Edição 15

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www.ondajovem.com.br

Projeto de futuro

ano 5 – número 15 – junho/agosto 2009

Escola, família e jovens podem se unir na elaboração de novas perspectivas de vida


sonar

3,6 milhões de alunos iniciam o ensino médio anualmente 8% de estudantes do ensino médio dizem estar na escola apenas pelo diploma Ciclo médio tem taxa de reprovação de 12% em 2006

Ausência de pais não é vista como grande problema da educação


Jovens veem diferentes ações da escola na construção do projeto de futuro

pág. 8

Educadores relacionam educação e projeto de vida juvenil pág. 16 Projetos pedagógicos incluem motivação existencial dos jovens pág. 20

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ISTOCKPHOTO

Especialistas e políticas públicas focam aproximação entre família e escola pág. 36


âncoras

“É preciso mostrar aos alunos que eles têm valor e que, sendo protagonistas na escola, podem ser também da própria vida.” Giane Falsetti,

professora de ensino médio em escola pública de Bariri (SP)

“O principal papel que a escola deveria desempenhar junto àqueles que estão deixando a adolescência é o de suporte para a construção de um projeto de vida.” Helena Singer,

socióloga, fundadora do Instituto Politeia Educação Democrática e diretora pedagógica da Cidade Escola Aprendiz

“A escola está focada no vestibular seriado e vem orientando os alunos a respeito da carreira profissional.” Lanna Lua Camargo Leite,

15 anos, faz o primeiro ano do ensino médio em uma escola particular de Ipatinga (MG)

EDUARDO GALETTO

“Eu me pergunto se estou preparada para o futuro, pois será uma longa caminhada, e respondo a mim mesma que o céu é meu limite e vou em frente.” Paloma de Souza,

16 anos, cursa ensino médio em Presidente Kennedy (TO)

“Ter projeto de vida é planejar a conquista dos seus desejos e sonhos. A escolha profissional é só um dos elementos. Existem questões como a família, as amizades, os amores e outras para você se sentir feliz e realizado.” Luis Fernando Romão,

19 anos, universitário carioca


“Descobri que tenho alguma coisa para fazer com a minha vida.” Monique Desirrê Barbam Mendonça,

DIVULGAÇÃO

18 anos, faz Educação Física em Santos (SP)

“Muitos jogadores vinham de famílias humildes e nunca tiveram acesso a uma escola de bom nível que os estimulasse a ver no estudo um investimento.” Raí,

ex-jogador de futebol, fundador da Fundação Gol de Letra e da Atletas pela Cidadania

“Para além da necessária habilitação técnicocientífica dos jovens, o que está em pauta, quando se fala dos objetivos da educação para eles, é a formação da pessoa.” Branca Jurema Ponce,

“Foi a escola que me deu a oportunidade de pensar nas questões que envolvem o agricultor.” Dionatan Tavares,

19 anos, recém-formado no ensino médio em Candelária (RS)

“Nós somos o presente e temos de fazer mudanças agora.” Cristiane Laurizete Pereira,

17 anos, cursa o 3º ano do ensino médio em uma escola pública de Florianópolis

FÁBIA HATERMANN

professora da pós-graduação em Educação da PUC-SP

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ONDA JOVEM 15 ano 5 número 15 junho/agosto 2009

Rafael Ribeiro A. Pinheiro

expediente

Projeto editorial e realização Fátima Falcão e Marcelo Nonato Olhar Cidadão – Estratégias para o Desenvolvimento Humano www.olharcidadao.com.br Direção editorial Josiane Lopes

08

Projeto gráfico Artur Lescher e Ricardo van Steen (Tempo Design)

ARQUIVO PESSOAL

Secretaria editorial Lélia Chacon

Colaboradores texto: Branca Jurema Ponce, Cristiane Ballerini, Frances Jones, Helena Singer, Lélia Chacon, Marcelo Barreto, Roberto Amado foto: A. Pinheiro, Bruno Vilela, Deise Lane Lima, Eduardo Galetto, Fábia Hafermann, João Marques, Jorge Leal, Jucemar Alves, Márcia Zoet, Rosane Acçolin

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ilustração: Rafael Ribeiro, Antonio Soares

revisão: Moira de Andrade Diagramação D´Lippi Editorial Impressão Ipsis

Mário Fontes/SambaPhoto

Capa: Bruno Vilela

Como entrar em contato com Onda Jovem: E-mail: ondajovem@olharcidadao.com.br Endereço: R. Dr. Neto de Araújo, 320 – conj. 403, São Paulo, CEP 04111 001 Tel. 55 11 5083-2250 e 55 11 5579-4464 www.ondajovem.com.br um portal para quem quer saber de juventude

Onda jovem é um dos 50 jeitos brasileiros de mudar o mundo – Programa de Voluntários das Nações Unidas no Brasil – 2007

Jucemar Alves/Imagens do Povo

Um projeto de comunicação apoiado pelo

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8 – NAVEGANTES Como a escola de ensino médio tem desempenhado seu papel de estimular e dar suporte aos projetos de futuro, do ponto de vista de jovens estudantes 16 – EDUCADORES Professoras do Rio de Janeiro e de Sergipe, e pais de Belo Horizonte contam seus esforços para associar educação juvenil a projetos de vida 20 – BANCO DE PRÁTICAS Estimular o reconhecimento do jovem como protagonista de sua própria história inspira quatro diferentes projetos de educação e formação

Ao entrar em seu quinto ano de publicação, a revista e o site Onda Jovem vão se dedicar, por um tempo determinado, a refletir sobre a Educação para a juventude, em especial no período mais frágil de sua trajetória: o ensino médio. Desse modo, Onda Jovem dá sentido de urgência à Educação de qualidade, como principal desafio e condição para o desenvolvimento integral do jovem.

24 – ÂNGULO 1 Helena Singer escreve sobre a perspectiva da educação democrática perante a falta de identidade do ensino médio brasileiro

7 28 – ÂNGULO 2 Branca Jurema Ponce analisa o papel da escola na formação de valores que devem orientar as escolhas de vida dos jovens 32 – O SUJEITO DA FRASE O ex-jogador Raí diz que a grande injustiça no Brasil é a dificuldade de acesso à boa educação por parte dos jovens pobres 36 – LUNETA O tradicional afastamento entre a família e a vida escolar dos jovens tem várias causas e muitos efeitos negativos na educação 40 – CIÊNCIA A capacidade dos jovens de planejar o futuro também está ainda em estágio de amadurecimento e deve ser apoiada pelos adultos educadores 44 – CHAT DE REVISTA Quatro jovens discutem a forma como se veem e como percebem o mundo para o qual estão se preparando

SONAR 2

Dados sobre jovens e ensino médio

ÂNCORAS

4 Comentários sobre projetos de futuro

CARTAS

48 As mensagens dos leitores

NAVEGANDO

50 O jovem ilustrador Antonio Soares revela como começou a desenhar seu futuro no ensino médio


navegantes

PROPOSTAS

VIDA

Deise Lane lima

DE

Jovens indicam as diferentes atitudes das escolas de ensino médio diante da construção de seus projetos de futuro

Luana Domingos,

15 anos, estudante de escola pública no Rio de Janeiro


Por _ Roberto Amado

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A. Pinheiro A. PINHEIRO

Thiago Rodrigues de Anchieta Silva,

17 anos, está concluindo o ensino médio em Imperatriz (MA)

Edelvan Gabana é um lutador. Nascido no pequeno município de Glória dos Dourados, a cerca de 300 km de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, viveu os primeiros 18 anos dividido entre a escola pública e o trabalho no pequeno sítio de gado de leite, do qual sua família sobrevivia. Três anos depois, faria um vestibular brilhante e entraria em quinto lugar na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – certamente uma das faculdades mais concorridas do País. “Minha família e, principalmente, meu irmão, que mora em São Paulo, me incentivaram muito a seguir esse sonho ‘louco’”, conta Edelvan, hoje com 21 anos. Aparentemente, não poderia mesmo haver maior “loucura”. A escola pública onde Edelvan completou o ensino médio era muito fraca, e o máximo que se podia esperar dos alunos mais esforçados era que cursassem pequenas faculdades da região. Mas ele resolveu realizar seu sonho: mudou-se para a casa do irmão, em São Paulo, fez três anos de cursinho, ora como bolsista, ora trabalhando como monitor do próprio cursinho e, depois de dois anos de fracassos, passou no vestibular na terceira tentativa. “A verdade é que a escola de ensino médio não contribuiu em

José Roberto de Freitas Junior,

17 anos, cursa nível médio e técnico em Catanduva (SP)

Divulgação

Monique e Edelvan são dois jovens universitários que, embora não se conheçam, têm muito em comum. Alunos de escolas públicas no ciclo médio, ambos conseguiram superar condições econômicas muito limitadas, estabelecer objetivos na vida e buscar meios para realizar seus próprios sonhos. Ao mesmo tempo em que exemplificam o triunfo do esforço pessoal e a possibilidade de qualquer cidadão conquistar seus objetivos, representam também extremos dos modelos do ensino médio brasileiro: o que expressa toda a sua precariedade por meio da fragilidade acadêmica e distanciamento da realidade do aluno, e o que se compromete com a formação integral de pessoas, cujas aspirações profissionais, intelectuais e pessoais devem ser reconhecidas e estimuladas, objetiva e subjetivamente. Entres os extremos, há uma gama de propostas e iniciativas, mais ou menos bem-sucedidas, que ainda precisam ser sistematizadas para fazer, de fato, diferença nos projetos de futuro dos jovens estudantes.


nada com meus objetivos. Aliás, ninguém lá nem ficou sabendo dos meus planos de tentar entrar na Medicina da USP”, conta o estudante. “Os adolescentes do ensino médio não encontram na escola possibilidades de se desenvolver”, confirma Ivany Pinto, psicóloga e vice-diretora do Instituto de Ciências da Educação da Universidade do Pará, cuja tese de doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo analisou os projetos de vida dos adolescentes. “A função de atender às necessidades dos estudantes, no que diz respeito a oferecer a eles uma perspectiva de vida, é atribuída exclusivamente à família”, diz a professora. Mas, para ela, essa função é vocação da própria escola. Segundo a pesquisadora, nas últimas décadas a educação foi incorporada ao mercado, a partir das brechas deixadas pelo Estado, que aborda o ensino como questão meramente estatística. E, dessa forma, não tem cumprido seu papel na formação mais ampla do estudante. “O aluno tem consciência de que a escola não atende suas necessidades. Às vezes, sente-se perdido e acaba por deixar os estudos”, diz Ivany, referindo-se

aos altos índices de desistência do ensino médio. E mesmo para os que persistem, nem tudo é fácil. “O protagonismo do jovem está sendo ameaçado porque está adquirindo o sentido de que é ele quem tem que fazer sua própria história. Mas esta é uma responsabilidade que deveria ser dividida”, alerta. Vocações precoces Ainda que não seja a ideal, a escola é implicitamente reconhecida como caminho para a realização de planos de futuro. “A escola não tem como princípio essa preocupação de mostrar aos estudantes quais são as opções da vida”, concorda José Roberto de Freitas Junior, de 17 anos, que cursa o terceiro ano do ensino médio em escola pública de Catanduva, interior de São Paulo. No caso dele, felizmente, isso não tem feito muito diferença. Aluno com currículo escolar excelente, “sempre com notas 9 e 10”, José Roberto credita a si mesmo a motivação para progredir na vida, fazer planos e conseguir se destacar. “Desde pequeno tenho planos de vida e aproveitei todas as oportunidades que apareceram. Meu objetivo sempre esteve lá na frente”, conta ele – que não se identifica com colegas que só pensam em baladas, games e namoradas. José Roberto já sabe a direção que vai tomar: quer entrar na faculdade de Química da Universidade Federal de São Carlos. Enquanto isso, ele faz curso técnico de Química ao mesmo tempo em que termina o colegial. “Tenho muita vontade de crescer”, diz ele, que foi escolhido pela ONG Escola de Trabalho e Vida para participar do Programa Geração Atitude, do Instituto Votorantim, que desenvolve jovens talentos. Foi também pelo que considera uma vocação natural que Luana Domingos, estudante de 15 anos do Colégio Estadual Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, resolveu precocemente ser atriz – e já vem fazendo pequenos trabalhos amadores. Ela não tem queixas da escola, mas, ao mesmo tempo, prefere confiar na sua iniciativa: “Já fiz seis cursos, de teatro, cinema, interpretação... Acho que a escola cumpre seu papel e até orienta os alunos em relação à vida profissional, a como ganhar dinheiro, por exemplo”.

A mineira Lanna Lua Leite, 15 anos, é estudante de escola particular

Ação e reação Quando a escola dá suporte às expectativas dos alunos, os resultados são sempre animadores. Thiago Rodrigues de Anchieta Silva, de 17 anos, que cursa o 3º ano do ensino médio em Imperatriz, no Maranhão, se destacou por conta de uma iniciativa própria e uma vontade incomum de realizar idéias – o que lhe valeu, no ano passado, o prêmio da Febrace (Feira Brasileira de Ciências e Engenharia). Quando soube que o isopor é um material que não se degrada facilmente na natureza, teve a idéia de encontrar um substituto. Depois de alguns meses de muita dedicação e pesquisa, apresentou um projeto no qual a folha do buriti desempenha função semelhante à do isopor, com as mesmas propriedades físicas e térmicas. Foi premiado. “Eu sempre me interessei em fazer projetos na área de física, química e matemática”, diz ele. “Quando tenho algum interesse, vou atrás. Eu mesmo me motivo a fazer”, diz, ressaltando, porém, que teve muito apoio dos seus professores da escola.

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Eduardo Galetto

A escola de ensino médio não cumpre seu papel quando atribui exclusivamente à família a função de ajudar os jovens a desenvolver uma perspectiva de vida


Márcia Zoet

Edelvan Gabana,

Arquivo Pessoal

21 anos, que sempre estudou em escola pública, faz Medicina na USP “Quero fazer faculdade de Física e depois mestrado em São Paulo”, conta. O sucesso de Thiago gerou um movimento virtuoso em sua escola, o Centro Estadual Dorgival Pinheiro de Sousa. “Depois que fui premiado, muitos colegas ficaram interessados também em fazer projetos, e os professores estão fazendo o possível para ajudar”, conta. Dionatan Tavares, 19 anos, recém-formado no ensino médio, também foi um aluno aplicado da Escola Estadual Gastão Bragatti Lapage, que, além do ensino acadêmico, oferece extensão técnica em práticas agrícolas. Proveniente da zona rural de Candelária, região central do Rio Grande do Sul, Dionatan teve no grêmio da escola o primeiro estímulo para a participação social, que o levou a se engajar em movimentos sociais, até fazer desta participação um caminho de vida. “Busco uma atividade agrícola como profissão, mas também quero

O gaúcho Dionatan Tavares,

19 anos, faz curso de extensão rural

continuar nos movimentos em que estou envolvido”, diz ele. Assim, além de estar se formando como técnico agropecuário pelo Centro de Desenvolvimento do Jovem Rural de sua região, ele participa, entre outras entidades, do Movimento Sindical da Federação dos Trabalhadores na Agricultura como coordenador regional de jovens. “Foi a escola que me deu a oportunidade de pensar nas questões que envolvem o agricultor”, diz ele. Também a mineira Lanna Lua Camargo Leite, 15 anos, que cursa o primeiro ano do ensino médio em uma instituição particular de Ipatinga, tem tido ambiente para pensar em seus projetos mais imediatos. “A escola está focada no vestibular seriado e vem orientando os alunos a respeito da carreira profissional”, conta ela, que já definiu o que vai fazer: Administração. “É a carreira que tem mais colocação no mercado”, diz ela, que, este ano se forma em inglês. A ponderação é típica dos jovens que vivem entre o feijão e o sonho.


