CONSELHO DIRETOR PRESIDENTE - Kjeld A. Jakobsen CUT - João Vaccari Neto CUT - Rosane da Silva CUT - Artur Henrique da S. Santos CUT - Maria Ednalva B. de Lima CUT - José Celestino Lourenço (Tino) CUT - Antonio Carlos Spis CUT - Gilda Almeida Dieese - Mara Luzia Felter Dieese - Wagner Firmino Santana Unitrabalho - Francisco Mazzeu Unitrabalho - Silvia Araújo Cedec - Maria Inês Barreto Cedec - Tullo Vigevani COORDENAÇÃO TÉCNICA Arthur Borges Filho - Coordenador Administrativo Clemente Ganz Lúcio - Coordenador Técnico Nacional Maria José H. Coelho - Coordenadora de Comunicação Odilon Faccio - Coordenador Institucional Pieter Sijbrandij - Coordenador de Projetos Ronaldo Baltar - Coordenador do Sistema de Informação
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CONSELHO EDITORIAL Clemente Ganz Lúcio Kjeld A. Jakobsen Maria José Coelho Odilon Luís Faccio Pieter Sijbrandij EDITORES Dauro Veras (SC-00471-JP) Maria José H.Coelho (Mtb 930Pr) REDAÇÃO Marques Casara (RJ 19126) Sandra Werle (SC-00515-JP) FOTOGRAFIA Divulgação e Banco Imagens OS: Rosane Lima Sérgio Vignes ILUSTRAÇÕES Frank Maia APOIO COMUNICAÇÃO Alessandra Pires, Ana Cristina Nobre da Silva, Ana Iervolino, Walter André Pires PROJETO GRÁFICO&DIAGRAMAÇÃO Coordenação ISSN 1678 -152 xde Comunicação do OS
Outubro de 2003 - Ano 2 - Nº 4 Florianópolis - Santa Catarina - Brasil 3.000 exemplares Gráfica BANGRAF
O INSTITUTO OBSER VATÓRIO SOCIAL OBSERV
é uma organização que observa e analisa o comportamento de empresas nacionais e estrangeiras em relação ao meio ambiente e aos direitos fundamentais dos trabalhadores. Com isso busca potencializar na sociedade a consciência sobre as condições sociais e trabalhistas em que os bens e serviços são produzidos e comercializados. A informação é um instrumento para a ação efetiva. O objetivo do Observatório é pesquisar, informar e, principalmente, instigar, ser ferramenta para que trabalhadores e sindicatos conquistem melhorias nas áreas trabalhista, de meio ambiente e de responsabilidade social, porque:
CABRITO BOM É O QUE MAIS BERRA
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RESPONSABILIDADE SOCIAL A globalização da economia traz novos desafios ao movimento sindical. Um deles é criar instrumentos para monitorar o comportamento social, ambiental e trabalhista das multinacionais, de forma a globalizar também os direitos.
PG11 REVISTA
O DEBATE NO BRASIL No final dos anos 80 o empresariado brasileiro começou a tomar consciência sobre a responsabilidade social e surgiram leis que deram à sociedade instrumentos para exigir uma postura mais ética das empresas.
PG13 O PAPEL DOS SINDICATOS Alianças locais, nacionais e internacionais abrem boas oportunidades para que os trabalhadores conquistem avanços em suas reivindicações, como liberdade sindical, organização no local de trabalho, negociação coletiva e acesso a informação.
PG19 ARTIGO - A roupa nova do imperador O coordenador de Projetos do Observatório Social, Pieter Sijbrandij, reflete sobre a importância de sindicatos e empresas buscarem uma saída conjunta para o drama da exclusão social e das más condições de trabalho.
PG20 A IMPORTÂNCIA DOS ACORDOS GLOBAIS Acordos globais entre corporações e sindicatos são um avanço em relação às práticas de responsabilidade social, pois levam em conta os interesses dos trabalhadores em diferentes países.
PG25 REFERÊNCIAS INTERNACIONAIS Diversas normas internacionais se tornaram referências importantes para avaliar a responsabilidade empresarial e servem como marco das negociações entre patrões e empregados.
PG31 PONTO DE CONTATO Uma portaria do Ministério da Fazenda criou em maio de 2003 o Ponto de Contato Nacional no Brasil, cujo objetivo é verificar o cumprimento das Diretrizes para as Multinacionais estabelecidas pela OCDE.
PG35 SINDICALISMO FORTALECIDO O novo presidente da CUT, Luiz Marinho, fala sobre responsabilidade social e sobre as negociações com a Volkswagen para garantir os direitos dos trabalhadores.
Terceirização leva à queda de salários e benefícios, diz Dieese O avanço da terceirização nas empresas é
responsável pela queda dos salários e diminuição dos benefícios sociais, segundo pesquisa divulgada hoje pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio Econômicos (Dieese). O estudo, que abrange 40 empresas, também atribui à terceirização a falta de segurança no trabalho e aumento dos empregados sem registro em carteira. (...) A questão dos benefícios sociais desponta em primeiro lugar. Segundo o levantamento, em 72,5% dos casos os benefícios sociais dos trabalhadores das terceiras contratadas são menores que os vigentes na empresa cliente. (...) Em alguns casos, a pesquisa constatou que os trabalhadores das empresas contratadas cumprem jornadas mais extensas e são menos qualificados. Mais de 50% das contratantes registraram trabalhadores de terceiros apenas dentro das suas dependências. Em 30% das empresas se verificou a combinação de trabalhadores de terceiros dentro, e também, fora das unidades. Apenas 12,5% das pesquisadas não tinham internamente trabalhadores de empresas terceiras. ©Agência Estado.Aedata - 31/08
A CORDA SEMPRE ARREBENTA DO LADO MAIS FRACO
PG37 COM A PALAVRA OS ATORES SOCIAIS
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O Observatório Social Em Revista ouviu representantes de uma empresa, de uma entidade de consumidores, do movimento sindical, do governo e dos investidores sobre responsabilidade social.
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PG44 ARTIGO - Multinacionais e Cadeia Produtiva A maioria das empresas pesquisadas pelo Observatório Social tem a posição de cumprir a lei dentro de suas dependências, mas costuma fugir à responsabilidade na cadeia produtiva.
PG46 MUITA AÇÃO PARA UMA REAÇÃO POSITIVA O caso da fabricante de calçados esportivos Nike, envolvida em acusações de trabalho escravo e infantil, é um exemplo ilustrativo de como as denúncias insistentes dos movimentos sociais podem surtir efeito.
PG49 ARTIGO - Os impactos das instituições financeiras multilaterais O assessor da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, Marcus Faro de Castro, aborda a importância de ampliar a cultura política das sociedades para incorporar a dimensão da política econômica global.
PG51 ARTIGO - Muito trovão e pouca chuva Eloi Zanetti escreve sobre o excesso de “bom mocismo” por parte dos marqueteiros de muitas empresas, que estão jogando no lixo uma das maiores conquistas que o marketing alcançou: o apoio às causas sociais e comunitárias.
PG54 RESENHA - Ética nos negócios Escrito por 12 pesquisadores, o livro Ética e responsabilidade social nos negócios enfoca o tema sob o ponto de vista da realidade brasileira e oferece fundamentação teórica sobre o conceito.
PG55 PRINCIPAIS REFERÊNCIAS DE LEITURA PARA O MOVIMENTO SINDICAL Veja onde encontrar na internet a íntegra de alguns documentos fundamentais para balizar o estudo sobre a responsabilidade social.
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Esta edição da Observatório Social Em Revista aborda um tema com desdobramentos relevantes na vida dos trabalhadores: responsabilidade social das empresas. Este assunto tem estado sob o domínio exclusivo das grandes empresas, em especial das empresas multinacionais. São diferentes as concepções presentes nas práticas empresariais relacionadas à responsabilidade social, mas sempre com impactos sobre a vida dos trabalhadores. Qual deve ser a atitude do movimento sindical diante dessa questão? Os estudos realizados pelo Observatório Social têm constatado que a maioria das corporações nacionais e multinacionais respeitam, no limite, apenas o mínimo dos direitos fundamentais estabelecidos pela OIT (Organização Internacional do Trabalho). Mesmo as empresas que se denominam socialmente responsáveis procuram se distanciar do que ocorre na cadeia produtiva ou com os terceirizados. Violações graves como trabalho escravo, trabalho infantil e contaminação do ambiente às vezes são cometidas por fornecedores de empresas que, via de regra, se orgulham de manter um comportamento exemplar. Graças à atuação de diversas entidades que nas últimas décadas trabalharam pela ética e justiça social, muitas empresas se viram pressionadas a adotar códigos de conduta socialmente responsáveis. A tendência majoritária ainda é fugir da regulamentação externa e focalizar o público consumidor, mas há espaço político para negociar avanços. É importante que os sindicatos de trabalhadores se somem aos movimentos sociais na cobrança de ações sociais e ambientais mais abrangentes por parte das empresas. Um passo vital é familiarizar-se com o assunto e articular parcerias globais. O Instituto Observatório Social está implementando um projeto que visa estimular o debate sobre a Responsabilidade Social Empresarial pelo movimento sindical. Oficinas, seminários e publicações especiais, como este Observatório Social Em Revista, fazem parte do projeto. Conceitos, opiniões, concordâncias e discordâncias estão aqui expostos para que você faça parte deste debate. Conselho Editorial
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O que as empresas, a sociedade, os trabalhadores e o governo tĂŞm a dizer
RESPONSA SOCIAL
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Definir responsabilidade social é uma tarefa árdua. Exprimir o que ela tem a ver com os trabalhadores é uma missão ainda mais complexa. O conceito está em constante processo de amadurecimento. Além disso, muitas ações proclamadas como socialmente responsáveis estão mais para estratégias de marketing, com o objetivo melhorar a imagem das empresas, do que ações que levem em conta os reais problemas sociais, trabalhistas e ambientais.
BILIDADE Portanto, o tema merece atenção redobrada por todos aqueles que se preocupam com a Justiça e a inclusão social. A expressão “responsabilidade social” tornou-se corrente no discurso de empresários, jornalistas, economistas, organizações não governamentais e outros segmentos da sociedade. Os trabalhadores acabam envolvidos nesse processo, muitas vezes sem perceber com exatidão as conseqüências para as suas vidas e para as relações que mantêm com as empresas onde trabalham. Ao longo dos últimos três anos, várias pesqui-
sas realizadas pelo Observatório Social mostraram que existe uma contradição entre o que as empresas anunciam como compromissos sociais e as reais práticas de gestão, inclusive no que diz respeito aos direitos fundamentais do trabalho.1 Há empresas que não respeitam sequer estes direitos, expressos nas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), cujas normas são aprovadas com a participação de trabalhadores, governos e dos próprios empresários. Dentre as regulamentações que não são respeitadas, destacam-se:
- empresas que não permitem a organização dos trabalhadores no local de trabalho; - cerceamento das atividades desenvolvidas pelos dirigentes sindicais; - mulheres que recebem menos do que os homens para realizar a mesma função; - discriminação racial e de gênero; - falta de compromisso social e trabalhista junto aos fornecedores; - intensa terceirização das atividades, com redução de direitos e descumprimentos das leis; - degradação do meio ambiente. O Observatório Social analisa e estuda o comportamento das multinacionais e dos governos em reação aos direitos fundamentais dos trabalhadores. Para conhecer as pesquisas, acesse: http://www.observatoriosocial.org.br/ 1
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Diante dessa realidade, a temática da responsabilidade social pode contribuir para melhorar a relação das empresas com os trabalhadores e a sociedade. Essa percepção foi disseminada, em grande medida, graças à atuação de diversas entidades que ao longo das últimas décadas trabalharam em nome da ética e da justiça social. Mas um longo caminho ainda precisa ser percorrido até que os conceitos de responsabilidade social sejam efetivamente aplicados na gestão das empresas.
Globalização Para que a responsabilidade social possa ser compreendida em sua totalidade, é importante antes refletir acerca da chamada globalização, fenômeno de caráter planetário que alterou radicalmente as relações sociais, culturais e econômicas a partir da segunda metade do século 20. Os efeitos da globalização ficaram mais evidentes após o surgimento das novas tecnologias de processamento de informações, que possibilitaram uma crescente integração das economias e das sociedades entre países. A globalização aconteceu com maior ênfase em duas frentes: na produção de mercadorias e na intensa movimentação do mercado financeiro, onde um simples toque de botão é capaz de transferir enormes somas de um país para outro. Em grande parte, a globalização econômica ocorreu pela mão das multinacionais, que hoje movimentam um terço do comércio de bens e serviços em operações que impactam a vida de milhões de trabalhadores em todo o mundo. São mais de 60 mil empresas operando com 800 mil filiais. A globalização provocou um rebaixamento dos padrões de emprego e salário, fragilizando as condições de vida de uma enorme parcela da população mundial. A competitividade levou as empresas a procurar formas de produzir mais barato e com mais competitividade, muitas vezes em detrimento dos trabalhadores. Um dos efeitos mais perversos da globalização é a concentração produtiva em alguns setores, o que representa um desafio para os organismos de defesa da concorrência. Diante da força dos chamados “mercados”, as multinacionais redesenham o mapa do mundo em termos econômicos. “Em âmbito mundial, a grande empresa parece transformar nações das mais diversas categorias em pequenas nações”, escreveu em um de seus livros o sociólogo Octávio Ianni2 . Um outro importante pensador, Muniz Sodré3 , diz que “na forma real, gloIANNI, Octávio (2002) Teorias da Globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 57. 2
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balização e mercado favorecem a desigualdade econômica e política em escala mundial”. Nessa mesma linha segue Benjamin Barber4 , diretor da Democracy Collaborative, sediada em Nova Iorque. Segundo ele, “a cultura globalizante expulsa do jogo aqueles que sonham com uma sociedade civil internacional constituída de cidadãos livres oriundos das mais variadas culturas (...). O verdadeiro poder situase de um só lado, como quando a jibóia engole o sapo”. Um dos efeitos da globalização da economia é o fato de que nunca as multinacionais tiveram tanta liberdade em escolher onde e como produzir, para onde importar e exportar e em quais mercados penetrar. No âmbito financeiro, a liberalização dos fluxos de capitais trouxe profundos desequilíbrios e crises, como ocorreu com o México, os países asiáticos, a Rússia, o Brasil e a Argentina. A globalização também incrementou atividades ilícitas como o tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro e a criação de redes internacionais do crime organizado.
Reação dos movimentos sociais Enquanto esse movimento acontecia no âmbito das empresas, grupos de pressão começaram um lento 3 4
processo de acompanhamento da internacionalização da economia. Tardiamente à globalização promovida pelas multinacionais, as sociedades – principalmente nos países desenvolvidos – iniciaram um movimento de resistência à internacionalização descontrolada da economia. Sindicatos, organizações não-governamentais, associações civis e movimentos de direitos humanos passaram a mostrar a necessidade de construir instrumentos para acompanhar a globalização e buscar mecanismos de intervenção que tornem seus resultados menos cruéis. A idéia central é que as multinacionais precisam ser monitoradas para garantir os direitos e promover um processo de globalização mais humano e solidário. O surgimento de denúncias de agressões ambientais e de descumprimento de direitos trabalhistas, bem como a crescente conscientização social, acenderam a luz de alerta nos escritórios corporativos. O despertar das multinacionais para o tema ocorreu a partir dos anos 70, quando entidades como a Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE) passaram a estabelecer normas e diretrizes para regular a atuação das multinacionais.
