Globalizar direitos - sindicatos e relações trabalhistas no Brasil, na Holanda e na Alemanha

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GLOBALIZAR DIREITOS

Sindicatos e relações trabalhistas no Brasil, na Holanda e na Alemanha


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Globalizar os direitos dos trabalhadores O Observatório Social quer promover os direitos dos trabalhadores nos grupos multinacionais

Como se comportam as empresas européias no Brasil? Elas mantêm os mesmos padrões sociais das suas matrizes nas suas filiais estrangeiras? Como são tratados os trabalhadores brasileiros e os seus sindicatos nas empresas cujas matrizes estão na Europa? Essas perguntas estão no centro das atenções do Observatório Social no Brasil e na Europa. O Observatório Social Europa foi fundado em 2001 por sindicatos holandeses, alemães e brasileiros e está sediado em Amsterdã. É a organização irmã do Observatório Social brasileiro em Florianópolis e tem por objetivo dar eficácia aos direitos trabalhistas e ambientais internacionais em seis empresas européias com filiais no Brasil. O Observatório Social Europa é apoiado pela central sindical brasileira CUT e suas confederações dos sindicatos dos metalúrgicos (CNM) e químicos (CNQ), pela IG Metall e pela IG Bergbau, Chemie, Energie, pela Fundação Hans Böckler, pelo DGB Bildungswerk, bem como pela Federação dos Sindicatos Holandeses (FNV) e seu maior sindicato afiliado, o FNV Bondgenoten. O projeto prevê pesquisas em filiais brasileiras de seis empresas alemãs e holandesas (Bayer, Bosch, ThyssenKrupp, Ahold, Philips e Unilever), bem como programas de intercâmbio e seminários para os representantes dos trabalhadores nas empresas e para os sindicatos envolvidos. Várias publicações deverão contribuir para informar sobre direitos trabalhistas internacionais e permitir uma melhor compreensão da situação dos trabalhadores e dos sindicatos nas empresas multinacionais. Di-

alogando com a direção das seis empresas, os membros das comissões de trabalhadores e os sindicatos pretendem infundir vida às convenções da OIT e obter melhorias concretas para os trabalhadores e os seus representantes nas filiais brasileiras. As condições de trabalho de brasileiros e europeus são bastante distintas. Na Holanda e na Alemanha, a co-gestão nas empresas está ancorada nas leis; já no Brasil, esse não é o caso. O Brasil praticamente desconhece as comissões de trabalhadores, tais como elas são - absolutamente normais nas empresas alemãs e holandesas. Enquanto no Brasil as relações trabalhistas freqüentemente ainda estão marcadas por um estilo autoritário de gestão e conflitos freqüentes, formou-se em muitas empresas alemãs e holandesas uma cultura do diálogo e da cooperação entre os sindicatos, as comissões de trabalhadores e a direção das empresas. A presente publicação busca explicar como tais diferenças surgiram. Para desenvolver a cooperação internacional de trabalhadores e sindicatos, é importante saber em que situação social os colegas vivem e trabalham em outros países. Em três contribuições serão descritos a evolução e o estado atual dos direitos dos trabalhadores no Brasil, na Alemanha e na Holanda. Pretendemos mostrar como os sindicatos trabalham e como funciona a representação dos interesses dos trabalhadores nas empresas. Outras brochuras sobre as seis empresas e as relações de trabalho nelas dominantes serão publicadas a seguir.

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Sumário

Globalizar os direitos dos trabalhadores

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O Observatório Social quer promover os direitos dos trabalhadores nos grupos multinacionais

Apresentação

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Entre o corporativismo e a luta de classes

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As relações trabalhistas no Brasil em vias de transformação

Diálogo e consenso

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Sindicatos e relações trabalhistas na Holanda

O adeus ao “modelo alemão”

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As relações trabalhistas alemãs entre a reunificação e a globalização

Um novo ator em cena

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As Comissões Européias de Trabalhadores

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Apresentação O Observatório Social Europa (OSE) foi criado em 2001 por uma iniciativa de cooperação internacional entre a FNV Mondiaal da Holanda, a DGB Bildungswerk da Alemanha e a CUT Brasil, através do Observatório Social. A sede do Observatório Social Europa está na cidade de Amsterdã, na Holanda. Um dos seus objetivos é atuar para que as empresas européias estabelecidas no Brasil respeitem os direitos fundamentais no trabalho e o meio ambiente, contidos em normas internacionais aprovadas por países de todo o mundo, em particular, nos organismos das Nações Unidas. Esta publicação faz parte do projeto de estudo e monitoramento de seis empresas multinacionais, três holandesas e três alemãs, todas com filiais instaladas no Brasil, que são: Bayer, Bosch e ThyssenKrupp – empresas da Alemanha - e Royal Ahold (Bompreço), Unilever e Philips – empresas da Holanda. O projeto – com duração de três anos – consiste em estudar o comportamento sócio-trabalhista e ambiental no Brasil à luz das convenções internacionais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), desenvolver intercâmbio entre os representantes dos trabalhadores das mesmas empresas e, por fim, desenvolver campanhas junto às empresas e sociedade visando à promoção dos direitos trabalhistas como condição essencial para a construção de sociedades democráticas, solidárias e com justiça social. Neste aspecto, buscamos envolver as entidades sindicais e as representações das empresas, estimulando o fortalececimento das negociações coletivas. As condições de trabalho, a legislação trabalhista, bem como o funcionamento dos sindicatos são muito diferentes de um país para o outro. A participação dos trabalhadores nos locais de trabalho, através das comissões de fábrica, é garantida por lei e considerada normal na Holanda e

Alemanha, mas não é garantida legalmente no Brasil. Como conseqüência, não existem comissões de fábricas e são poucas as outras formas de representação dos trabalhadores nos locais de trabalho. Esta realidade não favorece as negociações coletivas nem a democracia e está distante dos padrões trabalhistas mínimos já reconhecidos internacionalmente. Ao longo desta publicação vamos descrever e exemplificar algumas diferenças entre os países. São três textos tratando da participação dos trabalhadores, do modelo sindical e, especialmente, dos direitos trabalhistas na Alemanha, Brasil e Holanda. Temos a clareza de que é muito difícil igualar todos os direitos trabalhistas e sindicais dos países. No entanto, é possível diminuir as enormes diferenças existentes entre a prática de uma mesma empresa localizada em países diversos, ou seja, garantir a aplicação das convenções mínimas da OIT. A dinâmica da globalização da economia e da produção – que permitem às empresas se deslocarem rapidamente de uma região para outra –, está impulsionando os sindicatos a buscarem novas formas de atuação. A garantia da equalização de padrões trabalhistas dignos e justos dependem, entre outros fatores, de ações sindicais internacionais de grande envergadura e é isto o que o Observatório Social Europa se propõe estimular. Para o desenvolvimento da cooperação internacional entre os trabalhadores e entre os sindicatos a partir de uma base sólida, é importante saber em que situação social os trabalhadores de cada país vivem, trabalham e se organizam nas empresas e nos sindicatos. É sobre este último aspecto que a presente publicação pretende contribuir. Novas publicações apresentarão textos específicos sobre as seis empresas do projeto. Comitê de Coordenação do Observatório Social Europa

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Sindicalismo no Brasil Você é nosso convidado para acompanhar, nas próximas páginas, um pequeno resumo da história do movimento sindical brasileiro, sua estrutura e desafios para o futuro. Vamos mostrar um pouco do que é a estrutura sindical no Brasil. A tutela do Estado, os obstáculos colocados pelos empresários e a incansável luta dos trabalhadores. Essas são algumas das características que evidenciaremos para tentar explicar, por algumas vezes, coisas que não são facilmente explicáveis, como a existência de centrais sindicais que mobilizam e que representam os trabalhadores em negociações com o governo federal, mas são consideradas inexistentes perante a lei. Por outro lado, temos leis que criam condições de sobrevivência a sindicatos “fantasmas”, pouco representativos. São contradições características do país de contradições que é o Brasil. Mas também é a história de milhares, milhões de trabalhadores, homens e mulheres, que não se contentam com a injustiça e fazem acontecer. Mobilizações, greves, ações conjuntas para construir uma história diferente. A história do movimento sindical também é uma história de conquistas. Esperamos contribuir, de forma simples, para você conhecer um pouco

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mais dessa história. Esta cartilha é resultado de um trabalho conjunto entre o Observatório Social, a CUT do Brasil, a FNV da Holanda e a DGB Bildungswerk da Alemanha, num projeto de pesquisa em seis multinacionais e sua atuação nesses países: as alemãs Bosch, Bayer e Thyssenkrupp e as holandesas Unilever, Philips e Royal Ahold (Bompreço). O projeto prevê pesquisas, intercâmbio sindical e, quando necessário, campanhas conjuntas pela promoção dos direitos fundamentais no trabalho. Esta cartilha, sobre o movimento sindical brasileiro, e as demais cartilhas, apresentando alguns aspectos pesquisados nessas empresas, consistem em um dos materiais resultantes desse trabalho conjunto dos três países, Brasil, Alemanha e Holanda, com o objetivo de impulsionar concretamente a transnacionalização da ação sindical.

UM BRASIL DESIGUAL O Brasil é o maior país da América Latina. Em seus 8,5 milhões de quilômetros quadrados caberiam mais de 23 Alemanhas, ou 204 Holandas. Sua população, segundo o IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, é de

1906

1917

1920 a 1929

Surge a primeira central sindical brasileira: a COB (Confederação Operária do Brasil). Seguese um período de muitas greves.

Acontece a primeira greve geral, paralisando todos os núcleos importantes de São Paulo e com reflexos no Rio de Janeiro. Ocorre a primeira negociação coletiva, os patrões começam a reconhecer os sindicatos.

Período de poucas greves, repressão sistemática aos sindicatos de trabalhadores. Surge a primeira organização patronal.


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170 milhões de habitantes, espalha-se de maneira desigual por essa grande extensão, com concentrações urbanas, principalmente no litoral, e menor ocupação no interior. As feições dos brasileiros são as mais diversas: os descendentes dos índios nativos, os descendentes dos africanos escravos, dos imigrantes europeus (italianos, alemães, espanhóis, portugueses, holandeses, poloneses e outros) e mais recentemente dos asiáticos, têm contribuído para essa diversidade. Há no Brasil outra característica própria: a miscigenação que cria novos rostos e novas culturas, com traços diversos e a soma das culturas que compõem essa população. Constituída de forma tão plural, essa população espalhada pelos 8,5 milhões de quilômetros quadrados fala uma única língua oficial, o português. Se essas diferenças só contribuem para enriquecer a história e a cultura do país, outras diferenças formam um quadro negativo: a desigualdade social e econômica. O Brasil tem um dos modelos mais injustos de distribuição de renda do mundo. Ao mesmo tempo em que o país tem centros de excelência tecnológica, um grande parque indusÁrea População (2000) PIB per capita*

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trial, um setor de serviços que se amplia rapidamente, um moderníssimo setor financeiro, registram-se situações dramáticas de trabalho infantil, trabalho escravo, destruição acentuada dos recursos naturais, superexploração dos trabalhadores, alta taxa de analfabetismo e mortalidade infantil, entre tantos outros problemas. Hoje são mais de 22 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza (ganhando menos de 2 dólares por dia), e uma taxa de desemprego que gira em torno dos 20%. Este é o Brasil de diferenças que somam e desigualdades que destroem. E é nesse cenário que os trabalhadores construíram a história de grandes movimentos, greves que garantiram jornadas de trabalho menores, mobilizações que pressionaram por condições de trabalho ou auxiliaram toda a sociedade brasileira na conquista de cidadania. Uma boa parte da história do trabalho no Brasil tem relação com a história da atuação sindical, ou da falta dela, em momentos em que o movimento sindical é sufocado. Os sindicatos são, no Brasil assim como no mundo todo, um instrumento através do qual os trabalhadores escrevem a sua parte da história.

Brasil

Holanda

Alemanha

8,5 milhões Km2

41.532 Km²

357.000 Km²

170 milhões hab.

15,92 milhões hab.

82,2 milhões hab.

PPP US$ 7.625

PPP US$ 25.657

PPP US$ 25.103

1930

1934 a 1943

A revolução militar implanta novo projeto político no Brasil, capitaneada por Getúlio Vargas. É o “nacional desenvolvimentismo”.

O presidente Getúlio Vargas cria o Ministério do Trabalho, para disciplinar e controlar os sindicatos. Estabelece em lei direitos como as férias e carteira assinada. Cria a Justiça do Trabalho e, em 43, promulga a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho que, entre muitas medidas, oficializa os sindicatos.


