O Casarão nº nove

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no. nove - novembro 2014


ENTREVISTA

Nasce mais um Casarão pronto para trazer ao mundo histórias guardadas nas mais diversas realidades. Pronto para dar à luz.

Nessa nona edição, dirigimos um olhar especial para o nascimento e as discussões trazidas pelo embate entre parto normal e cesariana. Segundo a OMS, o risco de morte para mulheres que se submetem à cirurgia é 3,5 vezes maior se comparado ao parto de modo natural. Entender melhor a importância e os desafios da humanização desse momento traz à tona questões históricas relacionadas ao ato de dar à luz: a arbitrariedade e o lucro das operações versus o empoderamento e a saúde da mulher e da criança. É , também, um jogo político, que precisa ser compreendido por meio de uma análise crítica e sensata, mas, mais do que tudo, sensível. Essa análise é apenas um pouco do que O Casarão reservou para você. Temos também uma entrevista especial com Alvito, ex-professor de História da UFF, que decidiu se aposentar devido a uma crítica à precarização do espaço universitário. Uma análise das contradições sociais e políticas num dos pontos mais conhecidos do Rio, a Lapa, também estará presente nessa edição. Para complementar, uma matéria sobre as dificuldades enfrentadas por jogadores de categorias de base do futebol. Uma crítica aos altos preços cobrados em estádios de futebol e à comercialização do esporte também não ficaram de fora. Outro destaque é a discussão sobre a regulamentação da prostituição como profissão. As estruturas que formam o Bandeijão da UFF, desde a rotina dos funcionários, até o modo como a comida é comprada, também tem seu espaço. Um histórico sobre grandes criações aos longo dos tempos e os resultados do estímulo à criatividade fecham nossa janela. Entre nessa leitura e sinta-se em casa!

Publicação Laboratorial do Curso de Comunicação Social

Orientação: Carla Baiense (18788 MTb) e Ildo Nascimento Reportagem e fotografia: Amanda Soares, André Borba, Augusto Mendes, Beatriz Jorge, Bernardo Oliveira, Bianca Nunes, Clara Barreto, Claudio Oliveira, Elena Batista, Fabio Peixoto, Felipe Costa, Fernanda Costantino, Filipe Galvão, Francielly Baliana, Gabriela Antunes, Gabriela Novaes, Gabriel Vasconcelos, Gustavo Xavier, Isabella de Oliveira, João Pedro Soares, Leonardo Moura, Lucas Bueno, Lucas Fariziel, Luis Pedro Rodrigues, Marcos Kalil, Nathália Vincentis, Raissa Vidal, Rafael Bolsoni, Rebeca Letieri, Sabrina Nunes, Samantha Su e Wesley Prado. Arte: André Borba, Arthur Figueiredo, Claudia Baldner, Gabriel Faza, José Gustavo Cal, Mariana Xavier e Thiago Medeiros. Redes sociais: Flavia Novelli, Gabriel Faza, Felipe de Magalhães e Mariana Xavier. ocasarao12@gmail.com fb.com/jornalocasarao @jornalocasarao issuu.com/ocasarao

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O maestro se retira de cena A Livraria da Travessa, na rua Sete de Setembro, é o lugar escolhido pelo entrevistado. Alvito refutou os espaços acadêmicos para escolher o habitat dos livros, onde possivelmente se concretizarão seus planos para o futuro. Apaixonado por futebol, veste uma camisa da seleção da Inglaterra, inspiração do livro “A Rainha das Chuteiras” fruto do seu pós-doutorado no país. Após 30 anos lecionando antecipou sua aposentadoria, no dia 28 de agosto, faltando menos de dois anos para ter o direito integral. Apesar da decisão política tomada após muitas frustrações com a precarização do ensino, Marcos conserva o brilho nos olhos e a humildade de quem utiliza de muitos autores para citar a si próprio. Em uma hora e meia de bate-papo volta a ensinar: Alvito, como a História entrou na sua vida? Cursei jornalismo na PUC para ser escritor, mas a escrita era muita tolhida. Então eu soube do curso de história na UFF, e quis fazer para entender o contexto das produções das obras de arte, de uma Ilíada ou das obras do Balzac. Era isso que me comovia. Como vê a expansão da universidade hoje? O aumento do número de negros na universidade, de 1,5% a 8%, é pouco mas representativo em termos de crescimento. Isso ocorre no momento em que não tem banheiro e água, e o acervo da biblioteca é risível. Dei uma aula com um livro do Marcel Mauss, citado nos cinco principais textos da antropologia contemporânea, e só tem um exemplar na biblioteca. Então não há como dizer que vai haver igualdade de condições entre os estudantes, uns vão comprar o livro, outros vão xerocar, mas tem quem não vai poder nem comprar e nem tirar as cópias. Ou seja, você coloca a pessoa diante da possibilidade mas não oferece efetivamente meios para que ela tenha possibilidade de se formar. A solução não é não se expandir, ela tem que se expandir ainda mais, mas não dessa forma.

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Por Samantha Su Você sempre foi claro no posicionamento contra o produtivismo na universidade e se retirou da pós-graduação. Como foi isso? A pós-graduação hoje é uma fábrica, uma linha de montagem de teses e dissertações. Os professores que têm bolsa de produtividade são estimulados a fazer os alunos produzirem dentro de um padrão. Não há como dizer que todas as pesquisas de mestrado vão durar dois anos, alguns assuntos podem demorar mais. E sobre o novo Plano Nacional da Educação, qual a sua opinião? Eu prefiro ler ficção científica que o novo Plano Nacional da Educação. Tem uma relação bem melhor com a realidade. A universidade pública já representou a maior parte dos ingressantes do ensino superior. O governo FHC abriu a porta para a multiplicação das faculdades privadas. O Brasil hoje tem o primeiro e o terceiro maior grupo privado de graduação do mundo, processo que não foi impedido. Quando houve uma maior entrada de alunos por cota nas universidades públicas, a clientela das instituições privadas era a classe com menos acesso à educação pública, o governo compensou o mercado com os programas como Prouni e FIES. É o que me parece. Como surgiu a página da Dra. Eu Ka Liptus na qual você aborda os problemas da universidade? O negócio da DraEuKaLiptus é uma sátira. Quando eu comecei a contar, eu inventei a personagem, referência a um texto do Rubem Alves. Ele fala que tem dois tipos de professor: o professor jequitibá, uma árvore acolhedora enraizada no solo, símbolo da coletividade. O outro é um eucalipto, aquela árvore de produção industrial em série. Hoje temos na universidade a produção em série de eucaliptos. Quais são os planos para agora? Como vai ser sua vida daqui para frente? Não sei o que vai acontecer, por enquanto estou escrevendo “As Aventuras da Doutora Eu Ka

Liptus”, que termino no mesmo dia em que eu completo 30 anos de universidade. Se alguém quiser publicar, ótimo. Me sinto como um sujeito que foi casado trinta anos com uma mulher muito respeitável (a História), que lhe deu filhos belos e saudáveis, mas que agora, já em meio ao segundo tempo da vida, decide voltar para a sua primeira namorada e verdadeiro grande amor da sua vida, a literatura. Apesar da relação conturbada, o que fica da UFF? Como se diz daquele pessoal que nasceu no Bronx: “Você pode sair do Bronx, mas o Bronx não sai de dentro de você.” Quem eu sou, toda a minha trajetória profissional, eu devo isso à UFF. Então eu vou sair de cabeça erguida e sem olhar para trás, a universidade me deu muito e eu dei a minha vida, a minha juventude em troca. Dei o melhor que eu pude. Fico agradecido à universidade, principalmente aos alunos que foram meus professores nesses últimos 30 anos. Eu aprendi tudo da vida na sala de aula. Fazendo um paralelismo histórico, Getúlio bradou em seu suicídio que saía da vida para entrar na história, eu saio da história para finalmente entrar na vida.

Foto: Juliana Pimenta

EDITORIAL


ÁGORA

Os outros

O ensino da cultura afro-brasileira

Integrar culturas é seguir por um caminho pedregoso, mas não intransponível. O propósito, neste caso, é tornar visível socialmente a importância da cultura africana no decorrer da formação brasileira e fixar na sociedade a reflexão histórica a respeito influência desse povo na construção dos pilares étnico-sociais do país. Este exercício passou a ser defendido tardiamente nas escolas do Brasil, devido não somente à grande extensão territorial, mas, principalmente, à indiferença intencional oferecida a esta questão. Resultado de um longo processo de lutas e reivindicações do movimento negro, a Lei nº 10639/032, de 2003, tornou obrigatório o ensino de história e cultura africana no sistema de educação básica. Em vigor desde então, a legislação busca inserir novos conteúdos, visando à correção histórica de um currículo oficial que manteve silêncio sobre a cultura e as raízes ancestrais de parte considerável da população brasileira. A proposta é de promover a aquisição de conhecimento isento de preconceitos e distorções gerando, a médio e longo prazo, uma sociedade mais consciente da pluralidade étnica racial característica do Brasil. A educação exerce um papel importante no âmbito dessas relações. De acordo com o professor de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Cristiano Medeiros, é por meio do ensino da história da África e de sua relação intrínseca à nossa ideia de nação que a inversão de paradigmas tor-