SODRÉ, Muniz (2003) In: Moraes, Denis de (org). Por uma outra comunicação. Rio de Janeiro: Reccord, p. 39. BARBER, Benjamin. Idem, p. 41.
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Manifestantes no III Fórum Social Mundial unem esforços pela globalização dos direitos
No caso da OIT, as deliberações ganharam grande legitimidade graças ao seu caráter tripartite, ou seja, tiveram o aval de empresários, trabalhadores e governos. As normas, portanto, são de conhecimento geral dos empresários. Destacam-se como marcos desse processo:
- Declaração da OIT sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho, de 1998; - Declaração Tripartite Sobre as Empresas Multinacionais e a Política Social da OIT, adotada em 1977 e revisada em 2000; - Diretrizes da OCDE para as Empresas Multinacionais, publicadas em 1976 e revisadas em 2000; - Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e seu desdobramento na Agenda 21.
As estratégias de responsabilidade social são um movimento defensivo das multinacionais, embora não se limitem a esse aspecto. Trata-se do contrapeso às ações e aos movimentos que há mais de 30 anos denunciam as conseqüências negativas das práticas das empresas multinacionais. Nessa perspectiva, abre-se uma oportunidade para o movimento sindical atuar no contexto da globalização. Seria, como diz Muniz Sodré, o momento de aproveitar “a oportunidade histórica da contralinguagem criada pelas novas estratégias ativistas, a exemplo do Fórum Social Mundial de Porto Alegre ou do movimento cívico contra as frias diretivas neoliberais da Organização Mundial do Comércio (...) É possível opor um agir político externo à Realpolitik do Estado, ao discurso apolítico da neobarbárie”.
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A conscientização do empresariado brasileiro sobre responsabilidade social ganhou força no final da década de 1980 e início dos anos 90. Foi uma mudança que iniciou mais ou menos na mesma época em que nasceram a Constituição de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código do Consumidor, instrumentos que deram à sociedade civil a oportunidade de atuar de maneira mais consciente e exigente.
Em um segundo momento, no final dos anos 90, as práticas socialmente responsáveis foram impulsionadas pelo surgimento de uma série de organizações não-governamentais. As ONGs passaram a defender a tese de que não basta adotar essa ou aquela prática social ou filantrópica (caridade). É preciso antes criar uma agenda de trabalho que envolva todos os segmentos da empresa, amplie o diálogo com os trabalhadores e mude a cultura da própria corporação. Também é necessário criar regras claras que devem ser seguidas pelas empresas e que possam ser monitoradas por entidades independentes. Algumas entidades:
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O debate no Brasil
- Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) – Sua proposta é defender o consumidor, representando-o para resguardar seus direitos nas relações de consumo. O site do IDEC é http:/ /www.idec.org.br. - Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE) – A missão da entidade é construir a democracia pelo combate às desigualdades e estímulo da participação cidadã. É uma instituição voltada para a ação político-cultural, de comunicação e animação do debate público e de pressão sobre os poderes públicos constituídos. O site é http:// www.ibase.org.br/. - Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social – Criado e mantido por empresários, tem o objetivo de ajudar as empresas a compreender e incorporar o conceito de responsabilidade social no cotidiano de sua gestão. O endereço da Web é http://www.ethos.org.br.
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Segundo Oded Grajew5 , fundador do Ethos e atualmente assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não há nenhum conceito novo quando se pensa em responsabilidade social: “O que há, na verdade, é um novo olhar, uma nova maneira de compreender as questões que envolvem todas as relações humanas, inclusive – e especialmente – no universo empresarial. Quando se fala nesse assunto, estamos tratando de ética, da relação socialmente responsável da empresa em todas as suas ações, suas políticas, suas práticas, em tudo o que ela faz, suas atitudes com a comunidade, empregados, fornecedores, com os fornecedores dos
seus fornecedores, com os fornecedores dos fornecedores dos seus fornecedores, com o meio ambiente, governo, poder público, consumidores, mercados e com seus acionistas. É preciso pensar todas as relações como uma grande rede que se inter-relaciona”. Uma definição bastante completa sobre responsabilidade social foi desenvolvida por Wilson da Costa Bueno, jornalista e doutor em Ciências da Comunicação. Ele afirma que responsabilidade social é o exercício planejado e sistemático de ações, estratégias, e a implementação de canais de relacionamento entre uma organização, seus públicos de interesse e a própria sociedade, tendo em vista:
a) contribuir para o desenvolvimento social, pelo respeito ao ser humano, independente de sua opinião e crenças, pela valorização da diversidade cultural e pela defesa irrestrita da liberdade de pensamento e expressão; b) propiciar condições ideais de trabalho para seus colaboradores, além de remuneração justa, capacitação profissional, realização pessoal e estímulo ao diálogo e à participação no processo de tomada de decisões; c) assumir a transparência e a ética como atributos fundamentais, tomando o interesse coletivo como a referência maior na condução dos negócios; d) preservar o meio ambiente, privilegiando a gestão de recursos e a oferta de produtos não agressivos à natureza; e) praticar a excelência na fabricação de produtos e na prestação de serviços, tendo em vista os interesses, expectativas e demandas de seus consumidores ou usuários. Mais do que excelentes, no entanto, esses produtos têm que ser éticos, ou seja, não podem, por seu consumo ou utilização, acarretar prejuízos aos consumidores/usuários; f) implementar projetos que visem ao desenvolvimento científico e cultural (aqui incluídas as artes em geral), esportivo, educacional e comunitário.
Para o Observatório Social, uma empresa socialmente responsável tem o seguinte perfil: - estabelece relações saudáveis com as diferentes partes interessadas, levando em conta seus interesses através de mecanismos de consulta e participação; - procura que o desenvolvimento dos negócios beneficie a todos, estendendo-se inclusive aos diferentes grupos que compõem a cadeia produtiva; - procura na gestão do seu negocio gerar emprego estável, contribuir para a justa distribuição das riquezas e reduzir a exclusão de grandes grupos de cidadãos; - mantém o vínculo do debate sobre a responsabilidade social com as discussões maiores sobre o comércio internacional; - respeita as normas da OIT, as diretrizes da OCDE e a Declaração Universal dos Direitos Humanos; - permite a livre organização do trabalhador e seu direito à negociação coletiva; - contribui para o desenvolvimento da sociedade da qual faz parte, fortalecendo suas estruturas democráticas de participação; - inova para a redução de impactos ambientais não-desejados através de uma gestão sustentável; - possui uma atuação pró-ativa em relação à incorporação das expectativas da sociedade. GRAJEW, Oded (2000). Negócios e responsabilidade social. In: ESTEVES, Sergio (org). O dragão e a borboleta: sustentabilidade e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Axis Mundi. 5
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O PAPEL DOS SINDICATOS
No Brasil, quando se trata de responsabilidade social as empresas focalizam seus discursos e ações para o público consumidor. Os temas de alta relevância para o sindicalismo ainda são pouco atendidos. O grande problema embutido no discurso da responsabilidade social adotado por diversas empresas é que muitas vezes tais práticas não são aplicadas de verdade. Fazem parte apenas das estratégias de marketing das companhias. Elas desejam conquistar consumidores cada vez mais exigentes e preocupados com a postura das empresas diante da sociedade.
Na ânsia de conquistar clientes e diante das infindáveis modalidades de marketing (cultural, religioso, ecológico, comunitário, societal, esportivo, político etc.), encaixar o “social” foi algo quase natural. Essa tarefa muitas vezes se resume a um selo ou frase estrategicamente destacados na embalagem do produto a ser vendido. Contudo, nem todas as ações apregoadas como socialmente responsáveis se resumem a estratagemas do marketing. Algumas empresas, mesmo que sob pressão das entidades civis organizadas, mudaram sua maneira de administrar o negócio, tendo como foco a responsabilidade social. Cabe, então, perceber que essa agenda, embora de natureza voluntária e unilateral por parte das empresas, abre perspectivas para o movimento sindical. No Brasil, o sindicalismo tende a associar a responsabilidade social empresarial ao marketing e à filantropia, razão pela qual costuma dar pouca atenção ao tema. É uma postura que contrasta com o cenário europeu, onde o movimento sindical participa do debate. Alianças locais, nacionais e internacionais podem conquistar avanços na realização de algumas das mais tradicionais reivindicações sindicais no Brasil: liberdade sindical, organização no local de trabalho, negociação coletiva e acesso à informação. Diante da tremenda diversidade entre os sindicatos brasileiros e as empresas com as quais eles lidam, cabe às entidades elaborar suas próprias visões e estratégias de atuação frente à responsabilidade social.
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Perspectivas Três perspectivas principais se abrem a partir dessa percepção:
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A agenda da responsabilidade social traz sobreposição de interesses entre empresas e sindicatos de trabalhadores. Há um terreno comum de diálogo e negociação sobre temas que os sindicatos podem aproveitar e incorporar no âmbito da negociação coletiva. O movimento sindical pode aproveitar o tema e constituir-se com maior evidência em um ator global, até mesmo incorporando-se à rede de ONGs e outras entidades que têm como foco fiscalizar e questionar as ações das multinacionais. A responsabilidade social é o gancho para os sindicatos iniciarem ou impulsionarem ações internacionais no âmbito das redes/comitês de empresas. Essa experiência já foi iniciada em algumas federações internacionais.
O papel dos organismos internacionais será detalhado em outra reportagem desta revista. Vamos aqui abrir a discussão sobre o que essas organizações têm a ver com o sindicalismo brasileiro e a temática da responsabilidade social.
Globalização sindical As experiências de regulação para o comportamento empresarial socialmente responsável em relação aos trabalhadores têm sido baseadas em convenções e diretrizes da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Essas normas servem como ponto de partida para a atuação da CIOSL (Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres) e dos Sindicatos Globais para a negociação de maior participação dos trabalhadores.
Sindicatos se transformam em atores globais
As entidades sindicais cobram das empresas que elas devam ir além da ação voluntária, consolidando-se na realização de acordos globais capazes de traduzir as intenções da responsabilidade social em compromissos públicos e negociados com os sindicatos. A oportunidade para fortalecer a atuação sindical
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Direitos fundamentais O número de casos de violação dos direitos fundamentais, mesmo por empresas que adotam o discurso da responsabilidade social, ainda é significativo. Um exemplo é que a maioria dos códigos divulgados pelas empresas não menciona a liberdade sindical e o direito a negociação coletiva. As empresas também não costumam assumir responsabilidade sobre a cadeia produtiva e pelos trabalhadores terceirizados, os mais afetados pela precarização decorrente da globalização. Outro foco de atenção é que, no debate promovido pelas empresas em relação às suas ações, os interesses dos trabalhadores estão diluídos entre inúmeros outros interesses sociais da empresa. Para o movimento sindical internacional, a responsabilidade social somente será um espaço de ação para os trabalhadores se favorecer a negociação coletiva, a liberdade sindical e se promover os direitos fundamentais do trabalho. Diante disso, o movimento sindical não pode ficar à espera da benevolência das empresas e de suas “práticas sociais”. O primeiro passo para os sindicatos trabalharem seria familiarizar-se com o debate atual:
Consumidores valorizam empresas responsáveis A representatividade dos consumidores atentos à postura das empresas foi avaliada por uma pesquisa realizada em 2002 pela Environics International. Segundo a pesquisa, 16% da população brasileira prefere comprar produtos de empresas identificadas como socialmente responsáveis6 . Esse número chega a 60% na Austrália e 53% nos Estados Unidos, país que passou em 2002 por uma série de escândalos financeiros ligados a maquiagens de balanços. Esses escândalos financeiros comprometeram gravemente a imagem de grandes corporações como a empresa Enron de tecnologia, cujos principais dirigentes foram presos e respondem processos criminais.
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dentro do debate sobre responsabilidade social é uma conseqüência do próprio processo de globalização. Com a adoção de princípios de responsabilidade social por parte das multinacionais, abriu-se um espaço para que o movimento sindical internacional pressione pela equalização das condições de trabalho em diferentes partes do globo.
- conhecer as principais referências relevantes para os trabalhadores, como as diretrizes da OCDE e as convenções da OIT; - identificar atores nacionais e internacionais que possam fortalecer a promoção de seus interesses; - conhecer experiências nacionais e internacionais de outros sindicatos; - identificar e diferenciar as políticas de responsabilidade social das empresas através de seus discursos em relação aos códigos de conduta, balanço social, filiação a associações ligadas a responsabilidade social e participação em iniciativas ligadas ao tema.
6 Jornal Valor Econômico. Consumidor valoriza atitude ética. São Paulo, 21/06/2002
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Um ponto importante também é a participação dos trabalhadores nos debates sobre responsabilidade social promovidos por empresas e entidades não governamentais, inclusive reivindicando a presença de representantes nesses encontros. Três pontos que podem ser discutidos pelos trabalhadores:
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- por que a maioria das empresas recusam um monitoramento independente em relação à suas práticas de responsabilidade social? - como podem ser construídas estratégias para documentar as violações de direitos fundamentais no trabalho? - por que muitas empresas não permitem a organização dos trabalhadores nos locais onde exercem suas atividades?
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Alianças Como não são apenas os interesses dos trabalhadores que estão em jogo, a formação de alianças estratégicas com outras entidades da sociedade civil apresenta-se como uma alternativa importante. O principal poder das alianças está na possibilidade de pressionar as empresas a tomarem a sério os trabalhadores e sindicatos como parte interessada na temática da responsabilidade social. Através da participação sindical, pode-se avançar na adequação da prática empresarial e influenciar a política das empresas. É um caminho longo e difícil, que requer estratégias bem articuladas e percepção sobre os rumos da globalização.