A FORMAÇÃO DOS SINDICATOS No Brasil, as primeiras formas de organização dos operários foram as associações do tipo mutualista (sociedade de socorro e auxílio mútuo), com o objetivo de levantar recursos e organizar esforços para a assistência dos trabalhadores em caso de morte, doença e acidentes de trabalho. Depois, vieram as uniões operárias que, com o avanço da industrialização, passaram a se organizar por ramos de atividades e profissões, dando origem aos sindicatos. As organizações de tipo mutualista continuaram a existir por um bom tempo, mas cada vez mais foram dando lugar aos sindicatos, cujo objetivo fundamental era organizar a luta dos operários contra os patrões por melhores salários e melhores condições de vida e trabalho. Em 1906 fundaram a primeira central sindical brasileira, a Confederação Operária do Brasil (COB). Dali até 1920, o movimento sindical brasileiro foi influenciado principalmente pelos anarquistas, que defendiam um sindicalismo autônomo, descentralizado e marcado por ações diretas, como as greves em defesa dos interesses dos trabalhadores. Esse período foi de conflitos radicais entre trabalhadores de um lado e empresários e o governo com seu aparato re-

pressivo de outro, com muitas greves que visavam principalmente conquistar aumentos salariais e redução da jornada de trabalho. Entre 1917 e 1920 ocorreram 112 greves somente em São Paulo. A mais marcante foi a de 1917, que em poucos dias se transformou em greve geral, proporcionalmente uma das maiores de nossa história e que foi vitoriosa. Até então existiam poucas leis de proteção aos trabalhadores e que raramente eram cumpridas. Porém, a agressividade do movimento sindical durante a primeira década, o crescimento da indústria após o final da Primeira Guerra Mundial e as repercussões da Revolução Russa de 1917 propiciaram o ambiente favorável à aceitação de algumas das reivindicações dos trabalhadores na forma de lei durante a década de 20, como por exemplo: em 1923 a instituição da Caixa de Pensões para os trabalhadores ferroviários, uma categoria numerosa e combativa, que nesse mesmo ano realizara importantes gre-

1945

1946

1962

Com a derrubada do Estado Novo de Vargas, é convocada a Assembléia Constituinte, que muda as leis, mas mantém a CLT. Foi criado o MUT – Movimento Unitário de Trabalhadores, que tem um programa de lutas reivindicatórias e políticas.

O MUT dá origem à CGTB (Confederação Geral dos Trabalhadores Brasileiros). Em 1947 o governo proíbe seu funcionamento.

Surge o CGT – Comando Geral dos Trabalhadores. Mobiliza a classe operária a lutar por suas reivindicações e ao mesmo tempo luta pelas reformas de base. Uma das principais é a reforma agrária.

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ves, conquistou também a estabilidade no emprego por lei; em 1925, um decreto legislativo concedeu 15 dias de férias remuneradas por ano aos trabalhadores na indústria, comércio e bancos; em 1926 foi promulgado o primeiro Código do Meno, que, entre outros itens, fixou a jornada de trabalho dos menores em seis horas diárias. A década de 20 praticamente chegou ao fim sem que houvesse mudanças significativas nas frentes econômica e política, sendo um período de poucas greves e de repressão sistemática. Nessa época surgiu a primeira organização patronal. Mas o país sofreu os efeitos da crise de 1929. A chamada “Revolução de 30” começou em meio a uma profunda crise econômica. Com o esgotamento econômico da cultura do café, resultado de uma quebra do comércio internacional, os EUA e a Europa deixaram de comprar o produto brasileiro. Com essa crise da lavoura do café no Brasil, os setores que até então detinham o poder político – aristocracia rural através dos coronéis do café de Minas Gerais e São Paulo –, precipitam uma crise política sem precedentes no país. Politicamente a crise abriu espaço para a nascente burguesia industrial que assumiu o poder como conseqüência da “Revolução de 30”, liderada por

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vários militares e principalmente por Getúlio Vargas. A partir de então, desenha-se um projeto conhecido como nacional desenvolvimentismo, que irá alavancar a industrialização do país e construir as bases de regulação do mercado de trabalho de forma autoritária e tutelada, criando as instituições de representação sindical e de negociação que irão perdurar até os dias atuais.

A CRIAÇÃO DOS SINDICATOS OFICIAIS Com o governo de Getúlio Vargas, foi se firmando a concepção de que, para vencer o atraso, era necessário um Estado forte e autoritário, que promovesse a industrialização e o desenvolvimento. Para isso, entretanto, era preci-

1964

1964 a 1979

A ditadura militar intervém em mais de 200 sindicatos, as lideranças são presas, cassadas ou mortas. O CGT é extinto.

Nesse período, o movimento se desenvolve quase na clandestinidade e começam a se organizar as oposições sindicais nas empresas. Alguns militantes sindicais combativos passam a disputar a diretoria dos sindicatos. Em maio de 78, 16 mil operários param a Scania, em São Bernardo do Campo (região da grande São Paulo), desencadeando um número de greves inédito na história. Em 1979 o movimento dos trabalhadores atinge o maior número de greves.


so domar a resistência de um movimento sindical independente, na época liderado por anarquistas e comunistas. O Ministério do Trabalho foi criado, então, para disciplinar e controlar os sindicatos. O primeiro ministro do trabalho baixou o decreto 19.770, criando o sindicato oficial: “Os sindicatos ou associações de classe serão os pára-choques de tendências antagônicas. Os salários mínimos, os regimes e as horas de trabalho serão assuntos de sua prerrogativa imediata, sob as vistas do Estado”. Algumas correntes do sindicalismo resistiram ao enquadramento sindical imposto pelo Estado, lutando em defesa da autonomia e liberdade sindical, denunciando através da imprensa operária as manobras governamentais que visavam quebrar a capacidade de organização e luta dos trabalhadores. Porém, a ação do Estado prevaleceu.

A CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) dispunha os sindicatos como uma forma de organização e de representação dos interesses dos trabalhadores, que devem colaborar com o Estado e poderes públicos. O Estado assume a tutela dos direitos dos trabalhadores, delegando aos sindicatos o poder vigiado para tratar de parte desses direitos através da negociação coletiva.

Ainda cabe ao Estado, através da justiça do trabalho ou mesmo de atos do Ministério do Trabalho, julgar conflitos trabalhistas ou o modo de atuação do sindicato. Os trabalhadores são divididos entre categorias, cada uma representada pela sua entidade sindical, que não podem se articular entre si. Era o corporativismo sendo definitivamente implantado no país. A legislação determina ainda que somente um único sindicato represente uma categoria, cuja base é territorial; institui quais são as categorias profissionais; apresenta até um modelo de estatuto para o funcionamento dos sindicatos, entre muitas normas e regras de funcionamento. Essa mesma legislação estabelece a organização dos empresários, como categoria econômica, em sindicatos patronais. Através da CLT, o Estado define, também, o que é o salário mínimo, a jornada de trabalho, o período de férias, horas extras, entre outros. A intervenção do Estado não pára por aí: além de tutelar o direito, também tutela a relação, ou seja, o Estado tem o poder de intervir quando julgar que as relações entre sindicato dos trabalhadores e sindicato patronal não forem adequadas. Assim, quando em um processo de negociação entre patrões e empregados surgir um impasse, uma greve ou um acordo que sejam considerados pelos governantes como “danosos

1980 e 1981 O país passa por um processo de recessão, ao mesmo tempo em que o movimento sindical enfrenta patrões e governo. Mais uma vez, baseado na CLT, o governo cassa e prende dirigentes sindicais. Surge a ANAMPOS – Articulação Nacional do Movimento Popular e Sindical, o embrião da CUT. Em 81 é realizada a primeira Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras, com duas posturas no movimento, que implicará na formação das futuras centrais sindicais.

Alguns exemplos da regulamentação imposta por Getúlio Vargas:

● 1934 – Direito de Férias e Carteira de Trabalho. Somente os trabalhadores sindicalizados nos sindicatos oficiais poderiam ter direito ao gozo das férias. Foi um duro golpe para os sindicatos que resistiam ao controle do Estado. ● 1935 – Indenização por Dispensa e Estabilidade no Emprego. ● 1941 – Justiça do Trabalho. ● 1943 – Promulgação da CLT, inspirada na “Carta del Lavoro” da Itália fascista, e que sobrevive até os dias de hoje.

De acordo com a CLT, trabalhadores de uma mesma categoria profissional em uma base territorial (município, região ou estado) podem associar-se em um único sindicato que representará todos os trabalhadores daquela base nas negociações. Cinco ou mais sindicatos da mesma categoria poderão associar-se, formando assim uma federação com base estadual, interestadual ou nacional. Três ou mais federações da mesma categoria poderão ainda se associar, formando uma confederação, com base nacional. A CLT não assegura nenhum tipo de organização no local de trabalho e também não prevê organizações intercategorias, como as centrais sindicais que foram fundadas no Brasil às margens da legislação.

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aos interesses da sociedade”, por exemplo, o Estado pode intervir resolvendo à sua maneira o impasse, declarando a greve ilegal e executando os atos de polícia ou anulando o acordo celebrado entre as partes.

O Imposto Sindical corresponde ao desconto de um dia de trabalho por ano, cobrado de todo trabalhador com registro em carteira, sindicalizado ou não. Como diz o nome, é imposto, ou seja, obrigatório, independentemente do trabalho que o Sindicato esteja fazendo ou não. O valor arrecadado é distribuído entre sindicatos (60%), federações (15%) e confederações (5%) de cada categoria profissional, enquanto 20% vão para o governo.

A CLT institui ainda o imposto sindical como forma de financiar os sindicatos. Sustentados pelo imposto sindical, os sindicatos passam a oferecer dentista, barbeiro, farmácia, escolas de datilografia e outros benefícios a seus associados, assumindo, algumas vezes, o papel que caberia ao Estado. Essa estrutura sindical, imposta durante o governo de Getúlio Vargas, perdura no Brasil até os dias de hoje. Em 1945, com a derrubada do Estado Novo, é convocada a Assembléia Constituinte, que muda as leis, mas não muda a CLT. Em 1964, a ditadura intervém em mais de 2000 sindicatos, amparada pela CLT. No final da década de 70, quando o movimento sindical sai para combater o regime militar e buscar os direitos dos trabalhadores, o governo recorre mais uma vez à CLT para cassar e prender dirigentes grevistas, além de intervir nos sindicatos. É na constituição de 1988

1983

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Num cenário de mobilização pela democratização, é fundada a CUT – Central Única dos Trabalhadores. No mesmo ano, foi fundada a Coordenação Nacional das Classes Trabalhadoras, futura CGT, reunindo confederações, federações e sindicatos que defendiam o sindicalismo moderado.

que algumas mudanças mais importantes acontecem, mesmo permanecendo a base determinada pela CLT.

AS CENTRAIS SINDICAIS Desde 1964, quando ocorreu o golpe militar no Brasil, até meados de 1970,

o sindicalismo brasileiro foi violentamente afastado do cenário político. A maioria dos sindicatos combativos esteve sob intervenção, suas lideranças presas, cassadas ou mortas. Nesse período, o movimento se desenvolveu quase na clandestinidade e se expandiram os grupos de trabalhadores nas empresas, realizando um trabalho cotidiano e sistemático ao qual está ligada a expansão do novo sindicalismo. No início dos anos 80, o país passa

1984 a 1989 Grandes manifestações populares por eleições diretas para a presidência da República.

1988 A Assembléia Nacional Constituinte aprova a nova Constituição, que mantém a CLT mas acrescenta algumas modificações no âmbito das leis trabalhistas, direito de greve e organização sindical. Os servidores públicos conquistam o direito de se organizar em sindicatos.


por uma recessão que leva as lutas sindicais a um processo de forte enfrentamento com patrões e governo. Greves, passeatas, mobilizações são a tônica do movimento sindical. A contra ofensiva do capital foi a intervenção nos sindicatos, cassações de seus diretores e aplicação da Lei de Segurança Nacional, levando muitos dirigentes às prisões. O novo contingente de trabalhadores que havia se incorporado ao mercado na década de 70, principalmente nas indústrias, passa a questionar frontalmente os limites da estrutura sindical vigente desde 1943, através da CLT. Buscando um ponto de unidade entre as diversas categorias reunidas nos sindicatos, em 1981 os sindicalistas convocam uma Conferência da Classe Trabalhadora (I CONCLAT), que se propunha a reunir todos os sindicatos, independentemente de sua posição política, e lançar as bases para a criação de uma

central sindical. Divergências entre os sindicalistas impediram que a nova conferência, prevista para 1982, ocorresse. No ano seguinte, diante da ameaça de esse fato se repetir, um grupo de sindicalistas promoveu e fundou a Central

Taxa de sindicalização

Números de greves

Anos 70

Taxa média de sindicalização é de 13% dos assalariados.

