Revista Digital Olho Latino - nº19

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Revista Digital Olho Latino nº 19 Do ritmo à solidão

Revista Digital Olho Latino nº 19 - setembro de 2010 ISSN 1980-4229 Edições Anteriores: www.olholatino.com.br/revista/arquivo/arquivo1.htm Editor: Paulo de Tarso Cheida Sans Jornalista responsável: Luciene Sans Conselho Editorial: Alex Roch Celina Carvalho Euclides Sandoval Luciene Sans Tiago Carvalho Sans Arte e diagramação: Luciene Sans Obra da capa de setembro de 2010: Young Koh – Montreux – escultura com sucata Os artigos e reportagens assinadas não refletem necessariamente a opinião da revista, sendo de responsabilidade exclusiva de seus autores. Não pode ser reproduzida sem autorização do editor. Revista Digital Olho Latino é uma publicação do Museu de Arte Contemporânea Olho Latino. Alameda Prof. Lucas Nogueira Garcêz, 511 Parque das Águas - Estância de Atibaia, SP. CEP: 12941-650 www.olholatino.com.br Contato: museu@olholatino.com.br

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A Revista Digital Olho Latino tem cada vez mais apreciadores atentos e interessados. Estamos preparando um suporte que auxiliará na busca dos assuntos tratados nas edições anteriores a fim de facilitar as pesquisas. Para este número apresentamos do ritmo, como harmonia visual, à solidão, enfocada pelo meio mais “penetrável”, que é pela criação artística. Apresentamos a mostra de gravuras de Conceição Bicalho e Maria do Céu Diel realizada no Museu Olho Latino, que recebe a menção da jornalista Luciene Sans nos contando um pouco sobre as obras e trajetórias das artistas. As duas expositoras, com extensos currículos, são professoras e pesquisadoras da Universidade Federal de Minas Gerais. A obra da capa é a escultura “Montreux” da artista Yong Koh. Essa obra faz parte da série que leva o mesmo nome, iniciada em 2002, com a utilização de sucatas de diversos instrumentos musicais. É uma das principais esculturas da carreira da artista. A síntese de sua obra merece nosso breve ensaio. Young, em seu currículo, tem várias distinções e premiações, ressaltando a condecoração recebida em Seul, pelo Governo Coreano, por mérito artístico por ser uma das principais artistas coreanas residentes no exterior. O crítico Jacob Klintowitz faz uma análise da mostra “Espaço Reconstruído” do artista Rogério Gomes em exposição no Memorial da América Latina. O crítico nos diz sobre a importância da obra de Rogério, que emana um caráter metafísico por tratar das questões topológicas, discutir o conceito de real e criar “numa linguagem de severa geometria”. Encerrando essa edição, apresentamos como indicação de leitura o livro “Nós” de Valdir Rocha, publicado pela Editora Pantemporâneo. Simultaneamente com o lançamento desse livro de imagens, numa das galerias do Lugar Pantemporâneo, em São Paulo, o artista expõe parcialmente seus desenhos criados na publicação. A mostra “Criaturas que não existiam” também merece destaque. Livro e mostra coexistem com uma força representativa da carreira do artista que, ao interferir em um livro sobre a atriz Marilyn Monroe, criou seres misteriosos que nos falam silenciosamente sobre a solidão. Desejamos aos leitores uma boa leitura e esperamos que a nossa revista seja acolhida, cada vez mais, pelos apreciadores da arte e da cultura.

