Aprender e estudar no ensino superior Cíntia Regina Lacerda Rabello. Extrato de: Aprendizagem na educação a distância: Dificuldades dos discentes de licenciatura em ciências biológicas na modalidade semipresencial / – Rio de Janeiro: UFRJ / Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, 2007, pg. 34-46
Aprendizagem: o que é e o que caracteriza a boa aprendizagem? Uma vez que o objetivo deste estudo é identificar as dificuldades na aprendizagem que os estudantes encontram na EAD, dois aspectos devem ser observados. Primeiramente, o que entendemos por aprendizagem e o que caracteriza uma boa aprendizagem. Em segundo lugar, é importante situarmos o aprendiz do ensino superior como um aprendiz adulto, com características e necessidades específicas. Em meio às diversas teorias e conceituações de aprendizagem, percebemos que a maioria delas entende a aprendizagem como um processo de aquisição de conhecimento e mudança de comportamento. Tomando o viés psicológico para formulação do conceito de aprendizagem, adotamos aqui a perspectiva cognitiva, em que a aprendizagem pode ser entendida como processo de aquisição por meio do qual incorporamos novas representações à memória permanente, ou mudamos aquelas que já possuímos (POZO, 2002, p. 88). Pozo também apresenta três características prototípicas da boa aprendizagem, definida como mudança duradoura, passível de transferência a novas situações, e conseqüência direta da prática realizada (idem, p. 60). Dessa forma, para esse autor, a aprendizagem será mais eficaz
[...] quanto maior e mais significativa for a relação que se estabelece entre a nova informação que chega ao sistema e os conhecimentos que já estavam representados na memória. Quanto mais organizado, ou menos isolado, se adquire um resultado da aprendizagem, maior será sua duração e possibilidade de transferência e mais eficaz resultará essa aprendizagem. (POZO, 2002, p. 88)
Afirma ainda que a aprendizagem depende do bom funcionamento de certos processos que podem otimizar ou minimizar sua eficácia, os “processos auxiliares da aprendizagem”. Dentre esses processos, encontramos a motivação, ou seja, o motivo para o qual o aluno se esforça para aprender; a atenção, que permite o estabelecimento do foco na tarefa de aprendizagem; a recuperação e a transferência das representações presentes na memória como conseqüência de aprendizagens anteriores, e a consciência e o controle dos próprios mecanismos de aprendizagem (idem, p. 88-9). Silva & Sá compartilham idéia semelhante ao afirmarem que a aprendizagem eficaz depende da adoção de estratégias cognitivas e orientações motivacionais que permitam ao indivíduo tomar consciência dos objetivos, dos processos e dos meios facilitadores da aprendizagem e tomar decisões apropriadas sobre que estratégias utilizar em cada tarefa e como modificá-las quando estas se revelarem pouco eficazes. Em síntese, saber aprender contribui para uma aprendizagem bem sucedida (1997, p. 17)
Por estratégias de aprendizagem entendemos os “processos conscientes delineados pelos estudantes para atingirem objetivos de aprendizagem” (SILVA & SÁ, 1997, p. 19). Comumente classificadas em cognitivas, metacognitivas e sociais-afetivas, essas estratégias implicam em personalização, flexibilidade, avaliação de custos e intencionalidade, e sua aplicação consciente e adequada é muito importante para a boa aprendizagem (idem, p. 20). Para Cossenza (1996, p. 36), as estratégias cognitivas estão relacionadas às tarefas de aprendizagem individual e envolvem a manipulação ou transformação do material a ser aprendido. Nesse sentido, percebemos que as estratégias cognitivas correspondem a técnicas de estudo individuais utilizadas pelos alunos durante o estudo, a fim de facilitar o processo de aprendizagem. As estratégias sociais-afetivas, por outro lado, envolvem a interação com outras