir a comida.” Um dos motivos para a queda no salário é a mecanização das lavouras no Noroeste de São Paulo, que antecipa o final da colheita de outubro para agosto. Uma colheitadeira com capacidade para 800 a 1.000 pés de café por dia desemprega cem trabalhadores. A situação é mais grave porque a renda da colheita é uma poupança utilizada ao longo de toda a entressafra. Isto é, quando essas famílias não ganham o suficiente na safra, não terão outras fontes de rendimento até o ano seguinte. Isso afeta a economia de suas cidades de origem, prejudicando também as pessoas que não lidam com café. Comerciantes, profissionais liberais, assalariados urbanos - toda a comunidade fica fragilizada. Padre Garcia conta que as condições de vida dos migrantes são duras: “Antigamente eram muito comuns os casos de trabalho escravo, sobretudo em Minas Gerais, mas hoje o problema é mais a qualidade do trabalho e do alojamento. Há lugares em que não há sequer água para tomar banho e cozinhar”.

A fome e o paliativo Altinópolis, município de 15.500 habitantes na região de Alta Mogiana, em São Paulo, é um ponto de referência para os trabalhadores migrantes. Durante a safra, cerca de 2.500 assalariados rurais se deslocam do norte de Minas Gerais e de outras regiões para buscar serviço na colheita local. Mas a crise dos preços está provocando uma situação de tensão social que pode se tornar explosiva. Nem mesmo uma colheita estimada em 350 mil sacas consegue evitar a fome. Como medida emergencial, a Prefeitura, em parceria com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e o Sindicato Rural (patronal), está distribuindo gratuitamente 1.500 refeições diárias aos agricultores. O Programa Bóia Quente funciona em cinco pontos da cidade. Inclui também um pão com manteiga e uma xícara de café pela manhã. A medida não ataca as raízes do problema, mas diante da situação de desespero de quem não tem o que comer, foi a alternativa encontrada para evitar o pior. “Se o café vai mal, todo o comércio e a população vão mal”, resume o presidente do Sindicato Rural e secretário da Agricultura, João Abrão Filho. Ele conta que o comércio da cidade está praticamente parado. “Como a situação está muito difícil, muitas pessoas que não trabalhavam - mulheres, filhos - agora estão precisando ir para a lavoura”. Segundo o secretário, o produtor local está completamente descapitalizado,

pois o preço do café não cobre o custo de produção. Abrão assegura que vários outros municípios cafeeiros da região também estão em situação crítica.

Êxodo rural Colatina, município capixaba de 113 mil habitantes, é outro exemplo de como a decadência da cafeicultura pode afetar as condições de vida dos agricultores familiares. Na zona rural, formada na maior parte por propriedades com 10 a 40 hectares, é freqüente encontrar lavouras de café abandonadas. Diante da dificuldade de sobrevivência, muitos agricultores tentam a sorte em novas fronteiras agrícolas ou buscam subempregos na área urbana, contribuindo para o desordenamento territorial. Os bolsões de pobreza se multiplicaram nos morros da cidade, agravando a situação já precária de infra-estrutura e saneamento. Quase todo o esgoto domiciliar, hospitalar e industrial é lançado nos rios sem tratamento. O uso inadequado de agrotóxicos tem causado problemas de saúde ocupacional e contaminação de cursos d’água. “A urbanização foi violenta e impactante”, diz o prefeito Guerino Balestrassi. “Queremos inverter esse processo e precisamos criar condições para que os pequenos agricultores tenham capacidade gerencial”. Ele aposta no incentivo à diversificação e na tecnologia. Um dos obstáculos referidos pelo prefeito é o medo que os proprietários têm de empregar trabalhadores assalariados, por causa da rigidez das leis trabalhistas: “Para quebrar isso, estamos desenvolvendo uma estrutura de condomínio que vai oferecer técnicas de gerenciamento”. Ele explica que a idéia é incentivar os agricultores a compartilhar os custos do serviço de contadores, advogados e técnicos agrícolas. Entre as alternativas de geração de renda o prefeito cita a fruticultura.

Movimento dos Sem-Terra Perto dali, em Nova Venécia, município cafeeiro de 43 mil habitantes, 50 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) cultivam café desde 1988 no assentamento Pip-Nuck. De início, quase toda a renda do assentamento provinha dos cafezais. O impacto da queda dos preços forçou a diversificação. Hoje os 480 mil pés de café representam 80% da renda total e a tendência é que essa participação se reduza mais. “O pessoal passou a plantar pimenta do reino, banana, mandioca, coco, tomate e a criar gado”, informa um dos líderes locais do movimento, José Rocha. Mas os agricultores que conseguiram terras para plantar ainda são poucos em comparação com os que ainda precisam ser assentados. No final de julho, a reportagem encontrou 120 agricultores do MST acampados em barracas de lona preta na capital do estado, Vitória. Seu objetivo era

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pressionar o governo a apressar as desapropriações para reforma agrária no Norte do estado. Marcos Francisco da Cunha, 32 anos, líder do grupo, é mais um atingido pela derrocada do café. Ele e a família atuavam como meeiros - em regime de parceria - numa propriedade familiar em Nova Venécia, mas este ano a crise os pegou. Precisaram vender a casa para pagar um empréstimo bancário. O agricultor, a mulher e um filho pequeno não tinham para onde ir e se mudaram para o acampamento dos sem-terra. “Acho um absurdo o preço de um cafezinho”, comenta. “Quem está ganhando com isso? Só sei que tiraram de mim.” Claudionor Gomes da Silva, 43 anos, casado e com quatro filhos, é outro cafeicultor na miséria. Trabalhou como meeiro em uma propriedade de Colatina por mais de cinco anos, até que, com a queda dos preços, ficou sem alternativas. “Tiraram o pão da boca dos meus filhos”, desabafa. Forçados a deixar o campo, eles hoje sobrevivem em empregos mal remunerados na cidade de Linhares. Claudionor preferiu colocar suas expectativas de futuro na luta coletiva pela reforma agrária. “A gente é como uma irmandade”, diz, referindo-se aos outros acampados. “Um ajuda o outro e vamos seguindo em frente”.

Trabalhadores humilhados A fome e a humilhação fazem parte do cotidiano dos migrantes. É o caso de um grupo de 50 homens oriundos do norte de Minas Gerais que foram colher café no sul do estado em maio deste ano. Ao chegarem na fazenda que os contratou, tiveram a primeira surpresa desagradável: o pagamento era bem menor que o combinado. À noite precisaram dividir entre si duas casas de três quartos, onde dormiam no chão e conviviam com esgoto a céu aberto. Depois de uma jornada que começava às 6 horas da manhã e terminava às 6 da tarde, alguns tinham que esperar até as 11h da noite para tomar banho, pois eram 50 pessoas para apenas dois banheiros. Dos homens que chegaram à fazenda, dez desistiram nos primeiros dias ao se deparar com as péssimas condições de trabalho e, sobretudo, com a comida horrível: feijão com pedra e sem tempero, arroz duro e pés de galinha. Os demais continuaram, mas ficaram revoltados no dia do pagamento, quando viram que a alimentação era descontada do salário em valores acima dos acertados. Ao reclamarem para o gerente da fazenda, ficaram sabendo que, se quisessem ir embora, teriam que pagar R$ 50 relativos ao que na legislação trabalhista brasileira é chamado de aviso prévio. A maior parte do grupo ficou com medo e pagou. “A gente passava aflição, não conseguia dormir”, lembra um deles, José Hamilton da Rocha. Diante da perspectiva de voltar sem dinheiro para casa, eles resolveram denunciar a situação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Só então descobriram

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que muitos de seus direitos estavam sendo desrespeitados. Por lei, os trabalhadores rurais que se deslocam de uma região para outra devem passar por um exame de admissão e receber cópia do contrato de trabalho no município de origem. Tanto o sindicato de origem como o de destino têm de estar cientes desse contrato. O alojamento precisa oferecer condições apropriadas - camas, banho, água potável e esgoto. Além disso, o fazendeiro deve oferecer meio de transporte até a lavoura. “Disseram que ia ter ônibus para a roça, mas a gente estava caminhando três quilômetros a pé”, recorda outro assalariado, Rosalino Batista Oliveira.