QUEM CALA CONSENTE. Trabalho infantil atinge mais de 1 milhão de crianças no mundo Dados da
Federação Internacional Mundo dos Homens divulgados na quinta-feira (18) em Bruxelas revelaram que mais de 1 milhão de crianças são traficadas anualmente em todo o mundo, tendo como destino o trabalho forçado ou a exploração sexual. Segundo o estudo, Moçambique é um dos países apontados pela organização como local de origem e passagem de milhares de crianças, provenientes de países como o Zimbábue, que são levados para a África do Sul para trabalhar na agricultura e nas minas. O coordenador da Campanha Internacional contra o Tráfico de Crianças, Boris Scharlowski, disse que é difícil apurar o número total de crianças nesta situação. Na União Européia (UE), são vendidas anualmente 120 mil crianças e mulheres, provenientes dos países do Leste Europeu (Rússia, Ucrânia e Romênia), África (Serra Leoa e Nigéria) e Ásia (China e Afeganistão), para a Alemanha, Grécia, Itália e França. Folha de São P aulo - 19/09/2003 Paulo
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A roupa nova do imperador
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Pretendo fazer algumas ponderações sobre o tema da Responsabilidade Social. Minha perspectiva é a de alguém que já trabalhou para uma empresa multinacional brasileira e atualmente trabalha para uma entidade do movimento sindical. Por isso mesmo, tenho a sensação de que, embora muito se tenha dito sobre o tema, aspectos cruciais ainda não foram abordados. Começo observando as publicações empresariais sobre o assunto. Elas esmeram-se em novas denominações para a palavra trabalhador - integrantes, associados ou colaboradores -, fazendo crer que, de empregados ou funcionários, foram promovidos a público interno. E para discutir este tema com os próprios, as empresas realizam eventos interessantes em hotéis de qualidade, onde a hora do lanche é usada para networking (criar redes de relacionamentos). Embora se diga que os trabalhadores são uma dessas stakeholders (partes interessadas), raras vezes se vê representantes sindicais nesses eventos de várias estrelas e preços salgados. Nessas ocasiões freqüentemente se fala dos princípios do negócio,
discriminação. Contudo, mesmo com todos esses movimentos na direção certa, a prática da responsabilidade social empresarial que está emergindo no Brasil não empolga. Provavelmente, porque não considera as prioridades do movimento sindical brasileiro como a geração de empregos, aumento do poder aquisitivo e a correção da distribuição desigual das rendas geradas. As empresas que têm boas intenções ou ações albergadas sob a bandeira da responsabilidade social terão o desafio de explicar a milhares de trabalhadores terceirizados, por exemplo, a perda de seu poder aquisitivo e a perda de direitos e benefícios. Como explicar para esses trabalhadores por que eles não fazem mais parte do reduzido grupo que merece o tratamento responsável por parte da empresa? Como explicar para os que fazem parte de uma joint venture (parceria entre empresas) que o seu Código de Conduta já não se aplica, justamente por ser uma joint venture na qual a empresa não é mais a única que toma decisões? É amargo para os trabalhadores serem etiquetados como “essenciais para a inovação e desenvolvimento do negócio” e lerem no jornal a notícia de que “12 mil serão demitidos para reconquistar a confiança dos investidores”. A lacuna entre o que é dito e o que é feito, entre a “força de mercado” e a “responsabilidade social”, é enorme. Fica ainda mais explícita em debates como o que girou em torno do aumento desproporcional dos salários e bônus dos altos executivos, mesmo em tempos de crise. O objetivo das empresas é o lucro, mas a aspiração de trabalhadores e da sociedade, manifestada através de suas organizações civis, cada vez mais é de que a responsabilidade social empresarial se estenda por toda a cadeia produtiva e não se limite a um grupo cada vez menor de trabalhadores. Fica difícil explicar como uma empresa apóia o programa Fome Zero, produz lucros substanciais mas não
tem nenhuma iniciativa para impedir que trabalhadores rurais localizados no início de sua cadeia produtiva passem fome. Essas incongruências deveriam aparecer nos eventos promovidos pelas empresas para seu “público interno”. Isso porque o debate da responsabilidade social precisa tratar da exclusão social, da geração de emprego estável e salário decente para os trabalhadores em toda a cadeia produtiva. Assim, as empresas deixarão de promover uma estratégia de gestão que procura agregar valor e perpetuar o negócio para desenvolver uma nova cultura empresarial que, além de envolver os trabalhadores no crescimento do “bolo”, mostra maturidade e coragem de discutir também a sua divisão. O movimento sindical e o empresarial podem e devem encontrar uma saída conjunta. A luta pela inclusão de trabalhadores do setor informal não se contrapõe à busca de expansão de mercado, assim como a exigência das empresas por trabalhadores qualificados não colide com o desejo de aperfeiçoamento e de melhores condições laborais dos empregados. Enquanto as empresas querem um ambiente econômico estável e com força de compra, os sindicatos querem salários decentes em toda a cadeia produtiva. O encontro das agendas depende dos dois lados. Portanto, é fundamental que os sindicatos e as suas prioridades façam parte do debate sobre responsabilidade social empresarial. Sem a sua participação, o tema corre o risco de ser etiquetado como a mais recente campanha publicitária da roupa nova do imperador.
ARTIGO
dos códigos de conduta e da ética empresarial. Mas não se comenta sobre a falta de acesso dos trabalhadores aos documentos fornecidos. Em muitos casos, eles são produzidos em outras línguas e não existe tradução para o português. É essencial que, ao tratarem da responsabilidade social, as empresas levem em conta os interesses dos trabalhadores. É preciso aperfeiçoar a comunicação entre as partes, tratando de entender o “idioma” que cada um fala e mesmo promovendo encontros além dos momentos de negociação salarial. Para os representantes sindicais, incrementar o diálogo com os empresários é quase tão importante quanto manter o diálogo com quem eles representam. E isto implica terem acesso ao local de trabalho, às reuniões promovidas pela empresa e aos mais variados espaços de diálogo. O encontro entre empresários e sindicalistas e a manutenção de diálogo permanente entre as partes ocorre em vários países, mesmo nas empresas que estão instaladas no Brasil mas não mantêm aqui a mesma prática. Em países como a Holanda e a Alemanha, o envolvimento dos trabalhadores e seus representantes na gestão da empresa pode ser considerado tradição e até virou lei. Não é, portanto, um sonho impossível desejar que também no Brasil, onde programas como Qualidade Total, Kanban e S8 já entraram, alguns aspectos dessas relações trabalhistas comecem a ser implementados. A tímida participação dos sindicatos no debate sobre responsabilidade social empresarial explica, em grande parte, as reservas em relação ao tema. “Puro marketing”, “é só propaganda” ou “é balela” são algumas das expressões comuns entre sindicalistas quando entram no assunto. Os sindicatos olham com interesse para os códigos de conduta, apoiam as iniciativas de erradicar o trabalho infantil e somam esforços na busca de um ambiente de trabalho sem
Pieter Sijbrandij é engenheiro e coordenador de Projetos do Observatório Social
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A import창ncia dos Acordos Globais
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CÓDIGOS DE CONDUTA
negociação coletiva e a igualdade de oportunidade. Proíbem a discriminação, o trabalho infantil e o trabalho forçado. Também podem incluir questões ligadas à saúde, segurança, jornada de trabalho, salário decente, meio ambiente e treinamento. Os acordos não protegem contra demissões, baixos salários e terceirização. Mesmo assim, representam um instrumento importante da luta sindical para a inclusão dos trabalhadores. Firmar acordos globais é uma estratégia recente do sindicalismo internacional. A maioria dos quase 30 acordos firmados são dos últimos três anos. Em geral, as empresas que assinam os acordos têm, nos países de origem, uma maior tradição de consulta e participação de trabalhadores e sindicatos na gestão de negócios. Com exceção de
ACORDOSGLOBAIS
A maioria dos códigos de conduta das empresas são elaborados sem a participação dos trabalhadores. Por serem unilaterais, boa parte deles não estabelecem um conjunto mínimo de padrões trabalhistas, não abordam todos os direitos fundamentais e também não garantem a verificação do que foi estabelecido. Já o Acordo Marco Global é o resultado de uma negociação entre a empresa multinacional e os representantes de seus trabalhadores. Estabelece posturas que garantem o cumprimento dos direitos fundamentais no trabalho. O acordo serve para todas as unidades da empresa no mundo e prevê uma série de compromissos, estabelecendo um marco mínimo, que é complementado em cada país pela legislação nacional e as convenções e acordos coletivos locais. Os acordos globais garantem os direitos fundamentais como a liberdade sindical, a
ACORDOS MARCOS GLOBAIS
Iniciativas unilaterais
Negociados entre trabalhadores e a direção da empresa
Não necessariamente reconhecem todos os direitos fundamentais no trabalho
Reconhecem todos os direitos fundamentais no trabalho
Raramente tratam o assunto de fornecedores
Geralmente tratam do assunto de fornecedores
Monitoramento, se houver, controlado pela empresa
Sindicatos envolvidos na implementação
Base fraca para diálogo trabalho-empresa
Base firme para diálogo entre os sindicatos e a direção da empresa Elaboração: FITIM - www.imfmetal.org
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três empresas, todas as demais têm origem européia. A negociação dos acordos sempre é feita entre os sindicatos globais e as empresas. Muitas vezes, o sindicato global é apoiado pelo sindicato do país de origem, que tem um contato maior com a direção do grupo empresarial. Em
EMPRESA Accor Danone Chiquita Fonterra IKEA Faber-Castell Hochtief Skanska Ballast Nedam Carrefour OTE Telecom Telefónica ISS Merloni Volkswagen DaimlerChrysler Gea Leoni Statoil Freudenberg Endesa Norske Skog AngloGold ENI
PAÍS França França USA Nova Zelândia Suécia Alemanha Alemanha Suécia Holanda França Grécia Espanha Dinamarca Itália Alemanha Alemanha Alemanha Alemanha Noruega Alemanha Espanha Noruega África do Sul Itália
um mundo marcado pela presença das multinacionais, os sindicatos globais têm assumido um papel cada vez mais importante nos assuntos trabalhistas. Os acordos marcos globais fortalecem os sindicatos nacionais onde a empresa opera para que eles reivindiquem maior responsabilidade social empresarial.
SETOR
SINDICATO GLOBAL
Hoteleiro Alimentos Agricultura Laticínios Mobiliário Mat. Escritório Construção Construção Construção Varejo Telecomunicações Telecomunicações Serviços gerais Ind. Metalúrgica Ind. Automóveis Ind. Automóveis Engenharia e sistemas Fios e cabos Ind. Petróleo Ind. Química Ind. Energia Papel Mineração Energia, petróleo Petroquímica
UITA1 UITA UITA UITA FITCM2 FITCM FITCM FITCM FITCM UNI3 UNI UNI UNI FITIM4 FITIM FITIM FITIM FITIM ICEM5 ICEM ICEM ICEM ICEM ICEM
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União Internacional de Trabalhadores da Alimentação e Afins. Federação Internacional de Trabalhadores da Construção e da Madeira. 3 Rede Internacional Sindical. 4 Federação Internacional de Trabalhadores da Indústria Metalúrgica. 5 Federação Internacional de Trabalhadores da Química, Energia, Mineração e Indústrias Diversas. 2
Fontes: CIOSL - Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres - 2003 Friedrich Ebert Stiftung Korea - http://www.fes.or.kr/Industrial_Relations/List_FA.html - 2002 Atualização Observatório Social - 2003
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ANO 1995 1988 2001 2002 1998 1999 2000 2001 2002 2001 2001 2001 2003 2002 2002 2002 2003 2003 1998 2000 2002 2002 2002 2003
Sindicalistas denunciam ação violenta da CocaCola na Colômbia Uma Coca-Cola
delegação de sindicalistas brasileiros (incluindo dirigentes do Sindicato dos Químicos Unificados de Campinas, Osasco e Vinhedo) e europeus, juntamente com diversas organizações mundiais de Direitos Humanos, estão na Colômbia, desde o dia 7, para dar início a uma campanha mundial de denúncia contra o estado de terror e violência que reina contra sindicalistas, índios e militantes de organizações sociais pelo governo colombiano e, sobretudo, pela ação das multinacionais, principalmente, a Coca-Cola. Denúncias dão conta que a Coca-Cola e suas subsidiárias na Colômbia envolveram-se nos conflitos que levaram nove trabalhadores à morte, 48 expulsões do local de trabalho e ou moradia, dois exílios, incontáveis prisões sem provas ou processos formais, além de 67 sindicalistas estarem sob ameaça de morte. InformaCUT - 19/09/2003
POR FORA BELA VIOLA POR DENTRO PÃO BOLORENTO
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Referências Internacionais
N
No Brasil, essas referências ganharam importância a partir da abertura econômica e das discussões sobre a flexibilização trabalhista. Os documentos podem ser divididos em três grupos:
1. Documentos produzidos por organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Internacional do Trabalho (OIT), Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE). 2. Iniciativas regionais com impacto direto sobre os blocos econômicos como Mercosul e União Européia, com destaque para a Declaração Sóciolaboral do Mercosul, o Acordo de Cooperação Laboral da América do Norte da NAFTA e as diretrizes assinadas entre trabalhadores e a Comunidade Européia. 3. Experiências elaboradas por sindicatos, empresas e organizações internacionais e que são baseadas nos Direitos Fundamentais da OIT e nas Diretrizes da OCDE.
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Nos últimos anos, diversos documentos se tornaram referências importantes para avaliar a responsabilidade empresarial e servir como marco das negociações entre patrões e empregados. São normas internacionalmente reconhecidas por governos, empresários e trabalhadores em relação a padrões sóciotrabalhistas. Trata-se do coração do debate da responsabilidade social do ponto de vista trabalhista e sindical no âmbito internacional. Uma empresa que se define como socialmente responsável deve, ao menos, considerar os aspectos definidos por estes documentos.
Esses documentos são bastante amplos e sua abordagem detalhada demandaria muito tempo e espaço. É possível, contudo, relacionar informações que sirvam como ponto de partida para a realização de debates e pesquisas sobre a responsabilidade social, bem como sobre o papel dos trabalhadores e dos empresários. No Brasil, muitas referências
internacionais só começam agora a fazer parte da agenda dos sindicatos. São documentos amplamente aceitos por trabalhadores de países como França, Inglaterra e Holanda, e que deram aos sindicatos daqueles países um leque muito mais amplo de atuação. O objetivo, então, é que sirvam como ferramentas importantes para reforçar o poder de diálogo e de negociação do trabalhador brasileiro
REFERÊNCIASINTERNACIONAIS
ONU As Nações Unidas são uma organização internacional formada por 189 países - dentre eles o Brasil -, fundada com o término da Segunda Guerra Mundial para manter a paz, a segurança internacional, fomentar relações amistosas entre as nações, promover o progresso social, melhores padrões de vida e os direitos humanos. Os Estados-membros são unidos pela Carta da ONU, um tratado internacional que enuncia os seus direitos e deveres como membros da comunidade internacional.1 Dentre os marcos que podem ser usados como referência para a discussão sobre responsabilidade social e que foram preparados pela ONU, destacam-se:
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS É o primeiro marco referencial sobre o debate da responsabilidade social. Foi aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 1948 e tem 30 artigos que detalham quais são os direitos fundamentais do homem. O documento reconhece como um direito inalienável o de todas as pessoas serem protegidas de práticas discriminatórias e abusivas. 2 Nessa declaração aparece pela primeira vez a concepção de que os direitos trabalhistas devem ser considerados como direitos humanos. Destacam-se: •
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Preocupação com a segurança pessoal e do local de trabalho.
•
Repúdio ao trabalho escravo e aos maus tratos.
•
Direito a repouso e lazer e a uma limitação das horas trabalhadas.
•
Liberdade de expressão, manifestação e associação.
•
Direito a férias periódicas e pagas.
•
Direito das pessoas fundarem sindicatos e de serem filiadas a eles.
•
Direito de terem um trabalho escolhido livremente.
•
Proteção contra o desemprego.
•
Direito a receber salário igual por trabalho igual e uma remuneração que garanta ao indivíduo e sua família uma existência digna.
Para acompanhar a execução desses compromissos, foi criada a Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos. O país que viola os direitos é questionado a resolver o problema.
