REVISTA Nº 14
ISSN 1678 -152 x
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S O C I A L
setembro 2008
A peleja do eucalipto O polêmico avanço da celulose sobre o Pampa gaúcho
Catadoras de mangaba estão com a atividade ameaçada
Instituto promove cidadania para pessoas com deficiência
Conselho Diretor Presidente - Artur Henrique da Silva Santos Diretor Administrativo Financeiro - Valeir Ertle CUT - Denise Motta Dau CUT - Jacy Afonso de Melo CUT - João Antônio Felício CUT - Quintino Marques Severo CUT - Rosane da Silva CUT - Valéria Conceição da Silva Dieese - João Vicente Silva Cayres Dieese - Mara Luzia Feltes Unitrabalho - Francisco Mazzeu Unitrabalho - Silvia Araújo Cedec - Maria Inês Barreto Cedec - Tullo Vigevani Diretoria Executiva Presidente - Artur Henrique da Silva Santos Diretor Administrativo Financeiro - Valeir Ertle Unitrabalho - Carlos Roberto Horta Dieese - João Vicente Silva Cayres CUT - Jacy Afonso de Melo CUT - João Antônio Felício Cedec - Maria Inês Barreto Supervisor Institucional - Amarildo Dudu Bolito Supervisor do Sistema de Informação - Ronaldo Baltar
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REVISTA
EDITOR RESPONSÁVEL Marques Casara (RJ 19126) EDITOR Dauro Veras REDAÇÃO Danilo Namo, Emanuel Oliveira Pereira, João Werner Grando, Livia Motta, Paola Bello PESQUISA Ana Iervolino FOTOGRAFIA João Werner Grando, Raquel Camargo, OWINFS, Tatiana Cardeal, Banco de Imagens IOS DIAGRAMAÇÃO Sandra Werle PROJETO GRÁFICO Maria José H. Coelho ARTE Daniel Barros, Frank Maia EDITORAÇÃO ELETRÔNICA PRIMEIROPlano www.primeiroplano.org.br REALIZAÇÃO Papel Social Comunicação www.papelsocial.com.br Setembro 2008 – Nº 14 São Paulo – SP – Brasil ISSN 1678 – 152 x 10.000 exemplares Nova Letra Gráfica e Editora
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A PELEJA DO EUCALIPTO
TRABALHO INFANTIL
Três empresas pretendem investir US$ 4 bilhões para produzir celulose no pampa gaúcho; ambientalistas denunciam o risco de grave desequilíbrio no ecossistema.
Lucídio Bicalho, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), alerta que o corte de verbas pelo governo federal ameaça o programa de erradicação do trabalho de crianças.
27 TRADIÇÃO DIZIMADA Em Sergipe, as catadoras de mangaba e sua cultural tradicional estão ameaçadas de extinção por causa da especulação de terras e da criação de camarão em cativeiro.
38 MULHERES E TRABALHO Com mais de três décadas de luta, os movimentos em defesa dos direitos da mulher no mercado profissional ainda enfrentam resistências e discriminação.
41 BARREIRA SINDICAL Rosane da Silva, dirigente da Secretaria Nacional sobre a Mulher Trabalhadora da CUT, fala sobre o desafio de construir relações políticas igualitárias.
42 RACISMO NO TRABALHO A população negra vem conquistando mais vagas no mercado brasileiro, mas ainda é minoria, tem salários inferiores e condições de trabalho discriminatórias.
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50 EDUCAÇÃO INCLUSIVA O Instituto Paradigma desenvolve ações para ampliar a participação econômica e educacional das pessoas com deficiência, ajudando-as a conquistar a cidadania plena.
55 CUTMULTI Projeto de cooperação entre a CUT e a FNV chega aos sete anos de existência com um saldo de 32 redes sindicais de trabalhadores em empresas transnacionais.
58 NOTAS Rodada de Doha. Redes. Formação sindical. Tráfico de pessoas. África do Sul. Biblioteca Virtual. Trabalho Escravo. Marco lógico. Metodologias de pesquisa.
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sta décima-quarta edição de Observatório Social Em Revista continua fiel ao nosso compromisso de compartilhar com os leitores informações relevantes para a transformação da sociedade brasileira. Temas relacionados a meio ambiente e a discriminação – por motivo de gênero, raça, origem social e deficiência – estão em foco nas próximas páginas. Consideramos um privilégio a oportunidade de provocar reflexão sobre estes e outros direitos fundamentais dos trabalhadores, em especial no contexto em que o poder econômico das corporações ganha cada vez mais força. Na nossa reportagem de capa, João Werner Grando conta sobre uma polêmica bilionária no Rio Grande do Sul. De um lado, três gigantes do setor papeleiro pretendem investir 4 bilhões de dólares em plantações de eucalipto para produzir celulose no Pampa. De outro, pesquisadores, ambientalistas e trabalhadores rurais sem-terra alertam para o risco de graves danos a esse ecossistema, habitado por 3 mil espécies de plantas, 385 de aves e 90 de mamíferos. A questão envolve pressões políticas e tem acirrado os ânimos, com denúncias de frouxidão nos regulamentos ambientais.
Em Sergipe, a repórter Paola Bello e a fotógrafa Tatiana Cardeal conviveram uma semana com as mulheres catadoras de mangabas, cuja atividade tradicional está ameaçada. Com sensibilidade e rigor profissional, as jornalistas documentaram o cotidiano de uma comunidade extrativista que está sendo privada de seu meio de vida, por causa da especulação de terras e das criações de camarão em cativeiro. Árvore símbolo do Estado, a mangabeira já foi eliminada em 90% dos territórios nativos. A busca de relações igualitárias de gênero e raça é abordada nas reportagens sobre os movimentos em defesa das mulheres trabalhadoras e de combate à discriminação racial. Entre avanços, recuos e desafios, fica evidente a importância de aprofundar o debate no cotidiano das organizações sindicais. Lucídio Bicalho, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), alerta: o programa de erradicação do trabalho infantil está em risco por causa do corte de recursos federais. Também nesta edição fazemos um balanço do CUT-Multi, projeto de cooperação da CUT com a FNV que chega ao sétimo ano com 32 redes sindicais organizadas. Boa leitura!
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“Pampa - matambre esverdeado dos costilhares do prata que se agranda e se dilata de horizontes estanqueados, couro recém pelechado que tem pátria nas raízes aos teus bárbaros matizes, os tauras e campeadores misturam sangue às cores pra desenhar três países.” Payador, Pampa e Guitarra, de Jayme Caetano Braun
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A peleja Nos pampas gaúchos, o duelo entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental
do eucalipto
Por João Werner Grando*
Antes dos recentes escândalos que fazem do governo de Yeda Crusius (PSDB), no Rio Grande do Sul, um dos mais conturbados do país, plantações de árvores foram responsáveis por desencadear a primeira crise entre a alta cúpula da governadora. Poucos meses após a posse, no início de maio de 2007, interlocutores do primeiro escalão davam como certa a demissão da secretária estadual do Meio Ambiente, Vera Callegaro. Na imprensa, as notícias eram de que um substituto fora sondado e confirmado. Um pedido de demissão foi anunciado na seqüência, o qual, no entanto, rompia com as expectativas. O afastamento era do segundo nome do governo na área ambiental, Irineu Schneider, o presidente da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Buscando desmentir supostas pressões e insatisfação com o setor, a governadora reforçou seu apoio à secretária, mantendo-a no cargo. Só saía se quisesse. E apesar do “sim, eu fico”, a permanência de Vera durou somente mais um dia. No final da tarde de sexta-feira, dia 4 de maio, pediu demissão. Após conversa com Yeda, de quem é amiga, comunicou que se afastava devido à cirurgia que realizaria em dez dias, mas a saída da pasta do Meio Ambiente era definitiva. Encerrava-se uma semana encurtada pelo feriado do dia 1º de maio, na qual, em três dias úteis, duas
baixas eram registradas. O desfecho do caso estampou as capas dos jornais do Estado no dia seguinte. “Crise dos eucaliptos afasta secretária do Meio Ambiente”. Na origem da crise que levou às demissões está uma polêmica que se desenrola no Rio Grande do Sul há cerca de quatro anos. Entre 2004 e 2005, três empresas anunciaram investimentos que somam cerca de 4 bilhões de dólares para a construção de um pólo produtor de celulose no Estado. O projeto seria implantado em duas etapas. Na primeira, desenvolveriam a atividade de silvicultura (nome técnico para o cultivo de árvores), formando a chamada base florestal, com cerca de 400 mil hectares de plantações de eucaliptos. Posteriormente, com a fonte de matéria-prima estabelecida, cada uma das empresas construiria uma fábrica para produção de polpa de celulose. Para estabelecer os empreendimentos, foi escolhida a chamada Metade Sul do Estado, porção mais pobre do território gaúcho e historicamente carente de investimentos. De imediato, as empresas conquistaram o apoio das prefeituras da região e também do governo do Rio Grande do Sul. Conforme avançaram as negociações, e as primeiras plantações foram formadas, uma oposição aos empreendimentos articulou-se. Gru-
pos constituídos principalmente por movimentos ambientalistas e pesquisadores de universidades do Estado armaram-se de argumentos. Contestaram principalmente a escolha de se plantar na Metade Sul, devido às características do ecossistema da região, formado pelo bioma Pampa. A paisagem composta predominantemente por campos e vegetação rasteira seria frágil demais para suportar plantações de árvores, especialmente o eucalipto, considerado um agressor do meio ambiente. Os protestos conseguiram barulho suficiente para travar a expansão dos empreendimentos, e o governo estadual deparou-se com um impasse. De um lado, as restrições aos cultivos poderiam ser acentuadas caso fosse aprovado o Zoneamento Ambiental para Atividade de Silvicultura no Estado, um estudo que determina a redução das áreas consideradas próprias para plantações de eucalipto. Do outro lado, as empresas, diante das novas regras, que consideram demasiadamente restritivas, pressionavam com ameaças de tirar o time de campo, juntamente com seus bilhões de dólares. O que se viu naquela primeira semana de maio de 2007 foi o momento mais grave dessa polêmica, que está longe de terminar. As empresas haviam engrossado as ameaças de desistir dos projetos devido à
* Reportagem produzida como Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O trabalho será publicado em livro nos próximos meses. Contato com o autor pelo e-mail jwgrando@yahoo.com.br As fotos são de João Werner Grando e as ilustrações e mapas, de Daniel Barros.
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atitude de Schneider de tentar validar o zoneamento ambiental antes de aprová-lo nas instâncias cabíveis. Apesar de o presidente da Fepam ter voltado atrás em sua decisão, dentro e fora do governo ampliavam-se as pressões sobre ele e sobre a secretária do Meio Ambiente. Schneider e Vera caíram. Embora se possam traçar limites geográficos, esse conflito não é um embate exclusivo do Estado do Rio Grande do Sul. Os aspectos em questão são os mesmos das principais polêmicas presentes na agenda de discussões, no Brasil e no mundo, no início do século XXI: o enfrentamento entre desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente. Entre os conflitos de características semelhantes, enumeram-se o alerta sobre o aquecimento global e o embate sobre a liberação de obras de usinas hidrelétricas no rio Madeira, em Rondônia. O próprio setor de produção de celulose é protagonista de um dos principais conflitos em curso entre países da América do Sul. Desde 2005, quando empresas finlandesas iniciaram a construção de duas
fábricas de celulose na margem uruguaia do rio Uruguai, os argentinos da cidade do outro lado do rio não dão sossego. Trancam pontes e fazem piquetes na briga para evitar a instalação das fábricas que, de acordo com suas denúncias, poluiriam o rio. O governo uruguaio, por sua vez, diz que não abre mão dos investimentos, localizados em uma das porções mais pobres do país. Em 2006, a chamada Guerra das Papeleiras foi levada ao Tribunal Internacional de Haia, que preferiu não se pronunciar, num gesto de “os vizinhos que se entendam”. Na origem de todos esses conflitos está o interesse ou a necessidade do desenvolvimento de atividades econômicas. No caso da polêmica dos eucaliptos no Rio Grande do Sul, os planos de investimentos das empresas inserem-se no contexto de crescimento mundial do consumo de celulose. A matéria-prima, proveniente da madeira, é a principal componente dos diversos tipos de papel, desde os usados em embalagens até os para impressão. Acompanhando a expansão da economia mundial, o consumo de papel não pára de crescer,
puxando consigo a demanda por celulose. Apesar de parecer contraditório, a massificação dos meios digitais é um dos fatores que mais contribui com essa tendência. Na análise da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), a popularização dos microcomputadores e impressoras impulsionou o consumo dos papéis para impressão. O comércio eletrônico também age nesse sentindo por ampliar a necessidade de papel para fabricação de embalagens. O Brasil ocupa a sexta posição entre os maiores fabricantes de celulose do mundo. O desempenho do setor, que registrou crescimento de 7,6%, em 2006, está ligado a condições naturais que conferem ao país uma vantagem competitiva crucial. Enquanto nas plantações do hemisfério norte uma árvore de eucalipto demora de 50 a 70 anos para atingir o ponto de corte, em países da porção sul da América do Sul esse período é de apenas sete anos em média. Por conseqüência, obtém-se custo de produção até 50% inferior ao dos países do norte, o que tem atraído grupos internacionais para a região e reforçado a vocação exportadora da produção nacional. ____________________
Empresas, ambientalistas e fantasmas
De olho na tendência de expansão do setor de celulose, as três empresas interessadas no Rio Grande do Sul, duas nacionais e uma estrangeira, buscam implantar no Estado projetos para ampliar sua capacidade produtiva. A brasileira Votorantim Celulose e Papel (VCP), integrante do Grupo Votorantim, um dos maiores do país, tem nesse empreendimento seu carro-chefe para execução de um plano de quadruplicar o
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faturamento até 2020. A empresa estabeleceu-se na região de Pelotas, porção mais setentrional do Estado. A outra brasileira, a Aracruz Celulose, é a maior produtora mundial de celulose proveniente de eucalipto. Proprietária de uma fábrica no Estado, no município de Guaíba, na Grande Porto Alegre, planeja aumentar em quatro vezes a produção na região. A terceira interessada é a Stora Enso, empresa de origem sueco-finlandesa, entre as líderes mundiais do setor de celulose e papel. Seu empreendimento faz parte de uma estratégia de crescimento global, que conta com investimentos em outras fábricas no Brasil e no Uruguai. O local escolhido para sua instalação foi a região de Rosário do Sul, próxima à fronteira Oeste do Estado. Os projetos das três empresas apresentam semelhanças em seus principais aspectos. Constam nos planos de cada uma a formação de plantações de eucaliptos de aproximadamente 120 mil hectares e a construção de uma fábrica com capacidade de produzir cerca de 1 milhão de toneladas de celulose por ano. Todas deram início à formação da base florestal e devem ter as fábricas em funcionamento por volta de 2011. Coincidência ou não, as três empresas também estão interligadas pela composição do seu capital. A Votorantim detém 28% do controle acionário da Aracruz, que por meio de outro negócio está ligada à Stora Enso – as duas empresas são sócias na Veracel Celulose, fábrica localizada no sul da Bahia, inaugurada em 2005. Inseridas no centro da crise do eucalipto, as empresas são acusadas de causar impactos negativos ao meio ambiente e às comunidades locais. Em sua defesa, alegam que seus negócios têm viabilidade econômica, social e também ambiental. Reúnem dados científicos e análises de especialistas de universidades do Estado para
comprovar o desempenho responsável de suas atividades. Mas, apesar da relevância dessas informações, seu principal aliado é mesmo o poder público, seja no governo estadual ou nas prefeituras das regiões dos empreendimentos. Em 2006, o ex-governador Germano Rigotto (PMDB) reuniu prefeitos e executivos das empresas para assinatura de um protocolo de intenções que garantisse a instalação dos investimentos. A governadora Yeda Crusius, nas semanas seguintes à sua posse em janeiro de 2007, reafirmou o compromisso. “O governo fará todos os esforços para que os investimentos das empresas de celulose sejam realizados”, declarou em reunião com a diretoria da Votorantim.
O anúncio da instalação das empresas de celulose coincide com o momento de uma crise sem precedentes na história do Rio Grande do Sul. O endividamento estadual chega a R$ 34 bilhões, o que o coloca como quarto colocado no ranking dos maiores devedores, atrás apenas de Estados maiores. Quando se compara dívida com receita, porém, o Rio Grande do Sul assume a primeira posição. As contas do governo fecham todo ano no vermelho, e o Estado não consegue cobrir as despesas correntes, como vinculações orçamentárias, folha de pagamento e serviços da dívida, somando déficit anual de 15% da receita, calcula o consultor e auditor fiscal aposentado Darcy Francisco
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Carvalho dos Santos. Como, no entanto, não é cumprida parte dos gastos exigidos pela constituição, o valor é reduzido a 8%, o que, mesmo assim, representa um acréscimo de R$ 1 bilhão ao total da dívida a cada ano. “Não há mais onde cortar, a única saída é aumentar a receita, e isso só será possível com investimentos”, analisa Darcy. A situação é ainda mais grave na região em que se instalarão as empresas, a chamada Metade Sul do Estado. No Rio Grande do Sul, convencionou-se dividir o território em duas grandes regiões conforme suas características socioeconômicas. A divisão pode ser feita tomando como referência a BR-290, que corta o Estado de leste a oeste. A porção setentrional, conhecida como Metade Norte, concentra a maior parte da população e das riquezas, com a produção vinícola na Serra, a de grãos no Planalto e pólos industriais como Porto Alegre e Caxias do Sul. Na porção meridional, localiza-se a Metade Sul, menos industrializada e de economia mais pobre. Baseada em atividades rurais, como a pecuária de corte, apesar de abranger metade do território, a região concentra um quarto da população e é responsável por apenas 21% do PIB do Estado. Em um cenário de crise estadual e carência da região dos empreendimentos, uma oferta de investimentos de 4 bilhões de dólares parece irrecusável. Mas, por vias das dúvidas, nas eleições de 2006, as empresas de celulose doaram cerca de R$ 2 milhões para campanhas eleitorais. Metade desse valor foi destinada a candidatos a deputado estadual e federal, e a outra metade aos candidatos a governador. Yeda, a vencedora do pleito, foi a maior beneficiada, com R$ 505 mil. O ex-governador Rigotto, terceiro colocado, recebeu metade desse valor, e Olívio Dutra (PT), que foi para o segundo turno, R$ 185
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mil. A Aracruz, que já é dona de uma fábrica na região, doou o maior valor, cerca de R$ 1,2 milhão – mais da metade do que doou, por exemplo, a Companhia Petroquímica do Sul (Copesul), empresa instalada há 30 anos no Estado. Em segundo lugar, veio a Votorantim, com R$ 600 mil, e em seguida a Stora Enso, ainda uma novata na economia nacional, com apenas R$ 150 mil. Jogando a seu favor, as empresas também contam com um fantasma presente na memória dos gaúchos: a desistência da Ford em construir uma montadora de carros na região da grande Porto Alegre em 1999. ____________________ Nas eleições de 2006, as empresas de celulose doaram cerca de R$ 2 milhões para campanhas eleitorais. ____________________ No ano anterior, o então governador Antônio Britto (na época do PMDB) havia dado garantias de isenções fiscais para instalação da fábrica, mas o governo estadual que assumiu na seqüência, sob o comando de Olívio Dutra, quis rever as condições do negócio a fim de reduzir os incentivos. Resultando em um dos casos mais conhecidos de guerra fiscal entre Estados no país, a Ford acabou instalando-se na Bahia, onde recebeu as isenções desejadas. O assunto vem à tona a cada eleição e toda vez em que se discute a instalação de empresas no Rio Grande do Sul. Os ambientalistas, por sua vez, também recorrem a um fantasma do passado em sua luta contra as empresas. O caso relembrado é o da fábrica de celulose Borregaard, instalada em 1972 no município de Gua-
íba. A empresa, de origem norueguesa, lançava resíduos sem tratamento no lago Guaíba e exalava mau cheiro que atingia toda a região da capital. A fábrica foi fechada algumas vezes, até que a empresa abandonou o negócio, assumido pelo Estado e depois pelo grupo Klabin. Em 2003, foi comprada pela Aracruz, sendo esse o empreendimento que está no foco da expansão da empresa no Estado. O caso Borregaard foi também o marco inicial da articulação de movimentos ambientalistas no Rio Grande do Sul, com destaque para a atuação do agrônomo José Lutzenberger, líder ecologista reconhecido nacionalmente. Na polêmica do eucalipto, os ambientalistas do Estado articulamse mais uma vez. O Núcleo Amigos da Terra (NAT) destaca-se como uma das principais ONGs atuando na polêmica, trabalhando na coleta e divulgação de análises de especialistas, dados de pesquisas e opiniões pinçadas das discussões que ocorrem em todo o Rio Grande do Sul. Os integrantes do grupo, que tem sede em Porto Alegre, realizaram diversas atividades na sua luta contra os eucaliptos: viajaram 4 mil quilômetros pelo interior do Estado para divulgar os danos da plantações; organizaram dois seminários sobre o assunto, um na capital e outro em Pelotas; e publicaram a cartilha “O pampa em disputa – a biodiversidade ameaçada pela expansão das monoculturas de árvores”, escrito em português e espanhol, com 66 páginas e mil exemplares impressos em papel reciclado. A ONG, que teve origem no movimento feminista de Porto Alegre nos anos 60, atua hoje na área ambiental integrada à rede internacional Friends of the Earth. Nos últimos dois anos, recebeu da entidade, que tem sede na Holanda, cerca de R$ 100 mil para executar seus projetos de combate às monoculturas de eucalipto. A maior conquista do NAT foi a proibição na justiça, em junho
de 2006, da circulação de panfletos de propaganda de financiamento para plantação de eucaliptos, produzidos pela CaixaRS, banco de fomento do Estado. ____________________
O mapa do eucalipto
O embate jurídico em torno da silvicultura teve início em maio de 2006. O Ministério Público Estadual (MPE) entrou em cena colocando o primeiro obstáculo às empresas, que até então progrediam na formação dos plantios sem maiores problemas. A ação movida por meio da Promotoria de Defesa do Meio Ambiente reformulou as regras para as plantações. As empresas ficaram impedidas de utilizar apenas uma licença para todos os plantios, como permitia a lei até o momento. O chamado Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) determinou que fosse exigida licença ambiental para todas as áreas superiores a 1 mil hectares ou em zonas de risco ambiental. O TAC também colocou em cena o Zoneamento Ambiental para Atividade de Silvicultura, que vinha sendo elaborado pela Fepam. A determinação era de que o zoneamento fosse concluído até 31 de dezembro de 2006, para ser votado e, em seguida, tomado como referência para elaboração de novos plantios. Até a data limite, as empresas puderam continuar a plantar em novas terras. A partir do dia seguinte, 1º de janeiro de 2007, iniciou-se a fase mais grave da crise dos eucaliptos. O zoneamento ambiental foi entregue pela Fepam ao governo como deveria, mas encontrou um obstáculo para ser colocado em prática: a insatisfação das empresas com o documento. Os estudos que resultaram no zoneamento iniciaram-se cerca de três anos antes de sua publicação. A