Fiscalização precária, Justiça lenta A advogada do Sindicato dos Empregados Rurais do Sul de Minas, Tanilda das Graças Araújo, reconhece que só 10% dos trabalhadores encontrados em situação análoga ao trabalho escravo conseguem alguma indenização: “Na maioria dos casos a gente sequer fica sabendo”. Ela explica que o empregador prefere o safrista que vem de fora porque corre menos riscos de ser flagrado pela fiscalização. Além de receber menos, esse trabalhador é mais vulnerável, pois não conhece ninguém na região: “Quando acontece alguma coisa, em geral eles fogem por não saber a quem recorrer. Mesmo sabendo que a situação está errada, desistem de entrar na Justiça, já que qualquer ação trabalhista demora muito. A maioria se desespera e vai embora sem nenhum tostão no bolso”. Um dos coordenadores do Sindicato, Paulo Sebastião, não atribui a precarização das condições de trabalho somente ao preço baixo do café. “O que mais desvaloriza o trabalho é a mecanização”, diz. “O agricultor não precisa mais capinar nem roçar, só joga o veneno, que faz tudo e mais alguma coisa.” Ele recorda que há 15 anos ganhava-se até três salários mínimos1 por mês na época da colheita e não faltava trabalho no resto do ano. “O fazendeiro segurava você com a família, prevendo o ano que vem.” Hoje os assalariados ganham três vezes menos. Como o empregador não assume praticamente nenhum compromisso com os trabalhadores, todo mundo fica pulando de fazenda em fazenda. A fiscalização é precária. O sub-delegado do Ministério do Trabalho, Paulo Andrade Azevedo, reconhece que a delegacia é carente de pessoal e material. Há só uma caminhonete, um médico, dois engenheiros e sete fiscais para atender 46 municípios sob sua jurisdição. Além do meio rural, a equipe é responsável pela fiscalização de todos os setores produtivos da região. Quando os fiscais encontram situação irregular, notificam o empregador, fazem um relatório e aplicam multa. O sub-delegado alega que, como os fazendeiros empregam muita gente, é difícil regularizar a situação de todos ao mesmo tempo. O Ministério


dá um prazo de cinco dias para os empregadores registrarem a carteira do trabalhador e mais cinco dias, depois do fim da safra, para o acerto de contas. Para o sindicalista Sebastião, é justamente esse mecanismo que tem dado mais espaço para irregularidades. “A carteira de trabalho fica retida durante a safra”, explica. “Se o fiscal não aparecer, o fazendeiro devolve sem registro. E se aparecer, ainda tem dez dias para assinar e deixar tudo em dia.” Sebastião conta que antes, quando a fiscalização era feita na base do flagrante, o proprietário não tinha como evitar punição. Ele critica também o fato de o Ministério do Trabalho não reconhecer essas situações como trabalho escravo. “Os trabalhadores passam fome, dormem no chão, ficam presos em uma região sem poder ir embora e isso é normal. É só ‘trabalho degradante’ ”, ironiza. “Ministério do Trabalho é como feijão, só funciona sob pressão.”

Empobrecimento em Minas Gerais Em Minas Gerais, onde quase 700 dos 853 municípios cultivam café, as histórias de prejuízos e dificuldades são freqüentes nas conversas, até mesmo entre os grandes produtores. “Mexo com café há muitos anos e nunca vi crise tão difícil e duradoura”, consta-

ta o presidente da Comissão do Café da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), João Roberto Puliti. Exemplo de cafeicultor de grande porte, Puliti já produziu 16 mil sacas, mas foi abandonando o cultivo: “Hoje se eu colher 700 já está muito bom”. A prefeita de Três Pontas e presidente da Associação Mineira de Municípios, Adriene Barbosa de Faria, alerta para a crise social: “O empobrecimento é geral e os serviços sociais das prefeituras estão sobrecarregados”. Edésio Pereira do Amaral, dono de 102 hectares, lembra com saudades de 1994. Naquele ano houve geada, o real tinha paridade com o dólar e ele conseguiu vender seu café por até R$ 270. Otimista, aventurou-se a comprar mais terras, o que o deixou endividado com o banco até hoje. Amaral emprega sete trabalhadores fixos e 50 temporários para a colheita, que este ano deve chegar a 2.300 sacas. Depois de ter sido alvo de pressão dos sindicalistas da região, ele hoje mantém uma relação cordial com seus antigos adversários. Paga em média R$ 12 por dia a seus safristas e se orgulha de cumprir todas as regras trabalhistas. O fazendeiro se queixa da concorrência desleal de outro produtor, que lhe tomou trabalhadores trazidos da Bahia oferecendo pagamento um pouco maior, mas sem registrar os empregados.

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Volcafé duplica capacidade Em meio à maior crise de preço do café dos últimos anos, algumas companhias aproveitam para investir. É o caso da Copag, pertencente ao grupo suíço Volcafé, um dos maiores compradores de café do mundo, presente em 25 países. A sede da Copag em Varginha (MG) estava em obras em julho. Seu sócio e gerente geral, João Pedro Alvarenga, informa que irá duplicar a capacidade de armazenamento para um total de 150 mil sacas. As instalações da empresa processam, classificam e armazenam grãos que irão prioritariamente para países como a Alemanha e o Japão, e também para algumas torrefadoras brasileiras. O empresário explica que está sentindo os reflexos da crise, pois o custo de armazenagem ficou maior em relação ao preço da matéria-prima, mas trabalha com um panorama a longo prazo. Sua expectativa é que em 2003 o nível da oferta voltará ao normal, pois a plantação naturalmente produzirá menos. Ele acha que o governo deveria financiar a colheita para o produtor ter condições de arcar com as despesas e não ter pressa para vender. Na avaliação de Alvarenga, os grandes ganhadores com a queda do preço foram o varejo e as torrefadoras do exterior. “Aqui não interessa para ninguém o preço baixo, pois a torrefação e a armazenagem têm um custo fixo e o faturamento diminui. Meu lucro é em cima das sacas vendidas e se o preço fica baixo eu ganho menos”.

