CAFÉ:VIDA,PRODUÇÃOeTRABALHO R
BRASIL
AGRICULTORES FAMILIARES E ASSALARIADOS RURAIS
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APRESENTAÇÃO
A Coalizão do Café, que é uma iniciativa de organizações sindicais e ONGs holandesas, atua em âmbito mundial pelas melhores condições sócio-trabalhistas na produção e comércio do café. No Brasil, a Coalizão se articula com a Aliança Nacional do Café - formada por Oxfam Internacional, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), federações estaduais dos trabalhadores na agricultura, sindicatos e o Instituto Observatório Social - que atua pelos mesmos objetivos.
Em setembro de 2002 foi lançada a campanha global “O que tem na sua xícara” que trata da crise do café e busca apresentar propostas que impliquem em melhores condições para os agricultores(as) familiares, bem como para os assalariados(as) rurais. Naquele momento, a Aliança Nacional apresentou a publicação “Café do Brazil - O sabor amargo da crise”, uma reportagem mostrando os caminhos do café no Brasil e sua importância para agricultores familiares e assalariados rurais. Em maio de 2003, já como uma parceria entre a Aliança Nacional e a Coalizão do Café da Holanda, foi lançado “Café e Pobreza - Sara Lee: teoria e prática na responsabilidade social”, que trata da atuação dessa multinacional no Brasil a partir deste produto. Em continuidade ao trabalho, as organizações acima apresentam agora uma nova publicação. “Café: Vida, Produção e Trabalho Agricultores Familiares e Assalariados Rurais” é um estudo que analisa a cadeia produtiva do café, com ênfase nas condições de vida e trabalho nas duas principais regiões produtoras do Brasil: Sul de Minas Gerais e Noroeste do Espírito Santo. Diferente das publicações anteriores, o estudo atual tem uma perspectiva de pesquisa, buscando identificar e tratar os elos da cadeia de produção do café ao mesmo tempo em que prioriza apresentar a situação dos assalariados rurais.
Esta publicação, a exemplo das anteriores, foi desenvolvida pela equipe do Instituto Observatório Social e vem somar-se às ações das organizações da Coalizão do Café e da Aliança Nacional do Café para atingirem sua meta comum: a melhoria das condições de vida e de produção dos agricultores familiares, trabalhadores rurais e demais trabalhadores do café. Coalizão do Café Contag CUT Oxfam Internacional Instituto Observatório Social
ÍNDICE UMA VISÃO GERAL DO COMPLEXO _________________________ 07 Mercado externo ______________________________________ 08 O mercado de café nos últimos anos ___________________________ 12 Mercado interno ______________________________________ 13 Exportar café com maior valor agregado _________________________ 14 A desregulamentação dos anos 90 ____________________________ 17 Agricultura familiar e mão-de-obra____________________________ 18 CADEIA PRODUTIVA DO CAFÉ NO SUL DE MINAS GERAIS __________ 23 Características populacional e sócio-econômica da região sul de Minas Gerais ____ 24 Café – aspectos técnicos e produtivos __________________________ 26 Estrutura de produção do café arábica no sul de Minas ________________ 28 Colheita do café ______________________________________ 30 Pós colheita _________________________________________ 32 Assalariados do café no sul de Minas – salários e condições de trabalho ______ 36 Demais atores e seus papéis na cadeia produtiva do café _______________ 38 Cooperativas ________________________________________ 40 Corretores __________________________________________ 40 Indústrias __________________________________________ 41 A CADEIA PRODUTIVA DO CAFÉ NO NOROESTE DO ESPÍRITO SANTO ___ 43 Características populacional e sócio-econômica da região _______________ 44 Café - aspectos técnicos e produtivos ___________________________ 46 Estrutura e características da cadeia produtiva do café ________________ 49 Aspectos do emprego na cadeia do café _________________________ 51 Parceria no café ______________________________________ 51 Trabalhadores assalariados ________________________________ 53 Salários ___________________________________________ 53 Principais problemas da cadeia do café - a opinião dos atores ____________ 53 A questão da representação sindical dos assalariados rurais _____________ 54 A questão da intermediação _______________________________ 55
2
ALTERNATIVAS NO ENFRENTAMENTO DAS DIFICULDADES _______________ 57
“
Trabalhadores assalariados rurais e agricultores familiares do setor do café lutam pela melhoria das condições de vida nesse contexto de concentração e exclusão social
”
3
4
INTRODUÇÃO
O complexo agroindustrial do café é um dos mais tradicionais e importantes na economia brasileira, tanto pela geração de renda, quanto no número de produtores e trabalhadores empregados, constituindo-se na segunda cultura que mais gera empregos no campo, sendo superado apenas pela de grãos. O complexo, em 2003, foi responsável por 2,1% do total das exportações brasileiras, o que significou US$ 1,5 bilhão em divisas. Embora exista uma vasta bibliografia sobre o complexo agroindustrial do café, esta, em geral, pouco se detém sobre o segmento agrícola, sobre os agricultores familiares e, principalmente, sobre os trabalhadores assalariados rurais. Os estudos e pesquisas neste setor, em geral, enfocam as questões de mercado, novas tecnologias de produção, redução de custos, aumento do valor agregado à cultura e aumento das exportações. Grande parte dos estudos, enfocando as condições de trabalho na lavoura cafeeira, foi produzida ainda nas décadas de 1970/1980 e dava conta, em geral, do processo de expulsão dos trabalhadores moradores das grandes propriedades, que se tornaram assalariados contratados para trabalhos de curta duração. Este relatório analisa a cadeia produtiva do café, tendo como ênfase as condições de vida e trabalho dos agricultores familiares e dos assalariados rurais, tendo como base de investigação de campo as duas principais regiões produtoras do país: Sul de Minas, produtora de café do tipo arábica, ou café de altitude; e Noroeste do Espírito Santo, onde se produz café do tipo robusta, ou conillon. Um de seus objetivos é contribuir para o estabelecimento de normas de conduta para a cadeia produtiva do café, que apontem para a melhoria das condições de vida e trabalho dos trabalhadores assalariados rurais e dos agricultores familiares que cultivam café, vítimas do processo de concentração e exclusão presentes neste complexo agroindustrial. O trabalho dá atenção também às possibilidades de melhoria no negócio do café, objetivando o aumento da agregação de valor, nas duas regiões estudadas. Todavia, parte-se da constatação de que apenas a agregação de valor não resolve o problema da distribuição desigual dos ganhos entre os elos que compõem a cadeia produtiva do café. As informações coletadas ao longo da pesquisa foram organizadas neste Relatório partindo do geral para o específico. Inicialmente é apresentada uma breve caracterização dos estados e das regiões estudadas, a partir de informações sócio-econômicas; em seguida, estão os aspectos técnicos e produtivos do café, as estruturas da cadeia produtiva nas regiões, os atores envolvidos no processo, as questões relativas ao emprego e à atuação sindical. Buscou-se salientar os principais problemas vivenciados na cadeia produtiva, segundo a opinião dos atores, e apresentar recomendações para a elaboração de propostas alternativas no enfrentamento desses problemas.
5
6
7
UMA VISテグ GERAL DO COMPLEXO
UMA VISÃO GERAL DO COMPLEXO
Mercado Externo
“
O complexo do café é de grande importância na geração de renda e de divisas, resultantes das exportações. O Brasil mantém-se como o maior produtor e exportador mundial, embora sua participação no mercado internacional1 esteja decrescendo. Se na década de 1960 o Brasil era responsável por mais de 40% das exportações mundiais de café, na primeira metade da década de 1990, essa participação tinha se reduzido para cerca de 20%. Apenas no final dos anos 90, com a desvalorização do real em relação ao dólar, houve uma recuperação parcial da importância do Brasil no comércio internacional do produto. O mesmo comportamento teve a produção brasileira de café em grão, que nos últimos 30 anos decresceu. Na década de 1990 houve uma mudança importante no cenário mundial dos países produtores do café. Esta mudança reflete um aumento considerável da produção para exportação dos países asiáticos, com destaque para o Vietnã, que passou a ser o segundo país produtor de café no mundo, assumindo a posição até então ocupada pela Colômbia. O decréscimo da produção brasileira foi resultado de uma política de erradicação de pés e controle de estoques, empreendida pelo governo brasileiro, até a década de 1990. A partir daí, com a desregulamentação2 , a produção de café passou a ser definida por produtores ou por grupos de produtores. A redução da produção de café em grãos afetou também o comportamento do segmento de produção de café solúvel, que teve perda de participação no mercado internacional.
Mesmo com participação decrescente no mercado mundial, o Brasil ainda é o maior exportador de café. Estima-se que mais de 700 mil pessoas trabalhem na cultura cafeeira
8
”
TABELA 1 - OFERTA MUNDIAL DE CAFÉ: BRASIL E MUNDO (EM MIL SACAS DE 60 KG) 1990
1995
2000
2002
Brasil
27.321
15.784
32.005
48.480
Colômbia
14.231
12.878
10.532
11.250
Vietnã
1.390
3.938
14.775
10.000
Indonésia
7.441
5.865
6.947
5.670
Índia
2.829
3.560
4.526
4.588
México
4.674
5.300
4.815
4.000
Etiópia
2.909
2.860
2.768
3.750
Costa do Marfim
2.940
2.532
4.846
3.433
Guatemala
3.271
4.002
4.940
3.143
Peru
937
1.871
2.596
2.900
Demais Países
25.378
26.660
23.584
21.589
Total Geral
93.321
85.250
112.334
118.803
Total sem Brasil
66.000
69.466
80.329
70.323
29,28
18,51
28,49
40,81
Brasil/Total (%)
Fonte: Organização Internacional do Café Elaboração: Observatório Social GRÁFICO 1 - PARTICIPAÇÃO DA PRODUÇÃO BRASILEIRA NA PRODUÇÃO MUNDIAL (%)
Fonte: Organização Internacional do Café. Elaboração: Observatório Social
9
GRÁFICO 2 - PRINCIPAIS PAÍSES IMPORTADORES DE CAFÉ DO BRASIL (EM MIL SACAS DE 60 KG) 1992 – 2001
Fonte: IBGE; SECEX/MDIC Elaboração: Observatório Social
O principal país importador de café do mundo e do Brasil é, sem dúvida, os Estados Unidos, como mostrado no Gráfico 2. Mas chama a atenção a posição ocupada pela Alemanha, que detendo uma população muitas vezes menor que a estadunidense, importa quase tanto quanto este. Também têm papel de destaque, entre os principais importadores, a Itália e o Japão. Nesse aspecto, deve-se salientar para a prática da reexportação adotada pelos países europeus, fundamentalmente, a Alemanha, a Itália e a Holanda, que compram mais café do que suas necessidades de consumo internas, visando a revenda a outros países, não mais com café em grão, mas com café torrado e moído, café torrado e solúvel, enfim, café com maior valor agregado. TABELA 2 - EXPORTAÇÃO DE CAFÉ (EM MIL SACAS DE 60 KG) PAÍS Brasil Vietnã Colômbia
10
1990
1995
2000
2002
16.971
14.411
18.016
27.908
1.145
3.546
11.619
11.771
13.944
9.814
9.175
10.273
Indonésia
6.903
3.947
5.355
3.967
Índia
1.979
2.469
4.441
3.516
Guatemala
3.240
3.701
4.852
3.491
Uganda
2.353
3.079
2.513
3.358
Costa do Marfim
4.283
2.494
6.110
2.901
Peru
1.105
1.760
2.362
2.789
Honduras
1.735
1.796
2.879
2.711
Demais Países
26.903
20.553
21.841
14.623
Total
80.562
67.573
89.162
87.309
Fonte: Organização Internacional do Café. Elaboração: Observatório Social
TABELA 3 - REEXPORTAÇÃO DE CAFÉ (EM MIL SACAS DE 60 KG) Países/Anos
1990
1995
2000
2002
Alemanha
3.292
3.220
5.099
6.669
Estados Unidos
825
1.841
2.301
2.506
Bélgica
891
1.328
2.455
2.416
1.142
1.862
1.411
1.892
França
913
1.081
1.198
1.428
Itália
383
749
1.181
1.376
Cingapura
Espanha
265
397
762
1.180
Holanda
585
617
1.133
1.102
Inglaterra
482
633
715
863
Áustria
415
229
439
552
Demais Países
454
842
1.247
1.401
9.645
12.798
17.939
21.385
Total
Fonte: Organização Internacional do Café. Elaboração: Observatório Social
Este mercado da reexportação poderia ser ocupado pelo Brasil, assim como pelos demais países produtores, na medida em que estes detêm a produção e a tecnologia para processamento do café e, como no caso do Brasil, têm capacidade de processamento. Evidentemente que este espaço
não é ocupado pelos países produtores de café devido às barreiras comerciais existentes, fundamentalmente na Europa e nos Estados Unidos e devido, também, à estratégia de expansão e concentração das grandes empresas transnacionais atuantes no mercado de café e alimentos.
TABELA 4 - IMPORTAÇÃO DE CAFÉ (EM MIL SACAS DE 60 KG) Países/Anos
1990
1995
2000
2002
Estados Unidos
21.007
17.107
23.827
21.701
Alemanha
13.671
12.852
14.382
15.733
Japão
5.506
5.597
6.975
7.367
França
6.301
6.214
6.643
7.055
Itália
5.242
5.388
6.344
6.556
Espanha
3.053
3.146
3.820
4.088
Bélgica
2.015
2.401
3.759
4.030
Inglaterra
2.898
2.807
3.096
3.021
Holanda
3.128
2.910
3.044
2.864
Áustria
1.880
1.231
1.301
1.497
Demais Países Total
8.323
7.105
8.138
8.667
73.023
66.759
81.319
82.580
Fonte: Organização Internacional do Café. Elaboração: Observatório Social
Nos tradicionais mercados importadores de café do Brasil ocorreu o crescimento da demanda por cafés especiais3 , frente à demanda por café commodity, ou café verde. Embora já houvesse sinais de mudança na demanda externa nesta direção, o Brasil pouco investiu, enquanto país produtor, neste segmento de café de qualidade. A movimentação do Brasil e dos governos foi sempre no sentido de controle da produção e dos estoques nacionais e internacionais e não na diferenciação das exporta-
ções. Por outro lado, os produtores brasileiros, acostumados ao peso das exportações brasileiras no mercado de café commodity, também pouco investiram neste segmento de cafés especiais, que apresentam preços diferenciados e mais elevados no mercado externo. Mais adiante, quando tratada a produção de café no Sul de Minas, as iniciativas em curso na produção de cafés especiais, que vêm tentando reverter mesmo que tardiamente este quadro, serão melhor exploradas.
11
O MERCADO DE CAFÉ NOS ÚL TIMOS ANOS ÚLTIMOS O Gráfico 3 apresenta a evolução dos custos de produção e preços pagos ao produtor no estado de Minas Gerais. Os dados são da Cooxupé (Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé Ltda)4 , a maior cooperativa de produtores de café do Brasil, o que dá uma boa amostra dos custos de produção de café arábica no país. Os dados foram calculados para uma produtividade média de 20 sacas por hectare. A linha de custo de produção indica uma tendência de crescimento ao longo dos anos observados. Já a linha de preços mostra a volatilidade do mercado, além de apontar um longo período (1991 a 1994) de preços médios, recebidos pelos produtores, inferiores aos custos totais de produção. Embora não dispondo de gráficos de custos
mais atualizados, foi possível perceber, através da pesquisa de campo, que os produtores de café na safra 2003/2004 tiveram seus preços cotados dos custos de produção. Isto porque houve uma rápida elevação do dólar no segundo semestre de 2002, que perdurou até o início de 2003, provocando a alta dos insumos utilizados no café, cotados nesta moeda. Isso ocorreu num momento em que era imprescindível a aplicação destes insumos para não comprometer a safra 2003/2004. Porém, os preços internacionais do café permaneceram os mesmos da safra anterior, embora o volume produzido, devido a bianualidade5 do café arábica, tenha sido menor. Com isso, os produtores deste tipo de café não puderam ressarcir-se do gasto com os insumos, fechando a safra com prejuízos.
GRÁFICO 3 - PREÇOS E CUSTOS DO CAFÉ ARÁBICA NO MERCADO BRASILEIRO - MÉDIA MINAS GERAIS (US$/SACA)
Fonte: Cooxupé. Elaboração: Observatório Social
Para o café arábica, a Tabela 5 revela que, entre os maiores produtores mundiais, o Brasil é o que possui menor custo de produção. Com relação à produtividade, embora o Brasil apresente um desempenho inferior ao da Colômbia, sabe-se que, com as técnicas de adensamento que estão sendo incorporadas nas novas áreas de produção, a produtividade média brasileira deve aumentar para algo em torno de 1.000 a 1.200 kg/ha (20 sacas/ha).
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TABELA 5 - CUSTO DE PRODUÇÃO E PRODUTIVIDADE DOS PRINCIPAIS PAÍSES PRODUTORES DE CAFÉ ARÁBICA (SAFRA 1994/95) PAÍSES
Custo de Produção (US$ ton/ha)
Produtividade (kg/ha)
Produção (mil de sacas de 60 kg)
Brasil
1.546,1
709
22.700
Colômbia
1.954,7
771
12.900
México
2.260,5
447
4.075
Guatemala
1.635,9
771
3.150
Etiópia
761,3
528
3.300
Costa Rica
2.287,5
1.548
2.450
Honduras
1.738,3
575
2.050
El Salvador
1.868,1
822
2.330
Fonte: USDA, OIC Elaboração: Observatório Social GRÁFICO 4 - PREÇOS MÉDIOS DO CAFÉ ARÁBICO-BRASILEIRO, PREÇOS MÉDIOS DO CAFÉ ARÁBICO-COLOMBIANO, PREÇOS MÉDIOS DO CAFÉ ROBUSTA (EM US$/LB)
MERCADO INTERNO O mercado consumidor interno de café é o segundo maior do mundo e, nos últimos cinco anos, tem apresentado um consumo crescente, embora o consumo per capita permaneça quase constante, contrariando a tendência que vinha se apresentando na década de 19806 . Em 1997, o consumo doméstico de café alcançou o patamar de 11,5 milhões de sacas e, em 2002, 13,5 milhões, conforme gráfico a seguir.
