Editorial
Alhos & Bugalhos
O Casarão está em greve Não uma greve de braços cruzados, mas uma greve de portas abertas à discussão dos problemas que impactam nossa comunidade. E nada mais urgente e necessário que debater a situação da universidade. São muitos os problemas que atrapalham a estrutura e o funcionamento, principalmente agora, com o contingenciamento de verbas decretado pelo governo federal. Dentre as várias áreas, uma, em especial, põe em risco a permanência dos alunos: os programas de bolsa universitária. Levantamos os números de concessões em 2015 e em 2014 e o resultado não é animador, principalmente num cenário de expansão do número de vagas nos cursos. E num momento crítico da sociedade, em que a intolerância e o preconceito espreitam a democracia, nossas páginas se abrem para discutir as novas configurações familiares e a contribuição das telenovelas no debate sobre a diversidade sexual. Falando em preconceito, nossa capa vai contemplar a aprovação da polêmica PEC 171/93, que reduz a maioridade penal para os 16 anos e questionar: em que medida o medo da violência se encontra com a marginalização histórica do negro no Brasil. E para completar, uma reportagem especial vai mostrar um projeto da UFF que atende jovens quilombolas e ribeirinhos da cidade de Oriximiná, interior do Pará, num curso pré-vestibular. Gente que cruza um rio para ficar mais perto de um sonho. E você, onde seus sonhos se cruzam com os nossos? Entre, aprecie e sinta-se em casa.
Publicação Laboratorial do Curso de Comunicação Social Orientação: Carla Baiense (18788 MTb) e Ildo Nascimento Reportagem e fotografia: André Borba, Fernanda Ramos, Juliana Caldeira, Julianna Prado, Júnior Borsoi, Letycia Cardoso, Luiza Calaça, Rafael Bolsoni, Thayane Guimarães, Wladimir Lenin e Yuri Fernandes. Ilustração: Arthur Figueiredo jornalocasarao.com ocasarao12@gmail.com fb.com/jornalocasarao issuu.com/ocasarao
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Re-vo-lu-ção as sílabas que faltam Por Júnior Borsoi
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evo dizer que está impossível não notar: o ar está difícil de respirar. Pesado, como aquilo que passamos a carregar nos ombros: insegurança, medo e pânico. Fato... não há como negar. Uma preocupação constante e avassaladora em classificar tudo e todos, criando estereótipos e fazendo vítimas diariamente. O que importa não é o nascer de uma vida, mas a morte da mesma, caso ela não se encaixe nos padrões que um dia alguém produziu e hoje reproduzem com ignorância, sem saber ao menos a origem do tal pensamento. Embora sejamos gratos pela vida que temos, também lamentamos pela inconstância e a falta de bom senso de quem deveria ser um espelho para a sociedade. Usar terno e gravata virou sinônimo de ganância e essência corruptiva. Virou chacota, piada e ironia, mas que ninguém é levado ao cume de uma risada. Lágrimas escorrem e percorrem o caminho que nosso coração sustenta, bombeando sangue e vida; vida banhada de sangue. Estamos amargurados e sem aquele fôlego que nos trouxe até aqui. Na verdade, sentimos como se tudo fosse um apelo por uma “revolução”: - Que venha! Andaremos a pé, como os homens das cavernas, já que somos tão selvagens e animais feridos pelos abutres famintos. Derramaremos o sal de nossos olhos na terra roxa e espancada pelos murros repressores. Se alguém estiver nos vendo, digo sem dúvida aparente: - Não queremos a sua atenção, mas sim a tensão, a quebra, o incomum e nosso “mundo” de volta. Sair da zona de conforto que se instaurou e abandonar nosso próprio ego. Sairemos das cavernas e esconderijos, deixando de ser público para ser povo. É preciso respirar com nossos próprios pulmões, andar com nossas pernas e errar com nossas imperfeições. Sacudir a poeira, mas limpar a casa, ordenar os pensamentos e apagar a luz antes de sair. Como se tudo fosse uma “revolução”... Re-vo-lu-ção. Coração que bate e chora pela mãe que se foi; pelo suor de outras mães; pelo fim dos “nãos”; pelo início da “revolução”. A bandeira será a união! Abrir mão de ser uma aparente fortaleza e assumir a condição de seres- humanos, capazes de muitos atos, mas de principalmente de sofrer angústias, decepções e arcar com as próprias falhas. Assumir que temos um coração carente e necessitado de cuidados. Acabar com os momentos líquidos de falsas alegrias que escorrem pelas mãos, e depois ser castigado pela solidão de um quarto, cujo o único a te enxergar é sempre o teto desabando sobre a cabeça. A quem diga adeus e peça a Deus, porém no fim de tudo, só queremos o fim da hipocrisia, e a paixão ardente da “revolução”. no. onze - agosto de 2015
A MARGEM DO RIO
Na sala de paredes pichadas e descascadas, dois ventiladores que ameaçavam cair tentavam aplacar o calor do verão da região Amazônica, onde os termômetros oscilam entre 30 e 31 graus
Por Julianna Prado
Eram sete horas da noite quando começou a aula de Biologia em uma das salas da Escola Municipal Senador Lameira Bittencourt, em Oriximiná, município do interior do Pará. No espaço, apenas duas das seis lâmpadas funcionavam. Mas tudo isso deixava de ter importância à medida que a luz ia se apagando e a projeção dos slides dava início à aula sobre Evolução Humana. nº onze - agosto de 2015
Enquanto o professor Jocinei dos Santos começava a explicação, alguns alunos faziam suas anotações; outros, não desgrudavam do celular. “Tento contribuir da melhor forma possível para que esses alunos consigam alcançar o sonho deles, que é entrar numa universidade”, contou o educador, formado em bacharelado e licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pará (UFPA).
Jocinei é um dos voluntários do projeto “Pré-Universitário Oficina do Saber”, mantido pela Universidade Federal Fluminense (UFF), no campus avançado de Oriximiná, pequeno município paraense de 67.939 habitantes, segundo o IBGE. O pré-vestibular, iniciado em 2012, é um dos 10 projetos universitários desenvolvidos pela UFF na cidade e beneficia, em média, 60 alunos por ano. São jovens e adultos que querem competir por uma vaga nas universidades públicas da região, mas que não têm condições de pagar um curso preparatório. Os alunos, principalmente os que não moram em Oriximiná, enfrentam um longo caminho até a sala de aula, cedida para o projeto pela secretaria municipal de Educação. Alguns che-
gam a pé, outros, de moto, de carro, e há os que vêm de barco, de comunidades ribeirinhas ou quilombolas. Dos 19 alunos presentes naquela aula de Biologia, somente dois eram do sexo masculino. Na turma, liderada por mulheres, havia muitas histórias diferentes, mas pelo menos um objetivo em comum: conquistar uma vida melhor, através do conhecimento. Era o caso de Maria de Fátima dos Santos Lopes, mãe de cinco filhos, divorciada, que esperou mais de dez anos para voltar aos estudos e terminar o Ensino Básico. Em 2007, aos 37 anos, a dona de casa recebeu o diploma, na única unidade do Ensino Médio em Oriximiná, na época. Ficou sabendo do pré-vestibular e fez a prova de seleção junto com o filho, Fer3
nando Luís Lopes. Ficou em 66º lugar e só pode ingressar no projeto depois da desistência de outros candidatos. A determinação da mãe foi também um incentivo a mais para o filho. “Íamos juntos na moto, não tinha como ele faltar, porque eu estava sempre presente. Ele via o esforço que eu estava fazendo e se empenhava em fazer o melhor”, conta a estudante, cujo filho foi aprovado, em 2013, no curso de Matemática da Universidade Federal do Oeste do Pará/Santarém (UFOPA). Atracando no porto Desde 1972 a UFF mantém a Unidade Avançada José Veríssimo (UAJV) na Amazônia Legal, localizada em Oriximiná, vinculada à Pró-Reitoria de Extensão da universidade (PROEX-UFF). Nesta mesma unidade, diversos projetos de extensão, pesquisa e ensino são desenvolvidos para que os estudantes universitários tenham a oportunidade de ter um treinamento profissional e de alguma forma contribuam com a comunidade. Segundo o coordenador do prévestibular, Paulo Ribeiro, toda metodologia desenvolvida no Rio de Ja neir o foi levada para Oriximiná. As apostilas são preparadas pelo projeto e o aluno não tem despesa com o material didático e com o curso. “Convidamos alguns alunos voluntários do projeto em Niterói e levamos para Oriximiná, junto com a nossa metodologia de ensino de pré-vestibular. Fazemos um treinamento com
os professores do local, que também são voluntários, para que o ensino seja padrão em ambas unidades. Se algum dia a UFF não puder dar continuidade ao projeto, a metodologia fica e a gente só faz a tutoria com os professores”, contou Paulo. A maior parte dos professores é de alunos recém-formados de universidades públicas do Pará, que apoiam o projeto. Segundo Ribeiro, o déficit de professores na rede pública de Ensino Básico no Pará dificulta a realização de outras parcerias. A procura pelo curso é alta, sobretudo entre jovens de 16 a 25 anos. No segundo ano do projeto, em 2013, 200 inscrições foram realizadas. Todos os inscritos passaram por uma prova de conhecimentos gerais e uma entrevista. Foi durante as entrevistas de seleção que o coordenador pode entender o que leva essas pessoas a fazerem o curso; e a maneira como eles respondem é a mais clara possível. “Um dia escutei o seguinte: estou terminando o Ensino Médio, moro em uma comunidade quilombola. Mesmo com as políticas de cotas, eu não tenho condições de entrar numa universidade pública. Com essa chance eu posso ser, talvez, o único membro da minha família a ter um curso superior e, assim, mudar o rumo da família. Caso contrário, minha vida vai se resumir ao que meu pai é e ao que a minha família sempre foi”, descreveu Ribeiro, que ressalta que desde o primeiro
“Dar aula aqui é diferente . É um ato de amor ” Naura Figueiredo
ano do projeto houve a aprovação de alunos nas universidades UFPA, UFN e UFOPA- campus de Santarém. A conquista do giz Filha de uma dona de casa e um paisagista, Leonara dos Santos Cordeiro tinha 19 anos quando terminou o terceiro ano do Ensino Médio na escola Estadual de Ensino Médio Dr. Almir Gabriel, uma das unidades estaduais do município, mas não conseguiu ser aprovada no Enem. Com o sonho de se tornar engenheira ambiental, Leonara ficou sabendo da oportunidade do projeto “Pré-universitário Oficina do Saber” e se inscreveu. “Desde o Ensino Médio eu já sabia que eu queria, mas ainda batia aquela dúvida do que eu realmente iria cursar. Fiz planos para entrar na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), já que meu irmão fez Engenharia Química lá e disse que foi uma ótima faculdade e também, claro, pela proximidade da casa de parentes naquela região.”, disse a ex-estudante do projeto, que foi aprovada em 2014 no curso Técnico em Segurança no Trabalho do Centro de Ensino Literatus, em Manaus.