Rosana Acçolini / Jornal Candeia

A professora Giane Falseti, atrás da aluna Giovana, sentada com colegas: estímulo aos sonhos “Meu sonho mesmo é ser estilista de moda. Mas todo mundo fala que essa carreira não tem oferta de emprego nem dá dinheiro...”. Vocação descoberta Há quem não espere o surgimento de demanda. Inconformada com a incapacidade de seus alunos de sonhar mais alto e planejar o futuro, incluindo aí a superação dos desafios, a professora de Educação Física Giane Gonçalves de Sales Falseti, da Escola Estadual Professora Ephigênia Cardoso Machado Fortunato, em Bariri, São Paulo, desenvolveu um projeto pedagógico que produziu resultados surpreendentes, a ponto de mudar a vida de muitos dos adolescentes que participaram dele. Para Giane, o objetivo era literalmente “despertar nos alunos a capacidade de lutar e acreditar nos seus sonhos e planos de vida”. A ideia era estimular a superação de obstáculos, e ela decidiu tomar como mote a relação da sociedade com pessoas com necessi-

dades especiais. Para isso, convidou o para-atleta Jaciel Antonio Paulino, vencedor em cadeira de rodas da prova São Silvestre de 2007, para fazer palestras na escola e desenvolver um relacionamento com os alunos. A força do exemplo pessoal de Jaciel e também sua consciência social iluminaram aqueles jovens. Os estudantes se deram conta da omissão da sociedade com relação à acessibilidade e de como muitas destas pessoas não se deixam paralisar. A começar pela própria escola – que se transformou para receber o atleta e também alunos especiais –, os jovens participaram das muitas atividades propostas e levaram o projeto até mesmo para as ruas da cidade, envolvendo o poder público. Enfim, houve uma comoção geral em torno do projeto – que se estende até hoje. Por intermédio da professora de português Meire Canal, parceira de Giane e responsável pelas atividades pertinentes à disciplina, a iniciativa já está envolvendo também turmas dos anos finais do curso fundamental. “É preciso mostrar aos alunos que eles têm valor e

Protagonismo juvenil não deve ser confundido com deixar somente ao jovem a responsabilidade pela construção da própria história

Monique Mendonça,

18 anos, de Bariri: descoberta de vocação em projeto na escola

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que, sendo protagonistas na escola, podem ser também da própria vida”, diz Giane, cujo projeto foi um dos vencedores do Prêmio Professores do Brasil, do Ministério da Educação. “Tanto eu como meus colegas aprendemos que as pessoas com limitações físicas têm capacidade normal”, diz Giovana Maiara Gasparoto, de 15 anos, que atualmente participa da continuidade do projeto da professora Giane, fazendo trabalho voluntário na Apae de Bariri. “Agora quero fazer uma faculdade de Libra, a Linguagem Brasileira de Sinais, para poder me comunicar com deficientes auditivos”, conta a garota, que sonha também em viajar muito e fazer faculdade de Administração. “O que procurei mostrar é que cada um pode mudar sua própria realidade e, a partir do projeto, eles começaram a se sentir importantes”, diz Giane. Segundo ela, com esse envolvimento, muitos estudantes melhoraram sua performance escolar e começaram a alimentar planos concretos para depois do ensino médio. Foi o caso da Monique Desirrê Barbam Mendonça, a estudante citada na abertura do texto, que não conhece Edelvan, mas também chegou onde pretendia. Aluna de Giane à época da implantação do projeto, Monique se envolveu tanto que descobriu, por meio da atividade, uma vocação. Hoje, com 18 anos, faz faculdade de Educação Física na Universidade Santa Cecília (Unisanta), em Santos (SP), e quer se especializar no trabalho com pessoas especiais. “Antes, eu não tinha a menor idéia do que ia fazer. O máximo que eu podia enxergar é que passaria o resto da vida atrás de um balcão. A ‘Gi’ foi uma benção na minha vida”, diz Monique. Filha de costureira, Monique vinha trabalhando desde os 14 anos em diferentes funções – de secretária a ajudante de pizzaiolo. O contato com Jaciel e seu treinador, Eduardo Leonel, fizeram com que ela despertasse para uma atividade e enfrentasse os desafios da vida. “Tenho muitos planos. Descobri que tenho alguma coisa para fazer com a minha vida”, diz ela, emocionada.

ATRASO NOS PLANOS O ABANDONO DA EDUCAÇÃO EMBARALHA PROJETOS E ATRASA o DESENVOLVIMENTO DOS JOVENS


salários melhores”, diz ele. Mas voltar à escola regular já estava fora das possibilidades. Matriculou-se no EJA da própria escola em que fizera o ensino convencional. Cássio diz que, ao voltar à escola, reassumiu o controle da sua vida e passou a sonhar alto. “Descobri que na arquitetura a gente pode fazer um trabalho criativo e é um sonho eu conseguir me formar nessa área”. Lenilaisa também se orgulha de ter enfrentado todas as dificuldades e poder concluir o ensino médio em breve. Desde criança ela sonhava ser cabeleireira e, na adolescência, fez cursos para começar a trabalhar num salão. Logo arrumou um emprego, mas, na escola, ia mal, com reprovações frequentes. “Eu achava que tinha dificuldade de aprender”, diz ela. Quando entrou no ensino médio, já tinha 20 anos e mesmo assim não conseguiu passar do primeiro ano. Apesar das dificuldades, persistiu: entrou no EJA e, atualmente, cursa apenas matemática, a única matéria que falta para se formar. Mas nesse espaço de tempo, tudo mudou. Graças a uma oportunidade que teve para trabalhar como monitora numa escola para crianças, ela descobriu competências que ignorava e desenvolveu novos planos. “Descobri que eu tenho o dom de lidar com os pequenos. E que também adoro brincar com eles e educá-los”. Também percebeu que, para realizar seu novo sonho, precisa completar seus estudos e fazer faculdade. E não se acha mais incapaz de aprender. Ao contrário, quer aprender, e muito. “Quero ser psicóloga e pedagoga. Agora ficou tudo claro. Não quero mais ser cabeleireira. E sem estudar, não dá, né?”, diz ela. Tanto Cássio como Lenilaisa lamentam não ter tido, mais cedo, orientação e apoio da escola para discutir o futuro e fazer planos que os estimulassem a continuar estudando sem interrupções. “Teria sido muito bom se eu já soubesse o que eu queria. Acho que não teria perdido tanto tempo repetindo ano e fazendo outras coisas. Mas não importa mais. Agora já tenho meu caminho. E quando eu quero uma coisa, vou até o fim”, diz Lenilaisa.

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ISTOKPHOTOS

Cássio e Lenilaisa estão de casamento marcado e ela, já grávida, deve dar a luz em novembro. Eles acreditam que daqui a alguns anos ele estará trabalhando como arquiteto e ela, formada em psicologia, fazendo o que mais gosta: dando aula para crianças. Enquanto isso não acontece, Cássio Gomes Santana, de 19 anos, e Lenilaisa Cordeiro dos Santos, de 25, tentam tirar o atraso cursando o último segmento do ensino médio pelo EJA (Educação para Jovens e Adultos), em escola pública de Brasília. Não foi fácil para eles retomar seus planos de vida e tentar seguir o caminho de seus sonhos. Cássio conta que no curso fundamental era um aluno aplicado. Mas quando ingressou no primeiro ano do ensino médio, as aulas ficaram em segundo plano. Seduzido pelo ambiente dos novos colegas, envolveu-se com uma turma de alunos “que só queriam fazer brincadeiras”, como ele define. Para eles, a escola era uma chatice. Resultado: tomou pau. Decidiu deixar a escola e buscar um emprego. Como não tinha formação, não pôde escolher muito. Enfim, empregou-se como servente de faxina. “Foi nesse momento que percebi o quanto era importante ter concluído o ensino médio. É o mínimo para se conseguir trabalho mais qualificado, com


BRUNO VILELA

educadores

O casal Déborah e Ivan,

de Belo Horizonte, com a filha Ângela: envolvimento com a escola promove transformações

Por _ Lélia Chacon

No ensino médio, os alunos vão aos poucos se sentindo impelidos a pensar no rumo que darão a suas vidas. A fase desperta curiosidades, dúvidas e inseguranças, mesmo naqueles que precocemente parecem convictos de suas escolhas. Por isso, é importante que a escola, os professores e os pais façam parte desse processo. No contato diário com os jovens, eles se tornam fonte de experiências, informações e opiniões. É o que procuram fazer duas professoras de escolas públicas de Sergipe e do Rio de Janeiro, assim como um grupo de pais de Belo Horizonte. Não se trata de exercer o papel de orientador profissional dos estudantes, mas de abrir espaços para a ação e criar oportunidades para discussões. Nesses momentos, quando um educador consegue transmitir um conhecimento de modo que ele gere novas idéias, atraia o interesse, ou estimule os questionamentos dos jovens, está fazendo o seu melhor trabalho e, talvez, marcando com um toque inspirador sonhos de vida promissores. As palavras de um mestre em quem um jovem deposita confiança podem ser uma influência poderosa, como mostra o exemplo da professora carioca Vânia Aparecida Silva Corrêa Pinto. Na adolescência, ela ouviu de uma professora: “A filosofia auxilia o aluno a

lançar outro olhar sobre o mundo e a transformar a experiência vivida em experiência compreendida”. Nesse dia, Vânia se apaixonou pela filosofia, disciplina que hoje leciona no Colégio Estadual Vicente Januzzi, no Rio de Janeiro. “Frase linda, não é? De lá para cá, estou sempre envolvida e envolvendo meus alunos com a busca desse outro olhar”, conta Vânia. Uma de suas iniciativas resultou no projeto “Brasileirinho: Sarau de Poesia e Filosofia no Bosque”, duplamente reconhecido: em 2007, pelo Prêmio Cultura Viva, do Ministério da Cultura; em 2008, pelo Prêmio Professores do Brasil, do Ministério da Educação (MEC). Filosofia no bosque O projeto nasceu como estratégia para incentivar o prazer pela aprendizagem na escola. “A adolescência é um período de transição, em que


INICIATIVAS DE PROFESSORAS E PAIS INDICAM QUE A ESCOLA PODE AJUDAR OS ESTUDANTES A CONSTRUIR SEUS PROJETOS

FONTES DE INSPIRAÇÃO surgem novas possibilidades, começam a se desenhar projetos de vida. A escola é o espaço para vivenciar essa mudança, e eu me entristeço quando ela não dá prazer aos alunos, porque parte dos sonhos deles começa ali. Eu queria, antes de tudo, que meus alunos tivessem alegria de estar na escola, e eu também queria sentir alegria de estar com eles”, diz Vânia. Para isso, segundo a professora, a filosofia não podia estar distante do interesse real dos estudantes. E ela encontrou o tratamento interdisciplinar e contextualizado que desejava na obra “Brasileirinho”, apresentada em show da cantora Maria Bethânia. “Estavam ali os suportes necessários para articular os conhecimentos filosóficos com diferentes conteúdos, de forma prazerosa”, diz Vânia, que pensou na música como estratégia inicial do projeto por acreditar que a adolescência tem trilha sonora. “A

música ocupa lugar muito forte na vida do aluno, às vezes até na sala de aula, às escondidas do professor. Eu resolvi canalizar esse grande interesse para algo construtivo na aprendizagem.” Os jovens estranharam a proposta de aprender filosofia por meio da música popular brasileira, mas toparam a empreitada. Fizeram leituras compartilhadas das letras, a interpretação dos conteúdos, cantaram e começaram a sugerir outras músicas de CDs que saíam de suas mochilas. Depois, assistiram ao show “Brasileirinho” em DVD, dividiram-se em grupos para construir propostas sobre suas músicas prediletas na obra e engrossaram todo esse caldo com pesquisas no laboratório de informática sobre a diversidade da cultura brasileira. Desse processo, surgiu a idéia de um sarau de poesia e filosofia como fechamento dos trabalhos apresentados pelas 12 turmas. Havia crônicas, poesias, pinturas, desenhos, música erudita e popular, teatro. Nesse cenário, Vânia contextualizou a mitologia grega, que mostra a origem da filosofia, além das mitologias africana e brasileira. Numa das etapas de avaliação das atividades, os alunos constataram que a escola não tinha condições físicas de abrigar o grande sarau. Sugeriram realizá-lo num

parque municipal ao lado do colégio e se encarregaram de pedir autorização para o evento e obter patrocínios para a montagem de um palco na beira de um lago. A direção da escola também se envolveu, ajudando na confecção de convites, enviados à comunidade e a membros do poder público. A cantora Maria Bethânia gravou uma mensagem especial aos alunos. O sarau tornou-se prática anual na escola e desperta interesses até no exterior, depois que Maria Bethânia convidou a professora Vânia para participar de um debate na TV. “Em 2008, uma professora chilena veio conhecer o projeto para implantá-lo em seu país”, diz a educadora. Com a autoestima elevada por conta dos resultados do projeto, alunos e professores criaram um ambiente de alegria e otimismo na escola. “A proposta formou alunos leitores, escritores e, principalmente,

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Pais presentes À sua maneira, o casal Ivan e Déborah Kallás conseguiu contribuir para repetir o feito da professora Vânia: valorizar a escola como espaço de aprendizado voltado à construção de projetos de vida. Eles são pais da estudante Ângela, de 16 anos, que cursa o 2º ano do ciclo médio na Escola Estadual Leopoldo de Miranda, em Belo Horizonte. A garota andava meio perdida, desinteressada da vida escolar, com pouco entusiasmo e participação, notas ruins, problemas de relacionamento com colegas. Atentos

ao papel de pais e conscientes da importância da educação na vida dos adolescentes, Ivan e Déborah decidiram se aproximar mais da escola da filha. Engajaram-se na iniciativa de um grupo de pais e da escola para criar a Associação Amigos da Escola. “Antes disso, a Déborah tinha aquela participação formal, apenas nas reuniões escolares”, conta Ivan. Num primeiro momento, a ação não vingou como esperado, travada em burocracias e falta de tempo dos envolvidos. Mas os pais de Ângela perceberam que o movimento começava a ter reflexos positivos no comportamento da filha. “No mínimo, estávamos demonstrando maior interesse na vida dela, e a escola é uma parte importante disso”, analisa Déborah. A atividade da Associação foi retomada. “Fizemos uma reunião, apareceram muitos pais, mas ainda assim a participação efetiva ficou reduzida a oito pessoas”, conta Ivan. O grupo fez de tudo – organizando festas, campanhas, criando redes virtuais, editando boletins informativos e outras atividades – para mobilizar o interesse de outros pais. No meio do caminho, a direção da escola mudou e a nova direção chegou com entusiasmo para dar força ao esforço das famílias. Este ano, no final de março, convocada nova reunião do grupo, 30 pais entre os participantes se candidataram a ingressar na Associação. “Foi a maior reunião de pais da escola. Vamos eleger nova diretoria e reativar de vez a Associação Amigos da Escola”, diz Ivan. Com a maior participação dos pais nas atividades da escola, as mudanças no comportamento de Ângela também foram reforçadas e ganharam nitidez. “Hoje, ela não desperdiça o espaço da escola”, diz o pai.

Segundo Déborah, a filha está mais interessada em tudo, mais responsável e envolvida com as situações escolares, e as notas também melhoraram. O mesmo movimento aparece na casa da família, onde a menina passou a colaborar mais com as tarefas domésticas. “Ela está muito bem no caminho da maturidade. Está

Arquivo Pessoal

assíduos, interessados em conhecer e desvendar possibilidades de vida e futuro, com a escola e por causa dela”, diz Vânia. Enfim, os efeitos se revelaram no aproveitamento escolar: as notas bimestrais aumentaram, assim como os índices de aprovação das turmas.