Mais informações podem ser obtidas no site da ONU no Brasil: http://www.unicrio.org.br/ A íntegra da Declaração Universal dos Direitos Humanos está em http://www.unicrio.org.br/Biblioteca.cfm
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DECLARAÇÃO DO RIO e AGENDA 21 Principais documentos assinados durante a Rio-92 (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano), uma das mais importantes conferências organizadas pela ONU em todos os tempos. A declaração do Rio delineia, em 27 princípios, a parceria global para a proteção da integridade do sistema global de meio ambiente e desenvolvimento. Foi assinada pelo Brasil, anfitrião do evento, e outros 169 países. A Agenda 21 pode ser considerada o desdobramento num plano de ação sobre meio
Da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico participam somente os países mais industrializados. Seus integrantes buscam trocar informações e harmonizar diretrizes para incrementar o desenvolvimento econômico. O Brasil é membro observador da OCDE. Em 2000, a entidade concluiu um ampla revisão em um de seus principais documentos, as Diretrizes para as Empresas Multinacionais, visando promover a conduta empresarial socialmente responsável.5 Essa revisão introduziu os chamados Pontos de Contato Nacional, um canal de diálogo com as instâncias de governo responsáveis pela promoção das Diretrizes citadas acima. Os Pontos de Contato são definidos por cada governo. Os princípios mais importantes para os trabalhadores estão no capítulo IV, que trata do emprego e relações empresariais:
ambiente e desenvolvimento e coloca os seres humanos como centro das atenções. A agenda prevê uma mudança nos padrões de desenvolvimento estabelecidos, indicando mais de 100 ações necessárias a essa mudança. No que diz respeito ao interesse dos trabalhadores, a Agenda 21 é um guia para a implementação de um novo modelo de desenvolvimento, buscando a igualdade e a justiça nas relações econômicas entre países. Os capítulos 29 e 30 abordam diretamente o papel dos trabalhadores, dos sindicatos e das empresas.3
Segundo o documento, os sindicatos têm grande importância para a obtenção de um desenvolvimento sustentável, devido ao papel que exercem de representantes dos trabalhadores. Para isso, as empresas devem assegurar que os trabalhadores possam ter acesso a todas as informações pertinentes e tenham o direito de participar de auditorias de meio ambiente nos locais de trabalho. Na parte voltada para a responsabilidade empresarial, um dos objetivos é aumentar o número de empresas que apóiem políticas de desenvolvimento sustentável.
- Respeitar o direito dos trabalhadores de se fazerem representar por sindicatos e outra organizações legítimas de representação de trabalhadores; - Proporcionar, aos representantes dos trabalhadores, os meios necessários à elaboração de acordos coletivos de trabalho efetivos; - Fornecer informações aos trabalhadores e seus representantes que lhes permitam ter uma idéia exata sobre a atividade e resultados da entidade ou da empresa como um todo. - Respeitar padrões, em matéria de emprego e de relações empresariais, não menos favoráveis do que os observados por empresas da mesma dimensão e setor, no país de acolhimento; - Empregar, nas respectivas atividades e na medida do praticável, o maior número possível de pessoal local, dando-lhes formação, com vistas a aumentar os respectivos níveis de qualificação; - Fornecer aos representantes dos trabalhadores e, quando apropriado, às autoridades públicas competentes, com antecedência, todas as informações que digam respeito à previsível introdução de alterações na atividade da empresa, suscetíveis de afetar, de modo significativo, os modo de vida dos trabalhadores; - Não influenciar, de modo desleal, negociações conduzidas de boa fé com representantes dos trabalhadores sobre as condições de trabalho ou não prejudicar o exercício do direito de associação dos trabalhadores; - Permitir, aos representantes autorizados dos trabalhadores, a condução de negociações relativas a acordos coletivos de trabalho ou a relações entre trabalhadores e empregadores, permitindo às partes realizar consultas sobre matérias de interesse comum.
Informações completas sobre a Agenda 21 podem ser obtidas no site do Ministério do Meio Ambiente: http://www.mma.gov.br/port/se/agen21/ 4 Mais informações podem ser obtidas no site da OIT: http://www.oitbrasil.org.br/ 3
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• Direito à Liberdade de Sindicalização e à Negociação Coletiva: - Convenção 87 - Direito livremente exercido pelos trabalhadores e pelos empregadores, sem distinção alguma, de se organizarem para promover e defender seus interesses respectivos. - Convenção 98 - Proteção dos trabalhadores quanto ao exercício do direito de sindicalização, proteção das organizações dos trabalhadores e de empregadores contra atos de ingerência de uma com relação às outras, e promoção da negociação coletiva voluntária. • Abolição do Trabalho Forçado: - Convenções 29 - Supressão do trabalho forçado ou obrigatório. - Convenção 105 - abolição em todas as suas formas do trabalho forçado ou obrigatório imposto com determinados fins. • Abolição do Trabalho Infantil: - Convenção 138 - Abolição do trabalho infantil; fixação da idade mínima de admissão ao emprego ou ao trabalho, em nível que não seja inferior à idade em que cessa o ensino obrigatório (normalmente aos 15 anos). - Convenção 182 - Sobre as piores formas do trabalho infantil.
OCDE
• Proibição de discriminação no trabalho e na profissão: - Convenção 100 - Remuneração igual para homens e mulheres por um trabalho de igual valor. - Convenção 111 - Promoção da igualdade de oportunidade e de tratamento em matéria de emprego e de ocupação.
Os países que ratificam as convenções são obrigados a transformá-las em lei nacional. Destas oito, o Brasil ratificou sete. A exceção é a Convenção 87, que provavelmente, com a conclusão da reforma sindical e trabalhista, será ratificada.
REFERÊNCIASINTERNACIONAIS
Ligada à ONU, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma agência multilateral especializada nas questões do trabalho. Tem representação de governos, de organizações empresariais e de entidades de trabalhadores. 4 Dentre as inúmeras convenções criadas, oito delas são reconhecidas como direitos fundamentais do trabalho:
Em relação à conduta das multinacionais, a OIT criou a Declaração Tripartite de princípios Sobre Empresas Multinacionais e Política Social. A finalidade desse documento é estabelecer instrumentos internacionais para regulamentar a conduta das multinacionais e fixar as relações com os países que as hospedam. A adoção dessa declaração é voluntária, pois tem o objetivo de ser uma recomendação aos governos, empresas e trabalhadores. A Declaração Tripartite incorpora os direitos fundamentais do trabalho e acrescenta os temas:
• Promoção do emprego: é papel do governo formular e executar políticas, as multinacionais devem colaborar. • Segurança no emprego: governo e multinacionais devem adotar medidas para assegurar um emprego estável e com seguridade social. • Formação: governos, multinacionais e representantes dos trabalhadores devem elaborar políticas de formação orientadas para o emprego. • Condições de trabalho: deve ser garantido um trabalho que atenda as necessidades básicas das pessoas. • Segurança e higiene: as empresas devem adotar normas adequadas e, se possível, incorporá-las aos acordos coletivos. • Consultas: a legislação do país deve contemplar a garantia de os trabalhadores realizarem consultas que atendam os interesses deles e das empresas onde trabalham. • Reclamações: o trabalhador deve ter o direito de apresentar reclamações sem sofrer sanções por parte da empresa. • Conflitos: empresas e organizações de trabalhadores devem buscar mecanismos de conciliação voluntária e adequada às características dos países onde as empresas atuam.
OIT 5
Mais informações podem ser obtidas em http://www.fazenda.gov.br/sain/pcnmulti/
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Blocos regionais Declaração Sociolaboral do Mercosul Está baseada nos princípios a serem respeitados pelos países-membros e contém importantes diretrizes sobre os direitos dos trabalhadores no âmbito do Mercosul. Estabelece normas ligadas aos direitos individuais e coletivos como a não discriminação; compromisso dos Estados com a promoção da igualdade para trabalhadores migrantes e fronteiriços; liberdade de associação; liberdade sindical. A íntegra do documento está em http://www.sindicatomercosul.com.br/documen12.htm
Acordo de Cooperação Laboral da América do Norte Tem o objetivo de promover melhorias nas condições de trabalho e na qualidade de vida das populações que vivem no âmbito do NAFTA (Canadá, Estados Unidos e México). A partir do acordo, os sócios do NAFTA estabeleceram programas em várias áreas como trabalhistas, saúde, segurança, gênero, migração e trabalho infantil. Em linhas gerais, os princípios delineados pelo acordo referendam os Direitos Fundamentais estabelecidos pela OIT. Os três países do NAFTA comprometeram-se a estabelecer os princípios de acordo com as legislações locais.
União Européia Os países integrantes da União Européia (UE) ratificaram as convenções fundamentais da OIT e são membros integrantes da OCDE, subscrevendo desta maneira as diretrizes para as multinacionais. Além disso, em vários países do bloco existe uma vasta experiência com relações de trabalho, construída num ambiente de liberdade sindical. O resultado é uma ampla legislação de co-determinação, por meio de comitês de fábrica e comitês de empresa em nível nacional. Desta experiência, a Comissão da União Européia baixou uma diretiva em 1994 que obriga a implementação de comitês europeus por empresa para todas aquelas que tiverem mais de 1000 trabalhadores e presentes em dois países membros da UE. Em 2001, a União Européia lançou o “Livro Verde” para elaborar sua política de responsabilidade social empresarial. No debate, sindicatos e organizações da sociedade civil enfatizaram que o caráter voluntário das iniciativas empresariais não é suficiente para salvaguardar os direitos de trabalhadores e cidadãos. Defendem, por isso, uma regulamentação que estabeleça normas mínimas a serem cumpridas pelas empresas.
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Em 2002, publicou-se o “Livro Branco”, intitulado “Comunicação da Comissão relativa à responsabilidade social das Empresas: um contributo das empresas para o desenvolvimento sustentável”. A base desse documento é que a liberalização dos mercados deve ser acompanhada de um sistema eficaz de governança que inclua as dimensões sociais e ambientais. O documento não atende às principais reivindicações expressas pelos sindicatos no debate anterior.
REFERÊNCIASINTERNACIONAIS
Outras iniciativas Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres (CIOSL) Esta entidade tem 231 organizações filiadas e representa 158 milhões de trabalhadores. Entre suas prioridades está a ação junto às multinacionais como parte de uma resposta pelo processo de globalização. O objetivo é fazer com que as empresas respeitem os direitos dos trabalhadores e estabeleçam um
diálogo global com as organizações sindicais. A entidade elaborou o Código Básico de Práticas Trabalhistas, baseado nas normas da OIT. Este código é utilizado pelos sindicatos globais como referência na negociação com multinacionais de acordos marcos globais6.
Global Compact O Global Compact é uma iniciativa da ONU que visa mobilizar a comunidade empresarial internacional para a promoção de valores fundamentais nas áreas de direitos humanos, trabalho e meio ambiente. Conta com a participação de empresas, sindicatos, organizações não governamentais e diversas agências da ONU.7 Atualmente, mais de mil empresas fazem parte da iniciativa. Convoca as empresas a incorporarem nove princípios básicos: 1. Apoiar e respeitar a proteção aos direitos humanos dentro de sua esfera de influência. 2. Assegurar que suas próprias corporações não sejam cúmplices de abusos contra os direitos humanos. 3. Liberdade de associação e reconhecimento do direito de negociação coletiva. 4. Eliminação de todas as formas de trabalho forçado e compulsório. 5. Eliminação efetiva do trabalho infantil. 6. Eliminação da discriminação em relação ao emprego e ocupação. 7. Apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais. 8. Adotar iniciativas promotoras de maior responsabilidade ambiental. 9. Encorajar o desenvolvimento e difusão de tecnologias ambientais limpas. 6 O site http://www.cioslorit.org traz informações completas sobre a atuação da CIOSL no continente americano. Pode ser acessado em português, espanhol e inglês. 7 Mais informações em http://www.ethos.org.br/docs/empresas_entidades/global_compact/index.shtml
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Global Reporting Initiative (GRI)
SA 8000
O principal objetivo da GRI é desenvolver e disseminar globalmente diretrizes para a elaboração de relatórios de sustentabilidade (Sustainability Reporting Guidelines) integrando informações sociais, econômicas e ambientais. Ao empregar o padrão GRI, as empresas facilitam a análise e a comparação de seus desempenhos de responsabilidade social. Nesse sentido, complementa o Global Compact, pois tenta transformar seus princípios em algo mensurável e 8 verificável. Os principais princípios são: transparência; inclusão (as informações devem ser elaboradas com participação das partes interessadas); comparabilidade; integralidade; relevância; auditoria dos dados divulgados. Atualmente 314 organizações seguem as Diretrizes para elaboração de seus relatórios anuais.
Norma internacional baseada no sistema de auditoria ISO 9000 e inspirada nas convenções internacionais sobre direitos humanos. Tem a finalidade de verificar as condições de trabalho através de uma norma universal para todos os ramos da economia. A SA 8000 prevê que o comprometimento da empresa vá além de um simples programa de responsabilidade social e que suas práticas sejam verificadas por instâncias 9 independentes. Atualmente, 276 unidades de produção (das quais 39 no Brasil) foram certificadas.
Iniciativa do governo francês Em 2002, a França aprovou uma lei que obriga as empresas a apresentarem relatórios anuais sobre os impactos sociais e ambientais de suas atividades. Nestes relatórios, entre outras medidas, as empresas devem apresentar seus planos de redução e recolocação de quadros; salários e sua evolução; sua avaliação dos acordos coletivos e dados sibre terceirização. A finalidade desse relatório é mostrar em que medida a empresa está preocupada com os impactos de suas atividades. As informações também devem conter dados 10 sobre as subsidiárias das empresas em outros países.
AA 1000 A AA1000 busca fornecer o primeiro padrão internacional de gestão de ética e responsabilidade social, tomando como base fundamental o processo de engajamento das partes interessadas. Seu objetivo principal é fornecer, através da AA1000, uma ferramenta prática para guiar organizações no aperfeiçoamento e na comunicação da responsabilidade social. No processo AA1000, é justamente o processo de sistematização do envolvimento das partes interessadas que legitima a empresa como sendo socialmente responsável, tornando as informações que leva a público mais confiáveis, e possibilitando ainda o gerenciamento de riscos potenciais em relação a cada parte interessada e a melhoria do relacionamento da empresa com seus diferentes públicos. A AA1000 não se trata de uma certificação, e sim um padrão. Ela não verifica a conformidade do desempenho 11 segundo um ideal, pois prefere focar na promoção da aprendizagem contínua da organização. Os documentos, normas e diretrizes relacionados aqui foram construídos ao longo de pelo menos 50 anos de atuação de entidades e associações preocupadas com a melhoria da qualidade de vida e de trabalho no planeta. São importantes referências nos debates e negociações entre trabalhadores e empresários.
No Brasil, a discussão tomou corpo a partir da percepção de que os frutos da globalização devem ser colhidos de maneira igualitária. A partir desses documentos, os trabalhadores e as empresas podem partir de idéias e iniciativas concretas que dêem um significado palpável ao que se convencionou chamar de responsabilidade social empresarial.
www.globalreporting.org A norma completa da SA 8000 está disponível em http://www.balancosocial.org.br Décret n° 2002-221 du 20 février 2002. Em: http://www.legifrance.gouv.fr/WAspad/UnTexteDeJorf?numjo=JUSC0220073D 11 Disponível em: http://www.accountability.org.uk/aa1000/default.asp. 8
9 10
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U
Uma portaria ministerial criou oficialmente, em 12 de maio de 2003, o Ponto de Contato Nacional (PCN) no Brasil, segundo as diretrizes para as Multinacionais – OCDE. A institucionalização veio confirmar uma estrutura que já se desenhava antes, inclusive com denúncia já apurada pelo diretor do Ponto de Contato brasileiro, Antônio Gustavo Rodrigues.
