Revista Digital Olho Latino - nº17

Page 1

edição nº17

1


Revista Digital Olho Latino nº 17 Das Impressões ao Decálogo de um Pintor A obra da capa é a pintura Figura Exclusa VIII da

Revista Digital Olho Latino nº 17 - julho de 2010 ISSN 1980-4229 Edições Anteriores: www.olholatino.com.br/revista/arquivo/arquivo1.htm Editor Paulo de Tarso Cheida Sans Jornalista responsável: Luciene Sans Conselho Editorial: Alex Roch Celina Carvalho Euclides Sandoval Luciene Sans Tiago Carvalho Sans Arte e diagramação: Luciene Sans Obra da capa de julho de 2010: Celina Carvalho– Figura Exclusa V –acrílica sobre tela Os artigos e reportagens assinadas não refletem necessariamente a opinião da revista, sendo de responsabilidade exclusiva de seus autores. Não pode ser reproduzida sem autorização do editor. Revista Digital Olho Latino é uma publicação do Museu de Arte Contemporânea Olho Latino. Alameda Prof. Lucas Nogueira Garcêz, 511 Parque das Águas - Estância de Atibaia, SP. CEP: 12941-650 www.olholatino.com.br Contato: museu@olholatino.com.br

2

artista Celina Carvalho. Essa obra faz parte da série do mesmo nome realizada entre 2000 a 2003. A artista e escritora Eni Ilis Rivelino, ao visitar recentemente uma exposição coletiva realizada em Campinas, SP, teve a oportunidade de ver a obra “Figura Exclusa V”. Essa pintura chamou tanto a atenção da visitante que a fez escrever um ensaio sobre a obra, que aqui está compondo o texto inicial deste número da revista digital Olho Latino. Vale registrar que, além da obra vista pela colaboradora, estão também algumas das pinturas da série, já que, ao enfocar sua análise sobre uma única obra, diz tanto, que suas palavras também elucidam a apreciação da série como um todo. A seguir está o ensaio da crítica de arte Sandra Hitner analisando a obra imortal do artista alemão Albrecht Dürer (1471 – 1528), para quem “a verdadeira essência do trabalho de arte jazia em sua forma, expressão direta da significação espiritual”. O XI Prêmio Marc Ferrez de Fotografia, evento promovido pela FUNARTE, é mencionado pela jornalista Luciene Sans que também faz uma breve análise sobre o talento do fotógrafo visionário, cujo concurso registra o seu nome numa merecida homenagem.A leitura indicada é o livro “Nelson Screnci: Decálogo de um pintor”, publicado pela Editora Pantemporâneo. Numa das galerias do Lugar Pantemporâneo, em São Paulo, a mostra do artista autor Screnci mereceu também a atenção. Livro e mostra, ambos mostram o caráter artístico de um pintor que produz e atua com profissionalismo e seriedade, sendo um dos principais artistas plásticos de sua geração. Desejamos aos leitores uma boa leitura e que nos envie suas opiniões para que, cada vez mais, a nossa Revista seja aprimorada e apreciada. Paulo Cheida Sans

edição nº17


ARTISTA

04

Impressões acerca de Figura Exclusa de Celina Carvalho Eni Ilis

ENSAIO

12

Albrecht Dürer: transcendendo o tempo Sandra Hitner

EVENTO

18

O Prêmio que promove o visionário Marc Ferrez Luciene Sans

LEITURA

22

Nelson Screnci: decálogo de um pintor Paulo Cheida Sans

edição nº17

3


divulgação

ARTISTA

Figura Exclusa V – acrílica sobre tela.