A professora Vânia Pinto, do Rio de Janeiro, com alunos: filosofia no cotidiano


Criando perspectivas A professora de educação física Josefa Iranilde Dantas Santana, que trabalha no Colégio Estadual Professor João de Oliveira, no município de Poço Verde, em Sergipe, queria o mesmo que os pais de Ângela em relação a seus alunos: que eles se envolvessem com o aprendizado na escola, não por obrigação, mas que o incorporassem com interesse e perspectiva de futuro, como um projeto em suas vidas. A meta específica da professora era tirar os alunos do sedentarismo, mas o propósito mais amplo, a partir da prática esportiva, era torná-los pessoas ativas em seu meio – exatamente a perspectiva que motivou e conquistou os jovens para participar do projeto Caminhando com a Comunidade, iniciativa premiada na Feira Nacional de Ciências da Educação Básica (Fenaceb) e também destacada na 3ª edição do Prêmio Professores do Brasil, do MEC. Na primeira etapa do empreendimento, a professora convidou os jovens para um passeio a pé, uma caminhada até a barragem da cidade. A atividade motivou a segunda etapa: uma pesquisa sobre os benefícios fisiológicos que a prática de caminhar produz nos sistemas orgânicos. Divididos em grupos, os jovens apresen-

Jorge Leal

apostando em suas escolhas, quer cuidar dos bichos, ser veterinária. E toda essa história também animou a nós, como casal, ao criarmos novas relações com outros pais da escola e seus filhos”, diz Ivan. Pela experiência, o casal garante que os filhos cujos pais têm esse engajamento na escola apresentam melhor desempenho e envolvimento. “Esses alunos se dedicam mais e colherão mais no futuro. Somente uma associação não faz uma escola, mas ela faz a diferença porque o espírito associativo gera mais e mais participação”, diz o pai. “Com outra disposição, hoje a minha filha está desfrutando do mundo da escola, sabendo que os conhecimentos e experiências de que partilha vão ajudála a vencer no mundo, a ser alguém melhor na vida”, finaliza Déborah.

A professora Josefa Santana,

de Poço Verde (SE), com alunos: caminhada para o conhecimento taram suas pesquisas em seminários. Na sequência, foram convocados a caminhar três vezes por semana num espaço de uma associação local. “Nesse momento, eu considerava com os alunos aspectos científicos do exercício para que eles o realizassem no que chamamos zona alvo, a ideal para alcançar os melhores resultados, e comentávamos as observações deles sobre outras pessoas que viam caminhar na comunidade. Essa atividade nos encaminhou para a terceira etapa do projeto, uma pesquisa de campo”, conta Iranilde. Munidos de um questionário, os alunos entrevistaram moradores que faziam o exercício da caminhada. O objetivo era identificar o perfil deles e suas características, como a roupa, o calçado, a alimentação e a ingestão de água, o alongamento antes da prática esportiva. Os resultados da pesquisa, com cerca de 300 pessoas, foram demonstrados em gráficos e analisados pelos alunos. “Foi esse trabalho que deu caráter científico ao projeto”, diz a educadora. As informações coletadas renderam mais: cada grupo de alunos produziu um boletim com informações importantes para o praticante de caminhadas e distribuiu o material na comunidade. Uma quarta etapa estava prevista para coroar o projeto, segundo Iranilde. Durante a atividade, os jovens se deram conta de que as pessoas caminhavam à beira da estrada por falta de um local apropriado e decidiram formar uma comissão para cobrar dos órgãos públicos a construção de um espaço para caminhadas. “Queremos realizar essa etapa na próxima edição do projeto e também fazer dele uma atividade extracurricular, para atender alunos que estão acima do peso”, diz a professora.

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Para Iranilde, um dos ganhos do projeto foi os alunos se darem conta de que os problemas da comunidade são deles também, porque eles são a comunidade. Outro foi a valorização da educação física na escola e na vida dos jovens. “Muitos alunos passaram a adotar a prática da caminhada”, conta. O maior ganho talvez os jovens percebam no futuro: com o projeto, desenvolveram a autonomia na busca pelo conhecimento, explorando novos meios como a internet e também habilidades como transmitir o conhecimento assimilado em seminários e trabalhar em equipe. Eles saíram do projeto mais preparados para construir seus projetos de vida.”


Divulgação

banco de práticas

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Entre a criança e o jovem cidadão, está o adolescente no ensino médio, uma etapa especial da educação para viver experiências que embasarão futuras escolhas e decisões. É o início da construção de um projeto de vida que envolve a dimensão profissional, afetiva e cívica e, por isso, demanda, na escola, ou fora dela, ações motivadoras dos educadores para nutrir o aluno de valores pessoais e sociais. Ações como a da professora Martha Brasil, de São Luís (MA), que colocou seus alunos do ciclo

divulgação

QUATRO PROJETOS SENSIBILIZAM ESTUDANTES DO CICLO MÉDIO PARA OPÇÕES DE VIDA

médio literalmente em cena, para vivenciar com jogos teatrais personagens da literatura, ou do cotidiano, e assim se aperceberem criticamente do seu espaço e da diversidade do mundo. “Eu queria despertá-los para o amor pelo coletivo e também mostrar a importância da educação em sua formação, mas fazer isso fora da rotina”, diz Martha, que teve seu trabalho destacado pelo Prêmio Professores do Brasil, do Ministério da Educação. Destaque teve também o projeto conduzido pela professora Carmelita Rodrigues, em Itapipoca, no Ceará. Ela levou jovens do ensino médio a um passeio pela história pessoal e local, para depois inseri-los no mundo global e virtual. “O objetivo foi fazer o estudante reconhecer-se como sujeito de sua história”, diz. Na capital paulista, o projeto Vale Sonhar está nas escolas estaduais, envolvendo alunos do ensino médio em debates sobre sexualidade e projeto de vida. “Muitos jovens nem reconhecem ter um sonho. Precisam de oportunidade para perceber isso”, diz Maria Helena Vilela, presidente do Instituto Kaplan, que desenvolve a atividade. E, reconhecido um sonho, a busca por sua realização exige planejamento. É o que ensinam a jovens de 14 a 18 anos, em uma atividade voluntária, profissionais da área de gerenciamento de projetos, com o programa Meu Projeto de Futuro, iniciado em 2005, em Brasília, aplicado em São Paulo e também oferecido on-line. “Sem um passo-a-passo, uma meta pode parecer grande demais, e você nem tenta realizála”, diz Vitório Tomaz, porta-voz do programa. A seguir, mais detalhes dessas iniciativas. (L.C.)

DIVULGAÇÃO

QUESTÃO DE ESCOLHA


São Luís (MA)

Projeto Teatro como Formação Crítica e Ética do Aluno no Nível Médio

Itapipoca (CE)

Projeto A Informática Educativa na Valorização da História Local e na Criação de um Museu

No Centro de Ensino Médio Maria Mônica Vale, escola da rede pública estadual do Maranhão, em São Luís, a proposta da professora de educação artística Martha Brasil mobilizou jovens da 1ª à 3ª série do ciclo médio. Muitos não tinham assiduidade no projeto porque trabalhavam, mas se envolviam conforme suas aptidões: alunos atores, alunos com talento digital, alunos assistentes de direção. Para todos, nas classes, o envolvimento se deu em forma de pesquisas, leituras e interpretação de textos clássicos e contemporâneos >>

Em 2008, a Escola de Ensino Fundamental e Médio Nossa Senhora da Assunção, localizada no distrito de Assunção, em Itapipoca (CE), foi beneficiada pelo programa federal ProInfo-Integrado (computador, internet e Linux Educacional). Nesse contexto, para dinamizar o aprendizado e promover a inclusão digital, nasceu o projeto da professora Carmelita Rodrigues de usar a nova tecnologia para valorizar o patrimônio histórico. “Era a oportunidade de aproximar as disciplinas dos adolescentes, e assim despertá-los para interesses, >>

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SP, ES e AL

Projeto Vale Sonhar

Nacional

Programa Meu Projeto de Futuro

A iniciativa do Instituto Kaplan tem como objetivo a prevenção da gravidez na adolescência. “Sexo é nato, mas prevenção é aprendizado”, explica Maria Helena Vilela, coordenadora do projeto que, no Vale do Ribeira, em São Paulo, reduziu em 90% o número de gestações precoces. “O futuro profissional é o principal interesse do jovem quando se abre espaço para esse debate, e o impacto que uma gravidez pode ter sobre esse sonho torna-se a motivação natural para o adolescente aprender sobre reprodução e contracepção”, acrescenta. >>

Acostumados a colocar planos em prática, um grupo de profissionais da área de gerenciamento de projetos percebia que a falta do hábito de planejar era uma falha na formação escolar dos jovens e, também, uma brecha de atuação social. Em 2005, aprendizes do Banco Central foram os primeiros beneficiados pelo trabalho voluntário desses profissionais, que desenvolveram um programa para ajudar os jovens a estruturar seus projetos de vida. Em 2006, o programa foi estendido a participantes de >>


>> e no aprendizado da produção teatral. O foco era o reconhecimento do outro e do coletivo. Tudo começou com a “formação” de uma máquina. Cada aluno era uma peça da engrenagem e, quando um não conseguia manter sua posição, a máquina parava de funcionar, comprovando a necessidade do outro e de se ter um objetivo comum.

>> competências e potencialidades”, diz ela. Alunos do grêmio logo sugeriram criar um museu, ajudando a conquistar o interesse dos demais para a proposta da professora, que também mobilizou professores de outras escolas, universitários, lideranças da comunidade e pais de alunos. Os estudantes partiram para pesquisas na

>> Em 2007, o Vale Sonhar se estendeu para as redes de ensino médio público de Alagoas (fotos) e Espírito Santo. Na capital paulista, está em mais de 3.500 escolas. Os professores são treinados para aplicar as três oficinas do projeto: “Despertar para o sonho”, “Nem toda relação sexual engravida” e “Formas de relacionamento sexual”. A

>> um curso profissionalizante no Lar Meimei, em São Paulo. Em 2007 e 2008, a experiência envolveu jovens do restaurante-escola da Câmara de Vereadores de São Paulo e cerca de 500 estudantes de escolas públicas e particulares de Piracicaba (SP). Desde o início de 2009, a proposta está on-line, no site www.meuprojetodefuturo.com.br. “O


funcionamento no corpo, isto é, como cada um deles previne a concepção. “O jovem conhece o efeito do método e, entendido isso, se apossa desse conhecimento para a vida toda, seja para prevenir uma gravidez precoce, ou, no futuro, uma gravidez que não está no seu plano de vida”, destaca Maria Helena.

jovem internauta baixa uma apostila com as atividades de três oficinas, e nós damos o suporte na aplicação”, diz Vitório Tomaz. Na primeira oficina, o destaque são as orientações para definir metas e parcerias para concretizálas. “Parcerias, por exemplo, de pais e de professores, que podem ajudar na caminhada”, diz Vitório, acrescentando

que os jovens criam um pássaro num trabalho de dobradura para perceber como o passo-a-passo facilita a realização de um projeto. Têm, então, de preparar um projeto de vida, objeto das discussões na segunda oficina. A terceira é dedicada à apresentação dos sonhos, ponto já alcançado por mais de 800 jovens que se envolveram com o programa.

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primeira abre o debate sobre projeto de vida e gravidez. Na segunda, o jovem conhece o funcionamento dos órgãos sexuais e, apresentado a 10 práticas sexuais que causam dúvida quanto ao risco de engravidar, tem de esclarecer as questões. Na terceira oficina, os alunos aprendem sobre os métodos contraceptivos e seu

para saber mais

apropriaram das inovações tecnológicas e se reconheceram como agentes da conservação do patrimônio de Itapipoca”, diz Carmelita. E começaram a valorizar a própria identidade, ponto de partida para um projeto de futuro. “Houve uma conquista imensurável: a mudança de atitude em relação à preservação patrimonial do distrito de Assunção”.

sobre

internet sobre história oral e escrita e produziram dramatizações sobre as origens da região. Realizaram entrevistas, visitaram locais históricos, fizeram coleta de objetos, criando, por fim, o Museu Histórico e Cultural das Regiões Serranas de Itapipoca. Na rede virtual, produziram blogs e fóruns. As aulas tornaram-se estimulantes. “Eles se

rentes personagens, se perceberam como protagonistas de suas histórias. “Eles descobriram talentos, passaram a escrever, mostraram textos nunca antes revelados. Um aluno me disse: ‘Eu posso ser outro além de mim, porque sei quem eu sou’. Creio ser um passo e tanto para a construção de um projeto de vida”, diz a mestra.

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O jogo estendeu-se para situações do cotidiano: um dia na escola, no palácio do governo, na igreja. Os jovens prepararam o texto “Sufrágio Universal” para o Festival Maranhense de Teatro Estudantil, analisando exemplos de cidadãos e suas práticas em cargos públicos. Martha diz que os alunos, ao experimentarem a realidade em dife-

TEATRO COMO FORMAÇÃO CRÍTICA E ÉTICA DO ALUNO NO NÍVEL MÉDIO ORGANIZAÇÃO Centro de Ensino Médio Maria Mônica Vale ÁREA DE ATUAÇÃO São Luís (MA) PROPOSTA Oferecer formação crítica e desenvolver valores coletivos por meio de experiências com jogos teatrais baseados em personagens da literatura, ou do cotidiano. JOVENS ATENDIDOS Em 2008, 25 jovens dos três anos do ciclo médio participaram do projeto. CONTATO Professora Martha Brasil, pelo e-mail m_br31@yahoo.com.br

A INFORMÁTICA EDUCATIVA NA VALORIZAÇÃO DA HISTÓRIA LOCAL E NA CRIAÇÃO DE UM MUSEU ORGANIZAÇÃO Escola de Ensino Fundamental e Médio Nossa Senhora da Assunção ÁREA DE ATUAÇÃO Itapipoca (CE) PROPOSTA Dinamizar o aprendizado, com o uso de recursos digitais, para envolver estudantes na valorização do patrimônio histórico de Itapipoca e, assim, despertá-los para suas competências e potencialidades. JOVENS ATENDIDOS O projeto mobilizou toda a comunidade escolar, além de professores de outras escolas da região, estudantes universitários e pais de alunos. CONTATO Professora Carmelita Rodrigues, carmelitafar@gmail.com; tel. da escola: 88/3673-1085

VALE SONHAR PROJETO GRAEL ORGANIZAÇÃO Instituto ÁREA DE ATUAÇÃO RIO DE Kaplan JANEIRO (RJ) ÁREA DE ATUAÇÃO Escolas públicas de São RESUMO DA PROPOSTA Projeto que pretende, Paulo, Espírito Santo eformar Alagoas pelo ensino do iatismo, o jovem tanto de PROPOSTA Aprendizado da prevenção da para forma técnica quanto cidadã. Há formação gravidez adolescência a partir de debate o mercadonanáutico e aulas complementares de sobre projeto de vida.além de apoio psicológico. geografia e marcenaria, JOVENS São Paulo, 2008, NÚMEROATENDIDOS DE JOVENSEm ATENDIDOS 350desde por semestre mais de 3.500 escolas Criança de ensino médio da rede PRINCIPAIS APOIADORES Esperança, pública. Instituto Oi Futuro, supermercado Wal-Mart, CONTATO Maria Helena Companhia de Gás CEG. Vilela, lena@kaplan. org.br ; CONTATO; www.institutokaplan.org.br www.projetograel.com.br, tel. 11/5092-5854 tel.: (21) 2711-9875

MEU PROJETO DE FUTURO ORGANIZAÇÃO Trabalho voluntário ÁREA DE ATUAÇÃO Nacional PROPOSTA Oferecer ferramentas e orientação a adolescentes e jovens na construção de um projeto de vida. JOVENS ATENDIDOS De 2005 a 2008, mais de 800 jovens CONTATO Vitorio Tomaz, pelo e-mail vitorio@j2da.com.br, ou no site www.meuprojetodevida.com.br

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Ângulo 1

Ensino médio e projeto de futuro

Encruzilhada de sentidos O RESGATE DA IDENTIDADE DO ENSINO MÉDIO PASSA PELA SUA DEMOCRATIZAÇÃO O ensino médio no Brasil passa hoje por uma grave crise causada por elevadas taxas de evasão. De acordo com as estatísticas mais recentes do Ministério da Educação (MEC), menos da metade dos adolescentes com idade entre 15 e 17 anos estão matriculados no ensino médio no País, sendo que, no Sudeste, são pouco menos de 60% do total desta população e, no Nordeste, pouco mais de um terço. Ao contrário do que se imagina, não é a ausência de equipamentos escolares, ou a necessidade de os adolescentes trabalharem que produz esta baixa taxa de escolarização: a principal causa é a ausência de sentido da escola na vida destes jovens.