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As cooperativas Com 2.300 sócios, 85% de pequeno porte, a Cooabriel (Cooperativa Agrária dos Cafeicultores de São Gabriel da Palha-ES) comercializa 300 mil sacas por ano - a maior parte da variedade robusta - e tem entre seus clientes corporações como Sara Lee e Melitta. Em 39 anos de existência, nunca a empresa enfrentou tamanha dificuldade quanto agora. De um total de 250 empregados, mais de cem foram demitidos no ano passado. “Tivemos que mandar embora gente competente porque não tínhamos condições de pagar os encargos”, lamenta o presidente Antônio Joaquim de Souza Neto. Foi preciso fazer um corte de 62,5% nos custos para garantir a sobrevivência. Antônio defende a adoção urgente de uma política agrícola que ofereça crédito acessível ao produtor. Ele comenta que, até hoje, o negócio do café no Brasil tem vivido com recursos próprios extraídos do setor o Fundo de Desenvolvimento da Economia Cafeeira (Funcafé), mas esses recursos não chegam quando os produtores mais precisam. É o caso do custeio da safra. O dinheiro só chega cerca de 60 dias depois do início da colheita, quando devia estar nas mãos dos produtores 60 dias antes. Investir em produtividade e qualidade são as alternativas mais viáveis para os pequenos produtores enfrentarem a crise, na opinião dele: “Juntos nós seremos fortes”.


e a crise

Concorrência desleal As cooperativas de cafeicultores sofrem não apenas com queda do preço, como também pela concorrência desleal. Várias empresas de café no Brasil trabalham usando firmas laranjas - intermediários que assumem negócios para ocultar a identidade do verdadeiro protagonista da transação. Assim elas vendem com notas frias e usam outros artifícios contábeis para sonegar tributos. Em janeiro de 1999, o então prefeito de São Gabriel da Palha, Paulo Lessa, denunciou a existência de uma “máfia do café” no Espírito Santo2. Segundo ele, as firmas fantasmas atuavam de forma clandestina, provocando uma enorme evasão fiscal. Lessa e sua família sofreram ameaças de morte por causa das denúncias. Na época a Secretaria da Fazenda do Estado desencadeou a Operação Café para coibir as ilegalidades e suspendeu as atividades de 38 empresas compradoras. Um negociante de café que prefere ter a identidade preservada assegura que as fraudes continuam em vários estados. A criatividade dos sonegadores constrói diversas brechas para burlar a lei. O comerciante cita entre os esquemas utilizados o exemplo da exportação fria de café: a empresa dá baixa no café para exportação, envia contêineres vazios para o exterior e vende o produto no mercado interno, sem nota fiscal. Outra fraude freqüente é transportar café entre dois estados com a nota fiscal de outro produto agrícola,

para pagar menos imposto. A proliferação do comércio ilegal prejudica a competitividade das empresas legalizadas, pois estas ficam com custos maiores.

Cooxupé faz investimentos A Cooxupé (Cooperativa Regional dos Cafeicultores de Guaxupé, em Minas Gerais), com 8.600 sócios, 1.100 funcionários e atuação em 56 municípios, é a maior cooperativa de café do mundo e uma das dez maiores exportadoras brasileiras do produto. Embora seus dirigentes afirmem que também sentem os efeitos da crise, a empresa vai investir este ano cerca de R$ 5 milhões (US$ 1,6 milhão) na compra de equipamentos e aluguel de armazéns para receber a produção da supersafra. A capacidade de armazenamento passará de 2,8 para 3,3 milhões de sacas. O superintendente de produção, José Geraldo Rodrigues de Oliveira, diz que a cooperativa não tem outra escolha senão ampliar a estrutura para receber o café. Mas ele considera esse investimento praticamente sem risco, pois há expectativa de uma safra menor no ano que vem. O diretor superintendente da Cooxupé, Joaquim Libânio Ferreira Leite, também é otimista quanto às perspectivas de recuperação: “Em 2002 o preço já chegou ao nível mais baixo, porque no ano passado o mercado incorporou a expectativa de uma grande safra no Brasil”.

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Camarão e frutas Os irmãos Daniel e Isaac Cozzer têm uma propriedade de 23,9 hectares junto com mais dois irmãos em São Domingos do Norte, Espírito Santo. Reféns de empréstimo para custear a safra de café, foram obrigados a vender um carro para pagar o banco. A crise os motivou a buscar alternativas. Hoje o café, que já ocupou quase toda a lavoura deles, corresponde a só 40% da área plantada e responde por 65% da renda da propriedade. A família não pensa em abandonar o cultivo, mas vai reduzi-lo. A meta é, no prazo de três anos, diminuir a participação do café para apenas 40% da renda. “Passamos a investir mais na fruticultura, principalmente goiaba, coco, limão e laranja”, conta Daniel. “Também começamos a criar porcos, peixe e camarão”. Os irmãos fazem parte da associação de produtores de camarão de São Domingos do Norte, o que lhes garante a comercialização do produto. A família tem um caso recente de êxodo rural. O irmão deles, Ângelo Francisco, era agricultor, mas abandonou a terra e foi para Colatina trabalhar como caminhoneiro. Com a queda dos preços do café, os Cozzer cortaram o uso do fertilizante e agora só usam adubo orgânico. Há dez anos não aplicam agrotóxicos na lavoura e já começam a pensar na certificação da propriedade como produtora orgânica. Eles têm outros projetos para agregar valor ao que produzem. Pensam em comprar uma torrefadora pequena, de cerca de R$ 20 mil (em torno de US$ 6,5 mil), e também em vender frutas em polpa congelada. “Hoje a gente perde até 50% da goiaba por causa de defeitos na casca”, conta Isaac. “A polpa pode ser vendida na entressafra da cultura, quando tem um preço melhor”. A idéia é encaminhar esses projetos em parceria com outros agricultores, para reduzir os custos. “A melhor forma para sair dessa crise é a organização”, resume Isaac. “Se o pequeno produtor estiver sozinho, fica fora do mercado”.

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Produtor quer maior intervenção no mercado O diretor superintendente do Conselho Nacional do Café (CNC, entidade de produtores) e presidente da Cooperativa dos Cafeicultores da Região de Garça-SP (Garcafé), Manoel Vicente Bertone, defende uma atuação vigorosa do Estado na regulação da atividade. Para ele, o governo deveria taxar as exportações e intervir no mercado comprando café, de modo a impactar os preços e a receita cambial. Com os recursos arrecadados na tributação, poderia cobrir os custos gerados pela crise e exercer melhor sua responsabilidade social. Ele ressalva que esta é sua opinião pessoal, e não necessariamente a das entidades que representa. Crítico do liberalismo econômico, ele considera essa política responsável por boa parte da miséria existente na cafeicultura. “Governo e setores privados têm o dever de assumir riscos de gestão e de não se acomodar diante da transferência de renda entre setores e países, sempre dos mais pobres para os mais ricos”, assinala. “O café é fortemente tributado nos países consumidores, que sabem se utilizar de seu domínio econômico para gerar riquezas”. Ele lembra que os países em desenvolvimento se serviam dessa mesma tese quando, em épocas de acordos internacionais de commodities, tributavam as exportações do café em parceria com os países desenvolvidos. A prática foi descontinuada com a intensificação da globalização. “Acho que o mundo já está acordando para a perversidade desse modelo”.