Fepam, ao se deparar com o interesse das empresas de celulose no Estado, optou por realizar o trabalho para suprir as lacunas da legislação vigente, considerada insuficiente para preservar os pampas. As próprias empresas interessaram-se pela proposta por acreditarem que pudesse ser uma alternativa à necessidade de obter licenciamentos para cada um de seus plantios. Para elaborar o zoneamento, compôs-se um grupo com pesquisadores de três órgãos estaduais, a Fepam, a Fundação Zoobotânica (FZB) e o Departamento de Florestas e Áreas Protegidas (Defap). O trabalho resultou em um mapa da viabilidade ambiental de se plantar eucaliptos em cada região do Rio Grande do Sul. O território foi dividido em 45 Unidades de Paisagem Natural (UPN), áreas com vegetação, fauna e relevo homogêneos, classificadas em três graus de restrição: alta, com apenas 2% da área liberada para plantio; média, de 30% a 40%; e baixa, até 50% da área. Do total de 8,3 milhões de hectares analisados, 6,2 milhões estão classificados nas unidades de média restrição, 2 milhões nas de baixa e 127 mil nas de alta. Outra determinação foi estabelecer distância mínima dos plantios no entorno de rochas, banhados e zonas de arenização – fenômeno que ocorre em locais da região da Fronteira Oeste (ver “Com areia nos olhos”). Durante o processo de elaboração, integrantes dos grupos ambientalistas levantaram suspeitas sobre a lisura do trabalho. Devido a algumas limitações, a equipe que elaborou o zoneamento teve de contratar, para execução de uma das etapas, uma empresa privada, a qual não pôde ser paga por eles por falta de recursos. Quem acabou por bancar o serviço foi a Associação Gaúcha de Empresas Florestais (Ageflor), direta interessada na liberação dos plantios e
instalação das empresas. Ao final, o documento acabou por agradar os ambientalistas e frustrar as empresas e a própria Ageflor, que se queixaram de que as restrições impostas inviabilizariam a implantação dos empreendimentos. Assim, o zoneamento ambiental, ao ser entregue, em vez de resolver problemas, como se pretendia, contribuía para deixar a situação ainda mais conturbada. O governo estadual, diante das reclamações, retardou o processo de validação do documento, causando um novo problema. A validade do Termo de Ajustamento de Conduta, que ditava as regras até então, havia expirado. Assim se tornava necessário substituí-lo pelo zoneamento. A partir do dia 1º de janeiro de 2007, o Estado encontrava-se sem marco legal que definisse regras para as plantações e, por conseqüência, as empresas ficavam impedidas de seguir plantando e continuar sua expansão. Nos meses seguintes, culpando as restrições impostas pelo zoneamento, as produ-
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toras de celulose passaram a pressionar o governo estadual, inclusive com ameaças de abandonar os investimentos. “Desde que viemos pra cá as regras já mudaram duas vezes”, reclamava o gerente de meio ambiente da Votorantim, Fausto de Camargo. Ele garante que a empresa não é contra um zoneamento ambiental, mas alega que, da forma como foi feito, torna qualquer projeto inviável economicamente. Entre suas críticas, afirma que bases de dados utilizadas estão defasadas e que as regiões foram consideradas como intocadas, sendo que recebem outras atividades. Outro erro seria ter se avaliado apenas aspectos ambientais, sem considerar a relevância social e econômica das atividades. As pressões também apareceram na forma de ameaça de demissões. Três empresas produtoras de mudas anunciaram que estavam prestes a dispensar cerca de 2 mil funcionários. O motivo era o encalhe das mudas devido ao congelamento da expansão dos plantios. Em situação semelhante, técnicos da Stora Enso, antes que fossem demitidos, tentavam arranjar o que fazer. “Temos de inventar serviço. Estamos mandando os peões roçar até de baixo de cercas, coisa com que nunca iríamos preocupar se estivéssemos tocando novos plantios”, explicava José Luís Menezes. De acordo com o técnico florestal, se a situação não melhorasse, poderiam reduzir de 500 para 60 pessoas o quadro de funcionários contratados para os serviços nas plantações. Outro técnico da Stora Enso, Isaías de Oliveira, trabalhou em plantações no interior de São Paulo por vinte anos e diz jamais ter visto imposições como as que estão colocadas no Rio Grande do Sul. “Nunca fiquei tanto tempo parado por uma coisa dessas. Isso aqui parece outro país”. Na camionete da empresa, pela janela observava as terras à margem
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da estrada, onde três vacas pastavam solitárias no imenso campo. “Querem preservar o pampa... Olha aí o pampa”, ironizava diante do que parecia ser uma fazenda praticamente abandonada. O Rio Grande do Sul é o primeiro Estado a estabelecer um zoneamento ambiental para a plantação de árvores. Em outros locais onde a atividade é disseminada, como Espírito Santo, São Paulo, Bahia ou Santa Catarina, seguem-se normas estabelecidas por leis estaduais e federais. “É como se a gente estivesse formando um plano diretor para esta atividade. Enquanto o zoneamento é um olhar macro para o nosso Estado inteiro, os licenciamentos se focam na propriedade em que se pretende plantar”, argumenta a promotora responsável pela determinação de utilizar o zoneamento, Ana Maria Marchesan, da divisão de Defesa do Meio Ambiente do MPE. Os grupos contrários às empresas também saem em defesa do documento. Para um dos especialistas mais atuantes na polêmica, o professor Ludwig Buckup, do Departamento de Zoologia da UFRGS, respeitar o estudo é a única forma de minimizar os impactos ambientais. “Só o zoneamento pode responder às principais questões sobre essa atividade: onde; como; quando; e quanto se pode plantar”. O especialista protesta diante das tentativas das empresas em desqualificar o trabalho. “Entram aqui como elefantes em loja de louça.” ____________________
Fato consumado
Sem legislação que definisse o rumo dos negócios, no início daquele ano de 2007, pressões de ambos os lados intensificaram-se nos meses seguintes, mas uma mudança no ce-
nário só foi ocorrer no final de abril. Formado pela então secretária do Meio Ambiente, um grupo de trabalho para analisar o zoneamento ambiental apresentava suas conclusões. A equipe indicou imposições legais às regras estabelecidas pelo zoneamento, que, na sua avaliação, deveria ser adequado às legislações federais e estaduais. Se anteriormente eram os setores interessados nos investimentos que reclamavam, alegando que o zoneamento fora carregado de ideologização e preconceito sobre as empresas e a atividade de silvicultura, agora quem protestava era o outro lado, os ambientalistas. Os indicados pela secretária para compor o grupo de trabalho foram somente entidades com interesse direto nos investimentos, como a Ageflor, o Sindicato das Indústrias Madeireiras, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura e a Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), além de representantes de secretarias estaduais. As críticas do grupo foram incluídas no processo de adequação e validação do zoneamento, que, até ser colocado em votação, é obrigado a passar por uma seqüência de análises. A primeira avaliação ocorre em audiências públicas realizadas em cidades do interior do Estado. Em seguida, as chamadas câmaras técnicas do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) fazem a avaliação do documento. Por último, é levado à votação no Conselho, órgão máximo para determinações na área ambiental do Estado. O Consema é formado por representantes do governo, entidades do setor empresarial, institutos de pesquisa e movimentos ambientalistas e sociais. Dos 29 integrantes com direito a voto, apenas quatro eram de ONGs ambientalistas. A demissão do ex-presidente da Fepam, Irineu Schneider, e a crise gerada em seu entorno foram causa-
das pela tentativa de encurtar esse processo de validação. Antes mesmo do início da série de audiência públicas, Schneider conseguiu junto ao MPE, em 19 de abril de 2007, uma determinação para se adotar o zoneamento. Imediatamente, as empresas responderam com protestos, ampliando as pressões sobre o governo e apresentando contestações jurídicas sobre a decisão. Arrependidos, 15 dias depois, Schneider e o MPE substituíram o documento por outro que condicionava a liberação de licenças tanto ao zoneamento como aos apontamentos do grupo de trabalho de análise do estudo. O desgaste para o setor ambiental do governo, no entanto, fora irreparável. No mesmo dia em que se publicou a nova determinação, o presidente da Fepam demitiu-se. No dia seguinte, a secretária do Meio Ambiente, Vera Callegaro, também pediu afastamento. A governadora ganhou assim a chance de aliviar as pressões ao selecionar os substitutos. Na Fepam, Schneider, que integrava a área ambiental desde o governo anterior, foi substituído por Ana Maria Pellini, lotada até então na Secretaria Estadual de Segurança. Na Secretaria do Meio Ambiente, ocorria a sexta substituição em cinco anos. A vaga de Vera Callegaro, bióloga e ex-presidente do Conselho Regional de Biologia, foi ocupada pelo promotor de justiça da
área criminal Carlos Otaviano Brenner de Moraes. A escolha foi criticada por se tratar de um representante do Ministério Público assumindo uma função no poder executivo. Na seqüência, restabeleceu-se a normalidade no processo de validação do zoneamento. As audiências públicas foram realizadas, no mês de junho, nos municípios de Pelotas, Alegrete, Santa Maria e Caxias do Sul. Com um total de aproximadamente 3 mil participantes, todas reuniões ficaram lotadas e em algumas delas as discussões avançaram por mais de cinco horas. A maior parte das manifestações, de um público composto em sua maioria por representantes do setor florestal e do poder público local, reclamava dos empregos que podem deixar de ser gerados se o zoneamento ambiental for adotado. Criticaram o documento, principalmente, por não agregar os aspectos socioeconômicos das regiões. No entanto, como indica Liliam Ferraro, técnica da Fepam que acompanhou todas as audiências, esse não poderia ser o escopo de um trabalho realizado pela fundação ambiental. Ao final das reuniões, as queixas foram enviadas à Fepam, que então anunciou pedido à Fundação de Economia e Estatística do Estado para elaboração de um estudo socioeconômico sobre a Metade Sul.
Com as adequações solicitadas, o zoneamento ambiental só ficaria pronto no final de 2007, conforme previsão da Fepam. Enquanto isso, travada desde janeiro, a liberação de licenças para novos plantios foi retomada com a posse da nova presidente da Fepam. Ao assumir, Ana Maria Pellini emitiu portaria determinando a concessão de autorizações sem seguir integralmente as regras do zoneamento. “Usamos os dados do estudo para identificar zonas de risco ambiental e solicitar monitoramento delas às empresas. Mas estamos proibidos de utilizar as normas de distâncias e de ocupação determinadas pelo zoneamento”, explica Marta Labres, técnica responsável pela emissão de licenças. Após a portaria entrar, em três meses, 258 licenças foram emitidas, cobrindo uma área de aproximadamente 50 mil hectares. A nova presidente da Fepam parecia esforçada em cumprir o dever que lhe foi encarregado. “Estamos montando uma força tarefa para que os investimentos não sofram retardamento por qualquer razão ambiental”, anunciou. Na avaliação da associação das empresas florestais, o cenário ainda não garante total segurança às empresas. “Para fazer os investimentos precisamos de regras
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estáveis e claras, não esse ambiente de incertezas”, explicou Roque Justem, presidente da Ageflor. Mas a situação deve melhorar, ele arrisca. “Nossas expectativas sobre esse governo são positivas”. A trajetória que a polêmica dos eucaliptos assumia nesses últimos episódios, com liberação de licenças e previsão de aprovar o zoneamento apenas no final do ano, remete a um alerta feito professor Ludwig Buckup. “Meu maior medo é de que essa questão acabe tratada como um fato consumado. Com as plantações prontas é capaz de deixarem tudo por isso mesmo, do mesmo jeito que aconteceu com a liberação da soja transgênica há alguns anos”. A promotora Ana Maria Marchesan não vacila em sua previsão sobre o caso. “Que a atividade vem, e vem com força total, eu não tenho nenhuma dúvida”. A única alternativa, indica a promotora, será tentar conciliar o interesse econômico com compromissos de minimizar os impactos ao ecossistema dos pampas.
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No entanto, na definição mais recente sobre a silvicultura o fator econômico prevaleceu. Com um novo Zoneamento, elaborado para garantir a expansão dos plantios, o Consema queria votá-lo no dia 9 de abril deste ano. O grupo de conselheiros formado por ONGs ambientalistas e pesquisadores contrários ao novo formato do estudo pediu, por meio de liminar na justiça, vistas ao processo.
Com a segurança de que teriam mais quinze dias para articular sua oposição, foram para casa. Dezenove dos 29 conselheiros não deixaram o local e esperaram até a noite uma autorização para votar. E a autorização chegou, expedida pelo desembargador Arminio José Abreu Lima da Rosa, presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Conforme o entendimento do jurista, mais um retardamento na aprovação do Zoneamento causaria “estancamento de investimentos previstos no Estado do Rio Grande do Sul, que podem significar prejuízos imediatos da ordem de R$ 6.000.000.000,00 (seis bilhões de reais)”, como escreveu no documento que suspendia a liminar obtida pelos ambientalistas. Os que permaneceram para a votação aprovaram o novo Zoneamento. Os eucaliptos ficavam autorizados a se espalhar sem limite de área por unidade de paisagem e sem restrições prévias, com o argumento de que cada caso seria analisado em separado. A reação foi imediata. Os plantios para este ano foram estimados em 70 mil hectares, 40% a mais que em 2007. A VCP anunciou, no dia seguinte, a retomada do estudo de impacto ambiental para construção de sua fábrica. A Aracruz, na semana seguinte, em cerimônia com a governadora Yeda, confirmou a construção de sua nova planta industrial. A Stora Enso, em menos de um mês, recebeu liberação, que estava travada até então, para plantar 100 mil hectares, número com o qual a Aracruz também foi contemplada. Os ambientalistas tentam contra-atacar. Juntamente com o MPE, conseguiram excluir das áreas permitidas para o plantio quatro das 45 unidades de paisagem natural que formam o território gaúcho. Agora, tentam reverter a aprovação do novo Zoneamento. A peleja não termina.
Batalha de argumentos e foices “Restrito ao Rio Grande do Sul em sua porção brasileira, o Bioma Pampa possui área de 180 mil km2, abrangendo os campos da Metade Sul e da região das Missões. Dados preliminares comprovam a riqueza de espécies em seu conjunto de vegetação de campos em relevo de planície. São cerca de 3.000 espécies de plantas vasculares, 385 de aves e 90 de mamíferos, entre outros grupos.” Ibama e Ministério do Meio Ambiente
No pampa pobre em dinheiro e rico em biodiversidade, ciência e carência regional são justificativas para opiniões e atuação de defensores e opositores das plantações. Enquanto isso, o MST parte para o combate físico Pastos cobrindo campos planos que se estendem até a linha do horizonte, sol, céu e grupos esparsos de menos de dez bovinos ou ovinos é praticamente tudo que se vê nos pampas gaúchos. De Pelotas a Bagé, ou de Alegrete a Rosário do Sul, estradas em retas intermináveis cortam a paisagem, que pouco muda apesar das centenas de quilômetros percorridos. Os pampas são vistos por alguns como local pobre, deserto, carente de investimentos que atraiam indústrias
e dinamizem sua economia. Para outros, são áreas protegidas da destruição do homem e que, por isso, ainda abrigam um ecossistema rico, que deve ser preservado. Quando Aracruz Celulose, Votorantim Celulose e Papel (VCP) e Stora Enso anunciaram que se instalariam na região, esse embate veio à tona como nunca antes. O governo estadual e as prefeituras da região estão de olho no desenvolvimento econômico que os empreendimentos prometem gerar. De acordo com análise da Secretaria do Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais (Sedai), aproximadamente 16 mil empregos diretos serão criados com as fábricas em funcionamento e aproximadamente 75 mil famílias devem trabalhar com o plantio. Na geração de impostos, com toda cadeia produtiva estabelecida, a arrecadação do Estado deve crescer de 15% a 20%, conforme calcula a secretaria. A qualquer um esses números
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Lucas: Investimentos das empresas de celulose vêm para salvar a Metade Sul
pareceriam expressivos, mas eles se tornam ainda mais atraentes ao se analisar o cenário econômico da região para a qual irão se destinar, a chamada Metade Sul, onde se localizam os pampas gaúchos. Apesar de abranger metade do território, o local concentra um quarto da população e é responsável por apenas 21% do PIB do Estado. A paisagem de campos praticamente vazios é representativa de sua economia. A pecuária de corte ainda é a principal atividade rural, sendo feita de forma extensiva. A prática, que no passado proporcionou as maiores riquezas do Estado e forjou a identidade do gaúcho, está estagnada há décadas. Nas estradas da região, também praticamente desertas, a presença mais constante é a de caminhões transportando arroz produzido na Campanha. As lavouras do grão foram introduzidas como uma alternativa para a agricultura, mas possuem limites em sua expansão devido à necessidade de grandes volumes de água para irrigar os cultivos.
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Ao escolher a Metade Sul, as empresas de celulose afirmam que pesou a existência de condições naturais adequadas, especialmente a semelhança de latitude em relação à Austrália, de onde o eucalipto é nativo. Não escondem, porém, que a pobreza local foi uma das principais razões para se instalarem na região. A carência econômica, de acordo com os executivos, reflete-se em boa receptividade da população aos empreendimentos. Mas as maiores vantagens estão mesmo nos baixos custos de produção, representados nesse caso pelo valor pago pelas terras. As fazendas dos pampas, algumas praticamente abandonadas, custam no mínimo a metade do valor que seria pago no norte do Estado pelas terras em que se produzem grãos, conforme avaliação do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). A Stora Enso, por exemplo, estabeleceu um teto de R$ 3 mil por hectare para a compra de terras para seus plantios na Fronteira Oeste. “Algumas fazendas não tinham nem
mais as cercas inteiras, para você ver como os donos estavam quebrados”, conta o técnico José Luís Menezes. No que toca a população local, as empresas indicam que os benefícios trazidos seriam principalmente na geração de empregos. Os negócios da Votorantim na região de Pelotas devem gerar cerca de 30 mil postos de trabalho entre diretos e indiretos, calcula o gerente de meio ambiente da empresa, Fausto de Camargo. Desse total, 2 mil ficariam ocupados na manutenção dos plantios e outros 2,5 mil trabalhariam na fábrica a ser construída. Além disso, a região ganharia com uma atividade alternativa para ser desenvolvida por produtores rurais da região. O agricultor José Luís Lucas, dono de uma propriedade em Cerrito, região de Pelotas, presenciou várias tentativas de revitalização da Metade Sul. Dessa vez, plantando eucaliptos, acredita que salva sua lavoura. Lucas é um dos cerca de 300 agricultores que até o ano passado haviam aderido ao programa de fomento florestal da Votorantim. Nesse convênio, realizado de forma similar pela Aracruz e futuramente também pela Stora Enso, mudas de eucaliptos são repassadas aos proprietários e as plantações financiadas via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ou pelo sistema de microcrédito rural. A contrapartida é a obrigação de vender a madeira às empresas. Na fazenda de 171 hectares, Lucas plantou 52 deles com eucalipto. Para conciliar a nova atividade com a pecuária de leite e de corte, o agricultor desenvolve o sistema de agrossilvicultura, no qual mantém entre as árvores espaços para pastagem. Durante o plantio, em 2005, empregou 12 pessoas por oito meses, mantendo quatro após o período. Em um balanço da situação atual, diz que suas principais rendas são em primei-
ro lugar o leite, depois o eucalipto e, por último, o gado de corte. Ele explica que, enquanto garante um rendimento mensal com o leite, obterá um ganho extra com a madeira, em longo prazo. ____________________
Parecer sustentável
Além de atentas em demonstrar os efeitos positivos na economia da região, as empresas tentam provar que suas atividades não colocam em risco o meio ambiente. O argumento central é que suas ações são balizadas pelas práticas da sustentabilidade. Ao se declararem seguidores desse modelo, procuram desenvolver práticas de responsabilidade ambiental e social e receber distinções que comprovem seu desempenho sustentável. Para as produtoras de celulose, essas práticas são requisitos para obtenção da certificação florestal, espécie de selo de sustentabilidade dos negócios, que garante a aceitação de seus produtos no mercado internacional. As três empresas chegadas ao
Rio Grande do Sul possuem, na maior parte de seus outros empreendimentos, certificações emitidas por duas instituições reconhecidas internacionalmente, o Forest Sterwardship Council (FSC) e o Sistema Brasileiro de Certificação Florestal (Cerflor). Entre as produtoras de celulose, a Aracruz destaca-se por também possuir outras distinções. A empresa é a única do setor de produtos florestais, em todo o mundo, a integrar o Índice Dow Jones de Sustentabilidade 2008, e, no Brasil, é uma das duas do setor no Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa. Por outro lado, a Aracruz é também a empresa com atuação mais controversa, tendo se envolvido em conflitos com indígenas, quilombolas e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) no Espírito Santo, onde se localiza sua matriz, e no Rio Grande do Sul. As contestações sobre as atividades das produtoras de celulose são principalmente sobre os impactos ambientais. Pesa contra o plantio de eucaliptos a fama de que a árvore absorve grande volume de água, sendo
comum ouvir de agricultores que não há nada melhor para fazer a secagem de banhados nas fazendas do que plantar meia dúzia de eucaliptos. As plantações também causariam a redução da biodiversidade por substituírem as diversas espécies existentes nos campos dos pampas apenas por esse tipo de árvore. As empresas, alinhadas em seus discursos, rebatem dizendo que tudo isso não passa de mitos e preconceitos. Sobre os impactos na biodiversidade, argumentam que não seriam diferentes dos causados por qualquer outro tipo de lavoura, como trigo, soja ou milho. Sobre o consumo de água, defendemse dizendo que o entendimento é antigo e ultrapassado. De acordo com elas, a combinação de manejo adequado das plantações e espécies selecionadas resultaria em taxas de consumo de água plenamente aceitáveis. ____________________
Pampa rico
No lado oposto na crise dos eucaliptos, movimentos ambientalistas e pesquisadores firmam posição contra a liberação dos plantios. Para cada dado, informação ou pesquisa científica favorável aos investimentos, divulgam outros para combatê-los. O foco de sua briga é a preservação do bioma Pampa. O ecossistema é um dos seis biomas continentais brasileiros na classificação realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Ministério do Meio Ambiente em 2004, juntamente com Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica e Pantanal. De todos, o Pampa é o único restrito somente a um Estado, entretanto, sua extensão também chega a partes do Uruguai e da Argentina. No Rio Grande do Sul, a área coincide com a da Metade Sul, sendo cerca de 17,5 mi-
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Nabinger: restam pouco mais de 6 milhões de hectares de campos nativos
lhões de hectares cobrindo 63% do território total do Estado. Sua vegetação é predominantemente de estepes, na região da Campanha e do Extremo Sul, e de savanas estépicas, nos locais mais áridos da Fronteira Oeste. A paisagem de campos planos encontra apenas algumas interrupções, com árvores e arbustos localizados próximos aos rios e com elevações breves e agudas do terreno, as chamadas coxilhas – termo originário do espanhol cuchillo, que significa faca. De acordo com especialistas, registra-se no Pampa uma riqueza biológica sem precedentes no mundo entre os ecossistemas de campos. O número de espécies vegetais chega a 3 mil, indica a professora Ilsi Boldrini, baseada em levantamentos do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Para se ter uma idéia do que isso representa, a biodiversidade vegetal encontrada nas florestas do Rio Grande do Sul, incluídos aí os remanescentes de Mata Atlântica do Estado, é de 519 espécies. A professora explica que o pampa supera