Barco: o meio de transporte das comunidades escolares 4
Com múltiplas tarefas, a mãe e professora de Geografia da unidade ribeirinha Santa Maria Goretti Naura Cunha de Figueiredo é também uma das voluntárias no projeto Pré-universitário Oficina do
Saber. De segunda a sexta, Naura e outras professoras acordam às cinco da manhã e tomam café no barco, que faz um trajeto de duas horas, passando para pegar todas as crianças da escola, até chegar na comunidade do Jacupá, onde fica a escola. Uma vez na semana, além de passar quatro horas dentro do barco fazendo o trajeto de ida e vinda entre Oriximiná e a escola ribeirinha, Naura ainda dá aulas no projeto da UFF, quando chega ao município. “Estou no Pré-universitário Oficina do Saber desde o início. Cheguei aqui por intermédio da minha filha, que na época estava cursando esse projeto preparatório para o vestibular, e me informou que havia carência de professor de Geografia. Aí, eu me ofereci para ser voluntária”, contou Naura, que leciona há 19 anos. A professora lembra que o projeto supre uma lacuna na formação dos alunos da região. “Na verdade, o ensino público aqui é muito lento. Tem momentos que não há professores quase o semestre inteiro, deixando o ensino dos alunos completamente defasado”, resumiu a professora. Segundo dados da Secretaria Municipal de Educação de Oriximiná, em 2013 a cidade mantinha 91 escolas do Ensino Fundamental e dois colégios estaduais de Ensino Médio. Ao todo, 3.168 alunos foram matriculados no terceiro ano do Ensino Médio naquele mesmo ano. Nessas duas unidades de educação, foram disponibilizadas dez turmas, com 40 alunos cada. no. onze - agosto de 2015
Diploma
Corte de 4 milhões de reais mensais
Redução afeta concessão de bolsas, bandejão, pagamento de fornecedores e terceirizados Por Wladimir Lenin
A Universidade Federal Fluminen se (UFF) sofre em 2015 um corte orçamentário por meio do Decreto nº 8.389, de 7 de janeiro de 2015, da presidente da república, que determinou um contingenciamento de 30% dos recursos das universidades. Em 2014, eram repassados pelo Ministério da Educação R$ 12 milhões mensais, reduzidos agora para R$ 8 milhões. Os repasses são para custeio - paga mento de terceirizados, de contas, compra de materiais, viagens e diárias. Estão fora do contingenciamento obras, investimentos e pagamento de pessoal do quadro efetivo. Segundo o pró-reitor de Gestão Pessoal, Túlio Franco, o corte não afetou os recursos voltados para área educacional. “Uma coisa nós conseguimos assegurar, que foram os recursos para a unidade de ensino, eles não foram afetados. Nós economizamos no funcionamento administrativo”, afirmou pró-reitor em entrevista para o Casarão. Para outras instâncias representativas, no entanto, a redução de recursos implica em uma série de problemas na universidade - como o corte de pagamento de terceirizados, diminuição de bolsas, queda na qualidade da formação do universitário e problemas de infraestrutura. “Nós do nº onze - agosto de 2015
DCE fazemos proposições no sentido de defender que o recurso não pode ser cortado”, esclareceu o diretor do Diretório Central dos Estudantes da UFF (DCE) Felipe Garcez. Bolsas No levantamento feito pelo Ca sarão constata-se o declínio na con cessão de bolsas de extensão, 409 foram concedidas pela Proex em 2014. Em 2015, o número caiu para 360, ou seja, houve diminuição de 12%. A aluna de jornalismo Gabriela Balestrero foi uma das prejudicadas pelo corte. Ela participou, entre agosto e dezembro de 2014, do projeto “Extensão em Foco”, revista sobre os projetos de extensão da UFF, e não teve sua bolsa renovada. “Houve um corte de verbas na reitoria e o coordenador não conseguiu renovar todas as bolsas do projeto”, disse Gabriela, que esperava permanece mais tempo na revista, onde tinha a oportunidade de exercitar a prática jornalística. Outras áreas tiveram que fazer cortes. A divisão de monitoria concedeu 1200 bolsas no ano passado. Para esse, foram 1100, uma queda de 8%. A Proaes disponibilizou o mesmo número de bolsas do ano passado, fazendo corte somente nas bolsas emergenciais. Em 2014, a Pró-Reitoria disponibilizava 150 bolsas, que
eram concedidas em situações como morte de um familiar, desemprego recente ou doença. Para esse ano, o número foi ajustado para 25, somente 17% do que era concedido no ano anterior. Já o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) teve um aumento. Foi a única divisão que apresentou um crescimento, de 0,3%. No ano passado, foram concedidas 648, nesse, 650. A divisão de estágio não divulgou o número de bolsas concedidas. A coordenadora de apoio social, Cláudia Macedo, explica que não houve um corte de bolsas, mas sim um redimensionamento dos valores. Segundo Cláudia, as bolsas emergenciais estavam sendo usadas por aqueles que não conseguiam entrar em outras bolsas de assistência por motivos como documentação incompleta. Esses alunos que tinham o processo indeferido recorriam à bolsa emergencial, visto que esta modalidade não fecha edital, ou seja, a qualquer momento pode ser requerida. “Em abril, tivemos 70 pedidos para bolsas (emergencial) e nós atendemos oito”, disse a coordenadora. A bolsa emergencial, assim como, as demais oferecidas pela Pró-Reitoria, como auxilio saúde, auxilio alimentação, auxilio moradia e acolhimento estudantil, tem o valor de R$ 400,00
e é mantida pelo Plano Nacional Assistência Estudantil (PNAES), que repassa os valores para a Proaes. O valor das bolsas emergenciais que foram reduzidas não foi incorporado nas demais bolsas, pois, segundo a coordenadora de apoio social, o volume de bolsas oferecidas supre a demanda da Universidade. O montante, que é de R$ 50 mil, foi realocado para o restaurante universitário e manutenção da moradia. Já a Aduff interpreta o corte bolsas como prejudicial para a formação do aluno, e defende a ampliação do número de bolsas para que o estudante tenha condições de permanecer na Universidade e não somente de entrar. “Sempre que há corte, diminui a possibilidade de o aluno ter uma formação mais completa e mais alargada”, disse Renata Vereza. Insuficiência A universidade recebeu 4.895 va gas para os diversos cursos esse semestre. No ano passado foram 9.249. As bolsas de assistência atingem 8,7% dos alunos. O bandejão universitário da praia vermelha está fechado desde o início deste ano. O bandejão do Gragoatá parou por quatro dias, de 12 a 15 de maio, por causa do atraso no pagamento dos terceirizados. A moradia estudantil possui 368 vagas 5
para 42.810 alunos ativos, ou seja, mediante o aumento do número de somente 0,9% dos alunos são benevagas, proporcionado pelo Reuni, não ficiados pelo programa. A presidente se concretizou. Os Planos de Reestruturação das Universidades Federeda Aduff, Renata Vereza, diz que o ais (Reuni) foi instituído pelo Decreto orçamento não acompanhou o crescimento do número de alunos. “Esse nº 6.096, de 24 de abril de 2007, e é crescimento demanda infraestrutura, uma das ações que integram o Plano de Desenvolvimento da Educação professor, assistência estudantil”. (PDE). O Reuni é programa do goSegundo ela, a UFF vive um proverno Federal que tem o objetivo de cesso de crescimento desordenado ampliar o acesso e permanência no onde os investimentos ficam aquém ensino superior. do projeto de expansão. A universidade acumula uma série de dívidas que A chapa que hoje compõe o DCE até o corte estavam sendo administradefende a expansão da Universidade das, mas com a restrição de recurso, e vê o Reuni como uma forma de ala situação se agravou a ponto de as A nova gestão da reitoria, que assumiu o comando companhias de água da universidade em dezembro do ano passado, criou e luz não realizarem uma mesa de negociação permanente para discutir os as instalações em problemas da instituição com os sindicatos e o movimento prédios novos, deestudantil. O primeiro encontro, com a representação vido às dívidas que discente, foi em 8 de maio e reuniu três integrantes da vêm se arrastando nova gestão, sob a coordenação do pró-reitor de gestão ao longo dos anos. de pessoas, Túlio Franco e Gabriel Vitorino, assessor “O corte não gera a do Reitor Sidney Mello. As pautas apresentadas pelo situação, mas acenDire tório Central dos Estudantes (DCE) incluíram tua os problemas problemas como a precarização da infraestrutura gestados”, enfatizou. nos polos do interior, insuficiência de professores, biblioteca, salas de aula e o bandejão. Renata Vereza lembra que a proDo polo de Rio das Ostras, a estudante de Psicologia messa de ampliação Kézia Bastos trouxe o problema da falta de salas de aula. Para supri-lo, a universidade dos investimentos, implantou contêineres, cujos contratos, segundo a aluna, estão vencendo. “Esse
2015
cançar a democratização da educação nas universidades. Mas admite que o programa traz consigo outros problemas, que precisam ser solucionados. “A gente tem se articulado com a rede do movimento estudantil nacional na intenção de propor leis e avanços ao Congresso, para pressionar e impedir que tenha esses possíveis cortes na educação”, explica o diretor do DCE, Felipe Garcez. A vice coordenadora do Mestrado em Mídia e Cotidiano, Denise Tavares, acredita que o capitalismo enfrenta crises cíclicas, e que esse
corte nada mais é do uma consequência da crise provocada pelo sistema vigente. E vê o contingenciamento como uma forma de repensar os gastos da UFF. No horizonte desses tempos difíceis, mais uma novidade: a ampliação da oferta de disciplinas à distância. Durante reunião com a mesa de negociação permanente criada pela UFF (veja mais no boxe), o Diretório Acadêmico do curso de Serviço Social levantou a informação de que há um estudo para oferecer 20% da grade curricular dos cursos de graduação através dinheiro estava garantido e a gen te quer saber para de disciplinas semionde ele foi”, questionou Kézia à mesa de negociação presenciais. permanente. A renovação dos contratos foi uma hipótese Segundo a prelevantada pelo pró-reitor. sidente da Aduff, as Para a presidente da Aduff, é preciso reavaliar como a coordenações estão mesa pretende negociar. “A reitoria tem que mostrar que sendo consultadas a não é uma mesa de enrolação. Porque se a reitoria quer respeito das disciplinegociar, e se tem um problema com alguma entidade, nas obrigatórias que tem que chama-la para mesa e não processá-la, como poderiam ter equivafizeram com o Sintuff”, disse. lência com a grade do De acordo com o sindicato de funcionários da UFF, Cederj, que é um conexistem três processos movidos pela reitoria contra a sórcio entre univerorganização. “Ou existe um processo autoritário ou um sidades federais que processo de negociação. A negociação é uma fachada proporcionam cursos para dizer que o Reitor é democrático”, disse Cláudia Reis, assessora de imprensa do Sintuff. Por à distância. conta dos processos, Sintuff e Aduff resolveram retirar-se da mesa de negociação.
