INSTITUTO OBSERVATÓRIO SOCIAL CONSELHO DIRETOR CUT - SRI - OIT - Kjeld A. Jakobsen (Presidente) CUT - INST - Rita de Cássia Evaristo CUT - SNF - Altemir Antônio Tortelli CUT - SPS - Pascoal Carneiro CUT - SNO - Rafael Freire Neto CUT - CNMT - Maria Ednalva B. de Lima CUT - CIOSL - José Olívio M. de Oliveira CUT - Desep - Lúcia Regina dos S. Reis DIEESE - Wagner Firmino Santana e Mara Luzia Feltes UNITRABALHO - Francisco Mazzeu e Sidney Lianza CEDEC - Tullo Vigevani e Ronaldo Baltar Membros da Coordenação Geral
COORDENAÇÃO GERAL Arthur Borges Filho - Coordenador Administrativo e Financeiro Clemente Ganz Lúcio - Coord. Técnico Nacional Clóvis Scherer - Coord. da Sede Sul José Olívio M. de Oliveira - Secret. Geral Adjunto da CIOSL Karina P. Mariano - Coord. da Sede SP Kjeld A. Jakobsen - Presidente do Conselho Diretor Maria Ednalva B. de Lima - Coord. da CNMT/CUT Maria José Coelho - Coord. de Comunicação Odilon Luís Faccio - Coord. de Desenvolvimento Institucional Pieter Sijbrandij - Coord. de Projetos Rafael Freire Neto - Secret. Nacional de Organização da CUT Rogério Valle - Coord. da Sede RJ Ronaldo Baltar - Coord. do Sistema de Informação
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S O C I A L
REVISTA
CONSELHO EDITORIAL Clemente Ganz Lúcio Kjeld A. Jakobsen Maria José Coelho Odilon Luís Faccio Pieter Sijbrandij EDITORA Maria José H.Coelho (Mtb 930Pr) REDAÇÃO Dauro Veras (SC-00471-JP) Sandra Werle (SC-00515-JP) FOTOGRAFIA Banco Imagens OS: Ebner Gonçalves, Harry Meijer,Rosane Lima e Sérgio Vignes, Salete ILUSTRAÇÕES Frank Maia EQUIPE DE COMUNICAÇÃO Alessandra Pires, Dauro Veras, Maria José H. Coelho, Sandra Werle, Walter André Pires PROJETO GRÁFICO&DIAGRAMAÇÃO Coordenação de Comunicação do OS Dezembro de 2002 - Ano 1 - Nº 2 Florianópolis - Santa Catarina - Brasil 4.000 exemplares Gráfica Bangraf - SP Este material foi produzido em papel couchê (120/240g) em Arial/Times New Roman/Futura
www.observatóriosocial.org.br
Os temas de interesse do Observatório Social são direitos fundamentais reconhecidos internacionalmente e expressos nas convenções da OIT sobre liberdade sindical, negociação coletiva, trabalho infantil, discriminação de gênero e raça, meio ambiente, saúde e segurança ocupacional.
O INSTITUTO OBSERVATÓRIO SOCIAL é uma organização não governamental que observa e analisa o comportamento de empresas nacionais e estrangeiras em relação ao meio ambiente e aos direitos fundamentais dos trabalhadores. Com isto, busca potencializar na sociedade a consciência sobre as condições sociais e trabalhistas em que os bens e serviços são produzidos e comercializados.
Os estudos realizados até hoje foram entregues às empresas e aos sindicatos envolvidos e divulgados publicamente através do nosso site. Negociações entre os representantes dos trabalhadores com empresas, a partir do resultado das pesquisas, articulação internacional de sindicatos, encontros nacionais de sindicalistas de uma mesma empresa e a constituição de comissões para discutir problemas específicos foram alguns dos resultados concretos alcançados a partir do trabalho do Observatório.
PG6 ABN AMRO - Pesquisa fortalece negociações O comportamento do banco holandês e suas estratégias no campo da responsabilidade social.
PG13 ARTIGO Neide Fonseca, da Confederação Nacional dos Bancários, escreve sobre gênero e raça no setor bancário.
PG14 AMBEV busca mercado externo Estudo do Observatório Social aborda a fusão das duas maiores cervejarias do Brasil.
PG15 NESTLÉ não negocia sua reestruturação produtiva Conheça as contradições entre os compromissos sociais e trabalhistas e a prática cotidiana da empresa.
PG17 HARTMANN-MAPOL - Dois pesos e duas medidas A dinamarquesa Hartmann-Mapol tem prática trabalhista no Brasil diferente da matriz
PG19 NOKIA - Repercussão internacional na Nokia Divulgação da pesquisa Nokia ganha espaço na imprensa nacional da Finlândia.
PG 22 ALCOA e ALCAN - Cadeia produtiva é alvo de estudo O perfil apresenta as duas maiores produtoras de alumínio no mundo e a sua estrutura sindical.
PG23 BASF- Problemas ambientais e de segurança Saiba mais sobre a indústria alemã que é líder no setor químico.
PG24 VICUNHA - Tratamento desigual nas unidades Pesquisadores observaram a diferença nas condições de trabalho das unidades I, III, IV e V da empresa têxtil brasileira.
PG26 ARTIGO Os pesquisadores João Carlos Cândia Veiga e Márcia Perales contam como está sendo o processo de pesquisa na empresa holandesa Philips no Brasil.
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Apresentamos para você o segundo número do que pretende se consolidar como um periódico produzido pelo Instituto Observatório Social. A primeira publicação do Observatório Social em Revista foi lançada em janeiro deste ano, no 2o Fórum Social Mundial, como um relatório de atividades e já com a intenção de continuidade. Os estudos apresentados aqui, entre perfis, mapas e relatórios de observação, são uma demonstração das atividades realizadas no decorrer de 2002 pelo Observatório. Queremos destacar as possibilidades abertas a partir de nosso trabalho. A repercussão das pesquisas; a ação sindical em determinados casos; a articulação fundamental entre sindicatos brasileiros com base numa mesma empresa e entre sindicatos brasileiros e europeus, acentuada a partir das pesquisas; a participação cada vez maior das multinacionais no processo de pesquisa; enfim, um leque de possibilidades que se abrem a partir do conjunto de informações reunidas nos estudos. Este é o objetivo fundamental do Observatório. Pesquisar, informar e, principalmente, instigar, ser ferramenta para que trabalhadores, sindicatos e empresários negociem, se transformem, conquistem melhorias na áreas trabalhistas, de meio ambiente e de responsabilidade social. Estamos felizes com os resultados alcançados até agora, mas ambicionamos mais. Em 2003, vários estudos terão continuidade. Um processo de negociação com diversas multinacionais abre novas perspectivas para obtermos resultados ainda mais precisos. O envolvimento crescente dos sindicatos e de diferentes centrais desenha um cenário otimista. O sucesso de nosso trabalho depende disso. Da participação dos trabalhadores, da transparência nas ações das empresas e da exigência da sociedade para que os direitos fundamentais sejam globalizados. Nesse processo você é muito importante. Maria José H. Coelho Coordenadora de Comunicação
PG27 DIRETRIZES DA OCDE PARA MULTINACIONAIS Comitê Consultivo da OCDE lança Guia do Usuário para Sindicalistas.
PG29 ARTIGO Kjeld Jakobsen, presidente do Conselho Diretor do Observatório Social, escreve sobre a visão dos trabalhadores sobre responsabilidade das empresas.
PG31 CAFÉ DO BRASIL - O sabor amargo da crise Conheça o resultado da parceria do Observatório com a Oxfam e que resultou na grande reportagem sobre a cadeia produtiva do café no Brasil.
PG32 TERMOS DE REFERÊNCIA Consultores e pesquisadores desenvolvem metodologia para fundamentar o trabalho técnico de pesquisa.
PG33 NOSSOS PRODUTOS Perfil, mapa de empresa e relatório: entenda os diferentes produtos do Observatório.
PG35 OBSERVATÓRIO SOCIAL EUROPA O projeto concretizado Já é realidade o projeto que promove o intercâmbio internacional de trabalhadores.
PG36 ALMANAQUE
PG40 ARTIGO Kjeld Jakobsen apresenta a Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres – CIOSL.
PG42 BANCO DE DADOS - Servidores públicos já podem contar com novo instrumento para ação sindical Convênio com a Internacional dos Serviços Públicos disponibiliza produtos para sindicalistas do setor de água e saneamento.
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Esta edição que você tem em mãos é o início da concretização deste projeto. Apresentamos reportagens sobre o ABN AMRO Bank, a Nokia e a Hartmann-Mapol, baseadas nos estudos desenvolvidos durante este ano pela nossa equipe de pesquisadores. O relato sobre o processo de pesquisa na Philips é feito pelos pesquisadores, em artigo. Outros processos em andamento, com Mapas de Empresa concluídos que servirão para aprofundar os estudos em 2003 são apresentados. O mais importante, nesses casos, é o envolvimento dos sindicatos e as negociações com várias empresas que estarão colaborando com o trabalho. Todos ganham com o clima de cooperação: o Observatório, que pode desenvolver pesquisas com mais qualidade; e as empresas e trabalhadores envolvidos, que passam a negociar em um novo patamar de respeito mútuo. O projeto do Observatório Europa, que foi apresentado na edição anterior, hoje é uma realidade e investe na construção de redes de solidariedade internacional entre trabalhadores. Outros dois projetos do Observatório mereceram destaque: o Banco de Dados desenvolvido juntamente com a ISP (Internacional de Serviços Públicos) e a parceria com a Oxfam Internacional, a Contag e a CUT, que originou a revista Café do Brazil – O sabor amargo da crise, produzida pelo Observatório Social e peça da campanha mundial lançada pela Oxfam. Acompanhe aqui este trabalho. Leia sobre os seminários realizados, a participação no Fórum Social Mundial, os planos para 2003. A equipe do Observatório Social se sente feliz de compartilhar com você nossas realizações e nossos sonhos. Boas vindas e boa leitura.
NESTA EDIÇÃO
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O relatório editado pelo Observatório Social no início de 2002 e lançado durante o 2º Fórum Social Mundial buscou uma linguagem diferente para divulgar os estudos produzidos pela entidade. Aquela publicação já assumia uma segunda intenção: a de originar um periódico, quadrimestral, onde estudos, novos projetos e ações pudessem ser divulgados às entidades sindicais, ONGs, empresas pesquisadas, enfim, a um amplo público de interesse do Observatório.
Conselho Editorial
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ABN
O ABN AMRO Bank, de origem holandesa, é o segundo maior banco privado estrangeiro em atuação no Brasil, com 5,3 milhões de clientes e 22.500 funcionários.
AMRO
Uma pesquisa do Observatório Social constatou avanços significativos da empresa no campo da responsabilidade social. Foram também identificados vários problemas a enfrentar, em especial sobre a organização nos locais de trabalho, gênero e raça, saúde e segurança. Um diferencial importante deste trabalho é a ampla colaboração da diretoria do Banco. Essa atitude serve de exemplo a outras multinacionais e abre possibilidades animadoras para evolução do diálogo entre empresários e trabalhadores.
ABN AMRO BANK NO BRASIL PRESENÇA EM TODOS OS ESTADOS 5,3 milhões de clientes 1.664 agências e postos de atendimento R$ 31,8 bilhões em ativos R$ 784 milhões em lucro líquido R$ 3,7 bilhões em patrimônio líquido 22.479 funcionários 7 a. posição no ranking de bancos por ativos Fonte: ABN AMRO Bank, final de 2001.
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A pesquisa no ABN AMRO Bank tem relevância por representar um aprofundamento do Observatório Social sobre o setor financeiro, que dá continuidade à primeira observação sobre o Banco Santander. Este setor é um dos exemplos eloqüentes das mudanças ocorridas nos últimos anos no Brasil em função da globalização econômica, que provocou a expansão dos fluxos comerciais, dos investimentos diretos e das transações financeiras. A privatização de bancos públicos propiciou uma ocupação expressiva do mercado nacional por instituições estrangeiras. Nesse contexto, a multinacional de origem holandesa passou de uma posição inexpressiva no mercado até meados dos anos noventa para a conquista da sétima posição entre os maiores bancos brasileiros em ativos. O ABN AMRO é hoje o segundo maior banco privado estrangeiro em atuação no Brasil, atrás apenas do Santander. É importante para a sociedade brasileira saber como tem sido esta inserção no país e como se dão as relações de trabalho. A pesquisa começou em agosto de 2001 – com análise desde 1998, quando foram comprados o Banco Real e o Bandepe (Banco do Estado de Pernambuco) – e prosseguiu até junho de 2002. Foram utilizadas fontes documentais junto a órgãos públicos, sindicatos, entidades patronais à própria empresa. A avaliação do comportamento social e trabalhista do ABN AMRO também foi feita a partir de entrevistas com sindicalistas, trabalhadores e representantes do Banco. Com sede em Amsterdã, o ABN AMRO Bank está presente em 67 países e territórios e ocupa o 13o. lugar no ranking mundial de bancos por critério de ativos. No Brasil a empresa conta com 5,3 milhões de clientes, 22.479 funcionários e 1.664 agências e postos de atendimento (final de 2001). Entre o primeiro semestre de 2001 e o deste ano, obteve o melhor desempenho entre os bancos de varejo com rede, segundo a publicação Conjuntura Econômica, da Fundação Getúlio Vargas. Um documento de 120 pági-
nas com a íntegra do estudo está disponível na internet em http:// www.observatoriosocial.org.br . Leia a seguir um resumo da avaliação.
Liberdade sindical e negociação coletiva
ABN AMRO BANK
O diagnóstico é que o Banco não tem uma postura deliberada de discriminar trabalhadores sindicalizados, mas essa prática ocorre por intermédio de algumas chefias, que ameaçam funcionários de demissão e não promoção. As publicações do sindicato são distribuídas livremente, exceto nos centros administrativos, onde são entregues nas catracas e deixadas em escaninhos. Dirigentes sindicais não têm acesso livre aos locais de trabalho: necessitam de autorização para entrar nos centros administrativos. Os sindicalistas afirmam que há disposição do Banco para dialogar, mas que as principais conquistas ainda são resultados de pressão. Também susten-
Pesquisa fortalece negociações tam que uma série de reivindicações (condições de trabalho, bolsas de estudo, assistência médica, segurança, jornada de trabalho, tratamento dos lesionados, entre outras) foram, em grande parte, ignoradas ou então que os acordos não foram cumpridos. Dizem que o Sindicato é muitas vezes desconsiderado na definição de políticas ou ações de interesse dos trabalhadores – por exemplo, o Plano de Cargos e Salários. A empresa alega que há um compromisso de sua parte de atender o Sindicato com a maior presteza possível e buscar harmonia entre as partes. Uma reclamação dos dirigen-
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ABN Sindicalistas reconhecem avanços na negociação
Os dirigentes sindicais do ABN AMRO Real, da Confederação Nacional dos Bancários, da Federação dos Trabalhadores em Empresas de Crédito de São Paulo e do Sindicato dos Bancários de SP reconhecem a importância da pesquisa do Observatório Social. Em carta dirigida à nossa equipe, eles afirmam que o trabalho abre caminho para uma solução negociada dos problemas identificados, agora sob o enfoque da responsabilidade social e das convenções internacionais de trabalho. “A credibilidade do OS e a metodologia científica utilizada para análise da empresa reforçam a importância do seu resultado”, diz a carta, assinada por Vagner Freitas (CNB/ CUT) e João Vaccari Neto (Sindicato dos bancários de SP). Eles frisam que esta é uma oportunidade para organizar a atuação dos trabalhadores, em conjunto com os bancários da Holanda, onde fica a sede da empresa. Os sindicalistas desejam avançar principalmente nos campos da liberdade sindical, negociação coletiva, combate à discriminação de raça e gênero e nas políticas de prevenção de doenças e reabilitação. Mudanças significativas ocorreram depois da compra do Banco Real pelo ABN Amro Bank em 1998 e também em função da pesquisa, afirma o diretor do Sindicato dos Bancários de SP Marcelo Gonçalves: “No antigo Banco Real, o diálogo era muito limitado e o banco não possuía uma Diretoria de Recursos Humanos que tivesse autonomia de negociação com
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o movimento sindical”, diz. “Uma antiga reivindicação nossa foi atingida através da nova estrutura organizacional implementada pelo ABN: a formação da Diretoria de Recursos Humanos, com a criação de uma área de relações sindicais”. Ele conta que, mesmo assim, as negociações continuaram insatisfatórias e cita como exemplo a proibição do acesso dos dirigentes sindicais à matriz do banco na Avenida Paulista, entre outros problemas. “Mas durante a pesquisa do Observatório Social, o Banco assumiu uma postura de maior diálogo”, constata. “A empresa aceitou participar da pesquisa, disponibilizando informações, participando de entrevistas e demonstrando interesse em discutir com o movimento sindical os problemas apresentados”. Esta nova postura já pode ser identificada em duas frentes. Primeiro, o envolvimento da diretora de Responsabilidade Social, Maria Luiza de Oliveira Pinto, que garantiu a participação do movimento sindical nas discussões sobre políticas de igualdade de oportunidades. E, recentemente, o Banco mostrou interesse em discutir uma pauta de reivindicações sobre saúde e condições de trabalho, com estabelecimento de um cronograma de negociações. Marcelo Gonçalves acredita que, daqui por diante, o ABN Amro Bank colocará o relacionamento com os dirigentes sindicais em um novo patamar, respeitando a organização e os direitos fundamentais dos trabalhadores.
tes sindicais é de que o Banco não cumpre na íntegra a Convenção Coletiva de Trabalho. Os principais problemas são desrespeito à jornada de trabalho, ao descanso nos finais de semana e pagamento indevido de horas extraordinárias. Responsáveis pela gestão de Recursos Humanos da empresa se dizem contrários a tal prática e chegam a punir casos comprovados de abusos das chefias. Porém a quantidade excessiva de trabalho e a pressão pelo cumprimento de metas acabam suplantando tais diretrizes. A representação sindical dos trabalhadores terceirizados é outro problema: bancários se transferem para empresas terceiras que não reconhecem o sindicato como seu representante no processo de negociação. O ABN AMRO admite a necessidade de discutir essa questão. Outro problema identificado é a interferência indevida da empresa nas eleições da Cipa (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes). Os sindicatos têm pouco conhecimento sobre o processo eleitoral e pouca participação.