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com folga a diversidade de outros ecossistemas de campos por estar em região subtropical, contando assim com a coexistência de espécies de clima tropical e temperado. Em um estudo mais localizado, a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) de Bagé, na região da Campanha, identificou nos campos do município a ocorrência de 17 ecossistemas, cada um abrigando um conjunto diferente de vegetação. Um dos participantes desse trabalho, o pesquisador aposentado José Otávio Gonçalves, preocupa-se com os impactos das plantações de eucaliptos sobre esses ecossistemas. “Digo para meus colegas já irem pensando em projetos de recuperação dessas terras, que daqui a 14 anos estarão estragadas pelos eucaliptos”, diz o pesquisador, que estuda os campos da região desde os tempos do Departamento Nacional de Pesquisa Agropecuária, órgão que precedeu a criação da Embrapa, na década de 70. A degradação, de fato, ocorre, mas não é de hoje. Números do IBGE mostram que nas últimas décadas o país perdeu a cada ano em média 130
mil hectares de campos nativos, ocupados principalmente por lavouras. Entre 1970 e 1996, a área foi reduzida de 14 milhões de hectares para 10 milhões. Apesar de não haver dados mais recentes, o professor Carlos Nabinger, da Agronomia da UFRGS, estima que atualmente restem pouco mais de 6 milhões de hectares. “Se fosse uma floresta, seria um escândalo, o Greenpeace estava aqui e tudo mais”, protesta. Na polêmica dos eucaliptos, brigando para que as árvores não ocupem os pampas gaúchos, destaca-se como um dos especialistas mais atuantes o professor Ludwig Buckup, do Departamento de Zoologia da UFRGS. O pesquisador publicou artigos sobre o assunto e é referência para ONGs ambientalistas na apresentação dos argumentos contrários aos empreendimentos. Suas principais críticas são sobre os impactos das plantações de eucaliptos no consumo de água e na biodiversidade, o que seria ____________________ Ecossistema de grande riqueza biológica, o Pampa tem 3 mil espécies vegetais. ____________________ agravado no caso do Rio Grande do Sul por o Pampa ser um ecossistema de vegetação campestre, que não suportaria o crescimento de árvores. Sobre os danos aos recursos hídricos, o professor calcula que o índice de água liberado pelos eucaliptos em sua respiração, a chamada evapotranspiração, seria três vezes maior do que a quantidade que pode ser reposta pela chuva. A disponibilidade de água é uma preocupação presente na região. Em Bagé, onde a Votorantim possui plantações, entre 2006 e 2007,
durante dez meses, a população viveu racionamento de 18 horas por dia sem abastecimento de água. Nas críticas sobre o impacto na biodiversidade, Buckup explica que a formação dos plantios de eucaliptos significaria a substituição de milhares de espécies vegetais por apenas uma. Devido a essa condição, os movimentos ambientalistas gostam de se referir às plantações como “desertos verdes”. O professor prefere falar em “lavouras de eucaliptos”. Ele explica que as plantações não se tratam de florestas, pois isso implicaria a existência de diversas espécies vegetais. Também não admite falar em reflorestamento, pois na região não existiam florestas anteriormente. Ao abordar o assunto indica o que parece ser uma das maiores contradições nesse caso: enquanto no Rio Grande do Sul ocorre a ocupação dos campos de pastagens para plantações de árvores, na Amazônia a floresta está sendo derrubada para o avanço da pecuária. ____________________
ta-se de se importar um modelo que deu certo em outros lugares para aplicá-lo em um local pobre”, explica. Implantar um modelo exógeno de desenvolvimento poderia extinguir particularidades regionais, como as paisagens, a organização social e a cultura do homem dos pampas, alerta Borba. Ao falar nesse assunto, Jânio Lima, presidente da Fundação Rio Ibirapuitã, ONG ambientalista de Alegrete, conta sua história sobre os “milagreiros” que de tempos em tempos aparecem para salvar a Metade Sul. “Em outros anos, as mágicas fo-
tanto, mais tarde descobriram seus defeitos: baixo teor nutricional, liberação de substâncias que inibem o crescimento de outras plantas e uma capacidade de se disseminar pelos campos jamais vista. Antes que pudesse ser extinto, o annoni espalhouse pelos campos, chegando atualmente a todas as regiões do Estado. Jânio alerta que as plantações de eucaliptos, já disseminadas entre os quase falidos produtores rurais, são a promessa da vez. Apesar de todas as críticas, entre os ambientalistas atuantes na polêmica prevalece a posição de que os
Pampa pobre
Além dos fatores ambientais, também são questionados os aspectos econômicos e sociais relativos aos empreendimentos. Entre as principais contestações está o tipo de desenvolvimento que será gerado na região. Para o pesquisador Marcos Borba, da Embrapa de Bagé, as empresas de celulose e seus bilhões de dólares não promoverão o progresso da Metade Sul. Apesar de representar um aumento no (Produto Interno Bruto (PIB), a produção de riquezas será concentrada, sem integrar a maior parte da população. Doutor em Sociologia e Desenvolvimento Sustentável, ele considera os planos de investimentos uma tentativa de se desenvolver uma região carente por meio de práticas fora de seu contexto. “Tra-
Sem-terra: Basílio não come eucaliptos, por isso, luta contra as empresas
ram a revolução verde, que fortaleceria a produção agrícola, mas acabou por degradar nossos solos. Depois foram os incentivos à lavoura do arroz, que causaram danos irreversíveis aos banhados”, afirma. Outro dos “milagres” introduzidos no Estado, ele relata, foi o capim annoni, hoje uma das maiores pragas da agricultura da região. Nos anos 60, trazido do sudoeste da África, de onde é nativo, esse tipo de pastagem deveria ser a salvação dos campos de pecuária. Entre-
plantios de eucaliptos não precisam ser totalmente banidos do Estado, mas que sejam adequados a normas que minimizem seus impactos. A saída indicada por eles é a adoção do primeiro Zoneamento Ambiental para Atividade de Silvicultura, elaborado pela Fepam, mas que as empresas e os setores interessados em seus investimentos se recusam a aceitar. Outro grupo na oposição aos empreendimentos, no entanto, discorda dos demais e gostaria realmente
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de expulsar as empresas. Tratam-se dos integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, que em diversas ocasiões entraram em conflitos com as empresas produtoras de celulose. Em março de 2006, a Via Campesina, grupo ligado ao MST, reuniu 1,2 mil pessoas para destruir o viveiro de mudas da Aracruz, em Barra do Ribeiro, município próximo à fábrica da empresa em Guaíba. O caso teve repercussão nos noticiários nacionais, com destaque para as queixas da empresa, que, além das instalações, diz ter perdido pesquisas de 15 anos, numa referência a mudas selecionadas e aperfeiçoadas para uso nos plantios. Em seu cálculo, considerando que o Rio Grande do Sul será o foco de sua expansão, o prejuízo projetado é de 20 milhões de dólares. Após o ataque, os manifestantes declararam que seu objetivo
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era despertar a sociedade para “os males que as monoculturas do agronegócio multinacional, em especial os novos latifúndios de eucalipto e pínus, causam ao povo e ao meioambiente”. Em 2007, as demais empresas também foram alvo de protestos. Na Fronteira Oeste, terras da Stora Enso foram ocupadas por mulheres da Via Campesina, mas a manifestação, sem agressões nem estragos, durou poucas horas. No Extremo Sul, o MST conseguiu atrair mais atenção. Integrantes do movimento fizeram mutirão para arrancar os eucaliptos plantados por ex-sem-terra em seus assentamentos, por meio do programa de fomento da Votorantim. Os plantios haviam sido considerados irregulares pelo Incra, que discorda do uso das terras concedidas pela reforma agrária para fins que não sejam a produção de alimentos. “A gente faz o
papel do pobre, que é esse de sair na rua e no campo para a luta”, explica Basílio Lopes, integrante do movimento, em frente à faixa “Eu não como eucalipto, e você? Fora ‘Estora’ Enso”, pendurada na entrada do assentamento Fidel Castro, em Santana do Livramento. Uma das líderes do movimento no Estado, Neiva Viviam, acompanhou os colegas para arrancar os eucaliptos plantados nos assentamentos. Os protestos, ela explica, são porque os ideais de sociedade defendidos pelo MST são inconciliáveis com as empresas “transnacionais”, como se referem os integrantes do movimento às três produtoras de celulose. “Nossa posição não é como a desse pessoal que está falando apenas em meio ambiente. Para nós, essas empresas transnacionais têm que ser extintas”, afirma.
Com areia nos olhos
StoraEnso, de origem sueco-finlandesa, enfrenta problemas legais e ambientais Além de estar imersa na polêmica dos eucaliptos como as demais empresas, a Stora Enso encontra-se em meio a dois outros embates. Um deles de ordem legal, sobre propriedade de terras, que acabou colocando-a sob investigação da Polícia Federal, e o outro relacionado a um problema ambiental específico da região em que se instalou. O problema legal está na regularização das fazendas compradas pela empresa. Uma lei federal coloca empecilhos para uma companhia de capital estrangeiro adquirir terras em zonas de fronteira – faixa de 150 quilômetros de distância das divisas. A Stora Enso, de origem sueco-finlandesa, atua no Rio Grande do Sul em uma região próxima à fronteira com a Argentina. A legislação, que foi criada no século XIX, não proíbe a compra das terras, mas exige que uma série procedimentos sejam adotados. Entre eles, há uma determinação para que a Stora Enso apresente a lista dos títulos dos proprietários das fazendas desde 1850, ano da primeira lei de propriedade de terras instituída pelo Império no Brasil. Após reunir esses e outros documentos solicitados, a empresa deverá submetê-los ao Conselho de Defesa Nacional (CDN), órgão de consulta do presidente da República nos assuntos relacionados à soberania e à defesa do Estado. Esse processo, entretanto, pode levar anos para ser concluído, e, por isso, a Stora Enso buscou uma alternativa para seguir com os plantios. Constituiu, em 2006, uma empresa de propriedade de brasileiros residentes no país, a Azenglever Agropecuária Ltda., com objetivo de registrar as fazendas em seu nome. “O contrato social desta empresa prevê que as propriedades sejam repassadas para a Stora Enso assim que houver decisão do CDN. A criação da Azenglever e seus objetivos foram prontamente informados ao Incra, ao Ministério Público e à Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam)”, afirma João Borges, diretor florestal da Stora Enso para a América Latina. Há, no entanto, suspeitas de irregularidades no procedimento. Os proprietários da Azenglever são também executivos da Stora Enso, o que pode ser considerado crime de falsidade ideológica, cometido com objetivo de burlar a lei de fronteira, conforme denúncia da Procuradoria da República do Estado do Rio Grande do Sul. A Polícia Federal instaurou inquérito e está investigando o caso. A Stora Enso também lida com um problema ambiental dos mais graves encontrados no Estado: a arenização. O fenômeno transforma os campos da região da Fronteira Oeste em áreas cobertas pelo solo arenoso característico do local, resultando em paisagens semelhantes a desertos. Esses areais são formados em um processo natural, que ocorre quando se conjugam fatores como condições climáticas, solo e vegetação favoráveis, como explica o pesquisador José Pedro Trindade, autor de tese sobre o assunto. A chuva atua como agente deflagrador ao abrir brechas na vegetação e deixar o solo exposto ao vento, que age em seguida espa-
lhando a areia e ampliando a área descoberta. “Isso tudo ocorre sem a ação do homem, mas atividades como a criação de gado nesses locais potencializam e aceleram a formação dos areais”, diz Trindade. A arenização atinge uma área total de aproximadamente 3,5 mil hectares, com maior ocorrência em Alegrete, Manoel Viana e São Francisco de Assis, municípios onde a Stora Enso possui plantações de eucaliptos. A empresa é obrigada a interromper as linhas dos plantios nos areais, devido a uma determinação da Fepam que proíbe plantar numa faixa de 150 metros em torno dessas áreas. Os eucaliptos agravariam o problema da arenização, explicam os técnicos da entidade. A Stora Enso alega, no entanto, que as árvores podem colaborar com o controle do fenômeno. Citam como exemplo o caso do chamado Deserto de São João, área no interior de Alegrete, em que o plantio de eucaliptos, estabelecido no final da década de 70, conseguiu conter o avanço da arenização. O local tornou-se o mais famoso foco desse problema ambiental por conta de sua extensão de 200 hectares. Pesquisadores como José Trindade contestam esse argumento. Apesar de ajudar na redução da incidência dos ventos, responsáveis pelo avanço da mancha de areia, a plantação de árvores não contribui para recuperação da vegetação rasteira que anteriormente cobria o solo. “Se retirar as árvores, o areal ainda estará ali”, indica o pesquisador. Para ele, o problema dever ser tratado de dois modos. Por meio da prevenção, evitando a pastagem do gado em locais propícios à ocorrência da arenização, e com a reversão do processo nos areais existentes, formando uma faixa de preservação no entorno para que a vegetação se recupere naturalmente. “O processo é lento, pode levar dezenas de anos, mas é o mais eficiente”, pondera.
Stora Enso: impedida de plantar nas áreas de arenização
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Cortando o mal pela raiz O dia em que sem-terra foram presos por arrancar eucaliptos em assentamentos. Para abalar as estruturas das empresas, trabalho duro, churrasco e festa dos manifestantes “A opção da VCP pelo pampa se deu após análise da viabilidade de instalação do projeto em várias partes do mundo e do Brasil. A alta qualificação da mão-deobra e a boa infraestrutura local foram determinantes para a escolha. Além disso, oferece clima, topografia e disponibilidade de terra e água adequadas para o plantio do eucalipto que irá suprir a produção de celulose.” Relatório de Sustentabilidade 2006, Votorantim Celulose e Papel.
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Dia de mobilização do Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra (MST) começa cedo. Antes das 7h da manhã, Gilson Rodrigues estava de pé. Tomou uma ducha gelada, bebeu café, comeu seu pão e ajudou a acordar os colegas. Ele estava a cargo de coordenar a ação de arrancar eucaliptos plantados em assentamentos de municípios da região de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Companheiros assentados haviam aderi-
do – por ingenuidade, falta de alternativas ou traição mesmo – a um convênio para plantar árvores e vender à Votorantim Celulose e Papel, umas das empresas que investem na construção de um pólo produtor de celulose no Estado. Como fizera nas manhãs anteriores, até as 8h, tinha os 38 companheiros dentro do ônibus para o que seria o último dia de mobilização. A alguns quilômetros de distância, Adelar Pretto cumpria sua responsabilidade de líder regional do MST organizando a recepção aos manifestantes. Com telefonemas na noite anterior, articulou as equipes da comida, da bebida e da música para a chegada dos companheiros da
mobilização no assentamento Conquista da Luta, em Piratini, onde almoçariam e arrancariam os últimos eucaliptos. Às 10h da manhã, trazendo mandioca, batata-doce, arroz e três companheiros para descascar tudo e pôr na panela, chegou o Professor. Logo depois, o Mico, com a carne do porco que acabara de carnear no assentamento de um companheiro vizinho. A Neiva cuidou de preparar o
denou a retirada e os manifestantes estavam de volta ao ônibus. Contando com o trabalho daquela manhã, haviam liquidado cerca de 100 hectares de plantios ao todo nos três dias de mobilização. Em alguns trechos, os pés tinham menos de seis meses e podiam ser arrancados com as mãos, enquanto em outros, mais crescidos, às vezes eram necessárias duas pessoas com foices para derrubá-los.
Pelotão Especial: armados de escopetas brigadianos acompanham sem-terras
chimarrão e a caipirinha, feita com gomos de bergamota e açúcar suficiente para disfarçar o gosto da cachaça de garrafa de plástico. Do portamalas do Gol, Miltinho tirou sua gaita – que em outros lugares chamariam de acordeom ou sanfona –, mas não a desensacou. O som, por enquanto, estava a cargo do rádio do carro, sintonizado na 103,3 FM, a estação comunitária dos sem-terra. Pelo menos outros dez colaboravam com o preparo do almoço ou em manter a prosa animada. Após arrancar eucaliptos em mais um assentamento, Gilson coor-
Cansados com o trabalho acumulado, sentiam-se aliviados com o ônibus indo em direção ao almoço que companheiros preparavam para sua chegada. Mas na saída, ao pegar a rodovia principal, o veículo brecou. Viram pela janela duas viaturas e um camburão da Brigada Militar (a PM gaúcha), com homens armados de escopetas apontadas para o ônibus. No Conquista da Luta, de olho na carne que assava na churrasqueira improvisada com tijolos, Adelar atendeu ao telefone celular. – Prenderam o ônibus. – O que aconteceu?
– Os documentos tavam irregulares. Tão levando pra delegacia. – Tá, então é só buscar o pessoal lá e resolver o problema do ônibus. – Acho que não. Parece que tem quatro de menor. Vão ter que interrogar todo mundo na delegacia de Pinheiro Machado. Mudança de planos. Na churrasqueira, afastaram a carne do fogo, e na panela colocaram apenas uma parte da mandioca e da batata-doce, pois os companheiros não chegariam tão cedo. Adelar, com o reforço de dois outros colegas, telefonava agora em busca de advogados para acompanhá-los à delegacia do município vizinho. – Tem aquele que nos ajudou na ocupação ano passado. – Sim, e o outro que também trabalha com ele. – Ah, mas esse não sei se tá no nosso lado, não. Ligaram para um, que tinha o número de outro, que conhecia mais uns, e assim, em meia hora, tinham três advogados escalados. Dois de Piratini e um de Pelotas. Adelar tinha de acompanhá-los na delegacia, “mas com essa roupa não dá, se não é capaz de me prenderem também”. Entregou sua camisa pólo cheia de furos, a calça gasta e as sandálias havaianas para Miltinho. Pegou dele a camisa de cor salmão, os sapatos e a calça jeans que ficava folgada no gaiteiro, mas que apertava na bunda de Adelar. Antes de partir, ainda deu para tirar umas lascas do churrasco, e, em volta do fogo, apesar do incidente, o bom-humor ainda dava o tom das conversas. O assunto era a visita do papa Bento XVI ao Brasil, que ocorria naquela semana. – Vocês viram o cálice de ouro que o Papa bebeu vinho? – Sim, dava pra desapropriar uma fazenda inteira!
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– E aquela cadeira em que ele sentou, então? Ao chegar a Pinheiro Machado, Adelar viu o que era a atração do dia no município de 20 mil habitantes. A rua em frente à delegacia estava trancada pela Brigada nas duas esquinas. O ônibus estacionado servia como cadeia para 34 manifestantes sem-terra. O sol do início de tarde, num dia quase sem nuvens, piorava ainda mais a atmosfera dentro do veículo, cheio de homens suados e sujos do trabalho na terra. Gilson ao menos escapou dessa. Tratava do assunto na delegacia, juntamente com os quatro menores, todos de 17 anos, que integravam o grupo preso. A Brigada encrencara com eles porque, não sendo maiores de idade, necessitariam de autorização dos pais para viajar. Além disso, integrar um grupo como aquele poderia ser interpretado como aliciamento. Com a chegada de Adelar e os advogados, deu-se início ao procedimento para apuração do ocorrido. Os menores foram acompanhados por um conselheiro tutelar até o posto de
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saúde para exame de corpo-delito. Não havia incidentes a registrar. Na saída, Adelar percebeu que os jovens não haviam comido nada desde o início da manhã. Passavam das 3h da tarde, e ele correu à lanchonete mais próxima para comprar dois pastéis de carne para cada. Pela primeira vez, o líder Adelar e Jéferson, um dos jovens sem-terra, se encontravam. Apesar das posições distintas dentro do movimento, suas histórias de vida possuem semelhanças. Jéferson, nascido na região norte do Rio Grande do Sul, cresceu em acampamentos dos sem-terra acompanhando os pais até que fossem assentados em um lote próximo a Pelotas, no sul do Estado. Mas agora que é quase um adulto a terra não dá para todos, e o jovem mudou-se para um acampamento dos sem-terra a fim de obter um lote para si. Estava lá quando foi convidado a integrar a mobilização para o corte de eucaliptos. “Não sabia direito para onde ia, mas sabia que queria ajudar”. Adelar também nasceu na região norte do Estado e da mesma for-
ma acompanhou os pais sem-terra. A diferença na sua trajetória é que seu pai é Adão Pretto, um dos fundadores do MST e deputado federal pelo PT desde 1991. Na adolescência, Adelar acompanhou o pai nas reuniões que deram origem ao movimento e mais tarde ingressou na luta, tornando-se acampado até receber um lote de terra em assentamento da região de Pelotas e integrando a liderança do MST no Estado. A geração seguinte da família começa a traçar rumos diferentes, beneficiada por conquistas do movimento. Um de seus filhos, que é agricultor, esteve estudando no País Basco, por meio de convênio, e outro, que pretende ser médico, é um dos dezenas de semterra recebidos por Fidel Castro para estudar em Cuba. No posto de saúde, depois dos menores, foi a vez dos demais semterra passarem pelo exame de corpo delito. Em grupos de dez, foram transportados no camburão da Brigada e acompanhados na entrada e na saída pelos policiais do pelotão de operações especiais de Pelotas, que segu-
ravam escopetas, vestiam coletes à prova de balas e uniformes com armadura nas pernas e braços. Cumprida a formalidade, ninguém ferido, retornaram, mas não ficaram mais presos no ônibus, agora livres para aguardar no ginásio de esportes, localizado em frente à delegacia. A resolução do conflito se deu logo em seguida. O motorista do ônibus chegou à delegacia algemado pelos policiais, o que deixou o momento tenso pela primeira vez naquele dia. Adelar e Gilson foram ter com o delegado para resolver aquilo tudo de uma vez. Explicaram que as plantações de eucaliptos em assentamentos haviam sido consideradas ilegais pelo Incra. Para o órgão, as terras da reforma agrária são destinadas apenas para a produção de alimentos, além disso o convênio com a Votorantim podia ser considerado arrendamento, o que também é proibido. O Incra poderia até suspender as concessões dos lotes aos assentados. Ao arrancar os pés de eucaliptos, o MST, explicaram os líderes, estava livrando os colegas desse problema, ao mesmo tempo em que marcava sua posição contrária às empresas de celulose. Sem enrolar mais, pois já era quase noite, o delegado liberou todo mundo, mas abriu processo de investigação. A acusação soava como ironia: crime ambiental, devido à destruição das plantações de eucalipto. Com um novo ônibus, pois o outro fora apreendido, os manifestantes chegaram finalmente ao assentamento Conquista da Luta. O churrasco, programado para o almoço, virara jantar. Espetos feitos de ferro torcido eram cravados no chão, e facas passavam de mãos em mãos para tirar lascadas da carne de porco, que era acompanhada por pedaços de mandioca cozida e comida com as mãos. Os mais exigentes faziam um prato, com arroz e batata-doce também. Miltinho havia tirado a gaita de
Líderes: Gilson (E) e Adelar, acusação de crime ambiental por arrancar eucaliptos
dentro da capa e puxava o canto, acompanhado por um violão e um percussionista que improvisava batendo em um balde. Ao final da festa, por volta das 10h da noite, Gilson pediu a atenção dos companheiros. No terreno em declive, posicionou-se na parte mais alta para falar a eles. – Essa semana, nessas atividades, vocês abalaram as estruturas da Votorantim. Mas Gilson, ainda um líder jovem, não domina muito bem as palavras, se enrola e finaliza logo. “Alguma pergunta?”. Um acampado, de seus 20 anos, questiona sobre a participação de mais companheiros na luta, principalmente os que já são assentados. Adelar toma a palavra para dizer que irão tentar mais apoio, mas explica que deveriam entender que para quem já trabalha na terra é difícil encontrar tempo para as manifestações. O líder domina a retórica como um político no palanque. Mas o jovem acampado insiste no questionamento.