pessoas e o gerenciamento dos sentimentos relacionados à aprendizagem. A cooperação e o questionamento são exemplos desse tipo de estratégia, que ganham maior importância no contexto da EAD, dada a separação física entre alunos e professores. As estratégias de aprendizagem metacognitivas são também especialmente importantes para a EAD, por envolverem o pensar sobre os próprios processos de aprendizagem, o planejamento para a aprendizagem, a monitoração de atividades de aprendizagem, e a avaliação de quanto alguém aprendeu. De acordo com Cotterall & Reinders, as estratégias metacognitivas auxiliam alunos a organizar e monitorar seu aprendizado por três razões: (a) porque, ao fazer o planejamento da tarefa, o aluno obtém um senso de controle sobre ela; (b) a definição de metas possibilita a individualização do aprendizado; e (c) através do automonitoramento e auto-avaliação o aluno desenvolve sua independência. Dessa maneira, a utilização de estratégias de aprendizagem metacognitivas possibilita potencializar o processo de aprendizagem, uma vez que revelam aos alunos o que eles podem fazer por si mesmos. Além disso, à medida que o aprendiz passa a conhecer seus próprios processos cognitivos, ele se torna mais autônomo, capaz de regular e gerenciar a própria aprendizagem (COTTERALL & REINDERS, 2005, p. 6-7). Embora possamos perceber a importância do uso de estratégias para uma boa aprendizagem, seja no contexto da educação fundamental, média ou superior, presencial ou a distância, em relação à EAD, Olgren (1998, p. 77) afirma que para se desenvolver programas eficazes é necessário compreender como a aprendizagem acontece, bem como os fatores que influenciam os processos de aprendizagem. Para essa autora, três fatores que têm um impacto principal na aprendizagem são justamente as estratégias cognitivas para o processamento da informação, as atividades metacognitivas para o planejamento e auto-regulação e, por fim, os objetivos e motivações dos aprendizes.
Quem é o aluno bem-sucedido? Identificadas as características de uma aprendizagem eficaz, podemos traçar o perfil do aprendiz eficaz, ou seja, aquele que é bem-sucedido nas tarefas de aprendizagem. Diversas são as visões a respeito do “bom aluno”. Barnes define o bom aluno como aquele que tem a “capacidade de começar” (1995, p. 13), ou seja, o aluno que se organiza e controla a própria aprendizagem, sem deixar tudo para a “última hora”. Para Serafini (1996, p. 17), “os estudantes bem-sucedidos não são necessariamente os mais inteligentes e trabalhadores, mas sim os mais eficientes, porque souberam elaborar um bom método de estudo”. Para Healey (2002), o bom aprendiz é aquele que estabelece seus próprios objetivos e assume responsabilidade por seu aprendizado. Segundo Peixoto & Silva (1999, p. 19), pesquisas têm demonstrado que “alunos com sucesso escolar têm auto-estima mais elevada e assumem maior responsabilidade por suas ações do que aqueles de menor rendimento”. Olgren afirma ainda que vários estudos indicam que alunos capazes utilizam várias estratégias cognitivas para selecionar, organizar e integrar a informação, valendo-se de estratégias metacognitivas para planejar e regular a aprendizagem. Além disso, são autodirigidos e têm a capacidade de desenvolver e controlar as próprias atividades de aprendizagem (OLGREN, 1998, p. 78). Embora Barnes nos advirta que o “super aluno” seja apenas um mito (BARNES, 1995, p. 17), podemos perceber duas características comuns nas descrições acima que nos permitem identificar
fatores de sucesso nas tarefas de aprendizagem: o controle sobre a própria aprendizagem (que descreveremos no próximo item), e a organização e elaboração de bons hábitos de estudo. Destacamos ainda outros fatores que podem influenciar o sucesso do aprendiz: a motivação para a aprendizagem e a abordagem adotada durante o estudo.
