Editorial
A
rnaldo Antunes, vocalista da banda Titãs,
Sabe-se que uma está diretamente atrelada à outra.
instiga uma discussão sobre a condução de experiências
compôs a canção “O pulso ainda pulsa”. Na
Sem saúde não se conquista qualidade de vida. A
com células-tronco, sua repercussão jurídica e social.
letra, cita doenças como peste bubônica,
vida, em si, se move e se mantém em função dos
Parturição e hanseníase são termos que reportam
câncer, pneumonia, raiva, rubéola, cistite, disritmia,
alvos de estudo, descobertas e atenção da Medicina
à antiguidade, mas que chamam a atenção, mesmo
hérnia, pediculose, tétano, hipocrisia, tuberculose e
pela atuação de seus profissionais, habilitados nas
hoje, para a medicina moderna e têm curiosidades
anemia. Mas o autor não poupa citações e continua
mais distintas áreas. Ponderando essa máxima, a
que são aqui destacadas.
a listar outros males que afetam a humanindade. E
publicação nacional que você, caro leitor, tem em
Odisseia da Medicina detém igual espaço para
acrescenta: rancor, cisticircose, caxumba, difteria,
mãos, revista Odisseia da Medicina, surge com a
a tentativa do desvendar essa engenhoca que é a
encefalite, faringite, gripe e leucemia...
proposta de intercambiar informações pertinentes
mente humana. Para tanto, remete à sua análise
ao tema saúde, ingrediente capaz de garantir a
pontos ligados à esquizofrenia, à dislexia ou mesmo
obtenção da sonhada qualidade de vida.
à mania de doenças - chamada “pesquisitices”,
É interessante como o refrão reafirma que, apesar de tudo, o pulso ainda pulsa. Ele, no entanto, coloca em trocadilho rímico que o “corpo ainda é pouco, e
Nesta edição, Odisseia da Medicina traz temas
como trata o psicanalista e articulista Jorge Forbes,
o corpo ainda é corpo”, na resistência a enfermidades
que permeiam questões atuais, como é o caso da
um dos criadores da Escola Brasileira de Psicanálise .
fisiológicas ou psicológicas.
Gripe A (vírus H1N1), numa tentativa de levar à
É com a meta de proporcionar a você, leitor,
Esse pulsar insistente poderia ser interpretado
discussão seu enigma e o alarde mundial diante da
informações de ponta, com a colaboração de arti-
como um resultado da ação também da ciência e
doença, alarde esse rebatido por Antônio Carlos Lopes,
culistas de diversas vertentes, que a revista Odisseia
da medicina, que existem e se movem com a missão
Presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica.
da Medicina lhe deseja muita saúde!
de manter a vida viva. Todos buscamos saúde e qualidade de vida.
A
Da mesma forma, a edição revela como a cardiologia vê a relação entre o cálcio e o coração e, ainda,
Boa Leitura!
rnaldo Antunes, singer and songwriter of the
We all seek health and quality of life. We know
and the heart. Also, it brings a discussion on the
famous Brazilian rock band “Titãs”, wrote a
that those two things come together. Indeed, a person
current status of stem cell research, together with
song titled “O pulso ainda pulsa” (“the pulse
with poor health cannot achieve quality of life. In
its legal and social implications.
beats”). The lyrics has a long list of fatal diseases:
order to give the best service to society, health care
Pregnancy and hansen’s disease are known
bubonic plague, cancer, measles, rabies, tetanus,
professionals of all specialties seek information:
since antiquity. Nevertheless, they still attract the
tuberculosis. It goes on with mumps, diphtheria,
up to date news on the recent developments
attention of modern medical sciences. We show
influenza, leukemia and many other life threatening,
in medical sciences. Under that guidance, we
some interesting facts about these two topics.
dreadful maladies. Among them, the author adds
present this new publication, “revista Odisseia
“Odisseia da Medicina” reserves several pages
undesirable patterns of behavior, such as hypocrisy,
da Medicina”, to you with a goal: exchange
to try and unravel the mystery of the human mind.
which can be equally dangerous diseases of the mind.
information related to all aspects of health, an
This issue brings the opinion of psychologist and
essential element in quality of life.
writer Jorge Forbes, one of the founders of the
Interestingly, the stanzas are interspersed with the same chorus line that gives title to the song:
In this issue, “Odisseia da Medicina” brings a wide
Brazilian School of Psychoanalysis. He draws parallels
despite everything, the pulse beats. Alliterations
selection of topics of current interest. One of them
with schizophrenia, dyslexia and even the so-called
and play with words continue with “o corpo
is the novel H1N1 flu outbreak, where we present
“disease mania”.
ainda é pouco e o corpo ainda é corpo” (“the
the open issues related to this new influenza strain
With this collection of articles, authored by
body is only that, and the body is still body”).
and the widely publicized fear that it could cause
experts in the most varied areas of and around
Those stanzas call attention to the strength of the
a pandemic of far reaching proportions, critically
Medicine, and with the goal of providing cutting-
body against physiological and mental diseases.
discussed by Antônio Carlos Lopes, President of the
edge information on health-related topics, magazine
We can also interpret this beating of the body
Brazilian Medical Clinic Society.
“Odisseia da Medicina” salutes you!
as a representation of science and medicine,
In the sequence, we show how cardiology cur-
that evolve with the mission of keeping life alive.
rently understands the relationship between calcium
2
ODISSEIA DA MEDICINA
Enjoy the reading!
Sumário
Ano I - nº 1 - Outubro-2009 Editor Geral Kléber Oliveira Veloso
Especial
Dermatologia
Ética
Psicologia
Cardiologia
Educação
Fonoaudiologia
Ginecologia e Obstetrícia
Ortopedia
Plano de Saúde
Automedicação
Câncer
Psiquiatria
Água
Esquizofrenia
Células-tronco
Gripe A - Atenção desproporcional e medo desnecessário
Corrupção e crise ética
Um raio-x da hanseníase
A preparação para a morte
Editora-Assistente Rackel Naves Jornalista Responsável
Coração e o enigma do cálcio
A diferença entre psiquiatra, psicólogo e psicanalista
Sueli Raul - DRT-GO/ 011263JP Redação Técnica Natércia Fonseca Tradução Murilo Tiago
Desvendando a dislexia
O poder da coluna vertebral
Parturição: uma história interessante
Como fica esse plano após a saída do emprego?
Projeto Gráfico Juliano Pimenta Fagundes Designer
Um problema da cultura e a saúde pessoal
Prevenção com exercícios diários
Gaspar Pereira Fotografia Edmar Wellington - MTb 1842 Marketing Raquel Lagares 00 55 (62) 8470-5370/8545-0028 A revista Odisseia da Medicina é uma publicação mensal da Agência de Publicidade e de Propaganda Odisseia Comunicação. A revista não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigos assinados. É proibida a reprodução, em quaisquer modalidades, do seu conteúdo sem a autorização dos titulares dos direitos autorais. ODISSEIA COMUNICAÇÃO CNPJ 11.026.604/0001-23 Rua Humaitá, Qd. 11, Lt. 4, nº 248, Bairro Ipiranga. Goiânia. Brasil. CEP 74.453-120 www.odisseiacomunicacao.com.br
Pesquisitices: mania de doenças
Fator de risco e violência
A sua importância
Implicações médicas e jurídicas
Especial
Gripe A Atenção desproporcional e medo desnecessário Antônio Carlos Lopes
F
érias escolares prorrogadas, pessoas com medo de sair de casa até para compras básicas, cidades proibindo a aglomeração de pessoas
em locais fechados e sem ventilação. Enfim, pânico generalizado por conta da gripe A. Inicialmente denominada gripe suína, a infecção
causada pelo vírus H1N1 vem desafiando a saúde
ANTÔNIO CARLOS LOPES é médico. Doutor em Cardiologia pela Universidade Estadual de São Paulo. É professor e Presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica.
pública mundial e alarmando as pessoas, dada
rência na divulgação das informações, para colocar
les em tratamento para aids ou em uso regular de
sua rápida disseminação desde que apareceram as
fim ao medo desproporcional.
corticosteróides.
primeiras manifestações, em abril.
Em primeiro lugar, os números atribuídos até
Estas informações são extremamente importantes
Dados recentes da Organização Mundial
agora a essa virose podem não estar corretos, já
e fatalmente revelariam que a gripe comum, no Brasil,
de Saúde (OMS) apuram mais de 100 mil casos
que existe a dúvida se todos os casos anunciados
ainda atinge – e mata - muito mais pessoas do que
confirmados e milhares de mortes. Só no Brasil, o
são realmente de gripe A. Em segundo lugar, é
a nova gripe. A gripe comum, durante o inverno,
número aproximado de 3.000 casos não para de
preciso considerar se todas as mortes ao redor
causa cerca de 17 mortes por dia, segundo publicou
subir, ainda que a maioria absoluta dos doentes
do mundo, de fato, ocorreram apenas por conta
importante veículo de imprensa recentemente.
venha apresentando sintomas leves e moderados,
da contaminação com o vírus H1N1 ou incidiram
Superestimar a gripe A, minimizando várias
evoluindo para cura.
em pacientes portadores de outras doenças que
outras doenças ainda mais graves e preocupantes,
No entanto, com toda essa repercussão, e
favoreceram a instalação do quadro pneumônico
é um erro. Acaba desviando o foco de índices de
mesmo com a probabilidade de uma pandemia de
e suas complicações. Certamente, a maioria das
mortalidade muito mais elevados, como ocorre, por
proporções inusitadas, a opinião de especialistas
vítimas fazia parte de um “grupo de risco”: eram
exemplo, com a dengue. Aliás, essa doença não está
em saúde é unânime: a epidemia não é motivo de
pessoas com saúde debilitada, crianças ou idosos.
recebendo a devida atenção, e a Sociedade Brasileira
alarde. Conforme os casos surgem, novas estratégias
Os dados clínicos destes pacientes, a presença
de Clínica Médica, há mais de 7 anos, alerta as
e novos protocolos são desenhados e, aos poucos,
de comorbidades e a idade destas vítimas são fatores
autoridades públicas e a comunidade sobre o risco
a incidência tende a diminuir.
que não têm sido devidamente considerados. Os
que a dengue representa.
As autoridades brasileiras, portanto, devem
casos mais graves geralmente são verificados em
A superpreocupação com a gripe A está servindo
investir na capacitação dos profissionais de saúde
idosos, crianças menores de dois anos, gestantes
para encobrir o fato de que ainda há deficiência de
para identificar corretamente os quadros suspeitos,
e portadores de doenças que levam à deficiência
políticas públicas de saúde no Brasil. Políticas que,
distribuir medicamentos de modo que cheguem a
imunológica, tais como câncer, diabetes, doença
realmente, atuem para minimizar a incidência de
todas as localidades do país e buscar mais transpa-
cardíaca, pulmonar ou renal crônica; e ainda aque-
doenças que, de fato, oferecem importante risco.
4
ODISSEIA DA MEDICINA
Especial
A M G I EN desvendado Primeiro levantamento genético do vírus Influenza A (H1N1) é feito pela Fiocruz
Lá estão contidos diversos sequenciamentos
são conservados entre si e, quando comparados
O
do material genético do vírus (H1N1), a partir de
com sequências depositadas por outros países,
acompanhamento da evolução do vírus
amostras virais obtidas em várias partes do mundo,
mantêm as mesmas características, ou seja, não
Influenza A é importante devido à sua alta
como Estados Unidos, Canadá, Alemanha e Suiça,
existe indicativo de variação em relação ao vírus
taxa de mutação. As primeiras sequências
entre outros países. O material foi desenvolvido a
que circula em outras localidades”, aponta Fer-
genéticas do vírus influenza A (H1N1) mapeadas no
partir de dados coletados com três pacientes - dois
nando Motta, pesquisador do laboratório acima
Brasil acabam de ser depositadas por pesquisadores
do Rio de Janeiro e um de Minas Gerais -, todos
citado. Segundo o especialista, o sequenciamento
do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). O depósito
diagnosticados no Laboratório de Vírus Respiratórios
genético é uma ferramenta fundamental para
foi feito em 15 de maio, no banco de informações
e Sarampo do IOC. Um dos principais desdobra-
acompanhar a evolução do vírus no país e abre
genéticas do National Center for Biotechnology
mentos do sequenciamento é a possibilidade de
a possibilidade para o desenvolvimento de pro-
Information (NCBI), baseado no National Institute
comparar os vírus detectados no país entre si e
tocolos de diagnóstico.
of Health (NIH), dos Estados Unidos. O banco reúne
em relação aos vírus detectados em outras partes
Os pesquisadores brasileiros optaram por
sequências genéticas de quase todos os organismos
do mundo. “Uma análise preliminar mostrou
sequenciar o gene da proteína de matriz (Proteína
conhecidos, incluindo o genoma humano.
que os vírus encontrados nos casos brasileiros
M) do vírus.