donos da história

para a construção de uma sociedade plural

Por Francielly Baliana

na-se alcançável. “Em sala de aula é possível dar os primeiros passos sobre a questão negra no Brasil. Ministrar aulas que mostrem aos alunos a real importância da África em nossa formação é revolucionar o modo como a educação brasileira tem formado nas últimas décadas” Como essa proposta de ensino é transversal, Medeiros acredita que é fundamental promover a realização de projetos que envolvam mais de uma disciplina e mobilizem a escola e a comunidade. O grupo cultural Jongo da Serrinha é um exemplo disso. Formado por descendentes de escravos que contribuíram para a formação do bairro de Madureira, na cidade do Rio de Janeiro, o coletivo vem realizando espetáculos e oficinas em 15 escolas municipais e estaduais da capital e em três escolas do interior do estado. O projeto oferece oficinas de canto, cordas, percussão, debates sobre memória africana, artes e cultura popular. Para a coordenadora do projeto, Luiza Marmello, levar o jongo às escolas é uma maneira de apresentar uma das grandes heranças culturais africanas para crianças e adolescentes em formação. “O jongo chegou ao Brasil com a vinda dos escravos. É uma dança de roda, que acontece ao som de tambores. Era um dos únicos momentos de troca e confraternização”, disse. A coordenadora acredita na importância de um material prático, palpável, como a dança, para estimular o debate e a compreensão

das relações étnicas que envolvem a história do país. Outro destaque é o projeto Saber Étnico-Racial - SER, da Escola Estadual Abdias Nascimento, de Nova Iguaçu. De acordo com a diretora da instituição, Selma Reis, a ação visa discutir e debater a história da cultura africana e sua contribuição na formação social e contemporânea da cultura nacional. Por meio do SER, os alunos realizam anualmente uma série de trabalhos práticos voltados para essas questões. Para Michele Viana, 14 anos, aluna do 9º ano, os projetos aproximam alunos de diferentes turmas e ajudam a compreender mais sobre o legado africano na construção da nação. “Os professores apresentam textos sobre a África, e pedem para que a gente escreva, desenhe ou faça alguma apresentação sobre o assunto. Tem grupo que apresenta músicas, que conta a história de alguma tribo, fala sobre a vinda dos escravos para o Brasil, a cultura que deixaram como herança. Ano passado, meu grupo falou sobre a resistência negra”, contou. A formação de professores e os entraves da Lei O debate sobre a Lei vai além de sua importância para os alunos. Rosemeire dos Santos, professora de História da rede estadual em Londrina, no Paraná, aponta para a necessidade de investimentos em projetos e na formação dos professores. A educadora visualiza uma grande lacuna entre o decreto 3

e a capacidade que professores têm de ensinar. “Na maioria das vezes falta orientação e conhecimento sobre o assunto para sua aplicabilidade em sala de aula. Há muitas ações interessantes em todo o Brasil, mas há muito que avançar para que a lei se efetive”, afirma. Rosemeire lembra que para desenvolver qualquer prática educacional é necessário dispor não só de material didático mas também de docentes com conhecimentos específicos sobre as questões. “A maioria, durante a graduação, não cursou disciplinas que proporcionassem conhecimento sobre a história africana. Uma formação continuada é de grande importância. Cursos, palestras, intercâmbios, tudo pode contribuir para que mais professores tenham um comprometimento com a ética e a valorização das diversas culturas”, argumentou. A professora acredita que é preciso romper com uma visão eurocêntrica de mundo, que prioriza, em termos de historiografia, a visão dos colonizadores. Essa é uma questão central na discussão do ensino da cultura africana em sala de aula. “A construção de nova historiografia demanda a transformação dos livros didáticos e do modo como os educadores são formados”. “O tempo de omissão com relação à história do negro no Brasil precisa acabar. Existe questão histórica e de cunho social mais latente do que essa?”, finalizou. no. nove - novembro 2014


Estupro social

Prostitutas são expulsas do “Prédio da Caixa”, conhecido ponto em Niterói Tradicional ponto de prostituição de Niterói, popularmente conhecido como “Prédio da Caixa”, o número 327 da Avenida Amaral Peixoto já foi palco de agressões e tentativas de homicídios ligados à disputa pelo controle da exploração sexual praticada em mais de cem apartamentos. Em 23 de maio deste ano, uma ação policial interditou os andares ocupados por cerca de 300 meninas que trabalhavam no local. O episódio foi marcado por acusações de violência e outras ações arbitrárias contra as prostitutas. O Nossa Senhora da Conceição está no centro de uma polêmica. Em 2012, foi alvo de inquérito do Ministério Público (MP), que tratava desde a exploração sexual de menores a problemas estruturais no edifício, inclusive com “Alerta de risco” da Defesa Civil. Em março, o prédio passou a ser alvo de operações ostensivas, que culminaram, em abril, no primeiro ato de indignação por prisões arbitrárias. As prostitutas saíram em passeata, em setembro, para reivindicar o direito de permanecerem no edifício. O protesto pacífico atravessou a avenida em direção a 76ª DP, e 4

fechou o trânsito por uma hora. A maioria das manifestantes estava com o rosto coberto por um lençol ou uma fronha. Com gritos de “Prostituição não é crime”, “Libera as primas” e “Eu, eu, eu, eu só dou o que é meu”, elas pediam a regulamentação da profissão. O choque de ordem A operação policial mobilizou cerca de 50 carros e 200 policiais civis. Foram relatados - e comprovados por exames de perícia - agressões, furtos, roubos e até estupros. O motivo declarado pelas autoridades para ação era a procura por entorpecentes, armamento e exploração de menores. Nada foi encontrado.Houve também a alegação de que a interdição do prédio ocorreu por “ter sido constatado péssimo estado de conservação das instalações”, chocando-se com o documento afixado em portas arrombadas, “Edital de Interdição Parcial”, em que consta que ainda será feita perícia e vistoria. Ao mesmo tempo, a ação policial teve como alvo apenas os quatro andares do prédio onde trabalham as prostitutas, sem que nenhum outro apartamento, nos seis andares res-

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tantes, tenha sido interditado. O documento tenta justificar-se pela “confirmação de utilização do local de forma reiterada para prática de crime”, embora os números dos apartamentos tenham sido registrados na hora – a mesma prática que utilizaram para mandados de intimação, duas semanas antes. Tanto os mandados de intimação quanto o de interdição são genéricos e não indicam o crime que teria sido cometido. Em audiência pública na Câmara Municipal, três dias depois, as meninas exibiram marcas pelo corpo. Uma das prostitutas, proprietária do apartamento em que trabalhava, alegou que quando tentaram fazer denúncia na Delegacia de Atendimento á Mulher - DEAM, a delegada declarou que não poderia interferir nas operações do 76º e não fez registro de ocorrência. Isabel, uma das líderes do movimento diz que, após conceder entrevistas à Mídia Ninja sobre as arbitrariedades cometidas no dia da interdição, foi sequestrada, sofrendo agressões e ameaças. Fotos pessoais com o filho foram utilizadas como pressão para calar as

denúncias. Após o episódio, ela prestou queixa na DEAM, mas afirma que a delegada, novamente, não quis registrar o fato. A advogada Clara Prazeres, da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, entrou com uma ocorrência e a Anistia In+ternacional foi acionada. “A violência, extorsão, detenção arbitrária e despejos ilegais cometidos pelas autoridades brasileiras violam os direitos humanos dessas mulheres”, afirmou, em nota, a Anistia. Uma das meninas tem 22 anos e trabalha há quatro anos como prostituta. Manicure e moradora de Jacarepaguá, atravessa a ponte para trabalhar, de segunda a sábado, apenas para não ser reconhecida. “Tenho um irmão de 18 anos. Se ele souber, ele me mete a porrada”. Ela possui clientes fixos e faz ponto na rua do Prédio da Caixa - mesmo interditado - por causa da clientela. Sobre a invasão policial que ocorreu em maio, disse não estar no dia e logo mudou o tom da conversa. Segundo ela, “soube apenas de boatos de que as meninas foram levadas pra delegacia”. Trabalhando atualmente como autônoma, tam-

Fotos: Rebeca letieri

Por Raissa Vidal


bém não quis entrar em detalhes sobre um possível “cafetão”. “Esse assunto é coisa de peixe grande. É melhor não mexer”. Depoimentos como o dela se repetem dentro e fora do prédio. O funcionário do bar no térreo, trabalha no edifício há seis anos, disse que não presenciou o choque de ordem. No dia seguinte, o estabelecimento não abriu. Na xerox, a funcionária, coincidentemente, estava em horário de almoço na hora do acontecimento. Ela indicou um funcionário do edifício, que garantiu que estava apenas cobrindo o expediente de outra pessoa e nada tinha a declarar. B.L., ativista da “Marcha das Vadias”, mantinha contato com as profissionais, mas não consegue falar com mais ninguém. “Elas estão com medo. A maioria trocou de celular e não trabalha mais em Niterói”, contou. Uma moradora, que não quis se identificar, contou que algumas prostitutas ainda permanecem no 10º andar. Outro inquilino, há dez anos no prédio, disse que não soube de abusos. “O edifício foi esvaziado porque a policia alegou que estava com problema estrutural”. Ao que tudo indica, moradores continuam no edifício. Os “privês” do primeiro ao quarto andar foram trancados a cadeado. “Somos todas Gabriela Leite” Episódios como o do prédio da Caixa não são exceção no país. A atividade de profissionais do sexo é reconhecida pelo Ministério do Trabalho e consta na Classificação Brasileira de Ocupações desde 2002. Porém, as casas de prostituição continuam ilegais. A demanda pela regulamentação é apresentada pela Rede Brasileira de Prostitutas, que construiu o Projeto de Lei Gabriela Leite, em tramitação no Congresso. Sem regulamentação, os riscos são maiores, e as profissionais acabam atuando fora da segurança política e legal. Gabriela era prostituta e foi fundadora da ONG Davida – Prostituição, Direitos e Saúde, instituição que defende os direitos dos profissionais do sexo. O Projeto de Lei 4.211/2012, proposto pelo deputado Jean Wyllys (PSOL), na Câmara Federal, regulamenta a prostituição e a sua cadeia produtiva, de forma a legalizar a profissão dos media-