Impressões acerca de Figura Exclusa de Celina Carvalho

Eni Ilis

P

resenças em meio à brisa de egos. Níveis de realidades que completam e encerram a trama humana em sua visceralidade: a individualidade é incompleta, somos seres do ENTRE na matéria terra – corporeidade – fundamento de um estar no mundo. Momento de origem para a experiência de ser em relação, daí a harmonia percebida enquanto permanência. É “solo” – se os tons fossem outros, outras intuições adviriam... Temos o marrom – terra 4

– solo, o limite seguro de um lado – a terra é consistente; e de outro é macia – acolhida das sementes e aberturas de caminhos, ou seja, traz a dualidade de mover e permanecer. Em outros termos, pode crescer, transmutar-se, expandir ao mesmo tempo em que é essência. Com estas perspectivas ancora-se a possibilidade humana que, como dito, está no ENTRE dessa respiração da Vida na união dos seres os quais não estão em hierarquia nem em edição nº17


divulgação

divulgação

Figura Exclusa II – acrílica sobre tela.

sobreposição, mas somente ligados. União que aparentemente afastam outras, contudo união primeira necessária, haja vista, que o existir em si e tão somente para si seria um solipicismo estagnante. Revivendo, de certa forma, o mito da androginia a completude está na ressonância que lhe dá retorno e, com isso, vislumbra a consciência da própria dimensão. Espelhos e projeções esmiuçados pela Psicologia, mas vai além: é um estar - junto que traz amparo, acolhida, companhia (lembrando que essa palavra significa o partir e comer o mesmo pão). A androginia entrevista neste trabalho é diferente da descrita por Platão em seu diálogo O Banquete, edição nº17

pois a ligação entre os seres está no extremo dos braços, que não estão finalizados em mãos. Esta ausência revela força na união, posto que, as mãos são o movimento do cérebro na extensão de vontades, pensamentos, intuições na busca de concretizações. As mãos corporificam o que antes era só imaterialidade. Aproxima e afasta, prepara e destrói, sova o pão e o parte para a comunhão... Antes de toda e qualquer tecnologia, que acaba por ser sua extensão, a mão é instrumento de efetivação da cultura. Portanto, significados, elos entre a realidade bruta e transformada, instaurando no entorno uma intervenção, colocando nessa 5


divulgação

Figura Exclusa VI – acrílica sobre tela.

externalidade um antes e depois e nisso a História. É dentro dessa força que os seres estão atados: no extremo que movimenta e significa a Vida e humanidades. Contudo, se há esta dimensão que nos remete a uma alteridade fundante, percebe-se outros movimentos mais sutis: perfis e perfis e perfis, de todos os lados, sobrevoando toda a tela, transparentes e orientando-se para adiante. Brisa de egos, colocou-se no início e parece apropriado depois do que aqui já se escreveu. 6

O ego é a pele da individualidade, o que se mostra e constrói em historicidade e cultura para canalizar e expressar valores, palavras, sentenças do entorno que absorve pelo olhar. Não é à toa, talvez, que os perfis sejam tênues e os olhos nítidos: janelas para absorver e externar mundos de forma imediata, ao contrário das palavras que são ponderadas e veiculadas por um parecer, uma situação, um costume, uma ideologia... Transitoriedade que percorre o humano criando diferentes confrontos. É como se fossemos edição nº17


divulgação

Figura Exclusa VI – acrílica sobre tela.

caminhados pelos humores e personalidades. Talvez quando o perfil acomoda-se e adere a uma dessas presenças de forma harmoniosa há a boa ressonância entre o que se é e o que se faz o movimento duplo inicial (mover e permanecer) agora transposto para outra esfera: o existir-se concreta e historicamente. Há um fluir e acréscimo, não resta dúvida. Quantos, contudo, tem essa sorte? Outros perfis são como que rarefeitos, tênues demais para envolver a força vital que nos constitui e explode, se sobrepõe, torna-se primeiro plano e pele: loucura. E outros ainda são tão fortes, espessos e resistentes que se tornam verdadeiras carapaças, invólucros que edição nº17

sufocam a individualidade soterrandoa com o seu peso – seres massificados na ilusão de serem originais... Afogados na superfície das relações identitárias. Seguindo, temos diante de nós um retrato da humanidade sem moralismos, mas encontros e possibilidades existenciais. Nisso conflito, cumplicidade, (des) estruturações fazem a movimentação da Figura Exclusa, título da obra que pode abranger toda essa dinâmica, aqui só esboçada em várias linhas interpretativas. A presença humanizante dá-se em alteridade como fato primevo, daí o aceitar-se implicar aceitar o outro que se é, pois estamos unidos. Crer 7


divulgação

Figura Exclusa VII – acrílica sobre tela.