O perfil dos trabalhadores do ABN AMRO mostra que a empresa não difere da realidade de gênero e raça apresentada no setor bancário: as mulheres estão em quase igualdade numérica, mas ainda ocupam funções específicas e de menor remuneração. Os negros (pretos e pardos) são minoria e também com remuneração inferior. A desigualdade funcional atinge principalmente os cargos de chefia. Não há nenhuma mulher negra ocupando cargo de gerência e nenhum negro ou negra em cargo de diretoria. A gestação é motivo de discriminação contra a mulher: elas deixam de ser promovidas, sofrem assédio moral e trabalham muitas vezes em um ambiente inadequado à sua condição. O Programa Diversidade é uma iniciativa inovadora do ABN AMRO para promover a igualdade no emprego entre os funcionários. Como ainda é recente, seu alcance quase se limita à matriz da empresa. Alguns dados sinalizam para uma pequena melhoria no quadro geral das desigualdades, mas ainda não definem uma tendência. Não temos clareza das metas traçadas e dos mecanismos estabelecidos internamente para monitorar as ações do Banco nesse sentido. Não houve participação dos sindicatos na definição desse programa e só recentemente dirigentes sindicais foram convidados a participar de sua implementação.
Meio ambiente, segurança e saúde no trabalho As ações da empresa na área de saúde e segurança estiveram direcionadas para a equalização dos serviços de saúde e benefícios oferecidos aos funcionários dos diversos bancos adquiridos. Em 2000, segundo a empresa, a equalização dos auxílios e benefícios foi atingida. O passo seguinte tem sido diagnosticar a situação de segurança e saúde no trabalho para desenvolver ações voltadas, prioritariamente, para a prevenção das
ENTREVISTA Fabio Barbosa, presidente do ABN AMRO Bank no Brasil Fabio Colletti Barbosa, 48 anos, foi nomeado presidente do ABN Amro Bank no Brasil em agosto de 1996 e presidente do Banco Real após sua aquisição em novembro de 1998. Graduado em Administração pela Fundação Getúlio Vargas, ele iniciou a carreira na Nestlé. Em seguida atuou no Citibank e foi presidente para a América Latina do banco LTCB (Long Term Credit Bank of Japan). Sua gestão no ABN AMRO Bank tem se caracterizado pelo apoio às iniciativas de Responsabilidade Social. Nesta entrevista ao Observatório Social, Barbosa explica o conceito de Banco de Valor e comenta os desafios da instituição nas áreas ambiental e trabalhista. Ele defende o aprofundamento das relações de parceria com outras empresas e organizações da sociedade civil para aprofundamento da justiça social.
“Queremos construir parcerias com a sociedade”
ABN AMRO BANK
Discriminação de gênero e raça
Observatório Social – No primeiro semestre de 2002 o Brasil foi responsável por 22% do lucro líquido do ABN Amro Bank. Qual é a importância do país na estratégia da empresa em termos globais? Fabio Barbosa – O Brasil é um dos três principais mercados dentro da estratégia do Varejo do AAB no mundo. Os investimentos que foram feitos no país têm apresentado excelentes resultados e o AAB acredita no potencial de crescimento do mercado brasileiro. OS – Quais são os principais desafios que a empresa enfrenta para adequar suas normas às peculiaridades culturais e à legislação brasileira? FB – O AAB sempre teve a característica de absorver e se adaptar às especificidades dos vários países e mercados em que atua. O principal elo de ligação entre a operação local e a organização no mundo tem sido o respeito aos valores universais da organização: “Respeito, Integridade, Profissionalismo e Trabalho em Equipe”. OS – O que significa o conceito de Banco de Valor? FB – Estamos propondo um modelo de gestão, no qual o resultado é alcançado pelo atendimento de quatro condições: 1) foco no foco do cliente, que significa entender as suas necessidades e expectativas, saber discernir quais produtos e serviços são os mais adequados ao seu perfil e prestar um atendimento eficiente, atencioso e consistente; 2)pessoal capacitado e engajado: acreditamos que funcionários bem preparados, motivados e compromissados fazem a diferença; 3) instrumental competitivo, que significa investir fortemente em tecnologia e infra-estrutura; e 4) a prática dos valores corporativos: Integridade, Trabalho em Equipe, Respeito e Profissionalismo. No conceito Banco de Valor, os resultados da Organização devem agregar valor a todos os públicos com os quais o Banco se relaciona, seja um funcionário, um acionista, um cliente ou a sociedade. Também estamos trabalhando para que o Banco construa relações de
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parceria com outras empresas, ONGs e governo para que possamos juntos construir uma sociedade economicamente eficiente, socialmente justa, politicamente democrática e ambientalmente sustentável. OS – Quais são os principais avanços e desafios enfrentados na construção do Banco de Valor? FB – A construção do Banco de Valor é um processo; não é uma obra acabada, portanto, há muito que fazer ainda. Avaliando o nosso percurso até agora, acho que conseguimos dois avanços importantes: o primeiro é o processo de construção de uma cultura organizacional voltada para os valores corporativos, a responsabilidade social e a sustentabilidade. Acho que estamos no caminho correto, pois o entendimento da proposta e o engajamento é cada vez maior. Outro avanço importante: as ações concretas que estão sendo implementadas dentro do Banco que passam pelas ações internas voltadas para a valorização da Diversidade e Meio Ambiente, várias decisões de negócio como o lançamento do Microcrédito, do Fundo Ethical e da Política de Riscos Sócio-Ambientais até a implementação de iniciativas voltadas para a comunidade, como o Projeto Escola Brasil. Quanto aos desafios, o maior deles é atingir e envolver todos os funcionários. Acredito que precisamos aprofundar a discussão em cada uma das equipes, em cada uma das agências espalhadas pelo Brasil. Outro desafio é influenciar empresas fornecedoras e clientes a se engajarem neste movimento para que se possa promover de fato a transformação que a nossa sociedade precisa. OS – O senhor considera que o estudo realizado pelo OS sobre o comportamento social e trabalhista do Banco pode ter alguma conseqüência prática no aperfeiçoamento das relações de trabalho? FB – Certamente será considerado, juntamente com outras fontes de pesquisa, como por exemplo, a Pesquisa de Clima, pois estes instrumentos apontam aspectos organizacionais que ainda precisam ser melhorados. OS – A pesquisa constatou que existe desigualdade no Banco entre homens e mulheres, brancos e negros na ocupação de cargos hierarquicamente superiores. Por exemplo, as mulheres são minoria nos cargos de diretoria e não há negros nesta função. Qual a sua leitura desse quadro? FB – Esse quadro é um reflexo da sociedade brasileira, na qual se verificam esses fenômenos. Todavia, queremos uma sociedade mais justa e pretendemos que o Banco promova mudanças nessa direção. Estamos olhando com muita seriedade para essa questão. Mas é importante ressaltar que isso não acontece de uma hora para outra; mudanças como esta levam tempo. Há um ano e três meses o Banco vem trabalhando fortemente no Programa de Valorização da Diversidade. Várias ações têm sido implementadas para reforçar uma cultura em que as diferenças sejam reconhecidas e valorizadas. Estamos implementando ações concretas nos processos organizacionais, como por exemplo, a alteração dos critérios de contratação, como nível de escolaridade e idade. Em relação a etnia temos 10% do quadro composto por afrodescendentes. Para aumentar esse percentual, temos buscado parceria com instituições que trabalham ou interagem com a comunidade negra, para que possamos divulgar as vagas existentes ou atrair o maior número possível de pessoas. OS – Distúrbios psicológicos e Lesões por Esforços Repetitivos (LER/ DORT) são apontados pelos funcionários do Banco como os principais problemas de saúde no trabalho. De que forma a empresa pretende implantar uma política mais eficaz de prevenção e tratamento? FB – O Banco tem um programa de detecção e atendimento dos casos de doenças Ocupacionais (LER/DORT). A fim de evitar estes problemas, várias ações estão sendo implementadas, como o mapeamento das áreas com
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doenças que atingem o trabalhador. Nesta linha, o Banco estaria realizando pesquisas de opinião sobre o estilo de vida do funcionário, além de avaliação médica. Na avaliação dos sindicalistas, o processo de equalização significou, em geral, ganhos para os funcionários do Real, mas perdas para os do ABN e do Bandepe. Distúrbios emocionais e psicológicos são apontados pelos funcionários como os principais problemas de saúde no trabalho existentes no banco, seguidos de LER/ DORT (Lesões por Esforços Repetitivos). O excesso de trabalho, a pressão por parte da chefia e o medo dos assaltos e seqüestros seriam os principais fatores causadores. A ação do Banco para evitar esses problemas é desconhecida pelos funcionários ou considerada pequena. As LER/DORT parecem atingir principalmente as mulheres, que predominam nas funções de operadora de atendimento, escriturária e caixa. Em Pernambuco e São Paulo foram apontados casos de demissão de lesionados. O plano de saúde é bem avaliado pelos entrevistados, mas há al-
ABN AMRO BANK PRESENÇA EM 67 PAÍSES E TERRITÓRIOS 111.710 FUNCIONÁRIOS 90A. POSIÇÃO NO RANKING DE CORPORAÇÕES 13A. POSIÇÃO NO RANKING DE BANCOS POR ATIVOS
Princípios de responsabilidade social O ABN AMRO se define mundialmente como uma organização comprometida com os princípios da
NO NO MUNDO 3.478 AGÊNCIAS E ESCRITÓRIOS US$ 527 BILHÕES EM ATIVOS US$ 2,837 MILHÕES EM LUCRO LÍQUIDO US$ 10,4 BILHÕES EM PATRIMÔNIO LÍQUIDO FONTES:
ANNUAL REPORT ABN AMRO HOLDING N.V. 2001:48; RANKING FORTUNE GLOBAL 500 (2002); THE BANKER, JULHO DE 2001.
OS – O ABN Amro dispõe de alguma política de verificação do cumprimento de direitos laborais na sua cadeia produtiva? Em caso afirmativo, o que tem sido verificado e como o Banco lida com os problemas? FB – Os contratos firmados com a nossa cadeia produtiva para prestação de serviços, notadamente aqueles envolvendo a cessão de mão-de-obra, prevêem cláusulas estabelecendo o cumprimento dos direitos laborais à luz da legislação vigente. Além disso, até o final do ano, teremos uma nova política de contratação de fornecedores na qual os vários aspectos da Responsabilidade Social serão avaliados e acompanhados pelo Banco.
ABN AMRO BANK
gumas críticas. Por exemplo, a incorporação dos dependentes é cara, há diferenciação por hierarquia funcional e os sindicalistas criticam o fato de os bancários não terem acesso ao contrato. A Cipa não funciona adequadamente. Sua fraqueza é atribuída à falta de autonomia perante a empresa. Por não ser obrigatória nos locais de trabalho com menos de 50 funcionários, a Comissão está ausente em muitas das agências bancárias, onde falta uma política de segurança e saúde integrada aos centros administrativos e operacionais. A empresa tem um projeto de atuação no meio ambiente externo em fase de implementação. Duas ações internas já estão em andamento no edifício sede: conscientização e incentivo ao uso racional de recursos naturais dentro do Banco (água e energia) e coleta seletiva de materiais que podem ser reciclados (papel, papelão, latas, plásticos etc.)
maior risco, troca de mobiliário, a prática de ginástica laboral durante a jornada de trabalho. Neste momento, estamos finalizando a Câmara de Descontração em nossos Call Centers e o projeto do mobiliário padrão, atendendo aos aspectos ergonômicos, para implantá-lo de forma gradativa em nossa rede de agências. Também estamos preocupados com a qualidade de vida de nossos funcionários. No momento da realização do exame médico, o funcionário preenche um questionário sobre o seu Perfil de Estilo de Vida. Com este instrumento e o histórico clínico do funcionário, temos aprofundado nossos estudos em relação aos hábitos alimentares, esportivos, doenças mais comuns, como níveis de estresse entre outras, para dar foco nas ações de promoção da saúde, através de campanhas e palestras. Temos também o Programa Vida Saudável (Piloto na Matriz), no qual realizamos Palestras sobre temas de interesse apontados pelo próprio funcionário (Estresse, Bom Humor, Auto-estima, Relacionamento Interpessoal etc.) e implantamos a prática de Exercícios Chineses na Praça.
OS – Quais são os principais desafios da empresa para os próximos anos em relação ao seu quadro de colaboradores contratados e terceirizados? Que mudanças podem ser vislumbradas? FB – A terceirização é uma decisão estratégica adotada no segmento empresarial que visa buscar maior competitividade entre os mercados. É uma ferramenta que tem por princípio básico permitir que as empresas dediquem-se fundamentalmente ao objeto fim para as quais foram concebidas, de maneira que atividades acessórias sejam executadas por especialistas. Ou seja, devem apresentar qualidade superior do que quando realizada internamente. Não vislumbramos mudanças substanciais neste quadro, porém deve-se destacar que estes parceiros devem estar alinhados aos valores do Banco. OS – Que planos de investimento o ABN Amro Bank tem para o Brasil em curto, médio e longo prazo? FB – O AAB está presente no Brasil desde 1917 e tem investido mais intensamente desde 1998, quando adquiriu o Banco Real e o Bandepe. O objetivo do Banco é ser um dos maiores bancos privados no país, priorizando a eficiência e rentabilidade, independente de posicionamento no ranking por ativos. Na busca desse objetivo o Banco tem investido no crescimento orgânico da organização e está atento a oportunidades, como ocorreu quando da recente aquisição do Paraiban e WebMotors. OS – Quais são suas expectativas em relação à empresa, ao setor bancário e ao Brasil com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência? FB – Acredito que as instituições brasileiras foram muito fortalecidas nos últimos anos e que o país tem apresentado fundamentos econômicos consistentes, com tendência positiva. O processo democrático e a alternância no poder são saudáveis para a democracia. Esperamos que o Presidente eleito faça um bom governo e proporcione as condições necessárias para o contínuo desenvolvimento econômico e social do país.