BOLSAS
longe do ideal
(ou os grandes números da crise)
VAGAS
4.895 ABERTAS EM TODOS OS CURSOS
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MORADIA
368 42.810 LEITOS
360 1.100 650 PROAES (-12%)
MONITORIA (-8%)
ALUNOS
VERBAS REPASSE DO MEC
PIBIC (-0,3%)
2014
2015 no. onze - agosto de 2015
Ágora
Problema de quem? Redução da maioridade penal: solução x aprofundamento da violência Por Letycia Cardoso
A redução da maioridade penal é tema recorrente em rodas de conversa. Neste momento não há como ficar em cima do muro. A sociedade divide-se em relação a como punir adolescentes infratores. O tema também está em debate no Legislativo. Após a aprovação do plenário da Câmara dos Deputados, em dois turnos, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/93 segue para avaliação dos senadores. Somente após passar pelo Senado, também em duas votações, o texto pode ser promulgado. Pesquisa realizada pelo Datafo lha, no início de abril, revelou que 87% dos brasileiros concorda com a PEC da maioridade penal, contrários à mudança são 11% e os demais são indiferentes. A consulta popular realizou 2.834 entrevistas em 171 municí pios, nas quais 47% das pessoas tinham entre 16 e 34 anos de idade. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, considerando um nível de confiança de 95%. Em 2006, o percentual era de 84% de pessoas a favor. A advogada Ana Luíza Benatti faz parte da minoria e explica seu ponto de vista. “É uma questão de reorganização político-social. Não é com formas opressivas de punição, que joguem menores em um meio não eficaz à correção, que o problema será resolvido”. Ainda para Ana Luíza, o governo deveria investir em educação, na melhoria da qualidade de vida para obter a redução dos índices de crimes em geral. Um dos argumentos utilizados pelas pessoas que concordam com a redução da maioridade penal é que, se o adolescente com 16 anos já tem condições de votar, podendo assim definir o futuro de um país, esse mesmo jovem pode responder criminalmente pelos seus atos. O educador social e ex-diretor nº onze - agosto de 2015
do Departamento Geral de Ações da Secretaria de Educação do Rio de Janeiro (Degase), Sidney Teles, contrapõe esse argumento, questionando por qual motivo o adolescente seria responsável pelos seus atos a partir dos 16 anos e, nessa mesma idade, não teria acesso a outros direitos como casar e dirigir, por exemplo. Além disso, Teles lembra que o voto aos 16 anos é facultativo, enquanto a redução da maioridade penal tornaria obrigatória a punição: “Eles vão transferir um problema da sociedade para o sistema prisional, que já está superlotado. E eles não vão construir novas unidades”. Ainda segundo Teles, uma unidade socioeducativa não tem a estrutura necessária para transformar o futuro dos jovens lá inseridos. Em geral, a correção é feita pela repressão e não pelo ensinamento. Segundo o ex-diretor, atualmente, os funcionários do Degase usam uniformes, como militares: “Isso não vai trazer nenhum resultado positivo. É nesse período que o adolescente deveria ter acesso a tudo que não teve, como cultura e educação, para que, quando adulto, possa fazer as próprias escolhas”. De acordo com os últimos dados divulgados pela Secretaria de Direitos Humanos, referentes ao Levantamento Anual da Coordenação-Geral do SINASE (SNPDCA/SDH/PR 2012),
o crime mais cometido por jovens infratores é roubo (40,01%), seguido de tráfico (23,46%) e homicídio (8,81%). Ainda de acordo com dados de 2011, disponibilizados pelo Ministério da Justiça, menos de 1% dos crimes é cometido por menores.
“É nesse período [internação] que o adolescente deveria ter acesso a tudo que não teve, (...) para que, quando adulto, possa fazer as próprias escolhas” Sidney Teles, educador social É com base nesses números que estudantes do Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e diversas outras cidades brasileiras foram às ruas expor sua discordância com a redução da maioridade penal. As marchas nos municípios uniram jovens que consideram a mudança na legislação um atraso para a sociedade brasileira. (veja mais nas págs 8 e 9) Nos Estados Unidos, a maioridade penal varia nos 50 estados, cada qual com sua própria legislação. Atualmente, apenas Nova Iorque e Carolina do Norte consideram a idade de 16 anos. Outros 11 estados adotam 17 anos
O projeto original de redução da maioridade penal é de autoria do ex-deputado federal Benedito Domingos (PP-DF), foi proposto em 1993 e ficou parado por 21 anos. Para discutir o texto, foi criada uma comissão especial no Congresso, composta em sua maioria pela “bancada da bala” - ex-militares e delegados de polícia que defendem o endurecimento de penas e a revogação do Estatuto do Desarmamento. O projeto aprovado em 17 de junho de 2015 reduz a maioridade penal para 16 anos para os seguintes crimes: homicídio doloso, lesão corporal grave, lesão corporal seguida de morte e crimes hediondos, como estupro. Após as duas votações na Câmara, o texto segue para o Senado.
como idade para um adolescente ser responsável pelos seus atos. Os critérios para a transferência de um caso da Vara de Infância para uma Corte comum variam, mas têm em geral a mesma vertente: a gravidade do crime praticado, como assassinato, estupro e assalto. Segundo essa base para a decisão da condenação, o Canadá adota maioridade penal entre 12 e 14 anos, enquanto na Austrália, a idade é fixada em 10 anos. Na pesquisa do Datafolha, 75% dos entrevistados apontaram que homicídio seria uma causa para levar à cadeia comum o menor de idade. O segundo crime mencionado foi estupro, com 41%. O Ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Pepe Vargas, se posicionou contra a redução em uma coletiva de imprensa em maio: “Não há nenhum dado concreto que mostre que a redução da maioridade penal resolve o problema de violência. Por outro lado, sabemos que nos Estados Unidos, onde houve endurecimento da pena, o problema não foi resolvido.” As Nações Unidas no Brasil também declararam a não concordância com a mudança na maioridade penal. Através de nota, afirmaram a preocupação em as infrações cometidas por adolescentes e jovens serem tratadas exclusivamente como uma questão de segurança pública. Para a ONU, esses crimes são um indicador de restrição de acesso a direitos fundamentais, à cidadania e à justiça, e, se a PEC 171/1993 for aprovada, o país poderá ter “graves consequências no presente e futuro”. Os argumentos contra e a favor do tema são muitos para decidir o futuro dos quase 20 mil adolescentes que cumprem pena em regime fechado no Brasil. 7
Capa
Redução da Maioridade Penal:
da senzala ao cárcere Por Fernanda Ramos e Thayane Guimarães
O
s passos, geralmente apressados, se tornaram mais lentos. O olhar, quase sempre fixo no trajeto rotineiro, se desviou para todas as direções. Para os trabalhadores e estudantes que caminhavam, aquele 29 de abril começou incomum. Naquele dia, praças e ruas das cidades amanheceram em coro e cores. Jovens, marcados de tinta e sonhos, voltavam as suas casas depois de uma madrugada em claro. Deixados para trás, nas paredes, chão, árvores, ares e pontos de ônibus, estavam os registros, em laranja e roxo, contra o encarceramento de meninos e meninas marcados em nascença para o destino do crime. “Menos punição, mais educação”. “Redução não é a solução”. Palavras gritadas pelo concreto da cidade. No ar, seguindo a direção do vento, as pipas simbolizavam uma juventude impedida de voar. Uma juventude negra, pobre e favelada impedida até mesmo de se pintar com as mesmas tintas e sonhos dos que ali estavam, se manifestando, em sua defesa. “Amanhecer Contra a Redução da Maioridade Penal”: a mobilização que ocupou mais de 400 praças, em todo o país, tinha o objetivo de unir faixas, cartazes, dados e vozes contra a Proposta de Ementa à Constituição (PEC) que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, até então aprovada pela Comissão Especial da Câmara criada para examinar o assunto. Agora, o texto segue para avaliação do Senado Federal, em dois turnos. Para a defensora pública Lívia Casseres, a PEC viola cláusulas pétrias da C o n s tituição 8
Federal de 1988, que estabelece um sistema de proteção integral à criança e ao adolescente. Coordenadora do Núcleo Contra a Desigualdade Racial (Nucora), da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, desde o início do ano, Lívia afirma que a garantia de direitos fundamentais não pode ser alterada pelo Congresso ou pelo Legislativo. “A Constituição existe para assegurar que exista um núcleo de garantias fundamentais, intangível, que não vai ser violado, mesmo que por vontade da maioria. Querer transpor essa barreira jurídica, do ponto de vista do Direito, é propor uma mudança de regime político. Teremos que rasgar a constituição, e fazer outra”. Embora grande parte dos brasileiros seja favorável à redução da maioridade penal, Lívia é categórica: “Mesmo que a maio-
ria da população tenha um desejo violador dos direitos fundamentais, existe o pressuposto, que é a supremacia da Constituição”. A criação do inimigo em comum Uma pesquisa realizada pelo Datafolha, no início de abril, revelou que 87% dos brasileiros é a favor da PEC 171/93, e 11% é contra a proposta. Embora a maioria da população acredite que a redução da maioridade penal possa solucionar o problema da violência no Brasil, uma pesquisa do Conselho Nacional de Justiça, realizada em 2012, desmente o argumento de que jovens sejam os principais responsáveis por crimes hediondos no país. Os dados mostram que aproximadamente 80% dos delitos cometidos por adolescentes são roubo, furto e tráfico.