8

edição nº17


divulgação

Figura Exclusa VIII – acrílica sobre tela.

edição nº17

9


10

divulgação

na superfície da individualidade, na persona – pessoa – perfil é possibilidade de existência truncada de conflitos e imposições e submissões ao não se reconhecer no outro e identificar-se no transitório e não no essencial. Se a Figura é Exclusa é ao ser a combinação única com únicas articulações – relações – reações com seu entorno. Esse campo da historicidade dinamiza a formação, conexão das singularidades. Eis por que: “(...) nós vivemos ao mesmo tempo entre pessoas do período paleolítico e da Idade Média. Vivemos com gente de cinco mil anos atrás e com gente de séculos adiante de nós”¹. Como lidar com isso? Como lidar com esse entre-choque de relações? A resposta está no que cada um de nós é para a Vida fluir, do contrário segue-se também, mas com quantos desgastes, entraves, atrofias? E eis que o Exclusivo revela-se em outra dimensão: a exclusão ao se enrijecer na transitoriedade do ego, que como tudo o mais, também é movimento, continuidade – ou caso se prefira: aprofundar-se, desenvolver-se em sintonia com a essência que é ENTRE. Certa vez, Nise da Silveira teria dito: “Só os loucos e os artistas

Figura Exclusa I – acrílica sobre tela.

podem me compreender”². No que se refere ao trabalho aqui “passeado”, certamente, provocaria ressonâncias, visto que, a arte é uma construção expressiva de esferas mais profundas do que somos, daí impactar, afetar, produzir e desencadear compreensões a partir de nossos alicerces. (compreensões que nada mais são que caminhos que fazemos para nos chegar). Uma obra que, em seu silêncio deflagra tantos percursos já tem a sua razão de ser. Justifica-se não por atender qualidades estéticas consolidadas, explicitar influências que a insiram em uma ou outra tradição; seguir esquemas de composição para poder ser avaliada – digerida – reconhecida – premiada pelo olhar oficial que segue impressões tornadas comuns... Não se trata de nada disso! Figura edição nº17


Luciene Sans

A artista plástica Celina Carvalho produzindo a série.

Exclusa justifica-se por nada disso, mesmo que se tenha captado nessas tramas (quantos olhares depararamse com esse trabalho e, por conseguinte, quantas percepções e juízos?). Escrevo tão somente minhas impressões desse quadro, dessa antropologia poética e vejo que se justifica sim como Guattari justifica as ações realmente humanas. Diz ele: “A única finalidade das atividades humanas é a produção de uma subjetividade que enriqueça de modo contínuo sua relação com o mundo”³. E isso se deu tanto na realização da obra pela artista Celina Carvalho, que possibilitou toda essa edição nº17

incursão do meu olhar provocando estas impressões que agora aqui estão. * * * Referências: 1 - Horta. Nise: arqueóloga dos mares, p. 81. 2 - Op. Cit. P.320. 3 - Guattari. Caosmose, p. 33. Bibliografia: HORTA, Bernardo Carneiro. Nise: arqueóloga dos mares, 2 ed. RJ: Aeroplano, 2008. GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético, SP: Ed. 34, 1992. 11


ENSAIO

Albrecht Dürer:

transcendendo o tempo Sandra Hitner

A

lbrecht Dürer (Nuremberg, 21 de maio de 1471 a 6 de abril de 1528), depois de ter aprendido a ler e a escrever na escola, e apenas terminada sua aprendizagem como ourives na oficina do pai, se deu conta que queria ser pintor. Esta ambição, porém, não foi alcançada sem muita luta, gradual evolução técnica, e uma percepção intuitiva extraordinária. Para Albrecht Dürer, a verdadeira essência do trabalho de arte jazia em sua forma, expressão direta da significação espiritual, e, por isso, é inegável seu talento, primeiramente como desenhista. O desenho, sabe-se, é o impulso que esboça a forma futura daquilo que a princípio é apenas pressentimento de uma criatividade. É também por meio do desenho que se manifesta espontaneamente o sistema nervoso e muscular, no gesto de busca da abstração do pensamento. 12