– Não sei se me expliquei direito, mas queria saber se apenas os acampados vão continuar vindo pra luta e... O Professor corta, para dar um fim ao assunto. – Vocês têm que entender que todos devem estar satisfeitos com o que foi feito nessa semana. Aqueles que têm um nível de compreensão de que precisam somente de sua terra podem estar felizes, porque atingindo uma empresa como essa estamos acelerando as desapropriações e a reforma agrária. Os que têm uma compreensão mais elevada também podem ficar felizes, porque nessa mobilização abalamos as estruturas da conjuntura econômica vigente. O jovem ainda pede a palavra. “Ah, sim, só pra dizer então que eu entendi. Tudo isso aí é pela reforma agrária, né?” Todos concordam, pois era hora de encerrar a conversa. À saída, Adelar puxa o grito: – M-S-T. Em coro, respondem. – A luta é pra valer!
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Tradição dizimada Por Paola Bello - Fotos de Tatiana Cardeal
Com a extinção das mangabeiras em 90% do território de Sergipe e o crescimento das áreas de terras privatizadas, catadoras e suas tradições estão com a existência ameaçada
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Quando as primeiras flores da mangabeira começam a desabrochar na restinga sergipana, não é somente uma nova estação que se aproxima. A cada safra, a incerteza e a angústia de três mil famílias se multiplica. Liderada por mulheres de pele negra e causas nobres, a catação ou colheita da mangaba, embora lucrativa, é a razão pela qual toda uma comunidade tradicional nordestina está com a existência ameaçada. A árvore símbolo de Sergipe já foi eliminada em 90% dos territórios nativos no Estado. Nos 10% que restam, a coleta da mangaba é palco de um cabo de guerra onde estão, de um lado, o poder público e grandes investidores, e do outro, comunidades de baixa escolaridade, sem terras ou reservas econômicas, cuja maior riqueza é a cultura e a tradição que carregam há gerações. Há anos, os governos estadual e federal constroem discursos sobre os investimentos feitos na região. São milhões aplicados na construção de pontes e rodovias, na monocultura e no incentivo à vinda de grupos estrangeiros de turismo e criação de camarão. Ao mesmo tempo em esses investimentos valorizam as terras e trazem desenvolvimento às áreas que antes apenas exalavam o enxofre do mangue e o calor das areias da restinga, a modernidade ameaça de extinção atividades que ajudaram a construir a identidade brasileira. “A valorização da terra e a privatização dos espaços de trabalho tornam as populações extrativistas ainda mais vulneráveis”, lamenta Jane Velma dos Santos, presidente do Movimento das Catadoras de Mangaba, em carta enviada à Procuradoria da República em março. “O Estado não observa a existência dessas popula-
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ções extrativistas e esquece de promover políticas públicas efetivas e favoráveis aos interesses das populações locais, entregues à própria sorte”, completa. Com o aumento dos investimentos e da ocupação de áreas até então abandonadas, essas comunidades tradicionais começaram a perder, inclusive, o mangue e a restinga, áreas que deveriam ser protegidas ambientalmente e que sempre lhes representaram opções de refúgio. Não restou aos povos tradicionais outra opção que não a luta pela terra. “No passado, a pressão sobre os recursos desterrava populações que ali viviam, mas que migravam para outros espaços ainda não cobiçados pela agricultura. Mais recentemente, no entanto, as populações já não têm para onde ir”, explica Dalva Maria Mota, pesquisadora da Embrapa. E quando a luta pela sobrevivência ganhou rostos e vozes, a situação, que já estava crítica, ficou ainda pior. Com a mobilização e o início da organização de grupos de catadoras, donos de terras esquecidas temeram invasões e desapropriações. Os sítios de mangabeira, que garantiam o sustento de milhares de famílias, foram cercados. Capangas ganharam casas nas fazendas em troca da vigilância contra as catadoras. A fruta ganhou valor no mercado e o número de catadoras aumentou significativamente, enquanto a modernidade se encarregava de continuar a derrubada das mangabeiras na restinga. ________________
A tradição Muito antes da mangaba ganhar o status de fruta exótica nas prateleiras dos supermercados nordestinos, o uso da fruta e do látex da mangabeira já era difun-
dido entre as comunidades tradicionais locais. Da fruta, fazia-se o suco típico da Semana Santa. Do látex, medicina popular contra desconfortos digestivos e estomacais. A fruta também era comida, pura ou com farinha, quando homens e mulheres saíam para a roça e para a pesca. “Sempre teve muita mangaba por aqui, mas o povo não sabia que vendia na feira. A gente comia vez ou outra, quando estava no mato, ou na Semana Santa. A mangaba é uma fruta muito boa, muito docinha, mas a gente não tinha o costume de comer sempre e nem pensava que dava pra vender. Até que um dia uns viram gente vendendo mangaba no mercado de Aracaju. Aí a gente também começou a catar e a vender. Isso já faz uns 35 anos”, conta Maria Zita dos Santos, 65 anos, moradora do povoado de Alagamar, em Pirambu, norte do estado. “Quando cheguei aqui na Barra dos Coqueiros, ninguém sabia que dava pra comer a mangaba”, conta Maria Plácida de Jesus, 76 anos, considerada pelo povo a primeira vendedora da fruta no mercado público de Aracaju. “Eu tinha aprendido com minha mãe que dava pra comer e como a gente deveria tirar, sem quebrar a galha, sem tirar verde. Quando cheguei aqui, vi mangaba por todo lado, e o povo achando que era uma coisa venenosa. Então, comecei a apanhar a mangaba, juntei um cesto e fui vender em Aracaju”. Mas até conquistar a clientela, dona Pracida, como é chamada, enfrentou muita resistência. “As primeiras vezes que fui, não vendi nem uma mangaba se quer; tive que voltar com o cesto cheio. Mas aí o povo experimentou, gostou e eu comecei a vender. Não demorou muito, o povo daqui viu que dava dinheiro e co-
meçou a catar e a vender também. Hoje, mangaba é fruta de rico, e sustenta quase todo mundo aqui”, comenta. Assim como o sucesso de venda, o manejo da planta e da fruta foram disseminados entre as comunidades e passados de geração a geração. Com a mangaba, dona Maria Zita criou 12 filhos, que cresceram ajudando na catação. “Aqui, filho com cinco anos já começa a ajudar a catar mangaba. Desde antigamente, a gente saía pra catar às cinco da manhã e voltava só quando enchia os baldes. Pra vender, é assim também. Tem que sair cedo de casa e só voltar quando vende tudo”, conta. Apesar de alguns meninos ajudarem quando pequenos, a catação é uma atividade predominantemente exercida por mulheres. “Mulher trabalha com mangaba porque é mais leve. Homem trabalha na roça, com caranguejo. Mulher cata mangaba, trança chapéu, vende na feira”, explica. De fácil, porém, a atividade não tem nada. Antes mesmo de o sol nascer, as mulheres catadoras saem de casa, equipadas com baldes e varas com um gancho
na ponta. Em geral, como as mangabeiras foram cortadas na área urbana para a construção de casas, as catadoras caminham longos trechos até chegarem às áreas mais fartas. Com o grande número de mulheres exercendo a mesma atividade, cata mais quem consegue chegar mais cedo. “Nossa mãe ensinou a ver quando a mangaba está verde, quando está de vez [madura], e eu já ensinei minha filha. Minha mãe ensinou a gente a tirar a mangaba sem quebrar a galha, a lavar, a encapotar pra amadurecer, e a vender na feira. Agora que ela está mais velha, a gente cata e ela vende”, explica Sônia dos Santos, 40 anos, filha de Maria Zita. “A vida toda eu catei mangaba e levei meus filhos junto. Saía cedo de casa e voltava com o sol alto, cuidando dos filhos e carregando os baldes na mão e na cabeça. Quando os filhos são maiorzinhos, até ajudam a gente a catar as que caem no chão depois que a gente tira com a vara, e às vezes ajudam a trazer pra casa. Mas quando são pequenos, não dá, não. Tem que cuidar os filhos das cobras, dos mosquitos. Mas a gente tinha que comer todo
dia, não é mesmo? Se a gente come todo dia, tem que trabalhar todo dia pra ter o que comer”, conta Maria Zita. Em épocas de início e fim de safra, em dezembro e maio, cada catadora colhe, em média, um ou dois baldes de mangaba. O balde de cinco litros é a medida de referência e, cheio, pesa aproximadamente 4,5 quilos. Quando a safra está no ápice, cada catadora junta em torno de dez baldes por dia. Para ter mais segurança quando saem para a catação e para reduzir os custos com a venda, as catadoras trabalham em pequenos grupos, de três a sete mulheres, em geral, da mesma família ou vizinhas. Ao menos uma vez por semana, a colheita é vendida em feiras e mercados municipais. Uma ou duas mulheres, dependendo da quantidade catada, se responsabiliza por levar a fruta à feira e só voltar quando o último balde for vendido. “Quando a gente vai vender no mercado, a gente vai com o dinheiro contado da passagem. Sai de casa às 4h da manhã e só volta à tarde. A gente não come nada lá, deixa pra comer em casa, se não, não sobra dinheiro”, conta Sônia. “Na
No ápice da safra, cada catadora junta até dez baldes por dia
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época que tem muita mangaba, dá até tristeza de ir vender, porque não pagam nada. Tem vezes que a gente mal consegue o dinheiro pra voltar. Ontem mesmo, levei 45 baldes de mangaba pra vender em Aracaju, tive que deixar 20 lá, no corredor do mercado mesmo, porque ninguém comprou. Disseram que estavam ruins, que eu tinha catado muito verde, que boa é a caída do pé. Mas com tanta gente catando, só consegue vender da caída quem tem sítio. Se a gente for esperar amadurecer, fica sem nada”. ________________
A jornada Mesmo antes de amanhecer, um pequeno grupo de mulheres sobe nas jangadas que cruzam o rio Real, divisor dos estados de Sergipe e Bahia. Munidas de ganchos, varas e baldes, elas saem do povoado de Pontal, em Indiaroba (SE), em direção ao único lugar que ainda lhes dá algum sustento. Após três horas de remo, já com o sol forte sobre a cabeça e os pés em solo baiano, elas começam a primeira atividade de uma longa jornada de trabalho.
Mulheres cruzam o ria para vender mangaba na Bahia
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Atentas às cores e formas pouco diferenciadas da folhagem, escolhem os frutos que serão tirados e, um a um, são puxados dos galhos com o gancho preso na ponta da vara. Cada uma colhe de uma árvore diferente, e, rapidamente, o chão se enche dos pequenos frutos redondos e leitosos. A vara é escorada, e, aos poucos, os baldes ficam cheios dos frutos derrubados. Cada mangaba colhida deixa uma gota de látex na pele negra e queimada de sol. Em poucos minutos, a substância branca transforma-se em uma mancha escura na pele, difícil de ser retirada. Colhidos os frutos, uma nova mangabeira é abordada, e a atividade de retirada e catação se repete até que todos os baldes levados estejam cheios. Outras três horas de remo, com os baldes cheios, os corpos marcados e os rostos exalando cansaço, e as mulheres retornam ao povoado. Cada uma leva seus baldes para casa, onde começa o “capote” ou a “capotagem”, segunda etapa da jornada. Após lavadas, as mangabas são deixadas em engradados de cerveja até que toda a água da lavagem escorra e seque. No dia seguinte, são colocadas em caixas, de madeira ou papelão, encapadas com jornal, papel ou plástico. Como um trabalho artesanal, as camadas de mangaba são alternadas por camadas de papel ou plástico, até a borda da caixa. Após dois dias naquela pequena estufa improvisada, os frutos já estão prontos para ser comercializados. Às sextas, sábados e domingos, a peregrinação de catadoras de mangaba às feiras e mercados municipais é mais intensa. A partir da meia noite, a movimentação já é visível. Aos poucos, elas tomam as calçadas em torno do mercado
municipal de Aracaju, do lado de fora do Ceasa e nas bancas improvisadas nas feiras livres de Estância, Indiaroba e demais cidades do estado. Ainda há as que montam barracas na beira das rodovias e que, apesar do conforto de levantarem com o nascer do sol, dependem da sorte do movimento nas estradas. “Na época que tem muita mangaba, a gente cata um dia, no outro ‘encapota’ e cata mais um pouco, pra conseguir vender mais na feira”, conta Eliane dos Santos, 42 anos, catadora em Pontal. “Pra vir pra feira, tem que sair, no mais tardar, às 5h da manhã. Como eu não tenho sítio, eu cato na rua, na beira das estradas, nos terrenos que ainda não cercaram. Comecei a catar e a vender mangaba com 13 anos. Aprendi com minha mãe. Agora, meu marido e meus filhos me ajudam. É difícil catar o dia todo e vir pra feira no outro dia, mas pelo menos com o dinheiro da mangaba a gente consegue comprar pão e comida pros filhos”, completa. “As mulheres aqui de Pontal trabalham só com mangaba e pesca. Quando tem mangaba, a gente consegue comprar alguma coisa, guardar um dinheiro. Mas de uns tempos pra cá, como a mangaba vende muito fácil, todo mundo decidiu catar também. Aí acaba indo criança e gente que não sabe como tirar do pé, e deixam pra nós só galha quebrada e mangaba verde no chão. Por isso a gente tem que ir catar do outro lado do rio, que tem mais mangaba e menos gente catando”, explica Alicia Santos Salvador Moraes, que, aos 21 anos, carrega nos ombros a responsabilidade de manter a casa e alimentar quatro filhos e um marido. “Comecei a catar mangaba ainda criança. Meu pai criou eu e minha irmã na mangaba e na
As cercas dificultam cada vez mais o trabalho das mulheres extrativistas pesca. Agora que tenho minha família, tem que trabalhar mais ainda. A gente sai pra catar mangaba quando está chovendo, com sol forte, quando está doente, menstruada. Não tem outra escolha. Ou é a mangaba ou é a pesca, e quando tem, a mangaba dá mais dinheiro”, afirma. “A mangaba é o jeito mais fácil da gente ter dinheiro na mão”, explica Maria Domingas da Anunciação, a Ninha, 52 anos, moradora do assentamento São Sebastião, no povoado de Alagamar, em Pirambu. “Com o artesanato, a gente passa um mês ou 15 dias fazendo a trança pro chapéu de palha, depois tem que costurar e esperar vender por um real cada. A mangaba, não. Se a gente quer comprar um sal amanhã, cata mangaba hoje e sabe que amanhã tem um dinheirinho. Geralmente é assim, mas anda ficando mais difícil, porque tem mais gente catando”, lamenta. ________________
A importância Atualmente, Sergipe é maior produtor de mangaba no Brasil. A Secretaria da Agricultura estima que, em 2007, foram colhidas mais de 280 toneladas da fruta, comerci-
alizadas quase que totalmente no mercado interno. Dados do IBGE referentes à Produção Extrativa Vegetal de 2005 confirmam a liderança do estado na produção, apontando colheita de 497 toneladas, o que representa mais de 60% da produção nacional, que naquele ano atingiu 811 toneladas. Apesar da aparente queda na produção, Sergipe produz mais mangaba que todos os demais estados nordestinos que também comercializam a fruta. A coleta é a segunda maior economia do estado, ficando atrás somente do cultivo de laranja. Pesquisas também apontam que 90% de toda a mangaba comercializada provêm de áreas nativas, nas quais as populações tradicionais praticam o extrativismo há séculos. Embora exerçam outras atividades, como coleta de produtos dos manguezais, pesca, agricultura e artesanato, a mangaba representa 60% de todo o rendimento anual dessas populações. Reconhecidas como povos tradicionais, as comunidades que se dedicam à catação da mangaba em Sergipe representam uma peça-chave na manutenção e preservação de todo um eco-sistema. “São grupos
que historicamente cuidaram do território, conservando e interferindo minimamente na sua transformação”, explica a pesquisadora da Embrapa, Dalva Maria Mota. “Eles são fundamentais para a conservação da biodiversidade e dos recursos genéticos, porque acumularam práticas e saberes sobre os recursos ao longo dos anos, e dependem deles para sua sobrevivência. Infelizmente, são populações pobres em um contexto em que a inserção social é uma prioridade”, explica. “Cada povo e cada comunidade tradicional tem identidade própria, mas eles compartilham de elementos fundantes que são identidade diferenciada dentro do mosaico que compõe a iden-
tidade brasileira; relação com o território e seus recursos naturais, essencial para sua identidade cultural; e fragilidade frente aos avanços do modelo de desenvolvimento hegemônico no país”, afirma Muriel Saragoussi, diretora de Extrativismo do Ministério do Meio Ambiente. “A estes elementos se agregam a contribuição para a proteção e o uso sustentável dos ecossistemas, essencial como prevenção e mitigação das mudanças climáticas e como serviços ambientais, e seu potencial de contribuição para a definição e implantação de alternativas sustentáveis e inovadoras, ampliando o leque de produtos e formas de uso dos recursos da biodiversidade brasileira”, completa.
Muriel: comunidades tradicionais contribuem para o suo sustentável dos ecossistemas
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Segundo Muriel, cada povo tradicional é importante não só para a preservação dos recursos, mas também para a preservação da própria identidade brasileira. “As catadoras podem ser inseridas numa categoria mais abrangente de extrativistas, assim como os seringueiros, castanheiros, andirobeiras, pescadores e outros. Elas se inserem, também, com características próprias, na enorme diversidade cultural, social, econômica e religiosa que compõem os povos e comunidades do nosso país, tornando-o megadiverso não somente em biodiversidade, mas também em sociodiversidade”, explica. Muriel reforça que, mesmo que as catadoras ainda estejam num estágio inicial de organização e autoreconhecimento, para que a atividade e a cultura individual desse grupo não se extinga, é necessário garantir o acesso ao território e aos recursos naturais que construíram sua identidade. ________________
Os entraves O primeiro grande conflito que envolve as catadoras é fruto da valorização dos terrenos onde há árvores nativas. Se o acesso às mangabeiras em Sergipe, no passado, era livre, a valori-
zação do fruto no mercado regional e a privatização dos espaços onde há mangabeiras vêm dificultando a prática do extrativismo. Tornou-se comum, da noite para o dia, sítios e fazendas nos quais era permitida a catação aparecerem cercados. “Antes, elas tinham toda a área de produção de mangaba nativa para explorar; tinham livre acesso às áreas, sem pressão do proprietário. Hoje, a coisa mudou. Essas áreas são particulares, e a visão econômica que não havia por parte do proprietário, agora há”, explica Francisco Cassundé, engenheiro agrônomo da Secretaria Estadual de Agricultura e do Desenvolvimento Agrário. Cassundé ressalta ainda que, pelo fato de a mangabeira exigir quatro anos de cuidados até que dê os primeiros frutos, as áreas exploradas são predominantemente nativas e, para que o dono da área tenha lucro, também deve reter toda a produção. “A situação iria chegar a esse ponto, porque a terra é particular. Alguém devia ter alertado elas que isso iria acontecer”. O engenheiro agrônomo também afirma que o estado tem incentivado o plantio de mangabeiras e busca a ampliação de mercado consumidor da fruta. “Há uma cooperativa no norte do estado que já está no
Francisco Cassundé: uma hora ou outra, as catadoras também terão que se tornar produtoras
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Ponte para a barra dos Coqueiros acelerou a especulação de terras terceiro ano desde o plantio das primeiras mudas de mangabeiras. Eles perceberam a aceitação da mangaba no mercado e investiram. Em pouco tempo, vai acontecer que quem plantou mangaba vai ter muito mais espaço no mercado. As comunidades tradicionais não vão perder o mérito, mas, uma hora ou outra, as catadoras também terão que se tornar produtoras. Elas não podem simplesmente se acomodar”, alerta. Por outro lado, a tentativa de organização das mangabeiras em busca de terras onde possam continuar o extrativismo abriu os ouvidos dos latifundiários para a reforma agrária. Com medo de perder as terras, fazendas que até então não passavam de uma grande área aberta repleta de mangabeiras transformaram-se em sítios cercados, com caseiros contratados para manter longe as catadoras e qualquer outra pessoa em bus-
ca de explicações. “No ano passado, depois de uma iniciativa de mobilização, os ditos proprietários de terra começaram a cercar ou cortar as plantas para evitar a entrada das catadoras que praticavam o extrativismo ali havia muitos anos. Um conflito social pela disputa do recurso está instalado e o movimento das catadoras tenta se organizar para apoiar. Mas esse não é um empreendimento simples, porque elas estão dispersas e não têm uma tradição de mobilização política”, explica a pesquisadora Dalva. Nossa equipe de reportagem tentou, por várias vezes, o contato com Fernando Felizola, dono da maior fazenda de mangabeiras em Barra dos Coqueiros. Na primeira tentativa, os capatazes da fazenda se negaram a dar qualquer tipo de informação sobre o proprietário. Na segunda, repassaram um número de celular inexistente. Também foram
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feitas tentativas através do número fixo informado no processo de desapropriação das terras. Em nenhuma das vezes o telefone foi atendido. “Depois do encontro das catadoras, o Felizola mandou cercar a área toda. Agora, ninguém mais pode entrar lá pra catar mangaba sem a autorização dos caseiros. As que catam lá têm que dar metade do lucro da mangaba pro caseiro. Mas as mulheres que participaram do encontro e que estavam querendo o sítio pra reforma agrária não entram mais lá, nem pagando”, conta a catadora Edilma Alves Moura, sobre a situação em Barra dos Coqueiros. “Hoje, o povo ficou com medo que a gente invadisse as terras e mandou cercar. Tem muita fazenda em que a mangaba estraga e não deixam a gente catar, com medo de invasão. Tem uma ou outra catadora que acaba indo assim mesmo, mas é perigoso demais. Eu já vi caseiro correndo a cavalo atrás de catadora, com laço, com chicote, com faca”, afirma Ninha sobre as áreas de Pirambu, confirmando o problema si-
milar em todo o estado. Ainda há uma terceira questão envolvendo a valorização das terras. Com os planos de desenvolvimento local, construção de pontes, estradas e estruturas capazes de atender à população, áreas até então remotas e de difícil acesso aumentaram significativamente de valor. A especulação imobiliária nunca foi tão forte, e o êxodo rural nunca se tornou tão provável na região. O exemplo mais nítido dessa realidade está na capital do estado. Há menos de dois anos, o trajeto entre Aracaju e Barra dos Coqueiros, cidades separadas pelas águas do rio Sergipe, só podia ser feito por balsas. O transporte dependia do horário e da capacidade de lotação desses barcos. Havia uma segunda alternativa, por terra, que levava aproximadamente uma hora e meia de carro. No segundo semestre de 2006, a inauguração da ponte ligando as duas cidades reduziu essa distância a 1,8 quilômetro. Menos de dois anos depois, Barrados Coqueiros já possui um resort de bandeira internacional e um conjunto
habitacional de alto padrão em construção. “Até 2006 tínhamos pouco mais de sete mil leitos no estado. Hoje, temos dez mil leitos e, com a conclusão das obras dos hotéis que estão sendo construídos ou reformados neste momento, no final de 2009 teremos 15 mil leitos em Sergipe, 80% concentrados em Aracaju”, comemora o secretário estadual de turismo, João Augusto Gama. O que o secretário parece ignorar é que o número de leitos no setor hoteleiros aumenta na medida em que a área nativa de mangabeiras reduz. Somente o grupo Starfish, que em setembro de 2007 inaugurou resort na Ilha de Santa Luzia, em Barra dos Coqueiros, orgulha-se por seus seis quilômetros de praias inabitadas. Grande parte desses seis quilômetros eram áreas de mangabeiras. “O estado estimula o turismo, as rodovias, o desenvolvimento, e não lembra que aquelas pessoas existem. A população vai sendo acuada, e pouco a pouco vão ficando sem terra e sem meios de sobrevivência. Do jeito que estão sendo empurra-
das, ou irão para favelas, ou pro interior do estado, ou para grandes capitais do Brasil. A longo prazo, essa ocupação desenfreada não se sustenta”, alerta o pesquisador e engenheiro agrônomo do Incra, Emanuel Oliveira Pereira. ________________
Desastre ambiental É nítido que a busca pelo desenvolvimento imediato no estado de Sergipe está causando danos irreversíveis aos povos tradicionais e, ao lado deles, as agressões ao meio ambiente tornam-se ainda mais visíveis. Porém, o problema que mais preocupa os ambientalistas na região atualmente não está relacionado à beleza das praias ou à melhoria nas condições de moradia e acesso às pequenas cidades. De norte a sul, o governo está engajado na busca por investidores nacionais e estrangeiros em uma frente bastante questionável: a produção de camarão. “Quando não tem mangaba, eu vou pro mangue
Área em processo de desapropriação é território vedado às catadoras de mangaba
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pescar. O problema é que a mangaba está cercada e a pesca está acabando por causa do camarão”, denuncia Alicia, do povoado de Pontal, referindo-se ao aumento de criadouros de camarão na região que, além de derrubarem e cercarem áreas nativas de mangabeira, poluem o mangue com substâncias utilizadas no cultivo de espécies exóticas. “O pessoal derrubou muita mangabeira pra construir os tanques do camarão. E os produtos que eles usam está matando os caranguejos também”, reforça. Questionado sobre a regulamentação e as conseqüências ambientais motivadas pela carcinicultura, o superintendente do Ibama em Sergipe não foi nada otimista. “A carcinicultura, em qualquer lugar do Brasil, não é uma atividade nem de interesse público nem de interesse social, casos nos quais a lei permite a devastação”, explica Manoel Rezende Neto. O superintendente também lembrou, ci-
Alicia: mangaba cercada e pesca acabando tando países europeus que sofrem as conseqüências do cultivo, que as áreas devastadas para esse fim são praticamente impossíveis de recuperar. “Para a criação de camarão, modifica-se a geomorfologia e derruba-se a vegetação. A gente vê o resultado desastroso da carcinicultura em outros paises. Ela acaba com todo o ecossistema ao redor dela.” Pesquisas feitas através da Universidade Federal de Sergipe indicam que, em 2004, havia no estado mais
de 60 criadouros de camarão, quase 80% deles de pequeno porte. Segundo o Ibama, essas são as situações mais comuns, e também as mais preocupantes. “Há situações em que uma grande empresa acaba investindo em uma comunidade local, subsidiando o pequeno produtor. Nesses casos, quando a comunidade é priorizada, pode ser aplicada essa permissão da lei”, diz Rezende. O superintendente também lembra que há os casos, principalmente ante-
ARTIGO Diversidades ameaçadas Emanuel Oliveira Pereira Engenheiro agrônomo do Incra/SE, mestre em Agrossistemas pela Universidade Federal do Sergipe. moabop@uol.com.br
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No litoral do pequeno Estado de Sergipe, muitas comunidades rurais tradicionais se dedicam ao extrativismo de produtos vegetais e animais, atividade de grande importância sócio-econômica e ambiental, por envolver um significativo número de famílias, cuja sobrevivência depende diretamente dos recursos naturais. Apesar disso, esses recursos encontram-se ameaçados, pois a região costeira vem sendo ocupada de modo desordenado, notadamente em função da expansão das explorações com monoculturas, carcinicultura (criação de camarões), urbanização e incorporação de novas áreas turísticas, intensificando a
especulação imobiliária. É o chamado “progresso”, que aparece no discurso oficial como “Desenvolvimento Sustentável”, não obstante as ameaças que colocam em risco a reprodução social dessas populações tradicionais, que já enfrentam problemas sócioeconômicos, ambientais e culturais típicos das comunidades pobres e fartamente conhecidos. Os novos riscos são trazidos pelo “progresso” em curso na região litorânea, cujos símbolos mais visíveis são as modernas pontes e estradas asfaltadas que aproximam terras antes relativamente isoladas e de difícil acesso.