Lívia Cassares acredita que a mídia é uma das principais responsáveis pela construção de um imaginário de alta periculosidade em torno do jovem em conflito com a lei. Para a defensora pública do Nucora, existe uma verdadeira campanha que leva à criação de um inimigo da sociedade brasileira. “Esse inimigo é o jovem, negro e pobre que está nas periferias, nas favelas, que está nas cadeias, no sistema socioeducativo, nos abrigos, nos manicômios e nas drogas”, afirma. O último Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), realizado em 2012 nas cidades com mais de 100 mil habitantes, mostra que, na verdade, adolescentes são as grandes vítimas de homicídios no Brasil. Segundo o relatório, mais de 42 mil adolescentes poderão ser assassinados até 2019, e adolescentes negros no. onze - agosto de 2015
ou pardos possuem aproximadamente três vezes mais chance de serem assassinados do que adolescentes brancos. Juventude marcada No Art. 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente, elaborado há exatos 25 anos, todo jovem “têm direito à proteção, à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”. No entanto, nas palavras de Lívia, o Estado não vem cumprindo com suas obrigações legais. Segundo ela, o sistema socioeducativo tem sido utilizado como medida de segurança pública, reduzindo o papel do Estado ao de manter esses jovens encarcerados, em vez de criar mecanismos de proteção e combate às causas da violência. Segundo a pesquisa, de 2011, “Pelo Direito de Viver com Dignidade – Homicídios de adolescentes em cumprimento de Medida Socioeducativa de Internação”, da Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (ANCED), em 11 estados brasileiros, foram identificadas 73 mortes em unidades socioeducativas, apenas entre os anos de 2006 e 2010.
“
Seja por falta de verba e/ ou por causa de profissionais despreparados, as instituições ressocia lizadoras não conseguem construir pontes para que outros caminhos possam ser escolhidos pelos jovens
”
Renata Winning, psicóloga
Outro estudo, feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), indica que em 34 locais pesquisados, pelo menos um adolescente nº onze - agosto de 2015
foi abusado sexualmente nos últimos 12 meses. Lívia analisa que homicídios e abusos sexuais são apenas o culminar de um processo de descaso, agressões físicas e psicológicas. “É isso que se ensina hoje no sistema socioeducativo. E quando eles perdem os valores humanos, estão cada vez mais preparados para atuar no ciclo de violência, brutalidade e, no futuro, quando se tornarem maiores de idade, ingressarem no sistema penal propriamente dito.” A mesma problemática é apontada por Renata Winning, do Centro de Atenção Psicossocial Infantil/Infantojuvenil de São Paulo e ex-psicóloga da Fundação CASA, um dos órgãos estatais para cumprimento de medidas socioeducativas. Com a experiência de quem já vivenciou o dia-a-dia da instituição, ela afirma que muitos direitos previstos no ECA permanecem violados, e isso vai na contramão do projeto de ressocialização e, a longo prazo, da diminuição da violência. Quanto às possíveis causas da ineficácia desse sistema, Renata destaca: “Seja por falta de verba e/ou por causa de profissionais despreparados, as instituições ressocializadoras não conseguem construir pontes para que outros caminhos possam ser escolhidos pelos jovens”. Defensores da redução da maioridade penal frequentemente recorrem ao argumento de que adolescentes em conflito com a lei podem escolher seus caminhos, e optam pela vida do crime. No entanto, Renata destaca a contradição por trás destas palavras: “a maioria é pobre, negra, mono parental, pois a mãe passa o dia inteiro trabalhando e dispõe de pouco tempo para acompanhar a rotina do filho. Grande parte está fora da escola e não tem subsídios para construir outro projeto de vida.” A infração, desta forma, transforma-se em um caminho através do qual esses jovens podem experimentar outro
modo de vida, com capacidade de consumo e inserção em uma sociedade baseada no poder aquisitivo, mesmo que por pouco tempo. “A consequência da escolha deles pode ser, inclusive, uma vida curta. Eles sabem disso. Se estão ‘optando’ por isso é porque certamente não tiveram opções melhores.” Presídio tem cor No Brasil, tanto o assassinato quanto o encarceramento de jovens e adultos tem cor e classe social. É o que apontam os dados do Mapa do Encarceramento de 2014, da Secretaria Nacional de Juventude, ao denunciar que, já em 2002, morreram 73% mais pessoas negras do que brancas. E, ao longo dos anos, a situação só se agravou. Comparando com o ano de 2012, nota-se que esse índice subiu para 146,5%. A situação da juventude é ainda mais grave. O mapa constata que “para cada jovem branco que morre assassinado, morrem 2,7 jovens negros.” A situação nos presídios não é diferente. O mesmo estudo aponta que o encarceramento de negros foi 1,5 vez maior do que o de brancos, no período analisado. Embora o próprio Estado reconheça a existência da desigualdade racial, agravada nos últimos anos, a defensora pública Lívia Casseres afirma que ele é o maior responsável pela manutenção do racismo em suas instituições. Esse é o principal motivo para que, no entendimento de Lívia, a proposta de redução da maioridade penal constitua uma medida de continuidade do Estado genocida contra uma população: a população negra. Para ela, esta é a forma mais eficiente de manter, estruturalmente, um sistema de desigualdades: matando, criminalizando, silenciando por meio de UPPs, milícias, tráfico e ações dos poderes Executivo, Judiciário e Legislativo.
Voa, juventude De um lado, o Estado genocida e uma sociedade a favor da redução da maioridade penal. Do outro, em pequenas manifestações de revolta e resistência, os gritos contra a manutenção da desigualdade racial e em defesa da juventude negra. Além do Amanhecer Contra a Redução da Maioridade Penal, outras campanhas com o mesmo caráter já ocuparam as ruas da cidade do Rio de Janeiro e do país. Em 2014, as campanhas Jovem Negro Vivo, da Anistia Internacional, e Juventude Marcada para Viver, do Observatório de Favelas, tinham a intenção de chamar a atenção pública e romper com a indiferença diante dos dados inquestionáveis sobre o extermínio de jovens negros. Esta última, do Observatório, espalhou pelo chão da praça da Carioca, no centro do cidade, imagens pintadas, representando crianças mortas, para mostrar uma realidade pouco visível aos olhos de quem não vive nas favelas e comunidades do Brasil: a incerteza quanto à própria sobrevivência. Mas o jovem negro, exterminado, insiste em existir. Para além de qualquer campanha, nas palavras do escritor Marcelo Caetano, homem negro e transexual nascido na periferia de São Paulo, o ritmo e a poesia são manifestações e meios de resistência do povo marginalizado. “Sempre foi o ritmo que nos manteve vivos. Nós que fomos, pelos navios despatriados, pelos senhores humilhados, pelo chicote machucados, pelo Estado abandonados, pela pobreza destroçados, pela polícia espancados, pelos justiceiros amarrados, pelo genocídio aniquilados.” Em cada letra de música, em cada pichação nos centros urbanos, está a marca da indignação daqueles que são e sempre foram esquecidos pelo Estado. Impedidos de voar. 9
Estante
A telenovela sai do armário No dia 22 de abril deste ano, na novela ‘Babilônia’, foi ao ar um acontecimento comum e quase que obrigatório em todo folhetim: o casamento! No dia 18 de julho de 2014, na telenovela ‘Em Família’, outro casal já havia subido ao altar. Mas apesar da tradição, os matrimônios em questão eram diferentes. Não eram duas noivas, e sim quatro. Estela (Nathalia Timberg) e Teresa (Fernanda Montenegro). Marina (Tainá Muller) e Clara (Giovana Antonelli). “Em nome da lei, eu as declaro, casadas. A partir de agora vocês formam uma família legítima, perante a nossa sociedade e a nossa lei civil”, disse a juíza na cerimônia que uniu as personagens de “Em Família”. Mas engana-se quem acha que isso é só coisa de novela. De acordo com o Censo Demográfico 2010, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem mais de 60 mil casais homossexuais. Em 2013, o país registrou 3.701 casamentos homoafetivos, segundo as Estatísticas de Registro Civil. Desses, 52% foram entre mulheres e 48% entre homens. Naquele ano, uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou
que os cartórios realizassem a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Na medida em que os homossexuais conseguem avançar na conquista de seus direitos, a telenovela ‘sai do armário’ e passa a retratar e discutir de forma menos periférica as novas estruturas familiares, o amor entre homoafetivos e o preconceito que ainda cerca essas questões. Mas qual é, de fato, a importância dessas abordagens para a comunidade gay, para a teledramaturgia e para a sociedade?