Poucas greves. O nível de conflito coletivo é baixo.

Negociação coletiva pouco expressiva: prevalece a cultura do dissídio (solução do conflito através da justiça do trabalho).

Anos 80

A taxa média de sindicalização sobe para 32% dos assalariados.

O número de greves cresce extraordinariamente: em 1989 acontecem quase 4 mil greves no país.

A cultura da negociação coletiva ganha espaço: o número de instrumentos normativos negociados pula de 1.000, nos anos 70, para 40 mil no final da década de 80.

Anos 90

A taxa de sindicalização cai para 21% dos assalariados.

Queda muito significativa do número de greves: de quase 4.000 em 1989 cai para 520, em 1999.

Amplia-se o número de acordos (55 mil ao ano), devido a uma maior descentralização das negociações coletivas (negociação por empresa).

1989 Ocorre a primeira eleição direta para presidente da República após a ditadura militar.

Negociação coletiva

Década de 90 A crise econômica, o aumento do desemprego e o acirramento da competição no local de trabalho (política de remuneração por comissão ou produtividade) provocam um refluxo do movimento. As negociações coletivas, principalmente depois do Plano Real (95), procuram manter os direitos conquistados, agora ameaçados, e pouco avançam. Há um movimento organizado do governo e empresários para flexibilizar e eliminar direitos dos trabalhadores.

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Única dos Trabalhadores (CUT), em 28 de agosto de 1983. Em novembro do mesmo ano, outro setor sindical criou a Coordenação da Classe Trabalhadora (CONCLAT), depois denominada Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT). Enfim, trata-se de um período durante o qual o sindicalismo consolidouse como um ator social importante no cenário nacional, tanto na defesa dos interesses imediatos da classe trabalhadora como na sua participação na luta pela democratização da sociedade brasileira e pela redução das desigualdades sociais. Os indicadores sindicais – tais como a taxa de sindicalização, que passa de 13% para 32% dos assalariados, e o número de greves, que chega a quase 4000 em 1989 – expressam claramente a força política conquistada pelo novo sindicalismo na década de 80. Na década de 90, dado o contexto desfavorável, o sindicalismo encontra maiores dificuldades de ação, expressadas em uma diminuição do número de greves e da taxa de sindicalização, como pode ser observado na tabela abaixo. Ao mesmo tempo, o movimento sindical amplia imensamente a sua agenda no campo da cidadania e das políticas públicas. A CUT é a maior central sindical já organizada na história do Brasil e representa hoje aproximadamente 21 milhões de trabalhadores

de todos os setores econômicos, dos quais sete milhões são sindicalizados, ou seja, 33%. A cultura sindical no Brasil é a do corporativismo, com pouca tradição de atuações intersindicais. A CUT, a Força Sindical (criada em 1991) e a CGT são filiadas à CIOSL (Confederação Internacional de Organiza-

1991

1994

Fundada a central Força Sindical.

Na segunda eleição presidencial pelo voto direto, é eleito o presidente Fernando Henrique Cardoso.

1992

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Grande mobilização popular leva ao impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, por corrupção. Inicia o governo Itamar Franco.


A legislação brasileira não prevê a existência das centrais sindicais. As centrais não têm poder legal de negociação.

ções Sindicais Livres) e à ORIT (Organização Regional Interamericana dos Trabalhadores, sessão da CIOSL no continente americano). Entre as maiores, há ainda duas outras centrais sindicais no Brasil: SDS (Social Democracia Sindical) e a CGT do Brasil. Diferentes concepções sindicais orien-

tam cada uma das centrais sindicais.

A NEGOCIAÇÃO COLETIVA A negociação coletiva também está regulada pela CLT e tem as seguintes características: a) Abrangência da negociação – a CLT determina que a negociação fique restrita ao âmbito de cada categoria (ou por empresa) e limitada à data-base anual (referência para o início e término de um contrato coletivo, que no geral vale por um ano). Se o contrato coletivo não é renovado, os direitos nele previstos deixam de existir. b) Procedimentos para a negociação coletiva – a partir do princípio da database, há uma previsão legal de todos os passos da negociação, que começa com a entrega da pauta de reivindicação 60 dias antes do vencimento da data-base e termina com um acordo dentro desse prazo, ou, caso contrário, com o ajuizamento do dissídio coletivo junto à Justiça do Trabalho. O rito da negociação da Convenção/Acordo Coletivo começa pela entrega de uma pauta de negociações à entidade patronal (sindicato ou federação patronal), ou à empresa

1995 Os petroleiros realizam sua maior greve, que dura 32 dias. A repressão é fortíssima, com tropas do Exército colocadas nas refinarias, demissão de 60 grevistas e R$ 2.100.000 em multas aplicadas. Os Sindicatos tiveram suas contas bloqueadas e bens penhorados.

Ao mesmo tempo são reconhecidas oficialmente, representando os trabalhadores diante dos governos e empresários. Participam de vários fóruns no âmbito federal, estadual e municipal. Por exemplo: o Conselho do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), que faz a gestão do maior fundo de recursos públicos, de forma tripartite entre trabalhadores, empresários e governo, e quem representa os trabalhadores são as centrais sindicais. As centrais têm assento nas Comissões Estaduais e Municipais de Emprego e Renda, entre muitas outras representações em organismos consultivos e deliberativos da esfera pública. Há também uma regular relação com as organizações de representação dos empresários.

Cada sindicato tem uma data base, podendo uma mesma categoria (metalúrgicos, comerciários, por exemplo) ter para cada sindicato uma data base diferente. Isso coloca sérias dificuldades para uma ação unificada dos sindicatos, na medida em que dispersa sua mobilização pela luta por salários, jornada, direitos e benefícios através dos contratos coletivos.

1997 Fundada a central sindical SDS (Social Democracia Sindical).

1998 Fernando Henrique Cardoso é reeleito presidente da República.

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Convenção Coletiva: o sindicato dos trabalhadores (ou a federação, ou a confederação) negocia com a representação sindical patronal. Os direitos assegurados na convenção se aplicam a todos os trabalhadores pertencentes à base do sindicato (ou federação ou confederação) que celebrou o contrato coletivo.

antes do vencimento da data-base. Se houver a negociação e se uma proposta for alcançada, o sindicato deverá submetê-la a uma assembléia dos trabalhadores para aprovação. Se isto ocorrer, a Convenção Coletiva ou o Acordo Coletivo é assinado pelas partes e poderá ser válido por até dois anos, se as partes quiserem.

Acordo coletivo: o sindicato (ou a federação, ou a confederação) negocia e firma um instrumento que será firmado por uma ou mais empresas. Os direitos assegurados na assinatura do acordo se aplicam aos trabalhadores daquela empresa ou empresas.

c) Poder Normativo da Justiça do Trabalho – No caso de a empresa se recusar a negociar, qualquer uma das partes pode solicitar à Justiça do Trabalho a solução do conflito. É o chamado dissídio coletivo, que deve ser aberto junto ao Tribunal Re-

A partir da Constituição de 1988, os tribunais passaram a aplicar pesadas multas sobre os sindicatos, nos casos em que foram mantidas as greves após o julgamento dos dissídios coletivos, sendo julgadas as mesmas abusivas, conseguindo assim quebrar as finanças dos sindicatos. Um dos exemplos mais conhecidos foi a greve dos petroleiros, em 1995. Julgada a greve abusiva, foi aplicada multa de R$ 100 mil por cada novo dia de greve. O sindicato teve suas contas bloqueadas e bens penhorados. Este tipo de penalização provoca um refluxo na mobilização das categorias.

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gional do Trabalho (TRT). Esse tribunal julga o acordo em sentença normativa, que pode ser recorrida na instância superior, o Tribunal Superior do Trabalho (TST). O dissídio também pode ser invocado unilateralmente pela empresa, pelo próprio tribunal ou pela Procuradoria do Trabalho. Isso ocorre geralmente em caso de conflito ou greve e nessas ocasiões o Tribunal julga se a greve é abusiva. Se declarada abusiva, uma das conseqüências é a empresa poder demitir os trabalhadores por justa causa ou afastar dirigentes sindicais que se envolveram no conflito. Ao mesmo tempo, a empresa pode abrir inquérito para apurar se houve falta gra-

2001 2000 O novo milênio surge no mesmo cenário da última década. Há greve nas universidades e poucas em outras categorias.

Realizado o 1º Fórum Social Mundial, em Porto Alegre (Rio Grande do Sul, Brasil), que se propõe a debater alternativas para construir uma globalização solidária, que respeite os direitos humanos universais, bem como os de todos os cidadãos e cidadãs em todas as nações e o meio ambiente, apoiada em sistemas e instituições internacionais democráticos a serviço da justiça social, da igualdade e da soberania dos povos.


ve, o que será analisado por uma das varas da Justiça do Trabalho. No caso em que os sindicatos resolvem manter a greve, mesmo depois de julgada abusiva, os Tribunais Trabalhistas tem adotado o entendimento de aplicar multas aos sindicatos para cada dia de paralisação. Toda essa prática brasileira, que está apoiada na Legislação, contratia a Convenção 98 da Organização Internacional do Trabalho, já que permite a intervenção da Justiça do Trabalho por provocação unilateral. O direito a greve também é restringido pela legislação ou interpretação dos juizes do trabalho. Em função do papel central ocupado pelo poder normativo da Justiça do Trabalho na solução do conflito, ela constitui-se em uma referência para os acordos e convenções coletivas negociadas no âmbito das categorias e empresas, principalmente para as de menor poder de organização e mobilização. d) A negociação mais freqüente é a de sindicatos de trabalhadores com sindicatos patronais que celebram a Convenção Coletiva de Trabalho. As negociações entre sindicato e empresa são em menor número. Existem poucos exemplos de negociações feitas diretamente entre trabalhadores e empresas por intermédio de organizações nos locais de trabalho, pois estas não estão previstas na legislação. Via de regra a negociação coletiva é fragmentada em datas diferentes. Porém, hoje já existem

alguns exemplos de negociações nacionais, como é o caso dos bancários, que negociam sua convenção com a Federação Nacional de Bancos (Fenaban) ou os eletricitários federais, que trabalham em diferentes empresas, porém controladas pelo governo federal. e) Os servidores públicos, apesar de terem conquistado o direito da organização sindical na Constituição de 1988, não conseguiram assegurar o direito à negociação coletiva. Muitas categorias dos servidores fizeram grandes movimentos reivindicatórios (greve), inclusive com conquistas importantes na década de 80. Mas como não há uma institucionalização do sistema de negociação, ela só ocorre em momentos em que os servidores conseguem realizar greve (para abrir as negociações) ou pela concepção ou vontade política do governante. Por exemplo, há oito anos que os servidores públicos federais estão sem reajuste salarial, mesmo tendo realizado várias greves.

O FINANCIAMENTO DOS SINDICATOS As principais fontes de financiamento das entidades sindicais no Brasil são: l Contribuição compulsória - o chamado Imposto Sindical – que é um

2002 Realizado o 2º Fórum Social Mundial, em Porto Alegre (Rio Grande do Sul, Brasil), com 4.909 organizações sindicais e não governamentais (ONGs) inscritas, representando 123 países.

2003 Realização do 3º Fórum Social Mundial em Porto Alegre (Rio Grande do Sul, Brasil).

Do ponto de vista da organização e da negociação sindical, no Brasil se tem numa mesma empresa vários sindicatos representando os trabalhadores. Isso porque, numa empresa de metalurgia, por exemplo, há motoristas representados pelo sindicato dos motoristas, secretárias representadas pelo sindicato das secretárias, administradores pelo sindicato dos administradores, técnicos em mecânica pelo sindicato da categoria, e assim por diante. Neste caso, as negociações geralmente são conduzidas pelo sindicato majoritário (que representa maior número de empregados dentro da empresa), e os demais acompanham. Há ainda a possibilidade de acordos separados para categorias específicas dentro da empresa. Na década de 90, há uma inflexão nas negociações coletivas e na ampliação de direitos, especialmente após 1995 (Plano Real). Para o movimento sindical a questão central é manter os direitos conquistados e evitar um processo de flexibilização predatória do trabalho. Com a reestruturação, a crise econômica e o desemprego, novos temas foram introduzidos na mesa de negociação, principalmente por iniciativa dos empresários, ou induzidos por políticas governamentais. Neste contexto adverso, prevaleceu uma atitude defensiva dos sindicatos, de resistir à retirada de direitos e/ou de defesa do emprego. Os empresários buscam a redução de custos, através da desregulamentação de direitos; tentam retirar cláusulas que garantam estabilidade provisória no emprego; buscam flexibilizar a remuneração, a partir da negociação da PLR (Participação nos Lucros e Resultados); e flexibilizar a jornada, através do banco de horas. Apesar desta lógica, muitas entidades conseguiram resistir mantendo, basicamente, as cláusulas conquistadas nos anos precedentes.