Everton Rodrigues
O D I S S E I A D A MEDICINA
5
Especial
Sede da Fiocruz no Rio de Janeiro Como o genoma do vírus influenza é segmentado – não é formado por uma sequência única de RNA, mas por oito segmentos –, foi escolhido o gene da proteína M, uma das mais importantes na estrutura viral. “Por ser um vírus segmentado, cada um dos oito genes evolui de maneira distinta. A proteína M é uma proteína estrutural importante, a mais abundante na composição do vírus, capaz de codificar a síntese de duas proteínas. Por isso, ela é usada como marcador para presença ou ausência de influenza A nos procedimentos de diagnóstico”, explica. Os pesquisadores aguardam a chegada de insumos para dar continuidade ao sequenciamento de outros genes do vírus. Mais quatro genes serão sequenciados: neuraminidase, hemaglutinina, NS e PB1. O IOC atua como Laboratório de Referência Nacional para Influenza, credenciado pelo Ministério da Saúde e integra há mais de 50 anos a rede da Organização Mundial da Saúde (OMS) de centros nacionais de influenza. A rede nacional de laboratórios de vigilância em influenza também é integrada pelo Instituto Adolfo Lutz (SP) e pelo Instituto Evandro Chagas (PA), que atuam como Laboratórios de Referência Regional do Ministério da Saúde. Fonte: www.portal.saude.gov.br/saude/
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ODISSEIA DA MEDICINA
Laboratório da Fiocruz: tecnologia de ponta contra o vírus
Ética
Corrupção: crise ética Wolmir Amado
nestidade das relações”. Ninguém mais suporta ertenço a uma geração que usava estilingue
a corrupção. A “confiança” cede lugar aos
e matava os pássaros, até o beija-flor, sem
contratos formais: a honestidade é substituída
remorso ou compaixão. Aos poucos, um lento
pela vantagem a qualquer preço; o amor é tro-
e combativo movimento ecológico foi perpassando
cado pelo consumo; o saber é substituído pelo
as instituições, o Estado, a sociedade, o mundo.
sabor. E tudo é estetizado: a violência torna-se
As igrejas, os partidos, as escolas e universidades,
espetáculo; a traição, esperteza; o egoísmo,
os meios de comunicação, as novas teorias e os
individualidade.
Foto: Agreements de Negócios
P
chamada também a formular e exercitar a “ho-
inventos, as prefeituras e os governos foram assi-
Quando um projeto civilizatório caminha para
milando criativamente a consciência ecológica, de
a dissolução de seu ethos, anuncia-se o colapso
acordo com realidades específicas. Hoje, a situação
da possibilidade de permanecermos humanos. A
ambiental é dramática, a caminho de um colapso
passagem da condição animal à humana não é
planetário. Mas fortaleceu-se um novo olhar e
apenas um remoto momento da evolu ção biológica
sentir: a consciência ambiental. Por isso, meus
da espécie. A transição da inocência à consciência
filhos e a geração a que pertencem não matam
requer estado permanente de vigilância. Lapsos de
pássaros e chorariam ao ver a morte de um animal.
juízo, individuais ou objetivos, põem-nos em perigo.
A emergência dessa nova subjetividade não se fez
Quando nos tornamos “consciência de massa”,
ao acaso; é resultado de décadas de formação de
reduzimo-nos à condição de rebanho, perdemos a
consciência ambiental.
liberdade, não respondemos pelos próprios atos e,
os incorpora criativamente em si, transforma-os
sem responsabilidade, já não podemos viver no bem:
em hábito (héxis) e os transmite aos demais no-
a felicidade cede lugar ao império dos instintos. É
vamente como costume. A prática humana e o
preciso, pois, sustentar permanentemente nossa
modo como é tecido dinamicamente o ethos, os
“hominidade”. Ou, mesmo capazes de conhecer o
gregos chamaram de ética – a ciência do ethos.
planeta Marte, já não mais nos reconhecemos na
Para superar a corrupção, não basta multiplicar
A ética do cuidado com a vida, agora, é
Terra porque estraçalhamos o ethos.
WOLMIR AMADO é reitor da Universidade Católica de Goiás WOLMIR AMADO é Reitor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Graduado em Filosofia. Especialista em Filosofia Contemporânea pela UFGO e, em Filosofia da Religião, pela PUC-MG. Mestre em História pela UFGO.
os códigos de ética, criar comitês de fiscalização,
Ethos, diziam os gregos antigos, é a “morada
ampliar as polícias, criar leis rigorosas, reduzir a
do homem”, a organização social e cultural que
idade penal, criminalizar as condutas no denun-
nos acolhe, envolve, protege e possibilita ser.
cismo dos telejornais. Tudo isso, com bom senso,
Nascer no ethos é ter a possibilidade de formar
é necessário. Mas é preciso ir além. A grande
a identidade cultural, modelar a personalidade,
saída é a formação da consciência ética, herdada
orientar as atitudes, estabelecer condutas. Por
da tradição e reformulada conforme o tempo de
isso, toda realidade histórico-social, costume e
hoje requer. Quem quiser ver os resultados dessa
hábito, em dinâmica relação, constituem a ação
formação na duração do seu tempo pessoal, talvez
ética. O costume tem consigo a tradição, os valores
se decepcione. Curta é a duração de nossos corpos.
coletivos que se impõem; quando o sujeito ético
Então, sejamos sementes. Outros colherão os frutos.
O D I S S E I A D A MEDICINA
7
Cardiolog i a
Coração: o enigma do cálcio
Resultados pouco animadores com os bloqueadores dos canais de cálcio no tratamento da hipertensão arterial
Anis Rassi Junior
D
de primeira escolha no tratamento da hipertensão arterial. E o mais crítico é que esta inferioridade
uas metanálises, envolvendo estudos rando-
ocorreu a despeito do controle extremamente satis-
mizados com fármacos anti-hipertensivos,
fatório dos níveis pressóricos com os bloqueadores
foram recentemente publicadas na revista
dos canais de cálcio.
Lancet com o objetivo, dentre outros, de melhor
A segunda metanálise, publicada no mesmo
investigar o papel dos antagonistas do cálcio no
número da revista Lancet (2000; 356:1955-64) por ou clonidina (n = 15.044), aqueles que receberam
um grupo internacional intitulado “Blood Pressure
A primeira metanálise de Pahor M. et al., do
antagonistas do cálcio (n = 12.699) apresentaram
Lowering Treatment Trialists’Collaboration”, investigou
grupo do Dr. Curt Furberg (Lancet 2000;356:1949-
risco significativamente maior de infarto agudo do
os efeitos de várias drogas anti-hipertensivas sobre a
54) incluiu 27.743 pacientes provenientes de nove
miocárdio (+26%), insuficiência cardíaca congestiva
morbi-mortalidade cardiovascular, utilizando dados
estudos (ABCD, CASTEL, FACET, INSIGHT, MIDAS,
(+25%) e eventos cardiovasculares combinados
de 15 estudos randomizados envolvendo 74.696
NICS-EH, NORDIL, STOP-2 e VHAS), selecionados
(+10%). A mortalidade total e a incidência de AVC
pacientes. Foram realizadas análises separadas de
por apresentarem as seguintes características:
não foi diferente entre os tratamentos, embora
estudos que compararam droga ativa (inibidores da
n de pelo menos 100 pacientes, randomização
houvesse uma tendência de redução de AVC com
ECA ou antagonista do cálcio) vs placebo, droga ativa
para antagonista do cálcio ou outras drogas anti-
os antagonistas do cálcio (-10%, p = NS). Com
vs droga ativa, e tratamento intensivo vs controle
hipertensivas e seguimento mínimo de dois anos.
base nestes resultados, os autores concluíram que
menos rigoroso da pressão arterial.
Em comparação a pacientes tratados com
os antagonistas do cálcio são inferiores às demais
Quando comparado a placebo, os inibidores da
diuréticos, betabloqueadores, inibidores da ECA
drogas e não devem ser utilizados como fármacos
ECA (quatro estudos envolvendo 12.124 pacientes,
tratamento da hipertensão arterial.
8
ODISSEIA DA MEDICINA
Cardiologia significativas entre os tratamentos anti-hipertensivos
base apenas na redução dos níveis pressóricos
ficativamente a incidência de eventos coronários,
nas comparações isoladas - antagonista do cálcio vs
não é suficiente. Na era da Medicina Baseada em
AVC e eventos cardiovasculares, e os antagonistas
betabloqueador/diurético e antagonista do cálcio vs
Evidências, devemos nos preocupar muito mais
do cálcio (dois estudos, 5.520 pacientes, a maioria
inibidor da ECA - houve uma tendência de excesso
com o número de infartos, acidentes vasculares
com hipertensão arterial) foram capazes de reduzir
de infarto agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca
cerebrais, descompensações cardíacas e óbitos
o risco de AVC e de eventos cardiovasculares.
e eventos cardiovasculares com os antagonistas do
que determinada estratégia terapêutica é capaz
A análise de estudos comparando estratégias de
cálcio. Já na metanálise de Pahor et al, os resultados
de prevenir.
redução de pressão arterial de diferentes intensidades
primários foram combinados e os eventos somados,
(três estudos, 20.408 pacientes com hipertensão
ou seja, antagonistas de cálcio vs as demais drogas
arterial) revelou redução significativa do risco de
(diuréticos, betabloqueadores, inibidores da ECA e
eventos coronários, AVC e eventos cardiovasculares
clonidina). Além disso, a segunda metanálise não
com o tratamento mais intensivo. Finalmente, no
incluiu três estudos (CASTEL, FACET e MIDAS), cujos
que se refere às análises comparando diferentes
resultados com os antagonistas do cálcio foram
regimes anti-hipertensivos (oito estudos, 37.872
inferiores aos das outras drogas anti-hipertensivas.
pacientes com hipertensão arterial), não foram
Tais diferenças podem explicar as discrepâncias entre
observadas diferenças expressivas entre as drogas
as duas metanálises.
Foto: Fábio Lima
a maioria com doença coronária) reduziram signi-
anti-hipertensivas quanto aos seus efeitos sobre a redução de morbi-mortalidade cardiovascular. Como, então, explicar estes resultados aparente-
O que concluir em relação ao tratamento com drogas anti-hipertensivas?
mente discrepantes entre as duas metanálises, com
Os resultados destas duas metanálises nos
a primeira mostrando inferioridade dos antagonistas
permitem afirmar que: 1) Até o presente momento,
do cálcio no tratamento da hipertensão arterial e a
não existe nenhuma justificativa para o emprego
segunda sugerindo não haver diferenças entre os
abusivo dos antagonistas do cálcio no tratamento
diferentes regimes anti-hipertensivos ? Vale ressaltar
da hipertensão arterial; 2) Diuréticos, particu-
que, na metanálise do grupo “Blood Pressure Lowering
larmente em dose baixa, betabloqueadores e
Treatment Trialists’Collaboration”, as comparações
inibidores da ECA apresentam eficácia similar
foram feitas de maneira individualizada, ou seja,
e constituem os fármacos anti-hipertensivos de
antagonista do cálcio vs betabloqueador/diurético (n
primeira escolha; entretanto, a relação custo-
= 23.454), antagonista do cálcio inibidor da ECA (n =
efetividade é nitidamente mais favorável aos
4.871) e inibidor da ECA vs diurético/betabloqueador
diuréticos e betabloqueadores e 3) A prescrição
(n = 16.161). E, apesar de não se constatar diferenças
de determinado agente anti-hipertensivo com
ANIS RASSI JUNIOR é médico. Especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia. Doutor em Cardiologia pela Universidade de São Paulo. “Fellow” em Cardologia pela Universidade do Texas, em San Antonio, EUA. Diretor Científico do Anis Rassi Hospital. Membro do Comitê de Cardiologia Baseada em Evidências da SBC. Membro do Conselho Editorial da Revista Europace. ExPresidente da Sociedade Goiana de Cardiologia. É Coordenador de Normatização e Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
O D I S S E I A D A MEDICINA
9
Fonoaudiolo g i a
Dislexia desvendada Um pouco de atenção para grandes soluções Yvone Portilho do Nascimento
basta o indivíduo estar em contato com uma ou
a comunicação oral é a primeira a ser adquirida,
N
mais línguas e interagir com as pessoas do seu meio
sendo que a comunicação gráfica se baseia naquela.
esta época, em que as crianças já cumpriram
ambiente para apreendê-las e utilizá-las. O mesmo
Entende-se, então, que a escrita é uma simbologia
metade do ano letivo, começam a compa-
não ocorre com a leitura e a escrita. Por isto, esta é
gráfica que codifica uma simbologia oral. Ou seja,
recer aos consultórios de Fonoaudiologia
ensinada e aprendida. Ou seja, é preciso que uma
adquirimos uma palavra composta por sons, ou
e de Psicopedagogia pais procurando atendimento
pessoa que já se apropriou da comunicação gráfica
fonemas, e as transformamos em uma palavra
para seus filhos, encaminhados pelas respectivas
passe-a para outros.
composta por letras, ou grafemas.
escolas, principalmente do ensino fundamental.