13
GRÁFICO 5 - CONSUMO INTERNO DE CAFÉ (MILHÕES DE SACAS DE 60 KG)
Fonte: Organização Internacional do Café Elaboração: Observatório Social
EXPOR ALOR AGREGADO EXPORTTAR CAFÉ COM MAIOR VVALOR
14
No complexo agroindustrial do café, como em todos os complexos agroindustriais brasileiros, têm surgido análises que defendem a necessidade de exportar café com maior valor agregado. Isto significa incorporar ao produto mais serviços e/ou insumos, de tal forma que os preços alcançados no mercado externo sejam superiores aos atualmente auferidos, pela exportação do café em grão. Existem várias formas de se agregar valor à exportação de café, a mais evidenciada pelas tendências internacionais é a de aumentar a produção e exportação de cafés especiais ou diferenciados, assim como de café solúvel. Medidas de promoção e marketing são outras formas válidas, pois esse processo tende a criar uma posição monopolística para o produto, possibilitando assim um diferencial de preços no mercado. Porém, a produção de cafés especiais requer investimentos, dado que envolve gastos em cuidados nas operações de colheita e pós-colheita, para a conseqüente melhoria na qualidade. Além da disposição de investir na produção e no marketing, a agregação de valor não leva a uma distribuição mais igualitária dos ganhos, internamente, para todos os elos da cadeia, e, de outro lado, esbarra também na posição oligopsônica das grandes empresas transnacionais que têm margens elevadas de ganhos na reexportação de cafés especiais, já com blendies7 elaborados segundo as demandas dos importadores. Do total dos mais de 82,58 milhões de sacas de café reexportados no
mundo em 2002 (ver Tabela 3), estima-se que 1/3 seja na forma de café verde, após sofrer processo de rebeneficiamento. É necessário, no sentido da agregação de valor, desenvolver pesquisas enfocando não só a questão da produtividade agronômica, como também a diferenciação da bebida (diferentes aromas/corpos, buquês, acidez etc.). Incluem-se as inovações tecnológicas, ou seja, novos tipos de produtos industrializados, como o café solúvel e o café já torrado, o café torrado e moído com marcas nacionais, que são as principais formas de agregação de valor ao café, além do mercado de balas, bolos, doces, sorvetes etc. Também, no segmento de cafés especiais, uma tendência parece estar em crescimento – a de cafés rastreados. Ou seja, cafés que chegam às mãos do consumidor com todas as informações do processo de produção – onde foi produzido, por que família, sob que condições climáticas, agrícolas, sociais, trabalhistas e ambientais, quais insumos foram utilizados etc. E nesta tendência está contida uma outra que é a do comércio justo e transparente. Isto é, no acompanhamento do processo de produção a existência da possibilidade do consumidor de visualizar a distribuição dos ganhos por todos os elos da cadeia produtiva, e em que condições esse café está sendo produzido. Entretanto, quando se fala em exportar café com maior valor agregado, a questão que tem
chamado mais atenção no momento se refere ao café torrado e moído (T&M), que é uma forma de agregar valor com mais baixo investimento. A questão de exportar café torrado e moído agora está ganhando maior destaque com o engajamento, nesse processo, do Governo Federal, através da Comissão do Café do Ministério da Agricultura, em conjunto com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA)8 . Recentemente foi aprovada ata recomendando que o Governo atue não só no sentido de eliminar barreiras, como também de criar facilidades para a exportação de café especial torrado e moído. O comércio mundial de café T&M alcança hoje mais de 6,5 milhões de sacas, tendo a França como o principal importador, com cerca de um milhão de sacas, seguida de Canadá e Estados Unidos. Quanto aos países produtores de café, o total exportado foi inferior a 118 mil sacas em 2000, equivalente a 1,82% deste mercado. O que significa que a reexportação9 pelos países importadores abrange mais de 98% deste segmento de mercado. Como o processo de torrefação e moagem é tecnologicamente simples, as barreiras para ampliação das exportações de café T&M não são tecnológicas, mas comerciais Estima-se que, dado o atual parque industrial existente no país, poder-se-ia exportar perto de 4 milhões de sacas de café T&M. Isto demonstra que a exportação de café T&M esbarra, não apenas em esforço individual de produtores, mas em barreiras comerciais poderosas, levantadas pelas empresas transnacionais que atuam no segmento de reexportação de café verde e T&M. Estas barreiras só poderão ser retiradas a partir de políticas comerciais, que dependem também dos Estados Nacionais e não apenas de esforço dos empresários do setor. Neste sentido, a atuação dos países exportadores na Organização Mundial do Comércio (OMC) é crucial para o levantamento e/ou abrandamento destas barreiras.
Embora a estratégia de aumentar a exportação de café com maior valor agregado (cafés especiais, café solúvel e café T&M) seja interessante para o país, e já esteja sendo perseguida por empresários do setor, é necessário que haja preocupação com a melhor distribuição dos ganhos por toda a cadeia produtiva, propiciados por esta agregação de valor. Isto poderá fazer, de uma só vez, tanto a desejável internalização de ganhos existentes no mercado externo, que são açambarcados pelas empresas transnacionais, como também tornar-se uma estratégia redistributiva, necessária para reverter o processo de exclusão econômica e social que vêm passando os trabalhadores assalariados e os agricultores familiares. O que se verifica na maior parte dos complexos agroindustriais em que é adotada a estratégia de aumento do valor agregado (citrícola e canavieiro, apenas para citar dois), é o fortalecimento de alguns elos da cadeia em detrimento de outros. Em geral, os agricultores familiares e, mais fortemente, os trabalhadores assalariados não têm se beneficiado dessa estratégia, que tem concentrado os ganhos nos segmentos tradicionais exportadores, ou nos novos exportadores, surgidos após o processo de desregulamentação da economia, após a década de 1990. Em todos os complexos agroindustriais estruturados, a partir da desregulamentação da década de 1990 e da extensão para todos os complexos do paradigma de produção enxuta, no qual os elos mais fortes transmitem para os mais débeis o ônus da redução de custos, verifica-se também uma redução da rentabilidade dos produtores menores e menos capitalizados e aumento da deterioração das condições de vida e trabalho dos assalariados rurais, embora haja crescido o valor e a quantidade de produtos exportados. A tabela a seguir demonstra que a produção de café continua tendo na Região Sudeste a sua principal região produtora, com destaque nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Mas é possível perceber que as Regiões Norte e Nordeste e, mais especificamente, os estados de Rondônia e Bahia começam a despontar, no final da década de 1990, como as regiões e os estados em que mais cresceu a produção de café. A tendência esperada, e que tem sido apontada pelos atores sociais do complexo cafeeiro, é que a Bahia venha a alterar significativamente o mapa do café no Brasil, devido aos investimentos ocorridos após a década de 1990.
15
TABELA 6 - PRODUÇÃO, ÁREA PLANTADA E PRODUTIVIDADE DE CAFÉ EM COCO NO BRASIL POR ESTADOS E REGIÕES EM 2001 Quantidade produzida
% relação
(tonelada)
Brasil/Estado
Área plantada
% relação
Produtividade
(hectare)
Brasil/Estado
(ton/ha)
Brasil
3.639.138
Norte
290.388
7,9796
248.109
10,53
Rondônia
255.701
88,0549
222.926
89,85
1,15
29.433
10,1357
22.218
8,95
1,32
Pará Demais Estados
2.356.954
1,54 1,17
5.254
1,8093
2.965
1,20
1,77
Nordeste
178.567
4,9068
164.042
6,96
1,09
Bahia
171.579
96,0866
151.039
92,07
1,14
Ceará
4.730
2,6489
7.399
4,51
0,64
Demais Estados
2.258
1,2645
5.604
3,42
0,40
Sudeste
3.044.575
83,6620
1.826.972
77,51
1,67
Minas Gerais
1.703.316
55,9459
1.062.821
58,17
1,60
Espírito Santo
970.920
31,8902
539.927
29,55
1,80
São Paulo
356.000
11,6929
213.400
11,68
1,67
14.339
0,4710
10.824
0,59
1,32
Rio de Janeiro Sul
57.484
1,5796
66.224
2,81
0,87
Paraná
57.464
99,9652
66214
99,98
0,87
Demais Estados
20
0,0348
10
0,02
2,00
Centro-Oeste
68.124
1,87
51.607
2,19
1,32
Mato Grosso
53.582
78,65
43.277
83,86
1,24
Goiás
10.731
15,75
5.559
10,77
1,93
3.811
5,59
2.771
5,37
1,38
Demais Estados
Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal Elaboração: Observatório Social
16
Está ocorrendo no café uma espécie de retorno às origens. Isto porque a cultura do café começou no Brasil no estado do Pará, gradativamente ela se expandiu para outros estados do Nordeste e, posteriormente, chegou ao Rio de Janeiro e ao Vale do Paraíba. Através deste, ela chega a São Paulo e ao Paraná e depois a Minas Gerais. Este trajeto parece ter sido impulsionado pela busca de solos mais férteis e pela fuga das geadas. Mais recentemente, o café sobe de Minas Gerais para o Espírito Santo, para as novas Regiões do Cerrado Mineiro e chega a Rondônia e à Bahia, na região das chapadas, reiniciando o caminho de volta às origens, em regiões mais quentes, seu hábitat natural. Porém, neste novo movimento, o que impulsiona não é mais a fertilidade dos solos, mas parece ser a planura das áreas, que possibilita a motomecanização, a disponibilidade de água para irrigação, a correção da fertilidade pela adubação química e a existência de terras a baixos preços e não sujeitas a geadas. Após a desregulamentação, está havendo no café um processo de reconcentração fundiária e econômica. Como resultado deste processo, deverá ocorrer uma redução da participação relativa das
regiões tradicionais produtoras, nas quais a pequena produção e a produção familiar têm maior peso. A produção de café, nestas novas regiões, passa a ocorrer em grandes plantações, empregando tecnologia de ponta, propiciadas pelo baixo preço da terra nestes estados, relativamente aos preços da terra em São Paulo e Sul de Minas. Este é o caso da Bahia, onde, devido às condições propícias do clima, mesmo pesando a pobreza dos solos, está atraindo produtores mais modernos e mais capitalizados, que estão investindo na produção irrigada de café em áreas não suscetíveis a geadas. A maior parte dos produtos agrários de exportação brasileiros tem como vantagem competitiva quatro fatores: terras a baixos preços, baixos salários, baixa remuneração dos produtores rurais, principalmente os pequenos, e condições climáticas (sol o ano inteiro). No café, a variável chave parece estar reduzindo o peso destes quatro fatores principais a dois: terra barata e sol, atrelados à tecnologia de ponta em grandes produções. Desta forma, o café, caso esta tendência venha a se confirmar, afasta-se do grupo dos complexos agroindustriais da cana-de-açúcar e da laranja e aproxima-se da soja, guardadas as especificidades.
A DESREGULAMENT AÇÃO DOS ANOS 90 DESREGULAMENTAÇÃO De uma forma geral, os estudos realizados sobre o complexo agroindustrial do café atribuem a perda de competitividade à regulamentação, exercida pelo Estado desde o período colonial. Segundo os autores citados aqui, a forte presença do estado no complexo inibia a modernização necessária e atenuava a incerteza, fatores que impulsionam a busca por margens maiores de lucro, fundamento da chamada competitividade. Na pesquisa de COUTINHO, Competitividade da Economia Brasileira de 1993, o autor atribui à forte presença do estado no complexo como um dos elementos para a perda de competitividade externa do café brasileiro, especialmente no fato de a política externa fundamentar-se no controle de estoques e não se derivar, como em outros países, para a produção de cafés mais finos, fora do comércio de commodity. No trabalho de FARINA, Estudo da Competitividade do Agronegócio Brasileiro, de 1998, esta posição de atribuir à regulamentação a perda de competitividade é mais enfática ainda. Estes trabalhos, porém, não explicam porque, embora a desregulamentação já tenha ocorrido há mais de 10 anos, a competitividade do complexo no exterior piorou. O Brasil participa hoje com apenas 32% do mercado externo, contra os 60% da década de 1960, no auge da regulamentação. De um determinado ponto de vista, a regulamentação pode ter, em alguns aspectos, fundamentalmente no que tange à falta de agressividade necessária aos exportadores brasileiros para a competição internacional e a pequena inversão em agregação de valor, pesado para a redução da competitividade do café brasileiro. Mas, por outro lado, é necessário perceber que, com o chamado
processo de globalização, cresceu o poder de mercado das grandes corporações transnacionais do setor de alimentos, que controlam os fluxos agroindustriais globais, visando a produção de alimentos com maior valor agregado, para mercados mais sofisticados e não para o mercado de massa, que é o mercado tradicional do café. O café foi instituído no mercado mundial com a revolução industrial. O objetivo era a difusão de uma bebida com elevado poder energético, propiciado pela cafeína, presente no café, capaz de sustentar a massa trabalhadora na dureza do trabalho urbano industrial, com suas longas jornadas de trabalho em condições insalubres. Portanto, o café se torna bebida de massa, um produto que passa a estar presente em todos os lares, principalmente nos da classe trabalhadora. Porém, a partir da década de 1970, com a redução do ritmo de crescimento da economia mundial, passa a ocorrer o crescimento de produtos com maior valor agregado, relativamente ao crescimento de mercado de produtos de massa, resultado do encolhimento do mercado mundial de bens salários. As grandes corporações transnacionais tenderam a elevar o seu poder competitivo em detrimento dos estados nacionais, da mesma forma que alavancaram a capacidade exportadora de países nos quais elas detinham maior poder de fogo, como é o caso dos países asiáticos. Ao crescimento do poder das grandes corporações, deve ser acrescentada a debilidade da política externa brasileira e dos demais países exportadores de produtos primários, absolutamente vacilante em tentar reduzir as barreiras alfandegárias e extra-alfandegárias, impostas pelos países importadores e reexportadores, que protegem suas empresas transnacionais.
17
O comportamento pouco agressivo e condescendente da política externa brasileira provocou efeito nefasto aos nossos produtos agroindustriais no exterior. Todos os produtos (café, suco de laranja, açúcar, soja e, mais recentemente o aço) apresentaram baixa competitividade externa, pósdesregulamentação, inclusive aqueles em que o Estado sempre deteve um papel secundário na coordenação, suco de laranja e soja, por exemplo. Portanto, hoje, consideramos simplista jogar na regulamentação do Estado o peso de nossa baixa competitividade externa. É necessário colocar em primeiro plano a mudança do quadro internacional, no qual se destaca o crescimento do papel das grandes corporações transnacionais e a política externa condescendente dos países produtores de commodities, dependentes e ávidos por recursos externos. Esta dependência por recursos externos tornou os países exportadores mais condescendentes às contrapartidas impostas: a abertura de suas economias; política externa complacente aos ditames dos países importadores de commodities e baixa exigência para a instalação no país de filiais das empresas transnacionais, desnacionalizando o setor produtor de alimentos para o mercado interno. A desregulamentação e a inexistência de políticas internas de sustentação geral do complexo acarretaram um processo interno de diferenciação entre os produtores. As cafeiculturas empresariais com alta produtividade tendem a permanecer no complexo, porém tendem a eliminar as cafeiculturas familiares de pequena escala e regiões decadentes. Isto é, a desregulamentação está tendo como resultado, de um lado, o aumento da concentração com a tendência à expulsão do complexo dos agricultores familiares e, de outro, a transferência para os trabalhadores da necessidade de redução dos custos de produção, decorrendo daí o aumento da precarização do trabalho.
AGRICUL TURA FFAMILIAR AMILIAR (PRODUÇÃO DE AGRICULTURA PEQUENA ESCALA) E MÃO-DE-OBRA No café, há o predomínio da agricultura de base familiar com produção de pequena escala, com utilização predominante de força de trabalho familiar e o contrato de trabalhadores assalariados no período da safra. Ocorre também em regiões de elevada concentração de agricultores familiares a organização de mutirões para a colheita. Segundo
18
Vegro e outros(1992), a partir de dados básicos dos Censos Agropecuários de 1970, 1980, 1985, cerca de 54% da produção do café em coco (grão seco) é obtida em estabelecimentos de até 100 ha. Já uma Comissão Especial da Assembléia Legislativa de Minas Gerais afirma que 90% dos produtores de café brasileiros têm propriedades com menos de 100 ha e que 36% do total produz em áreas de até 10 ha. Isto apesar de que a queda de preços das exportações, após plano Real, tenha gerado uma profunda reestruturação na participação dos agricultores familiares, na produção de pequena escala e na composição do volume anualmente produzido.
O café é uma das culturas de maior absorção de mão-de-obra rural, porém, com a desregulamentação e com a crise de preços, ocorre o aumento da concentração, com a inexorável tendência à expulsão dos produtores menos competitivos do complexo, o que intensificou o êxodo rural, com conseqüente esvaziamento populacional nas áreas cafeicultoras. A Tabela 7 sugere que a erradicação e/ou abandono de cerca de 780.000 ha de cafezais implicou na eliminação de cerca de 249.600 empregos. Isto significa a conjugação de três fatores absolutamente nefastos do ponto de vista social: redução do número de empregos, exclusão social e êxodo rural.