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desconto direto da folha de pagamento no valor equivalente a um dia de trabalho por ano. Sua existência é uma das razões que explica o alto número de sindicatos no Brasil. Hoje, segundo o Ministério do Trabalho, são cerca de 15 mil sindicatos, inclusive os patronais. Em média, são criados aproximadamente 500 sindicatos por ano. l Mensalidade – é uma contribuição mensal do associado. O valor geralmente é instituído em assembléia e corresponde a uma percentagem do salário do trabalhador. É uma contribuição voluntária. l Taxa Assistencial – é um valor estipulado no processo de negociação coletiva das entidades sindicais. É definido pela própria categoria, em assembléia. A taxa assistencial foi criada com a finalidade de manter as atividades sociais do sindicato em um período em que este não podia exercer a sua verdadeira função. Atualmente, muitos sindicatos estão convertendo, na prática, em uma taxa negocial, para financiar a campanha salarial, as mobilizações sindicais ou incrementar o patrimônio da entidade sindical.

l Taxa Confederativa – é uma taxa criada na Constituição de 88, que deveria substituir o imposto sindical, para a manutenção do sistema confederativo. A diferença é de que o seu valor e o destino dos recursos arrecadados são definidos em assembléia dos trabalhadores.

OS NÚMEROS DE SINDICATOS O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), órgão oficial do governo brasileiro, está realizou em 2002, um Censo Sindical com os números dos sindicatos, trabalhadores filiados, trabalhadores na base e filiação desses sindicatos às centrais. Os dados apontam que, dos sindicatos de trabalhadores filiados a centrais sindicais existentes no País, 66% são cutistas, 19% estão na Força Sindical, 7% na SDS (Social Democracia Sindical), 6% na CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores) e 2% na CAT (Central Autônoma de Trabalhadores).

FILIAÇÃO DOS SINDICATOS ÀS CENTRAIS

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Presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva, com o presidente da CUT Luiz Marinho, durante as comemorações dos 20 anos da CUT De 1991 a 2001, o número de sindicatos passou de 11.193 para 15.963 (um aumento de 43%). A grande maioria é de sindicato de trabalhadores (11.354). A filiação de sindicatos às centrais sindicais também aumentou, de 30% para 38% (4.315 sindicatos). Desses, 2.847 (66%) estão filiados à CUT. Segundo o último levantamento do Cadastro Nacional da CUT, de 30 de setembro de 2002, já estavam filiados à Central 3.138 entidades sindicais (291 a mais), representando 21.512.094 trabalhadores, dos quais, 7.119.641 associados (33%).

A (FALTA DE) ORGANIZAÇÃO NO LOCAL DE TRABALHO Ao mesmo tempo que estabelece como os sindicatos devem existir, a legislação brasileira não favorece o surgimento da organização dos trabalhadores no local de trabalho. A CLT e mesmo a Constituição de 1988, em seu

artigo 11, prevêem a figura do representante sindical, nas empresas com mais de 200 trabalhadores, mas que não foi regulamentado em lei. Ou seja, a lei brasileira não prevê a existência de Comissão de Fábrica ou comissão por empresa, da forma como existem em muitos países europeus.

DIREITO A INFORMAÇÃO: O modelo de negociação trabalhista não prevê o direito ao acesso às informações sobre a empresa. Desse modo, a legislação considera normal que os sindicatos entrem nas negociações sem informações. É evidente que as direções sindicais montam estratégias específicas para consegui-las, muitas vezes sem sucesso. A empresa também não tem nenhuma obrigação de informar antecipadamente os trabalhadores e os sindicatos sobre: processo de reestruturação produtiva, demissões em massa, fecha-

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A legislação brasileira prevê a eleição anual de uma Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), composta 50% por empregados indicados pela empresa e 50% por empregados eleitos pelos trabalhadores, em eleições geralmente controladas pela empresa. Isso facilita para que esta comissão seja controlada pelo empregador, o que implica em os sindicatos ficarem fora da ação da CIPA. Infelizmente, o tema saúde e segurança ainda não adquiriu a importância necessária no Brasil, o que colabora para fazer do país um dos campeões mundiais em acidentes do trabalho e doenças profissionais.

A instituição do pagamento da PLR flexibiliza a remuneração quando:

● determina que o valor da remuneração, em PLR, não incida sobre os encargos trabalhistas e não seja incorporada ao salário; ● define uma periodi cidade mínima de 06 meses na distribuição de benefícios de PLR; ● focaliza a negociação na empresa; ● abre a possibilidade da remuneração variável; ● retira o foco da mobilização por salário real/produtividade; ● introduz os temas da agenda da empresa na negociação.

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mento de unidades. A ação da empresa é considerada de caráter privado, não se exigindo dela nenhum tipo de obrigação no que tange as informações que atingem os trabalhadores. É comum também os dirigentes sindicais não terem acesso aos locais de trabalho de determinadas empresas, ou necessitar de licença prévia da direção para realizar reuniões e, até mesmo, distribuir boletins sindicais, por exemplo. Assim, os dirigentes sindicais que têm o tempo integral dedicado ao sindicato muitas vezes têm sérias dificuldades de estabelecer contato com os trabalhadores. Existem casos de empresas que dispensam os dirigentes de suas atividades, com pagamento dos salários, proibindo-os de acessar o local de trabalho. Enquanto isso, dentro da empresa não há uma estrutura formal de organização e de ligação com o sindicato, para o repasse de informações ou

mesmo para negociações localizadas. O que existe são algumas comissões específicas, em geral totalmente desconectadas do sindicato. Uma delas é a CIPA. Mais recentemente, surgiram outras comissões, como a de negociação da PLR (Participação nos Lucros e Resultados), instituída no ano de 2000. Essa comissão pode ser constituída dentro das empresas, sem a participação dos sindicatos. Provocou grande reação ao ser criada, pois surgiu como uma forma de fragilizar ainda mais a atual organização sindical, fortalecendo um tipo de sindicalismo por empresa. Além disso, o pagamento da PLR é uma forma de flexibilizar os salários. Outro exemplo foi a instituição das comissões de banco de horas que, pela ação dos sindicatos, foi estabelecida com maiores garantias de sua participação.


A MARCHA DA DESREGULAMENTAÇÃO A última década tem sido marcada pela flexibilização das relações e do mercado de trabalho. O amplo processo de desregulamentação do mercado de trabalho brasileiro ocorre a partir de uma série de projetos de lei que buscam a flexibilização das condições de uso da força de trabalho; da remuneração; e na estrutura sindical e Justiça do Trabalho. Entre as modificações da Justiça do Trabalho, um exemplo é a instituição das comissões de conciliação prévia, que conferem aos atores o poder de conciliar problemas e direitos, sob a argumentação de diminuir o número de ações nos Tribunais do Trabalho, mas que, dependendo de como for operada, podem funcionar como um obstáculo ao acesso pleno ao Judiciário. Outro debate que ocupa espaço no Congresso Nacional são as mudanças na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) para substituir o legislado pelo negociado. Com a aprovação dessa Lei, a CLT, o patamar mínimo de direitos do trabalhador passa a ser passível de negociação e modificação através de contratos coletivos. Assim, férias, horas extras, 13º salário, licença maternidade, descanso semanal remunerado e adicional noturno, entre outros,

podem ser flexibilizadas nos processos de negociação. Esses elementos estão inseridos em um contexto maior, marcado pela estagnação econômica da última década e crescimento do desemprego. Também é grave o alto número de trabalhadores sem direitos sociais, que não têm carteira de trabalho assinada, ou seja, encontram-se no mercado de trabalho através de uma relação informal e ilegal. Hoje são mais da metade daqueles que trabalham que não têm direito ao 13º salário, às férias remuneradas, proteção contra acidente, outros direitos e benefícios sociais, e muitas vezes, sem re-

Dois exemplos: No início do governo Fernando Henrique Cardoso, a Lei 9.601 criou a contratação por tempo determinado, por um período de até 24 meses, prevendo inclusive uma redução no preço das horas extraordinárias realizadas sob vigência de contrato de trabalho por tempo determinado. A mesma lei cria o banco de horas, que flexibiliza a jornada de trabalho permitindo, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, que o excesso de horas de um dia seja compensado pela correspondente diminuição em outro dia de trabalho. Outro exemplo refere-se a flexibilização da remuneração através da criação da PLR (Participação nos Lucros e Resultados), um tipo de remuneração variável sem que os valores pagos incidam sobre as contribuições e direitos trabalhistas.

presentação sindical. Os desafios colocados para os trabalhadores são muitos. Uma nova agenda foi implantada a partir de janeiro de 2003 pelo novo governo – Federal e Estaduais – com nova composição no Congresso Nacional, colocando oportunidades para os trabalhadores e seus representantes atuarem na busca de avanços nos direitos sócio-trabalhistas, na organização e estrutura sindical e no sistema de relações de trabalho.

Empresas e sindicatos podem instituir comissões com representantes de empregados e empregadores para tentar resolver conflitos individuais do trabalho. Cada comissão será composta por no mínimo dois e, no máximo, dez representantes, sendo a metade indicada pelo empregador e a outra metade eleita pelos empregados, escolha a ser fiscalizada pelo sindicato representante da categoria de trabalhadores em questão. Apesar de não serem obrigatórias nas empresas, uma vez instituídas, as comissões de conciliação devem ser utilizadas pelos trabalhadores antes de recorrer à Justiça.

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Diálogo e consenso OS SINDICATOS E AS RELAÇÕES DE TRABALHO NA HOLANDA

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O movimento sindical holandês ocupa uma posição influente na sociedade. A multissecular luta contra a água criou na Holanda uma cultura especial de cooperação e busca de soluções pragmáticas, que exerce uma influência duradoura também nas relações de trabalho. A pequena Holanda é sede de numerosos grupos multinacionais. O que essas empresas fazem no resto do mundo não é decidido apenas pela direção local das filiais, pelos trabalhadores ou pelos órgãos estatais, mas também pela presidência, pelos governos, sindicatos e consumidores no país da matriz. A central sindical FNV percebe como tarefa de sua competência o acompanhamento crítico das estratégias internacionais desses grupos holandeses. A compreensão da política dessas empresas contribui para uma melhoria das estratégias sindicais. Inversamente, o conhecimento dos métodos de trabalho, da origem e da base do movimento sindical holandês contribui para uma melhor cooperação internacional entre sindicatos e empregadores. Com 1,2 milhão de membros, a FNV é a maior central sindical da Holanda. Já a Central Sindical Cristã (CNV) conta com 360 mil membros. Além disso, existe ainda uma central dos funcionários dos escalões médio e superior (MHP), que tem aproximadamente 150 mil membros. Ao todo estão sindicalizados 1,9 milhão de trabalhadores em uma população de 16 milhões de habitantes, dos quais 7,5 milhões trabalham.