dores e as casas de prostituição, dando novas definições aos atuais tipos penais. Além disso, distingue o exercício regular e voluntário da profissão da exploração sexual, e possibilita que o Estado proteja crianças e adolescentes e fiscalize os abusos decorrentes do aumento da procura pelo sexo pago. Muitas mulheres temem que seus ganhos sejam reduzidos com o projeto. O consenso das prostitutas, expulsas do prédio justamente pela fragilidade de não haver um regulamentação de seu trabalho, é que o percentual de contribuição deve ser discutido. O Centro Acadêmico Evaristo da Veiga, do curso de Direito da UFF, trouxe a pauta para discussão, reunindo Jean Willys, Eder Fernandes, professor de Direito Civil, e Karina Santos, do Diretório Central dos Estudantes (DCE-UFF). Com divergências, os convidados debateram a regulamentação da prostituição no Brasil, com foco no direito das mulheres sobre o corpo e do dever do Estado de protegê-las da exploração. “A prostituição hoje não é crime, mas é criminalizada pela sociedade”, comentou o deputado. Para Eder Fernandes, o assunto não pode ser reduzido a uma posição contra ou a favor. “Existem dois lados a serem discutidos: a autonomia sobre o corpo e a dignidade. A partir disso, devemos discutir a estigmatização da prostituição, as condições de trabalho e o sujeito de direito e não mais de vítima”. Karina Santos questionou o processo de mercantilização do capitalismo. “Nesse sistema, somos produtos. Não podemos decidir sobre o próprio corpo”. A estudante é a favor da regulamentação da profissão. “Ser mulher e ser prostituta é a mesma coisa que ser mulher e ter qualquer outra profissão”.

Higienização urbana Um dos motivos apontados por moradores para a remoção é a construção da nova sede da Subseção da Justiça Federal do Estado do Rio em Niterói, em um terreno ao lado do prédio. Para quem convive com a realidade do prédio, a remoção tem outro sentido: “a prefeitura quer limpar a rua, tirando as prostitutas. Os pró-

prios residentes dos outros andares também não gostam da vizinhança”, dizem moradores sem identificar-se. Segundo o site Jus Brasil, a obra vai possibilitar a criação de “um verdadeiro corredor judiciário”, já que na Avenida já estão os prédios das Justiças do Estado e do Trabalho, a Prefeitura e a OAB. Embora esse processo já esteja em trânsito há quatro anos, apenas

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em 2012 a Câmara Municipal de Niterói recebeu o pedido para executar o projeto de lei 000147/2012, assinada por Jorge Roberto Silveira. O ex-prefeito solicitou a aprovação dos padrões especiais urbanísticos para a construção do prédio de 18 andares, já que o Plano Diretor de Niterói prevê que os edifícios construídos naquela localidade devem ter, no máximo, dez pavimentos.

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LAPA onde o Rio se (des)encontra Por João Pedro Soares

Os botequins lotados contrastam com a degradação humana nas ruas. O cartão postal exibe os Arcos, mas não revela os que dormem embaixo deles. A Lapa que renasceu no início do século XXI é o cenário do encontro, na cidade que teima em fugir de sua essência agregadora. Ali, diferentes classes, gerações e gostos se misturam. Apesar do histórico caráter boêmio, o bairro cantado em prosa e verso também possui um forte perfil residencial. Ainda que convivência harmônica entre a música dos bares e casas noturnas e a tranquilidade 6

dos moradores seja cada vez mais problemática. Entretanto, as medidas tomadas pelo poder público para ordenar a região acabam também por afetar quem vive ali, mas tem como teto o próprio céu. Até meados da década passada, passar pela Lapa à noite significava um passeio pela desolação. Casarões e sobrados decadentes dividiam espaço com os travestis que trabalhavam na região. Para um comerciante, era impensável investir na região. Em menos de dez anos, tudo mudou. As diversas borracharias e os antigos “pés sujos” deram

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lugar a bares refinados. Apesar do longo período de ostracismo, este não foi o primeiro momento de apogeu da Lapa. Nos anos 1920, a região começou a ganhar as características que a consolidaram como o centro de efervescência noturna da cidade. Luiz Antonio Simas, mestre em História Social pela UFRJ, explica o ciclo histórico do bairro. “A Lapa sempre foi um lugar que, mesmo nos períodos colonial e imperial, tinha a característica de ser central, com muita movimentação de pessoas. A Lapa como conhecemos hoje, reduto da

boemia carioca, começa nos anos 1920. Os malandros que frequentavam as ruas e becos do bairro valorizavam mais a cultura, hábitos civilizados. Diferente da malandragem do Estácio, por exemplo”. Contudo, há diferenças entre a Lapa atual e a dos cabarés. A mais marcante, nesta nova fase, é a movimentação nas ruas. Além dos bares e casas noturnas, o motivo para os jovens saírem à região à noite pode ser apenas a de flanar livremente. Esse perfil se tornou ainda mais forte a partir de julho de 2010, quando a Prefeitura decidiu fechar o

FOTOS: Arquivo da Cidade e Bernardo Oliveira

LIMOEIRO


O aumento da sensação de segurança na região é incontestável. Entretanto, críticos do projeto afirmam tratar-se de uma higienização, por meio da remoção das pessoas em situação de rua. O cenário desolador do abandono oculta suas histórias de vida e homogeniza a situação de cada um. A partir de uma mínima aproximação histórias pedem para ser contadas. César, 63 anos, ex-joalheiro da H.Stern, optou pela vida na rua há três anos e meio. Carregando o maço de cigarros e uma garrafa de Caninha da Roça, fica à vontade para contar sua história depois de muito criticar a política conduzida pela Prefeitura. César diz ser um dos sete filhos de Antônio e Gertrudes Lamarca. Um de seus irmãos, afirma, foi o comandante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Carlos Lamarca, assassinado em 1971. Coincidência ou não, o filho do guerrilheiro tem o mesmo nome, César. Do irmão famoso, César herdou a rebeldia contra os sistemas de opressão. Não tem papas na língua para falar da Polícia Militar e do Choque de Ordem da gestão Eduardo Paes. “Isso, na verdade, é choque de desordem. Deixei me levarem para o abrigo de Antares para ver como era. Lá você é roubado de noite e as assistentes te vendem droga. O menor que entra puro sai cachaceiro, cheirador e craqueiro”. A acusação é endossada pelos colegas ao seu lado. Em janeiro, uma matéria do jornal O Dia revelou que a ONG responsável pela triagem de meninos e meninas recolhidos nas ruas é do major reformado da Polícia Militar Sérgio Pereira de Magalhães, indiciado em pelo menos 42 mortes violentas. A reportagem apurou que, somente em 2013, a Casa Espírita Tesloo recebeu R$ 12 milhões provenientes de convênios ainda ativos com a prefeitura no âmbito da assistência social. O acolhimento das pessoas em situação de rua ocorre de modo diferenciado para menores e adultos, informa a SMDS. Compulsória, no caso de crianças e jovens que são levados a uma Unidade Municipal

de Reinserção Social (UMRS) ou, se comprovadamente envolvidos com substâncias químicas psicoativas, às Casas Vivas, algumas administradas pela ONG do major Magalhães. Segundo a secretaria, “O objetivo deste projeto é que as unidades ajudem na gradual reinserção familiar e comunitária destes meninos e meninas. A SMDS atua conjuntamente com a Secretaria Municipal de Saúde e Secretaria Municipal de Educação no processo de recuperação”. Adultos tem liberdade de decisão, aos que optam pelo acolhimento, é oferecido acesso ao registro civil e às políticas de transferência de renda do governo. Via assessoria, a SMDS explica que vem conduzindo uma nova estratégia de aproximação. “Desde janeiro, temos na área o projeto Proximidade, que integra o Lapa Presente, do Governo do Estado. O Proximidade desenvolve um trabalho diário de aproximação gradativa, escuta qualificada e compreensão das demandas dos usuários de drogas, nas cenas de uso. O objetivo do programa é a construção de vínculos, visando à busca do tratamento. Em quatro meses de atuação foram realizadas 1.331 abordagens sociais”. O processo de revitalização pelo qual passou o bairro apresentou melhorias aos moradores.Contudo, houve um encarecimento do solo, que promoveu a expulsão de antigos moradores que não conseguiram acompanhar o aumento dos aluguéis. Para os que resistiram ao processo, restou outro impasse: o barulho dos bares e casas noturnas. A Secretaria de Ordem Pública afirma que o problema é da Secretaria de Meio Ambiente. Desde o primeiro mandato de Eduardo Paes, quando Carlos Alberto Muniz já era o secretário da pasta, os moradores tentam, em vão, agendar uma reunião. Para Jurandir Albuquerque, morador no bairro há 50 anos e uma