A autonomia intelectual de Dürer quase o impossibilitava de conformar-se com a simples imitação do sensível, optando, assim, pela livre detalhe idiossincrasia, reelaborando aquilo que retirava do contato com a natureza. A arte de Dürer se aproxima muito da doutrina artística rediscutida na Itália da época, conhecida a princípio pelo nome de Idéia[1]. A essência de suas criações exprimia um impulso íntimo, como se deixasse fluir uma imagem interior advinda da alma, canal condutor da infinita plenitude criadora e original; grosso modo conhecida como “inspiração”. É como se Dürer conhecesse profundamente aquela “surda intenção significativa” que procura desesperadamente tomar corpo. O componente inquieto de sua personalidade era justamente aquele que almejava a posse da habilidade de representar a Idéia livremente; a edição nº17


criação digital de Luciene Sans a partir de foto divulgação

divulgação

Rinoceronte – xilogravura, 1515.

maneira direta de fazer fluir o conceito diretamente para sua a mão. As xilogravuras, ou estampas advindas de matrizes de madeira, sempre foram mais populares que os buris, basicamente porque sua produção era menos laboriosa, o que as beneficiava consideravelmente no preço. Também não requeriam exames minuciosos do observador, produzindo nele forte impacto e reação direta. Dürer manteve-se atento a este tipo de percepção. Procurou tirar o edição nº17

máximo proveito destas potencialidades inerentes e até limitadas da matriz de madeira. Isto não quer dizer que seu sentimento para as formas fosse diferente em outros tipos de trabalho; mas ele só se permitia um forte exagero expressivo nos desenhos destinados às xilogravuras. O desenho nos buris foi para ele um permanente exercício de leveza no toque. Os traços foram evoluindo até tornarem-se cada vez mais refinados com a prática desta 13


divulgação

A Melancolia – gravura em cobre, 1514.

14

edição nº17


técnica. Dürer foi o primeiro artista em Nuremberg a lidar com a “pura criação” em gravura. Também foi o primeiro a estabelecer o chamado “direito de propriedade artística”, pois já marcava sobre as pranchas de madeira seu sinete (monograma), declarando-se autor do desenho, registrando, assim, a autoria de sua Idéia, o que exigia muito dele, pois era onde constantemente se testava, experimentando formas. Suas gravuras compreendiam todas as temáticas: sagradas e seculares, paisagens, figuras humanas e de animais, elementos concretos em estreita relação com os abstratos. Repetiu nos buris temas das xilogravuras e vice-versa. Enquanto as xilogravuras se tornavam cada vez mais simples e de expressão elementar, muito embora sempre tecnicamente inovadoras, os buris apresentavam um conhecimento especializado de formas e técnica extremamente bem concluídas, acrescidas de um charme especial dedicado aos escorços, textura das superfícies trabalhada manualmente com invejável destreza, e uma sutil discrição nas nuances da luz. Contudo, a temática principal para Dürer era o nu. A vontade de assimilar os princípios da arte italiana e, a partir dela, os da edição nº17

Antiguidade clássica, dominaram toda sua atividade criativa. Este tema era praticamente desconhecido ou ignorado pela arte germânica daqueles anos. Assim, entendeu que alguém tinha de começar a dispor do organismo natural do corpo sob os princípios científicos exatos, e que a correção matemática da forma humana seria, definitivamente, a grande lição de arte que tinha a aprender. Percebeu que as poucas representações do nu que existiam na época eram totalmente inexpressivas, não só porque careciam de força, mas porque a estrutura do corpo humano não tinha absolutamente sido compreendida a contento pelos nórdicos. Começou, então, a copiar modelos italianos à exaustão. Segundo Wölfflin, “...o homem que poderia dar à arte germânica uma completa concepção nova de realidade, contentava-se com uma arte emprestada...”, e, o fato de todos estes corpos pressuporem uma natureza diferente da germânica não causava a ele a mínima preocupação. No entanto, a relação com o real não era suficiente para Dürer naquele momento. Seu desejo era atingir o sublime, naquilo que o homem tem de semelhança com Deus; o lado divino. 15


divulgação

O Caballero, a Morte e o Diabo – gravura em cobre, 1513.