Tais novidades valorizam as terras em território antes assegurado como espaço de vida e trabalho das populações locais e, atualmente, ameaçado de ser perdido. Assim, as formas de vida tradicionais apresentam-se vulneráveis, buscando espaço em um meio cada vez mais desfavorável, tornando incerta a reprodução social desses grupos tradicionais, como é incerta a preservação da biodiversidade que essas populações ajudaram a construir e conservar. A expulsão dos antigos moradores dessas áreas parece ser a conseqüência fatal do progresso, aliás, como já aconteceu e continua em
riores a 2003, em que muitos pequenos produtores acabaram empolgados com os subsídios das grandes empresas e não se submeteram a nenhum processo de licenciamento. “O problema é que toda intervenção que o Ibama possa vir a fazer e que envolva diretamente pequenos produtores sempre causa impacto na sociedade e gera mobilização. Nessas horas, o povo esquece que os pequenos causam tanto impacto quanto os grandes”, lamenta. “Também há grandes empresas de camarão devastando grandes áreas na região”, complementa o pesquisador do Incra, Emanuel Oliveira Pereira. “A maioria dos produtores de camarão em Sergipe começaram por incentivo do governo estadual. O governo fez um programa para estimular o cultivo, e divulgou fora do Brasil, buscando investimento externo. Sergipe sempre foi um lugar de passagem, porque o litoral não é tão bonito quanto dos estados vizinhos.
curso em outros estados do Nordeste, onde as alterações dos ecossistemas impossibilitam a continuidade das práticas econômicas anteriores e dos saberes a elas associados. Os catadores de mangaba, fruto nativo da mangabeira, é um desses grupos vulneráveis, ao lado de pescadores artesanais, coletores de caranguejos, marisqueiras, artesãs e apanhadores de outros frutos nativos, ameaçados pela privatização crescente da terra e dos recursos naturais necessários à continuidade das estratégias de sobrevivência que sustentam os seus modos de vida. Desconsiderando essa
Pra atrair investimentos, o governo incentivou o desenvolvimento da carcinicultura. São programas oficiais, divulgados fora do Brasil, pra todo mundo ver”, reforça. Questionado, o superintendente do Ibama reafirma o problema causado pela busca de investidores externos. “O governo do estado realmente tem incentivado a carcinicultura. O Ibama já deixou de autorizar algumas obras que vieram com a alegação de que era de interesse público, mas que eram apenas do interesse do governo e de grupo de investidores. Nós temos tentado o contato com o estado para proibir esse tipo de ação”, afirma Rezende. Ele também lembra que o Ibama não possui autoridade suficiente para autorizar ou não uma obra. Ele afirma que o dever do órgão é informar se o empreendimento resultará em danos ao meio ambiente e se, com isso, infringirá as leis de proteção ambiental. Segundo Rezende, é o Ministério Público quem auto-
realidade, os processos decisórios não envolvem as populações tradicionais extrativistas, omitindo os impactos negativos das novas atividades econômicas sobre o seu meio sócio-econômico e cultural. É como se nos diagnósticos oficiais, essas populações simplesmente não existissem. E por não terem sido consideradas, seus problemas se tornarão visíveis na forma de favelas, desemprego, prostituição, violência, incapacidade de atendimento de serviços públicos básicos, e toda uma série de mazelas típicas das sociedades urbanas, presentes hoje, também nas áreas rurais. Vale salientar que o
riza ou não a obra, baseado no parecer técnico do Ibama, que nem sempre é respeitado. “Mesmo que o Ibama autorize ou proíba, há órgãos que podem nos superar. As ações do Ibama dependem da justiça para ser obedecidas”, ressalva. Procuradas pela equipe de reportagem do Observatório Social, as maiores empresas de camarão atuantes em Sergipe e no norte da Bahia não quiseram comentar o assunto. Enquanto isso, as comunidades tradicionais sofrem com o descaso do governo e com a falta de preocupação com o meio ambiente. “O que a gente sabe fazer é catar mangaba, colher caju e pescar. Quem tem coco, vive do coco também. A gente sempre viveu trabalhando bastante, passando dificuldade às vezes. Mas depois que colocaram o viveiro de camarão aqui perto, piorou tudo”, conta Maria Rivalda dos Santos, 66 anos, moradora de Pontal. “Além de cortar a mangaba, eles
Estado, aqui entendido como os poderes públicos, nas esferas Federal, Estadual e Municipais, adotando o discurso consensual e universal da sustentabilidade, é o principal indutor das transformações em curso no litoral. Porém, o Estado se omite quando se trata de promover políticas públicas favoráveis aos interesses dos segmentos sociais mais frágeis, como os extrativistas. Nesses casos, submete esses grupos à própria sorte, quando não delineia e implementa ações e políticas públicas visando o envolvimento das comunidades tradicionais na busca e na construção de alternativas sócio-econômicas e ambientais para a inserção po-
prejudicaram o mangue. A química que eles usam no camarão já matou muito coqueiro, muita mangabeira, muito caranguejo. A gente percebe que a pesca diminuiu bastante depois que veio o camarão pra cá. Se acabarem com a mangaba e a pesca, do que a gente vive?”
Manoel Rezende Neto, superintendente do Ibama
sitiva das mesmas nos processos de mudanças. A articulação das políticas públicas agrárias e ambientais adequadamente adaptadas e implementadas, especialmente quanto à segurança de acesso à terra e aos recursos naturais, possibilitará o redirecionamento de um futuro (já presente) bastante sombrio para a biodiversidade e a diversidade de modos de vida. Num lugar onde antes havia fartura, atualmente “o mar não está para peixe”, “a maré não está para caranguejo” e “a terra em mato não está para mangaba”. Esse ambiente é sustentável para quem?
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Foto: Verena Glass - www.reporterbrasil.org.br
Exemplo a ser seguido As mulheres que lutam pelo direito e pela liberdade de catar mangaba em Sergipe têm um grande exemplo brasileiro de conquista a ser seguido. Depois de anos de lutas e reivindicações, o movimento organizado das mulheres quebradeiras de coco de babaçu, estimadas em mais de 300 mil, conseguiu aprovar no Congresso Nacional o projeto de lei 231/ 2007, a Lei do Babaçu Livre, que prevê, para todos os estados envolvidos com a cultura (Maranhão, Tocantins, Piauí, Goiás, Pará e Mato Grosso), a proibição da derrubada das palmeiras. O texto do projeto foi aprovado pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados em 8 de agosto de 2007. Em julho do ano passado, deputados da comissão haviam se comprometido com mais de 300 quebradeiras que estiveram em Brasília para audiência pública sobre o tema. Enquanto a lei não é votada, alguns estados, como Tocantins, já aprovaram a lei localmente. Lá também é proibida a queima do coco in natura, para qualquer finalidade, e é garantido o acesso das quebradeiras de coco e das comunidades tradicionais às terras públicas e privadas onde exista o babaçu.
Quebradeiras de babaçu
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O trabalho das catadoras de mangaba é duro e às vezes arriscado ________________
O futuro “Com a diminuição do recurso, todos os conflitos em torno da mangaba, que sempre ocorreram, tendem a se agravar”, alerta Dalva. A pesquisadora aponta três possíveis tendências, baseadas na realidade em que as mangabeiras se encontram e na movimentação acerca do recurso e das terras. A primeira delas é que a situação permaneça sem alguma mudança significativa a favor das catadoras e o número de produtores dedicados ao cultivo da mangaba aumente, conquistando o mercado consumidor da fruta e excluindo as catadoras do processo. A segunda possibilidade é a corrida pelo cercamento das áreas ainda disponíveis para catação. “Como os recursos estão dentro de propriedades privadas, seus donos podem expropriar as catadoras, sem nenhuma iniciativa que consiga frear esse processo. Na vulnerabilidade do recurso, eles também podem simplesmente destruí-lo, com o aval da legislação brasileira”, explica, temendo o corte ainda mais constante das árvores. O terceiro cenário, es-
perado pela comunidade tradicional e pelas entidades de proteção envolvidas, é a mobilização em favor das catadoras, garantindo o acesso aos recursos com base em políticas públicas. “Nesse caso, toda uma orquestração do uso dos recursos deve ser posta em prática, visando tanto o extrativismo como iniciativas de comercialização e processamento”, explica Dalva. “Tudo isso demandará muito trabalho dos diferentes atores envolvidos na problemática – catadoras, pesquisadores, técnicos, políticos locais, associações, etc. Mas insisto nessa via pelo fato de entender que se trata de populações pobres que devem ser estimuladas nas suas capacidades e incorporadas a novos desafi-
os que sirvam para melhorar as suas condições de vida. Não se trata apenas de ter as frutas, mas de ter as pessoas que coletam as frutas vivendo melhor, com dignidade”, defende. A política mais próxima do atendimento a essas exigências é a criação de reservas agroextrativistas. “Essa ação deve ser tomada em conjunto pelo Incra e pelo Ibama, porque há áreas protegidas por lei e áreas que precisam ser desapropriadas. Com essa articulação, consegue-se atender a essas comunidades tradicionais que dependem daquela terra para o sustento. Seria feita justiça social e ajudaria a melhorar as condições sociais das comunidades”, explica o pesquisador
Mulheres levam a produção à feira e só voltam quando o último balde for vendido
do Incra. “A reserva é interessante porque é pública e só desapropria quando necessário, ao contrário da reforma agrária, que acaba desapropriando inclusive pequenas propriedades”, completa. Como toda ação pública, o processo para a criação da reserva está em constante análise de viabilidade e estudos. “A reserva está entre os interesses do estado e está sendo analisada pelo Ministério do Meio Ambiente, pelo Ibama, e demais órgãos envolvidos. A definição dos limites está sendo estudada, assim como os projetos de lei para criá-la”, explica o superintendente do Ibama. Mesmo em diferentes pontos do estado, o desejo das catadoras é o mesmo, resumido por Maria Domingas: “O povo da cidade toma o suco da mangaba, que é tão bom, mas não sabe o que nós, catadoras, sofre-
Dona Maria Rivalda criou a família catando mangaba
mos pra levar a fruta até lá. Tudo o que nós queremos é um pedaço de terra pra plantar nossas próprias mangabeiras. Nós não podemos ficar paradas, mas temos que esperar pela resposta”. Enquanto o processo se estende, as catadoras de Sergipe continuam na esperança de que haja mangabeiras fora dos cercados, que o preço da fruta melhore no mercado, que o mangue consiga sobreviver à poluição, e que, junto com as flores da mangaba a nova estação traga também o reconhecimento das comunidades tradicionais. A longa caminhada para mais um dia de trabalho e um futuro de incertezas
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MULHER
Muito além de uma questão de gênero
A
Por Paola Bello, com pesquisa de Ana Iervolino
maternidade nunca refletiu tanto na vida profissional das mulheres como nas Com mais de três últimas décadas. décadas de luta, Estudo realizado pelo Centro Inmovimentos em ternacional de defesa dos direitos da Pobreza e publimulher trabalhadora cado pela Organização das ainda enfrentam Nações Unidas resistência e (ONU) em abril discriminação mostra que parte da explicação dos salários menores recebidos pelas mulheres está no ambiente doméstico e na priorização da criação dos filhos. Porém, desde que a mulher começou a entrar maciçamente no mercado de trabalho, os problemas relacionados a gênero não ficaram restritos à maternidade. Ao lado da desigualdade de salários, as oportunidades distintas, os planos de carreira diferenciados, a falta de estabelecimento de cotas e os assédios moral e sexual completam a lista dos principais desafios a serem superados. Intitulado Diferenças Salariais por Gênero ao Longo da Vida Laboral, o estudo publicado pela ONU investigou em 2006 a diferença entre a média salarial por hora de homens e mulheres
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ao longo da vida profissional em três países – África do Sul, Brasil e Tailândia, já descontados fatores como escolaridade, localização geográfica e cor. No Brasil e na Tailândia o cenário foi bastante parecido: entre os 15 e os 25 anos, as mulheres possuem salários cerca de 10% mais altos que os homens. A partir dos 26, os homens passam a receber mais, e a diferença só volta a diminuir a partir dos 46 anos. Na África do Sul, a desvantagem do salário feminino é constante. “As mulheres escolhem sacrificar as suas carreiras profissionais quando têm filhos, o que leva a uma redução dos ganhos nas suas profissões”, afirmam os economistas responsáveis pelo estudo. “Assim, as diferenças salariais por gênero no mercado de trabalho derivam da divisão das tarefas em casa, sendo as mulheres as principais responsáveis pelo cuidado com os filhos”. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a média salarial das brasileiras em 2007 foi de R$ 927,09. Esse valor corresponde a cerca de 70% do rendimento recebido pelos homens. Mesmo ganhando menos, o número de mulheres trabalhadoras já atinge 44,4% do mercado. De acordo com a Pesquisa de Emprego e Desemprego, elaborada pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), os segmentos que mais absorvem a força de trabalho feminina são os mais desvalorizados no mercado de trabalho e
os que tendem a propiciar remunerações mínimas reguladas pelo poder estatal. Em 2006, mais de 56% das mulheres trabalhavam no setor de serviços, e quase 17% estavam restritas a serviços domésticos. Ao mesmo tempo, as mulheres também ocupam os maiores índices de desemprego – correspondem a mais de 55% do total de desempregados no Brasil. De acordo com os autores do estudo a ONU, fatores sociais e culturais também ajudam a explicar a diferença de salários entre os sexos. “Outra razão para a existência dessa disparidade salarial tem relação com as distintas escolhas profissionais e acadêmicas feitas pelos homens e mulheres. No período escolar, garotos e garotas têm afinidades em disciplinas diferentes, porém aquelas escolhidas pelos garotos os direcionam a caminhos profissionais bem pagos”, analisa a pesquisa. “Posteriormente, homens e mulheres se especializam distintamente e trabalham em diferentes profissões. Como resultado, a média salarial por hora paga a uma trabalhadora no início e durante sua vida profissional tende, em geral, a ser menor do que a de um trabalhador, embora ela provavelmente seja mais qualificada”. Mas, se hoje o mercado de trabalho brasileiro começa a se mostrar um pouco menos desfavorável às questões femininas, foi graças a décadas de luta pela igualdade de gênero. ______________________
Luta pela igualdade
No início da década de 1970, 18% do total da população feminina acima de dez anos de idade exerciam alguma atividade rentável, representando aproximadamente 21% da População Economicamente Ativa (PEA) brasileira. Em 1990, esse índice aumentou para 35,5%, correspondente a 22 milhões de mulheres trabalhadoras. Em 2006, elas já haviam ultrapassado os 42 milhões. O crescimento da população feminina no trabalho assalariado foi resultante de um conjunto de fatores, se-
gundo o livro Mulheres na CUT: uma história de muitas faces, lançado pela Secretaria Nacional sobre a Mulher Trabalhadora da CUT. Entre os citados estão a necessidade de as famílias aumentarem a renda, a urbanização crescente, o aumento da escolaridade feminina, o desejo das mulheres de conquistar maior autonomia e independência financeira, mudanças culturais e de comportamento, e a redução nas taxas de natalidade, que liberou as mulheres para ocupar outros espaços fora da casa e da família. Ao mesmo tempo em que a participação da mulher no mercado de trabalho aumentava, cresciam também as formas de discriminação. As principais ainda preocupam os movimentos que defendem os direitos das mulheres: diferenças salariais entre gêneros, aumento do contingente feminino no emprego informal, dupla jornada de trabalho, falta de reconhecimento das trabalhadoras rurais e dupla discriminação sofrida por mulheres negras. Também na década de 1970, movimentos sociais ganharam força no Brasil na busca pela igualdade social e pela democracia. Inseridos na luta pela democratização, os movimentos sociais permitiram que a idéia de democracia que se esboçava ultrapassasse a formalidade e chamasse a atenção para as diferentes questões sociais. “Como parte desse processo, muitas mulheres brasileiras mostraram-se à sociedade e, rompendo a invisibilidade que até então marcava sua participação social, reivindicaram seu reconhecimento como sujeitos”, relata o livro. Assim, surgiu o movimento feminista em defesa da classe trabalhadora. O assunto passou a ser pauta de encontros e congressos que movimentaram as décadas de 1970 e 1980. “Ao denunciar a exploração de mão-de-obra feminina pelos patrões, a dupla jornada de trabalho, o trabalho doméstico gratuito realizado pelas mulheres na família, a omissão masculina face às tarefas domésticas e ao cuidado com os filhos, e o assédio sexual nos locais de trabalho, o movimento autônomo de
mulheres contribuiu para fomentar em muitas trabalhadoras, em particular nas que estavam inseridas no movimento sindical, o desejo de impulsionar nos sindicatos uma ação dirigida ao enfrentamento desses problemas e ao incremento da participação sindical feminina”, documenta o livro. “O sindicato tornouse então, para as mulheres, mais um espaço onde buscar tanto visibilidade para as discriminações de gênero, como poder político para superá-las”. ______________________
Direitos adquiridos
Paralela e anteriormente à força encontrada nos sindicatos, as questões relacionadas à mulher trabalhadora passaram a ganhar espaço nas agendas políticas por todo o mundo. Poucos anos após a constituição da ONU e da Organização dos Estados Americanos (OEA), ao longo da década de 1940, foram realizadas diversas convenções e acordos internacionais sobre temas relacionados a questões de gênero. São exemplos a Convenção Interamericana sobre a Concessão dos Direitos Civis à Mulher (1948); a Convenção Interamericana sobre a Concessão dos Direitos Políticos à Mulher (1948); a Convenção sobre a Nacionalidade da Mulher Casada (1957); a Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher (1953); a Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (1967); a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979); e a Declaração e Plataforma de Ação sobre as Mulheres: Ação para igualdade, Desenvolvimento e Paz (1995). Todos esses documentos foram ratificados pelo Brasil, no mesmo ano ou pouco depois. Entre os direitos assegurados às mulheres por meio desses documentos, e atualmente monitorados e trabalhados pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM), estão o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal, à igualdade e a estar livre de todas as formas de discriminação, à liberdade de pensamen-
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to, à informação e à educação, à privacidade, à saúde e à proteção desta, a construir relacionamento conjugal e a planejar sua família, à decidir ter ou não ter filhos e quando tê-los, aos benefícios do progresso científico, à liberdade de reunião e participação política, e a não ser submetida a torturas e maltrato. Porém, o reconhecimento da luta e o maior enfrentamento à discriminação contra as mulheres no mundo do trabalho começou a ganhar força a partir de documentos criados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). A Convenção 100 trata de salário igual para trabalho de igual valor (Convenção sobre Igualdade de Remuneração, 1951); e a Convenção 111, sobre igualdade de oportunidades (Convenção sobre a Discriminação, 1958). O princípio da igualdade de remuneração por trabalho de igual valor é também presente na Recomendação 90. De acordo com um Termo de Referência do Instituto Observatório Social (IOS) produzido em 2004, a OIT já demonstrava preocupação com a igualdade de tratamento entre os trabalhadores desde a sua constituição, em 1919, quando surgiu como organização tripartite. O documento acrescenta que essa preocupação com a igualdade entre homens e mulheres “como princípio fundamental” para nortear as ações, programas e medidas da OIT “é reafirmada na declaração da 26ª. reunião de Filadélfia, em 1944 (EUA), quando são enunciados os fins e os objetivos da OIT”. Paola Capelin, autora do capítulo que trata do tema de gênero do documento citado, frisa que após a Segunda Guerra Mundial detectaramse aspectos de desigualdade que hoje são considerados tradicionais: “A tendência a separar os homens e as mulheres em ocupações distintas – a assim chamada segregação horizontal” e “a tendência a designar lugares distintos dentro de uma mesma ocupação ou grupo de ocupações – a assim chamada segregação vertical”.