Antônio Gustavo Rodrigues, diretor do Ponto de Contato brasileiro
Em janeiro de 2002, a CUT enviou carta ao Ministério das Relações Exteriores (órgão oficialmente responsável pela implementação das Diretrizes da OCDE no Brasil), assinalando a importância da instalação do PCN, uma vez que o país havia aderido às Diretrizes e, conseqüentemente, se comprometido com sua instalação. Oito meses mais tarde, nova carta da CUT ao mesmo Ministério reforça a importância da instalação do PCN e aponta irregularidades em demissões coletivas realizadas pela Parmalat na fábrica de Porto Alegre. A denúncia, feita com o apoio do Sindicato da Alimentação (STIPANPA), tem como base o artigo 6º do capítulo 4 das Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais. A partir da denúncia, o Ponto de Contato marcou reunião com representantes da empresa e da CUT, realizada em março. Em junho foi publicada a decisão sobre o caso, recomendando que a empresa aperfeiçoe seus procedimentos de
PCN
PONTO DE CONTATO
31
reestruturação em futuras situações e promova a participação de outras partes interessadas antes de decidir sobre questões que afetam a vida da comunidade. Neste mesmo período a Portaria institucionalizou o PCN. A oficialização ocorreu no âmbito do Ministério da Fazenda, prevendo ainda a representação dos ministérios das Relações Exteriores; do Planejamento, Orçamento e Gestão; do Trabalho e Emprego; da Justiça; do Meio Ambiente; da Ciência e Tecnologia; do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; e Banco Central do Brasil. No site www.fazenda.gov.br/sain/pcnmulti várias informações são encontradas, inclusive os nomes dos integrantes do Ponto de Contato Nacional. Antônio Gustavo Rodrigues define as atribuições do PCN em dois aspectos principais: o jurisdicional, de arbitragem isenta sobre denúncias formalizadas; e o diplomático, de divulgar as Diretrizes e de denunciar as ações das empresas multinacionais junto aos PCNs de outros países.
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O caso Parmalat O primeiro caso denunciado no Brasil baseado nas Diretrizes da OCDE foi a decisão da Parmalat de transferir as atividades da linha de produção de iogurtes da fábrica de Porto Alegre e demitir grande parte dos trabalhadores sem informá-los ou aos seus representantes. O artigo 6ª do capítulo 4 das Diretrizes diz que a empresa deve fornecer "aos representantes dos trabalhadores e, quando apropriado, às autoridades públicas competentes, com a devida antecedência, todas as informações que digam respeito à previsível introdução de alterações na atividade da empresa, suscetíveis de afetar, de modo significativo, o modo de vida dos trabalhadores, em especial, no caso de fechamento de unidades que impliquem demissões coletivas; cooperar com esses representantes e com as autoridades, no sentido de mitigar tanto quanto possível os efeitos adversos das medidas em causa". O artigo é ainda mais incisivo na sua parte final: "Dependendo das circunstâncias específicas de cada caso e na medida do possível, fornecer tais informa-
ções antes mesmo de ser tomada a decisão final". Conforme a denúncia formalizada pela CUT e Sindicato da Alimentação de Porto Alegre, a empresa enviou uma carta aos funcionários, no dia 11 de junho, informando da transferência, que ocorrerá em novembro. A Parmalat nunca havia mencionado sua intenção ou decisão de transferência antes. Ainda em junho, o STIPANPA tentou negociar com a empresa melhores condições para os trabalhadores que seriam demitidos, sem muito sucesso. Na fábrica trabalhavam 410 empregados e a previsão é de que pelo menos 164 serão demitidos. A empresa tem despedido desde agosto uma média de 50 trabalhadores por mês. Esta política de transferência e demissões da Parmalat não se resume ao caso relatado para o PCN. Os pesquisadores do Observatório Social estão realizando pesquisa na empresa e verificaram que ela pretende concentrar sua produção de lácteos para a região Nordeste na fábrica de Garanhuns (Pernambuco). Assim, vendeu a unidade de Morada Nova (CE) e diminuiu de 130 para 15 os traba-
A ação sindical O tema da responsabilidade social empresarial surge recentemente como mais um campo de atuação sindical. Para os trabalhadores das multinacionais, as normas, diretrizes e códigos internacionais de conduta empresarial podem ser mais um instrumento para reivindicarem melhores condições de trabalho ou mesmo lutarem contra agressões ambientais. No caso específico das Diretrizes da OCDE, o TUAC (Comitê Consultivo Sindical da OCDE) pro-
duziu o Guia do Usuário das Diretrizes para as Empresas Multinacionais da OCDE, que no Brasil foi traduzido pelo Observatório Social. Nos dias 26 e 27 de maio, a Secretaria de Relações Internacionais da CUT/ Projeto Ação Frente às Multinacionais, a FES (Fundação Friedrich Ebert Stiftung), a Rede Global e o Observatório Social realizaram um seminário com o objetivo de familiarizar os dirigentes sindicais com as Diretrizes. Estiveram presentes o diretor do PCN brasileiro, Antônio Gustavo Rodrigues, o representante do PCN chileno Pedro Sepúlveda Alarcon e por parte do TUAC, Roland Schneider. Alarcon explicou que o PCN funciona de forma permanente no Chile desde 2001. Lá, quem toma as decisões e assume a responsabilidade é a instância de governo que o dirige (Ministério de Relações Exteriores). No entanto, existe a participação, na condição de órgão consultivo, de representantes da maior central sindical chilena, da organização nacional de empresários agrícolas, de empresários industriais, do Greenpeace chileno, de uma ONG que realiza estudos sobre multinacionais, ou-
tra especializada em temas ligados ao desenvolvimento, uma organização de consumidores, do órgão responsável pela arrecadação fiscal do governo e, finalmente, do Ministério do Trabalho. Durante sua exposição no Seminário, Rodrigues afirmou que o governo brasileiro prefere dar um perfil técnico ao órgão, mas não descartou a possibilidade de avanço para um fórum mais amplo. O assessor da Secretaria de Relações Internacionais da CUT, José Drummond, lembrou que as normas da OCDE são ações complementares às negociações coletivas. Ciro Torres, do Ibase, completou: "Essa é mais uma ferramenta importante, que não substitui a negociação coletiva tradicional; através dela podese usar o Estado em favor dos trabalhadores". Outro aspecto, destacado pela representante da Oxfam Internacional, Katia Maia, é que as Diretrizes tornam-se um espaço importante de diálogo entre os atores sociais, governos e empresas, com o objetivo de promoção e concretização da justiça social.
PCN
lhadores no Rio Grande do Norte. Das 33 fábricas que tinha no país, a Parmalat fechou ou vendeu 25 em menos de seis anos. No caso da unidade de Porto Alegre, mesmo que a empresa tenha fechado acordo sobre as compensações oferecidas aos empregados demitidos, o diretor do Ponto de Contato assinala que a Parmalat não explorou alternativas para o fechamento da unidade ao não envolver os trabalhadores e as três esferas governamentais (municipal, estadual ou federal) na fase que antecedeu sua decisão. "Deixou, portanto, de atender àquela prescrição das Diretrizes".
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Governo vai premiar empresa que reduzir acidentes As empresas que
conseguirem reduzir os acidentes de trabalho vão ser recompensadas pelo governo. Para incentivar a redução dos acidentes, o Ministério da Previdência Social vai estabelecer regras para a aplicação da Lei 10.666, que vigora desde maio último e prevê queda de até 50% nas alíquotas de contribuição pagas pelas trabalho. A mesma empresas para o financiamento do seguro de acidente do trabalho lei prevê que as alíquotas podem dobrar de acordo com a freqüência, gravidade e custo dos acidentes de trabalho. A contribuição paga pelas empresas para o custeio do acidente de trabalho varia de 1% a 3% sobre a folha de salário, dependendo da atividade econômica a que pertencem. A alíquota é de 1% nas empresas onde o risco de acidente é menor e de 3% nas de alto risco. O secretário de Previdência Social, Helmut Schwarzer, disse que a regulamentação está a cargo do Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) e deverá estar concluída até o início do próximo ano. “Queremos premiar as empresas que estimularem programas de prevenção de acidentes”, afirmou. De acordo com Schwarzer, o seguro de acidentes do trabalho sempre teve um viés indenizatório. A Previdência quer mudar isso, proporcionando um estímulo à prevenção dos acidentes via pagamento de alíquotas menores Agência Estado - 21/09/2003
MAIS VALE PREVENIR DO QUE REMEDIAR
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CUT
Luiz Marinho, ex-funcionário da seção de pinturas da Volkswagen, é o novo presidente da CUT desde junho. Ele assume a maior central sindical do país no ano em que ela completa 20 anos, com uma base de 22 milhões de trabalhadores e mais de 3.350 sindicatos filiados. Ao longo de sua existência, a CUT protagonizou ações decisivas para melhorar as condições de vida de milhões de trabalhadores brasileiros.
Sindicalismo fortalecido Muito antes de os meios de comunicação e empresas começarem a falar em responsabilidade social, a CUT já atuava em nome da ética e da busca de uma conduta empresarial baseada no respeito aos direitos dos trabalhadores, dos consumidores e na defesa do meio ambiente. O novo presidente está otimista com a possibilidade de aproveitar a reforma sindical em curso para avançar em direção à criação de novos instrumentos de luta e de negociação. Isso poderá fortalecer o movimento sindical e evitar que se percam os direitos conquistados até agora. Marinho diz que dedicará grande atenção às demandas colocadas pelo plano internacional. Seu objetivo é consolidar uma unidade sindical latino-americana. “Acordos e marcos internacionais têm servido como referência para sindica-
tos de todo o mundo”, afirma. “Há uma tendência à internacionalização da pauta sindical e ela não é resultado das experiências vitoriosas ou das derrotas dos trabalhadores, mas da própria dinâmica do capital, cuja internacionalização a cada dia é maior”.
Caso Volks Marinho viveu de perto um momento histórico na vida do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, o qual presidia quando foi eleito para a CUT. Em janeiro de 2001, em uma viagem para negociar com a direção da Volkswagen na Alemanha, Marinho e o Sindicato conseguiram impedir milhares de demissões que estavam programadas para a Volks brasileira. Na época, também foi assinado um acordo que
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impedia novas demissões até fevereiro de 2004 em Taubaté e até novembro de 2006 em São Bernardo do Campo.
Das Diretrizes da OCDE para as Empresas Multinacionais*: IV. Emprego e relações empresariais (...) 7. Não influenciar, de modo desleal, negociações conduzidas de boa fé com representantes dos trabalhadores sobre as condições de trabalho ou não prejudicar o exercício do direito de associação dos trabalhadores, por meio de ameaças de transferência total ou parcial, para fora do país, de unidades de produção ou de transferência de trabalhadores, oriundos de entidades pertencentes a empresas localizadas em outro país. 8. Permitir, aos representantes autorizados dos trabalhadores, a condução de negociações relativas a acordos coletivos de trabalho ou a relações entre trabalhadores e empregadores, permitindo às partes realizar consultas sobre matérias de interesse comum, junto dos representantes patronais capacitados para tomar decisões sobre essas matérias.
* As Diretrizes da OCDE para as Empresas Multinacionais são recomendações dirigidas pelos governos às empresas multinacionais, que estabelecem princípios e padrões de cumprimento voluntário, com vistas a uma conduta empresarial responsável.
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Esse acordo foi quebrado pela empresa através de um artifício: transferir quase quatro mil trabalhadores para uma nova empresa do grupo, que seria chamada Autovisão e que cumpriria o papel de centro de requalificação profissional. Em setembro deste ano, o presidente executivo da empresa, Bernd Pischetsrieder, ameaçou demitir os trabalhadores das fábricas brasileiras que entrassem em greve, o que contraria os direitos fundamentais dos trabalhadores. “Ao ameaçar demitir grevistas, a Volks está rompendo não só com o conceito de responsabilidade social, mas está praticando um gesto de insanidade política e até mesmo uma ação ilegal”, diz Marinho. “No Brasil há direito de greve e nenhuma empresa pode ameaçar trabalhador de demissão por exercer esse direito”. O caso Volks é um bom exemplo da diferença entre o discurso e a prática da responsabilidade social, entre o que se diz e o que realmente se faz. Marinho acredita na legitimidade da discussão sobre responsabilidade social entre os sindicalistas: “Apesar do entendimento de que a responsabilidade social das empresas não passa de política compensatória, acredito que os sindicatos devam envolver-se com o assunto. Nós não temos o direito de, em nome de um sonho com o qual nos comprometemos, deixar de trabalhar com as políticas que muitas vezes podem ajudar muitos trabalhadores a sobreviver. Os sindicatos não podem fechar os olhos para estas políticas e simplesmente acusá-las como vinculadas aos interesses do capital”. O resultado do envolvimento dos sindicatos neste caso da Volks, através dos protestos, resultou na intervenção do governo brasileiro e do Ministério Público do Trabalho. Este último convocou a empresa para prestar esclarecimento sobre as ameaças vindas da Alemanha. Após a audiência, onde o representante da Volkswagen garantiu que a empresa “obedece e reconhece o direito de greve como garantia institucional no Brasil”, as negociações com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC foi retomada. Estas negociações continuam em andamento mas o Sindicato conseguiu que a empresa se comprometesse a não demitir trabalhadores que fizerem greve.
Com a palavra, os atores sociais Quando uma multinacional se instala em determinado país, causa um impacto local considerável. Sua atuação e até mesmo sua retirada, com o fechamento de unidades, são fatos que alteram a vida de trabalhadores, consumidores e do governo na cidade, estado e até mesmo do país onde a empresa se instalou. A responsabilidade de uma empresa pode significar rios mais limpos, crianças na escola e boas condições de trabalho. Para ter uma idéia de como os atores sociais encaram o debate da responsabilidade social empresarial, o Observatório Social Em Revista ouviu representantes de uma empresa, de uma entidade de consumidores, do movimento sindical, do governo e ainda dos investidores. Nas páginas a seguir, apresentamos suas opiniões sobre o que é responsabilidade social empresarial, como identificar uma empresa socialmente responsável e sobre o papel de trabalhadores e consumidores neste processo.
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CONSUMIDORES O que é responsabilidade social empresarial? A responsabilidade social empresarial é a prática de valores éticos e socialmente responsáveis por uma empresa na condução dos seus negócios. Esses valores devem estar refletidos nas relações da empresa com os diversos públicos com quem ela se relaciona e nas áreas em que atuam, passando pelo modo de produção, pelo respeito aos direitos dos trabalhadores e consumidores, pelo cuidado com o meio ambiente, pela publicidade e as práticas de mercado, chegando à avaliação dos impactos sociais e econômicos da sua atividade. Mas a responsabilidade social empresarial deve ser complementada pela responsabilidade social dos consumidores, que devem exercer o consumo cidadão e responsável. Como identificar uma empresa socialmente responsável? Essa não é uma tarefa fácil para o consumidor, pois nessa área ainda há muita falta de informação sobre as práticas empresariais e uma utilização equivocada da filantropia como sinônimo de responsabilidade. Dessa forma, a transparência de uma empresa frente a um problema causado por ela ou por um produto fabricado por ela é, nesse momento, um indicador importante do compromisso dela com a responsabilidade. Essa desinformação é a principal razão que levou o Idec a desenvolver um projeto para avaliar a responsabilidade social empresarial. Queremos dar uma ferramenta para que o consumidor possa comparar as empresas e exercer o seu direito de escolha.