Como faria para demonstrar um ser mais belo que outro, dispondo de uma caligrafia naturalmente tolhida pelas inegáveis asperezas da alma germânica? Encontrou a fórmula que aplicou na gravura a buril Adão e Eva (1504). Este protótipo não deixava de ser uma representação da Natureza, mas contava com a inteligência e o poder de abstração do artista em todo seu conteúdo e temática. 16

Era, portanto, o álibi estrutural de representação que continha em seu cadinho uma parcela da perfeição. O desenho, considerado “intelectual”, não satisfazia somente as obrigações de clareza e abstração, mas demonstrava em si o resultado da marca mais fundamental da natureza humana. Neste momento da carreira de Dürer, houve um contraste marcante de atitudes: as xilogravuras satisfaziam os sentimentos edição nº17


populares com temas edificantes; os buris, que evidentemente atingiam um outro tipo de público, provocavam algumas reticências... As criações de Dürer tornaram-se populares principalmente por se tratarem de trabalhos gráficos. Na Alemanha, os desenhos tinham quase que o dever de comunicar, além de serem imprescindíveis para a popularidade do artista. Dürer sabia que somente por meio do aperfeiçoamento dos traços poria em prática seu sonho de juventude: a pintura. E foi além. Deixando-se penetrar pelo espírito da Renascença, considerou como um dever redigir uma vasta obra pedagógica para uso dos jovens artistas alemães: ensaios que transmitiam ensinamentos profissionais das academias italianas e, neles, acrescentar lições de ética. O ambicioso projeto, que deveria ser coroado com uma reflexão sobre o significado da arte, foi produzido sob forma de Tratados: Geometria e Perspectiva (1525), Tratado sobre as Fortificações (1527), e os Quatro livros das Proporções do Corpo Humano, publicado por seu amigo Pirckheimer seis meses após sua morte. O nome de Albrecht Dürer estará para sempre vinculado à lembrança do artista que trouxe um elemento edição nº17

estrangeiro modificador para dentro de sua tradição estética nativa alemã. Como era extremamente seduzido pela serenidade latina e observador do atrativo sensível da arte italiana, foi vivenciá-la e conferi-la duas vezes durante a vida; aos vinte e quatro anos e dez anos depois. Seu dinâmico metabolismo social também o levou aos Países Baixos vivenciando a arte dos irmãos Van Eyck e de Rogier Van der Weyden em todo seu esplendor. Durante a última viagem conheceu o imperador Carlos V e Margarida da Áustria; foi ao encontro de Erasmo de Rotterdam, Quentin Metsys, e, mais uma vez, foi inegável a influência deste desfrute cultural na sua estética e vice-versa. Albrecht Dürer, que buscou garantias e direitos de propriedade artística, adotou seu famoso monograma no momento em que terminou sua série do Apocalipse. Tomando como exemplo o maior dos monogramas, o nÚ7, retirado da série do Apocalipse (1496/7-99) e comparando-o com o da nÚ 8, aplicado à matriz do Erasmus (1526), que foi a última estampa gravada por Dürer, torna-se notória a evolução de sua caligrafia. * * * 17


EVENTO ACERVO

O Prêmio que promove o visionário Marc Ferrez

Luciene Sans

P

or meio do Prêmio Marc Ferrez, criado em 1984, a Funarte - Fundação Nacional de Artes - difunde e fomenta a reflexão e a produção artística no campo da fotografia, dando condições para que pesquisadores e artistas possam se dedicar ao desenvolvimento de trabalhos inéditos no campo da fotografia. Foram contemplados 36 fotógrafos com o XI Prêmio Marc Ferrez de Fotografia, divididos em três categorias. Duas delas, “Pesquisa, experimentação e criação em linguagem fotográfica” e “Documentação fotográfica / registro das transformações do cotidiano na sociedade”, ofereceram aporte financeiro de R$ 40 mil a cada projeto selecionado. Já os contemplados na categoria “Produção de conhecimento por meio de apoio ao pensamento crítico e teórico” receberam prêmios de R$10 mil. O processo seletivo do XI Prêmio Marc Ferrez, um dos mais importantes prêmios da fotografia brasileira, esteve aberto a 18