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Desafios que persistem Embora os reconhecimentos e as conquistas sejam significativas, a mulher trabalhadora ainda encontra preconceito nos mais diversos ramos econômicos. No meio rural, por exemplo, as mulheres representam hoje cerca de 30% dos trabalhadores. Mesmo assim, o trabalho feminino ainda é reconhecido apenas como um auxílio, e não como uma profissão digna de direitos e políticas públicas. “O trabalho realizado pela mulher é invisível no meio rural. Ela não tem carteira assinada, não comercializa o que produz, e, por isso, se mantém invisível profissionalmente”, lamenta a coordenadora da Comissão Nacional de Mulheres da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) e vice-presidente da CUT, Carmen Faro. “Há uma grande deficiência de políticas púbicas no meio rural; e quando essas deveriam atender às mulheres, são ainda piores. A mulher no campo não tem garantia de atendimento à saúde nem à educação. Para agravar, não recebe proteção contra a violência, que é muito forte no meio, e, em alguns casos, chega a ser considerada como cultura local”, completa Carmen. Já no ramo metalúrgico, elas representam 15% do total de trabalhadores e ganham, em média, 27% a menos que os homens. Muitas vezes com qualificação superior, elas sofrem discriminação tanto no acesso às vagas quanto no oferecimento de promoções e de cursos de qualificação profissional. Segundo a secretária de Mulheres da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM/CUT), Maria Ferreira Lopes, essa exclusão reflete também no ambiente sindical, onde as mulheres representam apenas 6% do total de dirigentes metalúrgicos. “A metalurgia é uma categoria mais voltada para o trabalho masculino e, por isso, é uma das que mais apresenta dificuldades em relação à mulher. A discriminação é muito grande, principalmente nas questões de salário e pelo
fato de a mulher não poder engravidar enquanto estiver trabalhando. Há companhias que só admitem mulheres que possuem laqueadura, por exemplo. As mulheres que conseguem emprego nesse ramo não conseguem chegar a cargos de liderança, ficam apenas no setor administrativo e de eletro-eletrônico”, lamenta. “Mesmo sendo a minoria, as mulheres que hoje estão na metalurgia possuem melhor qualificação que os homens. Em geral, possuem curso superior e especialização, mas, mesmo assim, recebem salários menores e trabalham em condições desfavoráveis”, completa. No setor de comércio, a situação não é diferente. Dos cerca de 6 milhões de trabalhadores empregados neste ramo, apenas 39% são mulheres, que ganham, em média, 80% da remuneração do homem. Nos cargos de gerência de lojas e supermercados e de vendas em comércio atacadista, a diferença nos salários chega a 30%, agravada pelo fato de as mulheres ocuparem somente 39% dos cargos gerenciais. Ao mesmo tempo, 54% das comerciárias concluíram o ensino médio e 10% possuem ensino superior, contra 37% e 6% dos homens, respectivamente. Segundo a presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços da CUT (CONTRACS/CUT), Lucilene Binsfeld, essa realidade poderá mudar somente através da luta pela igualdade e da inclusão do tema nas pautas sindicais. “Lutar por igualdade é um desafio constante de entidades que buscam um mundo do trabalho mais humano, mais justo e igualitário. Essa luta não deve ser isolada em categorias”, defende. “Os dirigentes devem participar mais nos espaços de discussão sobre gênero e raça, aprimorar as intervenções e garantir propostas de igualdade. As mulheres também devem ser capacitadas para mesas de negociação, para inserir nas pautas de Convenções Coletivas de Trabalho cláusulas que garantam a igualdade de oportunidades”, completa.
ROSANE DA SILVA Divulgação/CUT
ENTREVISTA
Barreira sindical Em 1991, a participação feminina na direção da CUT começou a ser questionada. Dois anos depois, o sistema de cotas foi aprovado, estabelecendo percentuais mínimos de 30% e máximos de 70% de cada sexo nas instâncias de direção da Central, em todos os âmbitos, como medida inicial para construir relações políticas igualitárias. A proposta foi assumida por sindicalistas de todas as correntes políticas, urbanas e rurais, fator que possibilitou uma atuação unificada. Apesar de todas as vitórias já conquistadas em favor da mulher trabalhadora e do reconhecimento da importância de ações igualitárias, inclusive dentro do movimento sindical, a discriminação ainda é constante. Em entrevista, a dirigente da Secretaria Nacional sobre a Mulher Trabalhadora da CUT desde fevereiro de 2008, Rosane da Silva, fala sobre o problema, os desafios, e a importância do tema. Observatório Social – Qual a importância de uma Secretaria da Mulher dentro da CUT? Rosane da Silva – As mulheres fizeram parte da criação da CUT. A classe trabalhadora é feita de dois sexos, mas a realidade da mulher dentro do mundo sindical é diferenciada da realidade dos homens. A nós, mulheres, sempre foi reservado o espaço privado, nunca o espaço público. Quando uma central sindical com papel e os princípios da CUT se constrói, é necessário que tenha esse olhar em relação a classe trabalhadora: que é feita de dois sexos e tem diferenciações. Isso nos levou a criar, em 86, a Comissão de Mulheres na CUT. Em 2003, transformamos a comissão em Secretaria da Mulher, para a nossa central incorporar e assumir temas específicos das mulheres, como a descriminalização do abordo e a violência contra as mulheres.
OS – Como a Secretaria atua em relação aos sindicatos e federações? RS – Temos a Secretaria e o Coletivo Nacional. O Coletivo Nacional é composto por representação das CUTs estaduais e dos ramos. O nosso coletivo reúne em torno de 40 mulheres. Os ramos e as CUTs estaduais, por sua vez, têm o coletivo, que é composto de mulheres vindas dos seus sindicatos. A relação direta do sindicato se dá através do ramo ou da CUT estadual. A CUT nacional tem uma relação direta com as CUTs estaduais e com os ramos.
OS – Há muita discriminação de gênero no movimento sindical? RS – Sim, há muita. Apesar de termos avançado bastante, a discriminação ainda é muito forte. A Secretaria de Mulheres não é considerada estratégica para o movimento, nem tão importante quanto uma Secretaria de Política Sindical. O espaço doméstico é considerado secundário, mas é nele que se define a vida do nosso país. Mesmo com a conquista
das cotas dentro da CUT, ela ainda não é implementada e os temas das mulheres não são incorporados na agenda geral da central. O debate do aborto, por exemplo, não é considerado tão importante quanto a reforma política. Ainda sofremos esse tipo de discriminação no interior do movimento sindical, sem falar nas piadas – as mulheres nunca estão nos espaços de poder da nossa central, dos nossos, ramos, dos nossos sindicatos. Na central e nos ramos problema é um pouco menor. A realidade nos sindicatos é bem pior. Hoje, são raras as mulheres que estão no espaço de poder dos seus sindicatos. OS – Na sua opinião o que deve ser feito para diminuir a desigualdade de gênero dentro do movimento sindical? RS – Retomar, no interior da nossa central, uma política forte de formação. Um dirigente sindical que passa por um processo de formação, onde o tema de gênero seja transversal ao conjunto da política de formação, vai mudar de opinião sobre o debate das mulheres. A minha sugestão é que haja uma formação pesada dos nossos dirigentes sindicais, inclusive uma formação voltada para as questões das mulheres. Deve haver na planilha do curso de formação a questão do feminismo, a importância de a central sindical também lutar por uma sociedade anti-machista. Isso tem que perpassar os cursos de formação. Nós, mulheres, temos que colocar cada vez mais os nossos temas no interior da central. Temos que romper com essa idéia de que esse ou aquele debate seja só das mulheres. Temos que trazer temas que são específicos nossos e pautar isso no debate geral do movimento sindical. Isso ainda não acontece. É o nosso desafio, que requer uma mudança cultural. É um processo que estamos iniciando. É vagaroso, temos que ter paciência, mas estamos com uma perspectiva positiva. Temos, no interior do movimento sindical, companheiros que já têm a compreensão do nosso debate, dos temas que são estratégicos para nós, mulheres, e temos que avançar para que isso seja geral no movimento sindical.
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RAÇA
Discriminação no trabalho Depois de séculos de luta pela igualdade, a democracia racial nos ambientes profissionais começa a dar os primeiros passos. O ideal, porém, ainda soa utópico
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Por Paola Bello, com pesquisa de Ana Iervolino
“M
acaco”. Era assim que o soldador Carlos Roberto dos Santos era chamado por seu chefe direto na Prensas Schuler, de Diadema (SP). Em julho, depois de uma ação movida contra a empresa, a Justiça do Trabalho condenou a fábrica a indenizar Carlos Roberto com uma quantia em dinheiro. A decisão, até então inédita na categoria, representa um pequeno passo na luta pela igualdade racial, que há tempos marca presença nas pautas sindicais. Para o diretor do sindicato e membro da Comissão de Combate ao Racismo dos Metalúrgicos do ABC, Daniel Calazans, a ação judicial provocou um efeito positivo pela oportunidade de levar o Sindicato a debater assunto tão delicado com uma empresa da base. “A prática do racismo deriva de comportamentos e
gestos sutis, nem sempre perceptíveis pela maioria, mas contundentes a quem se sente discriminado. Isso a gente só muda revendo valores, nos educando diariamente por meio de relações respeitosas”, disse. A empresa informou que a ação tramita na Justiça do Trabalho sob segredo de justiça, o que impede às partes qualquer divulgação de informação a respeito do andamento do processo. Por este motivo, não se manifestará sobre o caso. Quando perguntado qual conselho daria para um trabalhador que passasse pelo mesmo problema, Carlos Roberto Santos não hesita. “Ter a coragem que eu tive de enfrentar. Não vale a pena agüentar as ofensas por medo de perder o emprego. Eu mesmo, se soubesse dessa possibilidade antes, não teria esperado tanto tempo”, aconselha. Calazans elogiou a coragem do soldador de procurar seus direitos e uma reparação na Justiça. Ressaltou que a atitude pode estimular outros trabalhadores que se sintam discriminados a trilhar o mesmo caminho, mas alerta que o papel da Comissão é buscar o diálogo e procurar meios de implementar nas fábricas os conceitos de igualdade racial, para que situações como essa sejam banidas do dia-a-dia dos ambientes de trabalho e na sociedade.
As estatísticas
Carlos Roberto faz parte de um contingente cada vez maior nas estatísticas do mercado de trabalho no país. Embora a população negra venha conquistando mais vagas, ainda é a minoria, com salários inferiores e condições de trabalho discriminatórias. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada em 2006 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os empregados com carteira de trabalho assinada no setor privado, que têm maior proteção legal e melhores remunerações, 59,7% eram brancos e 39,8% pretos e pardos. A população branca também era maioria entre os empregados sem carteira assinada (54,5%) e os trabalhadores por conta própria (55%), enquanto pretos e pardos correspondiam a 57,8% dos trabalhadores domésticos. Em 2005, a mesma pesquisa analisou, entre as pessoas ocupadas com mais de dez anos, o grupo das 10% mais pobres. Neste universo, constatou que 73,5% eram pardas ou pretas, e 26,5% eram brancas. Ao mesmo tempo, o universo das pessoas que constituíam o 1% mais rico era formado predominantemente por trabalhadores brancos (88,4%). Outras pesquisas, realizadas pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) em 2004 e 2005, mostram que, no mundo do trabalho, a situação vivida pelas mulheres negras merece atenção especial. O estudo A mulher negra no mercado de trabalho metropolitano: inserção marcada pela dupla discriminação revela que a inserção das mulheres negras no mercado de trabalho brasileiro é nitidamente desvantajosa, ainda que sua participação seja mais intensa que
a de mulheres não-negras. Segundo a pesquisa, a presença da discriminação racial é somada à ausência de eqüidade entre os sexos, aprofundando desigualdades e colocando as negras na pior situação quando comparadas aos demais grupos populacionais – homens negros e não-negros e mulheres não-negras. De acordo o Dieese, de um modo geral, as mulheres negras sofrem mais com o desemprego que os demais trabalhadores e trabalhadoras, sobretudo nas situações de baixo crescimento econômico. Alem disto, no período de 2004 e 2005, constatou-se que as mulheres negras proporcionalmente enfrentam mais a situação vulnerável de trabalho, ou seja, situações de trabalhos assalariados sem carteira assinada, autônomos que trabalham para o público, trabalhadores familiares não-remunerados ou empregados domésticos. Os percentuais de mulheres negras nesta situação foram superiores aos de mulheres não-negras, de homens negros e de homens não-negros nas seis regiões metropolitanas analisadas – São Paulo, Salvador, Recife, Porto Alegre, Distrito Federal e Belo Horizonte. “A coerência dos resultados das desigualdades raciais em nível nacional demonstra, sem qualquer sombra de dúvida, que a discriminação racial é um fato presente cotidianamente, interferindo em todos os espaços do mercado de trabalho brasileiro”, afirma a coordenadora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, Maria Aparecida Silva Bento. “As informações permitem, ainda, concluir que a discriminação racial sobrepõe-se à discriminação por sexo, e, juntas, constituem o cenário de aguda dificuldade em que vivem as mulheres negras, atingidas por ambas”, completa. Para agravar o quadro, a jornada de trabalho dos negros é, em média, de 44 horas – duas horas a mais
Raquel Camargo
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Carlos Roberto ganhou indenização
que a dos brancos. Quando se analisam as funções desempenhadas e os cargos ocupados, a situação desvantajosa dos negros é ainda pior: a proporção de empregadores negros não chega à metade da proporção de empregadores brancos em todas as regiões metropolitanas, e trabalhadores negros têm de duas a três vezes menos acesso às funções de direção e planejamento. Para completar, estão em maior proporção em ocupações não qualificadas, nas atividades de execução e nas atividades de apoio em serviços gerais, e o contingente de mulheres negras em atividades domésticas é sempre muito elevado em todas as capitais pesquisadas. “Poderia se pensar que esses dados refletem diferenças educacionais de escolaridade entre brancos e negros. Todavia, mesmo quando se leva esses fatores em consideração, a situação continua desfavorável - em todas as capitais pesquisadas, os diferenciais de rendimentos entre negros e brancos aumentam à medida que aumenta a escolaridade”, ressalta Maria Aparecida.
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Iguais perante a lei
Essa gama de diferenciações entre negros e brancos está na pauta de direitos humanos há mais de um século. A busca pela igualdade iniciou com o final dos regimes escravistas no século XIX – no Brasil, em 1888 – e o aumento das discussões sobre direitos humanos no século XX. A organização de movimentos pelos direitos da população negra fez com que surgissem acordos internacionais, legislações e ações dos Estados inte-
ressados em eliminar a discriminação. Entre os documentos publicados e reconhecidos internacionalmente na busca pela igualdade racial estão a Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial, de 1965; a Declaração sobre os princípios fundamentais relativos à contribuição dos meios de comunicação de massa para o fortalecimento da Paz e da compreensão internacional, para a promoção dos Direitos Humanos e a luta contra o racismo, o apartheid e o incitamento à guerra, de 1978; e a Declaração sobre a eliminação de todas as formas de Intolerância e discriminação fundadas na Religião ou nas Convic-
ENTREVISTA
Distante, porém possível Na coordenação da Comissão Nacional Contra a Discriminação Racial (CNCDR-CUT) desde agosto de 2007, Marcos Benedito acredita que a luta contra a discriminação racial deve ser a questão prioritária para todos os trabalhadores negros no Brasil. Em entrevista ao Observatório Social, ele fala sobre o cenário atual, as conquistas e os desafios para os negros no mercado de trabalho.
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ções, de1981. Acompanhando as discussões para o combate à discriminação, normas internacionais surgiam buscando igualdade também no mundo trabalho. “A luta pela igualdade nas relações do trabalho está intimamente vinculada à trajetória histórica do próprio direito que o homem tem para organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses”, afirma Maria Aparecida. Como reforço a essa luta, o primeiro documento criado foi a Convenção Concernente à Discriminação no Emprego e na Ocupação – Convenção 111 – da Organização Internacional do Trabalho (OIT), adotada em 1958.
MARCOS BENEDITO
Observatório Social – Qual é a situação atual no mercado de trabalho brasileiro em relação à discriminação racial? Marcos Benedito – Atualmente é muito difícil caracterizar um ato de racismo. Hoje, ele é encarado como algo invisível para a sociedade. Na maioria das vezes, você se depara com o ato da discriminação, mas não se consegue identificar o sujeito que provocou a discriminação, já que não se assume o ato – no máximo, reconhece como injúria e ponto final. Negras e negros são discriminados a partir do processo de contratação. Um exemplo clássico de discriminação racial no Brasil acontece no mercado financeiro, onde negras e negros são discriminados no processo de ocupação dos postos de trabalho. O banco Santander, que adquiriu o Banespa em 2000, reproduz muito bem esta dura realidade. Antes da venda para o banco espanhol, o Banespa contratava trabalhadores através de concurso público, resultando em uma diversidade racial e étnica que era constatada em cada local de trabalho, pois a contratação valorizava a capacidade e o esforço pessoal de cada candidato. Após a venda, a contratação passou a ser pelo critério de indicação, com uma intensa elevação dos critérios de formação acadêmica, resultando em um
forte processo de exclusão daqueles que não se encaixam no perfil imposto pelo banco espanhol. Mas isso está começando a mudar, a partir de o atual Governo reconhecer que existem desigualdades raciais no Brasil, criando a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, com “status” de ministério. OS – Dentro da CUT, quando a questão começou a ser trabalhada? MB – A CUT sempre teve como um dos seus princípios a construção de uma sociedade democrática, igualitária e socialista. Desde a fundação, ela vem desenvolvendo um conjunto de ações, lutas e mobilizações que visam alterar a base do padrão de desenvolvimento econômico capitalista predominante forjado nos anos 30, cujas raízes advêm das relações sociais servis, de trabalho degradante e escravagista que caracterizaram os quatro primeiros séculos do nosso país. Para a CUT, o fortalecimento da unidade da classe trabalhadora, compreendida como grupo social que se forja a partir da sua condição econômica e de trabalho, passa necessariamente pela construção da sua identidade como classe. Isso não significa a negação das suas diferenças físicas e biológicas, mas o enfren-
A Convenção tem como escopo principal a promoção da igualdade de oportunidades e de tratamento em matéria de emprego e profissão (art. 2º.), o que abrange o acesso à formação profissional, ao emprego, às diferentes profissões, bem como condições dignas de trabalho (art. 1º., item 3)”. A partir da Convenção, diversas normas passaram a existir na legislação brasileira na tentativa de coibir o racismo. A Constituição Federal garante que todos são iguais e alerta que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. Para reforçar e definir os crimes re-
sultantes de preconceito de raça ou cor foi criada a Lei 7.716, em 1989, que ficou conhecida como Lei do racismo. Alterado pelas leis 8.081 (1990) e 9.459 (1997), o texto atual considera diversas formas de discriminação. Quanto ao acesso ao emprego ou carreira militar, é considerado crime “impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos” (Art. 3º); “negar ou obstar emprego em empresa privada” (Art. 4º); e ainda “impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas” (Art. 13).
De acordo o coordenador da Comissão Nacional Contra a Discriminação Racial da CUT (CNCDR/ CUT), Marcos Benedito, a questão racial começou a ganhar força no mundo sindical no Brasil na década de 1990. “Em novembro de 1992, foi criada a CNCDR, e, no mesmo mês, a CUT formalizou uma denúncia à OIT sobre o descumprimento da Convenção 111, com base em dados estatísticos organizados pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades [CEERT], da qual resultou a vinda de peritos da OIT ao Brasil e a proposta de criação de um organismo de governo que permitisse a formulação de políticas públicas
tamento das desigualdades resultantes da construção social influenciada por um determinando modo de produção que se reflete na organização do conjunto da sociedade. A acentuada desigualdade entre brancos e negros é fruto de uma construção social que buscava eliminar a presença significativa dos negros no processo de formação da sociedade brasileira. Constituise, portanto, em uma problemática estrutural do nosso país, e demandava uma ação específica do movimento sindical. Compreendendo isso, a CUT não apenas incorpora em suas resoluções as reivindicações dos militantes sindicais que atuavam no combate à discriminação racial, como também cria espaços para a organização desses militantes no seu interior com o intuito de fortalecer esta luta do conjunto da classe trabalhadora.
CUT, a Comissão Nacional Contra a Discriminação Racial da CUT (CNCDR) passou a ter “status” de secretaria. A partir dela foram realizados estudos e debate sobre o Projeto de Lei que propõe a Reforma Universitária, apresentando ao MEC emendas ao referido texto. A participação da CNCDR na Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador foi importante para avançar nas discussões de saúde da trabalhadora e do trabalhador negros. A Comissão também teve papel importante na definição dos temas a serem abordados nas Conferências Municipais, Estaduais e Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, nas quais, pela primeira vez, a discussão do respeito à diversidade de gênero, raça, etnia e orientação sexual foi pautada. A CNCDR também participa de debates, realiza seminários e outros eventos para sensibilizar patrões e empregados sobre a importância das políticas para adoção da Convenção 111 da OIT, concernente ao combate à discriminação em matéria de emprego e profissão. Também discutimos a agenda do Trabalho Decente, um trabalho produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, eqüidade e segurança, sem quaisquer formas de discriminação, e capaz de garantir uma vida digna a todas as
pessoas que vivem de seu trabalho.
OS – Em sua opinião, quais foram às principais conquistas alcançadas até hoje? MB – Com a sistematização de informações relacionadas ao mundo do trabalho, a promoção de debates e as ações sindicais, revelaram-se as várias facetas do preconceito e da discriminação. A partir das resoluções da 10ª Plenária Nacional da
OS – O Brasil ainda está longe do ideal quanto às relações raciais? MB – O ideal seria a Cidadania Plena para todas as pessoas, independentemente de raça ou cor. Para alcançar este patamar, seria necessário muito investimento em educação. A Lei nº 10.639, de 9 de Janeiro de 2003, tornou obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio. O Conselho Nacional de Educação (CNE) estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, dispostas no Parecer do Conselho, CNE/ CP 003/2004 e CNE/CP Resolução 1/ 2004. Esses documentos garantem que o tema das relações étnico-raciais seja tratado em todos os sistemas de ensino, incluindo aí a rede particular, a partir de uma abordagem que promova o valor da diversidade em nosso país. Essa seria a ferramenta ideal para a transformação da sociedade brasileira. No entanto, mesmo diante de uma lei promulgada, não se realiza o esforço necessário para que seja implementada e respeitada.