Desemprego Bertone está convicto de que a alegada competitividade brasileira às custas da mão-de-obra barata e dos preços baixos não compensa os custos sociais internos: “O enorme diferencial entre o preço de nosso café e o dos nossos concorrentes indica que estamos abrindo mão de receitas cambiais absolutamente importantes para nosso país”. Ele alerta para o risco de desemprego em massa na cafeicultura brasileira dentro de poucos meses, com efeitos danosos não só nas áreas rurais, como também para quem vive nas cidades. “A retração econômica implica queda da arrecadação fiscal, êxodo rural e aumento de violência” , constata. “É o Estado pagando junto com os produtores o preço de uma agressividade comercial que deveria estar sendo mais bem dosada, em benefício da sociedade brasileira”. Para ele, não faz sentido que uma atividade de tamanha dimensão econômica não seja utilizada como instrumento de justiça social. “O Brasil tem papel importante nessa discussão, dada sua liderança na economia cafeeira”, acredita. No campo da organização da sociedade civil, o cooperativismo é apontado pelo cafeicultor como um potente instrumento para redistribuir renda.


Os intermediários

Jorge (nome fictício) cultiva café em uma propriedade de 240 hectares e também atua como intermediário no Espírito Santo. Ele entrou no comércio há um ano, para compensar a redução de sua renda como produtor. Com a ajuda de dois carregadores e um motorista, administra uma empresa informal instalada em um velho galpão de madeira no norte do estado. Responsável por um comércio “formiga”, ele negocia em torno de 3 mil sacas por mês, com uma margem de lucro de R$ 3 (cerca de US$ 1) por saca. Não vende direto para os exportadores, pois lhe falta estrutura para beneficiar o café e atender as normas da Vigilância Sanitária. Seus compradores são intermediários maiores. “Ou você fica sem trabalhar ou comercializa na clandestinidade, como estou fazendo”, afirma. O comerciante conta que é preciso ter cacife se quiser entrar no jogo grande. Para abrir uma firma de comércio de café legalizada, calcula que precisaria ter um capital de no mínimo R$ 200 mil (em torno de US$ 65 mil) para investir em instalações, máquinas eletrônicas de beneficiamento e na contratação de pessoal treinado para operá-las. Como a concorrência é grande entre os intermediários, ele alega que ficaria sem preço competitivo se pagasse os tributos. Jorge arrisca a estimativa de que 90% dos comerciantes de café não são oficialmente registrados.

Valdir Laureti, comerciante com firma legalizada em São Gabriel da Palha (ES), representa mais um elo na corrente de intermediários do café. Ele afirma movimentar 30 mil sacas por mês - dez vezes mais que seu concorrente informal - e obter uma margem bruta de R$ 5 (US$ 1,60) por saca. Diz que, depois de pagas todas as despesas, sobra pouco - porém não se queixa do movimento: “O giro nunca foi tão alto como este ano. Vendi bem, mas se o preço fosse mais alto dava para ganhar mais”. Cerca de dois terços do café que compra são repassados a uma torrefadora e o restante vai para exportadores de Vitória. Sua empresa emprega 25 trabalhadores, mas pretende demitir oito no prazo de dois meses para reduzir despesas. Laureti faz uma comparação para mostrar o efeito prático da queda do preço do café na sua vida profissional: “Em 1986 cheguei a comprar um caminhão pequeno com 80 sacas, mas hoje preciso de 700”. Ele diz que não tem condições de entrar na torrefação, porque esse é um negócio que exige muito capital. O comerciante acha que o café orgânico pode ser um bom negócio, mas que é preciso movimentar pelo menos 10 mil sacas certificadas por mês para compensar os custos e sua firma não possui estrutura para isso. Laureti estima que nove em cada dez cafeicultores que conhece estão endividados.

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Comércio abalado Rua principal de São Domingos do Norte, município de 7.500 habitantes no Norte do Espírito Santo. São 11h da manhã de um dia útil. Sentado em uma cadeira na calçada, Domingos Ballastrini, 74 anos, mata o tempo afiando um pedaço de madeira com um canivete. Há meio século ele é proprietário da loja de ferragens Ballastrini e Cia Ltda. Seu estabelecimento está vazio de clientes. Também começam a escassear as mercadorias, pois ele não tem condições de repor o estoque. “Hoje ainda não entrou sequer um centavo em caixa”, conta. “Ontem só vendi dez reais” (US$ 3,10). Nem sempre foi assim. Já houve época de grande movimento, em que ele e os dois filhos tinham funcionários ajudando no balcão. Vendiam de tudo: eletrodomésticos, tecidos, material de construção, ferramentas. O dinheiro girava. Hoje a loja é uma caricatura melancólica dos anos de fartura. Ballastrini foi forçado a alugar parte do espaço do comércio para uma igreja evangélica. Ele tem quase R$ 40 mil (US$ 13 mil) em créditos a receber dos clientes de caderninho - todos gente honesta, mas sem condições de pagar. “Passo o dia cheirando poeira”, diz. “A gente se alimenta de esperança, mas estou na iminência de fechar.”

Em busca de alternativas Nichos de mercado Os cafés especiais, orgânicos e certificados com o selo de “comércio justo” têm sido apontados como alternativas promissoras para a agricultura familiar. De uma produção de 100 mil sacas de café orgânico prevista para este ano, o Brasil deve exportar 70 mil - um crescimento de 191% em relação a 2001, segundo a Associação dos Produtores de Café Orgânico do Brasil. O preço é 50% superior ao do convencional e a demanda cresce 20% ao ano3. Mas é importante não enxergar nesses nichos de mercado uma saída milagrosa para a crise. Eles não estão acessíveis a todos os agricultores pobres, pois demandam técnicas que levam tempo para adotar. E o problema da cafeicultura é emergencial. Para colocar café orgânico no mercado, os produtores precisam conseguir a certificação. Trata-se de um mecanismo de mercado que oferece a um consumidor diferenciado a chance de escolher um produto ou processo produtivo diferenciado, explica Laura Prada, do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora): “A mensagem é a seguinte: ‘Dê preferência ao meu produto porque eu, cafeicultor, tenho responsabilidade em relação aos trabalhadores, à comunidade do entorno e ao meio ambiente’. O produtor que quiser acessar este mercado diferenciado vai ter que cumprir critérios que a sociedade definiu como justos ou aceitáveis.”

Um exemplo bem-sucedido

A gente se alimenta de esperança.

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Domingos Ballastrini, comerciante.

Um exemplo de como a cafeicultura orgânica está sendo trabalhada vem do município de Nova Venécia (ES). Desde 1995, Maria Helena Mantovanelli e seu marido Alcione Puttin desenvolvem a agricultura sustentável em sua propriedade de 25 hectares. Plantam banana, caju, coco, manga, maracujá e café sem o uso de adubo químico ou pesticida. Com uma lavoura de 40 mil pés, o casal produziu este ano 300 sacas orgânicas. No processo de certificação eles abandonaram as técnicas convencionais e submeteram o solo e a água a auditorias. Precisaram comprovar a preservação de matas ciliares e a legalidade da situação dos empregados. Em torno de R$ 2.100 (US$ 680) foram gastos nos trâmites. Atualmente eles fornecem para duas empresas brasileiras. No início os custos de produção do café orgânico são mais altos, mas em três a quatro anos se igualam aos do café convencional. Depois de oito anos a tendência é caírem mais, graças à economia com insumos. A broca do café, por exemplo, é combatida via controle biológico, a vespa-de-uganda. Maria Helena enfatiza a função social de seu sítio: “Temos o compromisso de conscien-


tizar os outros agricultores a produzir sem veneno”, diz. “Quando eles tiverem a maturidade de entender as vantagens, só vão ganhar com isso.” A biodiversidade já ganhou. Sua propriedade é cheia de pássaros, coelhos selvagens, capivaras, papagaios e até macacos, animais raros na região. O trabalho conta com o apoio da Prefeitura de Nova Venécia, do Instituto Capixaba de Pesquisa e Extensão Rural (Incaper), da Pastoral da Saúde e da Agência Regional de Comercialização (Arco).