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responsabilidade social. No Brasil o Banco tem uma ampla política para a área, contando com uma diretoria específica e vários projetos e ações em andamento. A empresa afirma estar atenta às normas internacionais que versam sobre o tema. Informa, no entanto, que não está voltada para a obtenção de certificações, e sim para a formulação de atividades e programas que promovam a concretização desses preceitos no dia-a-dia. O Observatório Social reconhece que importantes passos já foram dados pelo Banco, como o Programa de Diversidade. Mas ainda há muito a ser feito para o cumprimento integral dos direitos fundamentais do trabalho. Para atingir os objetivos expostos pelo Banco em seus valores corporativos e princípios de negócios, é fundamental que os sindicatos e os trabalhadores tenham participação mais abrangente na formulação e implementação dos programas de responsabilidade social.
A opinião do Banco Em carta enviada ao Observatório Social, a diretoria do ABN AMRO Bank reconhece que o estudo é um passo importante para que a empresa e as entidades sindicais possam trabalhar juntos. Entretanto, sugere que o próximo estudo destaque também os progressos alcançados pelas lideranças do Banco. Segundo a diretoria, o relatório é apenas uma fotografia de um momento no processo desenvolvimento da empresa, que acaba por enfatizar aspectos negativos e omitir a evolução nos últimos quatro anos. A carta aponta a intenção de dar continuidade à parceria: “Contando com a contribuição do Observatório Social, poderemos trabalhar junto com os sindicatos na construção de uma sociedade mais justa e mais gratificante para todos. Queremos ver uma sindicato verdadeiramente representativo e genuinamente construtivo, que promova a autonomia das pessoas e o crescimento dos indivíduos sem necessidade de serem tutelados”.
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“Responsabilidade Social é prioridade” O ABN AMRO Bank passa por uma mudança organizacional em que a Responsabilidade Social e a sustentabilidade são prioridades estratégicas – do recrutamento de funcionários à contratação de fornecedores, da criação de produtos e serviços à relação com a comunidade. “Estamos vivendo um processo complexo e desafiador”, afirma a diretora de Responsabilidade Social da empresa, Maria Luiza Pinto. “Temos clareza de propósito e reconhecemos que ainda há muito por fazer”. Um dos pontos a avançar é quanto à desigualdade funcional entre homens e mulheres, e principalmente entre brancos e negros. Há pouco mais de um ano, o Banco criou um grupo de trabalho com funcionários para discutir a questão da diversidade. Várias ações de sensibilização têm sido implementadas, como palestras e concurso de frases e fotos. A empresa tem parcerias com a Central de Trabalho e Renda, vinculada à CUT, e o Centro de Solidariedade do Trabalhador, da Força Sindical, para atrair profissionais, com ênfase em pessoas portadoras de deficiência e afro-descendentes. Maria Luiza relata outras medidas que vêm sendo tomadas: “Revimos alguns critérios de contratação como nível de escolaridade e idade; estamos ampliando as oportunidades de carreira para as mulheres, estabelecemos parcerias com instituições que interagem com a comunidade negra para que possamos divulgar as vagas existentes. Em breve, os gestores receberão um material que os ajudará a debater o tema e oportunidades junto as equipes. Queremos promover a diversidade transformando a situação atual através da educação e isso leva tempo”. O trabalho voluntário nos projetos sociais da empresa recebeu críticas de dirigentes sindicais, pois alguns funcionários estariam sendo constrangidos a essa prática e quase sempre fora dos horários de expediente. Maria Luiza reconhece que em alguns casos há necessidade de reforçar a diretriz do banco para que gestor e funcionário, juntos, avaliem a melhor maneira de viabilizar a participação na atividade escolhida: “Sempre que as situações de conflito cheguem ao nosso conhecimento, faremos a reorientação de gestores e funcionários”. A diretora avalia que o trabalho do Observatório Social é importante, por permitir a troca de percepções e discussão de oportunidades de melhoria. Ela considera gratificante trabalhar numa empresa compromissada com as questões relevantes para o país: “É muito enriquecedor participar de projetos que agregam valor para diferentes públicos, como por exemplo a mobilização de nossos fornecedores para a adoção das práticas de Responsabilidade Social, a inclusão de critérios sócio-ambientais na política de concessão de crédito, assim como o início de nossa empresa de microcrédito”. Uma premissa do ABN Amro Bank é que a Diretoria de Responsabilidade Social deve desaparecer daqui a dois anos aproximadamente, conta Maria Luiza. “Isso implica criar uma cultura organizacional voltada para a Responsabilidade Social e sustentabilidade. É um grande desafio, principalmente, numa organização tão grande e dispersa geograficamente como a nossa”, reflete.
Gênero e raça no setor bancário A peculiaridade da opressão sobre a mulher branca é diferente da que se abate sobre a mulher negra e o homem negro. E o mundo do trabalho demonstra isso de forma inequívoca. Discriminar negativamente é crime no Brasil desde a Constituição de 1988. O governo brasileiro tem participado de forma propositiva em todas as conferências mundiais, de mulheres e negros, mas fica apenas no plano das boas intenções. Na prática os homens brancos ainda são considerados como o grupo padrão, de onde todas as referências são tiradas. A mulher negra é a que sofre maior impacto, pois a cor da pele se sobrepõe à discriminação de gênero.
Neide Fonseca nfonseca@cnbcut.com.br Secretária de Políticas Sociais da Confederação Nacional dos Bancários/CUT e Presidenta do INSPIR –Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial.
A elaboração do Rosto dos Bancários – Mapa de gênero e raça no setor bancário – demonstrou a hierarquização da discriminação negativa. Não há como negar que no Brasil as mulheres negras ganham menos que os homens negros, que por sua vez ganham menos que as mulheres brancas e todos ganham menos que os homens brancos. Os postos também são hierarquizados com critérios de sexo e raça. Mesmo quando as mulheres, no caso as brancas, possuem maior nível educacional que os homens brancos, ainda assim ocupam postos subalternos. Negros que tenham o mesmo estoque educacional também se encontram em postos de menor qualificação. Os bancos estrangeiros não aplicam no Brasil a mesma política de valorização e diversidade que aplicam em seu país de origem. Aqui as negociações são mais duras, tem-se a impressão de que Responsabilidade Social é apenas um marketing para o exterior, porque internamente as coisas continuam a mesma: subcontratação de negros, subvalorização das mulheres; assédio moral, assédio sexual, aumento de doenças ocupacionais entre as mulheres. Aos bancos, que lucram em qualquer conjuntura, cabe um papel histórico no mundo do trabalho: implementar a Convenção 111 da OIT. Isso necessariamente não significa cotas de gênero e/ou raça, mas sim um programa com metas a serem alcançadas em um determinado período. Poder-se-ia começar por incluir negros e mulheres no acesso à formação profissional, ao emprego e às melhores condições de emprego. Incluir cláusulas no Acordo Coletivo sobre um Código de Conduta propositivo e não coercitivo. Os bancos, assim como as demais empresas, só ganhariam em negociar com o movimento sindical uma política de Ação Afirmativa ou de Diversidade, como se quiser chamar. Isso passa sem dúvida por um processo de reeducação das pessoas, tanto institucionalmente quanto da sociedade em geral.
artigo
As Convenções 100 e 111 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) têm sido perseguidas por aqueles e aquelas que pretendem a construção de um mundo melhor. Em 1992 a CUT, após longa discussão com sindicalistas anti-racismo, relatou à OIT o descumprimento da Convenção 111. Foi a primeira vez que sindicalistas se utilizaram de um instrumento internacional para demonstrar as discriminações negativas no mundo do trabalho. De lá para cá o sindicalismo tem paulatinamente inserido na sua pauta as políticas de ações afirmativas como um programa de promoção da igualdade de oportunidades.
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AMBEV busca mercado externo A AmBev (Companhia de Bebidas das Américas) foi criada em julho de 1999 com a fusão das duas principais cervejarias brasileiras, Brahma e Antarctica. Essa união entre concorrentes históricas faz parte de uma estratégia de sobrevivência frente às transformações no contexto mundial do setor. Maior operação do gênero já realizada no país, a fusão resultou na quarta cervejaria e sétima maior empresa de bebidas do mundo. Em 2001 seu lucro líquido foi de R$ 784,6 milhões, um crescimento de 66,9% em relação ao ano anterior. Com 38 fábricas em 18 estados do Brasil e quatro no exterior — Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela — a AmBev emprega cerca de 18 mil trabalhadores e tem 60 mil acionistas. Em dezembro de 2001 ela controlava 68,5% do mercado brasileiro. Seu principal concorrente é a Cervejaria Kaiser, que detém uma fatia de 14% no país. As três principais marcas de cerveja consumidas no Brasil são fabricadas pela AmBev: Skol, com 32,5% de participação, Brahma (22,3%) e Antarctica Pilsen (11,4%).
Presença internacional No segmento de refrigerantes e bebidas não-alcoólicas, a corpora-
ção possui o maior portfólio brasileiro, com 16 marcas. Algumas delas são líderes de mercado, como Guaraná Antarctica, Pepsi-Cola, Sukita e Lipton Ice Tea. O Guaraná Antarctica faz parte da estratégia de expansão da empresa para mercados internacionais. Um acordo assinado com a PepsiCo International estabelece seu engarrafamento, venda e distribuição fora do Brasil. Para a produção e distribuição do Ice Tea foi constituída uma sociedade com a Unilever. A rede de distribuição da AmBev atinge mais de um milhão de pontos de venda em 5 mil municípios brasileiros. Ela conta com 550 distribuidores exclusivos, 45 centros de distribuição direta, uma frota de 16 mil caminhões e uma equipe de 11 mil vendedores. A maior parte desses serviços é terceirizada. A AmBev foi denunciada à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça por infração da ordem econômica, pois estaria favorecendo as grandes redes de distribuição e eliminando pequenos revendedores (O Globo, 22/ 02/2002). Em agosto de 2002, a empresa anunciou um plano de redução de custos entre R$ 150 e 200 milhões para manter os resultados operacionais e aumentar a eficiência administrativa. Entretanto, descartou o fechamento de fábricas ou cortes no qua-
dro de empregados. A meta oficial da corporação é, até 2005, ser reconhecida como a mais competitiva companhia de bebidas do mundo.
Observações preliminares
Nesta fase inicial da pesquisa, o Observatório Social constatou que o processo de reestruturação pelo qual passa o setor cervejeiro tem provocado efeitos negativos sobre os trabalhadores. No caso específico da AmBev, vimos que há uma tendência à precarização das relações de trabalho, decorrente, principalmente, da terceirização. Há também uma tendência para o desemprego, em parte por causa do fechamento de algumas fábricas. Os problemas apontados por sindicalistas nesta primeira etapa — redução dos salários, desrespeito à organização sindical, dificuldade de comunicação com a empresa, carga horária superior à prevista em lei, perdas de benefícios, redução das conquistas do acordo coletivo, entre outros — levam a crer que a AmBev não respeita várias das convenções da OIT (Organização Internacional do Trabalho), nem tampouco as diretrizes da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), compromissos de respeito aos direitos trabalhistas universais e de proteção ao meio ambiente.
AmBev em números - 2001 Lucro líquido
784,6 milhões
Funcionários
18.136
Acionistas
60.000
Participação no mercado brasileiro
68,5%
Unidades industriais
46 (38 no Brasil e 8 no exterior)
*Distribuidores
550
*Frota de caminhões
6.000
*Vendedores
11.000
Visitas diárias aos pontos de venda
365.000
*A maior parte desses serviços é terceirizada Elaboração: Observatório Social
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A Nestlé é a maior empresa de alimentação do mundo e uma das multinacionais pioneiras da globalização. No final de 2001, atuava em 85 países, com 468 fábricas e cerca de 230 mil empregados. Criada em 1867 na Suíça, menos de uma década depois já era uma sociedade anônima, expandindo-se por meio de fusões e aquisições. Em 1921 estabeleceu-se no Brasil, importante fornecedor de matériasprimas e grande mercado consumidor. O estudo preliminar do Observatório Social apontou algumas contradições entre os compromissos sociais e trabalhistas assumidos pela Nestlé e sua prática cotidiana.
A Nestlé orgulha-se de sua diversidade, do fato de ter muitas gerentes mulheres e de incentivar a contratação de portadores de deficiências. Seus Princípios Básicos de Administração e Liderança enfatizam o respeito ao indivíduo e a promoção por mérito. A empresa assegura que respeita o direito de associação dos trabalhadores e fiscaliza os fornecedores para evitar o trabalho infantil. Também diz se esforçar para que as atividades de reestruturação não prejudiquem seus empregados. Ela é signatária do Global Compact das Nações Unidas, um termo de compromisso voluntário com o respeito aos direitos humanos, trabalhistas e ao meio ambiente. No Brasil, sétima maior operação da Nestlé no mundo, a corporação conta com 25 fábricas e emprega 15 mil pessoas. Em 2001 produziu 1 milhão de toneladas de alimentos. Seus planos de expansão aqui são ambiciosos. O faturamento passou de R$ 2 bilhões em 2000 para R$ 5,7 bilhões em 2001. Para 2002 a estimativa é de R$ 6,5 bilhões e, segundo o presidente da empresa no Brasil, Ivan Zurita, a meta é atingir R$ 10 bilhões em 2006. Como parte dessa estratégia, a Nestlé comprou a Chocolates
NESTLÉ EM NÚMEROS/2001 Faturamento
US$ 50,4 bilhões
Lucro*
US$ 3,9 bilhões
Empregados
229.765
Países que atua
65
Fábricas
468
Posição no ranking do setor de alimentos
1a
Posição no ranking das corporações/2002
55a
Fontes: Nestlé; Fortune*
Garoto e tem feito pesados investimentos em publicidade.