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FOTO: Bernardo Oliveira

trânsito nas principais vias do bairro na madrugada dos fins de semana, consolidando um dos principais programas noturnos do Rio. Em março de 2013, entretanto, a Prefeitura cancelou a interdição. O fator determinante para a decisão foi a pressão dos comerciantes locais, que alegavam prejuízo com o fechamento das ruas. Como cada vez mais pessoas passavam a frequentar a Lapa, as calçadas não comportavam mais o fluxo de pedestres durante a noite. Houve, então, um esvaziamento do local. O bairro nunca tinha sido considerado seguro, mas, desde então, diversos casos de violência foram desencadeados. No fim do ano passado, ocorreram dois assassinatos por esfaqueamento, Conrado Chaves da Paz, de 19 anos e, um dia depois, um morador de rua não identificado. Os moradores reagiram enfaticamente à onda de violência, cobrando atitudes do poder público. Em janeiro deste ano foi lançada a operação Lapa Presente, conduzida pela Secretaria de Estado do Governo do Rio de Janeiro. Um contingente de 123 agentes civis e militares começou a fazer rondas pelo bairro de carro, a pé e de bicicleta. Até o dia 19 de maio, tinham sido registradas 973 ocorrências policiais. Delas, 70% por posse e consumo de drogas. O Coordenador Civil do projeto, Edson Soeiro, explica que se trata de uma política conjunta entre diversos entes públicos. “O principal objetivo é o policiamento na região da Lapa, o acolhimento dos moradores e menores de rua – expostos ao risco da madrugada – e o ordenamento urbano, com apoio da Rioluz e da Comlurb. Também participam a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS) e as Polícias Militar e Civil”. Segundo Edson, a estratégia de abordagem dos policiais militares foi ela­borada com base na escola de outros projetos na Secretaria de Governo: “é uma abordagem cidadã, sem distinções. Tratando a pessoa com educação e respeito. As abordagens são filmadas tanto para a eventualidade de auditar nossos agentes, como para nos resguardar de eventuais calúnias”.

César Lamarca, ex-joalheiro da H. Stern alega ser irmão do guerrilheiro Carlos Lamarca

de suas das principais lideranças - fundador da extinta Associação de Moradores da Lapa (AMA-Lapa) -, falta uma política concreta da Prefeitura no sentido de regulamentar a obrigatoriedade da instalação de proteção acústica. “Eu fiz um estudo, e vi que temos 12 normas, entre leis, decretos e resoluções, normatizando o problema. Nenhuma funciona. Então, é melhor baixar um decreto: o estabelecimento comercial que não tenha proteção acústica não pode funcionar com música ao vivo ou eletrônica após as 22h. Eu sou o coordenador da área de saúde do Posto de Saúde da Família (PSF) aqui. Há muitas reclamações sobre pessoas idosas que não estão podendo dormir, ou já estão com problemas de audição. Falta vontade política, porque o município não tem estrutura para fiscalizar. Em toda a cidade, eles têm quatro decibéis para medir o volume. E três técnicos para visitar”, denuncia Jurandir. Apesar de todos os problemas enfrentados, Jurandir considera a Lapa um bom lugar para se viver. “Uma vez, Grande Otelo me disse: Jurandir, não se preocupe quando falarem mal da Lapa. Diz a essa gente que, para se chegar à Glória, tem que se passar pela Lapa”.

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CAPA

O

Com 39 semanas, Isaac já pesava 4,2 kg e 59 cm, um bebê considerado grande e acima da média. O diagnóstico do médico naquela quinta-feira foi enfático: a criança não passaria pelo canal vaginal da mãe - que tinha a pelve estreita - e morreria estrangulado durante o parto normal. A cesárea foi marcada para o domingo, antes mesmo das 40 semanas de gestação. Foram 15 médicos visitados antes que Sarah encontrasse um que lhe desse a palavra de que faria a cesárea somente em último caso - e mesmo assim cobrando R$ 8 mil a mais do que o plano cobriria. Marcar a cirurgia antes do trabalho de parto era o maior temor de Sarah, que foi em busca de outras opiniões para entender melhor o diagnóstico. Foi quando conheceu o Hospital Maternidade Maria Amélia Buarque de Hollanda e, contra a vontade do marido e da família, teve sua primeira consulta em um hospital do SUS. No Hospital Maria Amélia, Sarah foi tranquilizada pela médica de plantão, que explicou que apenas 0,5% das mulheres possuem pelve estreita e que só é possível diagnosticar tal caso durante o trabalho de parto. “O médico queria roubar meu direito de escolha. É claro que fiquei com medo, falam que seu filho vai morrer. Mas eu estudei, me informei e busquei outros médicos. Não iria aceitar ser induzida a uma cesárea desnecessária”. Com 40 semanas e 3 dias de gestação, Isaac deu seu sinal e Sarah entrou em trabalho de parto. Mais de 12 horas de contrações, dores e idas ao chuveiro para encontrar a posição ideal, e ela deu à luz. Sem episiotomia ou qualquer outra intervenção. Isaac não morreu estrangulado e Sarah não possuía a pelve estreita.

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Mais tarde, vasculhando papéis em casa, Sarah encontraria a confirmação final da falsa indicação do antigo médico. O pedido de encaminhamento para a cesárea informava que Sarah estava com pródomos - início do trabalho de parto e das contrações - e perda do líquido amniótico da bolsa. Nenhuma palavra sobre pelve estreita e um diagnóstico inventado. Primeira contração Ventre é dinheiro Quem quiser parir no Brasil tem dois caminhos oficiais a escolher: a rede pública ou os planos de saúde. Caso opte pela primeira, a probabilidade de parir normalmente é de 55,2%, de acordo com a pesquisa Nascer no Brasil, realizada este ano pela Fiocruz com mais de 23 mil mulheres. Se a opção for pela rede privada, as chances de a mesma mulher ter um parto normal caem para 10,1%. É a contramão em relação ao estabelecido pela Organização Mundial de Saúde em 1985 na Conferência sobre Tecnologia Apropriada para o Parto. Desde então, a OMS considera qualquer número de cesáreas maior do que 15% completamente arbitrário. A grotesca disparidade entre números não é explicada por razões médicas. Quando comparadas as estatísticas de mortes em partos naturais e cesáreas, os defensores da intervenção ficam sem argumentos. Segundo a OMS, o risco de morte para mulheres que se submetem à cirurgia é 3,5 vezes maior se comparado ao parto

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nasci mento perverso

Por Fernanda Costa

normal. São 600 mil mães mortas por ano no mundo. O jogo é bem por aí. Por segurança, põe-se em risco. A lógica das intervenções no parto fariam tanto sentido quanto uma pessoa que, vendo uma nuvem, pula num lago para não pegar chuva. Três recortes precisam ser bem definidos para que o cenário tenha suas motivações clareadas. A anulação da mulher no parto é o resultado de um tripé mantenedor do status quo: o poder do macho, o poder do capital e o poder da razão médica. Os motivos das cesáreas em cada uma das redes é revelador. No público, as cirurgias são feitas em mulheres que tiveram complicações durante o trabalho de parto ou não tiveram seu tempo respeitado. Na rede privada, o nascimento é agendado. Em paralelo, o Brasil ocupa a 10ª posição entre os países com maiores índices de prematuros, sendo o 16º no número de mortes de bebês nascidos antes da hora, segundo levantamento apresentado em 2012 pela OMS. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o aumento da prematuridade está ligado à cirurgia cesariana. Nos planos de saúde, mãe e criança são violentamente marginalizadas

para que entrem em cena obstetras, anestesistas, pediatras e representantes de laboratório. A pesquisa Nascer no Brasil aponta uma evolução do número de mães que optam por cesárea. No inicio da gestação, 36,1% das entrevistadas desejavam a intervenção cirúrgica. No final, o número saltava para 67,6%. A mercadoria é o templo do capital. É onde ele ganha corpo, justificativa, essência. Uma vez inserida na dinâmica da compra e venda, a saúde não foge à regra. Transformado em produto, os serviços médicos buscam o mesmo que o capital: lucro. E, se tempo é dinheiro, o parto normal é prejuízo. O relógio do nascimento é lento. Não há acordo entre a Natureza e a urgência produtivista da rede privada que remunera por paciente atendido. Enquanto uma cirurgia cesariana não chega, em média, a uma hora de duração, o trabalho de parto pode ultrapassar um dia inteiro. Em resumo: se meu bisturi me dá mais bebês em um menor tempo, melhor para minha carteira. Segunda contração Menos mães, mais médicos A menina de dez anos respira grande e acerta o eixo do corpo na cadeira. Precisa estar bem firme no caso de


antino e Filipe Galvão

perder o controle. Não é um risco qualquer que corre. Trata-se, isso sim, de um caso de vida ou morte. Sentada na cadeira, a pequena Bernadette se concentra para pôr à prova uma explosiva combinação de leite com manga. A explicação da obstetra quando questionada sobre seu papel no emaranhado de trincheiras e jogos de poder da indústria do parto começa nesse copo. É esse pequeno marco transgressor que dá início à carreira de ousadias científicas de Bernadette Bousada. Mas é na década de 1990, quando entra em contato com a memória coletiva das parteiras no litoral paulista, que a carreira de quebradora de tabus deslancha. “Foi aí que minha formação começou efetivamente”, diz. Antes de São Paulo, Bernadette ainda era refém da lógica “mestre x aprendiz”, quando o segundo é depositário não só dos conhecimentos do primeiro, mas de seus vícios, erros e ideologias. Foi o contato com a população local e suas práticas não cartesianas de lidar com a vida que serviram de gatilho para o confronto entre teoria e prática: “na faculdade aprendi que se não fizesse a episiotomia eu causaria dano, só depois descobri que o dano é a própria episiotomia”.