AS EMPRESAS MULTINACIONAIS E A COOPERAÇÃO SINDICAL INTERNACIONAL A solidariedade internacional sempre ocupou um lugar de destaque no movimento sindical holandês. A internacionalização vertiginosa da economia nas últimas décadas aumentou consideravelmente o significado da cooperação dos trabalhadores além das fronteiras. A prática mostrou que os sindicatos têm dificuldade em acompanhar o ritmo das empresas multinacionais. As direções dessas empresas são muito mais internacionalizadas do que os representantes dos trabalhadores nas respectivas filiais. Enquanto as empresas trocam de país e sabem instrumentalizar a concorrência entre os países para os seus fins, a primeira tarefa dos sindicatos sempre consiste em representar a sua base nacional, o que pode ocorrer parcialmente às custas dos colegas em outros países. Como as decisões de política econômica são tomadas cada vez mais no plano da União Européia, os sindicatos holandeses empenham-se intensamente pelo fortalecimento da cooperação européia. A FNV é sócia ativa da Confederação Européia dos Sindicatos e muitos sindicatos holandeses estão filiados a uma central européia da sua categoria. Sindicalistas da FNV viajam regularmente a Bruxelas, capital da União Européia, para discutir sobre assuntos europeus em numerosas comissões e grêmios. Em Bruxelas a FNV também dispõe de um escritório próprio para fazer lobby. Além disso, a


Numerosas empresas multinacionais tĂŞm suas bases na Holanda. Trabalhador da Philips

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O POLDER COMO MODELO DO ÊXITO ECONÔMICO Nos anos 90 o sistema holandês das relações de trabalho ficou conhecido internacionalmente sob o conceito de polder. O polder é um pedaço de terra que foi tomado ao mar mediante a construção de diques e o subseqüente bombeamento da água. Ele simboliza a luta constante dos holandeses contra a água, que força os adversários políticos e sociais à cooperação na defesa contra a ameaça comum. Nos círculos financeiros e econômicos internacionais, o modelo do polder foi elogiado sobretudo em virtude da disposição dos sindicatos holandeses para a reivindicação de salários moderados. Durante muitos anos, reivindicações de majorações salariais de apenas 1% foram a regra. Em contrapartida, os patrões fizeram numerosas promessas, como por exemplo jornadas menores de traba-

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lho, proteção contra as demissões, regulamentações de aposentadorias e férias ou assistência a crianças em creches. Wim Kok, durante muitos anos primeiro-ministro pelo partido social-democrata, lançara nos anos 80, na condição de líder sindical, as bases do modelo do polder: crescimento econômico contínuo e baixo índice de desemprego por meio de salários relativamente baixos e da preservação da competitividade internacional. A força do modelo residiu justamente no fato de essa estratégia ser sustentada também pelos social-democratas e sindicatos. Porém, nos tempos mais recentes, os sindicatos estão cada vez menos dispostos à continuação dessa política salarial moderada, pois os dirigentes das empresas holandesas se outorgaram enormes aumentos de renda e pacotes de opções vantajosas.


Normalmente os conflitos se resolvem por meio de diálogo. Operadora de caixa na Albert Heijn

FNV intensificou nos últimos anos a cooperação com os sindicatos não europeus. Assim, ela mantém estreitas relações de cooperação com centrais sindicais da Coréia do Sul, da África do Sul e do Brasil. No âmbito de projetos a FNV cultiva relações com sindicatos de outros países. Parcialmente financiado por recursos disponibilizados pelo orçamento governamental para a cooperação em prol do desenvolvimento, um departamento específico da FNV, a FNV Mondiaal, concentra-se no fortalecimento dos sindicatos e na melhoria da situação dos trabalhadores nos países em desenvolvimento e na Europa Oriental. No âmbito do projeto Company Monitor são realizados estudos sobre as atividades de empresas multinacionais (holandesas) no Hemisfério Sul. A FNV Mondiaal participa também da discussão atual sobre a responsabilidade social das empresas na Holanda. A FNV considera tarefa sua o acompanhamento da política das empresas multinacionais holandesas nos países em desenvolvimento. Essas empresas

devem observar pelo menos as normas trabalhistas fundamentais estabelecidas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), bem como as Diretrizes para Empresas Multinacionais elaboradas pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em muitos casos não basta observar as leis do respectivo país. Cada empresa deveria elaborar um código de conduta que descrevesse concretamente o que é e o que não é permitido, admitindo o controle por instâncias independentes. As normas desse código não deveriam valer apenas para as filiais da empresa, mas também para a cadeia de fornecedores e subfornecedores.

OS TRÊS PILARES DA SOCIEDADE DO CONSENSO NA HOLANDA A FNV nasceu em 1982 a partir de uma fusão da central sindical social-de-

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mocrata NVV e da central sindical católica NKV. Desde o séc. XIX a sociedade holandesa se dividia em três grandes grupos, os assim chamados pilares: o pilar católico, o protestante e o socialdemocrata. Esses pilares dispunham de partidos políticos próprios, de entidades patronais e sindicatos de trabalhadores, de estações de rádio e televisão, de cooperativas habitacionais e de organizações de desenvolvimento. A sociedade não se dividia apenas horizontalmente em classes, mas também verticalmente. O poder político era dividido por meio de negociações e compromissos entre esses pilares. Nunca houve um forte movimento comunista na Holanda – exceto durante a Segunda Guerra Mundial, quando os comunistas conseguiram organizar uma greve contra a ocupação alemã. No fim dos anos 60 esses pilares começaram a dissolver-se paulatinamente, por causa da perda progres-

siva da influência das igrejas. Em meio à individualização crescente, as velhas linhas de demarcação desapareceram e as centrais sindicais decidiram juntar suas forças. Embora a central dos sindicatos protestantes CNV tenha decidido na última hora contra uma fusão com a central sindical católica NKV e a central sindical social-democrata NVV, a cooperação com a nova central sindical FNV funciona muito bem na política cotidiana. As federações patronais VNO e a federação patronal cristã NCW também se associaram na VNO-NCW. Só a federação das pequenas e médias empresas (MKB) preservou a sua independência. Os pilares desapareceram, mas a cultura conexa do consenso permaneceu intacta. Hoje, como no passado, os conflitos entre patrões e empregados são solucionados majoritariamente por meio de negociações. Os sindicatos e as federações patronais da Holanda se

Fusão do Sindicato Industrial, Sind. Comerciários, Sind. Transporte e Sind. Alimentação Sindicato de Funcionários Sindicato da Construção Civil Sindicato dos Professores Sindicato dos Trabalhadores em Arte e Informação Sindicato dos Hotéis, Bares e Restaurantes Sindicatos dos Militares Sindicato dos Policiais Sindicato dos Cabeleireiros Sindicato dos Jornalistas

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Sindicato dos Transportes Marítimos Sindicatos dos Jogadores de Futebol Profissionais


reúnem regularmente para discutir não apenas no nível dos respectivos setores as condições concretas de trabalho, mas também as linhas mestras da política econômica e social do governo. Assim, os dois conceitos-chave das relações de trabalho na Holanda são o consenso e o diálogo.

A REPRESENTAÇÃO INSTITUCIONALIZADA DE INTERESSES A cooperação entre patrões, sindicatos e o governo está institucionalizada de múltiplas maneiras. O Conselho Sócio-Econômico (SER), no qual estão representados tanto os sindicatos e as entidades patronais quanto peritos nomeados pelo Estado, funciona como influente grêmio consultor junto ao governo, formulando recomendações acerca das linhas mestras da política econômica e social. Além disso, existem ainda muitos outros grêmios. No âmbito do SER os parceiros sociais apresentaram ao governo em 2002 uma recomendação unânime para o redimensionamento da Lei sobre a Pensão por Invalidez (WAO), que regulamenta os benefícios e as instituições da Previdência Social para trabalhadores que não podem mais trabalhar por motivo de doença, acidente ou outras razões. Essa lei beneficia quase um milhão de pessoas. Devido a esse elevado número de pessoas incapazes de ganhar o seu sustento, o sistema começou a ser pressionado por vários lados. O governo não tem obrigação de seguir as recomendações do SER, o que nesse caso excepcionalmente também não ocorreu, mas ele

precisa fundamentar a sua decisão de não aceitar a recomendação. Um outro grêmio importante é a ”Fundação do Trabalho”, criada em 1945 pela FNV, CNV e MHP, juntamente com as federações patronais VNO-NCW e MKB. Aqui os parceiros sociais discutem periodicamente as relações de trabalho na Holanda. Os sindicatos exercem também uma influência importante nos conselhos fiscais dos fundos de pensão da Holanda, onde estão representados juntamente com os patrões. A competência para essas tarefas abrangentes é das federações FNV e CNV, ao passo que os sindicatos individuais se concentram na negociação das condições de trabalho nas empresas e nos diferentes setores da economia. Mas a FNV também se dedica a outros temas políticos como o meio ambiente, o sistema de saúde ou a discriminação. Engaja-se pelos desempregados, exercendo pressão política para manter o seguro-desemprego num nível defensável, defende cursos de reciclagem profissional ou se empenha por medidas de apoio na procura de um novo emprego. Na sua resistência às medidas de austeridade tomadas pelos diferentes governos holandeses desde o início dos anos 80, o movimento sindical também amargou derrotas. Benefícios previdenciários importantes como o seguro-desemprego, a pensão por invalidez e a aposentadoria por idade (AOW) sofreram em parte cortes consideráveis.

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Os sindicatos estão cada vez menos dispostos a continuar com a redução da política salarial. FNV Aliados se mobilizando para uma greve

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GREVES APENAS EM CASOS EXCEPCIONAIS Nas empresas e no nível dos setores da economia as negociações concretas são conduzidas pelos sindicatos. A FNV é formada por 14 sindicatos individuais; o CNV, por 11 sindicatos. Mesmo havendo opiniões parcialmente divergentes entre os sindicatos dessas duas centrais, eles freqüentemente cooperam na prática e empenham-se por uma estratégia conjunta. Todos os sindicatos estão organizados por setores. O maior sindicato individual da Holanda é o FNV Bondgenoten com 495.000 membros, surgido no final dos anos 90 depois de uma fusão das quatro organizações de trabalhadores Industriebond (industriários), Dienstenbond (prestadores de serviços), Vervoersbond (transportadores) e Voedingsbond (gêneros alimentícios). Juntamente com o

sindicato dos funcionários públicos ABVAKABO, filiado à FNV e com 360.000 membros, esses dois grandes sindicatos respondem por mais de 70% dos membros da FNV. Diversos sindicatos filiados à FNV organizam também os trabalhadores autônomos; jogadores profissionais de futebol e outros esportistas profissionais associaram-se à FNV-Sport. Outros sindicatos da FNV representam os jornalistas, os barbeiros e cabeleireiros, os artistas, os trabalhadores da indústria gráfica, os artesãos e outros prestadores autônomos de serviços que não empregam funcionários. Em cada sindicato há funcionários responsáveis por uma determinada empresa ou por um determinado ramo de atividade. Eles mantêm os contatos com as lideranças nas empresas e conduzem também as negociações coletivas. Grandes empresas freqüentemente negociam por conta própria com o sindicato e celebram depois uma convenção coletiva por empresa, mas as companhias menores se fazem representar muitas vezes pela sua entidade patronal, que celebra com o sindicato uma convenção coletiva válida para todos os trabalhadores, na qual são definidos acordos sobre salários e condições de trabalho válidos para todo o setor. A convenção coletiva contém uma declaração do Estado referente à sua vigência universal, isto é, tem validade para todas as empresas e todos os trabalhadores do respectivo setor. Também os trabalhadores que não estão filiados a um sindicato se beneficiam, assim, dos acordos celebrados entre patrões e empregados. Às vezes as negociações das convenções coletivas se estendem por muitos me-


ses, e então os sindicatos enfatizam as suas reivindicações também com interrupções do trabalho. O direito de greve não está regulamentado por lei na Holanda, mas é reconhecido de fato pela jurisprudência. Os sindicatos holandeses vêem a greve somente como uma última arma, à qual não recorrem com freqüência. Na maioria dos casos, os conflitos são solucionados por meio do diálogo. Ao lado da Suíça e da Áustria, a Holanda é o país com menos greves na Europa.

A FNV COMO PRESTADORA DE SERVIÇOS As grandes linhas das negociações coletivas, a princípio realizadas anualmente, são definidas em conjunto pela FNV e pelos sindicatos a ela filiados. Aqui se busca ao menos uma compensação do índice inflacionário, pois o poder aquisitivo dos trabalhadores não deve cair. Mas os sindicatos também cuidam para que os salários não subam demais, para não pôr em risco nenhum emprego. Por fim, a configuração concreta da convenção coletiva é negociada pelos sindicatos. Uma convenção coletiva pode abranger algumas deze-

nas de páginas, pois não define apenas a renda, mas também a duração da jornada de trabalho, os adicionais pelas horas extras, as regulamentações das férias, das pensões e das contribuições do empregador para a formação do patrimônio do assalariado, as medidas de capacitação (formação profissionalizante e reciclagem), as medidas de proteção a minorias étnicas, bem como a instituições e empregos especiais para deficientes e contra o assédio sexual no local de trabalho. O crescente desejo dos próprios trabalhadores de negociar por conta própria acordos individuais com os patrões resultou em discussões internas no movimento sindical sobre a função das convenções coletivas. As dos últimos anos oferecem margens mais amplas para regulamentações em empresas individuais e acordos especiais entre trabalhadores individuais e seus patrões. A FNV não defende apenas os interesses comuns dos trabalhadores, mas oferece aos seus membros numerosos serviços. O ”Ledenservice” (serviço para os membros) informa sobre questões de Direito Trabalhista e seguridade social. Alguns sindicatos oferecem um pacote muito abrangente de serviços, outros limitam sua oferta. Em caso de necessidade, oferecem também apoio jurídico.