Os problemas
Ainda que de forma preliminar, foram detectados indícios de divergências entre as declarações da Nestlé quanto ao seu compromisso social e as práticas reais. Isto aponta a necessidade de aprofundamento da investigação e de fortalecimento da organização dos trabalhadores. Entre as contradições estão os problemas de saúde no trabalho. Segundo a UITA (União Internacional dos Trabalhadores na Alimentação), é freqüente a recusa, por parte das gerências no Brasil, em reconhecer a existência de LER/DORT (Lesões por Esforços Repetitivos). A entidade denuncia a prática da empresa de despedir trabalhadores incapacitados, “principalmente jovens e mulheres”. Há muitas queixas quanto à dificuldade de acesso a informações sobre a reestruturação produtiva, que envolvem inovações tecnológicas, corte de custos, transferências de pessoal, terceirização, fechamento de fábricas e demissões. Também foram identificados problemas na cadeia produtiva do leite. A captação do produto vem aumentando, mas o número de produtores e fornecedores da Nestlé vem caindo. O privilégio aos grandes produtores tem provocado uma séria crise social. Na elaboração do estudo da empresa, foram entrevistados dirigentes sindicais de quatro fábricas no Brasil e da Contac (Confederação dos Trabalhadores na Alimentação). Os pesquisadores coletaram informações na UITA, na OIT (Organização Internacional do Trabalho), no Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos), no web site da empresa e em reportagens jornalísticas.
os estudos/AMBEV.NESTLÉ
NESTLÉ não negocia sua reestruturação produtiva
Leia o estudo de empresa na íntegra em http://www.observatoriosocial.org.br
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(...) XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; (...)” Constituição Federal do Brasil, 1988
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BANCO DE IMAGEM DO INSTITUTO OBSERVATÓRIO SOCIAL/2001 . FOTO SALETE FRAGA
“Art. 7º: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
Dois pesos
Hartmann-Mapol A dinamarquesa HartmannMapol estabelece negociações com sindicatos no Brasil a partir da divulgação da pesquisa do Observatório Social O Sindicato dos Trabalhadores de Papel e Celulose de Sorocaba (SP), tem uma histórica dificuldade em negociar com a HartmannMapol . Nos últimos anos 204 trabalhadores apresentaram doenças ocupacionais, mas a empresa não reconhece o problema, despreza o sindicato e sequer mantém negociações coletivas regulares. Ao longo do tempo foram feitas inúmeras denúncias contra a Mapol. O Sindicato dos Trabalhadores do Papel de Sorocaba (STIP) iniciou em 1993 um projeto para avaliar a saúde dos trabalhadores na região de Sorocaba e constatou que a Mapol tinha a pior situação entre 18 empresas. Foi solicitada a intervenção do Ministério do Trabalho, houve tentativas de negociação direta com a empresa e denúncias para a imprensa, inclusive uma série de reportagens no jornal dinamarquês Billed Bladet. Estas denúncias foram solenemente negadas pela empresa, que sempre as atribuiu à intransigência e ao radicalismo do sindicato. No ano de 2001, o STIP e o Sindicato Nacional do Papel (SINAP) resolveram usar outra estratégia: buscar o Observatório Social para realizar um estudo ainda mais amplo na empresa. Este trabalho foi aprimorado em 2002 e, de acordo com o tesoureiro da Confederação Nacional dos Químicos, Iduigues Ferreira Martins, acabou se tornando "uma experiência prática, que mostra como se organi-
Duas medidas LIBERDADE SINDICAL A Hartmann-Mapol no Brasil viola a Convenção 87 da OIT que garante a liberdade sindical e o direito à sindicalização por parte dos trabalhadores. Perseguir trabalhadores, falsear assembléias, colher assinaturas de trabalhadores sob pressão da empresa são práticas abundantemente denunciadas pelos trabalhadores afastados e da ativa na Mapol. A empresa não reconhece o sindicato como legítimo representante dos trabalhadores e ainda desenvolve um comportamento antisindical junto a seus empregados. DIREITO DE ORGANIZAÇÃO E NEGOCIAÇÃO COLETIVA A empresa viola a Convenção 98 porque não permite e reprime a sindicalização de seus trabalhadores. Há denúncias de perseguições a sindicalistas, vigilância constante no interior e fora da empresa (através de câmeras de filmar), entre outras.
os estudos/MAPOL
Uma prática na matriz outra prática no Brasil
PROIBIÇÃO DE TODA E QUALQUER DISCRIMINAÇÃO As Convenções 100 e 111 são violadas, pois a empresa não garante o princípio da igualdade de remuneração para o trabalho de igual valor. Ao contrário, as mulheres são as mais penalizadas pelas práticas da empresa no que se refere à contratação, à promoção e ao tratamento das doenças do trabalho, principalmente quanto à incidência de LER (Lesões por Esforços Repetitivos). Cerca de 80% dos lesionados da Mapol são mulheres. DEFESA DO MEIO AMBIENTE Não há iniciativas da empresa para envolver os trabalhadores em programas sobre o meio ambiente. Mesmo que práticas sustentáveis estejam sendo implantadas, os trabalhadores e o sindicato estão totalmente ausentes da iniciativa. SAÚDE E SEGURANÇA OCUPACIONAL A empresa faz uso de práticas nocivas à saúde e segurança do trabalhador, o que constitui violação das Convenções da OIT que tratam desse tema. Além disso, mesmo depois de inúmeras denúncias, da fiscalização do Ministério do Trabalho e do afastamento do médico da empresa, os casos de LER na Mapol, que sofreram pequena redução, começaram novamente a aumentar no início de 2001. Passaram-se mais de oito anos desde que o sindicato de trabalhadores da região iniciou o trabalho com os lesionados e até hoje a empresa não conseguiu pôr em andamento um programa preventivo eficiente a fim de evitar novos casos de LER.
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zar (os sindicatos) a partir do trabalho do Observatório Social". O relato de Iduigues foi feito durante o 2º Seminário Pesquisa e Ação sindical, realizado pelo Observatório, em 19, 20 e 21 de junho deste ano, mesmo período em que se realizava a primeira negociação concreta com a Mapol aqui no Brasil, contanto com a presença de representantes da matriz na Dinamarca e o gerente local e com sindicalistas dinamarqueses, brasileiros, representantes da CUT e do Observatório Social.
Além das doenças ocupacionais A pesquisa realizada pelo Observatório Social na Mapol, além de confirmar os casos de doenças ocupacionais ignorados pela empresa, também constatou várias situações irregulares em outros setores (veja quadro na página 27). Verificou-se uma flagrante contradição entre a cultura de responsabilidade social propagada pela empresa internacionalmente e sua prática no Brasil. O relatório da pesquisa foi encaminhado para a LO, Central Sindical dinamarquesa, que entrou em contato com a matriz da Hartmann em Copenhagen. Esta ação desencadeou as reuniões no Brasil, forçando uma ação da empresa para mudar esta situação. Assim, em junho deste ano foram instituídos um grupo de trabalho e duas comissões para discutir as relações de trabalho, o procedimento para a negociação coletiva e saúde e segurança, com destaque para as LER. Os problemas apontados a partir da pesquisa do Observatório Social e da ação sindical internacional acabaram por suscitar mudanças na direção da empresa aqui no Brasil. Diante da contratação de um novo diretor geral, Fernando Silveira, e da criação da Diretoria de Desenvolvimento Sustentável na empresa, o Sindicato acredita que serão efetivamente iniciadas as reuniões das comissões na empresa. No dia 4 de novembro aconteceu a primeira reunião da Comissão Supranacional da Mapol.
Metodologia da pesquisa reflete na ação sindical O tesoureiro da CNQ, Iduigues Ferreira Martins, também ressaltou
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outro aspecto da pesquisa, que foi o envolvimento da fábrica através das oficinas e entrevistas. “Isto deu um gás novo na organização sindical”, disse. “Se ficássemos da porta para fora já seria um instrumento importantíssimo, mas permitiu ainda mais, com o contato com os companheiros. O relatório mostra credibilidade, e para nós é um instrumento importantíssimo. A pesquisa do Observatório contribuiu para a organização interna e também na relação internacional. Acredito que a negociação que está ocorrendo agora vai gerar um intercâmbio contínuo com os companheiros da Dinamarca. Lá fora a empresa se preocupa com o rio que passa na cidade, com a água que a população está bebendo, e aqui não é assim. O relatório pode se tornar uma referência para a discussão no campo institucional, com a Justiça, com a sociedade”, comentou Martins.
Mapol tem história de relações de trabalho ruins A empresa Mapol inaugurou sua fábrica para produção de embalagens de ovos e frutas, na cidade de Sorocaba, no início da década de 70. Posteriormente uma outra unidade foi construída na cidade de Montes Claros, em Minas Gerais. É uma empresa de capital dinamarquês, que inicialmente fazia parte do conglomerado da Companhia Este Asiática e que posteriormente foi vendida para a Hartmann S.A. A Companhia Este Asiática era conhecida por aplicar péssimas relações de trabalho em suas empresas no exterior e na Mapol não era diferente. Devido à inadequação ergonômica das suas máquinas e à alta velocidade da produção, os casos de trabalhadores lesionados por esforços repetitivos na fábrica se tornaram crônicos. O número de casos novos que surgiram por ano durante a última década foi muito superior à média do setor na mesma região. A empresa sempre negou as denúncias, e a gerência também se recusava a tratar do tema com o sindicato. Na década de 90, muitos trabalhadores tiveram que se afastar do trabalho devido a LER/DORT e após
terem sido assistidos pelo sindicato que proporcionou exames médicos realizados por profissionais sem vínculos com a empresa - puderam ingressar na Justiça do Trabalho reivindicando seus direitos, o que, como todos sabem, demora para alcançar algum resultado. Hoje há mais de 200 trabalhadores nessa situação. Com a venda da fábrica para a Hartmann S.A. algumas das máquinas mais obsoletas foram substituídas, embora haja informações que teriam sido enviadas à fábrica de Montes Claros. Porém houve também um processo de reestruturação produtiva que reduziu os quase mil trabalhadores empregados em 1990 a pouco mais de 300 em 2001. Graças a isto, a velocidade da linha de produção aumentou, continuando a haver ocorrências de LER/ DORT. O desprezo pelo sindicato também prosseguiu, assim como a ausência de negociações coletivas regulares.
Lá fora a empresa se preocupa com o rio que passa na cidade, com a água que a população está bebendo, e aqui não é assim. O relatório pode se tornar uma referência para a discussão no campo institucional, com a justiça, com a sociedade
NOKIA
Repercussão internacional na Nokia
NOKIA
Realizada com a cooperação da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM/CUT) e do Sindicato dos Metalúrgicos de Manaus, a pesquisa na Nokia, fábrica de celulares finlandesa instalada na Zona Franca de Manaus, foi concluída em julho de 2002. O lançamento nacional ocorreu em agosto, quando o relatório foi entregue ao Sindicato e para a empresa. A principal repercussão ocorreu em setembro, quando a pesquisa foi levada ao SASK (Centro de Solidariedade Sindical finlandês) e lá foi divulgada para a imprensa. Os sindicatos na Finlândia com base na Nokia divulgaram, na ocasião, um comunicado propondo um acordo internacional com a empresa para a melhoria dos direitos humanos e sindicais na empresa.
Organização mundial dos sindicatos O intercâmbio entre o Sindicato dos Metalúrgicos de Manaus e o Sindicato dos Metalúrgicos da Finlândia é uma realidade a partir da divulgação da pesquisa na Nokia. Na oportunidade da divulgação na Finlândia, o presidente do sindicato brasileiro, Agostinho Pereira Corrêa, esteve presente, se encontrou com sindicalistas de lá, concedeu entrevistas à imprensa, visitou a fábrica da Nokia e planejou a continuidade deste intercâmbio. No período de 4 a 9 de dezembro de 2002 foi realizado no Brasil o 1º Encontro dos Sindicatos da Nokia, com a participação do Observatório Social. Kari Sairo, do Sindicato dos Metalúrgicos da Finlândia e Risto Lehtilalti, do Comitê Sindical Europeu da Nokia, que participaram do encontro em Manaus, relataram a ação dos trabalhadores da empresa que buscam constituir um Comitê Sindical Global da Nokia. Para eles, a atitude do alto comando da empresa é de desistimular a organização sindical em todos os locais em que atua no mundo. O representante da Federação Internacional dos Metalúrgicos (FITM) Toni Ferigo, também presente no encontro, assinalou a importância da cooperação entre os trabalhadores estar baseada em uma pesquisa, que será útil para a formação dos sindicalistas, lembrando que a organização internacional dos sindicatos poderá ajudar muito a ação local dos mesmos.
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NO
A Nokia no Brasil
Padrões trabalhistas estão acima da média, mas sindicato está ausente do local de trabalho
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A Nokia foi estudada pelo Observatório Social entre outubro de 2001 e julho de 2002. A ausência de empregados sindicalizados é um dos aspectos que mais chamam a atenção. Ao mesmo tempo em que a postura da empresa é de reconhecer o sindicato como interlocutor e representante da categoria, de negociar com o sindicato e mesmo de fornecer as informações necessárias para a negociação, por outro lado estabelece com o empregado uma relação de trabalho
que dispensa a presença do Sindicato. Esta idéia se reflete claramente na expressão de uma trabalhadora entrevistada. Ela afirma que “a Nokia é como uma mãe”, e entre mãe e filho não é necessária nenhuma intermediação. Na visão da empresa, expressa pela Gerente de Comunicação Corporativa Paula Barifouse, o relatório confirma a percepção positiva das relações da Nokia com seus funcionários. Outro aspecto destacado na pesquisa diz respeito à discriminação de gênero. Foi constatado que, mesmo tendo em seu quadro efetivo um número equilibrado de homens e mulheres (a mão-de-obra é 49,08% feminina e 50,92% masculina), o quadro de trabalhadores terceirizados da empresa tem uma maioria de mulheres (80%). Levando-se em consideração a forma de contratação das terceirizadas, este
KIA A empresa
A Nokia possui três unidades de negócios no Brasil: a Nokia Mobile Phones, com escritório em São Paulo e unidade industrial em Manaus; a Nokia Networks, com escritórios em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília, e a Nokia Internel Communications, que atende empresas e provedores de serviços de internet. A unidade de Manaus é uma das oito fábricas de celulares da corporação no mundo. Ela emprega 1.356 trabalhadores, entre efetivos, terceirizados e estagiários. As outras fábricas estão localizadas na Finlândia, China, Alemanha, Hungria, México, Coréia do Sul e Estados Unidos. Ao todo, a Nokia tinha mais de 60 mil funcionários em 2001, quando ocupava o 50º lugar no ranking das 500 maiores empresas, organizado pela revista Fortune. Foi considerada a 6ª colocada entre as 50 maiores do mundo digital, pela revista Exame de julho
de 2001. Está presente em 50 países e vende telefones celulares em 130.
Sindicatos defendem direito de sindicalização
A pesquisa foi divulgada em Manaus em agosto de 2002, oportunidade em que o Relatório Geral foi entregue para a empresa. No dia 18 de setembro realizou-se o lançamento na Finlândia, promovido pelo SASK (Centro de Solidariedade Sindical finlandês), juntamente com três sindicatos que atuam na NOKIA naquele país (Sindicato Nacional dos Metalúrgicos, União Nacional dos Empregados Assalariados e Sindicato Nacional dos Engenheiros). O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Manaus, Agostinho Pereira Corrêa, esteve presente e voltou para o Brasil com a missão de organizar, em Manaus, um Seminário dos trabalhadores da NOKIA, no mês de dezembro, com a participação do Observatório e dos sindicatos finlandeses. Segundo avaliação do coordenador de projetos do SASK, Jukka Pääkkönen, a coletiva de imprensa realizada durante o lançamento da pesquisa foi um sucesso e o estudo alcançou publicidade muito grande, com reportagem na principal rede nacional de televisão, rádio e jornais. Também foram vinculadas várias matérias na imprensa sindical. Naquela data, ainda, os sindicatos finlandeses (membros da Federação Internacional dos Trabalhadores da Indústria Metalúrgica - FITIM) divulgaram comunicado à imprensa afirmando que estão dispostos a promover discussões com a Nokia sobre um acordo mundial baseado nas orientações éticas das empresas e confirmaram também seu apoio ao trabalho da FITIM em favor da criação dos conselhos mundiais nas empresas multinacionais. “O objetivo dos sindicatos é a melhoria dos direitos humanos e sindicais por intermédio da cooperação mundial dos trabalhadores
metalúrgicos. Os sindicatos apóiam a sindicalização dos trabalhadores, a cooperação internacional e a solidariedade entre as unidades internacionais das empresas finlandesas. Os sindicatos enfatizam na sua atuação particularmente o direito de sindicalização dos trabalhadores e o direito à negociação coletiva”, afirma a nota.
Imprensa considera estudo “valioso”
Entre as diversas reportagens veiculadas na imprensa a respeito do estudo que o Observatório Social realizou na NOKIA de Manaus, merece destaque o texto editorial do Helsingin Sanomat, um dos maiores jornais em circulação na Finlândia. O jornal considera “séria” a observação de que a NOKIA, em sua fábrica de Manaus, assume uma atitude patronal de proteção, dificultando uma relação de negociação adequada e distorcendo as relações de trabalho. O jornal afirma: “A pesquisa Nokia é valiosa em vários aspectos. Além de mostrar que a maior empresa finlandesa atua de uma maneira responsável num país em desenvolvimento, a pesquisa enfatiza que numa economia mundial que se globaliza, os direitos dos trabalhadores constituem um elemento central: os direitos humanos e os direitos sindicais caminham de mãos dadas. Para compensar a circulação mais livre de capitais e de mercadorias, cada vez mais atenção deve ser voltada aos direitos dos trabalhadores e à responsabilidade das empresas sobre o meio ambiente. As empresas internacionais que se localizam nos países em desenvolvimento, além das possíveis razões ligadas ao mercado também por causa dos custos de produção mais baixos em relação aos países industrializados, devem compreender sua responsabilidade. A atuação responsável das grandes empresas promove o nascimento de práticas de negócios transparentes e respeitosas com o local e com os trabalhadores.”
