Constituinte: Retrato do Brasil? Depoimento de Herbert de Souza*
Há três anos eu pessoalmente e o /BASE estamos trabalhando com a Constituinte. A atividade inicial era basicamente didática: os pedidos que chegavam dos diferen· tes setores da .sociedade, dos grupos de bases, Igrejas, pastorais, sindicatos eram no sentido de saber o que era Constituinte, o que era Constituição. Nesta época, nas reuniões que fazíamos, quando perguntávamos quem já havia lido a Constituição, poucas pessoas, inclusive o palestrante, reconheciam que leram a Constituição depois que começou o debate da Constituinte. O tema não estava ainda na imprensa nem na agenda política dos partidos e das lideranças, mas os movimentos sociais, principalmente os grupos de base, já estavam perguntando, e nós tentávamos responder a isso.
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, Nesse sentido, foram montados dois audiovisuais: um mais histórico, sobre a questão da Constituinte ao longo da história do Brasil, as diferentes Constituições etc., e outro mais atual, destacando os grandes temas. Como não havia uma visão jurisdicista do problema, as questões eram pol íticas: de que trata e o que decide uma Constituição? Sobre a ordem económica? A estrutura política? Neste primeiro momento, didático, os movimentos sociais manifestavam sua curiosidade sobre a distinção entre Constituinte e Constituição, por exemplo, e as lideranças desempenhavam o papel de falar sobre o que a grande maioria da sociedade desconhecia. Daí que no segundo momento da discussão de algumas questões centrais, a primeira delas foi o debate Assembléia Nacional Constituinte/Congresso Nacional Constituinte. D. Mauro, a OAB, a Igreja, o movimento sindical e alguns partidos polfticos, principalmente o PT, se posicionaram e defendiam • Sociólogo e Secretário-Executivo do IBASE.
a Assembléia Constituinte, o que tornou o debate muito rico. Aliás este debate devia ser resgatado, porque muitas das questões que nós estamos enfrentando hoje no Congresso Nacional Constituinte derivam do fato de que ele é uma realidade híbrida e contraditóriaé Assembléia e Congresso, mas como Assembléia ele é Congresso e tudo sobre o que não se consegue acordo acaba sendo remetido pelo Congresso a ele mesmo, na lei ordinária. A nossa tese é que se fosse uma Assembléia Constituinte, ela teria que tomar todas as deliberações básicas e não remeteria as definições para a fase ordinária. Esta fase da discussão marcou um tipo de militância e de trabalho junto aos diferentes movimentos sociais.
O grande debate
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Nesta fase houve também o debate das grandes questões, mas passando pela dimensão institucional, o que normalmente não acontecia nas discussões que tínhamos com o movimento social. Passamos a falar, então, da questão agrária, da reforma agrária e da base institucional da reforma agrária. O que, a meu ver, globalizou a discussão dos grandes temas, dando uma dimensão institucional, foi a questão da cidadania. Porque uma sociedade só é democrática quando o cidadão, e não o Estado, assume a tarefa de definir uma institucionalidade, os tipos de relações económicas, sociais e pol íticas que a sociedade quer, e em cima das quais se elabora um programa de governo, um programa de partido etc. Este foi um momento em que se criou a conjuntura da chamada utopia. E nós nos sentimos partidos entre o drama da realidade concreta e a utopia: se uma Assembléia Nacional Constituinte é soberana, ela pode definir o país que quiser ou que puder ... Quando a utopia foi colocada, as pes-
soas começaram a vislumbrar horizontes maiores na realidade pol ítica brasileira, e isto foi importante. Mas ainda nesse segundo ano de debate a Constituição continuava fora das manchetes e da atividade das principais lideranças, que cuidavam de um item anterior da agenda política: as eleições para governadores, prefeitos etc. Os partidos estavam engajados na luta imediata pelo poder, e a discussão dos grandes temas era jogada para a frente, quando a Constituinte se instalasse.
O engajamento no projeto de educação A participação do /BASE foi, desde o início, dentro de uma coalizão de oito entidades, com um programa comum de atividades (uma espécie de cooperativa para o trabalho com a Constituinte), que surgiu a partir de algumas necessidades, entre as quais o número de convites para falar de Constituinte, que chegavam simultaneamente de todas as regiões do Brasil, e a necessidade de dominar todos os tf~mas. Para atender essas demandas nasceu a coalizão, a segunda experiência concreta do /BASE num trabalho conjunto com outras entidades (a primeira foi na Campanha Nacional pela Reforma Agrária), com resultados muito positivos, que produz efeitos até hoje. Com isso chegamos no terceiro momento, não mais didático ou de discussão de grandes temas, mas o momento da mobilização, quando os diferentes grupos do movimento popular já tinham formulado suas propostas e saem em campo para conseguir as milhões de assinaturas. Nós nos engajamos tanto através da Campanha Nacional pela Reforma Agrária como através da coalizão. As companheiras aqui do /BASE que trabalham com o movimento feminista puxa57