TABELA 7 - BRASIL: EMPREGO GERADO PELA CAFEICULTURA Ano
Área
Empregos Gerados
Pessoas Beneficiadas Diretamente Indiretamente
1988
2.720.000
870.400
3.481.600
10.444.800
1992
1.940.000
620.800
2.483.200
7.449.600
780.000
249.600
998.400
2.995.200
Diferença
Fonte: Campanha (1992) Elaboração: Observatório Social
TABELA 8 - BRASIL: EMPREGO E PESSOAS BENEFICIADAS DIRETA E INDIRETAMENTE NA CADEIA DO CAFÉ NOS PRINCIPAIS ESTADOS PRODUTORES Estados Área em produção (ha)
Minas Gerais
N.ºCafeeiros Pessoas (1.000 covas) empregadas/dia (média)
Pessoas beneficiadas diretamente (média)
Pessoas beneficiadas indiretamente (média)
1.062.000
2.295.300
307.980
1.231.920
3.695.760
Espírito Santo
538.960
1.130.920
156.298
625.192
1.875.576
São Paulo
228.520
418.120
66.271
265.084
795.252
Paraná
120.000
284.000
34.800
139.200
417.600
Bahia
101.440
276.378
29.417
117.668
353.004
Rondônia
208.000
302.500
60.320
241.280
723.840
Outros Total
87.860
177.860
25.480
101.920
305.760
2.346.780
4.885.078
680.566
2.722.264
8.166.792
FONTE: CECAFÉ / DECEX/MDIC 2003
A inserção destas duas tabelas se deve à necessidade de demonstrar que os dados sobre o número de pessoas empregadas e beneficiadas, direta e indiretamente, variam de acordo com a fonte e com a forma de estimativa utilizada. Inexistem fontes precisas sobre a quantidade de trabalhadores empregados diretamente nos complexos agroindustriais que utilizam uma grande quantidade de assalariados em contratos de curta duração, como o complexo do café. Como são contratos sem registro formal, há uma tendência
dos produtores de informar contingentes menores do que realmente empregados, ou de não declarar. Além disto, um mesmo trabalhador executa atividade remunerada em mais de uma cadeia agroindustrial, propiciando dupla contagem. É por isto que se apresenta abaixo a estimativa da Fundação SEADE de São Paulo, baseada em equivalentes homem-ano empregados pela cultura. De acordo com o acompanhamento feito pela Fundação SEADE, a cultura do café permanece como a segunda maior empregadora na agricultura
19
brasileira. Embora o levantamento desta Fundação seja feito com base no Equivalente Homem-Ano10 e não em número de trabalhadores, ele é capaz de mostrar com maior grau de precisão a demanda de força de trabalho, na medida em que na agricultura
moderna predomina a contratação de curta duração de trabalhadores assalariados, que significa que durante um mesmo ano agrícola, um mesmo trabalhador pode, e freqüentemente o faz, prestar serviço em mais de uma cultura, o que possibilita dupla contagem.
TABELA 9 - REQUERIMENTO EM EQUIVALENTE-HOMEM/ANO DAS PRINCIPAIS CULTURAS DO BRASIL - 2000-2001 Cultura
EHA 2000
EHA 2001
Variação %
Área (1000 ha) 2000
Área(1000 ha) 2001
Variação%
Café
771.636
770.171
-0,2
2.269,9
2.305,4
1,6
Laranja
126.928
124.945
-1,6
850,9
818,8
-3,8
Cana
582.507
594.858
2,1
5.815,2
5.863,0
0,8
Grãos
2.471.859
2.269.329
-8,2
36.253,0
36.656,4
1,1
Brasil
5.813.461
5.644.197
-2,9
49.972,2
50.473,9
1,0
Fonte: Fundação SEADE Elaboração: Observatório Social
Além da redução do número de empregos gerados pela erradicação de cafezais e a expulsão dos pequenos produtores descapitalizados do complexo, entre a porção mais moderna que tende a permanecer no complexo, a tendência em curso é a de mecanização da colheita e das demais fases de maior emprego de mão-de-obra. A mecanização, no caso do café, ocorre pressionada pela necessidade de redução dos custos de produção. De acordo com estimativas das cooperativas, a colheita de café efetuada por mão-de-obra braçal representa de 40% a 60% do custo de produção de uma saca de café, dependendo da região produtora, e como a evolução dos custos de produção, e em particular os da mãode-obra na colheita, tem sido uma das grandes preocupações dos produtores, a tendência à mecanização parece ser inexorável. Nas áreas novas de produção - Cerrado Mineiro e Baiano - a tendência à mecanização vem sendo largamente utilizada, visando reduzir custos da mão-de-obra, o que tem levado à intensificação dos investimentos na aquisição de colhedeiras. Esta tendência parece mais acentuada nestas duas regiões por três motivos fundamentais: primeiro, para estas regiões migraram produtores mais capitalizados, que levaram de outras regiões o que havia na ponta do conhecimento, em termos técnicos de produção (maquinaria, insumos, mudas, variedades e práticas gerenciais); segundo, nestas regiões, principalmente nos Cerrados Mineiro e Baiano, não há a superpopulação relativa existente em outras regiões, o que reduz o custo com mão-de-obra11 , e terceiro, o relevo dessas regiões facilita a mecanização. Estimativas de produtores admitem que, com a
20
colheita mecânica, os custos da saca se reduzem em quase 30%12 . As máquinas, como a Jacto, produzida em Pompéia (SP), substitui 150 homens/dia, já a Brastoff, produzida em Piracicaba (SP) substitui até 500 homens/dia (FARINA, 1998). O grande problema da introdução desses equipamentos são os seus preços, que chegam a R$ 170 mil. Estimativas do setor, de 1992, indicavam que a mecanização já era responsável pela colheita de um pouco mais de 4% da área nacional de café. Para as zonas menos adaptadas à mecanização, em virtude de declividade mais acentuada, como é o caso do Sul de Minas, há diversas iniciativas visando reduzir os gastos com a colheita. Observa-se uma intensificação em investimentos na adaptação de equipamentos para terrenos ondulados e plantações adensadas. Entre eles, pode-se citar: 1) o convênio Embrapa com a Cooxupé, que desenvolveu um tipo de colhedeira, ainda em fase de ajustes, que é operada por uma pessoa e substitui o trabalho de seis a oito trabalhadores (produzida pela Jacto); 2) colhedeira Jacto que se adapta ao trator, com custo estimado em R$ 90 mil; 3) adaptação de derriçadeiras pneumáticas manuais da Itália, utilizadas na colheita de azeitonas (Pinhalense); 4) estudos com colhedeiras adaptadas de colheita de uva no Chile (Korvan); e 5) teste com modelos compactos de colhedeiras da New Holland. A partir dessa apresentação mais geral do complexo do café, seguem-se os estudos de caso, resultados de pesquisa de campo realizada nas duas principais regiões produtoras de café arábica e robusta, respectivamente, Sul de Minas Gerais e Noroeste espírito-santense.
Notas 1 Existem muitas espécies e variedades de café. As espécies de importância econômica são o Coffea arabica e o Coffea Cannephora (conhecida como Robusta). A primeira é a mais conhecida e cultivada principalmente na América do Sul e Central, Quênia e Tanzânia, na África, fornecendo cerca de 70% do produto comercializado. A segunda é cultivada em maior escala na Costa do Marfim, Angola, Uganda, Índia e vários outros países da África, Ásia e Oceania. O Brasil produz dois cultivares de café: o arábica e o robusta, no Brasil conhecido como conillon. O primeiro é característico dos estados de Minas Gerais, São Paulo e Paraná. O segundo é plantado, principalmente, no estado do Espírito Santo. Na produção do café solúvel utiliza-se o café robusta, uma vez que a taxa de extração de sólidos no processo de fabricação deste café é superior que a do arábica” (FARINA 1998). 2 Deu-se o nome de processo de desregulamentação da economia brasileira ao amplo programa de retirada gradual do Estado da atividade econômica, iniciado no governo Collor de Mello (1990/1992) e tendo prosseguimento nos dois governos de Cardoso (1995/2002). A principal medida que afetou o complexo agroindustrial do café foi a extinção do Instituto Brasileiro do Café (IBC) em março de 1990, juntamente com a extinção do IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool), fazendo com que os preços e estoques de café ficassem a cargo dos produtores e exportadores sem intermediação do Estado, desta forma o complexo perdeu uma arena importante de mediação de conflitos entre produtores/exportadores. 3 Cafés Especiais “Diferenciam-se por características como qualidade superior da bebida, aspecto do grão, forma de colheita, tipo de preparo, história, origem do plantio, variedades raras e quantidades limitadas, entre outras. Podem também incluir parâmetros de diferenciação que se relacionam à sustentabilidade econômica, ambiental e social da produção, de modo a promover uma maior eqüidade entre os elos da cadeia produtiva. Mudanças no processo industrial (...)”. In: SAES, Maria Sylvia. “Diagnóstico sobre o sistema agroindustrial de cafés especiais e qualidade superior do estado de Minas Gerais”. São Paulo: USP, s.d. 4 A cooperativa possui 9 mil cooperados em 103 municípios de Minas Gerais e no Vale do Rio Pardo, em São Paulo. In: https://www.cooxupe.com.br/empresa.htm; visitado em 07/05/2004. 5 Esta bianualidade do café se refere a sua característica de alternar grande safra em um ano e pequena safra em outro. 6 - Até a década de 1980 havia uma tendência clara de aumento do consumo do café no mercado interno, tanto em quantidades totais, quanto em quantidades per capita consumidas 7 Misturas de tipos de cafés que resultam em aromas, sabores e bebidas específicas. Por exemplo, é muito comum blendar uma proporção média de 30% de café arábica com 70% de café robusta para produzir o café solúvel, porque o robusta apresenta um maior rendimento para esse processo e o arábica tem o sabor mais apreciado. Mas, também para satisfazer o gosto de determinados clientes, blenda-se tipos de café arábica procedentes de várias regiões produtoras, dado que cada um apresenta características específicas. 8 FARINA, E. e outros, 1998. 9 Reexportação. Alguns países, com destaque para Alemanha, Holanda e Estados Unidos, têm adotado este procedimento, que consiste na compra de café em grão dos países exportadores e a revenda no mercado externo de café torrado e moído. 10 Um EHA (Equivalente-Homem/Ano) representa a jornada de trabalho de um homem adulto, por 8 horas trabalhadas, durante 200 dias no ano (SEADE). 11 Na pesquisa de campo foi detectada a existência de um contingente de trabalhadores migrantes do café. Isto é, são trabalhadores que se aproveitam da defasagem da safra do café arábica e robusta e da defasagem de safra do café do Sul de Minas e dos Cerrado de Mineiro e Baiano e sai de região em região, fazendo as diferentes safras de café. 12 Informações dos produtores, em 1998, indicam que na região do Triângulo Mineiro, a colheita com a máquina se situa em R$ 80,00, e manualmente fica por volta de R$ 110,00.
21
22
23
CADEIA PRODUTIVA DO CAFÉ NO SUL DE MINAS GERAIS
CADEIA PRODUTIVA DO CAFÉ NO SUL DE MINAS GERAIS
CARACTERÍSTICAS POPULACIONAL E SÓCIO-ECONÔMICA DA REGIÃO SUL DE MINAS GERAIS
“
Os trabalhadores do café são pressionados a aceitar qualquer tipo de trabalho, nas piores condições e com ganho muito baixo
24
”
O estado de Minas Gerais é composto de 853 municípios, distribuídos entre 12 mesorregiões. Segundo informações do Censo Demográfico 2000 do IBGE, a população total do estado de Minas Gerais nesse ano era de 17.891.494 habitantes, correspondendo a mais de 10% do total da população do Brasil. Com um Produto Interno Bruto na ordem de R$ 106.169 milhões a preços de mercado, Minas Gerais ocupa o 3º lugar dentre os 27 estados brasileiros. Essa mesma performance não se repete para o PIB per capita, onde ocupa o 10º lugar no ranking nacional. O IPEA considera que o Índice de Desenvolvimento Humano (Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, IPEA 2000) de Minas o coloca num nível médio e sua colocação entre os estados ficou em 9º lugar, com um índice de 0,773. O estado de Minas Gerais, com a sua principal economia na capital, Belo Horizonte, respondendo por quase 20% do produto estadual, tem na produção agropecuária uma grande fonte geradora de divisas e, principalmente, de emprego. Segundo informações do IBGE – Contas Regionais 2000 - o valor da produção agropecuária foi da ordem de R$ 14.714 milhões, no ano de 2000, correspondendo a 13,6% do total do Estado. Caso desconsidere-se a Região Metropolitana de Belo Horizonte, o peso desse setor será ainda mais expressivo no Produto do Estado. Minas Gerais é um grande produtor em vários segmentos agrícolas, como a agropecuária, a canade-açúcar, o milho, a soja, a laranja e o café, dentre outros. O segmento em estudo – café – apesar de não se caracterizar como o principal segmento agrícola, em termos econômicos, é um dos maiores empregadores, assim como o segundo maior exportador - café em grão - perdendo apenas para os minérios1 . A cultura do café, o beneficiamento e a comercialização, ocorrem em vários municípios espalhados nas diversas regiões do estado – Sul/ Sudoeste, Triângulo/Alto Paranaíba, Zona da Mata, Centro Oeste, e, com menor importância, em outras. Todos os estudos sobre a produção de café apontam a mesorregião do Sul de Minas como a
maior produtora do Estado. Segundo informações da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (FAEMG), esta região responde por 47,2% da produção total de café no Estado. Se a importância do café, em termos estaduais, já é bastante significativa – sendo responsável por 3,7 milhões de pessoas direta e indiretamente beneficiadas2 - para a região Sul de Minas ela se caracteriza como vital. Pois nesta região predomina a cultura do café, bem como todas as demais atividades de sua cadeia produtiva. Dentre as microrregiões que compõem a mesorregião Sul/Sudoeste de Minas Gerais, a principal produtora, tanto em número de produto-
res quanto em quantidade produzida, é a microrregião de Varginha, composta por 16 municípios, segundo classificação do IBGE. Nessa microrregião a cultura do café se caracteriza como a principal atividade econômica, juntamente com todas as demais atividades desenvolvidas na cadeia produtiva do café – beneficiamento, industrialização, comercialização em grãos verdes, interna e externa. Existe a separação territorial dessas atividades, por exemplo, as atividades de industrialização, armazenamento/comercialização interna, exportação estão concentradas na sede do município de Varginha, que agrega o porto seco e o aeroporto da região. Já o cultivo e a comercialização
de varejo se desenvolvem na zona rural de todos os municípios da região. Do ponto de vista da distribuição da riqueza, gerada na cadeia produtiva do café, todavia, estudos apontam3 que apenas 8% do total de valor agregado na cadeia fica no Brasil e, a partir de indicadores e dados contidos nas estatísticas oficiais internas, pode-se inferir que a distribuição desse percentual que fica no Brasil também ocorre de forma bastante desigual, sobrando muito pouco para o agricultor familiar e o assalariado rural. Na Tabela 10 estão apresentadas informações de caráter populacional, sócio e econômico (para o ano de 2000), além do número de informantes na produção de café (para o período 1995/96), para todos os municípios da microrregião de Varginha, permitindo uma comparabilidade dessas informações, inclusive, permitindo-se fazer um parâmetro
entre os principais municípios produtores de café da microrregião e o município no qual se concentram as demais atividades da cadeia produtiva Varginha. A população rural da microrregião de Varginha corresponde a 18% da população total da região. Em alguns municípios a concentração rural é bem maior – como Guapé, Coqueiral, Campos Gerais e São Thomé das Letras. Nestes municípios tipicamente rurais4 , tanto a renda per capita quanto a remuneração média dos chefes de famílias são relativamente menores do que nos municípios mais urbanizados. Essa diferença se torna mais significativa quando a comparação é feita especificamente com a sede do município de Varginha. Tais dados confirmam um fato já conhecido de que dentre as atividades da cadeia produtiva do café a que menos agrega valor é a atividade rural.