Outro aspecto importante é que ambas as co-
A queixa é comum: “A professora disse que meu
municações são veiculadas por meio de símbolos:
filho tem problemas no aprendizado da leitura e
a comunicação oral utiliza mais uma simbologia
Quando a criança consegue desenvolver bem
escrita. Será dislexia?”.
auditiva (sons que o emissor produz e o receptor
a comunicação oral, mas encontra dificuldades na
Em relação à comunicação humana, nosso
capta e interpreta); a comunicação gráfica utiliza
aquisição da comunicação gráfica, uma das hipóteses
cérebro tem locais apropriados para a aquisição e
mais uma simbologia visual (escrita). Isto tudo
levantadas será a dislexia. Na verdade, existem causas
o desenvolvimento da comunicação oral. Assim,
ocorre seguindo uma hierarquia, de tal forma que
intrínsecas e extrínsecas que levam às dificuldades de
10
ODISSEIA DA MEDICINA
É de se supor que possam existir falhas em qualquer uma das etapas desta hierarquia.
Fo n o a u d i o l o g i a leitura e escrita, sendo a dislexia apenas uma delas.
símbolos, se sente incapaz, é apontado pela escola
disponha de mais informações para a integração
Causas intrínsecas são as orgânicas, que a pessoa
e pela família, é comparado negativamente com
sensorial, levando a um melhor resultado.
já traz consigo ao entrar em uma escola, como
outras crianças, colocam nele a responsabilidade
Passado o susto inicial, percebe-se que a crian-
rebaixamento cognitivo, diminuição da acuidade
por ir mal, quando está se formando o conceito
ça, aos poucos, vai tendo uma melhora na escola.
auditiva ou visual, alterações no funcionamento
de quem é ele. A conclusão a que se pode chegar,
Até porque existem graus para esta situação: leve,
neurológico (onde a dislexia está alocada). Já as
dependendo de como é tratado, é que ele é uma
moderado ou severo. E, como é um caso benigno,
causas extrínsecas estão colocadas fora da criança,
criança-problema. Daí, o aspecto emocional passa a
um diagnóstico inicialmente severo pode passar
ou seja, no meio a que está exposta, como a inex-
ser consequência, cada qual reagindo a seu modo:
a moderado, e este, a leve.
periência com letras, demonstrando talvez a pouca
uns preferem se isolar, enquanto outros se tornam
O que todos os envolvidos no processo
importância que a família dá a esta aprendizagem;
bagunceiros, ou mal-educados; de qualquer forma,
precisam compreender é que a dislexia, em si,
problemas emocionais diversos; nível sócio-cultural;
preocupando seus pais.
não tira as possibilidades da pessoa de crescer
reduzida experiência com o processo de aquisição;
É esta situação que costuma chegar aos con-
pessoal e profissionalmente. Para exemplificar,
e até métodos de ensino inadequados para cada
sultórios de quem vai buscar compreendê-la, para
pode-se lembrar pessoas famosas, citadas na
criança em particular.
posteriormente oferecer tratamento. A primeira
literatura como disléxicas: Thomas Edison, Le-
Segundo a DSM-IV, 2000 (Manual de Diag-
questão é saber se há um diagnóstico. Se não,
onardo Da Vinci, Ágatha Christie, Walt Disney,
nóstico e Estatística das Perturbações Mentais, 4ª
encaminha-se ao neuropediatra, com a hipótese de
Tom Cruise, Cher, Charles Darwin e até Albert
ed.), a dislexia pode ser conceituada como “um
dislexia. Este fará sua avaliação baseada na história
Einstein! (lista colhida da Associação Brasileira
transtorno específico no aprendizado de leitura,
e em exames clínicos, podendo, se julgar necessário,
de Dislexia). A dificuldade está apenas em um
cuja característica principal é o rendimento escolar
solicitar a ajuda de outros profissionais: um psicó-
aspecto de sua vida, e, como todo ser humano,
abaixo do esperado para a idade cronológica,
logo, para checar o desenvolvimento cognitivo e
ela também poderá fazer as adaptações neces-
apesar de o potencial intelectual e a escolaridade
comportamental; um fonoaudiólogo, para avaliar
sárias ao seu sucesso.
do indivíduo estarem adequados para a idade”.
a comunicação oral; este mesmo profissional ou
Alguns autores, entre eles Robert Vallet, consi-
um psicopedagogo, para averiguar as dificuldades
deram um nome mais extenso: Dislexia Específica
de leitura e escrita. Somados a este, e dependen-
de Evolução. Dislexia porque se trata de uma difi-
do do caso, poderá ser necessária a presença de
culdade de Leitura; Específica porque a pessoa não
outros profissionais, como um oftalmologista ou
apresenta outra alteração de desenvolvimento, a
otorrinolaringologista, que checarão as acuidades
não ser esta; e de Evolução porque a tendência é
visual e auditiva, respectivamente. Por se tratar de
melhorar com o tempo, ou seja, é benigna.
sequela relacionada ao mau funcionamento dos
Pode-se, então, traçar um perfil da criança que
neurônios, e não de lesão cerebral, raramente
a apresenta: um filho que nunca trouxe à família
será preciso realizar exames como tomografia
preocupações quanto ao seu desenvolvimento,
computadorizada ou ressonância magnética, pois
seja motor, de fala e linguagem, alimentação,
é provável que nenhuma alteração se encontre.
psicossocial. De repente, é exposto ao processo de
Daí, a criança voltará ao consultório com o
alfabetização. Então, a surpresa: vem apresentando
diagnóstico: dislexia! A próxima etapa será o plane-
sérias dificuldades, a ponto de preocupar a escola,
jamento da terapia, que é individual, pois depende
pois seus pares estão evoluindo sensivelmente,
das características de cada caso. Em comum, há
e ele, não.
a metodologia, que, preferencialmente, utiliza
A partir daí, tudo se complica. Ele não conse-
como portas de entrada para a estimulação todos
gue ou tem dificuldades em compreender aqueles
os órgãos dos sentidos, a fim de que o cérebro
YVONE PORTILHO DO NASCIMENTO é fonoaudió-
loga. Atua na Clínica Ativa e é professora do curso de fonoaudiologia da UCG.
O D I S S E I A D A MEDICINA
11
Ortopedia A coluna vertebral já sustentou gigantes sobre a Terra e permitiu que os seres vivos atingissem um limiar físico extremo
Proeza da Natureza O poder da coluna vertebral Alessandro Loiola
A 12
ODISSEIA DA MEDICINA
corpo distribuído em quatro apoios. Nos seres humanos, contudo, a coluna é mantida em uma
s dores nas costas respondem por 5% das
posição vertical.
consultas médicas e são uma das causas
O andar ereto permitiu aos nossos ancestrais
mais comuns de incapacitação para o
o domínio do fogo e a elaboração de ferramentas
trabalho. Estudos recentes também sugerem que
sofisticadas, como a pipoca de microondas e a TV a
70% das pessoas sofrerão pelo menos uma crise
cabo digital com múltiplos canais de evangelização
severa de dor nas costas ao longo de suas vidas.
eletrônica, tudo para que - derradeiramente - cons-
Por que isso acontece?
truíssemos a magnífica civilização moderna como a
Dos primeiros dinossauros ao cachorro do
conhecemos. De quebra, no decurso deste processo
vizinho, a coluna vertebral quase sempre as-
involutivo, mudamos nossa ergonomia e terminamos
sumiu uma posição horizontal, com o peso do
com um lumbago de herança.
Ortopedia
Todos temos que nos cuidar: nossa coluna vertebral é incrivelmente resistente, mas não é imune aos abusos diários que cometemos, muitas vezes sem notarmos
Engenharia A coluna não é um osso solitário, mas uma peça inacreditável de engenharia. Constituída por dezenas de vértebras articuladas interpostas por anéis cartilaginosos, ela é capaz de absorver impactos imensos. Para ter uma idéia, graças à estrutura complexamente flexível e resistente da coluna, você pode amarrar seu próprio tênis, pular de uma escada e testar uma página inteira do Kama Sutra. Ao
cinco vértebras bem maciças. A esta divisão se segue a coluna sacral, cujas
Barrichello, a coluna torácica e a sacral são relativamente imóveis.
vértebras fundidas se articulam de cada lado com os
A coluna vertebral também protege a medula,
ossos da pelve. Finalmente, abaixo do sacro, está a
um tubo de 10 bilhões de células especializadas
parte final da coluna, o cóccix, que, em alguns animais
que estabelecem uma via de comunicação nervosa
cordatos e mulheres com sobrenome de fruta, pode
entre o resto do corpo e os centros de comando
prosseguir formando uma extraordinária cauda.
inteligentes no cérebro humano.
Pescoçudos
Mas tal esquema não funciona exatamente desse modo em todo mundo: nos gestores públicos, por
A primeira vértebra cervical articula com o crânio
exemplo, os cientistas descobriram que a medula
A coluna é dividida em seis partes: cervical,
e atende pelo nome de Atlas, em referência ao deus
ainda procura por um destino viável dentro do crânio.
torácica, lombar, sacral e coccígea. O pescoço
grego que sustentava o mundo em suas costas.
Por causa da posição ereta, das cargas de tensão
(coluna cervical) contém sete vértebras, que se
Nada mais apropriado: o pescoço nunca descansa.
e da distribuição desigual de peso ao longo de seu
tornam maiores à medida que se aproximam da
Dotado de grande flexibilidade, ele está sempre
eixo, as vértebras são continuamente empurradas
região dos ombros. Em seguida, as 12 vértebras
tentando equilibrar a cabeça, uma tarefa do meu
para a frente e para fora do alinhamento. Não
da coluna torácica se estendem dos ombros até a
ponto de vista inútil durante toda a adolescência.
surpreende que este desgaste permanente possa
coluna lombar, que, por sua vez, é constituída por
Em contrapartida, da mesma forma que o Rubens
resultar em desconforto.
mesmo tempo.
O D I S S E I A D A MEDICINA
13
Ortopedia
Para ajudar a preservar sua coluna e diminuir o risco de crises dolorosas, seguem algumas informações importantes: Dores que pioram à noite ou com o repouso na cama podem ser causadas por depressão. Nestes casos, um tempo sob antidepressivos pode valer a pena. Dor e rigidez mais intensas ao acordar e que desaparecem gradualmente após cerca de 30-60 minutos de atividade, em geral, são causadas por problemas inflamatórios. Se a dor é mais intensa ao ficar de pé ou andar e alivia na posição sentada, a causa mais provável é uma fratura por estresse na parte interarticular de alguma vértebra. Se a dor nas costas estiver associada à dormência nas pernas, nas nádegas, na região perineal ou perda do controle da urina ou das fezes, procure atendimento médico com urgência: você pode estar sofrendo de hérnia de disco. Movimentos repetidos, exercícios inadequados, problemas posturais e o consumo de cigarros tornam a coluna mais propensa a lesões. Faça tudo isso se quiser manter o emprego do seu ortopedista. Apesar do terrorismo, a maioria dos casos de dores nas costas desaparece após alguns poucos dias, bastando que você não exagere no tratamento e siga corretamente as orientações do seu médico de confiança.
VOCÊ SABIA? Durante o repouso, o disco cartilaginoso que separa as vértebras se expande, absorvendo líquido. Esta retenção de fluidos pode aumentar o comprimento da coluna em até 2,5 cm em uma noite. Ao acordar e andar para fazer as atividades do dia, este líquido extra é lentamente espremido e expulso dos discos. Por causa deste mecanismo de absorção noturna e expulsão diurna de água nos discos intervertebrais, você possui uma estatura maior pela manhã que ao final do dia.