Paulo Cheida Sans

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EXPOSIÇÃO

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Conceição Bicalho e Maria do Céu Diel no Museu Olho Latino Luciene Sans

APRESENTAÇÃO

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Espelhos Paralelos

Jacob Klintowitz

CAPA

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A plenitude inteligível do ser Paulo Cheida Sans

LEITURA

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A solidão autofágica nas obras de Valdir Rocha Paulo Cheida Sans

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EXPOSIÇÃO

Conceição Bicalho e Maria do Céu Diel no Museu Olho Latino

Luciene Sans

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Museu Olho Latino recebe a e da Universidade Federal de Mato Grosso. Em 2009 foi a vez da mostra “Gravuras” das Universidade de Franca e, nesta mostra artistas Conceição Bicalho e Maria do Céu Diel, de 18 de setembro a 15 atual, as expositoras são professoras da Universidade Federal de Minas de outubro, com curadoria do prof. Gerais. Dr. Paulo Cheida Sans. Além de gravadoras, A exposição “São obras de duas artistas distintas, as artistas e professoras apresenta 16 obras, mas ambas sabem muito Conceição e Maria do entre xilogravuras, bem o propósito e o Céu participam do gravuras em metal e metiê com que criam e grupo de pesquisa da litografias com expõem” UFMG intitulado temáticas variadas, (Paulo Cheida Sans) Linha. É um grupo que reunindo obras pesquisa sobre o Desenho e Palavra e expressivas da carreira das artistas e tem como objetivo a agregação dos apresentando diversas possibilidades estudos individuais dos professorestécnicas. O Museu Olho Latino mantém, artistas-pesquisadores em artes, dentro da sua programação, o projeto realizando imagens a partir de de valorização da pesquisa e ensino da pesquisas sobre tradução e Arte, realizando exposições ligadas às entrelaçamento de diferentes Universidades. A primeira mostra foi linguagens artísticas, verbais, visuais e realizada com alunos e professores do audiovisuais, elaborando exposições Curso de Artes Visuais da Pontifícia de pesquisa. Para o curador Paulo Cheida Sans, Universidade Católica de Campinas em 2007. No ano seguinte “Gravuras” é uma exposição que aconteceram as mostras da deve ser apreciada por todos os Universidade Santa Cecília de Santos admiradores dessa modalidade 4

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Conceição Bicalho - Carne e osso - litografia.

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Maria do Céu Diel – sem título – gravura em metal.

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artística. “Nas obras da Conceição Bicalho, destaco o grotesco sutil de sua figuração. Seu traço é marcante, acentuando as figuras bizarras e temáticas próprias. Nas gravuras da Maria do Céu vale registrar, entre outros aspectos, o despojamento com que cria um cenário insólito, imprimindo sobre folhas de livros e papéis sovados. São obras de duas artistas distintas, uma diferente da outra, mas ambas sabem muito bem o propósito e o metiê com que criam e expõem”. Sobre as expositoras: Maria da Conceição Pereira Bicalho é graduada em Gravura, Desenho, Escultura e Cinema de Animação pela Universidade Federal

de Minas Gerais. Possui mestrado em Artes Visuais pela mesma Universidade, na qual é professora. Maria do Céu Diel de Oliveira é graduada em Educação Artística pela Universidade Estadual de Campinas e nessa mesma Universidade realizou seus estudos de pós-graduação, obtendo o título de Mestre e de Doutora. Atualmente é professora e Chefe do Departamento de Desenho da Escola de Artes Visuais da Universidade Federal de Minas Gerais. Desenvolveu estudos pósdoutorado na Universtà degli Studi di L´Aquila, Itália. * * *

Exposição: “Gravuras” de Conceição Bicalho e Maria do Céu Diel. Curadoria: Paulo Cheida Sans. Período da mostra: 18 de setembro a 15 de outubro de 2010. Visitação: de segunda a sábado, das 9h às 17h. Local: Museu Olho Latino (mezanino do Centro de Convenções e Eventos “Victor Brecheret”). Endereço: Al. Lucas Nogueira Garcez, 511 - Estância de Atibaia, SP. Realização: Museu Olho Latino e Prefeitura Municipal da Estância de Atibaia. Telefone: (11) 4412 7776. Site: www.olholatino.com.br E-mail: museu@olholatino.com.br Olho Latino nº19

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APRESENTAÇÃO

Espelhos Paralelos

Daniela Agostini

Jacob Klintowitz

Vista parcial da mostra.