Algumas ações do Governo Ministério da Agricultura O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento lançou no início de agosto contratos de opção de venda de café de produtores e cooperativas de produção. Até outubro serão ofertadas 6 milhões de sacas - 78,2% de arábica, porque esse é o percentual dessa variedade na safra brasileira. Recursos de R$ 765 milhões foram destinados para essas operações. O ministro da Agricultura, Marcus Vinicius Pratini de Moraes, também anunciou a inclusão do produto na política de garantia de preços mínimos e a liberação de R$ 320 milhões (US$ 103 milhões) para o programa de apoio às exportações. Entre R$ 400 e 500 milhões (US$ 130 a 163 milhões) adicionais foram destinados pelo governo ao custeio da safra 2002/20034. “Esse programa de apoio à cafeicultura foi desenvolvido para preservar o parque nacional e sustentar os preços no momento em que a cotação internacional do café é afetada pelo excesso de oferta”, afirmou Pratini de Moraes. Segundo o governo, o Banco do Brasil vai financiar 80% do valor da saca para

estocagem, o suficiente para um volume de quatro milhões de sacas. “Estamos fortalecendo a capacidade financeira dos produtores para exportação, pois eles estão tendo dificuldades para renovar as linhas de crédito de adiantamentos de contratos de câmbio”, disse o ministro.

Fundo Verde e Amarelo O governo federal pretende desenvolver um projeto de parceria com os cafeicultores para agregação de valor e promoção do café brasileiro no exterior. Segundo o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Sérgio Amaral, os exportadores poderão contar com uma nova linha de crédito, o Fundo Verde e Amarelo. “Para exportação do café o objetivo será produzir, processar, torrar, embalar e colocar no supermercado”, afirmou. Amaral estima que os ganhos dos produtores poderão passar para até 40% do valor final que é vendido a varejo nos supermercados da Europa e Estados Unidos5. O Fundo Verde e Amarelo é do Ministério da Ciência e Tecnologia e tem um orçamento de R$ 80 milhões (US$ 26 milhões) para este ano, com parte dos recursos destinados aos setores de café e couro. Essa parceria entre governo e empresários prevê também a busca de novos mercados por meio da negociação de melhores tarifas. Amaral disse que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vai financiar empresas brasileiras que queiram se estabelecer em outros países para vender seus produtos. Um dos mercados em prospecção é a China6. Estimativa da Associação Brasileira das Indústrias de Café Solúvel (ABICS) aponta que o consumo diário de duas xícaras de café por 10% da população chinesa aumentaria as exportações brasileiras em 12 milhões de sacas7.

Para onde levam esses caminhos... Os testemunhos apresentados aqui, muito antes de pretender dar conta da complexidade do tema do café, visam chamar a atenção para um dos aspectos cruciais desta crise: seu lado social. Queremos ultrapassar a discussão econômica, as leis de mercado e mostrar que estamos tratando de pessoas com nome e endereço. Seres humanos que estão sofrendo agora e não podem esperar. Não foi nossa pretensão aprofundar o tema nem esgotar as visões e opiniões. É preciso contextualizar os limites deste trabalho, realizado em menos de três meses. Pouco tempo em comparação ao tamanho do desafio. Porém, consideramos que esta pode ser uma contribuição para despertar o interesse da sociedade brasileira e mesmo de outros países para a problemática do café no Brasil, um dos gigantes do mundo nesse produto.

Muitos dos testemunhos e das informações levantadas indicam caminhos, possibilidades, desafios. As ações do governo federal, por exemplo, buscam tratar da crise. Porém, estão ainda distantes daqueles que sofrem os maiores impactos. No próximo capítulo, apresentamos as propostas dos agricultores familiares e assalariados rurais. Esta reportagem buscou contribuir para a campanha global e nacional lançadas em 18 de setembro de 2002, uma iniciativa que reúne organizações de distintos países. Duas partes da publicação fazem essa conexão: uma sobre o que estão dizendo as grandes torrefadoras transnacionais; e outra com as propostas da campanha internacional, incluídas no chamado “Plano de Resgate para o Café”.

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Referências 1 O salário mínimo no Brasil atualmente é de R$ 200 (US$ 65). 2 A Gazeta, 22, 23 e 24/01/99 e 08/07/99, Vitória (ES). 3 Gazeta Mercantil, 09/08/2002. 4 Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. http://extranet.agricultura.gov.br/. 5 Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Discurso do ministro Sérgio Amaral. http://www.mdic.gov.br/imprensa/radio/ 20020522Cafe.mp3. 6 Gazeta Mercantil, 22/05/2002. 7 Folha de S. Paulo, 23/05/2002.

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PROPOSTAS

para a crise do café

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BRASIL

Propostas dos agricultores * familiares e assalariados rurais A agricultura familiar e os assalariados rurais formam o elo mais vulnerável da cadeia produtiva do café. É onde o impacto social e econômico da crise atual pode ser percebido de forma mais dramática. Enquanto as transnacionais do café aumentam seus lucros com o produto, os agricultores familiares abandonam suas lavouras e os trabalhadores rurais ligados ao setor vêm perdendo seu emprego e tendo as suas condições de trabalho precarizadas. Portanto, são necessárias medidas urgentes que viabilizem a cultura do café como um produto de sustentação e fortalecimento da agricultura familiar no Brasil, bem como de condições de trabalho dignas para os assalariados e assalariadas rurais.

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Estas propostas foram aprovadas durante Encontro Nacional realizado em Vitória (ES) nos dias 20 e 21 de agosto de 2002, organizado pela Contag, CUT e Oxfam. O encontro contou com o apoio da Action Aid Brasil, Federação dos Trabalhadores na Agricultura, do Estado do Espírito Santo (Fetaes) e Secretaria Estadual da Agricultura(ES).


TORREFADORAS DE CAFÉ Compromisso com um diálogo propositivo com a representação dos agricultores familiares. Compromissos claros com respeito à garantia dos direitos dos trabalhadores envolvidos na produção do café, incluindo o financiamento de mecanismos efetivos de monitoramento. Investimento de recursos em programas de melhoramento da qualidade do café produzido pela agricultura familiar.