a) Hábitos de Estudo Ao falarmos de hábitos de estudo, cabe aqui ressaltar que não utilizamos os termos aprendizagem e estudo como sinônimos, uma vez que acreditamos ser possível haver aprendizagem sem estudo, assim como estudo sem aprendizagem. Tomamos, no presente trabalho, o estudo como meio de alcançar a aprendizagem, principalmente no contexto do ensino superior e da educação a distância. Por hábitos de estudo, entendemos o conjunto de ações realizadas pelos aprendizes durante o processo de estudo, tais como o local utilizado, a alocação do tempo para essa atividade, a utilização de técnicas (ou métodos) e recursos utilizados. Serafini (1996, p. 133) afirma que o ambiente de estudo pode favorecer ou dificultar o aproveitamento do estudante. Embora reconheçamos as diferenças individuais entre os aprendizes e diferentes preferências de acordo com diferentes estilos de aprendizagem, em geral um bom local de estudo é aquele que é “destinado exclusivamente ao estudo, confortável e com boa iluminação”, no qual encontra-se todo o material necessário para a tarefa, como livros, canetas, dicionários, etc; em suma, um local tranqüilo, sem interrupções e sem elementos que causem distração (SILVA & SÁ, 1997, p. 56). A organização do tempo de estudo também é fundamental. A esse respeito, Barnes nos adverte da ilusão de que os alunos que estudam mais são os melhores (BARNES, 1995, p. 19), e que o estudo por longas horas nem sempre é produtivo, pois o que importa é a qualidade do estudo e não sua quantidade. Descreve o gerenciamento do tempo como uma habilidade essencial para o sucesso da aprendizagem, o que pode evitar perda de energia desnecessária, acumulação de tarefas e descumprimento de prazos (idem, p. 42-6). Ainda a respeito da organização do tempo de estudo, Serafini afirma que “os estudantes com maiores dificuldades são também os menos capazes de gerir o tempo de que dispõem” (SERAFINI, 1996, p. 15). Outro item muito importante dentro de um conjunto de ações para se estudar bem é o uso de técnicas de estudo. A partir da definição de técnica como “o conjunto de processos de uma arte” e “habilidade especial de executar ou fazer algo” (FERREIRA, 1986), entendemos por técnicas de estudo o conjunto de ações utilizadas a fim de facilitar o processo de estudo. Destacamos nesta pesquisa as ações de ler silenciosamente ou em voz alta, sublinhar, fazer anotações, resumir, fichar, fazer esquemas, reler e memorizar. Cada uma dessas técnicas, também chamadas de estratégias de aprendizagem cognitivas, apresenta vantagens e desvantagens, e podemos ainda dizer que algumas são mais eficazes que outras. Serafini (1996) descreve a maneira de aplicação correta de cada umas das técnicas utilizadas pelos alunos, destacando as diferentes fases da leitura (pré-leitura, leitura rápida e leitura analítica) e a importância do papel ativo do estudante durante a aplicação de cada uma delas. Segundo a autora, não basta apenas sublinhar o texto todo ou copiar trechos inteiros, é necessário que o aluno busque refletir sobre o assunto, identificando idéias principais e pensando criticamente, ao sublinhar ou fazer anotação. A autora destaca ainda a importância da elaboração de mapas conceituais ou esquemas e da confecção de fichas de síntese ou resumos, visto que os esquemas são “instrumentos de grande utilidade para a apresentação organizada de informações” (SERAFINI, 1996, p. 66) durante o processo de estudo. Para ela, “a elaboração de mapas deve constituir parte dos hábitos de estudo [...] dada a dificuldade que os jovens normalmente sentem de hierarquizar estruturas complexas” (idem, p. 67). Por outro lado, a revisão do material estudado é de grande importância para a conclusão do processo de estudo. Após fazer a leitura crítica, sublinhar as informações mais importantes, fazer anotações e desenhar esquemas ou mapas conceituais, deve-se revisar o material de estudo e
avaliá-lo de modo crítico. Para isso, devem ser utilizadas as fichas de síntese e resumos, pois possibilitam “a estruturação do conhecimento de forma mais completa, relacionando as várias informações que possuímos” (idem, p. 74). Entendemos que para um estudo eficaz os alunos devem fazer uso consciente de cada uma das técnicas descritas em diferentes etapas do processo. De acordo com Silva & Sá (1997, p. 8), o uso dessas e outras estratégias cognitivas facilitam a regulação da aprendizagem. Por fim, os recursos utilizados no estudo são todos os materiais disponíveis para aquisição ou complementação de informação e conhecimento. Destacamos, entre eles, o livro didático, apostilas, cadernos, livros em bibliotecas, Internet, gravações de aula, etc. Acreditamos que a utilização dos recursos está relacionada à forma pela qual o aluno encara a própria aprendizagem e à sua própria motivação para o estudo.