“Muitas pessoas não teriam acesso a esse tipo de amor se não fosse via telenovela” Guilherme Fernandes Na vida real... De casa, Tatiani Oliveira, 33 anos, e Lumara Kerry, 23, assistiam emocionadas à cena de Marina e Clara. “Eu chorei, nos vimos lá”, relata Tatiani. Emoção que foi maior porque dois meses depois, no dia 11 de setembro, foi a vez de trocarem alianças. Foi o primeiro casamento homoafetivo rea-
Mesmo enfrentando resistência dos mais conservadores, gênero televisivo mais popular do Brasil promove o debate sobre relações homoafetivas a partir de tramas mais aprofundadas e personagens no centro da narrativa
lizado em Miraí, cidade no interior de Minas Gerais, onde elas moram. “Me sinto mais representada pelas novelas. As abordagens ho moafetivas estão mais sutis, verdadeiras e nada sub entendido”, afirma a diretora de projetos educacionais Tatiani. Para o professor de teledramaturgia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Guilherme Fernandes, a telenovela, ao retratar o amor entre pessoas do mesmo sexo como algo legítimo, contribui para a diminuição do preconceito. “Muitas pessoas não teriam acesso a esse tipo de amor [homoafetivo] se não fosse via telenovela”, ele explica. Transformações De acordo com pesquisadores, a primeira telenovela a ter um personagem homossexual foi “Assim Na Terra Como No Céu” (1970), de Dias Gomes. Ary Fontoura interpretava o costureiro Rodolfo Augusto, que era apresentado, na época, como “afeminado”. Ainda na década de 70, os personagens gays eram construídos, basicamente, com base em estereótipos e não raro estavam relacionados com a criminalidade. Em “O Rebu” (1974),
1981
1970
Assim na Terra como no Céu: Primeira novela com um personagem gay: o costureiro Rodolfo Augusto.
Por Yuri Fernandes
1974
O Rebu: Conrad e Cauê, o primeiro casal homossexual.
Brilhante, de Gilberto Braga: o protagonismo gay de Inácio (Dennis Carvalho). Na época, a censura proibiu o uso da expressão ‘homossexual’.
Conrad Mahler (Ziembonski) se relacionava com o michê Cauê (Buza Ferraz) e assassinou a mulher por quem o namorado havia se apaixononado. Em “O Astro” (1977-1988), Henri (José Luis Rodi) ajuda o amigo, para com o qual nutria desejos sexuais, a assassinar Salomão Hayalla. Mas de lá para cá, muita coisa mudou. Desde 2002, a partir de “Mulheres Apaixonadas” todas as tramas das 21h exibidas pela Rede Globo possuem pelo menos um personagem LGBT, com exceção apenas de “Caminho das Índias”. E foi a partir dessa abordagem que a homossexualidade deixou de ser um tabu na família de G. Ferreira, 29 anos. “Eu nunca contei para minha mãe. Vivi bastante tempo escondido sim”, diz o jornalista. Mas com o passar do tempo, as coisas foram mudando. E, segundo ele, um fator foi fundamental: a telenovela. “Minha mãe assiste muito a novelas e uma vez chegou a comentar comigo, durante uma cena, que passou a ver a homossexualidade com naturalidade. Disse que se um dia um filho dela fosse, ela iria apoiar. Isso aconteceu antes de ela me perguntar se eu era gay”, lembra.
1998
1988
Vale Tudo: A homossexualidade feminina abordada de forma séria.
1995
A Próxima Vítima: O ator André Gonçalves foi agredido em virtude da condição do seu personagem.
Torre de Babel: A íntima relação de Rafaela e Leila é retratada de forma direta, desagradando parte do público. As personagens acabaram morrendo de forma trágica na explosão de um shopping center.
2004
Senhora do Destino: Jenifer e Eleonora adotam criança encontrada em uma lata de lixo.
O legado de ‘Amor à Vida’ A cena a que G. Ferreira se refere era da trama ‘Amor à Vida’, de Walcyr Carrasco. O casal vivido por Félix (Matheus Solano) e Niko (Thiago Fragoso) conquistou o público e, de certa forma, na reta final da história, eles passaram a formar o par protagonista. No último capítulo, exibido no dia 31 de janeiro de 2014, houve o tão comentado beijo. O primeiro entre pessoas do mesmo sexo exibido numa novela da emissora. “A telenovela acompanha a evolução da sociedade. Este tema precisava maturar na sociedade. E o tempo chegou. Foi assim com a separação de casais, quando saiu a lei do divórcio, nos anos 70, foi assim com a emancipação feminina e foi assim com as manifestações populares contra o governo nos anos 90”, lembra o crítico de teledramaturgia Nilson Xavier. Para os especialistas, ‘Amor à Vi da’ é, sem dúvida, um grande marco. “A começar por termos um protagonista homossexual - o último havia sido o Inácio (Dennis Carvalho) em ‘Brilhante’, de1983. A cena do beijo foi um grande ápice e comoveu a todos. Vale lembrar que em 1963, na telepeça ‘Calúnia’, Vida Alves e Georgia Gomide deram um selinho”, completa o professor de teledramaturgia Guilherme Fernandes. Amor e Revolução Apesar de toda a tradição da Rede Globo na produção de telenovelas, foi no SBT que pela primeira vez foi exibido o beijo homoafetivo. A trama era “Amor e Revolução”, o ano, 2012 e o autor, Tiago Santiago, responsável por alguns dos maiores sucessos da Record em teledramaturgia. Os
na história do gênero, como em “Torre de Babel” (1998), onde o público não aprovou o casal formado pelas atrizes Christiane Torloni e Sílvia Pfeifer e os personagens morreram após uma explosão de um shopping. Em “América” (2005), um beijo entre os personagens de Bruno Gagliasso e Eron Cordeiro chegou a ser gravado e seria exibido no último capítulo da trama. A expectativa era grande, porém, a cena foi cortada pela emissora.
Tatiani e Lumara se casaram pouco tempo depois de Marina e Clara, de ‘Em Família’
O outro lado da história Em “Babilônia”, novela das 21h da Rede Globo, com as personagens Teresa e Estela, não só o amor homossexual na terceira idade é retratado, mas também o preconceito dos mais conservadores em relação às famílias homoafetivas. Com isso a temática voltou a ficar em evidência. As duas demonstraram cenas de afeto logo no primeiro capítulo. Os congresistas da Frente Parlamentar Evangélica chegaram a divulgar uma nota oficial
protagonistas do beijo foram Marina (Gisele Tigre) e Marcela (Luciana Vendramini). Tiago, que tem o desejo de explorar mais a questão homoafetiva em projetos futuros, espera que com o tempo a abordagem seja mais aberta. “O debate sobre a diversidade sexual proposto atualmente nas tramas é crescentemente 2006 aprofundado, mas ainda superAdoção: Justiça concede o direito ficial. Acredito que a telenovela de adoção a casais homossexuais, pode contribuir e ajudar a comcom certidões de nascimento bater a homofobia”, analisa nas quais constam o nome o autor. Sobre os fatores que do casal adotante. levam a aceitação ou não dos 2010 personagens homossexuais Imposto de Renda: Procuradorianas novelas, ele comenta: “Do Geral da Fazenda Nacional garante ponto de vista da estratégia, o direito aos homossexuais de incluir o acredito que o público deve companheiro(a) como dependente. primeiro gostar, depois torcer 2010 pelas personagens, antes de INSS: Decreto garante a homossexuais ver a intimidade física”. É válidireito à pensão pela morte de seu do lembrar que houve momencônjuge. tos de rejeição ou de censura
... e na sociedade
de repúdio ao beijo dado pelas personagens. Assinado pelo deputado federal João Campos (PSDB-GO), o documento afirmava que a novela tem a “clara intenção de afrontar os cristãos”. A telenovela sofreu várias alterações. Outro casal gay seria formado pelos atores Marcos Pasquim e Marcello Melo Jr., porém o rumo dos personagens foram alterados. Guilherme Fernandes, vê com naturalidade a resistência dos segmentos mais conservadores da sociedade. “Como os casais e personagens homossexuais têm recebido desta que muito grande no âmbito da narrativa, é natural que o público conservador se manifeste com força maior. Não acredito que a telenovela forme homofóbicos ou que contribua para a manifestação do preconceito”, comenta o professor. “Novela é entretenimento, este é o seu principal objetivo. Mas, como uma poderosa arma formadora de opinião que é, pode conscientizar”, conclui Nilson Xavier. 2011 União Estável: Supremo Tribunal Federal reconhece o registro das uniões estáveis de casais homossexuais, com os mesmos direitos que os heterossexuais. 2012 Licença-maternidade: INSS concede o benefício a um pai adotivo que vive em união estável homossexual. 2013 Casamento civil gay: Conselho Nacional de Justiça aprova resolução que obriga cartórios de todo o país a converterem uniões estáveis homoafetivas em casamentos civis.
2015
2005
América: Beijo entre os personagens Júnior e Zeca é cortado do último capítulo da novela.
2010
Insensato Coração: A trama foi a primeira a apresentar um núcleo gay e denúncia contra a homofobia.
2013
2012
Amor e Revolução: exibiu o primeiro beijo homoafetivo.
Amor à Vida: Félix e Niko, os protagonistas gays, cativaram o público que torceu por um final feliz. O beijo entre os dois foi o primeiro mostrado em uma produção da Globo.
2014
Em Família: Clara e Marina vivenciam cenas de afeto e se casam com o apoio das famílias.
2015 Sete Vidas: Novela retrata novas estruturas familiares e o preconceito contra as uniões homoafetivas.
Babilônia: A homossexualidade na terceira idade. As personagens Estela e Teresa lidam com o conservadorismo da sociedade.