GOVERNO Agricultura Familiar Participação de representantes dos agricultores familiares e trabalhadores no Conselho Deliberativo da Política do Café (CDPC). Participação de representantes dos agricultores familiares e trabalhadores nas reuniões internacionais da Organização Internacional do Café (OIC) e outras instâncias internacionais relevantes. Implementação de políticas específicas para o café dentro do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), incluindo recursos do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé) que fortaleçam a extensão e a assistência técnica voltadas para a qualidade do café e a diversificação da produção; além de capacitação em estocagem, marketing e transformação do café para exportação direta. Negociação das dívidas existentes junto ao Pronaf. Política de garantia de preços mínimos para o café da agricultura familiar. Ações para o fortalecimento da participação da agricultura familiar no mercado de Comércio Justo do café. Acesso a terra, através da reforma agrária e da expansão do crédito fundiário, para que os meeiros, arrendatários e filhos de pequenos proprietários possam melhorar suas condições de vida na produção do café. Realização de pesquisa sobre o perfil da produção de café no Brasil, que identifique a participação e condições dos agricultores familiares e assalariados rurais, feita em conjunto com as suas representações. Criação de um selo de qualidade e origem da produção de café da agricultura familiar, com a participação do governo. Política de marketing internacional que melhore a imagem do café do Brasil. Estabelecimento de um mecanismo para monitoramento da competição efetiva entre torrefadores e outros atores da cadeia. Transparência sobre os preços para produtores e consumidores em cada região e disseminação dessas informações aos pequenos produtores. Campanha de esclarecimento ao consumidor brasileiro sobre a qualidade do café.

Assalariados rurais Criação de uma legislação específica para que o contrato de safra seja feito de forma coletiva, através dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STRs), garantindo os direitos trabalhistas e previdenciários. Aumento da fiscalização no meio rural realizada pelas Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs), garantindo a aplicação das leis e normas que protegem os direitos dos trabalhadores. Suspensão do crédito público aos empregadores que desrespeitarem as legislações trabalhista e previdenciária. Criação de um programa de capacitação dos trabalhadores quanto ao uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), manuseio de produtos químicos e técnicas que diminuam os riscos de acidentes no campo.

As propostas de políticas domésticas apresentadas devem ser complementadas por uma negociação do governo junto aos países produtores, buscando encontrar mecanismos que gerenciem a produção e os preços.

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PROPOSTA INTERNACIONAL

Um plano de

É necessário um Plano de Resgate para o Café que realinhe a oferta com a demanda e apóie o desenvolvimento rural, de modo que os cafeicultores possam ter uma renda decente. O plano precisa reunir os principais atores envolvidos na produção e no comércio do café para que a crise seja superada e se possa criar um mercado mais estável. Dentro de um ano, e sob os auspícios da OIC, o Plano de Resgate deve resultar em: 1. Compromisso das empresas torrefadoras de pagar um preço decente aos produtores. 2. Compromisso das empresas torrefadoras de só comercializar cafés que satisfaçam aos padrões do Esquema de Melhoria da Qualidade da OIC. 3. Destruição de pelo menos cinco milhões de sacas como medida imediata, a ser financiada por governos de países ricos e por empresas torrefadoras. 4. Criação de um Fundo de Diversificação destinado a ajudar produtores com baixa produtividade a buscar outros meios de vida. 5. Compromisso, por parte das empresas torrefadoras, de comprar volumes crescentes de cafés comercializados de acordo com as condições propostas pelo movimento do Comércio Justo e diretamente dos produtores. Dentro de um ano, esse volume deve corresponder a 2%, com aumentos incrementais subseqüentes.

O Plano de Resgate representa o piloto de uma Iniciativa de Gestão de Commodities, de prazo mais longo, destinada a melhorar os preços destes produtos e a disponibilizar outros meios de vida para os produtores. Os resultados desse plano seriam os seguintes, entre outros: 1. Estabelecimento de mecanismos, por parte dos produtores e dos governos de países consumidores, para corrigir o desequilíbrio entre oferta e demanda, visando garantir preços razoáveis para os produtores. Os produtores devem estar adequadamente representados nesses esquemas. 2. Cooperação entre governos de países consumidores no sentido de impedir que entre no mercado

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um volume maior de commodities do que pode ser vendido. 3. Apoio aos países produtores para que estes extraiam uma parcela maior do valor de seus produtos de commodity. 4. Amplos financiamentos de doadores para reduzir a enorme dependência que os pequenos produtores têm de commodities agrícolas. 5. Fim dos duplos padrões adotados pela União Européia e pelos Estados Unidos no comércio de produtos agrícolas, que restringem as opções dos países em desenvolvimento. 6. Pagamento, pelas empresas, de um preço decente por produtos primários (acima dos custos de produção).


resgate para o café

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Varejistas (supermercados e cafés) O Plano de Resgate para o Café só poderá ser bem-sucedido se todos os atores deste mercado se envolverem ativamente na sua execução. As recomendações apresentadas a seguir incluem elementos do que cada grupo pode fazer para que o plano funcione.

Empresas de café Empresas torrefadoras – Kraft, Nestlé, Procter & Gamble e Sara Lee 1. Comprometam-se a pagar um preço decente aos produtores. 2. Invistam um volume significativo de recursos na superação da crise do café (incluindo uma contribuição financeira para pacotes de ajuda humanitária contra a crise). 3. Rotulem produtos a base de café de acordo com a sua qualidade. 4. Comprometam-se a comprar volumes crescentes de cafés comercializados de acordo com as condições propostas pelo movimento do Comércio Justo e diretamente dos produtores. Dentro de um ano, o volume deve corresponder a 2% de suas compras de café, com importantes aumentos incrementais subseqüentes a serem determinados anualmente pelo movimento do Comércio Justo. 5. Desenvolvam atividades de lobby junto ao governo dos Estados Unidos para que este volte a ser membro da OIC.

1. Exijam dos fornecedores que o café vendido por eles garanta um preço decente aos produtores. 2. Promovam marcas e produtos à base de café vinculados ao movimento do Comércio Justo. 3. Insistam para que produtos a base de café sejam rotulados de acordo com a sua qualidade. 4. A Starbucks deve divulgar publicamente suas verificações em relação à viabilidade comercial de suas diretrizes para a seleção de fontes para a compra de café.

Governos e instituições Organização Internacional do Café 1. Organizem, com a ONU (Organização das Nações Unidas) e com a participação do Banco Mundial, uma conferência de alto nível sobre a crise do café, presidida por Kofi Annan, até fevereiro/março de 2003, especificando que a participação deve estar vinculada à disposição e capacidade de assumir compromissos concretos. 2. Trabalhem com países produtores, organizações envolvidas no movimento do Comércio Justo e empresas torrefadoras para definir uma renda decente para os produtores. 3. Implementem o esquema de qualidade, após avaliar seu impacto para pequenos produtores rurais.

6. Assumam compromissos claros e verificáveis de respeitar os direitos de trabalhadores migrantes e sazonais e as convenções da OIT. *Este plano faz parte da campanha global O que tem no seu café, da Oxfam Internacional.