proponentes de todo o país. Cinco integrantes, um de cada região, com notório conhecimento sobre a fotografia brasileira foram responsáveis pela análise dos projetos inscritos. A seguir, a relação dos contemplados: Categoria: Pesquisa, experimentação e criação em linguagem fotográfica: Claudia Jaguaribe Gomes de Mattos Os seus caminhos (SP); Alberto Bitar Sobre o vazio (PA); Lucia Machado Koch - Amostras de Arquitetura (SP); Matheus Rocha Pitta - Boletim de Ofertas (RJ); Usha Velasco - O Olhar do Tempo: Encontros e Trânsitos (DF); Rodrigo Braga - Entrelaços (PE); Flavya Mutran Pereira - Pretérito imperfeito de territórios móveis (RS); Pedro Victor Peixoto Brandão Rodrigues Cardoso - O Transitório Fóssil (RJ); Ricardo de Carvalho Junqueira - Sobre fotografia e memória (RN); Eduardo Fraipont Figuras Autônomas (SP); Letícia de Azambuja Ramos - Bitacora (SP); Cristiana Bierrenbach Lima - Haiti 2010 - Relatos possíveis (SP). edição nº17


O fotógrafo de Atibaia, SP, Vitor Carvalho, foi um dos 12 premiados na categoria “Registro das transformações do cotidiano na sociedade”. Segundo Vitor, o prêmio também é para a cidade, pois, em sua pesquisa, são registradas as transformações do cotidiano por meio de retratos de pessoas em Atibaia. O projeto premiado “Anônimos Revelados” vai ser finalizado até dezembro de 2010 e contará com uma edição em livro, edição nº17

divulgação

Categoria: Documentação Fotográfica / Registro das transformações do cotidiano na sociedade: João Roberto Ripper Barbosa Cordeiro - Doenças Negligenciadas - leishmaniose (RJ); Luana Fischer Quintal (SP); Márcio Henrique Furtado Vasconcelos - Na Trilha do Cangaço - Um Ensaio Fotográfico pelo Sertão que Lampião pisou (MA); Ana Shirley Penaforte Cardoso - Imagens Submersas (PA); Luiza Peixoto Baldan - Península (RJ); Silas José de Paula - A face desnuda do maracatu (CE); João Castilho - Hotel Tropical (MG); Márcio José Teixeira Nogueira Lima - O Povo Cigano (BA); Vitor Carvalho Silva - Anônimos Revelados (SP).

O fotógrafo Vitor Carvalho, de Atibaia, SP, é um dos premiados.

que será distribuído gratuitamente para todo o Brasil. Também foram contemplados quatro pesquisadores vinculados à Unicamp, estes na categoria “Produção de conhecimento por meio de apoio ao pensamento crítico e teórico no campo da fotografia”. São eles: Eduardo Costa, Ana Maria Schultze, Suzana Barretto Ribeiro e Fernando de Tacca, este último com seu projeto intitulado “O Cruzeiro versus Life Magazine”, que aborda o embate fotojornalístico entre a revista brasileira e a americana. 19


divulgação

Marc Ferrez aos 33 anos, 1876 - Rio de Janeiro, RJ.

Sobre Marc Ferrez O Prêmio Marc Ferrez leva como homenagem o nome do fotógrafo brasileiro mais importante de sua época. Marc Ferrez desbravou o Brasil do século 19, em expedições governamentais e científicas, e registou imagens de todas as regiões de um país em transformação, consideradas um dos mais ricos documentos visuais daquele tempo. Ferrez ficou conhecido internacionalmente não apenas por suas panorâmicas, mas também pelas pesquisas na área da fotografia. Por exemplo, com equipamentos adaptados para operar dentro de embarcações. Dentre seus feitos, especializou-se com profissionais experientes, até fundar, em 1867, um ateliê e sua própria marca, a Marc Ferrez & Cia. No ano seguinte, registrou as 20