14
ODISSEIA DA MEDICINA
ALESSANDRO LOIOLA é médico. Especialista em Ortopedista. Palestrante e escritor de obras, dentre elas: Para Além da Juventude - Guia para uma Maturidade Saudável (Editora Leitura). aloiola@brpress.net
Automedicação
Um problema da cultura e a saúde pessoal ponsabilidade pela automedicação e a propriedade de transformar um problema em solução. Atualmente, o farmacêutico tem se posicionado de forma tímida sobre a matéria, expondo sua minoridade profissional ao permitir que outros definam estratégias no que seria seu campo de atuação. A atuação do farmacêutico na automedicação é de grande importância social, pois, em diversas circunstâncias, ele é o primeiro, o último e muitas vezes o único profissional de saúde que entra em contato com o paciente, constituindo-se num estratégico agente de triagem do Sistema Único de Saúde, o que irá contribuir, de forma substancial, para a otimização de suas ações e investimentos. Roberto Amatuzzi Franco
A
Do ponto de vista econômico, os medicamentos
Ainda: a Pesquisa Nacional por Amostras de
e produtos de saúde envolvidos na automedicação
Domicílio, financiada pelo Ministério da Saúde,
automedicação é uma realidade presente
e nos auto-cuidados, de acordo com a Febrafar, em
em 1998, apontou a Farmácia como um dos prin-
em nossa sociedade e reflete o aumento
2007, responderam por 30% do total de vendas
cipais serviços utilizados pela população em caso
do desenvolvimento humano em uma de
a varejo e com forte tendência de aumento nos
de necessidade. Portanto, é necessário que farmacêuticos, médicos e autoridades sanitárias estabeleçam critérios consensuais para que o imperativo categórico da automedicação seja a garantia do uso seguro e racional dos medicamentos, objetivando a melhora da qualidade de vida do cidadão. E que, por meio deste ponto de vista diferenciado e esclarecedor sobre a automedicação, o farmacêutico, como perito, construa uma realidade que seja aceita por toda a sociedade, ajudando-o a resgatar o seu tão merecido prestígio social.
suas faces; em outra, paradoxalmente, a crescente desigualdade social que limita o acesso ao profissional médico.
próximos anos. Vislumbra-se, neste ambiente, o terreno propício para que o farmacêutico encontre uma nova iden-
Desta forma, as principais organizações inter-
tidade e significado para sua práxis profissional e,
nacionais, como a Organização Mundial de Saúde
quem sabe, ache aí o futuro de sua profissão, que
(1998), entendem a automedicação responsável
seria o de prestador de serviços especializados em
como uma prática recomendada e apontam um
automedicação e auto–cuidados.
importante papel do farmacêutico nos auto-cui-
Para isso, é necessário que o farmacêutico e as
dados, ao destacar suas funções de comunicador,
suas entidades de classe desmistifiquem a autome-
dispensador qualificado de medicamentos e suas
dicação à luz do conhecimento técnico e científico,
habilidades como promotor, protetor e recuperador
enfocados no contexto social, econômico e cultural
da saúde coletiva.
brasileiro, assumindo uma posição corajosa de res-
Roberto Amatuzzi Franco é farmacêutico e conselheiro do CRF-PR.
O D I S S E I A D A MEDICINA
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Psiquiatri a
Pesquisitices A mania de pesquisa que assola o mundo gera falsa segurança e cria nova doença Jorge Forbes
pesquisa. É o povo pagando pelo velho sonho da felicidade encapsulada e recebendo de presente o
É
pesadelo reducionista do apagamento da subjeti-
bem apresentado pesquisador das neurociências
PESQUISITICES, se explica pelo desbussolamento
dizer algo mais ou menos assim: “Finalmente, a
humano na era da globalização. No mundo anterior
ciência vai trazer as respostas ao mundo sobre as
- chamado de moderno, ou industrial - o laço social,
quais filósofos nunca conseguiram se entender, a
ou seja, os modos de comportamento das pessoas,
saber: onde se localiza no cérebro o amor, a inveja,
era gerenciado por padrões verticais de identidade:
o ciúme, o gosto, e, em decorrência, poder intervir
na família, o pai; no trabalho, o chefe; na sociedade
farmacologicamente sobre eles, trazendo o alívio
civil, a pátria. No mundo atual, a ligação entre as
que a Filosofia e a Psicanálise nunca foram capazes
pessoas se horizontalizou; os padrões não são mais
de oferecer, apesar do tempo que a ciência lhes
unitários, mas múltiplos, o que aumenta muito a
deixou para tanto”. As mil e duzentas pessoas ali
responsabilidade de cada um frente às suas escolhas.
presentes, a maioria jovens recém-formados nas
E isso angustia, daí a ânsia de que algum estudo
áreas biológicas, acharam tudo natural, da mesma
empírico restabeleça a ordem vertical perdida e as-
forma que Vinícius dizia que acabamos por achar
segure o sucesso a quem disciplinadamente seguir
Herodes natural.
o que lhe for prescrito “cientificamente”.
preocupante escutar em um congresso
vidade humana.
recentemente patrocinado pela principal
A epidemia dessas pesquisas esquisitas, que
universidade da América Latina, a USP, um
de tantas já merecem um diagnóstico, proponho:
Um médico, diretor de pesquisas de um la-
Pesquisar, no sentido de certas pesquisas em-
boratório farmacêutico, ao ouvir essa boa nova,
píricas, quer dizer encontrar a cifra que represente
animadíssimo deixou escapar: “É isso mesmo, nós,
cada uma das experiências que se quer estudar. Nesse
por exemplo, em pouco tempo estaremos prontos
caso, só se pode pesquisar o que for passível de ser
para lançar um remédio específico para o Id”. Foi
filtrado pela palavra. Parte-se necessariamente do
apartado simpaticamente por um psicanalista que
princípio de que tudo pode ser nomeado, e aí reside
lhe propôs batizar o novo medicamento de “Id-iota”,
o engano. O mais essencial da experiência humana
na certeza do seu sucesso.
não tem nome, nem nunca terá, o que explica a
Estudos dessa espécie, se assim merecem ser
característica básica dos homens: a criatividade. É
chamados, pululam em reconhecidos centros de
paradoxalmente obscurantista a ciência que não vê
pesquisa do mundo ocidental, generosamente
o invisível do desejo; acaba promovendo o ridículo
pagos por agências governamentais de fomento à
em nome de uma segurança enganosa.
16
ODISSEIA DA MEDICINA
JORGE FORBES é psicanalista e médico psiquiatra em São Paulo. Um dos principais introdutores do pensamento de Jacques Lacan no Brasil, de quem foi aluno. Teve participação fundamental na criação da Escola Brasileira de Psicanálise, da qual foi o primeiro diretor-geral. Preside atualmente o Instituto da Psicanálise Lacaniana (IPLA) e dirige o Projeto Análise (www. projetoanalise.com.br). É psicanalista membro das Escolas Brasileira e Européia de Psicanálise. Dirige as pesquisas clínicas da Psicanálise com a Genética, no Centro de Estudos do Genoma Humano, na USP. Tem vários artigos publicados no Brasil e no exterior e colabora frequentemente com a imprensa, sendo curador e conferencista do Café Filosófico da TV Cultura. Tem sido consultado por empresas, hospitais e escolas. É autor de várias obras, dentre elas, Você Quer o Que Deseja? (Ed. Best Seller, 5ª ed., 2003), em que aborda uma psicanálise além do édipo, própria ao novo homem desbussolado da globalização, e é co-autor do recente A Invenção do Futuro (Ed. Manole, 2ª ed., 2005), que pensa soluções para viver nessa nova era de quebra dos ideais.
Esquizofrenia
DI VIDI DA realidade Esquizofrenia é um fator de risco para crimes violentos?
U
m novo estudo realizado pela Universidade Médica Sueca Karolinska Institutet e pela Universidade de Oxford relaciona a
esquizofrenia a um aumento não significativo no
risco de cometer crimes violentos. A participação de indivíduos com esquizofrenia em crimes violentos é quase exclusivamente atribuível ao concomitante uso de drogas de abuso. Diversos estudos têm relatado algo a respeito da associação entre esquizofrenia e violência. Alguns desses estudos relatam um risco de cometer crimes violentos aumentado em 4 a 6 vezes em pessoas que têm esse transtorno. No entanto, as estimativas variam consideravelmente em todos os estudos, existindo incerteza quanto ao que medeia esse risco elevado. Apesar da incerteza, as diretrizes atuais recomendam que a avaliação dos riscos de violência deva ser realizada em todos os pacientes com esquizofrenia. Esse novo estudo, publicado em 20 de maio de 2009 na revista científica “The Journal of American
Medical Association”, é um dos mais importantes nessa temática. Trata-se de um estudo longitudinal em que foram utilizados e relacionados registros nacionais de admissões hospitalares da Suécia e dados de condenações penais suecos entre 19732006. O risco de crime violento em pacientes com diagnóstico de esquizofrenia (n = 8.003) foi comparado com a população geral (n = 80.025). Usando esses dados, os pesquisadores identificaram indivíduos que haviam sido internados com esquizofrenia ou por abuso de álcool ou drogas. Para maior confiança no diagnóstico da esquizofrenia, contou-se apenas com casos nos quais havia pelo menos duas internações pela doença. Os pesquisadores evidenciaram que 27,6% das pessoas com esquizofrenia e abuso concomitante de drogas ou álcool foram condenadas por crimes violentos, em comparação com 8,5% das pessoas com esquizofrenia e sem uso de drogas de abuso e 5,3% da população em geral. “Assim, a idéia de que pessoas com esquizofrenia
geralmente são mais violentas do que aquelas sem esse transtorno não é verdade”, diz o Dr. Niklas Långström, um dos pesquisadores por trás do estudo. “As pessoas com esquizofrenia, mas não usuárias de drogas de abuso, insignificantemente são mais violentas do que as pessoas em geral.” Os autores demonstraram que o risco de crime violento em pacientes com esquizofrenia e sem dependência de drogas é apenas ligeiramente aumentado. Em contraste, esse risco é substancialmente aumentado em pacientes com dependência química, sugerindo que as atuais avaliações, gestões e tratamentos nesses indivíduos podem necessitar de revisão.
Fonte: Seena Fazel; Niklas Långström; Anders Hjern; Martin Grann; Paul Lichtenstein.”Schizophrenia, substance abuse, and violent crime” The Journal of the American Medical Association, JAMA. 2009; 301(19):2016-2023.
O D I S S E I A D A MEDICINA
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Dermatolog i a
Na Idade Média, o pavor da doença era tamanho que havia o “sino dos leprosos”, para avisar quando um doente estava a caminho
HANSENÍASE: revisão para o clínico Doença famosa desde os tempos bíblicos pode ser evitada com alguns cuidados Alessandra Vidal e Junqueira
A
Podem ocorrer episódios inflamatórios agudos ou
específico da parede do M. leprae, têm sido in-
subagudos, cutâneos e/ou extracutâneos, antes,
vestigados como marcadores de reação tipo 2. Há
hanseníase (mal de Hansen, lepra) é
durante ou após o tratamento, que são chamados
correlação entre o alto índice baciloscópico e os níveis
uma doença infecto-contagiosa crônica
estados ou episódios reacionais.
elevados desses anticorpos, independentemente do
endêmica no Brasil, causada pelo Myco-
A doença é transmitida, principalmente, pelo
bacterium leprae e constitui um sério problema
convívio íntimo e prolongado de pessoas susceptíveis
de Saúde Pública em muitos países. Caracteriza-se
com os doentes bacilíferos não tratados, principal-
por manifestações neurológicas e dermatológicas
mente por via respiratória, embora possam ocorrer
que acarretam, em geral, após longa evolução,
outras formas de transmissão.
estado reacional.
EPIDEMIOLOGIA No mundo, a hanseníase é endêmica na Índia, Brasil, Mianmar, Indonésia e Nepal. Há em torno
deformidades e mutilações que tanto concorrem
Antes, durante ou após o decurso da doença
de 600.000 casos. A cada ano são diagnosticados
para a estigmatização dessa moléstia. Muito
podem ocorrer episódios reacionais. As reações
cerca de 43.000 casos novos da doença no Brasil, e a
embora já exista tratamento eficaz para a han-
podem ser do tipo1 ou tipo 2.
taxa de prevalência atual gira em torno de 4/10.000
seníase (poliquimioterapia), o estigma persiste.