O dano a que se refere é uma intervenção cirúrgica no períneo para “aumentar o canal do parto e prevenir rasgamentos na parturiente”. Ou seja, para não rasgar, corta-se. O processo do parto intervencionado é inteiramente atravessado por essa perversão lógica. Para que não sofra, faço sofrer. Esse paradigma nasce da invasão do território do parto pelo poderio médico. Poder que, quanto mais atravessado pelo machismo e premissas do capital, mais cicatrizes deixa. “Conheci mulheres que tiveram vários filhos em casa e não apresentavam nenhum sinal de parto”, conta Bernadette. O quadro é diferente daquelas que tiveram seus filhos nos hospitais e guardam hoje marcas de cesáreas e episiotomias pelo corpo. A inserção desses atores da lógica pervertida resultou no intenso declínio do protagonismo da mulher no parto. Antes, nascer era domínio exclusivo do universo feminino. As mães tinham seus filhos em casa, auxiliadas por parteiras e mulheres da família, e tinham livre escolha sobre seus movimentos e posição mais confortável. Era a mulher quem regia a música. O primeiro bebê por parto intervencionado nasceu no século XVI. Criado

por Peter Chamberlen, o fórceps permitiria a partir de então a retirada do feto em casos de complicação. No século XVII, atribui-se ao médico francês François Mauriceau a maior influência na mudança da posição da mulher no parto. Da liberdade de movimentos para o corpo posto na maca, posição que institucionaliza a figura médica no parto a partir da relação de poder entre gêneros. Com a mulher deitada, ergue-se o império dos doutores. O nascimento é inteiramente cooptado pela figura do homem-médico, no século XX. De parturiente, a mulher passou a ser paciente. Terceira contração Voltando às raízes Segundo a OMS, quem escolhe onde parir é a mulher. Isso inclui sua própria casa como uma das opções, desde que seja paciente de baixo risco. Além disso, o próprio Ministério da Saúde incentiva práticas humanizadas para o nascimento. O Conselho Federal de Medicina brasileiro não considera infração ética a participação de médicos em partos domiciliares, mas recomenda o hospital como escolha para o parto. No Rio de Janeiro, o cenário é outro. Em 2012, o Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro) publicou resoluções que proibiam a participação de médicos em partos domiciliares, além de

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desautorizar a presença de doulas e parteiras nos procedimentos hospitalares. O documento, en- tretanto, foi vetado em agosto deste ano pelo Ministério Público Federal, através de liminar do Conselho Regional de Enfermagem. “Doula, na origem da palavra, é aquela que serve”, explica Eloá Chaignet, professora de dança formada pela UFRJ, que também abraçou a outra profissão. Hoje, amparada pela resolução do MPF, Eloá auxilia as mulheres durante a gravidez, com informação, apoio emocional e físico, além de suporte durante o trabalho de parto, com massagens e métodos não farmacológicos de alívio da dor. A escolha pela profissão aconteceu por conta do próprio parto, realizado em casa. “Costumo dizer que ocitocina, o hormônio do amor presente no parto, é algo extremamente viciante”. Eloá afirma que a opção já estava desde sempre em seu interior. “Além de ter crescido ouvindo histórias dos meus avós que realizavam partos no interior, minha vizinha do lado era uma parteira urbana. Sabia que ainda era possível parir em casa no Rio de Janeiro”. Eloá reconhece que a liberdade de escolha pelo local do parto não é a realidade no Brasil. “O parto é um momento incrível. Nossa cultura e sociedade ainda veem o hospital como o lugar hegemônico para este momento. Não vejo nenhum problema nisso, desde que toda mulher pudesse ter a real liberdade de escolha pelo que deseja”, conclui.nenhum problema nisso, desde que toda mulher pudesse ter a real liberdade de escolha pelo que deseja”, conclui.

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Arquibaldos &Geraldinos

FUTEBOL PARA quase TODOS

A instabilidade no preço cobrado pelos ingressos dos jogos gera desconforto entre torcedores e diretorias e exclui do espetáculo os que não podem arcar com o valor de algumas partidas Por Nathália Vincentis e Sabrina Nunes

Não é só dentro de campo que o jogo do futebol acontece. Protagonizado por diretorias e torcedores, temos a queda de braço pelo valor dos ingressos. Dirigentes, buscando uma maior obtenção de receitas. Os torcedores, a possibilidade de irem aos estádios a preços acessíveis. Falou-se tanto no assunto, que “Preços diferenciados de ingresso” foi o tema do segundo encontro do I Fórum de Debates do Futebol Carioca, que aconteceu no dia 16 de setembro – ao todo serão 11 encontros entre setembro e novembro, no auditório da sede da FERJ. O gerente de projetos e produtos do Fluminense Football Club, Dilson Motta, afirmou que determinar diferentes preços de ingressos para cada jogo é uma ação válida. “Na partida da antepenúltima rodada do campeonato, em que o time precisa ganhar para conseguir a vaga na Libertadores, não se pode praticar o mesmo preço de um jogo de meio de campeonato. Não tem como o futebol ser o único bastião de querer fazer uma justiça social de entretenimento neste país”. Porém, a medida pode ter sérias consequências. Peça chave do caso mais recente dessa prática, o Clube de Regatas do Flamengo experimentou um início de crise interna e o descontentamento de parte da torcida quando elevou o valor do ingresso (em 25% para no setor mais barato) para o jogo contra o Corinthians, válido pela 20ª rodada do Campeonato Brasileiro de 2014. Anteriormente, a diretoria havia baixado o preço na intenção de atrair o torcedor para o estádio e sair da situação complicada 10

em que estava no campeonato. A revolta da torcida aconteceu não só pelo aumento do valor cobrado pelos ingressos, mas também pelo fato de sua divulgação ter sido feita na semana em que ocorreria a partida, o que pegou os rubro-negros de surpresa. Victor Franco, botafoguense e membro da Frente Nacional dos Torcedores (FNT), grupo que tem como bandeira “lutar pelos direitos dos torcedores, visando um futebol justo, democrático e popular”, defendeu a torcida rival: “É maldoso (aumentar o preço dos ingressos em alguns jogos) porque brinca com um sentimento de paixão intensa do torcedor e decide arbitrariamente quando ele pode ir ou não, devido as suas necessidades financeiras. A massa torcedora não quer ir aos jogos só quando a diretoria e o time precisam dela, querem ir a todos e apoiar o time independente de sua posição na tabela. A Associação das Torcidas Organizadas do Flamengo (Atorfla) publicou uma carta aberta ao presidente rubro-negro, Eduardo Bandeira de Mello, declarando que sua paixão pelo Flamengo não é produto. “Somos torcedores e não meros consumidores, pois somos movidos pela paixão ao Clube de Regatas do Flamengo, razão da nossa existência. E com grande contribuição nossa, ressaltada inclusive pelo treinador Vanderlei Luxemburgo, tiramos o time do último lugar e o colocamos em uma zona intermediária no Campeonato Brasileiro”, concluiu. Para o economista e colunista de marketing esportivo,

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Vinicius Paiva, a diretoria do Flamengo tomou a decisão correta. “Um dos mantras do marketing esportivo: promoções precisam de um horizonte temporal bem definido, caso contrário seus descontos são internalizados pelos consumidores e perdem efeito. O Flamengo estabeleceu que seus ingressos cairiam enquanto a equipe precisasse de todo apoio possível. A torcida comprou a ideia e os resultados vieram. Eis um caso clássico de política que cumpriu aquilo a que se propôs, sendo a hora de sair de cena”, escreveu em seu blog Teoria dos Jogos. Em defesa não só da medida tomada pelo rival, mas também por uma nova política de preços de ingressos, Dilson Motta, afirma que “não se pode deixar que o futebol fique com a imagem que é o único elemento da sociedade que vai arcar com a dificuldade das classes sociais menos favorecidas de obter entretenimento. Não existe país no mundo que faça isso”. A Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FFERJ)

entende que o preço do ingresso deve atender a diversas classes sociais, uma vez que, para ela, este é um fator determinante para que os torcedores frequentem os estádios. “A entidade defende que haja preços diferenciados nos estádios como acontece no Carnaval. Os estádios deveriam ser setorizados com um número x de assentos populares e outros com preços dos mais variados”, disse Rubens Lopes, presidente da entidade. Para encerrar de vez a queda de braço entre clube e torcida, que deveriam jogar juntos em todos os aspectos, Vinicius Paiva aponta uma possível solução. “Uma categorização das partidas por nível de demanda, cobrando preços diferenciados e com anúncio ocorrendo antes do início do campeonato. Quando todos sabem os preços que serão cobrados de antemão, não há reclamações. Com o retorno ao Beira-Rio, o Internacional tomou esta medida e evitou surpresas entre seus torcedores”.