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TABELA 10 – INFORMAÇÕES SOBRE POPULAÇÃO, ASPECTOS SÓCIO–ECONÔMICOS E INFORMANTES PRODUTORES DE CAFÉ DOS MUNICÍPIOS QUE COMPÕEM A MICRORREGIÃO DE VARGINHA/MG Informações
microrregião de Varginha
Total
População Rural
IDHM
Renda Per Capita
(%) Taxa de Alfabetização
Rem. Nom. Média (R$)*
**Produtores de Café (N.º)
% Pop Rural
406.850
72.338
18
0,761
240,22
87,8
692,23
8.465
Boa Esperança
37.074
6.682
18
0,783
278,86
89,4
614,85
786
Campanha
14.098
2.363
17
0,784
278,72
89,0
585,13
256
Campo do Meio
11.436
1.397
2
0,749
199,19
87,1
487,31
247
Campos Gerais
26.541
8.802
33
0,750
208,97
86,9
491,55
1.581
Carmo da Cachoeira
11.600
4.073
35
0,744
199,86
85,6
454,12
320
9.612
3.494
36
0,751
197,57
89,1
458,77
461
21.947
4.892
22
0,768
271,99
86,9
572,62
1.063
Coqueiral Elói Mendes Guapé
13.620
7.333
54
0,752
190,88
89,4
442,42
865
Ilicínea
10.532
2.895
27
0,758
229,24
86,4
509,10
835
Monsenhor Paulo
7.615
2.247
30
0,764
243,37
87,3
520,34
235
Santana da Vargem
7.521
2.824
38
0,749
249,37
87,2
537,95
326
São Bento Abade
3.737
285
8
0,712
164,92
84,8
359,55
20
São Thomé das Letras
6.204
2.992
48
0,717
191,54
82,4
403,02
195
65.291
6.872
11
0,780
281,02
90,8
782,18
334
51.024
10.354
20
0,773
275,71
89,2
687,84
695
108.998
4.833
4
0,824
382,27
93,5
935,91
247
Três Corações Três Pontas Varginha
* Valor do rendimento nominal médio mensal das pessoas com rendimento, responsáveis pelos domicílios particulares permanentes (R$) ** Período 1995/96 Fontes: IDH e Renda Per Capita: Relatório PNUD – FJP/IPEA/PNUD; Número de Produtores: IBGE – Censo Agropecuário 1995/96; Demais dados apresentados na Tabela 1: IBGE – Censo Populacional 2000. Elaboração: Observatório Social
CAFÉ – ASPECTOS TÉCNICOS E PRODUTIVOS Na região pesquisada, o café produzido é do tipo arábica, café de altitude, que se desenvolve bem nas regiões montanhosas, e é exatamente por esta especificidade que a cultura expandiu-se no Sul de Minas. O café arábica é a variedade mais consumida no mundo devido a suas qualidades organolépticas superiores às do café robusta, produzido em regiões de clima mais quente e de mais baixa altitude. Devido a estas qualidades a cotação do café arábica é, em geral, 100% superior à do Robusta nas bolsas internacionais. O café arábica, produzido na região, é destinado à exportação em grão, à torrefação e moagem, e para compor blends, tão necessários para a produção de café solúvel5 , como para a produção de café não solúvel, neste caso para realçar características de aroma, sabor e corpo da bebida. O café do tipo Arábica apresenta diversas classificações relativas a sua qualidade que, por sua vez, está relacionada às variedades plantadas,
26
condições de plantio (tipo de solo, altitude, microclima) e de colheita e pós-colheita (grãos maduros, grãos inteiros, grau de umidade – forma de secagem, número de defeitos, medidos pela proporção de grãos quebrados, estragados, mofados, definidos por lote, entre outras características). Com base nesses aspectos, o café recebe determinada pontuação que, pelo que pôde ser apreendido nas entrevistas, vai de 1 a 18, sendo que quanto menor o número, pior a classificação; também recebe uma classificação por número de defeitos, nesse caso, quanto maior número de defeitos, pior a qualidade do café. Na região Sul de Minas, segundo informações dos entrevistados, o café nunca é vendido no pé, a negociação ocorre apenas após a colheita. Porém há casos em que o corretor, representando potenciais compradores, enumera as características requeridas para uma futura compra a preços diferenciados, o que determinará os tratos culturais que o cafezal deverá receber para que os grãos ali produzidos tenham as características desejadas. Isto determinará o tratamento do solo, o uso de defensivos e de que tipo, a forma de colheita e de secagem, visando a produção de um café especial. Os cafés diferenciam-se, como já dito, por características que determinam qualidade superior da bebida, tais como:
● aspecto do grão; ● forma de colheita; ● tipo de preparo; ● história da variedade e do grupo social que o
produz; ● origem do plantio; ● variedades raras e quantidades limitadas; ● altura média da região de produção; ● características de clima (temperatura,
pluviometria da safra); e ● época de florescimento e colheita.
Além destas características, alguns mercados começam a exigir parâmetros de sustentabilidade, que incluem a viabilidade econômica da produção, a proteção, preservação e melhoria ambiental e a melhoria das condições de vida e trabalho dos produtores e trabalhadores rurais. Um café com todas essas características e com rastreabilidade e certificação, deixa de ser commodity e pode alcançar preços de mercado superiores. Durante a pesquisa de campo verificouse que alguns desses cafés especiais chegam a atingir preços quatro vezes superiores ao alcançado pelo arábica normal. Apesar de essa região contar com muitas indústrias de torrefação e moagem, a maior parte do café aí produzido ainda é vendida em coco (grão seco), isto é, in natura, ou beneficiado (descascado), para ser industrializado, em geral, fora do país. A Tabela 11 apresenta algumas informações sobre a produção primária de café na microrregião de Varginha, que servem apenas como parâmetro indicativo, dada a defasagem desses dados (1995/96).
27
TABELA 11 - COLHEITA E VALOR DA PRODUÇÃO DE CAFÉ EM COCO, SEGUNDO AS MICRORREGIÕES E MUNICÍPIOS DO SUL DE MINAS GERAIS (1995/1996) - EFETIVOS EM 31-07-96 (MIL PÉS) Messoregiões, Microrregiões e Municípios Total Geral
Quantidade Colhida (t) Vendida (t)
Valor da Produção (mil reais)
Pés colhidos (mil pés)
Área Colhida (ha)
Pés em Idade Produtiva
Pés Novos Total Plantados no Período
1 506 692
340 564
1 351 216
1 199 026
790 030
1 286 757
527 003
262 027
Sul/Sudoeste de Minas
648 175
97 957
587 592
472 360
312 227
503 012
207 104
102 009
Varginha
205 143
2 414
177 717
158 638
91 017
167 481
51 903
29 306
Três Pontas
31 624
280
29 849
26 359
14 711
27 491
7 981
3 745
Campos Gerais
31 877
76
30 100
22 512
12 791
23 102
6 840
3 291
Boa Esperança
28 593
12
23 929
20 322
12 509
22 340
6 753
3 437
Elói Mendes
11 633
32
11 602
11 896
7 549
12 850
2 105
1 607
Varginha
13 892
393
10 069
9 676
6 110
10 333
3 159
1 269
Santana da Vargem
13 233
-
10 652
9 382
5 413
9 664
2 293
1 618
Carmo da Cachoeira
13 342
4
12 462
10 373
5 361
11 141
3 514
2 000
Ilicínea
8 764
28
8 117
10 091
4 901
10 635
3 921
2 631
Guapé
12 199
57
8 820
9 831
4 796
10 457
6 188
3 381
7 742
0
7 908
7 348
4 399
7 435
2 874
2 328
Três Corações
9 780
80
10 619
6 515
4 075
7 155
2 714
1 844
Campo do Meio
13 930
12
7 002
7 433
3 234
7 509
1 004
712
Monsenhor Paulo
4 646
1 219
2 692
3 071
2 394
3 044
1 032
716
Campanha
2 767
208
2 984
2 513
1 851
2 826
1 255
591
São Thomé das Letras
730
-
566
975
753
1 053
164
60
São Bento Abade
391
13
346
341
169
444
106
77
Coqueiral
Fonte: IBGE – Censo Agropecuário 1995/96 Elaboração: Observatório Social
ESTRUTURA DE PRODUÇÃO DO CAFÉ ARÁBICA NO SUL DE MINAS A cadeia produtiva do café arábica no Sul de Minas é composta por diferentes atores sociais, que desempenham papéis diferenciados e imbricados ao longo da cadeia. No primeiro elo da cadeia encontram-se os produtores de insumos para agricultura. Embora não existam, na região, indústrias produtoras de insumos para agricultura, há um grande número de representantes destas indústrias, para o pronto atendimento aos produtores. No entanto, verificase que não há uma participação muito intensa de órgãos de extensão rural para dar suporte técnico às necessidades dos produtores. O serviço de extensão é prestado pelas cooperativas atuantes na região e estas cooperativas, além de prestarem assistência técnica, são também distribuidoras de insumos para agricultura, abrangendo uma linha bem diversificada de produtos, que compreende de máquinas agrícolas a adubos e defensivos agrícolas. Após este elo da cadeia de apoio à atividade agrícola, há o elo mais importante composto por
28
produtores rurais de café. Segundo informações locais, não há mais no Sul de Minas grandes produtores de café, em grandes propriedades, isto porque, após gerações de plantio do produto, as propriedades fundiárias passaram por um processo de desmembramento, resultado do processo natural de partilha de terra entre os herdeiros, e não houve, como em outras regiões, um processo de reconcentração fundiária, como pode ser visto nos dados do IBGE. A grande diferença entre os produtores se dá entre os produtores familiares, que utilizam fundamentalmente mão-de-obra familiar em todas as fases do ciclo de produção do café, e produto-
res não familiares, que utilizam mão-de-obra assalariada, ou outras relações de trabalho6 , para as diferentes atividades do ciclo produtivo do café Arábica. Isto não quer dizer que o produtor familiar não utilize trabalhadores assalariados, quer dizer apenas que na categoria produtor familiar predomina a utilização de mão-de-obra familiar em todas as atividades do ciclo produtivo do café. Porém, eventualmente, dependendo da magnitude da produção, a velocidade em que a colheita deva ser realizada, na falta ocasional de trabalhadores familiares, é comum o emprego de trabalhadores assalariados, ou a troca de dias de serviço, ou o mutirão.
TABELA 12 - ESTABELECIMENTOS POR GRUPO DE ÁREA TOTAL (%) – MINAS GERAIS Mesorregião, Microrregiões e Municípios
Menos de 10ha (%)
10 a menos de 100ha (%)
100 a menos de 200ha (%)
34,15
49,59
8,06
5,59
de Minas Gerais
43,30
48,01
5,41
Microrregião de Varginha
37,63
49,51
7,85
Campos Gerais
48,73
44,08
Elói Mendes
47,07
45,23
Guapé
33,43
54,63
Boa Esperança
36,85
46,56
9,60
5,85
1,15
0,00
0,00
Três Pontas
28,07
52,55
11,55
6,71
1,12
0,00
0,00
Ilicínea
51,52
42,17
3,25
2,74
0,30
0,00
0,00
Três Corações
15,35
59,31
13,41
9,84
2,09
0,00
0,00
Campanha
26,29
62,32
7,90
2,57
0,92
0,00
0,00
Coqueiral
38,10
52,95
6,44
1,97
0,54
0,00
0,00
São Thomé das Letras
25,00
60,57
9,02
4,64
0,77
0,00
0,00
Estado de Minas Gerais
200 a 500 a menos de menos de 500ha (%) 2000ha (%)
2000 ha e mais (%)
sem declaração (%)
2,21
0,31
0,08
2,68
0,53
0,03
0,05
4,18
0,81
0,01
0,01
5,28
1,71
0,21
0,00
0,00
5,13
2,42
0,15
0,00
0,00
6,85
3,98
1,11
0,00
0,00
Mesorregião Sul/Sudoeste
Carmo da Cachoeira
11,81
56,14
20,72
9,88
1,45
0,00
0,00
Monsenhor Paulo
26,92
58,97
8,33
4,49
1,28
0,00
0,00
Varginha
25,31
51,54
13,58
7,10
2,16
0,00
0,31
Campo do Meio
51,92
39,84
4,12
2,75
1,10
0,27
0,00
Santana da Vargem
50,43
37,18
7,20
4,61
0,58
0,00
0,00
São Bento Abade
24,19
51,61
14,52
8,06
1,61
0,00
0,00
Fonte: IBGE – Censo Agropecuário 1995-1996 Elaboração Observatório Social
Dentre os produtores não familiares, com área menor do que 100 hectares, que é o módulo de maior concentração de produtores, a diferença entre eles se dá pelo capital investido na cultura, que dá uma idéia do grau de modernização da produção de café. Nesta medida, há produtores que fazem na própria fazenda todo o processo de beneficiamento do café, com diferentes cuidados culturais, até produtores em que o processo de
beneficiamento do café se dá fora da propriedade através da compra de serviço de beneficiamento. Pelo que foi percebido nas entrevistas, os produtores mais capitalizados dispõem de máquinas e equipamentos para beneficiamento na propriedade. Já o agricultor familiar, e mesmo uma parte dos produtores de médio porte, não dispõem desses recursos, tendo que alugar máquinas, ou mesmo vender o seu produto sem beneficiamento, diminuindo o valor
29
agregado. Um pequeno produtor, entrevistado em Guapé, chega a pagar ao maquinista R$ 5,00 por saca de 60Kg, para beneficiar o café (secar e descascar), o preço varia de acordo com o volume produzido – quanto maior for o volume, menor o preço por saca. No período da entrevista, agosto de 2003, este produtor disse que pagou R$ 4,00 por saca, porque a safra nesse ano foi ruim e o maquinista estava com pouca demanda de serviço. Segundo esse produtor, a prefeitura subsidiava uma parte das despesas com o beneficiamento, mas, nos últimos dois anos, isso não ocorreu. Embora o produtor fosse participante da cooperativa local, esta não disponibilizava o serviço aos seus cooperados, por falta de equipamento.
COLHEIT COLHEITAA DO CAFÉ Neste ponto, é necessário fazer uma rápida descrição do processo de colheita do café e suas variantes, responsáveis pela maior ou menor valorização do produto. Os cuidados tomados nessa atividade e no pós-colheita determinam a classificações que o café pode obter e influenciando no preço alcançado. A colheita do café arábica pode ser rasa ou selecionada. Na colheita rasa, o trabalhador debulha com a mão (usando os dedos indicador e polegar fechados) galho por galho do cafeeiro. Neste processo de trabalho, todo café é retirado do galho, independentemente de sua cor (verde, vermelho e preto), junto com folhas, pedaços de galhos secos etc. É por isto que o café tem de ser
30
peneirado antes de ser ensacado, para retirar as impurezas. A colheita rasa pode se dar dos galhos para a peneira e desta para o saco, ou pode ser feita dos galhos para o chão. Neste caso, o solo é rastelado, o material recolhido é peneirado e os frutos livres de impurezas são finalmente ensacados. Já na colheita selecionada, o trabalhador colhe fruto a fruto, retirando apenas os frutos vermelhos. Nesta forma de colher são necessárias várias colheitas no mesmo pé, realizadas diariamente, para que se colham apenas os frutos vermelhos. A determinação da forma como se dará a colheita depende de uma série de fatores, determinados pelos proprietários, e deverá ser supervisionada pelo fiscal7 , que controla o trabalho realizado pelos colhedores. Na colheita do café o ritmo que a atividade é realizada depende de características pessoais do trabalhador, como: destreza; velocidade em realizar as diferentes atividades e resistência física. O fiscal supervisiona a atividade do colhedor, para não permitir que ele colha de qualquer jeito, o que pode danificar os pés, e para que ele não misture impurezas no saco. Porém, quanto maiores os cuidados na colheita, determinados pelo fiscal, maior é o trabalho do colhedor e menor será a quantidade de café colhida no dia de trabalho. Devido a estas características, os colhedores são pagos por produção: quantidade de café colhido, medida em saco. O pagamento por produção é a forma encontrada pelos proprietários para aumentar a produtividade. O problema é que esta
“
O Sindicato dos Trabalhadores Assalariados Rurais de Guapé denunciou a existência de trabalho escravo na lavoura do café
”
31
forma de pagamento é perversa, pois transfere aos trabalhadores o controle da produtividade atrelando-a ao ganho. Nestes casos, quanto mais baixos os salários, maior o incentivo ao aumento da produtividade. A conseqüência nefasta é que esta forma de pagamento tende a contribuir para um desgaste precoce da força de trabalho e o surgimento de inúmeras doenças do trabalho. A colheita seletiva do café exige maior esforço e maior atenção, reduzindo a produtividade e o ganho dos trabalhadores. Estes só tendem a aceitá-la caso a remuneração seja maior do que na colheita convencional. Porém, como a cultura do café só exige trabalho durante um curto período de tempo - junho a agosto -, combinado com a bianualidade do café, há uma pressão sobre os trabalhadores para que aceitem qualquer tipo de trabalho, nas piores condições e com ganho muito baixo. Algumas propriedades, que adotam a colheita selecionada, visando alcançar maiores preços, têm feito baixo investimento porque o diferencial de pagamento tem sido muito inferior ao diferencial de preço alcançado, transferindo, desta forma, um ganho maior aos proprietários a custa da pauperização e esgotamento dos trabalhadores. Desta forma, pode-se afirmar que o aumento do valor agregado ao produto não implica, necessariamente, em melhoria da distribuição de renda. O salário dos trabalhadores depende, não apenas, da quantidade de café colhido, mas, fundamentalmente, do poder de barganha dos trabalhadores, e estes têm, por sua vez, um conjunto de outros determinantes, que vão do grau de organização e luta até à quantidade de trabalhadores disponíveis. Como na safra do café, trabalhadores são atraídos de diferentes regiões do país e a organização sindical dos trabalhadores rurais é débil, fica claro que o poder de barganha dos trabalhadores é bastante reduzido, o que permite a superexploração dos trabalhadores assalariados rurais, nas regiões produtoras de café.