Esta ausência de sentido deve ser contextualizada em três aspectos que definiram a virada do milênio como o da constituição da chamada sociedade da informação. O primeiro deles é o desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação que, de um lado, facilitaram os processos de aprendizagem autônoma e a formação de comunidades de aprendizagem e de redes e, de outro, democratizaram o acesso à produção cultural, franqueando, até mesmo às populações jovens das periferias, a criação de filmes, fanzines, rádios, blogs, videorreportagens, entre várias outras possibilidades audiovisuais. É evidente que a escola não acompanhou este movimento, estagnando em sua estrutura de lousa, giz, carteiras enfileiradas, sinal, recreio etc. O segundo aspecto marcante da virada do milênio é o esgotamento do paradigma disciplinar científico. A pesquisa de ponta, hoje, teve de ultrapassar as fronteiras disciplinares para buscar soluções aos problemas socioambientais criados pela busca incessante do progresso e, mais uma vez, a escola não acompanhou este movimento, mantendo seu currículo organizado pelas caixinhas disciplinares. Por fim, é preciso falar também das transformações no mundo do trabalho. O que aconteceu neste âmbito, nas últimas décadas, foi a desregulamentação das relações, a imprevisibilidade das carreiras e a multiplicidade dos caminhos profissionais possíveis. Novamente a escola ficou de fora do movimento.

O ensino médio, especialmente, viu-se numa encruzilhada de sentido que fica evidente quando observamos seu nome, médio, em relação à definição que lhe foi dada pela Lei de Diretrizes da Educação, a de etapa final da educação básica, e à expectativa social de que ele possibilite o início da vida adulta, seja via profissionalização, seja via ingresso na universidade. Esta encruzilhada, de certa forma, marca a própria fase da vida daqueles a quem se destina o ensino médio. O principal papel que a escola deveria desempenhar junto àqueles que estão deixando a adolescência é o de suporte para a construção de um projeto de vida.

Por _ Helena Singer


centro do processo de aprendizagem, partindo dele e não mais de um currículo anterior e externo. Neste sentido, poderíamos dizer que as escolas privadas e estatais precisam tornarse públicas, possibilitando o acesso a todos e organizando-se para que todos efetivamente participem desta comunidade de aprendizado. A transformação necessária na escola para que ela se torne efetivamente pública passa pela flexibilidade e pela diluição das fronteiras disciplinares. As questões que os estudantes levantam e as visões de mundo que trazem para a escola não entram nas regras das disciplinas e são facilmente avaliadas como expressão de ignorância, ou crendice popular. Da mesma forma, a classificação seriada, que tem por pressuposto a homogeneização das pessoas de mesma idade, é fator determinante do caráter excludente da escola atual. Ao contrário, na escola que tem o estudante no centro do processo, não se espera que pessoas da mesma idade sejam iguais em habilidades, interesses e talentos e não se aposta na homogeneidade para o progresso do aprendizado. A aposta se faz nos estímulos e desafios que

ISTOCKPHOTO

Qualidade de ensino para todos Quando se fala em falta de qualidade da escola brasileira, em geral, foca-se na educação pública. Mas é bom ressaltar que mesmo as escolas privadas, aquelas voltadas para as classes média e alta da sociedade, não têm, em geral, conseguido acompanhar as transformações sociais e ressignificar seu papel no sentido de apoiar seus estudantes na construção de projetos de vida. Talvez o maior desafio, tanto para as escolas privadas quanto para as estatais, seja colocar o estudante no

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Ângulo 1

a convivência com os diferentes possibilita. Com oportunidades para pesquisar o que é de seu interesse, cada estudante compartilha com os demais suas paixões e talentos. É na busca orientada por seus interesses e no exercício de seus talentos, que o estudante vai se tornando capaz de elaborar projetos que, aos poucos, vão conferindo forma e sentido a um projeto de vida. Foi para superar as fronteiras disciplinares e a classificação seriada que, já há mais de uma década, a legislação brasileira propôs a organização escolar por projetos e ciclos, como fica claro em documentos como a LDB de 1996 e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio lançadas dois anos depois. A grande distância que separa o que está na proposta legislativa e a realidade cotidiana das escolas é a própria cultura, algo que, para ser efetivamente transformado, depende da mobilização de gestores, educadores, estudantes, funcionários, pais e demais parceiros da comunidade. O ingresso no mundo do trabalho A mobilização da comunidade para a transformação da cultura escolar articula-se diretamente com a vinculação orgânica entre a escola, o mundo do trabalho e a prática social. Diante dos desafios socioambientais que vivemos, a escola deve tornar-se um espaço de aprendizado de como praticar a cooperação, a solidariedade e a igualdade de direitos na perspectiva de um empreendedorismo que seja capaz de melhorar a qualidade dos produtos, as condições de trabalho, as relações na cadeia produtiva, e a preservação e recuperação dos recursos naturais disponíveis. O aprendizado se estende às práticas

A ESCOLA DEVERIA DESEMPENHAR PARA AQUELES QUE ESTÃO DEIXANDO A ADOLESCÊNCIA O PAPEL DE SUPORTE PARA A CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO DE VIDA de participação na política e na cultura da região, do país e do mundo. Para tanto, é preciso desenvolver as competências relativas à criatividade, ao exercício da curiosidade, à capacidade de pensar múltiplas alternativas para a solução de um problema, bem como à capacidade de trabalhar em equipe, à disposição para o risco, à comunicação e à busca permanente de conhecimento. Esta vinculação orgânica entre a escola, o mundo do trabalho e a prática social depende, de um lado, da superação das séries e das disciplinas pelos ciclos e projetos. De outro lado, passa pela própria gestão da escola, com o compartilhamento das responsabilidades entre gestores, estudantes, educadores e funcionários, e a participação de todos nos processos decisórios. Cada um torna-se, neste sentido, responsável por si, mas também pelos demais e pelo bem comum. O aprendizado das competências para o mundo do trabalho e a prática social se dá com a experiência. Trata-se de grande variedade de práticas de mediação e tomadas de decisão, cuja vivência é indispensável para o desenvolvimento das responsabilidades necessárias à vida adulta. Apesar de a legislação propor há mais de uma década o desenvolvimento das competências para o mundo do trabalho e a prática social, as escolhas do estudante permanecem extremamente limitadas, reduzidas quase sempre a cumprir, ou não, as tarefas que lhe são impostas. A evolução do apren-

dizado, promoções, ou repetências, e muitas outras decisões que afetam sua vida são tomadas por superiores, por razões que, em geral, ele desconhece. Quando a escola se torna um ambiente colaborativo de aprendizado, o jovem passa a ser membro de um coletivo, encarregado de tomar tais decisões, se responsabilizando por elas e sendo reconhecido em sua individualidade. O educador como orientador de processos Quando se fala da universalização da escola, é comum pensar em um currículo único para todo o País. Esta é a perspectiva que busca estender aos filhos dos trabalhadores o acesso à “cultura”. As transformações tecno-


Espera-se que o ensino médio possibilite o início da vida adulta, seja via profissionalização, seja via ingresso na universidade. Esta encruzilhada, de certa forma, marca a própria fase da vida daqueles a quem ele se destina

ambiente que o forjou. A escola pode, assim, constituir uma identidade própria, com base nas vocações do lugar em que está inserida. Com possibilidade de escolha, cada estudante constrói seu currículo com base nos estudos, projetos, cursos e atividades que realiza. Tudo isto já está previsto na legislação. Para além da reestruturação curricular e administrativa da escola, possivelmente o aspecto mais importante para a garantia do seu caráter público é a atitude de acolhimento e respeito e a criação de vínculos entre equipe e estudantes. Considerando que o objetivo maior do ensino médio é possibilitar aos estudantes o desenvolvimento das competências necessárias para o mundo do trabalho e a construção de um projeto de vida, o educador tem como principal tarefa acompanhar um processo de emancipação que vem da autoconfiança, do prazer

Arquivo Pessoal

lógicas, que estão democratizando não só o acesso ao consumo dos produtos culturais mas também o acesso à produção cultural, exigem uma mudança neste posicionamento. Democratizar a escola passa a significar reconhecer, legitimar e partir das diversas culturas de seus estudantes, educadores e da comunidade onde está inserida. Com este ponto de partida, a escola precisa converter-se em um espaço de produção de conhecimento, que não reproduz, mas certamente dialoga com a cultura acadêmica. Ao se democratizar, a escola não só transforma os papéis de estudantes e educadores como abre seus portões, abre-se para o mundo, trazendo pessoas da comunidade para desenvolver projetos, promovendo trilhas educativas pela cidade, intervenções no bairro, participação nas organizações comunitárias e parcerias com outras comunidades de aprendizagem. Dado que até 25% do currículo do ensino médio pode ser realizado fora da escola, esta pode estabelecer parcerias para oferecer aos estudantes, dentro ou fora de seu espaço, cursos voltados para assuntos que sejam de seu interesse. Quando a escola é democrática, o conhecimento produzido reflete o

Valesca Amaral dos Anjos Silva, 18 anos, participou do Projeto Juventude Cidadã, da Fundação Luis Eduardo Magalhães (www.flem.org.br; flem@flem.org.br) em Salvador (BA)

do aprendizado, da motivação e do engajamento no próprio processo de conhecimento e na superação de desafios. Este processo começa com o acolhimento e continua com a descoberta dos talentos que irão possibilitar a realização de projetos de vida. Afinal, o aprendizado é permanente, começando no nascimento, e talvez por isso mesmo não faça muito sentido falar em educação básica, ensino médio, fim de etapa... Helena Singer é socióloga, sócia fundadora do Instituto Politeia Educação Democrática e diretora pedagógica da Cidade Escola Aprendiz

“Fiz o ensino médio numa escola em que a direção parecia limitar o trabalho dos professores e, em conseqüência, o aprendizado dos alunos. Não havia muito empenho para sair da rotina dos livros didáticos e a maioria das aulas era chata, dava sono. Também havia resistência a manifestações culturais dos alunos. Nesse ambiente, a exceção eram os professores de História. Menos conformados com a situação, eles inventavam projetos mais criativos e movimentados, apresentando filmes, documentários, realizando seminários com os alunos e também nos levando a exposições. Acho que essa experiência teve influência na hora do meu vestibular. Minha escolha foi História, e curso o primeiro ano no Centro Universitário Jorge Amado. E uma outra experiência, fora da escola, ajudou a definir um pouco mais o caminho. No fim do ensino médio, eu queria trabalhar e não conseguia emprego. Aí, me inscrevi no Projeto Juventude Cidadã para um curso de preparação para o primeiro emprego, que incluía aulas de cidadania e direitos, uma oficina de plano de vida e carreira e um período de trabalho voluntário. Nesse atividade, eu dei aulas sobre os cuidados com o meio ambiente para crianças de escolas municipais. Foi aí que decidi fazer História para trabalhar com educação.”

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Ângulo 2

Ensino médio e ética

CONSTRUINDO PESSOAS A FORMAÇÃO DE VALORES É ESSENCIAL PARA ORIENTAR A TOMADA DE POSIÇÕES NA VIDA O que a escola tem a oferecer para a formação do jovem? Mais do que possibilidades de resposta, propomos aqui uma breve reflexão a partir do tema que emerge desta pergunta. Ainda que breve, o objetivo de realizar uma reflexão pede uma nova formulação da pergunta, que terá de se desdobrar em outras tantas, que se encontram embutidas na primeira. Perdoe-me, leitor, a aparente confusão e jogo de palavras, mas se trata, propositadamente, de explicitar o método de construção do raciocínio do texto. Vamos, então, ao desdobramento da pergunta inicial: O que entendemos por escola? Que concepção temos

de formação? O que desejamos para o futuro do jovem? A instituição escolar tem sido concebida como espaço privilegiado de construção de cidadania, portanto como lugar em que o exercício de um convívio democrático e solidário deve ser incentivado. Para tanto, ela precisa constituir-se como um locus coletivo de construção de humanos enraizados em seu tempo, o que envolve também informar, mas principalmente formar consciências, construir sujeitos capazes de refletir e aptos a criar. Nesta concepção, a ação escolar, que envolve educadores e educandos, formalmente e com papéis estabelecidos (mas que se permitem revezar no de mestres e aprendizes), se organiza para construir pessoas. Atenção: construir pessoas! O produto da ação escolar são homens e mulheres, espera-se, de qualidade boa, isto é, generosos, solidários, preparados para viver e compreender o mundo em que vivem e compreenderem-se nele.


Mário Fontes/SambaPhoto

Cada etapa da educação básica terá de, habilmente, organizar-se para caminhar em direção a esse objetivo. O ensino médio, etapa final da educação básica, é o que se voltará para a formação do jovem. Bem sabemos que formá-lo não envolve apenas a ação escolar. Oportunidades culturais, artísticas, de convívio social são fundamentais. Não há também como formá-lo sem criar oportunidades para que ele possa continuar se desenvolvendo profissional, pessoal e intelectualmente, a fim de poder realizar-se como ser humano, membro de uma sociedade, e que, como tal, deve ser respeitado. Conhecimento como estratégia À escola cabe também papel essencial no processo de formação. Não se trata, por óbvio, apenas de instruir os jovens em determinadas habilidades, nem de levá-los a se apropriarem de um acervo de conhecimentos, mas – nesta concepção – de instaurar e amadurecer o próprio pensar, base da construção de sua autonomia pessoal, aqui compreendida como um direito a ser conquistado por todo ser humano de se autogovernar, tendo como parâmetro a alteridade, o respeito ao semelhante.