No Brasil, tem aumentado o envolvimento das empresas com a área social. Contudo, em muitos casos percebe-se que as ações sociais empresariais têm um caráter mais promocional do que de responsabilidade social, ou seja, têm como único objetivo dar visibilidade à marca e agregar valor ao produto. Qual é sua opinião sobre essa observação? A utilização de uma visão limitada e publicitária da responsabilidade social é um grande risco para a cidadania, para o consumidor e para as empresas seriamente envolvidas com o tema. A responsabilidade social deve ser o eixo do negócio de uma empresa, estar diretamente ligada ao seu “core business”. Sem dúvida nenhuma, ações comunitárias e atividades semelhantes têm sua importância, mas se o negócio central da empresa não for conduzido seguindo princípios responsáveis, essas atividades, e a própria empresa, acabarão por cair em descrédito perante o consumidor, além de desacreditarem o próprio conceito de responsabilidade social. Acabaria por ser um retrocesso aos avanços que a sociedade vem obtendo pela cidadania. O que o consumidor tem a ver com responsabilidade social empresarial? Entendemos que o consumidor é o elemento chave para que as empresas passem do discurso à pratica da responsabilidade social. É o consumidor com poder de escolha, informação e com um compromisso ético que pode pressionar as empresas a assu-
mirem uma postura responsável, sob pena de perderem o seu espaço ou até desaparecerem do mercado. Apesar das dificuldades e restrições, o consumidor tem o dever de buscar exercer a sua responsabilidade e a cidadania no ato da compra.
“A responsabilidade social deve ser algo mais permanente, pois acreditamos que ela se insere em um contexto de evolução do consumidor brasileiro...” A responsabilidade social empresarial será algo passageiro ou ela poderá mudar as relações entre capital, trabalho, sociedade e meio ambiente? A responsabilidade social deve ser algo mais permanente, pois acreditamos que ela se insere em um contexto de evolução do consumidor brasileiro, que vem ocorrendo desde a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor em 1991. Começou com a afirmação do direito de receber produtos e serviços seguros, de proteção contra práticas abusivas e de receber indenização, passando depois à busca de desempenho e qualidade. A fase mais recente parece acompanhar a evolução da cidadania no Brasil, ou seja, a consciência de que o consumo vai além do produto, ele também premia uma empresa com seus valores éticos e práticas nas relações com os empregados, consumidores, meio ambiente e a comunidade.
Marilena Lazzarini é coordenadora executiva do IDEC (Instituto de Defesa do Consumidor).
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O QUE OS OLHOS NÃO VÊEM O CORAÇÃO NÃO SENTE MPT em Minas Gerais investiga trabalho escravo na linha de produção da Estrela O Ministério Público do Trabalho
em Minas Gerais está prestes a conseguir indenização para vítimas de trabalho escravo urbano no sul do Estado. Até o ano passado, um grupo de 80 pessoas cumpria jornadas de dez horas e meia diárias, trancafiado em galpões, sob o comando de um homem armado, recebendo salários entre R$ 30 e R$ 90 por mês. Os trabalhadores confeccionavam roupas e faziam o acabamento de bonecas fabricadas pela Estrela, a maior indústria de brinquedos da América Latina. (...) Ministério Público do Trabalho - 11/09/2003
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EMPRESAS O que é responsabilidade social empresarial? A responsabilidade social de uma empresa está intimamente relacionada à forma com a qual ela gerencia seus negócios, ou seja, é a ética e as práticas que ela adota no seu dia-a-dia. Ou a empresa tem a ética em seu DNA – e a ética permeia todas as suas decisões – ou ela não pode ser apontada como uma empresa socialmente responsável. Vemos freqüentemente na mídia notícias de empresas que apoiam esta ou aquela entidade, como forma de atrair a simpatia das pessoas e de dar alta visibilidade para suas marcas, mas é importante ressaltar que o auxílio prestado a ONGs ou abraçar causas, por positivos que sejam, não substituem a prática responsável dos negócios. No caso da Unilever, por exemplo, que trabalha com bens de consumo não duráveis, a responsabilidade social está ligada à maneira com que anunciamos nossos produtos, ao modo com o qual estreitamos nosso relacionamento com o consumidor através de nossos serviços de atendimento, ao respeito que possuímos pela legislação vigente, etc. Como identificar uma empresa socialmente responsável? A empresa socialmente responsável pode ser identificada por suas ações e práticas de negócios e pela maneira pela qual ela se relaciona com todos os seus parceiros (público interno, fornecedores, consumidores, Governo, etc); quando há responsabilidade, há uma busca por desenvolver relações de longo prazo, com sustentabilidade, por ter impacto positivo nas comunidades em seu entorno e por adotar uma atitude transparente na comunicação com seus públicos. No Brasil, tem aumentado o envolvimento das empresas com a área social. Contudo, em muitos casos percebe-se que as ações sociais empresariais têm um caráter mais promocional do que de responsabilidade social, ou seja, têm como único objetivo dar visibilidade à marca e agregar valor ao produto. Qual é sua opinião sobre essa observação? Concordo com a observação e sei que há abusos. Fique claro, no entanto, que não é necessariamente
“A responsabilidade social de uma empresa está intimamente relacionada à forma com a qual ela gerencia seus negócios, ou seja, é a ética e as práticas que ela adota no seu dia-a-dia.” negativo que muitas empresas queiram retorno de imagem para as ações que promovem. Isto é legítimo e, na medida em que beneficiem boas ONGs ou boas causas, o impacto social é favorável. Os consumidores envolvemse emocionalmente com as marcas que utilizam. Então, se adicionarmos aos produtos – além dos atributos básicos como preço, posicionamento e qualidade – valores que se relacionam à prática do marketing social responsável, podermos estar criando oportunidades novas de relacionamento. O que o trabalhador de uma grande empresa tem a ver com responsabilidade social empresarial? A expectativa que tem o funcionário de uma postura socialmente responsável por parte da empresa constitui fato novo. É uma demanda crescente. Ele quer saber o que a empresa está fazendo e, mais do que isso, em muitos casos ele deseja envolver-se efetivamente em projetos sociais da empresa como voluntário, exercendo o papel de cidadão responsável. Este é o motivo pelo qual a Unilever apoia e incentiva as iniciativas de seus funcionários em voluntariado. O que o consumidor tem a ver com responsabilidade social empresarial? A evolução tecnológica e a multiplicação dos meios de comunicação propiciaram maior acesso à informação, em todos os seus níveis. Estando o consumidor mais informado, é natural que passe a balizar as escolha dos produtos por outros critérios, mais complexos e sofisticados, sendo as práticas de responsabilidade social da empresa um destes novos parâmetros de escolha. É claro que as compras são e sempre serão orientadas sobretudo pela relação preço/qualidade; mas para as camadas da população de renda mais alta, já existem novos elementos que são incorporados no processo de compra, como impacto ambiental e imagem da empresa. Quem ignorar esta tendência de mercado pode estar firmando o atestado de óbito da sua empresa.
José Estanislau do Amaral Souza Neto é diretor de Assuntos Corporativos da Unilever.
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TRABALHADORES
Como identificar uma empresa socialmente responsável? Uma empresa socialmente responsável é aquela que demonstra não só o respeito, mas o compromisso com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos. Que tenha uma conduta não apenas de respeito ao meio ambiente no seu processo produtivo e nos seus produtos, mas que oriente todo o seu negócio e os seus investimentos na direção do desenvolvimento ecologicamente sustentado. Que se pauta pela ética e o cumprimento da lei na relação com parceiros comerciais e autoridades públicas. Que respeita plenamente os direitos do consumidor em todos os sentidos. Que tenha uma postura pró-ativa perante a comunidade investindo no desenvolvimento da cidadania, seja financiando projetos sociais à população pobre, seja através de patrocínio a atividades culturais, artísticas e esportivas ou incentivando e propiciando ações sociais voluntárias de seus empregados. Que tenha uma relação com os empregados e seus representantes baseada no respeito e aplicação prática das convenções da OIT, em particular as que tratam da não utilização do trabalho infantil e do trabalho forçado, da igualdade de opor-
tunidades e não discriminação de nenhuma ordem (gênero, condição física, raça, origem, nacionalidade, religião, idade ou orientação sexual), da proteção à saúde e segurança no trabalho e principalmente da liberdade de organização sindical e o direito à negociação coletiva.
“Uma empresa socialmente responsável é aquela que demonstra não só o respeito, mas o compromisso com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos.” No Brasil, tem aumentado o envolvimento das empresas com a área social. Contudo, em muitos casos percebe-se que as ações sociais empresariais têm um caráter mais promocional do que de responsabilidade social, ou seja, têm como único objetivo dar visibilidade à marca e agregar valor ao produto. Qual é sua opinião sobre essa observação? Evidentemente, pela deterioração das condições sociais no Brasil, após anos de neoliberalismo, a preocupação com o social perpassa inclusive a decisão de compra de produtos e serviços. Muitas empresas, com suas consultorias de marketing têm percebido isto e montado uma “fachada social” para melhorar sua imagem e suas vendas. Algumas entidades inclusive criam “selos”. Entretanto os selos só contemplam alguns aspectos e são concedidos em
um determinado momento. Se depois a empresa descumpre algo, quem tira dela o selo? Por isso é importante um Acordo sobre Responsabilidade Social com o Sindicato para que a empresa possa ser monitorada. O que o trabalhador de uma grande empresa tem a ver com responsabilidade social empresarial? O trabalhador na sua luta por melhores condições gerais de trabalho, capitaneada pelo sindicato, tem um papel fundamental de “civilizar” as empresas, sobretudo pelo caráter solidário da sua ação. Quanto maior a postura cidadã do Sindicato, para além das suas responsabilidades corporativas, maior a chance de impor às empresas uma conduta de respeito à sociedade.
ATORESSOCIAIS
O que é responsabilidade social empresarial? Responsabilidade social empresarial, no entender dos sindicatos, é um conjunto de práticas empresariais que, além de visar o retorno do investimento (lucro), com igual importância também se materializa na relação ética e responsável com a sociedade, com os trabalhadores em tais empresas e seus representantes.
A responsabilidade social empresarial será algo passageiro ou ela poderá mudar as relações entre capital, trabalho, sociedade e meio ambiente? Eu acredito que, se os Sindicatos e suas redes internacionais realmente entenderem esta questão como algo importante entre as suas demandas e buscarem lutar para realizar acordos neste sentido e principalmente monitorá-los e utilizá-los da melhor maneira possível (em particular para aprofundar a organização sindical; o resto é conseqüência), pode ser efetivamente um fator de avanço das relações de trabalho e das relações das empresas com a sociedade e o meio ambiente.
Valter Sanches integra a Comissão de Fábrica dos Trabalhadores na DaimlerChrysler no Brasil.
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GOVERNO O que é responsabilidade social empresarial? Tudo na vida pode ser feito de várias maneiras, então, sempre há uma escolha. A responsabilidade social é uma forma de fazer as coisas a partir de escolhas baseadas em princípios que medem os impactos provocados nas pessoas e no meio ambiente. As organizações têm impacto sobre a vida dos trabalhadores. Será que esses impactos são positivos e melhoram a vida dessas pessoas? Um exemplo é a relação com os fornecedores. Se a empresa escolhe fornecedores que usam mão-de-obra infantil ou que agridem o meio ambiente, ela estará causando um impacto negativo na sociedade. No Brasil, tem aumentado o envolvimento de empresas com a área social. Contudo, em muitos casos percebe-se que as ações sociais empresariais têm um caráter bem mais promocional do que de responsabilidade social, ou seja, têm como único objetivo dar visibilidade à marca e agregar valor ao produto. Qual é sua opinião sobre essa observação? Estudos mostram que as empresas que usam a responsabilidade social apenas como marketing correm grandes riscos. Elas vão enganar durante determinado tempo. Quando esse engano é revelado, os resultados podem ser danosos. Muitas organizações entendem que a responsabilidade social interessa a elas como fator de competitividade, porque na medida que elas tratam bem as pessoas, também serão bem tratadas. Quando a empresa trata bem os funcionários, por exemplo, ela retém talentos e terá funcionários motivados e engajados. Quando a empresa faz o bem para a comunidade, a resposta é apoio e preferência. O que o trabalhador de uma grande empresa tem a ver com responsabilidade social empresarial? Em várias ocasiões a responsabilidade social nas empresas depende das ações dos funcionários. A ação que define os valores e princípios é promovida por pessoas que trabalham lá dentro. O funcionário do departamento de compras, por exemplo, pode propor que sejam estabelecidos prazos para os fornecedores cumprirem as normas ambientais e trabalhistas. Os sindicatos têm um
papel muito importante para a promoção da responsabilidade social de forma séria. Eles podem dar o exemplo na relação que têm com os seus funcionários, no salário que pagam, na escolha dos fornecedores, na relação que têm com o governo e na observância do pagamento de impostos e atendimento à legislação. O sindicato, para ter autoridade na cobrança de responsabilidade social por parte das empresas, precisa dar o exemplo.
“Estudos mostram que as empresas que usam a responsabilidade social apenas como marketing correm grandes riscos. Elas vão enganar durante determinado tempo. Quando esse engano é revelado, os resultados podem ser danosos.” O que o consumidor tem a ver com responsabilidade social empresarial? É ele que orienta a ação das empresas. Se o consumidor não é educado para o consumo socialmente responsável, pode se tornar conivente com a degradação do meio ambiente e das questões sociais. Veja o caso da Nike, que precisou mudar sua política por pressão dos consumidores. Os sindicatos poderiam organizar, por exemplo, uma campanha para que as mulheres só comprem de empresas que dão orientação pré-natal para as funcionárias e creches para seus filhos. Nenhuma empresa deixaria de cuidar dessa questão, pois elas dependem dos consumidores. A responsabilidade social empresarial será algo passageiro ou ela poderá mudar as relações entre capital, trabalho, sociedade e meio ambiente? Ela pode vir para ficar ou para não ficar. Se vier para não ficar, todos estamos numa situação muito ruim. Pela primeira vez, a humanidade se defronta com a possibilidade real de extinção pela forma como se comporta em relação ao meio ambiente. Existe ainda a questão dos conflitos por questões sociais e a disparidade de renda cada vez maior. Veja o caso de São Paulo: se a responsabilidade social fosse implantada entre as empresas que vivem ao longo dos rios Pinheiros e Tietê, as pessoas poderiam nadar, pescar e beber a água desses rios.
Oded Grajew é assessor especial do presidente Lula. Fundou o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social.