comemorações do fim da Guerra do Paraguai e começou a trabalhar para o governo. A partir de 1872, passou a se apresentar como “fotógrafo da Marinha Imperial”. Os 50 anos de registros fotográficos foram úteis também para o cinema. Ferrez trouxe ao Brasil as chapas para produção de imagens coloridas, criadas pelos irmãos Lumière, e fundou a Companhia Cinematográfica Brasileira, em 1917. Seu reconhecimento no Brasil foi tão grande a ponto de ser convidado a dar aulas de fotografia para a princesa Isabel. O Prêmio Marc Ferrez é mais do que uma justa homenagem a este memorável fotógrafo brasileiro que registrou com tanta maestria e paixão seu país. edição nº17


divulgação divulgação

Cruzador Imperial Marinheiro, 1885 - Rio de Janeiro, RJ.

Cruzador Imperial Marinheiro, 1885 - Rio de Janeiro, RJ.

edição nº17

21


LEITURA ARTIGO

Nelson Screnci:

decálogo de um pintor Paulo Cheida Sans

O

Lugar Pantemporâneo, em São Paulo, é um espaço cultural catalisador de imagens, livros e idéias. Com uma programação pautada pela qualidade e seriedade em sua livraria e em suas galerias, o Pantemporâneo vem registrando uma atuação de destaque no cenário cultural nacional. Suas publicações são oportunas, preenchendo lacunas editorias no contexto artístico. Desta vez, recém lançada pelo Lugar Pantemporâneo, está a publicação “Nelson Scrtenci: decálogo de um Pintor”. Nesse livro, o artista autor parte de 10 verdades que elegeu para refletir sobre sua postura enquanto criador. Seu decálogo inicial é o seguinte: 1. Não existem regras para iniciar uma pintura. Existe, sim, um repertório. 2. A pintura é um grande exercício de autoaprendizagem e de abnegação. 3. Quem diz que sabe pintar bem já começou a desaprender. 4. Pintar é sempre um privilégio, e quase sempre uma felicidade, uma alegria! 22

5. A melhor pintura é sempre a que se está fazendo no momento. 6. Pintar é transformar materiais e pessoas em novos materiais e pessoas. 7. Mais difícil do que começar a pintar é decidir quando a obra termina. 8. Sem disciplina não existe trabalho. Sem trabalho não existe arte. 9. Pintar pensando em ser avançado já é um sinal de estar no passado. 10. Para o artista, a arte termina onde começa o mero exercício da vaidade. O livro de 72 páginas, repleto de ilustrações em cores de suas obras, tem a apresentação do pesquisador em estética, prof. Dr. Jorge Anthonio e Silva, que diz: “Para o iniciante na difícil prática da pintura, Screnci apresenta um caminho autoeducativo que se baseia na contenção, na dedicação, na disciplina, na transformação constante do ato criador e na humildade”. O livro já bastaria por ter fotografias das obras do autor de diversas épocas. Contudo, a publicação vai além da produção do edição nº17


divulgação

O artista plástico Nelson Screnci.

artista, com uma escrita acessível, que facilita o entendimento sobre aspectos da Arte. Nelson Screnci nasceu em São Paulo (1955). Além de artista plástico é professor de Artes Visuais e de História da Arte. É formado em Artes Plásticas pela FAAP Fundação Armando Alvares Penteado - em 1982 e no ano seguinte o seu talento já era reconhecido, como comprova o “Prêmio Pirelli-Masp” que recebeu. Este evento foi muito concorrido e pode ser considerado um grande feito da época, possibilitando a edição nº17

apresentação e a aproximação de artistas jovens com o circuito oficial das Artes. A partir deste prêmio, Screnci participou ativamente do cenário cultural, tendo suas obras inseridas em coleções de importantes museus e que servem como referência para diversas publicações. O Lugar Pantemporâneo, além da publicação, oferece ao público a mostra “Metamorfose” do autor artista, que está aberta à visitação de 16 de junho a 24 de julho de 2010, Av. Nove de Julho 3.653 – Jardim Paulista – São Paulo, SP. 23


divulgação

A Melancolia – gravura em cobre, 1514.