NOKIA
fato aponta que a inserção de mulheres na empresa se dá de forma mais precarizada. Outro indício de discriminação está na exclusividade de homens nos cargos de gerentes e maioria deles nos cargos de chefia e supervisão. Esta conclusão, entretanto, é contestada pela Nokia, que considera a amostra da pesquisa pouco representativa. No setor de saúde e segurança no trabalho e meio ambiente o estudo apresentou aspectos positivos no cumprimento do que é exigido por lei. A maioria dos trabalhadores atestou receber informações sobre cuidados com a saúde e segurança, avaliando com conceitos ótimo e bom (95,9% dos entrevistados) as condições gerais de trabalho na empresa. Entretanto, 56% dos trabalhadores questionados apontaram que os tipos mais freqüentes de doenças se enquadram na categoria de riscos ambientais ergonômicos (lesões por esforços repetitivos), relacionados com o ritmo intenso de trabalho determinado pelos mecanismos de avaliação e de controle do Programa de Participação nos Lucros e Resultados.
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Cadeia produtiva do alumínio é alvo de estudo O estudo das empresas ALCAN e ALCOA na Cadeia Produtiva do Alumínio é parte do projeto de pesquisa realizado pela LO Noruega (Confederação de Sindicatos de Trabalhadores), coordenado no Brasil pelo Observatório Social e desenvolvido em parceria com o Departamento de Estudos Sócio-Econômicos e Políticos da Central Única dos Trabalhadores, Desep/CUT. Os pesquisadores apresentam neste estudo (já disponível para download no endereço da internet www.observatoriosocial.org.br) um apanhado sobre a evolução recente do segmento de alumínio, no âmbito internacional e nacional, focalizando a inserção mundial dos treze principais grupos empresariais e destacando a atuação dos seis grupos em atividade no Brasil. Além disso, foi montado um quadro preliminar da situação organizacional das entidades sindicais brasileiras representativas dos trabalhadores no setor. Os grupos Alcan e Alcoa tiveram um mapeamento preliminar tanto das entidades sindicais quanto de suas principais unidades de produção no Brasil. Através deste estudo, pesquisadores, sindicalistas e estudantes podem obter informações descritivas das principais etapas que compõem o processo de produção do alumínio e dados específicos sobre a atuação dos dois grupos focalizados, tanto em âmbito mundial quanto no brasileiro. Há destaque quanto aos elementos da estratégia global e local de cada conglomerado, referenciando seus principais processos de alianças e de fusões. Sobre a estruturação sindical nas unidades de produção dos grupos empresariais, encontram-se aspectos gerais de cada entidade como: base de abrangência territorial, número de trabalhadores na base, taxa de sindicalização e filiação à Central Sindical. Também foram verificados aspectos específicos a cada unidade de produção, como número de trabalhadores de cada planta, número de trabalhadores representado pelo sindicato, data-base, taxa de sindicalização na empresa e salário médio mensal.
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Conhecendo a Alcoa e Alcan A norte-americana Alcoa Inc. é a principal produtora mundial de alumínio primário, atuando em diversos segmentos industriais e de prestação de serviços vinculados à utilização do alumínio. Em 2001, contava com 129 mil empregados em 350 unidades de produção e comercialização em 37 países. Neste mesmo ano, a empresa obteve faturamento de US$ 22,9 bilhões e um lucro líquido de US$ 805 milhões. A maior parte do faturamento da empresa está concentrada nos EUA (cerca de 66%), seguida da Europa (20%), Ásia e a Oceania (juntas, 7%), mesmo percentual de faturamento do Canadá e da América Latina. Atua no Brasil desde 1965. Em 2001, empregava mais de 5 mil funcionários e produzia, em 13 unidades fabris, 21,5% de todo alumínio primário feito no país. O perfil de inserção da Alcoa no Brasil caracteriza-se pela presença em todos os segmentos da cadeia do alumínio, ocupando a liderança na produção de alumina, alumínio primário e produtos de alumínio.
A Alcan Inc., de capital canadense, é a segunda maior empresa de alumínio do mundo, detendo a terceira posição na produção de alumínio primário com 8,3% da produção mundial e a segunda posição mundial em produtos de alumínio. Em 2001, obteve faturamento de US$ 12,6 bilhões empregando cerca de 51.800 pessoas em 38 países. A Empresa, de capital canadense, mas com ações negociadas nas bolsas de Nova Iorque, Montreal, Londres, Genebra e Sidney, está estruturada em quatro grandes áreas de atuação: Metais Primários, Fabricação de Alumínio América e Ásia, Fabricação de Alumínio Europa e Embalagens. Está presente no Brasil desde 1940. A Alcan está estruturada no Brasil por meio de unidades próprias de extração de bauxita, refino de alumina e fabricação de produtos acabados de alumínio primário.
Representação sindical As 27 unidades estudadas estão distribuídas pelos Estados de Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo, Bahia, Maranhão e Pará. Seus trabalhadores são majoritariamente representados por sindicatos das categorias metalúrgica, química e de extração. Apenas 18 das unidades estudadas apresentaram informações sobre filiação à Centrais sindicais. Destas, dez são filiadas à CUT, sete à Força Sindical e uma declara-se independente. Juntas, essas da Alcoa e da Alcan empregam mais de 11.000 trabalhadores.
tem problemas ambientais e de segurança A Basf foi escolhida como objeto de pesquisa por vários fatores. Ela é líder brasileira no segmento de tintas imobiliárias, com 70% do mercado. Sua estratégia de produção está sendo revista e deve provocar impactos significativos sobre os empregos. Um exemplo é o anúncio do fechamento da fábrica em Paulínia (SP) em 31 de dezembro de 2002, que vai suprimir 400 postos de trabalho. A pesquisa também pode fortalecer o movimento sindical, que desde 1999 se articula na Rede Sul-Americana de Trabalhadores, com apoio de sindicatos europeus. O levantamento foi realizado por meio de questionários, entrevistas e depoimentos de trabalhadores e dirigentes sindicais, além de dados obtidos no web site da empresa e documentos oficiais de órgãos públicos. Convidada a se manifestar sobre o estudo, a empresa não deu resposta. O Observatório Social espera que esta colaboração possa se dar no futuro, em uma pesquisa mais aprofundada e sistemática. Foram analisadas as unidades paulistas de São Bernardo do Campo, Guaratinguetá, São Caetano do Sul e Paulínia, além da fábrica do pólo petroquímico de Camaçari, na Bahia. O grupo atua nos setores químico, de plásticos e fibras, óleo e gás, agricultura e nutrição – está entre os três maiores fabricantes mundiais de venenos agrícolas. Em 2001 a Basf se desfez do braço farmacêutico para se concentrar na fabricação de produtos químicos. Também anunciou o fechamento de dez fábricas, a redução de expansão de capital e a demissão de 4 mil funcionários, acelerando uma tendência que já aparecia ao longo da década. Entre 1991 e 2000 foram demitidos 26 mil trabalhadores e a empresa praticamente dobrou o lucro líquido. Apesar de ser signatária do Global Compact – compromisso voluntário das empresas transnacionais com os direitos humanos, trabalhistas e a preservação do meio ambiente –, a Basf não parece estar colocandoo em prática. Conforme os dirigentes
tâncias químicas nos últimos anos. Uma das causas apontadas é a falta de informações sobre os riscos. Ainda segundo os dirigentes sindicais, diversos acidentes deixam de ser registrados na CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho). Foram detectadas falhas na política de prevenção. Um levantamento feito pelo sindicato em 2001 aponta que ocorreram 99 derramamentos de matéria-prima ou produto na unidade apenas nesse ano. Desses, 12 levaram a princípios de incêndio e 19 atingiram locais fora dos limites da empresa. Outro problema detectado é a contaminação do solo da unidade por produtos químicos, que foram utilizados anos atrás em um aterro para construção de um galpão e um pátio de estacionamento. Na fábrica de Camaçari (BA), segundo os entrevistados, as chefias dificultam a participação dos empresindicais entrevistados, o diálogo com gados em eventos que envolvam o sina comunidade é limitado e exclui o dicato. A atitude da empresa diante sindicato sistematicamente. A empre- de acidentes de trabalho demonstra sa apresenta problemas de contami- descaso e descumprimento da legisnação ambiental, especialmente vaza- lação. Um estudo realizado pelo sinmento de produtos químicos. dicato entre 1988 e 1995 para acomQuestões de saúde e seguran- panhar a saúde de 20 trabalhadores ça do trabalho se caracterizam pela comprovou doenças do trabalho em 13 pouca transparência. Segundo denún- deles. Chamaram a atenção os casos cia do Sindicato dos Químicos do de doença de fígado, confirmados ABC, na unidade de São Bernardo do como lesões provocadas pelo produto Campo (SP) ocorreram dezenas de in- tóxico dimetilformamida. toxicações de trabalhadores por subsEm Guaratinguetá (SP) os dirigentes sindicais são unânimes em BASF EM NÚMEROS afirmar que a empresa não comunica 2001 os acidentes de trabalho. Os tipos de Faturamento US$ 29,1 bilhões acidentes são variados: morte causada por doenças pulmonares, proble2001 mas na coluna, câncer, perda dos deLucro líquido US$ 5,2 bilhões dos, lesões nos braços, queimaduras por substâncias químicas, entre ou2001 tras. Há relatos de postura anti-sindiEmpregados 92.545 cal e de discriminação de trabalhadores de raça negra. Em síntese, o mapa aponta in2002 Posição no ranking de corporações* dícios de diversas contradições em relação aos compromissos expressos 142a pela empresa em seu web site quanto a desenvolvimento sustentável, diálo2002 Posição no ranking do setor químico go franco com a comunidade, proteção à saúde do trabalhador e ao meio 1a ambiente. Fontes: Basf (www.basf.com); Fortune*
Maior corporação mundial do setor químico, a Basf gerencia negócios em mais de 170 países a partir da matriz em Ludwigshafen, Alemanha. Seu complexo industrial possui 350 unidades em 38 países, onde são fabricados 8 mil produtos por cerca de 93 mil trabalhadores. O grupo tem 41 unidades em 12 países da América Latina. São 7 mil trabalhadores diretos, dos quais cerca de 5 mil no Brasil. O mapa da empresa, elaborado entre novembro de 2001 e junho de 2002, identificou diversos problemas no comportamento social.
os estudos/ALCOA E ALCAN.BASF
BASF
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VICUNHA
tratamento desigual nas suas unidades A unidade IV, principal foco da pesquisa do Observatório Social, apresenta as piores condições. O tratamento também é desigual em relação à representação sindical nas quatro unidades verificadas. A Vicunha é a empresa brasileira que lidera o ranking nacional do setor têxtil em crescimento das vendas, mercado conquistado e receita obtida. Por sua grande importância na cadeia têxtil brasileira e nordestina, a empresa justifica o estudo realizado pelo Observatório Social, mais ainda ao ter realizado um significativo processo de reestruturação entre 1999 e 2000. Neste período foi criada a holding Vicunha Nordeste S.A., que a partir de 2001 passou a chamar-se Vicunha Têxtil S.A.. O estudo realizado na empresa teve como foco principal a Unidade IV, localizada em Fortaleza (CE), e estendeu-se ainda para as unidades I, III e V, também no Ceará, o que permitiu apontar as diferenças de tratamento aos empregados e aos sindicatos representativos nas diferentes unidades. Dos 15 mil trabalhadores da Vicunha, oito mil se concentram nos locais estudados. As quatro unidades estudadas, entretanto, fizeram com que o estudo apresentasse uma característica própria: os trabalhadores da categoria têxtil da Vicunha I e V são representados pelo Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Têxtil de Maracanaú, filiado à Força Sindical, enquanto os da Vicunha III e IV são representados pelo Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Têxtil de Fortaleza, filiado à CUT. Esta diferença de representação sindical também se reflete na ação da empresa, pois registrou-se que a Vicunha dispensa um tratamento desigual aos impasses levantados pe-
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los diferentes sindicatos. O Sindtêxtil de Fortaleza (Unidades III e IV) encontra bastante dificuldade em ver solucionados os conflitos e, freqüentemente, tem recorrido à Delegacia Regional do trabalho (DRT), a fim de solucionar os impasses. A Unidade IV apresenta algumas das piores condições em relação à negociação coletiva e liberdade sindical. Os sindicalistas acusam a empresa de minar a ação sindical, através de comentários negativos sobre o sindicato, constrangimento aos trabalhadores que lêem material informativo da entidade, suspensão de dirigentes sindicais e ameaças de demissão. Em períodos de negociação coletiva, a unidade IV da Vicunha costuma realizar atividades envolvendo seus empregados, como torneios de futebol com sorteio de bicicletas, para reduzir a participação nas assembléias e outros eventos sindicais.
Brutalidade e desrespeito Historicamente, o setor têxtil emprega um número significativo de mulheres. A Vicunha não é exceção. Como operadoras ou ajudantes de produção, as mulheres se concentram principalmente nas etapas de acabamento e fiação. Mas os postos qualificados, exceto para a função de operador de produção, são majoritariamente ocupados por homens. O Observatório Social realizou uma Oficina Sindical com pesquisadores, dirigentes sindicais e trabalhadores, também aplicou questionários a dirigentes sindicais e questionário e entrevista a uma amostra definida de trabalhadores da empresa. No questionário realizado com os trabalhadores, homens e mulheres, 54,84% responderam conhecer alguma mulher que tenha sido desrespeitada ou maltratada por alguém da empresa. Alguns entrevistados afirmam que a discriminação é praticada pelos supervisores
A EMPRESA EM NÚMEROS Faturamento R$ 1,6 bilhão Funcionários 15 mil - Brasil 8 mil nas quatro unidades pesquisadas – Unidades I, III, IV e V ( 2000) Exportações
US$ 111 milhões · 40% das exportações destinam-se à América do Sul · 40% para os EUA · 20% restantes, principalmente para a Europa
Participação no mercado brasileiro
· 40% do mercado de índigo · 26% de brim · 11% de fios
Participação no mercado externo
· 30% do mercado de índigo · 20% de brim · 8% de fios
Unidades 15 unidades; operacionais as 4 pesquisadas estão no Ceará
de produção, que "dificultam o acesso das mulheres aos banheiros, gritam, comentam negativamente sobre a condição feminina, dirigem-lhes palavras de baixo calão e até empurrões". Estes registros de desrespeito não foram verificados nas demais unidades pesquisadas. Entretanto, não existe creche em nenhuma das unidades e na I e na V não é concedido o auxílio creche. Por outro lado, o estudo aponta situações afirmativas quanto ao gênero na empresa, como os cursos e seleções abertos a homens e mulheres, mulheres em cargos de gerência, supervisoras e mecânicas (funções tradicionalmente ocupadas por homens), mesmo que de maneira pouco expressiva.
BANCO DE IMAGEM DO INSTITUTO OBSERVATÓRIO SOCIAL/2001 . FOTO ROSANE LIMA
“A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.” Estatuto da Criança, artigo 15
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PHILIPS
Banco de Imagem/IOS-equipe de pesquisa
artigo
Pesquisa tem participação de 86% dos trabalhadores
Depois da Nokia, o Observatório Social enfrenta outro grande desafio em Manaus: realizar uma pesquisa em três unidades da Philips: Áudio/DVD, Televisores e Monitores de Vídeo (há outras duas, de componentes e de displays para celulares que são fornecidos à Nokia). A empresa passa por uma reestruturação global, com fechamento de fábricas no México e Europa. Desaceleração econômica, queda na rentabilidade e no preço das ações motivaram a terceirização de atividades, demissões em massa e novas alianças estratégicas.