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e alguma maneira a arte de Rogério Gomes está diante de nós, sem subterfúgios, de maneira total e íntegra, e de pronto se oferece ao nosso contato e nesta proximidade verificamos que ela nos escapa. É como se nesta maneira total, íntegra e imediata, ela se tornasse um corpo hermético ao qual só teremos acesso quando não precisarmos pedir licença. Só a nossa afinidade é chave capaz de abrir a porta. Nada mais exposto do que a verdadeira sociedade secreta, aquela que se dá por diapasão, pelo reconhecimento do som, pela semelhança de sensibilidades, pelo acordo de intenções. E nada mais indecifrável. As que se dão pelo uso de senhas, códigos secretos, 8

máscaras que se encontram à meia noite na soleira da ermida, ao contrário, estas são apenas paródias do segredo. No caso de Rogério Gomes não há a intenção de qualquer ocultamento, mas apenas o exercício natural de sua linguagem sofisticada. Nenhum disfarce intencional, mas também nenhuma automutilação em nome da comunicação. Talvez a arte de Rogério Gomes possa ser chamada de topológica, já que ele trata de questões como o dentro e o fora, a dualidade do espaço, as incertezas do olhar, a simplicidade da percepção imediata. Mas é provável que este trabalho não mereça a redução do rótulo. O artista reflete sobre o ambiente que nos cerca, em primeiro lugar. Em segundo lugar, a mesma obra se coloca como um paradigma, um método para se encarar o mundo e, deste entendimento, a sua obra trata do universo. Certamente o contemplador decidirá o que mais lhe convém, se o micro ou o macro. Olho Larino nº19


Daniela Agostini

Vista parcial da mostra.

E seja qual for a opção, ele se verá num mundo onde a definição é a indefinição e onde a imprecisão é a precisão. A obra de Rogério Gomes contém a luz do sol, mas ela está intrinsecamente entremeada com a prata lunar e com memórias de sombras colhidas nas fábulas oníricas. Ai está de corpo inteiro o artista: ele pensa e sente o universo, duvida das certezas perceptivas, colhe a luz apolínea e a trança com a Febe notívaga e isto acontece no

não-espaço da primeira das criações humanas, o sonho. É paradoxal a ambiência espiritual da obra de Rogério Gomes, pois ela é o infinito na Terra, é a capacidade do homem mencionar o infinito produzido num jogo interminável de espelhos paralelos. Um corredor de espelhos até onde a vista alcança. É possível que o conceito mais difícil de imaginar seja o infinito. Quem sabe o homem não consegue imaginar o infinito? Alguém consegue pensar numa circunferência cujo centro esta em todos os lugares e cujo contorno exterior não está em lugar nenhum? A poesia de Rogério Gomes nos oferece o infinito na Terra, outra impossibilidade. Mas esta é consoladora e plena de inspiração, já que está impregnada das fábulas criadas pelos nossos sonhos. * * *

Exposição: “Rogério Gomes – Espaço Reconstruído”. Período da mostra: de 01 a 31 de outubro de 2010. Visitação: de terça a domingo, das 9h às 18h. Entrada franca. Local: Salão de Atos Tiradentes/ Fundação Memorial da América Latina. Endereço: Avenida Auro Soares de Moura Andrade, 664 – Barra Funda – São Paulo; Portões 1, 5 e 6. Telefone: (11) 3823-4600. Olho Latino nº19

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CAPA ACERVO

A plenitude inteligível do ser Paulo Cheida Sans

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uando conheci Young Koh há alguns anos, logo percebi que estava diante de uma artista incansável de inegável talento. Na época, acreditava que seria uma grande revelação para a arte da escultura. Não me enganei. Hoje, ao analisar a sua produção atual, vejo concretizar a minha intuição: Young Koh é uma das principais escultoras do país. A presente mostra serve como comprovante de sua importância para a arte brasileira. A artista apresenta algumas séries de obras, mostrando um panorama representativo de suas criações mais recentes. Nos últimos anos dedicou-se mais veemente a composições abstratas, priorizando a geometrização das 10