b) Motivação para o estudo Em termos de motivação para o estudo, Silva & Sá (1997, p. 26) afirmam que “os estados afetivos e motivacionais têm sido reconhecidos como importantes fatores que afetam o sucesso e o insucesso escolares” e definem motivação como “o impulso para agir em direção a um determinado objetivo”. Já Pozo refere-se à motivação no sentido mais literal de ‘mover-se para’ a aprendizagem, o motivo, ou o por quê, queremos aprender (POZO, 2002, p. 138). Para Silva & Sá, a motivação, entre outros fatores, como a utilização de estratégias e os conhecimentos prévios, determina a aquisição do conhecimento, compreensão ou habilidade na realização em que estamos empenhados (SILVA & SÁ, 1997, p. 26). Sabemos que a motivação pode ser de dois tipos: extrínseca, quando é mantida pelos efeitos do meio, tais como receber uma recompensa, ou, no caso do estudo universitário, um diploma; ou intrínseca, quando não é influenciada por fatores externos ao estudante, e sim por uma força interna que impulsiona o aluno a estudar, tais como o prazer de aprender e gosto pelo estudo. A motivação intrínseca é geralmente associada ao sucesso da aprendizagem, de vez que o desejo de aprender conduz a um estudo mais eficiente e uma aprendizagem mais construtiva e significativa. Para Pozo, “aprender pela satisfação pessoal de compreender ou dominar algo implica que a meta ou motivo da aprendizagem é precisamente aprender, e não obter algo ‘em troca da’ aprendizagem”. Além disso, os efeitos da aprendizagem movida pelo desejo de aprender parecem ser mais sólidos e consistentes do que quando a aprendizagem é movida por fatores externos (POZO, 2002, p. 141). No entanto, ambos os tipos de motivação são importantes para uma boa aprendizagem, como podemos perceber no seguinte trecho: Jerome Bruner defende que a aprendizagem será mais duradoura quando é mantida pela motivação intrínseca do que quando é impulsionada pela influência mais transitória dos reforços externos. No entanto, Bruner admite que a motivação extrínseca pode ser necessária para levar o estudante a iniciar certas ações ou para iniciar o processo de aprendizagem; mas, uma vez iniciado, este processo é mais adequadamente mantido se existirem motivos intrínsecos que o transformem num objetivo significativo para a própria pessoa. (SILVA & SÁ, 1997, p. 27)
Assim, para obter uma boa aprendizagem, o ideal é saber combinar estímulos internos e externos. Outro conceito relacionado à motivação para a aprendizagem é a orientação para os objetivos, ou seja, para quê os alunos estudam. Silva & Sá (1997, p. 31) afirmam que os objetivos que o aluno persegue durante o processo de estudo influenciam a qualidade de seu desempenho e determinam suas reações ao sucesso ou fracasso de seus esforços. Esses objetivos podem ser voltados tanto para os resultados quanto para os objetivos da aprendizagem. Os objetivos voltados para os resultados da aprendizagem, também chamados de orientação para o ego, são relacionados à preocupação com a obtenção de avaliações favoráveis às competências ou com a obtenção de projeção acadêmica, marcada pelo desejo de uma posição de superioridade e destaque, muitas vezes relacionada à competição (PEIXOTO & GUIMARÃES, 2005, p. 83). Segundo Silva & Sá (1997, p. 31), esse tipo de orientação é caracterizado por um evitamento de desafios e baixa persistência face às dificuldades.
Por outro lado, a orientação para a maestria é voltada para os objetivos de aprendizagem, ou seja, quando os alunos se preocupam em aumentar suas competências, não para se destacar entre os demais, mas pelo prazer de aprender. Em contraposição à orientação para o ego, essa orientação é caracterizada pela busca de desafios e elevada persistência e eficácia perante os obstáculos (idem, ibidem). Peixoto & Guimarães afirmam que, segundo pesquisas, a orientação para a maestria é melhor para o aprendiz do que a orientação para o ego, pois em geral esses alunos encaram o estudo como mais prazeroso; por isso estudam mais e melhor, tendo um aprendizado mais profundo. Além disso, “alunos orientados para a maestria são mais versáteis, adaptando-se melhor a situações novas e também a condições de estudo dificultado” (PEIXOTO & GUIMARÃES, 2005, p. 83).
c) Duas maneiras de aprender Por fim, a maneira pela qual o aprendiz aborda o próprio estudo também influenciará a qualidade da aprendizagem. Podemos destacar dois modos de aprender: o modo aquisitivo, também chamado de superficial ou reativo, e o modo interativo, pró-ativo ou profundo (BARNES, 1995; VASCONCELOS et al., 2005; MORGAN, 1995; KNOWLES, 1975).