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No Brasil, o grupo holandês encolheu de tamanho ao terceirizar para a coreana LG as unidades de São José dos Campos (SP), Capuava (SP) e Recife. Restou à Philips dirigir sozinha as cinco unidades de negócios em Manaus, a linha de lâmpadas automotivas em Recife, a divisão de aparelhos domésticos em Varginha (MG) e a de lâmpadas incandescentes (Capuava). De 8 mil empregos diretos no final dos anos 90, a empresa termina 2002 com pouco mais de 3 mil trabalhadores. Projetos para construção de unidades de lâmpadas fluorescentes e de semicondutores, no valor de US$ 1 bilhão, foram abortados. O OS precisa dar conta de dois processos: um bom diagnóstico das transformações que afetam os direitos dos trabalhadores e a capacitação dos sindicatos para a negociação coletiva. Um exemplo: a Philips acaba de vender o negócio de circuito impresso em todo o mundo para a empresa norte-americana Jabil. Mais de mil trabalhadores passam a ser empregados da Jabil, embora continuem a trabalhar no mesmo local e ainda dividam o mesmo refeitório. Quais as implicações dessa mudança em relação aos direitos, à liberdade sindical e à negociação coletiva? A pesquisa em Manaus pretende responder esta e outras perguntas. A Philips da Amazônia é a primeira empresa a se instalar na Zona Franca de Manaus e a única unidade da empresa no Brasil considerada “global”, ou seja, com níveis de competitividade similares aos de outras fábricas do grupo. A empresa decidiu apoiar a pesquisa e realizou uma atividade inédita junto ao Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Eletroeletrônica de Manaus: as linhas de produção foram paralisadas para que os pesquisadores pudessem explicar objetivos, metodologia, importância da participação, garantia de não identificação dos informantes, necessidade de devolução do questionário em envelope lacrado e prazos para a entrega. Um conjunto de procedimentos permitiu resultados preliminares expressivos: 1) negociação bem-sucedida com a empresa para sua participação; 2) vigorosa participação do Sindicato dos Metalúrgicos de Manaus; 3) reunião de toda a equipe de pesquisa com o gerente de RH; 4) reunião prévia com todos os chefes, incluindo terceiros e efetivos; 5) reforço permanente da importância da pesquisa para trabalhadores e empresa; 6) divulgação através de cartazes (quadro de avisos, locais estratégicos, ônibus) e conversas “corpo-a-corpo” com todos os trabalhadores. A articulação desses procedimentos permitiu que, de 1.020 questionários entregues, tivéssemos o retorno de 887, um índice significativo de 86,36%. A coleta de dados continua. Além da pesquisa quantitativa, a qualitativa está sendo realizada através de entrevistas com representantes da empresa e dos trabalhadores, para dar suporte a uma análise sólida e bem fundamentada. João Paulo Cândia Veiga e Márcia Perales Pesquisadores do Observatório Social
Sindicalistas terão guia sobre Diretrizes para Multinacionais O Guia do Usuário para Sindicalistas sobre as Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais será lançado no Brasil em 2003. Sua tradução para o português foi concluída recentemente pelo Observatório Social, em uma parceria com o Comitê Consultivo Sindical da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Trata-se de uma ferramenta útil para a ação sindical, que visa assegurar e proteger os direitos dos trabalhadores.
A OCDE surgiu em 1961 como sucessora da Organização para Cooperação Econômica Européia, que fora criada para administrar a ajuda dos Estados Unidos e Canadá à Europa após a Segunda Guerra Mundial. Formada por 30 países-membros, tem relações com governos de cerca de 70 países, ONGs e outras instituições da sociedade civil. Entre suas atribuições está a produção de recomendações, decisões e instrumentos acordados internacionalmente para promoção do progresso compartilhado. As Diretrizes são recomendações dirigidas pelos governos às corporações. Elas estabelecem princípios e padrões de cumprimento voluntário para uma conduta empresarial responsável. Seus objetivos são harmonizar as operações das empresas com as políticas governamentais, fortalecer a base da confiança mútua entre as empresas e as sociedades onde operam, melhorar o clima do investimento estrangeiro e aumentar a contribuição das multinacionais para o desenvolvimento sustentado. Veja na página seguinte os princípios gerais das Diretrizes. A íntegra está no web site do Ministério das Relações Exteriores: < http:// www.mre.gov.br/ocde/ ocde2.htm > e também no do Observatório Social.
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DIRETRIZES DA OCDE PARA Princípios Gerais As empresas devem plenamente ter em conta as políticas em vigor nos países onde desenvolvem as respectivas atividades, tendo em consideração os pontos de vista de outros agentes envolvidos. A este respeito, as empresas deverão:
01. Contribuir para o progresso econômico, social e ambiental, de forma a assegurar um desenvolvimento sustentável. 02. Respeitar os direitos humanos que de algum modo possam vir a ser afetados pelas respectivas atividades, em conformidade com as obrigações e compromissos internacionais assumidos pelo governo do país de acolhimento. 03. Encorajar a criação de capacidades em nível local em estreita cooperação com a comunidade local, incluindo os meios empresariais, desenvolvendo, ao mesmo tempo, as atividades da empresa no mercado nacional e internacional, de forma compatível com as boas práticas comerciais. 04. Encorajar a formação de capital humano, nomeadamente criando oportunidades de emprego e facilitando a formação dos trabalhadores. 05. Abster-se de procurar ou aceitar exceções não previstas no quadro legal ou regulamentar, em domínios como o meio ambiente, a saúde, a segurança, o trabalho, a tributação, os incentivos financeiros, ou outros. 06. Apoiar e defender os princípios
da boa gestão empresarial, desenvolvendo e aplicando boas práticas de gestão empresarial. 07. Elaborar e aplicar práticas de auto regulamentação e sistemas de gestão eficazes que promovam uma relação de confiança mútua entre as empresas e as sociedades onde aquelas operem. 08. Promover o conhecimento dos trabalhadores sobre, e fazer que ajam em conformidade com, as políticas da empresa, divulgando adequadamente essas políticas, inclusive através de programas de formação. 09. Abster-se de mover processos discriminatórios ou disciplinares contra trabalhadores que, de boa fé, apresentem relatórios à administração ou, se for o caso, às autoridades competentes, sobre práticas que contrariem a lei, as Diretrizes ou as políticas da empresa. 10. Encorajar, na medida do possível, os parceiros comerciais, incluindo fornecedores e subcontratados, a aplicar princípios de conduta empresarial compatíveis com as Diretrizes. 11. Abster-se de qualquer ingerência indevida em atividades políticas locais.
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Responsabilidade Social das Empresas: Ao analisar o conceito de responsabilidade social sob o ponto de vista dos trabalhadores, o Observatório Social toma como primeira referência os direitos fundamentais do trabalho definidos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). As resoluções da OIT, órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), são resultantes de uma estrutura tripartite, com a participação de governos, empregadores e trabalhadores. Outro marco importante são as Diretrizes da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) sobre Empresas Multinacionais. Certamente o conceito de responsabilidade social empresarial vai além dessas convenções, mas elas definem o patamar mínimo civilizatório para a promoção de justiça social.
com seus efeitos assimétricos, coloca em xeque esta capacidade. Ao lado da expansão do mercado internacional, assistiu-se na última década ao aumento da diferença entre os países ricos e pobres. As condições de trabalho e a qualidade de vida das populações foram afetadas negativamente, enquanto as empresas buscavam competitividade, produtividade e qualidade para seus produtos e serviços. Os diferentes movimentos sociais que buscam coibir os efeitos negativos da globalização apontam para a necessidade de construir uma lógica de produção eficiente e que, ao mesmo tempo, permita aos trabalhadores compartilhar da riqueza gerada. Neste aspecto, as iniciativas por responsabilidade social das
a visão dos trabalhadores
Para o movimento sindical, a discussão sobre liberalização do comércio serviu de parâmetro para propor uma alternativa aos efeitos negativos da globalização. Nos estudos realizados pelo Observatório, é relevante o fato de que a maioria das empresas cerceiam a liberdade de organização sindical, limitam a negociação coletiva e fazem discriminações de gênero e raça. Ao observarmos o meio ambiente interno e externo, encontramos sérios danos ambientais e locais de trabalho que, salvo exceções, continuam colocando em risco a saúde dos trabalhadores. A idéia de “responsabilidade social” surge concomitante com a empresa moderna. Desde o início da revolução industrial, algum tipo de compromisso social tem sido esperado das empresas. A globalização,
empresas podem se somar aos movimentos na defesa dos direitos fundamentais dos trabalhadores e na proteção ambiental, quando forem autênticas e não somente propagandísticas. Para tanto, diálogo e participação devem ser seguidos de compromisso social, fundamentado em normas legais.A identificação das ações de responsabilidade social autêntica e de padrões elevados de relações trabalhistas nas empresas é para o movimento sindical uma oportunidade para se buscar a “globalização de direitos” como contrapartida à “globalização econômica”. Entre as diferentes concepções implícitas na idéia responsabilidade social empresarial, aproximam-se mais dos interesses dos trabalhadores e da sociedade aquelas ações normatizadas que focalizam alterações no processo de produção, do que as ações voluntárias voltadas para a compensação de carências sociais ou, no limite, o puro marketing. As ações filantrópicas têm o mérito de promover solidariedade e aliviar situações imediatas para populações carentes. Algumas vão mais além e despertam uma consciência de cidadania, como no caso da campanha contra a Fome e a Miséria desenvolvida pelo Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas). No entanto, a filantropia tem um caráter imediato, focalizado para atenuar problemas sociais crônicos ou emergenciais. O conceito de responsabilidade social se diferencia ao se propor a ser um padrão público de comportamento corporativo, que envolve todos os setores incluídos no negócio – governos, investidores, fornecedores, trabalhadores, consumidores e comunidade. O comportamento consciente dos consumidores e investidores, escolhendo, evitando ou mesmo boicotando marcas em virtude do comportamento social, trabalhista e ambiental da empresa, exerce uma pressão positiva para que mais corpora-
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ções adotem princípios de responsabilidade social. O mercado, como expressão da vontade dos consumidores, neste caso pode atuar como agente impulsionador da ética nos negócios. Por sua vez, as empresas sintonizadas com as transformações exigidas pelos consumidores adotam os princípios de responsabilidade social e utilizam estes princípios como diferencial competitivo. Voluntarismo e a consciência ética são importantes, mas não são suficientes para garantir alterações profundas e de longo prazo, porque a lógica da empresa está atrelada à do processo produtivo, que privilegia a acumulação em lugar da distribuição. Tampouco o mercado pode ser posto como único parâmetro regulador da ação corporativa, pois a imediata pressão que consumidores podem exercer sobre as corporações, a longo prazo, perde efeito pela capacidade que as corporações possuem de moldar os padrões de consumo através de marketing. É importante a adoção de políticas públicas que beneficiem as empresas socialmente responsáveis.
do em situações de confronto nos períodos de negociação coletiva. 3) Boa parte do empresariado reconhece que a chocante má distribuição da renda no Brasil é um dos freios para o seu desenvolvimento. Entretanto, não há claros sinais de que haverá mudanças nos próximos anos. 4) A reestruturação produtiva, com seus processos deliberados de privatização, terceirização e flexibilização, reduziu consideravelmente os benefícios obtidos pelos trabalhadores e enfraqueceu os sindicatos. 5) No Brasil não existe a obrigação de manter os sindicatos informados sobre os planos de mudança que afetam os trabalhadores, o que prejudica seus direitos. As fusões e aquisições têm resultado em demissões em massa. 6) No Brasil, mulheres e não-brancos carecem de oportunidades e recebem salários entre 25% e 40% inferiores aos homens e brancos. Embora boa parte do empresariado reconheça o problema, a responsabilidade é transferida para a sociedade.
A visão dos trabalhadores Há uma diferença básica na visão que trabalhadores e empregados têm de responsabilidade social. O movimento sindical entende que qualquer avanço em relação aos direitos dos trabalhadores deve estar assegurado em normas e legislação, como condição básica para garantir que haja transformações de longo prazo. Enquanto grande parte das empresas ainda tende a colocar o enfoque na ação voluntária, o ponto de partida para o movimento sindical são as normas internacionais, basicamente da OIT. A atitude reservada do movimento sindical com respeito à responsabilidade social das empresas relaciona-se principalmente com seis aspectos da agenda sindical, que pouco são atendidos no âmbito nacional e internacional: 1) Boa parte das empresas ainda não cumpre o mínimo legalmente definido pela OIT. O Brasil não ratificou a convenção 87, que faz parte da Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e trata da liberdade sindical. 2) Embora haja exemplos animadores, o diálogo entre as direções de empresa e os sindicatos representantes dos trabalhadores deixa muito a desejar, resultan-
Possibilidades de convergência Diante do quadro acima, justifica-se a atitude de reserva do movimento sindical em relação a esta temática e a prioridade dada ao cumprimento das normas internacionais e não à contribuição voluntária às comunidades. Mesmo assim, é possível identificar vários pontos de convergência: 1) Liberdade Sindical: Para os sindicatos, acesso e liberdade de organização nos locais de trabalho. A constituição de comissões de fábrica/empresa (que tratam de todos os assuntos considerados estratégicos para o público interno) seria um avanço considerável. 2) Negociação Direta: Empresas que buscam ética na corporação não podem fugir de uma negociação mais direta e coordenada com os sindicatos. As grandes diferenças que existem dentro e entre os países são insustentáveis e injustificáveis. 3) Disponibilizar informações: O acesso à informação e o direito à consulta são aspectos inevitáveis para se chegar a uma empresa socialmente responsável. A Global Reporting Initiative esboça um futuro onde isto será norma.
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As partes na mesa de negociações devem ter informações relevantes por unidade de produção, por país e por corporação, no idioma nacional. 4) Emprego Decente: Emprego decente inclui os aspectos de salário, jornada de trabalho, férias, saúde, licença de maternidade etc. Uma empresa socialmente responsável não pode se esconder atrás do argumento da “força do mercado”, nem se retirar do debate sobre a redistribuição da renda no Brasil. 5) Responsabilidade na Cadeia Produtiva: As empresas socialmente responsáveis terão que assumir responsabilidade por aquela parte da cadeia produtiva na qual tenham ingerência considerável. Isto cobre também a fiscalização ativa de condições de trabalho dignas entre os fornecedores. 6) Saúde e Segurança Ocupacional: Neste campo as empresas que se perfilam como socialmente responsáveis estão avançando. Lamentavelmente elas ainda estão em número reduzido. A adoção de padrões internacionais é o mínimo o que se pode esperar. Um exemplo de que o Brasil ainda tem muito a avançar é a alta incidência de LER nos bancos. 7) Igualdade de Oportunidades e Não-Discriminação: Cabe mencionar a convergência entre a agenda sindical e as empresas socialmente responsáveis no campo da discriminação de gênero e raça (visão sindical), ou diversidade (visão empresarial), além do combate ao trabalho infantil. O diálogo e a participação devem ser vistos como meio para a elaboração de um conjunto de medidas pró-ativas para corrigir situações não desejadas. Trabalhadores e sociedade esperam que as corporações façam mais que cumprir a legislação. A empresa deve assumir o compromisso de ser agente da modernidade. Essencialmente, os princípios de responsabilidade social empresarial podem se somar aos movimentos em defesa dos direitos fundamentais do trabalho. O caminho é abrir espaços para negociações coletivas calcadas no respeito às condições dignas de trabalho, salário justo, qualidade de vida para a comunidade, meio ambiente saudável e desenvolvimento sustentável. Kjeld Jakobsen
Presidente do Instituto Observatório Social
Em 18 de setembro deste ano, a Oxfam Internacional lançou simultaneamente em 22 países a campanha O que tem no seu café, que alerta para a crise enfrentada pelos pequenos cafeicultores. No Brasil a campanha contou com apoio da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) e da CUT (Central Única dos Trabalhadores). O Observatório Social colaborou com uma publicação especial sobre a vida dos assalariados rurais e agricultores familiares: Café do Brazil - O sabor amargo da crise. A reportagem está disponível na íntegra em http://www.observatoriosocial.org.br
O sabor amargo da Crise
No início dos anos 90, segundo a OIC (Organização Internacional do Café), as vendas mundiais de café no varejo eram de US$ 30 bilhões por ano e os países produtores ficavam com um terço (de US$ 10 a 12 bilhões). Em 2001, dos US$ 70 bilhões movimentados com café, apenas US$ 5,5 bilhões chegaram aos países produtores. Em uma década o negócio mais que duplicou, mas o rendimento de quem produz caiu pela metade e a participação nos lucros ficou quatro vezes menor. Quatro corporações – Nestlé, Kraft Foods, Procter & Gamble e Sara Lee – dominam o mercado e compram quase a metade da oferta mundial de café em grão. De cada cem xícaras vendidas nos países desenvolvidos, menos de duas correspondem à remuneração dos cafeicultores. Os preços do café hoje estão no patamar mais baixo dos
últimos 30 anos. No Brasil, maior produtor mundial, a situação tem provocado abandono de lavouras, desemprego, êxodo rural e precarização das relações de trabalho. A crise teve origem nos processos de ajuste da cafeicultura mundial a partir da ruptura do Acordo Internacional do Café em 1989. Até então o comércio do café era controlado - havia um equilíbrio entre oferta e demanda. A partir daí, passou a ser regido pelo mercado. Ao mesmo tempo, as empresas torrefadoras transnacionais assumiram o papel de protagonistas neste cenário, concentrando os lucros adquiridos através da transformação dos grãos verdes em café torrado e moído ou em café instantâneo. O quadro é agravado pelo excesso de produção. Nos últimos três anos o preço do café caiu pela metade, empobrecendo 25 milhões de produtores. Em 2002/2003 o Brasil terá uma safra recorde de 44,6 milhões de sacas de 60 kg. A crise traz prejuízos a mais de 3 milhões de brasileiros no campo. Trabalho degradante, contaminação por agrotóxicos, má alimentação e desemprego são realidades cada vez mais presentes no meio rural. Comerciantes quebram por falta de clientes. Cafeicultores abandonam as lavouras, demitem os empregados e vendem bens para pagar empréstimos bancários. Parceiros e arrendatários engrossam o número de migrantes nas periferias das cidades. Os agricultores que cultivam outros produtos primários também são prejudicados pelas regras desiguais do comércio. Barreiras tarifárias e impostos criados pelos governos dos países desenvolvidos dificultam o acesso aos seus mercados das exportações originárias de países periféricos. Um levantamento da Camex (Câmara de Comércio Exterior do Brasil) aponta que o agronegócio brasileiro perde US$ 7,8 bilhões por ano com o protecionismo. Só no café essas perdas chegam a US$ 1,8 bilhão.