Resistência contra as medidas econômicas. Manifestação do sindicato de funcionários

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Voluntários especialmente treinados apóiam anualmente os membros no preenchimento da declaração do imposto de renda. Um outro posto de serviços apóia trabalhadores ameaçados por doenças profissionais. Assim, pedidos de indenização, entre outros pleitos, são encaminhados às empresas que não tomaram medidas suficientes de proteção dos seus trabalhadores contra riscos para a saúde.

CO-GESTÃO NA EMPRESA

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Na Holanda existe um sistema relativamente abrangente de co-gestão por meio de comissões de trabalhadores (Ondernemingsraden). Normalmente, devem ser organizadas a cada três anos eleições de membros dessa comissão em todas as empresas com mais de cinqüenta empregados. Como na Alemanha, os membros das comissões de trabalhadores na Holanda também têm direito a informação, consulta e cogestão. A empresa deve informá-los e consultá-los em tempo hábil sobre seus projetos importantes. No caso de aquisições, fusões, reestruturações, introdução de novas tecnologias ou investimentos de maior porte, a empresa deve informar por escrito à comissão de trabalhadores sobre a extensão e abrangência da medida e solicitar o seu posicionamento. Concede-se à comissão um determinado prazo para que ela possa analisar, se necessário com ajuda de consultores externos pagos pela empresa, o plano proposto, e formular alternativas possíveis. A empresa deve examinar essas alternativas pormenorizadamente e dar uma resposta fundamentada. A empresa necessita da anuência da comissão em todas as questões atinentes à regulamentação da jornada de trabalho e das férias, ao pa-

gamento de salários e ordenados, a demissões e reclassificações de trabalhadores, a sistemas internos de aposentadorias ou de participação nos lucros, à formação profissionalizante e qualificação, a queixas e dados referidos a pessoas. Subcomissões especiais ocupam-se, para citar um exemplo, de questões referentes à proteção do trabalho e da saúde. Ao lado das comissões de trabalhadores, há também nas filiais das grandes empresas as comissões de grupos (por unidade comercial) bem como uma comissão central para toda a holding. Na comissão de trabalhadores estão representados tanto os membros do sindicato quanto os trabalhadores não sindicalizados. Cada trabalhador pode candidatar-se para a função. Pode acontecer que mesmo membros sindicalizados da comissão adotem uma política que não coincide incondicionalmente com as posições do sindicato. Isso tem a ver com o caráter da comissão, que não deve representar apenas os interesses dos trabalhadores, mas considerar também os da empresa. No plano europeu a co-gestão ainda está engatinhando. Os Conselhos de Empresa Europeus, cuja criação tornou-se possível desde 1994 graças a uma diretiva da União Européia, gozam apenas de direito a informação e consulta, mas não têm possibilidades genuínas de co-gestão. Enfrentam dificuldades visivelmente maiores na sua organização do que a direção das empresas multinacionais. Muitas vezes aparecem problemas lingüísticos, embora as reuniões quase sempre contem com a presença de intérpretes. Um papel importante cabe, porém, aos contatos extraoficiais, nos quais a comunicação costuma ser um problema. Isso não vale apenas para os representantes dos países da Europa Meridional, mas também para os alemães e franceses, que nem sempre dominam bem o inglês. Além


disso há grandes diferenças nas culturas de co-gestão dos diferentes Estadosmembros da União Européia. Na Holanda a co-gestão e o movimento sindical se manifestam em duas estruturas distintas que funcionam em relativa harmonia e se sobrepõem parcialmente (os membros dos Conselhos de Empresa Europeus freqüentemente são também membros dos sindicatos). Na França e na Grã-Bretanha os grêmios de co-gestão quase sempre têm membros que são funcionários dos sindicatos, perseguem objetivos políticos e muitas vezes assumem uma posição mais radical diante da empresa. Sindicalistas e trabalhadores de outros países nem sempre compreendem a forma de tratamento entre representantes dos trabalhadores e a direção da em-

presa. Os membros das comissões de trabalhadores (e os funcionários sindicais) tratam informalmente o diretor e às vezes tomam com ele um copo de cerveja no bar. Seus colegas de outros países europeus percebem isso regularmente como indício de colaboração. Mas isso não significa de modo algum que os holandeses sejam menos engajados na defesa dos interesses dos trabalhadores. O seu estilo direto e pragmático também produz de vez em quando reações de estranhamento. Enquanto alguns oradores fazem longas introduções ou críticas apenas veladas, os holandeses chegam rapidamente ao ponto. Dizem abertamente o que querem e o que não lhes agrada, e isso pode afrontar seus interlocutores de outros países.

Muitas vezes as grandes empresas negociam diretamente com os sindicatos. Trabalhadores na montagem de uma central elétrica

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O adeus ao “modelo alemão” AS RELAÇÕES DE TRABALHO NA ALEMANHA ENTRE A REUNIFICAÇÃO E A GLOBALIZAÇÃO Sindicalistas brasileiros freqüentemente se irritam quando seus colegas alemães chegam ao Brasil na companhia de delegações do Conselho Fiscal de multinacionais alemãs e pernoitam no mesmo hotel dos patrões. Há quem pense que as relações entre sindicalistas e patrões são excessivamente boas. De fato, as relações de trabalho na Alemanha são complexas, mas não se caracterizam apenas pela cooperação. São marcadas por uma história de cento e cinqüenta anos de lutas sindicais e pelo trauma do desmantelamento dos sindicatos livres durante o regime fascista de Adolf Hitler.

TRÊS ATORES NO MODELO ALEMÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO

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Depois da Segunda Guerra Mundial foi promovida em 1945 uma reestruturação das relações de trabalho na República Federal da Alemanha. Sem uma sobrecarga de compromissos político-partidários, surgiram três atores coletivos das relações industriais na Alemanha Ocidental: os sindicatos, as entidades patronais e federações do setor privado, e o Estado. Eles decidem sobre os salários e as condições de trabalho. No

plano da política econômica, a representação fica a cargo das federações do setor privado, bem como das Câmaras de Indústria e Comércio e das Câmaras de Artes e Ofícios. O Estado define as condições gerais econômicas e jurídicas. No serviço público o próprio Estado também entra em cena, como patrão, nas negociações coletivas. Nas últimas décadas a cooperação entre os sindicatos e as entidades patronais se caracterizou genericamente por uma certa relação de parceria, com baixa intensidade de conflitos. Por isso se fala freqüentemente de “parceria social“, embora nem todos os sindicatos apreciem igualmente esse conceito. Depois da divisão da Alemanha a partir de 1949, os sindicatos e as entidades patronais conseguiram combinar na parte ocidental da Alemanha o êxito econômico com elementos de Estado de Bem-Estar. Regulamentado por muitas leis, esse arranjo estável do pós-guerra foi muitas vezes denominado ”modelo alemão”. Depois da unificação das duas Alemanhas, transformações maciças conduzem a partir de 1991 a uma erosão progressiva ao ”modelo alemão”, estabelecido no pós-guerra com base num amplo consenso. Enquanto os elevados índices de desemprego continuam sendo um problema não solucionado, os sindicatos se preocupam sobretudo com a redução de empregos na indústria, onde tradicionalmente estão melhor organizados. Só em parte eles conseguiram – paralelamente ao crescimento do setor de serviços – atrair também as mulheres, os adolescentes e funcionários administrativos como novos membros, de modo que a taxa de sindicalização está caindo, se examinarmos o quadro geral. Hoje apenas um em


Extinção nas indústrias de postos de trabalho tradicionais. Metalúrgico da ThyssenKrupp

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Em pequenas e médias empresas os sindicatos encontram dificuldades. Companheiro eletricitário

cada cinco assalariados alemães é membro de algum sindicato vinculado à Confederação dos Sindicatos Alemães (DGB). Os patrões se beneficiam dessa tendência para restringir a margem de manobra dos sindicatos e definir a pauta de negociação. O slogan ”globalização” freqüentemente é ligado com a exigência da redução dos padrões. Sobretudo na Alemanha Oriental, economicamente mais fraca, as regras do jogo são reformuladas, normalmente, às custas dos trabalhadores.

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OS REPRESENTANTES DO CAPITAL - AS ENTIDADES PATRONAIS E AS FEDERAÇÕES DA INDÚSTRIA E DO COMÉRCIO A estrutura organizacional das entidades patronais apresenta paralelos com a dos sindicatos. À semelhança da DGB,

a Confederação Nacional das Entidades Patronais da Alemanha (BDA) é uma organização de cúpula. Por conseguinte, seus membros diretos não são as empresas, mas as federações setoriais de abrangência regional e nacional. Ao todo, mais de 1.000 organizações estão ligadas direta e indiretamente à BDA. Esta não negocia nenhum contrato coletivo de trabalho, mas presta consultoria às federações setoriais e coordena o seu trabalho. Na prática, a BDA se restringe à formulação de diretrizes para a política salarial e para as convenções coletivas. Ela se concebe como porta-voz do empresariado alemão. Surge assim uma grande multiplicidade de setores, que resulta em problemas de integração devido aos interesses divergentes dos setores. A BDA é dominada pelo setor da indústria química e metalúrgica. A Federação das Entidades Patronais do Setor Metalúrgico (conhecida como Gesamtmetall) é a central que congrega 15 entidades patronais regionais do setor metalúrgico alemão. Representa aproximadamente 6.800 empresas com 2,2 milhões de trabalhadores. A Federação


da Indústria Química (VCI) representa cerca de 1.500 empresas com quase meio milhão de trabalhadores. Além disso, as entidades do setor privado e as Câmaras de Indústria e Comércio também têm vez e voz na configuração das relações industriais. A organização mais importante das entidades empresariais é a Confederação da Indústria Alemã (BDI), que representa 35 federações do setor industrial, cujos sócios são 80.000 empresas privadas que empregam onze milhões de trabalhadores (números arredondados). Diferentemente da BDA, a BDI reconhece a sua missão na defesa genérica dos interesses das empresas a ela filiadas. Uma exigência central da BDI é a redução ou o congelamento dos salários e dos encargos sociais (sobretudo as contribuições à Previdência Social). A representante dos setores de artes e ofícios é a Federação Central de Artes e Ofícios da Alemanha (ZDH), que integra tanto as 55 Câmaras de Artes e Ofícios (entidades de direito público) quanto as 46 federações centrais dos setores de artes e ofícios. As 82 Câmaras de Indústria e Comércio (IHK) representam os interesses desses setores diante das autoridades municipais, regionais e estaduais. São responsáveis pela atuação no campo da política econômica ou das políticas ligadas ao setor de artes e ofícios. Na formação profissionalizante, elas são a instância que supervisiona os cursos e os exames e fiscaliza a expedição de diplomas.

O ESTADO - A AUTORIDADE DA LEI Nas relações de trabalho, o Estado desempenha um duplo papel: com mais de quatro milhões de trabalhadores, ele é o maior empregador e intervém ativamente na política salarial. É parte nas negociações coletivas e simultaneamente

autoridade definidora do quadro legal. Por ter soberania na definição das suas receitas, ele não depende diretamente do mercado e da conjuntura econômica, no que concerne à política salarial. Mas em tempos de cofres vazios, o Estado alemão defende há muito tempo a contenção dos salários. Seu maior adversário na política salarial é o Sindicato Unido dos Prestadores de Serviço (Vereinigte Dienstleistungsgewerkschaft – ver.di), que representa, entre outros segmentos, os funcionários públicos municipais, estaduais e federais. Os professores e policiais são representados pelos sindicatos GEW e GdP, filiados à DGB. Os funcionários públicos, juízes e soldados podem

O número de contratos coletivos regionais está recuando Metalúrgico da Flender

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fazer coalizões, mas não podem entrar em greve. Só os funcionários públicos comuns têm esse direito. O sistema alemão não prevê intervenções do Estado na negociação dos salários. O Estado alemão abriu mão da intervenção na autonomia salarial em favor de um sistema arbitral voluntário. A principal tarefa do Estado é a instituição e normatização das condições gerais por medidas de política econômica (impostos e contribuições) e por leis (Lei do Estatuto das Empresas, Constituição Federal, Lei das Convenções Coletivas).