PÓS COLHEIT COLHEITAA Após a colheita, a primeira atividade a ser realizada é a secagem dos frutos, para a posterior retirada da semente, que é o café propria-
32
mente dito. A secagem pode ser de dois tipos: manual ou mecânica; caso seja manual, ela poderá ocorrer de duas formas: em terreiro, a mais comum, e em varais. A secagem de terreiro é a mais tradicional, em que o café, depois de colhido e ensacado no campo, é estendido no terreiro e exposto ao sol para secar. Nesta atividade entra em cena um outro trabalhador, o terrereiro, que não participa da colheita e desempenha uma atividade importante para a valorização do café, porque os frutos molhados ficam sujeitos a mofo e têm menor durabilidade, o que abate a classificação. O terrereiro tem que ter o cuidado de expor os frutos ao sol para secar, sem que haja quebra dos grãos. A secagem é feita em um terreiro cimentado ou em varais de arame. Embora a secagem em terreiros cimentados seja a mais difundida na região, não é a que mais acrescenta valor ao café. Isso ocorre porque alguns frutos permanecem úmidos ao ficarem em contato com o solo e não haver uma exposição uniforme ao sol. Além disto, caso ocorra chuva, a umidade poderá acarretar elevadas perdas ao produtor. A vantagem da secagem em varal de arames consiste na ação combinada da luz solar e da passagem do ar, já que os varais ficam a cerca de ½ metro do solo Há ainda a secagem mecânica, bastante utilizada pelos agricultores familiares, que não dispõem de terreiros. Este processo é criticado pelos técnicos porque a utilização de temperaturas elevadas nos secadores (p. ex. regulação incorreta ou falha nos equipamentos) pode escurecer, queimar ou retirar umidade em excesso dos grãos, tornando-os mais suscetíveis de quebra na etapa do beneficiamento. Há na região, inclusive, caminhões com secadores e descascadores, que fazem este serviço nas propriedades. O pagamento por esta atividade mecânica pode ser em dinheiro ou em quilos de café, na medida em que em toda a região cafeeira o café é “quase moeda”8 . No Município de Guapé, a prefeitura, até recentemente, subsidiava a secagem mecânica, através de caminhões, porém, com a falta de recursos das prefeituras municipais, este serviço aos produtores foi cancelado. Uma outra atividade do terrereiro é medir a produção dos colhedores e indicar a quantidade de sacas colhidas, para posterior pagamento. Isto porque os trabalhadores colhem o café e deposi-
tam-no em sacos. Porém, é necessário que os sacos estejam bem cheios e tenham a mesma quantidade de frutos. É o terrereiro quem verifica se aquele saco daquele colhedor está com a quantidade de frutos esperada, se não tem outros componentes além do café (pedra, terra, folha, galhos etc.). Embora os trabalhadores contem a quantidade de sacos colhidos, esta quantidade é sancionada pelo terrereiro, e o pagamento é feito pela quantidade de sacos indicada por estes, e não pela quantidade indicada pelo trabalhador. Depois da secagem, é realizado o descascamento, que é uma atividade mecânica, após a qual obtêm-se os grãos. As máquinas descascadoras devem estar bem calibradas, porque no processo de descascamento podem danificar os grãos. Esta operação é realizada por um outro trabalhador, chamado maquinista, quando a descascadora existe na propriedade, porém, apenas os produtores mais capitalizados possuem esta máquina. Para os produtores que não dispõem de máquinas, a venda do café já pode ocorrer na atividade de descascamento . Isto porque o descascamento é uma atividade industrial, realizada por máquina, e os produtores que não dispõem de máquinas podem alugar o serviço, ou podem beneficiar os grãos nas cooperativas, nos armazéns de maquinistas, diretamente nos exportadores, ou nas indústrias de torrefação. Ou seja, a atividade de descascamento dá início à longa cadeia de intermediação comercial do café, do produtor até os mercados interno ou externo. Há, portanto, na fase de colheita e beneficiamento, cinco tipos de atividades, desempenhadas, em geral por trabalhadores diferentes: os apanhadores de café; os feitores ou fiscais; os carregadores; os terrereiros e os maquinistas.
33
Estes trabalhadores são, em geral, assalariados, pagos por produção e são remunerados diferentemente, cabendo a maior remuneração aos fiscais, maquinistas e terrereiros e as menores aos apanhadores e carregadores9 . Em algumas propriedades são os próprios apanhadores que transportam os sacos colhidos do talhão para os carreadores. Porém, não foi observado nas propriedades visitadas, e nem foi apontado pelos informantes, se os apanhadores que realizavam também o carregamento recebem por esta atividade. Algumas vezes, o motorista do caminhão leva junto com ele os carregadores e estes são pagos pelos motoristas, em outras, nas maiores propriedades, é designado um conjunto de trabalhadores para fazer o carregamento, quando os talhões ficam distantes do local de embarque da carga. A unidade de pagamento de todos estes trabalhadores é o saco de café de 60 quilos. O
34
“
valor da saca paga ao trabalhador varia de acordo com a qualidade do talhão de café: um talhão com muito café, com pés jovens e de alta produção, paga menos do que um talhão de pés mais velhos e com baixa produção. Ao mesmo tempo, a colheita seletiva de café, diferente da apanha rasa, paga melhor. Os trabalhadores, apanhadores de café, podem ser de diferentes origens: z nas propriedades dos agricultores familiares, os apanhadores podem ser membros da família, que trabalham sem remuneração; ser vizinhos, que trocam dias de trabalho; ou assalariados, em geral, da própria comunidade. Mas podem ser também migrantes, contratados através de gatos. Porém, só ocorre trabalho assalariado quando a safra é grande e não há membros da família disponível; z nas propriedades médias, predomina o uso de trabalhadores assalariados, contratados
Estes trabalhadores são, em geral, assalariados, pagos por produção e são remunerados diferentemente
através de gatos, ou diretamente pelo proprietário ou pelo administrador da fazenda, que podem ser moradores da região, ou trabalhadores de fora, normalmente do Norte do Paraná, Norte de Minas e da Bahia; z nas grandes propriedades predomina o trabalho assalariado em todas as fases do ciclo produtivo do café. Estas propriedades são bastante mecanizadas e dispõem de maquinário necessário para o beneficiamento do café. Portanto, são assalariados, desde os trabalhadores rurais até os maquinistas, operadores das máquinas de beneficiamento, de um modo geral. Os feitores ou fiscais são, em geral, os trabalhadores permanentes das propriedades. É comum também que o gato, ou turmeiro, responsável pelo agenciamento da turma de colhedores, execute também a atividade de fiscalização. Esta figura emblemática do trabalho assalariado rural, em geral, execrada pelos trabalhadores e pelo movimento sindical, é encarregada de disponibilizar trabalhadores para a colheita e para outras atividades demandadoras de mão-de-obra do ciclo de produção do café. Porém, é na atividade de colheita que é maior o número de trabalhadores. As formas utilizadas pelos gatos para persuadir os trabalhadores para trabalhos duros, penosos e com baixa remuneração, variam do compadrio e assistencialismo à agressão física, passando pela tortura física e moral e pelo endividamento. O grande disponibilizador de trabalhadores, que se sujeitam às mais precárias condições de trabalho, é, sem dúvida, o processo de concentração de renda existente no Brasil. Cada gato é responsável por uma ou mais turmas de trabalhadores, que variam de 10 a 60 pessoas, que podem ser da região, ou mesmo migrantes. O gato contrata o trabalho com os proprietários, calcula a quantidade de trabalhadores necessários para a atividade e acerta com o proprietário o pagamento e as condições que ele deseja para a realização da colheita. Em função da negociação entre os gatos e os proprietários, é determinado o pagamento por saco colhido e as condições em que os trabalhadores realizarão a colheita. O ganho do gato é uma percentagem do pagamento dos trabalhadores, também medida em sacos de café. Desta forma, interessa ao gato que a turma imprima um ritmo forte de atividade para que
o seu ganho aumente. É exatamente por isto que a atividade de fiscalização, em geral, é desempenhada pelo gato, porque o seu pagamento depende da produtividade da turma. (ALVES, 1991; MORAES, 2002) Os trabalhadores pertencentes a uma determinada turma, de um determinado gato, apresentamse diariamente nos pontos de embarque combinado, no horário definido. Os trabalhadores dirigemse aos pontos de embarque, portando a marmita, o café, a água e a peneira, seu instrumentos de trabalho . Os demais instrumentos de trabalho, rastelo e escada são disponibilizados pelos proprietários ou pelos gatos. Os equipamentos de proteção individual (luvas, botas, perneiras), assim como as vestimentas próprias para o trabalho, são de responsabilidade e pertencem a cada trabalhador10 . A jornada de trabalho inicia-se, portanto, às 5h30min, quando os trabalhadores estão disponíveis para o embarque, e termina às 19h, quando os trabalhadores são devolvidos ao ponto. Isto significa que o trabalhador encontra-se disponível para o trabalho e já submetido ao gato durante 13 horas e meia, em média, por dia, porém, só é considerado como tempo de trabalho o que o trabalhador está efetivamente trabalhando. Esta jornada efetiva de trabalho inicia-se às 7h e termina às 17h30min, havendo 40 minutos para o almoço, que em geral ocorre entre 8h30min e 9h, e 30 minutos para o café, em geral por volta das 13h30min11 . A jornada de trabalho efetivo tem duração de 9 horas, isto é, enquanto durar a luz do sol, e enquanto houver café para ser colhido. É verdade que, não havendo mais café, o trabalho termina antes do por do sol. Caso a colheita daquela área não termine em um só dia, no seguinte os trabalhadores retornam ao trabalho naquele cafezal, até que toda a colheita seja realizada. No Sul de Minas, a jornada de trabalho é de 9 horas, não havendo o pagamento de horas in ittineré, que a lei garante sempre que os trabalhadores precisem ser transportados até seus locais de trabalho. Esse transporte também deve ser pago pelo patrão, tendo em vista que o trabalhador está à disposição do primeiro durante o período da viagem. Como é difícil determinar o tempo de duração da viagem de caminhão, da cidade até a fazenda e o tempo de deslocamento a pé, entre o local de desembarque do trabalhador e o cafezal onde será feita a colheita, este
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tempo não é considerado, no Sul de Minas, como tempo de trabalho e os trabalhadores nada recebem por ele. Dependendo da distância da fazenda e da distância do cafezal, algumas vezes, o tempo de deslocamento chega a até quatro horas por dia. A contratação de trabalhadores de fora do local e da região ocorre mais nos anos de grande produção de café12. Nos anos de grande safra, vêm trabalhadores do Paraná, Minas Gerais e Bahia, porém, nos anos de baixa safra, a mão-de-obra da colheita é fundamentalmente local ou regional. Os apanhadores que trabalham em cafezais próximos aos centros urbanos são transportados diariamente, por caminhões, dos pontos de embarque até os cafezais. As condições de transporte são absolutamente precárias. Alguns caminhões são adaptados para o transporte de passageiros, dispondo de bancos de madeira, presos às carrocerias, e de capotas de lona, madeira, ou plástico. Grande parte dos trabalhadores ainda é transportada em caminhões comuns, sem bancos, sem capota fixa e sem separação das ferramentas de trabalho, estando estas condições de transporte em completo desacordo com a legislação em vigor. Em algumas propriedades mais distantes dos centros urbanos, os trabalhadores ficam alojados na propriedade e deslocam-se a pé para os talhões de colheita. No período da colheita, os trabalhadores ficam alojados em antigas casas de colono, existentes na propriedade, em geral em instalações precárias, tais como galpões, quartos de armazenamento de insumos agrícolas, inclusive agrotóxicos, sem instalações sanitárias. Nestes alojamentos adaptados, os trabalhadores são os responsáveis por sua alimentação (queima-lata)13 , ou pagam por ela quando é fornecida pelo proprietário. O Sindicato dos Trabalhadores Assalariados Rurais de Guapé denunciou a existência de trabalho escravo em lavoura de café no Sul de Minas, num município próximo à Varginha. Nesta propriedade, os trabalhadores estavam alojados em barracas de lona plástica, sem banheiro e sem água potável. A água era a retirada de uma cacimba existente na propriedade.
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ASSALARIADOS DO CAFÉ NO SUL DE MINAS – SALÁRIOS E CONDIÇÕES DE TRABALHO Com base nas entrevistas realizadas com seis trabalhadores (sendo um fiscal e cinco apanhadores, que também realizam outras funções, como capina, plantio etc.) em uma fazenda em Guapé (Sul de Minas), é possível ter uma noção das condições de vida dos trabalhadores nessa região. Embora sejam, no mínimo precárias, não são as piores possíveis de serem encontradas, segundo a afirmação da presidente do STR da região. Dos trabalhadores entrevistados, todos possuíam registro em carteira, todavia, com muitos desvios. Isto é, alguns já estavam trabalhando há oito meses, mas só tiveram o registro em carteira no período da safra (isso ocorre pela probabilidade de o aparecimento de fiscais do trabalho nesse período ser maior). Quatro dos seis trabalhadores moravam na fazenda e os outros dois não tinham transporte, deslocando-se a pé até o trabalho (mais ou menos 4 km). Dos quatro que moravam na fazenda, três habitavam barraco, sem infra-estrutura sanitária, inclusive sem banheiros. Todos eles afirmaram pagar sua alimentação: quatro pagavamna integralmente e dois, a metade. Formalmente a jornada de trabalho diária inicia às 7h e termina às 16h30m, com uma hora para o almoço e 30 minutos para o café. No sábado, o trabalho se estende até o meio dia. Mas, os entrevistados afirmaram (exceto o fiscal) que trabalhavam de domingo a domingo, inclusive nos feriados, não recebendo remuneração extra por isto, apenas a produção. Como ganham por produção, a remuneração varia de trabalhador para trabalhador. Todavia, quando questionados sobre a remuneração média mensal, os apanhadores disseram que recebem entre R$ 300,00 e R$ 350,00 mensais; já o fiscal recebe fixo dois e meio salários mínimos mais uma comissão de 1,5% sobre a produção dos trabalhadores. A produção é medida por saca de 60 quilos, que, à época, pagava R$ 4,00 por saca. A não disponibilização e o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) é um dos fatores que afetam negativamente as condições de
trabalho e, por conseguinte, de vida dos trabalhadores do café. Todos os entrevistados foram categóricos em afirmar que os EPI só são disponibilizados na aplicação de agrotóxicos, mesmo assim, um dos empregados que já havia aplicado agrotóxicos naquela propriedade, disse que os equipamentos disponibilizados foram apenas botas e luvas, mas não recebeu máscara, nem avental ou macacão. Na colheita, apesar da necessidade do uso de luva, pois o processo é ofensivo aos tecidos das mãos e antebraços, o proprietário proíbe o seu uso, sob a alegação de que prejudica o pé de café, pois retira mais folhas da planta afetando o desenvolvimento da próxima safra. Constatou-se que não há disponibilização de EPI, e na maioria das vezes há proibição de seu uso, em qualquer fase do processo produtivo para os trabalhadores, o que parece ser uma prática na região. O quadro 1 faz um comparativo entre os direitos acordados em Convenção Coletiva entre o Sindicato dos Empregados Rurais da Região Sul de Minas e aqueles efetivamente usufruídos pelos trabalhadores entrevistados, segundo seus relatos.
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QUADRO 1 – COMPARATIVO ENTRE DIREITOS ESTABELECIDOS EM CC E AQUELES EFETIVAMENTE USUFRUIDOS PELOS EMPREGADOS RURAIS DA REGIÃO SUL DE MINAS Direitos Estabelecidos em Convenção Coletiva
Direitos efetivamente usufruídos pelos empregados
Salário-base da categoria: R$ 264,00
Como recebem por produção e trabalham aos domingos e feriados, a remuneração líquida, em geral, é menor do que o salário-base, que exclui os domingos, como final de semana remunerado, pago pelo empregador
Jornada de Trabalho Semanal: 44 horas
Trabalham sempre mais, visto que trabalham em domingos e feriados, sem recebimento de extra
Prevê intervalos de 1h para almoço e 30 min. Para o café
Está de Acordo
Prevê o fornecimento de transporte para aqueles que moram fora da fazenda
Não ocorre. Aqueles que moram fora têm que vir a pé para o trabalho
Prevê a disponibilização de alojamento para os trabalhadores de fora do município
Nem todos os empregados que são de fora recebem moradia, a maioria tem que dividir pequenos barracos com mais cinco ou seis pessoas
Prevê local adequado para refeição
Não tem
Prevê local adequado para higiene
Não tem
Obrigatoriedade de disponibilização e uso de EPI
Só disponibiliza aos aplicadores de agrotóxicos, ainda assim incompletos, pois não disponibiliza máscaras e roupas.
Fontes: Informações do STR do Sul de Minas e Pesquisa de Campo Observatório Social, em 08/2003
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DEMAIS AATORES TORES E SEUS PPAPÉIS APÉIS NA CADEIA PRODUTIV PRODUTIVAA DO CAFÉ Para melhor esclarecimento do papel dos demais atores sociais presentes no Complexo Agroindustrial do Café, será apresentado um fluxograma14. Os produtores, mesmo estando dispostos numa única categoria, apresentam algumas diferenças entre si. O que difere agricultores familiares, produtores médios e grandes, como dito anteriormente, é a disponibilidade de capital, tanto próprio, quanto através de financiamentos, para investir em tecnologia e maquinário. Alguns dos entrevistados, entre eles, o representante do maior armazém da região (Agaservice – Armazéns Gerais e Beneficiamento), acredita que 40% da produção do Sul de Minas ainda é feita por agricultores familiares, com menos de 80 hectares, contudo, acha que estes estão perdendo espaço pela falta de capacidade de investir.