formas, que caracteriza, de modo geral, a maior parte de sua produção. Os painéis de alumínio compostos por formas mássicas contrastam as áreas polidas com as texturas, formando uma espécie de emblemas tácteis. Nos painéis feitos com resinas coloridas o valor de “transparência” representa um papel essencial. Os relevos simulam sombras que são valorizadas pelo material utilizado e cores escolhidas, apresentando uma composição apurada. As peças tridimensionais feitas com o mesmo material evidenciam novamente o modo elegante que a artista consegue ao harmonizar as formas. As peças tridimensionais em alumínio feitas com planos e recortes diferenciados mostram retas e curvas numa face, contracenando com o jogo rítmico de altos e baixos do outro lado. Elas foram trabalhadas pela artista com grande propriedade, numa relação lírica da natureza formal. Essa nova situação espacial, alternando superfícies e volumes, Olho Larino nº19


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Young Koh – Montreux – escultura com sucata de instrumentos musicais.

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Vista parcial da mostra.

levou a artista a investigações na realização de esculturas de grandes formatos com o uso de rebarbas de alumínio, criando estruturas espaciais fundamentais de grande expressão. Explora as possibilidades do material, tanto enaltecendo a própria luminosidade, quanto valorizando a combinação estética produzida pela utilização de uma patina especial. Ao passo em que a artista se desprende da geometrização, mantém-se fiel ao seu esquema criativo, primando pela qualidade e organização. Consegue manter com preeminência o rigor compositivo que caracteriza sua marca estilística de imaginosa qualidade. Assim, os painéis e as esculturas são apresentados um dando “vida” ao 12

outro, numa sintonia mútua, como se fizessem parte de uma grande orquestra visual. A sensibilidade aguçada da artista a faz trabalhar buscando outros materiais para compor o seu trabalho. E nessa posição inquieta consegue elevar ainda mais a notoriedade plástica de sua obra, construindo uma nova vertente criativa com uma série de obras originais, que representa o ápice de sua produção. Realiza esculturas com sucatas de diversos instrumentos musicais, unindo peça por peça como se cada uma estivesse sendo sustentada por uma leveza melódica, gerando uma profusão de sons imaginários. Embora essa fase represente mais diretamente a figuração do “som”, Olho Larino nº19


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Young Koh – Montreux II – escultura com sucata de instrumentos musicais.

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Vista parcial da mostra.

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as demais obras também ecoam similitudes. Assim como a música, as obras da artista parecem possuir timbres, tonalidades e ritmos, sobretudo, pelo sincronismo e harmonia das formas. O conjunto de peças apresentado representa um magnífico e refinado concerto cósmico. Do geométrico ao orgânico, Young tem uma vocação compósita que reúne as várias fases expostas no mesmo bojo expressivo. A objetividade e capacidade da artista ao lidar com os diversos materiais registram, no conjunto das obras apresentadas, uma espécie de “mediação”, como se delas emanassem uma vibração de ordem cósmica, proporcionando o equilíbrio entre a alma e o corpo.

Young Koh – Esboço musical – tubos e bolas de alumínio.

Na realidade, a escultura de Young Koh está muito além do visível: evoca a “plenitude inteligível do ser”. * * *

Exposição: Homenagem à Thomaz Perina - Exposição comemorativa de dois anos do MAM Campinas. Expositores: Afrânio Montemurro, Alberto Teixeira, Dimas Garcia, Egas Francisco, Francisco Biojone, João Bosco, Fulvia Gonçalves, Marcio Rodrigues, Marcos Garcia, Paulo Cheida Sans, Mario Gravem Borges, Nadir da Costa, Narege, Vanderelei Zalochi e Grupo Antropoantro. Abertura: 13 de agosto de 2010 às 20h. Período da mostra: de 16 a 28 de agosto de 2010. Local: Salão Nobre da Associação Atlética Ponte Preta. Endereço: Praça Francisco Ursaia s/n – Jardim Proença - Campinas, SP. Olho Latino nº19