OS SINDICATOS BRAÇO FORTE DO TRABALHO No conflito entre o capital e o trabalho, os sindicatos representam os trabalhadores em questões de política social e salarial. São titulares da autonomia salarial e negociam as convenções coletivas e as condições de trabalho. A sua central sindical é a Confederação dos Sindicatos Alemães (DGB). A DGB e os sindicatos a ela filiados são organizações demo-

cráticas e independentes que se financiam com contribuições voluntárias dos seus membros (trabalhadores assalariados, desempregados e aposentados). Cada membro paga em regra 1% do seu salário bruto mensal como contribuição ao sindicato, que por sua vez repassa 12% desse valor à DGB. Depois da fusão de cinco sindicatos no novo grande sindicato ver.di (cerca de 2,7 milhões de membros), a DGB tem hoje como membros oito sindicatos individuais, que congregam cerca de 7,5 milhões de trabalhadores, desempregados e aposentados alemães. Esse grande número não deve esconder o fato de que os sindicatos alemães estão sendo penalizados há cerca de dez anos por consideráveis perdas de sócios. Entrementes, a taxa de sindicalização caiu para aproximadamente 20%. Os elevados índices de desemprego e a redução do quadro de sócios fizeram com que os sindicatos alemães, que nos anos 80 ainda tinham definido padrões mundialmente inovadores na luta pela semana de 35 horas, vissem-se fortemente empurrados para uma posição de defesa. Abaixo do ní-

Sindicato Unido dos Serviços Sindicato dos Metalúrgicos Sindicato da Mineração, Indústria Química e Energia Sindicato da Construção Civil Sindicato da Educação e Ciência Sindicato da Alimentação e Hotelaria

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Sindicato dos Ferroviários Sindicato dos Policiais


vel federal, a estrutura organizacional da DGB apresenta divisões em nove distritos, por sua vez divididos em 94 regiões. A cada quatro anos, 400 delegados se reúnem no congresso nacional. Esse “Parlamento do Trabalho” toma decisões estratégicas e elege a Executiva Nacional, formada por cinco funcionários com dedicação exclusiva. Pertencem ainda à Executiva Nacional os presidentes dos oito sindicatos filiados à DGB.

PRINCÍPIOS DA ORGANIZAÇÃO SINDICAL: O SINDICATO ÚNICO E A ASSOCIAÇÃO POR SETOR INDUSTRIAL A reestruturação dos sindicatos depois da Segunda Guerra Mundial foi o resultado da experiência histórica de um movimento operário fragmentado por conflitos internos, no qual os co-

munistas, os cristãos e os social-democratas tinham adotado formas distintas de resistência ao nazismo. Todos os sindicatos alemães estão estruturados segundo os princípios do sindicato único e da associação por setor industrial, de modo que não há sindicatos regionais concorrentes em um setor. A filiação de trabalhadores de diferentes partidos políticos, com visões de mundo e orientações confessionais distintas, a um mesmo sindicato, é expressão do princípio da unidade. Um segundo princípio abrange os distintos traços designativos do status, as qualificações de formação profissional e as peculiaridades do contrato de t7rabalho dos trabalhadores. Trabalhadores e funcionários da administração são representados pelo mesmo sindicato do seu setor. A separação entre trabalhadores e funcionários da administração, praticada durante muitos anos, é superada nas convenções coletivas mais recentes. Os sindicatos não a consideram mais adequada aos tempos atuais.

A distinção entre trabalhadores e empregados está sendo eliminada em função da atualização dos contratos coletivos. Operária da Siemens

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As relações industriais na Alemanha movimentam-se gerando resultados. Conserto de automóvel na oficina da KFZ

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O “MODELO ALEMÃO” AS RELAÇÕES DE TRABALHO DESDE 1945 No período depois da Segunda Guerra Mundial, a política social da República Federal da Alemanha se caracterizou sobretudo pelas medidas destinadas a mitigar os efeitos da miséria: o desafio era oferecer serviços sociais públicos a dez milhões de refugiados das antigas regiões orientais da Alemanha, da União Soviética, Polônia e Tchecoslováquia. Todos os atores das relações econômicas e trabalhistas celebraram um compromisso histórico e aderiram ao modelo da economia social de mercado. Nos anos 50 foram criadas as mais importantes instituições da assim chamada parceria social alemã, com

a Lei das Convenções Coletivas (1949), a Lei de Co-gestão na Indústria do Carvão e do Aço (1951) e a Lei do Estatuto das Empresas (1952). A elas somou-se em 1954 a adoção consensual de um mecanismo de conciliação de conflitos salariais. Foi rejeitada a conciliação arbitrada pelo Estado, tal como ela existira durante a República de Weimar (19181933). Pela primeira vez os sindicatos e as entidades patronais passaram a ter autonomia na definição das relações de trabalho. Genericamente, a relação entre os sindicatos e as entidades patronais era definida na maioria dos casos pelo consenso, que se evidenciou com mais nitidez em 1967, na primeira recessão do pós-guerra. Houve consenso entre os sindicatos e os empregadores sobre a necessidade de buscar uma


saída comum para a crise. Karl Schiller, na época Ministro da Economia, lançou a iniciativa de uma ”ação concertada”. O governo e as partes envolvidas nas negociações coletivas deveriam harmonizar as suas estratégias e elaborar diretrizes de política salarial, a serem adotadas voluntariamente. Essa ação única não teve êxito. A esperada recuperação da conjuntura econômica foi de curta duração. Nos anos 70, as crises do petróleo fizeram com que a luta pela distribuição da renda voltasse novamente ao primeiro plano. Contra a forte resistência das empresas, o governo formado pelos social-democratas e pelos democratas liberais e liderado pelo chanceler Willy Brandt impôs a introdução de mecanismos ampliados de cogestão nas grandes empresas (1976). Os anos 80 foram marcados pela luta em prol da redução das horas de trabalho por semana. Depois de um duro conflito trabalhista de seis semanas, durante o qual várias centenas de trabalhadores entraram em greve e sofreram um lock-out (fechamento temporário da empresa) por parte das empresas, o Sindicato dos Metalúrgicos (IG-Metall) conseguiu celebrar uma primeira convenção coletiva incluindo a semana de 38,5 horas. Hoje a semana de 35 horas está assegurada em toda a indústria metalúrgica da Alemanha Ocidental por meio de convenções coletivas. Em meados dos anos 90 a IG-Metall lançou, diante do desemprego crescente e do fraco crescimento econômico sob o governo conservador do chanceler Helmut Kohl, uma nova iniciativa para comprometer os sindicatos, os patrões e o Estado à adoção de linhas mestras consensuais nas políticas econômica e social. Essa aliança do trabalho e da competitividade foi retomada também pela nova coalizão dos partidos social-democrata e verde depois da mudança de governo em 1998, mas não alcançou grande êxito e fracassou definitivamente no início de 2003 em virtude

das posições inconciliáveis de sindicatos e empregadores. O sucesso econômico e social do “modelo alemão”, que perdurou por décadas, já foi explicado muitas vezes com vistas às suas funções de homogeneização, inovação e pacificação da sociedade. A paz social afigurava-se um fator de vantagem na concorrência internacional e na concorrência pelas localizações de investimentos. No âmbito dos então 21 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Alemanha registrou entre 1970 e 1994 um dos índices mais baixos de greves, sendo superado nesse tocante apenas pela Holanda, Áustria e Suíça.

Reestruturação efetiva nas empresas. Produção de lavadoras de roupa na Miele

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OS TRÊS PILARES DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NA ALEMANHA A autonomia em matéria de definição dos salários, a convenção coletiva regional e a co-gestão são os três pilares institucionais que sustentam a parceria social na Alemanha. Esse arranjo de direitos e deveres evoluiu e consolidou-se lentamente no pós-guerra.

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A AUTONOMIA NA DEFINIÇÃO DOS SALÁRIOS E A LEI RELATIVA AOS CONTRATOS COLETIVOS DE TRABALHO - A NÃO INTERVENÇÃO DO ESTADO A constituição da República Federal da Alemanha, denominada Lei Fundamental, assegura a liberdade de associação e

garante aos trabalhadores uma participação com direitos iguais na configuração das relações trabalhistas e econômicas. Ela não se pronuncia sobre o regime trabalhista e social. O fundamento da autonomia salarial é a Lei das Convenções Coletivas de 1949, complementada até os nossos tempos por numerosas decisões judiciais. Autonomia salarial significa que as condições diretas do trabalho e da renda (salários) são regulamentadas exclusivamente pelos parceiros das negociações coletivas (sindicatos e entidades patronais). Isso vale similarmente para as condições de trabalho, embora o Estado assegure determinados padrões sociais mínimos, como o aviso prévio, as férias mínimas de quatro semanas por ano, garantidas por lei, bem como o pagamento do salário em caso de doença e nos feriados. As convenções coletivas cumprem funções importantes de proteção e pacificação: protegem o trabalhador contra a fixação unilateral dos salários e das condições de trabalho pelo patrão e possibilitam a paz social por meio de uma compensação dos interesses do trabalho e do capital. Por serem contratos regulamentados, elas tornam o mercado de trabalho mais transparente. Dependendo do seu âmbito de vigência, existem di-


ferentes convenções coletivas que aparecem também em formas mistas: as convenções coletivas gerais são a forma mais abrangente e regulamentam as condições gerais do trabalho (admissão, demissão e jornada); as salariais definem o valor dos salários, indenizações e o pagamento dos aprendizes; as básicas regulamentam as categorias de salários, bem como a remuneração pelo rendimento no trabalho; as convenções coletivas restantes (temáticas) definem aspectos isolados como a aposentadoria antecipada, a redução da jornada de trabalho para trabalhadores mais idosos em vias de aposentadoria, os fundos de previdência ou as contribuições das empresas para a formação do patrimônio dos trabalhadores. A princípio, as convenções coletivas valem apenas para os trabalhadores sindicalizados, mas as empresas

pagam normalmente a todos os trabalhadores o salário acordado com o sindicato. Na República Federal da Alemanha, as convenções coletivas beneficiam cerca de 50% dos assalariados. Em comparação com outros países, esse índice é considerado elevado.

NA ARENA DOS CONFLITOS TRABALHISTAS GREVE, LOCK-OUT E ARBITRAGEM Às vezes a luta por salários justos e condições humanas de trabalho desemboca em conflitos. As regras desses conflitos estão definidas muito cla-

O grau de organização dos sindicatos teve um decréscimo de vinte por cento. Sindicalista em uma manifestação

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Oitenta por cento das comissões de trabalhadores são sindicalizadas. Membros da comissão na indústria metalúrgica

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ramente na Lei das Convenções Coletivas, incluindo a greve e o lock-out. Os princípios do conflito trabalhista foram estabelecidos no decorrer dos anos pelos tribunais. A greve e o lock-out somente podem ser usados pelos parceiros das negociações coletivas para atingir objetivos regulamentáveis por convenções coletivas. Os sindicatos detêm o monopólio da greve, as entidades patronais podem reagir com o lock-out. Esses instrumentos estão sujeitos ao princípio da proporcionalidade e são os últimos meios a serem empregados. Greves de natureza política não são permitidas. Durante a vigência de uma convenção coletiva e nas negociações existe o dever de manter a paz, admitindo-

se greves de advertência de curta duração. Se os sindicatos e as entidades patronais não conseguem chegar a um consenso depois da rescisão de uma convenção coletiva, podem submeter-se a uma arbitragem, cujo início pressupõe a declaração do fracasso das negociações coletivas. Convoca-se uma comissão de arbitragem, formada paritariamente por representantes dos trabalhadores e das entidades patronais e por um presidente imparcial. As partes se obrigam a não realizar lutas trabalhistas antes da decisão da comissão. Antes de uma greve, o sindicato consulta seus sócios em votação secreta, na qual ao menos 75% dos votantes devem declarar-se a favor da greve. Na segunda


consulta com vistas ao encerramento da greve, a maioria de dois terços também é exigida, para rejeitar o resultado das negociações e continuar a greve. Durante um conflito trabalhista, os contratos de trabalho ficam temporariamente suspensos. Os grevistas recebem um apoio do sindicato, pago com recursos do caixa da greve; empresas que sofrem greves recebem pagamentos compensatórios das entidades patronais. Depois do término da greve e do lock-out, todos os trabalhadores têm em princípio o direito a permanecer sem restrições no seu emprego. Cláusulas disciplinares nas convenções coletivas visam impedir que líderes de greves sofram prejuízos posteriores.

MADE IN GERMANY: A CONVENÇÃO COLETIVA REGIONAL A convenção coletiva celebrada por um sindicato e uma associação patronal

é denominada convenção coletiva regional. Tais convenções são celebradas ou com vistas a todo o território nacional, ou para um ou mais estados ou ainda para uma determinada região. O grau de abrangência das normas de convenções coletivas na Alemanha, elevado em escala internacional, é devido a essas convenções coletivas regionais. Ao lado delas existem ainda as convenções coletivas por empresas, firmadas por um sindicato e uma empresa individual não filiada à Associação Patronal. Há alguns anos, o número das convenções coletivas regionais vem caindo e o número de convenções celebradas com empresas aumentando. Essa tendência indica uma descentralização das convenções coletivas. Por princípio, ainda devemos estabelecer uma distinção entre convenções coletivas e acordos com empresas. Estes últimos são negociados entre a comissão de trabalhadores e as empresas individuais, e estão garantidos pela Lei do Estatuto das Empresas.