Pelo modo aquisitivo, a aprendizagem é vista como mera aquisição de informação e conhecimento. Alunos que estudam da forma aquisitiva assistem a uma aula a fim de anotar tudo para decorar mais tarde, não fazendo uso de fontes de estudo complementares ou mesmo discutindo idéias com professores e colegas. O aluno exerce um papel passivo na aprendizagem, esperando que o professor entregue a ele todo o conhecimento para que possa absorvê-lo. Esse tipo de abordagem se encaixa no conceito de “educação bancária” formulado por Paulo Freire (1996, p. 25), no qual o aluno entende a aprendizagem com uma repetição de idéias sem tomar nenhuma posição crítica frente a elas. Já o aluno que estuda da forma interativa exerce um papel ativo na aprendizagem, tomando notas para lembrar-se posteriormente, mas o faz de maneira crítica, refletindo sobre as informações e discutindo-as, quando julga necessário. Esse aluno busca diferentes fontes de estudo a fim de complementar as aulas e busca uma compreensão profunda do material estudado. Procura ainda relacionar os conceitos aprendidos com conhecimentos prévios e com a experiência diária. Morgan (1995) afirma que, realizada de uma forma ou de outra, essa abordagem descreve a maneira pela qual o aluno lida com a tarefa de aprendizagem em particular. Para uma aprendizagem eficaz, os estudantes devem abordar seus estudos de maneira profunda (“deep approach”), o que garante uma total compreensão do material estudado. Alunos que estudam de maneira superficial (“superficial approach”) tendem a não der domínio do material estudado, e a quantidade de estudo não reflete necessariamente sua qualidade. Na abordagem profunda, a intenção do aluno é a de entender, e o foco do estudo é no significado. Além disso, esse aluno é capaz de relacionar e distinguir conhecimento prévio e novas idéias, confrontando conceitos com a experiência diária, e organizando e estruturando o conteúdo por meio de uma ênfase interna. Na abordagem superficial, por outro lado, a intenção do aluno é completar as exigências da tarefa de aprendizagem, e o foco do estudo é no significante, ou seja, o próprio texto. O aluno que tem esse tipo de abordagem se preocupa em memorizar a informação e os procedimentos de avaliação, além de associar conceitos e fatos de maneira não-reflexiva. Ele tem dificuldade para distinguir princípios de evidência, informação nova e conhecimento prévio, e trata, por fim, a tarefa de aprendizagem como uma imposição externa (MORGAN, 1995, p. 55-6).
Dificuldades na aprendizagem Ao apresentarmos os fatores que caracterizam a boa aprendizagem, fica claro que os fatores que causam as dificuldades são o oposto dos descritos anteriormente. Silva & Sá (1997, p. 15) afirmam que há dois tipos de fatores que os alunos geralmente atribuem às dificuldades de aprendizagem: fatores externos à aprendizagem (como o método de ensino ou o clima desfavorável no qual a aprendizagem aconteceu) e fatores internos (como a falta de conhecimentos prévios e o
nível de ansiedade). As autoras resumem ainda as principais dificuldades encontradas pelos estudantes ao afirmarem que Estas dificuldades situam-se, geralmente, em três áreas: o tempo e a organização do estudo (estudo nas vésperas das avaliações, tempo de estudo insuficiente, falta de planejamento das atividades escolares); estratégias cognitivas (utilização do mesmo método de estudo para todas as disciplinas, não- resolução de dúvidas, incapacidade para auto-avaliar a compreensão das matérias, dificuldade em relacionar a informação e realizar inferências); e, ainda, a motivação (falta de persistência na realização de trabalhos e exercícios, ausência de interesse pela aprendizagem). (SILVA & SÁ, 1997, p. 39)
No entanto, ainda encontramos outros fatores que podem prejudicar o sucesso na aprendizagem, assim como a ignorância sobre o que é solicitado, ou seja, quando o aluno não sabe o que o curso ou o professor espera dele (BARNES, 1995, p. 18) ou também dificuldades determinadas por problemas de leitura e compreensão dos textos para estudo, que, tanto no contexto presencial quanto a distância, é uma atividade essencial para a compreensão, organização e retenção da informação (SILVA & SÁ, 1997, p. 17). Outra dificuldade muito comum e que logo será discutida é a falta de autonomia e de autodireção na aprendizagem. Muitos alunos exercem um papel passivo na aprendizagem, não porque preferem assim, mas porque não foram acostumados a exercer um papel ativo. A esse respeito Malcolm Knowles destaca que “é um fato trágico que a maioria de nós saibamos apenas como ser ensinados; nós não aprendemos como aprender” (KNOWLES, 1975, p. 14).