“
No sul de Minas, estima-se que os agricultores familiares sejam responsáveis por 40% da produção do café. Eles estão perdendo espaço pela falta de capacidade de investir
QUADRO 2 - FLUXOGRAMA DA CADEIA PRODUTIVA DO CAFÉ NO SUL DE MINAS
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COOPERA TIV AS COOPERATIV TIVAS Os produtores, em sua maior parte participam das cooperativas existentes na região. Para o representante da Cooxupé, em torno de 50% dos produtores são cooperativados, e entre 40% a 50% da produção da região é negociada através de cooperativas15 . Não existe obrigatoriedade dos cooperados comercializarem sua produção através das cooperativas. Em geral, os cooperados entregam nas cooperativas a sua produção para beneficiamento e armazenagem. Isto é decorrente de as compras dos insumos para a lavoura terem sido feitas na cooperativa. Embora a sua produção esteja armazenada na cooperativa, ele vende o produto de acordo com as suas necessidades de dinheiro e de acordo com o preço oferecido pelos diferentes compradores. Isto é, as cooperativas beneficiam e armazenam a produção de seus associados e estes vendem o café no momento que consideram oportuno. Todavia, todos estão liberados para a venda a qualquer intermediário, bastando para isto o pagamento pelo beneficiamento e armazenagem à cooperativa. Alguns produtores vendem parte de sua produção através da cooperativa, parte vendem a maquinistas/armazéns de exportação, outros às indústrias produtoras de café pronto para consu-
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mo, tudo depende da necessidade de dinheiro e do preço oferecido pelo produto. Estas vendas podem ser ou não intermediadas pelos corretores. As cooperativas, dependendo de suas linhas de atuação, participam dos seguintes canais de venda: z mercado externo, diretamente, através de trades company, ou através de armazéns de exportação, mas vende apenas café em grão; z mercado interno, quer através de marca própria, ou através de marcas de terceiros, vende o café torrado e moído, ou café apenas torrado; z indústrias produtoras de café T&M, ou solúvel, ou apenas torrado. Algumas cooperativas, para aumentar a venda de seus cooperados por ela própria, criam ações estratégicas para manter o produtor fiel na entrega do produto. A Cooxupé, por exemplo, tem um programa de fidelização que garante prêmios ao produtor proporcionais ao volume negociado na cooperativa – bônus para aquisição de adubos, defensivos, máquinas e equipamentos.
CORRETORES Com base nos depoimentos dados pelos informantes, a figura chave do processo de comercialização do café no Sul de Minas Gerais é a do corretor. A maior parte do café comercializado
na região é feita através dos corretores, que agem nas negociações entre: produtores/mercado; cooperativas/mercado; maquinistas/armazéns/mercado. Esse agente atua como qualquer corretor, isto é, como um facilitador das negociações, aquele que aproxima ofertantes dos demandantes. O seu papel é a busca de negócio, encontrando para os produtores o melhor preço, e para as indústrias e exportadores o produto desejado, na quantidade requerida. Pelos seus serviços, ele recebe um percentual de 0,5% sobre o montante negociado. Foi possível identificar, no entanto, que o papel representado pelo corretor não se resume ao de um mero intermediário. Alguns deles dispõem de armazéns de beneficiamento e, portanto, operam como maquinistas, comprando eles próprios a produção e, operando seus estoques, buscando melhores preços no mercado, passando a atuar como comerciantes de café e, neste caso, o seu ganho deixa de ser apenas uma percentagem do montante comercializado, mas passa a ser o diferencial de preço pago ao produtor e recebido no mercado. Desta forma, existem diferentes corretores: aqueles que atuam estritamente enquanto corretores, buscando pôr em contato demandadores e ofertantes e aqueles que anexam à função de intermediação, atividades de maquinistas, armazenadores, financistas, e especuladores.
INDÚSTRIAS Nas indústrias que atuam na região, são produzidos diversos tipos de derivados do café – café solúvel, café torrado e moído, café apenas torrado, especial para máquinas de café expresso. Nestes ainda estão incorporados os cafés especiais – orgânicos, rastreados, bebida superior, dentre outros, e em cada linha de produtos, operam com diferentes marcas. Para cada uma destas marcas há diferentes blends e tipos de café: forte, fraco, extra-forte, típicos regionais etc. Isto é conseguido pela combinação de diferentes tipos de café arábica com diferentes tipos de café robusta, o que dá uma grande possibilidade de combinações, buscando com isto atingir nichos específicos de mercado. É necessário agregar estes diferentes tipos de café às diferentes possibilidades de embalagens (em papel, a vácuo, em sacos etc.). Algumas dessas indústrias atuam apenas no mercado local ou regional, outras, em associações com supermercados e grandes redes varejistas atuam também no mercado nacional. Outras indústrias, da própria região, atuam também no mercado externo, vendendo com suas marcas, já embalados, ou fabricando para outras empresas que colocam suas marcas próprias.
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Notas 1 Balança Comercial de Minas Gerais. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. 2 Relatório Final da Comissão Especial da Cafeicultura Mineira, da Assembléia Legislativa de Minas Gerais. Belo Horizonte, dezembro de 2003. 3 Idem. 4 Uma boa medida seria o número de informantes do café relativo ao tamanho da população rural, todavia, por se tratar de dados coletados em anos diferentes (população rural medida em 2000 e informantes do café medidos em 1995/96) fica impossibilitada essa comparação. 5 Segundo informações de um técnico da empresa Café Solúvel Brasília, o café utilizado na produção de solúveis é do tipo Robusta, que para este fim apresenta uma produtividade superior ao Arábica, somente usado na produção de solúveis quando o comprador assim o exige. 6 No Sul de Minas, não se encontrou um número expressivo de parceiros, como foi visto no Espírito Santo. A maior parte dos trabalhadores é assalariada safrista, sem carteira assinada. Há também um número relativamente grande de trabalhadores permanentes e de membros não remunerados da família. 7 Fiscal ou Fiscal de turma, é a pessoa designada para a realização da tarefa de fiscalizar o trabalho dos apanhadores de café, no sentido de evitar danos aos pés, de evitar roubos, de assegurar que a colheita seja feita da forma necessária. Em geral a atividade de fiscal também é desempenhada pelo gato, daí o termo fiscal de turma, em propriedades onde os trabalhadores são contratados diretamente pelo proprietário, sem a intermediação dos gatos esta atividade é desempenhada pelo capataz da propriedade ou pelo próprio proprietário. 8 Foi verificado, durante a pesquisa de campo, que o café funciona quase como moeda, todos os débitos e créditos são convertidos em sacas de café no dia dos seus vencimentos, a partir da cotação do café na BMF. Toda a região fica ligada na cotação de café do dia. Esta cotação do café é utilizada na conversão dos débitos e créditos em dinheiro e em café. A compra de um bem ou serviço qualquer tem um valor em dinheiro, este valor pode ser quitado em café, pela sua cotação no momento. 9 Os carregadores são os trabalhadores que transportam os sacos colhidos pelos apanhadores, dos talhões até os carreadores e embarcam no caminhão. 10 A vestimenta utilizada pelos colhedores é bastante parecida: roupas quentes, porque em geral pela manhã faz frio, sobrepostas a outras roupas, e as peças vão sendo retiradas na medida em que o calor aumenta, até restar a calça, a camisa de manga comprida, a botina e o chapéu. As mulheres usam também roupas sobrepostas, sem faltar a saia, que é colocada sobre a calça comprida, e os lenços para o pescoço, cabelos e chapéu. 11 Cabe lembrar que os trabalhadores iniciam seu dia ainda durante a madrugada, o que explica estes horários de almoço. 12 Como o ciclo do café é bianual, num ano a produção é elevada e no ano seguinte a produção é fraca, dependendo das condições de água, isto é, caso a seca não seja muito grande. A safra 2003/2004, foi considerada fraca, relacionada à safra, 2002/2003, que foi ano de “safrona”. A perspectiva é de que a safra 2004/2005, dependendo das chuvas de verão, seja também uma “safrona” porém menor do que a safra 2002/ 2003, já que a seca do ano de 2003 está maior do que a do ano de 2002.Desde abril não há uma grande chuva, a seca já se prolonga por nove meses e a previsão é de quebra da próxima safra. 13 Este termo designa os trabalhadores que fazem sua própria comida nos alojamentos ou nas casas de aluguel. Eles fazem uma compra de mantimentos em conjunto e cada um fica responsável por cozinhar um dia para os demais. Em geral, a comida é feita após a volta do trabalho e o que sobra desta comida será o almoço do dia seguinte. Alguns trabalhadores deslocam-se com a família e a mulher é encarregada de fazer a comida. 14 Para se chegar a essa estrutura dinâmica, a pesquisa recorreu às informações coletadas junto aos diversos atores da cadeia produtiva do café – técnicos e diretores de torrefadoras, cooperativa, armazém de estocagem e exportação, pequeno produtor rural e diretores de sindicatos. 15 Pesquisa de campo.
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CADEIA PRODUTIVA DO CAFÉ NO NORDESTE DO ESPÍRITO SANTO
CADEIA PRODUTIVA DO CAFÉ NO NORDESTE DO ESPÍRITO SANTO
CARACTERÍSTICAS POPULACIONAL E SÓCIO-ECONÔMICA DA REGIÃO
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O estado do Espírito Santo é composto de 78 municípios, distribuídos entre quatro mesorregiões. Segundo informações do Censo Demográfico 2000 do IBGE, a população total do estado do Espírito Santo, nesse ano, era de 3.097.232 habitantes, sendo que desse total, em torno de 42% estão concentrados na capital e na região metropolitana. Com um Produto Interno Bruto na ordem de R$ 21.530 milhões a preços de mercado, o Espírito Santo tem uma participação de 1,96% no PIB Nacional e esta participação vem crescendo ano a ano. O PIB do Estado é composto pelas seguintes participações: agropecuária – 7.6%; Indústria – 37.4%; Serviços em geral – 55% (dados de 1999). A produção agropecuária se espalha por todo interior do Estado, sendo seus principais segmentos a produção de cana-de-açúcar; café; mandioca; banana; mamão; milho; tomate; cacau; pimenta do reino; coco baía; reflorestamento; além das atividades extrativas vegetal e mineral e da pecuária. O estado do Espírito Santo apresentou, no ano de 2000, um IDH de 0,765, considerado um nível médio pelo PNUD. Com isso, ocupa o 11º lugar no ranking nacional, segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano 2000.
De todas as atividades da cadeira produtiva do café, a que menos agrega valor é a agricultura
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Esse Estado vem sendo considerado um dos mais abertos à comercialização internacional e vem apresentando crescimento superior ao nacional. Segundo a FRECOMEX1 , o porto do Estado concentra a maior renda per capta de exportação do Brasil. A sua balança comercial se apresenta equilibrada (importação = exportação), com um volume de exportação na ordem de US$ 2,4 bilhões, a sua estrutura obedece ao seguinte grau de importância: Ferro, ferro fundido e aço com 35,7% do total; minérios, escórias e cinzas vêm a seguir, com 25,1%; em terceiro a celulose, com 20,9%; e em quarto o café solúvel e em grãos, com 7,4% do total; outros setores respondem pelos restantes 10,9% das exportações2 . O café – agregando produção primária e industrial -, como demonstrado, é um dos principais itens da balança comercial do Estado, e apesar de não ser o componente mais importante do PIB Estadual, este segmento se caracteriza como o maior empregador do Estado. Segundo estudo publicado pelo Observatório Social3 , esta atividade gera 362 mil empregos diretos e 150 mil indiretos, totalizando mais de 500 mil postos de trabalho. A atividade cafeeira é desenvolvida em diversas regiões do Estado. Segundo informações do Censo Agropecuário 1995/96 do IBGE, o café em coco é produzido nas mesorregiões: Central, Litoral Norte, Noroeste e Sul. Dentre estas, a mesorregião do Noroeste espírito santense é a maior produtora. Essa mesorregião é formada por três microrregiões: Barra de São Francisco, Colatina, e Nova Venécia, que por sua vez, agregam 15 municípios. Em todos esses municípios a atividade cafeeira é desenvolvida predominantemente e tem grande importância na composição da renda e na geração de empregos. A Tabela 13 apresenta informações de caráter populacional e socioeconômico (para o ano de 2000), além do número de informantes na produção de café (para o período 1995/96), para todos os municípios das três microrregiões do Noroeste espírito santense. Um dado que chama a atenção refere-se à classificação dos municípios da região Noroeste no Ranking Estadual do IDH, exceto para Colatina, Marilândia, Nova Venécia e São Gabriel da Palha, os demais municípios ocupam posições a partir da 50º, inclusive, os dois piores municípios em IDH do Estado estão nessa região –
Água Doce do Norte e Pancas – dentre um total de 78 municípios, eles ocupam, respectivamente, as posições 77º e 76º. Uma outra constatação que merece destaque, mesmo porque repete o que ocorre no Sul de Minas Gerais, é a comparação da remuneração nominal média dos chefes de famílias com o percentual da população rural. Ou seja, pode-se constatar que, salvo raras exceções, como Alto Rio Novo e Baixo Guandu, quanto menor a taxa de urbanização do município, menor a remuneração média dos chefes de famílias com remuneração. Inclusive, apenas três municípios apresentam média maior do que a média da Mesorregião observada – Colatina, Nova Venécia e São Gabriel da Palha -, e todas têm médias abaixo da média do Estado. Não é demais frisar que esses três municípios são centros de serviços regionais e concentram a maior parte das indústrias da região e dos armazéns de intermediação de café. No caso de Colatina e de São Gabriel da Palha, segundo informações obtidas durante as entrevistas, a indústria têxtil instalada nesses dois municípios tem importância fundamental na geração de emprego e renda. Com bases nas informações contidas na Tabela 13, agregadas às informações da Tabela 14, pode-se confirmar que das atividades da cadeia produtiva do café a que menos agrega valor é a atividade rural.
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TABELA 13 – INFORMAÇÕES SOBRE POPULAÇÃO, ASPECTOS SÓCIO –ECONÔMICO E INFORMANTES PRODUTORES DE CAFÉ DOS MUNICÍPIOS QUE COMPÕEM A MESOREGIÃO NOROESTE ESPÍRITO SANTENSE Informações Total
População Rural
3.097.232
634.183
20
-
386.981
146.549
38
-
de S. Francisco
86.528
39.496
46
-
158,39
Água Doce do Norte
12.751
6.638
52
0.583
128,43
Barra de S. Francisco
37.597
16.941
45
0,645
185,77
80,91
Ecoporanga
23.979
11.085
46
0.612
152,18
Mantenópolis
12.201
4.832
40
0.627
167,18
Espírito Santo Região Noroeste
IDH-M % da Pop Tot.
Renda Per Capita (R$) 179,40
(%)Taxa de Alfabetização de Adultos
Rem. Nom. **Produtores Média de Café (R$)* (N.º) 721,57
55.469
507,44
15.428
78,57
410,35
4.220
76,20
369,08
868
457,19
2.002
77,60
361,39
742
79,58
401,54
608
82,38
MicrorregiãoBarra
MicrorregiãoColatina
185.367
55.268
30
-
190,34
84,60
555,48
5.826
Alto Rio Novo
6.964
3.396
49
0.634
174,25
80,03
502,39
458
Baixo Guandu
27.819
8.143
29
0,646
187,53
84,37
484,10
755
Colatina
112.711
21.413
19
0,709
272,35
89,41
610,52
2.276
9.924
5.943
60
0,648
188,97
87,06
425,64
670
20.402
11.560
57
0,613
153,43
81,97
453,87
1.098
7.547
4.813
64
0,626
165,51
84,78
433,96
569
115.086
51.785
45
-
189,48
83,97
505,09
5.382
9.599
7.258
76
0,630
170,08
82,80
437,27
906
Boa Esperança
13.679
4.510
33
0,631
171,30
82,26
431,67
415
Nova Venécia
43.015
15.625
36
0,673
220,08
85,62
531,44
1.690
São Gabriel da Palha
26.588
8.223
31
0,689
242,48
86,73
529,32
1.384
8.330
6.387
77
0,602
143,44
82,43
386,74
987
Marilândia Pancas S. Domingos do Norte Microrreg. Nova Venécia Águia Branca
Vila Pavão
* Valor do rendimento nominal médio mensal das pessoas com rendimento, responsáveis pelos domicílios particulares permanentes (R$) ** Período 1995/96 Fontes: IDH-M, Taxa de Alfabetização e Renda Per Capita: Relatório PNUD/IPEA - 2000; Número de Produtores: IBGE – Censo Agropecuário 1995/96; Demais dados apresentados na Tabela 1: IBGE – Censo Populacional 2000.