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de combate à discriminação racial”, explica. A partir de então, diversas manifestações começaram a chamar a atenção para a causa. Entre as que tiveram maior destaque estão a Marcha Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, em 1995; o 1º Encontro Nacional de Sindicalistas da CUT Contra a Discriminação Racial, em 1995; e o lançamento do Mapa da População Negra no Mercado de Trabalho, em 1999, que resultou na paralisação das atividades na fábrica da Mercedes Benz, em São Bernardo (SP), para discussão do tema. “Por pressão das entidades negras também foram realizadas duas Conferências Sindicais Internacionais pela Igualdade Racial, em Salvador e em Washington, e foi fundado o Instituto Interamericano pela Igualdade Racial, com a participação de centrais de outros países”, completa Maria Aparecida. Atualmente, a ação desse Instituto volta-se prioritariamente para a produção, negociação e fiscalização de cláusulas de promoção da igualdade nos acordos de trabalho com foco nos processos de inserção e mobilidade dos trabalhadores dentro das organizações. ______________________
Diferentes perante o mercado
Embora a questão tenha avançado e comece a ganhar importância no mercado de trabalho, na prática, a realidade ainda está longe do ideal. “A questão racial, assim como a de gênero, é bem acentuada nas mais diversas categorias”, afirma a presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços da CUT (CONTRACS/CUT), Lucilene Binsfeld. “Uma das questões mais presentes no setor de comércio e serviços é a diferença sala-
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rial e de cargos. Muitas empresas mantêm pessoas de cor nos locais de pouco contato com o público, em depósitos”, lamenta. “As funções mais importantes acabam ocupadas por brancos”. “No ramo da metalurgia, se olharmos apenas para dentro dos setores, a discriminação é menos visível, pois profissionais que exercem as mesmas atividades tendem a receber os mesmo salários”, diz o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Minas Gerais e diretor executivo da CNCDR, Marco Antônio de Jesus. “Mas quando você analisa o ramo como um todo e a média salarial de todos os trabalhadores, é possível ver melhor essa discriminação e ver que o negro recebe o menor salário da categoria”, completa. “Isso acontece por que as pessoas negras estão mais no chão de fábrica e os brancos, nos escritórios, com salários maiores. Nós entendemos que isso é decorrência da educação recebida pelos trabalhadores, por isso acreditamos na importância do estabelecimento de cotas para negros nas universidades, para que também possam ter uma boa formação profissional e consigam alcançar postos e salários mais altos”, defende. Entretanto, é no setor bancário onde a discriminação racial mostrase mais forte. Segundo dados da pesquisa Os Rostos dos Bancários – Mapa de Gênero e Raça no Setor Bancário Brasileiro, realizada pelo Dieese entre 1998 e 2000, de todos os colaboradores do setor, 82,5% eram brancos. “A partir desse quadro, e após várias tentativas de estabelecer um Termo de Ajustamento de Conduta com os bancos, o Ministério Público do Trabalho moveu ações contra as instituições por discriminação coletiva e incentivou o movimento negro a solicitar uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara dos Deputados”, explica a secretária de
Políticas Sociais da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (CONTRAF/CUT), Maria Arlene Montanari Leme. A negociação entre o MPT e a Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN) iniciou em 2005 e se arrasta até hoje, com pequenas evoluções. “Nosso desafio é tornar a contratação, a ascensão de cargos e a remuneração equânimes, sem, entretanto, promover a simples substituição, demitindo brancos para contratar negros”, explica Maria Arlene. “A idéia é que o processo ocorra naturalmente, devido à alta rotatividade, mais comum nos bancos privados, e ao aumento no quadro funcional dos segmentos, incluindo, também, contratações de pessoas com deficiência”, afirma. “A acentuada desigualdade entre brancos e negros é fruto de uma construção social que buscava eliminar a presença significativa dos negros no processo de formação da sociedade brasileira. É uma problemática estrutural do nosso país”, afirma a diretora do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal em Santa Catarina (SINTRAFESC) e membro da CNCDR, Maria das Graças Albert. Para ela, os problemas raciais encontrados no serviço público são similares aos encontrados nas empresas privadas, e ambos os setores demandam ações do movimento sindical, que deve criar espaços entre os próprios militantes em prol do fortalecimento das ações contra a discriminação. “A partir de uma maior conscientização dos problemas enfrentados por homens e mulheres, de qualquer raça, no mundo do trabalho é que nós, dirigentes sindicais, começamos a buscar o conhecimento dos nossos próprios direitos. Com a implementação de algumas Políticas Públicas, fica muito mais fácil trabalhar e discutir coletivamente, apontar diretrizes e propor soluções para os problemas de discriminação”.
TRABALHO INFANTIL ENTREVISTA
LUCÍDIO BICALHO
Corte de verbas ameaça combate ao trabalho infantil O combate à exploração da mão-de-obra infantil pode ficar prejudicado por causa de cortes sofridos no orçamento do principal programa do governo federal voltado à resolução do problema, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). Levantamento realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostra que, em 2007, a dotação inicial, ou seja, o recurso previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA), foi de R$ 376,8 milhões. Em 2008, o valor caiu para R$ 286,4 milhões. Mesmo assim, nem todo esse valor foi autorizado pela Presidência da República, que ainda retirou outros R$ 23,7 milhões do programa este ano. Para Lucídio Bicalho, assistente de Política Fiscal e Orçamentária do Inesc, o corte indica pouca prioridade dispensada ao problema, porque os recursos estariam sendo remanejados para outros setores. Em entrevista concedida ao boletim do Programa Na Mão Certa , Bicalho fala sobre o problema.
Programa Na Mão Certa – Quais foram as perdas já contabilizadas em relação ao Peti em 2008?
a execução foi de apenas 40,3% do valor inicial. Não é um percentual ruim, mas também não é o ideal, já que estamos na metade do ano.
Lucídio Bicalho – Em 2008, o valor inicial aprovado para o Peti foi de R$ 335,7 milhões. Esse valor é 10,9% menor do que o aprovado em 2007, de R$ 376,8 milhões. Isso representa uma perda de R$ 41 milhões, sem considerar a inflação. Até o dia 27 de junho, o governo federal só havia liquidado R$ 134,8 milhões dos R$ 335,7 milhões aprovados pelo Congresso Nacional. Portanto,
LB – A implementação do programa ocorre mediante a execução de ações (projetos, atividades) que atacam as diferentes causas do problema. O corte orçamentário no programa significa que suas ações terão um impacto menor na sociedade. Haverá um ataque mais tímido do programa às causas do trabalho infantil. O corte implica uma perda de créditos orçamentários para as prin-
PNMC – O que esse corte representa para o programa?
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cipais ações que compõem o Peti. O item “Ações Socioeducativas e de Convivência para Crianças e Adolescentes em Situação de Trabalho”, por exemplo, perdeu R$ 29,9 milhões – o valor inicial era de R$ 316,3 milhões em 2007 e passou para R$ 286,4 milhões em 2008. A ação “Concessão de Bolsa a Crianças e Adolescentes em Situação de Trabalho” perdeu R$ 12,1 milhões - seu valor inicial era de R$ 58,7 milhões em 2007 e passou para R$ 46,6 milhões em 2008. Essas perdas estão em valores nominais e seriam bem maiores se os valores de 2007 fossem atualizados pela inflação.
é real e sério. O governo é quem deve responder se as metas físicas ficarão abaixo do previsto. Para a sociedade civil, é muito difícil fazer o monitoramento de resultados concretos. Sabemos o valor que está sendo gasto, mas não temos a mesma facilidade para saber quais os resultados gerados. Hoje, o público não tem acesso facilitado aos resultados concretos. As informações estão dispersas.
PNMC – Como esse corte afeta o programa de combate à exploração de mão-de-obra infanto-juvenil?
LB – Se analisarmos alguns dados, veremos que os índices de trabalho infantil têm caído bastante nos últimos anos. Isso se deve, principalmente, à melhora das condições econômicas do país. Há um impacto positivo das políticas sociais do Estado, mas insuficiente. Os dados disponíveis mostram que houve uma significativa redução desse fenômeno desde 1996. A Pnad de 1996 indicava que trabalhavam 15% das crianças e dos adolescentes entre dez e 14 anos. Uma pesquisa posterior
LB – O corte não ameaça o programa como um todo. Mas é claro que sua efetividade será menor. As metas físicas, que são os resultados que o governo planeja alcançar com execução financeira das ações, ficam ameaçadas quando acontecem cortes. Isto é, estamos partindo do pressuposto de que o planejamento
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PNMC – O Peti tem se mostrado eficiente no combate à exploração de crianças e adolescentes? Por quê?
_______________ “Atualmente o Peti atende 883 mil crianças e adolescentes com bolsas. O Estado deixa de atender mais de 4 milhões de crianças e adolescentes em situação de trabalho ilegal”. _______________
constatou que esse índice caiu para 7% em 2005. Em 2006, de acordo com o IBGE, 5,1 milhões de crianças e adolescentes na faixa de 5 a 17 anos de idade estavam trabalhando. Segundo o governo, nesse mesmo ano, o Peti atendeu 1 milhão de crianças e adolescentes em 3.388 municípios. Significa que não se atendeu a previsão de 3,2 milhões de crianças/ adolescentes previstos na Lei Orçamentária Anual naquele ano. Ou seja, ao fim do exercício 2006, o programa atingiu somente 30% da meta física planejada. Atualmente, o Peti atende 883 mil crianças e adolescentes com bolsas. O Estado deixa de atender mais de 4 milhões de crianças e adolescentes em situação de trabalho ilegal. Não podemos desconsiderar outros programas, como o Bolsa Família, que, de forma complementar ao Peti, estão ajudando a combater o trabalho infantil. Mas estamos muito longe de uma solução para o problema. Nem sempre as atividades oferecidas são de qualidade. São desconectas do mundo da informação, da tecnologia, do conhecimento digital. Se as crianças e os adolescentes forem atendidos com serviços ruins, aumentam as chances de retornarem às situações de trabalho. PNMC – De que forma o Governo poderia investir melhor os recursos para eliminar definitivamente esse problema? LB – O programa precisa contemplar a criança e o adolescente como sujeitos de direitos indivisíveis. Isso significa que as ações do programas precisam trabalhar pelos direitos da criança e do adolescente na sua integralidade: os direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. Por exemplo, as formações que são oferecidas precisam trabalhar conteúdos atrativos e que enriqueçam esse público do ponto de vista da formação humana. Es-
sas crianças e adolescentes recebem uma noção do que é viver coletivamente, em sociedade? Aprendem uma noção mínima do que é uma democracia? Quais são seus direitos políticos e civis? As crianças têm formação em música, dança e tecnologia? Os cursos oferecidos possuem profissionais qualificados para darem essas aulas? Portanto, além de triplicar o valor destinado ao programa, o governo deve melhorar a qualidade do serviço prestado. A OIT (Organização Internacional do Trabalho) defende que a erradicação do trabalho infantil passa pela educação de qualidade. Isso significa que o governo deve investir mais e melhor em educação. É preciso expandir a jornada escolar no Brasil e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade do serviço prestado à sociedade. Isso exige qualificar e contratar mais professores. A educação deve ser a principal prioridade de qualquer governo. Isso exige responsabilidade, compromisso e investimento alto.
_______________ “Se o trabalho infantil fosse erradicado, a renda nacional cairia 1%. O país levaria cinco anos para recuperar a perda, mas, em dez anos, a renda nacional aumentaria 35%.” _______________
PNMC – De que forma a erradicação do trabalho infantil refletiria na sociedade atual? LB – Segundo estudo da OIT/Unicamp, se o trabalho infantil fosse erradicado, isso provocaria uma queda de 1% na renda nacional. O país levaria cinco anos para recuperar a perda, mas, em dez anos, a renda nacional aumentaria 35%. Dados da PNAD de 2001 revelam que, em 37% das famílias urbanas e 47% das rurais, a contribuição das crianças para a renda familiar é de mais de 20% e, em mais de 12% das famílias, ultrapassa 40%. Veja o exemplo da Coréia do Sul, que era um país pobre há pouco mais 50 anos. Hoje, é um país rico. Para chegar a esse resultado, o país investiu muito na educação. Lá, as crianças e os adolescentes estudaram no passado, não estavam em situação de trabalho. Desenvolvimento não é só riqueza. Por isso, não tem como pensar em desenvolvimento se os direitos a um meio ambiente preservado, à eqüidade de gênero, à educação, à cultura, aos direitos políticos e civis estão sendo violados. O trabalho infantil é uma âncora que impede o Brasil de se desenvolver. Em geral, a pobreza é a causa para o trabalho infantil e as crianças operárias realimentam o ciclo de pobreza. Isso porque é alta a probabilidade de se tornarem a nova geração de pobres. A criança que trabalha tem mais chance de ser a semente da miséria futura. São gerações expostas a vários tipos de violências e ausências de direitos. O país perde. Mas quem perde mais é quem vive essa situação de violação. O país tem a história pela frente para corrigir esse erro. A criança tem sua vida comprometida, porque vai receber uma remuneração menor pelo resto da sua vida em relação àquela pessoa que teve oportunidade de desenvolver habilidades técnicas, matemáticas e humanas durante a infância.
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INCLUSÃO
Cidadania para pessoas com deficiência Por Livia Motta
Instituto Paradigma promove a inclusão econômica e educacional
O Instituto Paradigma, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), desenvolve ações de empreendedorismo social na defesa dos direitos das pessoas com deficiência, especialmente aquelas relacionadas ao acesso à educação e trabalho. Seu compromisso é com a equiparação de oportunidades de participação, por meio da construção de soluções e serviços para ampliar o exercício da cidadania. Os eixos de atuação são: inclusão educacional, inclusão econômica e desenvolvimento social e comunitário inclusivo. Na inclusão econômica, o Instituto Paradigma elabora projetos corporativos, desenvolve cursos de qualificação profissional, recruta e seleciona pessoas com deficiência para encaminhá-las ao mercado de trabalho. Também promove seminários e
fóruns para a disseminação de informações aos colaboradores e gestores das empresas, com o objetivo de prepará-los para contratar, desenvolver e manter pessoas com deficiência em seus quadros de funcionários. Os projetos de educação corporativa são construídos para atender às necessidades da empresa. Alinham-se às especificidades de cada organização, respeitando seus valores, cultura e direcionamento estratégico. As sensibilizações e formações para gestores de RH, líderes e colaboradores promovem a reflexão dos participantes sobre seu papel na sociedade e sobre como podem colaborar para a inclusão social, cultural e econômica das pessoas com deficiência. O Instituto também orienta as empresas com relação à acessibilidade física dos espaços de trabalho. Projetos de inclusão profissional de pessoas com deficiência já foram desenvolvidos e implementados nas seguintes empresas: WalMart, Sun Microsystems, Editora Globo, Syngenta Proteção de Cultivos, Hotel Renaissence, Elektro, Natura, Tozzini, HP, Claro, Citibank, Promon Engenharia, Ticket, Owens Illinois, Pro-Ativa, DHL, Novotel Jaraguá, Basf e Grupo Abril, dentre Projetos de inclusão profissional outras. ampliam oportunidades
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Educação inclusiva No eixo de inclusão educacional, o Instituto elabora e aplica projetos de gestão de sistemas educacionais inclusivos que contemplam a formação de professores e profissionais da educação; cursos de educação inclusiva a distância; consultoria em acessibilidade para escolas e programas educacionais. O projeto de educação inclusiva, desenvolvido pelo Instituto Paradigma desde 2003, junto à Secretaria de Educação de Santo André, atende hoje mais de 800 alunos com deficiência. Abrange os seguintes eixos:
• formação dos professores e assessores do CADE – Centro de Atenção ao Desenvolvimento Educacional, abordando tanto os conceitos e fundamentos teóricos que sustentam a educação inclusiva, como as estratégias pedagógicas necessárias para sua viabilização com foco na prática de sala de aula; • gestão da informação – edição e publicação de materiais informativos e formativos para divulgação e aprofundamento dos aspectos discutidos em cursos de formação; • acessibilidade – demandas de acessibilidade física nas escolas e nas salas de aula com o objetivo de
A preparação de professores especializados é fundamental para a inclusão de pessoas com deficiência
remover barreiras arquitetônicas que impossibilitam a participação plena no ambiente escolar;
• acessibilidade pedagógica – discussão sobre as mediações pedagógicas necessárias para o processo de aprendizagem de alunos com deficiência; • atendimento direto aos alunos com deficiência, o que inclui tanto o encaminhamento para atividades extras no contra-turno como NUPEI DGD (Núcleo de Práticas Educacionais Inclusivas para alunos com distúrbios globais do desenvolvimento), NUPEI – DA (Núcleo de Práticas Educacionais Inclusivas para alunos com deficiência auditiva), CAPSI (Centro de Atendimento Psicopedagógico Infantil), quanto a logística de deslocamento, transporte e alimentação; • atendimento direto às famílias – reuniões de formação para as pessoas que compõem o quadro familiar dos alunos com deficiência matriculados na rede, com o objetivo de informar as famílias sobre a rede de serviços existentes no município para o acesso às políticas públicas. Esse atendimento visa formar e informar as famílias na linha do protagonismo, para que possam intervir no contexto social, pela participação mais ativa e busca de acesso aos direitos sociais.
As ações desenvolvidas no eixo de desenvolvimento social e comunitário têm como foco a defesa dos direitos das pessoas com deficiência, assim como a construção de políticas públicas inclusivas e sustentáveis. O objetivo é dar visibilidade a temas relacionados a participação efetiva das pessoas com deficiência e suas famílias na vida comunitária.
Guia de Serviços Neste eixo, merece destaque o lançamento do “Guia de Recursos e Serviços da Cidade de São Paulo: Atenção ao Bebê Prematuro de Alto Risco e com Doenças Genéticas”, uma publicação que traz 858 serviços de atendimento gratuitos e subsidiados, como assistência social e transporte a gestantes e bebês prematuros de alto risco. O principal objetivo desse material é informar e orientar familiares, profissionais da área da saúde e a comunidade em geral sobre os serviços gratuitos de atenção específica ao bebê prematuro de alto risco e com doenças genéticas disponíveis na cidade de São Paulo. Esses serviços garantam ações de prevenção a seqüelas graves, contri-
buindo para o desenvolvimento integral destas crianças. A importância do guia, lançado em abril em parceria com o Hospital Leonor Mendes de Barros, é ainda maior quando são conhecidos os dados que apontam o número de bebês que nascem prematuros no Brasil e em São Paulo. Segundo dados do Ministério da Saúde, IBGE e FAPESP, em 2007 nasceram no Brasil 237 mil bebês prematuros necessitando de cuidados; 16.286 mil somente no Es-
Profissionais com Síndrome de Down conquistam espaço nas empresas
tado de São Paulo. A versão impressa vem sendo distribuída gratuitamente para todos os locais de saúde inclusos no guia. O download gratuito do material pode ser feito no site do Instituto: www.institutoparadigma.org.br.
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INCLUSÃO
Qualificação Profissional de pessoas com deficiência
Por Danilo Namo1
O trabalho é um importante instrumento emancipador para todas as pessoas, possibilitando a conquista da autonomia e a inclusão na vida social. No Brasil, a população com deficiência sempre esteve em posição de desvantagem no mercado de trabalho, por várias razões, entre elas, sua baixa escolaridade, que traz como conseqüência a baixa qualificação profissional, resultado de uma sociedade ainda não inclusiva. Para agravar este quadro, o Brasil apresenta um cenário que retrata a desigualdade, no qual as oportunidades educacionais ainda estão relacionadas à desigualdade social e de renda, efeito que também é observado na população com deficiência. Como muitos jovens e adultos, com ou sem deficiência, não completaram seus estudos fundamentais, uma solução que vem sendo utilizada pelo governo e organizações não-governamentais são os cursos de qualificação profissional, com objetivos concretos de possibilitar e ampliar o conhecimento e especialização em alguma ocupação, resgatar a escolaridade, valores democráticos e de cidadania.
mensal entre 0 a 5 salários mínimos. Na região Sudeste concentram-se 6% dos 14,5% de brasileiros com algum tipo de deficiência, ou seja, quase a metade desta população. No Brasil, segundos dados do IBGE, das 66,6 milhões de pessoas acima de 10 anos de idade que compõem a população ocupada (estudando ou trabalhando formal ou informalmente), nove milhões têm algum tipo
de deficiência. A desvantagem da população com deficiência, em relação ao acesso ao mercado de trabalho, fica evidenciada quando comparamos a proporção desta população de trabalhadores formais em relação ao número de trabalhadores brasileiros: dos aproximadamente 26 milhões de trabalhadores formais, apenas 537 mil possuem deficiência.
Distribuição Geográfica das Pessoas com Deficiência
Cenário Brasileiro De acordo com o último censo que o IBGE realizou, em 2000, o Brasil tem 24,5 milhões de pessoas com deficiência, representando 14,5% da população total do país. Desta parcela da população, estima-se que nove milhões vivem com uma renda
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Danilo Namo é doutor em Educação Especial pela USP e diretor técnico do Instituto Paradigma.
Além de apresentarem índices de empregabilidade menor, a população com deficiência também apresenta salários e rendimentos financeiros menores quando comparados às pessoas sem deficiência.
Pessoas com deficiência no mercado de trabalho formal
Rendimento da população ocupada, com e sem deficiência (Percentual em relação ao total de cada grupo) Censo IBGE-2000 - Brasil
Escolaridade - Anos de Estudo- Brasil
No ano de 2000, segundo dados do IBGE, o rendimento médio da população sem deficiência representava 18% maior do que das pessoas com deficiência. Uma das razões que explica a posição de desvantagem das pessoas com deficiência no mercado de trabalho é sua baixa escolaridade e quase nenhuma experiência prévia de trabalho. Segundo o Censo do Ministério da Educação de 2005 (INEP), de um total de 33 milhões de matriculas no ensino fundamental nas escolas públicas brasileiras, apenas 2% são de pessoas com deficiência. Já no ensino médio e superior, de um total de mais de 9 milhões de estudantes matriculados no ensino médio, apenas 0,13% apresentavam algum tipo de deficiência. Seguindo a mesma lógica, dos 4 milhões de matrículas nas universidades brasileiras, apenas 0,12% representavam alunos com deficiência. No que se refere à média de anos de estudo em proporção a população total, as pessoas com deficiência também se encaixam abaixo da média.
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Cenário em São Paulo Na cidade de São Paulo, cerca de 10% da população apresentam algum tipo de deficiência. As pessoas com deficiência entre 15 e 29 anos representam 48% da população ocupada.
A escolarização das pessoas com deficiência na cidade de São Paulo também é menor se comparada à das pessoas sem deficiência.
Pessoas com Deficiência na cidade de São Paulo
Escolaridade - Anos de Estudo - São Paulo
Em contrapartida, algumas estratégias e políticas públicas têm sido organizadas com o objetivo de mudar este quadro. Dados da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) apontam que, em função da maior fiscalização sobre o cumprimento da lei de cotas nos últimos anos, observa-se um significativo aumento nas contratações formais de pessoas com deficiência no Estado de São Paulo. Esta crescente demanda pela contratação de pessoas com deficiência, no entanto, tem enfrentado problemas como a baixa escolaridade e qualificação das pessoas com deficiência que estão entrando no mercado de trabalho, não compatíveis com o perfil exigido pelas vagas disponíveis nas empresas. Segundo DRT-SP, apesar do crescimento das contratações, chegando a mais de 80 mil em 2008, ainda há um déficit grande de vagas que precisam ser preenchidas na cidade de São Paulo. A baixa escolaridade, no entanto, não é o único entrave para a entrada no mercado de trabalho formal. Dados da Secretaria Municipal do Trabalho de São Paulo mostram que 40% das pessoas com deficiência inscritas no banco de currículos on-line da Prefeitura têm ensino médio completo, 13% superior incompleto e 10% superior completo; em contrapartida, 66% delas se declaram dependentes da família.