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LEITURA ARTIGO

A solidão autofágica nas obras de Valdir Rocha

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Paulo Cheida Sans

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aldir Rocha expõe “Criaturas que não existiam” e lança o livro “Sós” no Lugar Pantemporâneo em São Paulo. Suas criaturas têm um gênero expressivo, marcante, que caracteriza o seu estilo. Tanto nas esculturas, quanto nas pinturas, gravuras e desenhos existe uma forte ligação em sua produção. O artista consegue se superar sem se repetir. A sua obra mostra apenas o essencial. Suas figuras nos remetem aos povos primitivos que sumiram, 16

cheios de mistérios, cujas sabedorias ainda não foram totalmente desvendadas. Elas refletem algo “superior”, transmitem uma força atemporal. Anulam o tempo cronológico e atingem a plenitude da existência. Diria que sua obra induz a uma “presença” porque suas figuras parecem que nos olham e nos observam. É como se existisse algo indecifrável, que reflete a “alma” dos povos de qualquer época. Mas é Olho Larino nº19


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mais do que isso, é como se uma “sabedoria ancestral”, que acompanha as leis do universo, coadunasse com o presente. O despojamento material é uma característica primordial em suas criações. Por isso, para melhor empatia com a produção do artista, faz-se necessário o apreciador desvestir-se de qualquer materialismo ou senso de mercadoria que a mente humana possa ter. As criações de Valdir atingem a essência do “humano”, está mais além do que os elementos superficiais do cotidiano. A publicação “Sós” nasceu da recriação do livro “Images of Marilyn”, publicado no Reino Unido. Valdir Rocha, em alguns meses do final de 2008 e início de 2009, fez Olho Latino nº19

232 desenhos a nanquim e lápis dermográfico sobre papel impresso do livro. O livro sobre Marilyn Monroe era de fotografias em branco e preto em papel couchê, no formato 26,5 x 26,5 cm. O artista criou em cima desse livro, sem a intenção de fazer analogias com a atriz, mas sim com o visual estético de cada página. Inventou outras situações, sobrepondo o seu desenho às imagens das cenas em que a atriz aparecia isolada ou acompanhada. O seu livro não precisa ter textos, o seu registro é direto e sem rodeios. De sua intervenção no livro, o artista criou outro livro, próprio, compondo poeticamente as cenas de cada página. Trata-se de um livro artístico, com textos somente na 17


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capa, lombada e nos créditos oficiais da publicação. Para a realização da exposição “Criaturas que não existiam”, o artista digitalizou 22 partes do livro criado, colocando mais 9 ampliações fotográficas em grandes dimensões e fez a mostra sendo apoiada por um vídeo com excertos de sua publicação “Sós”. O livro “Sós” exalta o sentido de “solidão”, problemática esta que acompanha o desenrolar da história do ser humano. A figuração do autor enaltece sensivelmente a questão do “existir” e do estar só. A sua criação é um aviso sobre a importância da 18

solidariedade e, embora as cenas não mostrem diretamente uma cultura de consumo ou a injustiça social, diz muito mais pela ausência do que pela presença de certos elementos. Sua obra pode ser observada sob duas vertentes principais sobre a “solidão”. Num primeiro aspecto, mirando página por página, a solidão parece estar involuntária, própria de desejos provindos de um ego pautado no egoísmo do individualismo. A “solidão” vista como a ausência de contato com o “outro”, sendo a negação de uma interdependência entre os seres humanos. É o mal dos grandes Olho Larino nº19


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centros, resultante de uma globalização do mundo rumo à individualidade exarcebada. Nessa perspectiva inicial, as criaturas de Valdir mostram a infelicidade do individualismo desmedido. Com um traçado rápido, valoriza algumas “deixas” das imagens, recriando olhares que ganham maior energia com a sua intervenção. São olhos tristes que demonstram a solidão e transparecem uma necessidade de aceitação. São seres ávidos pelo reconhecimento. Querem ser o foco das atenções. É a supervalorização do ego, cultuado na criação de um mundo próprio, distante dos dramas alheios.

