Metacognição e estratégias de aprendizagem

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Metacognição e Estratégias de Aprendizagem Joecy Dias de Andrade Estratégias de aprendizagem dos alunos dos cursos de especialização do Instituto Nacional de Câncer - INCA / Rio de Janeiro: UFRJ / Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, 2007, pg 67-72.

A relação entre metacognição e estratégias de aprendizagem As estratégias são processos mentais que têm um papel importante na aprendizagem, porque ao utilizá-las o aprendiz torna-se capaz de controlar o uso das suas competências e o uso das estratégias mais específicas, ou seja, de estratégias que o permitam realizar uma tarefa com o maior êxito possível. Sempre que realizamos atividades, mesmo as mais simples e rotineiras, que executamos continuamente sem reparar nelas, ou as mais elaboradas que exigem de nós habilidades e conhecimentos mais complexos, é exigido de nós o controle sobre alguns elementos dessa atividade, ou a realização de analogias com conhecimentos já adquiridos para que obtenhamos êxito. O uso das estratégias solicita do indivíduo uma capacidade de refletir sobre seus próprios processos mentais. Por esta razão, o interesse pelo estudo do papel das estratégias na aprendizagem intensificou-se com surgimento de uma nova área de investigação psicológica designada por metacognição . Este conceito, introduzido por John Flavell, define o conhecimento sobre os próprios processos e produtos cognitivos. A metacognição abrange o conhecimento sobre os objetos cognitivos, emoções e motivações, mas também abrange a monitorização do sistema cognitivo, ou seja, as ações de observação, avaliação e correção realizadas pelo aprendiz sobre os seus produtos cognitivos. A metacognição, segundo Pozo; Monereo; Castelló (2004) diz respeito à capacidade que os seres humanos possuem de exercer um certo controle consciente sobre os próprios estados e processos mentais. Segundo Silva; Sá (1997), Flavell distingue dois domínios metacognitivos: o conhecimento metacognitivo e as experiências metacognitivas. O primeiro domínio diz respeito ao conhecimento que o aprendiz tem sobre si e sobre as pessoas o que pode influenciar a ocorrência e os resultados das ações psicológicas. Este conhecimento é referente à pessoa, à tarefa e à estratégia. O conhecimento relativo à pessoa envolve todos os conhecimentos ou crenças sobre os seres humanos. O conhecimento sobre a tarefa diz respeito à informação que ele já dispõe para realizar uma tarefa e aos objetivos da tarefa. O conhecimento sobre a estratégia inclui as informações que o aprendiz possui sobre os processos ou as ações que lhe permitirão alcançar seus objetivos com maior eficácia numa determinada tarefa. Portanto, o conhecimento metacognitivo diz respeito à interação entre a pessoa, a tarefa e a estratégia. O segundo domínio corresponde às experiências metacognitivas que se referem às experiências conscientes que ocorrem antes, durante e depois da realização da tarefa (por ex., reler o texto para melhorar a compreensão). Ribeiro (2003) afirma ainda que podemos falar em experiência metacognitiva sempre que enfrentamos uma dificuldade, uma falta de compreensão ou um sentimento de que algo não está indo bem. Quando o aluno tem o sentimento de ansiedade porque não compreendeu algo, mas reconhece que precisa e quer compreender, este sentimento poderia ser denominado de experiência metacognitiva. Estas experiências são importantes porque é por meio delas que o aprendiz pode avaliar as suas dificuldades e, conseqüentemente, desenvolver meios para superá-las. Flavell (apud RIBEIRO, 2003, p.111) considera que o conhecimento metacognitivo e as experiências metacognitivas estão interligados, pois o conhecimento permite interpretar as experiências e agir sobre elas. As experiências, por sua vez, contribuem para o desenvolvimento e a modificação desse conhecimento. Assim, é possível compreender a relação entre estratégia e metacognição, já que o domínio sobre certas tarefas facilita a ocorrência de experiências metacognitivas para o aprendiz, e essas experiências metacognitivas possibilitam a tomada de consciência, tanto das dificuldades para a realização das tarefas, quanto dos meios que ele deve recorrer para superá-las (SILVA; SÁ, 1997). O conhecimento sobre a estratégia inclui as informações que o aprendiz possui sobre os processos ou as ações que lhe permitirão alcançar seus objetivos com maior eficácia numa determinada tarefa. Pensemos, por exemplo, como o aluno pode aprender a Tabela Periódica de forma que possa fazer a prova com maior probabilidade de êxito? Ou, ainda, como um de nós pode explicar o procedimento que seguiu para localizar na memória o que fez no dia 26 de abril de 2005, às 9 horas?