18
ODISSEIA DA MEDICINA
Os anticorpos anti-PGL I, glicolipídio fenólico
habitantes, superior, portanto, a um caso por 10.000
dermatologia habitantes, meta de eliminação em Saúde Pública. A meta, que deveria ter sido atingida em 2000, foi adiada para dezembro de 2005 e também não foi cumprida, de acordo com o compromisso com a Organização Mundial de Saúde. Após a introdução da poliquimioterapia (PQT) para tratamento (com determinação de critérios de cura) a prevalência caiu, porém a incidência permaneceu alta. Grande parte desta responsabilidade cabe a Estados como Goiás, com 3,62 casos/10.000 habitantes. O Estado é o sétimo colocado no ranking de incidência da doença entre as unidades federativas do país. No topo da lista estão Mato Grosso (7,85/10.000) Pará (6,7/10.000) e Roraima (6,61/10.000). Por causa destes estados o Brasil só deverá atingir uma prevalência ideal e homogênea no ano de 2010. Só em 2002 surgiram 620.672 casos novos no mundo. Novas políticas públicas vêm sendo implantadas para o controle e eliminação da hanseníase. A SBD, que, em 1948, estimulou os dermatologistas/leprologistas a fundarem a então Associação Brasileira de Leprologia, criou o departamento de Hansenologia em 2003 que terá, entre suas prioridades, a inclusão da hanseníase nos temas de Educação Continuada, o fortalecimento dos serviços universitários, a participação de atividades de divulgação e o apoio ao diagnóstico precoce da hanseníase, mediante a realização de campanhas.
CLÍNICA As lesões elementares cutâneas variam de acordo com a forma clínica, desde manchas, placas (MHT) até nódulos ou infiltração difusa (MHV), passando por uma gama muito grande de outras apresentações. O comprometimento neural periférico pode ser marcante, e há uma característica típica: alteração das sensibilidades térmica, tátil e dolorosa, em alguma área do tegumento, sejam elas sobre as lesões ou mesmo sem lesões visíveis.
O D I S S E I A D A MEDICINA
19
Dermatolog i a cutâneas e neurites. Consiste em hipersensibilidade tardia mediada por células – ou reação tipo IV de Gell e Coombs. A reação tipo 2, cuja expressão clínica mais frequente é o eritema nodoso hansênico, também pode se manifestar como eritema multiforme ou fenômeno de Lúcio; tem correlação imunológica com a formação de imunocomplexos extravasculares, fixação do
Há pacientes mais predispostos às reações (quadro 1). Sexo masculino Adultos Formas multibacilares Índice baciloscópico > 4 Infecções intercorrentes Uso de medicações Alterações hormonais Alcoolismo Cirurgias Doenças intercorrentes Fatores genéticos Anticorpos anti-PGL I Fatores emocionais (estresse)
complemento e produção de anafilatoxinas no local de liberação de antígenos micobacterianos, predominando uma resposta do tipo TH2 com ativações transitórias da resposta do tipo TH1. Estas reações são acompanhadas de sintomas sistêmicos como febre, astenia, dores difusas pelo corpo, perda de peso, alterações laboratoriais do hemograma, FAN, hepatograma, marcadores inflamatórios e EAS. Neste grupo podem ocorrer diversas manifestações extracutâneas, também chamadas de doenças auto-agressivas hansênicas: neurites, glaucoma, irites, artrite, epistaxe, adenomegalia, edema, IRC, e outras. A hanseníase tem amplo espectro de apresentações clínicas, por isso é tida como doença polar. Nos pólos extremos, há as formas clínicas tubercu-
QUADRO 1: FATORES DE RISCO PARA AS REAÇÕES HANSÊNICAS
lóide (TT) e lepromatosa ou virchoviana (LL), intercaladas por grupos instáveis
O gênero masculino parece ser mais susceptível, e isso pode estar associado
(interpolares): borderline (dimorfo) tuberculóide (BT), borderline-borderline
à maior incidência de formas LL entre os homens. Há estudos mostrando igual
(BB), e borderline-lepromatoso (BL), que podem adquirir aspectos clínicos
incidência entre os sexos. A relação entre fatores hormonais e genéticos e a
e imunológicos peculiares, de acordo com a resposta imune celular do tipo
incidência do eritema nodoso hansênico (ENH) por gênero não se encontra
TH1 ao M. leprae – da capacidade de formação de granulomas nas formas
completamente elucidada, requerendo mais estudos prospectivos.
tuberculóides até a total incapacidade nas lepromatosas.
As infecções bacterianas (sinusites, ITUs) ou virais (incluindo co-infecção
Podem ocorrer episódios inflamatórios agudos ou subagudos, cutâneos
com o vírus HIV) também são consideradas fatores desencadeantes ou de
e/ou extracutâneos, chamados estados ou episódios reacionais, antes, durante
risco para as reações hansênicas. Outros fatores de risco são: uso de drogas e
ou após o tratamento, responsáveis, em grande parte, por morbidade, dano
medicações – iodetos, brometos, ofloxacina, claritromicina e até a própria PQT,
neural, incapacidades e manutenção do estigma em hanseníase.
dapsona e rifampicina – as quais destroem o bacilo e liberam material antigênico.
As reações podem ser do tipo 1 ou do tipo 2. A reação tipo 1 ou reversa é
Alguns episódios reacionais podem ser precipitados por puberdade,
mais usual em pacientes paucibacilares e interpolares (dimorfos ou borderlines)
menstruação, alterações hormonais decorrentes de gravidez, parto, puerpério
e se apresenta com exacerbação das lesões iniciais, surgimento de novas lesões
e lactação, tornando-os de mais difícil controle. Febre, alcoolismo, trauma,
20
ODISSEIA DA MEDICINA
Dermatologia
Sempre procure um médico se tiver suspeita de estar doente
doenças intercorrentes, cirurgias, vacinação, estresse físico, todos são condições predisponentes.
TRATAMENTO A hanseníase tem como principal tratamento a
Os doentes na idade adulta, portadores das
poliquimioterapia (PQT), com dapsona, rifampicina
formas multibacilares, apresentando infiltração
e clofazimina, instituída pelo Ministério da Saúde
cutânea difusa e média alta de índice baciloscó-
e com distribuição gratuita no Brasil na rede pú-
pico (IB>4) também estão mais predispostos aos
blica de saúde. Há esquemas para doentes pauci
episódios reacionais.
e multibacilares.
O desenvolvimento do ENH pode estar igualmente
As reações do tipo1 (reversa) ou tipo 2 (eritema
associado a fatores genéticos. Foi demonstrada alta
nodoso) têm como principal tratamento os corticóides
incidência de ENH em pacientes com deficiência de
e a talidomida. Após uso prolongado de corticóides
glicose-6-fosfato desidrogenase, em portadores de
podem ocorrer diabetes, osteoporose, hipertensão
moléculas do complexo principal de histocompa-
arterial e várias outras consequências, incluindo o
tibilidade do tipo HLA-A11, e em indivíduos com
desencadeamento de distúrbios psiquiátricos. A
polimorfismo genético da região promotora do
talidomida, embora eficaz, apresenta limitações em
gene do TNF-alfa.
razão da teratogenicidade.
Os anticorpos anti-PGL I, glicolipídio fenólico
Concluindo, a hanseníase ainda é um importante
específico da parede do M. leprae, têm sido in-
problema de saúde pública no Brasil. O diagnóstico
vestigados como marcadores de reação tipo 2. Há
precoce, o tratamento supervisionado, o exame dos
correlação entre o alto índice baciloscópico e os níveis
contactantes e a prevenção da doença, somados aos
elevados desses anticorpos, independentemente do
estudos e à informação, são o caminho mais eficaz
estado reacional.
para sua eliminação.
ALESSANDRA VIDAL E JUNQUEIRA é médica. Especialista em Dermatologia pela Sociedade Brasileira de Dermatologia. Mestre em Medicina Tropical pelo Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTSP) da Universidade Federal de Goiás. alessandravidalejunqueira@hotmail.com
O D I S S E I A D A MEDICINA
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Psicologi a
Nascer, crescer, reproduzir e...
Morrer? “A Morte é uma impossibilidade que, de repente, se torna realidade.” Goethe Luciana Mendonça de Carvalho
D
esde pequenos aprendemos que nascemos, crescemos, reproduzimos e morremos. Nascemos a todo vapor, crescemos rápido
demais que até temos a “dor do crescimento”, amadurecemos com nossos erros, trabalhamos, casamos, temos filhos, construímos grandes coisas, ou nem tão grandes assim, mas... E a morte? Passamos por todos os estágios da nossa vida tentando esquecer que um dia morreremos. Negamos a nossa última fase. Parece que vivemos de acordo com Woody Allen, que dizia: “Não que eu esteja com medo de morrer, apenas não queria estar lá quando isso acontecesse”. Percebo que nos contradizemos um pouco... A morte não está no dia-a-dia de nossa vida pessoal, e, ao mesmo tempo, como profissionais da saúde, lutamos diariamente contra ela. Ao fazer um breve resgate do passado, podemos notar que os conceitos sobre a morte vêm se modificando ao longo dos séculos devido à influência de diversos fatores, tais como a cultura de uma sociedade, o desenvolvimento científico, a religião e os valores éticos e morais dos indivíduos. A princípio, o morrer era restrito ao lar, algo visto com naturalidade pelo doente e por sua família. Todos, inclusive as crianças, costumavam participar dos rituais de despedida (velório e enterro) do familiar. Ao longo dos tempos, conforme a cultura ocidental, o lugar do morrer mudou do ambiente familiar para o ambiente hospitalar, tornando a morte institucionalizada e distante do processo natural. Em uma instituição hospitalar, a morte é a inimiga a ser vencida, e, quando ela vence, o fracasso das condutas terapêuticas é o que fica no ar. Mesmo sendo
22
ODISSEIA DA MEDICINA
inerente à existência humana, ela parece constituir um medo universal, um tabu, principalmente para os profissionais de saúde. Isto ocorre porque é no ambiente hospitalar que se processa a luta contra as doenças e contra a morte. Na construção histórica da medicina, a morte é vista como um fracasso médico, em que a maioria dos profissionais de saúde tende a fugir do incômodo que a morte de seus pacientes causa. Com isso, há uma tendência dos profissionais a restringir a discussão sobre a morte de seus pacientes somente aos aspectos meramente técnicos, muitas vezes dirigindo sua atenção mais para os equipamentos do que para o próprio paciente. Parece ser mais fácil lidar com os números das gasometrias e da frequência cardíaca, a lidar com a proximidade do fim. Em minha prática, sinto que a palavra morte traz um incômodo tão grande que nós, profissionais, ficamos nos extremos, usando nomes técnicos ou piadinhas quando precisamos dizer que o paciente morreu. Frequentemente ouço “o paciente foi a óbito”, ou “o paciente recebeu alta celestial” e dificilmente escuto “o paciente morreu”. Até a palavra morte é censurada por nós mesmos. Estudos apontam que muitos não estamos preparados para lidar com a morte do nosso paciente, pois ela nos remete a nossa própria finitude, deixando-nos mobilizados pelo sentimento de angústia, impotência, insegurança e medo, fato que torna a assistência prestada a pacientes terminais, quase sempre, deficiente. Nesta hora, convido você a fazer uma pausa. Deixe de lado, por um instante, o que aprendeu
nos livros, nas residências, nos estágios, na vida. Responda a si mesmo estas perguntas: Como você lidou com a primeira morte de um paciente que você acompanhou? Você sofreu? E nos dias atuais, como foi para você a última morte de um paciente? Houve alguma diferença, alguma mudança de atitude, de sentimento entre a primeira e a última? Como é, para você, comunicar a um paciente ou familiar que a doença dele não tem cura? Você sentiu um nó na garganta? Tentou passar esta tarefa para outra pessoa? Acredito que uma forma de conseguirmos lidar bem com a nossa própria morte e com a morte de nossos pacientes seria promover encontros com a equipe multiprofissional para refletir sobre nossos medos, fantasmas, fraquezas, anseios e expectativas diante de um paciente sem prognóstico. Ao pararmos para pensar no que sentimos e ouvir o que nosso colega sente, podemos resignificar a morte e o cuidado prestado ao paciente. Vale ressaltar que precisamos reconhecer a morte como um processo da vida, processo este natural e necessário. Ao reconhecermos isto, quem sabe poderemos proporcionar paz, ao invés de angústia, para o paciente que está à beira da morte?
LUCIANA MENDONÇA DE CARVALHO Psicóloga CRP 09/006079 psi.lmc@gmail.com
Educação
Lendo pensamentos A diferença entre psiquiatra, psicólogo e psicanalista Patrícia Lopes - Equipe Brasil Escola
termos: psiquiatra, psicólogo e psicanalista.
para diferentes modalidades de atendimento,
O psiquiatra é um profissional da medicina
tendo por objetivo tratar as doenças mentais.
termo “psi”, bastante utilizado, muitas
que, após ter concluído sua formação, opta pela
Ele está apto a prescrever medicamentos, o que
vezes pode ser permeado de confusão
especialização em psiquiatria, que tem duração
não é permitido ao psicólogo. Em alguns casos,
quanto aos significados, principalmente
de 2 ou 3 anos e abrange estudos em neurolo-
a psicoterapia e o tratamento psiquiátrico devem
quando se refere aos profissionais indicados pelos
gia, psicofarmacologia e treinamento específico
ser aliados.