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Mas, pouco a pouco, suas figuras vão nos penetrando e nos alertando. Página por página, obra por obra, o contexto geral de sua denúncia vai surgindo, evocando um segundo aspecto sobre o tema, uma outra face da visão inicial. O conjunto de rostos e gestos espontâneos constrói figuras que parecem que consubstanciam do mesmo cerne: estão autoconfiantes. De meros pecadores, assustados e inofensivos como se fizessem parte de um rebanho que somente pensa no próprio ego, a força do conjunto Olho Latino nº19

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de páginas passa a transparecer a autoconfiança. De alienado surge a figura altiva, portadora de decisões, que sabe o que faz e julga o mundo com olhar crítico. A “solidão”, nessa abrangência, não faz parte da vítima, passa a ser necessária como meio de conhecimento. Estar só para não ser levado como rebanho a fazer as mesmices de outrem. Trata-se de uma “solidão” necessária, proposital. É um seguir em frente de acordo com a própria vontade. Nessa vertente, a solidão que sua obra emite diz respeito à vivência de cada um. É a busca incessante que 20

temos de marcar a nossa presença no mundo. Não é igualar-se aos outros simplesmente por negá-los, mas por querer se afirmar com a opinião de ser o quê desejamos ser. É um meio de viver em sociedade com o próprio modo de pensar. Isso faz lembrar a máxima de Nietzsche: “À grandeza pertence o terrífico: não permitas que te impinjam coisa alguma” (2002, p. 176). Os aspectos da “solidão” mencionados não têm barreiras estanques. Ambos podem coexistir na mesma pessoa. As experiências de vida que cada um de nós vivencia servem para a filtragem e o Olho Larino nº19


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entendimento de nossas relações sociais, auxiliando o aprender, sentir, pensar e agir como seres humanos. Mesmo sem ter embasado diretamente sobre Marilyn Monroe, creio que o artista autor disse com suas imagens criadas muito mais sobre a “solidão” e o “interior” da atriz do que as palavras seriam possíveis de traduzir. Valdir Rocha, com esta mostra e livro, tem mais uma vez uma especial contribuição para o cenário cultural. Faz sua obra por um desígnio inseparável de sua intuição. Autodidata, constrói uma configuração poética de grande Olho Latino nº19

força, evocando o humano e o respeito à solidão enquanto um meio do homem em conhecer a si mesmo. * * * Referência: NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Fragmentos finais. Seleção, tradução e prefácio: Flávio R. Khote. Brasília / São Paulo: Editora UnB / Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002.

Fotos: obras de Valdir Rocha na mostra “Criaturas que não existiam” no Lugar Pantemporâneo.

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Exposição: Criaturas que não existiam. Período da mostra: 09 de setembro a 02 de outubro de 2010. Visitação: de segunda a sábado, das 10h às 18h, exceto em feriados. Entrada franca. Local: Lugar Pantemporâneo. Endereço: Av. Nove de Julho 3.653 – Jardim Paulista – São Paulo, SP. Telefone: (11) 3018-2230. Observação: O local possui estacionamento e acesso para pessoas portadoras de necessidades especiais.

Livro: Sós Autor: Valdir Rocha Editora: Pantemporâneo ISBN : 978-85-62402-03-6 Idioma: Português Formato: 26,5 x 26,5 cm Páginas: 224 Edição: 1ª Ano: 2010 Acabamento: Capa dura Informações: www.pantemporaneo.com.br

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Colaboradores desta edição:

Jacob Klintowitz - Jornalista, escritor e crítico de arte. Membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte. É autor de mais de 100 livros sobre Arte e Cultura.

Luciene Sans - Jornalista, poeta e assessora de imprensa do Museu Olho Latino. Jornalista responsável pela Revista Digital Olho Latino.

Paulo Cheida Sans - Professor do Curso de Artes Visuais da PUCCampinas. Doutor em Artes Visuais pela Unicamp. Curador do Museu Olho Latino.

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