Qualificação para inclusão Programas de qualificação profissional vêm sendo amplamente utilizados pelos setores públicos e privados como estratégia para recrutamento, seleção e inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Muitos destes programas têm se mostrado eficientes, com bons resultados de recolocação. Nos programas similares, na esfera do governo federal, foram estabele-
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cidas prioridades de acesso às pessoas mais vulnerá- Evolução das contratações no estado de SP veis, do ponto de vista sócioeconômico, tais como: os trabalhadores com baixa renda e baixa escolaridade, desempregados de longa duração, afro e índio descendentes, mulheres, jovens, pessoas com deficiência e pessoas com mais de quarenta anos. Os resultados desses programas federais de qualificação profissional, desenvolvidos no período de 1995 a 2000, demonstraram que cerca de 40% daqueles que fissional passa a se constituir no fator se encontravam na condição de desemmais valorizado: 33,18% das respostas, pregados depois da realização dos curseguida pela experiência profissional, sos obtiveram emprego após seu térmicom 30,15%. no. Dentre esses, um expressivo grupo Atualmente ainda é inexpressiva a (que variou de 45,7% a 56%) se inseriu participação de estudantes com deficiênem postos de trabalho considerados de cia nos cursos profissionalizantes reguqualidade: com carteira assinada, no lares e públicos no estado de São Paulo. setor privado e no setor público. Além de desvantagens relacionadas à Em pesquisa realizada pelo PALNquestão da escolaridade e baixa renda, FOR, programa de capacitação do goveras pessoas com deficiência ainda têm no federal, com os egressos de cursos de enfrentar obstáculos como a falta de sobre a inclusão no mercado de trabaacessibilidade. Também enfrentam o lho, apenas 25% consideraram os curdesconhecimento dos profissionais ensos como fator mais importante para a volvidos nesses cursos sobre estratégiobtenção do trabalho. Porém, se somaas pedagógicas inclusivas. Ainda não se dos àqueles que apontaram o fato de ter dispõe oficialmente de currículos acesrealizado mais de um curso de qualificasíveis e adaptados à realidade desses ção como item mais importante na obalunos. tenção de emprego, a qualificação pro-
CUTMulti
O desafio da criação de redes sindicais
Fotos: Divulgação / CUT
Projeto de cooperação entre a CUT e a FNV - Federação Holandesa de Sindicatos chega ao 7º ano com 32 redes organizadas em empresas multinacionais
Oficina de planejamento
O nome CUTMulti “Ação Frente às Multinacionais” já diz muito sobre os objetivos do projeto criado em novembro de 2001. Incentivar a organização dos trabalhadores de empresas transnacionais e promover a luta unificada por melhores condições de trabalho são suas prioridades básicas. Os números das empresas multinacionais impressionam. São quase 80 mil atuando em todas as regiões do mundo, responsáveis por milhares de empregos e bilhões em faturamento. No entanto, o que mais impressiona é a forma desonesta com que algumas dessas empresas agem no Brasil, desrespeitando leis trabalhistas e ignorando convenções internacionais. Daí surgiu o CUTMulti, para tentar combater o descaso com que essas companhias tratam seus funcionários e, ao mesmo, unir os sindicatos que representam os trabalhadores de uma mesma multinacional.
Planejamento Estratégico Preocupado com o desenvolvimento profissional dos sindicalistas e trabalhadores envolvidos na criação e organização das redes sindicais, o CUTMulti vem promovendo ao longo dos anos diversas oficinas sobre planejamento. Seminários sobre negociação, avaliação, monitoramento, planos com base em cenários futuros, entre outros temas, fazem parte do programa de formação. “Elas, as multinacionais, estão sempre elaborando estratégias de crescimento. Não podemos ficar para trás. Também precisamos criar estratégias para garantir que o desenvolvimento dessas companhias não seja sustentado à custa de práticas anti-sindicais e do desrespeito às leis trabalhistas. Neste caso, a capacitação de sindicalistas é fundamental para que as negociações com as empresas sejam mais equilibradas”, conclui José Drummond, assessor da secretaria de relações internacionais da CUT e coordenador do projeto.
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A experiência, que envolve sindicatos filiados à CUT e às outras centrais sindicais, depende de uma série de questões políticas, mas apesar das dificuldades muitos casos de sucesso já foram contabilizados. Diversas ações práticas devem ser incorporadas pelos sindicatos para que o funcionamento de uma rede sindical seja concretizado. Levantamento de informações sobre a empresa, conhecimento de todas as plantas, criação de um plano de ação comum, comunicação integrada, administração de recursos financeiros, capacitação de talentos humanos e uma constante avaliação são apenas algumas das atividades que cada grupo deve realizar periodicamente. O projeto colabora com a disseminação do know-how adquirido durante os anos de atuação e com um trabalho de monitoramento permanente. Ratificado como uma das estratégias da CUT no 9º Congresso Nacional da Central, a “Ação Frente às Multinacionais” – CUTMulti - ensina às redes um novo formato de atuação sindical, que enxerga na busca por acordos de abrangência nacional e internacional uma maneira de superar os problemas que não se enquadram nas questões locais. De acordo com o Secretário de Relações Internacionais da CUT, João Felicio, a atual estrutura prejudica as negociações unificadas, já que as empresas podem pagar pisos diferenciados de acordo com a localidade de cada planta. “O projeto ajuda a quebrar essa lógica e propõe soluções que beneficiam os trabalhadores de forma mais eqüitativa”, analisa. Durante seus sete anos de atividades, o CUTMulti colaborou com muitas das conquistas obtidas pelos trabalhadores das multinacionais que operam no país. Algumas das redes sindicais criadas até já alcançaram representatividade internacional, como é o caso do comitê formado pelos empregados da alemã Basf, que constituiu uma rede sul-americana para discutir problemas comuns aos países da região. Outro exemplo de sucesso é a rede sindical mundial da Thyssen Krupp. Com a participação democrática de trabalhadores de diversas regiões do mundo, o grupo já está negociando com a empresa a assinatura de um acordo marco internacional “Ação Frente às Multinacionais” é uma experiência bem-sucedida na consolidação de uma classe trabalhadora integrada. Para isso utiliza novos artifícios buscando a construção de um sindicalismo que se preocupa e atua diante da globalização das relações trabalhistas.
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Redes são novo formato de atuação sindical
As multinacionais do projeto Empresa
País de origem
ABN Anro Bank ................ Holanda Akzo Nobel ...................... Holanda Alpargatas – Santista ....... Brasil Ambev – Inbev .................. Brasil – Bélgica Arcelor ............................. Bélgica Banco do Brasil ................. Brasil Basf .................................. Alemanha Bayer ................................ Alemanha Braskem ........................... Brasil Brinks ............................... Estados Unidos C&A ................................. Holanda Carrefour ......................... França Dow Chemical .................. Estados Unidos DuPont ............................. Estados Unidos EDP .................................. Portugal Gerdau ............................. Brasil HSBC ................................ Inglaterra Iberdrola .......................... Espanha Itaú .................................. Brasil Lanxess ............................ Alemanha Novartis ............................ Suíça Prosegur ........................... Espanha Rio Tinto ........................... Inglaterra – Austrália Santander ........................ Espanha SHV Gás ........................... Holanda Solvay ............................... Bélgica Suzano ............................. Brasil Thyssen Krupp .................. Alemanha Unibanco ......................... Brasil Vale .................................. Brasil Votorantim ....................... Brasil Wal Mart ........................... Estados Unidos
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Entre os dias 18 e 25 de julho, o Instituto Observatório Social representou a CUT no acompanhamento da Rodada de Doha, em Genebra. O IOS fez parte do grupo de organizações, entre sindicatos, ONGs e entidades campesinas, que representaram e apresentaram os anseios da sociedade civil na mesa de negociações. O objetivo, segundo o pesquisador do IOS, Felipe Saboya, foi pressionar os principais atores da negociação para não fecharem um acordo que fosse prejudicial para os trabalhadores e agricultores familiares. “Fizemos reuniões diárias com equipes de negociação de alguns países-chave, como Brasil, África do Sul, EUA, UE, Argentina, China, Bolívia e Venezuela, nas quais se relatava o que estava na mesa de negociações naquele momento ao mesmo tempo em que se ouvia as considerações das organizações da sociedade civil”, explica. A partir da avaliação do que estava na mesa de negociações, a CUT não concordou com a troca de ganhos no mercado agrícola por perdas na indústria, nem com a redução do número de postos de trabalho, principalmente em setores como o eletrônico e o automotivo. “O resultado, como se viu, foi que os países não chegaram a um acordo, principalmente pelas posições contrárias e irredutíveis da China e da Índia de um lado, e
dos EUA e da União Européia de outro”, completa Saboya. Coordenada pela rede de organizações Our World is Not for Sale (OWINFS, Nosso Mundo Não Está a Venda), a atividade também envolveu, entre as entidades sindicais, CSI, CSA, CGT (Argentina), COSATU (África do Sul), UNT (México), APL (Filipinas), UOM (Argentina), TUCP (Filipinas), CONTAG (Brasil), FETRAF (Brasil), entre as ONGs, Oxfam, ActionAid, REBRIP, Third World Network, Institute for Agriculture and Trade Policy, e, entre as organizações ligadas à agricultura, Via Campesina, Rice Watch e entidades de Uganda, Gana, Índia e Indonésia. OWINFS (Our World Is Not For Sale)
NOTAS
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IOS na Rodada de Doha
Trabalhadores acompanham em Genebra as negociações sobre comércio internacional
Rede da C&A
SHV Gás
Técnicos do IOS participaram do encontro da Rede de Trabalhadores da multinacional holandesa C&A, promovido pela Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços (CONTRACS), através do projeto CUTMulti “Ação frente às Multinacionais”. Além da reavaliação do plano de ação, o grupo também discutiu as práticas anti-sindicais adotadas pela empresa no Brasil e as possíveis estratégias para combatê-las. Os informes regionais apresentados pelos sindicatos presentes revelaram diversos casos de violação, como a proibição da distribuição do boletim unificado da rede em algumas lojas, a falta de assentos para operadores de caixa, o desrespeito ao piso salarial em algumas regiões e a resistência à negociação de um acordo nacional de participação nos lucros e resultados (PLR). A direção da C&A, previamente convidada a participar de um Diálogo Social com os representantes de seus trabalhadores, não compareceu ao evento. Uma nova reunião da coordenação da rede está prevista para setembro, quando o grupo deverá avaliar suas ações e planejar novas atividades.
Entidades sindicais de diversas regiões do país e técnicos do Instituto Observatório Social e do Dieese reuniram-se com representantes dos trabalhadores da multinacional holandesa SHV Gás nos dias 22 e 23 de julho, em São Paulo. O encontro, iniciativa do projeto CUTMulti, teve como objetivo discutir as condições de trabalho oferecidas pela empresa e possíveis soluções conjuntas. A multinacional, detentora de 24% do mercado no Brasil e 2º lugar no ranking de distribuidoras de gás de cozinha, vem adotando uma série de práticas anti-sindicais no país. Exclusão dos sindicatos nas negociações de PLR, demissões, perseguição a dirigentes sindicais, assédio moral no local de trabalho, problemas de segurança, saúde, meio ambiente, terceirização e novas tecnologias são as principais reclamações. A criação de um comitê nacional foi avaliada pelos presentes como uma excelente ferramenta na luta por melhores condições de trabalho. Os trabalhadores da multinacional e seus representantes sindicais elegeram uma coordenação nacional que irá realizar reuniões periódicas para trocar informações e organizar negociações casadas. O grupo deverá se reunir novamente em novembro para avaliar as ações e definir os próximos passos do comitê.
Gênero no tráfico de pessoas
O Observatório Social e a Secretaria Nacional de Formação da CUT acabam de firmar uma parceria que levará mais conhecimento para os programas de formação em todo o país. As escolas sindicais da CUT e os cursos de formação de formadores passarão a incorporar oficinas de inclusão digital, treinamentos para dinamização da rede sindical em todo o Brasil, disseminação de pesquisas e mapas empresariais em todos os setores, e inclusão da Responsabilidade Social Empresarial (RSE) entre os temas trabalhados pelo programa de formação e defendidos pelos sindicatos. Também será construído um Banco de Dados da Rede Nacional de Formação, instrumento que possibilitará o acompanhamento de todos os eventos de formação nos âmbitos nacional, estadual e dos ramos. As ações foram discutidas e elaboradas durante uma oficina realizada em São Paulo, entre os dias 12 e 14 de agosto. Estiveram presentes no evento representantes das sete escolas sindicais da CUT (Florianópolis, São Paulo, Belo Horizonte, Goiânia, Recife, Belém e Porto Velho), da Secretaria Nacional de Formação e do Observatório Social. Como forma de englobar todas as ações propostas, serão incluídos nos módulos de formação treinamentos específicos sobre RSE e sobre o Conexão Sindical, portal criado pelo Observatório para integrar e tornar mais dinâmica a rede de discussões no ambiente sindical. “É uma ótima ferramenta para a comunicação em rede capaz de ligar os sindicatos de todo o Brasil”, afirma o diretor administrativo financeiro do OS, Valeir Ertle. “A Responsabilidade Social Empresarial está no auge das discussões e se tornou tendência nas organizações. A inclusão desses dois temas no Programa de Formação de Formadores da CUT vai preparar ainda mais os nossos dirigentes para temas tão atuais”.
No dia 7 de agosto, especialistas de várias regiões e entidades brasileiras estiveram reunidos na Unicamp, em Campinas (SP), para o Seminário Gênero no Tráfico de Pessoas. O evento foi uma iniciativa do Escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT ), através do Projeto de Combate ao Tráfico de Pessoas no Brasil e do Núcleo de Estudos de Gênero – PAGU, da Universidade de Campinas. O objetivo foi reunir pesquisadores brasileiros que possuem atuação e reflexão reconhecidas sobre este tema para debater o tráfico de pessoas e as diferentes formas de exploração a ele associadas. Espera-se assim contribuir para a construção de políticas públicas mais efetivas no combate a essa violação dos direitos humanos. “O desafio que se coloca hoje para a sociedade civil e para os organismos internacionais é justamente a perpetuação de diferentes modalidades de trabalho forçado que se observa em diferentes realidades econômicas”, disse a oficial do Projeto de Combate ao Tráfico de Pessoas do Escritório da OIT no Brasil, Márcia Vasconcelos. Ana Yara Paulino, do IOS/DIEESE, acompanhou a atividade a convite da OIT, enquanto coordenadora do projeto Monitoramento dos Signatários do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (IOS/OIT).
África do Sul O Instituto Observatório Social esteve presente no Shop Stewards Summit in South Africa – encontro de representantes sindicais de empresas alemãs atuantes na África do Sul. O IOS foi a única instituição da América Latina convidada para o evento, e participou com o objetivo de compartilhar a experiência em pesquisa de comportamento de subsidiárias de multinacionais alemãs alocadas no Brasil. A experiência apresentada no encontro foi conquistada a partir de estudos realizados entre 2002 e 2004, com o apoio da DGB, quando o IOS pesquisou as relações e condições trabalhistas nas empresas alemãs Bayer, Bosch e ThyssenKrupp. O principal interesse demonstrado no encontro foi quanto à atuação do IOS no diálogo com as empresas pesquisadas, quebrando a resistência da gerência na realização da pesquisa dentro das plantas. Pesquisa similar está sendo desenvolvida há dois anos na África do Sul, onde ainda há barreiras a serem superadas. O IOS relatou as formas de adoção das pesquisas pelos sindicatos envolvidos, como uma maneira de ajudar na organização dos trabalhadores em nível local.
NOTAS
IOS e formação sindical
Acervo na internet A Biblioteca Virtual do Observatório Social voltou a estar disponível para uso público. Por meio dela os visitantes do site poderão acessar estudos, mapas, perfis, artigos e relatórios sobre os temas tratados pelo IOS, como Trabalho Escravo, Responsabilidade Social, Meio Ambiente, Trabalho Infantil, Discriminação, Saúde e Segurança. Também estão disponíveis reportagens, acordos globais, códigos de conduta, leis, decretos e vários outros documentos. Acesse www.os.org.br/biblioteca e confira.
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NOTAS
Comitê na AkzoNobel Através do projeto Monitor de Empresas, o IOS esteve presente no V Encontro do Comitê Sindical Nacional dos Trabalhadores na AkzoNobel, realizado entre os dias 15 e 17 de julho, em São Paulo. Durante o evento, também aconteceu o III Diálogo Social com a AkzoNobel, que contou com a presença de três representantes da empresa, e a visita monitorada à unidade em São Bernardo do Campo (SP). O IOS participou através da presença de Ana Yara Paulino, responsável pelo projeto AkzoNobel no Monitor de Empresas. Ela coordenou a apresentação dialogada das condições de trabalho e relações sindicais nas diferentes unidades. Regina Queiroz, também pesquisadora do IOS, sistematizou alguns documentos disponíveis na internet sobre Responsabilidade Social Empresarial
e Sustentabilidade do grupo AkzoNobel. O projeto Monitor de Empresas envolve a pesquisa contínua sobre as relações de trabalho e sindicais das unidades da empresa no Brasil. Conta com o apoio da FNV, CUT-Multi, CNQ, ICEM e sindicatos locais envolvidos. Participaram do Encontro os membros eleitos para o Comitê, dirigido por Sergio Carasso (do Sindicato dos Químicos do ABC), dirigentes da CNQ-CUT, da SRI-CUT e representantes sindicais nas unidades AkzoNobel de Mauá, Santo André, São Bernardo do Campo, Itupeva, São Paulo (SP), São Gonçalo (RJ), Eunápolis, Mucuri (BA) e Recife (PE). O presidente da CUT e do IOS, Artur Henrique dos Santos, e o supervisor institucional do Instituto, Amarildo Dudu Bolito, também compareceram ao Encontro.
Monitoramento do Trabalho Escravo
Redes Petroquímicas
No dia 11 de novembro, o Observatório Social irá apresentar uma nova ferramenta que auxiliará no monitoramento do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Trata-se de uma plataforma eletrônica em desenvolvimento pelo Instituto que tornará o processo de monitoramento mais eficiente e dinâmico. A plataforma será apresentada durante seminário realizado pelo Comitê de Monitoramento do Pacto pela Erradicação do Trabalho Escravo, em São Paulo, composto pelo IOS, pela OIT, pelo Instituto Ethos e pela ONG Repórter Brasil. Durante o encontro, que também contará com a presença de representantes da sociedade civil e do governo, serão discutidos e encaminhados o diagnóstico e as boas práticas corporativas no combate ao trabalho escravo no Brasil. Também serão apresentados os resultados da Pesquisa de Monitoramento dos Signatários do Pacto, encomendada pela OIT ao IOS.
Representantes do IOS estiveram presentes no Encontro dos Trabalhadores de Redes Petroquímicas, realizado entre os dias 9 e 11 de julho em Salvador (BA). Também participaram sindicalistas dos estados da Bahia, Alagoas, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, da Argentina, da Venezuela e dos Estados Unidos, e trabalhadores das empresas Braskem, Quattor, Dupont, Dow Química e Lanxess (Petroflex). O objetivo do encontro foi criar uma rede de trabalhadores capaz de enfrentar as mudanças da petroquímica nacional, em especial a tentativa de concentrar o setor nas mãos de poucos empresários. Os participantes avaliaram a situação das empresas, definiram propostas conjuntas e aprofundaram o debate nacional sobre o setor.
Rede no Wal-Mart Trabalhadores da multinacional americana Wal-Mart decidiram as próximas atividades do comitê durante o encontro promovido através do projeto CUTMulti “Ação Frente às Multinacionais”, nos dias 24 e 25 de julho de 2008, em São Paulo. O evento também contou com a participação de pesquisadores do Instituto Observatório Social e do professor Scott Martin, da Universidade de Columbia, Estados Unidos. Durante os dois dias de reunião, foram discutidos os parâmetros de uma nova proposta de acordo, que prevê a substituição das metas por lojas por um pagamento unificado, de acordo com o lucro alcançado pela empresa em todas as unidades no Brasil. O grupo também debateu as práticas abusivas adotadas pelo Wal-Mart, como os casos da eleição do pior funcionário do mês em uma loja do Nordeste e a exposição de listas com os no-
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mes dos funcionários em licença. O IOS confirmou a provável realização de uma pesquisa sobre a atuação da empresa no Brasil, com a possível participação de funcionários e dirigentes sindicais. O grupo discutiu os critérios que deverão ser aplicados no trabalho e deve consultar a empresa sobre a possibilidade de participação no processo. A rede agendou uma segunda reunião com a direção do Wal-Mart para dar andamento às negociações e exigir soluções para os problemas levantados durante o encontro. O segundo encontro foi realizado no dia 14 de agosto, com a participação de representantes da Rede, pesquisadores do Observatório Social e direção da empresa. Durante a reunião, foi colocada em pauta a intenção do IOS de realizar uma pesquisa ampla, proposta que ainda será analisada pela empresa.
NOTAS
Nos dias 14 e 15 de agosto, equipe de no. “Outro problema com o qual muitos sindipesquisadores do Observatório Social particatos se vêem confrontados é a elaboração cipou de uma oficina sobre a utilização do de boas propostas de projeto. Para tentar somarco lógico como ferramenta no planejamenlucioná-lo, as centrais sindicais dos países to de projetos. Coordenada por Patricio Samnórdicos e da Holanda desenvolveram, junbonino, consultor da FNV (central sindical hotas, algumas diretrizes para seus projetos de landesa) para a América Latina, a oficina teve cooperação internacional”, completa. Na prócomo objetivo melhorar a qualidade no plaxima oficina, dias 9 e 10 de outubro, serão nejamento de projetos através do uso do trabalhados o monitoramento e a avaliação marco lógico, que facilita desde a concepção dos projetos. de projetos até a coordenação e o acompanhamento das atividades. A utilização dessa metodologia também é uma recomendação da FNV, LO e SASK a todos os seus parceiros. “Às vezes, os projetos empreendidos por organizações sindicais lidam com problemas organizativos. É necessário analisar profundamente a organização, seus membros, sua estrutura e necessidades, para poder identificar a maneira mais efetiva para enfrentar os problemas”, diz SamboniMarco lógico contribui para melhorar a qualidade dos projetos
Divulgação/IOS
Oficina da FNV
Metodologias de pesquisa Na busca pelo aperfeiçoamento dos métodos adotados em suas pesquisas, a equipe do Observatório Social realizou, nos dias 1º e 2 de julho, em São Paulo, a 9ª Oficina de Metodologia de Pesquisa do IOS. O encontro, que acontece bimestralmente, tem por objetivo discutir e reavaliar a metodologia e os temas utilizados pelos pesquisadores, com base na experiência adquirida através dos estudos realizados frente aos desafios permanentes de novas demandas pelo movimento sindical. Os principais focos de discussão foram os princípios e objetivos do IOS, os temas abordados e o processo de pesquisa. A dinâmica adotada para a reunião foi bastante participativa: antes do evento, os pesquisadores receberam previamente algumas questões-chave para serem objeto de refle-
xão e de resposta. Uma vez sistematizadas, deram o ponto de partida para a oficina. Em seguida, adotou-se a técnica do carrossel em três pequenos grupos de pesquisadores (que prevê a circulação de todos os participantes) organizados pelos temas principais. Assim foi possível uma melhor apropriação individual e coletiva dos temas e sua retomada na discussão plenária final. Depois da oficina, quatro documentos foram elaborados e circulados internamente: relatos das atividades, a reafirmação dos princípios e objetivos do IOS, temas tradicionais e novos temas, e processo de pesquisa. O entrosamento e a avaliação do evento pela equipe foram positivos, evidenciando algumas questões prioritárias a serem pautadas nas próximas oficinas de 2008.
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Foto: Tatiana Cardeal
APOIO:
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