O aluno é capaz de aprender a Tabela Periódica, assim como nós só podemos recuperar o que fizemos no dia 26 de abril de 2005, às 9 horas, se recorrermos a algum mecanismo de caráter intrapsicológico que nos permita ter consciência de alguns dos conhecimentos que recorremos e de alguns dos processos mentais que utilizamos para gerir esses conhecimentos. A esses mecanismos chamamos metacognição, ou seja, consciência da própria cognição ou o conhecimento sobre nossos próprios processos cognitivos. Para Flavell, autor que introduziu o conceito de metacognição, o desenvolvimento da capacidade metacognitiva ocorre por meio de dois elementos: o conhecimento e crenças sobre o próprio funcionamento cognitivo, por ex., “lembro-me melhor dos rostos que dos nomes” e as próprias experiências metacognitivas do sujeito que são vivenciadas quando o sujeito aplica tais conhecimentos e avalia se são pertinentes e eficazes (apud POZO; MONEREO; CASTELLÓ, 2004). Posteriormente, Anne M. Melot (apud POZO; MONEREO; CASTELLÓ, 2004) avançou nos estudos sobre aprendizagem metacognitiva ao concluir que as crianças, desde a mais tenra idade, têm um conhecimento implícito sobre características, requisitos e limitações de seu sistema cognitivo. Este conhecimento é utilizado para facilitar suas aprendizagens que continuam sendo adquiridas, progressivamente, com a idade. A título de exemplo, se a criança precisa ou deseja repetir os sons emitidos pelo seu cuidador (aprendizagem nova), ela vai recorrer ao seu próprio conhecimento sobre suas características para realizar a tarefa. A este processo chamamos metamemória, que tende a reduzir toda a metacognição ao conhecimento sobre os próprios processos cognitivos, sem levar em conta os conteúdos das tarefas de aprendizagem e o contexto em que ela ocorre. É fundamental reconhecer que o metaconhecimento não é apenas o conhecimento dos processos psicológicos, mas também dos conteúdos que devem ser assimilados ou apreendidos. Além disso, a abordagem tradicional da metacognição não considerava as condições mais adequadas para a aprendizagem. Não se trata apenas de os alunos saberem o que devem fazer para aprender, mas também onde, quando, como e com quem devem fazer isso. Em síntese, as estratégias de aprendizagem devem ser utilizadas em um determinado contexto, em função das condições reais de aprendizagem, dos recursos disponíveis e das metas estabelecidas. Para uma melhor compreensão, é necessário tornar claro que há uma dificuldade de transformar a metacognição em um uso estratégico do conhecimento porque a corrente tradicional tendia a interpretar a metacognição como aquilo que os sujeitos dizem de sua própria cognição. Por outro lado, alguns autores entendiam que a metacognição corresponderia ao que os sujeitos fazem de sua própria cognição. O primeiro sentido corresponde a uma metacognição declarativa, como um tipo de discurso, e o segundo caso corresponde a uma metacognição procedimental, como uma forma de ação, que envolve processos de controle e de regulação. A partir dessa concepção, foram desenvolvidos outros estudos que demonstravam que somos conscientes do conteúdo e das idéias geradas na nossa mente no momento em que estabelecemos trocas com o exterior. Esse enfoque teve apoio parcial das idéias de Vygotsky que defendia a indissolubilidade entre o que se aprende e o contexto em que se aprende. Autores como Brown (apud POZO; MONEREO; CASTELLÓ, 2004) estabeleceram uma aproximação integradora entre as concepções cognitivas e socioculturais onde: as formas que o aluno tem de interagir com as tarefas de aprendizagem são de natureza social e cultural; a regulação das tarefas deve ser feita considerando o contexto, as demandas e os conteúdos disciplinares; e a construção mútua entre os dois tipos de metacognição - como discurso e como regulação - devem promover a aprendizagem em cenários concretos, considerando as condições de cada situação de aprendizagem. A integração entre as duas formas de entender a metacognição dar-se-ia pelo uso estratégico do conhecimento por meio de processos, conteúdos e condições e pela compreensão que o aluno deve ter sobre seus processos cognitivos (POZO; MONEREO; CASTELLÓ, 2004)...

Referências: • POZO, J.I.; MONEREO, C.; CASTELLÓ, M. O uso estratégico do conhecimento. In: COLL, C.; MARCHESI, A. ; PALACIOS, J. Desenvolvimento psicológico e educação - psicologia da educação escolar. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 145-160. • RIBEIRO, C. Metacognição: um apoio ao processo de aprendizagem. Psicologia: reflexão e crítica, Porto Alegre, v.16, n.1, 2003. •

SILVA; SÁ. Saber estudar e estudar para saber. 2. ed. rev. e aum. Porto: [s.n.], 1997.


[1] Etimologicamente, a palavra metacognição significa para além da cognição, isto é, a faculdade de conhecer o próprio ato de conhecer, ou por outras palavras, consciencializar, analisar e avaliar como se conhece (Ribeiro, 2003, p.109).


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