Ensino superior e o conceito de andragogia As dificuldades encontradas na aprendizagem que descrevemos até agora podem ser evidenciadas em qualquer nível de instrução, seja no ensino fundamental, médio ou superior, e mesmo no ensino profissionalizante ou em programas de educação continuada. No entanto, percebemos que o ensino superior representa um momento de grande transição na vida do aprendiz, no qual lhe serão exigidas novas habilidades e atitudes. Segundo Severino, o aprendiz no ensino superior deve tomar consciência de seu papel e responsabilidades, uma vez que o resultado dessa experiência depende dele mesmo. Nesse sentido, o aprendiz deve desenvolver maior autonomia, independência e uma postura de autoatividade didática. Por outro lado, precisa organizar sua disciplina de estudo através do uso de diversos instrumentos. Além disso, o autor destaca a importância de assumir uma postura ativa e crítica durante todo o processo de aprendizagem (SEVERINO, 2004, p. 23-4). Pesquisadores na Universidade do Minho, em Portugal, afirmam que investigações realizadas nessa área têm revelado que algumas das dificuldades de adaptação à universidade decorrem da ineficácia dos métodos de trabalho dos estudantes. Conseqüentemente, a par dos problemas no ajustamento pessoal e social, emergem dificuldades de aprendizagem e de rendimento acadêmico, em boa medida explicadas por processos de aprendizagem e métodos de estudo pouco eficazes. O ensino superior, apelando a uma maior participação, iniciativa e autonomia dos estudantes nas suas aprendizagens, pode ser demasiado desafiante para as competências e os níveis de autonomia dos alunos. (VASCONCELOS et al., 2002, p. 2)
Preocupado com as diferenças marcantes entre o ensino de adultos, como é o caso do ensino superior, e com o ensino de crianças, Malcolm Knowles enfatiza que o aprendiz adulto foi por muito tempo negligenciado. Embora desde o final da 1ª Guerra Mundial tenham surgido noções das características únicas do aprendiz adulto, somente nos anos 1960 é que surgiu uma teoria sobre a aprendizagem de adultos, chamada de andragogia, em contraposição ao termo pedagogia, que significa, em sua morfologia, a arte e ciência de ensinar crianças (KNOWLES, 1979, p. 27-8). Dessa forma, o autor define ainda andragogia como “a arte e ciência de ajudar adultos (ou, ainda melhor, seres humanos em amadurecimento) a aprender” e afirma que o que diferencia os dois termos são os pressupostos sobre os aprendizes (KNOWLES, 1975, p. 19).
Um dos pioneiros nessa área foi Eduard C. Lindeman, que identificou, em 1926, cinco características do aprendiz adulto, que constituem ainda a base da pesquisa moderna de aprendizagem de adultos: (1) adultos são motivados a aprender; (2) sua orientação para a aprendizagem é centrada na vida; (3) a experiência é o recurso mais rico para a aprendizagem de adultos; (4) adultos têm uma necessidade profunda de serem autodirigidos; e (5) as diferenças individuais entre as pessoas aumentam com a idade (KNOWLES, 1979, p. 31). Moore (1980) compara o aluno adulto ao aluno autônomo, pois o aluno adulto é uma pessoa que está apta a abordar um assunto diretamente sem um outro adulto em um conjunto de papéis de intervenção entre o aluno e a matéria a ser aprendida. O adulto sabe seus próprios padrões e expectativas. Ele não mais precisa que lhe digam o que fazer, nem precisa da aprovação e recompensas de pessoas em papéis de autoridade. (MOORE, 1980, p. 24)
A questão da autonomia do adulto é mais uma vez levantada por Moore ao se referir ao trabalho de Knowles, que afirma que o comportamento autônomo deve ser natural do aprendiz adulto, uma vez que a dependência é uma característica da criança. Para esse autor, “conforme uma pessoa cresce, ela passa a se ver como capaz de tomar decisões e sua autoidentidade começa a tomar forma” (idem, ibidem). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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