Diploma
O jornalismo esportivo tem por hábito ignorar temas como política e financiamento esportivo, esporte amador e, no Brasil, até os preparativos para a Copa do Mundo e Olimpíadas sediados no país. Os profissionais da área tampouco costumam consultar mais de uma fonte, além de perpetuarem a hegemonia do gênero masculino na autoria e no foco das matérias. Estas conclusões foram tiradas a partir da pesquisa “International Sports Press Survey” (ISPS - Pesquisa Internacional sobre a Imprensa Esportiva), feita por dois acadêmicos alemães, em parceria com um instituto de pesquisa esportiva independente, financiado pelo Ministério da Cultura da Dinamarca. (Ver gráfico). O que esperar então deste mercado? Como as Olimpíadas influenciarão na rotina destes jornalistas habituados a falar só de futebol? Qual o legado destes megaeventos para os profissionais? Como aproveitar os quatro anos de formação da melhor forma possível? O sonho de ser jogador A relação com o jornalismo esportivo da ex-aluna da UFF, Camile Mourão, teve início com uma forte ligação com o esporte. “Fui atleta da seleção de nado sincronizado por mais de dez anos. Depois do Pan de Santo Domingo, decidi encerrar minha carreira esportiva e iniciar - de fato - a jornalística”, contou a produtora de esportes da TV Globo. As histórias sobre a paixão por esporte transformando-se em carreira profissional se repetem. “Desde pequeno, eu, minha família e meus professores sabíamos que eu seria jornalista. A paixão pelo esporte, principalmente pelo futebol, nunca me deixou fugir desse sonho”, contou o estudante da Universidade Cândido Mendes, Pedro Chilingue. Já Miler Alves, aluno da UFRJ, sonha mais alto. “Eu sempre quis trabalhar com 12
Bola na t rav e e o Edson Mauro entanto, enxerga o lado positivo da futebol. Jogador estão finalizando escassez “A falta de recursos ajuda a não dava. Se fosse para ter um a carreira. Quem exercitar a criatividade. Saber como Por Luíza Calaça sonho hoje, eu vai narrar? Nós driblar essa escassez vai ser um diferencial na vida de um profissional”, queria ser técnitemos o Hugo co. Mas eu vi que trabalhar com jornaexplicou, com bom humor. Lago, que é excelente, mas ainda fallismo é muito bom, então, decide ser ta um pouquinho para ser um deles. O grande diferencial da UFF na jornalista”. Independente do subgênero - esporticarreira de Collin foi o poder de revo, literário, econômico - falta comuniMuitos, porém, acabam confunflexão adquirido durante a formação. cador no mercado”, afirmou taxativo. dindo este sentimento com vocação “Eu entrei no estágio sem saber a parSe vira nos 30 te técnica. Mas isso você aprende na jornalística. Apesar de ajudar muito, prática. Meu diferencial é pensar mais entender de esporte apenas não é A falta de equipamentos e recursos nas coisas”, explicou. Quando o assuficiente. “Tem que fazer direito, tem nas universidades públicas, e muitas sunto é a falta de uma disciplina de que ter carinho, cuidado, tem que ser vezes, até mesmo de professor, prejujornalismo esportivo na faculdade, ele jornalista. Gostar de esporte é mole”, dicam a formação profissional dos esnão hesita: “Graças a Deus que não afirmou Collin Vieira, produtor dos catudantes. Na UFF, por exemplo, notanais Sportv. temos”. E explica: “Eu não acho que se uma melhora em relação há alguns a academia tem que formar ninguém O jornalista esportivo precisa coanos atrás. Na época em que Collin para o mercado. Ela tem que formar nhecer o produto com o qual trabalha: estudava na Federal Fluminense, não bons profissionais em comunicação e o esporte. Isso inclui não só regras, havia equipamentos de audiovisual em jornalismo. O mercado vai te forcomo história, e principalmente, as que possibilitassem aulas práticas. necer as ferramentas”. pessoas - atletas, técnicos e preparaApesar do avanço, a falta de câmeras O professor da Faculdade de Codores. “Pela experiência do dia-a-dia, filmadoras e fotográficas, microfones municação Social da UERJ, Fábio as histórias mais bacanas acabam e um estúdio capaz de suportar a demanda segue atrapalhando o procesMário Iorio, criou o Curso de Especiasendo as de personagens, as histórias por trás dos grandes resultados: so produtivo dos alunos. Camile, no lização em Jornalismo Esportivo, com como o atleta chegou lá, quem o apoiou e foi importante em sua vida”, explicou Foram analisadas 18.340 matérias de 81 jornais, de abril a julho de 2011, de países Camile. como Austrália, Brasil, Canadá, Dinamarca, Inglaterra, França, Alemanha, Grécia, África No entanto, a pesquisa do Sul, Índia, Malásia, Nepal, Nova Zelândia, Polônia, Portugal, Romênia, Escócia, CinIFPS mostrou que 77% das gapura, República Eslovaca, Eslovênia, Suíça Francesa, Suíça Alemã e Estados Unidos. matérias publicadas versam sobre três assuntos: resultados ou crônicas de jogos (de futebol ou não); performance esportiva e prévias de competições. Enquanto política e financiamento esportivo corresponderam a apenas 5,8%. E ainda, em mais de 40% dos artigos analisados, apenas uma fonte foi ouvida e uma em cada quatro matérias não usou fonte alguma. O jornalista e diretor da Escola de Rádio, Ruy Jobim, alerta para a falta de comunicadores. “Não tem comunicador esportivo. O Garotinho no. onze - agosto de 2015
cada dez alunos matriculados um é mulher, o que para Ruy é um complicador. “A mulher não se vê neste papel. É muito complicado você ter uma turma assim. Ela já pensa ‘O que eu to fazendo aqui?’”. Ele completou ainMulheres em campo da ressaltando a importância da atituO aumento da participação das de da mulher “Voz feminina tem. Falta mulheres no jornalismo esportivo tomar o microfone de assalto e narainda não é suficiente para diminuir rar uma partida”. Parece ser só uma a discrepância em relação à particiquestão de tempo. pação dos homens. A pesquisa IFPS Experiência Olímpica mostrou que a cobertura das matérias O ciclo iniciado em 2007, com o no período foi feita quase que excluos jogos Pan Americanos no Rio de sivamente por eles: apenas 11% dos Janeiro, faz parte de um momento artigos analisados foram escritos por único para os profissionais atuantes. mulheres. A experiência dos jornalistas no merSe na frente das câmeras, atrás cado de trabalho brasileiro é o que vai dos microfones e nas redações as ficar de legado para a área, segundo mulheres vêm conquistando seu eso produtor do Sportv, Tadeu Sartório paço, na cobertura ao vivo sua partici“A quantidade de jornalistas que tivepação ainda é reduzida. “Transmissão ram a oportunidade de cobrir a Copa aqui, você não vê uma mulher fazene as Olimpíadas é enorme. Talvez se do. Não tem uma câmera mulher. eu me formasse daqui a dois anos, eu É um ambiente masculino”, contou levasse dez para ter a oportunidade Collin. Ele lembrou, ainda, sua expede cobrir estes eventos”. Ele expliriência durante os Jogos de Londres. cou ainda, que apesar de ocorrerem “Eu me lembro em Londres que a câde quatro em quatro anos, quando mera principal do vôlei de praia era são no exterior, apenas uma parte da uma mulher baixinha, em cima de um equipe é enviada para cobertura. Já banco. Aqui a gente não tem isso”. quando acontecem no Brasil, mobiliza No cenário radiofônico, Ruy Jobim todos que trabalham nas empresas enxerga a inserção da mulher como de comunicação. uma necessidade do mercado “Nós A proximidade dos Jogos cria uma precisamos ter locutoras narrando os expectativa entre os estudantes pela jogos. Até a rádio Globo já percebeu criação de novas oportunidades. Enisso”. Ele se refere ao concurso Gaquanto os estudantes Thiago Silva rota da Voz, organizado pela rádio em e Pedro Chilingue não estão espe2014, para escolher uma voz feminina rançosos, Miller Alves, estagiário do para narração. Esporte Interativo, percebe essa moNo curso de narração esportivo vimentação na empresa, principaloferecido pela Escola de Rádio, de mente no setor de esportes olímpicos. “Fato é que o setor de esportes olímpicos contratou bastante gente, e eles preO estudo mostrou que o futebol foi a modalidade mais noticiada pelos jornais no tendem contratar mais”, período, com 40,5% das publicações. O tênis, segundo esporte mais abordado, afirmou o estudante. ficou com o índice de 7,6%. No Brasil, o futebol foi tema de 74,6% das matérias, A produtora do núcleo enquanto o segundo esporte mais veiculado foi a Fórmula 1, com 3,3%. olímpico da Rede Globo, Camile, e que acompanha de perto os preparativos para os Jogos, afirma que as vagas surgirão “Não apenas na área de jornalismo, como também em assessorias de imprensa, comitê 2016 e empresas que - direta ou indiretamente - estarão envolvidas com os Jogos”. É o que também percebe o idealizador do Jo gada Ensaiada, Diogo “A movimentação é baixa, mas específica. Quem conseguir entender dos início em agosto. O curso é resultado de uma demanda dos graduados na UERJ e de outros Institutos de Educação Superior. Na opinião do professor, a disciplina de jornalismo esportivo se tornou muito importante dentro do curso de jornalismo. “Na UERJ, a mudança curricular recém implantada colocou a disciplina de jornalismo esportivo como obrigatória”. Ele acredita, ainda, que as referências bibliográficas que vêm sendo desenvolvidas servirão de suporte teórico e didático para a disciplina. Sem oportunidades como esta ofe recida por Fábio, ou a disciplina de Jornalismo Esportivo na UFRJ, os alunos acabam recorrendo a cursos de extensão. “Óbvio que seria bom ter um curso de jornalismo esportivo, mas na nossa faculdade isso é impossível. Tem um curso na FACHA que abre de vez em quando e se abrir este ano eu pretendo fazer para ter mais uma base”, contou a estudante da Fluminense Renata Amaral. O curso ao qual ela se refere é o Jogada Ensaiada (JE). Um dos idealizadores do projeto, Diogo Santarém, explicou sua origem. “O projeto surgiu de uma demanda de alunos que chegavam à redação e não sabiam o que fazer. Vendo essas dúvidas, a gente pensou ‘como ajudar estas pessoas para que isso não aconteça?’”. O JE é um projeto acadêmico vinculado a um veículo de comunicação em formato de site. O curso forma mais ou menos 25 alunos por semestre e o objetivo é aproximar a sala de aula do mercado de trabalho. “O curso busca passar técnicas e o funcio-
nº onze - agosto de 2015
namento do dia a dia para os alunos, e ainda oferecer a oportunidade de colaborarem com o portal, chegando mais bem preparados ao mercado de trabalho”.