O conhecimento é compreendido como uma estratégia da existência e não constitui uma esfera isolada das demais coordenadas da vida. Aulas pesadas, com conteúdos eminentemente teóricos, e desvinculadas da realidade do jovem, ou, por outro lado, um ensino solto, sem objetivos claros, em que se chama “reflexão” a conversas intermináveis, que não trazem em seu bojo a preocupação com a superação do conhecimento gerado pelo senso comum, não são adequados. São caminhos que, embora aparentemente opostos, conduzem ao mesmo perigoso fim: um jovem não preparado, sem condições de assumir-se em todas as suas dimensões. A leitura da história humana nos revela que o modo humano de ser e estar no mundo nunca pressupôs uma realidade pronta, pelo contrário, sempre incluiu a idéia do devir. A humanidade viveu e vive um constante processo de construção e, para isso, tem de se preparar. Eis a razão de ser da formação, que se faz pela educação, tanto informal quanto formal, escolarizada. O conhecimento é mediador desse processo, por isso é estratégia de existência. Para que as novas gerações sejam inseridas no mundo, elas precisam ser formadas para debater a sua vida em socie-

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Por _ Branca Jurema Ponce


dade; para criar melhores alternativas de viver/conviver; para fazer também o imprevisível; para buscar o conhecimento autonomamente; para atuar no mundo do trabalho; e para, por meio de um constante processo reflexivo, construir-se acreditando em si mesmas. O currículo, as práticas didáticas e o convívio escolar são mediações necessárias à realização dessa formação, cujas palavras de ordem são reflexão e diálogo. Não há um nem outro sem os conhecimentos e os sujeitos envolvidos, que são fundamentais. “A minha escola é pública, mas uma referência de ensino médio. A gente estuda em tempo integral, das 7 da manhã às 5 da tarde. Temos as aulas normais e cursos profissionalizantes opcionais, como tecnologia de informação, comunicação social, informática, além de dinâmicas que preparam para o mundo do trabalho. No mês de março, os alunos do último ano começaram a participar de uma atividade que debate projeto de vida. A gente discute o que gosta e não gosta na gente mesmo, o que temos de melhor para oferecer, o que pretendemos fazer. Nas aulas regulares, como a de sociologia, estamos conhecendo aspectos das relações nos sistemas econômicos e sociais, o que ajuda a gente a ver o que acontece na nossa sociedade, do que gosta, em que acredita mais ou acredita menos. Estou adorando. A escola é para mim uma oportunidade única, e é única mesmo porque, aqui, se você é reprovado, tem de sair. Eu aprendo muito, principalmente a buscar o que quero com a certeza de que posso ir além. Outro dia, pesquisando na internet, encontrei outra oportunidade única: me inscrevi num projeto voluntário

ARQUIVO PESSOAL

Ângulo 2

Apesar do uso e abuso que tem havido em relação às expressões reflexão e diálogo, esvaziando-as de seu significado mais profundo, não nos furtaremos de utilizá-las à exaustão, se necessário, por entendê-las fundadoras do processo educativo, quando tomadas na sua significação mais viva. A reflexão nasce do espanto com a vida, do incômodo com uma existência incompleta e do desejo mais profundo do nosso eu de superar problemas. Nasce de uma indignação que nos mobiliza para a reflexão-ação. É, portanto, geradora do próprio conhecimento, tomado em seu processo de construção. No percurso formativo, o mundo jamais é tomado como uma evidência. O exercício de formação se serve do genuíno diálogo, que supõe uma interlocução verdadeira com a expressão do outro, a do não-eu. Nesse percurso formativo, o conhecimento e a reflexão são meios, e o devir da humanidade é fim. Voltemos à questão-título, que originou este artigo: O que a escola tem a oferecer para a formação do jovem? Embora saibamos do alto teor utópico que a concepção de escola aqui adotada evidencia, consideramos que pensá-la como formadora seja essencial. Não há

Leokarcio Cavalcanti, 17 anos, faz o 3º ano do ensino médio na EREMT – Escola de Referência em Ensino Médio de Timbaúba (PE)

de uma revista suíça. Participam jovens de todo o mundo. Mandei um currículo, conversei com o editor e fui selecionado para atuar como repórter, colhendo informações sobre o meu país. Eu quero ser jornalista e essa experiência vai ser demais!”.

ingenuidade, ou ignorância do caráter histórico discriminatório da instituição escolar, mas o desejo de evidenciar, nas contradições da sua proposta originária, a sua possibilidade emancipatória. Para além da necessária habilitação técnico-científica dos jovens, o que está em pauta, quando se fala dos objetivos da educação para eles, é a formação da pessoa. Trata-se de um horizonte de que não podemos abrir mão, ainda que reconheçamos os obstáculos colocados pela nossa dura realidade. A construção de sujeitos autônomos e conscientemente históricos – eis o que desejamos para o futuro dos nossos jovens – envolverá também um necessário processo de aquisição/ reflexão acerca de valores. Formação de valores Afirmamos, logo nos primeiros parágrafos, que a instituição escolar tem sido concebida como espaço privilegiado de construção de cidadania. Ora, não ser indiferente é fundamental ao exercício da cidadania, e isso não emana de um gesto inato. Por conseguinte refletir e posicionar-se são habilidades que precisam ser adquiridas, são passíveis de aprendizagem. Assim, a educação, incluindo-se a escolar, está necessariamente implicada na construção de valores. Do ponto de vista antropológico, nascemos e vivemos no interior do mundo cultural, que é / contém uma rede de significações que nos antecede, de tal forma que os nossos comportamentos, que não são naturais, sofrem uma modelagem imposta por esse mundo. Incorporamos costumes e valores previamente estabelecidos e a eles vamos acrescentar, durante nossas vidas, aqueles formados com base em novas informações e


reflexões. Somos, portanto, bons imitadores uns dos outros (assim como bons inventores), porque continuamos a criar – a nós e ao próprio mundo – a partir das imitações que fazemos ao incorporarmos costumes e valores vigentes. Numa boa hipótese, não aceitaremos de modo passivo os valores impostos durante todo o tempo, mas os incorporaremos e refletiremos constantemente sobre a verdade contida neles, para revê-los, ou reafirmálos. Os valores são adquiridos e podem ser transformados. Qual é a responsabilidade da escola na formação dos valores dos jovens? Preliminarmente, é preciso afirmar que a escola não é a única responsável pela formação ética dos jovens, embora seja a mais cobrada socialmente por isso. A força da sociedade consumista, as mídias, a falta de oportunidades para que o jovem se desenvolva pessoal e intelectualmente, a ausência de políticas públicas que o contemplem, têm deixado o jovem solitário na formação de seus valores. Na sua imaturidade, de modo não reflexivo, ele tende a reproduzir os valores dominantes da sociedade em que vive, muitas vezes sem maquiar o processo, como fazem os mais maduros. Do ponto de vista ético e de comportamento social, a nova ordem socioeconômica estimula o consumismo e o individualismo, que vai a limites extremos, gerando instabilidade constante e agressividade. O segmento jovem é dos mais atingidos por esse processo. A vida coletiva e a cooperação deixam de ser valorizadas, cedendo lugar à competição desenfreada e à luta individual, seja ela por sobrevivência, seja pelo sucesso a qualquer custo. Branca Jurema Ponce é professora titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atua no Programa de Pós-graduação, na área de Educação

CABE À ESCOLA NÃO SOMENTE INSTRUIR O JOVEM EM HABILIDADES E CONHECIMENTOS, MAS TAMBÉM INSTAURAR E AMADURECER O PRÓPRIO PENSAR, BASE DA CONSTRUÇÃO DE SUA AUTONOMIA A naturalização deste processo gera, contraditoriamente, uma busca equivocada pelo prazer imediato, efêmero, e por valores morais conservadores, estáveis. Temos aí uma articulação perigosa de valores, que coloca lado a lado um individualismo exacerbado e uma moral conservadora. Nesse contexto, o discurso moralista conservador é retomado com caráter de urgência. Na escola, a discussão sobre a necessidade da educação moral volta à pauta como antídoto à indisciplina e à violência; reduzida, no entanto, em sua dimensão e importância. Cobra-se, dos professores, mais autoridade, entendida como mão forte para disciplinar os alunos. De modo equivocado, clama-se por um disciplinamento dos jovens, vinculando-se esse processo à idéia de construção de valores e de cidadania. Vale aqui uma lembrança: o ato moral deve ser composto não apenas pela obrigação social, ou pela obediência às regras, mas também pela escolha do indivíduo que o realiza. Caso isso não ocorra, ele perderá o seu conteúdo fundamental. A adesão, ou a rejeição à regra constituem parte essencial da ação moral e pressupõem discernimento para optar. Saber escolher entre o que se considera certo e o que se considera errado, para decidir pela adesão, ou transgressão às determinações sociais, é uma aprendizagem necessária. É um exercício da autonomia, entendida como uma segurança pessoal construída dia a dia, por meio do aprendizado de um pensar responsável e reflexivo, que pressupõe um repertório cultural constantemente revisto. Nesse sentido, se queremos um jovem que venha a constituir-se em adulto autônomo, a atitude educativa desejável é a do estímulo ao discernimento e à opção. Oferecer ferramentas que o levem a saber discernir e optar é uma contribuição importante da escola, especialmente do ensino médio, para a formação dos jovens. Mais uma vez é preciso afirmar que não se trata, por conseguinte, apenas de instruir os alunos para a aquisição de determinada habilidade, nem de levá-los

a se apropriarem de um acervo de conhecimentos, mas de instaurar e desenvolver reflexões de modo a possibilitar o amadurecimento de ações que não sejam frutos apenas de imediatismos. A resposta à questão inicial (O que a escola tem a oferecer para a formação do jovem?) poderá, portanto, depender: 1. do que entendemos por escola; 2. do que entendemos por formação; e 3. do que desejamos para o futuro de nosso jovem. O que desejamos é: 1. um jovem que, na vida adulta, seja autogovernante de sua vida em coletividade; 2. uma formação que o prepare para viver e (re)criar a vida com dignidade; e 3. uma escola que valorize o conhecimento como estratégia de existência; que seja um espaço de convívio democrático e solidário; e que, por meio de seus educadores, ajude o jovem na construção de sua autonomia. Nossa resposta não contempla especificamente o jovem do ponto de vista da sua empregabilidade, mas não descarta essa necessidade. O projeto de vida de um jovem não pode se restringir a ter um emprego, seus horizontes devem ampliar-se. Para além do emprego, ele precisa preparar-se para a vida (inclusive para o trabalho, que é mais amplo que o emprego), a fim de não limitar o seu olhar a um perímetro tão estreito.

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o sujeito da frase

DIVULGAÇÃO

RAÍ, O EX-JOGADOR DE FUTEBOL, RECONHECIDO TAMBÉM POR TER ESTUDOS ACIMA DA MÉDIA NO ESPORTE, DEFENDE UMA ESCOLA MAIS PARTICIPATIVA


“A GRANDE INJUSTIÇA É A DIFERENÇA DE OPORTUNIDADES DE EDUCAÇÃO” Raí Souza Vieira de Oliveira começou a deixar de ser somente um aluno do Colégio Marista de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, aos 13 anos de idade. Foi quando resolveu aceitar o convite de um amigo, com quem jogava bola na rua, e fazer um teste para as categorias de base do Botafogo, um dos principais clubes da cidade. O garoto, que também participava de peladas na escola, foi aprovado, e ali começava uma história paralela: a do jogador Raí, campeão mundial com a seleção brasileira em 1994, ídolo do São Paulo e do ParisSaint-Germain, da França. Antes disso, futebol e educação conviveram de forma relativamente harmoniosa até os 22 anos, quando a transferência para a capital (antecedida de uma breve passagem pela Ponte Preta, de Campinas) fez com que ele trancasse a faculdade de Educação Física e Fisioterapia, para a qual migrara depois de cursar os primeiros créditos do curso de História.

Raí fundou com o companheiro Leonardo a ONG Gol de Letra e com outros esportistas a Atletas pela Cidadania, ambas com atuação na área educacional

Antes mesmo do fim da carreira, em 2000, os caminhos do Raí jogador voltariam a se cruzar com os do Raí estudante. Depois de passar um ano em Londres aperfeiçoando o inglês e de tentar voltar à faculdade, dessa vez cursando Filosofia – uma empreitada que o excesso de popularidade tornou impossível –, ele se juntou a Leonardo, ex-companheiro de clube e de seleção, para criar a Fundação Gol de Letra, organização não governamental que atua com educação integral desde 1998. Hoje, já são cerca de mil crianças, adolescentes e jovens, além de suas famílias, atendidos nos bairros de Vila Albertina (São Paulo) e Caju (Rio de Janeiro). Raí também é fundador e atual presidente da Atletas pela Cidadania, associação de 35 atletas e pessoas da comunidade esportiva que tem como objetivo defender causas de relevância nacional para o desenvolvimento do Brasil. Oportunidades para os jovens e educação são as duas causas iniciais escolhidas pela organização (www.atletaspelacidadania.org.br), que já soma resultados importantes em menos de três anos de atividade. Pela Lei do Aprendiz, a associação trabalhou para a implementação da Aprendizagem Profissional, que pode gerar oportunidades para 800 mil jovens brasileiros, até 2010. “Esta Lei, pouco cumprida pelas empresas, é uma oportunidade de trabalho e de futuro, como todos nós atletas tivemos. Como aprendiz, o jovem pode ter acesso ao trabalho de forma mais decente, com direitos garantidos, conciliando a possibilidade de estudo com uma ocupação”, diz Raí. Agora, a Atletas pela Cidadania se prepara para o segundo desafio: trabalhar pela educação, atuando para promover a sua qualidade em todo o País. O compromisso com a educação não surpreende quando se olha para as origens de Raí, nascido no dia 15 de maio de 1965, em Ribeirão Preto, no seio de uma família que prezava a educação. O pai, Raimundo, admirador da filosofia grega, batizou os três primeiros filhos de Sócrates, Sófocles e Sóstenes. Foi

Por _ Marcelo Barreto

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a mãe, dona Guiomar, que o livrou de se chamar Xenofonte. O irmão mais velho foi o primeiro a trilhar o caminho do futebol – mas só aceitou se transferir para um time da capital, o Corinthians, aos 24 anos, depois de completar a faculdade de Medicina, o que lhe valeu, ao longo de toda a vitoriosa carreira, o apelido de Doutor. Sócrates é uma das influências de que Raí – o jogador e o estudante – fala na entrevista a seguir.


divulgação

Raí com o ex-goleiro do São Paulo, Zetti, e o nadador olímpico Gustavo Borges: trabalho para dar oportunidades de educação e formação aos jovens

Onda Jovem: Seu irmão marcou época por conciliar escola e estudos. Foi ele a sua principal referência na carreira? A decisão do Sócrates refletiu uma preocupação do meu pai, que valorizava demais os estudos. Sempre me orgulhei muito de meu irmão, pelo que fez dentro e fora de campo. Acabamos tendo pouco contato naquela época, porque nossa diferença de idade é de 11 anos, e justamente quando ele saiu de casa, eu decidi começar com o futebol. Mas não tenho dúvidas de que o Sócrates e meu pai foram fundamentais para que eu continuasse na escola. Em São Paulo, não foi possível continuar a faculdade, mas não parei de estudar. Fiz curso de inglês, sempre tentei investir na minha formação.

O que a escola representava para o jovem Raí, antes e depois de começar no futebol? Estudei na mesma escola, o Colégio Marista de Ribeirão Preto, desde o pré-escolar até o vestibular. Fiz lá o ensino fundamental e o médio, que na minha época se chamavam ginásio e colegial. Era minha segunda casa. Fazia outras atividades lá além do estudo, até jogar bola. Conseguia aliar o conhecimento e a brincadeira. E nunca pensei em largar a escola, mesmo depois que comecei a jogar no Botafogo. E como era o Raí aluno: um craque ou um pernade-pau? Ah, era de médio para bom. Gostava de esportes, mas não acho que isso tenha prejudicado meu desempenho. Eu era meio distraído mesmo, um pouco sonhador. Mas, quando precisava, dava um jeito, não me apertava. Só repeti de ano uma vez, na quarta série, e considero que foi mais um ajuste. Eu tinha entrado na escola um ano mais cedo, e por isso tive dificuldades de adaptação. Com a repetência, acabei me encaixando no ano certo.

Algum professor o marcou em especial, foi uma referência na escola, uma inspiração? Tive um professor de Ciências, entre a oitava série do ginásio e o primeiro ano do colegial, que foi muito marcante. Não apenas pelo conhecimento da matéria, mas por ser jovem e adotar uma postura diferente. Era o tempo da abertura política, e ele se relacionava com os alunos de forma inovadora para a época. Os alunos participavam mais das aulas e, com isso, tinham desempenho melhor nas notas e no aprendizado. Foi uma influência para a minha vida, no sentido de adotar uma postura mais aberta. O nome dele era Benatti.