A globalização está freqüentemente ligada com a retirada de direitos. Produção de celulares na Siemens

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DEMOCRACIA NO LUGAR DE TRABALHO CO-GESTÃO E LEI DO ESTATUTO DAS EMPRESAS

Para os trabalhadores, os contratos coletivos têm uma importante função apaziguadora. Greve dos metalúrgicos

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Ao lado da autonomia salarial e da convenção coletiva regional, o terceiro pilar da parceria social é formado por elementos de democracia na empresa, tais como comissões de trabalhadores e co-gestão. As regras da democracia na empresa estão fixadas na Lei do Estatuto das Empresas e na Lei da Cogestão. As comissões de trabalhadores podem existir independentemente dos sindicatos, mas cerca de 80% dos mem-

bros de comissões de trabalhadores são sindicalizados e os sindicalistas também se valem desse fato para fortalecer a sua posição. De acordo com a Lei do Estatuto das Empresas, atualizada em 2001, podem ser formadas comissões de trabalhadores em empresas com mais de cinco empregados. Inexiste, porém, uma prescrição obrigatória. A comissão de trabalhadores é eleita a cada quatro anos pelos empregados através do voto secreto. Assim, foram eleitas em 2002, em toda a Alemanha nos meses de março a maio, as comissões de trabalhadores em mais de 40.000 empresas. A eleição deve ser financiada pelo empregador. Essas comissões representam os interesses dos trabalhadores diante do patrão. Seus


membros não podem ser demitidos. Empregados com funções dirigentes não podem ser membros da comissão de trabalhadores. A comissão supervisiona o cumprimento dos acordos celebrados na empresa, podendo convocar quatro vezes por ano uma assembléia dos trabalhadores para transmitir-lhes informações. É a instância para reclamações dos trabalhadores e pode celebrar acordos com o patrão. Além disso, ela tem o direito de ser informada e ouvida antes de decisões de natureza econômica e da introdução de novas tecnologias. A comissão tem direitos genuínos de co-gestão na definição da jornada de trabalho na empresa e das horas extras, em reclassificações e transferências de trabalhadores, em assuntos de natureza social e no tocante às instituições sociais (refeitório), bem como na formação profissionalizante e capacitação continuada dos trabalhadores. A comissão assume também obrigações. Não pode perturbar a paz interna na empresa, não pode convocar greve, nem desenvolver uma atividade política na empresa.

A COMISSÃO EM VIAS DE EXPANSÃO COMISSÕES PARA TODA A EMPRESA E COMISSÕES NO GRUPO DE EMPRESAS Havendo várias comissões em uma empresa, poderá ser criada uma comissão para toda a empresa. Ela terá competência para o tratamento de assuntos que dizem respeito à empresa como um todo e que não podem ser solucionados por unidades individuais da mesma. Essa comissão não exerce hegemonia sobre as comissões das unidades individuais. Por fim, é possível criar uma comissão dos trabalhadores num grupo de empresas, por meio de decisões das comissões estabelecidas nas empresas integrantes do grupo.

Na Alemanha iniciouse uma transferência das estruturas de poder. Metalúrgica da indústria de bicicletas Prophete S.A

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Um novo ator em cena As Comissões Européias de Trabalhadores

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As comissões européias de trabalhadores estão assumindo aos poucos o seu perfil no processo de unificação da União Européia. Desde 1994 existe uma diretiva da União Européia que permite a criação de comissões européias de trabalhadores. A instituição de uma comissão pressupõe que a empresa ou o grupo de empresas empregue ao menos 1.000 trabalhadores em território da União Européia e ao menos 150 trabalhadores em no mínimo dois Estadosmembros. Atualmente existem cerca de 800 comissões européias, mas a qualidade do seu trabalho varia muito. As comissões européias são importantes, pois os grupos internacionais fazem fusões além das fronteiras, cooperam em redes empresariais e centralizam o poder de decisão. Até agora as representações dos trabalhadores atuaram preponderantemente com foco na sua empresa ou no plano nacional. Viram-se muitas vezes em situações nas quais a direção da empresa jogava os trabalhadores de um país contra os de outro. Isso aconteceu porque os trabalhadores não dispunham de informações e não mantinham contatos internacionais com seus colegas nas diferentes unidades do grupo. As comissões européias ainda são muito jovens. Seus direitos são bem menores do que os das comissões alemãs ou dos Ondernemingsraden holandeses, mas elas têm muita importância para o intercâmbio de informações e para uma cooperação mais intensa dos representantes dos trabalhadores nas empresas e dos seus sindicatos em empresas internacionais. Por isso, os sindicatos alemães fomentam o trabalho das comissões européias e oferecem curso de treinamen-

to específico. Comissões como a da Volkswagen são as células germinativas de uma representação global dos trabalhadores em grupos multinacionais, das comissões mundiais de trabalhadores.

A PARTICIPAÇÃO NOS CONSELHOS FISCAIS: A LEI DE CO-GESTÃO Um outro elemento de democracia interna na empresa é a co-gestão por meio da participação dos trabalhadores nos conselhos fiscais de empresas. Satisfeitos determinados pré-requisitos, o Direito Empresarial alemão prevê a criação de um Conselho Fiscal como órgão controlador da direção da empresa. O Conselho Fiscal nomeia e fiscaliza o presidente (primeiro escalão) de uma empresa. Dependendo dos estatutos da empresa, o Conselho Fiscal decide sobre assuntos de política corporativa, bem como sobre investimentos a partir de um determinado valor. Até hoje os sindicatos se orientam em relação à co-gestão em empresas com o modelo da indústria mineradora e siderúrgica, que prevê a representação paritária no Conselho Fiscal, um membro neutro para tomar decisões em empates e o ”diretor de trabalho” (Diretor de Recursos Humanos) como membro da Presidência, proposto pelos sindicatos e dotado de direitos iguais. A co-gestão, segundo o modelo da indústria de mineração e do aço, vale apenas para determinadas formas de empresas com mais de 1.000 trabalhadores na mineração de carvão, bem como para a indústria do ferro e do aço, como por exemplo no grupo


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ThyssenKrupp S/A. No entanto, o número de empresas e de trabalhadores nas antigas indústrias-chave da mineração e do aço encolheu fortemente cinqüenta anos depois da introdução da co-gestão nesse setor da economia. Na Alemanha atual, apenas 400.000 pessoas ainda trabalham em empresas com o modelo de co-gestão da indústria do carvão e do aço. Uma forma mais fraca de co-gestão existe em empresas com 500 a 1.000 trabalhadores, em cujos Conselhos Fiscais os representantes dos trabalhadores só perfazem um terço dos membros, sem previsão de um ”diretor de trabalho”. A Lei de Co-gestão de 1976, introduzida com vistas a determinados tipos de empresas (exceto a indústria do carvão e do aço) com mais de 2.000 trabalhadores, também não resultou em co-gestão

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genuína. O Conselho Fiscal tem uma composição apenas aparentemente paritária, pois um representante dos trabalhadores sempre é um funcionário dirigente. Em situações de empate, o presidente (sempre sócio-cotista ou acionista) tem dois votos. O Diretor de Trabalho pode ser nomeado contra a vontade dos trabalhadores. Há alguns anos a co-gestão está na defensiva. Hoje, mais de 60% dos trabalhadores atuam no setor privado em uma zona livre de co-gestão. Ao mesmo tempo que comissões de trabalhadores são a regra em grandes companhias, os sindicatos enfrentam dificuldades nas pequenas e médias: apenas 4% das empresas com menos de vinte empregados dispõem de uma comissão de trabalhadores. Os sindi-


catos esperam agora que a nova Lei do Estatuto das Empresas de 2001 facilite a eleição de comissões de trabalhadores em empresas menores, e que a co-gestão volte novamente para uma posição de ofensiva.

QUAL É O FUTURO DOS SINDICATOS ALEMÃES? As relações industriais na Alemanha mudaram. Ao encolhimento do número de membros dos sindicatos, corresponde, no lado dos patrões, a crescente fuga das empresas das entidades patronais. A tendência à dissolução das convenções coletivas pode ser observada não apenas na Alemanha Oriental. O “modelo alemão“, que se estabeleceu no período pós-guerra com base num amplo consenso, está chegando ao fim. A velha e nova capital Berlim dista apenas oitenta quilômetros da Polônia, onde os salários freqüentemente atingem apenas um décimo dos salários pagos na Alemanha Ocidental. Depois da reunificação, a Alemanha Oriental, que sofre com um índice de desemprego de quase 20%, tornou-se a alternativa para a fuga de convenções coletivas, o dumping salarial e a flexibilização. Mas também na Alemanha Ocidental, onde o desemprego até agora “só“ atinge a metade do índice da Alemanha Oriental, as empresas promovem reestruturações maciças, quase sempre acompanhadas do corte de empregos e da intensificação do trabalho. Não há dúvida de que também na Alemanha houve um deslocamento da estrutura de poder na direção das empresas. Até agora os sindicatos alemães ainda não encontraram uma resposta a esses desafios. Enquanto uns promovem, em consonância com as empresas, o fortalecimento da Alemanha como localização em meio à concorrência global, observa-se em outros, clara-

mente, o aumento da disposição para a resistência, conforme parecem anunciar as numerosas greves ocorridas em 2002 na indústria metalúrgica e metalmecânica e no setor da construção civil na Alemanha, bem como nos bancos e nas seguradoras. Está claro que os sindicatos alemães precisam transformarse, caso queiram continuar com perspectivas de futuro. Devem tornar-se mais atraentes para os trabalhadores no setor de serviços, para as mulheres e os jovens, para as pessoas que trocam constantemente de emprego e para os profissionais liberais. E eles devem elaborar estratégias para defender os padrões sociais na Alemanha também sob a pressão da globalização neoliberal e conter o poder dos grupos multinacionais. Para tal fim, os sindicatos alemães precisam de parceiros para alianças na sociedade. As mobilizações internacionais de sindicatos e outras organizações da sociedade civil em Seattle e Porto Alegre incentivaram também na Alemanha uma nova abertura e cooperação esperançosa entre os sindicatos filiados à DGB, as ONGs, as igrejas e as redes empenhadas na crítica à globalização, como ATTAC.

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Editores DGB Bildungswerk Nord-Süd-Netz Hans-Böckler-Straße 39 40476 Düsseldorf Tel.: 0211 4301 258 Fax: 0211 4301 500 E-mail: nord-sued-netz@dgbbildungswerk.de Internet: www.nord-sued-netz.de Observatório Social Europa Naritaweg 10 1043 BX Amsterdam Países Baixos Tel.: 00 31 20 5816 651 Fax: 00 31 20 6844 541 E-mail: Karen.Brouwer@vc.fnv.nl Internet: www.observatoriosocialeuropa.org Instituto Observatório Social - Brasil Avenida Mauro Ramos, 1624 CEP 88020-302 Florianópolis - Santa Catarina – Brasil Tel.: 00 55 48 3028 4400 Fax: 00 55 48 3028 4422 E-mail: observatorio@observatoriosocial.org.br Internet: www.observatoriosocial.org.br Financiado com recursos da União Européia e do Ministério Federal de Cooperação Econômica e Desenvolvimento

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Equipe responsável pela publicação Manfred Brinkmann, Karen Brouwer

Redação / Brasil Sandra Werle (MTb/SC-515-JP), Kjeld Jakobsen, Clemente Ganz Lúcio, Odilon Luís Faccio, Dari Krein, Prudente José Silveira Mello

Redação / Europa Frans Bieckmann, Manfred Brinkmann, Karen Brouwer, Bernhard Stelzl

Tradução - Alemão Peter Naumann

Revisão / Brasil Laura Tuyama (MTb/SC-959-JP)

Fotos Jaap van den Beukel, Manfred Brinkmann, Karen Brouwer, Esdras Martins, Chris Pennarts, Manfred Vollmer, Rosane Lima, Ebner Gonçalves, Roberto Parizotti/Dino P. dos Santos, Banco de imagens do Instituto Observatório Social / Brasil.

Projeto Gráfico Gerhard Weiland

Paginação Eletrônica / Brasil Sílvio da Costa Pereira (MTb/SC-881-JP)

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