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Banco Mundial 1. Identifique o apoio que o Banco pode oferecer a países produtores na administração do impacto de curto prazo de baixas no preço do café, tecendo, também, considerações sobre o desenvolvimento rural no exercício do Documento de Estratégias para a Redução da Pobreza (PRSP). O Banco Mundial e o FMI devem desenvolver uma estratégia integrada de longo prazo para atacar o problema das commodities. 2. Continue a avaliar o processo do programa HIPC à luz da queda esperada nas receitas de exportação, em decorrência da baixa nos preços dos produtos primários, e tome as medidas necessárias para que qualquer país que sofra os efeitos de uma queda importante nos preços de produtos primários entre o Ponto de Decisão e Conclusão da HIPC receba automaticamente uma assistência adicional em relação à dívida no Ponto de Conclusão para cumprir a meta de 150% de dívida-exportações. 3. Contribua para a realização de uma conferência internacional de peso sobre o café, organizada pelas Nações Unidas (UNCTAD) e pela OIC até fevereiro/março de 2003.

Governos de países produtores 1. Cooperem entre si para impedir que entre no mercado um volume de commodities maior do que possa ser vendido. 2. Coloquem a diversificação no centro das estratégias de redução da pobreza. 3. Disponibilizem mecanismos de apoio a produtores que precisam sair do mercado do café, incluindo assistência a mulheres deixadas em propriedades rurais da família. 4. Adotem medidas para satisfazer as necessidades imediatas de produtores rurais em termos de serviços de extensão, entre os quais: · informações técnicas e de comercialização, · esquemas de crédito e serviços de gestão de dívidas. Os serviços de extensão devem considerar, particularmente, as necessidades das mulheres produtoras. 5. Estabeleçam sanções contra práticas comerciais anticompetitivas que prejudiquem pequenos produtores rurais. 6. Avaliem o impacto do Esquema de Qualidade da OIC para pequenos cafeicultores, principalmente para mulheres produtoras. 7. Protejam os direitos de trabalhadores sazonais e fixos, visando garantir a aprovação e a implementação de leis trabalhistas compatíveis com convenções essenciais da OIT. Os direitos das mulheres trabalhadoras exigem atenção especial.

Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) 1. Desenvolva uma estratégia de longo prazo para o problema dos produtos primários. 2. Organize uma conferência internacional de peso sobre o café com a OIC até fevereiro/março de 2003.

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8. Promovam associações de pequenos produtores e empresas visando a fortalecê-los nos mercados nacionais de café.

Investidores 1. Estimulem as empresas torrefadoras a adotar esquemas de gerenciamento de cadeias de abastecimento e políticas de preços que garantam preços acima dos custos de produção e protejam os direitos trabalhistas dos trabalhadores em cafezais, visando garantir a sustentabilidade do mercado do café no longo prazo.


Governos de países ricos consumidores 1. Ofereçam apoio político e financeiro para eliminar o problema da superoferta por meio de medidas, tais como: · apoio e ajuda financeira ao esquema de qualidade da OIC, incluindo o monitoramento da qualidade do café que entra em seus mercados oriundo de cada país produtor, disponibilizando rapidamente informações resultantes desse monitoramento; · eliminação das tarifas ainda em vigor; · destruição de estoques de café de qualidade inferior. 2. Apóiem a OIC como o foro no qual produtores e consumidores podem atacar a crise do café. 3. Aumentem o financiamento destinado ao desenvolvimento rural e aos meios de vida rurais na ODA (Assistência Externa ao Desenvolvimento). 4. Ofereçam incentivos para que as torrefadoras transfiram tecnologia e desenvolvam uma proporção maior do processamento de valor agregado nos países em desenvolvimento.

Consumidores 1. Comprem mais cafés comercializados no âmbito do movimento do Comércio Justo. 2. Peçam aos varejistas que estoquem mais produtos comercializados no âmbito do movimento do Comércio Justo. 3. Exijam que as empresas adotem políticas de preços que garantam uma renda decente aos produtores. 4. Exijam uma melhor rotulação sobre a origem do café comercializado pelas torrefadoras/varejistas. 5. Peçam aos gerentes de fundos de pensão que levantem as questões indicadas abaixo.

2. Digam às empresas de café nas quais investem que a promoção de melhorias na qualidade de vida de produtores rurais pobres será um critério-chave na avaliação da gestão do risco de sua reputação à luz dos preços que adotam e de sua gestão da cadeia de abastecimento.

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O que dizem as

CORPORAÇÕES 53


KRAFT Declarações sobre Responsabilidade Social Corporativa

Opiniões sobre a crise

O mercado encontrará sua própria solução à medida que países e produtores forem sendo empurrados para fora dele naturalmente. Nosso papel está do lado da demanda – o papel da Kraft consiste em aumentar o consumo3. Como produtores originais de mercadorias não processadas que são vitais para nossos produtos de qualidade, os cafeicultores precisam ter um nível geral de retorno financeiro aceitável para continuarem a ser participantes viáveis do setor do café no longo prazo4.

Opiniões sobre o controle da superoferta no mercado do café, incluindo o esquema de qualidade da OIC

Nossa função na indústria do café é oferecer produtos à base de café a preços razoáveis, que satisfaçam as expectativas de nossos consumidores tanto em termos de qualidade como de valores. O esquema de qualidade proposto pela OIC constitui uma maneira de se mudar o atual ambiente desfavorável de preços. Portanto, estamos avaliando esse programa cuidadosamente para compreender suas implicações para nossos complexos negócios globais e sua possível contribuição para uma abordagem construtiva à atual situação do mercado6. Não vai dar certo. Nunca deu certo porque se trata de um esquema voluntário e seu objetivo não é claro. Nos opomos fundamentalmente a qualquer esquema que implique intervenções nos preços7.

Medidas tomadas para atacar a crise

A Kraft gastou US$ 500 mil num esquema de melhoria da qualidade no Peru. A empresa afirma que seus esforços, empreendidos conjuntamente com uma cooperativa local, a Cocla, para introduzir melhores padrões de qualidade, melhoraram o preço que o Peru recebe por seu café. A Kraft também apóia mecanismos de melhoria da qualidade implementados no Vietnã, principalmente na área de produção de café da variedade arábica de Tan Lam, juntamente com as empresas Douwe Egberts, GTZ e Tan Lam6.

Preços e ágios pagos pelo café 11

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A empresa Kraft Foods compartilha com seus consumidores, clientes e a indústria do café como um todo a preocupação com a sustentabilidade de longo prazo de cafés de boa qualidade. Isso significa que apoiamos... Um padrão de vida decente e cada vez melhor para os produtores de café e suas famílias1.

A Kraft paga um ágio pela qualidade de uma grande proporção do café verde que a empresa compra. Em sua grande maioria, o nosso café é comprado de empresas exportadoras nos países de origem. Portanto, não podemos avaliar diretamente a magnitude dos benefícios que produtores específicos usufruem. No entanto, acreditamos, de um modo geral, que os produtores de café aos quais pagamos um ágio pela qualidade recebem preços mais altos do que receberiam na ausência desses pagamentos diferenciados12.