Você, Sócrates e Leonardo sempre foram considerados exceções no mundo do futebol, por não terem abandonado os estudos. Qual era a relação de seus companheiros de profissão com a educação? Muitos simplesmente largaram, outros nunca levaram a sério. E acho que a qualidade do ensino público influenciava muito nessa postura. Muitos jogadores vinham de famílias humildes e nunca tiveram acesso a uma escola de bom nível, que os estimulasse a ver no estudo um investimento. Eu, Sócrates e Leonardo fomos privilegiados nesse sentido. Essa visão foi importante depois do fim da carreira? Foi essa linha de pensamento que o levou a criar a Fundação Gol de Letra? A fundação é resultado da formação que tive na minha família e da vivência no futebol. Eu e Leonardo sempre tivemos claro que o que nos diferenciava dos outros jogadores não era uma coisa justa. Tínhamos a certeza de que a grande injustiça deste País é a diferença de oportunidades de formação e de educação. Foi essa convicção que nos levou a pensar num trabalho voltado para a melhoria das condições de aprendizado, e hoje estamos muito satisfeitos com os resultados da Gol de Letra.

Seu trabalho na fundação e a influência da educação na sua carreira dão a você uma ideia de como seria a escola ideal? Ah, sim. Não sou técnico da área de Educação, mas leio muito sobre o assunto desde que comecei a me dedicar à fundação. Na Gol de Letra, adotamos um método participativo. O professor tem um papel aberto, precisa saber passar conhecimento e receber informações sobre a origem de seus alunos. É importante conhecer o meio de onde o estudante veio, a família, as instituições do bairro. E também propiciar acesso a formas lúdicas de expressão, como a arte e o esporte. Com a Gol de Letra, você investe na educação das crianças. E que investimentos você fez na sua própria formação depois de encerrar a carreira? Sempre tive sede de aprender coisas novas. Quando encerrei a carreira, quis continuar estudando. Tentei voltar para a faculdade, mas o assédio dos outros alunos não permitiu que eu me dedicasse ao curso como queria. No ano que passei em Londres, aperfeiçoei o inglês e busquei novas experiências. Hoje, estou interessado em Economia. Estudar abre a cabeça, melhora a performance, traz novas ideias.

“Eu e Leonardo sempre tivemos claro que o que nos diferenciava dos outros jogadores não era uma coisa justa”

divulgação

E no futebol, é correto dizer que Telê Santana, seu técnico no São Paulo, foi seu mestre? Acho que sim. Pelo estilo de vida, pela sabedoria que adquiriu ao longo da carreira. Aprendi muito com ele. Mas o Sócrates sempre foi uma referência. E tive no Leonardo um grande companheiro.

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luneta

POR FORA DA ESCOLA

SAMBAPHOTO

O DISTANCIAMENTO ENTRE AS FAMÍLIAS E A VIDA ESCOLAR DOS JOVENS TEM CAUSAS MÚLTIPLAS E CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS PARA A EDUCAÇÃO


Paulo Fridman/SambaPhoto

Uma das dificuldades para transformar a educação em um pilar definitivo do projeto de vida dos jovens brasileiros é o lugar precário ocupado pelo ensino entre as famílias das camadas mais pobres, elas próprias com baixas referências educacionais. É uma reclamação frequente da escola o distanciamento das famílias e o pouco engajamento delas na educação geral dos estudantes. A escola, no entanto, também parece ter dificuldade para lidar com as famílias e atraí-las à sua causa. Da indiferença ao conflito, essa relação improdutiva e de ‘empurra-empurra’ vitima o jovem, que renega os estudos e, muitas vezes, acaba por abandoná-lo. Educadores e especialistas concordam – e pesquisas comprovam – que o envolvimento dos pais na trajetória escolar dos filhos faz uma diferença fundamental na aprendizagem e no desempenho. Mas a população de modo geral não se mostra preocupada com a questão. Numa pesquisa realizada em dezembro de 2008 pelo Ibope – sob encomenda da Confederação Nacional da Indústria (CNI) em parceria com o Movimento Todos Pela Educação – com 2.002 entrevistados de 141 municípios do Brasil, a falta de participação dos pais na vida escolar dos filhos não foi considerada problema relevante da educação brasileira para a quase totalidade dos entrevistados. Para 19% dos pesquisados, o grande mal da educação no País é a existência de professores desmotivados ou mal pagos. Em seguida, é apontada a falta de segurança nas escolas (17%) e, em terceiro, a falta de escolas (15%).

Por _ Frances Jones

Diálogo limitado Apesar de a questão não ser considerada um ‘problema’ pela população, outro estudo, realizado pelo Núcleo de Família e Comunidade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com 3 mil alunos entre 11 e 19 anos de escolas públicas e particulares da capital paulista, mostra que os jovens percebem que os pais não participam da vida deles na escola. “Eles sentem que têm apoio, mas não diálogo”, comenta a professora Rosa Maria Macedo, doutora em Psicologia e coordenadora do núcleo. “Apoio no sentido de ter casa, comida, etc., mas a comunicação e o diálogo entre eles são muito pobres.” Embora gostem da escola e considerem a educação importante, uma porcentagem mínima estuda, faz as tarefas e tem notas boas. Para esses adolescentes, a escola é mais um lugar de socialização, de convivência, onde são fortalecidos os laços de amizade e camaradagem. O estudo fica em segundo plano, indica a sondagem. Uma das razões para tanto, segundo a coordenadora da pesquisa, é que as instituições não acompanham a realidade do aluno, incluindo o progresso tecnológico. “Muitas vezes o que o jovem encontra na internet, por exemplo, é mais interessante que o conteúdo do jeito que ele é ensinado na escola”, diz. A principal conclusão do estudo, feito a partir da adaptação de um questionário norte-americano desenvolvido pelo Search Institute, de Minneapolis, é de que são necessários programas de atenção aos jovens que envolvam as famílias no seu desenvolvimento. “Gostaríamos que o Estado e a prefeitura aderissem a essa ideia e incluíssem as discussões nas escolas, com pais e professores”, afirma Rosa. “Os pais precisam se interessar pelo que está acontecendo, comparecer às reuniões e procurar estabelecer uma parceria com a escola”, diz. “É importante para os jovens sentirem concretamente que são queridos, respeitados e que os pais investem neles.” A questão torna-se mais complicada no ensino médio,

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NAS CAMADAS POPULARES, A MENOR IMPORTÂNCIA ATRIBUÍDA À EDUCAÇÃO SE REFLETE NO AFASTAMENTO ENTRE OS PAIS E A VIDA ESCOLAR DOS JOVENS, QUE PERCEBEM ESSE DISTANCIAMENTO

quando os adolescentes passam a estar sujeitos a uma grande influência do grupo e a questionar a autoridade paterna e materna, em busca de autonomia e de uma nova identidade. Novas configurações Com os novos arranjos da família contemporânea, que não mais se restringem à família nuclear tradicional, o trabalho de intermediação entre as gerações aumenta, na opinião da psicóloga Andrea Seixas Magalhães, professora assistente do Departamento de Psicologia da PUC-Rio. “Nas famílias pulverizadas, é importante que se esteja mais atento às questões de comunicação.” Com a autoridade paterna enfraquecida, uma parceria entre escola e família é fundamental. Para ela, é importante que a escola faça um trabalho de atrair os pais e implicar a família no processo de educação. Apesar da mudança nas formas das famílias, as suas funções permanecem. “O adolescente quer que alguém sustente as regras para que ele se organize”, diz ela.

A respeito do posicionamento da família perante a escola, a psicóloga acredita que o Brasil apresente dois extremos de distanciamento: o das classes média e alta, que mantêm uma relação utilitarista com a educação, transformando-a em objeto de consumo; e o distanciamento das classes mais populares, cujos pais não sabem como se aproximar de algo que não está dentro do seu repertório cultural. ‘Coordenação’ de pais A participação da família na vida escolar dos jovens é justamente uma das bases de um projeto-piloto em implantação em dez escolas paulistanas, numa parceria entre a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e a Fundação Itaú Social. Inspirado em experiências de cidades norteamericanas como Nova York, Chicago e Baltimore, o projeto institui a figura inusitada do “coordenador de pais”. O coordenador é escolhido mais em razão de sua inserção na comunidade do que por sua escolaridade, explica Lourdes Atié, do Instituto Fernand Braudel, que gerencia o projeto. Com carteira assinada, salário e horário de trabalho determinados, sua função é fazer a mediação entre a família e a escola, muitas vezes visitando as casas dos alunos. Após uma formação inicial, os coordenadores recebem orientação semanal. As dez escolas escolhidas pelo projeto-piloto apresentaram baixos índices no Saresp, o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo. “Em geral, a escola chama a família só para dar bronca”, diz Lourdes Atié. “O coordenador de pais faz uma mediação que nunca foi feita, dá voz aos pais, que em geral se sentem muito desprestigiados e desqualificados”, afirma. Com uma conversa prévia na própria casa, num clima informal, o pai, ou a mãe teria uma chance maior de se sentir menos acuado no ambiente escolar, visto que em geral têm um grau de escolaridade baixo. Mesmo munido de diploma do ensino superior, o jornalista Dal Marcondes sentiu na pele o desprestígio


enfrentado pelos pais, quando matriculou sua filha no ensino médio de uma escola estadual da capital paulista em 2005, enquanto passava por uma crise financeira. “O próprio sistema não está preparado para acolher os pais, e os diretores não gostam de dividir a gestão com a APM (Associação de Pais e Mestres)”, afirma ele, que ficou dois anos à frente da APM da escola da filha. Na primeira eleição para eleger a diretoria da associação, havia oito pais presentes, conta. A direção chegou a propor uma “APM fantasma”, mas os pais se mobilizaram, telefonaram para os ausentes e conseguiram obter uma presença maior na reunião seguinte, diz o jornalista. “A presença dos pais pressupõe que professores e diretores vão ter mais trabalho. Mas alguns pais também vão dizer bobagem. É preciso atenção e discernimento”, pondera Marcondes. Ele avalia sua experiência na escola, no entanto, como positiva, pois foi capaz de promover mudanças e melhorias simples, mas essenciais, como reformas na infraestrutura e conseguir maior participação dos alunos nas atividades extracurriculares. A presença dos pais também contribuiu para levar estabilidade à escola, cuja diretoria mudava constantemente. Para ele, a única forma de conduzir a família para dentro da escola pública é com o fortalecimento das APMs, por meio da convocação de eleições todos os anos. Marcondes sugere até mesmo um programa para ‘qualificação’ dos pais que forem participar das APMs, por parte da Secretaria da Educação. Alçando sonhos Um exemplo de como a educação pode transformar uma trajetória é a história do atual secretário de Educação do município de Nova Iguaçu, na região metropolitana do Rio de Janeiro, Jailson de Souza e Silva, de 49 anos. Filho de migrantes nordestinos com pouquíssimo acesso à escola, ele sempre estudou em escolas públicas da periferia carioca. Após graduar-se em Geografia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), prosseguiu

pela pós-graduação, concluiu o doutorado e tornou-se professor universitário. “Meu pai era um militar de baixa patente da Marinha e tinha como sonho que todos os seus filhos terminassem o ensino médio”, conta. “E assim foi feito: todos os cinco filhos terminaram esse grau de ensino.” Em seu percurso até o doutorado, diz, seus pais também exerceram um papel fundamental. “Apesar de muito pobres, eram educógenos”, afirma. O secretário atribui ainda a trajetória de sucesso até a universidade à sua facilidade de leitura e à sua rede de relações na igreja. Mas até hoje Jailson se depara com uma realidade muito diferente. Pesquisa realizada por sua pasta junto aos pais dos estudantes de Nova Iguaçu mostrou que somente 27% permitem que os filhos estudem por mais tempo, aderindo ao projeto de educação integral que a cidade vem desenvolvendo, por meio do Programa Bairro-Escola. Os demais entrevistados não veem benefícios nas atividades extracurriculares e temem que os filhos se cansem. Segundo o secretário, enquanto os pais dos setores médios da sociedade assumem uma presença mais regular na definição da caminhada escolar dos filhos, os pais de origem popular tendem a ter um papel mais ‘logístico’, de acompanhamento material. “Isso tem muito a ver com a escolaridade das famílias e a importância concedida à escola.” Ele acredita que “quanto maior for a escolaridade dos pais, em especial a da mãe, maior será a sua participação na vida escolar dos filhos”. Além de apoio logístico, material e estímulo, a família também deve participar da elaboração do projeto pedagógico e se fazer presente no cotidiano escolar. “Acima de tudo, ela precisa transformar a escola em uma ‘necessidade’ do estudante, sem a qual ele não possa passar”, afirma o secretário. “No meu caso, foram fatores subjetivos, objetivos e as redes sociais que me permitiram tornar-me o ser social que hoje sou, e sou muito grato por isso.”

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ciência

O FUTURO EM CONSTRUÇÃO JOVENS AINDA ESTÃO APRENDENDO A PLANEJAR E PRECISAM DO APOIO DOS ADULTOS PARA TER OUTRA REFERÊNCIA ALÉM DO GRUPO DE AMIGOS Viver intensamente o presente, sem pensar no amanhã ou olhar para o passado. Esse imediatismo, aparentemente uma característica dos jovens, muitas vezes é incompreendido por quem já viveu mais tempo e acumulou experiência. Gente adulta também esquece que na juventude experimentou um tempo único, no qual fazer escolhas ponderadas e planejar ações para o futuro desejado ainda não faziam parte do seu repertório. Da Neurociência à Filosofia, a capacidade humana de se localizar no tempo e projetar um porvir é tema de estudos e reflexões.