esportes que estarão nas Olimpíadas pode ter uma chance maior de conseguir alguma coisa”. O comunicador Ruy Jobim é direto sobre o assunto. “Com certeza vai crescer. Nós não vamos só falar de futebol, mas de todas as modalidades”. E o mercado não buscará apenas profissionais experientes. “Nós precisamos de gente nova, moderna e rápida”, afirmou o também professor. Questionado sobre as possíveis mudanças no mercado que o evento pode proporcionar, Collin demonstrou sua preocupação. “Eu acho que o mercado inflou antes. Com certeza vai ter alguma movimentação, mas eu não sei o tamanho e o que significa. E é temporário. Eu pessoalmente tenho um temor muito grande pós Olímpico”, disse. Fato é que a mídia esportiva terá que passar por um processo de reinvenção depois deste ciclo de nove anos. “A gente não pode voltar a como era em 2005, de jeito nenhum”, completou Collin. Profissionais em campo A expectativa e o medo de não estar preparado para o que o mercado profissional tem a oferecer é grande. Os produtores Collin e Tadeu passaram sua visão da área e deram algumas dicas do que nós, estudantes, podemos esperar e temos a oferecer. “Tem que se entregar, tem que sofrer no começo com algumas coisas que você vai fazer e ver se você gosta daquilo e se tem um propósito. Mirar um objetivo e ter paciência, desde que não signifique perder o seu objetivo. E tentar colocar a sua assinatura nas coisas. Passar um pouco do que você pensa para o produto”. Quando o assunto é televisão, Collin é mais enfático e específico. “O profissional de televisão tem que saber fazer tudo, principalmente lidar com as pessoas. E querer fazer tudo: filmar, editar, produzir, fazer texto, editar texto, começar a entender de fotografia, ver muito filme, trazer exemplos de outras coisas, ir à exposição de arte, ler muito, andar sem fone na rua”. Ele compartilhou ainda o que para ele foi um dos maiores aprendizados profissionais até hoje. “Um antigo chefe meu dizia que o profissional que o que teu chefe quer é um cara capaz de tomar decisão. Que diante de um problema consiga criar soluções. Os profissionais chegam muito passivos no mercado”. Segundo ele, é do que o mercado sente mais falta hoje em dia. 13
Identidades
Lei sancionada pela Presidente Dilma abre novas perspectivas no reconhecimento de paternidade Por Juliana Caldeira
Desde 1973 vigorou a lei, apoiada na tradição e costume, em que somente o pai poderia registrar o nascimento do filho, enquanto hipoteticamente a mãe se recuperava do parto. Além de apontar uma questão de “honra, respeito e prova de masculinidade”, esse ritual fazia parte também das comemorações pela chegada de um novo membro da família, onde o pai exibia com orgulho a certidão do filho com seu nome e sobrenome. Com o passar dos anos, a concepção imposta pela sociedade da tradicional família composta por “pai, mãe e filho”, foi caindo por terra. O número de casais que mantiveram casamento e lar intactos foi diminuindo com o passar dos anos, apontando que essa tradição já não existe mais com tanta força. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010, o percentual de famílias reconstituídas, que fogem do perfil convencional, somavam em torno de 16%. Até então, de acordo com o Censo e com a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) do ano 2000, o Brasil era constituído quase que integralmente por casais com filhos, embora não fosse possível saber, através das pesquisas, se do mesmo pai e da mesma mãe. Reconhecendo essa mudança, no dia 31 de março, a Presidente Dilma Roussef colocou em vigor a lei 13.112, que permite à mulher, em igualdade de condições, proceder ao registro de nascimento de seu filho, alterando o Artigo 52,
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da lei 6.015/73 (lei de Registros Públicos), equiparando, assim, mães e pais quanto à obrigação de registrar o recém-nascido. De acordo com o advogado Luiz Octávio Rocha Miranda, especialista em Direito de Família, a vantagem que essa nova lei traz é enorme, principalmente para a criança. “Antes, se o pai se recusasse a assumir, a mãe era obrigada a mover uma ação de investigação de paternidade e o juiz poderia até determinar a realização do exame de DNA. Com a nova lei, a mãe comparece ao cartório e, caso queira, indica o nome do pai e o registro é lavrado. Caso o pai discorde, terá que mover uma ação negatória de paternidade para anulação do registro, na qual obrigatoriamente terá de se submeter ao exame de DNA.”, esclarece Luiz Octavio. Antigamente, somente o pai poderia registrar a criança, e somente na impossibilidade dele a mãe poderia fazê-lo. Porém, nesse caso, a certidão da criança ficava incompleta, com o nome do pai e dos avós paternos omitidos. A secretária Ana Luiza das Neves, 32 anos, passou por uma situação parecida em maio do ano passado. Ao dar à luz Maria Clara, ficou sem saber ao certo como prosseguir com o processo de registro da menina, já que o pai não quis assumir a criança, ainda durante a gravidez. “Li muito a respeito, pois isso era uma questão que me preocupava. Sei que a certidão é um documento super importante, pois sem ela a criança não tem acesso a
direitos básicos, como ao sistema de saúde, por exemplo. Morria de medo de não conseguir registrá-la assim que nascesse, e ela tivesse algum problema e eu não pudesse fazer nada legalmente para ajudá-la.”, conta a secretária. Luiz Octávio garante que não é bem assim que o sistema judiciário funciona. “As mães solteiras podiam registrar a criança em seu nome, bastando apresentar a Declaração de Nascido Vivo (DNV) emitida pela maternidade. O problema é que a criança tinha uma certidão de nascimento que não continha nem o nome do pai nem dos avós paternos”, explica. “Quando Maria nasceu não tive nenhuma restrição para obter a certidão dela. Peguei o papel que recebi no hospital e fui ao cartório. Realmente existe a lacuna em branco no nome do pai e avós paternos, e essa é uma questão que precisará ser muito bem trabalhada com ela ao longo dos anos. Não chego a me sentir culpada e frustrada por ter engravidado e o rapaz não ter assumido minha filha, pois ela é um ver dadeiro presente. Mas sim, existe um frio na barriga só de pensar quando ela perguntar sobre o pai, ou o porquê dele ter nos abandonado.”, diz Ana. Para a terapeuta familiar Leonor Ramos Chaves, a mãe que foi abandonada pelo parceiro durante essa fase tão delicada e especial, e que por conta desse abandono às vezes se torna complicada e dolorosa, deve buscar entender o seu sofrimento e o
papel dessa criança em sua vida, também investindo na autoestima dela e do filho. “A criança será sempre uma lembrança da relação com esse “pai” e a frustração vivida. Para que isso não ocorra, o vínculo “mãe e filho” deve ser muito fortalecido e a ligação da mãe com a criança deve ser estabelecida de forma a proteger ambos do trauma vivido. Muitas mães vítimas de abandono passam a vida falando mal dessa figura paterna, enfatizando o episódio, como se já não bastasse a dor sentida. A verdade com simplicidade e no momento adequado é a melhor explicação que se pode dar”, aconselha Leonor. Amigos e familiares tem papel fundamental como a base e o apoio para mãe e filho desde o nascimento do bebê. Ana Luiza conta que no início de sua gestação alguns familiares a criticaram muito, mas que aos poucos todos foram associando a gravidez à chegada de Maria Clara e mudaram de ideia. “Sofri muito no início, pois não só alguns amigos, mas parentes meus torceram o nariz para a situação, como se eu tivesse feito tudo de propósito e tivesse culpa. Ninguém espera se relacionar com alguém, engravidar, e não ter o apoio do parceiro. Hoje, a Clarinha é a luz da família e só nos trouxe alegria”, acrescenta a secretária. “A mãe precisa desenvolver muito o amor pelo filho para apagar as marcas do passado e buscar apoio nas redes de amigos e familiares para auxiliá-la nessa nova missão: cuidar
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do seu filho e de si sem o apoio de uma figura paterna”, completa a terapeuta Leonor. Ainda segundo a pesquisa realizada pelo IBGE, o número de mulheres solteiras com filhos também aumentou significativamente, de 11 para 16%, entre 2000 e 2010. Muitas vezes, porém, as mulheres escolhem ter seus filhos sozinhas, sem ajuda ou apoio financeiro e emocional de um parceiro. Na maioria dos casos de “produção independente”, a mulher procura engravidar depois de se estabilizar na carreira e na vida pessoal, e muitas vezes através de clínicas de fertilização. Ocorre porém, em algumas situações, de a mulher engravidar acidentalm ente e mesmo assim resolve levar a situação adiante, não contando para seu parceiro que está esperando um bebê. Foi o que aconteceu com professora de inglês Laís Araujo, de 28 anos. Laís teve um rápido relacionamento e há pouco mais de um mês descobriu que havia engravidado. Resolveu seguir com a gravidez e não comunicou ao rapaz com quem se relacionou. A atitude no início assustou principalmente a família da professora. “Alguns até foram e ainda são contra, pois não entendem como posso registrar e criar um filho sem o pai. A vontade de ser mãe vem desde criança. Entretanto, na adolescência, comecei a me questionar sobre porque deveria me casar ou ter um relacionamento estável para só depois ter um filho”, conta. A nova lei sancionada pela Presidente facilitará o processo de registro do filho de Laís, apesar de não diferenciar muito da antiga nesse ponnº onze - agosto de 2015