Arquibaldos &Geraldinos

Categorias sem base

A dura realidade dos jovens que sonham com um lugar no futebol profissional Por Gustavo Xavier, Lucas Bueno e Lucas Farizel

Alojamentos sem infraestrutura, ausência de apoio escolar ou assistência psicológica e isolamento familiar. São essas as condições encontradas nas categorias de base do futebol brasileiro segundo investigações do Ministério Público do Trabalho (MPT) iniciadas em 2008 por todo o Brasil. O relatório mostra que jovens aspirantes ao esporte treinam sob condições precárias em busca de seu sonho. A procuradora Danielle Cramer, que lidera o processo no Rio de Janeiro, afirma que os clubes não cumprem algumas regulamentações previstas na Lei Pelé e no Estatuto da Criança e do Adolescente. As violações mais recorrentes são o distanciamento das famílias e a falta de formação educacional, que deveria ser subsidiada pelos clubes. Todos os grandes cariocas padecem dos mesmos problemas. O caso mais grave, provocado pelo desrespeito às normas, aconteceu no centro de treinamento das divisões de base do Vasco da Gama, em Itaguaí, em fevereiro de 2012. Wendel Venâncio, 14 anos, morreu após passar mal durante período de testes. A morte revelou problemas no CT em Itaguaí, cuja existência era desconhecida pelo Ministério Público. Não havia equipe médica no local. O MPT-RJ entrou com uma ação contra o clube,

que mantém as atividades no CT. Apesar das denúncias constantes, a procuradora do MPT afirma que as instituições têm buscado melhorar o quadro. Flamengo, Fluminense, Botafogo e Vasco estão em constante negociação com o Ministério Público para adequar todo o processo que envolve as categorias de base. “O clube não tem se preocupado com a formação social do jovem, a priori. Se um desses 30 meninos der certo, já consegue atingir o lucro”, finaliza. As condições dos CT’s são um problema crônico. Faltam instalações básicas, como quartos e banheiros. Jovens de diferentes idades convivem no mesmo espaço, sem privacidade. Por outro lado, a exigência pelo bom desempenho em campo, tanto nos treinos quanto nos jogos, é pesada. “Em muitos casos, o treinamento ultrapassa o limite de tempo adequado, de mais ou menos quatro horas. Além disso, a atividade é realizada durante o horário escolar”, conta a procuradora. A psicóloga Danielle Muniz trabalha nas divisões de base do Flamengo com jovens a partir dos 13 anos. São quase 200 meninos que têm vínculo com o clube, sendo que alguns moram no alojamento oferecido pelo time. Estagiários também ajudam no trabalho psicológico dos meninos, acompanhando os treina-

mentos e jogos, além da assistente social, que mantém contato diário com os aspirantes a jogador. “Nosso trabalho se dedica à preparação dos meninos para as competições, para seu desempenho e também nas questões gerais, como família e escola”, explica a psicóloga. O CT do Flamengo, que fica em Vargem Grande no Rio de Janeiro, abrange tanto o futebol profissional quanto o da base. Existem instalações como vestiários, salas de musculação e o alojamento para os atletas que não conseguem voltar para casa por morarem longe do bairro ou até por virem de outros estados. Segundo Muniz, não existe diferenciação de tratamento psicológico dos meninos que moram no alojamento para aqueles que voltam para casa todo dia. Não é fácil se tornar um jogador de futebol. O universo do esporte bretão é muito selecionado e vários garotos, que se dedicam durante toda a adolescência para se profissionalizar, não têm êxito e geralmente não pensam em outra alternativa para o futuro. “Antes de entrar no projeto, a gente faz uma pesquisa sobre quem quer ser jogador de futebol. Todo mundo fala que quer. Depois perguntamos sobre a segunda opção e a maioria dos garotos não tem noção do que fazer. Entendemos que uma de nossas obriga11

ções é preparar esses meninos para a dificuldade que é se tornar jogador profissional”, afirma Aurélio Pitanga, coordenador do projeto Esporte, Educação e Inclusão Social na UFF. O projeto faz uma interlocução entre as comunidades de Niterói, São Gonçalo e o espaço físico da universidade, integrando esportes (futebol, natação e artes marciais) com educação, cidadania e lazer. Hoje, cerca de 150 meninos de até 17 anos participam do projeto iniciado em 1996 nas próprias comunidades, e se mudou para o campus do Gragoatá em 2004. “Nós não trabalhamos na perspectiva profissionalizante. Na verdade a gente ajuda na vivência e experiência com o esporte e a partir daí os meninos levam pra fora da faculdade o que aprenderam aqui”, explica o professor do Departamento de Educação Física. No futebol, além de palestras e oficinas com profissionais de diferentes áreas, o projeto oferece alguns jogos e competições que são realizados com outros times. O assédio de empresários acontece até mesmo nesses eventos. “Você faz um joguinho mais elaborado, com uniforme, pra eles terem algo mais direcionado. É o que basta pra aparecer um monte (de empresários). Conheço de longe essas figuras. A gente orienta os meninos, mas é complicado”, conclui Aurélio. no. nove - novembro 2014


“A prostituição é um tema central para pensarmos, da cama à esfera pública, sobre os nossos direitos e a própria democracia brasileira”, afirma Soraya Silveira Simões, mestre e doutora em Antropologia pela UFF. Organizadora, ao lado de outros pesquisadores, da coletânea Prostituição e outras formas de amor, nesta entrevista Soraya explica a importância de se deixar de lado os preconceitos, para que a sociedade passe a discutir a prostituição nos âmbitos dos direitos civis e sexuais.

Outras formas de amor Por Victoria Macdonogh

todos os demais agentes que, nos termos anacrônicos da lei, “favorecem” a prostituta no exercício do seu trabalho. Esses não “favorecem”, mas garantem o exercício desse trabalho. No dia em que tudo isso for feito, será possível tornar mais claro e possível o necessário controle das condições de trabalho pelas mulheres e homens que exercem essa atividade, como é direito de todo e qualquer trabalhador.

O título do livro sugere a prostituição como uma das formas de amor. É isso mesmo? Qual o motivo dessa escolha?

Antes de mais nada, essa é escolha é uma provocação. Afinal, “por amor” ou em nome dele sacrificamos algo que nos é caro, fazemos loucuras ou as justificamos. Prostituição e amor, nesse sentido, têm muito mais em comum do que as outras formas mainstream do amor: o amor conjugal, o amor materno, o amor que circula no âmbito doméstico ou das relações íntimas, pessoais, aparentemente destituídas de qualquer interesse. Seja lá em nome de quem, algo que é feito “por amor” é sempre um prazer ou um sacrifício. Ou os dois.

Várias vezes tentou-se aprovar lei que regulamentasse a prostituição. A mais recente, de 2012, ainda não foi aprovada. Na sua opinião, o que impede que a questão seja mais discutida?

A prostituição, de certa forma, se relaciona com todos os campos da sociedade?

A prostituição existe em nosso imaginário muito marcada por certos elementos: a rua, o perigo, a noite, o estranho, o incontrolável, e tudo isso associado ao sexo que, de acordo com os valores burgueses, em especial, deve ser mantido dentro de uma restrita esfera de relações. Na prática, a prostituição é apenas mais uma forma possível de se engajar num mundo de relações variadas e, nelas e com elas, produzir outros tantos valores e modos de se viver. Nesse sentido, a prostituição se relaciona com praticamente tudo o que nos concerne, estejamos nós dentro ou fora desse universo laboral, pois ela tem o condão de expor os nossos tabus e de redefinir papéis sexuais nos momentos em que desejamos ou precisamos ser entendidos como criaturas sexualizadas. Qual a maior dificuldade enfrentada ao falar sobre a prostituição na esfera pública?

O preconceito, certamente. Mas o que isso quer dizer, exatamente, é que falar de sexo no quadro da prostituição equivale a falar de um sexo que não pode, ou de um sexo que, mais do que qualquer outro deve ser escondido ou, ao contrário, acusado. Um sexo fora dos padrões, altamente singularizado, subvertido, inconfesso. Prostitutas sabem bem o que é a discrição no exercício de seu trabalho. Padres, médicos, psicólogos também. E todos esses profissionais que lidam de muito perto com os conflitos e contradições da alma humana sabem, de um jeito ou de outro, que a hipocrisia é a ossatura da 12

Prostituição e outras formas de amor (acompanha DVD com o filme Um Beijo para Gabriela e uma entrevista com Gabriela Leite (1951-2013), fundadora da ONG Davida) Organizadores: Soraya Silveira Simões, Hélio R.S Silva, Aparecida Fonseca Moraes. 552p. R$ 80,00. ISBN 978-85-228-1032-1 esfera pública, do que é tornado visível e do que é justificável face a uma moral vigente. Mais do que o preconceito, talvez a maior dificuldade seja a falta de coragem para pensar o assunto como pertencendo ao âmbito dos direitos civis e sexuais. Como diminuir os preconceitos sobre o assunto?

Abrindo espaço para debates e encontros. Acho que o preconceito com a prostituição sempre existirá, assim como existirão muitos outros, por exemplo, de certa população contra os jornalistas. O importante é a manutenção do debate público e a explicitação dos conflitos no espaço público como meio para fazer valer as diferenças incontornáveis. Diferença é direito.

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Qual a importância da legalização da prostituição?

Retirar do jugo arbitrário das ações criminosas do Estado, em especial, essa massa de pessoas que escolheram trabalhar nesse campo e que o fazem com responsabilidade, vontade e, por que não dizer, amor. De que forma a legalização da profissão e a regulamentação de casas de prostituição iriam garantir a segurança das trabalhadoras/trabalhadores?

A prostituição não é ilegal. Ela ainda não é regulamentada. Antes mesmo da regulamentação da prostituição, o mais importante é descriminalizar o seu entorno, retirando do código penal os artigos que criminalizam

Há um pudor, sim, mas há também um imenso interesse político em vetar esses projetos de lei. Sabemos como as decisões no congresso são, frequentemente, negociações. Raros são aqueles deputados que têm a coragem de levar para a arena as reivindicações originadas nos movimentos sociais. Isso não é novo. Mais do que um pudor, que existe, o que há é uma falta de honestidade política dos deputados que a cada quatro anos a população, com o voto obrigatório, rearranja dentro da câmara.

Os artigos, apesar da base teórica, possuem uma leitura leve e prazerosa. Qual público leitor desse livro?