Por _ Cristiane Ballerini Ilustração _ Rafael Ribeiro

Para os próprios jovens, é fonte de muita ansiedade, mas também de oportunidades de aprendizado. A explicação da Neurociência para esse império do presente e das atitudes impulsivas reside no amadurecimento tardio de algumas áreas específicas do cérebro. “As pesquisas indicam que o lobo frontal é uma das regiões do cérebro mais envolvidas em processos como medir as consequências dos próprios atos, planejar e organizar. Mas justamente essa área demora mais tempo para se tornar madura. Suas estruturas e circuitos de neurônios ainda estão em desenvolvimento durante a adolescência”, diz o psicólogo José Roberto Wajman, especialista em Neuropsicologia e mestre pelo Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo, Unifesp.


correlação estreita entre as estruturas neurológicas e suas funções. Portanto há fases em que o lobo frontal passa por ‘explosões de desenvolvimento’, como durante os primeiros anos escolares e no fim da adolescência, quando muitos jovens estão prestes a escolher um caminho profissional.” Assim, impulsionados por novas experiências e desafios, os jovens inauguram novas habilidades e, aos poucos, se tornam capazes de redirecionar as necessidades imediatas de prazer para o futuro e de controlar melhor as emoções. Passado que ensina Esse aparato neurológico faz do ser humano o único animal capaz de se localizar no tempo. Embora alguns primatas já tenham sido observados “planejando ações” – como um macaco no zoológico de Furuyik, na Suécia, que foi objeto do estudo porque guardava pedras para, mais tarde, atirar nos visitantes incômodos –, os animais estão longe de ter a capacidade de planejar suas vidas. “Diferentemente dos homens, os animais não têm noção da própria morte. Os homens são os únicos a ter consciência de sua finitude, o que muda completamente

nossa relação com o tempo. Ter consciência da morte é ter consciência da própria existência”, diz Dulce Critelli, professora titular de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e especialista em Filosofia da Existência. Como ninguém nasce sabendo que desenhar um futuro para si é essencial, já que não somos eternos, as oportunidades para adquirir essa consciência são valiosas. Mas, entre os jovens contemporâneos, que vivem em um tempo acelerado por baladas, entretenimentos e apelos para compra, essas possibilidades são raras. “A sociedade de consumo mantém o jovem muito ocupado. Ele não tem tempo para ficar sozinho,

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ISTOCKPHOTOS

A constatação, que contraria a crença anterior de que toda a estrutura cerebral já está amadurecida no fim da infância, foi longamente pesquisada. Durante quinze anos, o Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos acompanhou imagens cerebrais de crianças, dos quatro aos 21 anos. O estudo, concluído em 2004, indica que a área do lobo frontal só se desenvolve totalmente durante a segunda década de vida. O amadurecimento desta “área do juízo”, conforme explica José Roberto Wajman, está relacionado às várias etapas do desenvolvimento: “Há uma


para pensar na própria vida. Ao contrário: ele precisa responder com rapidez às demandas do tempo imediato”, observa Dulce Critelli. Assim, a idéia de que o futuro não está pronto, mas se constrói a partir de escolhas e ações no presente continua intangível para muitos jovens. Além da percepção de que não temos todo o tempo do mundo, para se relacionar com a idéia do futuro é preciso lançar mão da memória, do passado. Sobre a importância do passado para o futuro, a filósofa alemã Hannah Arendt (1906–1975) escreveu: “Ao invés de puxar para trás, ele empurra para frente, e, ao contrário do que seria de esperar, é o futuro que nos impele de volta ao passado”. E quem pode, afinal, ensinar os jovens a olhar para o futuro, a valorizar suas experiências? Os adultos, claro. Mas nem sempre é o que acontece, alerta Dulce Critelli. Na sociedade moderna, as famílias são menores, os pais estão ausentes durante o dia, e a convivência com familiares mais maduros já não acontece com a mesma intensidade de poucas décadas atrás. Assim, a referência do jovem tornou-se o próprio jovem. Mais do que antes, o grupo de amigos, mesmo inexperiente e imaturo, acaba por representar modelos de conduta e escolhas para o futuro. “Nos adultos, o processo de prospecção do futuro está estabelecido. A partir de experiências e da memória dessas experiências, o adulto é capaz de estimar o que pode acontecer como consequência de suas ações. Ele faz uma projeção do futuro. Mas, entre os jovens, como há um arsenal de situações ainda a serem experimentadas, não há domínio sobre esses passos”, diz o especialista em Neuropsicologia José Roberto Wajman. O que fazer? Mais do que comparecer com sermões e controle, nessa hora o papel dos adultos educadores é servir de exemplo. “O que a gente aprende, aprende melhor distraído”, diz Dulce Critelli. Então, ao observar um adulto de sua confiança exercitando um plano de futuro, fazendo escolhas, corrigindo rotas e refletindo sobre seus atos na linha do tempo, os jovens vão aprendendo a fazer o mesmo. Alta ansiedade As dificuldades de “exercer” a juventude aumentaram, ao mesmo tempo em que a evolução da sociedade moderna diminuiu o suporte familiar para o jovem apoiar sua inexperiência. Ser jovem hoje não é mais fácil do que foi há algumas décadas. A velocidade das transformações nos campos profissionais, as inúmeras possibilidades de escolhas e a ausência de modelos de conduta são grandes geradores de angústia entre os jovens. Como sonhar com um futuro em uma profissão que pode, daqui a poucos anos, desaparecer

ou se modificar completamente? Como corresponder às exigências de sucesso? Por que estudar se muitas pessoas se tornam celebridades sem mérito escolar algum? Os questionamentos são muitos. E podem paralisar. Construir a própria biografia em um mundo onde as experiências se sucedem em um ritmo intenso, sem a permanência necessária para aprender com cada situação, e no qual o futuro se apresenta cada vez mais incerto é um fardo pesado para os jovens. “A sociedade não pede para o jovem fazer planos para o futuro. É exigido que ele se encaixe na realidade que está aí. Que faça sucesso, que ganhe dinheiro, que consuma. Acabamos, assim, por nos tornar meios para que a sociedade funcione, e não o


contrário. Não temos uma sociedade que funcione para a felicidade das pessoas”, diz Dulce Critelli. Parte dessa realidade complexa, a escola pública, que poderia atuar como um contraponto positivo, muitas vezes também é causa de angústia entre os jovens. O ensino médio, que teve certa tradição humanista no passado, cedeu lugar ao aprendizado técnico e, em seguida, passou a ser regido pelas necessidades do vestibular e do mercado de trabalho. Com isso, segundo Paulo Ghiraldelli Jr., escritor e doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo, o prejuízo para os jovens foi grande: “Esse período do ensino médio é a fase de inauguração da vida adulta. O jovem começa a adotar valores, princípios, a fazer escolhas morais. Até os anos 1970, a escola brasileira tinha mais vocação para a discussão filosófica, para ajudar a refletir sobre temas essenciais da vida. Mesmo sem aulas formais de Filosofia, essa tradição acontecia também com as atividades dos grêmios, jornais internos e a participação política mais intensa dos jovens. Hoje, ninguém sabe muito bem para que a escola serve”, opina. Para começar a mudar essa situação, Ghiraldelli Jr. defende que o professor do ensino médio seja mais valorizado: “Se você levar em conta a necessidade de formação exigida para essa função e as condições de trabalho, vai ver que ser professor do ensino médio é uma das piores profissões em termos de retorno financeiro e satisfação. Como vamos ter uma escola mais consequente nessa situação?”

Tempos dissonantes Outro aspecto que contribui para distanciar a escola dos jovens é a diferença de percepção do tempo. Enquanto rapazes e moças vivenciam um tempo intenso, não linear, focado no instante dos acontecimentos, a instituição escolar tende a trabalhar com processos e objetivos que envolvem intervalos maiores, a médio e longo prazos. Atuando em sintonias diferentes, aluno e escola se desencontram. Como pretender que um jovem, imerso na hiperestimulação promovida pelas novas tecnologias, assista a aulas expositivas, ouvindo com atenção ao que o professor tem a dizer durante longas horas? E a simples adoção de uma nova tecnologia está longe de ser solução. Bem intencionado, um professor de uma conhecida escola paulistana resolveu utilizar em suas aulas o sistema de apresentações em Power Point. Mas ele apenas trocou a lousa pelo novo equipamento e leu exaustivamente todas as notas das telas. A turma, claro, não perdoou o que considerou uma “gafe tecnológica”. Especialistas têm alertado que uma das lições a ser aprendida com as novas tecnologias de informação é que o conhecimento não é uma via de mão única, mas se constrói de forma coletiva. A participação mais intensa dos alunos pode ser aproveitada pela escola para dar novo sentido às aulas. Mas, além de se preocupar com a sedimentação do conhecimento formal, os professores certamente têm muito a colaborar nessa fase de incertezas. E até aprender com seus alunos. Aliás, o psicólogo italiano Alberto Melucci, da Universidade de Milão, um estudioso da questão “juventude e tempo”, acredita que não apenas os professores, mas toda a sociedade têm muito a aprender com a forma como os jovens subvertem o tempo: “Desafiando a definição dominante do tempo, os adolescentes anunciam para o resto da sociedade que outras dimensões da experiência humana são possíveis. E, fazendo isso, eles apelam à sociedade adulta para a sua responsabilidade: a de reconhecer o tempo como uma construção social.” O risco é de que, para um grande número de educadores de jovens, as discussões filosóficas sobre o futuro e as formas de se perceber a passagem do tempo possam parecer irrelevantes, especialmente quando lidam com estudantes de famílias pobres, investidos de baixas expectativas. É verdade que um abismo social os separa dos setores médios da população, que conseguem ver um futuro adiante. Mas a juventude é uma condição humana. “Esses jovens que vivem em situações precárias também sonham com o futuro. Mas são obrigados a calar seus desejos, ou, no máximo, expressá-los em tatuagens, na música, nos grafites, já que na vida real é difícil até mesmo continuar vivo”, diz Dulce Critelli. Para esses jovens, principalmente, é que a educação significa alguma possibilidade de futuro.

JOVENS VIVEM UM TEMPO INTENSO, IMEDIATO, ENQUANTO A ESCOLA TENDE A TRABALHAR COM PROCESSOS MAIS LENTOS, COM OBJETIVOS DE MÉDIO E LONGO PRAZOS

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chat de revista

Jucemar Alves/Imagens do Povo

Mirando o futuro, quatro jovens debatem escolhas e visões de mundo

Fábia Hafermann

QUAL É A SUA?

Cristiane Pereira, 17 anos,

Luis Fernando Romão, 19 anos, do Rio de Janeiro (RJ)

de Florianópolis (SC)


DIVULGAÇÃO

Thiago da Silva, 18 anos, Quem sou eu? Do que eu gosto? O que quero fazer? Muitas das respostas a estas perguntas significam escolhas. Nelas estão embutidas opções de diversas naturezas: quanto aos estudos, ao trabalho, ao uso do tempo livre, ao amor, ao sexo, às amizades, às relações com a família. E tudo está conectado com uma visão de vida, amparada em valores e crenças que vão influenciando as decisões e marcando a trajetória com uma perspectiva. Por isso é tão importante o ser humano descobrir qual é a dele na vida, uma descoberta que cabe a educadores estimular, seja no jovem dentro da comunidade escolar, seja no seio da família. É essa “filosofia” de vida que ajuda a dar sentido a todas as ações e a construir um projeto de futuro. Onda Jovem reuniu quatro jovens para debater estas questões: a catarinense Cristiane Laurizete Pereira, 17 anos, que divide seu tempo entre o 3º ano do ensino médio em uma escola pública de Florianópolis e o trabalho social no projeto Aroeira, que estimula jovens a participarem da vida comunitária; Paloma Ferreira de Souza, 16 anos, aluna do 2º ano do ensino médio do Colégio Estadual Juscelino Kubitschek, em Presidente Kennedy, no Tocantins, e participante do projeto Jovem Cons-

de Presidente Kennedy (TO) Arquivo Pessoal

de Recife (PE)

Paloma de Souza, 16 anos,

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ciente é Jovem Diferente, que conscientiza sobre o uso abusivo de bebidas alcoólicas; Thiago Leandro de Lima Benício da Silva, 18 anos, que faz o 2º ano do ciclo médio em uma unidade do SESI no Recife (PE) e integra a equipe de jovens voluntários de um projeto da instituição Liga do Riso Frouxo, destinado a motivar com brincadeiras crianças internadas em hospitais; e Luis Fernando de França Romão, 19 anos, bolsista do Prouni no curso de direito da Universidade Cândido Mendes (RJ) e participante do Juventudes e Direitos Humanos, programa de mobilização de jovens para a defesa do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A seguir, os principais trechos deste chat de revista.


Você considera o futuro uma responsabilidade sua? Até que ponto? Thiago: Sim, porque os meus acertos hoje farão diferença no amanhã. E se os jovens são o futuro, cabe a nós plantar boas sementes, para nós mesmos e para a humanidade. Paloma: Considero, pois decidir como será o meu futuro depende das ações que faço no presente, como ser uma aluna aplicada, gostar dos estudos e ter responsabilidade. Cristiane: Sim, temos de ter consciência de que nossas atitudes têm influência no futuro. É com essa perspectiva que eu estudo e trabalho, é para dar um futuro para as pessoas de que eu gosto. Luis Fernando: O meu futuro está relacionado à forma como vivo o presente. As escolhas de hoje incidirão diretamente no amanhã e aí entra a responsabilidade de cada um, que não pode ser transferida. Num plano mais amplo, vemos parcela considerável da população fazendo isso no cenário político. Votam e ficam à espera de melhorias, em vez de lutar por elas. Transferem a responsabilidade de seu futuro. Um político, eleito recentemente, disse: “Não esperem que chova filé mignon no quintal dos pobres, é necessário que vocês me ajudem”. Que perguntas você costuma fazer a si mesmo sobre o futuro e que respostas consegue dar? Thiago: Eu me pergunto qual será o futuro da minha família e dos meus amigos, se o mundo continuar como está. Com tanta violência, falta de respeito ao próximo, à natureza, a si mesmo, onde está o amor que Jesus tanto pregou? Chego à conclusão que é muito difícil mudar o mundo, mas enquanto houver pessoas que se importam, haverá, sim, chance de mudá-lo. Luis Fernando: Eu não costumo me prender ao futuro, ou ficar me questionando. Tenho planos e desejos e busco conquistá-los no diaa-dia. O meu futuro é um passo a frente. Amanhã conquistarei mais um pouco do que é necessário para eu ser feliz e me sentir realizado. Cristiane: Também me pergunto se esse mundo tem jeito, e a resposta é que tem sim. Mas quem tem de fazer isso somos nós. Não adianta esperar pelas crianças que são o futuro. Nós somos o presente e temos de fazer mudanças agora. Paloma: Eu me pergunto se estou preparada para o futuro, pois será uma longa caminhada, e respondo a mim mesma que o céu é meu limite e eu vou em frente. Sei que Paloma com esforço sou capaz, tudo vai depender de mim. para fazer

contato

Projeto Liga do Riso Frouxo Organização Alunos do ensino médio do Centro Educacional Engenheiro Roberto Egydio de Azevedo Área de atuação Recife (PE) Proposta Trata-se de uma campanha de solidariedade voluntária para levar, por meio da música, teatro e brincadeiras, alegria a crianças internadas e seus familiares. Jovens envolvidos 15 Apoio Professora de Educação Física e Serviço Social da Indústria – SESI – Ibura Contato thiaguinhoju@hotmail.com Programa Juventudes e Direitos Humanos Organização de Direitos Humanos Projeto Legal Área de atuação Rio de Janeiro (RJ) Proposta Articulação política e mobilização social em defesa de políticas para a juventude, tendo como referência os direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Jovens envolvidos cerca de 68 adolescentes e jovens participantes. Apoio Oi Futuro Contato Largo São Francisco de Paulo, 34, Centro, Rio de Janeiro, CEP 20.051– 070, tel.: 21/2507-6464, www.projetolegal.org.br, juventudes@projetolegal.org.br, projetolegal@projetolegal.org.br

“É na escola que começamos a entender de verdade o que é a vida”

Thiago

O que é ter um projeto de vida para você? Thiago: É viver bem e, para isso, tenho de ter um bom emprego e uma boa saúde. E para ter boa saúde, tenho de ter uma vida alegre. É esse meu projeto de vida. Paloma: Para mim, está relacionado tanto ao meu futuro Thiago profissional quanto às minhas realizações como ser humano, como mulher, como cidadã. Luis Fernando: Ter projeto de vida é planejar a conquista dos seus desejos e sonhos. A escolha profissional é só um dos elementos para essa conquista. Existem questões como a família, as amizades, os amores e tantas outras necessárias para você se sentir feliz e realizado. Tudo faz parte de um projeto de vida. Cristiane: Além de tudo isso, projeto de vida é pensar nas pessoas que virão, num futuro melhor para elas. Estar na escola ajuda você a definir caminhos para a sua vida? Paloma: Sim, pelo menos para mim, que tento aproveitar o máximo possível de tudo que é ensinado, a escola tem sido uma estrada que está me levando a um caminho de sucesso. Thiago: Sim, pois é na escola que começamos a entender de verdade o que é a vida. Querendo, ou não, a escola nos indica caminhos que a gente decide seguir, ou não. Luis Fernando: Sem dúvida, acho que a escola contribui não só para a escolha de um caminho, mas também para o como caminhar. A conjugação de inúmeros saberes, o contato com a pluralidade de visões, ações e vivências ajuda a definir aquele “qual é a sua”. Na escola, você se enturma mais com uns do que com outros, gosta mais disso ou daquilo. Já é o início da definição do caminho que se deseja para a vida. Cristiane: Sim, em especial no meu caso. Se eu não estivesse na escola, a essas horas eu poderia estar no mundo do crime, ou até mesmo casada com um criminoso e sem perspectiva nenhuma de vida.