CAFÉ – ASPECTOS TÉCNICOS E PRODUTIVOS O Espírito Santo é o maior produtor nacional de café Robusta, ou Conillon, respondendo por cerca de 70% da produção nacional, a produção anual no Estado varia entre 2,5 a 3,5 milhões de sacas de café Robusta. Na região pesquisada – Noroeste espírito santense, o café produzido é predominantemente do tipo Robusta ou Conillon. Esse tipo de café, de baixa altitude, considerado com qualidade inferior ao tipo Arábica, é principalmente utilizado na fabricação de café solúvel e, em proporção que varia entre 20 a 40%, é também utilizado em blendies de café torrado e moído ou em café torrado para máquinas de café expresso, segundo os produtores é porque ele dá gosto mais forte e encorpado à bebida. Por esse motivo, o café Robusta é cotado no mercado a preço inferior
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ao tipo Arábica, e em determinados períodos essa diferença pode chegar a até 50% Em virtude das secas freqüentes, o café produzido no Noroeste do Espírito Santo, tem necessitado de irrigação. A necessidade de irrigação do café Robusta entra em confronto com o regime de águas do Estado. Isto porque o Espírito Santo possui pouca água subterrânea e o desmatamento a que o estado foi submetido, principalmente no final dos anos 1960, agravou bastante tanto a quantidade de água disponível, quanto o regime de chuvas. A situação de dependência de irrigação e escassez de água agrava os problemas enfrentados pelos produtores da região. No ano de 2003, por exemplo, até o mês de setembro (mês da pesquisa de campo) a região vinha sofrendo com uma seca persistente, que durou de abril a novembro, o que, segundo os entrevistados, já havia comprometido 70% da safra 2004, para quem não irrigou, e 30%, para o produtor que irriga. A irrigação aumenta bastante os custos de produção, especialmente devido ao custo da energia elétrica, além da mão-de-obra utilizada no trabalho. A irrigação por aspersores de alta potência, chamado canhão, é predominante, mas gasta muita energia e desperdiça água, que já é escassa, porque de 30% a 40% da água é perdida pela evaporação e uma outra parte é perdida pela infiltração rápida no solo. Há pouca utilização da chamada irrigação por gotejamento, que é a forma mais racional de irrigação, porque dispõe à planta a quantidade de água necessária, sem desperdício. O problema é que a irrigação por gotejamento tem um elevado custo fixo, devido ao custo maior pela quantidade de mangueiras, registros e dos microaspersores ao pé de cada árvore. Este custo fixo exige investimentos relativamente elevados comparados à irrigação com canhão. Porém a irrigação a canhão aumenta bastante o custo com eletricidade (custo variável). Além disto, os produtores acreditam em chuvas fora de época, o que economiza no uso do canhão e na eletricidade. Durante a pesquisa de campo encontramos um grande número de produtores que dispunham de canhão para irrigação, mas já não dispunham de água para irrigar, um outro conjunto dispunha de canhão, de água, mas não estava irrigando devido ao elevado custo da energia. Estes dois problemas associados à necessida-
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de de irrigação do café e à escassez de água deixam sérias dúvidas sobre a capacidade de sustentabilidade do café Conillon no estado do Espírito Santo. A Tabela 14 apresenta algumas informações sobre a produção primária de café na mesorregião Noroeste espírito santense. TABELA 14 – COLHEITA, VALOR DA PRODUÇÃO, INFORMANTES, DE CAFÉ EM COCO DOS MUNICÍPIOS QUE COMPÕEM A MESOREGIÃO NOROESTE ESPÍRITO SANTENSE – 1995/96 Informações
N.º de Informantes
Quantidade Colhida (t)
Quantidade Vendida (t)
Valor da Produção (em mil R$)
Pés Colhidos (mil pés)
Área Hectare Tonelada Colhida Colhido/ Colhida / (em ha) 1 Informante 1 Hectare
Espírito Santo
55.469
665.728
59.913
428.698
484.803
437.134
7.88
1.52
Região Noroeste
15.428
202.165
8.726
129.116
162.830
147.451
9.56
1.37
4.220
37.848
3.145
23.636
37.811
36.105
8.56
1.05
868
8.736
-
5.639
11.114
11.745
13.53
0.74
2.002
14.245
915
8.922
15.187
14.921
7.45
0.95
MicrorregiãoBarra de S. Francisco Água Doce do Norte Barra de S. Francisco Ecoporanga
742
6.808
2.200
3.560
5.568
4.793
6.46
1.42
Mantenópolis
608
8.059
31
5.515
5.942
4.646
7.64
1.73
5.826
82.885
2.633
59.360
71.465
63.200
10.85
1.31
458
9.252
274
5.652
7.199
7.253
15.84
1.28
MicrorregiãoColatina Alto Rio Novo Baixo Guandu Colatina Marilândia Pancas S. Domingos do Norte Microrreg. Nova Venécia
755
7.871
939
6.679
7.954
6.856
9.08
1.15
2.276
34.430
738
21.970
26.206
23.621
10.38
1.46
670
8.034
121
7.564
7.993
7.359
10.98
1.09
1.098
15.693
503
12.084
16.184
13.344
12.15
1.18
569
7.604
58
5.411
5.930
4.767
8.38
1.60 1.69
5.382
81.433
2.947
46.120
53.554
48.146
8.95
Águia Branca
906
14.768
318
6.867
8.738
8.341
9.21
1.77
Boa Esperança
415
14.407
953
5.255
5.541
5.464
13.17
2.64
Nova Venécia
1.690
24.547
219
15.114
17.707
15.824
9.36
1.55
São Gabriel da Palha
1.384
18.417
717
12.961
13.244
11.030
7.97
1.67
987
9.292
740
5.924
8.324
7.487
7.59
1.24
Vila Pavão
Fonte: IBGE – Censo Agropecuário 1995/96 Elaboração: Observatório Social
“
No Espírito Santo, a sustentabilidade do café Conillon está em risco por dois fatores: escassez de água e alto custo para irrigação
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”
TABELA 15 - ESTABELECIMENTOS POR GRUPO DE ÁREA TOTAL (%) – ESPÍRITO SANTO Mesorregião, Microrregiões e Municípios
Menos de 10 (%)
10 a 100 a 200 a menos de menos de menos de 100 (%) 200 (%) 500 (%)
500 a menos de 2000 (%)
2000 e mais (%)
sem declaração (%)
Espírito Santo
32,05
59,23
5,04
2,65
0,83
0,08
0,11
Espírito-Santense
23,22
66,18
6,20
3,23
1,05
0,07
0,05
Microrregião Colatina
Microrregião Noroeste 20,22
68,67
7,05
3,19
0,72
0,03
0,12
Colatina
20,12
68,02
7,33
3,40
0,85
0,00
0,28
Pancas
19,24
72,02
5,91
2,12
0,71
0,00
0,00
Baixo Guandu
15,90
68,75
8,27
5,79
1,10
0,18
0,00
Marilândia
19,54
72,27
6,32
1,44
0,29
0,00
0,14
São Domingos do Norte
25,28
65,98
6,68
1,91
0,16
0,00
0,00
27,12
62,32
7,04
2,90
0,62
0,00
0,00
26,59
61,46
6,14
3,88
1,77
0,17
0,00
37,73
56,92
3,67
1,13
0,50
0,05
0,00
Alto Rio Novo Microrregião Barra de São Francisco Barra de São Francisco Ecoporanga
12,90
59,89
11,20
9,99
5,46
0,57
0,00
Água Doce do Norte
20,52
70,58
5,97
2,72
0,21
0,00
0,00
Mantenópolis
27,35
66,57
3,91
1,74
0,43
0,00
0,00
23,53
67,68
5,30
2,70
0,77
0,02
0,00
Nova Venécia
20,71
65,48
7,97
4,78
1,06
0,00
0,00
Microrregião Nova Venécia São Gabriel da Palha
25,14
70,36
3,28
0,82
0,41
0,00
0,00
Vila Pavão
22,67
71,31
3,57
1,69
0,75
0,00
0,00
Águia Branca
28,63
65,79
3,26
1,89
0,42
0,00
0,00
Boa Esperança
21,37
63,66
9,03
4,19
1,54
0,22
0,00
35,50
59,83
3,01
1,16
0,20
0,01
0,29
39,49
52,89
4,78
2,31
0,46
0,05
0,01
26,76
57,85
7,66
5,19
2,26
0,28
0,01
Microrregião Central Espírito-Santense Mesorregião Sul Espírito-Santense Mesorregião Litoral Norte Espírito-Santense
Fonte: IBGE – Censo Agropecuário 1995-1996
ESTRUTURA E CARACTERÍSTICAS DA CADEIA PRODUTIV PRODUTIVAA DO CAFÉ As informações expostas neste item do trabalho foram coletadas através de entrevistas com agricultores familiares, parceiros/meeiros, sindicato de trabalhadores, trabalhadores assalariados e empresa torrefadora, atores que compõem essa cadeia produtiva e desenvolvem suas atividades na região, especialmente na região de Colatina e São Gabriel da Palha. As relações de trabalho predominantes na cadeia produtiva do café na região pesquisada se estruturam, de modo geral, da seguinte forma: z entre os agricultores familiares e de pequeno porte tem-se a relação de trabalho baseada no sistema de parceria ou meia; z entre os de médio e grande portes a relação de trabalho mais utilizada é a contratação de
assalariados, temporária e sem registro em carteira de trabalho. Segundo relato de um dos trabalhadores entrevistados, apenas nos últimos tempos as fazendas têm registrado seus trabalhadores, mas isso não se caracteriza como uma prática comum na região. Muito pelo contrário, a prática comum é o contrato sem carteira. No sistema de parceria, o que é produzido pelo parceiro/meeiro é dividido com o proprietário da terra, depois do processo de secagem e beneficiamento. Nesse processo, o parceiro, normalmente, leva o café para ser beneficiado no armazém de algum comerciante (que eles próprios denominam de atravessador) que cobra em torno de 10% pela secagem e beneficiamento do café. A
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maioria dos parceiros e também dos proprietários não tem local para armazenar o café produzido, deixando o produto armazenado no estabelecimento desse mesmo comerciante. Segundo as exposições dos entrevistados, na região é bastante comum a prática de deixar o produto armazenado no galpão de um comerciante, seja o mesmo que beneficiou o produto ou não (o que ocorre na maioria das vezes), e ao qual, normalmente, o produtor e o parceiro são obrigados a vender seu produto. Aparece aí o terceiro ator do processo – o intermediário. Na região, o intermediário parece desempenhar, mais comumente, o papel de especulador. A opinião, quanto a sua atuação na cadeia produtiva, é dividida: alguns acham que ele é necessário, pelas dificuldades que têm de enfrentar para comercializar o seu produto, outros acham (e aqui está a opinião da maioria dos entrevistados) que a sua atuação empobrece o produtor. Não foi possível, na pesquisa de campo, identificar o número de indústrias de café existentes na região. A pesquisa entrevistou apenas o representante da empresa Café Meridiano, a maior da região, com uma produção em torno de 1.800 a 2.200 sacas ao mês e um total de 100 funcionários. Essa empresa produz café torrado, para máquinas de café expresso, e café torrado e moído de diversos tipos. Como o café utilizado nessa produção
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é, em grande parcela, o tipo Arábica (70%), a empresa adquire o café em três mercados – no próprio estado, no Sul de Minas e no Sul da Bahia. Segundo o presidente da empresa, a compra é efetuada diretamente no produtor já selecionado ou em cooperativas. Apesar disso, acha que o atravessador desempenha um papel importante na intermediação, justamente pelas dificuldades que um pequeno produtor tem na comercialização do seu produto. A café Meridiano vende apenas para o mercado interno regional. Há pouco tempo, a indústria enviou um lote experimental para o exterior, mas, por enquanto acha difícil entrar nesse mercado por causa do número de taxas cobradas, o que daria um retorno muito baixo.
ASPECTOS DO EMPREGO NA CADEIA DO CAFÉ Não existem números exatos sobre o número total de trabalhadores na cadeia produtiva do café na região, sabe-se apenas que o número é muito significativo, na medida em que o café é a segunda cultura que mais emprega força de trabalho no país e dada a extensão da lavoura cafeeira. Este grande número de trabalhadores e de agricultores familiares torna a cadeia produtiva do café responsável por uma parcela considerável da renda movimentada no Estado e pela maior geração de renda e trabalho nas regiões cafeeiras, como a estudada. A especificidade do emprego nessa cadeia produtiva está na grande incidência da parceria e o uso de trabalhadores assalariados.
PARCERIA NO CAFÉ Uma característica da região pesquisada é a alta utilização da parceria na produção de café. A parceria no café se caracteriza pela cessão de parte da terra, pelo proprietário a um trabalhador rural, através de contrato escrito e registrado, ou sem contrato. A importância do contrato escrito é que ele torna-se um instrumento de prova que permite ao trabalhador ter acesso a financiamento bancário (PRONAF) e a benefícios previdenciários. No contrato de parceria fica explícito que o parceiro tem direito à metade da produção de café da área sob sua responsabilidade. Nesta parceria não se divide o dinheiro apurado com a venda, mas é dividido o produto, medido em sacas de café,
após a retirada da casca. O que significa que o proprietário não tem o monopólio da comercialização. O parceiro também participa da comercialização do café por ele produzido. Nessa parceria o trabalhador recebe a terra com café já plantado e fica responsável pelos tratos culturais e pela colheita do café. Isto porque o café é uma cultura perene e dura em média 20 anos. Para evitar vínculo com a propriedade e com o pagamento de indenização pelos seus pés de café, é firmado um contrato entre as partes por um período(em média cinco anos), sendo renovado automaticamente caso não haja manifestação pela rescisão de uma das partes. No acordo firmado, normalmente, tratam da indenização do período restante do contrato, em caso de rompimento do mesmo por uma das partes. A indenização é calculada pelos rendimentos dos pés ao longo de sua vida útil. Quando há necessidade de renovação do cafezal, ou de replantio de mudas, a responsabilidade é do proprietário. É ele quem compra as mudas e contrata trabalhadores para executarem o preparo do solo e o plantio. Algumas vezes, o próprio parceiro executa estas atividades na condição de trabalhador assalariado. Nenhuma atividade na propriedade que implique em investimento a longo prazo (casas, cercas, construções, canais etc.) pode ser realizada pelo parceiro sob o contrato de parceria. Se isso ocorrer o proprietário deverá remunerá-lo a parte por tais atividades. Isto significa que o parceiro algumas vezes assume a condição de trabalhador assalariado. Os insumos necessários à produção do café (adubos, herbicidas, fungicidas) são de responsabilidade de ambos, proprietário e parceiro. Algumas vezes o proprietário adianta o pagamento dos insumos e, na colheita, este adiantamento é pago pelo parceiro, com a cobrança de juros. Outras vezes o parceiro consegue pagar de imediato, ou, através do documento de parceria, tem acesso ao PRONAF, que lhe permite recursos para o custeio da produção. O parceiro recebe a casa para morar e as despesas de energia da casa, em geral, ficam por conta do parceiro. Porém, a energia gasta na cultura, principalmente com irrigação, são divididas ao meio. Ao parceiro cabe, fundamentalmente, a mãode-obra, empregada em todas fases do processo de produção. Em geral é utilizada mão-de-obra
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familiar, algumas vezes, principalmente na colheita, o parceiro utiliza mão-de-obra assalariada. Dependendo do contrato, o parceiro pode produzir junto com o café, quando este ainda é bem novo, produtos de subsistência. Outras vezes na propriedade é destinada uma área para que o trabalhador cultive outros produtos para sua subsistência. Estes são, em geral, produzidos pelo parceiro sem adiantamentos dos proprietários e sobre estes produtos não cabe a meia. Há casos em que os parceiros, através do PRONAF, conseguem recursos para o desenvolvimento na propriedade de outra(s) cultura(s) em maior escala. Mas isto depende de consentimento dos proprietários. Encontra-se em expansão a cultura do coco da Bahia (variedade anão) consorciada com o café. Muitos parceiros têm buscado no PRONAF recursos para o investimento nesta cultura, mas, por ser também uma cultura perene, necessita ser plantada pelo proprietário. Há casos em que os parceiros fazem a criação de animais, em geral de pequeno porte, também destinados à subsistência. A criação de animais de grande porte parece não ser muito aceita para parceiros. Embora o parceiro seja responsável pela utilização de mão-de-obra, e a que ele utiliza em maior quantidade durante todo o ciclo de produção do café seja a mão-de-obra familiar, e embora o tamanho da família do parceiro seja determinante da quantidade de terra que estará sob a sua responsabilidade, é comum o parceiro contratar trabalhadores assalariados na safra. Ou seja, os agricultores familiares produtores de café, e dentre estes os parceiros, utilizam-se comumente de trabalhadores assalariados durante a colheita. Este uso se dá pela necessidade de colher rápido, ou por falta de braços familiares, ou por uma safra superior à possível de ser colhida pela própria unidade de produção familiar. A contratação de mão-de-obra assalariada por parte do parceiro e do agricultor familiar, torna as relações de trabalho no Espírito Santo bastante complexas. Isto porque, a parceria não é uma relação de trabalho exclusiva da grande propriedade, ela ocorre também entre agricultores familiares. Tanto o agricultor familiar proprietário da terra quanto o parceiro são representados pelo mesmo órgão sindical, o sindicato dos trabalhadores rurais. Quando o parceiro contrata mão-de-obra assalari-
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ada, as três categorias estão representadas no mesmo sindicato. Caso surjam, e normalmente acontecem, litígios entre as categorias (proprietário X parceiro e parceiro X trabalhadores assalariados), estes litígios são mediados pelo sindicato, que dificilmente consegue sair ileso desta trama.