O
O psicólogo tem formação superior em psicologia, ciência que estuda os processos mentais (sentimentos, pensamentos, razão) e o comportamento humano. O curso tem duração de 4 anos para o bacharelado e licenciatura e 5 anos para obtenção do título de psicólogo. No decorrer do curso, a teoria é complementada por estágios supervisionados que habilitam o psicólogo a realizar psicodiagnóstico, psicoterapia, orientação, dentre outros procedimentos. Pode atuar no campo da psicologia clínica, escolar, social, do trabalho, entre outras. O profissional pode optar por um curso de formação em uma abordagem teórica, como a gestaltterapia, a psicanálise, a terapia cognitivocomportamental. O psicanalista é o profissional que possui uma formação em psicanálise, método terapêutico criado pelo médico austríaco Sigmund Freud, que consiste na interpretação dos conteúdos inconscientes de palavras, ações e produções imaginárias de uma pessoa, baseado nas associações livres e na transferência. Segundo a instituição formadora, o psicanalista pode ter formação em diferentes áreas de ensino superior.
O D I S S E I A D A MEDICINA
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Gin e c o l ogia e Ob s t e t r í c i a Ilustração do parto medicalizado. Certas posições facilitavam as intervenções médicas, com o uso do fórceps
A história da parturição Júlio Porto
passou a receber ajuda de outras mulheres durante
A
o trabalho de parto, tornando-o, assim, um evento história da parturição não pode ser con-
eminentemente feminino, em que a presença de
fundida com a história da obstetrícia. O
homens era proibida.
parto é tão antigo quanto o dia em que
As tradições eram cultivadas e orientadas pela
o primeiro ser humano apareceu na terra. Porém,
observação e associadas a cultos e divindades que
as histórias da obstetrícia e do parto se misturam
regiam a conduta das parteiras (PRADO, 2005).
apenas nos últimos 500 anos (PRADO, 2005). Ao longo da Idade Média, existiam várias
anos, e o termo vem da palavra latina obstetrix,
estórias para explicar a gravidez. Acreditava-se
derivada do verbo obstare (ficar ao lado). Seria
que o espermatozóide era deixado no ar e que
relativo à “mulher assistindo à parturiente” ou
as mulheres eram cúmplices do ar e do sopro,
“a mulher que presta auxílio”. Conceitualmente,
podendo assim engravidar pela simples inspiração
hoje, obstetrícia é o ramo da ciência que estuda
pulmonar. Aconselhava-se que as mulheres, na
a gestação, parto e puerpério nos seus aspectos
ausência de seus maridos, deveriam dormir de
fisiológicos e patológicos (FERREIRA, 2004).
janelas fechadas, pois essas partículas tinham poderes fecundantes (MELO, 2003).
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ODISSEIA DA MEDICINA
A assistência obstétrica existe há milhares de
A presença masculina no parto nem sempre era bem-vinda, porque, “além de os médicos se
Na mitologia, outras especulações se davam
mostrarem insensíveis à dor das parturientes, as
para a fecundação. Ela também poderia ocorrer
mulheres pareciam sentir-se constrangidas por
sem a relação sexual, e os inúmeros casos de sine
tabu de mostrar sua genitália ao homem, pre-
concubito produziram debates judiciais. Todos
ferindo, por razões psicológicas e humanitárias,
eles davam vitória às esposas dos cavaleiros
a companhia de parteiras” (DEL PRIORE, 1995).
em guerra, pois se acreditava que elas
Um dos paradigmas que existiam na as-
teriam engravidado por meio de sonhos
sistência era que a parturição devia ser um
(CASCUDO, 1968). Nos primórdios da
processo natural, permanecendo latente por
atenção ao parto, Melo (1983) aponta
muito tempo a prática médico-cirúrgica, o que
que o parto era um episódio solitário e
retardou a participação masculina no parto. Os
que, a partir da consignação da família
médicos atendiam somente situações especiais
monogâmica e patriarcal, a parturiente
e mesmo dramáticas, causando inquietude aos
Ginecologia e Obstetrícia Para que as parteiras pudessem exercer com autonomia a arte de partejar, arte essa por elas concebida, teriam que se inscrever na faculdade de medicina. Foi assim com Maria Josefina Matilde Durocher (1808-93), conhecida como Madame Durocher, a primeira mulher/parteira a ser recebida na Academia Imperial de Medicina do Rio
Deusa da Fertilidade (6.500 - 5.700 ac) no ato de parir. Turquia Central. Museu Arqueológico de Ankara
Antigos hieróglifos exprimindo parturição: técnicas vêm sendo desenvolvidas há milênios em todo o mundo
de Janeiro - Brasil, em 1871, que vestia-se com trajes masculinos, pois tratava- se de uma atividade eminentemente deste sexo (BRENES, 1991). Com a institucionalização hospitalar do parto a partir do século XX e que perdura até nossos
presentes. Esses profissionais pouco entendiam
Nesta época, a obstetrícia torna-se popular aos
da fisiologia do parto. Estavam mais interessados
aspirantes a médicos, e o caminho de entrada era
nas hemostasias, suturas e drenagens (OSAVA,
pela clínica geral. Quando escreviam textos dirigi-
1997). Nas palavras de Hugh Chamberlain, um
dos às parteiras, restringiam seus conhecimentos,
médico-parteiro, à época, “quando o homem
ocultando informações, pois havia interesse em
chega, um ou ambos - mãe ou feto - necessa-
destituí-las dessa prática (MELO, 2003).
riamente vai morrer” (WERTZ & WERTZ, 1977, apud ARNEY, 1982, p. 33).
Ressalta, ainda, que a conceituação do corpo-máquina, no século XVII, possibilitou uma
O conhecimento teórico sobre o parto teve
abordagem racional-científica do nascimento. E
seus fundamentos na Escola Hipocrática, que
a tarefa do médico no parto seria “manter a má-
relacionou dados de observações, indo além das
quina funcionando”. A concepção racionalista e
explicações divinas vigentes na época. Assim, a
a consequente disciplinização do parto mecânico
gravidez e o parto passaram a constituir fenôme-
obscureceu a fronteira do parto normal, que passa
nos a serem estudados por médicos e filósofos
a ser visto como um processo mecânico contí-
(MELO, 1983).
nuo sobre o qual se pode interferir, melhorando
O parto medicalizado é um fenômeno rela-
seu funcionamento. Esta reformulação da base
tivamente recente. Tradicionalmente, os partos
ideológica das parteiras foi mais importante na
e seus cuidados eram realizados por “mulheres-
mudança de paradigma do que a invenção do
aparadeiras”, “comadres” ou “matronas”, mas,
fórceps e a entrada dos homens na prática dos
com o declínio da prática da parteira nos séculos
partos (ARNEY, 1982).
XVII-XVIII, a medicina, como instituição, incorpora
No Brasil, com a chegada da corte portugue-
a prática da assistência ao parto como uma de
sa, em 1808, é implantada a primeira escola de
suas atribuições, intitulando-a “Arte Obstétrica”,
medicina no país, na Bahia, seguida da criação da
e denomina de parteiro ou médico-parteiro os
escola de medicina operatória e arte obstétrica no
profissionais por ela formados. O ato de dar à
Rio, no ano seguinte. Para se matricular, bastava
luz, antes uma experiência profundamente sub-
o aluno saber ler e escrever. Recomendava-se,
jetiva para a mulher e sua família, transforma-se,
apenas: bom será que entendam as línguas in-
no hospital, num momento privilegiado para o
glesa, francesa. Daí haver passado à história com
treinamento médico (OSAVA, 1997).
o nome de “Regime de Bom Será” (Salles, 1971).
dias, o direito da mulher de decidir sobre a forma do seu próprio parto já não é uma questão tão simples para a gestante. De alguma forma, o ato fisiológico de parir não tem sido apenas um processo biológico e individual da mulher, transgredindo a necessidade biológica do nascer e impedindo a mulher da satisfação de exercer o fascínio de uma experiência tão singular.
JÚLIO PORTO é médico. Especialista em Ginecologia e Obstetrícia titulado pela FEBRASGO. Diretor-tesoureiro da Sociedade Goiana de Ginecologia e Obstetrícia. Fonte: Professor Tiago Baldez - CREF 5364-GDF - Fisiologista do Exercício e Massoterapeuta
O D I S S E I A D A MEDICINA
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P l ano de Saú d e
Como fica esse plano após a saída do emprego?
P
ermanecer com o plano de saúde oferecido
Mas, para que o ex-funcionário possa manter
“Entretanto, existe um prazo mínimo (6 meses) e
pela empresa após ser dispensado, ainda que
este benefício, ele precisa ter contribuído, total ou
máximo (24 meses) de permanência”, sinaliza Camila.
tenha que pagar por ele, pode representar um
parcialmente, com o plano de saúde empresarial,
Logo, mesmo que o trabalhador tenha ficado pouco
benefício significativo, principalmente considerando
explica a advogada Camila de Oliveira Santos, do
tempo na organização terá direito a, no mínimo,
o fato de que firmar um contrato de plano de saúde
escritório Maluf e Moreno Advogados Associados.
meio ano de cobertura. Contudo, o benefício cessa
individual tem se tornado uma tarefa cada vez mais
“O empregado deve informar o interesse de per-
caso o trabalhador obtenha novo emprego que lhe
difícil. Muitas operadoras colocam empecilhos para
manecer com o plano, no prazo máximo de 30
forneça outro plano de saúde.
quem procura um plano apenas para si.
dias após a formalização da dispensa”, diz Camila.
Camila explica ainda que a lei também se aplica
E cabe à empregadora comunicar ao trabalhador
a quem se aposenta. Nesse caso, quem possui um
a existência dessa possibilidade.
plano de saúde por um período igual ou superior a
O art. 30, da lei nº 9.656/98, que rege o assunto, prevê que, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, “é assegurado
Em relação ao período de permanência após
dez anos tem direito a permanecer com o benefício
o direito de manter sua condição de beneficiário,
a rescisão do contrato, a lei obriga as empresas a
nos mesmos moldes por prazo indeterminado,
nas mesmas condições de cobertura assistencial
manter os ex-funcionários por um prazo de até
desde que assuma o pagamento integral do plano.
de que gozava quando da vigência do contrato
dois anos. O tempo de permanência previsto na
Já quem está no plano há menos de dez anos pode
de trabalho, desde que assuma seu pagamento
legislação é equivalente a um terço do período em
estender o benefício pelo prazo equivalente ao que
integral”, diz um trecho da lei.
que o funcionário permaneceu na organização.
permaneceu nele.