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INVESTIDORES
Com identificar uma empresa socialmente responsável ? Não existe um parâmetro absoluto, um ponto a partir do qual a empresa é ou não é socialmente responsável. Temos que ver esta questão como algo em permanente evolução. Hoje é raro encontrar empresas que não fazem nada na área social ou no relacionamento com seus empregados e com a comunidade. Isto mostra que as empresas estão preocupadas e tomando iniciativas, mas quem vai determinar se estas iniciativas são suficientes, se representam um nível adequado de responsabilidade, é o conjunto de atores envolvidos. É natural que as comunidades busquem sempre mais, que os trabalhadores busquem mais, e o ponto de equilíbrio vai ser encontrado desta tensão positiva que se estabelece. No Brasil tem aumentado o envolvimento das empresas com a área social. Contudo,
em muitos casos percebe-se que as ações sociais empresariais têm um caráter mais promocional do que de responsabilidade social, ou seja, têm como único objetivo dar visibilidade à marca e agregar valor ao produto. Qual é a sua opinião sobre essa observação ? De fato, a responsabilidade social vem sendo utilizada muito mais como instrumento de propaganda que como filosofia empresarial. Mas também já temos iniciativas importantes nesse campo. À medida que essa discussão avançar, a sociedade vai ser capaz de distingüir as empresas que, de fato, têm uma postura responsável daquelas que só fazem marketing. O que o trabalhador de uma grande empresa tem a ver com a responsabilidade social empresarial ? Responsabilidade Social tem que começar dentro de casa. Portanto, o trabalhador deve ser o primeiro a perceber a postura socialmente responsável da empresa. O que o consumidor tem a ver com responsabilidade social ? Essa questão pode ser vista sob dois ângulos. Um é a adoção de padrões de conduta por parte das empresas com relação àqueles que consomem seus produtos ou serviços. Nesse caso, além do respeito ao que está legalmente estabelecido, como o Código de Defesa do Consumidor, as empresas podem adotar iniciativas
para melhorar o atendimento e a comunicação com o consumidor. Outro ângulo dessa questão é o fato de os consumidores passarem a prestigiar aquelas empresas que adotem postura socialmente responsável. A responsabilidade social empresarial será algo passageiro ou ela poderá mudar as relações entre capital, trabalho, sociedade e meio ambiente? Tudo indica que esta é uma tendência que veio para ficar, pois as empresas assumem um papel cada vez mais decisivo na organização da vida econômica e social do país, e a contrapartida é sofrerem pressões cada vez mais freqüentes e bem organizadas, transformando este tema em um assunto muito atual. Os acionistas e dirigentes das empresas buscam responder a esta demanda e acabam introjetando esta preocupação na própria dinâmica das suas organizações.
ATORESSOCIAIS
O que é responsabilidade social empresarial ? Bem, responsabilidade social refere-se à forma como as empresas relacionam-se com seus colaboradores, consumidores, com a comunidade em que atua, com o governo, com parceiros e fornecedores. É a adoção de boas práticas nesse relacionamento, dentro do entendimento de que a organização tem obrigações com esses segmentos. São práticas que devem resultar de iniciativas voluntárias das empresas, indo além do previsto em lei.
“É natural que as comunidades busquem sempre mais, que os trabalhadores busquem mais, e o ponto de equilíbrio vai ser encontrado desta tensão positiva que se estabelece.”
Sérgio Ricardo Rosa Silva é presidente da Diretoria Executiva da PREVI (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil).
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Violações dos Direitos Fundamentais no Trabalho ocorrem durante a produção dos mais variados produtos que consumimos. Pesquisas realizadas pelo Observatório Social em multinacionais instaladas no Brasil identificaram sérios problemas de discriminação de gênero e raça, de falta de liberdade sindical e inadequada gestão de saúde e segurança no trabalho.
MULTINACIONAIS E CADEIA PRODUTIVA: Entretanto, através dos dados disponíveis, não se identificou a grande, triste e bem conhecida exploração do trabalhador brasileiro, através do trabalho escravo, ou mesmo o trabalho infantil. São exemplos extremos, mas por diversas vezes constatados pelo Ministério do Trabalho ou denunciados pela imprensa. A posição da maioria das multinacionais tem sido a de cumprir a lei, dentro de suas dependências, e fugir à responsabilidade em qualquer outro ponto da cadeia produtiva. Antes, as grandes empresas eram verdadeiros conglomerados que buscavam apropriar-se dos diferentes elos da sua cadeia de produção desde a matéria-prima até a o consumidor final. Mas a reestruturação produtiva chegou plenamente ao Brasil. Isso significou a abertura das fronteiras para a comercialização dos bens, a integração dos mercados financeiros e a rápida evolução da tecnologia de informação, que facilita às empresas modificarem seus posicionamentos no mercado. Hoje, tais organizações se centram apenas naquelas partes da cadeia produtiva
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onde têm maior vantagem competitiva e procuram concentrar o valor agregado nos elos que controlam. O valor agregado na cadeia produtiva tende a se concentrar, cada vez mais, no design (daí a briga pelas patentes), na logística (cada vez é maior a importância da tecnologia) e na relação com o consumidor final, ou marketing (a imagem e marca passam a ser cruciais). Essas etapas precisam de altos investimentos e de mãode-obra bastante qualificada. A manufatura dos produtos vem perdendo valor em alguns setores, o que leva as empresas a achar formas de "barateá-la". As formas de baratear produtos são bem conhecidas. Uma primeira é economizar por aumento de escala de produção. Economizar através de automatização e redução de postos de trabalho é outra. A terceira forma é a terceirização ou subcontratação. Esse processo, junto com o deslocamento da produção para áreas com mão-de-obra mais barata, completa as formas mais conhecidas e temidas pelos trabalhadores. A intensidade com que as multinacionais aplicam
"produzir de acordo com a legislação nacional". Raras vezes existe verificação e muito menos, verificação independente. Este papel de isenção de responsabilidades e de concentração na parte mais rentável do processo bate de frente com a responsabilidade social das empresas. Em última instância, uma multinacional estaria promovendo a precarização e a desregulamentação do trabalho, ao mesmo tempo em que se isenta do processo. Campanhas de ONGs e do movimento sindical na Europa e nos Estados Unidos promoveram boicotes a multinacionais, através da denúncia de que seus produtos eram fabricados utilizando mão-deobra infantil ou trabalho escravo. Um exemplo é a campanha desenvolvida pela FNV na Holanda, denunciando o trabalho forçado na cadeia produtiva da indústria de roupas íntimas Triumph na Birmânia. Desenvolvida em 2000 e 2001, a campanha pressionou a empresa diante do fato grave da existência de um regime militar com trabalho forçado naquele país. Além disso, conseguiu unir ONGs e sindicatos de trabalhadores em um objetivo comum. O papel dos consumidores e sindicatos, portanto, torna-se claro. É necessário enfrentar esta nova forma de organização da produção, que já não conhece fronteiras ou setores. As empresas precisam ter cobradas suas responsabilidades. Está na hora de os sindicatos se organizarem para uma ação que atravesse categorias e busque alianças com ONGs, consumidores e investidores. Com cadeias produtivas mundiais, a trincheira local tem a sua função, mas não é suficiente. Da mesma forma, a empresa que pretende se apresentar como socialmente responsável precisa assumir compromissos com a cadeia produtiva, selecionando fornecedores e impondo cláusulas que preservem os direitos fundamentais. Cumprir e promover tais direitos é responsabilidade de toda empresa.
ARTIGO
diferentes formas de concentrar valor agregado e reduzir o custo na cadeia produtiva é determinada pelo tipo de empreendimento. Exemplos não faltam: o deslocamento da indústria têxtil; a terceirização dos call centers e serviços de instalação no setor elétrico e no de telecomunicações; a automatização dos serviços bancários e o aumento de escala das usinas de leite e supermercados. Para os trabalhadores o aumento de escala e a automatização têm efeito principalmente na redução de emprego, enquanto o deslocamento e a terceirização impactam as condições de trabalho e a sua remuneração. Melhorar as condições na cadeia produtiva significaria, na visão das empresas, deslocar uma parte do valor agregado para fora do seu controle, além de aumentar o custo do produto final. Portanto, não surpreende que as empresas tenham pouco interesse em ver a questão incorporada ao conceito de responsabilidade social empresarial. A briga pelas patentes no setor farmacêutico, a luta contra a exploração dos trabalhadores nas zonas francas, as negociações sobre barreiras técnicas dos produtos agrícolas e a campanha contra as torrefadoras de café são alguns exemplos de ações da sociedade civil. Procura-se corrigir a exagerada concentração do valor agregado de uma grande série de cadeias produtivas nas mãos de empresas multinacionais e países desenvolvidos. As reações das empresas são tímidas e se caracterizam por ações que visam principalmente não abrir mão da sua capacidade de concentrar valor agregado. Parte delas obtêm competitividade justamente porque não há estabilidade na sua cadeia produtiva, o que lhes facilita comprar no "mercado a vista", spot, provocando acirradas disputas entre os possíveis fornecedores. Nos casos em que os códigos de conduta das empresas fazem referências, ou quando existem diretrizes para os fornecedores, esses se limitam, na maioria dos casos, a frases como "estimular os fornecedores a assumirem padrões éticos similares" ou
O FRÁGIL ELO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL Pieter Sijbrandij Coordenador de Projetos
João Paulo Veiga Pesquisador
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Muita ação reação Ação e reação. Este é o jogo colocado a partir da cobrança dos consumidores sobre as atitudes das empresas. As décadas de 80 e 90 foram marcadas por uma mudança no perfil dos consumidores no mundo. Um exemplo está nas várias manifestações realizadas por grupos de protesto dos Estados Unidos contra a Nike, denunciando que esta recorria à mão-deobra barata de países em vias de desenvolvimento, pagava salários miseráveis, intimidava trabalhadores e utilizava trabalho infantil. A campanha ganhou contornos mundiais e colocou a Nike na defensiva. Para proteger sua imagem, ligou-se a um grupo empresarial (Apparel Industry Partnership) constituído por fabricantes de roupa que têm o objetivo de reforçar um código de conduta industrial nas fábricas fora dos EUA.
Este ano, a Danone teve de reverter uma demissão em massa na França porque os consumidores disseram que não iam mais comprar produtos Danone. Ao ser questionado sobre até que ponto se fala em responsabilidade social e não em marketing social, o presidente do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, Hélio Mattar, declarou que o grande perigo desta idéia é achar que a empresa não deveria buscar visibilidade para o que ela está fazendo. “Eu acho justamente o oposto, que a empresa tem, sim, de buscar visibilidade, os consumidores deveriam valorizar as empresas que investem socialmente, em todas as áreas da responsabilidade social”, afirma Mattar. Para ele, o consumidor ainda compra, essencialmente, produto, inovação e marca, ainda não compra responsabilidade social. A pressão para que as corporações assumam postura de responsabilidade começa a vir de vários setores e a ter um impacto econômico importante. No início de abril deste ano, 14 dos maiores fundos de pen-
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são estatais do Brasil criaram seu programa de responsabilidade social. Tais investidores, que movimentam cerca de R$ 200 bilhões por ano, resolveram que vão condicionar seus investimentos ao comprometimento das empresas com a sustentabilidade social. Assim, assumir o compromisso de não agredir o meio ambiente, responder pelo uso de trabalho escravo ou de trabalho infantil, ainda que pelos seus fornecedores, passa a ser não apenas uma opção de marketing, mas uma questão de sobrevivência das empresas. Participar deste jogo mais ativamente, através da denúncia de abusos e do uso da imagem destas empresas, é um desafio que também é colocado aos sindicatos. As organizações de trabalhadores têm se aliado a outras, de consumidores e ambientalistas e têm logrado êxito na conquista de melhorias no trabalho. Um exemplo é a “Campanha Roupas Limpas” (Clean Clothes Campaign), que nasceu na Holanda, no início dos anos noventa, com o principal objeti-
vo de melhorar as condições de trabalho na indústria têxtil dos países do Sul. Hoje a campanha também é desenvolvida na Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, França, Itália, Reino Unido, Suécia e Suíça, reunindo ONGs, sindicatos e associações de consumidores e de investigadores. A “Campanha Roupas Limpas” promoveu, entre outras ações, a distribuição de postais para consumidores da Nike e da Adidas. Esses cartões foram enviados às empresas pedindo garantias sobre as condições de trabalho nas empresas subcontratadas e a aceitação de um controle independente. Também foi realizada uma coleta de tênis usados da Nike e da Adidas e, em vários países da Europa, os sapatos foram devolvidos por “defeito de qualidade social”. Entre a denúncia e uma ação positiva da empresa (quando ela acontece), há estágios que vão da negação e transferência de responsabilidade até o cumprimento ou aparência de cumprimento. Veja o exemplo da Nike:
para uma positiva CASO NIKE
Negação: A empresa nega qualquer conhecimento de violações ou de que elas existam. Na maioria dos casos, a empresa declara que cumpre as normas locais e que se considera uma boa empregadora.
A Nike começou uma forte negação das alegações, dizendo que era líder em melhoria das condições de trabalho e que oferecia postos de trabalho altamente desejáveis.
Culpar outros: Quando as violações são comprovadas, a empresa começa culpar outros: fornecedores, falta de fiscalização dos governos locais ou ainda, os trabalhadores por não reclamarem.
A empresa declarou: “Em todo lugar onde a Nike opera no globo, ela é guiada por um conjunto de princípios organizados num código de conduta que obriga seus subcontratados a assinar um memorando de conhecimento”.
Controle de danos: A empresa contra-ataca denunciando seus críticos, alegando que eles têm uma agenda política ou trabalhista. Às vezes ameaça com processos na justiça.
Alegou que as críticas eram organizadas por grupos de trabalhadores americanos que não queriam ver os postos de trabalho irem para outras regiões; que suas críticas citavam informações antigas; e as organizações que criticavam a Nike tinham motivos suspeitos e estavam engajadas em críticas irresponsáveis.
Reassumir o controle: a empresa tenta recuperar o terreno perdido, elaborando e publicando um código de conduta, muitas vezes assessorada por uma empresa de relações públicas.
Como a publicidade negativa continuava, a Nike juntou-se ao Business for Social Responsibility (BSR), começou um diálogo com o Centro Robert F. Kennedy pelos direitos Humanos sobre como garantir que os direitos dos trabalhadores fossem protegidos e juntou-se à sociedade do presidente Clinton com a indústria do vestuário, objetivando um trabalho voluntário para assegurar aos consumidores que as mercadorias eram produzidas sob condições de trabalho aceitáveis.
Aparência de cumprimento: A empresa procura aparentar o cumprimento e a aplicação do seu código de conduta por contratar empresas de auditoria ou monitores respeitados. Às vezes, a empresa procura dividir os seus críticos, separando-os entre os que apóiam este tipo de ação e aqueles que insistem num monitoramento mais sistemático e independente.
Em março de 1997 a Nike enviou Andrew Young para investigar os abusos alegados. Young é um líder em direitos humanos, ex-embaixador dos Estados Unidos para as Nações Unidas, ex-prefeito de Atlanta. Ele conduz, em Atlanta, uma firma de consultoria: GoodWorks International. Depois de 15 dias de visita a 12 fábricas da Nike na Ásia, a GoodWorks International emitiu um relatório, em junho de 1997, que de modo geral foi favorável aos registros da Nike.
FONTE: AVERY, C. Business and Human Rights in a Time of Change. London: Amnesty International UK, Nov. 1999.
ATITUDE
ESTÁGIOS
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O impacto das instituições É comum que predomine uma imagem dos mercados que negligencia ou põe em plano secundário o papel das forças e das instituições políticas. A idéia seria que os mercados tendem a se equilibrar naturalmente, sendo necessárias, apenas episodicamente, ações dos governos para corrigir eventuais desequilíbrios.