Esperamos que o público leitor seja o mais variado possível, pois consideramos ser este um tema para pensarmos, da cama à esfera pública, os nossos direitos e a própria democracia brasileira com suas representações sobre o público, os direitos civis, a política, o coletivo e, ainda, por que não dizer, o amor como uma competência. Soraya Silveira Simões é mestre e doutora em Antropologia pela UFF. Atualmente, atua como pesquisadora do CLERSÉ – Centre Lillois d’Études et de Recherches Sociologiques et Economiques/ Université de Lille 1, na França, onde realiza seu pós-doutorado. É também pesquisadora associada do LeMetro – Laboratório de Etnografia Metropolitana/IFCS - UFRJ


Ilustração de Gabriel Faza

ESTANTE

Por Beatriz Jorge e Leonardo Moura

‘Giro um simples compasso e num círculo faço o mundo’ Todas as vezes que anuncia um novo produto, a Apple vira o principal assunto ao redor do mundo. Com o lançamento do iPhone 6 não foi diferente. Essa jornada começou com Steve Jobs em 1976, quando fundou a empresa: foi ele o responsável por idealizar e criar os primeiros computadores pessoais. Setenta anos antes, Santos Dumont também se mostrou um grande inventor, quando voou pela primeira vez em um aparelho mais pesado que o ar, o dirigível. Décadas mais tarde, Walt Disney transformou seus traumas em um mundo de fantasias que lhe rendeu 22 prêmios Oscar e a adoração de pessoas de todas as idades e gerações. O que esses três ícones tem em comum? Cada um deles pensou fora da caixa e encontrou soluções inusitadas para seus problemas. Isso os torna pessoas criativas. Essa característica se reflete em âmbitos diferentes na sociedade, mas seja na arte, na tecnologia ou na ciência, a criatividade desperta a atenção e a curiosidade de qualquer um. O relógio de pulso, por exemplo, apesar de já ser bem difundido, é uma daquelas invenções que nos fazem questionar: “como nunca pensamos nisso antes?”. Dumont o planejou de forma bem espontânea: ele não poderia tirar a mão do manche para consultar o relógio de bolso. O que sabemos até agora Há muito tempo, os cientistas estudam o cérebro humano para investigar a criatividade. Acreditava-se, por vários anos, que o lado direito do órgão era o responsável por essa e outras características, como a intuição, ao passo que o es-

querdo era encarregado de funções como o raciocínio lógico e sequencial. Entretanto, a partir de análises feitas a partir de 2010, pela Rede de Pesquisas da Mente, dos Estados Unidos, novas perspectivas sobre o assunto foram descobertas. Segundo o professor responsável, Rex Jung, muitas áreas diferentes do cérebro são envolvidas durante o processo criativo, tornando-o bastante complexo. Não é possível, então, dividi-lo de maneira completamente estanque, mostrando que a resposta não é tão simples assim. O estudo indica que testes para mensurar a criatividade das pessoas ainda são bastante divergentes, uma vez que não há medida única para essa característica. Mesmo assim, é fácil identificar uma pessoa criativa. Uma delas é Spartakus Santiago, aluno de Publicidade e Propaganda do Instituto de Arte e Comunicação Social (Iacs) da Universidade Federal Fluminense (UFF). O estudante, além de estagiar em direção de arte na Rede Globo, faz alguns trabalhos como freelancer, ou seja, transformou o talento em profissão. Spartakus diz que quando criança já chamava a atenção e se interessava por ideias diferentes. Hoje em dia, ele não pode mais depender de insights criativos, e, por isso, tenta estar sempre atualizado. Quando precisa, busca referências na internet e coloca a cabeça para funcionar com papel e caneta em mãos. “Eu geralmente procuro informações sobre o universo do que o briefing aborda em sites e anuários, depois pego um bloquinho e vou rabiscando ideias”. Sparta,

como é conhecido, não se deixa abalar pelos famosos bloqueios criativos. “Quando acabam as ideias, me dedico a mais pesquisas, mais esforços, mais rabiscos, mais brainstorms e, se possível, dou um tempo para o cérebro relaxar”, conclui.

“Ser criativo vai muito além de ser artista. Pedreiros podem ser criativos, e são, inventam a cada dia um motivo que os leve de volta ao trabalho, vão ao baile, ao piquenique, se apaixonam. Tudo exige muita criatividade”, exemplifica Thais.

A psicanalista e professora da Universidade de Brasília (UnB), Thais Sarmanho, reforça essa ideia e afirma que qualquer pessoa pode ter essa característica.

A especialista explica que o grande motor dessa competência pode ser a falta de algo que perdemos na infância, a ilusão de ser o indivíduo mais importante do mundo. “Seu ingrediente principal é o tamanho da desilusão, a noção da falta. Então, buscamos objetos que supram essa falta. A esse movimento damos o nome de desejo”, explica. A criatividade seria, então, o maior caminho para obturar nossa ausência original, que nos acompanha desde cedo. “Ela é a única saída para resolver conflitos do sujeito, ou seja, ir atrás de seu desejo, um movimento inconsciente para suprir um narcisismo inicial desiludido logo na infância. Mais do que isso, a criatividade é a principal indicadora de saúde mental, o motor da condição humana”, esclarece.

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O outro lado da moeda Se para Spartakus a criação é o principal combustível profissional, a também publicitária Helena Costa, vive outra realidade. “É difícil ser criativo quando existem processos de trabalho a serem seguidos, mas é sempre possível. Mesmo em cargos operacionais, sempre existe o seu universo de independência. E, nos detalhes, acaba escapando um pouco de você”, explica. Apesar de reconhecer a importância da criatividade para ter uma carreira próspera, Helena acredita que esse artifício vai além do trabalho. “Essa característica me ajuda a ‘me virar’, em tudo. Seja para não cair na rotina do relacionamento ou para trabalhos mais difíceis. Nem sempre você se envolve em projetos que realmente admira e apoia. O que funciona para mim é achar algum motivo para fazer aquilo. Sem a motivação é improvável sair do lugar, se envolver”, analisa. Criatividade e trauma: além de Walt Disney


FOTOS: Wesley Prado

IDENTIDADES

A fila começa a se formar antes do bandejão abrir, e em poucos minutos já dobra a esquina Por Wesley Prado e Luis Pedro Rodrigues

De manhã cedo, às seis horas, os primeiros trabalhadores começam a chegar ao campus do Gragoatá. Acendem-se os fogões. Às nove horas, o pico de trabalho. Até às 11 horas, correria. Em média, 120 trabalhadores disputam espaço em uma pequena cozinha. Pressa. O calor e o barulho já tonteiam os sentidos; falta equipamento de proteção auricular. Falta espaço. Pressa. As panelas se batem. Por volta das dez, o almoço tem que estar pronto; às 11h30min, ser servido. Ao meio dia, a fila, do lado de fora, já dobra a esquina. Calma, respira! Em apenas uma manhã, são preparadas oito mil refeições, no Restaurante Universitário da UFF. Apesar dos números representativos, porque duas mil pessoas não conseguem se alimentar? A universidade conta com uma cozinha própria que atende também a outros refeitórios: a reitoria, 14

aos campi da veterinária e da praia vermelha e ao Hospital Universitário Antônio Pedro. No entanto, as condições para atender a essa demanda, atualmente, são precárias. “Dobraram o número de refeições, aumentaram o número de funcionários, mas o espaço físico continuou o mesmo,” comentou auxiliar de cozinha Izilda Lúcia, funcionária da UFF há 14 anos. O calor e o barulho, juntos com a falta de espaço são as principais reivindicações dos trabalhadores do restaurante universitário. “Quando a pressão arterial baixa e o calor torna-se insuportável, é preciso sair alguns minutos para tomar um ar fresco e descansar”, relatou Izilda. No ano passado, os servidores fizeram uma greve exigindo mudanças; apesar da promessa do reitor Roberto Salles e do vice-reitor Sidney Luiz a favor da reforma e ampliação, a cozinha e o maquinário

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continuam os mesmos há 30 anos. Os projetos Já existem anteprojetos, arquivados na SAEN – Superintendência de Arquitetura e Engenharia da UFF – para ampliar a estrutura e melhorar as condições de trabalho dos funcionários. “Não sei por que ainda não foi decidido”, respondeu a coordenadora de gestão do restaurante, Ângela Almeida. Segundo a coordenadora de arquitetura da SAEN, Márcia Bustamante, algumas reuniões foram realizadas para achar uma saída para o impasse. São três projetos principais: a ampliação da cozinha e da estrutura do Gragoatá, a implementação de um refeitório no Valonguinho e uma cozinha externa para atender os campi externos, que desafogaria a demanda do Gragoatá. Com outra cozinha seria possível reformar o espaço atual e promover as melhorias necessárias.

Márcia acredita que a decisão será tomada após a posse da nova gestão, prevista para novembro desse ano. A comissão de projeto é composta pela diretoria do restaurante, pela SAEN, pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PROAES) e pelo gabinete do reitor. A empresa Acrópole, autora do anteprojeto da obra do Gragoatá, rescindiu o contrato esse ano. A definição do projeto final depende de nova licitação. Além da questão estrutural, o novo projeto também prevê a contratação de novos funcionários, a compra de máquinas mais eficientes, a opção vegetariana e café da manhã e o funcionamento nos finais de semana. Essa já é uma realidade em diversas universidades do Brasil (UnB, UFJF UFRJ, UERJ). “Conhecemos outros modelos de restaurantes universitários e queremos adotar também na UFF”, explicou Ângela.