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ODISSEIA DA MEDICINA
Plano de Saúde Planos de saúde beneficiam cada vez mais pessoas por meio de empresas e de convênios
Impactos para as empresas Ainda que as organizações não sejam obrigadas a custear qualquer valor para o ex-funcionário que escolhe a extensão do benefício, essa opção pode ter reflexos no valor do contrato que as empresas mantêm com as operadoras de planos de saúde empresarial. Isso porque esses contratos, geralmente, possuem cláusula de sinistralidade, ou seja, o contrato prevê uma margem de utilização. “Por mais que o ex-funcionário passe a pagar pelo plano, ele continua a integrar a apólice da empresa, o que pode contribuir para que a margem de utilização seja ultrapassada”, explica Camila. Segundo ela, no momento de renovar o contrato, as operadoras costumam reajustar o valor em até 100% por causa da cota excedida. A desvantagem iminente tem feito algumas empresas estudarem formas de efetuar mudanças nos desenhos de seus planos, a fim de evitar a obrigatoriedade de estendê-los para seus ex-empregados. É o que mostra um estudo feito pela consultoria Watson Wyatt, com cerca de 170 empresas de diferentes portes e segmentos. Segundo a pesquisa, mais de 60% das empresas estão condicionadas à lei. Desse total, 13% afirmam já ter tomado providências para não precisarem mais beneficiar quem não integra seu quadro. Elas alegam que o custo criado pelos inativos não é corretamente avaliado para fins contábeis, especialmente quando ele está na mesma apólice dos ativos, o que ocorre em 76% dos casos. Além dos impactos na sinistralidade do contrato, essa situação pode implicar em subsídio indireto da empresa e dos empregados ativos, uma vez que a tendência é que os participantes de idade mais avançada criem despesas mais elevadas. Dentre as pesquisadas, 29% já precisaram assumir parte dos custos do plano médico dos inativos e pelo menos 5% sofreram ações judiciais por conta dos valores cobrados, uma vez que estes números costumam ser superiores aos debitados do trabalhador enquanto estava na empresa. Fonte: www.canalrh.com.br Por: Leandro Fernandes
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ODISSEIA DA MEDICINA
Câncer
Risco da doença cai pela metade com 30 minutos de exercícios diários
C
orrer, nadar, pedalar ou jogar bola por pelo menos 30 minutos ao dia não só previne o desenvolvimento de doenças cardiovasculares como reduz à metade o risco de câncer, segundo um estudo publicado hoje pelo “British Journal of
Sports Medicine”. A pesquisa indica que, quando uma pessoa pratica esportes de média ou alta intensidade, o consumo de oxigênio aumenta e ajuda o corpo a combater diversos tipos de doença, entre elas o câncer. Para chegar a essa conclusão, uma equipe de pesquisadores das universidades finlandesas de Kuopio e Oulu acompanhou por quase 17 anos os hábitos de vida de mais de 2,5 mil homens adeptos de práticas esportivas e que tinham de 42 a 61 anos de idade. Do total dos participantes do estudo, 181 morreram em decorrência de algum tipo de câncer. Os mais frequentes foram de pulmão, próstata, cérebro, na região gastrointestinal e nos nodos linfáticos. Ao longo da pesquisa, os cientistas estudaram os hábitos esportivos dos voluntários para determinar, em unidades metabólicas (MET), qual a quantidade de oxigênio consumida durante a prática de exercícios segundo a intensidade dos mesmos. Ficou constatado, por exemplo, que a quantidade de oxigênio consumida numa caminhada normal, numa caminhada acelerada e durante o nado é de 4,2 MET, 10,1 MET e 5,4 MET, respectivamente. Em média, a quantidade de oxigênio consumida por todos os voluntários em seus exercícios era de 4,5 MET. Por dia, eles dedicavam 66 minutos a atividades físicas. No entanto, 27% deles sequer dedicavam meia hora de seu dia à prática de esportes. Com esses dados na mão, os pesquisadores concluíram que um aumento de 1,2 MET na quantidade de oxigênio consumida durante exercícios reduz os riscos de câncer, especialmente de pulmão e na região gastrointestinal. Durante o trabalho, os cientistas avaliaram outros fatores exógenos, como a idade, o consumo de álcool e tabaco, a alimentação e o índice de massa corpórea de cada um. Fonte: Agência EFE
O D I S S E I A D A MEDICINA
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Água
A sua importância á cerca de 8 anos atendi, no Hospital das
H
seu intestino funcionava melhor e a sua disposição
movimento, hidrata, lubrifica, aquece, transporta
Forças Armadas, uma senhorita dos seus
havia melhorado... Milagre? Não, bom senso. Casos
nutrientes, elimina toxinas e repõe energia, dentre
“quase” 30 anos, com uma queixa bastante
como este são bastante comuns, e quando a cura
muitos outros benefícios. Em constante renovação,
comum: cefaléia (dor de cabeça). A paciente relatava
não depende da simples mudança ou adequação
uma pessoa adulta perde, por dia, em condições
que já havia passado pelo otorrinolaringologista, pelo
de hábitos, pelo menos algum grau de melhora está
normais, uma média de 2,5 litros de água (cerca
oftalmologista, pelo neurologista, pelo clínico geral
envolvido. Todos sabem o quanto é importante beber
de 800 ml pela expiração e urina, 1,1 litros pela
e até pelo endocrinologista, com as prescrições dos
água diária e adequadamente, mas quase sempre
transpiração e 0,6 litros pelas evacuações fecais).
mais diversos tratamentos, além da presunção de
se negligencia a atenção que esse comportamento
Sendo assim, um adulto normal deveria beber, pelo
várias hipóteses diagnósticas, sem qualquer melhora,
merece.
menos, esses dois litros e meio de água diariamente
entretanto. Durante a sua consulta, entre as várias
Para mostrar o quanto é fácil se convencer dos
perguntas habituais, questionei acerca do quanto de
inúmeros benefícios da ingestão hídrica adequada
Há quem pense que nunca esteve desidratado,
água ela ingeria por dia e com qual periodicidade.
e de como fazê-la, basta observar os dados forne-
a quem posso afirmar que a desidratação ocorre
Ela me referiu que ingeria pouca água diariamente
cidos no texto que se segue. Eles foram obtidos
todos os dias, por várias vezes. Isto porque todos
e, sobretudo, à noite, porque “não sentia sede”.
pesquisando as palavras “água”, “ importância” e
os processos citados (produção de urina, transpi-
Após mais algumas perguntas e um exame físico
“saúde”, simultaneamente, no site de busca Yahoo
ração e produção de fezes) estão constantemente
praticamente sem alterações, suspendi as medicações
Brasil. Essa rápida busca forneceu 40.103 referên-
ocorrendo, o que faz constante a perda de água.
de que a paciente fazia uso. Disse-lhe que apenas
cias sobre o assunto! Sendo assim, não há como
Para se ter uma idéia, quando uma pessoa sente
precisava tomar água adequadamente. Um tanto
justificar a falta de informação, de tempo, de não
sede, a água já está “em falta” no seu organismo
quanto descrente, após um pouco de conversa, ela
saber onde encontrá-la...
há algum tempo... Isto ocorre porque o corpo tem
voltou para casa.
para evitar a desidratação.
Todos os organismos vivos apresentam de 50
mecanismos para reduzir a sua perda, atenuando
Uma semana após, ela retornou e me disse
a 90% de água em si. O próprio corpo humano é
a produção de urina, de desidratação das fezes, da
que não sentia mais qualquer dor de cabeça, que o
constituído por 70% de água que, em constante
transpiração e, até, roubando água da respiração
30
ODISSEIA DA MEDICINA
Água Se o leitor ainda não está convencido de que deve ingerir 3 litros de água diariamente, observe o que a desidratação diária ocasiona:
Ø Desvitalização dos cabelos, levando a sua
Ø Baixa produção de saliva, levando à sensação
queda e embranquecimento.
de boca seca.
Ø Descamação do couro cabeludo.
Ø Distúrbio no aproveitamento adequado
Ø Distúrbios de concentração, de sono e de
das vitaminas e dos sais minerais, com excesso em alguns lugares e falta noutros, provocando
para poupar a sua. Quando a sede se manifesta, o
memória, com a perda da disposição para realizar
organismo já está, na verdade, mostrando que seus
as atividades diárias, em virtude da circulação
reservatórios de água estão com os “níveis baixos”
cerebral prejudicada (uma baixa quantidade de
problemas ósseos, dentais.
e que não se está mais conseguindo compensar as
água faz com que o sangue fique mais viscoso
Ø Respiração dificultada, por vezes levando a
suas perdas. Assim sendo, a ingestão de água deve
e grosso e, naturalmente, a circulação se torna
falta de ar, sobretudo durante os exercícios físicos.
ser independente da se de, constante e rigorosa.
mais lenta).
Ø Constipação e, por vezes, sangramento retal
Preconiza-se um mínimo de 01 copo de 200 ml de
Ø Ressecamento dos olhos e dos tecidos das
(devido às fezes ressecadas e endurecidas, que
água por hora quando estiver acordado.
cãimbras, dormências, perdas de força muscular,
vias aéreas que, com baixa umidade, sofrem
podem lesar o tecido intestinal ao se moverem
E não adianta deixar para tomar 2 a 3 litros
lesões mais facilmente por ficarem frágeis,
no seu interior).
necessários, diariamente, de uma só vez. Estudos
tornando-se mais propensos a inflamações ou
mostram que o estômago capacita apenas 12 ml/
infecções (conjuntivites, sinusites, bronquites,
Ø Cefaléias pela menor chegada de sangue
kg/h de líquidos, ou seja, um adulto não conseguirá
pneumonias).
tomar mais que 01 litro de líquido de uma só vez
Ø Lesões de pele e sangramentos, com o
transpiração e produção de urina e de fezes.
aparecimento de cravos e espinhas pela não
Ø Impotência ou disfunções eréteis e, no caso
sem “passar mal”. Some-se a isso o fato de que, se houver excesso de líquido no corpo, aumenta a produção de urina, proporcionalmente. É certo que há água nos alimentos, mesmo nos
eliminação adequada de toxinas por meio da pele, com o seu acúmulo local.
ao cérebro e pela retenção de toxinas não eliminadas adequadamente em virtude da baixa
das mulheres, sangramentos vaginais.
sólidos, mas a complementação da ingestão diária de água deve ser feita, periodicamente. Uma forma prática de checar se a quantidade de água ingerida
trabalho muscular e processos de desintoxicação
em virtude da baixa ingestão de água pelo paciente.
está adequada ao corpo é observar a coloração da
e filtragem), os obrigam a eliminar água e os sais
Isto se deve tanto à má circulação da substância
urina. Esta deve ser incolor, de modo que, quanto
minerais que deveriam ser retidos para compensar a
pelo corpo quanto pela má absorção da mesma no
mais intensa a cor, geralmente, mais concentrada
desidratação. Fica, portanto, a dica de se intercalar,
intestino, processo este dependente da água para
ela está, ou seja, há menos água em relação ao
sempre, a administração destas substâncias com
transportar a substância.
que está sendo eliminado. Daí a necessidade de
bastante água ou sucos naturais. É importante res-
tomar mais água!
saltar que a ingestão de líquidos deve se distanciar
Vale lembrar que é sempre bom evitar bebidas alcoólicas e bebidas artificiais (colas, refrigerantes).
pelo menos meia hora antes das refeições, para não prejudicar a digestão.
Tanto o álcool (presente nos vinhos, nas cervejas)
Há trabalhos científicos evidenciando que mui-
como a cafeína (nos refrigerantes de cola, café) são
tos tratamentos com medicações orais, sobretudo
diuréticos e, assim, embora ajudem a eliminar, pelos
anticoncepcionais, terapia de reposição hormonal e
rins, os detritos metabólicos (formados durante o
anti-hipertensivos, não alcançam o devido sucesso
ÍCARO ALVES DE ALCÂNTARA é médico. Atua em clínica geral, homeopatia estética e ortomolecular Membro da Associação Médica Homeopática Brasileira e da Sociedade Brasileira de Comestologia e da Associação Brasileira de Qualidade de Vida .
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C élulas-tro n c o
Manipulação genética Células-tronco: implicações médicas e jurídicas Juliana da Silva Moreira
F
requentemente a humanidade polariza-se em torno de questões relacionadas aos avanços científicos. Um dilema que vem ganhando proporção diz respeito ao uso de células-tronco embrionárias nas pesquisas genéticas. Aspectos morais e científicos se contrapõem acerca do modelo a ser adotado: permitir o aprofundamento dos estudos envolvendo as células-tronco embrionárias e, consequentemente, possibilitar a descoberta da cura de graves enfermidades humanas ou ceder aos apelos da consciência que determinam tais práticas como uma forma indireta de se legalizar o aborto. A partir de uma pesquisa bibliográfica pretendese demonstrar aqui que o posicionamento adotado no Brasil, a partir de 2008, foi o de permitir as pesquisas com esse tipo de células, não obstante a análise sobre as implicações desta nova ordem no seio da sociedade. De maneira recorrente, a sociedade vê-se crucialmente dividida entre apoiar as pesquisas científicas e se beneficiar dos frutos que delas se originarem ou impor restrições aos estudos, sobretudo na área médica, em decorrência de questões ligadas à moralidade ou mesmo à religião. No século XX, em vários momentos, a consciência humana viu-se tomada pelos dilemas concernentes aos avanços científicos. Alguns exemplos que comprovam tal assertiva podem ser captados ao longo da história. Uma das discussões mais em voga no início do século XXI relaciona-se às pesquisas que envolvam células - tronco embrionárias. A mais alta corte brasileira, o Supremo Tribunal Federal (STF), composta por onze ministros que têm por função precípua fazer o controle de todas as leis do país para que estejam em conformidade
32
ODISSEIA DA MEDICINA
com a Constituição Republicana de 1988, viu-se na obrigação de dirimir definitivamente a controvérsia que envolve esse tipo de pesquisa no Brasil. É mister a realização de algumas abordagens legais e médicas para que se possa compreender o alcance da controvérsia e a importância da discussão deste tema na sociedade moderna. A sociedade, de
também inviabiliza a sobrevivência ou compromete a qualidade de vida dos pacientes. Muitos destes pacientes levam a vida à espera de um milagre ou do progresso científico na esperança da cura. Foi para este perfil de pessoas que os estudos com células-tronco abriram a possibilidade de verem suas patologias debeladas.