Na exposição, Nelson Screnci, apresenta cerca de 30 trabalhos, em acrílico sobre tela de várias dimensões, que tecem comparações entre paisagens naturais e urbanas. Embora a publicação e a mostra sejam independentes uma da outra, será de grande valia para o apreciador visitar a mostra e ler o livro, enriquecendo o seu entendimento sobre a Arte e sobre a produção artística do autor. É uma oportunidade de conferir de perto obras que estão registradas no livro. Na mostra é notório verificar o talento de Screnci como um artista rigoroso consigo mesmo e perspicaz 24

nos mínimos detalhes. Tem uma construção pictórica pessoal que vai transformando a sua experiência de vida em focos criativos, cujo bojo poético é a reflexão sobre a conduta humana diante da época atual. O artista faz sua pintura como ofício, ultrapassando as questões de vaidade e de manipulação pelos canalizadores de opiniões. Screnci sabe de cór que o ato de criar está acima das superficialidades que, muitas vezes, são mostradas como arte. Ele sabe, e o seu livro é um forte testemunho de seu pensamento, que antes de se querer ou desejar ser um artista há um edição nº17


divulgação

A Melancolia – gravura em cobre, 1514.

trabalho rigoroso de cunho pessoal, que alia uma série de “coisas”, desde a herança cultural que recebemos até o dia a dia congestionado das cidades grandes. Coisas estas que envolvem pessoas, paisagens, conhecimento, sabedoria, caráter, decisão e muitas outras inúmeras possibilidades que dependem da vida de cada um em consonância consigo e com os outros. Como uma espécie de depoimento sobre a sua carreira, Screnci, exímio educador, explica o seu decálogo de pintor, transmitindo a sua experiência como artista em reflexões pertinentes ao ato de pintar edição nº17

e de ser artista plástico na época atual. A publicação toda é significativa, no entanto, apontamos uma vertente muito enriquecedora, principalmente para os professores de Artes, que é sobre releitura. Para Screnci “releitura não é influência, citação, cópia ou deturpação de um original... é um recurso de apropriação e interpretação, sempre enriquecedor para tentar compreender o presente através da contemplação de suas raízes...” As obras do artista que enfocam releituras servem de exemplo que o ensino da Arte tem sempre que 25


carregar o sentido pessoal de quem faz, relê e interpreta com os próprios “olhos”. Sua sintonia entre o presente e o passado emerge de uma apreciação sensível e de um talento incomum,

próprio dos grandes e poucos artistas de cada época. Vale a pena conferir, tanto a mostra quanto o livro. * * *

Exposição: Nelson Screnci: Metamorfoses. Período da mostra: 16 de junho a 24 de julhode 2010. Visitação: de segunda a sábado, das 10h às 18h, exceto em feriados. Entrada franca. Local: Lugar Pantemporâneo. Endereço: Av. Nove de Julho 3.653 – Jardim Paulista – São Paulo, SP. Telefone: (11) 3018-2230. Observação: O local possui estacionamento e acesso para pessoas portadoras de necessidades especiais.

Livro: Nelson Screnci: Decálogo de um Pintor Autor: Nelson Screnci ISBN: 978-85-62402-05-0 Idioma: Português Formato: 20 x 20cm Páginas: 72 Edição: 1ª Ano: 2010 Acabamento: Brochura com orelhas Informações: http://www.pantemporaneo.com.br

26

edição nº17


Colaboradores desta edição:

Eni Ilis Rivelino - Professora de Filosofia licenciada pela PUCCampinas. Artista autodidata. Produção escrita com temas entre filosofia e literatura, em especial relacionados com obras de Nietzsche e Dostoievski. Luciene Sans - Jornalista, poeta e assessora de imprensa do Museu Olho Latino. Jornalista responsável pela Revista Digital Olho Latino.

Paulo Cheida Sans - Professor do Curso de Artes Visuais da PUCCampinas. Doutor em Artes Visuais pela Unicamp. Curador do Museu Olho Latino.

Sandra Hitner - historiadora de arte, perita, especialista em análise de autenticidade e ancianidade de obras de arte por meio de exames técnicos e laboratoriais.

edição nº17

27


28

edição nº17


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.