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Contudo, torna-se hoje cada vez mais aceitável um outro ponto de vista: o de que os mercados funcionam de modo condicionado por regras politicamente instituídas. Nessa ótica, é fácil ver que muito do que acontece nos mercados corresponde a reações dos agentes econômicos a mudanças ou expectativas de mudanças nessas regras. Esta visão mais abrangente das relações econômicas tem duas conseqüências conceituais importantes. A primeira é que, sob pena de se perpetuar um entendimento distorcido da realidade, a economia não deve ser vista como divorciada da política e especialmente da política econômica
“ativista”. A segunda é que as regras da política econômica podem e certamente devem ser pensadas tendo em vista o bem comum, e não apenas a satisfação de setores da sociedade ou o desenvolvimento de algumas regiões do mundo. A política econômica mais desejável seria, portanto, a que tornasse possível a superação das injustiças sociais e a promoção da qualidade de vida em todo o planeta. A visão economicista dos mercados, que minimiza o papel das regras e das instituições, tem dificuldade de enxergar esse potencial que a política econômica tem de ser empregada para combater os males sociais. Uma especial dificuldade está em
admitir que, no contexto da chamada “globalização da economia”, um papel importante está reservado para as organizações multilaterais que atuam na área econômica, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM) e a Organização Mundial do Comércio (OMC). De fato, hoje, a chamada governança econômica (economic governance) é tipicamente “policêntrica”. O exercício da autoridade com fins de modificar o comportamento dos agentes econômicos em diversas partes do mundo ocorre simultaneamente em várias esferas deliberativas, que incluem, mas ultrapassam os processos políticos
e administrativos dos Estados nacionais. Por isso, tornam-se obsoletas as referências à idéia de política econômica exclusivamente nacional. Hoje, para além da política econômica nacional, é preciso perceber e acompanhar o funcionamento da política econômica global. As esferas de deliberação relevantes para se entender o caráter da política econômica global são: as sub-nacionais (regiões, unidades estaduais de federações, etc.); as nacionais (processo político e administrativo dos governos centrais dos Estados Nacionais), as regionais supranacionais (União Européia, MERCOSUL, NAFTA, etc,); as organizações multilate-
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financeiras multilaterais
rais (FMI, OMC, etc.); e as esferas de deliberação política de baixa institucionalidade e variados graus de transparência (G8; Comitê da Basiléia; Reuniões de Ministros da Fazenda, etc.). Ao lado disso, há o processo de intermediação de interesses econômicos através de associações dos agentes econômicos e de organizações de mercado (como a Organização Internacional de Bolsas de Valores) e há o processo de intermediação de interesses sociais através das ONGs, que mobilizam a opinião pública internacional. Portanto, a administração dos instrumentos de política econômica hoje está, dependendo do caso, sujeita simultaneamen-
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te a constrangimentos, ações e cálculos políticos que dizem respeito a várias dessas esferas deliberativas e à sua interação política, bem como a influências do jogo de interesses provindos do mercado e da sociedade civil. Nesse contexto, é importante ressaltar o papel das instituições financeiras multilaterais, como FMI, o BM e o Banco InterAmericano de Desenvolvimento (BID). Tais instituições têm um papel importante na alocação de parcela da poupança mundial em projetos que, em princípio, deveriam servir a objetivos socialmente benéficos, bem como politicamente aceitos pelas comunidades das regiões em que os projetos são implementados. Isto se aplica, com especial relevância, no caso dos empréstimos do Banco Mundial e do BID, que destinam recursos importantes para empresas privadas. Segundo levantamento feito pela Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais (www.rbrasil.org.br), os recursos destinados por esses dois bancos a empresas privadas no Brasil em projetos pesquisados, em vigor ou em estudo entre novembro de 2002 e abril de 2003, são da ordem de 17,7 bilhões de dólares. Contudo, muitas vezes os empréstimos dessas instituições têm efeitos desastrosos, como a
depressão da oferta de emprego, habitação e padrões de nutrição, a obliteração de modos comunitários de vida, a degradação do ambiente natural e a exclusão social via sistema de preços. Entre os exemplos conhecidos estão o do empréstimo do Banco Mundial para a produção de energia na região de Singrauli, na Índia, e o do Projeto de Reassentamento e Irrigação de Itaparica, na Bahia. No que diz respeito ao FMI, as condicionalidades, como se sabe, muitas vezes têm conduzido à diminuição da renda real de populações pobres e a drásticas reduções em investimentos públicos, com conseqüências sociais discutíveis e possivelmente desnecessárias.
Os efeitos perversos da alocação de recursos via créditos de fontes multilaterais poderiam, em muitos casos, ser evitados se houvesse um esforço maior para dar mais transparên-
cia e um caráter mais democrático às deliberações nas diversas instâncias em que as decisões são tomadas. O caráter técnico de muitas dessas decisões não pode esconder o fato de que as escolhas cruciais são sempre políticas. As possibilidades de redesenho institucional dos instrumentos da política econômica global são virtualmente infinitas. É preciso ampliar a cultura política das sociedades para que se incorpore às discussões políticas a dimensão da política econômica global. É evidente que essa política econômica pode ser posta a serviço do desenvolvimento sustentável e da qualidade de vida democraticamente definida, ou pode, ao contrário, impor obstáculos à consecução de tais objetivos. A participação de parlamentos, governos locais, dos sistemas de justiça nacionais, dos tribunais internacionais, das universidades, das cooperativas de crédito, das ONGs, dos sindicatos de trabalhadores, dos bancos de investimento social, bem como da opinião pública nos processos de tomada de decisão dos organismos deliberativos da política econômica global é muito importante. Ela contribui para definir os rumos da economia do planeta e as possibilidades de realização da justiça social no mundo.
Marcus Faro de Castro Assessor da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais
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Muito trovão e pouca chuva O excesso de “bom mocismo” por parte dos profissionais de marketing e promoção de muitas empresas está jogando no lixo uma das maiores conquistas que o marketing alcançou nos últimos anos: o apoio às causas sociais e comunitárias. O uso excessivo da mídia e da promoção nas causas ditas “sociais”, que algumas empresas
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dizem fazer e não fazem, está desacreditando o trabalho sério de muita gente. Em um país onde é comum a mídia e a promoção andarem mais rápido que o fato realizado, haverá sempre uma defasagem entre o fato divulgado e o que é realmente feito. Como sempre, falsas promessas e esperanças alimentam o nosso povo. E este muito dizer e pouco fazer está criando descrédito sobre as verdadeiras intenções das empresas. Ora, o público não é ingênuo e sabe muito bem distinguir uma boa intenção de uma falsa ou má intenção. Para algumas ações, o tiro já está saindo pela culatra. O assunto virou moda e posar de bonzinho e benfeitor das causas comunitárias nas rodas empresariais virou “politicamente correto”. Mas o excesso está desgastando rapidamente o tema: de uma hora para outra apareceram dezenas de prêmios em prol das causas sociais. Faculdades montaram às pressas cursos sobre a matéria, ministrados por gente que nunca trabalhou em causa nenhuma. Isto é, quem não sabe nada ensina para quem não sabe coisa nenhuma.
Artigos em jornais e revistas sobre esses pretensos salvadores da pátria são publicados às centenas. Espaços especiais para o assunto, quase todas as revistas e jornais apresentam. A grande mídia estimula e fatura, tirando a sua parte neste grande assunto social. Institutos, ONGs e até feiras sobre esta repentina boa vontade social das empresas brasileiras proliferam por todo o país. O ensinamento de Cristo, “não deixe a sua mão esquerda saber o que a sua mão direita faz”, não tem o menor sentido para essa gente.
gastando na promoção do feito, poderiam dar bolsa de estudos e manter dezenas de estudantes em cursos de mestrado na Sorborne por vários anos”. Ele não gostou muito do meu puxão de orelhas.
Vi uma grande empresa apresentar numa reunião sobre atividades sociais o seu belo trabalho sobre alfabetização de adultos. Perguntei: “Quantas pessoas vocês alfabetizaram, comparadas ao gasto de mídia e de promoção que vocês estão tendo para dizer isso?”. O apresentador, meio que se desculpando, respondeu: “Setenta pessoas”. Não tive outra saída a não ser falar: “Então volte para a sua empresa, alfabetizem umas 100 mil e só depois apresentem alguma coisa a público. Com o dinheiro que vocês estão
Infelizmente algumas empresas e seus departamentos ditos de marketing, percebendo que podem tirar vantagens promocionais em aliar seus nomes a causas sociais, aprenderam cedo a “usar o santo nome” da ecologia, da fome, da miséria, dos meninos de rua em vão. Como disse um bom jornalista há pouco tempo criticando sobre esse mesmo assunto: “É melhor deixar os pobres em paz, eles sabem se arrumar sozinhos”.
Um grande banco internacional que não faz nada em prol da ecologia alardeia em out-doors e ações milionárias em aeroportos sua participação na área. Quem faz trabalho sério e competente e vê todo este dinheiro ser mal aplicado, pagando mídia para sustentar uma mentira, se irrita e se desestimula.
Eloi Zanetti foi criador da Fundação Boticário de Proteção à Natureza, é Conselheiro da SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental) e da Nature Conservancy
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Cetesb constata 7 novas áreas de lençol freático contaminado em P aulínia Novas áreas Paulínia
contaminadas por produtos tóxicos foram identificadas no pólo petroquímico de Paulínia, no interior de São Paulo. Os terrenos de sete distribuidoras que operam na refinaria da cidade estão contaminados. A Shell, Texaco, Esso, Ipiranga, Ipiranga Pool, Petrobrás Distribuidora (Teplan) e Agip foram multadas em R$ 350 mil. A pedido do Ministério Público da cidade, a Companhia de Tecnologia em Saneamento Ambiental (Cetesb) fez uma investigação e constatou a presença de gasolina, querosene, óleo diesel, chumbo inorgânico e benzeno no solo e no lençol freático dos terrenos. A Cetesb também constatou que cinco das sete distribuidoras investigadas descartavam a sobra dos tanques de combustíveis – a borra oleosa – enterrando o produto direto no solo (...). AOL Notícias - 08/05/2003
NÃO DIGA: DESTA ÁGUA NÃO BEBEREI
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RESENHA
Escrito por 12 pesquisadores, o livro Ética e responsabilidade Social nos negócios é uma das poucas obras que enfoca o tema sob o ponto de vista da realidade brasileira.
Ética nos negócios
Na primeira parte do livro, até o capítulo seis, o objetivo é propiciar ao leitor uma fundamentação teórica sobre o conceito de responsabilidade social. A segunda parte apresenta uma amostra da produção acadêmica brasileira, ainda bastante restrita. Ao final, oferece uma lista com as principais pesquisas realizadas sobre o tema no país, uma bibliografia e indicaçóes de sites de internet. A produção do livro foi coordenada pela professora Patrícia Almeida Ashley, do curso de Administração e Desenvolvimento Empresarial da Universidade Estácio de Sá. Um ponto interessante da obra é a crítica à maneira como as empresas lidam com o Balanço Social. O instrumento deveria servir apenas para medição e vem se transformando numa panacéia que, na visão de muitos dos seus usuários, chega para satisfazer as atuais exigências de prestação de contas feitas às empresas. O livro defende a tese de que as empresas podem e devem assumir um papel mais amplo dentro da sociedade. Na opinião dos articulistas, está se tornando hegemônica uma visão de que os negócios precisam ser feitos de forma ética e de acordo com comportamentos universalmente aceitos como apropriados. A obra também destaca que existe uma grande variedade de modos como as empresas se relacionam com os sindicatos e que isso depende muito do setor econômico em que as organizações atuam.
ASHLEY, Patrícia Almeida (coordenação). Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo, Saraiva, 2003.
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Principais referências de leitura para o movimento sindical Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento
PARAPESQUISAR
Adotada em 1998, a Declaração é uma reafirmação universal do compromisso dos Estados Membros da OIT e da comunidade internacional em geral de respeitar, promover e aplicar de “boafé” os princípios fundamentais e direitos no trabalho. Esses direitos se referem à liberdade de associação e de organização sindical e ao reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva, à eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, à abolição efetiva do trabalho infantil e à eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação. A Declaração destaca que todos os Estados-Membros estão obrigados a respeitar os direitos fundamentais objeto das convenções correspondentes, mesmo que ainda não as tenham ratificado. Disponível na internet: http://www.oitbrasil.org.br/public/portugue/region/ampro/brasilia/info/download/declarac_port.pdf
Declaração Tripartite de Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política Social Adotada em 1977 e revisada em 2000, possui caráter voluntário e oferece às multinacionais, aos governos, a empregadores e trabalhadores orientações em matéria de emprego, formação, condições de trabalho e de vida e de relações de trabalho. Essa declaração formulam-se as responsabilidades das empresas no campo das questões trabalhistas, incorpora as oito convenções fundamentais do trabalho e acrescenta normas de segurança e empregabilidade.
Guia do Usuário para Sindicalistas sobre as diretrizes da OCDE Esta publicação, organizada pelo TUAC e pelo Instituto Observatório Social, visa divulgar em português as Diretrizes da OCDE entre os sindicalistas e ativistas brasileiros, dando-lhes orientação sobre como utilizar este instrumento. As Diretrizes da OCDE são um ponto de apoio a ser utilizado para a promoção de práticas empresariais condizentes com princípios democráticos e de respeito aos direitos dos trabalhadores. Disponível na internet: http://www.tuac.org/publicat/guidelines-Portug.pdf Informações sobre o Ponto de Contato Nacional no Brasil: http://www.fazenda.gov.br/sain/pcnmulti/ Relatório do Seminário Nacional pela CUT sobre as Diretrizes da OCDE: http://www.observatoriosocial.org.br/download/RelsemOCDE.pdf
Guia Sindical sobre a mundialização Organizada pela CIOSL – Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres, esta publicação está disponível em inglês e em espanhol e trata das respostas do movimento sindical aos impactos da globalização sobre os trabalhadores, assim como das ações de solidariedade internacional. Apresenta possibilidades de atuação para o movimento sindical em relação às multinacionais e também no campo da responsabilidade social das empresas, utilizando como referências as normas internacionais, o programa Global Compact das Nações Unidas e os códigos de conduta das empresas. A publicação também apresenta um modelo de código de conduta que inclui os temas prioritários para os trabalhadores de empresas multinacionais e seus representantes nacionais e internacionais. Disponível na internet (versão em espanhol): www.icftu.org/pubs/globalisation
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ÁGUA MOLE EM PEDRA DURA TANTO BATE ATÉ QUE FURA. Termo de compromisso de ajustamento de conduta nº 219/2003 EDITORA JB S.A., (...) JORNAL O GLOBO e JORNAL EXTRA INFOGLOBO COMUNICAÇÕES LTDA., (...) e EDITORA O DIA S.A., (...), perante o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, através das Procuradoras do Trabalho que subsecrevem o presente, firmam Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, no bojo dos Procedimentos Preparatórios de Inquérito Civil (...); nos seguintes termos: Cláusula 1ª - As empresas comprometem-se a não publicar anúncios de emprego nos quais haja qualquer restrição ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, assim consideradas palavras ou expressões que possam ser interpretadas como fator discriminatório (...), assim como expressões excludentes (...) e também exigência de currículo com fotografia, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida assim o exigir (...) Cláusula 3ª - (...) “De acordo com o art. 5º da CR/88 c/c art. 373 A da CLT, não é permitido anúncio de emprego no qual haja referência quanto ao sexo, idade, cor ou situação familiar, ou qualquer palavra que possa ser interpretada como fator discriminatório, salvo quando a natureza da atividade assim o exigir”. (...) Cláusula 5ª - O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO participa deste compromisso na qualidade de interveniente e exercerá a fiscalização do cumprimento de seus termos (...). (...) Rio de Janeiro, 03 de julho de 2003
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