modo geral, manifestou-se favorável às experiências com células-tronco em laboratório. Parte dela, no entanto, compreende que não vale a pena conferir aos cientistas tamanho poder de decisão sobre a vida humana. A cura de enfermidades, tão pretendida pela ciência, com o uso de células - tronco, pode, de fato, não ocorrer. Várias enfermidades assolam a humanidade podendo comprometer a qualidade de vida e até mesmo a chance de sobrevivência dos doentes. Para os que dependem dos avanços científicos para se curarem, para boa parte da comunidade científica envolvida nas pesquisas, para a população em geral e, mais importante, para a maioria dos ministros do STF, prevaleceu o entendimento de que os estudos científicos em questão poderão ser desenvolvidos. Tais discussões e seus desdobramentos requerem discussão e acima de tudo, reflexão. Todos os anos, muitas pessoas sofrem acidentes, como por exemplo, automobilísticos. Várias perdem a vida, outras perdem a capacidade de se movimentar, tendo como única alternativa deslocarem-se com o auxílio de uma cadeira de rodas ou de próteses. O número de infartos no país também vitima milhares de pessoas todos os anos. Para as que sobrevivem à doença, boa parte terá que conviver com graves sequelas pelo resto de suas vidas. E
Em poucas ocasiões na história do STF, a tribuna foi aberta para a participação dos diversos segmentos sociais em um julgamento. A mais alta corte deu a palavra a cientistas, grupos religiosos, operadores do Direito e portadores de enfermidades, dentre outros, na tentativa de dirimir um assunto que apresenta tanta controvérsia. Uma significativa demonstração de democracia pôde ser presenciada pela população no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) proposta contra a lei que regula o uso de célulastronco em experimentos científicos. Foi o povo participando ativamente das decisões legais que afetam diretamente suas vidas. Para que se possa ter uma noção acerca das divergências presentes no uso de células-tronco e, por isso também, da importância em se analisar esta questão de forma aprofundada, nos termos em que foi redigida a Lei nº 11.105, de 2005, dentre onze ministros, seis votaram pela constitucionalidade em todos os seus termos e os outros votaram pela adequação da legislação. As razões que deram corpo à ADIN associavamse à idéia de que a vida humana, para se constituir em sua integralidade, obedece a etapas, sendo que a primeira delas é a fecundação e consequente
ainda, o percentual de indivíduos que sofrem danos neurológicos também é significativo no país. A impossibilidade de as células neuronais se regenerarem
formação do embrião. No entendimento da parcela da sociedade que se coloca contra as pesquisas, o nosso país não pode trabalhar com dois pesos e duas medidas.
Células-tronco
O DNA humano, apesar de já ter sido codificado, ainda esconde muitos mistérios: como pode uma célula remota ser o embríão de todas as partes de um ser humano?
A legislação brasileira considera como ato ilícito de ordem ambiental a destruição de ovos de animais silvestres, tais como a tartaruga, conforme determina o art. 1º, da Lei nº 5.197, de 03 de janeiro de 1967, que dispõe sobre a proteção à fauna. Num contraste, a destruição de embriões humanos, então, merece permissão sob qual fundamento legal? Por outro lado, longe das ilações acerca do início da vida humana e das implicações envolvidas no uso das células, prevaleceu no julgamento da ADIN a ideia de que, enquanto que os embriões congelados representam uma hipótese remota de produção da vida, as pessoas doentes e dependentes dos avanços científicos são, sem dúvida, vidas existentes. Nesta perspectiva, pode-se compreender por que o estudo envolvendo células-tronco deve ser objeto de uma série de reflexões elencadas ao toque da opinião pública. Além do mais, tais pesquisas devem passar pelo crivo da legislação no que diz respeito à viabilidade e limitações a serem impostas às investigações científicas do tema em pauta. Um dos principais pontos que regem a discussão atrela-se ao momento em que teria início a vida. A fecundação, por si só, é um fenômeno suficiente
para se estabelecer um marco para o início da vida humana ou exigir-se-á a ocorrência do fenômeno da nidação, ou seja, a implantação embrionária no útero materno? Questiona-se mais: a ideia de que a permissão do uso de células-tronco em laboratório poderia consistir em uma legalização indireta do aborto, prática, esta sim, criminalizada no Código Penal? Uma outra pergunta: a capacidade das célulastronco adultas substituírem a contento as embrionárias nos procedimentos científicos seria aquela detentora da mesma pluripotencialidade destas? Daí uma dúvida recorrente, em especial entre os operadores do Direito, relaciona-se à inconstitucionalidade da chamada “Lei de Biossegurança” . A dúvida maior é se ela violaria a dignidade da pessoa humana e o direito à vida, tão difundidos na Constituição brasileira de 1988. Os últimos avanços na área de investigação de células-tronco,assim como as últimas descobertas neste campo, foram buscados em publicações semanais, tais como periódicos de revistas e sites relacionados ao assunto. Acreditamos ser importante a abordagem legal,
pois este julgamento representou um ponto crucial para a matéria, uma vez que declarou a constitucionalidade do art. 5º e incisos, da Lei nº 11. 105, de 24 de março de 2005, retirando o principal entrave legal ao desenvolvimento dos estudos envolvendo as células de embriões. Em um primeiro momento, devemos tecer algumas considerações acerca do que vem a ser bioética e com o que ela se ocupa. Os profissionais das áreas de saúde, incluindo-se aí os pesquisadores do ramo, devem pautar suas condutas acerca das ciências da vida pela ética, sem, no entanto, deixarem de almejar o progresso científico. É a partir do entrecruzamento entre limites e interesses que se norteia a bioética. Foi, portanto, o avanço da biologia molecular e da biotecnologia, utilizadas na medicina, ocorrido nas décadas finais do século XX, o grande impulso para a ciência da bioética. Os maiores questionamentos acerca da vertente de estudo em comento surgiram a partir do receio que permeia toda a sociedade, em uma dimensão global: quais limites devem nortear as pesquisas científicas que envolvam material humano? Organismos internacionais, bem
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C é lulas-tron c o como as legislações de diversos países se ocuparam do tema, a fim de buscar uma é para a civilização biotecnológica em prol da preservação da dignidade da pessoa humana. No instante em que o meio científico passou a disponibilizar para a sociedade (não se discutindo aqui a possibilidade restrita de acesso de todos, em decorrência de padrões econômicos desiguais) os maiores frutos de sua produção, ficou ainda mais patente a impossibilidade de se frear o avanço científico. Notória se tornou a necessidade de se buscar um ponto de equilíbrio entre as duas posições discrepantes: proibição irrestrita de qualquer atividade biomédica, o que traria um radical retrocesso no processo científico ou a permissividade plena, fator potencial para gerar imprevisíveis catástrofes à existência da espécie humana. Optou-se pela coexistência pacífica de ambas. Com vistas a disciplinar os estudos científicos, as legislações de diversos países e de organismos internacionais se ocuparam com a tratativa do tema. Devido a todas estas barreiras legais, morais e ainda religiosas, em 2008 foi discutida no STF a ADIN nº 3.510, ajuizada pela Procuradoria da República. Alguns pontos suscitados na ADIN merecem reflexões. Conforme podemos verificar, torna-se inócuo buscar uma explicação, pautada pela racionalidade, acerca do início da vida humana. No caso do uso de células-tronco embrionárias, ainda mais inútil se torna a discussão acerca do início da vida, uma vez que o centro da discussão, no que tange à lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, em seu art. 5º e parágrafos, diz respeito ao uso em pesquisas com embriões humanos comprovadamente inviáveis para gerar vida, se implantados em útero materno. Outro ponto que merece ser discutido é o de que o uso de células-tronco embrionárias representaria, em última análise, uma legalização indireta do aborto. Não há que se falar em aborto em uma situação em que não há gestação em curso e nem tão pouco uma intervenção humana no sentido de interrompê-la.
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ODISSEIA DA ME DICINA
O zigoto humano contendo oito células é o objeto de interesse da ciência, podendo representar a esperança de cura para diversas enfermidades que assolam a humanidade. No tecido adulto, existem populações celulares que se sujeitam à renovação constante, tais como, as células formadoras de cabelos, unhas, pele. Outros tipos celulares, no entanto, são estáveis, ou seja, não se sujeitam à renovação. É o que ocorre, por exemplo, com as células neuronais. Seria exatamente para atuar na reparação das células estáveis do corpo que residiria uma das maiores importâncias das células-tronco embrionárias. É este caminho que vem sendo percorrido pelas pesquisas científicas envolvendo as referidas células. A indução
maior problema recái sobre o fato de que as adultas estão disponíveis no organismo humano em quantidades mínimas, podendo ser encontradas, a título ilustrativo, no sangue e no cordão umbilical. Além do que, estas não apresentam o mesmo potencial de diferenciação das embrionárias e nem tão pouco a capacidade de dar origem a todos os tecidos humanos, como exemplo, os tecidos nervosos. As pesquisas envolvendo células-tronco adultas, no entanto, apresentam, até o momento, maiores resultados em virtude de um aspecto óbvio: elas já vêm sendo estudadas há muito mais tempo do que as embrionárias, justamente porque não encontram
das mesmas a se multiplicarem e se diferenciarem, conforme a conveniência, apresentaria a capacidade de reparar, regenerar estruturas do corpo humano que apresentam alguma deficiência. Sabe-se que as células-tronco adultas, mediante certos estímulos conhecidos como fatores de crescimento, apresentam potencial de diferenciação. O
os entraves morais, burocráticos e legais, como ocorre com as embrionárias. A Constituição Federal brasileira de 1988, no seu preâmbulo e no art. 1º, determina a República Federativa do Brasil como embasada em um Estado Democrático de Direito e tem como um dos fundamentos a dignidade da pessoa humana.
Formas de câncer que derivam de células-tronco têm metástase muito mais intensa e ameaçadora
Células-tronco
O art. 5º, caput, também da Carta Magna,
Seguindo a mesma analogia, uma vez que
científica e em razão dos inúmeros indivíduos que
assegura a brasileiros e a estrangeiros, residentes
se torna inviável a fertilização com determinados
delas poderão se beneficiar. Para estes últimos,
no país, o direito à inviolabilidade da vida. O STF
embriões, também não há o que se falar em
ainda existe a esperança de sobrevivência, o que
privilegiou a dignidade e o direito à vida, ou a uma
autorização indireta, neste caso, para práticas
não ocorre com embriões inservíveis.
melhor qualidade de vida para as pessoas que so-
abortivas.
frem de enfermidades graves e que encontram nos
Embrião comprovadamente sem viabilidade nada
estudos com células embrionárias uma esperança
mais é que um agrupamento celular e, portanto, entre
para se curarem, em detrimento do tão apregoado
o princípio do direito à vida e dignidade da pessoa
direito à vida de determinados embriões que se
humana na figura do embrião em confronto com
encontram congelados.
a supremacia do interesse da maioria da sociedade,
Chega-se, então, a algumas conclusões a respeito
este prevaleceu.
do assunto. Em um primeiro plano, a sociedade
Entendemos também que a técnica que utiliza as
apoiou e o STF referendou a constitucionalidade
células-tronco embrionárias não existe para substituir
do art. 5º e parágrafos, da Lei nº 11.105, de 24
os estudos envolvendo células-tronco adultas. Cremos
de março de 2005. Deste fato pode-se depreender
que exista uma relação de complementaridade entre
que prevaleceu o interesse de uma maioria sedenta
elas, à medida que cada uma apresenta vantagens,
por ver a medicina apresentar progressos cada vez
mas também limitações.
mais amplos.
Possivelmente, mesmo que tenha sido considerada
Os ministros colocaram em um plano secundário
constitucional a chamada “Lei de Biossegurança”
a discussão acerca do marco inicial da vida como
alguns segmentos tais como as igrejas, continuaram
sendo contado a partir da fecundação, para uns e,
a se insurgir contra os referidos estudos.
para outros, a partir da implantação do embrião em
O que se deve ter em foco, no entanto, é o fato
útero materno, por entender estar esta discussão
de que as pesquisas que se utilizam de embriões
assentada em um plano, acima de tudo, filosófico.
devem ser estimuladas em prol da independência
JULIANA DA SILVA MOREIRA é médica. Especialista em Dermatologia e aluna do curso de Pósgraduação/MBA em Gestão Estratégica de Saúde do Centro Universitário UNA - Belo Horizonte.
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