O MODELO BRASILEIRO DE GERAÇÃO DE EMPREG0 1 Jane Souto de Oliveira
O tema do trabalho em suas múltiplas dimensões se inscreve, hoje, não apenas como uma questão obrigatória do campo intelectual brasileiro, mas também como um dos problemas cruciais do planejamento e da política sócio-econômica. Isso decorre do crescimento do desemprego aberto ou disfarçado, da expansão da chamada economia informal e da persistência de elevados contingentes populacionais em situação de pobreza absoluta no país. Importa chamar a atenção para o fato de que a ampliação das margens de desemprego e a expansão da economia infonnal não são traços específicos da economia brasileira. Esta ampliação hoje se apresenta, em escala praticamente mundial. Além disso, tanto as economias capitalistas avançadas quanto as periféricas enfrentam ainda o que diversos analistas vêm apontando como "crescimento sem emprego" que coloca um novo e difícil desafio para os formuladores da política econômica. É à luz destas considerações de ordem mais geral e com base em estudos e pesquisas desenvolvidos no IBGE que me proponho a levantar algumas questões sobre o mercado de trabalho no Brasil. A primeira dela<> diz respeito exatamente ao lema: "o modelo de geração de emprego". Penso que o encaminhamento correto do tema exige algumas qualificações prévias, a começai· pelo que está sendo entendido como modelo de emprego. Em uma acepção rigorosa, o modelo clássico de emprego que se originou da grande indústria se desenvolveu pari passu à
62
ação sindical e à legislação do trabalho. E seria pautado, em suas linhas mestras, pela execução de um trabalho para outrem, em troca de salário, caracterizando-se ainda por se realizar: (I) para um único empregador; (II) em local do empregador; (III) em regime de jornada integral; (IV) em período indeterminado de tempo; e (V) por incorporar uma série de direitos e benefícios para o trabalhador e de obrigações para o empregador e o Estado. Neste sentido, falar de um modelo brasileiro de geração de emprego equivaleria a falar de um conjunto de políticas - levadas a efeito sob a égide do Estado e pactuadas com empresários e trabalhadores - com vistas a ampliar o peso da categoria empregados no mercado de trabalho, e de garantir para o conjunto destes os benefícios sociais a que, por lei, fariam jus. Dentro desta perspectiva, não é difícil demonstrar que nunca houve um modelo de emprego no Brasil. Na verdade, o pressuposto básico das políticas econômicas levadas a efeito desde o pós-guerra foi sempre o de que o crescimento econômico e, em especial, o crescimento industrial, seriam capazes de gerar por si mesmos o crescimento do emprego. Crescimento econômico e absorção de mãode-obra, sobretudo através da indústria, eram até bem pouco tempo pensados como realidades indissociáveis, assumindo-se que a política de emprego era, por assim dizer, um corolário da política de crescimento. A experiência de crescimento e lransfonnação econômica, vivida pelo
Brasil no período 1950/ 1980, certamente contribuiu para reforçar este tipo de represcritação. Em três décadas, a economia brasileira logrou multi plicar por dez o valor de seu produto real e por quatro o de sua renda per capita, associando a esta expansão quantitativa profundas mudanças estruturais. No imediato pós-guerra, o perfil da economia ainda denunciava uma base predominantemente agrícola e se fazia acompanhar por forte concentração populacional no campo. Este perfil começou a se alterar, em meados dos anos 50, com a introdução de novos ramos industriais voltados para a produção de bens de capital, insumos básicos e bens de consumo duráveis. A partir daí, se consolidou um processo de expansão e modernização que, sob o impulso decisivo do Estado, pennearia praticamente a economia e se traduziria por uma taxa de crescimento médio do PIB entre 1950 e 1980 da ordem de 7,4% ao ano. O ritmo e a intensidade deste processo, contudo, não foram os mesmos para os diversos setores de atividade. Sua liderança esteve a cargo das indústrias de lransfonnação e construção civil que evoluíram a taxas de 8,3 % e 8,7% ao ano, cabendo ao setor primário o
1- Trabalho apresentado no Seminário Internacional de Geração de Emprego - Rio Negócios 8 - promovido pela FLUPEME. no Rio de Janeiro entre os dias 19 e 21 de outubro de 1993. JANE SOUTO DE OLIVEIRA - Economista
e Antropóloga pesquisadora do IBGE.
Proposta n2 59 dezembro de 1993