CAFÉ DO BRASIL
CAFÉ DO BRASIL
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TERMOS DE REFERÊNCIA Liberdade sindical, negociação coletiva, trabalho forçado, trabalho infantil, discriminação, segurança e saúde do trabalho e meio ambiente são os temas estudados pelo Observatório Social. Para consolidar sua metodologia e padronizar os relatórios produzidos pelos vários pesquisadores, estão sendo desenvolvidos os termos de referência para cada um destes temas, além do debate sobre estudos nas cadeias produtivas.
NEGOCIAÇÃO COLETIVA
TRABALHO INFANTIL
TRABALHO FORÇADO
MEIO AMBIENTE Consultores temáticos e pesquisadores estão colaborando na apresentação de texto-proposta para os termos de referência do Observatório. Em Oficina Técnica, toda a equipe analisa e participa da consolidação dos termos. A primeira oficina foi realizada nos dias 21 e 22 de outubro, quando se iniciou o debate sobre estudos nas cadeias produtivas, a partir da proposta do coordenador Rogério Valle, e foram apresentados os termos de referência para Segurança e Saúde do Trabalho, desenvolvido por Nilton Freitas, e Trabalho Infantil, pelo coordenador Clóvis Scherer. Novas oficinas serão realizadas em 2003, para analisar as propostas de termos de referência sobre raça, gênero, trabalho forçado, negociação coletiva, liberdade sindical e meio ambiente.
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LIBERDADE SINDICAL
DISCRIMINAÇÃO
SEGURANÇA E SAÚDE DO TRABALHO
Entendendo a metodologia dos
federações e sindicatos brasileiros ou organizações que desenvolvem campanhas específicas é o estopim para que o Observatório comece a estudar uma multinacional. O primeiro passo é traçar um perfil desta empresa. O Mapa acrescenta informações e pode gerar, ou não, um estudo mais aprofundado. Veja as diferenças entre os produtos desenvolvidos:
O MAPA DE EMPRESA
O Mapa de Empresa geralmente é o segundo estudo realizado, mas pode iniciar o processo em alguns casos. Consiste num relatório sobre o comportamento sóciotrabalhista da multinacional estudada, produzido a partir de dados secundários, do perfil (quando produzido anteriormente) e através de informações coletadas diretamente com os sindicatos que atuam na base das unidades observadas. O Mapa objetiva a caracterização da empresa, de suas atividades produtivas e econômicas. Ele apresenta um quadro indicativo de possíveis problemas em relação aos direitos fundamentais do trabalho e ao meio ambiente. Se houver o interesse do sindicato ou confederação que representa os trabalhadores da multinacional, este mapa irá subsidiar um estudo mais aprofundado.
Relatório que procura caracterizar a empresa em relação à sua participação no mercado e à cadeia produtiva, detalhando as unidades que compõem a empresa, informações sindicais, o número de trabalhadores e que produtos são feitos em cada unidade. A pesquisa baseia-se principalmente em dados secundários, coletados através de relatórios da empresa, declarações do sindicato, órgãos públicos e imprensa. Feita através de levantamento de informações públicas, esta parte do estudo não implica a participação direta da empresa nem dos trabalhadores ou sindicatos.
OBSERVAÇÃO COMPLETA É o mais longo e aprofundado estudo. Antes de iniciá-lo, há uma fase de negociação com os sindicatos envolvidos (as diferentes unidades da multinacional pesquisada apresentam diferentes sindicatos representativos, algumas vezes filiados a diferentes centrais sindicais) e também com a empresa, buscando sua participação e estabelecendo em que patamares ela acontecerá. O estudo é realizado a partir de dados secundários e de levantamento de dados e observação direta na empresa. Os sindicatos e os trabalhadores de cada unidade analisada participam diretamente, através das Oficinas Sindicais e respondendo a entrevistas. As empresas também podem participar, oferecendo informações e viabilizando a entrevista a chefias, além de facilitar o acesso aos trabalhadores dentro das unidades.
O Relatório final apresenta detalhadamente os dados da observação realizada. O objetivo é avaliar o cumprimento dos direitos fundamentais do trabalho, tendo como referência as Convenções da OIT que tratam dos temas liberdade sindical, negociação coletiva, trabalho forçado, trabalho infantil, discriminação de gênero e raça, saúde e segurança. Propõe-se ainda a avaliar o comportamento da empresa em relação ao meio ambiente, através de indicadores fundamentados em parâmetros nacionais e internacionais. A observação completa gera dois produtos: Relatório Geral de Observação, e o Relatório Executivo, sendo que o último apresenta de forma sintética a avaliação apresentada com detalhes no Geral, e é produzido principalmente para divulgação à imprensa.
nosos produtos
ESTUDOS DO OBSERVATÓRIO SOCIAL O interesse de centrais sindicais O PERFIL internacionais, confederações,
Esta edição do Observatório Social Em Revista apresenta uma síntese dos seguintes estudos: ABN AMRO Bank Ambev Nestlé Nokia Alcan e Alcoa Vicunha Basf Philips Mapol
Relatório Geral de Observação Mapa de Empresa Mapa de Empresa Relatório Geral de Observação Perfil de Empresa Relatório Geral de Observação Mapa de Empresa Relatório Geral de Observação Relatório Geral de Observação
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Declaração Universal dos Direitos Humanos Artigo IV
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BANCO DE IMAGEM DO INSTITUTO OBSERVATÓRIO SOCIAL/2001 . FOTO SÉRGIO VIGNES
Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.
Observatório Social Europa promove intercâmbio entre trabalhadores
O Projeto O Projeto concretizado concretizado
O Observatório Social Europa, instituído em março de 2002, está criando redes de intercâmbio entre sindicalistas alemães, holandesas e brasileiros que trabalham nas mesmas empresas multinacionais. A intenção é aumentar o conhecimento sobre a conduta da empresas nos diferentes países, estimular a solidariedade entre os trabalhadores e promover ações conjuntas para a conquista de seus direitos fundamentais
Oficializado por meio de uma parceria entre entidades da CUT, da central sindical alemã DGB e da holandesa FNV, o Observatório Social Europa tem sede em Amsterdã, Holanda. Sua meta principal é conseguir que as empresas multinacionais européias com sucursais no Brasil respeitem os direitos laborais de seus empregados e o meio ambiente. As atividades envolvem trabalhadores, líderes sindicais, consumidores e Comitês de Fábrica. Estão sendo pesquisadas três empresas da Holanda – Ahold, Philips e Unilever – e três da Alemanha – Bayer, Bosch e ThyssenKrupp. A coordenadora do Observatório Social Europa, Karen Brouwer, destaca que uma base fundamental do programa são os trabalhadores: “São eles e elas que conhecem a empresa, sabem que áreas precisam de melhoramentos e têm muito a ganhar com os contatos internacionais”. Ela salienta que as possibilidades de organização dos trabalhadores brasileiros são bem menores que as de seus colegas europeus, os quais têm uma relação muito diferente com os seus diretores. Outro objetivo do Observatório, portanto, é estimular o aprendizado sobre a situação sindical, socioeconômica e cultural no Brasil e na Europa. “Esse aspecto é muito importante para assegurar uma boa comunicação, que resulte em cooperação internacional entre os trabalhadores”, diz Karen. Por isso, uma das primeiras publicações do OSE tratará da situação sindical e socioeconômica nos três países. A publicação abordará os direitos das Comissões de Fábrica na Alemanha e Holanda e os direitos dos sindicatos no Brasil.
CONTATOS COM AS EMPRESAS A coordenadora do OSE conta que, com o apoio dos trabalhadores, tem solicitado às empresas que abram suas portas para os pesquisadores do Observatório Social Brasil. “Queremos iniciar um processo de diálogo que já co-
meça durante o período da pesquisa”, diz. “Depois da pesquisa é importante que esse diálogo continue, para que possamos desenvolver, junto com os sindicatos e outros trabalhadores, um programa de ação que combata os problemas identificados”. Para as empresas, uma das vantagens em trabalhar com o Observatório é ter a oportunidade de assumir publicamente um papel de liderança na área de responsabilidade social. “Uma das minhas experiências com multinacionais é que, às vezes, elas confundem esse conceito com filantropia”, afirma Karen. “Responsabilidade social tem a ver com os direitos básicos dos trabalhadores nas áreas de pagamento, seguridade no trabalho, direitos de organização etc. O fato de uma empresa dar dinheiro a um hospital na comunidade é muito bom, mas não é responsabilidade social”. Além de um caderno sobre a situação socioeconômica e sindical no Brasil, Alemanha e Holanda, estão previstas para 2003 as seguintes atividades: publicações sobre cada uma das empresas acompanhadas pelo programa; inauguração de um web site; promoção de intercâmbios entre trabalhadores dos três países; consolidação de contatos com sindicatos e Comissões de Fábrica; consolidação de redes de intercâmbio; participação no Fórum Social Mundial em Porto Alegre e em outros eventos. Os desafios colocados para os trabalhadores são muitos, mas também se abrem oportunidades inéditas a partir de janeiro de 2003, com a nova composição do Congresso Nacional e a posse do presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Uma nova agenda será implantada pelos governantes, o que abre boas perspectivas para os trabalhadores e seus representantes atuarem na busca de avanços em seus direitos, na organização sindical e nas relações de trabalho.
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Seminário Alca e trabalho
Cinqüenta líderes sindicais e pesquisadores do Cone Sul se reuniram no dia 10 de outubro em Santiago do Chile para debater sobre a dimensão sócio-laboral da Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Promovido pela Fundação Friedrich Ebert, o seminário teve entre os debatedores o presidente do Observatório Social, Kjeld Jakobsen. A opinião consensual é que há um forte déficit de democracia e transparência nas negociações sobre a Alca. Na avaliação dos participantes, é importante aprofundar a defesa de um modelo alternativo de integração, que privilegie as demandas dos movimentos sociais e proteja os direitos laborais. Temas como formação profissional permanente, livre circulação de trabalhadores e políticas públicas de promoção da igualdade de oportunidades precisam entrar na pauta de debates entre os países latino-americanos e os Estados Unidos.
Responsabilidade Social Os consumidores brasileiros esperam um comportamento ético das empresas, querem conhecer suas práticas em responsabilidade social, rejeitam a propaganda enganosa, estão atentos à saúde dos funcionários e à poluição que elas eventualmente provocam no meio ambiente. Estas são as principais conclusões da pesquisa Responsabilidade Social das Empresas – Percepção do consumidor brasileiro, realizada pelo Instituto Ethos em 2001 e divulgada este ano. Mais de um terço dos 1.002 entrevistados em nove regiões metropolitanas esperam que as empresas estabeleçam padrões éticos mais elevados e ajudem a construir uma sociedade melhor. Metade dos consultados comentaram o comportamento das empresas com seus familiares ou conhecidos.
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Nova apresentação virtual
O ano de 2002 marcou a intensificação dos trabalhos do Observatório Social e também outras mudanças. A apresentação virtual do Instituto, por exemplo, foi completamente remodelado, e ficou mais eficiente e prático. Além da nova aparência e lógica de navegação, a página inaugurou um ambiente interno, destinado à equipe de trabalho e que coloca todo o material produzido à disposição. O novo sítio da Internet, situado no endereço www.observatoriosocial.org.br está no ar desde o mês de agosto e sofre constantes atualizações. Comunicar melhor internamente, divulgar melhor e atingir um público cada vez maior. Para cumprir este propósito, desde o mês de maio deste ano foi criado, também, o boletim mensal Acontece, que é enviado por e-mail para um amplo cadastro de entidades, organizações e pessoas interessadas. O objetivo é divulgar eventos e novos estudos disponibilizados. Os resultados desta divulgação institucional virtual já estão sendo conferidos, com o aumento do número de acessos e de cadastros espontâneos dos internautas.
MA 2º Seminário de Pesquisa e Ação Sindical
O Observatório Social organizou, em junho deste ano, a 2ª edição do Seminário Pesquisa e Ação Sindical, reunindo trabalhadores de 24 empresas multinacionais, 12 Confederações, quatro secretarias da CUT, cinco Sindicatos Globais e 7 instituições de pesquisa; vindos da África do Sul, Espanha, Estados Unidos, Itália, Noruega, Peru e Brasil. Para Carolyn Kazdin, representante do Centro de Solidariedade da AFL-CIO (que promoveu o evento junto com o Observatório Social), o Seminário foi a oportunidade para aprofundar a noção de que o movimento sindical necessita de informações, mas estas não podem permanecer na gaveta: “É uma luta para aprendermos melhor onde está esta informação, como sistematizá-la e como transformar em ação sindical.” Carolyn enfatizou o desafio das bases sindicais.
ainda a publicação “Salário Igual para Trabalho de Igual Valor – avanços e desafios para a implementação da convenção nº 100 da OIT”, uma edição conjunta da Comissão Nacional sobre a Mulher Trabalhadora da CUT (CNMT), da Internacional de Serviços Públicos (ISP Brasil) e do Observatório Social.
Lançamentos
Durante o evento, foi realizada ainda uma atividade cultural com o lançamento da exposição fotográfica “Globalizar o Homem ou Humanizar o Globo”, promovida pelo Observatório Social e FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas). A exposição apresentou imagens do trabalho, de fotógrafos que participaram espontaneamente da mesma. No mesmo evento foi lançada
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A desigualdade racial no mercado de trabalho A população negra se insere no mercado de trabalho brasileiro de maneira mais precária do que a população não-negra. Esta precariedade se manifesta, especialmente, nas taxas mais elevadas de desemprego, na maior presença dos negros nos postos de trabalho menos protegidos e nos rendimentos sempre inferiores aos da população não-negra. É o que mostra a Pesquisa de Emprego e Desemprego, realizada pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos) em parceria com a Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) e instituições e governos locais, em seis regiões brasileiras.