to. “Basta que a mãe compareça ao cartório com a DNV da maternidade e registre a criança somente em seu nome, o trâmite é o mesmo”, conclui o advogado Luiz Octávio. O preconceito com a mãe que decide criar seu filho sozinha ainda é muito grande, principalmente porque muitos não entendem porque uma mulher opta por gerar um filho sem o apoio do parceiro. “Ainda somos uma sociedade patriarcal e machista. Há, sim, preconceito contra as mães solteiras”, aponta Leonor. “Todavia, não há como saber se a mulher que opta pela produção independente está no caminho certo e pronta para assumir os riscos e responsabilidades que a maternidade traz. A produção independente pode estar a serviço da carência afetiva, do medo de ficar sozinha, das pressões sociais, religiosas e familiares”, completa a terapeuta. Vencendo barreiras A pesquisa realizada pelo IBGE e pelo Censo em 2010 apontou também outra novidade: pela primeira vez, os órgãos abriram a possibilidade de registro de cônjuge ou companheiro do mesmo sexo que o responsável pelo domicílio. Foram identificados cerca de 58 mil residências ocupadas por casais homossexuais, representando aproximadamente 0,1% do total de unidades domésticas. Embora o estado civil predominante entre os casais homoafetivos seja o de solteiros (82%), 13% estão casados, mostrando que as novas configurações familiares estão cada vez mais fortes na nossa sociedade. O bancário aposentado Carlos Alberto Marques, de 62 anos, e o pro
fessor de panificação André Luiz de Souza, 41, são exemplo de que uma família não precisa seguir os moldes ditos convencionais para ser feliz. Casados há dez anos, resolveram adotar duas meninas, completando assim a família que sonhavam. “Eu tenho duas filhas biológicas, já adultas, e como meu companheiro nunca teve filhos, resolvemos adotar. Durante uma reunião do grupo que frequentávamos, o Quintal da Casa de Ana, em Niterói, fomos convidados para conhecer duas meninas, irmãs, que estavam abrigadas em Vila Valqueire e tinham na ocasião 5 e 7 anos. Foi amor à primeira vista de ambas as partes, e saímos de lá com a certeza que ficaríamos juntos para sempre”, conta Carlos Alberto. O processo de adoção transcorreu normalmente. De acordo com Carlos, todos os procedimentos foram feitos sem questionamentos a respeito da opção sexual deles. Foram solicitados documentos como atestados de saúde, contracheques, comprovantes de residência, entre outros, para o pedido em conjunto da habilitação para adoção. O casal foi um dos primeiros com união homoafetiva a iniciar um processo de adoção, em julho de 2009. Após três reuniões com um grupo de 20 pretendentes, casados ou solteiros, para discussões e dinâmicas, seguiram para avaliações sociais e psicológicas, e só então foram aprovados para uma nova etapa: entrevistas individuais e em conjunto, com psicológos e assistentes sociais. Depois de visitas domiciliares secretas e marcadas, pre cisaram aguardar todos os laudos e documentos que foram enviados ao juizado que concorda ou não se o ca-
sal está apto para adoção, processo intitulado de “habilitação”. “Desde o processo de habilitação, tínhamos muitas inseguranças. Mas não fomos questionados quanto à nossa opção sexual e tudo transcorreu da maneira natural, comum a qualquer um que entra nesse processo...”, acrescenta Carlos. Uma dúvida recorrente quando o assunto é adoção por casais homoafetivos é sobre o registro das crianças após o processo. “Após 11 meses de guarda provisória, a juíza deferiu a adoção definitiva, em maio de 2010. Com isso, foram emitidas novas certidões com a nova filiação, novos nomes e sobrenomes, novos avós”, conta. Mas nem o próprio cartório sabia como fazer os novos registros. Como registrar uma criança sem o nome da mãe e com dois pais? Como ficam os avós? Foi preciso intervenção da juíza para que eles emitissem os documentos. “Até hoje a Receita Federal não tem seus computadores prontos para isso, pois trabalha com a base em “mãe”, já que considera que uma criança pode não ter ‘pai’ mas sempre terá ‘mãe’”, explica Carlos Alberto. Quando questionado sobre essas configurações familiares que fogem das tradicionais, Carlos acredita que “família” é um ato de amor e assim deve ser. “Quantas famílias ditas ‘tradicionais’ não estão bem e não são felizes? O que transforma pessoas que estão juntas em ‘família’ é o amor que as une. Conheço vários casais homoafetivos, sejam dois homens ou duas mulheres, que adotaram crianças, até três de uma vez. Isso é amor, isso é ‘família’”, finaliza. 15
Limoeiro
Especulação Imobiliária desenfreada causa perda de vegetação no bairro
Tratando mal a freguesia Por Rafael Bolsoni
“A flora carioca foi desde os tempos coloniais devastada pelo homem, quer para construção, quer para lenha e carvão, transformando a exuberante vegetação secular em depauperada capoeira” (...) Assim é preciso que o governo proíba esses abusos, pois, sem a sistematização do corte e o replantio obrigatório, estaremos perdidos” (O Sertão Carioca, relato de Magalhães Corrêa sobre suas andanças pela Baixada de Jacarepaguá entre 1931 e 1932) “O que está acontecendo aqui?”, foi o que se perguntou a arquiteta urbanista Gisela Santana, ao olhar para o banco de seu carro e contar 14 folders de propagandas de prédios residenciais. “Venha morar na rua mais arborizada de Jacarepaguá”. “Viva na maior ilha de tranquilidade do Rio de Janeiro. Freguesia: a parte mais nobre de Jacarepaguá”. O susto ocorreu por volta de 2005. Naquele ano, a Região Administrativa (R.A.) de Jacarepaguá registrou a venda de 296 unidades imobiliárias, aproximadamente 11% do total de vendas em toda a cidade do Rio de Janeiro. Era o começo de um boom imobiliário nos dez bairros da R.A., cujos efeitos
estão sendo percebidos até hoje: trânsito intenso, ilhas de calor e diminuição na qualidade de vida dos moradores. De Sertão Carioca, como ficou conhecida na primeira metade do século XX, a Baixada de Jacarepaguá virou selva. De pedra. Conhecida por seus sítios e áreas verdes, a Freguesia foi um dos bairros da região que mais se modificaram nos últimos dez anos. Para quem acompanhou de perto este processo, as mudanças ocorridas no “Leblon de Jacarepaguá” são fruto do Projeto de Estruturação Urbana dos bairros da Freguesia, Pechincha, Tanque e Taquara, o chamado PEU Taquara, de julho de 2004. De acordo com suas diretrizes, o projeto deveria ordenar as construções e o espaço urbano dos quatro bairros. Mas, na prática, ocorreu o inverso: ao aumentar o número máximo de pavimentos permitido em diversas ruas, o PEU Taquara possibilitou a expansão do mercado imobiliário, principalmente na Freguesia. “A Linha Amarela já existia à época (1997), então, a Freguesia virou aquele bairro que está ‘a um passo da Barra’, no caminho para a zona norte
e para o centro (via Grajaú-Jacarepaguá). Além disso, havia muitos sítios e grandes terrenos por aqui”, ressaltou o vice-presidente da Associação de Moradores e Amigos da Freguesia (AMAF), Jorge da Costa Pinto, morador do bairro desde 1952. A Freguesia acabou virando a “menina dos olhos” do setor imobiliário. “O que atraía e ainda atrai as pessoas é esse aspecto tranquilo, bucólico e próximo à natureza. Mas acabaram destruindo os encantamentos que ajudaram a vender o bairro. Não há verde para todo mundo”, disse Gisela Santana. Segundo informações da Secretaria Municipal de Urbanismo, a perda de cobertura arbóreo-arbustiva na Freguesia, entre 2004 e 2011/2012, foi de aproximadamente 25 hectares (o equivalente a cinco campos de futebol). Para a arquiteta urbanista, a expansão do bairro impulsionada pela lei ocorreu de forma desordenada. “Há uma série de incoerências nesse projeto. O Esta tuto da Cidade, uma lei federal, deveria ter servido de guia para o PEU, uma lei municipal. De acordo com a lei não pode haver aprovação desmedida de empreendimentos se o bairro não oferecer uma infraestrutura condizen-
te (saneamento, transporte, escolas). Não foi o que se viu”, revelou Gisela. Após anos de mobilização, a AMAF e outros representantes da sociedade civil conseguiram, em novembro do ano passado, a aprovação de um decreto que transformou a Freguesia em Sítio de Relevante Interesse Ambiental e Paisagístico. Com a medida, o gabarito foi revisto e a expansão, contida. Mas, para a Coordenadora da Comissão de Meio Ambiente de Jacarepaguá, Núbia Corrêa, a resposta veio tarde demais. “Não existe mais espaço físico para construir nada. Do que esse decreto vai adiantar?”, indagou a Coordenadora. Para ela, o ideal seria uma revisão no PEU Taquara como um todo. “O decreto vale apenas para a Freguesia. Para piorar, as obras que supostamente já tinham licenciamento não foram afetadas”. No último relatório de unidades imobiliárias vendidas na cidade, divulgado pela Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-RJ), Jacarepaguá liderava o ran king com 913 unidades somente no primeiro semestre de 2014. “É desgastante, você rema contra uma maré muito forte”, lamentou Gisela.
JACAREPAGUÁ
uma em cada cinco unidades imobiliárias vendidas entre 2004 e 2013, na cidade do Rio
FREGUESIA
Área total 1.039 hectares Perda vegetal (2004/2012) 24,68 hectares (equivalente a 25 campos de futebol)
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Nove anos depois da criação do PEU, era baixado o Decreto n° 38057, que reconhecia: “a perda de área vegetada ocorrida no bairro desde o início da intensificação do processo de sua ocupação, após a aprovação da Lei Complementar 70, de 06 de julho de 2004”;
“o recente processo de adensamento desse bairro, com padrões urbanísticos que comprometem a manutenção da qualidade ambiental, põe em risco a paisagem urbana e qualidade de vida do bairro da Freguesia”.
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