NESTLÉ Daqui a alguns anos, nos perguntarão não apenas se maximizamos o valor de curto prazo da empresa para nossos acionistas, mas também nos farão outras perguntas mais difíceis. Entre as quais, certamente, a seguinte: “O que vocês fizeram para ajudar a combater a fome nos países em desenvolvimento2?” A Nestlé está preocupada com a situação dos produtores de café, que atualmente recebem preços historicamente baixos por suas safras. Essa situação gera pobreza e sofrimento crescentes para eles e suas famílias. A Nestlé é contra esses preços baixos, pois eles não são ruins apenas para os produtores, mas também para os negócios da empresa. Embora reduzam o custo de matérias primas no curto prazo, preços baixos inevitavelmente geram preços altos, pois são essas oscilações muito acentuadas que têm um impacto negativo sobre os nossos negócios5. A Nestlé apóia plenamente o Esquema de Melhoria de Qualidade da OIC e sua aplicação, já que ele diz respeito à exportação de café verde de países produtores8. A Nestlé considera a OIC como a melhor plataforma para o estabelecimento de um mecanismo de estabilização de preços, uma vez que o sucesso de uma iniciativa desse tipo exige um compromisso por parte de governos de países produtores e importadores. A menos que criemos um sistema completamente novo, a OIC continua sendo o único foro viável. A Nestlé apóia qualquer esforço coordenado que envolva governos, o setor do café como um todo, agências intragovernamentais e ONGs para eliminar o ciclo de prosperidade e colapso e ajudar os produtores de café individualmente9.

A Nestlé tem diversos projetos em andamento para ajudar a melhorar a situação do pequeno produtor. O México é um exemplo dessa iniciativa10.

1 Kraft Foods ’Sustainability an important issue in the brand orientated food industry’, texto apresentado à Oxfam em 23 de abril de 2002 2 Peter Brabeck-Lemathe, diretor-presidente da Nestlé, 30 de novembro de 1999 “The Search for Trust”. 3 Entrevista com a Oxfam, 23 de abril de 2002 4 Carta ao Senador Sam Farr, 7 de março de 2002

Cerca de 13% do nosso café são comprados diretamente e com um ágio pela qualidade. O mecanismo usado para garantir que o produtor rural seja beneficiado com um ágio varia de país a país, mas temos controles para garantir a efetiva disponibilização desse benefício em todos os casos.2

5 Low coffee prices Causes and Potential Solutions – Apresentação ao CSR Europa, 12 de julho de 2002 6 Carta à Oxfam, 26 de junho de 2002 7 Entrevista com a Oxfam, 23 de abril de 2002 8, 9, 10,12 Carta à Oxfam, 26 de junho de 2002 11 Nenhuma empresa se dispôs a revelar os preços médios pagos pelo café

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PROCTER & GAMBLE Declarações sobre Responsabilidade Social Corporativa

A P&G tem sempre desenvolvido seus negócios com integridade e com base no princípio da empresa de “fazer a coisa certa”. Há muito tempo temos sido líderes na gestão de recursos humanos e na compensação e concessão de benefícios a nossos funcionários garantimos segurança no local de trabalho, mecanismos de manejo ambiental em nossas operações, práticas comerciais éticas e envolvimento nas comunidades onde mantemos operações1.

Opiniões sobre a crise

Nenhum participante do mercado do café pode negar a crise2. Reconhecemos os problemas sociais que muitas famílias produtoras de café estão enfrentando em decorrência da situação atual de superprodução global e preços baixos. A P&G está empenhada em ajudar nas questões sociais e econômicas subjacentes que contribuem para essa situação e queremos trabalhar com organizações respeitáveis que possam nos ajudar a desenvolver soluções sistêmicas de longo prazo3.

Opiniões sobre o controle da superoferta no mercado do café, incluindo o esquema de qualidade da OIC

Medidas tomadas para atacar a crise

Preços e ágios pagos pelo café 11

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Apoiamos os esforços da Associação Nacional do Café para identificar mecanismos que visem garantir uma oferta adequada e sustentável de café nas faixas de qualidade exigidas pelos consumidores, levando em consideração, também, necessidades sociais e ecológicas. Apoiamos, também, esforços como os concursos Cup of Excellence (xícara de excelência), que promovem os melhores cafés produzidos nos países que sediam esses concursos5. A P&G apóia a postura da Associação Nacional do Café em relação à crise do café. A P&G não pretende apoiar o Esquema da OIC porque ele não se afina com as propostas da Associação Nacional do Café. Como empresa, temos apoiado países produtores de café em três níveis: Local - Contribuições de diversos escritórios da P&G em todo o mundo, no Brasil, no México e na Venezuela, para a construção de escolas. De Unidade Comercial - US$ 1,5 milhão em financiamentos concedidos a uma organização sem fins lucrativos, a Technoserve, para ajudar pequenos produtores de café. Corporativo - A P&G paga contribuições a organizações como a The Nature Conservancy e a esforços para aliviar os efeitos de desastres naturais7.

A P&G compra um alto percentual de seu café diretamente de exportadores que têm escritórios em países produtores. Os funcionários do nosso Departamento de Café Verde passam muito tempo nesses países trabalhando com os exportadores; esses exportadores ajudam a traduzir nossas necessidades locais em termos de qualidade na cadeia local de abastecimento.


SARA LEE O objetivo da Sara Lee é usar seu poder de compra para influenciar as pessoas e empresas das quais ela compra produtos e contrata serviços no sentido de que elas: abracem elevados padrões de comportamento ético, observem todas as leis e regulações aplicáveis e tratem seus funcionários de maneira justa, com dignidade e respeito, de modo a promover seu bemestar, melhorar sua qualidade de vida e estimulá-los para que sejam cidadãos socialmente responsáveis nos países e comunidades nos quais desenvolvem suas atividades. A Sara Lee e a indústria do café como um todo não consideram essas flutuações (de preço) a partir da perspectiva de promover os interesses dos produtores locais, da indústria ou do consumidor4.

A Sara Lee não se sente à vontade com a idéia de se lançar esquemas de apoio aos preços do café. O mercado precisa restabelecer o equilíbrio entre a oferta e a demanda. Acreditamos que a melhor solução seria … melhorar a qualidade do café no nível local. Compensar os produtores de café pelo ônus de uma renda mais baixa pagando preços artificialmente garantidos constitui um incentivo para a superprodução e gera posições discriminatórias indesejadas no mercado do café verde. Por essa razão, a Sara Lee não promoverá ou iniciará qualquer esquema de comercialização de café no nível proposto pelo movimento do Comércio Justo6. O apoio dado pela Sara Lee inclui “a execução de projetos em países produtores (Vietnã, Uganda, Brasil) para ajudar produtores de café e suas famílias a melhorar suas condições de vida, desenvolvendo e implementando métodos de produção que provoquem o menor impacto possível sobre o meio ambiente e melhorem a qualidade do café cultivado, garantindo preços mais altos no mercado para o produto”8.

1 Declaração da P&G sobre Responsabilidade Social Corporativa, julho de 2002 www.pg.com/ about_pg/corporate/ sustainability/faq 2 Entrevista com a Oxfam, 11 de junho de 2002 3 Documento sobre Produção Sustentável de Café apresentado à Oxfam em 11 de junho de 2002

Na compra de café verde, a Sara Lee manterá sua Política para Pequenos Produtores (adotada desde 1989), no âmbito da qual ela se compromete a comprar pelo menos 10% de todo o seu café diretamente de pequenos produtores e associações de pequenos produtores, desde que eles garantam a qualidade exigida e preços acordados9.

4 Entrevista com a Oxfam, 10 de junho de 2002 5 ibid 6 ibid 7 Site da Folgers, página da Proctor and Gamble. 8 e 9 Carta à Oxfam, 19 de junho de 2002

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