Em 2001, a população de cor preta e parda representava cerca de 46% da população total no Brasil, enquanto a branca correspondia a pouco mais de 53%, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A pesquisa, divulgada em novembro, mostra que os pretos e pardos receberam metade do rendimento dos brancos, em média. A população negra está presente, em maior proporção, nos postos de trabalho mais vulneráveis: assalariados sem carteira de trabalho assinada, autônomos que trabalham para o público, trabalhadores familiares não remunerados e, principalmente as mulheres, como empregadas domésticas. Segundo dados de 1998, o va-
lor do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano, indicador das Nações Unidas) para o Brasil foi calculado em 0,748, ficando em 74º lugar no ranking mundial. Esse índice coloca o Brasil entre os países de desenvolvimento humano “médio-alto”. Quando o IDH brasileiro é desagregado para as populações branca e negra, os valores encontrados são bem diferentes e atestam, mais uma vez, a desigualdade racial no Brasil. O IDH da população branca brasileira atingiu 0,796. Leia a edição especial do Boletim Dieese em arquivo PDF no site do Observatório Social: http://www.observatoriosocial.org.br/ download/dieesedesigualdade.pdf
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Três vezes presentes no Fórum Social Mundial O espaço do Fórum Social Mundial, realizado em 2001 e 2002 em Porto Alegre, RS, já provou ser um espaço privilegiado para o contato com as mais diversas organizações sociais do mundo inteiro. Por isso mesmo, a participação do Observatório Social, a exemplo das duas edições anteriores, já está confirmada para a terceira edição, de 23 a 28 de janeiro de 2003. Na edição passada, oficinas organizadas conjuntamente com a Ethos, Cives, Ibase, DGB e FNV tiveram grande participação do público e serviram para fortalecer a parceria entre as entidades. Na oportunidade, também, foi lançado o primeiro número da edição Observatório Social Em Revista, que agora apresenta seu segundo número. Para janeiro de 2003, novos estudos publicados, materiais de divulgação e a organização de várias oficinas com estes e com novos parceiros procurarão marcar mais uma vez o êxito da participação neste que já é um dos principais eventos do movimento social.
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Ação conjunta Brasil Alemanha-Holanda
Um dos projetos desenvolvidos atualmente pelo Observatório Social Europa (conheça o OSE lendo a matéria da página 39), é o estudo de três empresas alemãs e três empresas holandesas, com o objetivo de conhecê-las e também de gerar ações sindicais conjuntas entre os trabalhadores do Brasil, Alemanha e Holanda. O estudo das holandesas Unilever, Philips e Ahold/Bompreço e das alemãs Bayer, Bosch e ThyssenKrupp está sendo realizado pela equipe do Observatório Social Brasil. Os mapas das três empresas alemãs estão concluídos, e geraram um processo de negociação que deverá culminar com a realização de estudo mais aprofundado no ano de 2003, inclusive com a participação das empresas fornecendo informações. Para realizar este trabalho, o Observatório Brasil conta com o apoio da Fundação Hans Böckler. Em dezembro, o coordenador de projetos Pieter Sijbrandij participa de reunião em Düsseldorf, Alemanha, com o Comitê Assessor da Fundação, quando apresentará os Mapas concluídos e uma exposição sobre a metodologia e os indicadores utilizados pelo Observatório.
MA Imagens do trabalho no mundo
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Um novo produto está sendo organizado pelo Observatório Social para ser disponibilizado, a preços acessíveis, às organizações sindicais e sociais. Trata-se do banco de imagens, com fotografias do trabalho, em seus mais diversos setores e aspectos. Atualmente, o Observatório possui um acervo com cerca de 1.500 imagens de fotógrafos especialmente contratados – a fotógrafa Rosane Lima realizou pesquisa sobre o trabalho rural, na mineração e comércio, e Sérgio Vignes fotografou trabalhadores na cadeia produtiva do café – e colaboradores profissionais e amadores. A consulta das imagens disponíveis poderá ser feita através do site do Observatório. A base do programa já está pronta e permitirá pesquisar pelo tema ou autor da foto. As publicações do Observatório têm apresentado algumas das imagens disponíveis, e a coordenação de comunicação está investindo na ampliação deste banco de imagens.
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Foi fundada em 1948 a partir da cisão que houve na Federação Sindical Mundial (FSM), criada três anos antes e reunindo as centrais sindicais da maioria dos países que compuseram a aliança vitoriosa contra os países do eixo (Alemanha, Itália e Japão) na Segunda Guerra Mundial. A maior razão para a divisão foi o início da guerra fria que no campo sindical opôs, de um lado os comunistas e do outro os social-democratas e correntes políticas mais conservadoras. A gota d’água foi a divergência sobre o posicionamento que a FSM deveria adotar frente ao Plano Marshall, que a maioria das organizações sindicais da Europa Ocidental e América do Norte apoiavam, contra a opinião das centrais influenciadas pelos Partidos Comunistas que seguiam a posição soviética contrária ao Plano. A sua consigna “Pão, Paz e Liberdade”, bem como a defesa do “sindicalismo livre”, era o mote político para contrapor um sindicalismo supostamente autônomo, democrático e pacífico ao modelo sindical controlado pelos Partidos Comunistas e pelo Estado. Posteriormente esta formulação incluiu também a oposição aos regimes ditatoriais da América Latina e outros continentes pelo seu caráter autoritário e opressor contra os sindicatos. No entanto o desenvolvimento prático destes conceitos no interior da CIOSL ocorria de formas diferentes a partir das interpretações dos sindicalistas europeus social-democratas e dos dirigentes e assessores da AFL-CIO norte americana, profundamente anti-comunistas. Esta central chegou inclusive a se desfiliar da CIOSL ao final dos anos 60, devido à aprovação de uma moção condenando a guerra do Vietnã. Com a “queda do muro” e o término da guerra fria, a CIOSL confirmou-se como a central sindical in-
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A Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres – CIOSL
ternacional hegemônica, tendo hoje 225 organizações sindicais filiadas em 148 países e territórios, representando 157 milhões de trabalhadores. Particularmente ao longo da década de 90, a maioria das novas filiações proveio dos países em vias de desenvolvimento e do leste europeu, incluindo ainda uma série de centrais sindicais que anteriormente haviam optado por não se filiar a nenhuma das centrais mundiais para não assumir posição em qualquer dos lados envolvidos na disputa leste-oeste. Era o caso da CUT do Brasil e várias Centrais Sindicais das Américas, Ásia e África. A CIOSL tem sua sede em Bruxelas, na Bélgica, e possui escritórios também em Washington, EUA, para acompanhar as atividades do FMI, Banco Mundial e BID; em Nova Iorque para acompanhar as discussões na ONU e em Genebra, Suíça, para coordenar a ligação com as atividades na OIT. Além disto a CIOSL se faz presente na África, Ásia e América Latina, por intermédio de suas organizações regionais, respectivamente AFRO, APRO e ORIT, que são vinculadas organicamente a ela, embora tenham certa autonomia, com a manutenção de Estatutos próprios e o direito de cobrar contribuições financeiras das centrais filiadas nestes continentes. Recentemente, por decisão do Comitê Executivo da entidade, foi constituída a “Global Unions Network”
(Rede Global de Sindicatos), composta pela CIOSL, TUAC (Trade Union Advisory Committee) e pelas Federações Sindicais Internacionais (FSI). A TUAC é um organismo sindical com caráter consultivo junto à OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), instituição que por sua vez foi criada para monitorar a implementação do Plano Marshall e que hoje reúne e articula os interesses dos países industrializados. As FSI são organizações sindicais de caráter mundial que reúnem federações nacionais por ramo de atividade eco-
Quando a CUT decidiu afiliar-se a CIOSL, aprovou ao mesmo tempo uma política de relações sindicais internacionais que destacava a necessidade de desenvolvermos uma posição ativa no cenário sindical mundial, confrontando construtivamente a nossa concepção sindical com as demais.
nômica, como metalúrgicos, servidores públicos, professores, entre outros, e elas existem desde o início do século XX, portanto anteriores à criação da CIOSL e sempre foram autônomas em relação a ela, embora se situem no mesmo campo político. A instância máxima de decisão na CIOSL é o Congresso Mundial que se realiza cada quatro anos e que elege um Comitê Executivo de aproximadamente 50 membros com reuniões anuais; um Comitê Diretivo com mais ou menos 20 integrantes e que se reúne duas vezes ao ano; e um Secretário Geral que responde pelo dia-a-dia da organização. Este é auxiliado pelos Secretários Gerais Adjuntos, que atualmente são dois e por sua vez eleitos pelo Comitê Executivo, além dos Coordenadores de Departamento (Finanças, Direitos Humanos e Sindicais, Imprensa, Mulheres e Juventude e Economia) que são profissionais contratados. Quando a CUT decidiu, na V Plenária Nacional em 1992, afiliar-se a CIOSL, aprovou ao mesmo tempo uma política de relações sindicais internacionais que destacava a necessidade de desenvolvermos uma posição ativa no cenário sindical mundial, confrontando construtivamente a nossa concepção sindical com as demais. É o que temos buscado fazer, particularmente nos espaços da CIOSL. Neste sentido temos defendido que esta deveria representar os direitos e interesses do conjunto dos trabalhadores que representa diante das Instituições Multilaterais e de uma forma crítica, privilegiando mais a ação na base, que o costumeiro “lobby” junto às autoridades. Que a CIOSL deveria coordenar todos os esforços feitos pelos sindicatos frente aos processos de integração econômica e livre comércio para garantir sua dimensão social e que ela deveria descentralizar a sua estrutu-
ra e direção, bem como democratizar mais as instâncias de decisão e a eleição de seus dirigentes. Por último, mas não menos importante, que a CIOSL deveria promover alianças com outros setores sociais no enfrentamento ao neoliberalismo, além de internamente proporcionar maior equilíbrio entre os posicionamentos do movimento sindical do norte e do sul nas suas resoluções. Fruto dessa atitude, fazemos parte do Comitê Executivo desde 1996 e fomos posteriormente indicados pela ORIT para integrar o grupo de trabalho encarregado de elaborar propostas para mudanças políticas e estruturais na CIOSL no chamado Debate do Milênio, que concluiu parte de suas tarefas no final do ano passado. Na reunião do Comitê Diretivo, que se realizou em junho deste ano, tivemos a grata satisfação de assistir a escolha do companheiro José Olívio Miranda de Oliveira, exdirigente da executiva Nacional da CUT, para preencher a vaga de Secretário Geral Adjunto que havia sido aberta também no final do ano passado, com a renúncia de um companheiro belga que ocupava o cargo até então. Na verdade os atuais Secretários são todos recém empossados. A outra Secretária Geral Adjunta, companheira Mamounatta Cissé de Burkina Fasso, foi escolhida em novembro de 2000 e o Secretário Geral Guy Ryder, de nacionalidade britânica, assumiu seu cargo apenas um ano depois. Temos plena confiança que José Olívio trará uma contribuição importante para a CIOSL e esperamos que junto com seus novos colegas e com o apoio de todos nós possa levar adiante a bandeira das mudanças que ainda se fazem necessárias e a defesa intransigente dos interesses da classe trabalhadora. Boa sorte, Zé!
O presidente do Instituto Observatório Social, Kjeld Jakobsen, apresenta neste artigo o que é a Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres – CIOSL, e qual a participação da CUT nela. A Central Sindical brasileira compõe o Comitê Executivo da CIOSL desde 1996 e Jakobsen foi seu representante até 2001. Agora, ele apresenta outro membro do Conselho Diretor do Observatório Social, José Olívio Miranda de Oliveira, que desde julho de 2002 passou a ocupar o cargo de Secretário Geral Adjunto da Confederação. Também no primeiro semestre de 2002, Kjeld Jakobsen foi eleito membro do Conselho Administrativo da OIT (Organização Internacional dos Trabalhadores) e nomeado representante dos trabalhadores latinoamericanos no Comitê de Liberdade Sindical da OIT. Ele é ainda porta voz adjunto dos trabalhadores no Comitê de Multinacionais da Organização.
Kjeld Jakobsen
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Servidores públicos já podem contar
Banco de Dados Os sindicalistas e trabalhadores do Serviço Público têm um espaço especial reservado para eles no Observatório Social: é o Banco de Dados da ISP Brasil. Um convênio estabelecido com a ISP (Internacional dos Serviços Públicos) está tornando o banco uma realidade. Sua montagem está sob responsabilidade de pesquisadores do Observatório, com supervisão da Internacional. Inicialmente, os temas tratados são saneamento, saúde e serviços municipais. O banco organizado no Brasil é compatível com outro, organizado pela ISP na Europa, possibilitando assim o intercâmbio de informações.
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com novo instrumento para ação sindical Interessados em informações sobre serviços públicos nas áreas citadas poderão acessar o Banco de Dados através da Internet, no site do Observatório Social: (www.observatoriosocial.org.br), no link “serviço público”. Lá, encontrarão um boletim semanal organizado pela equipe do Observatório e que reúne as principais notícias veiculadas na imprensa nacional sobre o setor. Perfis de empresas públicas, clipping especializado de notícias, estudos produzidos, convenções e acordos coletivos fechados pelos sindicatos brasileiros no setor são algumas das informações que podem ser encontradas.
Intercâmbio com PSIRU Os estudos publicados no site são traduções para o português de textos originalmente produzidos pelo PSIRU (Public Services International Research Unit) e textos produzidos por nossos colaboradores. A organização foi fundada em 1998 para fazer pesquisas sobre privatização dos serviços públicos e a globalização. Seu objetivo é a manutenção de uma base de dados sobre a experiência econômica, política, financeira, social e técnica das privatizações de serviços públicos em todo o mundo. Trata-se de material rico em informações sobre o processo de privatização no Brasil e na América Latina, dados sobre a pobreza e a luta para que a água seja mantida sob administração pública. Para possibilitar um leque ainda mais amplo de informações, os pesquisadores do Observatório estão elaborando perfis das empresas do setor de água e saneamento. Já estão disponíveis os perfis de dez companhias nacionais de saneamen-
to, contendo o seu histórico, situação financeira, dados cadastrais, diretoria, composição acionária, dados sobre os trabalhadores e seus sindicatos e informações sobre sua cadeia produtiva, entre outros. Do setor de limpeza pública, foi disponibilizado no início de novembro o perfil da empresa Vega, controlada pelo grupo multinacional Suez, que tem a maior companhia de água e uma das dez maiores companhias de energia do mundo. Ainda em novembro foi publicado o primeiro perfil de trabalhadores, abrangendo a área de saúde e seguridade social. Assim, do setor de água e saneamento, o levantamento se expande para a saúde, limpeza pública e abrangerá ainda os trabalhadores municipais. O convênio ISP Brasil – Observatório Social prevê a realização deste levantamento até 2004, quando deverá ser reavaliado.
Instrumento para ação sindical Entre os objetivos para a formação deste Banco de Dados, a disponibilidade de informações é, sem dúvida, um forte instrumento de ação sindical. Por isso, em novembro de 2001 foi realizado um seminário com dirigentes de 20 entidades sindicais de água, limpeza e saneamento, que discutiram a implantação do Banco de Dados e tiveram, inclusive, treinamento prático no seu uso com a realização da pesquisa na Internet. A maior divulgação e conseqüente utilização deste banco, principalmente por parte dos sindicalistas do setor, é o desafio que se apresenta à ISP Brasil e ao Observatório, paralelo à constante pesquisa que enriquecerá em muito as informações disponibilizadas.
Liberdade sindical Liberdade sindical e proteção do do e proteção direito de de direito sindicalização, 1948 sindicalização, 1948 Convenção 87 87 da da OITOIT Convenção
BANCO DE IMAGEM DO INSTITUTO OBSERVATÓRIO SOCIAL/2001 . FOTO ROSANE LIMA
“Os“Os trabalhadores e os trabalhadores e os empregadores,sem empregadores,sem qualquer distinção, qualquer distinção, têm o direito têm o direitode de constituírem as as constituírem organizações organizações que acharem que acharem convenientes, e de convenientes, e de se se afiliarem a essas afiliarem a essas organizações de de sua organizações sua própria escolha com o o própria escolha com objetivo de de promover objetivo promover e defender e defender seus respectivos seus respectivos interesses.” interesses.”
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