A ampliação do cardápio e dos horários de funcionamento nos fins de semana atenderia principalmente os estudantes da moradia estudantil. Segundo a atual direção do restaurante, a obra aumentaria de oito para quinze mil refeições diárias. Hoje, a demanda aproximada de estudantes é de dez mil por dia. De onde vem a comida? A aquisição dos alimentos é feita através de licitação, ou “Pregão”, Lei 8.666/1993, e vence a empresa que oferece o menor preço. “Não temos controle sobre a escolha das empresas. É tudo feito pelo sistema do governo”, contou Alexandre Robert, diretor da Divisão de Alimentos e Nutrição. Segundo ele, o que pode ser feito é controlar a qualidade dos alimentos, e por isso, há um critério rigoroso de qualidade e higiene. Caso haja mais de três reclamações, a empresa perde a licitação e abre-se outro processo. “Raramente acontece, pois a empresa sabe que sofrerá penalidades caso os alimentos sejam de má qualidade.”Como a escolha das empresas privilegia o menor preço, a proximidade fica em segundo plano. “Há empresas de outros estados que ganham a licitação. Por exemplo, o arroz atual vem do Paraná,” acrescentou Alexandre. Agricultura familiar O governo federal promulgou o Decreto 7.775/2012, possibilitando a instituições federais, estaduais e municipais, que produzem refeições regularmente, a compra de alimentos diretamente dos agricultores familiares e cooperativas, sem a necessidade de licitações. A nova modalidade possibilita a obtenção de alimentos orgânicos de agricultores familiares da cidade de Niterói, o que “ajudaria a desenvolver a economia local e fortaleceria os pequenos produtores”, explicou Ângela. A compra com esses pequenos agricultores seria uma parcela pequena do total de compras. A maior parte continuaria advinda das empresas vencedoras do “pregão”. Dieta O restaurante não possui um número de cardápios fixos. Segundo Caroline Leal, chefe da nutrição, os cardápios são elaborados mensalmente, com adaptações semanais que pode variar de acordo com im-

previstos, como atrasos na entrega. Para ela, a reforma poderia aumentar a variedade das preparações. A escolha da comida leva em conta não apenas a presença de todos os grupos alimentares (cereais, leguminosas, hortaliças, frutas e carnes), mas também as condições de armazenamento, de produção e distribuição das refeições. Para ela, a elaboração do cardápio “é totalmente influenciada pelo tipo e a quantidade de equipamentos que utilizamos, pelo quantitativo de mão de obra e pelas nossas condições físicas e estruturais.” A estrutura atual impossibilita, também, uma opção proteica para quem rejeita a carne. Há, inclusive, uma regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária que atenta para o cumprimento da Ingestão Diária Recomendada (IDR), tabela respaldada por institutos de pesquisa e órgãos internacionais, como a Organização Mundial de Saúde. A tabela sugere 50 gramas de proteína por dia, um valor médio que pode variar de acordo com o peso do indivíduo. O valor diário recomendado por nutricionistas é de um grama por quilo, ou seja, um indivíduo de 70 quilos deve consumir 70 gramas de proteína por dia. Há cardápios que, além da proteína, também não atendem a outras

demandas nutricionais dos estudantes veganos e vegetarianos. A estudante de jornalismo, Raissa Vidal, vegetariana há 5 anos, comenta: “Um dia não pude comer o ravioli porque era recheado com carne, sendo que já havia almôndega de frango”. Para ela, essa escolha também prejudicaria os onívoros, pois extrapola o valor de proteína recomendado por refeição. Outro caso quem cita é estudante de artes, Ludymilla Tavares, vegana há um ano: “Mesmo quando não adicionam algum tipo de carne, utilizam margarina, que contém leite ao invés da 100% vegetal, e contabilizo menos uma opção para nós veganos.” Sobre isso, Caroline comenta: “Procuramos reduzir, na medida do possível, a presença de guarnições que possuam ingredientes de proteína animal, mas também buscamos equilibrar essas solicitações com a necessidade de promover a diversidade de preparações para o público atendido, uma vez que a ausência de tais preparações restringiria ainda mais um cardápio que já possui certas limitações.”

Para a nutricionista da Vigilância Sanitária do Rio de Janeiro, Alessandra Torres, a defasagem de proteínas pode acarretar problemas como anemias, falta de força e de energia para realização das atividades cotidianas. “Todos os grupos alimentares entram na montagem do cardápio de forma harmônica, respeitando os percentuais considerados adequados para a população sadia, que são, aproximadamente, 30 % de lipídeos, 50 a 55 % de carboidratos e 15 a 20% de proteínas.” Uma medida provisória para atender a esses estudantes seria o projeto “Segunda Sem Carne”. “Estamos numa fase bem preliminar deste projeto, no qual precisamos estudar as possibilidades de produção (a fase de teste será provavelmente no próximo recesso acadêmico), avaliar a aceitação dos demais usuários não vegetarianos e a aprovação da administração”, explica Carolina. Com o projeto, estudantes que não comem carne teriam uma opção proteica à base de soja ou outra leguminosa, no lugar da opção proteica à base de carne.

Veganos, vegetarianos e onívoros discutem, entre outros assuntos, a implantação de cardápios que atendam suas demandas. Facebook: VEGANOS/VEGETARIANOS-UFF

Funcionários reclamam do calor e falta de espaço 15

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Sem resposta

DIPLOMA

Estudantes, professores e funcionários seguem reféns da falência de instituições privadas tradicionais do Rio de Janeiro Por Amanda Costa e Fábio Peixoto

Dívidas trabalhistas com professores, graduados sem diploma e documentos descartados no lixo são apenas alguns dos capítulos da longa novela do processo de aquisição das universidades Gama Filho e UniverCidade pelo Grupo Galileo Educacional. No enredo, a falência das duas instituições, transferência assistida dos alunos para outras escolas e acusações de gestão fraudulenta, enriquecimento ilícito e desvio de recursos públicos praticados pela Galileo Edu­cacional. Em 2010 e 2011, as duas unidades passaram por um processo de transferência de gestão financeira para o Grupo Galileo – que até então nunca havia gerido qualquer instituição de ensino. Na época, ambas passavam por transtornos financeiros: repasses do Fundo de Garantia (FGTS) e 13º salários estavam atrasados desde 2003. Já no primeiro ano da nova gestão houve atraso no pagamento dos professores, problemas na manutenção física dos campi, além da alteração currícular visando homogeneizar o ensino nas duas instituições. Para Joelle Rouchou, professora do curso de Jornalismo da UniverCidade, foi um processo gradativo de deterioração: “Era perceptível o desalento em todas as unidades. Uma situação precária, com falta de limpeza nos banheiros, elevadores quebrados. Por fim, chegaram a retirar todos os computadores dos laboratórios, o que nos obrigou a dar aulas na sala da coordenação do curso”, lamenta. Os alunos, por sua vez, tentaram estreitar os laços com a man-

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Foto: Gabriel Esteves/ALERJ

Alunos protestam em audiência pública da CPI das Universidades

tenedora criando um endereço eletrônico para receber reclamações, como requerimentos sem resposta e falhas no atendimento, repassados diretamente à direção da Galileo. Durante a primeira paralisação dos professores, no primeiro semestre de 2012, uma comissão de vinte alunos de diversas graduação criou o DCE Sete de Setembro, orgão de representação discente e de apoio às reivindicações de mestres e funcionários. O movimento, que realizou diversos eventos e atos públicos, culminou na Assembleia Geral sobre a UniverCidade em Brasília, em outubro de 2013, com a participação da presidente do DCE, Letícia Portugal. No Senado, o grupo apresentou a situação de cerca de 3.000 funcionários e 9.500 estudantes. Após mais um ano de anormalidades e três greves, foi instaurada na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro a CPI das Universidades Privadas, deferida pelos deputados estaduais Robson Leite (PT) e Pau-

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lo Ramos (PSOL), que investigou irregularidades nas instituições de todo o estado. O relatório final encaminhou pedido de intervenção do Governo Federal nas instituições, a exclusão de unidades de ensino superior com pendências trabalhistas do processo de transferência assistida e a proibição que Sociedades Anônimas se transformem em mantenedoras de Universidades. Também foram enviados ao Ministério Público pedidos de indiciamento de seis pessoas, entre elas, Márcio André Mendes Costa, à frente do Grupo Galileo entre 2010 e 2012, e do pastor Adenor Gonçalves dos Santos, presidente adminstrativo da Galileo Educacional. Relator do documento, o deputado Robson Leite defende estender as investigações a outros estados, onde problemas semelhantes ocorrem: “O objetivo é provocar em Brasília um debate sobre a mercantilização do ensino superior, além da criação de uma CPI nacional, podendo assim complementar nos-

so trabalho e encontrar irregularidades em institutos de ensino supeior (IES) privados por todo o país”. Após o caso, o Governo Federal en­ viou projeto de lei ao congresso criando o Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior (INSAES), autarquia vincula­ da ao Ministério da Educação que ficará responsável por supervisionar a qualidade das IES em todo o território nacional, evitando novos casos como o da Galileo. A medida, no entanto, não resolve o problema de alunos e funcionários das duas unidades de ensino. Letícia relata que a situação segue complicada para a maioria, inclusive ela: “Muitos alunos estão sem documentação ainda. A UniverCidade não as entregou e nem encaminhou para a IES receptora, como estava previsto. Também temos casos de alunos que, ao fazerem a transferência assistida, perderam suas bolsas. Muitos, como eu, se formaram mas não têm diploma”. Para a presidente do DCE não há muito mais que o orgão possa fazer além de repassar informações aos ex-alunos. No início deste ano, documentos de centenas de estudantes foram encontrados em sacos de lixo em frente à unidade da Gama Filho em Madureira. Os salários continuam atrasados, de acordo com o publicitário e ex-professor da UniverCidade, Henrique Morici, que admite ainda estar se recuperando financeiramente do golpe sofrido.

Ilustração de Gabriel Faza


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