E a família ajuda ou atrapalha suas idéias de construção de um projeto de vida? Thiago: Pode tanto ajudar como atrapalhar. Nem sempre o que acho melhor para mim é o melhor para os meus pais. Eu tenho um projeto de vida que é ter uma banda e minha mãe não quer isso e já me fez perder boas chances. Mas tem o lado positivo: quando a gente acha que está tudo acabado, os pais estão lá dando um conselho, nos amando. Luis Fernando: Minha família só contribui com o meu projeto de vida, alimentando minhas idéias, mesmo quando insisto em fazer algo de que eles discordam. O apoio deles vem mais cedo ou mais tarde. Paloma: Minha família ajuda, dá muito apoio aos meus planos e sonhos. Cristiane: Não só a minha família, mas os meus amigos também ajudam. Porque eu faço tudo pensando neles. Você consegue definir neste momento “qual é a sua” na vida? Paloma: A “minha” na vida é lutar para alcançar meus objetivos, manter essa perseverança e a confiança em minhas capacidades. Cristiane: Neste momento, a “minha” é buscar um futuro melhor para as pessoas que eu amo e para mim. Luis Fernando: Atualmente, a “minha” na vida é estudar muito para ser um bom profissional e poder contribuir para mudar a realidade do meu País. E sempre fazer coisas boas – que é difícil, mas eu tento! Thiago: A “minha” tem sido aproveitar uma das melhores fases da minha vida, com um Luis fernando lindo grupo de trabalho voluntário, uma linda banda, uma linda namorada, maravilhosos amigos e uma grande família. Que influência tem no seu caminho a participação em um projeto social? Paloma: Eu participo do Projeto Jovem Consciente é Jovem Diferente, que é desenvolvido por minha escola em parceria com a Secretaria da Saúde Municipal e tem como objetivo a conscientização dos jovens quanto ao uso abusivo do álcool. Esse projeto faz diferença na minha vida por eu poder divulgar algo que fará diferença no futuro de outros jovens. Luis Fernando: É determinante na minha vida para perceber a realidade social que me cerca e ter a consciência de uma atuação profissional no futuro que possa contribuir com a melhoria dessa realidade. E também perceber que o trabalho das ONGs é importante, mas o Estado tem de cumprir com o seu dever, assim como os demais setores da sociedade. Se não, a meu ver, tudo se torna um trabalho “enxuga gelo”.

Cristiane: A influência é total, porque foi através do projeto Aroeira, do Centro Cultural Escrava Anastácia, que eu me encontrei. Se não fosse esta oportunidade, não sei o que eu estaria fazendo agora. Provavelmente, estaria em casa, sem perspectivas. O trabalho dessas instituições faz diferença para o futuro. Você já tem um projeto de vida definido? Thiago: Estou indeciso com meus sonhos: Cristiane ser jogador, ou ter uma banda? Estou praticando os dois, e o tempo dará a resposta. Luis Fernando: Tenho um projeto de vida, mas não o vejo como definido, o que é muito rígido. Tenho sonhos e objetivos a conquistar, mas como tudo é mutável, dinâmico, no futuro algumas coisas podem mudar. Depende das circunstâncias da vida, dos próprios objetivos. O importante é caminhar na vida com um sentido, com uma consciência. Os caminhos e o jeito de caminhar podem mudar. Cristiane: Eu pretendo ser uma jornalista e correr atrás do que quero porque, se não fizer isso por mim, ninguém vai fazer. O que você pensa do mundo de hoje? Como contribuir para melhorar? Paloma: É complicado... Creio que posso ajudar com meu exemplo como cidadã. Sendo uma pessoa solidária, honesta, de bom caráter, eu posso ajudar a mim mesma e àqueles que me rodeiam. Cristiane: Acreditando que este País tem futuro. Thiago: Acho que as pessoas andam muito despreocupadas com o futuro, acomodadas. O jeito de contribuir é conscientizá-las, por meio dos veículos de comunicação e de muita persistência, de que o futuro é conseqüência do presente. De coisas como o voto nas eleições, não jogar lixo nos espaços públicos... Luis Fernando: Essa pergunta me lembra de uma passagem sobre utopia, do escritor uruguaio Eduardo Galeano, que é assim: “A utopia está lá no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”

para fazer

contato

Projeto Jovem Consciente é Jovem Diferente Organização Colégio Estadual Juscelino Kubitschek Área de atuação Presidente Kennedy (TO) Proposta Conscientização de jovens sobre os males do uso abusivo de bebidas alcoólicas Jovens envolvidos Em 2008, 20 jovens foram capacitados como multiplicadores de outros grupos de jovens. Apoio Secretaria da Saúde Municipal, Secretaria da Educação – SEDUC Contato Colégio Estadual Juscelino Kubitschek, Av. Tocantins, 1923, Presidente Kennedy – TO, CEP 77745-000, tel.: 63/3467-1383, juscelinokubitschek@ue.seduc.to.gov.br Projeto Aroeira Organização Centro Cultural Escrava Anastácia Área de atuação Florianópolis (SC) Proposta Fortalecimento das relações interpessoais, buscando estimular a participação de jovens na vida comunitária. Jovens envolvidos Em 2008, cerca de 1000 Apoio Consórcio Social da Juventude Grande Florianópolis Contato Rua General Vieira da Rosa, 610, Centro, Florianópolis, CEP 88020-420, tel.: 48/ 3228 5356 / 3224 1151, falecom@ccea.org.br, www.ccea.org.br

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Cartas

PROFESSORES Sou professora e achei muito interessante a revista Onda Jovem sobre interdisciplinaridade, de linguagem simples e dinâmica. Gostaria de receber as edições para levar aos alunos os textos como forma de incentivo à leitura e ao enriquecimento cultural. Renata Croset, Rio de Janeiro, RJ Gostei da última edição de Onda Jovem, com o tema interdisciplinaridade. Sugiro a vocês conhecer a pedagogia aplicada nos educandários logosóficos em Belo Horizonte. Não conheço nada igual para a formação integral dos discentes. Gilson Elesbão de Siqueira, Coordenador de Expansão Estadual do CIEE/MG Sou coordenadora na E.E. Prof. Orestes Oris de Albuquerque. Gostaria de receber mais exemplares de Onda Jovem para partilhar com os alunos e demais professores. Maria de Lurdes Mendes Azevedo, Angatuba, SP

Sou professora de Artes Visuais e desenvolvo o projeto Galeria de Arte a Céu Aberto com alunos da rede pública. No projeto, obras de pintores famosos são transpostas para as paredes da escola. Os jovens pintam os painéis, protegem os trabalhos, a comunidade não cansa de elogiá-los. Os alunos fizeram um vídeo, um blog, criaram uma comunidade no Orkut e ganharam espaço para editar uma reportagem sobre o projeto no jornal A Gazeta. Alba Schwatz, E.E.F.M. Afonso Cláudio, ES

Trabalho com jovens e tenho interesse em receber esta revista. Joselaine Queli Fiametti, por e-mail Coordenação do Projovem Urbano

INSTITUIÇÕES

Temos enorme interesse em receber Onda Jovem para nosso acervo. Camila Oliveira e Silva, Biblioteca – UNAERP Guarujá, SP

Sou promotor de justiça em Rondônia. Considerando a relevância dos temas tratados na revista Onda Jovem, solicito o envio de exemplares, a serem distribuídos a todas as promotorias de justiça do estado. Marcos Valério Tessila de Melo, Diretor do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude de Rondônia Conheci o trabalho de vocês por ocasião da 1ª Conferência Nacional da Juventude. Gostaria de receber material, ou fazer parceria para um trabalho conjunto com a juventude de nosso município. Ayron Pinto Freixo, Superintendente da Juventude de Arraial do Cabo, RJ Sou cientista social e trabalho em uma unidade de Saúde Mental que atende crianças e adolescentes usuários de álcool e outras drogas. A revista tem material riquíssimo para me amparar em meu exercício profissional. Roberto Vaz de Abreu, por e-mail

Faça contato Envie cartas ou e-mails para esta seção com nome completo, endereço e telefone. Onda Jovem se reserva o direito de resumir os textos. Endereço: Rua Dr. Neto de Araújo, 320, conjunto 403, CEP 04111-001, São Paulo, SP. E-mail:

ondajovem@olharcidadao.com.br.

Sou coordenadora do Centro de Referência de Ecoporanga e trabalhamos com Adolescentes e Jovens do Projovem.Tive acesso a algumas revista e gostei do conteúdo. Gostaria que nos fossem enviados alguns exemplares, para utilizarmos junto com os jovens do nosso projeto. Desde já os parabenizamos pelo belíssimo trabalho. Lia Mara Vasconcelos Machado, Coordenadora do CRAS – Centro de Referência de Assistência Social, Ecoporanga, SP Sou assistente social em município pequeno e com pouco acesso a educação e cultura. Gostaríamos de receber Onda Jovem para as atividades com jovens. Angela Maria Xavier da Silva Milane, Santana de Cataguases, MG

Nós gostaríamos de receber Onda Jovem que, tenho certeza, será uma enorme contribuição para a população jovem e adulta desta cidade. Josaildes Antunes Ribeiro, Biblioteca Municipal de Campo Alegre de Lourdes, BA

Recebemos na EIC, Escola de Informática e Cidadania, a revista Onda Jovem, e gostaria que o INEP – Instituto Educacional Presbiteriano, uma instituição sem fins lucrativos, a recebesse também, pois ela é excelente e só tem a acrescentar. Instituto Educacional Presbiteriano Novaerense, Nova Era, MG

PREFEITURAS

Estou escrevendo para agradecer as edições que tenho recebido desde 2007. Elas sempre foram muito úteis como parte do conteúdo de nossas atividades pedagógicas no extinto projeto federal Agente Jovem. E a partir de 2008, em atividades sociopedagógicas do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), onde atualmente atuo na coordenação municipal. Só tenho a agradecer pelos exemplares e parabenizar pelas temáticas e abordagens. E que outros educadores encontrem também na revista informações que possam ser adicionadas ao seu cotidiano profissional. Jack de Carvalho, Educador Social da Prefeitura de Fortaleza,CE


Coordeno o Programa Adolescente Aprendiz, que insere adolescentes que cumprem medidas socioeducativas no mercado de trabalho. Gostaria de parabenizá-los pela ótima qualidade do conteúdo oferecido por Onda Jovem na edição Trabalhadores. No momento, temos 40 adolescentes no programa. Seria importante para a formação deles ter acesso à informação apresentada nesta edição, pois acredito que, ao se verem retratados em outros jovens, haverá um fortalecimento deste momento em que estão se reconhecendo como trabalhadores. Daniela Andreia Schlögel, Gestora Municipal do Programa Adolescente Aprendiz, Foz do Iguaçu, PR Foi com satisfação que recebi a notícia de que a revista chegou em nossas unidades junto com um DVD que, segundo a assistente social, é muito bom. Tenho certeza que essa revista enriquecerá nossos trabalhos com os participantes do Projovem, bem como com suas famílias! É difícil encontrar publicações que tratam os jovens como pessoas inteligentes e interessadas no processo de transformação do mundo. A revista incentiva-os a agir e lutar com consciência. Lígia de Souza Gomes, Secretaria de Cidadania e Assistência Social Prefeitura Municipal de São Carlos, SP

TERCEIRO SETOR Onda Jovem tem grande credibilidade, visibilidade e responsabilidade social, divulgando informação para o desenvolvimento integral do jovem. Jailson Silva Lima, Casa do Trabalhador, Projeto Casa Brasil Salvador, BA Onda Jovem tem contribuído muito para o trabalho da área de Educação do Instituto Desiderata. Roberta Costa Marques, Instituto Desiderata, Rio de Janeiro, RJ

JOVENS

Participei do primeiro número da revista Onda Jovem. A publicação está de parabéns pela caminhada feita até aqui, provocando reflexões importantes. Eu a utilizo como instrumento pedagógico em muitas oficinas com jovens. Lourena Cruz, Movimento de Organização Comunitária, Feira de Santana, BA Sou educador e trabalho com adolescentes e jovens na periferia de Porto Alegre. A revista e o site Onda Jovem têm conteúdos muito interessantes para este segmento. Everaldo Roque da Silva, Porto Alegre, RS Nós, do Centro de Documentação e Informação sobre o Terceiro Setor (Cedoc NITS), gostaríamos de receber Onda Jovem. Daniela dos Santos, Curitiba, PR Sou educadora voluntária do Escotismo e venho aproveitando as informações do banco de práticas e dos planos de aula do site Onda Jovem. Gostaria de receber a revista impressa para utilizar os conteúdos em nossos encontros de capacitação. Carolina Lopes, Rio Grande do Norte Gostaríamos de receber a revista Onda Jovem para oferecê-la, em nosso acervo, aos frequentadores de nossa biblioteca comunitária. Um abraço fraterno e um ótimo 2009. Jair Pires, Biblioteca Comunitária Espaço Jovem “Alexandre Araújo Chaves”, Valo Velho, SP Ficarei extremamente feliz e agradecido por receber novamente esta maravilhosa revista. Natanael Vieira de Souza, Cáceres, MT

Esta Onda nos interessa, pois ela é Jovem, participativa e atende aos nossos anseios de educação e cultura. Edna Constant, Ponto de Cultura Casa da Arte, Maceió, AL Onda Jovem retrata muito bem nosso rosto. Samir Raoni, ONG Argonautas Ambientalistas da Amazônia, Pontão Rede Amazônica de Protagonismo Juvenil, Belém, PA Sou acadêmico do curso de História da Universidade Católica Dom Bosco e venho fazer uma solicitação da revista. Onda Jovem foi utilizada na universidade por uma das professoras do curso. O site da revista foi apresentado para todos os acadêmicos. Jhonatan Gonçalves, Campo Grande, MS Estamos formando um grupo de jovens na comunidade, e o material de Onda Jovem será muito enriquecedor para as atividades. Daiani Fraporti, Setor Calabriano para a Juventude, Campo Grande, MS Parabéns pelos conteúdos de Onda Jovem que vêm sendo usados pelo Grupo de Jovens Renascer, que atua na cidade de Nova Serrana. Já recebo a revista na Secretaria Municipal de Educação e, se possível, gostaria de continuar recebendo este belo material pelo Grupo Renascer de Nova Serrana. Departamento de Cultura Grupo Renascer, Nova Serrana, MG

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Navegando


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PASSAGEM PARA O FUTURO Ao contrário do que dizem alguns adultos, o jovem pensa muito: questiona, reflete, tenta descobrir o que mais importa para ele e enfrenta o medo de crescer, porque ser adolescente é mais fácil. Essa é a perspectiva de Antonio Soares, 20 anos, ilustrador desta seção. Para ele, o momento crucial desta etapa é a saída da escola para o mundo. “A escola é mais caseira, e o jovem sai carregando uma bagagem, confiante. Diante

da imensidão do mundo, percebe que somente ele viverá suas experiências. Mas a escola pode avisar sobre a realidade”, diz. Técnico em Design Gráfico, Antonio, que também é guitarrista, cursou ainda Artes Gráficas no ciclo médio, período em que decidiu profissionalizar a habilidade para o desenho que cultiva desde a infância. O estágio em uma editora e os freelances marcam o início de uma carreira, mas ele ainda vê muito caminho pela frente, aprimorando sua arte. “Gosto de experimentar e não quero me comprometer com um estilo, pois assim corro o risco de me aprisionar.” Suas experiências podem ser vistas no endereço www.flickr.com/tobs_dg.



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