TRABALHADORES ASSALARIADOS Em Colatina os trabalhadores assalariados também moram nas periferias da cidade. Nestes locais há vilas de assalariados. Por volta das 5 h da manhã já há grupos de trabalhadores dirigindo-se aos pontos e, antes deste horário, é possível perceber a agitação no interior das casas, para o preparo das marmitas, como se estivéssemos na hora do almoço. Foram entrevistados alguns trabalhadores assalariados dessas vilas. Pode-se perceber que o registro em carteira não é uma prática usual para os colhedores e mesmo para aqueles que executam atividades específicas para a agricultura. O registro em carteira ocorre, com maior incidência, para os trabalhadores permanentes, mas não é usual para os trabalhadores assalariados nesta região. Um dos entrevistados afirmou que o registro em carteira é uma prática que vem aumentando agora na região. Através das entrevistas, foi possível perceber as péssimas condições de vida e trabalho tanto deste contingente de trabalhadores, quanto dos trabalhadores produtores familiares e parceiros. Um dos entrevistados era trabalhador permanente numa propriedade e era registrado. O outro não era permanente, fazia qualquer atividade que aparecesse, mas nunca tinha tido registro em carteira. Na safra do café trabalhava na colheita. A colheita do Conillon vai de abril a julho, mas, devido à seca, a safra havia sido pequena e como a estiagem estava muito longa, praticamente não havia trabalho no campo. A alternativa nestes casos é a migração, ou o emprego numa outra atividade existente na região, que é a retirada de granito, nas pedreiras. O trabalho nas pedreiras também é precário, sem carteira assinada e o trabalhador fica exposto a uma temperatura superior aos 50 graus centígrados, devido ao sol na pedra. Além disto, o trabalhador fica exposto às constantes explosões. O trabalhador permanente entrevistado, que também colhia café, realizava outras atividades na propriedade agrícola, desde cuidado com os
animais, consertos de cerca e outros afazeres, designados pelo encarregado. A particularidade deste trabalhador registrado é que ele tinha problemas de saúde, provavelmente advindos da exposição a agrotóxicos e, talvez, isto justificasse o registro. Embora tivesse direito a férias, ele apenas assinava o recebimento das mesmas, mas nunca as havia gozado e nem recebido os direitos dela advindos, como o pagamento em dobro e o adicional constitucional de 1/3 da remuneração4 . Afirmou que apenas recebia o 13º salário. A jornada de trabalho desses trabalhadores vai das 7 às 17h, com 40 minutos para o almoço e 30 minutos para o café. Não está contado na jornada de trabalho o deslocamento em caminhão da cidade para o campo, o que torna o tempo à disposição do empregador bem maior, ultrapassando 10 horas, assim como verificado no Sul de Minas. Os assalariados também trabalham aos sábados, até o meio-dia, e quase todos os feriados, exceto Ano Novo, Natal e Sexta-feira Santa.
SALÁRIOS Em geral, os trabalhadores safristas recebem por produção ou diária. Segundo os entrevistados, o valor da diária varia entre R$ 12,00 e R$ 15,00 , e o pagamento da produção é feito tendo como referência a saca de 60 quilos, cujo preço varia de acordo com a produtividade do cafezal: muito produtivo – R$ 3,00 a saca; produtividade média – entre R$ 4,00 e R$ 5,00; e pouco produtivo – entre R$ 6,00 e R$ 7,00. Todavia, os entrevistados disseram que o normal pago na região fica entre R$ 3,00 e R$ 4,00 por saca colhida. O trabalhador entrevistado disse que tem registro de um salário mínimo em carteira, mas consegue retirar R$ 400,00 mensais.
PRINCIP AIS PROBLEMAS ENFRENT ADOS PRINCIPAIS ENFRENTADOS NA CADEIA DO CAFÉ - A OPINIÃO DOS ATORES Apresentam características diversas os problemas enfrentados pelos atores que compõem a cadeia produtiva do café Conillon no Espírito Santo. Um deles se refere à questão climática. Os produtores locais vêm enfrentando uma seca que já comprometeu boa parte da produção local, princi-
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palmente a das culturas de sequeiro, o que prejudicando a manutenção dos agricultores familiares produtores de café, também dedicados a culturas de subsistência. O uso de irrigação também está restrito, por conta da pouca disponibilidade de água, ocasionada não apenas pelo baixo nível pluviométrico nos últimos anos e, especialmente nos primeiros nove meses do ano de 2003, mas, também, pelo uso incorreto desse recurso natural, segundo informaram os próprios entrevistados. A baixa produtividade do solo também é um problema enfrentado pelos produtores. O empobrecimento do solo se deve, em primeiro lugar, ao ritmo de desmatamento sofrido pelo Estado, especialmente no final dos anos 1960. Um Estado que era riquíssimo em mata Atlântica, em poucas décadas teve esta cobertura reduzida a menos de 5% de sua área. A retirada da Mata Atlântica e as queimadas empobreceram o solo e reduziu o volume de água. O uso indevido de técnicas de produção, do preparo do solo, plantio e tratos culturais e a quimificação, associados à prática da monocultura do café também contribuíram para o empobrecimento do solo. A assistência técnica e a pesquisa insuficientes e o pouco apoio do poder público agravam bastante esses problemas. O uso indiscriminado de agrotóxicos, problema recorrente na produção agrícola, tem causado um grave prejuízo ao trabalhador rural. Não são raros os relatos sobre envenenamentos, inclusive com morte. Na região, há vários casos sem solução e, segundo a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, os médicos alegam que o Estado não dispõe de laboratórios que comprovem o nexo causal entre o uso de agrotóxicos e o comprometimento da saúde. Embora a prática de produção e manejo deixe claro o uso de agrotóxicos, embora também as doenças apresentadas com suas características mostrem traços inequívocos de envenenamento por agrotóxicos, são necessárias provas
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laboratoriais, que permitam a sustentação de processos jurídicos. O agricultor familiar não dispõe de recursos e menos ainda de conhecimento técnico e de instrução básica para criar alternativas ao uso de agrotóxicos. Alguns poucos que buscam a inserção nos projetos do Sindicato ou de outras organizações para a utilização de práticas agrícolas sustentáveis, sem agrotóxicos e com diversificação da produção agrícola, têm conseguido sobreviver em melhores condições. A grande maioria ainda se encontra fora destes projetos e conta com práticas agrícolas insustentáveis, que já deixam traços de exaustão deste modelo: monocultura com quimificação e irrigação. Pelo fato de serem agricultores de base familiar, dispõem de pouco capital. Associe-se a isto a falta de conhecimento, de informação, de recursos técnicos e financeiros e a insuficiência de políticas públicas, todos estes ingredientes criam graves problemas para a sustentabilidade da cultura do café no Espírito Santo. A comercialização, para esses pequenos produtores, só tem condições de ocorrer com a intermediação de um atravessador, visto que, segundo um deles, para carregar um caminhão, são necessárias 200 sacas de 60kg, o que nenhum desses agricultores consegue sozinho.
A QUESTÃO DA REPRESENT AÇÃO REPRESENTAÇÃO SINDICAL DOS ASSALARIADOS RURAIS Outros problemas já foram relatados ao longo do estudo, como a dificuldade dos trabalhadores assalariados rurais que, mesmo tendo carteira assinada, não gozam dos seus diretos, além daqueles trabalhadores que, por falta de registro ao serem demitidos no período pós-safra, não têm condições de solicitar o Seguro Desemprego e/ou receber seu FGTS5 . A esses dois problemas une-se um terceiro, pelo menos na região de Colatina, foi observado no estudo de caso que a atuação sindical voltada para os trabalhadores assalariados rurais praticamente inexiste. Ocorre que o sindicato da região, assim como a grande maioria dos sindicatos de trabalhadores rurais no Brasil funciona em regime de enquadramento amplo, abrigando diferentes categorias de trabalhadores: z agricultor familiar, com área inferior a quatro
módulos fiscais e que não contrata trabalhadores permanentes; z posseiros; z pequenos arrendatários; z parceiros; z trabalhadores assalariados rurais; z outros - pescadores artesanais, seringueiros, colhedores de frutos etc. Todas estas categorias podem ser definidas enquanto trabalhadores rurais, há, porém, uma distinção fundamental entre elas, que é o acesso ao meio de produção básico da agricultura - a terra. Uma parte desta grande categoria, trabalhadores rurais, tem acesso à terra, quer diretamente, como os agricultores familiares e posseiros, quer indiretamente, como os parceiros e pequenos arrendatários e, além destes, há os assalariados que não têm acesso à terra e sobrevivem exclusivamente da venda de sua força de trabalho. No entanto, nem todos esses sindicatos conseguem atender a contento todas essas categorias e acabam por se concentrar em apenas uma ou duas delas. Este é o caso do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) da Região de Colatina, que não dispõe de uma secretaria específica para atender e atuar junto aos trabalhadores assalariados. Neste caso, isso decorre do fato da parcela de trabalhadores mais próxima ao STR e que compõe a sua diretoria sindical ser formada, exclusivamente, por pequenos proprietários e parceiros. Um outro fato gerador desse problema deriva, inclusive, da própria condição de trabalho dos assalariados (especialmente em culturas como a do café que agrega grande contingente de trabalhado-
res apenas no período da colheita, que ocorre em poucos meses do ano), isto é, trabalhadores temporários cuja maioria vem de outros municípios, estados e regiões apenas no período da colheita. Inclusive, essa foi uma das explicações do STR da Região de Colatina para justificar a sua insipiente atuação junto aos trabalhadores assalariados. Constata-se que a inexistência de atuação sindical nessa região dificulta a eliminação, ou ao menos a diminuição, dos problemas anteriormente relatados, como a falta de registro em carteira, o descumprimento de direitos, mesmo quando há registro em carteira, e uma série de outras ocorrências que mantêm péssimas condições de vida e de trabalho dessa parcela de trabalhadores rurais.
A QUESTÃO DA INTERMEDIAÇÃO Para o representante da empresa Café Meridiano, o principal problema seria a especulação praticada tanto por produtores, de qualquer porte, quanto por intermediários. A especulação seria o fato de estes atores segurarem a produção após a colheita e esperarem para vendê-la quando o preço estivesse compensador. Ele acha que segurar o café, da forma como se faz na região, a espera de preços mais altos apenas prejudica o mercado. Muitas vezes, disse ele, o preço não sobe e, quando percebem que está em movimento de queda, todos querem vender de vez, daí, o preço cai mais ainda. Ele acredita que um outro problema é a falta de informação do produtor, e a falta de investimento público em educação – formal e técnica -, além da falta de uma política de valorização do café e de incentivo às industrias nacionais.
Notas 1 FRECOMEX Comércio Exterior Ltda: www.frecomex.com.br 2 Gazeta On Line. http://gazetaonline.globo.com/valores; visitado em 07/05/04. 3 Revista do Observatório Social – Café, o Sabor Amargo da Crise. In: www.observatoriosocial.org.br Acesso em 19/09/2003. 4 A Constituição Federal garante aos trabalhadores um adicional salarial correspondente a 1/3 do salário mensal, a ser pago por ocasião das férias anuais. 5 “O FGTS, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, foi instituído pela Lei nº 5.107, de 13/09/66. Formado por depósitos mensais, efetuados pelas empresas em nome de seus empregados, no valor equivalente ao percentual de 8% das remunerações que lhes são pagas ou devidas; em se tratando de contrato temporário de trabalho com prazo determinado, o percentual é de 2%. ... O Fundo constitui-se em um pecúlio disponibilizado quando da aposentadoria ou morte do trabalhador, e representa uma garantia para a indenização do tempo de serviço, nos casos de demissão imotivada.” Ministério do Trabalho e Emprego, http://www.mtb.gov.br/Temas/FGTS/Oquee/Conteudo/1128.asp; visitado em 04/05/04.
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ALTERNATIVAS NO ENFRENTAMENTO DAS DIFICULDADES
ALTERNATIVAS NO ENFRENTAMENTO DAS DIFICULDADES
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A partir do quadro apresentado neste estudo e dando seqüência à campanha que vem sendo desenvolvida pela Aliança Nacional do Café e Coalizão do Café, as organizações envolvidas apresentam algumas ações a serem realizadas como enfrentamento dos problemas identificados, especialmente na perspectiva dos assalariados rurais:
Para enfrentar os problemas que atingem os assalariados rurais, os governos e as empresas são convidados a agir
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GOVERNO z Ratificação pelo Brasil da Convenção nº 184 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que trata da segurança e saúde no trabalho, visando melhorar e adequar a legislação brasileira para regulação e normatização do cumprimento dos diretos trabalhistas. A Convenção 184 da OIT ajudará a coibir a prática desleal do patronato que explora a mão-de-obra assalariada sem registro em carteira de trabalho, paga salários baixos, não oferece transporte seguro e adequado, não oferece alojamentos apropriados para moradia e repouso dos trabalhadores e não oferecem materiais e equipamentos de proteção para o trabalho de risco e insalubre (como é o caso do uso dos agrotóxicos nas lavouras de café). z Publicação e aplicação da Norma Regulamentar Rural – NRR – nº 33, permitindo base de susten-
tação ao Ministério do Trabalho e Emprego na fiscalização do cumprimento das condições de segurança e saúde, prevenção de acidentes de trabalho, principalmente no uso de agrotóxicos e durante o período de colheita do café, quando aumenta o nível de desrespeito e exploração dos trabalhadores assalariados rurais. z Apoio a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 438/2001 que expropria as terras para reforma agrária de fazendeiros que usarem trabalho escravo na agricultura. z Criação de uma legislação específica para que o contrato de safra seja feito de forma coletiva, através dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STRs), garantindo os direitos trabalhistas e previdenciários. z Aumento da fiscalização no meio rural, realizada pelas Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs), garantindo aplicação das leis e normas que protegem os direitos dos trabalhadores. z Suspensão do crédito público aos empregadores que desrespeitarem as legislações trabalhistas e previdenciárias. z Criação de um programa de capacitação dos trabalhadores quanto ao uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), manuseio de produtos químicos e técnicas que diminuam os riscos de acidente no campo. z Criação e implementação de um Programa Nacional e Programas Estaduais de Revitalização da Cafeicultura na Agricultura Familiar viabilizando o acesso dos agricultores familiares à assistência técnica, a tecnologias adaptadas, a diversificação, a créditos de investimento e ao custeio e instalação de infra-estrutura necessária à produção e comercialização, incluindo produção
agroecológica e certificados, além de uma política de preço mínimo. z Pesquisa e geração de tecnologias e infra-estrutura apropriadas para a produção e agroindustrialização, visando a melhoria da qualidade do café a ser produzido e comercializado pelos agricultores familiares. z Acesso a terra, através da reforma agrária e da expansão do crédito fundiário, para que os meeiros, arrendatários e filhos de agricultores familiares possam melhorar suas condições de vida na produção do café. EMPRESAS z As torrefadoras de café assumem compromissos claros com respeito à garantia dos direitos dos trabalhadores envolvidos na produção do café, incluindo os assalariados rurais, estabelecendo mecanismos efetivos de monitoramento. Especificamente, firmando acordos com organizações sindicais, que promovam e apliquem códigos de conduta perante seus fornecedores no que se refere ao cumprimento da legislação trabalhista, a melhores salários, transporte seguro e adequado, alojamentos de boa qualidade para moradia e materiais e equipamentos de proteção para o trabalho de risco e insalubre. z As empresas envolvidas na cadeia do café, especialmente torrefadoras e aquelas que atuam na comercialização, comprometem-se a negociar com entidades representativas dos agricultores familiares a compra direta e o apoio a programas de capacitação e outros que possam garantir a permanência destes agricultores na produção de café, bem como a estabelecer programas de melhoria de qualidade.
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B R ASIL CONSELHO DIRETOR Presidente: Kjeld A. Jakobsen (CUT) João Vaccari Neto (Secretaria de Relações Internacionais, CUT) Rosane da Silva (Secretaria de Políticas Sindicais, CUT) Artur Henrique dos Santos (Secretaria de Organização, CUT) José Celestino Lourenço (Secretaria Nacional de Formação, CUT) Maria Ednalva B. de Lima (Secretaria da Mulher Trabalhadora, CUT) Gilda Almeida de Souza (Secretaria de Políticas Sociais, CUT) Antônio Carlos Spis (Secretaria de Comunicação) Wagner Firmino Santana (DIEESE) Mara Luzia Feltes (DIEESE) Francisco Mazzeu (UNITRABALHO) Silvia Araújo (UNITRABALHO) Tullo Vigevani (CEDEC) Maria Inês Barreto (CEDEC) DIRETORIA EXECUTIVA Kjeld A. Jakobsen: Presidente Artur Henrique dos Santos (SNO/CUT) Ari Aloraldo do Nascimento (CUT) Carlos Roberto Horta (UNITRABALHO) Clemente Ganz Lúcio (DIEESE) Clóvis Scherer (Coordenador Técnico/IOS) Maria Inês Barreto (CEDEC) Maria Ednalva B. de Lima (SNMT/CUT) Odilon Luís Faccio (Coordenador Institucional/IOS) COORDENAÇÃO TÉCNICA Arthur Borges Filho: Coordenador Administrativo Clóvis Scherer: Coordenador Técnico Maria José H. Coelho: Coordenadora de Comunicação Odilon Luís Faccio: Coordenador Institucional Pieter Sijbrandij: Coordenador de Projetos Ronaldo Baltar: Coordenador Sistema de Informação EQUIPE TÉCNICA Francisco Alves - Depto de Engenharia de Produção / Universidade Federal de São Carlos (DEP/UFSCAR)
Ana Margaret Simões - Observatório Social Alda Maria N.Sanchez - Depto de Engenharia de Produção/Universidade Federal de São Carlos (DEP/UFSCAR)
Revisão e validação técnica: Clóvis Scherer e Odilon Luís Faccio Pesquisa realizada no período de março a novembro de 2003
EXPEDIENTE Fotografia: Sérgio Vignes/Banco de Imagens OS Editoração de Fotografia Ana Iervolino Projeto Gráfico: Observatório Social Diagramação: Silvio da Costa Pereira (MTb/SC00881JP) Revisão Gramatical e Ortográfica: Jane Maria Viana Cardoso Laura Tuyama Coordenadora de Comunicação: Maria José H.Coelho (Mtb 930 PR)
Agradecemos a valiosa colaboração, na forma de comentários às versões preliminares deste estudo, de Guilherme Brady e Kátia Maia, da OXFAM; José Geronimo Brumatti, da CUT; Luiz Vicente Facco, Alberto Brock e Guilherme Pedro Neto, da CONTAG; e Sjoerd Panhuysen, da Coalizão do Café - Holanda.
Avenida Mauro Ramos, 1624 sala 204 CEP: 88 020-302 Florianópolis - SC. FONE/FAX: (48) 3028 4400 E-mail observatorio@observatoriosocial.org.br Website www.observatoriosocial.org.br
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